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4350 FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEXTOS E DESAFIOS Elieuza Aparecida de LIMA Ariadni da Silva de OLIVEIRA Marilete Terezinha DE MARCO Departamento de Didática e Programa de Pós-Graduação em Educação, Unesp, Campus de Marília – SP. Eixo Temático 04: Formação de professor da Educação Infantil [email protected] 1 Introdução Esta exposição traz discussões sobre aspectos da formação docente e os impactos dessa formação para a prática educativa em turmas de crianças da Educação Infantil. Trata-se de reflexões oriundas de pesquisa de mestrado concluída, denominada “Percepções de professores de escolas públicas de Educação Infantil acerca de sua formação e prática educativa: o caso de Medianeira/Paraná” (MARCO, 2014), junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp Campus de Marília, São Paulo. Esse estudo teve como objetivo principal verificar na prática pedagógica das professoras investigadas, se a prática efetivamente realizada se articula aos subsídios apropriados em seus cursos de formação inicial e continuada; o enfoque teórico da investigação baseou-se nos estudos da Teoria Histórico-Cultural, que tem em Vigotsky (1996) como um dos seus principais representantes. A revisão da literatura da área e as leituras realizadas na pesquisa demonstraram a distância entre os objetivos da educação voltados às crianças pequenas e o que é efetivamente realizado em turmas de Educação Infantil, sem, de fato, garantir condições efetivas de um desenvolvimento integral da criança, a partir da apropriação de conhecimentos culturais essenciais para sua formação pessoal e intelectual. No contexto legal, recorremos às propostas elencadas pela Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL 1996), que estabelece critérios visando à formação docente pautada em práticas educativas que privilegiem o pleno desenvolvimento da criança pequena. Essa legislação destaca a capacitação do professor tanto em sua formação inicial e continuada, valorizando a constante apropriação de conhecimentos fundamentais para promoção de mudanças necessárias à sua atuação intencional no âmbito da docência na Educação Infantil. As reflexões apresentadas no decorrer deste texto retratam percepções das professoras investigadas quanto à sua formação inicial e continuada, bem como os

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4350

FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO

INFANTIL: CONTEXTOS E DESAFIOS

Elieuza Aparecida de LIMAAriadni da Silva de OLIVEIRA

Marilete Terezinha DE MARCODepartamento de Didática e Programa de Pós-Graduação em Educação,

Unesp, Campus de Marília – SP.Eixo Temático 04: Formação de professor da Educação Infantil

[email protected]

1 Introdução

Esta exposição traz discussões sobre aspectos da formação docente e os

impactos dessa formação para a prática educativa em turmas de crianças da Educação

Infantil. Trata-se de reflexões oriundas de pesquisa de mestrado concluída, denominada

“Percepções de professores de escolas públicas de Educação Infantil acerca de sua

formação e prática educativa: o caso de Medianeira/Paraná” (MARCO, 2014), junto ao

Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp Campus de Marília, São Paulo.

Esse estudo teve como objetivo principal verificar na prática pedagógica das professoras

investigadas, se a prática efetivamente realizada se articula aos subsídios apropriados

em seus cursos de formação inicial e continuada; o enfoque teórico da investigação

baseou-se nos estudos da Teoria Histórico-Cultural, que tem em Vigotsky (1996) como

um dos seus principais representantes.

A revisão da literatura da área e as leituras realizadas na pesquisa demonstraram

a distância entre os objetivos da educação voltados às crianças pequenas e o que é

efetivamente realizado em turmas de Educação Infantil, sem, de fato, garantir condições

efetivas de um desenvolvimento integral da criança, a partir da apropriação de

conhecimentos culturais essenciais para sua formação pessoal e intelectual.

No contexto legal, recorremos às propostas elencadas pela Lei de Diretrizes e

Bases (BRASIL 1996), que estabelece critérios visando à formação docente pautada em

práticas educativas que privilegiem o pleno desenvolvimento da criança pequena. Essa

legislação destaca a capacitação do professor tanto em sua formação inicial e

continuada, valorizando a constante apropriação de conhecimentos fundamentais para

promoção de mudanças necessárias à sua atuação intencional no âmbito da docência na

Educação Infantil.

