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Formulação do modelo de otimização da qualidade do biogás em um biodigestor de modelo tubular: um estudo de caso no município de Conchas - SP Revista de Economia e Administração, v.6, n.2, 215-235p, abr./jun. 2007 215 Formulação do modelo de otimização da qualidade do biogás em um biodigestor de modelo tubular: um estudo de caso no município de Conchas - SP Marcelo Bacchi Bartholomeu Graduando em Ciências Econômicas Departamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo Avenida Pádua Dias, 11 Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasil e-mail: [email protected] Thaís Carvalho Hortense Graduanda em Ciências Econômicas Departamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo Avenida Pádua Dias, 11 Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasil e-mail: [email protected] Gustavo Travizan de Oliveira Graduando em Ciências Econômicas Departamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo Avenida Pádua Dias, 11 Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasil e-mail: [email protected] Daniela Bacchi Bartholomeu Doutora em Economia Aplicada Pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) Departamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo Avenida Pádua Dias, 11 Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasil e-mail: [email protected] José Vicente Caixeta Filho Professor titular Departamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo Avenida Pádua Dias, 11 Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasil e-mail: [email protected]

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Formulação do modelo de otimização da qualidade do biogás em um biodigestor demodelo tubular: um estudo de caso no município de Conchas - SP

Revista de Economia e Administração, v.6, n.2, 215-235p, abr./jun. 2007 215

Formulação do modelo de otimização daqualidade do biogás em um biodigestor demodelo tubular: um estudo de caso nomunicípio de Conchas - SP

Marcelo Bacchi BartholomeuGraduando em Ciências EconômicasDepartamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior deAgricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São PauloAvenida Pádua Dias, 11Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasile-mail: [email protected]

Thaís Carvalho HortenseGraduanda em Ciências EconômicasDepartamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior deAgricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São PauloAvenida Pádua Dias, 11Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasile-mail: [email protected]

Gustavo Travizan de OliveiraGraduando em Ciências EconômicasDepartamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior deAgricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São PauloAvenida Pádua Dias, 11Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasile-mail: [email protected]

Daniela Bacchi BartholomeuDoutora em Economia AplicadaPesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA)Departamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior deAgricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São PauloAvenida Pádua Dias, 11Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasile-mail: [email protected]

José Vicente Caixeta FilhoProfessor titularDepartamento de Economia, Administração e Sociologia, Escola Superior deAgricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São PauloAvenida Pádua Dias, 11Cep: 13.418-900 Piracicaba – SP Brasile-mail: [email protected]

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Marcelo Bacchi Bartholomeu et al.

Resumo

A busca por fontes renováveis de energia tem levado à expansão da implantação debiodigestores, principalmente em propriedades agropecuárias. No entanto, deve-se aten-tar para a proporção de gases caloríficos presentes no biogás, como o metano. Assim,esse trabalho visa à formulação de um modelo genérico de otimização da qualidade dobiogás de um biodigestor modelo tubular e sua aplicação numa propriedade rural. Omodelo possui cinco restrições e sua aplicação implica na mistura produzir maior quan-tidade de biogás por volume de matéria orgânica. Também implica na instalação de umbiodigestor de dimensão bastante inferior à daquele que deveria ser implantado casofosse utilizada toda a disponibilidade de matéria orgânica da propriedade. Conclui-se que,se obedecidas restrições pertinentes, produz-se maior quantidade de metano, permitindogeração de maior quantidade de energia e, conseqüentemente, influenciando no retornoda implantação do equipamento.

Palavras-chave: Biodigestor; Biogás; Pesquisa operacional; Matéria orgânica; Energia.

Abstract

The search for renewable sources of energy has led to an increase in the use of anaerobicdigesters, mainly in farming properties. However, care must given to the ratio ofcalorific gases in the biogas (methane). Thus, this paper formulates a generic model forthe optimization of the quality of biogas of an anaerobic digester and its application ina farming establishment. The model contains five constraints and the applicationimplies the production of a larger quantity of biogas by the mixture relative to thevolume of organic matter. It also implies the installation of an anaerobic digester ofinferior dimension to what it would have to be installed in case all the organic matteravailable in the establishment was used. It is concluded that, if the pertinent constraintsare met, a larger amount of methane can be produced, generating bigger amounts ofenergy, affecting the return on the equipment.

Keywords: Anaerobic digester; Biogas; Operations research; Organic matter; Energy.

1. Introdução

O biodigestor anaeróbico é um equipamento usado para a produção debiogás, uma mistura de gases (principalmente metano) produzida por bactériasque digerem matéria orgânica em condições anaeróbias, ou seja, em ambientesnos quais há ausência de oxigênio.

A matéria orgânica utilizada na alimentação dos biodigestores pode ser deriva-da de resíduos de produção vegetal (como restos de cultura), de produção animal(como esterco e urina) ou da atividade humana (fezes, urina ou lixo doméstico).

Como resultado desse processo, tem-se a geração (e o conseqüente apro-veitamento) de diversos produtos. Um deles, como citado, é o biogás, que podeser utilizado como combustível em substituição ao gás natural ou ao Gás Lique-feito de Petróleo (GLP). Também pode ser usado para cozinhar em residênciasrurais próximas ao local de produção (economizando outras fontes de energia,como lenha ou GLP), no aquecimento de instalações para animais muito sensí-veis ao frio (suínos, aves, etc) ou no aquecimento de estufas de produçãovegetal. Finalmente, pode ser utilizado para geração de energia elétrica, desdeque realizadas certas adaptações.

