formulaÇÃo e “design” de microestrutura...

34
ASPECTOS NUMÉRICOS E FÍSICOS DE SOLUÇÕES DAS EQUAÇÕES DE SAINT-VENANT André Luiz Andrade Simões 1 , Romualdo José Romão Brito 2* , Harry Edmar Schulz 3 , Rodrigo de Melo Porto 4 , Raquel Jahara Lobosco 5 2 Instituto Superior Politécnico de Tete, Moçambique 1,2,3,4,5 Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Brasil. *Email: [email protected] RESUMO As equações de Saint-Venant são deduzidas a partir dos princípios de conservação de massa e quantidade de movimento com o uso de hipóteses simplificadoras. Freqüentemente tais equações são empregadas em sua forma uni-dimensional com o intuito de prever o comportamento de ondas de cheia em canais, ondas ocasionadas pela ruptura de barragens e, em alguns casos, para prever a posição de ressaltos hidráulicos. O equacionamento geral compõe um sistema de equações diferenciais parciais do tipo hiperbólico e não linear (em ambos os casos, unidimensional e bidimensional). As soluções analíticas são ainda muito raras para esse sistema, sendo necessário o uso de métodos numéricos para obtenção de soluções. A sua utilidade aponta para a necessidade de sua apresentação didática aos estudantes e profissionais de Engenharia, o que justifica o presente texto. Este trabalho utiliza as equações de Saint-Venant aplicadas a problemas com superfície livre em uma e duas dimensões. São discutidos aspectos físicos das soluções e detalhes matemáticos, como a imposição adequada das condições de contorno e a estabilidade de esquemas numéricos, por meio do uso da análise de von Neumann aplicada à forma linearizada das equações unidimensionais. INTRODUÇÃO Em situações nas quais as alterações sofridas pelo fluido em movimento são pequenas e ocorrem de modo progressivo, é razoável supor, para fins práticos, que o escoamento seja permanente, ao menos em intervalos curtos de tempo. Há, todavia, casos em que esta simplificação não é adequada, como, por exemplo, durante a passagem de ondas de cheia em canais, rios ou sistemas de drenagem, alterações de nível e vazões produzidas pela parada ou partida de bombas ou turbinas hidráulicas, ondas originadas por manobras de comportas em canais de irrigação, rompimentos de diques ou barragem, etc. Como exemplos de eventos menos abruptos, temos a previsão do comportamento de correntes marítimas e conseqüentes elevações da maré, que são eventos de considerável relevância para a navegação e a dispersão de poluentes, e a ocorrência de transporte de sedimentos durante escoamentos variáveis, com implicações ambientais e na navegação. Antes de iniciar a dedução das equações, cabe mencionar que o escoamento turbulento é sempre não permanente, apesar de ser considerado, em alguns problemas, como permanente em média, ou, em alguns textos, como “estacionário”. Assim, os termos escoamento variável e escoamento permanente empregados neste texto se referem ao comportamento médio das variáveis. A seguir são expostos brevemente alguns conceitos elementares sobre escoamentos variáveis, especificamente

Upload: nguyenngoc

Post on 13-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

ASPECTOS NUMÉRICOS E FÍSICOS DE SOLUÇÕES DAS EQUAÇÕES

DE SAINT-VENANT

André Luiz Andrade Simões

1, Romualdo José Romão Brito

2*,

Harry Edmar Schulz3, Rodrigo de Melo Porto

4, Raquel Jahara Lobosco

5

2Instituto Superior Politécnico de Tete, Moçambique

1,2,3,4,5Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Brasil.

*Email: [email protected]

RESUMO

As equações de Saint-Venant são deduzidas a partir dos princípios de conservação de massa e

quantidade de movimento com o uso de hipóteses simplificadoras. Freqüentemente tais

equações são empregadas em sua forma uni-dimensional com o intuito de prever o

comportamento de ondas de cheia em canais, ondas ocasionadas pela ruptura de barragens e,

em alguns casos, para prever a posição de ressaltos hidráulicos. O equacionamento geral

compõe um sistema de equações diferenciais parciais do tipo hiperbólico e não linear (em

ambos os casos, unidimensional e bidimensional). As soluções analíticas são ainda muito

raras para esse sistema, sendo necessário o uso de métodos numéricos para obtenção de

soluções. A sua utilidade aponta para a necessidade de sua apresentação didática aos

estudantes e profissionais de Engenharia, o que justifica o presente texto. Este trabalho utiliza

as equações de Saint-Venant aplicadas a problemas com superfície livre em uma e duas

dimensões. São discutidos aspectos físicos das soluções e detalhes matemáticos, como a

imposição adequada das condições de contorno e a estabilidade de esquemas numéricos, por

meio do uso da análise de von Neumann aplicada à forma linearizada das equações

unidimensionais.

INTRODUÇÃO

Em situações nas quais as alterações sofridas pelo fluido em movimento são pequenas e

ocorrem de modo progressivo, é razoável supor, para fins práticos, que o escoamento seja

permanente, ao menos em intervalos curtos de tempo. Há, todavia, casos em que esta

simplificação não é adequada, como, por exemplo, durante a passagem de ondas de cheia em

canais, rios ou sistemas de drenagem, alterações de nível e vazões produzidas pela parada ou

partida de bombas ou turbinas hidráulicas, ondas originadas por manobras de comportas em

canais de irrigação, rompimentos de diques ou barragem, etc. Como exemplos de eventos

menos abruptos, temos a previsão do comportamento de correntes marítimas e conseqüentes

elevações da maré, que são eventos de considerável relevância para a navegação e a dispersão

de poluentes, e a ocorrência de transporte de sedimentos durante escoamentos variáveis, com

implicações ambientais e na navegação. Antes de iniciar a dedução das equações, cabe

mencionar que o escoamento turbulento é sempre não permanente, apesar de ser considerado,

em alguns problemas, como permanente em média, ou, em alguns textos, como

“estacionário”. Assim, os termos escoamento variável e escoamento permanente empregados neste texto se referem ao comportamento médio das variáveis. A seguir são expostos

brevemente alguns conceitos elementares sobre escoamentos variáveis, especificamente

Page 2: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

alguma terminologia ligada ao estudo de ondas. Essas definições foram extraídas das

referências Lamb (1945) e Porto (2006).

Conceitos básicos

Uma onda é definida como uma variação temporal e espacial da altura do escoamento

(distância vertical do ponto mais baixo da seção até a superfície livre) e da taxa de vazão. O

comprimento de onda (L) é a distância entre duas cristas sucessivas, a amplitude da onda é a

altura entre o nível máximo da superfície livre e o nível d’água em repouso e a altura H é a

diferença de cotas entre as cristas e os cavados (vales). Há diferentes tipos de classificações

para as ondas, como ondas capilares, nas quais o fator predominante na propagação é a tensão

superficial, e ondas de gravidade, cuja ação principal é a atração gravitacional. O termo água

rasa se refere ao caso em que a relação entre L e a profundidade da água y, distância entre o

fundo do canal e o nível estático da água, for maior que 20. Caso contrário, define-se o que se

chama de águas profundas. Uma onda é chamada de onda oscilatória se não há transporte de

massa na direção de propagação (são ondas normalmente ocasionadas pelos ventos e de

grande relevância para Hidráulica Marítima). Ondas de translação são aquelas que envolvem

deslocamento de massas líquidas da sua posição original, como ondas de cheia em rios e

canais. As ondas de translação podem ser classificadas como onda solitária, que possui um

tramo de ascensão e outro de depleção e um único pico, e trem ou sistema de ondas, que é um

grupo de ondas consecutivas. Uma onda de translação que tenha um tramo de depleção (a

frente de onda) de modo íngreme é chamada de surto ou vagalhão. Em relação às ondas em

canais, estas são ditas ondas positivas se a altura da água atrás da onda (a intumescência) é

maior que a altura da água no escoamento não perturbado no canal. Se a altura da água atrás

da onda é menor que a altura da água do escoamento não perturbado no canal, a onda é

classificada como negativa.

Para ondas de gravidade de amplitude pequena, considerando escoamento ideal e sem

efeitos significativos decorrentes da tensão superficial, a celeridade (c=velocidade relativa de

propagação da onda em relação ao meio líquido) pode ser calculada aproximadamente por

meio da equação 1 (Lamb, 1945):

L

h2tgh

2

1

gL

cou ,

L

h2tgh

2

gLc

2

(1)

em que L é o comprimento da onda, h a altura do escoamento e tgh a tangente hiperbólica.

