fotografia jornalística e mídia impressa

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125Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral

JORNALISMO

Fotografiajornalística emídia impressa:formas deapreensãoRESUMOEste texto busca atentar para a importância do fotojor-nalismo enquanto forma de representação visual na mídiaimpressa na atualidade. Mais especificamente, procura-sepensar o papel da relação fotografia-jornalismo nos proces-sos de construção de sentido existentes nos veículos impres-sos jornalísticos de grande circulação. Neste percurso sãoexplorados alguns aspectos e características da linguagemfotojornalística, bem como sua inserção no contextomidiático e social.

ABSTRACTThis article underlines the importance of photojournalismas a form of visual representation on daily newspapers.More specifically, it considers what role the relationshipbetween photography and journalism has in the processesof meaning production in newspapers of wide circulation.With this purpose in mind, we will explore some of theaspects and characteristics of the photojournalisticlanguage, as well as its insertion in the media and in thesocial context.

PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS)- Fotojornalismo (photojournalism)- Mídia Impressa (printed media)- Jornal Diário (daily newspaper)

Frederico de Mello Brandão Tavares&Paulo Bernardo Ferreira Vaz GRIS/UFMG

NA MÍDIA IMPRESSA em geral, atualmente, afotografia é a forma de representação visu-al mais utilizada. Para além dos recursosgráficos (layout, tipografia, cores etc.), a fo-tografia salta aos nossos olhos como men-sagem, como texto visualmente relevante ecarregado de sentido. A fotografia não estáali por acaso. Ela tem uma função, apareceem um formato, possui uma intenção. Aprópria maneira como está impressa resul-ta de uma série de negociações – às vezestensas e conflituosas – que envolvem umcomplexo processo de produção editorial.

No mercado da mídia impressa – e noseu alcance dentro da sociedade – desta-cam-se os veículos jornalísticos. Um rol derevistas e jornais povoa as bancas, além dese tornarem disponíveis em espaços públi-cos e privados. Em muitos formatos, ende-reçados a públicos distintos, jornais e revis-tas têm funções e objetivos informacionaisdiferentes, o que pesa no seu processo pro-dutivo, nas mensagens (no conteúdo deseus produtos finais), na sua periodicida-de, no seu valor. Diante deste contexto, ésempre bom lembrar das várias faces que arealidade que nos cerca pode assumir. Emcada veículo de comunicação há uma pro-posta de leitura sobre o mundo, sobre umaspecto dele. Em cada publicação há umaespécie de construção própria da realida-de. Olhando jornalisticamente para esteuniverso pode-se dizer: em cada um dessesveículos há uma tentativa de se circunscre-ver o real, às vezes buscando dar conta deseu todo – como o fazem (ou tentam fazer)os jornais diários – ou de algum de seusaspectos (caso das revistas especializadas,por exemplo). Desta forma, compete ao lei-tor olhar para cada um destes veículos di-

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mensionando suas várias facetas, procuran-do entender a conexão existente entre a(s)realidade(s) da vida cotidiana e as leiturasou as imagens construídas sobre ela(s) nosjornais e revistas que tem sob os olhos.

De alguma maneira, os meios de co-municação moldam o horizonte de conheci-mento do leitor sobre um determinado nú-mero de realidades, sejam elas realidadesatuais ou do passado – e até mesmo, “reali-dades do futuro”, ainda inexistentes. Aoressaltar a presença e o papel da mídia navida cotidiana, construindo experiência eapreendendo sentidos sobre o mundo, Ro-ger Silverstone diz: “Nossa mídia é onipre-sente, diária, uma dimensão essencial denossa experiência contemporânea. É im-possível escapar à presença, à representa-ção da mídia” (SILVERSTONE, 2002, p.12)1 . Para o autor, na atualidade, a mídiasitua o homem no mundo e dimensionasuas experiências. Seu papel na vida cotidi-ana é de grande relevância e daí a impor-tância de se pensar o que a mídia faz e oque pode o leitor fazer com ela.

Como no Brasil a presença midiáticase dá de forma mais forte na vida dos cida-dãos através da televisão, não se podecomparar o alcance de um canal televisivocom o de um jornal impresso. Mesmo setratando do jornal de maior circulação nopaís, o seu número de leitores é infinita-mente inferior ao de telespectadores. Essasituação, entretanto, não torna menos rele-vante a grande importância da atuação damídia impressa. Como um jornal, por me-nor que seja a sua tiragem, é distribuídoem milhares de exemplares, e como é sabi-do que se multiplicam (por quatro) o nú-mero de leitores de cada jornal em circula-ção, pode-se falar então da relevância desua representatividade, de sua penetraçãona sociedade e das possíveis conseqüênci-as de seu processo de leitura.

Assim, o interesse em estudar a mídiaimpressa nos coloca o desafio de pensar osveículos jornalísticos diários, cuja repre-sentatividade deve ser sempre relevada,mesmo que em um cenário comparativo

com outras mídias. Além disso, deve-se di-mensionar o que há de específico e caracte-rístico nestes produtos: o que dizem, o querepresentam e o que constroem na vida co-tidiana, pois nela estão inseridos, tornan-do-a mais complexa.

Destacando a fotografia nesses veícu-los, devem ser relembradas as palavras deSusan Sontag: “[...] a importância da ima-gem fotográfica como o meio através doqual um número cada vez maior de even-tos penetra nossa experiência é, finalmente,apenas um produto paralelo da sua capaci-dade de propiciar-nos conhecimentos dis-sociados da experiência e independentesdela” (SONTAG, 1981, p. 150). Para a auto-ra, a fotografia redefine o conteúdo de nos-sa experiência cotidiana e acrescenta vastasquantidades de material (pessoas, coisas,eventos etc.) que jamais chegamos a ver oupresenciar. As palavras de Sontag nos re-metem para uma função importante do fo-tojornalismo. Nesse sentido, no jornal, asimagens funcionam como ponte entre oacontecimento e o leitor, permitindo a esseimaginar o cenário e de alguma forma aação que ali ocorre.

