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FORMATURAS DO INSTITUTO RIO BRANCO (2004-2008) DISCURSOS

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  • FORMATURAS DO INSTITUTORIO BRANCO (2004-2008)

    DISCURSOS

  • MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso AmorimSecretário-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

    FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    INSTITUTO RIO BRANCO

    Diretor-Geral Embaixador Fernando Guimarães Reis

    A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada aoMinistério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informaçõessobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão épromover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionaise para a política externa brasileira.

    Ministério das Relações ExterioresEsplanada dos Ministérios, Bloco HAnexo II, Térreo, Sala 170170-900 Brasília, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

  • Brasília, 2009

    Formaturas do Ins t i tu toRio Branco (2004-2008)

    Discursos

  • Direitos de publicação reservados à

    Fundação Alexandre de GusmãoMinistério das Relações ExterioresEsplanada dos Ministérios, Bloco HAnexo II, Térreo70170-900 Brasília – DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847/6028Fax: (61) 3411 9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conformeLei n° 10.994, de 14/12/2004.

    Equipe TécnicaMaria Marta Cezar LopesEliane Miranda PaivaCíntia Rejane Sousa Araújo Gonçalves

    Programação Visual e Diagramação:Juliana Orem e Maria Loureiro

    Capa:Pedro Corrêa de AraújoRevoada dos Pássaros

    Impresso no Brasil 2009

    Discursos de formatura do Instituto Rio Branco. –Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão,2009.

    184p.

    ISBN: 978-85-7631-149-2

    1. Literatura brasileira – Discursos. I. InstitutoRio Branco.

    CDU 821.134.3(81)-5(082)

  • 2001-2003

    Turma Vinícius de Moraes, 7

    2002-2004

    Turma Celso Furtado, 39

    2003-2004

    Turma Wladimir Murtinho, 77

    2004-2005

    Turma Afonso Arinos, 105

    2004-2006

    Turma Maria José Mendes

    Pinheiro de Vasconcellos, 121

    2005-2007

    Turma Souza Dantas, 153

    Sumário

  • 2001-2003TURMA VINÍCIUS DE MORAES

    PALÁCIO ITAMARATY,20 DE ABRIL DE 2004

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    Meu querido companheiro Embaixador Celso Amorim, Ministro deRelações Exteriores,

    Meu querido companheiro, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães,Secretário-Geral das Relações Exteriores,

    Meu caro Embaixador João Almino de Souza Filho, Diretor do InstitutoRio Branco,

    Minha querida Suzana Moraes,Embaixadores acreditados junto ao meu Governo,Senhor Ministro Rubem Antonio Corrêa Barbosa, Paraninfo da turma de

    2001,Meu companheiro Marco Aurélio Garcia, Assessor Especial de Política

    Internacional,

    Muita gente pergunta por que o Presidente tem que ter um assessor especialde política internacional, se ele tem o Itamaraty todo como assessor. Não seise vocês estão lembrados, no começo se tentou até cizânia entre o Itamaratye Marco Aurélio Garcia. E eu sempre disse que quem adquiriu a experiênciapolítica tentando organizar a Secretaria Internacional do PT durante dez anose militando com a Esquerda do mundo inteiro nos últimos 15 anos, não poderia,em momento algum, deixar de prestar esses serviços ao governo brasileiro.E, por isso, o Marco Aurélio tem um papel extremamente importante na nossa

    Discurso do Presidente da República,Luiz Inácio Lula da Silva

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    relação internacional, institucional, colaborando com o companheiro Celso.E a não-institucional fazendo a militância que o Brasil tanto precisa com ossetores da sociedade civil, da América Latina e do mundo.

    Minhas queridas e queridos formandos da turma 2001,Senhores e senhoras familiares dos nossos formandos,Senhoras e senhores diplomatas,

    Eu vou começar pelo fim. Eu costumo sempre fazer um “improvisozinho”.Mas eu lembro que um dia desses eu chamei o Celso Amorim para conversar,porque eu, toda vez que uma pessoa começa a crescer muito na política, ficocom a preocupação de que esse crescimento possa causar ciúmes nos paresque fazem política internacional por esse mundo afora. E eu chamei o Celsoe disse a ele: Companheiro Celso, eu acho que, como o Brasil está numaposição muito importante no cenário mundial, é preciso que a gente tenhatodo o cuidado para ter o máximo de humildade e de generosidade. Porque,senão, os demônios começam a despertar nas pessoas que fazem políticajunto conosco e um pouco de ciúmes pode atrapalhar uma belíssima políticainternacional.

    E eu dizia para o Celso: eu sei que você tem muita experiência, é um“embaixador já de 40 anos”, já foi ministro no governo do nosso queridoItamar Franco, mas agora Celso, você não é nem mais diplomata, nem maisum ministro. Você agora é o ministro. E por que “o ministro”? É porque oBrasil ganhou muito mais importância no cenário mundial. É porque o Brasilganhou muito mais respeitabilidade.

    E vocês todos, que se formaram hoje, irão notar isso quando estiveremcomeçando o trabalho de vocês no exterior. E para que a gente ganhe essarespeitabilidade, é preciso que um país do tamanho do Brasil seja cada vezmais generoso com os seus parceiros. E que o Brasil tente todas as vezes quetiver que estabelecer uma ação diplomática, levar em conta a necessidade dejuntar parceiros para que a nossa política não seja uma política solitária e,muitas vezes, mal interpretada.

    Vocês estão lembrados que depois daquele discurso que fiz aqui,no ano passado, eu penso que nós cumprimos, do ponto de vista dapolítica internacional, mais do que imaginávamos que poderíamoscumprir; que conseguimos mais intento do que imaginávamos quepoderíamos conseguir.

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    Muita gente pode medir isso apenas pelo volume do crescimento dasnossas exportações ou do nosso superávit comercial, mas eu acho que,embora isso seja relevante, não é o principal. O principal é o grau dereferência que o nosso país passou a ser junto aos nossos parceiros, sejana América do Sul, na África, no Oriente Médio, e em países importantescomo China, Índia e como a Rússia, que têm, sistematicamente, nosinformado que querem estabelecer com o Brasil uma parceria estratégica.

    Eu me lembro da nossa embaixadora na Índia. Quando eu fui medespedir dela, ela me falou: “Agora eu acho que as coisas vão melhoraraqui na Índia.” E passado um tempo ela veio para o Brasil e me falou:“Presidente, o senhor não sabe como eu fiquei importante na Índia depoisda sua visita.” Um pouco por isso, porque diplomacia tem que ser feita deforma prazerosa. Isso é como um jogador que entra em campo. Todo mundorespeita um jogador que sua a camisa. Ninguém respeita um jogador quefaz corpo mole, por melhor que ele seja.

    Então, eu penso que suar a camisa em defesa das coisas que nósacreditamos e das políticas definidas pelo Governo, é o que vai tornar aprofissão de vocês, muitas vezes distantes da família, muitas vezes solitários,uma coisa prazerosa. É saber que vocês estão fazendo algo porque gostame porque acreditam. Se não for assim, não vale a pena nem essa nem outraprofissão, porque ninguém consegue trabalhar bem contra a sua vontadeou contra os seus próprios prazeres.

    Por isso, é uma especial satisfação poder participar, pela segunda vez,dessa celebração do Dia do Diplomata. Repete-se aqui uma tradição degrande importância para o serviço público brasileiro. Ingressa, hoje, noItamaraty, mais uma geração de jovens diplomatas.

    Renova-se uma instituição reconhecida pela excelência dos seusquadros e pela dedicação à sua missão de conduzir a política externa – umdos pilares do nosso governo – elemento constitutivo de qualquer projetode desenvolvimento nacional.

    Senhoras e senhores, vivemos hoje sob o signo de uma globalizaçãoinstável e incerta. O quadro internacional nos desafia e obriga a mudar omodelo que produziu vulnerabilidade externa, incerteza, pobreza eestagnação.

    É nesse mundo marcado por desigualdades econômicas e sociais,tecnológicas e militares, que queremos construir um país soberano, maisjusto e solidário, mais eficiente e próspero. Um Brasil para todos.

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    Quando me dirigi aos formandos no ano passado, lembrei que nós,brasileiros, muitas vezes não nos damos valor. Por essa razão, nosso paísdeixou de ter, em muitas ocasiões, a projeção internacional que merece.

    Mas afirmei, também, que era decisão firme do meu Governo, utilizartodo o potencial de nossa política externa para fazer do Brasil um país maisrespeitado, capaz de defender seus interesses internacionalmente.

    Senhoras e senhores, o diálogo tem sido a marca do meu Governo. Issotambém se aplica, sobretudo, à nossa política externa. Por meio da negociaçãoe do entendimento, estamos construindo consensos para mudar as relaçõesde força no plano internacional e estabelecer o que chamei de nova geografiaeconômica-comercial.

    Não basta assistir à distância e de forma subordinada aos acontecimentosmundiais, queremos que a nossa voz seja cada vez mais ouvida e respeitada.Estamos dando passos largos nessa direção.

    Nossos parceiros reconhecem que o Brasil assumiu o seu peso e suaimportância na comunidade das nações. Esse é também o reconhecimentoda seriedade de nossos propósitos, da firmeza de nossas posições e daconsistência de nossas ações.

    Junto com os nossos parceiros, estamos empreendendo uma efetivareconstrução do Mercosul, correspondente aos sonhos e esperanças queestiveram em seu nascimento. Continuaremos ativamente a aprofundar nossaintegração e a convocar outros países para juntarem-se a nós.

    Com o acordo de livre comércio recentemente assinado com a ComunidadeAndina, o Mercosul passa a ser cada vez mais o indutor desse processo emescala sul-americana. Todos compreendem e desejam a integração.

    Foi essa a mensagem que recolhi das visitas que fizeram a Brasília ospresidentes da América do Sul, ainda no primeiro ano de meu Governo.Estamos ultimando projetos de infra-estrutura, de comunicações e transporteque serão as fundações de uma parceria continental.

    São essas as iniciativas que tenho levado a governos e empresários dospaíses ricos ao convidá-los a acreditar e a investir no futuro de nossa região,mas precisamos fortalecer a nossa união política, social e cultural.

    A união solidária entre os países em desenvolvimento deve tambémprevalecer nas estratégicas negociações em curso na Organização Mundialdo Comércio. Ao mesmo tempo em que continuamos enriquecendo nossasrelações com os países desenvolvidos, estamos determinados a aprofundar eampliar a cooperação sul-sul.

