formalizando a noção de "poucos" via tableaux

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Revista Eletrônica de Filosofia Philosophy Eletronic Journal ISSN 1809-8428 São Paulo: Centro de Estudos de Pragmatismo Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Disponível em http://www.pucsp.br/pragmatismo Vol. 9, nº. 2, julho-dezembro, 2012, p. 149-160 FORMALIZANDO A NOÇÃO DE 'POUCOS' VIA TABLEAUX Ana Claudia de Jesus Golzio Universidade Estadual de Campinas Campinas SP - Brasil [email protected] Resumo: Feitosa, Nascimento e Grácio (2009) no artigo intitulado “Algebraic elements for the notions of ‘many’” introduziram uma lógica proposicional para “muitos”, que é uma lógica proposicional com um operador modal para formalizar a noção de “muitos” no campo proposicional. De modo similar, este trabalho apresenta uma lógica proposicional para “poucos” que, como o nome sugere, busca formalizar a noção de “poucos” também no campo proposicional. Embora reconheçamos uma dualidade entre “muitos” e “poucos”, a abordagem do termo “poucos” feita aqui será uma adaptação não dual à abordagem de Feitosa, Nascimento e Grácio (2009) para o termo “muitos”. Ademais a lógica proposicional para “poucos” será apresentada aqui em um sistema de tableaux, que é, neste caso, um método dedutivo mais eficiente do que o método hilbertiano usualmente utilizado para a apresentação de sistemas lógicos. Palavras-chave: Lógica proposicional para “poucos”. Sistema de Tableaux. Quantificadores. FORMALIZING THE NOTION OF 'FEW' VIA TABLEAUX Abstract: Feitosa, Nascimento and Grácio (2009) in their article entitled “Algebraic elements for the notions of ‘many’” introduced a propositional logic for “many”, which is a propositional logic with a modal operator to formalize the notion of “many” inside the propositional context. In a similar way, this work introduces a propositional logic for “few” that, as the name suggests, intends to formalize the notion of “few” also in the propositional context. Although we recognize a duality between “many” and “few”, the approach to the term “few”, that will be made here, is not an adaptation of the dual approach given by Feitosa, Nascimento and Grácio (2009) for the term “many”. Moreover, to propositional logic, "few" will be presented here in a tableaux system that, in this case, is a deductive method more efficient than the Hilbert method usually utilized for the presentation of logical systems. Key-words: Propositional logic for "few". Tableaux system. Quantifiers. * * * Introdução O estudo de sentenças envolvendo algum tipo de quantificador, como por exemplo, a sentença, “toda planta de folhas largas perde as suas folhas” já despertava o interesse do filósofo grego Aristóteles [384 a.C. - 322 a.C.], entretanto, historicamente, uma teoria formal da quantificação, isto é, uma teoria utilizando linguagens artificiais, só teve origem com Gottlob Frege [1848 - 1925] em sua obra

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Formalização da noção de "poucos" por meio de sistemas de tableaux.

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  • Revista Eletrnica de Filosofia Philosophy Eletronic Journal

    ISSN 1809-8428 So Paulo: Centro de Estudos de Pragmatismo Programa de Estudos Ps-Graduados em Filosofia Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo Disponvel em http://www.pucsp.br/pragmatismo Vol. 9, n. 2, julho-dezembro, 2012, p. 149-160

    FORMALIZANDO A NOO DE 'POUCOS' VIA TABLEAUX

    Ana Claudia de Jesus Golzio Universidade Estadual de Campinas Campinas SP - Brasil [email protected]

    Resumo: Feitosa, Nascimento e Grcio (2009) no artigo intitulado Algebraic elements for the notions of many introduziram uma lgica proposicional para muitos, que uma lgica proposicional com um operador modal para formalizar a noo de muitos no campo proposicional. De modo similar, este trabalho apresenta uma lgica proposicional para poucos que, como o nome sugere, busca formalizar a noo de poucos tambm no campo proposicional. Embora reconheamos uma dualidade entre muitos e poucos, a abordagem do termo poucos feita aqui ser uma adaptao no dual abordagem de Feitosa, Nascimento e Grcio (2009) para o termo muitos. Ademais a lgica proposicional para poucos ser apresentada aqui em um sistema de tableaux, que , neste caso, um mtodo dedutivo mais eficiente do que o mtodo hilbertiano usualmente utilizado para a apresentao de sistemas lgicos.