Outro componente gerado no processo de biodigestão é o chamadobiofertilizante, resultado da fermentação anaeróbia da matéria orgânica ao pro-

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duzir biogás. O biofertilizante (que pode ser sólido ou líquido) pode desempe-nhar a função de adubo, contribuindo não somente para recuperar a capacidadede culturas com produtividade em declínio, mas também para elevar a produtivi-dade de culturas em plena produção.

Questões sociais, tais como a higienização de determinada comunidade,também podem sofrer impactos positivos devido à implantação de um biodigestor.Este, se implantado com a função de esgoto sanitário, pode reduzir significativa-mente (ou até mesmo erradicar) a presença de verminoses, insetos, entre outros.

Além disso, a combustão do biogás transforma o (predominante) gás metano(CH4) em gás carbônico (CO2). Visto que o primeiro tem um potencial 21 vezesmaior de geração do efeito estufa, é possível a geração de créditos de carbono apartir da implantação de biodigestores, o que é permitido pelo Mecanismo deDesenvolvimento Limpo (MDL).

Outras diversas vantagens podem ser adicionadas às supracitadas (ausênciade odor, inexistência de impactos ao ambiente visual), de forma a evidenciar que aimplantação de biodigestores traz muitos benefícios, direta ou indiretamente.

No entanto, torna-se necessário considerar algumas precauções em relaçãoao abastecimento dos biodigestores. Os componentes que estarão presentesno equipamento devem obedecer a determinadas restrições, de forma que obiogás seja composto pela maior quantidade de gás metano possível, já que éeste que será efetivamente transformado em energia (ou seja, transformado emCO2). Por exemplo, a composição de matéria orgânica pode produzir muita amô-nia, transformando-se em um ambiente desfavorável à reprodução das bactériasanaeróbias, prejudicando a produção do biogás.

1.1 Objetivos

Considerando a presença dessas restrições que impedem a máxima qualida-de do biogás, o presente trabalho objetiva propor um modelo de programaçãolinear cuja aplicação acuse a combinação ótima de matéria orgânica em umbiodigestor de modelo tubular. A especificidade desse modelo tem como conse-qüência o fato de que não se pode utilizar o esterco de aves na mistura dematéria orgânica.

Esse modelo será aplicado numa pequena propriedade rural localizada nomunicípio de Conchas, interior do Estado de São Paulo. Pretende-se, dessamaneira, atingir a maior produção possível de biogás de boa qualidade, ou seja,aquele que contém maior percentual de metano (dadas as características damatéria orgânica que irá compor o biodigestor), bem como atender às exigênciasde um ambiente propulsor à reprodução dos seres decompositores.

1.2 Estrutura do trabalho

O presente trabalho está estruturado da seguinte maneira: no item 2 é apre-sentada a revisão de literatura, apontando as diversas considerações feitas por

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estudiosos do tema acerca dos biodigestores e do biogás. Além disso, sãodetalhados os modelos de biodigestores existentes. No item 3, evidenciam-se osmateriais e os métodos utilizados para a construção de um modelo genérico deprodução de biogás. No item 4 se encontram as características da propriedadeutilizada como exemplo prático, bem como os resultados encontrados. Final-mente, no item 5, encontram-se as conclusões obtidas.

2. Revisão de literatura

2.1 Descoberta e utilização do biogás

A produção de energia na atualidade baseia-se principalmente em uma fonteenergética não renovável, o petróleo. Esta prática gera dependência dos paísesem relação a um recurso limitado e esgotável, evidenciando a necessidade deimplantação efetiva do uso de combustíveis renováveis. Tem-se assim comointuito assegurar a oferta de energia no cenário mundial, o que é de suma rele-vância diante da conjuntura produtiva extremamente interligada às oscilaçõesdo mercado energético, uma vez que a energia é a base da produção de umaeconomia. Vale ressaltar que, segundo o Plano Nacional de Agroenergia 2006-2011, a maioria dos cenários traçados para o preço internacional do petróleoprevê a continuidade da escalada de preços, fato este que impede baixos custosdessa fonte de energia. Assim, é de suma importância estabelecer fontes alterna-tivas e viáveis de obtenção de energia para a propulsão da economia brasileira.

Diante da busca por combustíveis renováveis, uma alternativa é a geraçãode energia proveniente da queima de biogás. De acordo com Ruas et al. (2006),o biogás (ou gás dos pântanos) foi descoberto em 1667; contudo, apenas umséculo depois foi reconhecida a presença do gás metano, responsável pelacaracterística calorífica do biogás. No século XIX, realizou-se a fermentaçãoanaeróbia de uma mistura de estrume e água, a 35ºC, conseguindo-se obter 100litros de gás por m3 de matéria. Em 1884, considerou-se que esta fermentaçãopodia constituir uma fonte de aquecimento e iluminação.

Ainda segundo Ruas et al. (2006), na Índia, a idéia de aproveitar o gás metanoproduzido por digestão anaeróbia remonta ao século XIX, mais propriamente aoano de 1859, quando numa colônia de leprosos, em Bombaim, se realizou aprimeira experiência de utilização direta de biogás. Em 1895, foi realizada a primei-ra experiência européia com a utilização do biogás para iluminação de algumasruas da cidade de Exter, Inglaterra, seguida por outras experiências motivadasprincipalmente pelo entusiasmo inicial com este processo.

