fosfoetanolamina - liminar - justiça federal - araçatuba

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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO Juizado Especial Federal Cível Araçatuba Avenida Joaquim Pompeu de Toledo, 1534 - Vila Estádio - CEP 16020050 Araçatuba/SP Fone: 18-31170150 TERMO Nr: 6331009033/2015 PROCESSO Nr: 0002600-66.2015.4.03.6331 AUTUADO EM 18/12/2015 ASSUNTO: 010404 - SAÚDE - SERVIÇOS CLASSE: 1 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL AUTOR: PAULO CEZAR VENDRAME ADVOGADO(A)/DEFENSOR(A) PÚBLICO(A): SP250741 - EDVALDO ALMEIDA DOS SANTOS RÉU: UNIAO FEDERAL (AGU) E OUTROS ADVOGADO(A): SP999999 - SEM ADVOGADO DISTRIBUIÇÃO POR SORTEIO EM 18/12/2015 09:29:35 DATA: 18/12/2015 DECISÃO Trata-se de ação por meio da qual o autor, PAULO CEZAR VENDRAME, pleiteia contra a União Federal (AGU), o Estado de São Paulo e a Universidade do Estado de São Paulo-USP - Unidade Universitária do Instituto de Química de São Carlos, o fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética, objetivando o tratamento de seu câncer de pulmão com presença de metástase em outras partes do corpo. Formula pedido de antecipação dos efeitos da tutela para que a substância seja fornecida liminarmente, sem a prévia oitiva dos corréus. Em síntese, o autor, com 51 anos de idade, aduz que em agosto de 2015 foi diagnosticado com câncer de pulmão com metástase óssea, adenocarcinoma metastático, também conhecida por neoplasia maligna originária no pulmão com metástase para os ossos. Relata que após o diagnóstico, e devido ao estágio do tumor, foi dado início ao tratamento convencional à base de quimioterapia. Porém, não obteve nenhuma melhora em seu quadro. Ao contrário, mesmo com o tratamento, houve evolução da doença, a qual se disseminou para várias partes de sua coluna vertebral. Chegou a ser internado no mês de novembro do corrente ano, com fortes dores, ocasião em que foram utilizados medicamentos para sua amenização. Durante sua última internação foi solicitado pela médica que prestou o atendimento o uso da substância “Fosfoetanolamina” para o tratamento da adenocarcinoma metastático, inclusive mediante prescrição. Informa que referida substância é produzida em estágio experimental e para fins de pesquisa somente pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo-USP de São Carlos, e que, em testes realizados, mostrou-se eficaz na melhora de sintomas de pacientes com câncer, sendo de baixíssimo custo, mas que, devido a questões concernentes à patente da substância, ainda não foi obtido registro para sua produção comercial. Alega que chegou a solicitar seu fornecimento junto à referida entidade, porém, sem sucesso, já que nesta ocasião, além de obter a informação de que somente seria possível a sua obtenção por meio de decisão judicial, tomou conhecimento de que a distribuição da substância foi proibida pela Portaria IQSC nº 1.389/2014. 2015/633100039205-39815-JEF Assinado digitalmente por: GUSTAVO GAIO MURAD:10474 Documento Nº: 2015/633100039205-39815 Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef

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PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