Esta equação é normalmente chamada de equação da celeridade de Airy, em homenagem a Sir

George Biddle Airy (1801-1892), certamente o primeiro a apresentar o seu desenvolvimento,

em 1845 (Porto, 2006).

É interessante notar que se L>>h, condição relativa às águas rasas, a tangente

hiperbólica tende ao valor do arco e então a celeridade de tais ondas é calculada simplesmente

por:

h/L

1

gL

cou ,ghc

2

(2)

Page 3: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

A Figura 1 ilustra este comportamento. A partir de L/h = 20 as equações fornecem

praticamente os mesmos resultados. No caso de ondas de águas profundas, em que h>>L, a

tangente hiperbólica tende à unidade e a celeridade passa a ser calculada por:

2

1

gL

cou ,

2

gLc

2

(3)

Este é o valor constante da curva gerada pela equação 1, apresentada na Figura 1.

Figura 1 – Comportamento da celeridade adimensionalizada em função de L/h (y=h)

DEDUÇÕES DAS EQUAÇÕES PARA O CASO 1D

As equações que modelam os problemas tratados neste artigo têm como origem o princípio de

conservação de massa e de quantidade de movimento (2ª lei de Newton). Trata-se de uma

formulação simplificada em relação ao equacionamento geral para fluidos newtonianos

(equação da continuidade completa e equação de Navier-Stokes) e, por esta razão, considera-

se válido apresentar parte da sua dedução para o caso unidimensional com o intuito de

evidenciar as limitações inerentes ao modelo e valorizar aspectos físicos e matemáticos

presentes nas equações. Como referência sobre o os procedimentos adotados para as deduções, cabe destacar os trabalhos de Chaudhry (2008) e Porto (2006).

Conservação de massa

A equação de conservação da massa para volumes de controle e em sua forma integral pode

ser escrita como:

0ndAVdVolt

scvc

(4)

0,0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0 5 10 15 20 25

c2/(

gL

)

L/y

Eq. 1

Eq. 2

Page 4: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Assume-se que o escoamento é unidimensional e incompressível. O canal é considerado

prismático e não há aporte lateral de vazão. O volume de controle adotado mantém tais

simplificações e corresponde a um volume de controle com uma entrada (seção 1), uma saída

(seção 2), parte da superfície de controle é a superfície livre e a superfície restante

corresponde ao contorno sólido. Com tais hipóteses, a equação anterior, quando aplicada ao

referido volume de controle, é simplificada para:

0QQdxt

A12

x

(5)

em que: A = área da seção transversal, Q = vazão. Utilizando o teorema do valor médio e

fazendo x0, obtém-se a equação da continuidade na forma conservativa:

0x

Q

t

A

(6)

Quantidade de movimento

O princípio de conservação de quantidade de movimento linear para volumes de controle

pode ser escrito como:

scvc

ndA.VVdVolVt

F (7)

em que: F = força resultante. A dedução da equação diferencial a partir de (7) pode ser

encontrada em Porto (2006) e Chaudhry (2008). A única diferença entre a equação

apresentada aqui e aquela apresentada por esses autores está nas forças devidas às pressões

(F1 e F2), que são calculadas por meio das seguintes equações:

coshgA2F

coshgA1F

22

11 (8)

em que: h com uma barra superior é a distância desde a superfície livre até o centróide da

seção transversal. Além das hipóteses anteriores, considera-se que o coeficiente de

Boussinesq () é uma constante e que os efeitos da aceleração de Coriolis são negligenciáveis. A equação resultante, obtida a partir da conservação de quantidade de movimento é:

fo IIgAcoshgAQVxt

Q

(9)

Esta é a equação de quantidade de movimento na forma conservativa, que junto com a

equação 6 forma um sistema hiperbólico semelhante às equações de Saint-Venant. Io e If são

as declividades de fundo e da linha de energia, respectivamente.

Page 5: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Equações simplificadas para o caso de águas rasas

Continuidade

Para obtenção da equação da continuidade aplicada ao caso de águas rasas, por meio da

equação 6, a única simplificação necessária é a de canal retangular, como apresentado a

seguir. Nesta situação Hm=A/B=Bh/B=h, logo:

x

Vh

x

hV

t

h

x

V

B

A

x

hV

t

h

0x

Vh

t

h

(10)

Quantidade de movimento

Utilizando a mesma simplificação adotada na obtenção da equação 10, a equação 9 é

manipulada algebricamente para dedução da equação de quantidade de movimento linear para

águas rasas 1D. Desprezando a não uniformidade do perfil de velocidades (b=1) e o efeito do

cos no cálculo das forças de pressão, vem:

fofo IIgBh

x

hgBhVhV

xB

t

VhBIIgA

x

hgAQV

xt

Q

fo

22 ghIghIh2

ghV

xt

Vh

(11)

Para calcular a declividade da linha de energia If, assume-se que é válida uma equação

de resistência desenvolvida para o regime uniforme e permanente. Utilizando a equação de

Chézy, deve-se assumir ainda que o canal retangular é largo (B>>h). Com esta hipótese, a

equação mencionada assume a seguinte forma:

hC

VV

h2B/Bh

1

C

VV

P/A

1

C

VI

222

2

f

(12)

Sabe-se que C=(8g/f)0,5

, em que f é o fator de resistência de Darcy-Weisbach. Assim,

nota-se imediatamente que C não é uma grandeza adimensional. Sendo preferível trabalhar

com grandezas adimensionais, utiliza-se aqui a equação de Darcy-Weisbach no lugar da

equação de Chézy:

gh8

VVfIf (13)

ASPECTOS MATEMÁTICOS E MÉTODOS NUMÉRICOS

Formas vetoriais e autovalores

Page 6: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

As equações 10 e 11 formam o sistema de equações para águas rasas em uma dimensão. Com

uma notação compacta, as equações podem ser escritas como:

sx

f

t

q

(14)

em que:

hV

hq

(15)

2

11

22

2

22q

2

g

q

q

q

h2

ghV

hVf

(16)

fo ghIghI

0s

(17)

Do mesmo modo, em sua forma não conservativa, as equações de Saint-Venant podem

ser escritas na forma vetorial como apresentado a seguir:

Jx

UA

t

U

(18)

em que:

V

hU (19)

Vg

HVA

m (20)

fo II

0gJ (21)

Os autovalores da matriz A definem a que classe pertence o sistema de equações. Para

calcular os autovalores de A, sabe-se que:

0gHV0Vg

HVdet m

2m

(22)

Calculando as raízes desta equação, obtém-se:

m1 gHV (23)

Page 7: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

m2 gHV (24)

Nota-se imediatamente que os autovalores correspondem às velocidades absolutas das

ondas, uma vez que c=(gHm)0,5

. Para escoamentos subcríticos e supercríticos os autovalores

assumem valores reais e diferentes. Isto permite classificar as equações como um sistema de

equações diferenciais parciais hiperbólicas, assim como as equações de Euler e do

escoamento variável em tubos, por exemplo. A mesma conclusão é obtida com o cálculo dos

autovalores da matriz Jacobiana do vetor f, como apresentado a seguir:

1

212

1

22

2

2

1

2

2

1

1

1

q

q2gq

q

q

10

q

f

q

f

q

f

q

f

fD

Esta matriz também pode ser escrita em termos das variáveis primitivas:

V2ghV

10fD 2

Os autovalores (i) desta matriz podem ser calculados com a equação característica (em que

I=matriz identidade):

0ghVV20ghV1V2

V2ghV

1det

V2ghV

10

0

0detDfIdet

222

22

Resolvendo o polinômio, tem-se:

2

ghV4V4V20ghVV2

222,122

ghVghVVV 221

ghV2

Vê-se que a única diferença entre os autovalores calculados com o jacobiano está na

expressão para a celeridade, ocasionada por ter sido utilizada a condição de águas rasas.

Método das características

O sistema hiperbólico obtido para condutos livre é não linear e só admite solução analítica em

casos ainda mais simplificados. Por este motivo, o uso de métodos numéricos é natural e

comum em aplicações que envolvem as equações de Saint-Venant. O método das

características, certamente um dos mais difundidos na prática da engenharia hidráulica, é

Page 8: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

freqüentemente escolhido em simulações de escoamentos variáveis em condutos forçados.