Todavia, este combustível não conseguiu substituir os tradicionais, tornan-do a exploração do biogás bastante reduzida, limitando-se a ser utilizado emalguns casos esporádicos. Foi apenas nos anos de 1940, devido a carênciasenergéticas significativas, provocadas pela II Guerra Mundial, que o biogásvoltou a ser utilizado, quer na cozinha e no aquecimento das casas, quer paraalimentação de motores de combustão interna.

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Nas décadas de 1950 e 1960, a relativa abundância das fontes de energiatradicionais desencorajou a recuperação do biogás na maioria dos países de-senvolvidos, e apenas em países com poucos recursos de capital e energia,como a Índia e a China, o biogás desempenhou papel de certa importância,sobretudo em pequenos aglomerados rurais. A partir da crise energética dosanos 70, o gás metano dos digestores anaeróbios voltou a despertar o interessegeral, conduzindo a um aumento da sua produção nos países europeus.

Massotti (2002 apud LASLOWSKI, 2004) caracteriza a China como o paísque mais desenvolveu o biogás no meio rural, visando atender a necessidade deenergia para cozimento e iluminação (doméstica), acreditando haver mais de 8milhões de unidades no país. O mesmo autor ainda cita que a Índia tambémutiliza em larga escala biodigestores para a captura do biogás, instalados emmais de 50.000 propriedades.

Ruas et al. (2006) ainda ressalta que há até pouco tempo o biogás era sim-plesmente encarado como um subproduto, obtido a partir da decomposiçãoanaeróbia (sem presença de oxigênio) de lixo urbano, resíduos animais e delamas provenientes de estações de tratamento de efluentes domésticos. Noentanto, o acelerado desenvolvimento econômico dos últimos anos e a subidaacentuada do preço dos combustíveis convencionais tem encorajado investiga-ções na produção de energia a partir de novas fontes alternativas e economica-mente atraentes, tentando-se, sempre que possível, criar novas formas de pro-dução energética que possibilitem a poupança dos recursos naturais esgotáveis.

É grande o volume de resíduos provenientes das explorações agrícolas epecuárias, assim como aqueles produzidos por matadouros, destilarias, fábricasde lacticínios, esgotos domésticos e estações de tratamento de lixos urbanos (apartir dos quais é possível obter biogás). Como apresentam uma carga poluentede tal forma elevada, se impõe a criação de soluções que permitam diminuir osdanos provocados por essa poluição, gastando o mínimo de energia possívelem todo o processo.

Por exemplo, dejetos suinícolas e a produção de vinhaça (resíduo produzidoa partir da produção de álcool) são substâncias que possuem elevadas Deman-da Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de Oxigênio (DQO). Deacordo com Colen (2003), substâncias com essas características prejudicam omeio ambiente através do contato direto, tornando necessária sua estabilização,que se dá via biodigestão anaeróbia.

Além disso, a biodigestão anaeróbia permite valorizar um produto energético(biogás) e ainda obter um biofertilizante, cuja disponibilidade contribui para umarápida amortização dos custos da tecnologia instalada.

Segundo Deganutti (2002), a idéia da produção de biogás nas propriedadesrurais, independentemente de suas dimensões, em última análise, associa-se aquatro objetivos:

1. Proporcionar maior conforto ao proprietário rural permitindo-lhe dispor deum combustível prático e barato, que tanto poderá ser usado para fins de

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calefação e iluminação, como para acionar pequenos motores estacionáriosde combustão interna.

2. Contribuir para a economia do consumo de petróleo, pois o biogás é umcombustível proveniente de fontes alternativas.

3. Produzir biofertilizante, que é um resíduo rico em húmus e nutrientes, utiliza-do na fertilização do solo, para aumentar a produtividade dos cultivos faceao seu baixo custo de obtenção.

4. Contribuir para a preservação do meio ambiente através da produção debiogás, o que consiste na reciclagem de dejetos e resíduos orgânicospoluentes.

2.2 Composição do biogás

Basicamente, o biogás é composto de uma mistura de gases contendo prin-cipalmente metano e dióxido de carbono, encontrando-se ainda em menoresproporções gás sulfídrico e nitrogênio. A formação do biogás é comum na natu-reza. Assim, ele pode ser encontrado em pântanos, lamas escuras, locais em quea celulose sofre naturalmente a decomposição.

O biogás é um produto resultante da fermentação, na ausência do ar, dedejetos animais, resíduos vegetais e de lixo orgânico industrial ou residencial,em condições adequadas de umidade. A reação desta natureza é denominadadigestão anaeróbia.

O principal componente do biogás é o metano, o qual representa cerca de55% a 65% da composição do total de mistura. Alguns autores afirmam que essaproporção pode atingir 80%. O metano é um gás incolor, altamente combustível,queimado com chama azul lilás, sem deixar fuligem e com um mínimo de poluição.A Tabela 1 demonstra a composição típica do biogás.

Tabela 1.- Composição típica do biogás.

Constituinte Proporção (%)

Metano 55 a 65Gás carbônico 35 a 45Nitrogênio, Hidrogênio, Gás Sulfídrico, Vapor de água Traços

Fonte: Magalhães (1986).