    Palavras-chave: Lgica proposicional para poucos. Sistema de Tableaux. Quantificadores.

    FORMALIZING THE NOTION OF 'FEW' VIA TABLEAUX

    Abstract: Feitosa, Nascimento and Grcio (2009) in their article entitled Algebraic elements for the notions of many introduced a propositional logic for many, which is a propositional logic with a modal operator to formalize the notion of many inside the propositional context. In a similar way, this work introduces a propositional logic for few that, as the name suggests, intends to formalize the notion of few also in the propositional context. Although we recognize a duality between many and few, the approach to the term few, that will be made here, is not an adaptation of the dual approach given by Feitosa, Nascimento and Grcio (2009) for the term many. Moreover, to propositional logic, "few" will be presented here in a tableaux system that, in this case, is a deductive method more efficient than the Hilbert method usually utilized for the presentation of logical systems.

    Key-words: Propositional logic for "few". Tableaux system. Quantifiers.

    * * *

    Introduo

    O estudo de sentenas envolvendo algum tipo de quantificador, como por exemplo, a sentena, toda planta de folhas largas perde as suas folhas j despertava o interesse do filsofo grego Aristteles [384 a.C. - 322 a.C.], entretanto, historicamente, uma teoria formal da quantificao, isto , uma teoria utilizando linguagens artificiais, s teve origem com Gottlob Frege [1848 - 1925] em sua obra

    http://www.pucsp.br/pragmatismo

  • FORMALIZANDO A NOO DE 'POUCOS' VIA TABLEAUX

    COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrnica de Filosofia, ISSN 1809-8428, So Paulo: CEP/PUC-SP, vol. 9, n. 2, julho-dezembro, 2012, p. 149-160

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    Begriffsschrift, eine der arithmetischen nachgebildete Formelsprache des reinen Denkens (1967), publicada originalmente em 1879. Tambm, Peirce desenvolveu, de maneira paralela a Frege, as bases da concepo contempornea de quantificadores. Assim, os trabalhos de Peirce e Frege deram origem lgica

    clssica de primeira ordem, que trata dos quantificadores universal e existencial

    .

    A lgica clssica de primeira ordem, entretanto, no suficiente para formalizar qualquer sentena da linguagem natural. Mostowski, em seu artigo On a generalization of quantifiers, publicado em 1957, aponta a existncia de muitos outros quantificadores que so matematicamente interessantes, mas que no podem ser definidos a partir dos quantificadores de primeira ordem: universal e existencial. Esses quantificadores, no definidos na lgica clssica de primeira ordem, foram denominados por ele quantificadores generalizados.

    Sette, Carnielli e Veloso (1999), buscando uma formalizao lgica para um tipo especfico de quantificador generalizado, apresentaram um sistema lgico monotnico, denominado lgica dos ultrafiltros. O nome desse sistema devido composio de sua estrutura semntica: um conjunto universo e um ultrafiltro sobre esse universo. A lgica dos ultrafiltros uma extenso da lgica de primeira ordem, feita basicamente pelo acrscimo de um quantificador generalizado linguagem clssica de primeira ordem.

    Motivada por esse trabalho, Grcio (1999), em sua tese de doutorado, intitulada Lgicas moduladas e raciocnio sob incerteza, introduziu um conjunto de lgicas monotnicas no clssicas, denominadas por ela de lgicas moduladas. Uma lgica modulada em particular, a lgica do muito, introduzida por Grcio (1999), insere um novo quantificador G na sintaxe da clssica lgica de primeira ordem e essa lgica captura a noo de muitos, por meio de uma estrutura matemtica denominada famlia prpria de conjuntos fechados superiormente.

    Depois de investigar estes elementos que permitem a formalizao do conceito de muitos, Feitosa, Nascimento e Grcio (2009), no artigo intitulado Algebraic elements for the notions of many introduzem uma lgebra para muitos e uma lgica proposicional para muitos, que uma lgica proposicional com um operador modal para formalizar a noo de muitos no campo proposicional. A lgica proposicional para muitos de certa maneira captura, no contexto proposicional, algumas caractersticas do termo muitos da linguagem natural.

