foco na dengue

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A PERIFERIA SE MOVE NO HIP-HOP QUIMICO FRANCES PROPOE A REINVENCAO DA COZINHA ´ PAC AMPLIA RECURSOS PARA C&T BRASIL PRODUZ PLASTICO VERDE DE ETANOL A PERIFERIA SE MOVE NO HIP-HOP QUIMICO FRANCES PROPOE A REINVENCAO DA COZINHA ´ ˆ PAC AMPLIA RECURSOS PARA C&T Ciência eTecnologia no Brasil Dezembro 2007 Nº 142 EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA Foco na dengue CIENTISTAS DÃO NOVAS PISTAS PARA O CONTROLE DA DOENÇA ˆ ´ BRASIL PRODUZ PLASTICO VERDE DE ETANOL CIENTISTAS DÃO NOVAS PISTAS PARA O CONTROLE DA DOENÇA Dezembro 2007 Nº 142

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Pesquisa FAPESP - Ed. 142

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A PERIFERIA SE MOVE NO HIP-HOP

QUIMICO FRANCES PROPOEA REINVENCAO DA COZINHA

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BRASIL PRODUZPLASTICO VERDEDE ETANOL

A PERIFERIA SE MOVE NO HIP-HOP

QUIMICO FRANCES PROPOEA REINVENCAO DA COZINHA

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Dezembro 2007 ■ Nº 142

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CIENTISTAS DÃO NOVAS PISTAS PARA O CONTROLE DA DOENÇA

Dezembro 2007 ■ Nº 142

CAPA pesquisassinan 142 11/28/07 17:23 Page 1

A responsabilidade socioambiental tem raízes fortes na CAIXA.

O dia-a-dia da CAIXA é tornar possíveis

pequenos e grandes sonhos. E a CAIXA

tem uma coisa que deixa todo brasileiro

feliz: responsabilidade socioambiental.

Um compromisso que possui diferentes

faces. Investir em tratamento de água

e esgoto é uma delas. Implementar ações

dos Objetivos de Desenvolvimento do

Milênio é outra. Reduzir gastos

e desperdícios internos é mais uma.

São muitas e muitas faces. E cada uma

delas busca, no fi m das contas, melhorar

a natureza e a sociedade em geral.

E, assim, abrir um sorriso no seu rosto e

nos rostos dos 190 milhões de brasileiros.

www.caixa.gov.br

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PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ 3

IMAGEM DO MÊS*

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Arco-íris cerebral

Pesquisadores da Universidade Harvard desenvolveram uma combinação de proteínas fluorescentes, produzidas por meio de engenharia genética, quesão capazes de colorir neurônios de camundongos com até 90 tonalidadesdiferentes. As experiências com a nova técnica, batizada de “arco-íris cerebral”,foram publicadas na revista Nature. O objetivo é auxiliar na visualização dos circuitos do sistema nervoso, permitindo que se enxerguem melhor as diferenças entre os cérebros sadios e os atingidos por certas doenças. O trabalho é liderado por Jean Livet, do Departamento de Biologia Molecular e Celular e do Centro de Ciência do Cérebro de Harvard.

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DEZEMBRO 2007

> ENTREVISTA

10 Luiz HildebrandoPereira da Silva falados avanços das pesquisas comquimioterápicos que podem bloquearação de parasitas

> POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

22 INVESTIMENTOS

Governo federaldestinará R$ 42,1bilhões para ciência,tecnologia e inovação

26 AVALIAÇÃO

USP e Unicamp galgam posições em rankingmundial de universidades

28 SAÚDE

Anvisa vairegulamentarimportação eexportação de materialpara pesquisa

29 FOMENTO

Levantamento avalia a experiência do programa Apoio aJovens Pesquisadores

> AMBIENTE

30 GEOGRAFIA

Especialistas criamíndice que revela as áreas da Amazôniamais sujeitas a desmatamento

32 MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Acidentes naturaisexigem novasestratégias de comunicação de cientistas com gestores públicos

34 ENERGIA

Time escolhe JoséGoldemberg um dos “heróis do meioambiente” por estudo sobre etanol

> CIÊNCIA

40 CAPA

Estudos buscamalternativas paracombater o transmissorda dengue

46 Instituto Butantan testará vacina contra a doença desenvolvida nos Estados Unidos

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> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 16 ESTRATÉGIAS 36 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS ..............................

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> HUMANIDADES

80 ANTROPOLOGIA

Hip-hop oferece aos jovens da periferia a chance de existência social

86 HISTÓRIA

Em pleno século XVIII,padre baiano quis unir judeus e cristãos

90 SOCIOLOGIA

Relação entre aborto ecriminalidade defendidapor governador do Rio é condenada por estudiosos dos dois temas

CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO JAMES GATHANY/CDC

48 FÍSICA

A longa jornada dos raios cósmicos e dos cientistas quequiseram saber de onde poderiam vir

52 EVOLUÇÃO

Comparando genes de diferentes povos,biólogos tentamexplicar como os sereshumanos surgiram

55 NEUROCIÊNCIA

Comunicação entrecérebros e máquinasaproxima prótesesrobóticas da realidade

56 QUÍMICA

Francês que inventougastronomia molecularquer mudar a formacomo o homem cozinha

> TECNOLOGIA

66 NOVOS MATERIAIS

Etanol e bactérias sãoas matérias-primasutilizadas por empresaspara fabricar plásticossubstitutos dosderivados de petróleo

72 MICROBIOLOGIA

Enzimas degradamproteínas e garrafasPET e podem ter novos usos industriais

76 BIOCOMBUSTÍVEL

Pesquisadores da USP utilizam lipasee etanol na produçãode biodiesel

78 ENGENHARIA QUÍMICA

Equipamento recupera cobre eníquel descartados nos processos de recobrimento de peças metálicas

.............................. 62 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR> EDITORIAS > POLÍTICA C&T > AMBIENTE > CIÊNCIA > TECNOLOGIA > HUMANIDADES

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6 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

[email protected]

■ Para anunciarLigue para: (11) 3838-4008

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereçoEnvie um e-mail: [email protected] ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418

■ Assinaturas de pesquisadores e bolsistasEnvie e-mail para [email protected] ligue (11) 3838-4304

■ Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem.Tel. (11) 3838-1438

■ Site da revistaNo endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

■ Opiniões ou sugestõesEnvie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

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As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução.

Licença para ser mãe

Gostaria de aproveitar a oportunida-de concedida pela tímida nota “Li-cença para ser mãe”(Estratégias,edi-ção 141) para solicitar uma análiseprofunda de quão injusta e cruel éa lei aplicada no meio acadêmico emrelação às bolsistas de pós-gradua-ção,em especial no doutorado.Serao mesmo tempo mulher,mãe e pes-quisadora não é algo permitido emnosso meio.Alunas de doutoradobolsistas que engravidam sofrem porcausa da insegurança do proces-so novo que amaternidade traz,sofrem pelo tem-po que irão per-der de pesquisa ede resultados quepoderiam alcan-çar e ainda sofremcom a suspensãoda bolsa no pe-ríodo de licença-maternidade. Épreciso questio-nar esse sistema.Vamos transfor-mar em nossos“ídolos”os res-ponsáveis pela Conicyt do Chile queapóiam (apesar de tardiamente,masnuma iniciativa extremamente váli-da) a participação das mulheres naciência e tecnologia,sem ceifar delasum direito de querer contribuir paraevolução científica e poder ser mãesem culpa.Esse é um questionamen-to de uma doutoranda,que sentiuo mal que o sistema imposto por es-sa regra absurda faz.Sou mãe e alu-na bolsista de doutorado!

SUÉLIA RODRIGUES

Goiânia, GO

Imagem do mês

Fiquei muito contente ao deparar-me com a fotografia da seção “Ima-gem do mês”(edição 141) retratan-do o trabalho de salvamento arqueo-

lógico pelo Instituto de ArqueologiaBrasileira (IAB) durante as obras derestauração da Igreja de Nossa Senho-ra do Carmo da Antiga Sé,nos prepa-rativos da comemoração do bicente-nário da chegada da família real aoBrasil.O arqueológo da fotografiachama-se Divino e chefiou a equipedurante a primeira etapa do projeto.

PAULO CLARINDO

CENTRO DE MEMÓRIA DA BAIXADA

FLUMINENSE

São João de Meriti,RJ

Cratera deAraguainha

Os relevantes da-dos da cratera aber-ta por ummeteori-to há 254 milhõesde anos na divisaentre Mato Gros-so e Goiás (edição140), local onde fi-cam os municípi-os de Ponte Bran-ca e Araguainha,representam infor-mações que inspi-

ramexplicações sobre a modelagemsuperficial da troposfera do planetaTerra, durante milhões de anos, pe-los meteoros oriundos do espaçocósmico.A questão educacional im-pulsionada pelas informações geoló-gicas,mais bem compreendidas naatualidade,podem realmente fomen-tar um crescimento do turismo sus-tentável na região,estimulando,porexemplo,a prática do chamado geo-turismo e,por que não,o geoeco-turismo,como formas de preserva-ção das rochas,da fauna e flora daregião.

MARTE FERREIRA DA SILVA

Atibaia, SP

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

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PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ 7

S oa um tanto estranho,um tanto incô-modo:começamos e encerramos o anode 2007 com a dengue na capa da Pes-

quisa. A indagação incontornável que o fa-to propõe a posteriori é se essa doença tor-nou-se tão importante no panorama dasaúde pública no Brasil,ou tão desafiadorapara pesquisadores brasileiros envolvidoscom epidemias e doenças tropicais,a pon-to de justificá-lo plenamente em termoseditoriais.Antes de uma resposta peremp-tória,vamos a alguns dados:em dezembrode 2006,com as estatísticas oficiais apontan-do 300 mil casos e 61 mortes registrados noano,até o mês de outubro,antevia-se quejaneiro de 2007 chegaria junto com o temorde uma nova epidemia de dengue no país.Certamente não tão violenta quanto a de2002 – quando os casos notificados bate-ram em quase 800 mil –,mas uma epide-mia de qualquer sorte.Em paralelo,o anoestava a se encerrar com belas notícias decaráter científico-tecnológico para o con-trole futuro e o combate frontal da doença.Por exemplo,um sistema de monitoramen-to do Aedes aegypti articulado com uma ar-madilha orientada para atrair fêmeas grávi-das do mosquito e a expectativa de desen-volvimento de um Aedes transgênico estéril.

Já em novembro último,as estatísticasoficiais mostravam para o período de ja-neiro a setembro de 2007 um aumento de40% dos casos registrados de dengue emrelação à totalidade do ano anterior.Aosnúmeros:2006 fechou com quase 346 milcasos do tipo comum,682 casos da formahemorrágica e 76 mortes,enquanto 2007,até setembro,registrou pouco mais de 481mil casos da forma comum da doença,1.071 da forma hemorrágica e 121 mortes.O Ministério da Saúde comemorava,en-tretanto,uma redução das regiões maissuscetíveis à disseminação da dengue nopaís.Se em novembro do ano passado nes-sas regiões estavam 10,4 milhões de pes-soas,agora elas diminuíram e são o terri-tório de vida de 3,8 milhões de brasileiros.

É importante a essa altura saber quepesquisadores de várias especialidades tra-balham nesse momento com afinco,mui-tas vezes em parceria com a equipe do Pro-grama Nacional de Controle da Dengue

Contra ciclos e círculos perversosMARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

CARTA DA EDITORA

(PNCD),para fazer recuar a doença e nãolhe deixar mais espaço do que tinha 20 anosatrás,ou seja,quase nada.São entomolo-gistas,médicos,matemáticos e epidemio-logistas que se unem,como conta a partirda página 40 a editora assistente de ciên-cia,Maria Guimarães,na tentativa de co-nhecer melhor o comportamento do mos-quito,encontrar compostos químicos maiseficientes para matar as larvas ou monito-rar mais eficientemente as epidemias,en-tre outros caminhos.São outros profissio-nais que trabalham no desenvolvimento devacinas,como relata a partir da página 46o editor especial Fabrício Marques.Issoposto,dá para dizer que,sim,do ponto devista de saúde pública é muito alto ainda orisco de agravamento do quadro da den-gue no Brasil.E ela segue como uma doen-ça cujo controle desafia imensamente ospesquisadores.Daí por que temos uma no-va capa de dengue,apenas 11 meses depoisde ter dado ao tema essa posição de relevo.

Queria observar,no pouco espaço queresta,dado o tanto de palavras que gasteicom a dengue,que não dá para deixar deler nesta edição – surpreendente em ter-mos plásticos – a reportagem da editoraassistente de tecnologia,Dinorah Ereno,sobre o plástico ambientalmente correto àbase de etanol que algumas grandes em-presas instaladas no país já começam a pro-duzir (página 66).Vale o mesmo para a re-portagem do editor de humanidades,Car-los Haag,que mostra por que o hip-hop éuma expressão vigorosa de posiçõespolíti-cas e ideológicas dos jovens das periferiasdas metrópoles brasileiras e termina fun-cionando como uma via de afirmação desua existência social efetiva (página 80).Também é imperdível a entrevista de Clau-dia Izique e Ricardo Zorzetto,editores res-pectivamente de política e de ciência,como sanitarista Luiz Hildebrando Pereira daSilva (página 10).Faz tempo que devíamosaos leitores uma entrevista com esta belapersonagem da cena científica e políticadeste país.E,para terminar,uma leitura de-liciosa:a reportagem do editor Marcos Pi-vetta sobre o químico francês que quer mu-dar a forma como hoje cozinhamos (pági-na 56). Um bom final de ano a todos!

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR

CELSO LAFERPRESIDENTE

JOSÉ ARANA VARELAVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, MARCOS MACARI, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR-PRESIDENTE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTÍFICO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES),CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA),MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA)

EDITORES ESPECIAISCARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)

EDITORAS ASSISTENTESDINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃOMÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

EDITORA DE ARTEMAYUMI OKUYAMA

ARTEARTUR VOLTOLINI, MARIA CECILIA FELLI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORESABIURO, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), AZEITE DE LEOS, BRAZ, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JÚNIOR,JULIA CHEREM, LAURABEATRIZ, LUANA GEIGER, OLIVIA MAIA E YURI VASCONCELOS.

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕESPAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃORUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3838-4304 e-mail: [email protected]

IMPRESSÃOPLURAL EDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃODINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVAINSTITUTO UNIEMP

FAPESPRUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

ISSN 1519-8774

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Filme de 1936 sobreo Rio de Janeiromostra como a internet ajuda arecuperar o passado

Oque mais pode chamar a atenção na paisagem do Rio de Janeiro que já não seja suficientemente conhecido no mundointeiro? A resposta é tão simples quantosurpreendente:o passado.Um documentáriocurto sobre a cidade filmado em technicolorem 1936 atrai a atenção de dezenas de

milhares de visitantes ao site de vídeos gratuitosYouTube desde setembro.Rio de Janeiro: city ofsplendour tem 7 minutos e 54 segundos com produçãoe narração em inglês do diretor norte-americanoJames A.Fitzpatrick.Replicado por outros sitese blogs, o filme havia registrado quase 120 mil visitas até a terceira semana de novembro.

O documentário sobre o Rio era parte dos filmesde viagem conhecidos na época como Fitzpatricktraveltalk e The voice ofthe globe , distribuídos pelaMetro Goldwyn Mayer (MGM).Normalmente as películas mostravam cidades e lugares distantes ao redor do mundo antes do filme principal e ajudava

MEMÓRIA

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TESOURO RESGATADO

Imagens do Rio antigoextraídas do documentário:memória revalorizada

NELDSON MARCOLIN

8 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

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gente que essas pessoasgostariam de ter visto se pudessem viajar”,respondia o cineasta.