Em função da porcentagem com que o metano participa na composição dobiogás, o poder calorífico deste pode variar de 5.000 a 7.000 quilocalorias (Kcal)por metro cúbico – em média inferior ao poder calorífico do gás liquefeito depetróleo (GLP), que apresenta cerca de 11.000 Kcal/kg. No entanto, este podercalorífico do biogás pode chegar a 12.000 Kcal por metro cúbico uma vez elimi-nado todo o gás carbônico da mistura.

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Na Tabela 2 é apresentada uma relação comparativa de equivalência de 1 m3

de biogás com outros combustíveis usuais. Em seguida, na Tabela 3, apresenta-se a quantidade média diária de biogás necessária para abastecer uma família decinco pessoas.

Tabela 2.- Equivalência de diversos combustíveis em relação a 1 m3 debiogás.

Combustível Quantidade

Gasolina 0,61 litroQuerosene 0,57 litroÓleo diesel 0,55 kg.Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) 0,45 kg.Álcool combustível 0,79 litroLenha 1,54 kg.Energia elétrica 1,43 KW/h

Fonte: Lucas Júnior; Souza; Lopes (2003).

O biogás pode ser empregado na geração de energia de várias maneiras. Amais comum é a queima direta, tanto para aquecimento em fogões como emmotores geradores de energia elétrica. No caso dos fogões, há a necessidade deum filtro especial, de óxido de ferro, para a eliminação de odores e para a preven-ção da corrosão nos bicos do fogão. A utilização deste filtro eleva o custo deimplantação e conseqüentemente reduz a viabilidade da utilização do gás paraeste fim.

Já no caso dos motores geradores de energia elétrica, existem essencialmen-te dois problemas: primeiro, não existem motores geradores de energia elétricamovidos exclusivamente a biogás de tamanho pequeno no mercado nacional.

Tabela 3.- Quantidade média diária de biogás necessária para abasteceruma família de cinco pessoas.

Atividade/local Quantidade necessária (m3)

Cozinha 2,10Iluminação 0,63Geladeira 2,20Banho quente 4,00

Total diário 8,93*

* Quantidade correspondente a 25% de um bujão de gás de 13 quilos.Fonte: Lucas Júnior; Souza; Lopes (2003).

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Marcelo Bacchi Bartholomeu et al.

Os geradores a gás existentes utilizam gás liquefeito de petróleo (GLP), diferentedo biogás. Para o funcionamento com o biogás é necessária uma série de adap-tações e filtros que encarecem o sistema. Segundo, este tipo de gerador estádisponível apenas para grandes produções de energia elétrica, superiores a500KW/dia. Tais geradores apresentam características competitivas em grandespropriedades rurais, com alto consumo de eletricidade e distantes do forneci-mento regular de energia.

No presente trabalho, o biogás será utilizado em uma granja, na queima emaquecedores para os pintos (sendo esta uma das aplicações mais recomendadas),pois é considerada a melhor e mais simples utilização para o biogás, bastandoconectar o biodigestor ao ponto de consumo com uma tubulação adequada.

2.3 Biodigestor

Na prática, a produção de biogás é possível com a utilização de um equipa-mento denominado biodigestor. O biodigestor constitui-se de uma câmara fe-chada, onde é colocado o material orgânico, em solução aquosa para sofrerdecomposição, gerando o biogás que irá se acumular na parte superior da refe-rida câmara.

De acordo com Laslowski (2004), como resultado da digestão anaeróbia tem-se a formação de biofertilizantes e produtos gasosos, principalmente o metano eo dióxido de carbono – principais componentes do biogás.

O material orgânico mais utilizado em biodigestores rurais é o esterco, espe-cialmente suíno, bovino e avícola. Restos de alimentos, hortaliças e até animaispequenos mortos também podem ser colocados no biodigestor, ainda que empequena quantidade. Os dejetos usados em biodigestores deverão ser primeira-mente diluídos em água, cuja quantidade dependerá do tipo de esterco usado.Alguns cuidados devem ser tomados com relação à alimentação do biodigestor:

1. Não colocar detergente nem água da torneira ou de outra origem que conte-nha cloro, pois ambos agem como germicidas, matando as bactériasanaeróbias produtoras do biogás, diminuindo assim a produção de biogás.

2. Retirar todos os cacos de vidro, pedras, plásticos e excessos de terra doesterco que será colocado no biodigestor.

3. Em hipótese alguma colocar, no biodigestor, fertilizantes fosfatados, pois emum ambiente sem oxigênio tais fertilizantes podem se transformar em subs-tâncias altamente tóxicas.

A fermentação dos dejetos ocorrerá mais intensamente quando a temperatu-ra do material estiver entre 30ºC e 35ºC, condições em que a produção de biogáspor quilo de esterco empregado será maior e ocorrerá em menor tempo. Por essarazão, a maioria dos biodigestores é construída com parte enterrada, pois abaixoda superfície do solo as temperaturas são mais elevadas e suas variações sãomenos intensas.

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A decomposição que o material sofre no interior do biodigestor, com a con-seqüente geração de biogás, chama-se digestão anaeróbia. Com base nos con-sumos médios de biogás das diversas utilidades que se deseja instalar em umapropriedade, pode-se determinar o volume de biogás diário suficiente para su-prir as necessidades da propriedade.