    De forma semelhante, mas no dual abordagem feita por Feitosa, Nascimento e Grcio (2009) para o termo muitos, este trabalho apresenta uma lgica proposicional para o termo poucos em um sistema dedutivo denominado sistema de tableaux. O mtodo dos tableaux um mtodo dedutivo assim como o mtodo hilbertiano comumente utilizado na apresentao de sistemas lgicos.

    Abaixo sero elencadas algumas propriedades que o termo poucos da linguagem natural possui e que fundamentaro a apresentao da lgica proposicional para poucos em tableaux.

    1. A noo intuitiva de poucos

    Grcio (1999) assume que a noo de muitos possui trs propriedades essenciais, so elas:

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    i) Se muitos indivduos do universo satisfazem a proposio e se todo

    indivduo que satisfaz , satisfaz tambm , ento tambm satisfeita por muitos indivduos do universo;

    ii) Se muitos indivduos do universo satisfazem a proposio , ento existe

    algum que satisfaz ; iii) O conjunto universo contm muitos indivduos.

    O operador modal da lgica proposicional para muitos introduzida por Feitosa, Nascimento e Grcio (2009) tambm satisfaz estas trs propriedades.

    Seria possvel estabelecer, neste trabalho, o conceito de poucos como dual ao conceito de muitos. Entretanto, quando se afirma, por exemplo, que Muitas pessoas so felizes, mesmo que todas as pessoas do meu universo de discurso sejam felizes, isso no parece contrariar a noo intuitiva que temos de muitos.

    J em relao noo de poucos, a afirmao: poucas pessoas gostam de sorvete, no parece ter sentido em um universo de discurso em que nenhum indivduo gosta de sorvete. Por isso, a noo intuitiva de poucos, abordada aqui considerar que o vazio no contm poucos elementos e, portanto, a abordagem do termo poucos feita neste trabalho ser uma adaptao no dual abordagem feita por Feitosa, Nascimento e Grcio (2009) para o termo muitos.

    Assim como Grcio (1999) fez para a noo de muitos, assumiremos que a noo de poucos possui trs propriedades essenciais, so elas:

    i) Se poucos indivduos do universo satisfazem a proposio e se todo

    indivduo que satisfaz , satisfaz tambm , ento tambm satisfeita por poucos indivduos do universo;

    ii) Se poucos indivduos do universo satisfazem a proposio , ento existe

    algum que satisfaz ;

    iii) O conjunto universo no contm poucos indivduos.

    Baseada nestas trs propriedades, apresentaremos abaixo lgica proposicional para poucos em um sistema de tableaux.

    2. Origens do mtodo de tableaux

    O mtodo dos tableaux um mtodo de prova baseado em refutao, isto , na busca por contraexemplos. A sua origem foi influenciada pelos trabalhos de Gerhard Gentzen em relao deduo natural.

    A anlise feita por Gentzen em relao ao clculo de predicados por meio da deduo natural influenciou outros desenvolvimentos em lgica, um deles foi a reformulao dada por Beth ao sistema de deduo natural de Gentzen, por um sistema de tableaux semnticos (GENTZEN, 1969, p. 7).

    Esse novo mtodo baseado na construo de contraexemplos e satisfaz o princpio da subfrmula de Gentzen (1969, p. 7). Os sistemas de provas de Gentzen

    eram caracterizados por admitirem esse princpio, ou seja, se uma frmula

    demonstrvel, ento tem uma demonstrao em que ocorrem apenas subfrmulas

    de .

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    Segundo Fitting (1999, p. 13), a motivao de Gentzen, ao desenvolver os sistemas de deduo natural e de clculo de sequentes, foi o desenvolvimento de uma teoria da prova. Ele no estava preocupado em tentar estabelecer a correo e a completude de seus sistemas, mas em mostrar a equivalncia entre eles. Beth, ao contrrio de Gentzen, foi motivado por conceitos semnticos e em 1955, introduziu os chamados tableaux semnticos.

    Os trabalhos de Beth e de Hintikka sobre tableaux ocorreram simultaneamente. Como dito em Fitting (1999, p. 17), o primeiro artigo de Hintikka apareceu em 1955, no mesmo ano em que apareceu o artigo de Beth. Entretanto, semelhante a Beth e diferente de Gentzen, Hintikka foi motivado por interesses

    semnticos. Hintikka defende que a ideia oculta na prova de que se a tentativa

    sistemtica de construir um modelo em que verdadeira falhar, ento vlida.