De fato, o Rio de City of splendour é quase umacidade européia com avantagem extra de estarenfeitada pela natureza.A população era de 1,5 milhão de pessoas.As que surgem na tela estãobem vestidas. As ruas,praças, chafarizes e praias

aparecem muito limpos.Os prédios históricos –como o Palácio Monroe,já demolido – não brigamcom a paisagem. Tudo éincrivelmente harmonioso.Quem vê o filme se encanta com uma cidadeque parecia, de fato,maravilhosa.

Marcos Palacios vê o documentário como um dos símbolos de umareviralvolta cultural aindapouco notada. “A internetpotencializou a memória”,diz. “Esse passadoesquecido de lugares,pessoas e coisas ficariaperdido ou enterrado em

arquivos de pouco acesso e dificilmente chegaria aténós sem os atuais recursosda digitalização edisponibilização em redes.”O pesquisador afirma quena web a memória tende a se tornar coletiva epermanente. O processo de digitalização é feitosobre algo produzido nopassado (filmes, vídeos,fotos, textos etc.) para o usono presente e no futuro.

O jornalismo é um dosprincipais produtores ebeneficiários dessa prática.“O jornal The New YorkTimes, por exemplo,digitalizou todo seu acervodesde 1851 e abriu paraconsulta na internet,indicando uma tendênciada imprensa escrita nomundo”, conta. Isso valetambém para ícones dacultura e da história, comoos papiros antigos egípcios,os processos de Nurembergou a obra de Leonardo daVinci, tudo digitalizado emaltíssima resolução, quandonecessário, e tornadovirtualmente disponível.

a fechar a sessão noshorários certos.“A exibição dos filmetes,conhecidos comocomplementos, era umapraxe nas sessões decinema e prática correntedos produtores até os anos 1960 nos EstadosUnidos e no Brasil”,lembra Marcos Palacios,pesquisador do Programade Pós-graduação emComunicação e Cultura

Contemporâneas daUniversidade Federal da Bahia.

James Fitzpatrick(1894-1980) fez 150documentários curtos, mastrabalhou como produtor,assistente de direção,diretor, ator, roterista enarrador, principalmente,em centenas de outrosfilmes. Ele chegou a sercriticado por mostrar apenasos aspectos positivos doslugares que visitava.“Fiz meus filmes numtempo em que viajar eraquase impossível para amédia das pessoas.Acredito ter mostrado

PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 9

“Além disso, a digitalizaçãopossibilita que se reúna em um único espaço (site) diversos formatos de diferentes autorias eprocedências, permitindo a construção de umamemória multifacetada e plurivocal.”

City of splendourtornou-se acessível aosbrasileiros porque o alemãoMartin Ottman, professorde inglês e de alemão

radicado em Paris, descobriuo documentário deFitzpatrick em um fórum da internet especializado emfilmes cults e alternativos.“Coloquei o filme noYouTube para mostrar a amigos que moram emBelém”, conta Ottman.“Até a penúltima semana deoutubro City of splendourhavia recebido 150 visitas,mas alguém do Rio o achoue desde então muitas outraspessoas têm assistido.”

Assista ao documentário no site de Pesquisa FAPESP:www.revistapesquisa.fapesp.br

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10 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

Luiz Hildebrando Pereira da Silva

Às margens do rio Madeira

CLAUDIA IZIQUE E RICARDO ZORZETTO

ENTREVISTA‘

Luiz Hildebrando Pereira da Silva deixou o Brasilem 1964. Na época, era livre-docente de parasi-tologia na Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo e organizava o laboratório degenética de microorganismos. Foi preso e demiti-do pelo Ato Institucional nº 1 em outubro de 1964.Buscou exílio na França, integrou-se aos quadros

de pesquisadores do Instituto Pasteur e tentou regressarao Brasil, mais precisamente na Faculdade de Medicinade Ribeirão Preto, em 1968. Um ano depois foi novamen-te demitido, desta vez pelo Ato Institucional nº 5.

Retornou à França e reassumiu seu posto no Institu-to Pasteur. Foi diretor do Departamento de Biologia Mo-lecular e, em 1979, assumiu a direção da Unidade de Pa-rasitologia Experimental do instituto, a convite do di-retor do Pasteur, o prêmio Nobel Jacques Monod, com oobjetivo de desenvolver pesquisas sobre biologia mole-cular de parasitas da malária em Caiena, na GuianaFrancesa, Madagascar e Senegal, na África. Em 1990, ain-da em Paris, em colaboração com Erney Camargo, do De-partamento de Parasitologia da USP, organizou uma equi-pe de pesquisas sobre malária em Rondônia.Aposentou-se no Instituto Pasteur, em 1997, e decidiu voltar ao Bra-sil. “Gosto de fazer o que sei fazer”, justifica.

Instalou-se em Porto Velho, Rondônia, um estadoque, como ele explica, não rejeita a presença de foras-teiros. Montou o Centro de Medicina Tropical (Cepem),na Secretaria da Saúde de Rondônia, e criou o Institu-to de Pesquisa em Patologias Tropicais (Ipepatro), comum grupo de médicos e biologistas do estado. As duasinstituições contam hoje com uma centena de profis-sionais, entre médicos, pesquisadores, técnicos e estu-dantes de pós-graduação dedicados à investigação dedoenças importantes na Amazônia – malária, doençasvirais como hepatite e arboviroses. Ele prefere aindaguardar segredo, mas insinua que sua equipe está prestes

a registrar a patente de um quimioterápico baseado emdrogas desenvolvidas a partir da biodiversidade. Aos 80anos, ao mesmo tempo em que organiza um plano deação em saúde para a região onde serão construídasas hidrelétricas do rio Madeira, começa a fazer pla-nos de aposentar-se, desta vez de verdade, e instalar-secom a família numa casinha “lá no Midi de la France”.

■ Há quanto tempo o senhor está em Porto Velho? — Estamos em Porto Velho há dez anos, desde 1997.Concentramos de início nossa atividade em malária mas,pouco a pouco, estendemos isso para certas doençasvirais como as hepatites virais e as arborviroses, causa-das por vírus transmitidos por insetos e aracnídeos. Maisrecentemente, iniciamos pesquisas sobre problemas re-lacionados à quimioterapia de doenças negligenciadas,como malária, leishmaniose e tuberculose. Estamos tam-bém procurando identificar fatores imunológicos paradesenvolver soroterapias de doenças virais e de certasdoenças emergentes.

■ Qual é hoje o tamanho da equipe?— Somos uma centena de pessoas.Começamos com umgrupo de dez. Em 2001, com a Universidade Federal deRondônia, instalamos um programa de pós-gradua-ção que se iniciou com o mestrado e depois incorporouo doutorado. Com isso, temos uma população de estu-dantes em formação. Ao mesmo tempo, estreitamos orelacionamento com os serviços de saúde federal, esta-dual e municipal e temos integrado pessoas ligadas à saú-de pública local.

■ Quem financia o centro?— Temos recursos públicos e privados. O Ministério daCiência e Tecnologia, por meio do CNPq [Conselho Na-cional de Desenvolvimento e Científico e Tecnológico]

Sanitarista fala dos avanços das pesquisas com quimioterápicos que podem bloquear ação de parasitas

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PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 11

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e da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], tem nosproporcionado recursos importantes.A Secretaria de Vi-gilância em Saúde e o Departamento de Ciência e Tec-nologia, do Ministério da Saúde, também. Conseguimosrecurso internacional da Organização Pan-americana daSaúde, da Organização Mundial da Saúde e até do Ins-tituto Pasteur, na França, além de contribuições de em-presas como Furnas. Prestamos serviço de qualidade naárea de diagnóstico, o que nos dá um retorno a partir dosistema SUS [Sistema Único de Saúde].Temos esperan-ça de que, com o desenvolvimento das atividades em qui-mioterapia, teremos em breve algumas patentes que seconverterão em mais recursos.

■ Essas patentes estão relacionadas a novos tratamentos?— Estamos pesquisando em quimioterapia e sorotera-pia com drogas desenvolvidas a partir de produtos ve-getais extraídos da biodiversidade brasileira. Trabalha-mos em associação com o grupo de química de pro-dutos naturais da Universidade Federal de Rondônia,que já obteve alguns compostos químicos ativos a par-tir de produtos naturais. No caso da soroterapia, usamosuma tecnologia criada na Bélgica há cerca de dez anos,que utiliza anticorpos de camelídeos. No Brasil traba-lhamos com anticorpos de alpacas. Melhoramos a tec-nologia de purificação de produto e a definição de alvosmetabólicos estratégicos dos parasitas que queremoscombater.Atualmente a engenharia genética permite quese preparem e se purifiquem moléculas das vias meta-bólicas da bactéria da tuberculose ou dos parasitas damalária e da leishmaniose. Com o auxílio de equipamen-tos especiais, expomos essas moléculas a determinadosextratos e frações purificadas de extratos obtidos a par-tir de produtos naturais a fim de identificar aqueles queaderem a elas. A partir daí pretendemos purificar essesprodutos, identificar seus componentes essenciais e, pos-teriormente, realizar análises bioquímicas para ver se sãocapazes de bloquear a atividade biológica dos parasi-tas. Procuramos detectar alvos metabólicos precisos. Is-so só é possível porque o parasita da malária está clo-nado e seqüenciado e já se conhece o genoma do mos-quito que transmite a malária. Com a tuberculose é amesma coisa. A literatura científica internacional per-mite identificar essas moléculas, prepará-las por meiode engenharia genética e procurar produtos naturais quesejam ativos contra elas.

■ E o que vem sendo feito com respeito à soroterapia?— No caso da soroterapia, nosso alvo são doenças gra-ves na região amazônica que permanecem sem tratamen-to eficaz, como a febre amarela, a raiva e o tétano. É pos-sível produzir anticorpos de camelídeos, mais específicosque os de roedores, para reconhecer estruturas molecu-lares dos agentes causadores dessas doenças. O anticor-po monoclonal do roedor tem uma estrutura molecularcomplexa, enquanto o anticorpo monoclonal do came-lídeo tem uma estrutura muito simples, que, se manipu-lada por engenharia genética, pode interagir com vírusou alvos moleculares considerados estratégicos para a

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inativação viral. Injetamos o vírus ina-tivado em alpacas. Em seguida isolamoscélulas do sistema imunológico, chama-das linfócitos, que são produtoras de an-ticorpos específicos e unimoleculares.As alpacas produzem três tipos de an-ticorpo.Apenas um deles é formado poruma única molécula, diferentementedos anticorpos dos outros mamíferos,que são formados por dois pares de mo-léculas associadas. Desses anticorposunimoleculares, isolamos a parte variá-vel, que reconhece o antígeno, e a repro-duzimos utilizando bactérias ou outrosvetores usados em engenharia genética.Assim temos a fabricação sintética doanticorpo, que pode ser produzido emmassa e depois purificado.

■ Em que estágio se encontra essa pesquisa?— Estamos concentrados na febre ama-rela. Já temos anticorpos bastante efi-cientes no reconhecimento do vírus.Também estamos fazendo testes de ina-tivação contra o vírus da raiva.

■ Há algum produto extraído da biodi-versidade amazônica promissor contra aleishmaniose?— Começamos a pesquisa há uns doisanos. Ainda é recente e faz parte de umcontrato com uma rede de dez labo-ratórios nacionais, localizados no RioGrande do Sul, no Rio de Janeiro, naBahia, no Ceará, no Amazonas e emRondônia. Acreditamos que toda ativi-dade científica em nossa área deve in-cluir a perspectiva de aplicação ou umprograma que permita aumentar valoragregado aos produtos naturais. Nossaintenção é valorizar os produtos pormeio da exploração da biodiversidade.Com isso esperamos um salto impor-tante de visibilidade para o Ipepatro.

■ Como o senhor conseguiu colocar essasequipes para trabalhar em conjunto?— A iniciativa básica de nosso progra-ma em quimioterapia foi de um gru-po da Universidade Católica do RioGrande do Sul, liderado por DiógenesSantiago Santos e Luiz Augusto Basso,que desenvolve pesquisas importantesna área de tuberculose. O Diógenes éum velho conhecido e colaborador, des-de os primórdios da biologia molecu-lar. Velhos pesquisadores como eu têma vantagem de conhecer todo mundo,ou ao menos muita gente competente.

O Diógenes, quando nos convidou paraparticipar do programa, já tinha conta-to com o pessoal relacionado à biologiaestrutural, como o Mario Palma, daUniversidade Estadual Paulista em RioClaro, o Walter Figueiredo, atualmentena Universidade Católica do Rio Gran-de do Sul, o grupo de João Batista Ca-lixto, da Universidade Federal de San-ta Catarina, e o de Ícaro de Sousa Mo-reira, da Universidade Federal do Cea-rá. Depois integrou o Ricardo Ribeirodos Santos, da Fiocruz da Bahia. A ini-ciativa de propor a convergência daspesquisas em malária e tuberculose foido Diógenes. O ponto de partida foi adescoberta de que a bactéria da tuber-culose tem vias metabólicas muito pró-ximas e equivalentes às do parasita damalária. Isso acontece porque o pro-tozoário da malária inclui no seu geno-ma uma estrutura de origem bacteria-na ou de algas unicelulares. Com basenessa semelhança das vias metabólicas,teoricamente, certos produtos que sãoativos contra a tuberculose, devida-mente adaptados, devem funcionarcontra a malária. Atualmente estamosanalisando os efeitos sobre o parasita damalária dos produtos derivados da iso-niazida, a principal droga ativa contra atuberculose, à qual a bactéria vem de-senvolvendo resistência. E estão surgin-do algumas pistas.

■ Quais medicamentos ainda são usadoshoje no tratamento da malária?— Atualmente, no Brasil, são utilizadasa cloroquina, a primaquina, a quinina,a mefloquina, a doxiclina, a clindamici-na ou a artemisina. Mas aos poucos oparasita da malária vai desenvolvendoresistência a esses compostos. Houve umprogresso bastante importante nos últi-mos dois anos, com a introdução de as-sociações de artemisina e seus deriva-dos. A malária mais importante no Bra-sil é a causada pelo Plasmodium vivax, enão pelo Plasmodium falciparum. Aquia malária vivax ainda não desenvolveuresistência importante à cloroquina, usa-da desde a década de 1940, quando foisintetizada pelos alemães. Até hoje elaé utilizada em campanhas de saúde pú-blica com sucesso fantástico em relaçãoà malária vivax. A campanha de contro-le, dirigida pelo Serviço Nacional demalária 1950-60, associando o trata-mento pela cloroquina ao combate ao

mosquito transmissor da malária peloDDT, um inseticida de ação residual,permitiu erradicar a malária em prati-camente todo o território nacional, comexceção da Amazônia.

■ Mas se ouve falar que em várias re-giões do mundo já existe resistência àcloroquina...— A resistência da malária falcípara àcloroquina apareceu na Colômbia, naÁsia e também no Brasil na década de1960. Espalhou-se pelo mundo inteiro,inclusive pela África. Por isso no Brasilfoi iniciado há uns dez anos um trata-mento novo à base de quinina associadoa um antibiótico do tipo tetraciclina. Es-tava dando bons resultados, mas nos úl-timos anos apareceram casos de resistên-cia a essa associação. Coincidentemente,isso aconteceu no momento em que a ar-temisinina foi sintetizada. Hoje está sen-do usado um análogo de quinina, de-nominado lumefantrina associado à ar-temisinina num medicamento chama-do Coartem, com bons resultados con-tra a malária falcípara. O Ministério daSaúde avaliou a sensibilidade em todaárea endêmica e não encontrou até omomento resistência ao Coartem.