Dada a semelhança entre as equações, o desenvolvimento do método para as equações de

Saint-Venant é parecido, exceto pela dependência de c com Hm, o que exige uma

simplificação adicional em relação aos condutos forçados.

Considera-se as equações de Saint-Venant escritas com a forma não conservativa, como

apresentado a seguir:

0x

VH

x

hV

t

hm

(25)

fo IIgx

hg

x

VV

t

V

(26)

Seguindo os procedimentos usuais para o desenvolvimento do método, a equação da

continuidade é multiplicada por e somada à equação da quantidade de movimento,

resultando em:

fom IIgx

hg

x

VV

t

V

x

VH

x

hV

t

h

(27)

Com o intuito de identificar as derivadas materiais de h e V, os termos desta equação

foram reagrupados resultando em:

fom IIgx

hgV

t

h

x

VVH

t

V

(28)

ou

fo IIgdt

dh

dt

dV (29)

A equação anterior permite concluir que:

m

mm

2m

H/g

H/gHgVH

gV

dt

dx (30)

Com este resultado, verifica-se que dx/dt pode ser igual a cada um dos autovalores da matriz

convectiva do sistema hiperbólico:

1mgHV

dt

dx (31)

2mgHV

dt

dx (32)

Page 9: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Ao substituir os valores de na equação 29, obtém-se duas equações diferenciais

ordinárias válidas ao longo das características:

1

fom

dt

dx

IIgdt

dh

H

g

dt

dV

:C (33)

2

fom

dt

dx

IIgdt

dh

H

g

dt

dV

:C (34)

Assim como ocorre no problema de condutos forçados, as equações diferenciais parciais

válidas para o plano espaço-tempo foram substituídas por duas equações diferencias

ordinárias que devem ser integradas ao longo das curvas características. Do ponto de vista

matemático, a diferença básica entre as equações está no fato de que os primeiros elementos

dos autovetores da matriz convectiva do sistema formado pelas equações de Saint-Venant são

funções de uma das variáveis dependentes, especificamente de y, uma vez que Hm=A/B e

A=A(h). A matriz convectiva das equações para condutos forçados possui autovetores que

não incluem quaisquer das variáveis dependentes.

Lembrando que

Vg

HVA

m , o seu primeiro autovetor, com componentes

e

é

definido de modo que:

12

11

m12

11m

gHVVg

HV (35)

Portanto, é permitido escrever:

1

g

H

gHV

1

g

H

Vg

HV m

m

mm (36)

De modo similar, determina-se o segundo autovetor. Como conclusão, verifica-se que os

autovetores são funções de y, uma das variáveis dependentes do sistema:

1

g

Hm1 (37)

1

g

Hm2 (38)

Page 10: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Integrando as equações 33 e 34 ao longo das curvas características, vem

P

A

fo

P

Am

P

A

dtIIgdhH

gdV (39)

P

B

fo

P

Bm

P

B

dtIIgdhH

gdV (40)

Uma vez que Hm depende de h, assim como If, que também depende de V, deve-se

empregar alguma aproximação para calcular as integrais. Como no caso de condutos forçados,

assume-se que os valores de V e h em A e B (que correspondem ao tempo anterior) são

válidos ao longo de AP e BP. Integrando, obtém-se:

tIIghhH

gVV AfoAp

mAAp (41)

tIIghhH

gVV BfoBp

mBBp (42)

Para simplificar a escrita, as quantidades conhecidas (em A e B) podem ser agrupadas

em duas constantes:

AmA

AfoA hH

gtIIgVC (43)

BmB

BfoB hH

gtIIgVC (44)

Substituindo C+ e C- nas equações 41 e 42 e utilizando a definição de celeridade para este

problema, pode-se escrever:

pA

p hc

gCV (45)

pB

p hc

gCV (46)

As formas anteriores são normalmente utilizadas em programas computacionais.

Entretanto, deve-se destacar que se houverem soluções, no sentido fraco, descontínuas, as

equações não fornecem resultados corretos.

Método de MacCormack com viscosidade artificial

O esquema de MacCormack (1969) é um método do tipo preditor corretor de dois passos que

possui acurácia de segunda ordem tanto no tempo quanto no espaço. Este método é capaz de

Page 11: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

capturar ondas de choque e foi empregado por Gharangik e Chaudhry (1991) para analisar

escoamentos não permanentes unidimensionais em canais. Além do seu uso para identificar a

ocorrência de ressaltos hidráulicos, o trabalho de Anderson (1995), por exemplo, também

apresenta aplicações ligadas à simulação de ondas de choque normais em bocais convergente-

divergentes, ondas de expansão (leque de rarefação) e ondas de choque bidimensionais em

placa plana. O desenvolvimento do código com este método é relativamente simples e segue

os seguintes passos:

1) Preditor. Adota-se uma aproximação avançada para a derivada espacial para calcular

a derivada temporal no instante n e, em seguida, utiliza-se esta derivada para calcular

q em t+t. O resultado obtido desta forma é identificado com uma barra superior.

ni

ni

n1i

n

sx

ff

t

q

(47)

tt

qqq

n

n

i

1n

i

(48)

2) Corretor. O valor predito calculado é utilizado para calcular a derivada temporal de q

em n+1. Para tanto, adota-se uma discretização atrasada para a derivada espacial. Esta

alternância entre derivadas avançadas e atrasadas produz um método de segunda

ordem. Com este resultado, efetua-se uma média entre as derivadas temporais

calculadas em n e n+1 para que seja realizado o cálculo final de q em n+1.

1ni

1n1i

1ni

1n

sx

ff

t

q

(49)

tt

q

t

q

2

1qq

1nn

n

i

1n

i

(50)

Viscosidade artificial

A solução obtida por um esquema de diferenças finitas possui erros dissipativos se o

termo principal do erro local de truncamento possui ordem par. Se este erro possui um termo

principal com ordem ímpar, então o esquema passa a ter erros dispersivos. Os erros

dispersivos normalmente produzem oscilações nos resultados junto a ondas íngremes, o que

pode provocar instabilidade numérica. Com o intuito de corrigir esta falha, utiliza-se

normalmente limitadores de fluxo ou, de forma mais simplificada, uma viscosidade artificial,

que neste texto é dada pela seguinte equação (Anderson, 1995, p.363):

n1i

ni

n1in

1ini

n1i

n1i

ni

n1ixn

i qq2qyy2y

yy2yCS

(51)

Page 12: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

em que Cx é um parâmetro arbitrário adimensional. Valores típicos para Cx estão

compreendidos no intervalo 0,01 a 0,3 (Anderson, 1995, p.238) para o caso de escoamento

supersônico em bocais. Existem diferentes formulações para a viscosidade artificial. Esta

escolha foi feita com base na experiência obtida com a solução do problema de localização de

uma onda de choque normal no interior de um bocal convergente-divergente. De acordo com

LeVeque (2004, p.72), os primeiros a propor este tipo de técnica foram von Neumann e

Richtmyer. O uso da viscosidade artificial altera o método de MacCormack para a seguinte

forma:

1) Preditor. Deve-se somar a viscosidade calculada no tempo n quando for calculado q

no passo preditor. Para o cálculo de cada componente q em n+1, deve-se somar a

componente S correspondente (nota-se que há consistência dimensional nesta soma):

ni

n

n

i

1n

iSt

t

qqq

(52)

2) Corretor. deve-se somar a viscosidade calculada com base nos valores obtidos no

passo preditor.

ni

1nn

n

i

1n

iSt

t

q

t

q

2

1qq

(53)

CONSISTÊNCIA, ESTABILIDADE E CONVERGÊNCIA

Um esquema numérico de discretização deve ser consistente com a equação diferencial

original, estável e convergente. A consistência de uma equação na forma discreta existe se o

erro de truncamento tende a zero quando os espaçamentos da malha tendem a zero. Este é um

aspecto importante, pois um dos requisitos para haver convergência do método numérico é a

consistência. O segundo requisito necessário para que ocorra convergência é a estabilidade.