    Beth e Hintikka, ambos, contriburam para o desenvolvimento dos tableaux. Beth props uma representao grfica por tableaux, enquanto Hintikka usou uma estrutura de rvores com conjuntos de formulas em ns. Entretanto, essas duas formas de se apresentar o sistema de tableaux eram demasiadamente complicadas e trabalhosas.

    Ainda Fitting (1999, p. 19) afirma que um requisito essencial no desenvolvimento dos tableaux foi a exigncia de uma notao simplificada. Exigncia essa alcanada, independentemente, por duas pessoas: Zbigniew Lis e Raymond Smullyan.

    Lis publicou suas ideias em 1960, mas devido ao grande abismo fixado entre o ocidente e o oriente da Europa, elas no se tornaram conhecidas. As ideias de Lis foram posteriormente redescobertas por Smullyan, culminando com a publicao de seu livro First-Order Logic em 1968. Foi com esse completo trabalho de Smullyan que os tableaux se tornaram bastante conhecidos e o trabalho de Lis s voltou a receber ateno nos ltimos anos (FITTING,1999, p. 19).

    Smullyan chamou sua verso de tableaux de tableaux analticos. Ele utiliza os tableaux como base de um tratamento geral para a lgica clssica, incluindo, tambm, uma anlise das possveis variaes das demonstraes de completude (FITTING, 1999, p. 20).

    3. O mtodo dos tableaux

    O mtodo dos tableaux analticos baseado em refutao, isto , para verificar a validade de uma frmula em um sistema lgico, se constri um tableau

    para a negao da frmula em questo, ou seja, para e, ento, utilizando uma estrutura que se assemelha a uma rvore, aplica-se regras do sistema de tableau. O objetivo desse mtodo encontrar modelos contraditrios para a negao da

    frmula testada, . Quando o objetivo alcanado, pode-se concluir que a

    hiptese falsa e, portanto, a frmula original verdadeira. Entretanto, se aps a utilizao de todas as regras possveis no obtida uma contradio,

    significa que existe uma valorao que torna verdadeira e, portanto, falsa.

    O sistema de tableaux apresentado para o clculo proposicional clssico neste captulo est de acordo com o livro Lgica de Primeira Ordem de Raymond Smullyan (2009).

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    Agora sero apresentadas algumas definies importantes e necessrias definio de rvore ordenada didica.

    Uma rvore no ordenada T uma estrutura , L, R, tal que:

    i) representa um conjunto de elementos {1, 2, 3,..., n} chamados pontos.

    ii) L uma funo que associa a cada ponto , um inteiro positivo L() chamado

    nvel de .

    iii) R uma relao definida em , na qual se R , ento chamado antecessor

    de e chamado sucessor de . Essa relao deve obedecer as seguintes condies:

    C1: H um nico ponto 1 de nvel 1, chamado origem da rvore.

    C2: Todos os pontos de , menos a origem (a origem no tm antecessor), tem um nico antecessor.

    C3: Para quaisquer pontos e , se um sucessor de , ento L() = L() + 1.

    Se um ponto tem exatamente um sucessor chamado de ponto simples e se um ponto possui mais que um sucessor chamado de ponto de juno.

    Um ponto final um ponto que no possui pontos sucessores.

    Uma rvore ordenada uma rvore no ordenada acrescida de uma funo h

    que atribui a cada ponto de juno uma sequncia h() que no contm repeties,

    e cujo conjunto de termos consiste em todos os sucessores de .

    Uma rvore didica uma rvore ordenada em que cada ponto juno tem no mximo dois sucessores.

    Uma frmula dita do tipo se puder ser escrita como uma conjuno, com

    componentes denominados 1 e 2. As frmulas do tipo e seus respectivos componentes so apresentados na tabela abaixo:

    1 2

    ( )

    ( )

    Uma frmula dita do tipo se puder ser escrita como uma disjuno, com

    componentes denominados 1 e 2. As frmulas do tipo e seus respectivos componentes so apresentados na tabela abaixo:

    1 2

    ( )

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    A frmula uma exceo, pois ela possui apenas um componente,

    assim ela pode ser tanto uma frmula do tipo quanto uma frmula do tipo , foi

    uma escolha arbitrria classifica-la como uma frmula do tipo .