Existe atualmente uma gama muito grande de modelos de biodigestores,sendo cada um adaptado a uma realidade e a uma necessidade de biogás. Aseguir, são examinados os modelos mais utilizados de biodigestores em peque-nas propriedades no meio rural.

2.3.1 Biodigestor: modelo indiano

Este modelo de biodigestor caracteriza-se por possuir uma campânula comogasômetro, a qual pode estar mergulhada sobre a biomassa em fermentação, ouem um selo d’água externo, e uma parede central que divide o tanque de fermen-tação em duas câmaras. A função da parede divisória faz com que o materialcircule por todo o interior da câmara de fermentação.

O modelo indiano possui pressão de operação constante, ou seja, à medida queo volume de gás produzido não é consumido de imediato, o gasômetro tende adeslocar-se verticalmente, aumentando o volume deste, portanto, mantendo a pres-são no interior constante. O fato de o gasômetro estar disposto, ou sobre o substratoou sobre o selo d’água, reduz as perdas durante o processo de produção do gás.

O resíduo a ser utilizado para alimentar o biodigestor indiano deverá apre-sentar uma concentração de sólidos totais (ST) não superior a 8%, para facilitara circulação do resíduo pelo interior da câmara de fermentação e evitar entupi-mentos dos canos de entrada e saída do material. O abastecimento tambémdeverá ser contínuo, ou seja, geralmente é alimentado por dejetos bovinos e/ousuínos, que apresentam certa regularidade no fornecimento de dejetos.

Do ponto de vista construtivo, apresenta-se de fácil construção. Contudo, ogasômetro de metal pode encarecer o custo final. O custo de manutenção tendea ser elevado devido à oxidação da cúpula de aço pelo biogás, e a distância dapropriedade pode dificultar e encarecer o transporte, inviabilizando a implanta-ção deste modelo de biodigestor em pequenas propriedades.

A Figura 1 mostra a vista frontal em corte do biodigestor de modelo indiano,realçando os elementos fundamentais para sua construção.

2.3.2 Biodigestor: modelo chinês

É formado por uma câmara cilíndrica em alvenaria para a fermentação, comteto abaulado, impermeável, destinado ao armazenamento do biogás. Estebiodigestor funciona com base no princípio de prensa hidráulica, de modo queaumentos de pressão em seu interior, resultantes do acúmulo de biogás, resulta-rão em deslocamentos do efluente da câmara de fermentação para a caixa desaída, e em sentido contrário quando ocorre descompressão.

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O modelo chinês é construído quase totalmente em alvenaria, dispensandoo uso de gasômetro em chapa de aço, reduzindo os custos. Contudo, podemocorrer problemas com vazamento de biogás caso a estrutura não seja bemvedada e impermeabilizada. Neste tipo de biodigestor, uma parcela do gás forma-do na caixa de saída é liberada para a atmosfera, reduzindo parcialmente a pres-são interna do gás. Por este motivo as construções de biodigestor do tipochinês não são utilizadas para instalações de grande porte.

Tal como no modelo indiano, o substrato deverá ser fornecido continuamen-te, com a concentração de sólidos totais em torno de 8%, para evitar entupimen-tos do sistema de entrada e facilitar a circulação do material.

Em termos comparativos, os modelos chinês e indiano apresentam desempe-nho semelhante, apesar do modelo indiano atingir, em determinados experimen-tos, maior eficiência quanto à produção de biogás e redução de sólidos nosubstrato, conforme pode-se visualizar na Tabela 4.

2.3.3 Biodigestor: modelo batelada

O biodigestor do modelo batelada consiste em um sistema bastante simplese de pequena exigência operacional. Sua instalação poderá ser apenas um tan-

Figura 1.- Ilustração do biodigestor de modelo indiano.

Fonte: Embrapa (1981).

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que anaeróbio, ou vários tanques em série. Esse tipo de biodigestor é abasteci-do de uma única vez. Portanto, não é um biodigestor contínuo, mantendo-se emfermentação por um período conveniente, sendo o material descarregado poste-riormente, com o término do período efetivo de produção de biogás. Para aprodução contínua de biogás neste modelo, deve-se instalar mais de uma unida-de, pois enquanto uma unidade fermenta os dejetos diluídos, a outra unidade,com os dejetos já fermentados, fornece o biogás desejado.

Enquanto os modelos chinês e indiano prestam-se para atender proprieda-des em que a disponibilidade de biomassa ocorre em períodos curtos, como

Figura 2.- Ilustração de biodigestor do modelo chinês.

Fonte: Embrapa (1981).

Tabela 4.- Resultados preliminares do desempenho de biodigestoresindiano e chinês, com capacidade de 5,5 m3 de biomassa, operados com

esterco bovino.

Biodigestor Biodigestorchinês indiano

Redução de Sólidos (%) 37 38Produção Média (m3/dia) 2,7 3,0Produção Média (l/m3 de substrato) 489 538

Fonte: Lucas Júnior; Souza; Lopes (2003).

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exemplo aquelas que recolhem o gado duas vezes ao dia para ordenha, permitin-do coleta diária de biomassa, que deve ser encaminhada ao biodigestor, o mode-lo em batelada adapta-se melhor quando essa disponibilidade se dá em períodosmais longos, como ocorre em granjas avícolas de corte, cuja biomassa fica àdisposição após a venda dos animais e limpeza do galpão.

