formação e problema da cultura brasileira

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MINIST~RIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS PALMEIRAS. 55 - BOTAFOGO - RIO DE JANEIRO T·el. 26·5829 CONSELHO CONSULTIVO Abgar Renault, Alberto Guerreiro Ramos, Alvaro Líns, Alvaro Víeira Pinto. Ari Torres. Atilio Vivacqua, Cassiano Rícardo, Augusto Frederico Schmídt, Padre Augusto Magne. Carlos Cl:agas Filho. Celso Kelly, Djacír Menezes, Fernando de Azevedo. Flaminio Fávero, Fran- cisco Clementino San Thiago Dantas, Gilberto Freyre, Heitor Villa Lobos. Herbert Moses, Hermes Lima. Horácio Lafer, João de Scantim- burqo, José Coelho Pereira de Souza. José Flexa Ribeiro. José Honório Rodríques, José Leite Lopes, Leopoldo Aíres, Levi Carneiro. Lucas Lopes, Luiz Símões Lopes, Luiz Víanna Filho. Marcos Almir Madeira. Mário Travasses, Miguel Reale, Nelson Orneqna, Nestor Duarte, Orlando Magalhães Carvalho. Otávio Monteiro de Camarqo, Paulo Berredo Carneiro. Paulo Duarte, Pedro Calmon Muniz de Bíttencourt, Padre Pedro Veloso, Plinio Sussekind Rocha. Sergio Buarque de Holanda e Sergio Milliet, CONSELHO CURADOR Anisio Teíxeíra, Ernesto Luiz de Oliveira [uníor, Hélio de Burgos Cabal. Hélio Jaguaribe Gomes de Mattos, JOSé Augusto de Macedo Soares. Nelson Werneck Sodré, Roberto de Oliveira Campos e Roland Cavalcanti de Albuquerque Corbisier. DIRETOR EXECUTIVO Roland Cavalcantí de Albuquerque Corbisier. DEPARTAMENTOS Filosofia - Alvaro Vieíra Pinto. Históri'a - Candido Antônio Mendes de Almeida. Ciência Política - Hélio Jaguaribe Gomes de Mattos, Sociologia - Alberto Guerreiro Ramos. Economia - Ewaldo Corrêa Lima. ~ MINISTttRIO DA EDUCAÇAO E CULTURA INSTI , • P SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS . <r ~'f \ u~ I}' ~. 'j) I)' ~.~ ((~ ROLAND CORBISIER FORMAÇÃO E PROBLEMA DA CULTURA BRASILEIRA * TEXTOS BRASILEIROS DE FILOSOFIA -3- RIO DE JANEIRO - 1958

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Roland Corbisier

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  • MINIST~RIO DA EDUCAO E CULTURA

    INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROSPALMEIRAS. 55 - BOTAFOGO - RIO DE JANEIRO

    Tel. 265829

    CONSELHO CONSULTIVO

    Abgar Renault, Alberto Guerreiro Ramos, Alvaro Lns, AlvaroVeira Pinto. Ari Torres. Atilio Vivacqua, Cassiano Rcardo, AugustoFrederico Schmdt, Padre Augusto Magne. Carlos Cl:agas Filho. CelsoKelly, Djacr Menezes, Fernando de Azevedo. Flaminio Fvero, Fran-cisco Clementino San Thiago Dantas, Gilberto Freyre, Heitor VillaLobos. Herbert Moses, Hermes Lima. Horcio Lafer, Joo de Scantim-burqo, Jos Coelho Pereira de Souza. Jos Flexa Ribeiro. Jos HonrioRodrques, Jos Leite Lopes, Leopoldo Ares, Levi Carneiro. Lucas Lopes,Luiz Smes Lopes, Luiz Vanna Filho. Marcos Almir Madeira. MrioTravasses, Miguel Reale, Nelson Orneqna, Nestor Duarte, OrlandoMagalhes Carvalho. Otvio Monteiro de Camarqo, Paulo BerredoCarneiro. Paulo Duarte, Pedro Calmon Muniz de Bttencourt, PadrePedro Veloso, Plinio Sussekind Rocha. Sergio Buarque de Holanda eSergio Milliet,

    CONSELHO CURADOR

    Anisio Texera, Ernesto Luiz de Oliveira [unor, Hlio de BurgosCabal. Hlio Jaguaribe Gomes de Mattos, JOS Augusto de MacedoSoares. Nelson Werneck Sodr, Roberto de Oliveira Campos e RolandCavalcanti de Albuquerque Corbisier.

    DIRETOR EXECUTIVO

    Roland Cavalcant de Albuquerque Corbisier.

    DEPARTAMENTOS

    Filosofia - Alvaro Viera Pinto.Histri'a - Candido Antnio Mendes de Almeida.Cincia Poltica - Hlio Jaguaribe Gomes de Mattos,Sociologia - Alberto Guerreiro Ramos.Economia - Ewaldo Corra Lima.

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    MINISTttRIO DA EDUCAAO E CULTURA

    INSTI , P SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS.

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    FORMAO E PROBLEMA DA CULTURA

    BRASILEIRA

    A NAO COMO PROCESSO HISTRICO

    Ao empregar a expresso "cultura brasileira",de cuja formao nos vamos ocupar, no nos quere-mos referir apenas aos aspectos intelectual e arts-tico, religioso, literrio ou cientfico de nossa cultura,

    , ma.') totalidade das manifestaes vitais, que, emseu conjunto, caracterizam e definem o povo bras-leiro. A palavra por ns empregada no mesmosentido em que os franceses costumam usar a pala-vra civilizao, com a qual designam o objeto pr-prio da histria, seja a de tda a humanidade, sejaa de cada povo em particular. Poderamos, assim,desde que no'.') entendssemos previamente sbre osentido dos trmos, dar a uma histria de nosso Paso ttulo de Histria da Civilizao ou da CulturaBrasileira.

    Preferimos empregar a palavra cultura por v-rias razes. Em primeiro lugar, porque corresponde distino entre natureza e cultura, distino essaque no'.') parece fundamental para a determinaodo objeto prprio das cincias do esprito. Em rse-gundo, porque a palavra civilizao, principalmentedepois de Spengler, passou a ter sentido mais res-

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    trito, significando ou a esclerose, o "cadver" dacultura, ou ento, o conjunto dos ingredientes deuma cultura-especialmente as categorias e os m-todos da cincia, bem como os utenslios produzi-dos pela tcnica-, suscetveis de serem transferidospara o contexto de outras culturas e por elas assi-milados. A palavra teria assim um sentido maisamplo, significando a totalidade do processo cultu-ral, de que a civilizao no passaria de um mo-mento ou aspecto. Ao falar na formao da culturabrasileira, portanto, queremos aludir formaohistrica do povo brasileiro, no mesmo sentidoem que Jacob Burckardt se refere "Histria daCultura Grega" ou Alfred Weber "Histria daCultura".

    A moderna filosofia crtica da histria deixouclaro que o objeto prprio, o objeto especfico dacincia histrica, no se deixa esgotar pela crnicadas instituies polticas e sociais, das "idias", dasreformas, das guerras ou das revolues. O objetoespecfico da histria a totalidade da vida huma-na em movimento, na qual as instituies, as idias,as formas de produo, as obras de arte, as revo-luese as guerras no passam de momentos ou in-gredientes. A histria a biografia da cultura hu-mana em geral ou das diferentes culturas, em par-ticular.