    Um ramo qualquer conjunto finito ou infinito de pontos tal que:

    i) A origem da rvore est no ramo;

    ii) Cada termo do ramo, exceto (se houver) o ltimo, antecessor do prximo;

    iii) Se est no ramo, ento, tambm 1 e 2 esto no ramo;

    iv) Se est no ramo, ento, somente um dos dois 1 ou 2 est no ramo.

    Quando um ramo tem um nmero finito de pontos um ltimo ponto do ramo o ponto final do ramo (da rvore) e esse ramo finito, caso contrrio ele infinito.

    Agora ser dada uma definio precisa de tableau analtico. Para no causar

    confuso necessrio ressaltar que por um tableau para uma frmula , entende-se

    um tableau que comea com uma determinada frmula e, para demonstrar que

    uma tautologia, constri-se um tableau, no para a frmula , mas para a sua

    negao .

    Um tableau analtico para uma frmula uma rvore ordenada didica,

    cujos pontos so frmulas, e que construda como se segue. Inicia-se colocando

    na origem. Supe-se que j um tableau construdo para e um ponto final. Ento se pode estender por meio de uma das seguintes operaes:

    i) Se alguma frmula do tipo ocorre no ramo (ramo que contm ), ento se

    pode adicionar ou 1 ou 2 como nico sucessor de ;

    ii) Se alguma frmula do tipo ocorre no ramo (ramo que contm ), ento se

    pode simultaneamente adicionar 1 como sucessor da esquerda de e 2 como

    sucessor da direita de .

    Um ramo de tableau fechado quando existem neste ramo pontos que

    correspondam s frmulas e .

    Um tableau para uma determinada frmula fechado quando todos os seus ramos so fechados.

    Seja um conjunto de frmulas de L. O conjunto dito fechado quando

    possvel a construo de um tableau fechado para a conjuno das frmulas de ,

    caso contrrio dito aberto.

    Seja um conjunto de frmulas de L. Uma frmula consequncia lgica

    de e denota-se tal fato por , quando {} um conjunto fechado de fr-mulas.

    Uma demonstrao por tableau da frmula um tableau fechado para .

    Se uma frmula tem uma demonstrao por tableau, ento dito que

    demonstrvel por tableaux e denota-se tal fato por .

    As frmulas do tipo junto com as frmulas do tipo formam as chamadas regras do sistema de tableaux e podem ser nomeadas e escritas como segue:

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    [R]: [R]: () [R]: () [R]:

    [R]: () [R]: [R]:

    Para exemplificar o que uma demonstrao utilizando o mtodo dos

    tableaux, ser demonstrado a seguir que: (( ) ( )) ( ).

    (1) ((( ) ( )) ( ))

    (2) ( ) ( ) [1, R]

    (3) ( ) [1, R]

    (4) [2, R]

    (5) [2, R]

    (6) [3, R]

    (7) [3, R]

    (8) [4, R] (9) [4, R]

    (10) [5, R] (11) [5, R]

    4. A lgica proposicional para poucos em tableaux

    A lgica proposicional para poucos em tableaux ter o acrscimo de um

    novo operador linguagem L(, , , ) da lgica proposicional clssica.

    A lgica proposicional para poucos em um sistema de tableaux (LPPT), de

    linguagem LP(, , , , ) definida por meio do acrscimo das seguintes regras s regras do tipo :

    RP1:

    RP2:

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    RP3: ( ) S se aplica se e

    Ao se deparar com uma frmula do tipo ( ) o tableau dever aplicar primeiro a regra (RP3) e a regra (R) s dever ser aplicada na impossibilidade de se aplicar a regra (RP3).

    RP4: (( ) ( )) S se aplica se ( )( )

    Intuitivamente, a regra (RP1) diz que o fato de uma contradio ter poucas evidncias gera uma contradio no sistema de tableaux e a regra (RP2) diz que o fato de uma tautologia ter poucas evidncias tambm gera uma contradio no sistema de tableaux, ou seja, nesse sistema uma contradio no tem poucas evidncias e uma tautologia tambm no tem poucas evidncias. A regra (RP3) diz

    que se implica , no uma contradio e se tem poucas evidncias, ento tambm tem poucas evidncias. Por fim, a regra (RP4) serve, apenas para tornar possvel a demonstrao dos teoremas de correo e completude.