As reflexões apresentadas no decorrer deste texto retratam percepções das

professoras investigadas quanto à sua formação inicial e continuada, bem como os

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impactos das aprendizagens decorrentes de sua formação para o êxito do seu trabalho

junto às crianças pequenas. No conjunto das discussões, destacamos as contribuições

de Vigotskii, Luria e Leontiev (1988), Leontiev (2004) e autores contemporâneos como

Libâneo (2004), Campos (2008) e Saviani (2009).

2 Educação Infantil e formação docente: aspectos legais e pedagógicos

Como direito da criança e responsabilidade do Estado, a Educação Infantil é uma

conquista recente no contexto educacional no/do Brasil. Após um período de ditadura

militar e de diversas manifestações civis em prol da democracia no país, a Constituição

Federal de 1988, elaborada com a participação e contribuição dos movimentos

socialmente organizados, iniciou o processo que consolidou o direito à educação aos

cidadãos brasileiros, de forma ampla e irrestrita, conforme estabelece a redação do texto

da Lei:

Art. 205º. – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visandoao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício dacidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

Com base nesta Lei, os anos de 1996 marcam as conquistas da Educação Infantil

especialmente a instituição desse nível da educação como a primeira etapa da Educação

Básica (BRASIL, 1996). Com esse novo status, os olhares de estudiosos e formuladores

de lei se voltaram, com mais atenção, à importância dessa etapa da educação e também

ao valor da formação do professor para atuar no âmbito da Educação Infantil. Assim

estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB):

Art. 62º. – [...] a formação de docentes para atuar na educação básicafar-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,em universidades e institutos superiores de educação, admitida comoformação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil enas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nívelmédio na modalidade normal. (BRASIL, 1996).

Em sintonia com esses objetivos, reafirmamos a necessidade de formar, em nível

de graduação e no próprio exercício da profissão, professores que, consciente e

intencionalmente, capazes de criar situações educativas por meio das quais as crianças

possam ampliar seu conhecimento de mundo a partir do acesso à riqueza cultural e de

aprendizagens de diferentes linguagens e contextos, de maneira a garantir os direitos

infantis, dentre os quais, aqueles referentes à saúde, proteção, liberdade, confiança,

respeito, dignidade, brincadeira e à convivência e interação com outras crianças. Com

essa atuação projetada para a plenitude da formação e desenvolvimento da

personalidade e da inteligência infantis, o professor assume-se como mediador e

trabalhador intelectual.

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No âmbito da formação docente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil (BRASIL, 2009) sinalizam aspectos para pensarmos acerca da

formação docente para a educação da criança pequena, enfatizando elementos vitais

para a formação humana e a vida em sociedade, tais como o cuidado com a saúde,

criatividade e autonomia.

Em consonância com esse amparo legal, autores como Vigotskii, Luria e Leontiev

(1988) defendem que a mediação de um adulto é indispensável para a realização da

aprendizagem da criança. Esses estudiosos apontam que, ao contemplar os aspectos

afetivos, sociais, cognitivos, culturais, a partir da apropriação de bens constituídos

historicamente, o ensino pode acontecer em contexto que privilegia e estimula o processo

de humanização. Os autores explicam que é por meio da atividade infantil que a criança

aprende, considerando condições sociais e culturais do ambiente no qual a criança está

inserida. Essa defesa envolve reflexões sobre a atuação consciente e cientificamente

embasada do professor, o que requer conhecimentos acerca de como a criança aprende

e melhor se relaciona com o mundo em cada idade, além daqueles relativos às situações

sociais que influenciam o desenvolvimento infantil para melhor compreendê-la e educá-la.