    Compreender o homem, a partir de sua situa-o original, da sua presena na "circunstncia" ou"mundo", equivale a compreend-Io a partir de suainsero em determinado momento da histria, a his-toriciz-lo. Analgicamente, uma nao, um povo,

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    no algo de comparvel a uma coisa, ou a umobjeto, dado de uma vez por tdas, que permane-cesse igual a le mesmo e invarivel ao longo dotempo. Uma nao um processo que transcorre notempo, um processo histrico. Para compreend-lo, indispensvel renunciar razo fsico-matemtica,que imobiliza e solidifica tudo o que toca, como viuBergson com tanta agudeza, e apelar para a razonarrativa, contar uma histria.

    Insistiremos nesse ponto que nos parece de im-portncia fundamental. Ao. analisar as diversas ten-tativas de "interpretao" do Brasil, desde o livrofamoso do Conde Afonso Celso at ensaios maisrecentes, como "Retrato do Brasil" de Paulo Prado,"Psicologia da Revoluo" de Plnio Salgado, "Rai-zes do Brasil" de Srgio Buarque de Holanda, "In-troduo ao Estudo da Realidade Braslera" e"Conceito da Civilizao Brasileira" de Afonso Ari-nos e "Interpretao do Brasil" de Gilberto Freyre, fcil verificar que os erros mais graves dessas in-terpretaes decorrem da falta de conscincia his-trica, ou melhor, da falta de conscincia crtica dahistria. N esses ensaios, os diagnsticos a respeitodo "carter nacional" so formulados em trmos ele-tcos, na suposio de que existe um "ser" do Brasil,uma "substncia" nacional, dada de uma vez por t-das, substncia essa que seria possvel descobrir e ca-racterizar mediante a enumerao de seus atributos ouqualidades. A "substncia" do brasileiro, suporte dos ./seus atributos, tem sido caracterizada pela hospitali-dade, pela luxria, pela preguia, ou ento, pelacordialidade, pelo verbalsmo jactancioso, pela su-

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    tileza dos instintos, etc. De tal "substncia", arb-trriamente definida, de acrdo com o temperamen-to e as vicissitudes biogrficas dos autores, so ex~trados, dedutivamente, os defeitos e as qualidadesdo povo brasileiro. Em relao ao Pas, os daqns-ticos e os juzos de valor tambm so formuladosde acrdo com o que Bergson chama de "lgica dosslidos", como se o pais no Isse uma realidade "nferi", um processo em curso no tempo, uma realida-de imersa no fluxo heraclitiano, em constante mu-dana, mas um objeto slido, pronto e acabado, que possvel descrever como se descreve um mineralou uma planta. (nota e)

    A moderna cincia da histria nos leva a reco-nhecer que uma nao, como tdas as coisas huma-nas, no uma "substncia" mas uma "funo".Dessa nova perspectiva, perdem qualquer sentido os

    . diagnsticos e as apreciaes como os que acima re-ferimos, pois a histria de um povo no pode mais'ser concebida como um processo puramente lgico, semelhana de um raciocnio dedutivo em que asconcluses se limitam a explicitar o contedo laten-te das premissas. Um pas, a rigor, no coisa al-guma, mas est sendo, e o que est sendo, no mo-mento em que o consideramos, em 'sua realidade pre-sente, atual, s se pode compreender luz do seupassado e do seu futuro. "Tda conscincia, ensinaBergson, memria, conservao e acmulo do pas-sado. no presente. Mas tda conscincia anteci-pao do futuro. " Reter o que j deixou de ser,antecipar o que ainda no , eis a primeira funoda conscincia ... No haveria presente para a cons-

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    cincia se o presente se reduzisse ao instante ma-temti~o. sse instante apenas o limite, puramenteterico, que separa o passado do futuro; pode, arigor, ser concebido mas nunca percebido; quandopensamos surpreend-lo, j est longe de ns. Oque percebemos, de fato, certa espessura de dura-o que se compe de duas partes: nosso passadoimediato e nosso futuro iminente. Sbre sse passa-do estamos apoiados e sbre sse futuro estamos de-bruados; apoiar-se e debruar-se assim o prpriode um ser consciente". (1)

    O trecho que acabamos de transcrever, no qualo filsofo francs descreve a estrutura formal daconscincia em suas relaes com o tempo, nos ajudaa compreender a estrutura dsse processo temporalque a vida de uma nao. Para sabermos, porexemplo, o que o Brasil de hoje, o Brasil atual,no seria suficiente, como se poderia supor, conhe-cer o passado do nosso Pas, a sua histria pretrita.O conhecimento dessa histria , sem dvida, indis-pensvel, embora no seja suficiente, porque a con-figurao atual do Brasil no resulta apenas do quele foi, mas tambm, e principalmente, do que pre-tende ser. J no teria sentido, portanto, pelo fatode no mais corresponder realidade em formao,dizer que o Brasil um pas essencialmente aqrco-Ia. sse juzo no mais se ajusta nossa realidade,porque o Brasil est deixando de ser um pas agr-cola e se tornando um pas industrial, na medidamesma em que, empenhado em sua emancipao eco-

    (1) Henri Berqson, "L'Enerqie Spirituelle", pqs, 5-6.

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    nomica e cultural, adota e procura realizar o pro-jeto de industrializao como o nico capaz de pro~mover essa emancipao. Fomos, sem dvida, e decerto modo ainda continuamos a ser, um pas cujaestrutura econmica assentava na explorao aqrco-Ia. Todavia, em funo do ideal de independncia,concebemos outro projeto, de acrdo com o qual es-tamos procurando transformar a nossa realidade, aestrutura da nossa vida, fazendo-a evoluir das Ior-mas rurais e agrcolas para as formas industriais eurbanas.

    O Brasil no , portanto, uma coisa, um objeto,uma "substncia". uma ..funo", um processo quetranscorre no tempo, uma realidade ..in fer", umatotalidade em movimento, cuja estrutura daltca spode ser compreendida e explicada em funo dahistria. Salientemos, o que muito importante, que,do presente, no faz parte apenas o passado pr-ximo ou remoto, mas o futuro, considerado a curtoe a longo prazo. O que somos, ou melhor, o queestamos sendo, como nao, no , apenas, uma re-sultante do que fomos, mas do que pretendemos equeremos ser.

    SENTIDO DE NOSSA FORMAO

    Por ocasio da descoberta e mais tarde, duran-te os quatro sculos de colonizao, a poltica doImprio Portugus, em relao nova terra conquis-tada, no consistiu em criar as condies, em assen-tar os fundamentos que permitissem nova colniatornar-se mais tarde uma nao independente. O

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    .- 59.-

    propsito que animava os conquistadores no nosparece ter sido propriamente o de "dilatar a f",mas o de dilatar o Imprio, anexando novos dom-nios Coroa de Portugal. A preocupao de sa-quear a terra, extraindo dela as suas riquezas, coma menor soma possvel de trabalho, foi observadapor Frei Vcente do Salvador, ao dizer, dos colo-nizadores portuquses, que queriam servir-se da ter-ra "s para a desfrutarem e a deixarem destruda".Inscrevendo-se na histria do capitalismo mercantileuropeu, do qual no passaram de episdio, a con-quis ta e a colonizao da Amrica Portugusa, re-velam, por parte dos protagonistas da aventura ul-tramarina, a inteno predatria e o propsito ex-c1usivo de explorar as riquezas dos novos domnios,remetendo para os mercados europeus o fruto dessaexplorao.