■ Se a resistência aos medicamentos nãoé o principal problema da malária noBrasil, o que de fato preocupa? O acessoaos medicamentos?— A malária está concentrada na Ama-zônia, em lugares de difícil acesso aos ser-viços de saúde. Um dos problemas é adispersão da população, sobretudo nasáreas rurais, onde há carência total deserviços públicos de saúde. O segundoproblema é o das migrações. As popu-lações amazônicas são de uma instabi-lidade total. Nos últimos 40 anos, coma abertura de estradas, é intensa a mo-vimentação de pessoas e a concentraçãodelas nas regiões periurbanas. O lugarde maior incidência hoje de malária noBrasil é Manaus, por conta da imigra-ção; das invasões de terra em torno dasáreas urbanizadas, que são extremamen-te insalubres; e das coleções de água es-tagnada, que dificilmente se tornarão al-vo de algum processo de saneamento.Isso torna a população extremamenteexposta ao mosquito vetor da malária.

■ Como a imigração influencia a disper-são da malária?

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— As migrações externas, que vêm deáreas onde não há malária, trazem paraa área endêmica pessoas que não têmexperiência de malária. Essa é a nossamaior preocupação em relação às usinashidrelétricas de Santo Antônio e Jirau,no rio Madeira. O problema não é a po-pulação local que vai ser atingida coma instalação das hidrelétricas pelas bar-ragens ou pelo reservatório de água. Es-sa é uma população pequena, que nãochega a 10 mil pessoas, que sofrem demalária mas mantêm um certo equi-líbrio com ela pelo desenvolvimento daimunidade. O que está crescendo rapi-damente é a população imigrante. Asempresas calculam que serão gerados 20mil empregos diretos só na construçãodas barragens. Se contarmos também asfamílias desses trabalhadores, esse nú-mero sobe para 60 mil. Essa populaçãonão será recrutada toda localmente, e amigração já aumentou. É claro que osempregados das usinas não formam apopulação de risco mais importante, jáque eles poderão contar com a assistên-cia das empresas construtoras, ficarãoinstalados em acampamentos e terãoatendimento médico, até por determi-nação da legislação trabalhista. O pro-blema será a população migrante secun-dária, que chegará à região atraída pelademanda por uma série de serviços quevão desde a alimentação até a prostitui-ção. Esse é o grupo de risco, já que essaspessoas não terão o mesmo nível de as-sistência dos empregados das empresas.Esse grupo terá de ser assistido pelas es-truturas locais de saúde pública, que sãoextremamente deficientes e não atendemsequer as necessidades locais de hoje.

■ Como o senhor enxerga a construçãodessas novas hidrelétricas?— As hidrelétricas do Madeira vão con-tribuir não apenas para ampliar a ofer-ta de energia elétrica. Por meio de acor-dos com a Bolívia e o Paraguai elas cria-rão também condições, no futuro, paratransporte fluvial de Belém a Manaus.Toda a atividade industrial e agroindus-trial do Brasil Central e dos países limítro-fes vai escoar por essa via. A perspectivade abertura de estradas de rodagem dePorto Velho até o Pacífico, atravessando oPeru, deve facilitar o acesso da produçãodo interior da América Latina ao merca-do asiático. Não estamos, portanto, falan-do só de hidrelétricas. Estamos pensando

em vários aspectos importantes para o de-senvolvimento da região. No início desseano fiz uma conferência no Instituto Pas-teur que teve como título:“Como ir de Be-lém a Buenos Aires sem passar pelo ocea-no Atlântico e sem pegar malária”.

■ E qual é o segredo para não pegar ma-lária?— Para que no futuro não se peguemalária tem que haver um trabalho desaneamento e a implementação de me-didas de prevenção ao longo do vale dorio Madeira, particularmente nas áreasvizinhas de Porto Velho. O impacto so-cioeconômico das usinas e as perspecti-vas que elas abrem para o futuro justi-ficam que o problema técnico-científicorelacionado com a saúde também seja re-solvido de modo exemplar, sobretudoagora que as condições de conhecimen-to científico e técnico não são as mesmasdo início do século passado, quando sedeu o drama da construção da ferroviaMadeira–Mamoré. Temos como criaruma obra exemplar em termos de ser-viços de saúde, capaz de conter a explo-são da epidemia e também de promovera melhoria do nível básico de saúde daspopulações rurais da bacia do Madeira.

■ Quais devem ser as repercussões desseprojeto?— Na área técnica há muita repercus-são negativa. Está promovendo indire-tamente o aumento do desmatamentoem Mato Grosso e Rondônia.Amplia es-sa mania do tudo álcool, do tudo bio-combustível, e também pelo aumentointernacional do preço da soja e da car-ne bovina para exportação, acumulam-se estímulos ao desmatamento. Esse do-mínio do mercado de consumo e expor-tação de produtos primários em áreassubdesenvolvidas do país é um proble-ma. O capitalismo paulista, carioca e mi-neiro já sofre a pressão de opinião públi-ca no que diz respeito ao equilíbrio eco-lógico e à proteção do meio ambiente.Mas na Amazônia muitos negócios eatividades econômicas ainda estão namão de aventureiros. Em termos de saú-de, o grande problema é a preocupaçãocom a saúde rural. O meu velho mestreSamuel Pessoa já dizia na década de 40ou 50 do século passado: “Por que exis-te malária na Amazônia?” E ele mesmorespondia: “Porque não existe um siste-ma estruturado de prestação de serviço

No caso dasoroterapia,nosso alvo são doençasgraves na regiãoamazônica quepermanecemsem tratamentoeficaz, como a febre amarela,a raiva e o tétano

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em saúde rural”.Agora, com as duas usi-nas hidrelétricas, estão previstos inves-timentos de R$ 20 bilhões na região.Será possível realizar obras de sanea-mento e a implantação de estruturas bá-sicas de atendimento à saúde da popula-ção rural. Isso é um dever não apenasda República, mas das empresas respon-sáveis pelas obras que vão aumentar suarentabilidade.Depois de instaladas as usi-nas, só a capital, Porto Velho, vai receberroyalties da ordem de US$ 60 milhões.Esse valor pode lastrear empréstimos deaté US$ 600 milhões para o saneamento.

■ Apenas com o saneamento é possívelcontrolar essas doenças?— O saneamento é um dos fatores essen-ciais do controle. Também é necessáriohaver nelhoria da estrutura de atendi-mento básico à saúde. Com as obras,haverá facilidade de transporte fluvial eserá possível navegar de Porto Velho atéo sul do estado, no limite com a Bolíviae o Mato Grosso. Não estamos falandoem ter um posto de saúde a cada 100 me-tros, mas em distribuir a estrutura deatendimento do SUS, com agentes comu-nitários, sistema de atenção à família ecentros de tecnologia e ciência avançada.E isso nós sabemos fazer bem.

■ Já foi feita alguma avaliação dos riscosda doença na população?— Em relação a riscos de epidemias,começamos por uma avaliação da pre-valência da malária assintomática napopulação que será atingida pela barra-gem da usina Santo Antônio. Fizemosum inquérito demográfico para atuali-zar dados do IBGE e chegamos a umapopulação total de 3 mil pessoas. Anali-samos uma amostragem de 1.500 resi-dentes e fizemos uma avaliação da pre-valência da malária. Isso seria impossí-vel se estivéssemos utilizando técnicasantigas. Seriam necessárias 1.500 ho-ras de trabalho técnico especializado demicroscopistas. Hoje fazemos isso pormeio de uma técnica como PCR, quetrabalha em tempo real e analisa cem re-ações por dia. Se o técnico for bem trei-nado, em duas semanas você faz a me-tade da população.

■ Qual a taxa da malária assintomática?— Em algumas áreas encontramos pre-valência de 50% entre adultos. Quandoa Madeira–Mamoré começou a ser cons-

truída, já existia ali o seringueiro, que eraum reservatório de malária. Foi eleprovalmente o responsável pela trans-missão inicial que resultou em terrívelepidemia com milhares de mortos. Pe-lo que se sabe, não existem reservató-rios extra-humanos de malária falcípa-ra. Talvez exista da vivax, mas ainda es-tamos investigando. A população assin-tomática é um reservatório: transmite oparasita ao mosquito. Os riscos aumen-tam com a ocupação humana desorde-nada, que provoca uma grande degra-dação ambiental fixa: cria alagadiços,derruba a mata e bloqueia os igapós. Oresultado é que o vetor de malária seprolifera. É preciso sanear a água de su-perfície e tratar os portadores assinto-máticos. Mas, para tratá-los, é precisodiagnosticar. E, para diagnosticar, nãodá para usar mais microscópio, tem deusar tecnologia mais avançada.

■ Se os assintomáticos forem tratados, eli-mina-se o parasita e evita-se a transmis-são da doença?— A malária falcípara não tem reserva-tório hepático, já a malária vivax é maiscomplicada.Aliás, estamos estudando is-so: quando se trata a malária vivax, ficamparasitas dormentes no fígado, que saemtrês meses mais tarde. Além de tratar oassintomático, precisa haver vigilânciapermanente. Todo mundo que teve ma-lária vivax precisa ficar atento para o ris-co de recaídas do parasita. A estratégiaé fazer uma intervenção maciça inicial,seguida de um sistema de vigilância per-manente em nível qualificado. Estamosapresentando ao Ministério da Saúde eao Ministério da Ciência e Tecnologiauma proposta de organizar essa estra-tégia em consórcio. Não pode ficar só noâmbito das secretarias de Saúde da cida-de de Porto Velho ou do estado de Ron-dônia. Tem que ser algo coordenado pe-lo Ministério da Saúde, já que é umaobra de interesse nacional, da qual de-vem fazer parte desde as secretarias lo-cais até as empresas construtoras. A usi-na de Santo Antônio deve entrar em ope-ração em 2012. Os próximos anos deve-rão ser de um dinamismo permanente.

■ Já foi avaliada toda a região que seráafetada pelas usinas?— Fizemos uma análise global do valedo Madeira. São 250 quilômetros de rio.Já realizamos uma primeira análise do

Os amazônidasacham que elespróprios têm que resolver seus problemas.Não precisam de paulista. Em Rondônia é diferente: todo mundo é forasteiro

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impacto da primeira barragem e umacordo de assistência técnica com a Fio-cruz e com a universidade local.A inten-ção é organizar um centro de saúde mo-delo na área de impacto direto e peque-nas unidades de atendimento e vigilân-cia ao longo das áreas de impacto direto.Esse centro de saúde será modelo. Teráde cuidar não só de malária.Tambémterá de oferecer atendimento em saúdebásica, saúde materno-infantil, desen-volver prevenção de doenças de trans-missão hídrica e sexualmente transmi-tidas, sem esquecer de gravidez na ado-lescência, que é um problema enorme.

■ É possível proteger essas pessoas?— Esse problema pode ser equaciona-do. Houve dois grandes acidentes na his-tória de Rondônia. O primeiro foi du-rante a construção da estrada de ferroMadeira–Mamoré no início do séculoXX. Calcula-se que ali tenham morri-do 20 mil pessoas, uma para cada dor-mente assentado. Mas nessa época a úni-ca droga existente contra a malária era aquinina, mal preparada e mal purifica-da, com alto efeito tóxico e utilizada co-mo profilaxia.A quinina é péssima paraa profilaxia porque tem um tempo deduração na circulação sangüínea mui-to curto. E é extremamente tóxica parapessoas com deficiência de glóbulos ver-melhos, ou seja, as populações de origemafricana. E, para a construção dessa fer-rovia, vieram muitos trabalhadores deBarbados e das Antilhas, de origem afri-cana.A mortalidade então foi elevada. Ébom que se ressalve que se atribuíramà malária muitas mortes que, muito pro-vavelmente, ocorreram em decorrênciade doenças infecciosas como febre ama-rela e viroses hemorrágicas, entre outras.O outro acidente na história de Rondô-nia aconteceu nos anos 1960, com o ga-rimpo. Hoje é diferente. Realizamos umaanálise apurada das áreas que sofrerãoimpacto das barragens e constatamosque há níveis elevadíssimos de reserva-tório assintomático de malária. Em al-gumas localidades 50% dos adultos sãoportadores assintomáticos: eles têm o pa-rasita, mas não desenvolvem a doença.

■ Como conseguiram realizar esse levan-tamento?— Tivemos recursos do Ministério daSaúde e do Ministério da Ciência e Tec-nologia para aprofundar a análise da si-

tuação de saúde relacionada à malária, areservatórios de doenças transmissíveissexualmente e às arboviroses. Furnasparticipou com um financiamento pe-queno, mas importante, porque nos deu,por exemplo, condições de transporte.

■ Tratar pessoas com malária assintomá-tica já deu resultados?— Temos uma experiência limitada. Nu-ma determinada comunidade, tratamossó os reservatórios de malária falcípara.Constatamos que há redução na trans-missão de malária falcípara. Mas se a in-fecção for mista, com Plasmodium falci-parum e Plasmodium vivax, quando setrata a malária falcípara, a vivax recrudes-ce. Estamos repetindo esse experimen-to, tentando tratar as duas ao mesmotempo. Em localidades onde há muitamobilidade como nas margens do rioMadeira, a população flutuante traz pa-rasitas diferentes e o tratamento dos as-sintomáticos locais praticamente nãotem efeito. Não existe medida milagro-sa. Também é necessário acabar com osproblemas de saneamento de águas desuperfície, usar controle do vetor – ouseja, um inseticida bem direcionado –e fazer a vigilância epidemiológica dasformas sintomáticas, para tratá-las pre-cocemente. No nosso projeto propomosque realmente se faça um reforço acen-tuado de vigilância para evitar a explo-são da doença. Isso é saúde pública. Nãoestamos inventando nenhum meio no-vo, a não ser um sistema de diagnósti-co parasitológico mais eficiente, commetodologia molecular. Isso pode ser fei-to em regiões específicas e é possível,com recursos das construtoras, difundiressa estratégia em redes de diagnósticoepidemiológico eficientes em grandesáreas, sem que seja necessário multipli-car por cem ou por mil as unidades dediagnóstico. O segredo é centralizar eformar redes. A rede de vigilância é amais complexa e envolve pessoas que tra-balham em contato com a população.

■ Por que o senhor trocou as margens doSena pelas do Madeira?— Gosto de fazer o que sei fazer. Traba-lhei com malária no Instituto Pasteurdurante 18 anos, com a perspectiva quese tinha na época de chegar a uma vaci-na eficaz. Com a estrutura do Pasteur,tínhamos competitividade para entrarnisso. Tive muito contato com o territó-

rio africano, Dacar e Madagascar, e meinteressei pelo controle não com vaci-nas, mas com os meios que estão dispo-níveis: fazer o controle por meio da saú-de pública.Voltei ao Brasil com compe-tência acumulada em malária e queriatrabalhar na Amazônia. Rondônia foio lugar que se mostrou favorável, por-que lá havia menos resistência à chega-da de forasteiros como eu. Os amazôni-das, tanto os paraenses como os amazo-nenses, acham que eles próprios têm queresolver seus problemas. Não precisamde paulista. Em Rondônia é diferente:todo mundo é forasteiro. Eu era ape-nas mais um. Ninguém estranhou mi-nha presença. E era um lugar que con-centrava 40% dos casos de malária dopaís em uma população que represen-ta 10% da população da Amazônia. Erarealmente uma situação grave. Lá en-contrei condições para trabalhar. Come-cei a fazer ciência em epidemiologia esaúde pública com o Samuel Pessoa.Trabalhamos na Paraíba nos anos 1950com esquistossomose e depois com doen-ça de Chagas. Sempre me interessei pe-lo trabalho de campo, pelo contato dire-to com as vítimas dos processos de doen-ças parasitárias que não têm acesso aosprogressos da ciência e aos conhecimen-tos novos que favorecem o controle des-sas doenças. Para mim era um desafiomontar um laboratório de fronteira, nu-ma área de alta incidência de doença,para saber se era possível criar uma es-trutura em que ciência e tecnologia mo-dernas possam ter impacto sobre o am-biente de uma maneira positiva. Hoje oimpacto é pequeno. Será de utilidade nofuturo, mas não no curto prazo.