Este é um conceito de grande relevância e que é bastante empregado em hidráulica

computacional, como em problemas que requerem a solução das equações do golpe de aríete e

Saint-Venant. Um método numérico é estável se os erros ou perturbações presentes na

solução não crescem sem limites. Esse tal crescimento descontrolado pode produzir números

que atingem os limites da máquina, com valores irreais como 10200

, por exemplo. Condições

de contorno ou iniciais incorretas podem ser responsáveis por este tipo de erro, assim como o

acúmulo de erros de arredondamento ocorrido durante o processamento. Se as condições de

contorno e iniciais forem corretas, o acúmulo de erros de arredondamento passa a ser o

responsável por uma possível instabilidade de um método numérico. Para uma discretização

consistente, se o refinamento progressivo da malha produz resultados que se aproximam da

solução analítica da EDP, diz-se que há convergência. De acordo com o teorema da

equivalência de Lax, pode-se escrever que um esquema numérico consistente é convergente

se e somente se ele for estável (ver prova em Dautray e Lions, 2000, p.37).

Page 13: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Estabilidade e o método de Lax-Friedrichs

Embora a metodologia analítica para análise de estabilidade seja bem conhecida para

problemas lineares, considera-se válido explorá-la neste trabalho com uma aplicação direta às

equações de Saint-Venant linearizadas. A discussão é desenvolvida com base no esquema de

discretização centrado e, em seguida, com o esquema numérico de Lax-Friedrichs. O método

de Lax-Friedrichs é uma variação sutil e necessária do esquema centrado. No esquema

centrado, as derivadas espaciais são aproximadas por diferenças finitas centradas de segunda

ordem no instante “n” e as temporais por diferenças finitas avançadas de primeira ordem na

posição “i”, como apresentado a seguir:

x2

)q(f)q(f

x

)q(f n1i

n1i

(54)

t

qq

t

qn

i

1n

i

(55)

Há um grave problema com a escolha das aproximações 54 e 55 para os sistemas

hiperbólicos de um modo geral, que é a instabilidade numérica. Para um sistema hiperbólico

linear é possível provar que o esquema centrado é incondicionalmente instável. Com o intuito

de verificar a estabilidade de um método numérico, normalmente é utilizada a análise de

estabilidade de von Neumann. Como o sistema deve ser linear para que essa análise seja

empregada, considera-se um estado de referência “0” que permite definir h = h0 + y e V = V0

+ v, em que h0 e V0 são constantes e y e v são perturbações em torno desses valores

constantes. Inicialmente, empregando a regra do produto e desprezando os termos fonte, as

equações para águas rasas são reescritas na forma não-conservativa, como apresentado a

seguir:

0x

hg

x

VV

t

V

0x

hV

x

Vh

t

h

(56)

Substituindo as definições anteriores para h e V na equação 5 e eliminando as derivadas de

constantes, obtém-se:

0x

yg)

x

vv

x

vV(

t

v

0)x

yv

x

yV()

x

Vy

x

vh(

t

y

0

00

(57)

Desprezando os termos que envolvem produtos de flutuações, o sistema é linearizado,

assumindo a seguinte forma:

Page 14: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

0x

yg

x

vV

t

v

0x

yV

x

vh

t

y

0

00

(58)

Aproximada com o esquema centrado, a equação 58 pode ser escrita da seguinte maneira:

0v

y

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

v

y

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

v

y

10

01

v

y

10

01

n

1i

1i

0

00

n

1i

1i

0

00n

i

i1n

i

i

(59)

A aplicação do método de von Neumann requer a identificação das matrizes A e B

presentes na seguinte relação:

n1n UTBUTA (60)

em que: TU é um operador de translação. Para a equação 59, as matrizes são:

10

01A0 ,

10

01B0 ,

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

BB0

00

11 .

Note-se que = -1 corresponde à posição i-1 da malha espacial, = 0 ao índice i e = 1 ao

índice i+1. Para n+1 identifica-se as matrizes A e para o instante n as matrizes B. O

próximo passo consiste em calcular o símbolo do esquema numérico, definido como:

)Ikexp(B)Ikexp(A)k(S

1

(61)

em que: S(k) = símbolo ou raio espectral, k Rm

e I = unidade imaginária. Substituindo as matrizes, obtém-se:

)ee(

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

10

01)k(S IkIk

0

00

(62)

Das relações trigonométricas elementares, sabe-se que eIk

-e-Ik

= 2Isenk. Portanto:

Page 15: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

1Isenkx

tVIsenk

x

tg

Isenkx

th1Isenk

x

tV

)k(S0

00

(63)

Se o módulo de um dos autovalores do símbolo for maior do que a unidade o esquema é

instável. Sendo assim, é necessário calcular os autovalores de S(k), o que pode ser feito com a

solução da função característica.

1IsenkghVx

t

1IsenkghVx

t

)]k(S[autov

ksenIx

tgh)]k(S[autov1Isenk

x

tV

00

00

22

2

20

20

(64)

Nota-se na equação 64 a definição do número de Courant (Cn):

00n ghVx

tC

(65)

Teorema 1. O esquema numérico centrado é incondicionalmente instável.

Prova. |autov[S(k)]|>1 Cn.

A partir dessa conclusão de cunho geral, de que o esquema centrado não é adequado para as

equações linearizadas, verifica-se que o problema não linear não pode se utilizar desse

esquema. O método de Lax e Friedrichs, já mencionado, altera o esquema centrado com o uso

da seguinte aproximação para a derivada temporal:

t

)qq(2

1q

t

qn

1i

n

1i

n

1i

(66)

Seguindo os mesmos procedimentos, é possível demonstrar a condição de estabilidade do

método de Lax-Friedrichs. O sistema de EDP’s linearizado e discretizado com este método

assume a seguinte forma:

0v

y

5,0x2

tV

x2

tgx2

th5,0

x2

tV

v

y

5,0x2

tV

x2

tgx2

th5,0

x2

tV

v

y

10

01

n

1i

1i

0

00

n

1i

1i

0

001n

i

i

(67)

Portanto, o símbolo é:

Page 16: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

kcosIsenkx

tVIsenk

x

tg

Isenkx

thkcosIsenk

x

tV

)k(S0

00

(68)

Calculando os seus autovalores, obtém-se:

kcosghVx

tIsenk

kcosghVx

tIsenk

)]k(S[autov

00

00

(69)

Teorema 2. O método de Lax-Friedrichs é estável se Cn < 1.

Prova. O módulo do segundo autovalor de S(k) é:

1C11)1C(ksenkcosksenC)]k(S[autov n2n

2222n

2

Sob a forma de gráfico, a Figura 2 ilustra o comportamento de |autov[S(k)]| para diferentes

números de Courant. Uma descrição detalhada do método de análise empregado pode ser

encontrada em Dautray e Lions (2000) e, uma abordagem ligeiramente diferente, em

Chaudhry (2008, p.392).

Figura 2 – Comportamento de |autov[S(k)]| em função de Cn

CONDIÇÕES E INICIAIS E DE CONTORNO

As condições iniciais para um dado problema de escoamento variável em canais podem ser

estabelecidas com a equação diferencial ordinária que representa o escoamento permanente e

gradualmente variado (equação 70):

2

fo

Frcos

II

dx

dy

(70)

Se a profundidade é conhecida em todos os pontos do domínio no instante inicial,

também é possível especificar as velocidades. Para um caso simples em que s=0, os

invariantes de Riemann são conhecidos ao longo das características, pois são funções de V e y

0

0,4

0,8

1,2

0 1 2 3

|au

tov[S

(k)]

|

k

Cn = 0,25

Cn = 0,50

Cn = 0,75

Cn = 1,0

Cn = 1,2

Page 17: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

apenas. Isto dá a opção de especificar V ou y ao longo das características em qualquer ponto,

sendo a outra variável calculada com os invariantes de Riemann. Impor as condições iniciais

desta forma tem a vantagem de aproximar o problema da realidade física. Pode haver casos

em que o interesse maior não é o de obter uma solução em regime variável, mas sim em

regime permanente. Em uma situação como esta, a solução da equação 70 seria suficiente se

não houvesse descontinuidade. Havendo descontinuidades, pode ser vantajoso integrar as

equações de Saint-Venant em suas formas conservativas até o estado estacionário e, como

condição inicial, não é estritamente necessário o uso da solução da equação diferencial

ordinária.