Juizado Especial Federal Cível Araçatuba

Avenida Joaquim Pompeu de Toledo, 1534 - Vila Estádio - CEP 16020050

Araçatuba/SP Fone: 18-31170150

TERMO Nr: 6331009033/2015

PROCESSO Nr: 0002600-66.2015.4.03.6331 AUTUADO EM 18/12/2015

ASSUNTO: 010404 - SAÚDE - SERVIÇOS

CLASSE: 1 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

AUTOR: PAULO CEZAR VENDRAME

ADVOGADO(A)/DEFENSOR(A) PÚBLICO(A): SP250741 - EDVALDO ALMEIDA DOS SANTOS

RÉU: UNIAO FEDERAL (AGU) E OUTROS

ADVOGADO(A): SP999999 - SEM ADVOGADO

DISTRIBUIÇÃO POR SORTEIO EM 18/12/2015 09:29:35

DATA: 18/12/2015

DECISÃO

Trata-se de ação por meio da qual o autor, PAULO CEZAR VENDRAME, pleiteia contra a União Federal (AGU), o Estado de São Paulo e a Universidade do Estado de São Paulo-USP -Unidade Universitária do Instituto de Química de São Carlos, o fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética, objetivando o tratamento de seu câncer de pulmão com presença de metástase em outras partes do corpo. Formula pedido de antecipação dos efeitos da tutela para que a substância seja fornecida liminarmente, sem a prévia oitiva dos corréus.

Em síntese, o autor, com 51 anos de idade, aduz que em agosto de 2015 foi diagnosticado com câncer de pulmão com metástase óssea, adenocarcinoma metastático, também conhecida por neoplasia maligna originária no pulmão com metástase para os ossos.

Relata que após o diagnóstico, e devido ao estágio do tumor, foi dado início ao tratamento convencional à base de quimioterapia. Porém, não obteve nenhuma melhora em seu quadro. Ao contrário, mesmo com o tratamento, houve evolução da doença, a qual se disseminou para várias partes de sua coluna vertebral.

Chegou a ser internado no mês de novembro do corrente ano, com fortes dores, ocasião em que foram utilizados medicamentos para sua amenização.

Durante sua última internação foi solicitado pela médica que prestou o atendimento o uso da substância “Fosfoetanolamina” para o tratamento da adenocarcinoma metastático, inclusive mediante prescrição.

Informa que referida substância é produzida em estágio experimental e para fins de pesquisa somente pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo-USP de São Carlos, e que, em testes realizados, mostrou-se eficaz na melhora de sintomas de pacientes com câncer, sendo de baixíssimo custo, mas que, devido a questões concernentes à patente da substância, ainda não foi obtido registro para sua produção comercial.

Alega que chegou a solicitar seu fornecimento junto à referida entidade, porém, sem sucesso, já que nesta ocasião, além de obter a informação de que somente seria possível a sua obtenção por meio de decisão judicial, tomou conhecimento de que a distribuição da substância foi proibida pela Portaria IQSC nº 1.389/2014.

2015/633100039205-39815-JEF

Assinado digitalmente por: GUSTAVO GAIO MURAD:10474Documento Nº: 2015/633100039205-39815Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef

Sustenta que seu quadro clínico é grave, que o tratamento convencional não tem dado resultado, infligindo-lhe grande sofrimento, além de expectativa de vida por cerca de seis meses, e que houve indicação médica para uso da substância como forma de melhorar sua qualidade de vida, de modo que entende fazer jus a decisão judicial que lhe assegure o fornecimento da substância, inclusive mediante liminar.

É a síntese do necessário. Fundamento e decido.

Numa análise perfunctória, a partir dos elementos de prova trazidos com a inicial, entendo presentes os requisitos legais para o acolhimento do pedido de antecipação de tutela formulado na inicial.

Conforme o disposto no artigo 196 e seguintes da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, sendo de relevância pública as ações e serviços de saúde, os quais integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único (SUS).

No plano infraconstitucional, tem-se a Lei nº 8.080/90, que em seu artigo 4º, dispõe que o SUS é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, incluídas aí as instituições de pesquisa e de produção de insumos e medicamentos, dentre outros.

Além disso, nos termos do artigo 6º, inciso I, d e inciso VI, da referida Lei, estão incluídas no campo de atuação do SUS, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Em outras palavras, o fornecimento de medicamentos.

No caso dos autos, a documentação juntada às fls. 44/51 demonstra que o autor, por estar acometido de câncer de pulmão com metástase óssea, vem sendo submetido a tratamento quimioterápico convencional, porém, sem melhoras em seu quadro clínico. Os laudos médicos, em especial os de fls. 49/50, apontam a gravidade de seu quadro, decorrente da deflagração do processo de metástase por diversas áreas de seu corpo, o que lhe causa dores agudas e a necessidade do auxílio de aparelho andador para deambular.