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    A atuação decisiva do Brasil, na constituição do G-20, confirma acapacidade de liderança que estamos demonstrando. Esperamos que a novadinâmica alcançada nas discussões da rodada de Doha inaugure posições decomércio mais justas, que preservem a capacidade de definir e controlarnosso modelo de desenvolvimento.

    Também na Alca, buscamos equilibrar o processo negociador e tornarviável sua conclusão em tempo hábil. Para tanto, o acordo deve corresponderefetivamente ao interesse de todos, abrindo mercados e sem impor restriçõesindevidas à capacidade de cada país decidir soberanamente sobre suaspolíticas industriais, tecnológicas, sociais e ambientais.

    É com o mesmo ânimo que nos empenhamos para concluir, ainda esteano, um acordo comercial abrangente do Mercosul com a União Européia.Estamos identificando com criatividade, oportunidades e parcerias aindainexploradas. É esse o sentido do foro trilateral que estabelecemos com aÁfrica do Sul e com a Índia.

    É essa a mensagem que fundamenta a parceria estratégica que vouaprofundar durante a minha próxima viagem à China. Com esse mesmo espíritoé que vou receber o presidente Putin ainda este ano em Brasília.

    Não deixarei cair no esquecimento nossa dívida histórica com os patríciosafricanos. Estarei retornando à África ainda este ano para passar a presidênciada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Trata-se de umaoportunidade para reafirmar o especial compromisso do Brasil com essasnações irmãs. Mas também expresso uma visão de nossa política externaque identifica no continente africano, um território cheio de oportunidadespara a cooperação econômica e política.

    Na visita inédita que fiz ao mundo árabe, lancei as bases de umaassociação que também tem raízes históricas e culturais antigas. Na primeiraCúpula da América do Sul e Países Árabes que o Brasil sediará em dezembropróximo, vamos sedimentar uma parceria inovadora e ousada entre as duasregiões.

    Senhoras e senhores, o Brasil anunciou sua disposição de integrar a missãodas Nações Unidas para restabelecer a paz no Haiti. Mas a responsabilidadeda comunidade internacional não pára por aí. O ministro Celso Amorim,quando representante permanente em Nova York, já defendia umacoordenação mais estreita entre o Conselho de Segurança e os órgãos daONU envolvidos na reconstrução física e na recuperação das instituiçõespolíticas e sociais dos países.

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    O nosso oferecimento para comandar essa missão estará condicionadoao efetivo engajamento da comunidade internacional com a reconstrução doHaiti. Nossa missão só terá sentido se estiver em estreita sintonia com ospaíses da região.

    As tragédias que o Oriente Médio e o Iraque vivem, hoje, reforçam aminha convicção sobre a relevância de uma ordem internacional baseada nodireito internacional, no multilateralismo e nas Nações Unidas.

    Continuaremos a defender com vigor uma reforma ampla e profunda daOrganização, de modo a torná-la mais representativa e mais eficaz. Acandidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurançaparte dessa convicção. Os recentes e importantes endossos na nossapostulação atestam a legitimidade e força do nosso pleito.

    A democratização das relações internacionais que defendemos só seráplena em um mundo mais solidário. Essa é a mensagem que tenho levado aosprincipais fóruns internacionais.

    Continuarei a convidar os líderes mundiais a engajarem-se num mutirãopara cumprir as metas do milênio, começando pelo combate à fome.

    A resposta generosa a meu apelo é motivo de alegria e otimismo. Combatera fome e a pobreza, ainda é o melhor remédio ao desafio de enfrentar o climade frustração e desesperanças que nutrem a violência e o terrorismo.

    Na mesma direção está o meu apelo aos principais chefes de Estado domundo para que o Fundo Monetário Internacional revide procedimentosobsoletos, que só prejudicam os países em desenvolvimento.

    Minhas caras e caros formandos, cada vez mais a política externa ganhaespaço no imaginário do cidadão brasileiro. A diplomacia do Brasil democráticodeve espelhar a realidade de nossa sociedade, com suas demandas epossibilidades, com suas riquezas e carências.

    Somos uma Nação que conseguiu recuperar a confiança e a credibilidadee que reiniciou a retomada do crescimento.

    O Itamaraty se distingue por renovar-se permanentemente. Vemampliando o diálogo com todas as forças e instituições da sociedade brasileira.Ao mesmo tempo adquire crescente capacidade técnica para defender nossosdireitos e criar oportunidades para o país e seus empresários no exterior.

    Para fazer frente a essa necessidade de contínua atualização, adotamosmedidas para dotar o Ministério de meios e de uma estrutura administrativaque responda às demandas da nossa ação externa, cada vez mais intensa.Ainda falta muito, mas já fizemos um pouco.

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    Congratulo-me, por isso, com as medidas que o ministro Celso Amorime o secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães promoveram para aprimoraras condições de trabalho da Chancelaria. A política externa é como umespelho. Um espelho que reflete a imagem e a auto-estima de um país. Masé também um espelho quando se reflete o futuro, aquilo que a Nação fará desi mesma.

    A política externa do meu Governo espelha e espelhará, cada vez mais,o Brasil confiante e solidário que queremos construir.

    Cabe ao diplomata ser o intérprete dessa vontade de mudança erenovação.

    Esta é a mensagem de esperança e desafio que quero deixar a vocês.Por isso desejo-lhes toda felicidade na carreira que, hoje, vocês estão iniciando,que sirvam de exemplo para vocês todos, os que honraram e honram a Casade Rio Branco. Vocês, hoje, não são apenas mais um grupo de diplomatasformados aqui no nosso país; vocês agora serão “os diplomatas”, porqueserão muito mais exigidos do que outros que se formaram antes de vocês.

    Boa sorte, felicidades, e que Deus abençoe cada um de vocês.

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    Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral das Relações

    Exteriores,Embaixador João Almino, Diretor do Rio Branco,Ministro Rubem Barbosa, Paraninfo da Turma Vinícius de Moraes,Secretário Rubem Mendes de Oliveira, Orador da Turma,Minha querida Suzana, que hoje aqui representa o nosso querido e

    saudoso Vinícius,Meus caros formandos e familiares,

    Normalmente, nessas ocasiões solenes trabalha-se com discursosprontos, até mesmo para evitar os riscos de todos os improvisos. Mas,Presidente, eu creio que hoje, como todos os dias, mas hoje, mais do quenunca, a casa é sua e a audiência está aqui para ouvir o senhor. Por isso voume limitar a alguns poucos comentários que me vêm da própria situação e dealgumas coisas que foram ditas. Ao fazê-lo, vou procurar não serexcessivamente auto-referente. Mas não posso, desde o início, deixar delembrar que são quarenta anos da época em que eu passava do primeiropara o segundo ano do Instituto Rio Branco. Eu, como muitos outros aquipresentes, havíamos entrado para a diplomacia brasileira sob o signo deSantiago Dantas, sob o signo de Afonso Arinos, sob o signo de Araújo Castro,

    Discurso do Ministro das Relações Exteriores,Embaixador Celso Amorim

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    sob o signo da democracia, e assumimos a carreira num momentoextremamente difícil. Um momento que foi marcado pelo que então se definiucomo fronteiras ideológicas, em que o interesse nacional era colocado numsegundo plano em relação a uma ideologia que tudo subordinava a um conflitoentre leste e oeste.

    Não posso deixar, também, de, num momento como este, lembrar queVinícius de Moraes foi muito mais do que poeta e diplomata. Foi, também,uma fonte de inspiração para muitos de nós, e permito-me, Senhor Presidente,numa nota também pessoal, lembrar que o Embaixador Ruy Nogueira, hojeSubsecretário de Cooperação e há até pouco tempo Embaixador em Caracas,lia para nós poemas do Vinícius de Moraes, de quem ele era especialmenteadepto, e conquistava nossos corações, mesmo que hoje não fosse sábado.

    Presidente, eu queria dizer que, como outros que estão aqui, nós vivemosum momento muito especial. Não só em contraste com esses quarenta anosque se passaram – minha turma, aliás, foi a primeira turma do Instituto RioBranco que nem sequer formatura teve porque o governo de então nãoconcordou nem com o paraninfo, nem com o teor do discurso que seria feitona posse dos alunos... mas não só em contraste a isso, mas mesmo comtempos mais recentes. Creio que devemos ao senhor – e me permita chamarde senhor e não de Vossa Excelência, como talvez o protocolo mandasse,porque uma vez já numa reunião ministerial, o senhor mesmo foi o primeiro acortar com as “Vossas Excelências” e permita-me nesse sentido dizer que éum privilégio muito grande estar trabalhando, eu creio que um privilégio detodos, mas muito especialmente meu, pela proximidade – e falo não só comoministro, mas como velho diplomata, com já 40 anos de serviço, praticamente–servir sob a sua orientação. Porque, como o senhor mesmo gosta de dizer,o seu governo estará voltado, antes de tudo, para devolver a auto-estima aoPovo brasileiro.

    E eu creio que a política externa tem sido uma parte, uma parte nãopequena, não desprezível dessa recuperação da auto-estima. É claro,passamos por períodos diversos, mesmo durante períodos militares, tivemosministros brilhantes; tivemos, nós diplomatas, muitos, envolvidos de algumamaneira em algum tipo de resistência, pelo menos aos piores abusos doGoverno militar. E participamos também com alegria dos momentos em queparecíamos retomar o fio da meada de uma diplomacia voltada para odesenvolvimento da nação. Posteriormente, veio a democracia, em suaplenitude, e tivemos também pessoas ilustres dirigindo não só o Itamaraty,

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    como o próprio País. Mas, citando algo que o Ministro Ciro Gomes gosta dedizer, talvez no curto período – e eu sou suspeito para falar, por ter sidoMinistro do Presidente Itamar Franco – talvez nesse período, sobretudo noperíodo após a eleição direta, em muitos momentos, a nossa preocupaçãoprincipal, a preocupação principal da diplomacia brasileira era, digamos, decomo sermos eficientes em nossa inserção no mundo – uma preocupaçãoválida, mas não uma preocupação que devesse ser exclusiva.