Os autovalores calculados anteriormente indicam de que maneira as condições de

contorno devem ser estabelecidas. Observando as diferentes possibilidades, conclui-se que, se

o escoamento for subcrítico, 1>0 e

2<0. Isto significa que apenas uma variável primitiva

deve ser fixada no contorno, enquanto a outra pode flutuar livremente em função do que

ocorre no domínio, sendo isto feito por meio de extrapolação ou com o uso das equações

obtidas com o método das características. Se Fr>1, 1>0 e

2>0, o que implica impor valores

para as duas variáveis se este regime ocorrer na entrada. Se o escoamento for supercrítico na

saída, V e y são calculadas com extrapolação ou com as equações desenvolvidas com o

método das características. Se a característica aponta para dentro do domínio a variável deve

ser imposta, enquanto que, se a característica aponta para fora do domínio, a variável deve ser

deixada livre para assumir valores que estejam relacionados à solução do problema nos nós

próximos ao contorno.

Algumas condições de contorno típicas de problemas de engenharia podem ser

encontradas em Chaudhry (2008, p.375-376). A presença de um reservatório na extremidade

de montante do sistema pode ser tratada com a equação da energia, resultando na seguinte

relação entre y e V:

g2

VK1hh

21n1

res1n

1

(71)

Esta equação é obtida considerando-se uma distribuição de pressões hidrostática e a

ocorrência de perda de carga localizada na entrada do reservatório, com coeficiente K. Para

calcular a velocidade no instante n+1, utiliza-se a característica negativa. Se a perda de carga

e a energia cinética forem desprezadas, não há necessidade de resolver a equação do segundo

grau.

Figura 3 – Reservatório na extremidade de montante

Fonte: Chaudhry (2008)

Para um reservatório situado no contorno de jusante, a equação da energia,

considerando que há dissipação localizada, resulta em:

Page 18: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

g2

VK1yy

21nNx

res1n

Nx

(72)

Para um contorno deste tipo, a característica positiva deve ser empregada para fechar o

sistema de equações do contorno. Uma comporta pode ser modelada com a seguinte equação:

1nNxcd

1nNx gy2ACQ (73)

em que: QNxn+1

=vazão através da comporta no instante futuro (n+1) e no último nó do

domínio, ou seja, em Nx, Cd=coeficiente de vazão, Ac=área de abertura da comporta e yNxn+1

a

altura desde o fundo até a superfície livre imediatamente a montante da comporta. Neste caso

a equação característica positiva deve ser empregada para fechar o sistema de equações no

contorno.

Outros exemplos de condições de contorno são apresentados a seguir, na Figura 4. Na

extremidade a montante, a abertura da comporta é inferior à altura crítica e, portanto, o

escoamento é supercrítico. Nesta posição as características são positivas e “transportam”

informações para dentro do domínio, o que exige a imposição de valores para h e V. Na

extremidade direita, após o ressalto hidráulico, apenas uma característica aponta para dentro

do domínio. Sendo assim, uma variável é fixada e a outra deve ficar livre para flutuar, sendo

calculada por extrapolação ou com a característica positiva.

Figura 4 – Condições de contorno com escoamento supercrítico a montante e subcrítico a jusante.

APLICAÇÕES

Foram desenvolvidos códigos que funcionam em Matlab® ou, com poucas adaptações,

em outras linguagens de programação, especialmente no software GNU Octave (uma versão

gratuita muito parecida com o Matlab®). Os exemplos apresentados foram calculados tendo

como ponto de partida o conjunto de códigos HidráulicaEESC (Simões et al., 2010a,b), que

no estágio atual utiliza os métodos de Lax-Friedrichs, MacCormack, Richtmyer-Lax-

Wendroff e o método das características para problemas hiperbólicos.

Exemplo 1: Ruptura de reservatório em domínio com fronteiras impermeáveis

Este item tem como objetivo apresentar o resultado de uma simulação para o caso em

que as fronteiras do domínio são impermeáveis. Esta condição de contorno é imposta com

V=0 e h calculado com extrapolação. Como conseqüência, espera-se que o fluido oscile no

interior do domínio. Algumas imagens obtidas com o método de Lax-Friedrichs podem ser

Page 19: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

vistas a seguir, na Figura 5. Com o código SV_Lax_Friedrichs_p_imp é possível acompanhar

a evolução da posição da superfície livre por meio de uma animação das soluções em cada

instante. Para esta simulação foi considerado que não há resistência (f=0). Simulações com

f≠0 produzem resultados coerentes com a física do problema, assim como para o caso de

declividade de fundo diferente de zero. Os valores para as condições iniciais e demais

informações para este problema encontram-se listadas no referido código, que pode ser obtido

no endereço http://stoa.usp.br/hidraulica/files/.

Figura 5 – Evolução da superfície livre. Instantes: 0; 0,063; 0,35; 0,56; 1,05; 1,68 [s].

Dados: x=0, 02 m, t=7E-4 s, f=0, max(max(Cn))=0,97.

Exemplo 2: Ressalto hidráulico

Considerações gerais sobre o fenômeno

Para uma onda positiva que se desloca para montante em um canal com seção

transversal retangular, a partir das equações de conservação de massa e quantidade de

movimento linear, pode-se demonstrar que a relação entre a velocidade do escoamento com a

velocidade de propagação da onda e com as alturas do líquido antes (h1) e depois da onda (h2)

é dada pela seguinte equação (Massey, 2002, p.629-631; Porto, 2006, p.459-460):

2

h/h1ghcV 12

21

(74)

em que os subscritos 1 e 2 identificam as variáveis antes e depois da onda.

Não é difícil verificar experimentalmente que, para dadas condições, a onda pode estar

parada com relação ao leito do canal, ou seja, c=0. Uma onda estacionária deste tipo é

conhecida como ressalto hidráulico, fenômeno que ocorre na passagem de um escoamento

com Fr>1 (supercrítico) para um escoamento com Fr<1 (subcrítico). Isto pode ser constatado

com a equação 74, reescrita para c=0:

2

h/h1

h

hFr

gh

V

2

h/h1

h

hghV 12

1

21

1

112

1

121

(75)

Já que h2/h1 é sempre maior que a unidade, Fr1>1, o que caracteriza escoamento supercrítico.

Uma análise semelhante, utilizando a equação 74 e a equação da continuidade, permite provar

que Fr2<1.

O escoamento supercrítico a montante pode ser estabelecido sob diferentes condições.

Um exemplo típico é a situação na qual o escoamento no início de um canal horizontal é

0 5 100

5

10

15

20

25

0 5 10

5

10

15

20

25

0 5 100

5

10

15

20

25

0 5 100

5

10

15

20

25

0 5 100

5

10

15

20

25

0 5 100

5

10

15

20

25

Page 20: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

estabelecido a partir de um escoamento proveniente de um canal de forte declividade e com

curva de remanso do tipo S2 (hcrítico>h>huniforme). Outra situação é aquela na qual o fluido é

descarregado em um canal, com elevada velocidade, por baixo de uma comporta. Neste texto

foi simulado o caso em que o escoamento subcrítico em um canal horizontal encontra uma

protuberância no fundo. Isto pode ocasionar a passagem do regime subcrítico para o

supercrítico (em alguma posição sobre a protuberância o regime é crítico). Contudo, o regime

supercrítico produzido por um destes meios não pode persistir indefinidamente, em um canal

cuja declividade de fundo seja insuficiente para sustentá-lo. Para uma dada vazão, a

rugosidade dos contornos e a declividade do canal determinam o valor da altura

correspondente ao regime uniforme no canal. Para um canal de fraca declividade, essa altura é

superior à profundidade crítica, condição que caracteriza o escoamento subcrítico.