Em seus estudos, Leontiev (1978) aponta a importância de o professor se

apropriar de conhecimentos específicos sobre o desenvolvimento da atividade da criança

e como esta atividade é construída nas condições concretas de vida. Nesse aspecto, o

autor chama atenção para o papel do professor:

Só com esse modo de estudo, baseado na análise do conteúdo daprópria atividade infantil em desenvolvimento, é que podemoscompreender de forma adequada o papel condutor da educação e dacriação, operando precisamente em sua atividade e em sua atitudediante da realidade, e determinando, portanto, sua psique e suaconsciência. (LEONTIEV, 1978, p. 63).

Essas assertivas do autor podem se tornar fundamentos científicos e filosóficos

norteadores de práticas pedagógicas potencialmente humanizadoras, por meio das quais

o professor expresse bases teóricas essenciais orientadoras de sua atividade de ensino e

crie condições de a criança ser sujeito de sua atividade de aprendizagem, dentre elas a

brincadeira.

2.1 Metodologia

Nesta oportunidade, discutimos aspectos dos percursos e resultados de pesquisa

de Mestrado concluída (MARCO, 2014), como já assinalamos. Para atingir seu objetivo

principal, isto é, verificar na prática pedagógica das professoras investigadas, se a prática

efetivamente realizada se articula aos subsídios apropriados em seus cursos de

formação inicial e continuada, a investigação envolveu 8 (oito) professoras de 4 (quatro)

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escolas distribuídas em localizações distintas, da rede pública de Educação Infantil, do

município de Medianeira. Este município está situado na zona oeste do Paraná e tem sua

economia é baseada na produção agropecuária, agrícola, fábricas e indústrias. Tem,

aproximadamente, 42 mil habitantes, sendo a maioria residente na zona urbana.

No desenvolvimento da pesquisa, foram realizadas ações bibliográficas e de

campo, visando à produção de dados necessários para responder os problemas

investigados. A revisão bibliográfica efetuada em acervos digitais de informações, livros,

revistas, teses e outros materiais impressos, proporcionou um aprofundamento sobre a

formação docente, uma apropriação de fundamental importância para embasar a

pesquisa de campo e oferecer subsídios para a discussão dos dados produzidos.

As ações de campo envolveram uma entrevista semiestruturada com as

professoras investigadas e observações de suas práticas pedagógicas.

A entrevista compreendeu 24 (vinte e quatro) questões abertas sobre

informações pessoais, formação acadêmica, tempo de trabalho, motivação para trabalhar

na Educação Infantil e outras. Após a realização da entrevista, fizemos a transcrição

literal dos dados produzidos. Alguns dados serão apresentados e discutidos no decorrer

desse trabalho.

As observações de prática pedagógica totalizaram 64 (sessenta e quatro) horas,

sendo 8 (oito) horas em cada uma das 8 (oito) turmas de crianças de Educação Infantil.

Além da sala de referência da turma, as observações aconteceram em espaços externos

do ambiente escolar, como, parquinhos, gramados, quadra de esportes, laboratórios,

passeios de rua, dentre outros.

De acordo com Chaves (2008), a sala de referência da turma é o lugar da escola

no qual a criança permanece durante a maior parte do tempo. Para a autora, o professor

de criança pequena precisa pensar como o ambiente da sala está organizado e como a

rotina se consolida no dia a dia da instituição.

[...] Façamos este exercício com algumas indagações: O queobservamos? Há números, letras, palavras, textos colados nas paredesdas salas? Há recursos didáticos, como cartazes e painéis? Quem osconfecciona? Em que altura está afixado esse material? Qual o motivopara isso? Vêem-se produtos da Disney ou de outra marca comercial?Qual a periodicidade de retirada desses equipamentos didáticos? Qual osignificado deles para as crianças e qual a sua relação com o conteúdoestudado? Como as crianças participam da organização da sala de aulae de outros espaços da escola? (CHAVES, 2008, p. 81).

Nesses ambientes, a professora encontra um lugar privilegiado para suas ações e

atitudes, assumindo um papel fundamental no processo de mediação, entre as relações

que acontecem nesse espaço. Amparadas pelos ensinamentos da Teoria Histórico-

Cultural, esse papel compreende a organização das atividades, dos espaços e do tempo

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para que as atividades resultem em uma prática educativa capaz de contribuir para o

processo de humanização.