    Do longo perodo que se estende desde o des-cobrimento at a proclamao da independncia,emerge, em linhas bastante claras, o sentido de acr-do com o qual se processou a colonizao do Brasil.Os ciclos de explorao do pau-brasil, da cana-de-acar e do ouro, revelam o intersse exclusivo dametrpole em manter a situao de dependncia naqual se achava a colnia. O aparelho institucionale administrativo destinava-se apenas a assegurar talsituao de dependncia, mantendo a ..complemen-taridade" de nossa economia voltada para a produ-o de matrias-primas e gneros alimentcios e aimportao de produtos acabados.

    O exame de nosso aparelho de produo, desua estrutura e de seu funcionamento, e o seu con-

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    fronto com as instituies polticas e admnstrat-vas que herdamos da colnia, nos mostram que oBrasil, at o como dste sculo, quer dizer, at osprimrdios da industrializao, no foi configuradoem funo dle mesmo, mas do exterior, como readescentralizada do capitalismo europeu, como em-prsa extrativa, destinada a explorar a mo-de-obraescrava ou servil e a abastecer de produtos prim-rios os centros econmicos dominantes. "Nossa eco-nomia, escreve Incio Rangel, nasceu e se desen-volveu como complemento de uma economia hete-rognea e sempre estve sujeita s suas vcssitu-des". (2)

    H um trao da nossa fisionomia que nos pare-ce, a sse respeito, extremamente significativo. Que-remos aludir desproporo existente entre o lito-ral e o interior, no s no que se refere ao nvelde civilizao e de cultura, mas tambm ao povoa-mento, ao que os tcnicos costumam chamar de den-sidade demoqrfica. J os primeiros cronistas se ha-viam impressionado com sse desequilbrio. assina-lando o aspecto litorneo de nossa civilizao, con-centrada, quase tda, na orla martima do Pas. Des-cobertos e colonizados por um imprio martimo,herdamos, dos quatro sculos de regime colonial,essa feio caracterstica que ainda conservamos,apesar dos vigorosos esforos que vimos empreen-dendo no sentido de conquistar o interior do pas,ainda quase vazio.

    Sobrevoando a carta geogrfica do Brasil, real-

    (2) Incio Ranqel, "Duelidede Bsica da Economia Brasileira",pg. 29. ed. do ISEB. Rio. 1957.

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    mente chocante o contraste entre o litoral e o inte-rior, que se desdobra aos nossos olhos em imensasextenses desertas. medida que avanamos da pe~riferia para o centro, e penetramos no "Interland" ,o que encontramos a terra primitiva, a geografiano dominada pelo homem, no transfigurada peloseu trabalho, no incorporada pelo seu esfro cultura e histria. Perdidas como ilhas na imensi-dade do oceano, as nossas cidadezinhas, as nossasaldeias arrastam uma existncia sonolenta e morna,isoladas umas das outras pela falta de meios de co-municao e transporte. No somos, no formamosainda um continente, porque continuamos a ser, comono tempo colonial, um arquiplago. Vivemos em com-partimentos estanques, isolados uns dos outros, comose residssemos em pases diferentes. O litoral emcontato com o exterior, de costas voltadas para ocentro, e o interior perdido nle mesmo, no abando-no, na pobreza, no torpor de sua existncia primitivae arcaica .

    Em seu excelente ensaio sbre o Brasil, o pro-fessor [acques Lambert acentuou essa caractersticade nossa formao, observando, com muita agudeza,que, "em quase todo o Brasil, 0'5 meios de transpor-te, quando existem, trazem ainda a marca da suaestrutura colonial, na qual as vias de comunicaodirqidas, voltadas na direo das metrpoles tran-satlnticas, levam para o mar. Nem as estradas deferro, nem as de rodagem, constituem uma rde des-tinada a ligar as diversas regies do Pas umas soutras, ou os pases vizinhos uns aos outros." (3)

    (3) Jacques Larnbert, "Le Brsil", pg. 9.

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    Construda em funo dos intersses da metrpole,conservou a nossa rde interna de comunicaesessa estrutura colonial, que pe o Pas em contatocom o exterior mas no o pe em contato com lemesmo.

    Nenhum dado da nossa realidade poderia sermais significativo do que sse, pois todos os outrosaspectos da nossa vida refletem, por assim dizer, aconfigurao de nosso sistema de comunicaes. Iso-lados em relao uns aos outros, ignorando a nossaprpria existncia, estivemos sempre voltados parafora, para o exterior, em funo de cujos interssese valores sempre vivemos.

    A distribuio da populao brasileira, atravsdo territrio de dimenses continentais, coincide tam-bm com a estrutura dos meios de comunicao, oque permite a Lambert observar que ..de sua estru-tura colonial. o povoamento do Brasil guardou umcarter martimo muito acentuado e o interior dopas vazio." (4:) Lambert quer referir-se, ao dizerque o interior do Brasil vazio, ao aspecto demoqr-fico de nossa realidade, embora o seu diagnsticonos parea ultrapassar o plano da demografia e apl-car-se aos demais aspectos da existncia nacional.

    A experincia de que o Brasil um pas inte-riormente vazio, co, no apenas no sentido demo-grfico, como acabamos de salientar, mas em umsentido muito mais radical e profundo, uma expe-rincia que no se esgota no plano da sociologia ouda psicologia, porque pe em questo o que pode-

    (4) Idem, pg. 49.

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    ramos chamar de estrutura ontolgica do homembrasileiro. Incidiramos numa contradio se preteri-dssemos fazer dessa estrutura ontolgica uma ..subs-tncia", dogmticamente definida, cujos atributos pu-dessem ser explicitados dedutivamente, maneiradas propriedades das figuras geomtricas.

    Queremos dizer que uma ..fenomenologia" dohomem brasileiro, que pretendesse desentranhar denossa existncia a ..essncia", o que h de prprio,de caracterstico em nosso modo de 'ser, chegaria,provavelmente, concluso, anloga de Ortegaem relao aos argentinos, de que o homem bras-leiro CO, interiormente vazio. (nota f)

    Fruto de uma "situao colonial", que estuda-remos melhor no prximo pargrafo, o homem bra-sileiro no foi configurado por uma histria e umacultura prprias, mas por uma histria e uma cultu-ra estranhas. Paradoxalmente-e essa contradio constitutiva da situao colonial-o que havia de..prprio" no brasileiro era o ..alheio", o seu con-tedo era o estranho, a sua interioridade estavaocupada pelo exterior. Carecamos de ser prprio,de densidade ontolqca, na medida mesma em queno ramos uma nao autnoma mas um pas colo-nial. Essa carncia, essa escassez metafsca, carac-terstica da situao de dependncia, se refletia tan-to na ausncia de histria quanto na ausncia dedestino. No tnhamos destino porque no ramossujeito mas apenas objeto da histria e no ra-mos sujeito da histria porque no tnhamos destino.O ..colonalsmo" nos afetava na totalidade do nossoser, e nos reduzia condio de receptculo de um

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    contedo estranho. A histria do Brasil era a his-tria de Portugal na Amrica.