    Muito se falou, e eu próprio falei várias vezes, em inserção competitivado Brasil na economia mundial. O que eu creio que o seu Governo trouxe denovo é a busca não apenas de uma inserção competitiva, mas de umainserção digna, altiva, coerente com o projeto de nação, um projeto que,durante muito tempo, pareceu, senão abandonado, pelo menos diluído nasbrumas da globalização. Não que a globalização não seja um fato, como,logo depois de 64, nos recordavam então os arautos daquela época, ainterdependência também era um fato. Era um fato, mas era utilizada paracontrastar com a independência, da mesma maneira que muitas vezes aglobalização é hoje usada, não como um fato – e é algo que de fato existe–, mas para contrastar contra qualquer veleidade de autonomia, deidentidade nacional, de busca de um projeto próprio. Eu acho que o seuGoverno, Presidente, nas suas mais variadas vertentes, nos trouxe de voltaessa visão de que é preciso termos um projeto de nação. Isso vale para ocampo interno e o senhor renova essa visão todos os dias; e todos os diaso senhor nos surpreende com coisas novas. Digo que talvez o maior privilégioque tenho é o convívio com o senhor e poder tentar traduzir na áreadiplomática e na área das relações internacionais esse mesmo pensamentoque eu sinto nortear todas as suas ações.

    Outro dia, lembrava o senhor em uma conversa entre poucos membrosdo Governo a importância que tem para o Brasil, a importância que tem paraa nossa estabilidade econômica, a recuperação da nossa credibilidade,credibilidade sobretudo com os credores, tanto nacionais quanto internacionais.

    Mas o senhor lembrava, também, que um grande número de credores éfreqüentemente esquecido, os credores que são a gente pobre e trabalhadorado Brasil, que são aqueles com quem nós temos a maior dívida, com quem aelite brasileira tem a maior dívida. E é por isso que a diplomacia brasileira, apolítica externa brasileira, tem que estar voltada essencialmente para o resgatedessa dívida, e eu creio que o senhor tem tocado nesse ponto de maneiraclara em todos os seus pronunciamentos.

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    Eu não vou me alongar, porque como já disse, é natural, o dia é seu, maschamemos as coisas pelo nome - não chamando-as por eufemismostecnocráticos que as organizações internacionais criaram - lembrando que ogrande flagelo do mundo é a fome, e a fome tem esse nome próprio, não éapenas ‘pobreza extrema’, não é ‘pobreza relativa’, é a fome, é a ausênciade alimento. E a ausência de alimento, como a ausência de liberdade, comoa ausência de paz, são coisas que as pessoas só percebem quando não têm.

    E o nosso orador mencionava, também, o fato de que iniciara os seusestudos sob o impacto do “onze de setembro”. Digo isso porque muitasvezes ouço de pessoas, inclusive ilustradas, até de colegas, que o Brasil nãodeveria se envolver em certas situações, não deveríamos dar opinião sobrecertas situações, e este Governo nunca temeu dar a sua opinião sobresituações. Eu acho que há aí um engano fundamental, um engano que resideem crer que a paz é um dado, como a liberdade é um dado. Eu vivi antes de64 e achava que a liberdade era um dado, que tudo o que nós devíamostransformar era a democracia, numa democracia mais consciente dosproblemas sociais, porque a liberdade era um dado. Mas a liberdade não eraum dado, e ela foi suprimida. A paz não é um dado, e se nós não trabalharmospor ela no dia-a-dia das relações internacionais, nos conflitos, manifestando-nos sobre eles, condenando toda ação que esteja fora dos parâmetros doConselho de Segurança das Nações Unidas, todas as ações que contrariamas resoluções da ONU - como tem ocorrido recentemente no Oriente Médio- se não nos manifestarmos sobre isso, estaremos contribuindo, pela nossaindiferença, para que as forças do conflito prevaleçam sobre as forças dapaz. E para que as forças da opressão prevaleçam sobre as forças daliberdade.

    Da mesma maneira que no plano econômico, e isso faz parte, SenhorPresidente, do seu combate à fome, temos que lutar por melhores condiçõesnão só de acesso aos nossos produtos, aos mercados internacionais, mas,também, de espaços para podermos realizar internamente as políticas quesão necessárias, como diz o senhor freqüentemente, não só para combateemergencial à fome, mas para o combate a longo prazo da fome - que só seobtém pelo desenvolvimento e pelo crescimento econômico. Isso nós sabemos:que somente eles poderão trazer, também, o crescimento de emprego e asensação de integração e inserção plena do indivíduo na cidadania. Não existeindivíduo livre sem nação livre, já dizia, creio eu, Maquiavel.... Dos meustempos de professor de ciência política, recordo-me disso. E não há nação

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    livre que não seja capaz de negociar (felizmente não temos tido guerras quenos tenham atingido diretamente), de negociar no dia-a-dia com altivez, comcoragem, sem bravatas, sem necessariamente aceitar outras agendas que nossão impostas como sendo agendas absolutas.

    E é esse apoio, Presidente, que o senhor tem me dado em todos osmomentos, que quero de maneira muito especial agradecer ao Senhor. Porqueé nesse apoio que hoje se traduz uma política externa verdadeiramente altiva,verdadeiramente digna, que faça parte.... Creio, hoje, sinto isso - não queroser presunçoso, absolutamente, porque sei que essas coisas não se dirigem amim, dirigem-se ao senhor. Mas já fui Ministro em outra ocasião - e meorgulho daquele momento em que fui Ministro - mas vejo hoje nas ruas e nagente do povo o interesse na política externa e o interesse sempre voltado,sempre voltado, como disse ao senhor, para essa idéia de que a políticaexterna faz parte do projeto nacional. A política externa ajuda a refletir anossa imagem, mas não apenas aquela imagem que nós temos, mas a imagemdo Brasil que desejamos. Por tudo isso, Presidente, pelo apoio que o senhortem dado ao Itamaraty, inclusive em meio às dificuldades econômicas,ampliando, ainda que ligeiramente, a nossa estrutura, mantendo o nossoorçamento em termos reais e até aumentando um pouquinho em termosnominais, por todas essas ajudas que o senhor tem nos dado, e sobretudopor esse apoio que jamais tem faltado em momentos difíceis em que há críticas- bem intencionadas, devo imaginar pelo menos, mas muitas vezes ferinas,muitas vezes ignorando fatos - esse apoio que não nos tem faltado, é, semdúvida alguma, o que de mais importante nós temos, e aquilo pelo que decoração lhe quero agradecer. E creio que esse apoio deve servir de inspiraçãotambém aos jovens diplomatas, que hoje entram para a carreira, não só numclima de democracia, mas num clima em que a prioridade ao combate àfome, a restituição de dignidade a todos os cidadãos e cidadãs brasileiras,qualquer que seja a raça, qualquer que seja o sexo, é uma prioridadefundamental.

    Muito obrigado, Senhor Presidente.

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    Excelentíssimo Senhor Presidente da República,Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores,Excelentíssimo Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores,Excelentíssimo Senhor Embaixador João Almino, Diretor do Instituto

    Rio Branco,Secretário Rubem Mendes de Oliveira, Orador da Turma,Senhores Diplomatas,Caros formandos,Senhoras e Senhores,

    É curiosa a sensação, ao olhar este auditório e lembrar-me da imagemde meus colegas e eu sentados nessas poltronas, nos idos de 1976, no diade nossa própria formatura. Naquela época, era modesta a expectativa defortalecimento das instituições políticas nacionais, limitada pela conjunturainterna de então.

    Nada como o tempo para dar nova forma a tudo. Neste ano de 2004,prestigia-nos com sua presença um Presidente da República forjado naluta pela igualdade de direitos, pelo respeito aos homens de bem e pelavalorização do convívio democrático, legitimado por expressiva vitória nasurnas.

    Discurso do Paraninfo,Ministro Rubem Antonio Corrêa Barbosa

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    Queridos formandos,

    Confesso minha surpresa ao tomar conhecimento da escolha de vocêspara ser o paraninfo desta turma simpática e que tanto me diz. Mas tambémquero ressaltar minha imensa alegria de, neste Dia de todos nós, Diplomatas,poder dividir de maneira especial este momento significativo. Saibam que mesinto verdadeiramente honrado com a homenagem.

    Conhecemo-nos e convivemos desde os seus primeiros dias comoDiplomatas alunos no Instituto Rio Branco, onde exercia as funções deCoordenador-Geral de Ensino, levado pelas mãos e pela confiança emmim depositada por André Amado, responsável por intenso processo demodernização de nossa Escola durante sua gestão. Saudosos tempos,quando tive o privilégio e a oportunidade de emprestar minha experiênciaà nova geração, em favor da contínua busca da excelência que caracterizao dia-a-dia desta Casa. Da melhor formação possível de vocês dependeo futuro do Itamaraty e a manutenção do alto nível profissional dadiplomacia brasileira. Espera-se, desde já, que, a partir da dedicaçãoconstante, venham a desempenhar, no momento certo, as altas funçõesdestinadas à Chefia deste Ministério. Ao concluírem o curso inicial denossa academia diplomática, vocês deram um primeiro grande passo parase posicionarem nesta Carreira. O aprendizado, como sabem, não terminaaqui. O estudo constante lhes será cobrado no trabalho de cada dia, epelo próprio Instituto Rio Branco, para onde deverão ainda voltar pelomenos duas vezes mais.

    Mas isto fica para mais tarde. Hoje é dia de festa. Dia de celebrar comseus familiares, justamente orgulhosos da conquista de vocês. De agradecer-lhes pelo inestimável suporte que lhes deram durante a árdua preparaçãopara o ingresso nesta Casa. Esta formatura é produto de uma soma deesforços. Sejam generosos e saibam dividir a realização. Vejo também aquipresentes alguns de seus professores. Meus parabéns aos mestres pelo bomêxito alcançado na formação de mais um grupo de profissionais preparadospara enfrentar os desafios futuros de toda ordem.

    Senhor Presidente,

    Até onde me foi dado perceber, pelas funções que exercia, os Diplomatasque hoje se formam, pela sua dimensão profissional e também pela sua

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    dimensão humana, estão mais do que prontos para bem executar as tarefasque lhes venham a ser confiadas. Sob a determinação de Vossa Excelência,estou seguro de que cada um deles saberá dar cumprimento às açõesdiplomáticas que possam trazer ganhos palpáveis ao povo brasileiro, emparticular às camadas menos favorecidas, à comunidade sul-americana e àpaz mundial.

    Senhor Ministro,

    Assumi minhas funções nesta Casa antes da Conferência de Helsinquesobre Segurança Européia. Aqui vivi a segunda crise do petróleo, a eleiçãode um Papa polonês, o auge do relacionamento político-comercial do Brasilcom a Nigéria, a entrada de Portugal e Espanha na então ComunidadeEconômica Européia e a queda do Muro de Berlim. Senti na pele os efeitosdo conflito interno na Colômbia, dirigi o gabinete de crise por ocasião dainvasão do Iraque e hoje participo, nos limites de minhas possibilidades, deações envolvendo a prioridade de política externa brasileira na América doSul. Quantos episódios!

