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-- FORMAS DE GESTAO: O DESAFIO DA MUDANÇA *Robert Henry Srour ARTIGOS A mudança organizacional não é um ato indeterminado, mas resultado de um exercício político. The organizational change is not an indetermined act, but a political exercise resulto PALAVRAS·CHAVE: Formas de gestão, relações de poder, ideologias polfticas, ideologias econôtmcss, mu- danças organizacionais. KEYWORDS: Management patterns, power relations, politic ideologies, economic ideologies, business changes. 31 "Doutor em Sociologia pela USP. Diretor Geral da IMS - Serviços Científicos. Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n.4, p. 31-45 Jul./Ago. 1994 --- -- ----

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--FORMAS DE GESTAO:O DESAFIO DA MUDANÇA

*Robert Henry SrourARTIGOS

A mudança organizacional não é um ato indeterminado, mas resultado de umexercício político.

The organizational change is not an indetermined act, but a political exercise resulto

PALAVRAS·CHAVE:Formas de gestão, relações depoder, ideologias polfticas,ideologias econôtmcss, mu-danças organizacionais.

KEYWORDS:Management patterns, powerrelations, politic ideologies,economic ideologies, businesschanges.

31

"Doutor em Sociologia pelaUSP. Diretor Geral da IMS -ServiçosCientíficos.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n.4, p. 31-45 Jul./Ago. 1994

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1. SROUR, R. H. Modos deprodução: elementos daproblemática. Rio de Janeiro:Graal, 1978.

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As empresas, como outras tantas co-letividades - nações ou vilarejos, cidadesou acampamentos de garimpeiros, comu-nas ou aldeias de pescadores, vilas ou ma-locas de índios -, têm necessidade ina-diável de regular suas atividades. Ade-mais, as organizações sociais não são me-ras coleções de indivíduos, mas entidadescom vida e dinâmica próprias, que trans-cendem as consciências e os interessesparticulares de seus membros.

A forma de regular as atividades deuma organização não constitui um exer-cício de livre-arbítrio. Dá-se num campode possibilidades balizadas pelas relaçõesde propriedade, ou melhor, opera segundoa lógica que o sistema de apropriação deexcedentes define.

Entidades baseadas em relações de pro-priedade corporativa - sindicatos, fun-dações, associações profissionais, partidospolíticos totalitários, a Igreja Católica,empresas estatais à maneira soviética,fascista ou nazista - realizam a apropria-ção do sobreproduto (valor excedentegerado) através da intervenção de me-canismos políticos ou simbólicos. As cú-pulas sindicais ou clericais, por exemplo,têm acesso diferencial aos excedentes emfunção das posições hierárquicas ocu-padas. Nessas condições precisas, as for-mas de regular as atividades coletivas (ouo exercício do poder) pro pendem a serautoritárias ou totalitárias, em função detendências imanentes à oligarquização (leide ferro de Michels) e justamente por sercorporativa a propriedade.

Em contrapartida, entidades baseadasem relações de propriedade capitalista -as empresas capitalistas, de propriedadeplena e individual- possuem uma lógicaessencialmente econômica. É válido afir-mar que as empresas capitalistas encon-tram sua razão de ser e seus mecanismosde reprodução na apropriação privada deexcedentes econômicos (por parte dosquotistas ou acionistas) e ordenam cadauma de suas atividades em função dessemotor. Suas formas de regular as ativi-dades tendem a ser autoritárias (monar-quias absolutistas ou presidencialismosautocráticos), embora contemporanea-mente evoluam, sob pressões do ambien-te externo e de seus gestores e traba-lhadores, para formas liberais de exercíciodo poder.

De forma similar,as lógicas que animamentidades cooperativistas, feudais, comu-nais, latifundiárias, patriarcais (pequenapropriedade familiar), patrimoniais, ou asde tipo comunitário (primitivas, gentílicasou anarquistas), são radicalmente diver-sas, uma vez que seu modo de produzirbens ou serviços e seu modo de apropriar-se do sobreproduto são absolutamentedistintos.'

Assim sendo, a regulação de atividadescoletivas, que é uma operação eminente-mente política, não se dá a esmo. Captar alógica que traveja uma organização qual-quer significa abrir o leque das possíveisformas de gestão que são consentâneas aessa lógica. O conceito de forma de gestãopode ser definido como a articulação de re-lações específicas de poder com uma ideo-logiapolíticahegemônica, soba égide deter-minante de relações de propriedade dadas.

Essa ferramenta conceitual parece útilpara a consecução de mudanças orga-nizacionais competentes. Com efeito, seforem utilizadas as mesmas "receitas"para reestruturar empresas estatais eempresas privadas, órgãos públicos daadministração direta e cooperativas, enti-dades religiosas e empresas familiares,associações profissionais e empreen-dimentos de trabalhadores autônomos,sindicatos e empresas transnacionais,organismos internacionais e bolsas devalores etc., os riscos de tornar a inter-venção organizacional inoperante, senãocaótica, são consideráveis. Afinal, nolusco-fusco da noite anunciada, todos osgatos parecem pardos. Contudo, seria obastante para considerá-los como tais?

Entre consultores organizacionais, alembrança das muitas desilusões e dosinúmeros fracassos que resultaram dastentativas de levar a cabo um duradouro"desenvolvimento organizacional" é re-corrente. Citam-se empresas que testamtodas as modas à procura de novas pana-céias; indicam-se empresas que contratamtodos os gurus de plantão, ansiando porcatecismos salvacionistas, e perdem-se devista empresas que treinam seqüencial-mente seu corpo gerencial nos mais "re-centes achados" da literatura adminis-trativa e que, no mais das vezes, colhemhappenings.

Dito de outro modo: prevalece entre nóso costume de misturar dispositivos con-

©1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP/FGV, São Paulo, Brasil.

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FORMAS DE GESTÃO: O DESAFIO DA MUDANÇA

ceituais, tal como se faz com osingredientes de uma salada, sempercepção de suas diversas origensou vinculações teóricas. Daí oempiricísmo míope e as inter-venções organizacionais de "bomsenso". Faz-se da disciplina admi-nistrativa, no mais das vezes, umestuário das mais variadas escolasou correntes da Sociologia e daCiência Política, da Psicologia e daPsicanálise, da Antropologia e daEconomia Política, para não no-mear outras fontes menos nobres.E derrapa-se para o gargalo do sen-so comum ou para o exercício prescritivoda adivinhação.

Como escapar disso? Pela humildadeintelectual em reconhecer que existem"arquiteturas" teóricas diferenciadas,sistemas ou matrizes cujos travejamentossão essencialmente contraditórios. Daí anecessidade de realizar um esforço declarificação da matriz científica e da pos-tura epistemológica utilizadas. Daí o impe-rativo de operar uma verificação das com-patibilidades e das congruências concei-tuais. Por exemplo, no campo das CiênciasSociais, existem, grosso modo, uma abor-dagem weberiana-compreensiva, umaabordagem durkheimiana-positivista euma abordagem marxista-dialética (aindaque várias leituras de Marx possam serfeitas - uma funcionalista-economicista,outra historicista-humanista e outra aindaestruturalista-althusseriana), cujas in-compatibilidades são notórias. Por via deconseqüência, apropriar-se impunementede conceitos específicos a cada matriz oua cada leitura, e baralhá-los sem mais, levaà formulação de discursos cujo cienti-ficismo torna-se discutível.