    COLONIALISMO ECON6MICO E COLONIALISMOCULTURAL

    A situao colonial. de que nos ocuparemos nes-te pargrafo, pode ser analisada de vrios ngulos,que correspondem s diversas cincias da culturaou do homem. Podemos estud-Ia do ponto de vistaeconmico, social. psicolgico, poltico, histrico etc.Nenhum dsses pontos de vista, que, para efeitosmetodolgicos e didticos, abstrai e salienta deter-minados aspectos do fenmeno considerado, podeesqot-lo em tda a 'sua riqueza e complexidade.Mas, se a viso justa e global do fenmeno no sepode lograr mediante o estudo de alguns de seusngulos, tambm no possvel alcan-Ia por meioda justaposio ou da soma dsses aspectos parti-culares. O fenmeno social em sua totalidade nose pode configurar diante de ns como se Isse ummosaico, cujo desenho, a ptioti ignorado, se recons-tituisse pelo paciente ajustamento de suas peas. Noocorreria a ningum, claro, contestar a utilidadedsses estudos, que se revelam indispensveis a qual-quer tentativa de compreenso global do fenmeno.O que queremos dizer que essa compreenso glo-bal s se pode atingir partindo de outras categoriase empregando outros mtodos.

    Assim, por exemplo, o estudo das relaes en-tre colonizador e colonizado, em trmos de contatosentre raas superiores e povos primitivos (como se

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    a superioridade e o primitivismo Issem dados abstra-tos e no qualificaes da condio humana, "emsituao") torna impossvel a compreenso dessas re-laes, pois o comportamento do "primitivo" se alteraem face do "civilizado" e a pretensa objetividade docivilizado em face do primitivo no passa, na reali-dade, de uma interpretao, que reflete suas ambi-gidades psicolgicas, 'seus preconceitos de raa ecultura e seus projetos de dominao econmica epoltica. Essas relaes, consideradas do ponto devista psicolgico, 's podero ser devidamente inter-pretadas em funo de uma categoria mais amplaque as envolve e condiciona. O comportamento docolonizador em relao ao colonizado bem como areao dste em face daquele s se pode explicarpor meio da idia de "situao colonial" que a ambostranscende e determina.

    A compreenso no se pode alcanar partindoda parte para o todo, nem tampouco adicionando oujustapondo as diversas partes que, por hiptese, ocompem. A idia de totalidade prvia, pois s emfuno dela possvel "situar" os diversos ingre-dientes ou aspectos que a constituem. Alm da cate-goria de totalidade, no menos importante nos pa-rece a idia de movimento ou de processo dialtco.A "situao colonial" se nos apresenta, assim, naexpresso de Georges Gurvitch (5), como um ..fe-nmeno social total", euja estrutura e cujo funcio-namento s podero ser compreendidos luz daidia de totalidade e de daltca.

    (5) Ver Georges Gurvtch, "Phnommes sociaux toteux" in "Es-peit", maro de 1956,

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    Embora a situao colonial se nos apresentecomo um "fenmeno social total". quer dizer. comouma situao que afeta e determina, na totalidadede sua estrutura e de 'seu comportamento. todosaqules que nela se acham inseridos, h certos as~pectos dessa situao que parecem menos ostensivose visveis do que outros. Os povos que no tm auto-nomia poltica, por exemplo, nos parecem mais de-pendentes ou "coloniais" do que os povos que pos-suem essa independncia, embora ainda no tenhamlogrado sua emancipao econmica e cultural. Aautonomia poltica, no entanto, enquanto direito deautodeterminao. ser puramente formal e ilusriase no tiver como pressuposto a independncia eco-nmica e cultural. Pode ocorrer, sem dvida, queum povo econmcamente independente no consigaproduzir uma cultura original. O que queremos dizer que a independncia econmica condio neces-sria, embora no seja condio suficiente, da emen-cipao cultural.

    Se quisssemos definir uma nao e no umacolnia, deveramos incluir entre os seus traos ouingredientes consttutvos-e-alm do territrio, da ln-gua e da psicologia comum=-, a nfra-estrutura pr-pria e a coeso da sua economia. Sem sse arcabou-o, sem essa ossatura econmica no h nao. Adependncia econmica se apresenta. assim, como oprincipal ingrediente da situao colonial. Esqotan-do sua atividade na produo e na exportao dematrias-primas e de gneros alimentcios e na m-portao de produtos acabados, a colnia. como jvimos, no existe em funo dela mesma mas do

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    exterior. Tda a vida da colnia est referida aoestrangeiro, metrpole, pois pela venda aos mer-cados metropolitanos de seus produtos primrios quepode obter os meios de pagamento que lhe permitemadquirir as manufaturas de que carece.

    O colonialismo , assim, um "sistema", como dizSartre. Os grandes imprios, ou os imprios em ex-panso, no so organizaes filantrpicas, cujo pro-psito seja levar a todos O'S povos da terra os "be-nefcios da civilizao". Em recente artigo sbre ocolonialismo, considerado .do ponto de vista francse a propsito da insurreio argelina, Sartre pergun~ta -: "De que se trata? De criar indstrias nospases conquistados? De modo algum: os capitais deque a Frana "regorgita" no se iro investir nospases subdesenvolvidos; a rentabilidade seria incer-ta, O'S lucros a prazo longo; seria preciso tudo cons-truir, tudo equipar. E mesmo que isso Isse possvel,que vantagem haveria em criar, de alto a baixo, umaconcorrncia produo metropolitana? Os capitaisno sairo da Frana mas sero investidos em novasindstrias que vendero seus produtos manufatura-dos aos pases colonizados ... Mas, a quem essa novaindstria conta vender seus produtos? Aos arqel-nos? Impossvell Onde tomariam dinheiro para pa~gar? A contrapartida dsse imperialismo colonial a necessidade de criar um poder de compra nas co-lnias. E, sem dvida. so os colonizadores que sevo beneficiar de tdas as vantagens e que se votransformar em compradores eventuais. O colono ,antes de mais nada, um comprador artificial, criadodos ps cabea. no alm-mar, por um capitalismo

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    que procura novos mercados ..... Mas, "para ser com-prador, o colono precisa ser vendedor? A quem ven-der? Aos franceses da Metrpole. Que vender,sem indstria? Produtos alimentcios e matrias-primas?" (6)

    A "situao colonial", por isso mesmo que um "fenmeno 'social total", no caracteriza apenasa estrutura econmica do povo colonizado, mas tam-bm a sua superestrutura ideolgica e cultural. Semestabelecer relao de causa e efeito entre os doisplanos, mas registrando apenas a sua concomtn-da, verificamos que sem independncia econmicano h independncia cultural, embora, como j ob-servamos, a conquista daquela no acarrete, neces-sriamente a criao de uma cultura original.

    A anlise do complexo colonial, luz da cate-goria de totalidade, nos revela um rigoroso parale-lismo, uma rigorsa simetria, entre o que aconteceno plano econmico e o que ocorre no plano da cul-tura. Funcionando como um "instrumento" da me-trpole, o complexo colonial globalmente alienado,como observa Balandier, (7) e nessa alienao re-side, a nosso ver, o que h de essencial nesse com-plexo. A alienao implica a dependncia econmi-ca. mas no consiste apenas, nem se esgota nessa

    . dependncia. Repercute, por assim dizer, no planodo esprito ou da conscincia, em que passvel en-contrar estruturas e comportamentos anlogos.

    Uma filosofia do colonalismo-c-emprsa ainda

    (6) Jean Paul Sartre, "Le Colonialisme est uti Sstme" in "LesTemps Modernes" - n." 123, pgs. 1373~1374.

    (7) Georges Balander, "Socioloqte de la Dpendence", in "Ca-hiers Internetioneux de Sooiologie", vol. XII 1952, pgs. 52~53. ~

    ...