    Ao mesmo tempo, no plano interno experimentamos uma evolução políticaque suplantou, creio, nossas melhores expectativas. Alcançamos a plenaliberdade de expressão, reforçamos nossa consciência ecológica, vivenciamoso profundo envolvimento da sociedade na política e despertamos para osignificado do conceito de cidadania, reafirmando os direitos humanos etornando-nos mais preocupados com nossos irmãos ainda imensamentepobres, com nossas crianças e idosos. Muito falta por fazer, a ponto depesar-nos a consciência, mas, se almejávamos estas conquistas quando meuscolegas e eu nos formamos, forçoso é reconhecer que passos firmes foramdados nesse sentido nos anos que se passaram.

    Caros colegas,

    Nossa Carreira é bela. Mas é dura também e só nós sabemos ossacrifícios que nos cobra, a dedicação que nos exige, o conhecimento e ocompromisso que espera devemos ter. Proporciona realizações, é verdade,mas nos obriga a constantes concessões em nossa vida pessoal e familiar. Opreço a pagar é alto, compensado pela satisfação íntima de servir à Pátria. Éimportante não abrir mão de suas convicções, em troca de conveniências

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    fugazes. Recebi sempre o estímulo a esta conduta da parte de meus chefes,entre eles Alberto da Costa e Silva, Synésio Sampaio Goes, Ruy Nogueira,Jório Salgado Gama Filho e André Matoso Maia Amado. Mais recentemente,também o tenho recebido de José Eduardo Martins Felicio e Luiz Filipe deMacedo Soares.

    Uma Carreira, enfim, cujo processo de ascensão só tem sentido paranós. Que cobra de nossos familiares um grau de comprometimento e apoio,cujo alcance só nós podemos compreender. Obriga-nos constantemente aafastar-nos de nossos amigos e de nossas referências mais caras comobrasileiros. Destina a cada um de nós longas ausências no exterior, onde nemsempre o melhor preparo intelectual e dedicação profissional podem afastaro sentimento de solidão que por vezes nos aflige.

    Junto-me a vocês na justa homenagem que prestam a Vinícius de Moraes,ao elegê-lo patrono da turma. Poeta maior e diplomata, intelectual e artistacomo vários de nossos pares, soube abrilhantar as cores da bandeira nacionalcom seu talento reconhecido dentro e fora do Brasil. Sinto que, obrigado aafastar-se de nosso convívio, em virtude de decisões tomadas em outrostempos de nossa História, muito perdeu o Itamaraty, ao não poder continuara tê-lo em seus quadros. Mais ganhou o Brasil, que pôde desfrutar por inteirodo talento, sensibilidade, carisma e simpatia deste destacado colega, quetinha no culto à liberdade e na máxima do amor eterno enquanto dure normasde vida de uma sabedoria talvez à frente de seu próprio tempo.

    Carioca, como eu, Vinicius deixou nosso convívio em julho de 1980.Consultando dados relevantes de sua vida, encontrei, referente ao ano de1979: participa de leitura de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de SãoBernardo do Campo, a convite do líder sindical Luís Inácio da Silva.

    Queridos formandos,

    No Instituto Rio Branco vocês experimentaram algo novo, dentro doprocesso de constante aprimoramento a que me referi acima. Sua turma é aprimeira formada em nível de Mestrado, evolução introduzida pelo atualDiretor, Embaixador João Almino, a quem presto minha homenagem e sobcuja orientação também tive a oportunidade de trabalhar. Meus parabéns,portanto, pela participação na importante iniciativa.

    Praticamente coincidindo com o início de suas aulas, verificou-semudança de profundidade no enfoque das relações internacionais, com o

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    advento do primado da luta contra o terrorismo, determinado a partir dosacontecimentos de 11 de setembro de 2001, quando completavam oprimeiro mês de curso. Vivenciaram durante o período de formaçãodiplomática o fortalecimento do unilateralismo, em detrimento de um papelmais democrático da diplomacia multilateral. Assistiram a mudanças políticasdrásticas no plano mundial, cujo alcance ainda não se pode perceber. Iniciam,portanto, a Carreira, com um razoável conhecimento das incertezas quepermeiam o relacionamento na comunidade das nações, que lhes será,certamente, valioso daqui para frente.

    Abracem esta Carreira de corpo e alma. Diplomatas ingressam nestaCasa para a ela se dedicarem durante quarenta anos. Às vezes mais. Nossotrabalho é como um sacerdócio, que envolve nossos dias, nossas noites, ecom freqüência interrompe nosso lazer. Leva-nos a encontrar no exterior,nos mais recônditos confins, um representante do Brasil, que ali está paraolhar por cidadãos como ele, ou seja, para proteger o crescente númerode brasileiros que trabalham e vivem longe do País, e também sempre prontoa negociar, representar e informar em nome do interesse nacional.

    Fortaleçam sua vocação e disposição constante de servir ao público,fundamental para a permanência entre nós. Este requisito lhes será cada vezmais cobrado, como conseqüência natural do amadurecimento do processodemocrático brasileiro. Tenham o orgulho nobre de bem representar o Brasile de contribuir com tudo de si para transmitir a melhor imagem possível darealidade nacional a seus interlocutores. Além disso, como bem ensinou oBarão do Rio Branco, onde estiverem lembrem-se sempre da Pátria. Deminha parte, não me esqueço por nada de minha querida cidade do Rio deJaneiro, referência maior numa vida de constantes mudanças.

    Tenho certeza de que vocês, como eu, entregaram-se a esta Carreiracom dedicação e amor. Mas é essencial que não se esqueçam, como costumavalembrar o então Chanceler Azeredo da Silveira, de algo que também deveser considerado primordial para o bom desempenho de vocês no Ministériodas Relações Exteriores: busquem a felicidade pessoal em suas vidasparticulares e guardem tempo para cuidar de vocês. A vida tem inúmerasvertentes, que vão muito além do trabalho diário. Persigam com constância arealização pessoal em todos os sentidos. Finalmente, prezem e acarinhemsuas famílias. Acreditem, há momentos, e muitos, em que os familiares são oúnico porto seguro em nossa trajetória, freqüentemente em detrimento darealização de suas aspirações individuais mais justas. De minha parte, devo

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    louvar a constância, paciência e o amor de Lenise, companheira de sempre,e a compreensão de nossos filhos.

    Cabe-me agradecer-lhes uma vez mais a homenagem que me fazem. Edesejar-lhes, do fundo do coração, muito bom êxito em suas vidas pessoaise profissionais.

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    Excelentíssimo Senhor Presidente da República,Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores,Excelentíssimo Senhor Diretor do Instituto Rio Branco,Autoridades presentes,Colegas Diplomatas,Senhoras e Senhores,

    A cerimônia de hoje simboliza a conclusão de nosso período deformação profissional no Instituto Rio Branco e o início de nossasatividades como diplomatas a serviço do Brasil na Secretaria de Estadoe no exterior.

    A data de 20 de abril celebra o nascimento de José Maria da SilvaParanhos, o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira e,desde 1970, designa o Dia do Diplomata.

    Durante nosso período de estudos pudemos aprimorar o conhecimentohistórico das relações internacionais do Brasil, e ao mesmo tempo usufruirda experiência comum acumulada nesta Casa ao longo de várias geraçõesde diplomatas que forjaram um inestimável patrimônio de idéias e de açõesdo qual todos nós nos orgulhamos e que granjeia merecido reconhecimentointernacional.

    Discurso do Orador,Rubem Mendes de Oliveira

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    Gostaríamos de expressar, neste momento, a satisfação de podermosiniciar uma história de contribuições à defesa do interesse nacional e daslegítimas aspirações de nossa sociedade em seu relacionamento com acomunidade das nações. Para chegarmos até a data de hoje, cada um de nóspercorreu diferentes caminhos, variadas opções de formação acadêmica, erecebemos o apoio contínuo de nossos amigos e colegas, de nossos familiarese, especialmente, de nossos pais e cônjuges. A todos os que nos ajudaram aconcretizar nossas aspirações e vocações pessoais, expressamos os nossosmais reconhecidos agradecimentos.

    Senhor Presidente,

    A turma de 2001-2003 escolheu para homenagear como paraninfo oMinistro Rubem Antônio Corrêa Barbosa, Coordenador de Ensino doInstituto Rio Branco durante a maior parte de nosso período comoestudantes. Atualmente à frente da Divisão da América Meridional II, oMinistro Rubem Barbosa deixou uma marca indelével em cada um denós, como exemplo profissional e pessoal: sempre atento a nossasindagações de recém-chegados a uma carreira de muitas responsabilidades,foi ele quem, com o máximo de serenidade e bom senso, em primeirolugar nos forneceu o ensinamento prático de como o diplomata deve sercapaz de agir, em qualquer situação – mas principalmente naquelas emque as paixões e os ânimos se manifestam mais intensamente - com clareza,transparência, senso de justiça e, sobretudo, respeito por todas as partesenvolvidas.

    Gostaríamos, portanto, de expressar nosso reconhecimento àcompetência com que o Ministro Rubem Barbosa exerceu a função de nosorientar, com a firmeza e a franqueza necessárias a cada momento e a cadasituação, em nosso aprendizado sobre a Casa na qual acabávamos deingressar.

    Um dos aspectos que caracterizam sobremaneira o Itamaraty é o fato deque vários diplomatas são grandes expressões da alma e da cultura de nossaterra e de nossa gente. Na verdade, não há razões para se surpreender coma presença contínua, ao lado de consagrados historiadores e economistas,de romancistas, poetas, dramaturgos, músicos e artistas plásticos entre osquadros funcionais da Casa de Rio Branco. O diplomata, para bem representarseu País, deve não apenas possuir o conhecimento dos princípios e valores

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    da sociedade a que pertence, mas também a sensibilidade para os costumese tradições que lhe emprestam seu caráter.

    Como patrono de nossa turma escolhemos um desses nomes deexpressão cultural, o diplomata Vinícius de Moraes. Tendo ingressado noItamaraty em 1943, Vinícius já era poeta e letrista reconhecido e premiado,pois bem antes desta data já havia publicado mais de um livro de poemas,e já havia igualmente lançado algumas de suas primeiras canções. Poressa razão, certamente, Vinícius se auto-definiu, no célebre “Samba daBenção”, como “...poeta e diplomata”, como a ressaltar, na ordemcronológica de suas atividades, aquilo que deveria ter sido também aordem desejada para seu pai. Na bela e comovente “Elegia na morte deClodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta e cidadão”, o filho Vinícius oapresenta como “...poeta e funcionário”, revertendo a realidade davida daquele que, também poeta talentoso, manteve a veia artísticaconfinada à intimidade familiar em favor da segurança e regularidade doemprego público.