■ O senhor pensa em se aposentar?— Não sei se ficarei muitos anos poraqui. Fico mais dois ou três anos. De-pois preciso descansar. Sempre estareipor perto, ajudando. Tenho uma casi-nha lá no Midi de la France. Posso talvezser mais útil na França do que aqui. Fi-quei duas semanas em Paris há 15 diase vi que era mais fácil falar com a ad-ministração federal e com os ministrosbrasileiros de Paris do que de Porto Ve-lho. Basta anunciar às secretárias “aquié o dr. Luiz Hildebrando, falando de Pa-ris” para ser atendido. Agora com Skypeficou ainda mais fácil. Passei 15 dias naFrança ligando para o Brasil, resolven-do problemas. ■

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de nativos maoris com títulode doutor. A meta, segundoreportagem da revistaScience, foi atingida comantecedência, no anopassado. Mas fazer ciência e respeitar as tradições do povo aborígene produztensões. A pesquisadoramaori Melanie Cheung,por exemplo, esbarrou embarreiras culturais quandoprecisou cultivar neurôniospara estudar a doença de Huntington, moléstiahereditária que causadegeneração cerebral. Ela foiconsultar os anciãos de suatribo sobre a possibilidade de usar neurônios extraídosde cadáveres. Primeiro ouviuum não como resposta. Para

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O número de estudantesestrangeiros em instituiçõesde ensino superior dosEstados Unidos alcançou o recorde de 582.984 pessoasno ano letivo 2006/2007, 3%a mais do que no períodoanterior. Com isso, o exércitode alunos de graduação epós-graduação oriundos detodos os cantos do planetavoltou ao patamar anterioraos ataques terroristas do 11 de Setembro, que levaramo governo norte-americanoa restringir a entrada deestrangeiros. Os dados,divulgados pelo Instituto de Educação Internacional(IIE, na sigla em inglês),mostram que a contribuiçãodesses alunos supera ocaráter acadêmico e culturale representa grande forçaeconômica. Os estrangeirosinjetaram nos EstadosUnidos US$ 14,5 bilhões noúltimo ano, em anuidadesescolares, despesas commoradia e compra de livros,US$ 1 bilhão a mais que no ano anterior. “Educaçãosuperior é uma mercadoriaescassa em vários lugares e o único país com capacidadede absorver mais e maisestudantes são os EstadosUnidos”, disse AllanGoodman, presidente do IIE,

ao jornal The New YorkTimes. A Índia é a nação que mais mandou alunos.Eles foram 83.833 no ano passado. As posiçõesseguintes cabem à China(67.723 alunos), Coréia doSul (62.391) e Japão (35.282).O Brasil aparece em 16ºlugar, com 7.126 alunos, 2%a mais que no ano anterior.

> Doutoresaborígenes

Fundado em 2002 pelogoverno da Nova Zelândia,o Centro de Pesquisas Maori,em Auckland, nasceu com aambição de elevar de poucasdezenas para 500 o número

os maoris, os mortos sãosagrados. Mas os anciãosaceitaram ouvir osargumentos de RichardFaull, orientador de Melanie.Acabaram convencidos da importância do trabalho,mas fizeram exigências,como a necessidade de fazeruma prece no laboratório em homenagem ao mortoou de cantar uma cançãomaori sobre a criação da vida.

> Novo sítio paralançar satélites

A China vai começar a erguer o quarto centro de lançamento de satélites de seu território, numa áreade 20 quilômetros quadradosna ilha de Hainan, ao sul do país. Segundo a agênciade notícias Xinhua, serãoconstruídos no local umcentro de comando e umaplataforma de lançamentos,uma fábrica de foguetes e umparque temático de ciênciaespacial. A obra deverá ser concluída até 2013.O local foi escolhido por suaproximidade com o equador.Quanto mais próximo dalinha imaginária que separaos hemisférios Sul e Norte,menor a viagem percorridapelo foguete e maior aeconomia de combustível.Cerca de 6 mil pessoas que

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS MUNDO>

Maoris: centro de pesquisa para formar membros da etnia

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nanotecnologia e tecnologiada informação”,disse Barañao à agência denotícias SciDev.Net.

> Goteiras nomonumento

O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)está processando umrenomado arquiteto e aconstrutora responsáveispela construção do StataCenter, complexo futuristade laboratórios, salas de aula,auditórios e centrosesportivos inaugurado em2004, ao custo de US$ 300milhões. A direção doinstituto alega que houvefalhas de projeto e deconstrução que resultaramem múltiplas infiltrações,rachaduras e problemas dedrenagem. O idealizador daobra é o arquiteto FrankGehry, que assina obras comoa do Museu Guggenheim emBilbao e ganhou o aclamadoPrêmio Pritzker em 1989.A empreiteira de origemsueca Skanska diz que aculpa não é sua. Alega querecomendou mudanças noprojeto, principalmente nadrenagem de um anfiteatrode 350 lugares, mas Gehry não as acatou. “Nãose trata de um problema deconstrução”, disse Paul

Hewins, vice-presidente da empreiteira, ao jornal The Globe. O MIT já gastou US$ 1,5 milhão emconsertos no anfiteatro.Gehry, que recebeu US$ 15 milhões pelo projeto,alega que problemas sãonaturais em obras muito

habitam a região terão de ser removidas de Hainan até2008. Os outros três centrosde lançamento chinesesficam nas províncias de Sichuan, no sudoeste,de Gansu, no noroeste,e Shanxi, ao norte.

> Um ministériosó para a ciência

A Argentina terá pelaprimeira vez um ministérioexclusivo para a área deCiência e Tecnologia. A novapresidente do país, CristinaFernández de Kirchner,indicou o biólogo molecularLino Barañao como titularda pasta. Pesquisador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia(Conicet) e presidente da Agência Nacional de Promoção da Ciência,Barañao assume com a missão de pavimentar o caminho para a elevaçãodos gastos com ciência e tecnologia do atual 0,65%do PIB para 1% até 2010,sendo metade dosinvestimentos de origempública e a outra metade defontes privadas. “O objetivoé colocar a ciência e a tecnologia a serviço do desenvolvimentoeconômico, com ênfase paraáreas como biotecnologia,

complexas.“Essas coisas sãocomplicadas, pois envolvemmuitas pessoas e nunca dápara saber quem errou”,afirmou.“Esses prédios sãofeitos de 7 bilhões de peçasque se conectam. As chancesde que não ocorra nenhumproblema são remotas.”

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Stata Center: infiltrações, rachaduras e problemas de drenagem

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Só em 2010 será definido o local da construção doSKA (Square KilometreArray), o maiorradiotelescópio do mundo– uma floresta denumerosas antenas de 15 metros de diâmetrodistribuída numa área de 1 quilômetro quadrado.Mas a África do Sul, quedisputa com a Austrália aprimazia de abrigar oprojeto, está fazendo a liçãode casa. Vinte bolsas nasáreas de física e eletrônica estão sendo oferecidas a estudantes de pós-graduação sul-africanoscom o objetivo de formarrecursos humanos para o projeto. Kim de Boer,gerente de desenvolvimentode recursos humanos para a SKA, disse à agência denotícias SciDev.Net que ameta do programa vai além

do recrutamento detécnicos. “Queremosfomentar novos talentos.Não temos carência de cérebros”, diz.O radiotelescópio custará € 1 bilhão, bancado por um consórcio de 34instituições de pesquisa daUnião Européia e de paísescomo Austrália, China,Rússia, Estados Unidos,Brasil e África do Sul.

> Balanço dalei venezuelana

Um primeiro balanço dos efeitos da nova Lei deInovação da Venezuelamostra que 1.366 centrosde pesquisa vão beneficiar-se dos US$ 2,5 bilhõesarrecadados das 6,8 milempresas do país.A legislação determina que

ESTRATÉGIAS MUNDO

As antenas de radiotelescópio irão espalhar-se por uma área de 1 quilômetro quadrado

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PESQUISA FAPESPONLINE

Nossas Colunas

Toda segunda-feira a mais recente edição doprograma semanal de rádiode Pesquisa FAPESP podeser ouvida on-line oubaixada no computador.

> Comenta os desafios que o aumento da longevidade do brasileiro traz para a tecnologia nacional.

Pesquisa Brasil

companhias comfaturamento superior a US$ 1,6 milhão anuaisinvistam até 2% de seusganhos em projetos deinovação. Cerca de 6,5 milprojetos foram cadastradospara receber aportes.Daissy Marcano, presidentedo Observatório Nacionalde Ciência, Tecnologia e Inovação, instituiçãocriada para monitorar o cumprimento da lei, informou que sua prioridade agora é criaruma unidade voltada para produzir estatísticas e indicadores. “Precisamossaber onde estão nossascompetências quandoprecisarmos resolveralguma necessidade da sociedade venezuelana”,disse a pesquisadora à Agência Bolivariana de Notícias.

Olhos voltados para o céu

> Conta como pesquisadoresno Brasil podem obterfinanciamento dos NationalInstitutes of Health (NIH)

> Escreve sobre comoas mudanças climáticaspoderão afetar abiodiversidade marinha no Brasil.

SK

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Fiat luxVanderleiSalvadorBagnato

NeotrópicasMarcosBuckeridge

Direto de HarvardAntonioBianco

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No sentido horário:Engler, Brito Cruz, Arana Varela eRicardo Brentani

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Governadornomeia

dirigentesda FAPESP

> Proteçãoda memória

O Arquivo de OswaldoCruz, que traz o registro da atividade científica dopioneiro no estudo das moléstias tropicais e damedicina experimental noBrasil, é um dos dez acervosdocumentais brasileiros que farão parte do ProgramaMemória do Mundo da Organização das NaçõesUnidas para a Educação,a Ciência e a Cultura(Unesco). A lista com osarquivos contemplados foidivulgada pelo Ministério da Cultura (MinC) no iníciode novembro. O programatem o objetivo de assegurar apreservação de conjuntos dedocumentos de importânciamundial e democratizar oacesso a esses documentos.Também integram a lista osseguintes arquivos: ArquivoMachado de Assis; FundoNovacap; Políticas no Estadodo Rio de Janeiro; ArquivoGuimarães Rosa; Autos da Devassa – a Inconfidênciaem Minas, Levante deTiradentes; Arquivo GetúlioVargas; Filme Limite;Vereanças do Senado da Câmara; e Arquivo do Comitê de Defesa dosDireitos Humanos para os Países do Cone Sul.

> O desafio do leite materno

A Fundação Oswaldo Cruz(Fiocruz) vai coordenar umarede de bancos de leitehumano instituída no mêspassado pela Cúpula Ibero-americana de Chefes deEstado e de Governo,ocorrida no Chile. Segundo aFiocruz, o trabalho realizadopela Rede Brasileira de

Bancos de Leite Humano(Rede BLH-BR) servirá demodelo e apoiará os paísesenvolvidos no projeto, comoEspanha, Paraguai,Argentina, Venezuela, Bolíviae Uruguai. A Rede BLH-BRconta com 190 unidades emfuncionamento e 29 postosde coleta. Foi criada num centro de referênciainstalado desde 1943 noInstituto Fernandes Figueira

(IFF), unidade materno-infantil da Fiocruz, earrecada por ano cerca de 114 mil litros de leitehumano, que passam peloprocesso de pasteurização e são distribuídos a mais de 130 mil recém-nascidos.Conta com a participação de90 mil mães, que contribuemvoluntariamente com o programa de doação de leite humano.

O governador de São Paulo, José Serra, no-

meou no dia 22 de novembro o novo vice-pre-

sidente e os dirigentes da FAPESP para os

próximos três anos. Os nomes foram escolhi-

dos a partir de listas tríplices escolhidas pe-

lo Conselho Superior da FAPESP. Ricardo Ren-

zo Brentani foi nomeado diretor-presiden-

te, em recondução a partir do término de seu

mandato, em dezembro. Professor titular

da Faculdade de Medicina da Universidade de

São Paulo (USP), é diretor-presidente do Hos-

pital do Câncer A.C. Camargo e ex-coordena-

dor do Centro Antonio Prudente para Pesqui-

sa e Tratamento do Câncer. Digiriu o Insti-

tuto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Car-

los Henrique de Brito Cruz foi nomeado para

o cargo de diretor científico da FAPESP, tam-

bém em recondução a partir do término de

seu mandato, em abril. Professor titular no

Instituto de Física Gleb Wataghin da Uni-

versidade Estadual de Campinas (Unicamp),

foi presidente da FAPESP de 1996 a 2002 e

reitor da Unicamp de 2002 a 2005. Joaquim

José de Camargo Engler exercerá a função

de diretor administrativo, em recondução, a

partir de fevereiro, quando termina o seu

atual mandato. Professor titular do Departa-

mento de Economia, Administração e Socio-

logia da Escola Superior de Agricultura Luiz

de Queiroz (Esalq) da USP e presidente da

Comissão de Orçamento e Patrimônio da USP,

Engler foi diretor da Esalq, diretor do Centro

de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e

chefe de gabinete do reitor da USP. O conse-

lheiro José Arana Varela vai exercer a função

de vice-presidente da Fundação. Professor ti-

tular do Instituto de Química da Universida-

de Estadual Paulista (Unesp), em Araraqua-

ra, Varela foi diretor da Associação Brasi-

leira de Cerâmica, da Associação Brasileira

de Metalurgia e Materiais e da Sociedade

Brasileira de Materiais.

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do que foi efetivamentegasto. A autora principal do estudo é Amy Nunn,que passou uma temporada de um ano no Brasil.

> Morre o professorNewton Bernardes

O físico Newton Bernardes,professor da USP e daUnicamp, morreu emCampinas, no dia 25 denovembro, aos 76 anos de idade. Um dos físicosbrasileiros mais citados em revistas internacionais,produziu contribuiçõesoriginais, sobretudo em física do estado sólido,em publicações comoPhysical Review e PhysicalReview Letters. Graduadopela USP no início dos anos1950, Bernardes passou uma temporada nos EstadosUnidos, onde obteve o Master of Science naUniversidade de Illinois e o título de doutor em 1959, pela Universidade de Washington, Saint Louis.Entre 1960 e 1962 chefiou oGrupo de Física dos Sólidosno Instituto de PesquisaAtômica da Comissão deEnergia Atômica dos EstadosUnidos. De volta ao Brasil,foi convidado pelo professorMário Schenberg paraajudar na implantação e desenvolvimento doDepartamento de Física do Estado Sólido da USP.Entre 1976 e 1982 afastou-setemporariamente da USPpara exercer a função de professor colaborador no Instituto de Física GlebWataghin, da Unicamp.Aposentado na USP desde

>ESTRATÉGIAS BRASIL

Um estudo feito porpesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvardmostra que a estratégiabrasileira de produção dedrogas contra a Aids levou o país a economizar US$ 1,2bilhão entre 2001 e 2005.Cerca de 180 mil brasileirosvítimas da doença recebemtratamento de graça pormeio de um programaconsiderado um dos maisavançados no combate à Aids. O artigo de Harvarddiz, ainda, que apossibilidade de quebrarpatentes de drogas anti-HIVtem servido para que laboratórios reduzam os preços de seusmedicamentos. No início do ano, o Brasil quebrou a patente do Efavirenz,alegando medidaemergencial de interessepúblico, e decidiu importarmedicamentos mais baratosda Índia, que tambémfabrica drogas genéricas.Os pesquisadores deHarvard alertam, contudo,que o sucesso da estratégiapode terminar por sufocá-la:como faz as pessoas viveremcada vez mais, gera uma demanda contínua por medicamentos. A saída,dizem, é partir para umapolítica mais agressiva de produção de genéricosanti-Aids, que hoje custamcaro no Brasil. Segundo a pesquisa, caso os custosdos genéricos brasileirosestivessem no mesmo nívelpraticado em países como a Índia, o custo total dosanti-retrovirais teria sido deUS$ 367 milhões em 2005,quase US$ 50 milhões menos

Vítima do próprio sucesso

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1993, era, nos últimos anos,professor colaborador da Unicamp, onde seguiudesenvolvendo pesquisassobre fundamentos da física.

