fotografias moradores de rua (foto-expressão)

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. . . acrescentando mais verdade à re-alidade, convertendo a fotografia em expressão, causando emoções, recortan-do o atual e emoldurando-o para outras épocas, porque a máquina não mente.

Yta de Castro

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Este volume traz a fotografia documental

alinhada à fotografia artística. Morado-

res de rua de Fortaleza foram entrevistados e

fotografados para obter um documento fotográ-

fico e/ou visual que os identificasse de forma

a transbordar para a fotografia artística.

Os elementos da fotografia documental se

unem aos da fotografia artística para ge-

rar a fotografia-expressão, uma imagem que se

localiza entre o documento e a arte contempo-

rânea, na qual o fotógrafo insere seu olhar

subjetivo, justificando e identificando sua

escrita fotográfica.

Expressar fotograficamente a vida e os pró-

prios moradores de rua em algumas regiões

de Fortaleza evidencia aspectos não apenas vi-

suais, mas históricos, sociais e econômicos.

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“Quem invadiu minha casa foi um traficante, por causa de um filho meu, fiz um boletim de ocorrência, levei no HabitaFor e já tá com 3 anos - 3 anos que moro nas ruas e meus filhos em abrigos. O meu filho tinha uma dívida de drogas e o traficante chegou lá, colocou

a gente pra fora e foi o jeito sair ou morrer.”

“ . . . meu marido vende garrafa plástica (…) faz 3 anos que eu vivo sofrendo nas ruas, sem sa-ber onde tomar banho nem o que comer, eu só queria minha casa

de novo.”FranCisCa das CHagas BarBOsa dE sOuza 38 anos 11 filhos

Mora debaixo do viaduto da Via Expressa.

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“sou pai de três filhos com a mes-ma mulher, mas há muito tempo ela me deixou porque eu bebia demais. não me lembro das feições dos meus filhos nem da mulher. não tenho fotos deles e só sei o primei-ro nome da mulher, que é Maria. Eu tinha uma casinha, deixei pra

ela. na época, eu era paliador na prefeitura. E não tenho mais documentos, perdi. Já tentei ir atrás do meu registro no cartó-rio e não consegui. O meu maior desgosto é não ter documento. sou filho de serafim de sousa neto e de Francisca raimunda de

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sousa, sou de 19 de março de 1972 e natural de Quixeramobim, mas não consegui meu registro.

Trabalhador? sou demais! Honesto também! nunca peguei o que não fosse meu. nunca! nada! nunca pedi nem roubei! Fiz essa casi-nha aqui na praça, antes era num viaduto, mas me tiraram de lá e eu vivo com os gatos daqui da pra-ça. Eu não tenho do que reclamar, sou um homem novo e feliz assim.”

FranCisCO EdiLsOn sEraFiM ddE sOusa 40 anos 03 filhosMora em uma praça localizada no bairro Parquelândia

Percorre toda a av. Bezerra de Menezes e av. sgt. Herminio com seu carrinho recolhendo mate-rial plástico

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damião Morais de almeida Bezerra, 24 anos - é de-

pendente químico e afirma que mora nas ruas porque

vontade própria e para não decepcionar seus familiares,

principalmente sua mãe nem gerar conflitos dentro de sua

casa devido seu uso excessivo de drogas. saiu de casa e

sua família não sabe por onde ele anda nem quer que sai-

ba. “Eu VigiO CarrOs, nãO sOu LadrãO, ganHO dinHEirO,

O POVO aCHa QuE TOdO MundO QuE ViVE na rua é MarginaL.

Eu nãO sOu nãO! sE Eu usO drOgas é uM PrOBLEMa MEu. Eu

QuEria sair dEssa Vida, Mas nãO TEM VOLTa.”, afirma

o garoto com seus vários anéis, colares e pulseiras.

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a fotografia-expressão é derivada da fotografia-documental que sofreu um processo de transformação, portanto carrega carac-

terísticas dela - não recusa totalmente a finalidade do documen-

tal, mas apresenta novos caminhos.

O objeto da fotografia-expressão é “um algo” totalmente dife-renciado, fruto de técnicas, planejamento, pesquisas, fami-

liarização com o objeto fotografado e métodos específicos. O olhar

do fotógrafo é subjetivo, interpretativo, imaginário, não segue

convenções fotográficas e não está preocupado com o fator merca-

dológico da imagem.

na fotografia-expressão não há uma fidelidade ao real visível,

isto era uma preocupação documental, aqui a preocupação é

construir uma realidade dentro de outra, onde o fotógrafo copar-

ticipa, intervém com sua criatividade, com seus pontos de vista,

utilizando recursos técnicos, denotando uma linguagem fotográfica

contemporânea, exprimindo e não representando.