    Tendo iniciado sua carreira nesta Casa na então Divisão Econômicae Social, o diplomata Vinícius obteve, apenas um mês depois denomeado, a confirmação no serviço público com nota máxima na avaliaçãoque levava em conta itens como discrição, pontualidade, iniciativa, urbanidade,capacidade intelectual, disciplina, dedicação ao serviço e caráter.

    No exterior, Vinícius serviu em Los Angeles, em Montevidéu e naDelegação do Brasil junto à UNESCO, em Paris. A experiência do amor àpátria – experiência comum a todos nós nesta Casa - que se manifesta deforma mais intensa quando estamos fora do Brasil, foi também objeto desua poesia, em “Pátria minha”, por exemplo:

    “...Ponho no vento o ouvido e escuto a brisaQue brinca em teus cabelos e te alisaPátria minha, e perfuma o teu chão...Que vontade me vem de adormecer-meEntre teus doces montes, pátria minhaAtento à fome em tuas entranhasE ao batuque em teu coração”

    Do mesmo modo, é essa experiência permanente da Pátria para a qualnos alertou o Barão do Rio Branco que encontramos na comovente alegria

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    que Vinícius manifesta em “Do amor à pátria”, quando, atravessando o oceano,consegue ouvir num rádio de ondas curtas uma emissora brasileira:

    “Adorável prefixo noturno, nunca te esquecerei!Foste mais uma vez essa coisa primeira tão única como o primeiroamigo, a primeira namorada, o primeiro poema.E a ti eu direi: é possível que o padre Vieira esteja certoao dizer que a ausência é, depois da morte,a maior causa da morte do amor. Mas não do amor à terraonde se cresceu e se plantou raízes, à terra a cuja imagem e semelhançase foi feito e onde um dia, num pequeno lote,se espera poder nunca mais esperar”

    Caros Colegas,

    A conclusão do Programa de estudos do Instituto Rio Branco não é apenasum resultado individual de cada aluno. Para alcançarmos tal objetivo contribuíramtodos os diplomatas brasileiros, do presente e do passado, que nos legaram oexemplo e os meios com os quais se constitui uma carreira de Estado cujacontinuidade e seriedade na seleção, na formação e na progressão funcional poucospaíses possuem. Vários diplomatas têm sido chamados a servir em organismosmultilaterais e aí têm deixado a sua marca pessoal, como é o caso do EmbaixadorJoão Augusto de Médicis, falecido há poucos dias, quando exercia a função deSecretário-Geral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

    Para a nossa formação contribuíram também os professores do Instituto RioBranco, que pertencem à elite da comunidade acadêmica brasileira. Quando o InstitutoRio Branco se aproxima de completar seis décadas de existência, congratulamo-noscom a visão de seus criadores, e de todos quantos o têm dirigido, para trazer às suassalas de aula os mais renomados professores do País em suas respectivas áreas deconhecimento, independentemente de ideologias e de preferências políticas. A elesexpressamos nossos agradecimentos, assim como a todo o quadro de funcionáriosdo Instituto Rio Branco, que oferecem o apoio indispensável à nossa formação.

    Senhor Presidente,

    Há pouco mais de um ano Vossa Excelência vem imprimindo um ritmoexcepcional à política externa brasileira. A experiência de vida, a

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    sensibilidade social e o conhecimento do Brasil e de suas necessidadese potencialidades constituem um verdadeiro “capital” diplomático deVossa Excelência, por meio do qual o Brasil se apresenta ao mundocomo uma sociedade pronta a participar da conformação de um cenáriointernacional que prime pelo respeito ao Direito, pela busca da justiça eda eqüidade no comércio entre as nações, e pela solução pacífica dosconflitos.

    Permita-me manifestar a satisfação com que os diplomatas que oraingressamos simbolicamente na carreira, passamos a colocar em práticaos ensinamentos obtidos no Instituto Rio Branco sob a orientação e asinstruções de Vossa Excelência, no sentido de buscar, em cadanegociação de que participamos, os resultados a que a sociedadebrasileira legitimamente aspira.

    Os desafios que o mundo atual apresenta deverão ser enfrentadoscom firmeza e senso de justiça. Estávamos todos em sala de aula na manhãde terça-feira, 11 de setembro de 2001. Acompanhamos os eventosdaquele dia com a clara percepção de que nossas carreiras iriam sedesenvolver num cenário internacional mais complexo e mais difícil, masno qual seguramente a diplomacia se torna cada vez mais necessária eurgente.

    Para isso nos preparamos ao longo dos dois últimos anos. Os conhecimentosque trouxemos para o Instituto Rio Branco foram constantemente postos àprova, e em suas salas de aula os lapidamos e elaboramos continuamente. Apartir de nossa turma, os alunos do Instituto Rio Branco têm a oportunidade deingressar na carreira diplomática já possuindo um título de pós-graduação,exigência do caráter atual da diplomacia, que requer cada vez mais conhecimentodas agendas em negociação.

    Senhor Presidente,

    No discurso que Vossa Excelência pronunciou aqui neste mesmo auditóriono ano passado, durante a formatura da turma que nos precedeu, foramanunciados os fundamentos de nossa política externa. Vossa Excelência indicoua prioridade para a América do Sul, e nos incitou a estreitar os laços decooperação com a África e com o Oriente Médio, assim como com osinterlocutores do mundo desenvolvido e em desenvolvimento que compartilhamnossos valores e objetivos.

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    Foi com este espírito que a turma que ora se forma realizou, há cercade um ano, seus estágios profissionais em capitais da América do Sul.Estamos seguros da excelência da formação recebida no Instituto RioBranco, que a par dos estudos de Direito Internacional, Teoria dasRelações Internacionais, Economia, História, Cultura Brasileira, e doaperfeiçoamento no inglês, espanhol e francês, nos oferece a oportunidadede treinamento em idiomas outros, como o alemão, o italiano, o russo, oárabe e o chinês, por exemplo. Sentimo-nos, agora, preparados paraservir em qualquer parte do mundo, de modo a atender à vasta gama deinteresses diplomáticos que um País da grandeza do Brasil persegue.

    A política externa do Brasil será sempre uma política legítima e,portanto, respeitada pelos demais países, na exata medida em querepresente a diversidade e a pluralidade de nossa sociedade. Gostaria deressaltar, em especial, o apoio que Vossa Excelência tem oferecido aoPrograma de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, por meio do qualsão criadas condições efetivas para que mais candidatos afrodescendentespossam ingressar na carreira diplomática. O Diretor do Instituto,Embaixador João Almino, tem envidado esforços contínuos na divulgaçãodo Programa e na ampliação do número de candidatos afrodescendentesque se inscrevem para o concorrido exame de admissão à carreira diplomática,e os resultados têm sido auspiciosos.

    Alegra-nos que a diplomacia brasileira cada vez mais expresse nas facesde seus agentes toda riqueza da sociedade brasileira. Nós, diplomatas quehoje nos formamos, viemos das mais diversas regiões do Brasil, erepresentamos as mais diversas camadas sociais, como no meu caso pessoal,filho de mãe professora primária e de pai que deixou o Nordeste na juventudepara se qualificar como trabalhador no Sudeste, exerceu liderança sindical ecriou uma cooperativa habitacional.

    Gostaria de concluir este discurso voltando uma vez mais a agradecer anossos pais, presentes ou ausentes desta cerimônia. Eles são, por seu apoioe dedicação, os verdadeiros merecedores das homenagens pelo êxito hojealcançado por seus filhos e filhas.

    Muito obrigado.

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    Alexandre Mendes NinaAndré Dunham Maciel Siaines de CastroAniel Eler Dutra JuniorAntonio Carlos Antunes SantosAurimar Jacobino de Barros NunesBárbara Bélkior de Souza e SilvaBraz da Costa Baracuhy NetoCarlos Eduardo de Carvalho PacháChristiano Sávio Barros FigueirôaClarissa Souza Della NinaDaniel Augusto Rodrigues PonteDaniel Costa FigueiredoFelipe Augusto Ramos de Alencar da CostaFelipe Flores PintoFelipe Haddock Lobo GoulartFernando Augusto Moreira CostaGustavo Sénéchal de Goffredo JuniorGustavo Teixeira ChadidJoão Marcelo Queiroz SoaresJuliana Soares SantosLanier Guedes Morais

    Curso de Formação / Mestrado em DiplomaciaAlunos da Turma Vinícius de Moraes2001-2003

  • FORMATURAS DO INSTITUTO RIO BRANCO (2004-2008) - DISCURSOS

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    Luis Eduardo Fonseca de Carvalho GonçalvesLuiz Otávio Monteiro Ortigão de SampaioMaurício da Costa Carvalho BernardesMurilo Vieira KomniskiPaulo Camargo CarneiroPaulo Vassily ChucRodrigo Andrade CardosoRubem Mendes de OliveiraSérgio Aguiar Viana de CarvalhoSilviane Tusi Brewer

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    António Elias Correia AngolaElen Peteyan ArmêniaGaspar Rodrigo Ken BelizeGerardo A. D. Bartolomé ArgentinaIke Desrnond Antonius SurinameRonald Jesús B. Torrez Bolívia

    Curso de Formação / Mestrado em DiplomaciaBolsistas estrangeiros da Turma Vinícius deMoraes - 2001-2003

  • 2002-2004TURMA CELSO FURTADO

    PALÁCIO ITAMARATY,1º DE SETEMBRO DE 2005

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    Excelentíssimo Senhor José Alencar, Vice-Presidente da República,Minha querida companheira Marisa,Meu querido companheiro, Embaixador Celso Amorim, Ministro das

    Relações Exteriores e sua esposa, Ana,Meu querido companheiro Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães,

    Secretário-Geral das Relações Exteriores,Embaixador Fernando Guimarães Reis, Diretor do Instituto Rio

    Branco,Embaixador Everton Vieira Vargas, Paraninfo da Turma Celso Furtado,Senhoras e senhores diplomatas,Senhoras e senhores formandos,Secretário Marcos Sperandio, Orador da Turma,Meus amigos e minhas amigas,Meu querido companheiro Marco Aurélio Garcia,

    Com grande satisfação, volto a esta Casa para participar daformatura de nova turma de diplomatas.