Entretanto, se o pesquisador não quiseremparedar-se em ortodoxia alguma, cum-pre-lhe pelo menos reconhecer as linhasdemarcatórias que distinguem as matrizesteóricas para, logo em seguida, empenhar-se em definir com rigor os conceitos uti-lizados.Assim, quando empréstimos entrematrizes forem indispensáveis, cabe-lheainda esforçar-se para "descontextualizar"os conceitos e adaptá-los ao dispositivoteórico que adota. Parece vital, portanto,que o pesquisador procure manter con-gruência entre suas diversas ferramentasde trabalho. Arriscadíssimo (como costu-

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ma acontecer) seria operar ao sabor dosencontros e desencontros conceituais, nu-ma postura que apenas a ingenuidade des-culpa, mas que a realidade não perdoa.

Em função dessas constatações, o pre-sente trabalho pretende identificar asformas de gestão das empresas capitalistas(suas possibilidades históricas) a partir deuma matriz histórico-estrutural, cuja baseepistemológica é dialética. Seu intuitoobjetiva instrumentar as mudanças orga-nizacionais que o momento atual impõeàs empresas brasileiras.

POR QUE MUDAR?

Nos anos 90, as empresas brasileiraspassaram a viver um dilema dilacerante:reestruturar-se ou perecer. A razão maisevidente disso remete à "Segunda Aber-tura dos Portos" que está em curso e queestá apanhando boa parte delas em francadesvantagem tecnológica - quer em ter-mos de processo produtivo, quer em ter-mos de gestão administrativa - diante dasempresas estrangeiras multinacionais, in-ternacionais, globais ou transnacionais.?

Mas por que integrar-se ao novo siste-ma mundial competitivo nessas condi-ções? Porque o padrão de desenvolvi-mento (Estado-produtor e substituiçãouniversal de importações), que presidiuao domínio do capitalismo no Brasil apósa Segunda Guerra Mundial, exauriu-se.Calcado na chamada Segunda RevoluçãoIndustrial, de base técnica eletromecânica,o sistema econômico brasileiro está sendoquestionado nas suas entranhas pela Ter-ceira Revolução Científico-Técnica, debase técnica microeletrônica .3

Alavancado pelo Estado que lhe for-

2. BARTLETT, A. C., GHOSHALL,S. Gerenciando empresas noexterior -- a SOlução trens-nacional. São Paulo: MakronBooks, 1992.

3. SANTOS, T. dos. Economiamundial, integração regional edesenvolvimento sustentável.Petrópolis: Vozes, 1993.

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neceu recursos e proteções, o setor privadoda economia brasileira não encontra maisno parceiro de todas as horas senão umaparelho em situação falimentar. Comefeito, o Estado se debate, em desespero,entre o peso do serviço da dívida externae o sorvedouro da dívida interna. E issotudo se vê potencializado pelas empresasestatais que se desgarraram há tempo desuas responsabilidades públicas, numaautonomização burocrática cujas conse-qüências corporativistas jamais poderiamser elididas.

Em outros termos, o capitalismo bra-sileiro configurou-se como cartorial, pro-tecionista e oligopolista. Assumiu as fei-ções clássicas do que poderíamos deno-minar de "capitalismo excludente": umsistema cujo crescimento beneficia par-celas ínfimas da população, enquantomarginaliza de seus benefícios e converteem desvalidos o grosso do restante. Umsistema que confronta, de um lado, uma"elite cidadã" que desfruta efetivamentedaquilo que o conceito pressupõe (direitose acessos plenos à qualidade de vida) e,de outro, uma "massa de súditos", des-tituídos em termos concretos de direitossociais, políticos e, por que não dizê-lo, dedireitos civis. São esses "súditos" os ex-cluídos do Brasil moderno, os que cons-tituem o lado de lá do apartheid social, osque passam ao largo do mercado de con-sumo e do mercado de trabalho formal, ve-getando na economia informal, no desem-prego crônico e no lumpesinato.

Taltipo de capitalismo, que vigorou emmuitas outras partes do planeta até asúltimas décadas, depara-se agora com asnovas tendências do "capitalismo social"que ganha músculos no Primeiro Mundoe cuja configuração prenuncia-se comocompetitiva, integracionista e transna-cional. Um capitalismo que se assentasobre a chamada Terceira RevoluçãoIndustrial, tradução complexa de váriasoutras revoluções: a das novas tecnologias,a da informação e das telecomunicações,a da qualidade, a da produção flexível eenxuta, a da gestão participativa (co-res-ponsabilidade dos gestores e dos traba-lhadores no processo de trabalho), a domarketing e da centralidade do cliente naconformação estratégica das empresas, ada base técnica microeletrônica comautomação e robotização, a da ciência e da

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tecnologia como fontes-chave de geraçãode valor via trabalho mental.

Trata-se de um capitalismo que alteraradicalmente as relações de trabalho,devolvendo aos trabalhadores parte docontrole técnico sobre o processo de pro-dução - apropriação real de seus instru-mentos de trabalho, graças à intensa qua-lificação e à prévia escolarização. Mas,sobretudo, trata-se de um capitalismo queprioriza os stakeholders (contra partes doambiente empresarial) em relação aosshareholders (acionistas, proprietários),acrescentando à lógica do lucro as deter-minações da responsabilidade social ou dafunção ética e social da propriedade. Trata-se, por fim, de um sistema que distribuiparcela expressiva dos excedentes geradospara a população trabalhadora, através deserviços públicos eficientes e acessíveis(salários indiretos) e através da partici-pação nos resultados empresariais. Paratanto, basta lembrar as experiências social-democratas européias (economias sociaisde mercado), ainda que estas estejam seredefinindo para extirparem de seu seioos excessos assistencialistas.

Naturalmente, é preciso salientá-lo, taltransformação estrutural não ocorreu pormera "evolução natural", nem por umacrise de altruísmo que repentinamentetenha assaltado a consciência empresarial.Decorreu de embates políticos e sindicaistravados ao longo de decênios, que con-verteram as relações sociais autoritáriasem relações sociais liberais. A saber: osenfrentamentos sociais facultaram aconstrução de uma cidadania vigilante ede sociedades civis poderosas, capazes deretaliar organizações "selvagens" ousocialmente irresponsáveis.

No Brasil, todavia, o sonho de um capi-talismo nacional autônomo (se não autár-quico), ancorado na substituição das im-portações e estribado no protecionismodas reservas de mercado e nas tarifas adua-neiras proibitivas, revelou-se empirica-mente frágil e economicamente insus-tentável. Não desfrutou, por conseguinte,de uma sociedade civil mobilizada emtorno de uma utopia democrática.