A pensar nesse caráter da fotografia,deve-se ter em mente as formas como a fotose presentifica em nossa vida e como suasespecificidades são determinantes. Mascomo classificar as fotografias na amplagama de imagens fotográficas espalhadaspelas revistas e jornais impressos? O quehá nelas de específico? Como tais especifi-cidades se apresentam na construção desentido realizada por estas imagens? Se forfeita uma espécie de radiografia de todasas fotografias presentes nessas mídiaspode-se, a princípio, criar uma divisão bi-polar. De um lado estariam todas as foto-grafias jornalísticas, ligadas aos textos (ma-térias, reportagens, colunas) e do outro, asfotografias publicitárias, presentes nosanúncios destes veículos. Feita essa separa-ção, fica claro que ao se referir a fotojorna-lismo, fala-se de um determinado tipo defotografias. Este trabalho quer pensar estacategoria fotográfica, além de procurar

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suas especificidades e sua relação com ocontexto para o qual ela se volta e para otipo de construção da realidade por ela rea-lizada.

Jorge Pedro Sousa busca definir o queseria o fotojornalismo. Para o autor, tal de-finição é complexa, uma vez que há umamultiplicidade de fotógrafos que se “cla-mam” como pertencentes ao setor, mesmoque seu trabalho não tenha convergênciascom o fazer temático, técnico e com pontosde vista jornalísticos presentes na grandemaioria das fotografias jornalísticas. “Emesmo quando se fala do fotojornalismocomo atividade orientada para a produçãode fotografias para a imprensa, repara-seque vários fotógrafos que se reclamamigualmente jornalistas apostam noutros su-portes de difusão.” (SOUSA, 2000, p. 11)Devido a essa complexidade de classifica-ção e definição, o autor propõe abordar oconceito de fotojornalismo num sentidoamplo e num sentido restrito, lembrandoque “[...] em qualquer caso, para se abordaro fotojornalismo tem-se que pensar numacombinação de palavras e imagens” (SOU-SA, 2000, p. 11-12), sendo que as primeirasdevem contextualizar e complementar assegundas.

Seguindo, portanto, com a proposiçãode Sousa, o fotojornalismo seria, em umsentido mais amplo, uma atividade “de re-alização de fotografias informativas, inter-pretativas, documentais ou ‘ilustrativas’para a imprensa ou projetos editoriais liga-dos à produção de informação de atualida-de” (SOUSA, 2000, p. 12). Por isso, há umaproeminência da intenção, da finalidade enão do produto. O autor inclui aqui as fo-tos documentais (fotodocumentarismo),ilustrativas (fotos de divulgação, por exem-plo) e dois outros tipos fotográficos que eleassim denomina (SOUSA, 2000, p. 12): spotnews (fotografias únicas que condensamuma representação de um acontecimento eo significado deste) e feature photos (fotogra-fias de situações peculiares encontradas es-pontaneamente pelos fotógrafos). Já emsentido mais restrito, Sousa aponta o foto-

jornalismo como atividade que “[...] podevisar informar, contextualizar, oferecer co-nhecimento, formar, esclarecer ou marcarpontos de vista (‘opinar’) através da foto-grafia de acontecimentos e da cobertura deassuntos de interesse jornalístico”2 (SOU-SA, 2000, p. 12).

Conceitualmente, as diferenças entreas definições sobre o fotojornalismo são tê-nues. O que talvez marque mais precisa-mente o caráter das fotografias jornalísticassão o imediatismo e o inesperado, presen-tes no dia-a-dia do repórter fotográfico. Di-ferentemente de um fotodocumentarista, ofotojornalista não dispõe para o seu traba-lho de um longo tempo de preparação eelaboração3 . Há uma certa urgência na pro-dução fotográfica e em seus resultados. As-sim, em meio aos vários tipos de fotos jor-nalísticas e as suas classificações possíveis,este trabalho se volta para o fotojornalismodos grandes jornais diários e procura o ca-ráter testemunhal e informacional da foto-grafia, sem abrir mão de pensar o significa-do desta em relação à notícia (texto) e comonotícia (ela própria)4 .

A discussão sobre o caráter fotojorna-lístico da fotografia coloca em evidência al-gumas noções como informação, notícia,acontecimento. Nas reflexões de RolandBarthes (1984) sobre o studium fotográfico eo papel do Operator e do Spectator em rela-ção a ele, a fotografia assume uma série defunções tais como: representar, surpreen-der, dar significação, provocar desejo. A es-tes atributos, poderiam ser acrescentados:documentar, testemunhar, comunicar. Noentanto, entremeando estas designações,encontra-se uma função, talvez a mais im-portante, das imagens fotográficas: a de for-necer informações. Segundo Susan Sontag(1981), o valor fotográfico se dá a partirdeste atributo: “A fotografia é valorizadaporque nos fornece informações” (SON-TAG, 1981, p. 21). Roland Barthes (1984,1990) também trabalha com esta idéia, as-sim como Jorge Pedro Sousa (2000, 20045 ),Lorenzo Vilches (1983, 1993), Adriano Du-arte Rodrigues (1994) e outros autores. Des-

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sa forma, ao pensar o fotojornalismo, toma-se a fotografia como notícia. Trabalhar comesse caráter informacional torna-se essenci-al. A fotografia jornalística é notícia quepossui informação sobre algum aconteci-mento, transmitindo e comunicando algo.Mas, antes de aportar no fotojornalismo,deve-se transitar pela mídia impressa paraa qual dirigimos nosso olhar.