    A partir de hoje, vocês poderão orgulhar-se de pertencerplenamente ao corpo de servidores públicos que se destacam peloelevado grau de profissionalismo e pelo compromisso com os objetivosnacionais.

    Discurso do Presidente da República,Luiz Inácio Lula da Silva

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    Este também é um momento especial para o Instituto Rio Branco, quecompleta 60 anos dedicados à preparação dos quadros do Itamaraty, para anobre missão de representar o Brasil e defender seus interesses.

    Desde o início do meu governo e sob a condução segura do meu queridochanceler Amorim, o Itamaraty tem tido um papel de destaque na construçãode um novo projeto de nação.

    Nossa diplomacia não é apenas um instrumento de projeção externa dopaís, mas um elemento constitutivo de nosso projeto coletivo dedesenvolvimento. Para cumprir esses objetivos, a Casa de Rio Branco teveinédita autonomia administrativa que lhe permitiu, em sintonia com as grandesorientações políticas do governo, levar adiante uma política externa de perfilelevado, inovadora e afirmativa.

    A criatividade, o entusiasmo e o empenho de cada um de vocês permitirãoaprofundar esse projeto. Ele não pertence a um partido ou grupo, não sesubordina a engajamentos ideológicos e, menos ainda, se alimenta depretensões de lideranças regionais.

    Os objetivos que norteiam a nossa política externa são a defesa dointeresse nacional e a solidariedade continental, o que implica construir umaordem internacional mais democrática e eqüitativa.

    A escolha de Celso Furtado para patrono desta turma demonstra quevocês, jovens formandos, compartilham essa visão. Temos todas as razõespara homenagear esse admirável brasileiro, um dos grandes pensadores latino-americanos, lúcido intérprete do Brasil. Homem de pensamento e ação, Celsonão se contentou em fazer um diagnóstico dos problemas e desafios que,secularmente, impediram o país de realizar seu potencial de nação. Engajou-se na transformação dessa realidade.

    Essa postura inspira as ações externas de meu governo, uma atuaçãoque está a serviço do desenvolvimento nacional e da construção de um Brasilmais solidário. Não aceitamos como fato consumado uma ordem internacionalinjusta, sustentada por processos decisórios poucos transparentes e poucodemocráticos. Nossa atuação diplomática é fundada na defesa de princípios,mas também na busca de resultados. Tem uma dimensão utópica sem deixarde ser pragmática.

    Vivemos em um mundo difícil, em que a correlação de forças é adversaàs legítimas aspirações dos países em desenvolvimento. Não podemos nosacomodar à inércia e à inação. menos ainda à submissão pregada por algunspoucos em nome de um discutível realismo.

  • 2002-2004 - TURMA CELSO FURTADO

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    Senhoras e senhores,

    Em um mundo globalizado e interdependente, nossa contribuição à paz eà democracia é determinada pelo princípio da não-indiferença. Por isso, nosengajamos nos esforços de estabilização do Haiti. Aceitamos o desafio deassumir o comando da Missão de Paz naquele país, atendendo a umasolicitação das Nações Unidas.

    Essa é uma oportunidade histórica para os países da América Latina edo Caribe demonstrarem que é possível um novo modelo de cooperaçãointernacional. Um modelo em que o restabelecimento da ordem e da segurançaesteja alicerçado na recuperação econômica e na transformação social, nuncana truculência.

    Graças à Missão das Nações Unidas, o Haiti caminha hoje para arealização de eleições democráticas que renovam esperanças no seu futuro.Respeitosos dos princípios da não-intervenção sem arrogância, mas tambémsem indiferença, contribuímos para a solução de crises em países de nossaAmérica do Sul.

    Ao mesmo tempo, estamos fortalecendo o projeto de integração física,indispensável, para dar à região, condições de inserir-se competitivamenteno mundo de hoje.

    O mesmo compromisso político e ético nos levou, em 2004, a lançar aAção Internacional contra a Fome e a Pobreza. A iniciativa reuniu 60 líderesmundiais em Nova Iorque e trouxe para o centro da agenda Internacional aurgência de se enfrentar esses dois flagelos. O compromisso de mais de 100países no sentido de buscar fontes alternativas inovadoras de financiamentoreforça nossa convicção de que é possível eliminar a pobreza extrema emnosso Planeta.

    Igual espírito de solidariedade tem presidido o resgate e oaprofundamento de nossas relações com a África. Em três visitas aoContinente, já estive em 14 países e assumi o compromisso de retornar todosos anos à região com a qual temos afinidades históricas e culturais.

    As relações do Brasil com os países africanos, tanto em matéria decooperação como de comércio, vêm ganhando intensidade sem precedentes.Somente neste último mês de agosto, recebi a visita de dez líderes africanos.Estamos lançando parcerias mutuamente vantajosas, sem assistencialismo,que abrem oportunidades promissoras de negócios em frentes inovadoras decolaboração.

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    Confiamos nos esforços de transformação política que estão em cursono continente africano. À frente da Comunidade dos Países de LínguaPortuguesa e em coordenação com a União Africana, o Brasil temcontribuído para a normalização institucional em pontos consagrados daregião. Apoiamos a retomada da democracia em São Tomé e Príncipe.Colaboramos para o diálogo político e a capacitação institucional, sociale econômica de Guiné-Bissau.

    Senhoras e senhores,

    As realizações de nossa diplomacia, nesses dois anos e meio degoverno, reforçam minha convicção de que estamos no caminho certo.São muitas as manifestações de respeito e estímulo ante essa mudança dapresença do Brasil na cena internacional.

    É amplamente reconhecida a contribuição que temos prestado para ademocratização dos organismos multilaterais e para a conformação deuma nova geografia política, econômica e comercial.

    A constituição do G-20, que contou com a colaboração decisiva doBrasil, alterou a dinâmica do processo decisório da Organização Mundialdo Comércio, trazendo países em desenvolvimento para o centro dasnegociações.

    A Organização Mundial do Comércio está deixando de ser um clubedos ricos em benefício do sistema multilateral de comércio como um todo.Trabalharemos agora para concluir, com êxito, as negociações da Rodadade Doha.

    O comércio deve tornar-se definitivamente uma alavanca dodesenvolvimento e permitir que a criatividade e a competitividade de nossagente sejam justamente recompensadas.

    Estamos empenhados na eliminação dos subsídios bilionários àexportação e na redução drástica do apoio interno à produção agrícolados países desenvolvidos. Os recursos hoje gastos com subsídios agrícolassão seis vezes maiores do que o montante adicional necessário paraimplementar as Metas do Milênio.

    A democratização do sistema internacional não será completa semuma efetiva reforma das Nações Unidas que necessita maior eficácia elegitimidade. Juntamente com os parceiros do G-4, temos insistido nanecessidade, em particular, de ampliar o Conselho de Segurança. É

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    inadiável torná-lo mais representativo, com a inclusão de países emdesenvolvimento entre os membros permanentes.

    Ninguém ignora a complexidade dessa tarefa. Mas estamosconvencidos da importância e da oportunidade dessa discussão. A novacorrelação de forças internacionais que almejamos, para além de um mundounipolar, passa também por parcerias estratégicas alternativas e peloreforço do diálogo Sul-Sul.

    Ainda no primeiro ano de meu governo formamos o IBAS, com Índiae África do Sul. Ao juntarmos as três grandes democracias do mundo emdesenvolvimento criamos novo mecanismo de articulação entre paísescom grande potencial de cooperação econômica, cultural e científica.

    A realização em Brasília, em maio de 2005, da Cúpula América doSul/Países Árabes, reforçou nossa convicção de que os países emdesenvolvimento, atuando de forma coordenada, têm condições deencontrar as respostas para os desafios comuns. Abrimos novas epromissoras oportunidades de negócios entre as duas regiões einauguramos um encontro inédito de civilização sobre o signo do diálogoe da tolerância.

    Senhoras e senhores,

    Desde o primeiro dia de governo ressaltei que o foco prioritário denossa diplomacia seria a criação de uma América do Sul mais unida,próspera e estável. Quero reconhecer em público o trabalho incansáveldo Itamaraty para tornar realidade o sonho da integração sul-americana.

    Estamos provando que com paciência, dedicação e visão de futuro,é possível atingir objetivos ousados que antes não saíam do papel. Nãofoi pouco realizado nesses dois anos e meio. Criamos as bases daComunidade Sul-Americana de Nações, que se reunirá pela primeira vezapós sua fundação em Cuzco, em Brasília, dentro de poucas semanas.

    Estamos avançando rapidamente nas áreas de infra-estrutura eintegração energética, fundamentais para a consolidação de um espaçosul-americano. Ao mesmo tempo, concluímos acordos comerciais com aComunidade Andina, que estabelecem praticamente uma área de livrecomércio na região.

    Estamos tornando a América do Sul uma realidade tangível para osbrasileiros que, por muito tempo, viveram de costas para seus vizinhos.

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    O fortalecimento do Mercosul é pedra angular desse esforço de integração.E as relações com a Argentina, seu motor essencial.

    É preciso reconhecer que, muitas vezes, não temos tido agilidadepara responder às expectativas criadas e para superar os entraves inerentesa qualquer processo de integração profunda.

    Precisamos avançar mais levando em conta as preocupações legítimasde nossos parceiros. Temos que aumentar as nossas importações, sobretudodos sócios menores e avançar na integração das cadeias produtivas.

    O futuro do Mercosul depende, em última análise, de nossa capacidadede desenvolver políticas industriais e agrícolas comuns e de fortalecer o Blocono plano institucional.

    Temos razões para otimismo. O comércio intra-regional retoma com vigorsua trajetória ascendente. Em 2004, nossas exportações para os países doMercosul aumentaram 60%. O poder de atração do Bloco, cada vez maior,se reflete no número crescente de países associados e no dinamismo de nossasnegociações externas.

    Senhoras e senhores,

    A política externa brasileira alcançou um novo nível de maturidade. Nãoestamos mais limitados por fronteiras imaginárias ou fórmulas prontas.Estamos explorando oportunidades de diálogo, cooperação e negócios, ondequer que elas existam.

    Desenvolvemos parcerias diversificadas e relações mais equilibradas comtodas as regiões do mundo. Na melhor tradição de nossa diplomacia, temosfeito isso sem confrontações estéreis e valorizando sempre as relaçõesindispensáveis com parceiros tradicionais do mundo industrializado.