O modelo, aliás, sempre esteve a re-boque da tutela dirigista do Estado. Sofreua pane de seus motores, nos anos 80, como retraimento das fontes de financiamentoexterno - quer das inversões de capitais

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FORMAS DE GESTÃO: O DESAFIO DA MUDANÇA

estrangeiros, quer dos empréstimos -, eameaçou pegar fogo - hiperinflação -com o concomitante esgotamento dos me-canismos de uma moedagem descon-trolada e da taxação perversa do "impostoinflacionário" .

Em conseqüência, a infra-estrutura deapoio para as operações empresariaiscujos investimentos exigem longo tempode maturação (tais como hidrelétricas,malha rodoviária, ferrovias, redes de te-lefonia) e os programas e equipamentossociais de precípua vocação pública (pre-vidência social, obras de sanea-mento básico, segurança e justiça,sistemas educacional e de saúde)degradaram-se de forma crítica,detonando sérias dificuldadesoperacionais para o sistema pro-dutivo.

Nessa esteira, e como se umdique tivesse sido rompido, aefetividade empresarial foi revi-sitada. Saltaram à vista os efeitosnegativos da dependência umbi-lical entre um volume significativode grandes empreendimentosprivados e as inversões públicas. Taislaços, às vezes espúrios, podem ser ras-treados nas décadas de subsídios, perdõesde dívidas, isenções fiscais, financia-mentos a jlITOS preferenciais, controles depreços, tarifas alfandegárias, reservas demercado e larga socialização dos pre-juízos. De maneira que, se forem somadosa esses vetores o empreguismo endêmicoque grassou nas três esferas gover-namentais, o corporativismo das empre-sas estatais e a proverbial ineficiênciados órgãos da administração direta, des-vendaria-se a configuração que assumiuo capitalismo no Brasil.

Um capitalismo cartoríal, sem dúvida,que autoriza a convivência simbióticaentre setores privados e setores estatais(cartórios empresariais) e que ceva outrostantos cartórios corporativos, ainda quesindicais, fontes de abusos particularistase de arroubos populistas. Um capitalismosem risco, atrelado aos interesses pa-trimonialistas das elites e desprovidodos instrumentos indispensáveis paraa competição em mercados abertos. Umsistema econômico que magnificou ahegemonia dos oligopólios e dos cartéis eque se enredou nas malhas de um "Es-

tado-empresário" mastodôntico, cujasburocracias obtiveram uma autonomiapronunciada em relação à sociedade civil.Um capitalismo, em suma, à mercê de umaparelho estatal fortemente interven-cionista e minuciosamente regulamen-tador.

a Estado faliu na segunda metade dosanos 80 e questionou em seu cerne, doponto de vista estrutural, o tipo de capi-talismo implantado no Brasil. Assim é queo tutor, provedor e interventor está hojeexangue.

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o DILEMA DA SOBREVIVÊNCIA

a que resta às empresas brasileiras?Viver sem medo o ponto de inflexão dessenovo período histórico ou definhar e ago-nizar em fogo brando. Vale dizer, mudar aforma de gestão que as ordena ou enfren-tar em absoluta desigualdade de condiçõesa exposição à concorrência externa. Porquea abertura da economia brasileira aomercado internacional é o reconhecimentodo processo de globalização em curso(ainda que se constituam blocos regionaisnuma intrincada estratégia de protecio-nismo negociado). E é também a percepçãoconsciente, por parte de forças hege-mônicas na sociedade civil, que o antigopadrão de desenvolvimento, de caráternacional-populista, tornou-se insusten-tável. Sem aporte de recursos externos ede tecnologia de ponta, o país poderia re-sumir-se a abrigar setores poluidores e apatinar numa economia produtora de ma-térias-primas e de manufaturados de lec-nologia intermediária.

Parece sábio, por via de conseqüência,que as empresas brasileiras procurem de-senvolver um diferencial de competênciaque lhes assegure competitividade inter-

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nacional em determinados nichos. Sem oque, as alternativas que lhes restamseriam: definhar; converter-se em monta-doras de kits importados ou assumir opapel de entrepostos comerciais.

Nessas condições, a sobrevivência dasempresas brasileiras passa por uma in-dispensável reestruturação, isto é, desdelogo, pela inteligibilidade das formas degestão e dos delicados processos da mu-dança organizacional. Não se trata, é claro,de mimetizar, de maneira conformista,padrões organizacionais primeiro-mun-distas, mas de dispor de um quadro dereferência consistente do ponto de vistacientífico e empiricamente fundado, queviabilize reestruturações a um só tempofactíveis e adequadas ao contexto bra-sileiro.

O que não se pode fazer, portanto, su-cumbindo a rompantes bem ao gosto dasimprovisações imediatistas de algunsempresários brasileiros, é montar umFrankenstein de formas de gestão -colocarum motor Fórmula 1,por exemplo,num carro de passeio brasileiro. Ou quererpassar diretamente de uma forma degestão a outra, sem construir as transiçõespertinentes. Porque não se vai impu-nemente de uma forma de gestão ortodoxa(figurativamente, uma repartição pública)para uma forma de gestão reformista (umcentro de pesquisa, por exemplo). Há quese passar, em tese, por formas de gestãointermediárias como a clássica (figura-tivamente, uma loja de departamentos) ea forma de gestão pluralista (uma agênciade publicidade, por exemplo).

Dificilmente as organizações se pres-tam a saltos revolucionários, a não ser que,num curto-circuito simultâneo, sejamtransformadas as relaçõesde propriedade.E a passagem de uma forma de gestão àoutra, no marco das mesmas relações depropriedade, pressupõe um complexoesforço de "construção" de novas relaçõesde poder, conjugadas com novas relaçõesde saber.Trata-sede reformas políticasqueafetam interesses cristalizados e de ino-vações culturais que implodem velhasconvicções, o que não é pouco. Por isso anecessidade não só de planejamentoprofissional da transição, mas de umaestratégia gradual que consolide os ter-renos "conquistados", articule os inte-resses e legitime as inovações. Caso con-

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trário, as transformações podem sofrerinúmeros percalços, resistências subter-râneas e graves sabotagens.

Em outras palavras, cabe partir darealidade presente das empresas (Quaissão nossas reais relações de poder? Qual anossa cultura organizacional modal?) esituar as altas direções diante de um lequede alternativas gestionárias que possamser alcançadas quer num horizonte ime-diato, quer num horizonte mediato. Taisprecauções facultarão uma análise de cus-to/benefício, não só em termos econô-micos, mas também em termos de ima-gem e de viabilizaçãopolíticada passagemde um estado Xpara um estado Y.Deoutraparte, a escolha informada de uma novaforma de gestão deveria assegurar, porprincípio, maior efetividade organiza-cionale, sobretudo, maior competitividadeempresarial.

De sorte que muito ganhariam as em-presas que, bússola na mão, conseguiremrefletir sobre as próprias virtualidades.

A EMPRESA COMO MICROCOSMO SOCIAL

O espaço interno das empresas não éneutro: responde a variadas determi-nações de ordem econômica, política esimbólica.