> Projetos selecionados

A FAPESP e a MicrosoftResearch anunciaram oscinco projetos contempladosna primeira chamada do Instituto MicrosoftResearch-FAPESP de Pesquisas em TI, lançadoem abril de 2007. Seráinvestido R$ 1 milhão emum ano em estudos deaplicação das Tecnologias deInformação e Comunicação(TIC). Dois dos projetos têmcomo objetivo promover ainclusão social de portadoresde necessidades especiais,analfabetos ou com baixa escolaridade.São coordenados por SandraAluisio, da USP em SãoCarlos, e Cecília Baranaukas,do Instituto de Computaçãoda Unicamp. O terceiro,coordenado por Lúcia Filgueiras, da EscolaPolitécnica da USP, vaiinvestigar formas de integrarmeios eletrônicos naprestação de serviços

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> Parceria contra o câncer

O Hospital do Câncer A.C.Camargo, de São Paulo,e o M.D. Anderson CancerCenter, dos Estados Unidos,assinaram um convênio que estabelece uma amplaparceria para a cooperaçãoem pesquisa, ensino,inovação tecnológica e técnicas para tratamentooncológico. O convênio foi firmado no dia 12 denovembro numa cerimôniano Palácio dos Bandeirantes,sede do governo paulista,pelos cientistas JohnMendelsohn e RicardoBrentani, respectivamentepresidentes do M.D.Anderson e da FundaçãoAntônio Prudente,mantenedora do HospitalA.C. Camargo, que tambémteve a presença dogovernador José Serra.“Há algum tempo, temostrabalhado com o M.D.Anderson. Ampliar estaparceria no ensino, pesquisae tecnologia será umimportante passo para onosso objetivo final, que é aprimorar o tratamento de qualidade que pode ser prestado à sociedade”,explicou Ricardo Brentani.

públicos. O quarto,coordenado por Fabio Kon,da USP, busca uma saídapara agilizar a prestação deserviços de saúde por meiode um protótipo baseado em celulares inteligentes,PDAs, entre outros. Oúltimo projeto, coordenadopor Claudia Bauzer, doInstituto de Computação da Unicamp, vai investigaralternativas de comunicaçãoentre pequenas propriedadesrurais e desenvolver modelos de gerenciamentode dados para oplanejamento agrícola.

> Meio séculode geologia

Acaba de ser lançada umaobra que resgata os 50 primeiros anos do cursode geologia da Universidadede São Paulo. O livroGeologia USP 50 anos(Edusp) é composto de 17 capítulos e foi organizadopor Celso de Barros Gomes,professor do Instituto deGeociências (IGC). Repletosde imagens históricas, ostextos se dividem em trêscategorias. Primeiramente,estão agrupadas aslembranças do período

inicial do curso, entre 1957 e 1969, ainda na alamedaGlete, no bairro de CamposElísios. Só no início dos anos1970 o curso passaria para a Cidade Universitária,vinculado ao IGC. Emsegundo lugar, o livro tratadas alternativas de trabalhopara os geólogos. Por fim,aborda o futuro do curso de geociências da USP.“O Instituto de Geociênciasrepresenta o frutoconsolidado de uma culturaque se instalou ainda nassuas origens, na AlamedaGlete, voltada para a buscapermanente de padrão de excelência para as suasatividades primordiais,ensino e pesquisa”, escreveuBarros Gomes.

Geologia: imagens e história

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OPlano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para oDesenvolvimento Nacional 2007-2010, anunciado pelopresidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 20 de novem-bro, tem uma meta audaciosa: aumentar os gastos nacio-nais em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I)do atual 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para 1,5%em três anos, um esforço adicional que corresponderia

a investimentos da ordem de R$ 5,7 bilhões anuais, ou algo em tor-no de R$ 23 bilhões no período. Com esse incremento, o Brasil sal-taria de uma posição próxima a de países do Leste Europeu e daÁfrica do Sul no ranking de dispêndio em P&D, em termos por-centuais, para alcançar a China e aproximar-se do Reino Unido eda Holanda. Com esse plano – batizado de PAC da Ciência e Tec-nologia –, o governo federal promete patrocinar essa arrancada edestinar R$ 41,2 bilhões à ciência, tecnologia e inovação (C,T&I)nos próximos quatro anos. Conta também com a contribuição dasempresas privadas, cuja participação nos gastos em P&D querver ampliar do atual 0,51% para 0,65% até 2010.

Os investimentos previstos vão financiar, além da expansão dosistema de C,T&I, outras três linhas de ação: inovação empresa-rial; formação de recursos humanos; pesquisa e desenvolvimen-to em áreas estratégicas; e implementação de centros vocacio-nais, telecentros, incubadoras de tecnologias sociais, entre ou-tros. Incluem recursos do orçamento do Ministério da Ciência eTecnologia (MCT), das agências de fomento, do Fundo Nacional

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>POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INVESTIMENTOS

Um novo plano decrescimentoGoverno federal destinaráR$ 42,1 bilhões paraciência, tecnologia e inovação

CLAUDIA IZIQUE

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de Desenvolvimento Científico e Tecno-lógico (FNDCT), do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social(BNDES), e de outros ministérios.

Os recursos destinados à inovaçãonas empresas saltarão de pouco maisde R$ 4,5 bilhões em 2007 para R$ 6 bi-lhões em 2010. Esse reforço de caixa seráresultado do descontingenciamento ace-lerado da verba dos fundos setoriais nospróximos dois anos e da criação de no-vos fundos, anunciados pelo governo. Odinheiro chegará ao mercado na formade recursos reembolsáveis e não-reem-bolsáveis, fundos de capital de risco, in-centivos fiscais e subvenção econômica.A meta é elevar a proporção do fatura-mento das empresas inovadoras de0,8%, em 2005, para 1,2%, em 2010.

Para estimular investimentos dasempresas, o governo pretende subven-cionar as empresas que investirem emP&D e oferecerá uma linha de crédito daFinanciadora de Estudos e Projetos (Fi-nep) – sem exigência de garantias reais

e a juro zero – àquelas que instalarem-se em parques tecnológicos. A previsãoé de que até 2010 serão destinados R$ 2bilhões às subvenções, com contrapar-tidas. A medida representaria um refor-ço à Lei de Inovação, aprovada em 2004,e ampliaria os mecanismos de incenti-vos fiscais previstos na Lei do Bem.

O PAC da Ciência e Tecnologia pre-vê também a criação do Sistema Brasi-leiro de Tecnologia (Sibratec), uma redeformada por institutos de pesquisa, uni-versidades federais, estaduais e priva-das, que, segundo o ministério, destina-rá R$ 677 milhões para a organização decentros de inovação, institutos de servi-ços tecnológicos e extensão tecnológica.Essa rede, que será instalada até o final de2008, será composta por pelo menos dezinstituições que, em parceria com a ini-ciativa privada e recursos do BNDES, Fi-nep, Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq),formarão recursos humanos, oferecerãoprogramas de capacitação tecnológica,

serviços técnicos especializados – co-mo calibração e ensaio, por exemplo –,investirão na modernização de labo-ratórios, entre outros. A meta é apoiara criação de, no mínimo, dez empre-sas inovadoras por ano.

O plano reitera a intenção do gover-no federal de mobilizar o poder decompra do setor público, previsto naLei de Inovação, para promover o de-senvolvimento tecnológico das empre-sas. Uma das primeiras áreas a ser fa-vorecidas por essa política será a indús-tria farmacêutica.

Formação de pesquisadores O planoprevê aumento de quase 50% nos inves-timentos na formação de mestres e dou-tores entre 2007 e 2010 – que somarãoalgo em torno de R$ 6 bilhões no perío-do. O número de bolsas concedidas pe-lo CNPq vai ser ampliado em 46%. Oobjetivo é aumentar em 60% o númerode doutores formados anualmente. Asnovas bolsas serão destinadas principal-

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mente aos cursos de engenharia – iden-tificada como uma das especializaçõesmais demandadas pelo mercado – e àsáreas definidas como prioritárias pelaPolítica Industrial, Tecnológica e de Co-mércio Exterior (Pitce).“O aumento naquantidade de bolsas é muito positivo,especialmente se focalizar a área de en-genharia, onde é reconhecida a falta deprofissionais qualificados”, afirma o di-retor científico da FAPESP, Carlos Hen-rique de Brito Cruz. Ele ressalva, no en-tanto, que é preciso ter cuidado para nãose enfatizar demais os interesses em apli-cações quando se trata da pesquisa aca-dêmica. “Na pesquisa industrial e napesquisa em institutos com missão di-rigida, a consideração sobre a aplicaçãoé fundamental. Mas, nas universidades,a pesquisa precisa explorar as fronteirasdo conhecimento humano em todas asáreas, e não somente naquelas para asquais se antevêem aplicações.”

O valor das bolsas também será rea-justado. As bolsas da Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior (Capes) e do CNPq terão umaumento de 20% a partir de 1º de mar-ço de 2008.

Os investimentos na formação de re-cursos humanos devem obedecer à es-tratégia de descentralização da ciência etecnologia, buscando eqüidade regionale social, em especial das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. A idéia é for-talecer os sistemas regionais e locais, pormeio de reforço às instituições estaduaisna promoção de P,D&I.

Mas a medida mais aplaudida na ce-rimônia de apresentação do PAC daC&T à comunidade científica foi anun-ciada pelo próprio presidente Luiz Iná-cio Lula da Silva: o governo vai simpli-ficar o processo de importação de insu-mos para a pesquisa. De acordo com oministro Sérgio Rezende, a Receita Fe-deral vai criar uma “linha verde”para es-ses produtos, acelerando o seu processode ingresso no país.“Os fiscais da alfân-dega vão dar um tratamento diferen-ciado aos produtos para pesquisa”, pro-meteu o ministro.

P&D estratégica A grande novidade doplano está no reforço à P&D em áreasestratégicas e que envolvem não apenaso MCT, mas diversos ministérios, o quereforça o orçamento do PAC da C&T.Es-sa decisão foi qualificada pelo próprio

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Unger relacionou as prioridades doprojeto estratégico que “começou ago-ra a discutir com o presidente”. O pri-meiro ponto é o da Defesa Nacional,uma das ações previstas no PAC daC&T. “Não há estratégia de desenvol-vimento nacional sem uma estratégia dedefesa”, afirmou. Defendeu a reorgani-zação e profissionalização das Forças Ar-madas, a recuperação de seu papel devanguarda tecnológica e a constituiçãode uma indústria da Defesa Nacional.“Atransferência de tecnologia de defesa en-tre países é acessória. Temos que ter ca-pacitação e soerguer a indústria nacio-nal com independência tecnológica.”

O ministro se mostrou bastantepreocupado com o futuro da Amazônia– região considerada prioritária tambémno PAC da C&T. Ele propõe a elabora-ção de um projeto nacional de desenvol-vimento econômico e ecológico, quepermita, por exemplo, o uso produtivode determinadas áreas. “Mas, para teruma atividade econômica avançada, co-mo o aproveitamento da biodiversida-de, por exemplo, é preciso ter quadrosqualificados dispersos por todo o ter-ritório.”“Esse é um problema sem solu-ção conhecida.”

Unger também tem refletido sobre aurgência de o país adotar o que chamade “política industrial de inclusão”. Ex-plica: “A política tradicional é voltadapara as grandes empresas e tem comoinstrumento o crédito subsidiado e fa-vores fiscais”. Ele idealiza uma estratégiaque leve em conta empreendimentosemergentes, que permita a disseminaçãode experiências locais “exitosas”e incluaaconselhamento gerencial para a forma-ção de quadros e a formação de rede deapoio para a extensão tecnológica.

Para o ministro, a base social do no-vo projeto de desenvolvimento do paísdeve ser a “pequena burguesia emergen-te e operosa”, formada por aquela par-cela da população que estuda a noite,abre seu próprio negócio e que inaugu-rou no país uma cultura de auto-aju-da. “Essa é a vanguarda que a maioriaquer seguir”, supõe. “É preciso usar re-cursos do Estado para fazer com que amaioria da população siga o exemplo davanguarda emergente”, afirmou, defen-dendo políticas sociais orientadas paraa capacitação, o ensino público de qua-lidade e a democratização da economiade mercado. ■

presidente como uma revolução de pro-cedimentos: “Juntamos todos os setoresdo governo que, direta ou indiretamen-te, tratavam da questão da ciência e tec-nologia, e resolvemos acabar com os pro-gramas individuais para tentar criar umprograma para o Estado brasileiro”, ex-plicou Lula na cerimônia de lançamentodo plano. A intenção, ele sublinhou, é“acabar com aquela história de que ca-da centro do governo tinha um pedaci-nho de ciência e tecnologia”.

Essa “revolução de procedimentos”transforma o MCT numa espécie de ges-tor da P&D de 13 setores intensivos detecnologia que têm, na avaliação do go-verno federal,“transversalidade setorial,multidisciplinaridade técnico-científi-ca”, grande potencial inovador e dinami-zador da economia, peso significativo nabalança de pagamentos e convergênciacom a Pitce. Os setores identificados sãoos de biotecnologia e nanotecnologia;tecnologia da informação e comunica-ção; insumos para a saúde; biocombus-tíveis; energia elétrica, hidrogênio e ener-gias renováveis; petróleo, gás e carvãomineral; agronegócios; biodiversidade erecursos naturais; Amazônia e Semi-Ári-do; meteorologia e mudanças climáticas;programa espacial; programa nuclear;defesa nacional e segurança pública.

“São temas estratégicos que exigem aarticulação entre os setores do governo”,adiantou o ministro Sérgio Rezende, du-rante o VII Seminário de Estudos Estra-tégicos, realizado em Brasília entre os dias6 e 8 de novembro,duas semana antes doanúncio do PAC da C&T.

Para Brito Cruz, a iniciativa do go-verno de propor um plano “abrangen-te”e com metas estabelecidas é positiva,ainda que, reconheça, possam existir crí-ticas quanto às áreas escolhidas.“A pró-pria existência de um plano já represen-ta um progresso importante do pontode vista institucional”, enfatiza. Aponta,no entanto, dois pontos fracos que, nasua avaliação, deveriam ser corrigidos.“O plano não é nacional, é um plano fe-deral, porque não incluiu discussão comos estados sobre suas prioridades estra-tégicas. Isso é uma limitação importan-te, pois, no Brasil, 65% dos recursos pú-blicos para P&D vêm de fontes federaise 35% de fontes estaduais. Em São Pau-lo, 60% dos recursos são estaduais”, ob-serva. O segundo ponto fraco é o fato deo plano, que pretende cobrir o período

2007-2010, ser anunciado em novem-bro. “Seria mais correto ser um planopara 2008-2010.”

Brito elogiou ainda a meta de elevaros gastos do PIC para 1,5%.“É um bomobjetivo, embora seja menor do que oaumento de 2% do PIB que o presiden-te Lula anunciou ao Conselho de Ciên-cia e Tecnologia em 2003.”