Desse contexto, exsurge a imperiosa necessidade de lhe franquear o acesso à referida substância, embora desprovida de registro junto à ANVISA.

Como é cediço, a comercialização de qualquer medicamento no âmbito do território nacional pressupõe sua aprovação e registro no Ministério da Saúde, como dispõe o art. 12 da Lei nº 6.360/76, uma vez que a natureza e a finalidade de certas substâncias exigem o monitoramento de sua segurança, eficácia e qualidade terapêutica, consoante redação do dispositivo supramencionado:

“Art. 12 - Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”.

Esse registro está previsto no art. 3º, inciso XXI, do Decreto nº 79.094/77, na redação que lhe foi atribuída pelo Decreto nº 3.961/01, a saber:

“XXI - Registro de Medicamento - Instrumento por meio do qual o Ministério da Saúde, no uso de sua atribuição específica, determina a inscrição prévia no órgão ou na entidade competente, pela avaliação do cumprimento de caráter jurídico-administrativo e técnico-científico relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos, para sua introdução no mercado e sua comercialização ou consumo;”

2015/633100039205-39815-JEF

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Atualmente, essa inscrição compete à ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, na forma das disposições da Lei nº 9.782/99 e da Lei nº 6.360/76. Contudo, há hipóteses em que a necessidade de registro é afastada pela própria lei, como dispõe o artigo 24 da Lei nº 6.360/76:

“Estão isentos de registro os medicamentos novos, destinados exclusivamente a uso experimental, sob controle médico, podendo, inclusive, ser importados mediante expressa autorização do Ministério da Saúde”.

Como se vê, a própria legislação regulamentadora da saúde prevê a possibilidade da ministração de substâncias medicamentosas sem registro, desde que destinadas a uso experimental e sob controle médico, de maneira a viabilizar a efetiva concretização dos direitos fundamentais à vida e à saúde, direitos de envergadura constitucional e corolários, em última instância, do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF).

Assim, apesar da regra geral de vedação ao fornecimento de substâncias medicamentosas que não possuem registro na ANVISA, há que se considerar a flexibilização dessa norma nas situações excepcionais, onde o risco de morte se faz presente.

É o caso dos autos, em que as terapias convencionais não têm se mostrado capazes de conter a evolução da doença grave que padece o autor.

Os documentos juntados e as notícias veiculadas junto aos canais de comunicação (fls. 53 e seguintes) apontam a existência de respeitáveis experimentos médicos e farmacológicos que concluíram pela eficácia da utilização da substância “fosfoetanolamina sintética” no tratamento de sintomas de pacientes com câncer, produzida em caráter experimental, e com exclusividade, a baixo custo, pela Unidade Universitária do Instituto de Química da USP de São Carlos-SP.

Ademais, a necessidade de ministração da multicitada substância no tratamento da enfermidade que acomete o autor foi devidamente prescrita por profissional médica que o avaliou via Sistema Único de Saúde-SUS (fl. 44), de modo a preencher o requisito do controle médico previsto no art. 24, da Lei nº 6.360/76 para a utilização de substância medicamentosa sem registro na ANVISA.

Dessarte, tenho que a ausência de registro do medicamento na ANVISA, não afasta a responsabilidade do Estado e nem obsta o direito do autor de obter a substância requerida, à medida que a obrigação dos entes públicos de garantir o direito à saúde não se limita ao registro do fármaco e tampouco ao fornecimento exclusivo de medicamentos registrados, sob pena de grave afronta às disposições legais e constitucionais supramencionadas.

Ainda que se alegue tratar-se de substância experimental, cujos efeitos no organismo humano a longo prazo sejam desconhecidos, fato é que o autor está disposto a se sujeitar aos eventuais efeitos colaterais do tratamento, já que não dispõe de tempo para aguardar a conclusão de tais pesquisas, diante da gravidade de seu quadro clínico.