Em um canal horizontal no qual as condições de entrada são supercríticas, as

profundidades são crescentes ao longo de x (perfil do tipo H3). À medida que a profundidade

do escoamento supercrítico aumenta, o ramo inferior do diagrama de energia específica é

seguido da direita para esquerda, ou seja, a energia específica diminui. Para prosseguir com o

aumento da profundidade até ser alcançado o nível crítico, seria necessário um aumento de

energia específica, para obter um acréscimo adicional na profundidade, até o valor

correspondente às condições de equilíbrio a jusante. Entretanto, em tais circunstâncias, o

aumento de energia específica é inviável. Na condição de escoamento uniforme a energia

específica permanece uniforme e a energia total diminui a uma taxa que corresponde à

declividade do canal. Para qualquer h inferior à altura de equilíbrio, a velocidade é superior e,

como conseqüência, os efeitos dissipativos consomem energia a uma taxa maior que a da

diminuição de energia potencial. Em outros termos, o gradiente de energia é maior que a

declividade de fundo e a energia específica deve diminuir. O resultado desta argumentação

diz que o ressalto se forma antes de ser alcançada a altura crítica, de modo que o equilíbrio

seja atingido após o ressalto. Ele representa uma descontinuidade na qual a relação simples da

energia específica é temporariamente inválida porque as linhas de corrente deixam de ser

retilíneas e paralelas ao longo do ressalto, principalmente ao longo do rolo do ressalto. Nesta

estrutura o escoamento é altamente turbulento e, como conseqüência, há uma considerável

dissipação de energia. Além disto, em função da agitação na superfície e do movimento

relativo entre o rolo e o escoamento supercrítico imediatamente antes do rolo, ocorre

considerável entrada de ar no meio líquido, tornando o escoamento bifásico ao longo do

ressalto. As imagens da Figura 6 ilustram alguns aspectos físicos comentados anteriormente.

Page 21: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Figura 6 – Ressalto hidráulico em canal retangular. A primeira imagem mostra o canal utilizado nos

experimentos que, naquela ocasião, estava com um degrau de fundo para estabelecer o escoamento subcrítico a

montante e supercrítico a jusante. A formação do ressalto foi conseguida com a elevação da soleira existente na

extremidade final do canal. As três imagens seguintes ilustram a elevada turbulência e a característica bifásica. A

última imagem contém resultados experimentais para a profundidade subcrítica na posição x correspondente à

altura h=y indicada na foto (Laboratório de Hidráulica da Escola de Engenharia de São Carlos, USP).

Simulação da posição de um ressalto hidráulico

Com a breve exposição apresentada anteriormente sobre o fenômeno físico em questão

pretendeu-se evidenciar que as hipóteses atreladas às equações Saint-Venant não são

verdadeiras para o caso do ressalto. Apesar disto, é interessante notar que este modelo

matemático é capaz de prever a ocorrência deste fenômeno e calcular a sua posição em um

dado canal. Os resultados assim obtidos serão mais próximos dos resultados reais se forem

Page 22: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

conseguidos ajustes adequados para o fator de resistência de Darcy-Weisbach, além do uso de

uma malha e um método numérico apropriado.

Geometria do canal e condições iniciais

A geometria adotada para a simulação pode ser vista a seguir na Figura 7. O início do

canal possui fundo variado definido por meio da seguinte função:

1

2xsen

2

zxz (76)

em que z é a altura máxima do fundo em relação ao trecho horizontal. A declividade de

fundo é calculada por:

2xcos

2

z

dx

xdzxIo (77)

Figura 7 – Geometria do canal

As condições iniciais podem ser calculadas com a equação 70 ou escolhidas pelo

usuário. Para utilizar esta equação, sugere-se o uso do método de Runge-Kutta de 4ª ou 5ª

ordem. A Tabela 1 ilustra uma possível maneira de definir a geometria e as condições iniciais.

Para a simulação deste exemplo, em t = 0 a água está parada no canal e com profundidade

igual a 1,0 m.

Tabela 1 – Definição da geometria e condições iniciais

%Condições Iniciais e geometria (no código, h = y):

n=1;

for i=1:Nx

%Geometria:

x(1,i)=(i-1)*dx;

if x(1,i)<=2*pi

zx(1,i)=0.5*dz*(sin(x(1,i)-pi/2)+1);

Io(1,i)=-0.5*dz*cos(x(1,i)-pi/2);%Lembrando que Io=-dz/dx.

else

zx(1,i)=0;

Io(1,i)=0;

end

q1(i,n)=1-zx(1,i);

V(i,n)= 0;%q/y(i,n);

q2(i,n)=y(i,n)*V(i,n);

f1(i,n)=q2(i,n);

f2(i,n)=q2(i,n)*abs(q2(i,n))/q1(i,n)+0.5*g*q1(i,n)^2;

J2(i,n)=g*q1(i,n)*Io(1,i)-

f*(q2(i,n)/q1(i,n))*abs(q2(i,n)/q1(i,n))/8;

Page 23: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Fr(i,n)=V(i,n)/((g*y(i,n))^0.5);

c(i,n)=(g*y(i,n))^0.5;

Cn(i,n)=(abs(V(i,n))+c(i,n))/(dx/dt);

End

Simbologia:

f= fator de resistência de Darcy-Weisbach;

Fr=número de Froude;

c=celeridade;

Cn=número de Courant;

yp=profundidade em regime permanente.

Condições de contorno

Os autovalores calculados anteriormente indicam de que maneira as condições de

contorno devem ser estabelecidas. Observando as referidas equações, reescritas a seguir na

forma adimensional, conclui-se que, se o escoamento for subcrítico, 1>0 e

2<0. Isto

significa que apenas uma variável primitiva deve ser fixada no contorno, enquanto a outra

pode flutuar livremente em função do que ocorre no domínio, sendo isto feito por meio de

extrapolação ou com o uso da equação característica correspondente. Se Fr>1, tem-se 1>0 e

2>0, o que implica impor valores para as duas variáveis se este regime ocorrer na entrada. Se

o escoamento for supercrítico na saída, V e h são calculadas de acordo com o que ocorre no

interior do domínio. Se a característica aponta para dentro do domínio a variável deve ser

imposta, enquanto que, se a característica aponta para fora do domínio, a variável deve ser

deixada livre para assumir valores que estejam relacionados à solução do problema nos nós

próximos ao contorno (razão pela qual é empregada extrapolação). Estas mesmas idéias são

empregadas no cálculo de escoamentos supersônicos em bocal convergente-divergente, por

exemplo. Neste tipo de problema, o número de Mach é análogo ao número de Froude e o

problema possui três autovalores, pois há três equações (conservação de massa, quantidade de

movimento e conservação de energia).

1Frc

1

(78)

1Frc

2

(79)

Resultados: método de Lax-Friedrichs

Resultados obtidos com o método de Lax-Friedrichs podem ser vistos a seguir, na

Figura 8. A primeira imagem (figura 8a) mostra a forma da superfície livre e o número de

Froude no domínio para t=30 s e resistência nula. Assim como no problema de ruptura do

reservatório (exemplo 1 deste texto), a descontinuidade esperada foi suavizada pelo efeito

difusivo inerente ao método numérico empregado. Aspectos consistentes são observados nas

imagens, como uma superfície uniforme ao longo de x nas regiões após a elevação de fundo e

o choque, já que f=0. Além disto, nas proximidades da crista da saliência, a profundidade

Page 24: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

resultou próxima da crítica (ou Fr1). A Figura 8b contém os resultados para f=0,1 e ilustra o efeito da dissipação de energia na posição do ressalto e na forma da superfície livre a jusante

dele, que é uma curva do tipo H2 (curva para a qual h>hc em canal horizontal). Para visualizar

a evolução de h o código exibe uma animação dos resultados após a conclusão de todos os

cálculos.

(a)

(b)

Figura 8 – Ressalto hidráulico (Lax-Friedrichs): (a) f=0, max(max(Cn))=0,97; (b) f=0,05, max(max(Cn)) = 0,97.

Dados: y=h; L=20 m, x=0,025 m, t=0,002 s, t=30 s, q=9,0 m2/s, z=0,4 m, g=9,8 m/s

2.

Resultados: método de MacCormack

A posição do início do ressalto hidráulico calculada com o método de MacCormack foi

semelhante a aquela obtida com o método de Lax-Friedrichs, como ilustrado na Figura 9a,b.

Observa-se na Figura 9c o efeito dispersivo do método, por meio de um detalhe extraído da

Figura 9b. Apesar de tais oscilações, o método reproduziu a descontinuidade com uma

qualidade superior à obtida por Lax-Friedrichs. O uso de viscosidade artificial com Cx=0,6

não eliminou completamente a dispersão numérica, mas foi capaz de reduzir

consideravelmente o seu efeito em relação a Cx=0.