Reforço à educação básica O PAC daC&T tem pontos de convergência comum outro PAC, o da Educação. A inten-ção do governo é construir “pontes”en-tre as universidades públicas e o sistemade educação básica.“Apesar de ser o 15ºno ranking da produção científica mun-dial, as universidades brasileiras nãotransportam esse conhecimento parao mundo do trabalho e nem para a edu-cação básica. Trata-se de um conheci-mento encapsulado”, afirmou o minis-tro da Educação, Fernando Haddad, emconferência durante Seminário de Estu-dos Estratégicos.

O governo vai investir R$ 2 bilhõesanuais, entre 2007 e 2010, na reestrutu-ração das universidades públicas com oobjetivo de criar um sistema nacionalde formação de magistério.“Até agora36 das 54 universidades públicas jáapresentaram seu plano de reestrutura-ção que inclui o estabelecimento de vín-culos com a educação básica”, conta-bilizou o ministro.

A “ponte” da universidade com omundo do trabalho, como ele diz, co-meçou a ser pavimentada com a apro-vação da Lei 11.487, conhecida como LeiRouanet da pesquisa (ver revista Pesqui-sa FAPESP, edição de agosto de 2007).“Aeducação profissional também precisaser repensada para incorporar a ciên-cia como fator de produção”, completouo ministro.

Vanguarda emergente O PAC da Ciên-cia e Tecnologia e o da Educação infor-mam sobre as perspectivas de longoprazo para o país. A estratégia de cres-cimento, no entanto, ganham efetiva-mente luz sob as palavras do ministroExtraordinário de Planejamento Estra-tégico, Mangabeira Unger.“Precisamospensar num novo modelo de desenvol-vimento com mais oportunidades deeducação e maior participação popu-lar”, ele afirmou em conferência no Se-minário de Estudos Estratégicos.

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AVALIAÇÃO

Duas instituições brasileiras,asuniversidades de São Paulo(USP) e Estadual de Campinas(Unicamp),despontam entreas 200 melhores no mundo,deacordo com a quarta edição doranking anual feito pelo Higher

Education Supplement,do jornal britâ-nico The Times. A USP aparece em 175ºlugar,empatada com a Universidade deMassachusetts,em Amherst,nos EstadosUnidos – posição melhor do que as ob-tidas em 2006 (284º lugar) e em 2005(196º lugar).O salto da Unicamp,queaparece em 177º lugar,foi ainda mais ex-pressivo.Em 2006 estava na 448ª posição.Se tivesse obtido um conceito maioremalgum quesito,poderia ter ultrapassadoa USP.A lista é elaborada a partir de di-versos critérios reunidos.O principal éa análise por pares,que representa 40%da nota final.Um conjunto de 5,1 milpesquisadores foi entrevistado,sendo41% da Europa,África e Oriente Médio,30% das Américas e 29% da Ásia e doPacífico.Também tem peso a opinião deempresas que contratam recém-gradu-ados,além de indicadores de produçãoacadêmica e de inovação, entre outros.Os dez primeiros lugares pertencem auniversidades britânicas e americanas –Harvard,mais uma vez,é a primeira dalista,seguida por Cambridge,Oxford eYale.Na relação das 200 melhores domundo,a América Latina é represen-tada apenas por mais uma instituição,aUniversidade Nacional Autônoma doMéxico,na 192ª posição.O mundo emdesenvolvimento entra com apenas maisuma:a Universidade de Cape Town,naÁfrica do Sul,em 200º.

É certo que a produção acadêmicadas instituições brasileiras vem crescen-do ano a ano,mas mudanças na meto-dologia do ranking também ajudam a

explicar a boa evolução da USP e daUnicamp.Os organizadores do levanta-mento pediram que os acadêmicos en-trevistados listassem 30 universidadesque consideram líderes mundiais emseus campos do conhecimento – maspela primeira vez proibiram que votas-sem em suas próprias instituições.“Issocertamente ajudou a abrir espaço paraque o nome da Unicamp despontasse”,comemora José Tadeu Jorge,reitor dainstituição. “Provavelmente, isso resul-ta de nossa estratégia de mandar cadavez mais alunos estudar um período dagraduação em instituições do exterior,

principalmente da Europa e da Améri-ca Latina.A qualidade desses estudan-tes deve ter servido para divulgar a Uni-camp”, afirma.

Já a reitora da USP,Suely Vilela,nãocrê que seja grande o impacto da mu-dança de metodologia no desempenhoda instituição que comanda.“Nossa po-sição neste ranking oscilou bastante nosúltimos anos,mas um outro ranking deuniversidades cujos critérios se manti-veram estáveis,feito pela Universidadede Xangai,mostra que nossos indicado-res melhoram ano a ano.Saímos do 165ºlugar em 2003,fomos para o 153º em2004,para o 139º em 2005 e o 134º em2006.Agora estamos na 128ª posição”,diz Suely.A reitora atribui o desempe-nho da USP a um conjunto de fatores,que vão da competência de seus recur-sos humanos à autonomia didático-fi-nanceira de que as universidades esta-duais paulistas desfrutam.

Outro fator favorável às brasileirasfoi a utilização no ranking, pela primei-ra vez,da base de dados Scopus paramedir as citações recebidas pelos arti-gos dos autores de cada universidade,indicador de qualidade da produçãoacadêmica.Comercializado pela edito-ra Elsevier,a Scopus contém resumos ereferências de 15 mil periódicos cien-tíficos revisados por pares,em substi-tuição à base utilizada nas versões an-teriores,a consagrada Thomson-ISI.A razão da troca,segundo os organi-zadores do ranking, é a maior presen-ça de publicações em outras línguasalém do inglês na base Scopus.USP eUnicamp também se beneficiaram damaior abertura na base Scopus a publi-cações em biologia e engenharias,áreasem que elas têm tradição. ■

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No clube dos 200 USP e Unicamp galgam posições em ranking mundial de universidades

FABRÍCIO MARQUES

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28 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

SAÚDE

Opróximo ano promete ser maisfácil para os pesquisadores emsaúde no Brasil.A diretoria daAgência Nacional de VigilânciaSanitária (Anvisa) colocou emconsulta pública novos proce-dimentos para importação e

exportação de material de pesquisacientífica sem caráter comercial.

A proposta,que foi apresentada emreunião na FAPESP,no dia 26 de no-vembro,integra o conjunto de medidasque o governo federal pretende adotarpara facilitar a importação para pesqui-sa,anunciadas pelo presidente Luiz Iná-cio Lula da Silva,no dia 20 de novembro,junto com o Plano Nacional de Ciência,Tecnologia e Inovação para o Desenvol-vimento Nacional 2007- 2010,em Bra-sília.“Uma das coisas que incomodavamo Sérgio [ministro Sérgio Rezende] e amim era que muitas vezes,para liberarum material de pesquisa demorava deseis meses a um ano”, disse o presiden-te lembrando que na Europa e nos Es-tados Unidos demora uma semana.“Aqui era tratado como se fosse um au-tomóvel,como se fosse um avião.Nãotinha nenhuma definição de priorida-de.Se nossos pesquisadores estivessemdisputando uma maratona com os pes-

quisadores estrangeiros,nós não ganha-ríamos uma,porque,enquanto eles iame voltavam,a gente ainda estava espe-rando a liberação de nossos produtos”,afirmou o presidente.

As novas regras pretendem facilitara importação e exportação por institui-ção de pesquisa,entidade de fomento oucientista/pesquisador,devidamente cre-denciados no Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq). “O conselho fará o credencia-mento para facilitar o reconhecimentoda Anvisa”,explicou Moisés Goldbaum,da Faculdade de Medicina da Univer-sidade de São Paulo (USP).A tramita-ção do pedido na Anvisa também serámais ágil e menos “burocrática”.

A importação de mercadoria sujeitaa controle especial – substâncias entor-pecentes, psicotrópicos, anorexígenos,retinóicos,imunossupressores,entre ou-tros – deve,obrigatoriamente,contarcom registro de licenciamento de impor-tação no Siscomex,antes de seu embar-que no exterior.No caso de exportaçãodesses produtos,a autorização será emi-tida pela Anvisa.O regulamento tam-bém estabelece exigências sanitáriaspara a liberação sanitária de material,pa-drões de embalagem e armazenagem. ■

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PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ 29

FOMENTO

Oprograma Apoio a Jovens Pes-quisadores da FAPESP foi lan-çado em 1996 com a propostapioneira de estimular a inde-pendência e o amadurecimen-to de doutores recém-formadosnaquela fase da carreira em que

se enfrentam percalços como a falta devínculo empregatício e as dificuldadesmateriais para liderar projetos robustos.Um levantamento realizado pelo pes-quisador Carlos Alberto de Pian,queserviu de base para a dissertação de mes-trado defendida por ele na Universida-de Federal de São Paulo (Unifesp),fezum balanço do programa e mostrou quea maioria de suas metas foi atingida,ain-da que os cerca de 800 jovens pesqui-sadores beneficiados até hoje tenhamenfrentado obstáculos não previstos.

Segundo o estudo,o êxito do progra-ma é mensurável por meio de diversosdados.Conforme estabelecia a propos-ta original,foram beneficiados apenaspesquisadores de alto nível,com produ-tividade acadêmica acima da média.Tanto que o grau de aprovação de pro-jetos apresentados limitou-se a 27%,ín-dice inferior ao de outros programas daFAPESP,como os de auxílio a pesquisa(57%) e os temáticos (45%).Tambémfoi alcançada a meta de priorizar a idados jovens pesquisadores para universi-dades e centros de pesquisa não plena-mente consolidados para,assim,elevaro padrão científico dessas instituições.Centros tradicionais,como USP e Uni-camp,apresentaram projetos em por-centual bem inferior ao que acontece emoutros tipos de programas.Em contra-partida,a Universidade Estadual Paulis-ta (Unesp) foi responsável por 20% dosprojetos concedidos e instituições par-ticulares,como as universidades de Mo-gi das Cruzes,São Francisco,Vale do Pa-raíba e Paulista responderam por 18%.“Aparentemente houve uma compreen-

são do caráter do programa dentro dacomunidade científica que gerou essasdemandas diferenciadas”,diz Pian,quetrabalha há 27 anos na FAPESP.

A característica mais inovadora doprograma foi a possibilidade de o coor-denador do projeto receber uma bolsamesmo sem ter vínculo empregatíciocom alguma instituição.A idéia era quejovens pesquisadores pudessem receberum montante significativo – a maioria

na faixa de R$ 100 mil a R$ 200 mil porum período de quatro anos – e negociá-lo com uma instituição para conseguirespaço e infra-estrutura para instalaçãode seu grupo,embora não ocupassemvagas efetivas nem recebessem salárioalém da bolsa da FAPESP.Entre os 114projetos examinados por Pian,66 foramconcedidos a doutores já estabelecidosem alguma universidade ou centro depesquisa,enquanto 48 couberam a pes-quisadores avulsos.Mas essa situação suigeneris trouxe implicações não espera-das. Uma delas, segundo Pian, foi a di-ficuldade de os bolsistas efetivamenteintegrarem-se ao esforço de pesquisa dasinstituições que os abrigaram.Num si-nal de falta de continuidade,os jovenspesquisadores sem vínculo empregatí-cio exibiram produtividade inferior,me-dida em artigos científicos publicados,no período posterior ao final da bolsa,comparada ao desempenho de pesqui-sadores beneficiados pela linha de auxí-lio regular a pesquisa da FAPESP “Tal-vez alguns dos jovens pesquisadores te-nham assumido uma postura vista nainstituição como independente demais,pelo fato de terem seu mérito reconhe-cido por uma seleção muito rigorosa fei-ta pela FAPESP”,diz Pian.

Um dado curioso diz respeito aoscampos do conhecimento que mais ins-piraram projetos.A área da saúde,que emgeral predomina em outros projetos,nãoteve tanto espaço na demanda dos jovenspesquisadores.Em contrapartida,houveuma procura maior do que a habitual emáreas como bioquímica e genética,mui-to ligadas à biotecnologia e à genômica,e botânica e zoologia, base para estudosde ecologia e biodiversidade.“Tais temassão muito contemporâneos e atraentese se constituem em alvo de fascínio paraos mais jovens”,afirma Pian. ■

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Grito de independênciaLevantamento avalia a experiência do programa Apoio a Jovens Pesquisadores

FABRÍCIO MARQUES

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Mais gente,menos árvores

GEOGRAFIA

Se os administradores e técnicosdo governo federal decidiremtrabalhar mais intensamentepara conter o desmatamento,seguindo o que o presidente daRepública anunciou no final desetembro na Assembléia Geral

das Nações Unidas,talvez se perguntemque áreas deveriam priorizar,já que asequipes são pequenas e o Brasil tãogrande.Uma possibilidade seria os mu-nicípios do sul do Pará ao longo da ro-dovia Cuiabá–Santarém.Não se trata deuma escolha ao acaso,mas da aplicaçãode um mecanismo de detecção de trans-formações ambientais,o Índice das Di-mensões Socioeconômicas (IDS),ela-borado por geógrafos da UniversidadeFederal de Minas Gerais (UFMG).

Esse índice associa padrões socioeco-nômicos como educação,saúde e empre-go,o crescimento das cidades e o ritmoda atividade econômica com a transfor-mação do espaço.Quanto mais acele-rada a expansão dos municípios e daeconomia,mais precárias as condiçõesde vida e mais intensa a migração daspopulações,mais alto tende a ser o IDSe maior o risco de danos ambientais.Deoutro modo:mais gente em busca deempregos ou de empregos melhores,menos floresta em pé.

Áreas com crescimento populacionalintenso e com alto IDS poderiam recebermais atenção por serem focos potenciaisde desmatamento.É o caso de Aripuanã,em Mato Grosso,dos municípios pró-ximos a Santarém,no Pará,ao norte deManaus,no Amazonas,e ao longo do rioAmazonas,além da faixa ao longo da ro-dovia Porto Velho–Manaus.

Ao elaborarem esse índice, RicardoGarcia,Britaldo Soares-Filho e DianaSawyer viram a Amazônia como um es-paço sujeito a pressões de diferentes gru-pos sociais – um território.O desma-tamento tornou-se então um fenôme-no social e ganhou marcas próprias,deacordo com suas motivações locais.“Aprincipal causa de desmatamento no suldo Pará é a expansão da pecuária,en-quanto no Amapá é o crescimento dascidades”,exemplifica Garcia.

O avanço da pecuária tem sido umadas explicações predominantes do de-saparecimento da floresta desde que co-meçou a ocupação da Amazônia,há pe-lo menos dois séculos,mas apenas emescala global.Em escalas maiores,quan-do cada estado é analisado separadamen-te, como nesse estudo,as migrações é quese tornavam uma razão mais forte paraexplicar o desaparecimento da vegeta-ção natural.“A migração explica boaparte do processo de desmatamentoporque antecede a expansão da agricul-tura e da pecuária”,diz Garcia.“As pes-soas vão para onde esperam encontrartrabalho.”

Entre 1995 e 2000,quase 50 mil pes-soas deixaram Belém,a capital do Paráque exemplifica o adensamento popu-lacional verificado em outras capitaisda Região Norte.Na situação inversa,Manaus recebeu 40 mil novos morado-res entre 1995 e 2000,que se somaramao 1,4 milhão já estabelecido e acen-tuaram a transformação da paisagemnatural em espaços urbanos.De acor-do com esse trabalho,quanto maior apopulação,maior tende a ser o impac-to sobre o ambiente. D

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Pesquisadores de Minas criam índice que revela as áreas da Amazônia mais sujeitas a desmatamento

AMBIENTE

CARLOS FIORAVANTI

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PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 31

censos populacionais ou econômicos.Quatro se referem diretamente ao des-matamento: quanto mais alto o valorque apresentarem, maior o risco de a flo-resta desaparecer. A primeira variável éa concentração e dinâmica popula-cional, que combina o total da popu-lação, a densidade e a taxa de crescimen-to. A segunda é o desenvolvimento eco-nômico, que considera a renda bruta domunicípio e o volume de dinheiro emcirculação. A terceira é a infra-estrutu-ra agrária, avaliada pela renda agrícola,área cultivada e número de tratores e ca-minhões, por exemplo. A quarta, a pro-dução agrícola e madeireira, expressa asáreas de propriedades agropecuárias ede exploração de madeira.