Com essas premissas, apresentamos e discutimos alguns dados produzidos

durante os percursos da investigação.

3 Resultados e discussões: enlaces da teoria e da prática educativa

Nos limites desta breve exposição, como forma de contextualização dos sujeitos

da pesquisa, trazemos aspectos sobre a formação inicial das professoras investigadas.

As respostas obtidas revelam que todas as professoras têm formação em nível superior.

Das 8 (oito) professoras participantes da pesquisa, 5 (cinco) são formadas no Curso

Superior de Pedagogia, na modalidade presencial ou à distância. As outras 3 (três) têm

graduação em Geografia, Letras e Turismo.

As professoras formadas em áreas diversas informaram que, até o momento da

entrevista, não houve exigência em fazer o Curso de Pedagogia para trabalhar com

crianças na Educação Infantil.

As leituras realizadas permitem enfatizar a formação docente como imprescindível

para aprimorar a profissionalidade do professor e, consequentemente, melhorar sua

prática. No que concerne às narrativas das entrevistadas, todas são formadas em nível

superior, embora três delas tenham concluído outros cursos de graduação. Esse contexto

investigativo parece propício para discutirmos a emergência de estudos afetos aos

conhecimentos pedagógicos, fortalecidos em formação continuada de professores.

Nessa perspectiva, Lima, Valiengo, Ribeiro e Silva (2012, p. 100) acrescentam

que

A formação inicial de professore(a)s implica olhares atentos,especificamente no que se refere aos fundamentos sólidos paraorientação e significação de uma prática transformadora epotencializadora, a fim de que se constituam articulações, reflexões eunicidade entre a teoria e a prática nos cursos de formação deprofissionalidade docente, a partir da inserção ativa dos estudantes emseus estudos, leituras, ações, vivências, observações, escutas eatribuições de sentido às suas aprendizagens.

Quanto à continuidade dos estudos em nível de pós-graduação, todas as

professoras fizeram curso de especialização na área da Educação Infantil, a maioria na

modalidade de Ensino a Distância (EaD).

À questão: “Quais as disciplinas que você considera mais importantes em seu

curso de graduação?”, obtivemos as seguintes respostas das professoras graduadas em

Pedagogia: “P1: Artes”, “P2: Psicologia na Educação Infantil”, “P3: Psicologia na

Educação”, “P4: Fundamentos da Educação Infantil para as séries iniciais”, “P5:

Educação Infantil”.

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Percebemos a importância atribuída às disciplinas que estudam o

comportamento e o desenvolvimento humano. De acordo com Libâneo (2004), a

formação docente pode ser entendida como um processo de aprendizagem da profissão

de ser professor. Durante esse tempo, devem ser adquiridos conhecimentos teóricos e

ferramentas cognitivas promotoras do desenvolvimento do pensar. O autor destaca os

pressupostos da Teoria Histórico-Cultural quanto à abordagem sobre “[...] a natureza e a

estrutura da atividade humana, a relação entre atividade de ensino, atividade de

aprendizagem e desenvolvimento humano.” (LIBÂNEO, 2004, p. 7).

Quando questionadas: “O que você poderia ter aprendido em sua formação que

você considera importante? O que faltou em sua formação?”, 3 (três) professoras

formadas em Pedagogia responderam que faltou prática e estágio em turmas de

Educação Infantil.

Sobre essa questão, Mello (2000) defende que situações práticas merecem

lugar de destaque no curso de formação docente, desde o primeiro dia de aula, pois, por

meio de orientação em escolas, é possível simular situações, estudos de casos,

depoimentos e experiências, objetivando a qualificação do professor em sua prática

educativa. Conforme a autora,

[...] a culminância de um processo de prática que ocorre peloexercício profissional pleno, supervisionado ou monitoradocontinuamente por um tutor ou professor experiente que permita umretorno imediato ao futuro professor dos acertos e falhas de suaatuação. (MELLO, 2000, p. 104).