    Para aqueles que acreditam nas estatísticas, basta olhar os resultadosexcepcionais do nosso comércio exterior. Desde 2003, nossas vendas paraos Estados Unidos e para a União Européia crescem em ritmo acelerado. Asexportações para os Estados Unidos, somente neste ano, aumentaram quase24%.

    Esses números espelham o excelente nível de entendimento políticobilateral.

    Nossas vendas para os países em desenvolvimento aumentaramexponencialmente e já representam mais de 50% de nossas exportações,concentrando-se em produtos de maior valor agregado. O comércio exterior

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    brasileiro, que já ultrapassou a marca histórica de 110 bilhões de dólares, étão somente expressão de uma realidade maior.

    O Brasil está assumindo um papel de crescente relevo no cenáriointernacional, articulando seus interesses com base no diálogo e em nome devalores universais, democráticos e humanistas.

    Estamos projetando lá fora os êxitos econômicos e sociais que temostido aqui dentro. Depois de tantos anos de recessão e crescimento medíocre,entramos na rota de crescimento sustentado. Isso permitiu criar mais de 3milhões e 250 mil novos empregos com carteira profissional assinada.

    Oito milhões de famílias – e serão 8 milhões e 700 mil famílias emdezembro – já se beneficiam dos programas de transferência de renda dogoverno. Domamos a inflação e nossa vulnerabilidade internacional teve umaredução sem precedentes nas últimas décadas. O Brasil se constitui em umponto de atração para investimentos produtivos de todo o mundo.

    Em suma, o Brasil se afirma como nação que toma as rédeas de seudestino. Um país que ouve e é ouvido.

    É por isso que hoje, um dia especial na vida dos novos diplomatas, querodeixar-lhes uma mensagem ao mesmo tempo singela e poderosa. Inspirem-se no exemplo de Celso Furtado. Acreditem sempre no Brasil, em seu imensopotencial como nação e na capacidade transformadora do nosso povo.

    Por isso, eu quero desejar a todos boa sorte e dizer a vocês que nóssaímos da teoria para a prática com coisas consideradas extraordinárias parao nosso país. Eu vou ler alguns números, sobretudo para vocês que estãoassumindo essa tarefa importante de representar o Brasil no mundo.

    No mês de agosto, a balança comercial bateu o seu quarto recordeconsecutivo. As exportações, em maio, fecharam com 9,8 bilhões. No mêsde junho, as exportações ultrapassaram pela primeira vez a marca dos 10bilhões, foram 10 bilhões e 200. Em junho, as exportações chegaram a 11bilhões. Em agosto, os números confirmaram a sustentabilidade e asexportações chegaram a 11 bilhões e 300 milhões, com um saldo positivo de3,7 bilhões de dólares.

    Mais importante, no mês de agosto outros recordes também forambatidos. As importações atingiram a cifra recorde de 7 bilhões e 700,quebrando a barreira dos 7 bilhões. A corrente de comércio também alcançoucifra recorde de 19 bilhões. Em comparação com agosto do ano passado, osnúmeros ficaram assim: as exportações cresceram 20% e as importações,31%. No acumulado de 12 meses, novos recordes: exportações de 111 bilhões

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    e 200 milhões e importações de 71 bilhões e 100 milhões, somando 182bilhões na corrente de comércio, um recorde histórico do nosso país. Osaldo disso tudo foram 40 bilhões de dólares favoráveis ao Brasil.

    Eu quero aproveitar a emoção dos jovens que estão se formando hoje,depois dos discursos brilhantes de todos que me antecederam, para fazeralguns reconhecimentos. Primeiro, a felicidade de ter escolhido o Celso Amorimpara ser Ministro das Relações Exteriores do meu governo. Não apenasporque o Celso Amorim é um diplomata calejado, experimentado, e nãobasta isso para exercer o papel de chefe das nossas Relações Exteriores. Épreciso, além de toda essa graduação, de toda essa formação intelectual, apessoa ter vontade e acreditar naquilo que faz. Eu não sei se em algum momentohistórico, mesmo ele, quando foi Ministro do outro governo, se teve adisposição que ele tem hoje para trabalhar, porque uma coisa é você cumpriruma função, outra coisa é você fazer uma coisa que você acredita que a tuaconsciência e que o teu coração dizem: vai nessa, que nós vamos vencer.

    Eu me lembro que quando eu chamei o Celso Amorim e, logo depois,convidei o Marco Aurélio para trabalhar como meu Assessor, não faltarampessoas que tentaram criar disputas de que eu tinha um chefe das relaçõesinternacionais e um assessor especial e que, portanto, ia ter um confrontoentre os dois. Saíram matérias, no começo precisou-se explicar, e eu achoque é importante dizer: a relação entre Celso Amorim, que cumpre a funçãoinstitucional de ser Ministro das Relações Exteriores, e a relação com MarcoAurélio, que cumpre uma outra função tão nobre quanto se tivesse o título deministro ou de embaixador, que faz um trabalho que possivelmente qualquerum outro e até eu, teria dificuldade de fazer, porque o Marco Aurélio vem deuma relação com a esquerda da América Latina e a esquerda européia, queeu acredito que poucas pessoas tiveram o prazer de dizer isso em todo otempo em que ele foi secretário de Relações Internacionais do PT. E, paranossa felicidade, muitos companheiros que eram militantes de esquerda nadécada de 80 estão se transformando em governo.

    Então, nós passamos a ter uma relação privilegiada com presidentes ecom ministros que eram militantes, junto conosco, do Foro de São Paulo,tentando encontrar uma saída democrática para a esquerda na América Latina.

    Essa função de assessor especial é uma função que permite, ao mesmotempo, a gente ter uma relação de alto nível com o presidente de um país e,ao mesmo tempo, ter uma relação de alto nível e de confiança com a oposiçãodaquele país, com os sindicatos daquele país, com os grupos indígenas, com

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    o movimento social, porque é uma relação construída ao longo de 15 ou 20anos. Não é uma coisa que aconteceu porque alguém tem um cargo, é umacoisa que aconteceu porque nós temos uma relação.

    Então, eu quero, Celso Amorim, falar isso porque já estamos com 32meses de governo e eu acho que você e o Marco Aurélio deram uma dimensãoextraordinária de que é possível a gente construir não apenas a grandediplomacia brasileira, mas é capaz de fazer mais do que isso, a gente é capazde ir à Bolívia conversar com os presidentes, conversar com os senadores edepois chamar o Evo Morales e conversar com ele com a mesmarespeitabilidade, com o mesmo grau de reconhecimento, e assim vale. Foiisso que permitiu que a gente conseguisse criar o Grupo de Amigos paraajudar a Venezuela, porque ao mesmo tempo que a gente conversava com oChávez, ao mesmo tempo que a gente conversava com a direita na Venezuela,a gente conversava com os setores de esquerda da Venezuela, para quehouvesse essa compreensão.

    O mesmo aconteceu com o Equador, o mesmo aconteceu com o Uruguai,é uma coisa que eu acho extraordinária, essa relação entre vocês dois e apossibilidade de ver a América do Sul numa ascensão de consolidação dademocracia, tal como estamos vivendo hoje.

    A segunda coisa, Celso, que eu acho extremamente importante é –obviamente que os números comerciais não dependem apenas da questãode comércio exterior – eu não acredito em política que a gente não olhe noolho das pessoas, o tocar de mão, o abraço. Eu não acredito que as pessoascomprem o que não vêem, que as pessoas comprem o que não conhecem.E o desafio que eu impus a mim, antes da campanha, durante a campanhae depois de eleito, era de que o Brasil precisava parar de pensar pequeno,o Brasil precisava parar de se achar um país de Terceiro Mundo, coitadinho,que dependia muito da sua relação com os Estados Unidos, que dependiamuito da sua relação com a Europa, que dependia muito se podia ou nãopodia fazer, porque os ricos não gostariam. Nós partimos do pressupostode que respeito é bom, nós gostamos de dar e gostamos de receber e quepara além da nossa relação com os países mais importantes do mundo, tema nossa relação com o nosso povo, a nossa relação com o tipo de naçãoque nós queremos construir, e a nossa relação com os objetivos que nósconstruímos para o futuro deste país. E nós provamos que o Brasil podeser tão respeitado na sua relação internacional quanto qualquer país domundo.

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    Para isso, basta que você se respeite e vocês que vão agora adentrar nadiplomacia brasileira, que vão viajar o mundo representando o Brasil. Umconselho de um Presidente da República, de um sindicalista que passou avida inteira negociando: vocês só serão respeitados se vocês se respeitarem,portanto, nunca abaixem a cabeça numa negociação.

    Toda vez que vocês estiverem vacilando, lembrem-se que vocêsrepresentam um país de 186 milhões de habitantes, que têm aspirações, quetêm desejos e que estão depositando confiança no nossos jovens diplomatas,que estão com entusiasmo, que estão com esperança, que estão com o objetivode fazer este país ser cada vez maior.

    Eu me lembro, porque Celso, o Itamaraty sempre me recebeu. Adiplomacia brasileira sempre me recebeu bem no mundo inteiro, quando eunão era Presidente, quando eu era oposição. Você mesmo me recebeu. Nossosembaixadores no mundo inteiro me receberam com muita fidalguia, com muitadiplomacia. Eu nunca tive nenhum problema nas nossas relações, onde querque seja, fosse eu como dirigente sindical ou eu como candidato da oposição.Hoje como Presidente eu sei que sou melhor cuidado, pelo menos igual.

    Mas de qualquer forma, nós temos que estar convencidos que mudou adiplomacia brasileira. Ela mudou com os mesmos diplomatas, ela mudou comos mesmos profissionais que nós tínhamos antes. E por que ela mudou? Elamudou exatamente porque ela tem uma orientação, ela definiu preferências,ela definiu objetivos. Nós não poderíamos ficar de costas para a América doSul vendo os países com fronteira conosco comprando produtos de outroscontinentes porque nós não temos estradas, porque não temos pontes, porquenão temos aviões, não temos aeroportos, não temos portos.

    Ou nós nos convencemos de que temos que participar desse processode integração, e no dia 9, Celso, estaremos lá no Peru para lançar a pedrafundamental da Rodovia Bioceânica, ou seja, que vai ligar definitivamente...sabe, discurso teórico de mais de um século e meio que motivou Bolívar, quemotivou Martín, que motivou tantos heróis da América Latina, nós vamosconcretizar no dia 9, com o lançamento da pedra fundamental de uma estradaque, a começar do Acre, vai ligar o Brasil ao Oceano Pacífico.