1 O jornalismo e o jornal impresso:um modo de narrar o mundo

Para delimitar as funções ou o papel de-sempenhado pelo jornalismo deve-se che-gar a uma série de atributos. Muitos auto-res que estudam o jornalismo – conceitua-ções, técnicas, linguagem – atribuem a essaprática uma variedade de características.Dessa forma, chegar a uma idéia única so-bre a questão pode ser problemático. Ape-sar disso, não há como negarmos que, emgeral, o jornalismo e mais especificamenteos jornais possuem como função preponde-rante “relatar a realidade” através das notí-cias; transformar os acontecimentos da vidacotidiana em fatos a serem noticiados, eminformação a ser veiculada6 . Segundo Nel-son Traquina, o jornalismo pode ser expli-cado ou sinteticamente definido “[...] pelafrase de que é a resposta à pergunta quemuita gente se faz todos os dias – o que éque aconteceu/ está acontecendo no mun-do?” (TRAQUINA, 2004, p. 20). O jornalis-mo, nesse sentido, é a atividade de “contarestórias”, onde o contador é o jornalista ecuja transmissão se dá através de um veí-culo que, no nosso caso, é o jornal impres-so. A ação do jornalista, assim, está na no-vidade, no curioso, no acontecimento (na-quilo que se torna acontecimento para ele).O jornalismo está atento aos fatos que ocor-rem no mundo, está ligado aos sujeitos e àssuas relações. Ele é mediador de experiên-cias e partilhas. Possui e constrói um tem-po e um lugar, assim como faz parte de umlugar e de um tempo.

No entanto, deve ser melhor dimensionadoesse papel do jornalista, a maneira comoele olha para a realidade que o cerca e querealidade é esta. No mundo atual, o jorna-lismo é uma entre várias outras práticas dese ver e contar a realidade. Não há nas soci-edades, no espaço das grandes cidades,por exemplo, somente um narrador, so-mente um contador de estórias. Nas socie-dades hodiernas, o jornal e o jornalista de-vem ser tomados como narradores especi-alizados, mas não são únicos nem exclusi-vos no contexto das várias narrativas e nar-ratividades que circundam a vida atual. Eno próprio jornal – tanto nas imagens quan-to nos textos – jornalista e fotógrafo nuncaestão sozinhos. As fontes e suas falas, ospersonagens fotográficos e suas ações, dei-xam clara a existência de um processo nar-rativo dinâmico e polifônico no qual se in-serem os “narradores oficiais” do jornalis-mo. Há no jornal uma narrativa, não hácomo negar. Mas essa narrativa compõe-seda materialização de várias outras formasde se narrar e se ver o mundo. Os aconteci-mentos para os quais se volta a prática jor-nalística encontram-se (des)organi-zada-mente dispostos na realidade social, masnão são vazios de sentido. Eles incorporamformas e visões de mundo; corporificamtempos7 e espaços que lhes são também ex-ternos e anteriores; sem, no entanto, deixarde envolvê-los. Assim, o jornalista, como“narrador profissional”, faz convergir parauma esfera de comunicação especializadauma série de elementos já dispostos na tra-ma comunicativa do cotidiano.

Nesse sentido, o jornalismo é umaprática especializada, uma forma profissio-nal de narrar o mundo e as várias outrasnarrativas que dele fazem parte. Na pers-pectiva de Vera França, o jornalismo estáenraizado no terreno da palavra humana econstitui-se em uma maneira própria de di-zer a sociedade. A palavra jornalística, suamensagem, “[...] se constrói como uma pa-lavra especializada que se distancia poucoa pouco de outras dinâmicas de circulaçãoda informação na sociedade” (FRANÇA,

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1998, p. 28). A palavra jornalística (que nãonecessariamente se restringe aos textos)possui meios distintos e próprios de circu-lação, que a tornam, também, mediação.

O texto jornalístico – seja ele textualou visual – reconta a realidade através deum formato próprio, organizando os acon-tecimentos e transformando-os em informa-ção e notícia8 . O acontecimento, por isso,seria a própria realidade, o que nos é exter-no e é por nós experienciado espontanea-mente na movimentação do dia-a-dia. A re-alidade fragmentada e em constante movi-mento faz com que o acontecimento seconstitua na matéria-prima que alimenta ofazer jornalístico. O jornalista, olhandopara os muitos fragmentos que se apresen-tam visíveis no mundo, faz com que não oacontecimento, mas os acontecimentos (dis-postos de forma aleatória na realidade coti-diana) saiam do seu estado de entropia e seajustem, coerentemente, em um dispositi-vo9 . “As notícias são o resultado de umprocesso de produção, definido como apercepção, selecção e transformação deuma matéria-prima (os acontecimentos)num produto (as notícias).” (TRAQUINA,1993, p. 169) Mais que narrativas comuns,as notícias são resultado de um processoque envolve um conjunto de negociações edisputas10 . E o sentido daí produzido nãose esgota somente no produto final, deven-do também ser buscado e apreendido nasinterlocuções existentes no seu processo deprodução e recepção11 . Por este motivo,mais do que informar, podemos dizer queo jornalismo também comunica, servindocomo mediador da/na sociedade, entrela-çando a realidade cotidiana em suas esfe-ras macro e micro, organizando sua cons-tante desordem.

Baseado nessa perspectiva, MauriceMouillaud diz que o processo de produçãoda notícia não deve ser apreendido comouma interação face a face do jornal em rela-ção ao caos do mundo. Para ele, a mídiaem seu conjunto está situada no fim deuma extensa cadeia de transformações quelhe entregam um real já domesticado. “O

jornal é apenas um operador entre um con-junto de operadores sócio-simbólicos, sen-do, aparentemente, apenas o último [...].”(MOUILLAUD, 2002, p. 51) Neste sentido, ainformação produzida e veiculada pelo jor-nal não é o transporte de um fato12 mas simum ciclo ininterrupto de transformações. Ainformação, materializada na forma de no-tícia, é resultado de uma série de acordos edisputas que se dão desde o momento doacontecimento em si, passando pelos seusagentes e interlocutores (os mais diversos),até chegar aos jornalistas e aos leitores dojornal13 . Estes últimos, também interlocuto-res, um após o outro, informam (no sentidode dar forma) o acontecimento, agregando-lhe sentidos continuamente. Ressalta-se aí,portanto, o papel mediador do jornal e seulugar numa certa “cadeia comunicativa desentidos” da qual ele faz parte. Os aconte-cimentos devem ser vistos como tambémdeterminados (ou pertencentes) a proces-sos de informação anteriores a eles, existen-tes na dinâmica espaço-temporal da socie-dade. E, devido a tais determinações, os li-mites do acontecimento, como relembra opróprio Mouillaud, não são unívocos. “Oacontecimento só é um acontecimento noplural” (MOUILLAUD, 2002, p. 68), cujamoldura, ao enquadrar, já sugere uma ex-pansão. Uma expansão que virá tanto dofazer jornalístico (desdobramentos da notí-cia) quanto dos interlocutores (desdobra-mentos de sentido a partir dos jornalistas edos leitores do jornal).