Só a quinta variável do índice repre-senta uma força capaz de conter o desa-parecimento da floresta: é o desenvolvi-mento social, medido por indicadorescomo anos de escolaridade e pelo nú-mero de médicos, postos de saúde, ca-sas atendidas pela rede de água e ruascom iluminação elétrica. A lógica é sim-ples: quanto maior o conforto e melhora infra-estrutura, menos interesse os

moradores de uma cidade terão de semudar para outros espaços.

Esse índice também explica por quea mata se transforma em áreas agrícolasou pastagens. De acordo com as estima-tivas do Instituto Nacional de PesquisasEspaciais (Inpe), Mato Grosso respon-deu por 48% dos 26 mil quilômetros deárea desmatada nos últimos anos. Osmunicípios desse estado apresentam osIDS mais altos de toda a região.

Por enquanto não há sinais de que oIDS possa se tornar conhecido rapida-mente em Brasília, mas esse trabalhotem contribuído para outras pesquisas.Já foi uma das bases da divisão da Ama-zônia em regiões socioeconômicas, co-mo parte de um estudo mais amplo, pu-blicado na Nature em março de 2006.Esse estudo mostra que até 2050 me-tade dessa floresta pode desaparecer,dando lugar a pastagens, plantações e ci-dades, e alerta para a necessidade deajustes na política ambiental. Somenteas áreas protegidas de floresta podemnão ser o bastante para manter a flores-ta e o ritmo da chuva que chega até asgrandes cidades da Região Sudeste. ■

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Essa lógica explica por que os centrosurbanos mais influentes da região ama-zônica – as capitais, que os autores des-se trabalho chamaram de macropólos –exibem os IDS mais altos e apenas resquí-cios de florestas. Esses nove macropólos(São Luís,Cuiabá,Porto Velho,Rio Bran-co, Manaus, Boa Vista, Belém, Macapá ePalmas) representam os nós de uma redede 792 municípios, regidos também por29 mesopólos (centros regionais) e 48micropólos, assim definidos de acordocom a área de influência.

Por serem os municípios de maioratividade econômica, os macropólos sãoos focos de irradiação do desmatamen-to. “A expansão da agricultura e da pe-cuária parte e depende dos centros ur-banos, que fornecem mão-de-obra, fer-ramentas, frigoríficos e mercado consu-midor, e se espalha por meio das estra-das e hidrovias”, comenta Garcia.“O suldo Pará é um exemplo bastante claro decomo os pólos urbanos estão orientan-do o desmatamento.”

Detalhado em um artigo publicadona revista Ecological Indicators, o IDSconsidera cinco variáveis obtidas nos

Rumo a novas terrasA expansão da rede urbana, osmovimentos populacionais e o Índice de Dimensões Socioeconômicas ajudama prever as áreas em que a florestadeve desaparecer

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Frentes de desmatamento

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FONTE: RICARDO A. GARCIA, BRITALDO S. SOARES-FILHO E DIANA O. SAWYER/UFMG

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32 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

Por essa razão,Schmidt-Thomé con-sidera proveitoso contar com o apoio decientistas sociais,mais hábeis em lidarcom públicos diferentes do que os cha-mados cientistas da natureza.No Brasilparece haver um interesse crescente pe-lo diálogo.“É fundamental ouvir dife-rentes opiniões”,comentou Pedro Lei-te da Silva Dias,diretor do Laborató-rio Nacional de Computação Científica(LNCC) e presidente do comitê execu-tivo da 3ª Conferência Regional sobreMudanças Climáticas:América do Sul,realizada em novembro em São Paulo.

Mesmo que a comunicação funcio-ne,algumas barreiras são insuperáveis.Schmidt-Thomé conta que os políticosàs vezes querem uma resposta exata so-bre,por exemplo,quantos centímetroso mar vai subir até uma determinada

Acidentes naturais exigemnovas estratégias de comunicação de cientistas com gestores públicos

data – algo impossível já que a ciênciatrabalha com cenários,não com certe-zas.Pode acontecer também que os po-líticos deixem os cientistas falar e enten-dam o que dizem,mas não aceitem asconclusões.Foi o que aconteceu no nor-te da Alemanha.Se reconhecessem queas mudanças climáticas representam efe-tivamente uma ameaça,os prefeitos te-riam de promover profundas mudançasna região,que vive do turismo.Comoalgumas casas estão a meio metro abai-xo do nível do mar,qualquer elevaçãono oceano seria desastrosa.

Schmidt-Thomé mostrou uma sériede mapas das áreas mais sujeitas a secas,inundações e outros acidentes naturais,já adotados como instrumentos de ges-tão e planejamento urbano em outrasregiões da Alemanha,na Estônia,na Fin-

geógrafo alemão Philipp Sch-midt-Thomé concluiu comsuaprópria experiência que a me-lhor forma de comunicar osresultados de pesquisas a ad-ministradores de órgãos públi-cos é ser claro,direto e simples,evitar o catastrofismo e ofe-

recer possibilidades de escolha sobre oque fazer.“Se as pessoas sentirem medo,podemperder a esperança e deixar detomar as atitudes necessárias para evitaro pior”,comentou,ao apresentar na Uni-versidade de Campinas (Unicamp) e naFAPESPo trabalho que faz desde 2002para evitar desastres naturais na Europa.

Schmidt-Thomé coordena uma redeque reúne especialistas de 29 países daEuropa e produz mapas que indicam osriscos de desastres naturais.Alguns dosriscos são típicos do hemisfério Norte,como tempestades de neve.Outros,porém,podem ocorrer também no Bra-sil e se tornar mais severos à medida queas mudanças climáticas se intensifi-quem, a exemplo de inundações, secas,erosão,degradação de solos,incêndiosflorestais e deslizamentos de encostas.

Essa perspectiva deve forçar os go-vernos a dar mais atenção à gestão doterritório,mas a comunicação entre cien-tistas e administradores públicos ain-da precisa melhorar muito para que asmedidas capazes de reduzir os impac-tos de um clima mais cruel sejam de fa-to implantadas,segundo Schmidt-Tho-mé,que trabalha desde 1998 no ServiçoGeológico da Finlândia.

Ele reconheceu que nem sempre es-sa comunicação é fácil,porque exige aidentificação de uma linguagem comume a seleção de informações que possamser efetivamente úteis:“Os formulado-res de políticas públicas não têm tempode ler mais do que uma página de resul-tados”,disse.“Uma linguagem exces-sivamente científica pode afastar o inte-resse dos gestores,mas o catastrofismoé ainda pior,porque dá impressão deque nada mais pode ser feito.”

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Apalavra e o tempo

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na conferência em São Paulo. Segundoele, o cenário das águas nas cidades jáera crítico antes mesmo de ganhar for-ça com as mudanças climáticas. E sãojustamente países em desenvolvimen-to como o Brasil os que exibem as ta-xas mais altas de urbanização, lembroua geógrafa Helena Ribeiro, da Facul-dade de Saúde Pública da Universidadede São Paulo (USP).

Ilhas de calor - Helena considera asmudanças climáticas um problema desaúde pública, cujos sinais já podem serdetectados. Ela própria fez um estudo,publicado em 2005 na revista CriticalPublic Health, mostrando que os mo-radores das áreas mais quentes – as ilhasde calor – da cidade de São Paulo pade-cem de doenças cardiorrespiratórias commais freqüência que os que moram embairros com temperaturas mais amenas.

Quais as soluções? Menos poluição,mais árvores e telhados mais claros, porexemplo. Poderia ser feita até mesmouma revisão do Plano Diretor das cida-

des, na opinião de Humberto Ribeiro daRocha, professor da USP. Até agora, po-rém, o ritmo de ação parece não acom-panhar o ritmo das sugestões. “Não es-tou vendo nada em termos de políticapública”, disse Rocha.

O geógrafo Hugo Ivan Romero, daUniversidade do Chile, foi mais incisi-vo:“A maneira como administramos ascidades em toda a América Latina é umfracasso”, sentenciou. Ele descreveu oscontrastes da capital chilena, Santiago,que são os mesmos das grandes cidadesdo Brasil: os moradores mais ricos vi-vem em áreas mais arborizadas, queapresentam os melhores climas, enquan-to os mais pobres moram nas áreas maisdesprovidas de áreas verdes e mais su-jeitas a inundações e a variações climá-ticas mais intensas. “O clima urbano éuma construção sociopolítica, que cas-tiga principalmente os mais vulneráveis”,concluiu. “Será que temos forças paramudar essa situação?” ■

PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 33

lândia ou na Polônia, para evitar epi-sódios dramáticos como as enchentes de2002 do rio Elba, na Alemanha. Um dosmapas, que sobrepôs os riscos de aciden-tes naturais, deixou claro que as áreasmais vulneráveis na Europa são as re-giões mais populosas, que formam umtriângulo delimitado pelas cidades deLondres, Munique e Milão.

“Não temos nada no Brasil com umaabordagem tão abrangente”, comentoua geógrafa Lucí Hidalgo Nunes, profes-sora do Instituto de Geociências da Uni-camp, ao final de uma das apresenta-ções do finlandês. Uma semana depois,após chuvas intensas, a cidade do Rio deJaneiro parou por causa do deslizamen-to de 7 mil toneladas de terra que fechouuma das vias do túnel Rebouças, umadas principais vias de ligação entre as zo-nas Norte e Sul da cidade.

“Precisamos conhecer melhor ospossíveis efeitos das chuvas intensas so-bre as cidades”, alertou Carlos Eduar-do Tucci, professor da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul (UFRGS),

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Sete mil toneladasde terra sobre um túnel no Rio questionam a gestão urbana

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34 ■ DEZEMBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

ENERGIA

Num artigo publicado na edição de 8 de setem-bro de 1978 na revista científica norte-ameri-cana Science, o físico José Goldemberg,entãono Instituto de Física da Universidade de SãoPaulo (IF/USP),calculou a quantidade de ener-gia que três plantas cultivadas,a mandioca,osorgo-doce e a cana-de-açúcar,consumiam

para produzir etanol.“A cana-de-açúcar é mais eficien-te para a produção de álcool etílico,seguida do sorgoe da mandioca do ponto de vista do balanço energéti-co”, escreveu então o pesquisador brasileiro no resu-mo do artigo.No trabalho,Goldemberg salientava tam-bém que entre 60% e 75% da energia necessária paraa obtenção do etanol a partir das plantas era consu-mida na etapa industrial desse processo,tendo a faseagrícola um peso menor nesse quesito.Quase 30 anosdepois,com seu preço competitivo e apelo ecológico,o etanol da cana-de-açúcar impulsiona a maioria dosnovos carros flex feitos no Brasil e passou a ser visto pe-los países desenvolvidos como um biocombustível quepode aliviar um pouco a dependência mundial do pe-tróleo e o aquecimento global.Tudo indica que as con-tas de Goldemberg não estavam erradas.

A revista semanal Time acaba de lembrar do traba-lho pioneiro do físico brasileiro sobre o então apenascandidato a biocombustível.“Hoje,quando fazendeirosamericanos estão gozando dos benefícios do etanol sub-sidiado,é fácil esquecer que a idéia de abastecer uma eco-nomia por meio de uma planta em vez do petróleo foium dia uma noção marginal.Mas José Goldemberg selembra”,escreve o periódico norte-americano.Por seuartigo de 1978 na Science, a Time escolheu o brasileirocomo um dos “heróis do meio ambiente”num núme-ro especial lançado em outubro.“Hoje o país (Brasil) élíder global em biocombustíveis”,reconhece a revista,fa-zendo questão de dizer que a adoção do etanol reduziuanualmente em 20% as emissões brasileiras de carbono.

Ao lado de pesos-pesados da política internacional,como o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev (um dosfundadores da Cruz Verde Internacional),o ex-vice-pre-sidente norte-americano Al Gore (que,por seu ativis-mo ambiental,dividiu o Nobel da Paz deste ano com osM

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Os eleitos representam indivíduos de di-ferentes perfis e formas de atuação que,segundo a revista, são a voz de um pla-neta em desequilíbrio. Goldemberg é oúnico brasileiro da lista.

O físico se recorda do ambiente emque os estudos sobre etanol começarama ser feitos no Brasil há mais de três dé-cadas. Após a primeira crise do petró-leo em 1973, o governo brasileiro come-çou a procurar uma saída para reduzira sua grande dependência do combus-tível importado. Desse esforço nasceu egerminou o etanol da cana-de-açúcar eo programa Proálcool. Um dos pontosaltos do artigo de Goldemberg era mos-trar que se gastava uma quantidade bai-xa de combustível fóssil, na forma defertilizantes para a cana-de-açúcar cres-cer, na produção do etanol a partir des-sa planta. Ou seja, não só era possível,mas viável economicamente (e bompara a natureza) usar o álcool da canacomo fonte de energia. Hoje um dosgrandes problemas da produção de eta-nol a partir do milho, como se faz nosEstados Unidos, é o gasto elevado decombustíveis fósseis nesse processo.“Precisamos continuar investindo paramanter a liderança no setor”, afirmaGoldemberg, que sempre foi um gran-de crítico da construção das usinas nu-cleares em Angra dos Reis. ■

PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 35

cientistas do Painel Intergovernamentalsobre Mudanças Climáticas, o IPCC) ea atual chanceler da Alemanha, AngelaMerkel, Goldemberg foi destacado co-mo um dos “heróis do meio ambien-te” na categoria Líderes e Visionários.Aos 79 anos, o físico, que foi ministro deEstado e reitor da USP, entre outros car-gos ocupados em sua longa carreira,continua ativo e dá expediente no Insti-tuto de Eletrotécnica e Energia da USP.“Fiquei surpreso com a lembrança daTime e por eles terem me incluído nessacategoria”, diz Goldemberg, que atual-mente também é presidente da Comis-são Especial de Bioenergia do Estado deSão Paulo.“Outras pessoas contribuí-ram para o progresso da produção deetanol no Brasil.”

Sustentabilidade premiada – Quandoo Natal se aproxima, a Time costumaproduzir uma edição especial com oschamados “heróis do ano”, pessoas, fa-mosas ou não, das mais variadas profis-sões, que, aos olhos da publicação nor-te-americana, tiveram grande influên-cia sobre o modo de vida da humanida-de nos últimos meses. Em 2007, ano emque o aquecimento global entrou defi-nitivamente para a agenda política dasnações em razão dos preocupantes da-dos divulgados pelo IPCC, o periódicomudou um pouco os critérios usadospara eleger as personalidades do mo-mento e resolveu direcionar o foco desua escolha sobre a questão da sustenta-bilidade da Terra. Neste ano, a Time op-tou por destacar 43 “heróis do meio am-biente” em quatro categorias: Líderes eVisionários, Ativistas, Cientistas e Ino-vadores e Magnatas e Empreendedores.