Saviani (2009, p.150) explicita que a formação profissional dos professores

requer objetivos e competências específicas, bem como uma estrutura organizacional

adequada para o cumprimento da profissão de ser professor.

Na sequência, destacamos excertos das percepções docentes quanto à sua

formação continuada. Questionamos: “Em sua escola e/ou município, há momentos em

que os professores se encontram para estudar? Sobre qual temática vocês debatem?”.

Transcrevemos, abaixo, algumas respostas.

P1: Tem os cursos que a Asemed (Associação dos ServidoresMunicipais de Medianeira) propõe para a gente e tem também as horasatividades, tem as horas de estudos [...]. É conforme o momento....(Professora 1: 29 anos de idade, 4 anos na função, Formada emPedagogia).

P3: Na verdade a gente pontua, assim,..((pensa)) É sobre a dificuldadedo momento, sobre o que a gente está tendo dificuldade [...]. (Professora 3: 42 anos de idade, 12 anos na função, formada emPedagogia).

P4: A gente estuda sobre as dificuldades na sala de aula,principalmente. Por exemplo, agora a gente está estudando asdificuldades com crianças especiais.

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(Professora 4: 39 anos de idade, 3 anos na função, formada emPedagogia).

P5: [...] a gente recebe mais sobre a questão da Educação Infantil,psicomotricidade, alfabetização... Daí tem a parte lúdica. [...] No primeiroque a gente teve agora semana passada foi sobre as Leis de Diretrizes eBases da Educação Infantil.(Professora 5: 36 anos de idade, 8 anos na função, formada emHistória).

P8: Da escola a gente sempre tem quando a gente tem Conselho deClasse.... [...] E a gente sempre tem a hora de estudo. E:::...((pensa)), sesurge alguma coisa, algum documento, alguma coisa que tem quedecidir, mandar pra secretaria, uma exigência, a gente se reúne fora dehora pra debater sobre o assunto pra daí ver o que podemos fazer.(Professora 8: 47 anos de idade, 12 anos na função, formada em Letras)

A partir das respostas docentes, inferimos que a formação continuada realizada

nas escolas e no município de Medianeira-PR parece não se configurar como um

processo educativo que fomenta o crescimento e a atualização profissional. As narrativas

enfatizam que os encontros de professoras objetivam resolver problemas de

aprendizagem e dificuldades apresentadas pelas crianças. Ambos os aspectos são

importantes e merecem atenção do professor, porém, entendemos que, mesmo nesses

momentos, pode haver apropriação de conhecimentos, socialização de vivências com as

crianças e reflexões sobre a prática pedagógica.

O panorama descrito no parágrafo anterior encontra suporte na concepção de

Martins (2009, p. 148). A estudiosa explica sobre a necessidade de entender a educação

do professor como um processo que “[...] devolve ao homem a sua própria personalidade,

isto é, a sua qualidade de agente da História.” Como trabalhador intelectual, e em sua

relação com os outros, o professor pode modificar as condições externas de forma

intencional, ao mesmo tempo em que modifica a si mesmo.

Ainda sobre a questão apresentada acima, percebemos nas narrativas das

respondentes que, para algumas delas, a formação continuada não se apresenta de

forma clara, com objetivos traçados, sequência de conteúdos e periodicidade. Vejamos.

P3: Na verdade a gente pontua, assim,...((pensa))a dificuldade domomento [...]vêm cursos assim, como eu disse, que trazem umproblema do momento, então sobre o que a gente está tendo dificuldade[...].(Professora 3: 42 anos de idade, 12 anos na função, formada emPedagogia). P6: Ano passado a gente tinha a cada 15 dias, ganhava uma apostila,estudava em casa e vinha aqui debater, apresentar as atividades. Emcima do planejamento, dos conteúdos ((pensa)) É isso.(Professora 6: 44 anos de idade, 17 anos na função, formada emPedagogia).

P7: [...]e tem assim na escola, uma vez por bimestre, a gente fazConselho de Classe, a gente estuda também nesse dia. E a gente estásempre recebendo textos para fazer leitura em casa:::...

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(Professora 7: 39 anos de idade, 17 anos na função, formada emLetras).