Neste sentido, inclusive, a recente decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal em caso análogo, envolvendo o fornecimento da substância “fosfoetanolamina sintética”:

“...Quanto ao periculum, como já se reconheceu no início desta decisão, há evidente comprovação de que a espera de um provimento final poderá tornar-se ineficaz.

No que tange à plausibilidade, há que se registrar que o fundamento invocado pela decisão recorrida refere-se apenas à ausência de registro na ANVISA da substância requerida pela peticionante. A ausência de registro, no entanto, não implica,

necessariamente, lesão à ordem púbica, especialmente se considerado que o tema pende de análise por este Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 657.718-RG, Relator Ministro Marco Aurélio, Dje 12.03.2012).

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Neste juízo cautelar que se faz da matéria, a presença de repercussão geral (tema 500) empresta plausibilidade jurídica à tese suscitada pela recorrente, a recomendar, por ora, a concessão da medida cautelar, para suspender decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Suspensão de Tutela Antecipada 2194962-67.2015.8.26.0000...”. (Pet 5828 MC, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 06/10/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-203 DIVULG 08/10/2015 PUBLIC 09/10/2015).

Outrossim, não se cogita, ao menos por ora, de violação à ordem econômica ou ao princípio da reserva do possível , ante o noticiado custo módico da produção da substância “fosfoetanolamina sintética”.

Não obstante o assunto sujeite-se a diversas conjecturas, entendo que a discussão pode ser postergada, porquanto, frente ao embate de direitos ora posto, tenho que os direitos à vida e à saúde devem se sobrepor a quaisquer outros.

Alerta-se, contudo, que, por se tratar de substância experimental, cujos efeitos colaterais e contraindicações são desconhecidos, os riscos decorrentes de sua ministração ficam restritos ao usuário, que deve se sujeitar ao acompanhamento médico do subscritor da prescrição apresentada.

De outro lado, este Juízo não ignora que, apesar da urgência que todos os cidadãos acometidos pelo câncer têm em obter a “fosfoetanolamina sintética”, é cediço que após a veiculação pela mídia dos efeitos positivos da substância no tratamento dos carcinomas, uma sucessão de liminares vem sendo concedidas, de modo a obstaculizar seu atendimento em prazo exíguo pelo Instituto de Química da USP de São Carlos, vez que desprovido de recursos materiais e humanos para produção da substância em larga escala.

Por fim, destaca-se que esta decisão liminar possui natureza provisória, podendo ser revista por este Juízo após a vinda das contestações e de novas informações aos autos, nos termos do art. 273 do CPC.

<#Ante o exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar que a Universidade do Estado de São Paulo-USP - Unidade Universitária do Instituto de Química de São Carlos, no prazo de trinta dias, disponibilize a substância “FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA” à parte autora pessoalmente ou mediante representação por procurador com poderes específicos para retirar a substância no local, ou ainda por outro meio eventualmente acordado entre as partes, em quantidade suficiente para garantir o seu tratamento, que deverá ser indicada pelo Instituto de Química, responsável pela pesquisa e que já a forneceu a inúmeros pacientes, ficando a posologia a critério do profissional que prescreveu o tratamento. O fornecimento da quantidade adequada deverá ser renovado a cada cômputo do período para o qual a quantidade de substância venha a ser prescrita.

Em consequência, ficam suspensos os efeitos da PORTARIA IQSC 1389/2014 em relação ao autor, editada pelo Diretor do Instituto de Química, exclusivamente quanto à produção e fornecimento da “FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA”.

Expeça-se o necessário com urgência.

Defiro os pedidos da parte autora de concessão de justiça gratuita, nos termos do art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal e do artigo 4º da Lei nº 1.060/50, e de tramitação prioritária, nos termos do art. 1.211-A do CPC e do art. 71 da Lei nº 10.741/03.

Citem-se os corréus, na pessoa de seus representantes legais, para apresentarem suas contestações no prazo de sessenta dias.

A citação da União Federal (AGU) será feita mediante a remessa desta decisão ao portal de intimações.

2015/633100039205-39815-JEF

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Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.#>

GUSTAVO GAIO MURADJuiz Federal substituto

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