(a)

(b)

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 200

1

2

3

x [m]

X: 3.15

Y: 0.994

y [m] Fr Fundo

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 200

1

2

3

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 200

1

2

3

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 200

1

2

3

Page 25: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

(c)

Figura 9 – Ressalto (MacCormack): (a) f=0, max(max(Cn))=0,98; (b) f=0,05, max(max(Cn)) = 0,98. Dados:

L=20 m, x=0,0286 m, t=0,0023 s, t=30 s, Cx=0,6, q=9,0 m2/s, z=0,4 m, g=9,8 m/s

2. Notação semelhante à

da Figura 8.

Formação de ressalto hidráulico (Método de MacCormack) – evolução temporal

O código desenvolvido é capaz de simular a formação do ressalto hidráulico de acordo

com a descrição física exposta anteriormente. Ou seja, consegue-se acompanhar a evolução

temporal da formação do ressalto. Para esta simulação, a elevação de fundo, dada pela

equação 76, foi posicionada de acordo com a Figura 10. Nesta figura também é indicado o

perfil da superfície livre e h(t=0,x)=y. Nota-se que antes e depois da elevação o perfil da

superfície livre é do tipo H3, que é caracterizado por profundidades crescentes ao longo de x

em um canal horizontal.

Figura 10 – Geometria e condições iniciais

Dados: z=0,4 m, q = 9 m2/s, f=0,10, x=0,10 (unidades: SI)

Para uma condição inicial como esta, se forem fixados os valores de q e h nos contornos

como sendo iguais aos valores em t=0, espera-se que o código forneça o mesmo perfil da

superfície livre (exceto por pequenos erros decorrentes das diferentes ordens dos métodos).

Assim, é necessário introduzir uma perturbação do sistema para que ocorra a formação do

ressalto. A alternativa adotada para este exemplo foi reduzir a vazão específica para 0,7q.

Durante a solução, os sinais dos autovalores devem ser verificados para que as condições de

contorno sejam impostas corretamente. No contorno esquerdo, se o número de Froude for

maior do que a unidade, a profundidade e a velocidade são impostas com valores fixos. Caso

contrário a profundidade é avaliada com extrapolação e a vazão permanece fixa. No contorno

direito, se Fr>1, h=q1 e q2 são calculados com extrapolação. Se Fr<1, q1 = constante e q2 é

extrapolada. A imposição das condições de contorno seguindo este critério está baseada na

análise das características, como discutido anteriormente. Para verificar a mudança no sinal

dos autovalores, foi utilizado o número de Froude, baseado no que ocorre nas adjacências dos

contornos. Como ilustrado na Figura 11, a alteração na vazão faz com que apareça uma onda

(ressalto) a partir da elevação de fundo e que se desloca para trás e um ressalto a jusante da

elevação. Para visualizar a evolução da superfície livre, o código SV_MacCormack_HJ_FM

permite observar a animação dos resultados.

5.9 6 6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6

2.5

2.6

2.7

2.8

0 5 10 15 20 25 300

0.5

1

1.5

2

x [m]

y+z y Fundo

Page 26: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Figura 11 – Evolução temporal da formação do ressalto hidráulico. Instantes: 0;0,77;3,85;6,15;16,9;29,23;100

[s]. Dados: z=0,4 m, q = 9 m2/s, f=0,10, x=0,10, t=0,0077, Cx=0,6.

0 5 10 15 20 25 300

1

2

3

0 5 10 15 20 25 300

1

2

3

0 5 10 15 20 25 300

1

2

3

0 5 10 15 20 25 300

1

2

3

0 5 10 15 20 25 300

1

2

3

0 5 10 15 20 25 300

1

2

3

0 5 10 15 20 25 300

1

2

3

x [m]

y(t=100,x) Fr Fundo

Page 27: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

EQUAÇÃO DE ÁGUAS RASAS EM COORDENADAS CILÍNDRICAS

A equação para o caso de águas rasas pode ser reescrita em coordenadas cilíndricas com

o intuito de resolver problemas com simetria radial, como a simulação de um ressalto

hidráulico circular, o enchimento de um reservatório e a ruptura de um reservatório cilíndrico.

As equações para águas rasas escritas sem termos fonte, ao serem transformadas para o

sistema cilíndrico são reduzidas a um sistema unidimensional, porém, com dois termos fonte

oriundos da mudança de coordenadas. Sendo r a coordenada radial, o sistema de equações

assume a seguinte forma:

Momentum r

huugh

2

1huhu

deContinuida r

huhuh

r

22t

rt

(80)

A forma vetorial desta equação é:

sr

f

t

q

(81)

em que:

2

1

q

q

hu

hq (82)

22 gh

2

1hu

huf (83)

rq

qqr

q

r

huur

hu

s

1

22

2

(84)

O vetor fluxo pode ser escrito em termos das componentes q1 e q2 da seguinte maneira:

2

11

22

2

gq2

1

q

q

q

f (85)

Observa-se que o vetor fluxo para o presente caso possui a mesma forma do vetor fluxo

para o caso unidimensional. Portanto, os autovalores para o problema unidimensional e para o

problema bidimensional com simetria radial são idênticos.

Page 28: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

Exemplo 3: Enchimento de um reservatório cilíndrico

O código que resolve as equações para o preenchimento de um reservatório cilíndrico é

semelhante aos demais, exceto pelas condições de iniciais e de contorno. As condições

iniciais são h(x,0) = 18 m para x < 0,2 m, h(x,0) = 0,5 m para x > 0,2 m, h(0,2, 0) =

(18+0,5)/2 e velocidade nula em toda parte. Em r=0 as condições de contorno são as mesmas

dos problemas anteriores e em r=L a profundidade é interpolada com a condição de parede

sólida, ou seja, velocidade igual a zero. O código é denominado enchimento_L_F, sendo que

uma coletânea de resultados para diferentes instantes pode ser vista na Figura 12.

Figura 12 – Evolução da profundidade da água no reservatório

Dados: t = 0; 0,3191; 0,6383; 3,1915; 30 [s]; Nt=4701, t = 0,0064 s, Nx = 51, x = 0,1 m, L = 5 m, tt = 30 s,

max(Cn) = 0,9678, código enchimento_L_F.

EQUAÇÕES DE ÁGUAS RASAS EM DUAS DIMENSÕES

Para obtenção do modelo bidimensional conhecido como equações para o caso de águas rasas

em 2D ou equações de Saint-Venant em 2D, as equações de N-S e continuidade são

integradas ao longo da vertical. Adicionalmente, considera-se que a aceleração vertical do

fluido é nula, ou seja, Dw/Dt=0, em que w é a componente vertical da velocidade. Como

resultado de tal integração, se forem desprezados os efeitos viscosos e para o caso de um

canal com fundo plano, o sistema obtido é:

Momentum

0gh2

1hvhuvhv

0huvgh2

1huhu

deContinuida 0hvhuh

y

22xt

yx

22t

yxt

(86)

em que: u=velocidade na direção x e v a velocidade na direção y, h é a profundidade do

escoamento e g=aceleração da gravidade. Estas equações carregam a hipótese de distribuição hidrostática de pressões, assim como no caso 1D.

Neste caso, o sistema de equações 86 pode ser escrito na forma vetorial como

apresentado a seguir:

Page 29: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

0y

g

x

f

t

q

(87)

em que:

22

22

gh2

1hv

huv

hv

q ,

huv

gh2

1hu

hu

f ,

hv

hu

h

q

Pode-se verificar que:

211

23

132

3

132

211

22

2

gq2

1q/q

q/qq

q

g ,

q/qq

gq2

1q/q

q

f

Reescrevendo as equações na forma quase linear (ou não conservativa), é possível calcular os

autovalores da matriz convectiva, obtendo-se:

xa associados termosos para ,

3

2

1

cu

u

cu

x

x

x

(88)

y a associados termosos para ,

3

2

1

cv

v

cv

y

y

y

(89)

Os mesmos resultados são obtidos calculando-se os autovalores das matrizes Jacobianas de

f(q) e g(q).