    Tais noes intuitivas esto de acordo com as propriedades assumidas para o termo poucos na seo 1 deste trabalho.

    Algumas dedues no sistema LPPT:

    a)

    (1)

    (2)

    (3) [2, R]

    (4) [3, RP1]

    b) ( )

    (1)

    (2) (( ) )

    (3) [2, RP3]*

    * Para aplicar RP3 preciso verificar se e se ( ):

    (1) ( )

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    (2) [1, R]

    (3) [1, R]

    Tableau aberto

    ( )

    (1) ( ( ))

    (2) [1, R]

    (3) ( ) [1, R]

    (4) [3, R]

    (5) [3, R]

    c) ( )

    (1)

    (2) ( ( ))

    (3) [2, RP3]*

    * Para aplicar RP3 preciso verificar se e se :

    (1) ( )

    (2) [2, R]

    (3) [2, R]

    (4) [2, R]

    (5) [2, R]

    Tableau aberto.

    (1) ( ( ) )

    (2) [1, R]

    (3) [1, R]

    (4) [2, R]

    (5) [2, R]

    Nota: Uma variante do resultado acima : ( )

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    (1)

    (2) ( ( ))

    (3) () [2, R]

    (4) [2, ]

    Tableau aberto.

    * Para aplicar RP3 preciso verificar se :

    (1) ( )

    (2) [2, R]

    (3) [2, R]

    Tableau fechado.

    Portanto, no podemos aplicar a regra RP3 no tableau construdo para

    {( ( ))}. Logo, este tableau ser aberto e, consequentemente,

    ( ).

    d)

    (1)

    (2)

    (3) [2, R]

    (4) [3, RP2]

    Consideraes finais

    O que so poucos? Quantos elementos so necessrios a certo conjunto para que seja possvel dizer que este conjunto possui poucos elementos?

    Claramente, para responder a tais questes necessrio definir em qual universo de discurso elas esto sendo abordadas. Entretanto, apesar da dependncia que o conceito de poucos parece ter de um contexto, possvel estabelecer algumas propriedades universais (isto , vlidas em qualquer universo de discurso) para o conceito de poucos.

    Por exemplo, na afirmao Na sala h poucas crianas, apesar de no ser possvel saber quantas crianas h na sala e nem quantas crianas seriam

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    necessrias para encher a sala, possvel dizer que existe algum na sala. Tambm parece razovel dizer que a sala no est cheia (no est com todas as crianas que caberiam na sala).

    Em termos conjuntistas, parece legtimo concluir trs propriedades fundamen-tais associadas noo intuitiva de poucos que independem do contexto. So elas: Se um conjunto tem poucos elementos, ento ele no vazio, O universo de discurso no possui poucos elementos e se um conjunto A tem poucos elementos, ento um conjunto B contido em A e no vazio tambm tem poucos elementos.

    Tais noes intuitivas deram suporte ao desenvolvimento de uma lgica para tratar do termo poucos em ambiente proposicional, tal lgica foi denominada: lgica proposicional para poucos.

    A lgica proposicional para poucos foi apresentada via sistema de tableaux. Em geral, o mtodo dos tableaux considerado eficiente, pois, na medida em que o tableau expandido, as frmulas tm sua complexidade cada vez menor, at que nos ramos restem apenas frmulas atmicas ou a negao de frmulas atmicas, as quais no podero mais ser expandidas. Assim, observa-se que, em uma deduo por tableaux, h um decrscimo no grau de complexidade das frmulas. J para fazer uma deduo em um sistema hilbertiano, necessria a colocao de axiomas o que torna a deduo um pouco mais longa e demorada se comparada a uma deduo por tableaux.

    Alm deste mtodo dedutivo, h ainda outros, como os dois sistemas dedutivos de Gentzen (1969): o clculo de sequentes e a deduo natural e o conhecido mtodo hilbertiano. Como sugesto para um trabalho futuro coloca-se a questo de apresentar a lgica proposicional para poucos em um sistema de clculo de sequentes e tambm em um sistema de deduo natural.

    * * *

    Referncias

    BETH, E. W. The foundations of mathematics. Amsterdam: North Holland.1959.

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