    -- 69--,

    no tentada-nos revelaria, por exemplo, que a co-lnia no cultura mas natureza. no histria masgeografia, no tempo mas espao, no vigliamas torpor, no sujeito mas objeto, no destinomas instrumento, no forma porm matria, no conscincia mas automatismo, etc. O desdobramen-to dessas antinomias poderia esclarecer todos os as-pectos do complexo colonial, iluminando a sua es-trutura e o seu processo. Para concluir sse ponto,ilustraremos a tese indicando o paralelsmo entre oplano econmico e o plano. cultural, em funo dascategorias de matria e de forma.

    Assim como, no plano econmico, a colnia ex-I porta matria-prima e importa produto acabado, assimtambm, no plano cultural, a colnia material etno-grfico que vive da importao do produto culturalfabricado no exterior. Ora, produzir matria-prima produzir o no ser, a mera vrtualdade, a merapossibilidade de ser, aquilo que s vir a ser quandoIr transformado pelos outros, quando receber aforma que os outros lhe imprimirem. Importar o pro-duto acabado importar o ser, a forma. que encar-na e reflete a cosmoviso daqueles que a produzi-ramo Ao importar. por exemplo, a cadillac, o ch-clets, a coca-cola e o cinema no importamos ape-nas objetos ou mercadorias, mas tambm todo umcomplexo de valores e de condutas que se achamimplicados nesses produtos.

    No plano cultural importamos idias prontase acabadas, que no conseguimos transformar e ass-milar simplesmente porque nos falta o rgo quepermitiria essa transformao. o instrumento que, no

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    plano do esprito, seria o correlato e o equivalente daindstria. No possumos o instrumento que nos tor-naria capazes de triturar o produto cultural estran-geiro a fim de utilz-Io como simples matria-prima,como 'suporte de uma forma nossa, original. Expor-tamos o no ser e importamos o ser. Somos o inv-lucro vazio de um contedo que no nosso porque alheio. Enquanto colnia no temos forma prpriaporque no temos destino.

    ERUDIO E TORPOR

    o que sabemos sbre as relaes do homemcom a sua "circunstncia", no sentido orteguianoda palavra, ou com o "mundo", na acepo hedeq-geriana do trmo, nos permite compreender a Ior-mulao do problema da cultura brasileira, em fun-o dessas categorias da filosofia da existncia.

    Se verdade que o eu concreto implica, comoingrediente constitutivo de sua entidade, a crcuns-tncia ou o mundo em que se acha inserido, e que adimenso propriamente humana do mundo a di-menso cultural, podemos desde j concluir que oproblema da "cultura" brasileira no nos "exte-rior", mas, ao contrrio, um problema prprio,pessoal, de cada um de ns. Queremos com issodizer que a "vvnca" dsse problema no depen-de do nosso arbtrio ou da nossa vontade, pois nonos podemos comportar como se a nossa vida trans-corresse sua revelia e no Isse por le afetada,como se a nossa existncia pudesse isolar-se dle,em compartimento estanque e incomunicvel.

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    o fato de nos acharmos imersos no contextocolonial, que a nossa circunstncia, o nosso mun-do, nos ~feta e qualifica na totalidade de nosso ser,configurando a nossa estrutura e condicionando onosso modo de ser, isto , o nosso comportamento. Oque nos parece importante compreender que esta-mos mergulhados no contexto ou na situao colo-nial como os peixes na gua, no sentido de que ocontexto nos envolve, nos impregna, nos determina,como uma atmosfera que nos penetrasse por todos osporos. Nenhuma imaqem.. metfora alguma, podertraduzir o grau de implicao recproca, a profun-deza do vnculo meta fsico que existe entre o homeme o mundo em que vive.

    Em artigo sbre os Estados Unidos, publicadoem 1932, pergunta Ortega: "Por que no se estudousse gigantesco fenmeno-vida colonial-em tdasua amplitude? No se trata da "colonizao", que o menos interessante e prembulo do resto; trata-se da "existncia colonial" depois da estrita colon-zao. Para penetrar a fundo no tema, seria precisoinvestigar tdas as reas do globo e tdas as gran~des etapas histricas ... A variedade dessas manifes-taes nos permitiria extrair a figura tpica da vidacolonial. Notaramos, ento, que atrs dessa pala-vra se oculta uma forma especfica da existnciahumana que possui sua fisiologia e sua patologiaprprias." (8)

    No poderamos desenvolver aqui, em tdas assuas implicaes, o tema do colonialismo. Reserva-

    (8) Ortega y Gasset, "Sbre Ias Estados Unidos", in "ObrasCompletas" - Tomo IV. pg. 139.

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    mos para outro ensaio o tratamento dsse assunto.de vital importncia para ns. Neste pargrafo pre-tendemos apenas chamar a ateno para certos aspec-tos do colonialismo que mais intimamente se rela-cionam com o problema do pensamento e da cultura.No poderemos ir alm de simples indicaes. por-que a compreenso global dsse tema implica o acla-ramento prvio da "situao colonial". entendidacomo fenmeno social total.

    Deploram os ensastas brasileiros. mesmo osmais recentes. e inclusive alguns que. por dever deofcio. deveriam estar em condies de explicar aqui-lo que se limitam a verificar, nossa tendncia imi-tao. ao mimetismo, cpia dos modelos estrangei-ros. etc. No ocorre, porm. a sses ensastas inda-gar porque razo apresentamos essa tendncia e te-mos sido levados. ao longo de nossa histria. a im-portar e reproduzir o pensamento estrangeiro. li-mitam-se. os mais lcidos. a verificar que a "cultu-ra" brasileira est marca da pela alienao. pela faltade autenticidade. Na "situao" em que nos encon-tramos j podemos compreender porque os socilo-gos. pensadores e ensastas que nos antecederam.no puderam ir alm da 'simples verificao daquiloque consideravam ser caracterstico da vida culturalno Brasil. No foram alm. no compreenderam. sim-

    \ plesmente porque no podiam compreender. Imersosno "contexto colonial". entendendo. ou melhor. vi-vendo a vida da cultura na forma da "leitura". eno da soluo efetiva de problemas. no podiam os"intelectuais" brasileiros distinguir. por exemplo. aerudio da cultura, e muito menos compreender que.

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    no cotnplexo colonial no h. no pode haver cul-tura, m~s apenas essa forma alienada da cultura que a erudi,\o.

    Se admitirmos que a cultura o que resulta datransformao da natureza pelo trabalho humano,verificaremos que a modificao do dado naturalou do mundo enquanto natureza. pressupe um pro-jeto. um modlo ideal. que nega o dado natural eserve de norma sua transformao. um enganosupor que o homem se defronta com problemas eque o mundo o desafia. corno imagina T oynbee. o homem que se desafia a si prprio. problematizan-do o mundo. na medida em que o interpreta luzde seus projetos ou ideais. a incidncia dssesprojetos sbre o dado natural que suscita os proble-mas. convertendo o mundo em repertrio de obst-culos e dificuldades.

    Ocorre que essa ..forma especfica de existn-cia humana", que a existncia colonial. no consistena realizao de um projeto prprio. mas na realiza-o de um projeto alheio. No contexto. no espaocolonial. os problemas so suscitados pelo projetoda metrpole. E assim como. no plano econmico.a metrpole dispe o sistema de comunicaes e detransportes da colnia em funo de seus nters-ses. colocando a colnia em contato com o exteriore no em contato com ela mesma. assim tambmo "complexo de inferioridade". problema tpico dapsicologia dos povos colonizados. suscitado nessespovos pelo projeto de dominao dos povos impe-rialistas. cuja ideologia implica a tese de sua supe=rioridade racial e cultural.