De fato, ao constituir-se como unidadeprodutiva de bens e serviços, geradora edistribuidora de excedentes econômicos,a empresa atualiza um sistema de apro-priações (relações de propriedade) e ins-creve-se num ambiente externo hostil- o"mercado" - em que muitas contrapar-tes a pressionam (clientes, fornecedores,prestadores de serviços, bancos, sindica-tos, mídia e demais entidades da sociedadecivil, órgãos públicos, concorrentes atuaise novos entrantes, comunidade circun-vizinha).

Ao constituir-se, ao mesmo tempo, co-mo entidade política, tomadora de deci-sões que afetam diversas forças sociais, aempresa abriga simultaneamente umsistema de interesses (relações de poder)e funciona como "arena" em que con-trapartes externas e internas (proprie-tários, gestores e trabalhadores) se chocame alocam diferencialmente o mando e,obviamente, os resultados.

Finalmente, ao constituir-se, de modoconcomitante e inextricável, como agência

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FORMAS DE GESTÃO: O DESAFIO DA MUDANÇA

ideológica, difusora de discursos e mensa-gens, a empresa incorpora um sistema dereferências (relações de saber) e operacomo "palco" em que as contra partes emconfronto sofrem um mútuo processo deinculcação cultural que procura responderàs exigências de adaptação externa e decoesão interna.

As divergências que polarizam os agen-tes organizacionais não podem ser consi-deradas como gratuitas nem podem serreduzidas a idiossincrasias de caráter psi-cológico. São, isso sim, efeitos das posiçõessociais que esses agentes ocupam noespaço empresarial, além de derivaremdos interesses diferenciais que as clivagensda sociedade inclusiva provocam.Quer dizer, toda organização in-corpora inúmeros "recortes" queexistem no espaço social, com suasmúltiplas hierarquias e diferen-ciações: categorias sociais (cole-tividades que se distinguem porestatutos sociais diferenciadosgêneros, raças, ocupações, gera-ções, etnias, origens regionais,preferências sexuais, condições decapacidade etc.) e classes sociais(posições contraditórias na ocu-pação, relação econômica com osmeios de produção).

Isto torna o gerenciamento dosinteresses um fenômeno altamenterelevante para implementar decisões(donde a séria questão da legitimidade) e,sobretudo, converte-o em pedra de toquepara viabilizar mudanças (daí a delicadaquestão da "costura dos interesses").

o mutirão no Brasil rural ou as comu-nidades anarquistas, remetem a formas deprodução comunitárias. E essas formas degestão não são compatíveis com formas deprodução capitalistas, na justa medida emque o sistema de apropriação e de repro-dução da propriedade privada exige al-gum tipo de controle dos processos de tra-balho (necessidade de assegurar e esti-mular a produção de excedentes econô-micos). Em função disso, as formas deprodução capitalistas delimitam o espaçodas alternativas de gestão que lhes são"adequadas" e que só podem ser de tipoheterônomo, enquanto a autogestão éjustamente seu antípoda.'

AS FORMAS DE PRODUÇÃO COMO FATORESDETERMINANTES

É certo que toda forma de gestão cons-titui uma articulação política de relaçõesde poder (mando e obediência), assimcomo toda forma de produção constituiuma articulação econômica de relações deprodução (propriedade e trabalho) e todaforma de pensamento constitui umaarticulação simbólica de relações de saber(inculcação e justificação).

Todavia, entre essas diferentes arti-culações existem compatibilidades e de-terminações estruturais. Por exemplo: for-mas de gestão autogestionárias, à seme-lhança dos coletivos de trabalho que são

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Simetricamente, formas co-gestionárias(gestão paritária entre gestores e traba-lhadores), a exemplo doskibufzimisraelen-ses ou das cooperativas rurais brasileiras,remetem a formas de produção segmen-tárias e não-classistas, também incom-patíveis com as formas de produção ca-pitalistas."

Isto significa que as formas de produçãodemarcam um campo de "possíveis his-tóricos" que não podem ser impunementeultrapassados sem afetar estruturalmenteas relações de propriedade e de trabalhoque as alicerçam.

De outra parte, existem também afi-nidades eletivas entre formas de produçãoe formas de pensamento (ideologias). Atítulo de ilustração: ideologias libertá riasdo tipo anarquista ou socialista (demo-crática) não são compatíveis com empresascapitalistas, assim como não o são as ideo-logias totalitárias do tipo fascista ou co-munista, uma vez que tais ideologias li-

4. GUILHERM. A.. BOURDET,Y.Autogestão: uma mudançaradical. Rio de Janeiro: Zahar,1976.

5. Embora a Alemanha batize sua"democracia industrial" de co-gestão, parece-nos que o rótulosupera a realidade dos fatos -trata-se de um sistema de gestãoparticipativa bastante avançado,mas que não chega a estabeleceruma efetiva paridade entretrabalhadores e gestores. VerSROUR, R. H. Op. cit.

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11~1EARTIGOS

6. TAYLOR, F.W. Princfpios deadministração cientffica. SãoPaulo: Atlas, 1987.

7. SROUR, R. H. Classes, regi-mes, ideologias. São Paulo: Ati-ca,1987.

8. Idem, ibidem.

9. BRAVERMAN, H. Trabalho ecapital monopolista. Rio deJaneiro: Zahar, 1977.

10. BRUNO, L., SACCARDO, C.(coord.). Organização, trabalhoe tecnologia. São Paulo: Atlas,1986.

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bertárias e totalitárias opõem-se frontal-mente e advogam cabalmente (pelo menosem seus textos fundadores) o fim da pro-priedade privada dos meios de produção.Mais adiante procuraremos indicar cone-xões pertinentes entre ideologias (que sãoas gramáticas das culturas organizacio-nais) e formas de gestão.

HETERONOMIA VERSUS AUTONOMIA

Todas as formas de produção classistasimplicam formas de gestão heterônomas,isto é, formas de gestão que asseguram apresença de gestores no controle do pro-cesso de produção. A clássica divisão téc-nica do trabalho taylorista que teoriza anítida separação entre o trabalho de con-cepção e de controle (a cargo de gestores eespecialistas) e o trabalho de execução (acargo de trabalhadores) é emblemáticanesse sentido."

Outra forma de gestão heterônomabastante conhecida, em que os gestores(feitores) são tudo e os trabalhadores ficamreduzidos à força bruta de trabalho, estábem representada na forma de produçãolatifundiária escravista ou na escravidãoindustrial dos campos de concentração depropriedade corporativa.

Há outras heteronomias menos marcan-tes, ainda que efetivas, pelo fato de ostrabalhadores disporem de qualificaçãotécnica e de partilharem o controle doprocesso de trabalho com gestores. Trata-se, por exemplo, das formas latifundiáriasdo colonato e da parceria, e das formasfeudais, além das oficinas artesanais ou da"manufatura capitalista" (forma de pro-dução transitória anterior à Revolução In-dustrial, na qual se instala o processo deparcelamento das tarefas).

A contrapelo, formas autônomas de ges-tão, além das comunidades anarquistas edos mutirões já citados, encontram-se nasformas de produção comunais, partici-pacionistas e patriarcais (pequena produ-ção familiar), assim como nas formascomunitárias?