Exemplo 4: ruptura de barragem

O uso do método de Lax-Friedrichs para o caso bidimensional é feito seguindo o mesmo

princípio de utilizar um valor médio, porém, levando em conta os quatro nós adjacentes ao nó

i,j, ou seja, (1/4)(qi+1,j+qi-1,j+qi,j+1+qi,j-1)n. A equação 87 na forma discreta assume a seguinte

forma:

n

1j,i

n

1j,i

nj,1i

nj,1i

n

1j,i

n

1j,i

n

j,1i

n

j,1i

1n

j,igg

y2

tff

x2

tqqqq

4

1q (90)

As condições de contorno utilizadas para este problema incluem extrapolações de

primeira ordem para a profundidade h e para as componentes da velocidade que são

tangenciais às paredes. As velocidades normais são iguais a zero com o intuito de reproduzir

as próprias paredes. A Figura 13 contém resultados obtidos com o código ruptura_2D_L_F,

Page 30: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

para diferentes instantes. É interessante notar que as ondas se propagam de modo simétrico, o

que mostra coerência no funcionamento do código, razão pela qual foram escolhidas duas

barragens com características iguais e eqüidistantes em relação à diagonal do domínio. Outras

formas de visualizar os resultados estão disponíveis no código desenvolvido. Entre elas, a

evolução do campo vetorial de velocidades e do gráfico de contornos para uma mesma

profundidade.

Figura 13 – Ruptura de duas barragens situadas nos cantos de um domínio retangular com paredes

impermeáveis. Dados: Nt=2001, t = 0,01 s, Nx = Ny = 101, x = 0,1 m, Lx = Ly = 10 m, tt = 20 s, código

ruptura_2D_L_F.

Resultados obtidos com o método de MacCormack

O método de MacCormack foi utilizado para na elaboração do código

MacCormack_2D_SW, cujos resultados podem ser vistos a seguir, na Figura 14. As imagens

mostradas nesta Figura correspondem a t = 0,22 s e t = 2,09 s. Tal escolha permite que elas

Page 31: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

sejam comparadas com aquelas da Figura 13. Com estas imagens é possível observar

oscilações decorrentes do efeito dispersivo do esquema numérico de MacCormack.

Figura 14 – Resultados obtidos com o método de MacCormack

Dados: Nt=2001, t = 0,01 s, Nx = Ny = 81, x = y = 0,125 m, Lx = Ly = 10 m, tt = 20 s, Cz=0,2 (fator

utilizado para ponderar a viscosidade artificial).

Exemplo 5: Ondas geradas pela imposição de pulsos

Outro recurso que pode ser empregado para geração de ondas é uma função denominada

pulstran, que gera ondas quadradas. O seu uso é ilustrado nos códigos

MacCormack_2D_SW_pulsos_1 e MacCormack_2D_SW_pulsos_2. A Figura 15 contém

resultados obtidos com o primeiro e ilustra configurações agitadas da superfície da água em

um reservatório quadrado com vinte metros de lado.

Figura 15 – Ondas formadas na superfície livre da água de um reservatório quadrado

Dados: Nt=2001, t = 0,01 s, Nx = Ny = 81, x = y = 0,25 m, Lx = Ly = 20 m, tt = 20 s, Cz=0,2, código

MacCormack_2D_SW_pulsos_1.

Page 32: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

A Figura 16 ilustra os resultados de uma simulação semelhante à anterior, porém, para

um reservatório com Lx = 20 m e Ly = 40 m. Neste caso os pulsos são gerados em uma

posição diferente, como indicado na primeira imagem.

Figura 16 – Ondas formadas na superfície livre da água de um reservatório retangular

Dados: Nt=2001, t = 0,01 s, Nx = Ny = 81, x = 0,25 m, y = 0,50 m, Lx = 20 m, Ly = 40 m, tt = 20 s, Cz=0,2,

código MacCormack_2D_SW_pulsos_2.

CONCLUSÕES

O presente texto introduz aspectos práticos e didáticos relacionados à solução das

equações de Saint-Venant em situações uni e bi-dimensionais, situações essas que são

encontradas no universo de trabalho dos ramos da engenharia que se ocupam com fluidos. A

série de exemplos escolhidos envolve fenômenos que podem ser denominados de abruptos

(ou contendo singularidades), por envolverem descontinuidades seja no espaço (por exemplo

o ressalto hidráulico), seja no tempo (por exemplo a ruptura de uma barragem). A

metodologia de apresentação seguida neste texto mostra que fenômenos como esses podem

ser assimilados e quantificados com razoável facilidade pelo estudante ou profissional que se

depara com eles. As ferramentas de trabalho atualmente disponíveis (códigos abertos,

computadores acessíveis) permitem que as complexidades matemáticas possam ser vistas

como informações básicas inerentes aos fenômenos, para as quais há procedimentos de

análise já conhecidos. Assim, demonstrou-se que o foco do estudante/engenheiro deve ser

direcionado para o reconhecimento do tipo de singularidade com o qual se depara, para então

escolher a ferramenta (numérica) que permite superar essa singularidade. O conjunto de

códigos computacionais utilizados neste texto é majoritariamente aberto ao público ou de uso

Page 33: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

amplo (largamente aplicado), o que faz com que o leitor possa facilmente reproduzir os

exemplos e dominar as técnicas aqui descritas. Entende-se que esse tipo de abordagem é

necessário para que o dia-a-dia da engenharia se torne mais aprazível. Note-se que não se

descarta qualquer busca de soluções analíticas ou empíricas vinculadas à pesquisa dos

fenômenos básicos. A pesquisa em fluidos necessita de observação e de novos pontos de

vista, de forma que princípios e ferramentas matemáticas mais abrangentes possam ser

desenvolvidos. Assim, a pesquisa com certeza estará modificando continuamente a nossa

forma de ver os fluidos, e de resolver problemas relativos a eles. Todavia, no presente

momento do nosso conhecimento, muito se consegue resolver com relativamente pouco

ferramental, o que se procurou evidenciar nesse texto. Dessa forma, o presente texto valoriza

o reconhecimento do problema matemático segundo seus desenvolvimentos tradicionais e

busca motivar a introdução de padrões de resolução que se baseiem no uso de programas

robustos e simples, sem enfatizar ao estudante/pesquisador o conjunto de detalhes que os

gerou (já suficientemente testados ao longo das décadas). Os ramos da Engenharia que tratam

com fluidos certamente se beneficiarão com esse tipo de aplicação mais expedita. Como

mencionado, no presente estudo o universo de soluções orbitou em torno das equações de

Saint Venant, mostrando que diferentes situações podem ser suficientemente bem

quantificadas utilizando os mencionados programas.

REFERÊNCIAS

ANDERSON, J.D. (1995) Computational fluid dynamics: the basics with applications.

McGraw-Hill.

CHAUDHRY, M.H. (2008) Open-channel flow. Springer.

DAUTRAY, R.; LIONS, Jacques-Louis. (2000) Mathematical Analysis and Numerical

Methods for Science and Technology. Springer, Berlin.

GHARANGIK, A.M.; CHAUDHRY, M.H. (1991) Numerical simulation of hydraulic jump.

Journal of Hydraulic Engineering. V.117(9), pp.1195-1211.

LAMB, H. (1945) Hydrodynamics. Dover Publications.

LEVEQUE, R. (2007) Finite volume methods for hyperbolic problems. Cambridge University

press.

MACCORMAC, R.W. (1969). "The effect of viscosity in hypervelocity impact cratering”.

Paper 69-354, American Institute of Aeronautics and Astronautics, Cincinnati, Ohio.

MASSEY, B. S. (2002). Mecânica dos fluidos. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2002.

PORTO, R.M. (2006) Hidráulica básica. EESC-USP/Projeto Reenge.

Page 34: FORMULAÇÃO E “DESIGN” DE MICROESTRUTURA DEstoa.usp.br/hidraulica/files/-1/17490/VF_CongMaputo_art_2.pdf · Para calcular a declividade da linha de energia I f, assume-se que

SIMÕES, A.L.A.; PORTO, R.M.; SCHULZ, H.E. (2010a) Problemas hiperbólicos em

hidráulica: simulação numérica de escoamentos não-permanentes em condutos forçados e

livres. XXIV Congreso Latinoamericano de Hidráulica, Punta del Este, Uruguai.

SIMÕES, A.L.A.; SCHULZ, H.E.; PORTO, R.M. (2010b) Escoamento laminar desenvolvido

em seção genérica: simulação numérica e cálculo do fator de resistência. XXIV Congreso

Latinoamericano de Hidráulica, Punta del Este, Uruguai.