Sob o prisma da abertura de sentidosexistente no processo de fabricação e apre-ensão dos acontecimentos e das notícias,devemos lembrar que os conteúdos discur-sivos dos jornais de modo algum podemser tomados como neutros ou imparciais. Ojornalismo é uma prática social marcadapelo mito da objetividade mas, antes detudo, é uma forma de olhar e registrar ocotidiano social, a sociedade e o mundonos quais ele se insere. “Os jornais existemem contextos específicos que vão orques-trar de maneira singular seus elementosconstituintes e sua configuração.” (FRAN-

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ÇA, 1998, p. 29) Neles, a subjetividade estáconstantemente presente e, por isso mes-mo, é instrumento da construção de seusdiscursos e está implícita em seus conteú-dos e mensagens. A informação é umaconstrução simbólica e, também, objetiva-ção de uma subjetividade. Se na base dessacadeia de sentidos temos os sujeitos pro-dutores da notícia e os acontecimentos (am-bos objetivados e subjetivados a todo mo-mento), também temos em outro extremoos sujeitos leitores, aqueles que consomema produção noticiosa, que lidam com reali-dades distintas e com as realidades jorna-lísticas interagindo-as e dando a elas novossignificados.

O jornalismo, ao emoldurar o fluxo davida cotidiana recortando seus fragmentos,reproduz (recriando) uma realidade funda-mentada em uma série de mecanismos eprocedimentos próprios que, acima detudo, possuem uma função social e umcomprometimento com a sociedade da qualele diz e para a qual ele fala. O jornalista,socialmente, atua como interlocutor entre asociedade e ela mesma. Um jornal, mais doque trazer notícias, “testemunha também osentimento de uma sociedade, seu padrãode sociabilidade, sua maneira de falar”(FRANÇA, 1998, p. 17). Assim, o jornal pro-move uma passagem, permitindo uma tro-ca comunicacional e relacional entre os su-jeitos e o mundo. Ele provoca um elo entreinterpretações e significações, possibilitan-do ao seu leitor se reconhecer e, conse-qüentemente, se situar no contexto espaço-temporal de sua realidade, uma realidadeali construída e transmitida.

Esse posicionamento de sujeitos per-mitido pelo jornal faz com que a informa-ção jornalística traga as marcas de seu tem-po, do presente que ela aborda, da atuali-dade. O cotidiano é reorganizado e sua di-nâmica passa a ser moldada por uma ca-deia de procedimentos valorativos e caden-ciados de noticiabilidade14 . Há nos proces-so de produção, seleção e apresentação dasnotícias, rotinas marcadas por um fazer es-pecífico, por um ambiente organizacional,

por uma dinâmica temporal presos à hie-rarquização de conteúdos e à urgência dotempo15 , a uma normatização discursivaprópria; o que varia, segundo Mauro Wolf(2001), de acordo com a organização do tra-balho específico de cada redação e de cadameio de comunicação. Cada jornal incorpo-ra tais características jornalísticas de manei-ras próprias e singulares. Além de seremveículos, em sua maioria, de grande circu-lação, o que lhes atribui especificidades emrelação a outros tipos de jornalismo, há di-ferenças entre suas linhas editoriais, entreas hierarquizações das notícias por elespraticadas, entre suas fontes, entre suas ro-tinas produtivas. Há entre eles formas dis-tintas de linguagem. Textos, imagens, for-mato, diagramação, tipografia, projeto grá-fico e até o preço de cada jornal expressammaneiras jornalísticas particulares e ofere-cem diferentes construções narrativas (in-cluindo-se aqui não só o produto, mas tam-bém o processo produtivo) sobre a realida-de. Há também diferenças no público-alvo,assim como em sua tiragem e no alcance/penetração de cada um deles. Há diferençaentre os temas os quais cada um delesapresenta e representa.

Considerada a importância de parti-cularidades do jornal, voltamos nossoolhar para uma forma discursiva específicapresente no jornalismo impresso: suas foto-grafias. O que torna jornalística a fotografiapresente no jornal? O que há de jornalísticono fotojornalismo? Na dinâmica existenteentre foto e jornalismo há a conformação deum contexto de sentido que possui regras efuncionamento próprios, o que marca mui-to propriamente as mensagens que advêmdessa relação, sem retirar-lhe o caráter sim-bólico e fechar-lhe o sentido.

2 O fotojornalismo: narrativasvisuais no jornal

A fotografia não aparece no jornalismo im-presso apenas para ilustrar. Por isso, o pa-pel que ela desempenha nesse suporte é de

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tamanha importância. Estampada no jornal,a fotografia torna-se uma munição para ojornalista, que busca dar sempre veracida-de àquilo sobre o que escreve. Segundo Lo-renzo Vilches, “toda fotografia produz uma‘impressão de realidade’ que no contextoda imprensa se traduz por uma ‘impressãode verdade’”16 (VILCHES, 1993, p. 19, tra-dução nossa). A foto funciona no jornalcomo se fornecesse provas. “Determinadacoisa de que ouvimos falar, mas que nossuscita dúvidas, parece-nos comprovadaquando dela vemos uma fotografia. Umadas variantes da utilidade da câmara foto-gráfica está em que seu registro denuncia.”(SONTAG, 1981, p. 5) A foto, assim, não ésó imagem da notícia. Ela também é notí-cia17 .