OS MODOS DE GESTÃO

É possível demarcar quatro modos degestão (conceito genérico que abrangevárias formas de gestão): o totalitário e oautoritário, o liberal e o democrático." Os

dois primeiros remetem a uma matriz de"poder de exceção", enquanto os doisúltimos repousam numa matriz de "poderde direito". Seu âmbito seria tanto ma-croestrutural (nível da sociedade inclu-siva), como microestrutural (nível dasorganizações concretas).

No caso das relações de propriedadecapitalistas, dois modos de gestão apenassão compatíveis com elas, uma vez que nãose chocam com suas exigências estruturaisde controle privado do trabalho assala-riado (trabalhadores livres destituídos demeios de produção). São eles: o modo degestão autoritário (amplamente dominan-te) e o modo de gestão liberal, bastantevisível em empresas de serviços.

O modo de gestão autoritário articula-se com a base técnica da Primeira e daSegunda Revolução Industrial, em que amaquinofatura substitui o trabalho braçalpela máquina, mas o faz convertendo aforça de trabalho em prolongamento dasmáquinas-ferramenta, num processa-mento parcelado e rotineiro." O modo degestão liberal emparelha-se com a TerceiraRevolução Industrial, em que as tarefasmanuais repetitivas são substituídas porautômatos e as rotinas de cálculo são sim-plificadas pelo uso de equipamentos in-formatizados, de sorte que a força de tra-balho fica liberada para funções de con-cepção e criação,'? o que exige dela qua-lificação técnica e participação em equipesmultifuncionais. Em contrapartida, o de-semprego estrutural a atinge, apontandodialeticamente para as possibilidades daconquista de menores jornadas de trabalhoe para o desfrute de mais lazer.

Por sua vez, o modo de gestão totalitárioparece ter tido sucesso com a base técnicamecânica e eletromecânica (Primeira eSegunda Revolução Industrial), e não sedispõe ainda de casos históricos de suacompatibilidade com a Terceira RevoluçãoIndustrial. Ele opera, assim como o modode gestão democrático, num campo de-marcado por relações econômicas que nãosão capitalistas ou o são subsidiariamente.

De fato, o modo de gestão totalitário seinscreve, de maneira típica, no bojo deeconomias de comando, em que o Estadoliquida o mercado e se apropria de formamonopólica dos meios de produção ma-terial e de serviços (contemporaneamente,atualiza relações de propriedade esta-

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FORMAS DE GESTÃO: O DESAFIO DA MUDANÇA

tistas-corporativistas). Em contraposição,o modo de gestão democrático convivecom economias de mercado que abrigamformas plurais de propriedade: proprie-dade capitalista, cooperativista, pública,comunitária, patriarcal, comunal etc. Temcondições de manter o mercadotutelado (socialismo de mer-cado, nacional-desenvolvimen-tismo), em que o Estado dispõede um forte arsenal de orga-nismos e de mecanismos deintervenção sobre o mercado,ou ainda pode, seglUldo as tesesanarquistas, regular as trocaseconômicas através de um pac-to federativo entre comuni-dades livres.

o poder de exceção e com a matriz au-toritária de pensamento político; o modode produção "capitalista social" e o modode produção cooperativista afinam-se como poder de direito e com a matriz libertá riade pensamento político" (ver quadro 1).

de direito capitalista socialcooperativista

Embora os conceitos de modos e formasde gestão sejam conceitos de cunhopolítico, imbricam-se neles as ideologiaspolíticas e as ideologias econômicas, comose fossem verdadeiras argam,!ssas. Ouseja, a dimensão simbólica apresenta-secomo indissociável dasoperações de gestão.

Ademais, o corpo teó-rico aqui utilizado fundasua pertinência nos pro-cessos histórico-sociaisem curso no mundo con-temporâneo. Vale dizer, ti

história atual fornece amatéria-prima cujas regu-laridades são processadasa partir de um dispositivoteórico aplicável a todas associedades humanas, masque, no caso, está se res-tringindo à especificida-de dos sistemas mundiaiscapitalistas e socialista-estatista. Donde o apeloaos ideários contempo-râneos, em íntima conexão com as formasde exercício do poder (regimes políticos)incidentes no período. Procura-se assimsaturar os conceitos historicamente, semdesembocar em generalizações que algunspoucos "casos" ofereceriam, de formaimpressio nis La.

Tal démarche permite captar homolo-gias estruturais: por exemplo, o modo deprodução "capitalista excludente" e omodo de produção corporativista (socia-lista-estatista ou fascista) afinam-se com

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De outro lado, modos de gestão, formasde gestão, ideologias políticas e eco-nômicas, e concepções de economia (pelomenos no Brasil) estabelecem vinculaçõeseletivas que o quadro 2 pretende retratar.

É interessante notar que as ideologias

econômicas podem ser agrupadas e cin-didas em duas matrizes de pensamentoeconômico: uma matriz dirigista (esta-tismo-corporativista, socialismo de merca-do, nacional-desenvolvimentismo, pactoentre comunidades livres federadas) e umamatriz liberal (neoliberalismo e social-liberalismo). Enquanto a primeira con-verte o Estado (ou o pacto comunitário)em demiurgo, a segunda supõe a reduçãoda presença do Estado na economia eabomina intervencionismos que violen-

11. SROUR, R. H. Princípios deadministração ... Op. cit.

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ARTIGOS

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tem o mercado e o normalizem em excesso.Agora, em nível microcstrutural, parece

lícito fornecer algumas ilustrações em-píricas de uma tipologia política das or-ganizações. Por exemplo: organizaçõestotalitárias encontram-se nas penitenciá-rias, nos manicômios, nos orfanatos, nosreformatórios, nos conventos, nos inter-natos, nas praças de guerra, nos camposde trabalho forçado e nas seitas religiosasmilenaristas.

Ilustrações de organizações autoritá-rias encontram-se nos canteiros de obras,nas empresas mineradoras, na maior partedos órgãos públicos e das empresas es-tatais e das empresas privadas brasileiras.

Ilustrações de organizações liberaisencontram-se em agências de publicidadee nos meios de comunicação, em escri-tórios de advocacia e em associações pro-fissionais não burocratizadas, em em-presas de consultoria e de informática, emcentros universitários e de pesquisa.

vale salientar que cada forma de gestão sedesdobra em vertentes ou modalidades. Onível de "saturação histórica" ou de con-cretude ganha desta maneira ampla den-sidade.

Retomando os passos, diríamos: o con-ceito mais abrangente é o de modo de ges-tão; em cada modo de gestão coexistemalgumas formas de gestão que, por suavez, abrigam modalidades de gestão. Estasúltimas atualizam-se concretamente emempresas reais que apresentam uma con-figuração modal, ainda que possam in-tegrar, de maneira bastante complexa, umamultiplicidade de formas e de modali-dades de gestão. Isto ocorre em função davariedade estrutural de seus setores com-ponentes, dos tipos de tecnologia empre-gados e da formação profissional dos tra-balhadores e gestores que nelas estão en-gajados.