    Nós estamos fazendo, Celso, acho que foi você que me falou, nós estamostentando conduzir, através de uma política de financiamento do BNDES,aquilo que Bolívar tentou fazer com a espada, que outros tentaram fazer coma luta, nós estamos fazendo com política de financiamento, muitas vezescriticada dentro do Brasil de que nós estamos financiando. Nós não estamos

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    financiando, nós estamos exportando serviços brasileiros e o Brasil só tem aganhar com isso, sem que a gente, em algum momento, numa palavra, numgesto, a gente transmita qualquer idéia de que queremos ter hegemonia.

    Eu tenho dito a todos os presidentes: nós queremos ter parceria, nós nãoqueremos ter hegemonia, porque ninguém é líder porque pede para ser líder,ninguém é líder porque tem mais dinheiro, ninguém é líder porque fala maisgrosso ou mais fino. Os líderes surgem quando os liderados o escolhem comolíder e o Brasil quer construir uma parceria forte com a América do Sul sim,porque é um mercado extraordinário, não apenas para o Brasil, mas para odesenvolvimento de cada país da América do Sul, porque não seremos ricosse tivermos nas nossas costas países miseráveis onde persiste a fome, odesemprego e a miséria.

    Depois, a política para a África, eu sei que tem muita gente que nãogosta, ou pelo menos não gostou: “o Brasil deixar ... o Presidente Lula deixarde ir para os Estados Unidos mais uma vez, deixar de ir para Paris mais umavez, deixar de ir para Londres mais uma vez, para ir para a África? Quatorzevezes já foi para a África. Já fui 14 e, se Deus quiser, no ano que vem visitareimais quatro ou cinco países. Não apenas porque nós temos razões de sobrapara visitar a África porque temos dívidas históricas com os africanos, devemosparte do que somos aos africanos, mas porque nós sabemos que aquelaregião do mundo não se desenvolveu porque durante mais de 300 anos nóstiramos de lá a parte mais sadia da população, a parte mais jovem que poderiater contribuído para o desenvolvimento. Ela veio ser escrava no Brasil, nosEstados Unidos, no Haiti, em Cuba e em tantos outros países.

    Portanto, nós temos que visitar a África quantas vezes for necessário. Enão apenas pensando em comércio, porque não se faz relação apenaspensando em comércio, se faz relação pensando em política, se faz relaçãopesando em cultura, se faz relação, sobretudo, não pensando em vendernada, mas pensando em fazer políticas de colaboração e de cooperaçãocom países africanos e com outros países.

    Vai ser assim para a América Latina. Eu me lembro que muita gente nãogostou da nossa relação com o Oriente Médio, mas onde é que estava escritoque a relação preferencial com o Oriente Médio tinha que ser dos EstadosUnidos, tinha que ser da Inglaterra, da França ou da Rússia? Não estavaescrito em lugar nenhum, não tem manual na ONU, não está na Bíblia, nãoestá em lugar nenhum, porque só eles é que podem ter relações e nós nãotemos relações.

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    Assumimos o desafio de fazer uma Cúpula, aqui. Não pensem, algunsdiplomatas sabem, aqui, do Itamaraty, porque sofreram muita pressão paraque ela não existisse. E ela, depois de tudo, depois da má vontade de alguns,a Cúpula se realizou, e o sucesso eu acho que não poderia ser melhor.

    Estamos pensando maior, estamos pensando em fazer uma Cúpula, aNigéria já se ofereceu como território, o Obasanjo, está vindo aí, no dia 6, evamos ver se ele está disposto a bancar uma Cúpula na Nigéria entre Américado Sul e países africanos. E vamos fazer, se Deus quiser, sem que isso diminuaa nossa relação com os Estados Unidos, porque não precisa ser diplomata,formado no Rio Branco, para saber que a nossa relação com os EstadosUnidos tem que ser cuidada com carinho especial pela importância que osEstados Unidos têm no mundo, pela importância do Brasil e pelo potencialdos dois países.

    Da mesma forma com a União Européia. Jamais queremos brigar com aUnião Européia. Nós só queremos dizer para eles: temos o mesmo direitoque vocês. Não somos menores, não queremos ser maiores, mas nós queremosque vocês tornem o comércio mundial mais justo, favorecendo os paísesmais pobres. Fazemos assim com a China. Nós não tivemos nenhum problemade reconhecer a China como economia de mercado. Mas não teremos nenhumproblema em colocar salvaguardas para evitar que os produtos chinesespossam, de forma descontrolada, causar qualquer problema na economiabrasileira.

    É com essa altivez, é de cabeça erguida que vocês irão vencer na vida. Éde cabeça erguida e com altivez que vocês serão os diplomatas que vocêssonharam ser e conquistarão o respeito que vocês precisam e merecem ter,não apenas de nós, brasileiros, do governo brasileiro, mas também dos povosestrangeiros e dos governos estrangeiros.

    Quando vocês estiverem numa Embaixada, como São Tomé e Príncipe,pequena, humilde, e o Brasil tem que ter porque tem muita gente que fala:“não, mas está gastando muito dinheiro com a diplomacia, o governo estáquerendo montar Embaixada em país africano pequenininho.” Puropreconceito, porque quando você visita esses países, a maior Embaixada édos Estados Unidos, ocupa quarteirões e quarteirões. Sabem por quê? Porquetem noção de Nação, tem noção de respeito e sabe que é importante o fincarde uma bandeira num pequeno território de alguns metros quadrados paraestabelecer relação política. E nós ficamos com dó de gastar 5 mil dólares, 6mil dólares, 10 mil dólares. Nós vamos ter que avançar e avançar muito para

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    que o Brasil, definitivamente, a partir da mentalidade da nossa imprensa, apartir da mentalidade do nosso povo, a partir da mentalidade dos nossosdiplomatas, que a gente faça diplomacia sem preconceito, como muitas vezesnós temos em relação a países da América do Sul; sem preconceito como àsvezes temos com relação a países da África. Até porque nós jamais seremosuma grande Nação, se deixarmos prevalecer dentro de nós duas coisas quetornam a alma humana menor, que tornam a consciência medíocre, que são asubordinação e o preconceito.

    Tirem essas duas coisas da cabeça de vocês que certamente vocês serãovencedores, mais do que já foram até agora.

    Meus parabéns, e muito obrigado a vocês.

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    Senhor Presidente, eu não vou fazer uma dissertação sobre políticainternacional porque creio que na sua presença, que é o nosso guia e mentornestes temas, seria pouco apropriado de minha parte. Mas não posso deixar decomparar como o primeiro Chanceler que fui, não dessa vez mas ainda quando oPresidente Itamar Franco me confiou o cargo, como primeiro Chanceler que fuiformado pelo Instituto Rio Branco, – mais uma ressalva não primeiro da carreiraporque outros foram da carreira mas antecederam o Instituto Rio Branco – , nãoposso deixar de comparar o momento de hoje com o momento que vivíamoscerca de 40 anos atrás, 41 anos atrás para ser mais preciso. Hoje o Brasil viveum clima de plena democracia, o Brasil vive um clima em que as instituiçõesfuncionam plenamente, hoje o Brasil vive um clima em que procura se afirmar narealidade internacional sem subordinações, sem dogmas ideológicos de umanatureza ou de outra.

    Senhor Presidente,

    O desafio que hoje existe para os diplomatas brasileiros é muito diferentedaquele que os da minha geração, o Embaixador Samuel entre eles, e oEmbaixador Fernando Reis também, tiveram que enfrentar. Nós naquela épocativemos que nos adaptar a um momento sombrio da história brasileira, um momentoem que as liberdades eram cerceadas, em que a própria política externa sofria

    Discurso do Ministro das Relações Exteriores,Embaixador Celso Amorim

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    de maneira bastante evidente o impacto do obscurantismo. E nós tivemosque procurar, digamos assim nos interstícios da ditadura, formas de poderexpressar de maneira patriótica aquilo que nós achávamos que era o interessenacional. Hoje os formandos encontram uma situação totalmente diversa.Encontram um país democratizado, que luta por afirmar-se no cenáriointernacional, um país que busca transformações sociais de maneira acelerada,e os desafios são portanto muito diferentes.

    Naquela época, 80% das exportações do Brasil eram compostas porcafé. Hoje o Brasil vende aviões, ônibus, serviços sofisticados, continuavendendo café, felizmente, vendendo outros produtos agrícolas também, masdiversificou totalmente a sua pauta. Naquela época, nosso comércio era quaseexclusivamente com os países desenvolvidos, com a Europa e com os EstadosUnidos e um pouco com o Japão. Hoje, se nós tomarmos os sete primeirosmeses do ano de 2005, 52% das nossas exportações se dirigem a países emdesenvolvimento. Isso não é pouca coisa, é uma mudança muito grande.Durante anos e anos o Brasil teve uma postura um pouco amesquinhada nasrelações internacionais, apesar dos esforços de grandes Embaixadores e degrandes Ministros que teve também, mesmo naqueles momentos. Devido asituação interna nós tínhamos hipotecas muito graves, o nosso telhado era umtelhado de vidro, era um telhado de vidro no social, como continua a serapesar dos esforços que têm sido feitos, sobretudo neste governo, mas eratambém um telhado de vidro no político, nos direitos humanos e isso tudodiminuía nossa capacidade de ação internacional. Felizmente com a democracia,com os avanços que fizemos em vários campos, na área industrial, na áreaeconômica, e com os esforços que temos feito na área social para corrigiressa mazela enorme que é a má distribuição de renda de que o Brasil padece– um dos piores índices do mundo –, nós podemos falar hoje de igual paraigual.

    Já disse que não ia entrar nos temas específicos da política externa porquecreio que isso é algo que o Presidente vá se referir de maneira muito maisapropriada do que eu. Mas há algo sim que quero dizer, porque isso dizrespeito, de certa maneira, a nossa auto-estima. Peço desculpas aos membrosda mídia que já me ouviram ontem, não vou repetir tudo o que disse, mas vourepetir uma coisa que disse ontem no Senado Federal a propósito de umapergunta feita por um outro representante da mídia, um correspondenteestrangeiro no Brasil que me fez a seguinte pergunta: “Ministro, porque seráque a política externa brasileira que é tão elogiada, em alguns momentos até

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    objeto de inveja, de comentários positivos no mundo inteiro é as vezescriticada com tanta ferocidade no Brasil? Eu não me atrevi a responder porqueeu não tenho os dotes sociológicos, psicológicos ou antropológicos que mepermitissem