  • - 7-i -

    No tendo problemas prprios, por no ter pro-jeto ou destino original. a colnia no pode ter umacultura original, isto , uma cultura que 's~ criaria apartir da prpria origem. A sse respeito devemosobservar algo que nos parece da maior importncia.Essa origem, a partir da qual se tornaria possvel acriao de uma cultura prpria, no um repertriode mitos, de lendas ou de tradies que se ,perca noremoto passado, mas, ao contrrio, um ideal que sedesenha no futuro, um projeto de existncia coletiva,a conscincia de um destino comum, de uma tarefa aempreender e realizar na histria.

    A cultura implica viglia, conscincia desperta,tenso espiritual. esfro constante para resolver osproblemas que a realizao do projeto ou do destinosuscita. S vivemos em estado de viglia quando anossa vida consiste na realizao de um destino, noesfro dramtico para realizar, no mundo em quenos encontramos, o projeto que elegemos e assumi-mos como nosso. Na ausncia de destino, de tarefa,nossa vida se relaxa, se distende, e a falta do quefazer tende a apagar a conscincia e a instalar-nosna sonolncia, no torpor. (nota g)

    No tempo vazio, porque privado de protaqons-mo, o homem colonial no tem o que fazer, e a nicaforma da cultura que lhe possvel o conhecimentoda cultura alheia. Metaflscamente co, enche o seuvazio interior com os produtos culturais estranqei-ros, que nle se depositam, arbitrria e caprichosa-mente, sbre um fundo de torpor e sonolncia vege~tal. como as Ilhas mortas na superfcie das guasestagnadas. Desvinculado da realidade do pas, o

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    intelectual brasileiro carecia de tarefa prpria epodia fazer o que quisesse, porque tudo o que faziaera igualmente arbitrrio e indiferente. Subprodutoda cultura estrangeira, emergindo do torpor em es-pasmos peridicos de lucidez, o "homem real daAmrica, escreve Zum Felde, anda como sonmbu-10; e sua conscincia intelectual de viglia algo pos~tio, alheio. Intelectualmente estrangeiro no pas desua prpria realidade, v tudo atravs das lunetasde sua cultura livresca. O homem culto americano-e o intelectual em grau nrxmo-e- um colono, noum nativo." (9)

    ALIENAO E INAUTENTICIDADE

    Ir

    J tivemos ocasio de observar, em trabalho an-terior, (10) que a "alienao constitui a essncia do t,complexo colonial". Salientamos, a sse respeito, quea colnia, organizada como um "instrumento" a ser-vio da metrpole, no tem sua razo de ser em simesma, mas nos intersses do pas colonizador. Eassim como um instrumento algo de que um sujeitose utiliza para realizar, por meio dle, determinadoprojeto, assim tambm a colnia, carecendo de auto-nomia, e no tendo sua razo de ser em si mesma,se comporta como instrumento a servio das naesque so protagonistas e sujeito da histria. A col-nia se configura e existe em funo do "outro".

    As relaes do pas colonial com a metrpole

    (9) Alberto Zum Felde, "RI Problema de Ia Cultura Americana".pqs. 30-31.

    (10) Ver "Situao e Alternativas da Cultura Brasileira". nestevolume. pg. 21 e segs.

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    so semelhantes s do escravo com o 'senhor. O es-cravo uma "coisa". um "objeto". em face do se-nhor que "sujeito" e "liberdade". Vendo-se nocom os prprios olhos mas com os olhos do senhor.que "mediatza" as suas relaes com le prprio. oescravo est alienado na essncia do prprio ser.No se pode encontrar. no se pode "reconhecer"porque entre a sua conscincia e o seu ser se nter-pe a liberdade do senhor. cujo olhar o converteem objeto. Privado de liberdade. alienado pela me-diao do senhor. o escravo no pode ..descobrir"a prpria condio de escravo. pois no se v dre-tamente a si mesmo. uma vez que contempla a pr-pria imagem na liberdade do senhor.

    O "complexo de nfer.oridade" que. como jobservamos. tpico dos povos coloniais. implicauma "cosificao" da idia do povo colonizado naconscincia do elemento colonizador. supe a for-mao de um esteretipo atravs do qual o povodominado se v a si prprio com a ptica do povocolonizador. Devendo efetuar-se simultneamente emdois planos. no plano material e econmico. em quese afirma a superioridade militar. tcnica e cientficados conquistadores. e no plano ideolgico. em quese devem elaborar as justificaes e as racionaliza-es dos impulsos vitais. da vontade do poder e dedomnio. a emprsa colonizadora no pode prescin-dir dessa "cobertura" ideolgica com a qual procurasancionar. no plano das conscincias. o fato brutodo confisco e da espoliao.

    Observamos. em pargrafo anterior. que a co-lnia. exportando matrias-primas e produtos natu-

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    rais, exporta o no ser. e. importando produtos aca-bados. importa o ser. Ora. se verdade. como ens-na Hegel. que s nos "reconhecemos" por interm-dio das "objetvaes" do nosso esprito. sse reco-nhecimento se torna impossvel na colnia. na me-dida mesma em que tal objetivao frustrada pelamediao do senhor. Procuremos exemplifcar. Aofabricar um objeto. um utenslio. o homem imprimeuma forma determinada em matria preexstente, ou.com outras palavras. objetiva. quer dizer. transferepara o mundo dos objetos uma imagem que. atento. permanecia na intimidade do 'seu esprito.Assim. o homem se encontra e se "reconhece" nassuas obras. que lhe devolvem. como os espelhos. aprpria imagem. Dizer isto dizer que o homem sedevolve a si mesmo e se reconhece pelo. trabalho.pois pelo trabalho que transforma a natureza eimprime na matria a forma que revela e exprime a'Sua subjetividade.

    O "ser" do homem se "revela" nas obras queproduz. no que realiza ao longo da sua existncia.Devemos. porm, observar que o trabalho pelo qualo homem se revela a si mesmo o trabalho livre eno o trabalho escravo, porque neste, embora trans-forme o dado natural. o homem se comporta comosimples instrumento a 'servio de projetos e inters-ses alheios. No trabalho escravo. o que se revela no o ser do escravo. reduzido mera condio deinstrumento. mas o ser do senhor. Que a pirmideegpcia seno o tmulo do Fara?

    Trabalhando para "outro'Le no "para si". oescravo "objetiva" o esprito do senhor, e no o

  • prprio esprito. A imagem que as coisas que produzou ajuda a produzir lhe devolvem, no a sua, masa do senhor. Impedindo-o de entrar em contato con-sigo mesmo, frustrando o seu "reconhecimento", avontade do senhor o obriga a produzir coisas e apensar com idias que no fazem seno objetivar asua alienao. O senhor se v a si prprio atravsdo escravo, refletido na sua humilhao, no seu te-mor, na sua doclidade. O escravo, porm, no seencontra, porque o espao da sua conscincia e dasua existncia est ocupado pelas "objetivaes"(produtos manufaturados e idias) do esprito dosenhor.

    A colnia, portanto, est para a metrpole comoo instrumento para o sujeito que dle se utiliza, comoo escravo para o senhor. A sua essncia a alienao.Ora, em um contexto social globalmente alienado,a cultura est ineoitoelmente condenada ineuten-ticidade. Se uma cultura autntica a que se elabo-ra a partir e em funo da realidade prpria, do"ser" do pas que, como vimos. consiste no projetoou no destino que procura realizar, a colnia nopode produzir uma cultura autntica por isso mesmoque no tem "ser" ou destino prprio. A sua culturas poder ser um reflexo, um subproduto da culturametropolitana. e a inautenticidade que a caracteriza uma conseqncia inevitvel da sua "alienao".