Cada forma de gestão debulha moda-lidades históricas de gestão, uma vez que

expressa as características pecu-liares das sociedades em que seinsere. No caso brasileiro, porexemplo, poderíamos falar ten-tativamcnto de modalidades au-tocrática, "feud al izad a" e res-tauradora (na forma de gestãoortodoxa) e em modalidades pa-ternalista, oligárquica e renova-dora (na forma de gestão clássica).

Isto nos faculta navegar domais abstrato ao mais concreto,sem dogmatismo e sem relati-vismo exacerbado. Mais ainda,permite-nos transitar dos con-

ceitos abstratos e gerais (modos) aosconceitos de menor envergadura, abstratose específicos (formas e modalidades degestão). Para desembocarmos, finalmente,em conceitos singulares que nomeiam oempírico. Por exemplo, na caracterizaçãodas particularidades de empresas con-cretas, tais como a Rhodia brasileira, aPetrobrás, a Belgo-Mineira, o Banco doBrasil, a Gessy Lever, ou a Volvo em Kal-mar, ou ainda a Microsoft Corporation ea Xerox nos EUA.

Longe de qualquer empiricismo, istonos permite cultivar a flexibilidade con-ceitual - no nível das configurações his-tórico-concretas - investindo no real odispositivo teórico que é explicativo efundante.

Ilustrações de organizações demo-cráticas encontram-se em movimentossociais, cooperativas de trabalho, blocosde carnaval, comunidades rurais, mu-tirões, bem como nas chamadas orga-nizações alternativas em que os coleti-vos incorporam praticamente a funçãogestora.

Assim, cada modo de gestão ou regimepolítico e, dentro dele, cada forma de ges-tão, constitui uma articulação de relaçõesde poder com relações de saber, articulaçãoesta que se vê sobredeterrninada por umalógica econômica que lhe confere forteconsistência interna, tanto do ponto devista teórico quanto em termos de me-canismos de reprodução. Além do mais, epara não incorrermos em simplificações,

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o EMPENHO EM MUDAR

FORMAS DE GESTÃO: O DESAFIO DA MUDANÇA

A forma de gestão não se con-funde ou coincide necessaria-men te com o discurso da alta di-reção' nem se reduz a uma merageneralização empírica de alguns"casos" investigados. Trata-se deum conceito com adequado graude abstração, mas também comampla saturação histórica. Sem ele,corre-se o risco de derrapar na pe-numbra, tomando sombras porrealidades.

Afinal, quantos programas demudanças organizacionais dormi-tam o sono dos justos nas gavetas das dire-torias? Alguns porque propõem projetosque afetam a "coalizão dominante", fian-do-se ao pé da letra na retórica partici-pacionista dos altos gestores. E, neste caso,acabam ilustrando sem querer ou semsaber, o velho descompasso entre o "paísformal" e o "país real", ou a defasagementre o fraseado up-io-daie e a realidadepalpável do jogo dos interesses. Outrosprogramas falham porque acreditam nasvirtudes das boas intenções (tecnocráticas)e não administram as resistências sor-rateiras daqueles agentes que as mudançasafetam. Alguns últimos, por fim, não che-gam a termo por não perceberem que asmudanças, não obstante tenham um con-teúdo intrínseco louvável, não guardamcongruência com a forma de gestão vi-gente. Pagam tributo ao clássico paradoxodas conseqüências, em que as própriasmudanças criam novas disfunções que aspõem a perder. Basta citar o exemplo demuitos processos de qualidade, intem-pestivamente introduzidos em empresascujas formas de gestão são verticalistas eautoritárias, e que acabam gerando dis-sonância cognitiva e inúmeros efeitoscolaterais. Ficam então responsabilizados,a título de bodes expiatórios, a "culturabrasileira" ou o "caráter" esperto e nega-tivista dos brasileiros ...

Agora - e por mero exercício especu-lativo -, imaginemos que uma direçãoautocrática prelenda implantar, por de-creto, uma estratégia incompatível com aforma de gestão em vigor, o que teremos?Muito provavelmente uma crise ao estilosoviético. Porque querer obter dos funcio-nários, por exemplo, capacidade criativa

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em ambiente politicamente fechado, semo oxigênio libertário da polêmica e dascríticas, sem o cultivo das diferenças ou oreconhecimento de sua legitimidade, é so-nhar acordado. Como alcançar altos Ín-dices de produtividade e de desempenhono manejo das novas tecnologias, com umpessoal que não dispõe de adequadaescolarização, padece do medo de errar,curva-se em seu conformismo e recolhe-se na sua passividade de espectador? Ofuncionário que não se percebe nem agecomo parte integrante da organização nãopode trazer contribuições que transcen-dam o cumprimento das próprias rotinas.Ora, as novas tecnologias demandam, emprimeira mão, alteração radical do layoutda produção, capacitação profissional,assunção de riscos, iniciativa do pessoaldebaixo e trabalho realizado por equipessemi-autônomas ou, pelos menos, portrabalhadores autonomizados ("profis-sionais") .

De maneira que a utilidade de uma aná-lise científica das várias formas de gestão,no contexto da empresa capitalista, começaresidindo na vantagem de desmistificar osdiscursos prescritivos e doutrinários quefazem as delícias das publicações especia-lizadas do managemeni. Prossegue abrin-do um caminho prático para intervençõesorganizacionais competentes. Porque cui-da de estabelecer os liames "orgânicos"entre o tipo específico de propriedade e asrespectivas relações de poder e de saber.

AS FORMAS DE GESTÃO CAPITALISTAS

Muitos vetores estruturais caracterizame diferenciam cada forma de gestão. Nos

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i1~lÉARTIGOS

estreitos limites desse artigo, não caberiafazer uma análise exaustiva de cada umdeles, nem desenvolver uma fundamen-tação teórica e empírica de sua pertinên-cia. De maneira que serão citados, a títu-

pluralista líberal liberal aqência.de desfilepiJbliCicdade carnavalesco

(banda de "jazz) ,

reformista libera! social- centro de 'passeatademocrata pesqulsa (roda de

samba)

lo de pistas, os vetores principais e seuscaracteres diferencia dores, tão somentepara as formas de gestão detectadas emempresas capitalistas (forma de ges-tão ortodoxa, clássica, pluralista e refor-mista):

• os tipos de relações sociais que se es-tabelecem no seio das organizações: re-lações de dependência ou de inter-dependência;

• os modos de exercitar o poder, se au-toritário ou liberal, e das formas que as-sumem: imperativo, delegatório, con-sultivo, deliberativo;

• as formas de mando que gestores ado-tam nos processos de trabalho: dire-tividade ampla, diretividade restrita,partilha restrita, partilha ampla;

• as formas que assumem os processos detomada de decisão: centralizada, des-concentrada, descentralizada, multi-lateral;

• as diferentes filosofias de pessoal: en-quadramento, transigência, entendi-mento, parceria;

• as diferentes concepções dos conflitos,tratando-os como: eventos indesejáveis,desvios à normalidade, eventos nor-mais, processos úteis;

• o tipo predominante de divisão técnica

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do trabalho: parcelamento de tarefas,linha de montagem, células de pro-dução, equipes semi-autônomas;

• a filosofia de gestão: produtivista, con-cessiva, integradora, participativa;

• o sistema de avaliação de desempenho,priorizando: a dedicação, a adaptação,a qualificação, a competência;

• o sistema de controle: por pressões eameaças, por ciclotimias e sanções, pordesafios e incentivos, por emulação co-letiva;

• o sistema de comunicação configurado:em linha, em estrela, em roda, em rede.