A fotografia jornalística é atividadeespecializada, cujo desempenho en-volve conhecimento muito além domanuseio do processo. Trata-se de se-lecionar e enquadrar elementos se-mânticos de realidade de modo que,congelados na película fotográfica,transmitam informação jornalística(LAGE, 1999, p. 26, grifo do autor).

Assim como na produção textual, aprodução jornalístico-fotográfica molda arealidade, partindo dos pressupostos denoticiabilidade existentes, aliando-os aprincípios e fundamentos técnicos (angula-ção, lentes, luz, enquadramento etc.). Con-forme aponta Susan Sontag, ao ser “[...] fo-tografada, determinada coisa torna-se partede um sistema de informações amoldado aesquemas de classificação e armazenamen-to [...]” (SONTAG, 1981, p. 150). O fotojor-nalismo torna acessível em imagens a reali-dade para a qual o jornal se volta, reforçan-do as palavras e contribuindo para a cons-trução de um imaginário a respeito dosacontecimentos traduzidos como fragmen-tos metonímicos do mundo pelo jornal, cri-ando também os próprios acontecimentosfotográficos. “Ali onde o fotógrafo decideapontar sua câmera nasce a cena informati-

va. Isto é tão certo que, se mudarmos oponto de vista ou a cena, muda o aconteci-mento.”18 (VILCHES, 1993, p. 141, traduçãonossa) A fotografia do jornal nos aproximade determinado acontecimento, fazendo-nos conhecê-lo e dando-nos a sensação deque dele participamos. Muitas vezes, quan-do pensamos em determinado episódio,são as imagens da mídia que nos vêm àmente como se tivéssemos vivido determi-nada situação. As imagens fotojornalísticassão responsáveis diariamente pela confor-mação e pela criação de cenas que nos dãoversões imagéticas da realidade cotidianaque nos cerca.

Dessa forma, dentre os instantâneosfotográficos,

a fotografia de imprensa adquiriu, nomundo actual, uma autonomia e umestatuto próprios. O estatuto óbvio detestemunho da actualidade represen-tada é acrescido de cargas valorativas.Este acréscimo ou este excesso de sig-nificações conotadas é, antes de mais,o resultado da sua própria selecção,provém do facto de ser esta e não ou-tra fotografia qualquer que foi tirada,seleccionada e publicada. A fotografiajornalística converte por isso o aconte-cimento fotografado em acontecimen-to notável, em cena emblemática(RODRIGUES, 1994, p. 125).

A foto jornalística, como notícia, ditavisualmente a informação, legitimandoalgo que devemos saber e que está marca-do para ser percebido.

A moldura jornalística realizada pelafotografia opera simultaneamente, no senti-do apontado por Maurice Mouillaud: umcorte e uma focalização. Um corte porquesepara um determinado espaço, separan-do-o daquilo que o envolve; uma focaliza-ção porque, “[...] interditando a hemorragiado sentido para além da moldura, intensifi-ca as relações entre os objetos e os indiví-duos que estão compreendidos dentro docampo e os reverbera para um centro”

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(MOUILLAUD, 2002, p. 61). O repórter fo-tográfico – assim podemos chamar tambémo fotojornalista – institui uma cena do acon-tecimento, isolando um fragmento da expe-riência (no espaço e no tempo), separando-o de seu contexto, permitindo sua conser-vação e seu transporte.

Neste sentido, o fotojornalista realizaconstantemente, na formatação visual dainformação, um enquadramento. Conformeproposto por Jacques Aumont (2001), todoenquadramento estabelece uma relação en-tre um olho fictício – o do pintor, da câma-ra, da câmara fotográfica – e um conjuntoorganizado de objetos no cenário19 . No jor-nal, o enquadramento é temático. Enqua-dra-se editorialmente. Há jornais que prefe-rem mostrar a ferida e jornais que preferemmostrar o curativo. A fotografia jornalísticaé parte de um conjunto de mensagens ma-terializadas em um veículo chamado Jor-nal, cada qual com sua linha editorial, oque reflete diretamente sobre a produçãofotográfica. Junto a sua bagagem cultural,ideológica, política, o fotógrafo é orientadoa todo momento pela linha editorial do veí-culo em que trabalha, pela pauta previstapela editoria daquela cobertura. A fraçãoda realidade a ser captada por ele20 possuiuma enorme carga semântica intencional,embora o resultado expressivo da fotogra-fia seja muitas vezes espontâneo21 . “Os fo-tojornalistas trabalham com base numa lin-guagem de instantes, numa linguagem doinstante, procurando condensar num ou emvários instantes, ‘congelados’ nas imagensfotográficas, toda a essência de um aconte-cimento e seu significado.” (SOUSA, 2004,p. 13)

Lorenzo Vilches nos diz que o aspectosemântico da imagem jornalística é consti-tuído pelos códigos de conteúdo que orga-nizam as formas de expressão em unidadesde leitura. O plano da expressão, em outraspalavras, organiza a “visibilidade” do textovisual, enquanto que o plano do conteúdoorganiza sua “legibilidade” ou compreen-são. Ao leitor do jornal caberá buscar o con-teúdo implícito e explícito da fotografia

veiculada. Por este motivo, conclui Vilches:“A foto de imprensa se apresenta comouma enciclopédia onde leitores diversospodem buscar significados diversos segun-do seus interesses”22 (VILCHES, 1993, p.84, tradução nossa). Em toda sua reflexão, oautor ressalta a importância da leitura foto-gráfica na apreensão dos significados exis-tentes nas fotos dos jornais. Para ele, as fo-tos são como textos que se oferecem paraserem lidos. E, ao lermos tais imagens,mais que ver a verdade das coisas, nós aspercebemos; e a percepção é um processocriativo no qual nós promovemos a relaçãode nossas referências materiais, sociais eafetivas23 .