Figura 3.- Ilustração do biodigestor de modelo batelada.

Fonte: Embrapa (1981).

2.3.4 Biodigestor: modelo de fluxo tubular ou inflável

O modelo de fluxo tubular ou inflável é atualmente um dos modelos maisutilizados para geração de biogás, devido a fácil implantação e uso, manutençãodo sistema, baixo custo e domínio da tecnologia. Sua utilização aplica-se atual-mente em propriedades de grande, médio e pequeno porte com período de utili-zação de até 10 anos. Este modelo é construído através de uma câmara debiodigestão escavada no solo com um gasômetro inflável constituído de duasmantas plásticas seladas apropriadas para esta aplicação.

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Nas extremidades das mantas existem duas aberturas, dispostas em ladosopostos, que servem de entrada para a carga de dejetos e descarga dobiofertilizante, a ser depositado em uma lagoa de decantação. O biogás produzi-do pelo processo de decomposição fica alocado entre as mantas, acumulando-se no interior da câmara, inflando desta forma o biodigestor. A Figura 4 apresen-ta o modelo fluxo-tubular em funcionamento em uma propriedade agrícola.

2.4 Biofertilizante

Os subprodutos do processo de biodigestão são: o gás (biogás), uma partesólida que decanta no fundo do tanque (biofertilizante), e uma parte líquida quecorresponde ao afluente mineralizado.

O biofertilizante é o resíduo da fermentação anaeróbia de estercos e vegetaisem biodigestor, um fertilizante vivo, pleno de microorganismos benéficos àsplantas, totalmente orgânico. Possui praticamente todos os macro e micro nutri-entes de que as plantas necessitam. Composto de aproximadamente 85% dematerial liquefeito e 15% de sólidos em suspensão (celulose, lignina e lipídeos),não tem cheiro, não polui, não apresenta risco para a saúde humana e animal,podendo inclusive enriquecer a ração animal. Pode ser usado na adubação innatura, na adubação foliar, depois de filtrado e misturado com água, e comodefensivo fitossanitário, mais concentrado, em pulverizações. Vem sendo utili-

Figura 4.- Biodigestor modelo fluxo-tubular.

Fonte: Kunz (2006).

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zado como único nutriente em culturas hidropônicas e em gotejamento. Alémdisso, possui as seguintes vantagens:

1. Corrige naturalmente o pH do solo, eliminando o alumínio tóxico da terra,representando economia de cal, trabalho de calagem e intervalos para incor-poração da cal no solo.

2. Absorção radicular rápida com aproveitamento dos nutrientes praticamentesem perdas, especificamente o nitrogênio, acelerando o crescimento.

3. Não “queima” as sementes e as mudas, podendo ser aplicado diretamentesobre elas sem intervalos na adubação. Fácil de aplicar, com latas, regadoresou implementos do trator, economizando tempo e mão-de-obra. É fácil dearmazenar e isento de cheiro e presença de insetos.

4. Além de líquido, orgânico e completo, possui em sua composição bioquími-ca notável presença de fito-reguladores, o que lhe confere o poder inseticidae eliminador de pragas e doenças.

Com o aumento da utilização de biodigestores, o mercado para biofertilizantevem crescendo a cada ano, uma vez que a qualidade e eficiência do produto sãoimportantes fatores de atração para o seu consumo. Como resultado, criou-seum forte comércio para o produto, principalmente demandado por hortashidropônicas, que o utilizam, como foi citado anteriormente, como principal fon-te de recursos minerais para os cultivos em questão.

Outra finalidade do biofertilizante é o uso na própria propriedade agrícola,através da aplicação em pastagens para o gado em confinamento ou mesmomisturado à ração, aumentando desta forma o crescimento da pastagem e amelhora na nutrição dos animais, conseqüentemente substituindo gastos comfertilizantes.

3. Material e métodos

Através de revisão bibliográfica de estudos acadêmicos relacionados aotema, realizou-se coleta de dados secundários referentes à produção de biogásde determinados resíduos orgânicos, como esterco (de bovinos, suínos, eqüinos)e folhas. A partir desses dados, formulou-se um modelo de programação lineargenérico, que, posteriormente, foi aplicado num estudo de caso através desoftware especializado.

4. Resultados e discussão

4.1 Formulação do modelo genérico

Buscando atingir o objetivo do trabalho, adotam-se algumas restrições des-critas em trabalhos referentes ao tema como essenciais para que o biodigestoratinja seu nível máximo de funcionamento (no caso, criando o melhor ambiente

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possível para a digestão anaeróbia das bactérias). Algumas dessas restriçõesnão foram consideradas devido a dificuldades na obtenção de dados técnicosnecessários para a sua análise correta. Entre estas estão o controle do pH, quedeve estar entre 6,0 e 8,0; a temperatura do biodigestor (os mais eficientes nor-malmente operam com temperaturas mais altas); o excesso de qualquer nutrienteou elemento em solução também deve ser evitado, pois pode provocar toxidezno meio bacteriano. Deve-se ater, ainda, ao teor de sólidos voláteis (recomenda-se um mínimo de 120g de sólidos voláteis por kg de matéria seca). Finalmente,ressalta-se a proporção de água necessária para decomposição de cada tipo dematéria orgânica, o que é de grande importância para a determinação do tama-nho do biodigestor a ser instalado (EMBRAPA, 1981).