“Eu não tenho documentos e por isso não posso ir ao hos-pital público e mesmo que eu tivesse ,lá eles não aten-dem a gente que mora rua”, comenta Leonardo, 21 anos de idade. Leonardo diz ser viciado em drogas e que quase tudo que lhe dão, inclusive alimentos, vende ou troca por entorpecentes. “não quero falar da minha vida não, mas eu trabalho capinando, levando cargas em troca de dinheiro e comida”.

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“nós vamos morrer nas drogas”, assegura Haroldo, 22 anos, que pede uma fotografia posando com o gesto “paz e amor”. O garoto não quer falar de sua vida e chama um amigo.

“sou usuário de drogas, aprendi a usar nas ruas e a me virar. ando sujo porque é difícil encontrar um lugar pra tomar banho, às ve-zes a gente vai pro mar. Eu como porque as igrejas deixam comida, pessoas dão e assim vou vivendo. não tenho casa pra voltar, mas nunca roubei ninguém, graças a deus”.

JOsé VaLdEri dE sOusa FiLHO, 32 anos, mora nas redondezas do Centro Cultural dragão do Mar desde que sua mãe faleceu há 10 anos.

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a arte abstratada, que afetou no século XX o mundo das imagens, diz respeito a um tipo de arte/imagem que rompe com a sim-

ples representatividade, ou seja, com a imagem “pura” de função

referecial, que apenas mostra a realidade, mas deixa implícito a

referência que a imagem abstrata questiona. O fato é que a imagem

representativa é também abstrata, pois uma imagem, já por ser ima-

gem representa o fotografado, e é dentro dessa representativida-

de que circula implicitamente um discurso subjetivo sobre aquilo

representado.

O trabalho do artista é combinar intercambiando elementos plás-ticos como a superfície e a cor, levando em consideração a

gama contínua de ideias e valores. é com esses elementos que se dá

um ritmo visual à uma obra, individualizando-a e qualificando-a

como única peça material e imaterial, única nos valores que pren-

tende e que se quer passar ao receptor.O material, a forma, super-

fície da imagem, a cor, os

valores plásticos, o esti-

lo, o close, a deformação,

os efeitos, entre outros,

são maneiras implícitas ao

receptor de como manipular

uma imagem ou obra para ex-

pressar um desejo e/ou sen-

timento do autor e provocar

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emoções nos receptores. Esse também é o sentido da arte que está

relacionada com valores espirituais concedendo o acesso do espec-

tador.

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Eu vim pra cá nas minhas férias com algum dinheiro, porque minha famí-lia tem boas condições. aqui gastei muito dinheiro em cocaína e até aí, era só o começo, eu não era viciado. Foi passando o tempo, fiquei por aqui e me viciei. Perdi praticamente mi-nha família, porque minha irmã mora-va aqui em Fortaleza, no centro, não mora mais, foi embora. E aí eu come-cei a “maguear”, que significa pedir. nunca me envolvi com jogo de roubo.Em agosto do ano passado fui pre-so injustamente, me confundiram com um assaltante. saí em dezembro e estou até agora tentando uma vida nova. é muita humilhação você pe-dir. Precisar de um remédio ou que-rer comer e não ter. Eu trabalhei com um dos melhores decoradores de Pernambuco, já fui garçom, chefe de almoxarifado… a gente precisa não é de uma moeda, é de uma oportuni-dade. Moro das ruas há sete anos.sou operador de máquinas de triturar pedras. Trabalhava numa empresa, mas cheirava, cheirava e fui me afastando do trabalho. O que me magoa é a famí-lia, porque descobriram somente agora a pouco que eu estou morando na rua e disseram que viriam me buscar. Mas fica aquilo de enviar passagem pra eu voltar para recife um dia, e no ou-tro e nunca enviam. Estou esperando.não cobro nada dos meus pais. Educação eles me deram. nunca tive carinho de pai, mas de mãe sim. Eu sei que, se eles mandaram vir me buscar, quando eu chegar lá vou pra uma clínica, só que para o pó e pedra não tem cura. a cura é você querer, se apegar a deus, porque clínica nenhuma vai curar você.Os políticos têm que parar de pensar

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mais na copa e nas empresas, e pensar em nós, que somos cida-dãos e por causa de nós que eles estão onde estão. Eu já estive em uma casa de apoio, no CaPs (agora CentroPop), aqui em Fortaleza, mas eu não gostava porque eles trabalhavam com amytril e esse remédio me causou também depen-dência química e é pior que o rivotril, e eu já fui viciado em rivotril. é essa a minha história.

giLMar aLVEs dOs sanTOs, 30 anos,

flanelinha

vive nas redondezas das av. dom Luís com ruas Frederico Borges e Mns. Catão.