Sendo assim, a estrutura da imagemjornalística é por vezes complexa e, porisso, a mesma se configura como um pro-duto de diversas transformações discursi-vas. Buscar nas fotos jornalísticas a repre-sentação de sujeitos sociais é saber lidarcom realidades históricas que, marcadaspela dinâmica dos meios de comunicaçãoimpressa, são atualizadas e re-significadasdiariamente. O jornal, ao veicular imagens,possui objetivos e sabe o que pretendemostrar. As fotografias jornalísticas não sãoinocentes: elas traduzem um acontecimen-to, construindo-o. Recortam uma realidade,são notícia e transmitem informação. Alémdisso, funcionam, assim como o jornal eseus textos, como mediadoras e peças im-portantes para a construção de uma ima-gem (no sentido de um imaginário) sobrealgo específico; sobre uma realidade espe-cífica.

2.1 Diálogos entre a foto e o textoverbal

O jornal é por nós entendido como um veí-culo de comunicação dotado de estratégiascomunicativas que se articulam na co-pre-sença texto e imagem, assim como na dia-gramação destes elementos na página.Todo esse conjunto, a composição por eleestabelecida, faz com que as fotografias

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nele presentes não sejam meramente ilus-trativas, mas, antes, narrativas dotadas deuma mensagem específica e intencionada.Tais intenção e especificidade fazem comque a conexão texto-imagem dentro do jor-nal, na página do jornal, crie uma interde-pendência contínua. Diagramação, títulos elegendas possuem papel decisivo na per-cepção da fotografia jornalística.

Para Jorge Pedro Sousa, a conciliaçãode fotografias e textos é uma das estratégi-as do fotojornalismo para informar. Nãoexiste fotojornalismo sem texto, diz o autor.Sousa defende que “[...] quando se fala defotojornalismo não se fala exclusivamentede fotografia” (SOUSA, 2004, p. 12). Os tex-tos, neste sentido, seriam complementaresà construção de sentido da mensagem foto-jornalística. Lorenzo Vilches (1993) não par-tilha totalmente destas idéias e reitera que,apesar de serem complexas e interdepen-dentes as relações existentes entre o textovisual fotográfico (icônico no sentido colo-cado pelo autor) e o texto verbal, devemoster sempre em mente que o fotojornalismoé dotado de certa autonomia.

Em sua reflexão estruturalista sobre aimagem fotojornalística, Roland Barthes(1990) também aponta para a relação entreo texto verbal e a imagem. Para o autor, otexto verbal funciona como método de co-notação da imagem fotográfica. Não é so-mente a imagem que ilustra a palavra econtribui para a denotação desta. Há umainversão de papéis. É a imagem que se tor-na conotada e tem o texto como aliado nes-te processo.

Martine Joly diz que a relação entreimagem e texto é, na maioria das vezes,abordada em termos de exclusão (como ex-cludentes) ou em termos de interação, masraramente em termos de complementarida-de. Joly trabalha não só com as palavrasque estão ligadas às imagens em um mes-mo contexto e suas funções, mas tambémcom a questão da interpretação. Não hácomo analisar uma imagem, interpretá-la,sem descrevê-la. “[...] quer queiramos, quernão, as palavras e as imagens revezam-se,

interagem, complementam-se e esclarecem-se com uma energia revitalizante. Longe dese excluir, as palavras e as imagens nu-trem-se e exaltam-se umas às outras.”(JOLY, 1996, p. 133)

Mas como todas essas proposições sematerializam no fotojornalismo? Qual acontribuição e a complementaridade dostextos na construção da realidade promovi-da pelas fotografias nos jornais?

Existem basicamente três tipos de tex-tos relacionados diretamente à fotografiano contexto do jornalismo impresso: asmanchetes (títulos e subtítulos), as legen-das e o texto das matérias jornalísticas emsi. Ivan Lima também realiza essa divisãoapontando que “na imprensa, a relação dafotografia com a escrita se dá em três ní-veis, que por sua vez se inter-relacionam:1) fotografia-legenda; 2) fotografia-manche-te; 3) fotografia-texto” (LIMA, 1988, p. 31).Para o enfoque específico de nosso traba-lho, exploremos um pouco mais a relaçãofoto-legenda e a relação foto-manchete.

Segundo Lima, a legenda é parte inte-grante de uma fotografia. “Na fotografia deimprensa, a legenda faz a relação entre aimagem e o texto, referindo-se ao fato e,portanto, ao espaço e ao acontecimento, deforma mais específica.” (LIMA, 1988, p. 31-32) Para o autor, a legenda pode tanto en-dossar o que se passa na imagem quantomodificar inteiramente o que se vê na foto-grafia. Muniz Sodré (1979) afirma que a le-genda da fotografia de imprensa serve parafixar ou realçar os significados pertinentesda imagem em sua polissemia. A relaçãoentre a foto e a legenda estabelece um con-texto pragmático que influi na percepção,na leitura e na compreensão da imagem fo-tográfica. Segundo Milton Guran, é funçãoda legenda ativar no leitor “[...] todos osconhecimentos e sentimentos correlatosàquela cena mostrada. No caso do jornalis-mo, naturalmente, a legenda deve compre-ender as informações circunstanciais quede resto são parte integrante da notíciacomo nomes, locais etc.” (GURAN, 1992, p.58) Nesse sentido, segundo o autor, uma

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boa legenda é aquela que funciona como“um convite ao leitor para explorar melhora imagem, descobrindo-lhe os significadosmenos evidentes, mas nem por isso menosimportantes” (GURAN, 1992, p. 58).