Uma das restrições adotadas no trabalho diz respeito à necessidade de car-bono (como fonte de energia) e nitrogênio (para formação celular e reprodução)nos dejetos destinados ao biodigestor. Neste caso, o teor de nitrogênio influen-cia de maneira distinta quando em alta concentração na biomassa (provocandogrande produção de amônia, diminuindo a concentração de metano no gás) ouem baixo teor (diminuindo a velocidade de multiplicação bacteriana e, conse-qüentemente, a quantidade produzida de biogás) (MACINTYRE, 1996).

Os parâmetros encontrados de geração de biogás por tipo de matéria orgâni-ca estão evidenciados na Tabela 5.

Tabela 5.- Quantidade de biogás gerada por quilograma de matériaorgânica e proporção de carbono-nitrogênio em cada tipo de matéria

orgânica.

Bovinos Suínos Caprinos Eqüinos Folhas

Quantidade de biogás porquilo de matéria orgânica

0,045 0,075 0,065 0,036 0,4

Proporção carbono-nitrogênio

18 20 22 25 12

Fonte: Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) (2004); Carrilo (2003);EMBRAPA (2002).

Portanto, foram consideradas, no presente trabalho, duas restrições comrelação às proporções de carbono e nitrogênio (EMBRAPA, 1981):

• Referente à quantidade produzida: a relação carbono/nitrogênio deve sermaior que 20, ou seja, 20 partes de carbono para uma de nitrogênio.

• Referente à qualidade do gás: a proporção carbono/nitrogênio deve serinferior a 30.

A segunda restrição qualitativa do gás levada em consideração refere-se àquantidade de matéria de vegetal seca na biomassa utilizada, a qual, segundo

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dados da Embrapa (1981), deve conter um teor de 7% a 9% de matéria vegetalseca, isto é, cada 100 litros de biomassa devem conter em média 8 kg de matériavegetal seca.

O modelo genérico proposto está representado a seguir. A equação (1) indi-ca a função objetivo do problema (maximização da quantidade de biogás); asequações restantes (2) a (6) estão relacionadas às restrições.

MAX (1)

Sujeito a:

xi ≤ ai (quantidade de matéria orgânica disponível diariamente) (2)

(proporção mínima de carbono e nitrogênio) (3)

(proporção máxima de carbono e nitrogênio) (4)

(proporção mínima de matéria vegetal seca1 na mistura) (5)

1. Considerou-se, genericamente, xF como variável de matéria vegetal seca (isto é, folhas).

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(proporção máxima de matéria vegetal seca na mistura) (6)

ci é a quantidade de biogás gerada por quilograma, por tipo de matéria orgânica;ai é o número de animais vezes a quantidade de dejetos produzidos pelos mes-mos diariamente; pi é a composição percentual de carbono em cada um dosprodutos (matéria orgânica); ni é a composição percentual de nitrogênio em cadaum dos produtos (matéria orgânica).

4.2 Aplicação prática do modelo

O modelo genérico acima foi aplicado numa propriedade localizada no muni-cípio de Conchas, interior do Estado de São Paulo. Essa propriedade contém 75bovinos, 20 suínos, 10 caprinos e 5 eqüinos. As disponibilidades de matériaorgânica estão representadas na Tabela 6.

Tabela 6.- Características gerais da propriedade.

Bovinos Suínos Caprinos Eqüinos Folhas

Quantidade de animais 75 20 10 5 -Matéria orgânica porvariável por dia (em quilos)

10,00 2,50 1,67 10,00 -

Matéria orgânica totalpor dia (em quilos)

750,0 50,0 16,7 50,0 18,0

Vale ressaltar que a matéria orgânica total por dia representa os valores deai no modelo genérico (equação (2)), os quais limitam os valores de xi. Osvalores da relação de carbono-nitrogênio em cada substância (matéria orgâni-ca) estão evidenciados na Tabela 5. Finalmente, os valores de αMIN, αMÁX, βMIN

e βMÁX são 20%, 30%, 7% e 9%, respectivamente (valores já referenciadosanteriormente).

A aplicação do modelo proposto resultou numa produção de 15,60 m3 debiogás. Para tanto, é necessário que seja realizada a mistura de matéria orgânicaevidenciada na Tabela 7.

Nota-se que a quantidade de dejetos bovinos disponíveis, assim como asfolhas, não deve ser totalmente utilizada, ao passo que as quantidades de dejetossuínos, caprinos e eqüinos disponíveis devem ser utilizadas integralmente paraalimentar o biodigestor.

Vale notar que estes três últimos componentes também possuem potencialprodução de biogás. Em outras palavras, visto que a quantidade disponível écompletamente utilizada, seria possível aumentar a quantidade de biogás caso a

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Tabela 8.- Potencial de geração de biogás pelos componentes dobiodigestor.

Tipo de matéria Aumento da Quantidade Potencial deorgânica quantidade produzida de matéria geração total

de biogás, caso a que permitedisponibilidade se esse aumentoeleve em um quilo

Esterco bovino 0,00 0,00 0,00Esterco suíno 0,0729 17,017 1,24

Esterco caprino 0,1622 10,52 1,70Esterco eqüino 0,185 7,71 1,43

Folhas 0,00 0,00 0,00

Total - - 4,37

disponibilidade fosse elevada. No entanto, esse potencial não seria observadoinfinitamente (vide Tabela 8).