Pelas transcrições, deduzimos que os encontros de formação oferecidos pelas

escolas e município priorizam estudos focados em possíveis soluções para resolver

problemas emergenciais e de rotina. Conforme posto anteriormente, são importantes.

Entendemos, porém, que concomitante a estes, os encontros oferecidos precisam

priorizar o desenvolvimento e aperfeiçoamento do próprio professor, para que sua

atuação resulte em uma prática pedagógica humanizadora.

Sob o enfoque da Teoria Histórico-Cultural, Chaves (2011) assinala que a

formação docente deve integrar o conhecimento e o referencial teórico que norteia o

trabalho de capacitação docente, considerando ainda as experiências vividas e o

potencial do educador. Na compreensão da estudiosa, um processo educativo que mire a

plenitude da humanidade em cada pessoa desde a infância requer um professor

solidamente formado, prática e teoricamente, dirigindo conscientemente seu trabalho

para instrumentalizar os participantes do processo educativo: quem ensina e quem

aprende, promovendo ações e condutas que estimulem novos modos de pensar e de se

relacionar com o mundo. Com essa perspectiva, as intervenções pedagógicas podem ser

potencialmente humanizadoras, retratadas em ações didático-pedagógicas

intencionalmente organizadas nas escolas de Educação Infantil, capazes de assegurar a

“[...] grandeza do que podem vir a ser o trabalho do professor e as realizações das

crianças pequenas.” (CHAVES, 2011, p. 97).

Para ampliar esta reflexão, recuperamos narrativas docentes acerca da questão:

“Os momentos de formação continuada são importantes e necessários para você?”:

P1: [...] porque você ouve opinião de todos, então às vezes o que eu seio outro passa de um jeito, então assim é mais fácil de aprender do quevocê ler um texto só você. [...] Com as outras opiniões você chega auma conclusão mais fácil.(Professora 1: 29 anos de idade, 4 anos na função, formada emPedagogia).

P2: Sim. Porque você tem uma troca de conhecimento, daí sempre vocêacaba aprendendo:::... Troca de experiência e troca de ideias renovam.(Professora 2: 47 anos de idade, 7 anos na função, formada emPedagogia).

P3: Porque a gente, como eu disse, precisa estar se reciclando. Então,se eu não fizer esses cursos, eu vou ficar sempre fazendo aquelasmesmas coisas, que podem ou não surtir um efeito desejado. Então,assim, se eu conhecer um novo, eu posso passar o novo para ascrianças.(Professora 3: 42 anos de idade, 12 anos na função, formada emPedagogia).

P6: Porque às vezes eu tenho uma dúvida e a outra colega sabe meresponder a minha dúvida. Então é:::...assim pra se tirar muitas dúvidas.São bons esses estudos. E cada vez aprende mais.

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(Professora 6: 44 anos de idade, 17 anos na função, formada emPedagogia).

P7: Sim. Muita coisa pra aprender. E muitas coisas mudam.(Professora 7: 39 anos de idade, 17 anos na função, formada emLetras).

As respostas docentes revelam como a interação com colegas de trabalho pode

alavancar possibilidades de novas aprendizagens, mudança de atitudes e de ações

docentes. A socialização de conhecimentos e de experiências também ganha destaque.

Apreendemos, pela Teoria Histórico-Cultural, que o homem se desenvolve e se humaniza

pelas relações sociais e culturais no ambiente em que se encontra. Pelas apropriações

de conhecimentos construídos e transmitidos historicamente, de ser biológico, o homem

se constitui em ser social e histórico. Segundo Vigotskii (1988, p. 22), “[...] a sociedade e

a história social moldam a estrutura daquelas formas de atividades que distinguem os

homens dos animais.”

Em sintonia com essas assertivas, de acordo com as postulações de Vigotskii

(1988), no ambiente escolar, as interações sociais, próprias deste contexto, podem

proporcionar os meios necessários para a apropriação de novos conhecimentos pelas

crianças. No contexto da escola, ao estimular o diálogo, a socialização de

conhecimentos, a divisão de tarefas, a ajuda mútua e a cooperação entre as crianças e

delas com outros sujeitos desse espaço, o professor atua como mediador de novas

aprendizagens que são fundamentais para o desenvolvimento intelectual e da

personalidade infantil (MARCO, 2014, p. 88).