As manchetes, entendidas aqui pornós como títulos e subtítulos, cumprem umpapel próximo ao desempenhado pela le-genda. “Em alguns casos, o título do assun-to funciona como uma legenda: é o casodas grandes manchetes.” (LIMA, 1988, p.34) Estas, em conjunto com a fotografia, sãoalvo da leitura-primeira realizada pelo lei-tor. Quando de posse de um jornal, aqueleleitor que fizer uma leitura rápida, “passaros olhos” brevemente sobre as páginas dosjornais, certamente terá sua atenção atraídaprimordialmente por suas manchetes eimagens. Daí a importância da relação en-tre elas. Há uma complementaridade de in-formações, um diálogo entre ambas. Asmanchetes ainda estão relacionadas ao tex-to das matérias e, com estes, realizam umaoutra relação; importante relação, mas daqual não trataremos no momento.

Dentre as principais funções do textono fotojornalismo, Jorge Pedro Sousa (2004)lista cinco delas: chamar a atenção para afotografia ou para alguns de seus elemen-tos; complementar a informação das foto-grafias; denotar a foto (direcionar o leitorpara o significado explícito na imagem); co-notar a fotografia, abrindo o leque de signi-ficações possíveis; e, por fim, analisar e in-terpretar e/ou comentar a fotografia e/ouseu conteúdo.

De outra forma, podemos dizer quefotos e textos desenvolvem processos cog-nitivos do leitor. As associações existentesentre texto e imagem possibilitadas pelasfotos em relação aos textos jornalísticospermitem várias associações mentais e dãomargem a uma abertura de sentidos damensagem fotojornalística, sem que a infor-mação básica se perca.

Resta dizer: para onde se dirige amensagem jornalística? Uma vez que alcan-çamos uma dimensão mais global do foto-jornalismo, pensando potencialmente sua

forma (linguagem, composição, relaçãocom os textos e as formas produtivas), con-teúdo (o acontecimento, a informação, a no-tícia) e seus sentidos (relações entre asmensagens – presentes nos formatos e nostemas – e os contextos de produção e re-cepção), caberia então dimensionar paraqual(quais) realidade(s) se voltaria a cons-trução jornalística. A apreensão dessas rea-lidades será fundamental para aqueles quese aventurarem na pesquisa fotojornalísti-ca. O fotojornalismo possui como pano defundo a vida social, diariamente re-elabora-da pelo discurso visual jornalístico. Porisso, dimensionar o processo de represen-tação aí inserido e os contextos para osquais ele se dirige será sempre um esforçoinstigante, urgente e da maior importância .

Notas

1 O autor complementa: “Passamos a depender da mídia,tanto impressa como eletrônica, para fins de entreteni-mento e informação, de conforto e segurança, para veralgum sentido nas continuidades da experiência e tam-bém, de quando em quando, para as intensidades daexperiência” (SILVERSTONE, 2002, p. 12).

2 Tal interesse segundo o autor pode variar de um paraoutro órgão de comunicação social e não tem necessaria-mente a ver com critérios de sociabilidade dominantes.

3 Sousa acrescenta que “enquanto a ‘fotografia de notíci-as’ é, geralmente, de importância momentânea, repor-tando-se à ‘atualidade’, o fotodocumentarismo tem,tendencialmente, uma validade quase intemporal”(SOUSA, 2000, p. 12-13).

4 Em reflexão posterior, Sousa (2004) aproxima-se destanossa idéia fotojornalística. Segundo ele, “de forma prá-tica”, podemos considerar as fotografias jornalísticascomo sendo “aquelas que possuem ‘valor jornalístico’ eque são usadas para transmitir informação útil em con-junto com o texto que lhes está associado” (SOUSA,2004, p. 11). Para o autor, “valor jornalístico” diz respei-to a critérios específicos de valorização da informaçãoque, independentemente do órgão de comunicação, di-zem respeito às valorações empregadas consciente ou in-

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conscientemente pelos jornalistas na construção das no-tícias. Nesse sentido, encaramos os fotojornalistas tam-bém como repórteres fotográficos.

5 “De qualquer modo [...] a finalidade primeira dofotojornalismo, entendido de forma lata, é informar.”(SOUSA, 2004, p. 11)

6 Em nosso estudo vamos trabalhar com as noções denotícia, fato, acontecimento baseando-nos sempre empressupostos das teorias da comunicação e do jornalis-mo, de forma a evitar questões relativas a estes termos eque estejam ligadas a outros campos das ciências sociaise humanas.

7 Mesmo abordando essa questão por uma outra ótica, éinteressante ressaltarmos a proposição de JacquesAumont em relação ao tempo e ao acontecimento.“Pode-se então dizer que, se a duração é a experiênciado tempo, o próprio tempo é sempre concebido como umtipo de representação mais ou menos abstrato de conteúdosde sensações. Ou seja, o tempo não contém os aconteci-mentos, é feito dos próprios acontecimentos, na medidaem que esses são apreendidos por nós.” (AUMONT,2001, p. 107).

8 Nelson Traquina acrescenta sobre isso a seguinte idéia:“As notícias não podem ser vistas como emergindo na-turalmente dos acontecimentos do mundo real; as notí-cias acontecem na conjunção de acontecimentos e de tex-tos. Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notíciatambém cria o acontecimento” (TRAQUINA, 1993, p.168). O autor reforça o papel do jornalismo na leitura domundo, a informação como aquilo que o jornalismo jul-ga importante e como aquele que ele in-forma.

9 Segundo Maurice Mouillaud, o discurso do jornal estáencaixado em um dispositivo. “Os dispositivos são oslugares materiais ou imateriais nos quais se escrevem(necessariamente) os textos [...].” (MOUILLAUD, 2002,p. 34). Nessa perspectiva, o texto seria qualquer forma(de linguagem, icônica, sonora, gestual etc.) de inscriçãoconformada na estruturação espaço-temporal do dispo-sitivo.

10 “As exigências organizativas e estruturais e as caracterís-ticas técnico-expressivas próprias da realidade de cadameio de comunicação de massa são elementos funda-mentais para a determinação da reprodução da realida-

de social fornecida pelos mass media.” (WOLF, 2001, p.185).