Por exemplo, o esterco bovino, por ainda apresentar quantidade disponível,não irá contribuir para que o montante de biogás se eleve caso estejam disponí-veis 751 quilogramas, ao contrário de 750 quilos (o mesmo pode ser aplicadopara as folhas, considerando um aumento de 18 para 19 quilos disponíveis).

Todavia, os outros componentes atuam como limitantes da produção debiogás, de forma que a disponibilidade de uma unidade adicional (no caso, umquilograma) permite que a quantidade produzida de biogás seja elevada. Porexemplo, se estivessem disponíveis não mais 50 quilos, mas 51 quilos de estercoeqüino, e essa quantidade adicional fosse utilizada para alimentar o biodigestor,seria possível produzir mais 0,185 m3 de biogás (segunda coluna da Tabela 8), ea dimensão do biodigestor seria de 15,75 m3. O mesmo raciocínio deve ser aplica-do aos estercos caprinos e suínos.

Tabela 7.- Composição ótima de matéria orgânica no biodigestor e aquantidade de biogás gerada por cada componente.

Tipo de matéria orgânica Quantidade (em kg) Quantidade de gás (em m3)

Esterco bovino 52,55 2,36Esterco suíno 50,00 3,75

Esterco caprino 16,67 1,08Esterco eqüino 50,00 1,80

Folhas 16,50 6,60

Total 185,72 15,59

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Como citado anteriormente, não é possível explorar esse potencial infinita-mente. No caso, esses parâmetros seriam observados até que a quantidade dematéria orgânica alcançasse determinado nível (terceira coluna da Tabela 8).

Dessa forma, somando-se individualmente o potencial de exploração de ge-ração de biogás dos componentes, calcula-se que o biodigestor pode assumirdimensão bastante superior (20 m3), quase 30% maior que o original.

Com relação às restrições de proporção (carbono-nitrogênio e quantidadede folhas), observa-se que ambas estão atuando através de seus pisos, ou seja,através de seus valores mínimos. Dessa forma, a proporção encontrada entrecarbono e nitrogênio na mistura foi de 20% (restrição de proporção mínima de20% e máxima de 30%), e a de folhas, 7% (restrição de proporção mínima de 7%e proporção máxima de 9%).

Finalmente, vale salientar que, caso apenas as restrições de disponibilidadede matéria orgânica fossem consideradas, a quantidade de biogás gerada seriaexpressivamente superior (mais de 47 m3, um acréscimo de 200%). Entretanto, aquantidade de biogás gerada por quilograma de matéria orgânica seria menor:no modelo, são gerados 0,084 m3 de biogás por quilograma de matéria orgânica;sem considerar as restrições pertinentes, 0,05 m3 por quilograma.

Esse resultado se reflete diretamente nos custos de instalação do biodigestor,bem como em sua taxa de retorno. Caso a propriedade aplicasse o modelo pro-posto como ferramenta de decisão, teria de adquirir um biodigestor de dimensãobastante inferior ao adquirido sem esse ferramental, o que diminuiria a taxa deretorno da implantação do equipamento.

5. Conclusões e recomendações

Os resultados sugerem que não é suficiente a consideração pura e simplesde maximização do biogás em um biodigestor (através, por exemplo, da soma dopotencial individual de geração de biogás de cada um dos possíveis componen-tes). A realização desse simples objetivo vai de encontro à construção de umambiente que propicie a reprodução das bactérias decompositoras, prejudican-do a produção do biogás, tanto em termos de quantidade como em termos dequalidade.

Assim, também é necessário que se considere o ambiente que será criadopara a digestão anaeróbia das bactérias: caso não sejam obedecidas as devidasrestrições, pode-se criar um ambiente inóspito aos seres decompositores, deforma que tanto a biodigestão quanto a quantidade de biogás gerada fiquemcomprometidas.

Além disso, deve-se atentar à quantidade de gás metano produzida nobiodigestor, pois sua baixa proporção no biogás pode prejudicar seureaproveitamento como energia ou outros usos.

No exemplo considerado no presente trabalho, apesar de a quantidade debiogás produzida ser bastante inferior àquela que prevaleceria sem a presençadas restrições de proporcionalidade, observa-se que a quantidade gerada de

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biogás por quilo de matéria orgânica é maior, de forma a se reduzir a taxa deretorno de instalação do biodigestor (pois é possível adquirir um equipamentomenor, incorrendo em menores custos).

Como considerações sobre o modelo utilizado, pode ser inferido que esteapenas calcula a mistura ótima dos componentes do biodigestor a partir deparâmetros individuais. É possível que a combinação entre esses componentesgere parâmetros específicos (seria, então, um problema de programação não-linear), o que deveria ser incluído no cálculo. No entanto, devido à dependênciade dados secundários, não foi possível identificar tais parâmetros (de fato, nãohá ainda nenhum estudo que aborde a questão das misturas). Além disso, nota-se a dispersão dos dados utilizados no modelo (variadas fontes utilizadas), oque pode prejudicar a exatidão do modelo.

Finalmente, vale ressaltar, ainda em relação ao modelo, que atualmente estepode ser aplicado em qualquer propriedade: basta alterar as restrições de dispo-nibilidade de acordo com cada caso.

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Submetido em 30 de janeiro de 2007Aprovado em 25 de outubro de 2007