A título de ilustração, e no intuito deproduzir nos leitores algum tipo de insight,compararemos agora, no quadro 3, asformas de gestão capitalistas visíveis nocenário brasileiro com: os regimes políticose as ideologias políticas com os quais elasmantêm maiores afinidades eletivas; asmetáforas sobre seus formatos emble-máticos e os rituais com os quais mais elasse assemelham.

A rigidez da repartição pública e da pa-rada militar, fortemente hierarquizadas eamplamente verticalistas em seus sistemasde poder, produz "peças musicais" sofrí-veis que a fanfarra marcial ilustra. O bomsenso e o equilíbrio da loja de departa-mentos e da procissão religiosa, mode-radamente autoritárias, produzem uma"sonoridade" particularmente afinada, àsemelhança da orquestra sinfônica cujosinstrumentistas tocam pautados pelaspartituras e pela batuta do maestro. Ambasas metáforas pertencem ao modo deprodução que denominamos "capitalistaexcludente" .

Em contrapartida, a maleabilidade li-beral da agência de publicidade e do desfi-le carnavalesco, com suas iniciativas pró-prias e com o envolvimento espontâneo deseus integrantes, lembra a flexibilidade dabanda de jazz e a riqueza das improvi-sações que seus músicos realizam em tornode um tema musical. Isto é ainda maispronunciado na versatilidade do centrode pesquisa ou da passeata, em que arelativa autonomia dos componentes es-triba o trabalho de equipe, Esse formatoencontra exemplo à altura na roda desamba, com sua excepcional criatividadee sua polivalência no manejo dos ins-trrunentos. Ambas as metáforas remetem

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ao modo de produção que denomina-mos "capitalista social".

SERIA A CULTURA BRASILEIRA UMEMPECILHO PARA A COMPETITIVIDADE?

Uma indagação de grande. pertinêncianos remete, finalmente, a uma desa-gradável constatação: por que as aplica-ções das best practices (Just-in- Time, ZeroDefect, CCQ, TQC, kanban, kaisen, Admi-nistração por Diretrizes etc.) têm sofridopercalços no Brasil, quando não fracas-sos? Estaria a cultura local, à socapa, mi-nando ou inviabilizando a introdução detais técnicas ou sistemas? Se essa últimahipótese fosse verdadeira, toda rees-truturação organizacionalestaria fadada ao de-sastre.

Um encami-nhamento al-ternativo con-sistiria em pro-curar possíveisincompatibili-dades entre cer-tas best practicese dadas formas emodalidades degestão, tendo emvista a especi-ficidade históri-ca da sociedadebrasileira. Pois,embora as formasde gestão capi-talistas sejam uni-versais, suas moda-lidades assumem feições peculiaressegundo os países. Não se pode negar, defato, que o capitalismo periférico bra-sileiro, com seus caracteres cartoriais,protecionistas e oligopolistas, imprime atodas as organizações suas marcas in-deléveis. Mas poderia ele condenar aabsorção de tecnologias ou a adoção deformas de gestão já testadas no PrimeiroMundo? De modo algum. Se assim fosse,o Brasilnão teria realizado uma RevoluçãoIndustrial em 40 anos.

Por isso mesmo, aliás, parece lícito in-verter a indagação e apreender as com-patibilidades entre as formas de gestão emvigor no país e as exigências postas pordeterminadas práticas importadas. Poder-

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se-ia então descobrir o que caberia re-definir para que as mudanças fossem ope-rantes.

Com efeito, nem o peso das relaçõespessoais (parentesco, compadrio, vizi-nhança, amizade, coleguismo) que setraduzem organizacionalmente em redesinformais de poder; nem a falta de as-sertividade nas relações interpessoais,aliada a tendências em simular a evitaçãode conflitos e confrontos; nem o perso-nalismo e a forte preocupação em controlara incerteza, com suas implicações sobre ossubordinados (conformismo, dificuldadeem assumir riscos com a conseqüentetransferência de responsabilidades, nega-tivismo); nem a diferenciação hierar-

quizadora entre "gente dis-tinta" (os agentes per-

tencentes às ca-tegorias sociaisprivilegiadas) e"gente simples"(os pés-rapado,os joões-ninguémque participamdo mundo subal-terno dos discri-minados); nem ojeito afetuoso, ín-timo, descontraí-do, amável, ale-gre de relacionar-se; nem o desres-peito às normasuniversais na pro-cura ansiosa deum tratamento

personalizado (ofamoso jeitinho); e nem mesmo as práticas"espertas" inspiradas por uma ética dooportunismo convertem-se substantiva-mente, como todo o resto, em fatores im-peditivos para a instalação de altos pa-drões de eficiência e de produtividade.Quando muito, esses fatores impõem li-mitações, requerem cuidados e coibições,exigem adaptações.

Porém, a inexistência de cidadania noseio das empresas, com todas as suasseqüelas de impedimentos que amor-daçam iniciativas e criatividade, queesterilizam em boa medida as possibi-lidades de perceber-se como parte in-tegrante da empresa, isso sim constituisério empecilho para a consecução de

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l1~lEARTIGOS

12. WELLlNS, R. S., BYHAM, W.C., WILSON, J. M. Empoweredteam. San Francisco: Jossey-Bass, 1991.

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práticas gestionárias mais avançadas.Talóbice,contudo, remete à questão das

formas de gestão, e não genericamente à"cultura brasileira". Afinal, a questão quenos ocupa diz respeito às formas deregular atividades em empresas queoperam tanto no mercado formal de tra-balho como no âmbito da legalidade ins-titucional, empresas que se pretendemracionalmente capitalistas ou, pelo menos,que deverão tender a sê-lose não quiseremdeperecer.

No Brasil, o fato de as tecnologias deprodução em uso serem ainda predo-minantemente de produção em massa, emcontraste com tecnologias de produçãoflexível e de alto valor agregado, faz comque os controles sobre a força de trabalhoassumam caráter político. Temos estra-tégias de "disciplinamento" da força detrabalho e não de "consentimento", aexemplo do que acontece nas formas degestão liberais em que o controle, ao serinternalizado pelos agentes sociais, seprocessa simbolicamente. De modo que omecanismo de reprodução organizacionalque detém a supremacia, no Brasil, é maiscoator (poder e legalidade) do que persua-sivo (saber e legitimidade).