    Os temas com que se tem entretido o pensa ...mento brasileiro no so suscitados por um projetoprprio e original, projeto sse que, incidindo emnosso contexto natural ou, se quiserem. na dimensonatural de nossa "circunstncia''. faria surgir os ..pro~

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    blemas" de que nos deveramos ocupar, mas, aocontrrio. na ausncia dsse projeto prprio, o pen-samento brasileiro, no tem podido fazer outra coisaseno "divertir-se", no sentido etmolqco e pasca-liano do trmo e afastar-se de s mesmo com o tra-tamento de problemas alheios. At h bem poucotempo os intelectuais brasileiros nada sabiam a res-peito do Brasil, mas escreviam, muitos dles semnunca terem ido Europa, sbre Goethe e Schiller,Cervantes e Shakespeare, Mallarm e Proust. Imer-sos no contexto colonial e incapazes, por isso mes-mo. de tomar conscincia da prpria alienao, es-tavam condenados nautentcdade, a imaginar quea atividade intelectual, a vida do esprito, consistiaem ler, traduzir, comentar e citar os autores estran-geiros, em importar idias e problemas alheios.

    Explica-se. assim, o carter livresco e palavro-so da nossa cultura. Vazio de sentido prprio, pri-vado de tarefa especfica, o intelectual brasileiroestava condenado a importar e consumir idias pron~tas e acabadas, que permaneciam como "coisas" nasua conscincia. como produtos finais, objetos opa ...cos, que lhe ocultavam no s a realidade do pas,impedindo-o de descobri-Ia, mas a sua prpria rea-lidade. A funo normal da idia, quando resultade um processo endqeno de formao, a de me...diadora transparente do real. atravs das idiasque descobrimos o real, atravs do discurso lgico.do "loqos", que o "ser" se revela nossa conscin-cia. A palavra surge, ento, como o corpo transpa-rente da idia. como instrumento capaz de propiciaro desvelamento do mundo.

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    Colonizado mentalmente, o intelectual brasilei-ro assim como utilizava, sem transform-los, os pro-dutos acabados da indstria estrangeira, assim tam-bm pensava, sem transform-Ias, com as idias pron-tas que lhe vinham de fora. Como se engolisse pedrasem lugar de alimentos, no digeria o produto cul-tural estrangeiro, no o incorporava sua substn-ca, no o fazia circular em seu sangue. No via oreal atravs dessas idias, mas se detinha na visodas prprias idias, que, por serem opacas, lhe ocul-tavam, em vez de lhe revelar, o mundo em que real-mente vivia.

    Perdido nos "outros", sua cultura se reduzia erudio, quer dizer, ao conhecimento lvresco dasculturas, alheias. Seu conhecimento da cincia eracomparvel posse de um instrumento do qual nuncafizesse uso, do qual no 'se soubesse utilizar. Conhe-cia, por exemplo, tda a sociologia estrangeira, eracapaz de escrever tratados e dar cursos sbre essacincia, mas era incapaz de utliz-la como instru-mento que lhe permitisse fazer uma interpretaosociolgica da vida, da realidade do prprio pas.Poderia escrever ensaios e teses repletas de citaese de referncias sbre Durkhem, Levy-Bruhl ouFranz Boas, teses nas quais se perderia em cons-deraes -interminveis sbre o objeto e o mtodo dasociologia segundo sses autores, mas seria incapazde fazer a sociologia do carnaval, do futebol, daseleies ou dos partidos polticos brasileiros. O co-nhecimento lvresco e erudito dessa cincia no lhepermitia ter uma viso, uma interpretao sociol-gica da sua circunstncia, do seu prprio mundo. A

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    cincia nada lhe revelava, permanecendo em suaconscincia como um biombo que lhe vedava o des-cobrimento da realidade. A cincia era algo que seesgotava nas tarefas do ensino, algo que se ensina-va aos alunos para que stes, depois de formados,a ensinassem a outros alunos que, por sua vez, a en-sinariam a outros alunos e, assim, indefinidamente.No se chegava jamais aplicao prtica das ca-tegorias e dos mtodos da cincia, na interpretaoe na soluo dos nossos problemas. No sabamosque a cincia no um? "coisa", mas o processopelo qual nos procuramos cientificar a respeito dascoisas. Ignorvamos, tambm, que a verdade de-sempenha, na estrutura da existncia humana, umafuno "vital", e que, se "pensamos" e procuramos,por meio do pensamento, "descobrir" o "ser" dascoisas, no por prazer, por simples curiosidade oudesejo "natural" de saber, mas porque sse conhe-cimento do "ser" das coisas condiciona nosso com-portamento em relao a elas. Precisamos, para po-der viver-viver lidar com as coisas-saber o queas coisas so.

    A cultura brasileira se reduzia a uma culturade palavras, a uma construo verbal. cujo valor eeficcia jamais poderiam ser comprovados, pois ja-mais eram postos em confronto com o real. Nossacultura no era uma resposta ao "desafio" da cir-cunstncia brasileira, mas uma exegese erudita dasrespostas que os outros povos souberam dar ao de-safio que receberam das suas circunstncias. Apri-sionados na alienao, os intelectuais brasileiros nopensavam" mas "liam", e 'sua vida de esprito se

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    reduzia leitura e ao comentrio da leitura. Atola-vam-se nos livros, que para les eram um fim e noum meio, e que por isso mesmo no os remetiam anada que estivesse alm dos livros. Liam para ler,para ter lido e poder conversar sbre livros. Noliam para ver melhor, como se come para sobrevi-ver. Incultos e eruditos, expatriados e marginais, vi-vendo em pas sem destino prprio, no foram inau-tnticos por malcia ou pecado do esprito, mas sim-plesmente porque se achavam "em situao", imer-sos em um contexto histrico, em uma "forma espe-cfica da existnca humana" que se caracterizavapela dependncia e pela alienao. (nota h)

    ( 11) va-. neste volume, pg. i 1.

    vimento que denunciam, no quadro da dependncia,um obstculo aos movimentos de emancipao." (12)

    No pretendemos, ao salientar essa implicaorecproca, adotar a tese marxista, segundo a qual ascriaes culturais no passam de epfenmenos doprocesso de produo econmica. Todavia, emborarejeitemos a tese marxista, no pretendemos aceitara tese idealista, de acrdo com a qual os produtosda cultura, as criaes do "esprito", nada tm a vercom a nfra-estrutura econmica da sociedade. Atese de que as idias se geram a si mesmas, semconexo com os fatres reais do processo social,coincide geralmente com 03 intersses das classesdominantes, no passando de uma "ideologia" queos procura mascarar e justificar.