11 “[...] o jornal, o acontecimento e o leitor são três instânci-as que se mantêm juntas no interior da mesma presen-ça.” (MOUILLAUD, 2002, p. 73).

12 Mouillaud trabalha com os conceitos de “acontecimento”e “fato” como sinônimos: “[...] o acontecimento é a som-bra projetada de um conceito construído pelo sistema deinformação, o conceito de fato” (MOUILLAUD, 2002, p.51).

13 Devemos sempre ter em mente o processo de produçãojornalística como um processo tenso, conflituoso,permeado por embates e obstáculos de diversas ordens ede diversas instâncias. Como aponta o jornalista ClóvisRossi, “entre a ocorrência de um fato e a sua veiculação,seja por jornais ou revistas, seja pela televisão, percorre-se um caminho relativamente rápido, se medido em ho-ras, mas bastante tortuoso e complexo” (ROSSI, 2000, p.17).

14 “A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisi-tos que se exigem dos acontecimentos – do ponto devista da estrutura do trabalho nos órgãos de informaçãoe do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas –para adquirirem a existência pública de notícias.”(WOLF, 2001, p. 190).

15 Inseridos nos requisitos de noticiabilidade, segundoMauro Wolf (2001), estão os valores-notícia (news values).Baseado nas reflexões da teoria jornalística do news-making, o autor aponta que estes valores constituem crité-rios de relevância para a tarefa jornalística de sedimensionar quais acontecimentos devem ser transfor-mados em notícia, assim como se classificar hierarquica-mente tais notícias. Wolf ainda aponta que tais valores-notícia não são abstratos, estão ligados a uma certa cul-tura profissional e podem mudar com o tempo. Alémdisso, segundo ele, os valores-notícia derivam de pressu-postos implícitos ou de considerações relativas ao con-teúdo das notícias, à disponibilidade do tratamentoinformacional do acontecimento, ao público e à concor-rência; sendo que em cada um destes há uma série devariáveis a serem consideradas. Sobre os valores-notícia,ver também CORREIA (1997, p. 137-166).

16 “[...] toda fotografía produce una ‘impresión de

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realidad’ que en el contexto de la prensa se traduce poruna ‘impresión de verdad’.” (VILCHES, 1993, p. 19).

17 Milton Guran, ao dizer sobre as imagens fotojor-nalísticas, propõe: “[...] a fotografia aparece na imprensaem três situações: como ilustração, como informaçãoprincipal em relação ao texto, ou como complementodeste. Paralelamente, desempenha variadas funções quevão desde a recuperação de outras informações e aspec-tos colaterais da notícia (quando a foto de arquivo é agrande matéria-prima) até constituir-se na própria notí-cia, ou em parte dela [...] Este leque de funções se com-pleta com a ‘crônica visual’ (ensaio), e com a foto apre-sentada como editorial visual (opinativo)” (GURAN,1992, p. 57).

18 “Allí donde el fotógrafo decide apuntar su cámara allínace la escena informativa. Esto es tan cierto que, sicambiamos el punto de vista o la escena, cambia elacontecimiento.” (VILCHES, 1993, p. 141).

19 Segundo Sousa (2004), entra-se no terreno da composi-ção fotográfica quando se fala dos elementos da imageme da forma, como estes se apresentam como informaçãopara o leitor do jornal.Sobre a composição fotográfica, Milton Guran afirma:“A composição fotográfica tem como finalidade disporos elementos plásticos percebidos através do visor paraconferir significado a uma cena. É resultado daharmonização de diversos fatores de ordem técnica e deconteúdo, constituindo, na essência, o pleno exercício dalinguagem fotográfica” (GURAN, 1992, p. 23).No comentário do célebre fotógrafo Henri Cartier-Bresson, a composição “[...] deve ser uma das preocupa-ções constantes, mas no momento de fotografar ela sópode sair da intuição do fotógrafo, pois o que queremosé capturar o momento fugidio, e todas as inter-relaçõesem jogo acham-se em movimento” (CARTIER-BRES-SON, 1971, p. 22).

20 Vale dizer ainda que o repórter fotográfico, embora ob-servador mais atento do acontecimento, não tem condiçõesde apreender todos os detalhes durante o desenrolar dofato. O fotojornalismo, por ser um instantâneo de uma fra-ção de realidade, reduz, mas não exclui, por isso, as possibi-lidades de conotação a serem transmitidas pelas fotos.

21 A fotografia, assim como o texto, também passa por umprocesso de edição e seleção após revelada. Uma vez que

ela faz parte de um conjunto, que é o jornal, a fotografiajornalística pode, muitas vezes, ser reduzida ou alteradaao longo do fechamento da matéria e da diagramação doexemplar a ser veiculado. Além disso, na dinâmica depraticamente todos os jornais, os fotógrafos não partici-pam das etapas de fechamento da edição e da escolhadas fotografias que serão publicadas; cabendo essa fun-ção aos editores de fotografia e das outras editorias.

22 “La foto de prensa se presenta como una enciclopediadonde lectores diversos pueden buscar significados di-versos según sus intereses.” (VILCHES, 1993, p. 84).

23 Jacques Aumont (2001), baseado nas proposições deErnest Gombrich, afirma que o papel do espectador éfazer existir a imagem através de seus atos psíquicos eperceptivos. Aumont, ao elencar um conjunto de autores(de diferentes abordagens) que tratam da recepção daimagem, de seu espectador, sintetiza que o leitorimagético é aquele que vê e conhece cognitivamente umamensagem, através de um saber e de expectativas e que,além disso, também deseja a imagem. Ele é um sujeitode afeto, cujas pulsões e emoções também intervêm con-sideravelmente na sua relação com a imagem e nas açõesde seu imaginário. Nessa perspectiva, assim como o fo-tógrafo, o leitor também é parte do processo de criaçãoda fotografia. Ele é parceiro ativo da imagem, tambémage no seu processo de significação, assim como a ima-gem age sobre ele.

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