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a fotografia ao passar dos anos, veio acompanhada de elementos não fotográficos, como textos, mapas e objetos, ficando equi-

valente a um documento trivial, neutro, ou registro automático,

instrumento, vetor.

a fotografia se tornou um dos principais expedientes para ex-perimentar alguma coisa, para dar aparência de participação.

Tirar fotos nivela o significado dos acontecimentos, porque imor-

taliza o objeto fotografado; após o evento, a foto ainda existira.

diversas famílias imortalizam parentes que já não estão entre nós

através do acervo fotográfico que estes possuíam enquanto vivos.

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uma câmera é vendida como uma arma predatória. a mais automati-

zada possível, pronta para disparar. Os fabricantes garantem

a seus clientes que tirar fotos não requer nenhuma habilidade ou

conhecimento especializado, que a máquina já sabe tudo e obedece

a mais leve pressão da vontade. Que seria tão simples como girar

uma chave ou puxar um gatilho.

Fotografar pessoas seria violá-las, ao vê-las como elas nunca

se veem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem

ter. Fotografar é participar da mortalidade, da vulnerabilidade e

da mutabilidade de outra pessoa (ou coisa).

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Há fotógrafos com um olhar individual e com um olhar registrador

de objetos, isso separa a fotografia artística da fotografia

como documento – o olhar do fotógrafo. uma sociedade capitalista

apresenta uma cultura baseada nas imagens. as câmeras definem a

realidade de duas maneiras, uma para a massa, com o objetivo de es-

petáculo, e outra para os governantes, com objetivo de vigilância.

À medida que produzimos imagens, as consumimos numa escala desen-

freada. a posse de uma câmera inspira as pessoas a verem o mundo

de imagens de muitas outras formas até então ainda não vistas.

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Os moradores de ruas são pessoas que, em sua maioria, saíram de

casa ou foram expulsas devido ao seu envolvimento com entorpe-

centes - não existe uma droga mais comum, pois eles usam um pouco

de tudo. as relações com seus familiares se perderam na medida em

que se aproximaram do vício e de práticas ilícitas, como roubo e

tráfico. Parte deseja sair das esquinas e voltar ao convívio da

família e mesmo afirmando que isto é algo utópico, ainda desejam

e precisam de uma nova oportunidade. sem condições básicas de hi-

giene ou acesso à saúde pública, por não possuírem seus documentos

pessoais, perambulam maltrapilhos pelas esquinas das grandes ave-

nidas da cidade, limpando parabrisas de automóveis, atuando como

“flanelinhas”, recicladores ou simplesmente pedindo alimento e

dinheiro aos transeuntes que pouco se importam com a realidade de

quem lhe estende a mão no intuito de receber alguma ajuda.

é possíver fazer fotografia artítica sem anular suas as carac-teríticas documentais, entre elas, a veracidade.

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Fotos, texto, edição e design: Yta de Castro

Material: máquina fotográfica nikon modelo d70

e d5100 dotada de lente grande-angular 18-70

mm – lente usada pela característica de projetar

um círculo de imagem maior do que seria o comum

para uma objetiva de design padrão de mesma dis-

tância focal, permitindo um campo amplo de visão.

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atualmente Yta de Castro é sócia-proprietária

da empresa Yta de Castro Fotografia que re-

aliza fotos em estúdio e de eventos, além disso,

trabalha na área de produção de texto e imagens

para as mídias digitais atuando no marketing di-

gital.

Formada em Jornalismo pela Estácio de sá, fre-

quentou cursos de Fotografia no Porto - Por-

tugal e Fireze - itália. Yta continua se especia-

lizando na área fazendo pós-graduação em Mídias

digitais na universidade de Fortaleza, onde mora

atualmente. www.ytadeacstro.com.br