De modo contrastante, a problemáticasimbólico-culturaltão em evidênciano Pri-meiro Mundo faz sentido naquele con-texto, à medida que o modo de organizaros processos produtivos tende a não maisser o de privilegiar a repetição rotineira, oparcelamento simplificador e o trabalhopadronizado. Neste quadro, os trabalha-dores são capacitados para a polivalênciae a multifuncionalidade, respondem porum segmento da produção ou por umproduto por inteiro, além de serem ava-liados por resultados não só individuais,mas sobretudo coletivos. Em suma, osexecutantes compõem equipes semi-autônomas que incorporam muitos dosatuais micropoderes gerenciais, o que lhesconfere autoridade política e "posse"sobre seu próprio processo de trabalhotempotoermenti.v- Isso exige da força detrabalho, é claro, mais qualificação técnicae maior nível de responsabilidade. Eis aconfiguração característica do processode produção da Terceira Revolução In-dustrial, que vai, aos poucos, dissemi-nando-se.

No Brasil, todavia, a força de trabalho

ainda é abundante, desqualificada e inter-cambiável ("descartável") e os processostécnicos filiam-se à Segunda RevoluçãoIndustrial, no velho ramerrão alienante detipo taylorista-fordista.

São esses os fundamentos econômicosdo domínio do "político" nas formas degestão brasileiras (ortodoxa e clássica),decorte autoritário, ao invés do "simbólico"que predomina nas formas de gestão li-berais (pluralista e reformista), em ascen-são no Primeiro Mundo.

Assim, por ser autoritária, discrimi-natória, envergonhadamente racista, pa-triarcal, hierarquizada, centralizadora,predatória e desperdiçadora, além detecnologicamente "atrasada", a sociedadebrasileira repercute nas organizações quetendem a reproduzi-la capilarmente. Nempor isso, todavia, o desafio da implantaçãode formas de gestão mais competitivastorna-se insuperável.

Paradoxo? Absolutamente não, porquenem mesmo a doutrina católica tradicionalque santifica a pobreza e estigmatiza olucro, colocando de certa forma a acu-mulação de riquezas no índex - em con-traste com a doutrina calvinista da pre-destinação (decretum horribile) que sa-craliza as virtudes da diligência, da pou-pança e do enriquecimento -, nem mesmoesse catolicismo constituiu no passado econstitui hoje barreira intransponível. Osucesso da França e da Itália católicas ates-tam com brilhantismo a viabilidade doprojeto de criação de um "capitalismo so-cial", no bojo de uma Terceira RevoluçãoIndustrial, a despeito de quaisquer pa-drões culturais latinos.

Até no Brasil imperial do latifúndioescravista, quando o trabalho era aviltantee mais se prezava o ócio do que o negócio,uma releitura das formas de gestão foi feitanas casas comissárias (comercializadorasdo cafédo Valedo Paraíba) e nas chamadas"fábricas nacionais" que usufruíram, noséculo XIX,da isenção de tarifas para aimportação de matérias-primas para seuconsumo. E isso para não falarmos dossurtos industrializantes posteriores (Pri-meira Guerra Mundial, década de 30)e doarranque decisivo da grande indústria nasegunda metade do século XX. De fato, ocontrole da força de trabalho deixou deestar nas mãos dos velhos feitores tota-litários dos engenhos de açl\car para ficar

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FORMAS DE GESTÃO: O DESAFIO DA MUDANÇA

a cargo de gestores que eramchefes autoritários.

Isso permite lançar luz sobreum fato notável e já consagrado:as organizações são coletividadesque têm padrões próprios e sãomovidas por estímulos que con-seguem, em certa medida, autono-mizá-las em relação à sociedadeinclusiva. Sem ter-se clareza quan-to a isso, não é possível explicar aextraordinária variedade de orga-nizações existentes no Brasil: aIgreja Católica e os dois partidoscomunistas, as comunidades rurais anar-quistas e as organizações tradicionalistascorno a TFP (Tradição, Família e Proprie-dade) e o movimento monarquista (Casade Vassouras), as tendas de umbanda e osterreiros de candomblé, os movimentossociais defensores da ecologia, das mu-lheres, dos negros, dos homossexuais, dosmenores de rua ou dos idosos, as asso-ciações profissionais e as sociedades debairro, os clubes de serviço e os blocos decarnaval, as diferentes centrais sindicais eos sindicatos de orientação pelega, reivin-dicadora ou "combativa", as empresasestatais "de ponta" e as que não passamde modorrentas repartições públicas, oscentros de pesquisa avançada e as peni-tenciárias totalitárias, as lojas maçônicas eas cooperativas de consumo, as bancas dejogo do bicho e o Comando Vermelho, osclubes de futebol de várzea e os esqua-drões de extermínio, os centros espíritas eas seitas pentecostalistas, as gangues decarecas neonazistas e as "galeras" defunkeiros suburbanos, as quadrilhas detraficantes de droga e as escolas de samba,as produtoras de vídeo e as agências depublicidade premiadas internacional-mente, as organizações alternativas e ascomunidades eclesiais de base, as SantasCasas da Misericórdia e a multidão deempresas autoritárias e paternalistas, eassim por diante.

O Brasil dispõe, sim, de uma miríaderiquíssima de organizações que atualizampraticamente todos os "possíveis his-tóricos" contemporâneos e que atestamempiricamente a plasticidade das formasde gestão.

Vale a pena então questionar as in-suficiências do raciocinio circular, de cu-nho eminentemente ideológico, proje-

tando para as calendas gregas a obtençãode padrões superiores de desempenho nasempresas brasileiras: expectativa que sóserá satisfeita se o "povo for educado" ouse for extirpada a "sem-vergonhice" dosbrasileiros. Pois tal raciocínio não fere aquestão central e que diz respeito ao con-trole das condições ambientais. Afinal,quem não se espanta com o compor-tamento ordeiro dos usuários do metrô deSão Paulo, ao saber que esses mesmosusuários, instantes antes de embarcar,baldearam de uma estação de trens su-burbanos, com vidros quebrados, "surfis-tas" suicidas no teto e pingentes, portasque não fecham, lixo no chão e compo-sições pichadas com sprays coloridos? Ouseja: o que importa não é tão somente a"educação do povo", mas, isso sim, a for-ma como se gerencia o transporte, o con-trole das condições ambientais; afinal, osagentes sociais respondem aos estímulose aos condicionamentos do ambiente emque se movem. Se tratados como gado,"mugem"; se tratados como cidadãos,agem com responsabilidade.

Em suma, as urgências que as empresasbrasileiras sofrem são de ordem organi-zacional. Apontam para a necessidade dedebruçar-se sobre um instrumental quepermita incorporar, criativamente, as ex-periências que foram bem-sucedidas noscentros dinâmicos do capitalismo mun-dial. E ensinam que a chave de decifraçãodas dificuldades para realizar mudançasé menos cultural do que política, emboraa dimensão cultural deva ser ampla ecompetentemente administrada. Pois,desde logo, cumpre mudar as formas degestão que inibem as empresas a compe-tir de forma inovadora no mercado pla-netário. O

Artigo recebido pela Redação da RAE em outubro/93, avaliado e aprovado para publicação em março/94. 45