    Do ponto de vista em que nos situamos, a so-ciedade se nos apresenta como um fenmeno total,em que a nfra-estrutura econmka e as superestru-turas culturais no passam de aspectos ou nqre-dentes. Dessa perspectiva globalista, no tem sen-tido estabelecer relaes mecnicas de causa e efeitoentre o econmico e o cultural, como se um deter-minasse necessriamente o outro ou vce-versa. Oque nos parece existir, entre os dois planos uma"implicao daltica", de tal sorte que as modifica ..es que se operam em um provocam ou tendem aprovocar transformaes anlogas no outro. Ora o fenmeno cultural, a "idia" -j configurado den-tro de uma estrutura que, em suas linhas gerais,reflete o modo ou sistema de produo-que, ma-neira de um estimulante, incide no processo econ-

    DESENVOLVIMENTO E AUTOCONSCIBNCIANACIONAL

    No ensaio a que j fizemos referncia, obser-vamos que ..a tomada de conscincia de um paspor le prprio no ocorre arbitrariamente, nem re-sulta do capricho de indivduos ou de grupos Isola-dos, mas um fenmeno histrico que implica eassinala a ruptura do complexo colonial." (11)

    Salientamos, tambm, que a tomada de cons-cincia se opera no s em conseqncia das guer~ras, das revolues e das crses.e=que fazem o pasrefluir sbre si mesmo e o obrigam a inventar solu-es prprias para os problemas que a conjunturalhe apresenta-mas "a partir das novas relaeseconmicas e culturais, das exigncias do desenvol-

    (12) Idem, pg. 44.

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    mco. provocando a sua acelerao; ora o Ien-meno econmico, que pela magnitude e urgncia dosproblemas que apresenta, desafia o homem, Ioran-do-o a tomar conscincia dsses problemas e inven-tar suas solues.

    A categoria de "totalidade" nos leva a cons-derar os dois planos ou as duas ordens de Ienme-nos com ingredientes de uma s realidade que aambos transcende, e que o fenmeno social global.A idia de implicao daltica nos permite compre-ender que a ao que os dois planos exercem umsbre o outro no unvoca, mas, ao contrrio, plu-rivoca, variando no tempo e no espao de acrdocom a estrutura do complexo social.

    No que se refere situao ou complexo colo-nial, cuja estrutura pouco diferenciada, as rela-es entre as duas ordens de fenmenos 'so maissimples, pois ambas traduzem a situao de depen-dncia ou de alienao em que a colnia se encon-tra. Compreende-se, assim, que a ruptura e a supera-o do complexo colonial s se possa fazer medan-te uma transformao qualitativa e global da soce-dade colonizada. No se trata de mudana quant-tativa-s-que se poderia exprimir no crescimento de-mogrfico ou no aumento da produo e das expor-taes, por exemplo, ou na multiplicao das esco-Ias, bibliotecas e hospitais-mas de uma transfor-mao estrutural que modifica a prpria essncia, oprprio ser da sociedade at ento dependente.

    A transformao das estruturas de base, queimplica a substituio das importaes, a criao daindstria nacional e do mercado interno. embora

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    corresponda a necessidades reais e no fictcias doprocesso social, no se realiza mecnicamente, pormeio de gestos sonamblcos e inconscientes, mas,ao contrrio, por meio de comportamentos livres,racionalmente planejados e executados. Essa trans-formao das estruturas de base-que j implicamudana de "mentalidade", e a incidncia, no pro-cesso econmico e social, de um projeto conscen-te de transformao-acarreta e provoca, por suavez, transformaes paralelas e simtricas no planoda educao e da cultura. A industrializao do pasrequer a formao de tcnicos capazes de projet-Ia edrq-la. Requer, portanto, a transformao do apa-relho pedaggico e a criao de escolas tcnicas eprofissionais, de institutos de pesquisa, cuja orqan-zao. cujos programas e mtodos de ensino estejamadequados s novas exigncias dsse projeto detransformao. Exige ainda, alm da formao detcnicos, de economistas, de engenheiros e mdicos,a formao de polticos, de homens dotados de visoglobal e panormica dos problemas nacionais, capa-zes de planejar, em conjunto. o desenvolvimento doPas.

    A transformao do aparelho pedaggico e cul-tural reopera sbre as estruturas de base, aceleran~do e orientando o processo de desenvolvimento eco-nmico. A criao da fbrica repercute em todo ocomplexo da vida nacional, exigindo a formaode tcnicos e de mo-de-obra especializada, e a For-mao dsses tcnicos e dessa mo-de-obra suscita,por sua vez, a criao de novas indstrias, ondepossam exercer sua atividade. Resultando de um

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    projeto, ou da integrao de inmeros projetos cons-cientes e racionais, o desenvolvimento nacional re-quer, para que se possa realizar ordenada e nocaoticamente, com o mximo aproveitamento dos re-cursos disponveis, um planejamento global, cuja ela-borao implica a formulao prvia de uma ideologia.

    Realzando-se smultneamente nos dois planos,o desenvolvimento do Pas implica e requisita o es~Iro de autoconscincia, pois a transformao ra-cional da nossa circunstncia exige o seu prvio co-nhecimento, conhecimento sse que, por sua vez, sse torna possvel em conseqncia dsse projeto an-terior de transformao. Dalticamente implicados,os fatres reais e ideais reoperam continuamente unssbre os outros, o processo econmico exigindo oesfro de autoconscincia e ste, por seu turno,contribuindo para intensificar e dirigir aqule.

    S agora, portanto, nessa transio de fase emque nos encontramos, comeam a surgir as condi-es reais que nos permitiro lanar as bases de umpensamento nacional autntico. Voltados, abertospara a realidade do Pas, que precisamos conhecerpara saber como nos comportarem relao a le epoder modfc-lo, sentimos, finalmente, a imperiosanecessidade de nos vermos com 0'05 prprios olhos,de forjar as categorias que nos permitam elaboraruma interpretao objetiva do nosso prprio ser. luz do projeto ou da ideologia do desenvolvimentonacional tomamos conscincia de ns mesmos, doque somos e do que queremos ser, tomamos cons-cincia da nao como de uma tarefa. de uma em-ptse comum a realizar no tempo.

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    Entendida como autoconscincia da cultura,uma fil~sofia brasileira implicar o prvio reconhe-cimento.\ o diagnstico da situao colonial. Enten-dida como tarefa histrica de libertao e no comoexerccio acadmico. no ser uma reflexo desin-teressada sbre o mundo e sbre ns mesmos, mas,ao contrrio, uma arma que nos permitir transcen-der o colonialismo e edificar a nossa prpria cultu-ra. Libertando-nos do complexo colonial. na medidaem que toma conscincia dle e o converte em objeto,uma filosofia brasileira nos trar a revelao de nOS'3aprpria entidade, de nosso ser como destino. Con-vertendo-nos ao Brasil e nos reconciliando comnossa circunstncia. nos reconciliar com ns mes-mos, tornando autntica a nossa existncia. Enqa-jados no processo histrico da nao. como van-guarda consciente de seu desenvolvimento, no se-remos mais os gratuitos comenta dores do pensa ...mento estrangeiro. mas os intrpretes lcidos dodestino nacional. Se verdade, como j se disse.que "no h movimento revolucionrio sem teoriado movimento revolucionrio", no haver desen .volvimento sem a formulao prvia de uma deo .logia do desenvolvimento nacional.

    No nos parece ser outro o problema da cultu-ra brasileira. o problema, quer dizer, a dificuldade,o desafio que se apresenta a cada um de ns, a todosaqules que representam a inteligncia do Pas. Pen-sando "em situao". estamos convocados a elabo-rar a ideologia que nos permita decifrar o Brasil.transpondo o obstculo histrico que a sua criseatual representa. No pensaremos mais pelo prazer

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    de pensar, mas para resolver um problema rqentede sobrevivncia, para dar forma e estrutura a umPas que despertou e no mais pode prescindir deuma ideologia em que se possa encontrar e reco-nhecer.

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    NOTAS