Pelo exposto neste texto, é possível depreender que, apesar das carências em

relação à maneira como é configurada e efetivada, a formação continuada é uma

oportunidade de socialização e de apropriação de conhecimentos essenciais à

profissionalidade docente. As narrativas das participantes da pesquisa enfatizam que,

nesses momentos, elas aprendem e ensinam. Em um processo de socialização de

conhecimentos e vivências, encontram suporte não apenas à sua prática pedagógica,

mas também ao crescimento emocional e teórico/científico para a realização exitosa do

seu trabalho.

Pelas respostas docentes, entendemos que, nesses encontros, os professores

têm a possibilidade de se fortalecerem na teoria e na prática e se desenvolverem do

ponto de vista intelectual e emocional, a partir da apropriação de novos conhecimentos.

Além dos conhecimentos teóricos, os conhecimentos da vida também devem ser

valorizados e, juntamente com outros sistematizados e cientificizados, podem viabilizar a

plenitude da atuação pedagógica bem pensada e, consequentemente, para o êxito da

aprendizagem e do desenvolvimento infantil.

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4 Conclusões

Os recortes legais e teóricos apontados neste trabalho revelam a urgência por

uma formação docente capaz de promover a capacitação específica para trabalhar com a

criança pequena. Sabemos que pertence ao professor a tarefa de realizar uma prática

educativa voltada ao pleno desenvolvimento infantil, privilegiando o ensino dirigido aos

direitos das crianças, valorizando suas experiências de vida, sua história, cultura e

relações sociais. Entender e respeitar as diferenças e histórias de cada criança,

determinantes para os processos de ensino e de apropriações de novos conhecimentos,

é, pois, outra importante capacidade docente.

No decorrer da pesquisa realizada com as professoras de Educação Infantil da

rede pública da pequena cidade de Medianeira, Paraná, aprendemos e apreendemos

novos conhecimentos. Pela análise dos dados produzidos e ora discutidos, vivenciamos

uma realidade que muito difere daquela estabelecida em documentos legais, que tratam

dos objetivos e fundamentos da Educação Infantil.

Do ponto de vista das narrativas e práticas docentes, a discussão dos dados

resulta em verificação de fragilidade nos processos de formação inicial e continuada de

professores, com impactos decisivos em suas práticas pedagógicas.

As vozes docentes verbalizam profissionais conscientes das lacunas deixadas

em sua formação inicial, que culminam na falta de conhecimentos específicos para

trabalhar com as crianças pequenas. As carências se materializam na dificuldade para

enfrentar situações adversas do cotidiano do universo escolar.

Quanto à formação continuada, o quadro é bastante similar à formação inicial.

No município investigado, a formação voltada para a educação humanizadora caminha a

passos lentos, com investimentos mínimos, sem planejamento e sem continuidade. Esse

caminhar não promove atualização, aperfeiçoamento e crescimento profissional. As

fragilidades reveladas nos cursos de graduação frequentados pelas professoras parecem

fortalecidas nos processos de formação em serviço.

De acordo com Kramer (2006), pensar em formação para professores que atuam

na Educação Infantil demanda um projeto de profissionalização calcado nas

especificidades de cada faixa etária, cujo objetivo é a qualidade da educação. Para a

autora, este é um grande desafio às políticas educacionais, pois, trabalhar com crianças

pequenas ainda é uma tarefa nova e recente na história da educação brasileira. Essa

realidade se agrava pelos processos de formação de caráter esporádico e emergencial,

que não conseguem promover mudanças substanciais nos aspectos educativos e

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profissionais, essenciais à educação mais humanizada que objetiva o desenvolvimento

pleno da criança pequena, sua inserção na sociedade e a sua autonomia, como sujeito

de vontades e de direitos.

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