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Time escolhe José Goldembergcomo um dos “heróis do meioambiente” por estudo sobre etanol

Goldemberg: o primeiro

a mostrar que era viável

usar a cana paraproduzir etanol

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por Paul Crutzen,doInstituto Max Planck,naAlemanha,mostra que essasubstituição nem sempre é vantajosa.Na verdade,depende da matéria-primausada.A razão é que o uso de fertilizantes artificiaiscontribui para elevar osníveis atmosféricos de óxido

> Olhe outra vez

A principal razão de prisõespor engano na Inglaterra é a identificação errônea dossuspeitos,afirma o psicólogoDaniel Wright,daUniversidade de Sussex,Reino Unido.Em estudopublicado na PsychologicalScience, ele avaliou acapacidade das testemunhasde identificar corretamenteum suspeito de crime everificou que elas cometemerros em 20% dos casos.Segundo Wright,a simplesavaliação do grau deconfiança das testemunhasseria suficiente para reduziros erros. Cerca de 40% das testemunhas se mostrambastante seguras aoidentificar um suspeito.“A maior preocupação é com as pessoas que estão um pouco confiantes,masnão completamente seguras”,disse Wright à NewScientist.Há tempos os psicólogosbritânicos sugerem que a polícia use métodos maiscientíficos na identificaçãode suspeitos,como aestratégia de duplo-cego,emque nem os organizadoresnem as testemunhas sabemquem são os suspeitos.

> Os biocombustíveise o efeito estufa

Nos últimos meses osbiocombustíveis produzidosa partir de cana-de-açúcar,milho e outras culturasganharam destaque comoalternativa ao petróleo parareduzir a emissão de gasesque provocam o efeitoestufa,ligado ao aumento datemperatura do planeta.Masuma pesquisa coordenada

Antes do chocolateJarros de cerâmica com 3.100 anos de idade encontra-

dos em Honduras continham bebidas à base de ca-

cau, segundo estudo liderado por John Henderson,

da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Essa

descoberta pode indicar que bebidas à base desse fru-

to eram consumidas 500 anos antes do que se pen-

sava. Não se sabe se por ação do homem ou da natu-

reza, o cacau, nativo da Amazônia, chegou à América

Central e se tornou parte fundamental da cultura e

da economia de sociedades pré-colombianas, como as-

tecas e maias. Chocolatl, que na língua dos astecas sig-

nifica água amarga, era uma bebida preparada com se-

mentes de cacau fermentadas, torradas e moídas mis-

turadas com água, usada extensivamente em rituais re-

ligiosos. O chocolatl é, segundo o artigo publicado em

novembro na PNAS, um subproduto da primeira bebi-

da derivada do cacau: um fermentado alcoólico da pol-

pa do cacau parecido com a chicha, bebida em geral fei-

ta com mandioca ou milho e largamente consumida em

toda a América do Sul. A partir da análise química dos

fragmentos de cerâmica não é possível definir se a be-

bida armazenada nos jarros era feita de polpa ou de se-

mentes, já que ambas contêm teobromina, a substân-

cia típica do cacau analisada por Hen-

derson. Mas outros indícios apontam

para a solução: não havia nos jarros ves-

tígios químicos de mel nem de pimenta-

vermelha, em geral usados no choco-

latl. Além disso, pelo formato, os jarros

de cerâmica seriam mais apropriados

para fermentar a chicha.

Cerveja pré-colombiana:jarro usado na produção de bebidafermentada àbase de cacau

LABORATÓRIO MUNDO

CIÊNCIA>

Cana-de-açúcar: menosdanos ambientais

nitroso,um dos gasescausadores do efeito estufa.Crutzen calculou os níveisde óxido nitroso produzidosdesde a Revolução Industrial,levando em conta o uso de fertilizantes artificiais e o desmatamento.Concluiuque os microorganismos do solo que convertem o nitrogênio dos fertilizantesem óxido nitroso são mais eficientes do que se imaginava (AtmosphericChemistry and PhysicalDiscurrions). Resultado:biocombustíveis feitos a partir de milho,canola e cevada podem lançar maisgases estufa do que os combustíveis fósseis.A exceção seria o álcoolobtido da cana-de-açúcar.

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> Conflito de gerações

Nenhuma mulher grávidaadmitiria, mas, para seuorganismo, o feto é umcorpo estranho que deve ser combatido pelo sistemaimunológico. Pesquisadoresda Europa e da Argentinadescobriram o papel crucialdesempenhado pela proteínagalectina-1 na manutençãoda gravidez (NatureMedicine). Eles submeteramratas prenhas a estressesonoro, que tende a causaraborto, e observaram emseus úteros níveis maisbaixos de galectina-1 do queo daquelas que não sofreramestresse. Os resultadosmostram que a galectina-1modula a atividade decélulas T do sistemaimunológico, criando umequilíbrio que favorece agestação. Acredita-se que,no futuro, essa proteínapossa servir para tratargestações de risco.

> Fumaça nas veias

A poluição atmosférica nãoé nociva só para pessoasmais sensíveis, mas tambémpara quem é saudável e não fuma. O grupo dofrancês Pierre Boutouyrie,do hospital europeu

Cuidado ao respirar: poluição atmosférica danifica vasos sangüíneos

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Estranho no ninho: proteína do útero evita ataque a feto

Georges-Pompidou, emParis, avaliou 40 pacientescom idades entre 18 e 35anos e verificou que apoluição normal urbana é suficiente para modificar afunção das células dos vasossangüíneos. Publicado emnovembro na Hypertension,o trabalho mostra quepoluentes gasosos afetam asgrandes artérias e aspartículas aumentam adilatação das menores, o quepode causar danos cardíacose pulmonares.

> Células embrionáriassem embrião

Em experimentosindependentes, dois gruposde pesquisadores – um doJapão e outro dos EstadosUnidos – conseguiramreprogramar célulashumanas adultas para secomportarem como células-tronco embrionárias,com capacidade de gerardiversos tecidos do corpo.Usando um retrovírus,a equipe de Kazutoshi

Takahashi, da Universidadede Kyoto, inseriu quatrogenes bastante ativos em células-troncoembrionárias em célulasadultas extraídas da pele de uma mulher de 36 anos(Cell). James Thomson eseus colaboradores daUniversidade de Wisconsintambém trabalharam comquatro genes, dois delesdiferentes dos usados pelosjaponeses, para alterar ofuncionamento de célulasadultas de pele. Em ambosos casos, o resultado foramcélulas semelhantes,mas não idênticas, às células-tronco embrionárias.Os testes revelaram que elassão de fato pluripotentes,mas ainda não se sabe ao certo como se comportam.O sucesso foi bem recebidono mundo todo porquepode representar o fim dos problemas éticos com a chamada clonagemterapêutica. Mas os própriospesquisadores afirmaramque não é possível abrir mão dos estudos com célulasembrionárias humanas.

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Atlântica.Segundo o artigopublicado em novembro na Zootaxa, quase 7 milhões de anos de históriaevolutiva desse grupo seperderiam com a extinção de P. unicolor.

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comem carne – branca ouvermelha.A equipe de Mariadel Carmen Molina,daUniversidade Federal doEspírito Santo,recrutouvoluntários em restaurantesvegetarianos e em igrejas

> A redescoberta de uma espécie

Yuri Leite,biólogo daUniversidade Federal doEspírito Santo,festejou aoencontrar um jovem ratoalaranjado no primeiro diade uma expedição ao sudesteda Bahia,destinadajustamente a procurarexemplares dessa espécie:o rato-sauiá (Phyllomysunicolor).Descrito em 1842,o roedor andava sumido e não havia sido maisobservado na natureza,razão por que eraconsiderado criticamenteameaçado de extinção – ouaté mesmo extinto,segundoalguns especialistas.Finalmente reencontrado,o rato-sauiá – nome usadopor moradores locais,que sempre souberam desua existência – continuaameaçado.O roedor jovemdo primeiro dia foi o únicoencontrado naquelaexpedição e em outras seisrealizadas entre 2004 e 2005.“Se tem um animal jovem,tem de haver uma mãe,umpai e uma população”,pondera Leite,que aindateme pela sobrevivência do raro roedor,uma vez quenão há áreas de preservaçãonessa região da Mata

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Desde julho de 2002 os bares de Diadema, na

Grande São Paulo, fecham as portas às 11 da noi-

te. A mudança foi uma resposta da prefeitura à

violência na cidade, que em 1999 detinha o quar-

to lugar no ranking brasileiro dos municípios

com maior taxa de homicídio – em grande par-

te ligada ao consumo de bebidas alcoólicas. Para

descobrir se a medida surtiu efeito, Sérgio Duai-

libi, Ilana Pinsky e Ronaldo Laranjeira, da Uni-

versidade Federal de São Paulo, e pesquisa-

dores norte-americanos, analisaram as taxas

de homicídio entre 1995 e 2005, antes e depois

da nova lei (American Journal of Public Health).

A queda que observaram indica que basta fe-

char os bares mais cedo para evitar quase nove

assassinatos por mês numa cidade de 360 mil

habitantes. O número de ataques a mulheres

também foi menor no período 2000-2005, mas

os autores são cautelosos em atribuir a que-

da ao fechamento dos bares. O resultado foi sen-

tido pela população. A medida, que parecia im-

popular, foi em parte responsável pela reelei-

ção do prefeito José de Filippi Junior em 2004.

> Vantagens de uma dieta verde

Vegetarianos correm menosrisco de desenvolverproblemas cardiovascularesdo que as pessoas que

Sem carne:vegetarianostêm coraçãomais saudável

Noitadas mais curtas

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Diadema: bares fechados, menos mortes

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adventistas de Vitória e VilaVelha. Os pesquisadoresselecionaram 67 voluntáriosque havia pelo menos cincoanos não comiam nenhumtipo de carne. Os indicadoresde saúde de cada vegetarianoforam comparados ao depessoas do mesmo sexo,idade, classe socioeconômicae raça que consumiam carne,sorteados entre participantesdo estudo de saúde públicaProjeto Monica/Vitória.Os pesquisadores avaliaramparâmetros como pressãoarterial, idade e teor decolesterol para calcular orisco de problemas cardíacose vasculares dos dois grupos.Os resultados mostram queonívoros correm mais riscode ter problemascardiovasculares do quevegetarianos, diferença quese torna mais acentuada como aumento da idade. A dietavegetariana mostrou-se,segundo os autores,particularmente benéficapara mulheres por volta da menopausa (ArquivosBrasileiros de Cardiologia).

> O genoma das moscas-da-fruta

Uma equipe internacionalque incluiu pesquisadores do Rio de Janeiro, do RioGrande do Sul e dePernambuco completou oseqüenciamento do materialgenético de dez espécies dedrosófila, a mosca-da-fruta,inseto usado como modelona maior parte doslaboratórios de biologia. Emseguida, o grupo comparouesses dados com asseqüências já publicadas deduas outras espécies – aDrosophila melanogaster,estrela dos laboratórios,

e a Drosophila pseudoobscura(Nature). Essas 12 espécies sedestacam pela diversidadeecológica: ocupam áreas friasou quentes e altas ou baixasdo planeta. Também vivemtanto em florestas como emcidades. Por isso, ospesquisadores acreditam quecomparar os genesrelacionados a funções comoreprodução, resistência asubstâncias tóxicas e sistemaimunológico trará grandesavanços para compreendercomo a natureza regulouesses processos biológicos ao longo da evolução.

> Como melhorar a saúde infantil

Reduzir pela metade onúmero de pessoas semacesso a água e esgototratados é um dos Objetivosde Desenvolvimento doMilênio da Organização das

Nações Unidas (ONU).O médico da UniversidadeFederal da Bahia MauricioBarreto acaba de mostrarque acesso a saneamentobásico tem efeito importanteem saúde pública ao reduzira incidência de diarréia emcrianças. Ele avaliou, emestudo publicado na Lancet,o impacto do projeto BahiaAzul, que conectou mais de 300 mil casas à rede deesgoto em Salvador. O grupobaiano acompanhou 944crianças entre 1997 e 1999,antes da intervenção desaneamento, e 1.127 criançasdepois, a partir de outubrode 2003. A incidência de diarréia infantil caiu em22% como conseqüência daampliação da rede de esgoto.

> Desenvolver com cuidado

Pela primeira vez na históriamundial, neste ano onúmero de habitantes daszonas urbanas ultrapassou o de zonas rurais no planeta.Para permitir a toda apopulação acesso ao padrãode consumo dos paísesindustrializados, seriamnecessários mais doisplanetas iguais a este. Mas,ao menos por enquanto,não há outro. O AlmanaqueBrasil Socioambiental,lançado em novembro peloInstituto Socioambiental(www.socioambiental.org),pretende contribuir para odebate sobre o futuro davida no Brasil e no planetatrazendo informações sobrequestões bastante atuaiscomo o aquecimento globale a transposição do rio SãoFrancisco. Com 552 páginas,o almanaque apresenta dezensaios fotográficos e 85verbetes, com aspectosculturais e dados atualizadossobre os diferentesambientes brasileiros –Caatinga, Mata Atlântica,Cerrado, Pantanal, Pampa e Zona Costeira.

Pampa: progresso ameaça natureza e cultura tradicional da região gaúcha

Drosophilamelanogaster: genescomparados aos deoutras espécies

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No final de novembro o Ministério da Saúdeanunciou um resultado potencialmente ani-mador no combate à dengue: há muito menosáreas com risco iminente de novos surtos dadoença. De acordo com levantamento do mi-nistério, entre a última semana de outubro ea primeira de novembro 3,8 milhões de brasi-

leiros viviam em regiões suscetíveis à disseminação dadengue, ante 10,4 milhões no mesmo período do anoanterior. Apesar da diminuição das áreas mais críticas,estima-se que 32 milhões habitem regiões com algumnível de risco, concentradas nas regiões Norte e Nordes-te. Gerson Penna, secretário nacional de Vigilância emSaúde do ministério, atribuiu a redução das áreas maisgraves às campanhas de conscientização da população eao trabalho dos governos estaduais e municipais paracontrolar o transmissor da doença, o elegante mosqui-to de pernas listradas Aedes aegypti.

Até o momento, porém, os esforços não foram su-ficientes para evitar o aumento no último ano de 40%dos casos de dengue, que provoca febre alta, dores pelocorpo, em especial nos músculos e nas articulações, e emalguns casos pode matar. Apenas de janeiro a setembrodeste ano 481.316 pessoas contraíram um dos três soro-tipos do vírus da dengue existentes no país, 1.071 desen-volveram a forma hemorrágica da doença e 121 mor-reram – em todo o ano de 2006 registraram-se 345.922casos de dengue comum, 682 de febre hemorrágica e 76óbitos. “Não podemos relaxar nem descartar uma no-va epidemia de dengue”, reconheceu Penna.“Se relaxar-mos, o quadro pode piorar em apenas uma semana.O que temos a fazer é manter um rígido combate aoscriadouros do mosquito transmissor”, disse.

Diante da dificuldade de eliminar a transmissão dadengue, que a cada ano infecta cerca de 50 milhões depessoas no mundo todo, pesquisadores de diversas ins-tituições brasileiras trabalham em parceria com a equi-pe do Programa Nacional de Controle da Dengue(PNCD), do Ministério da Saúde, em busca de for-mas mais eficazes de controlar as populações do Ae-des aegypti. Entomologistas, médicos, matemáticos eepidemiologistas se unem para tentar conhecer melhoras características e o comportamento do mosquito, en-contrar compostos químicos alternativos e mais efi-cazes para matar as larvas ou o inseto adulto, além deformas mais eficientes de monitorar as epidemias. Tra-balham também no desenvolvimento de vacinas quesejam capazes de proteger simultaneamente contraos quatro sorotipos do vírus (leia reportagem na pági-na 46). Toda a atenção é necessária para evitar o agra-vamento da dengue no país e a entrada do sorotipo 4do vírus, considerado o mais letal, que já se encontraem alguns países da América Latina.

Estudos buscam alternativas paracom bater o transm issor da dengue

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Como ainda não existem formasefetivas de combater o vírus, a saída étratar os sintomas da doença e centrarfogo no mosquito – tanto na larva co-mo no adulto. E alguns resultados ob-tidos até o momento indicam que, em-bora as diretrizes de controle da denguesejam nacionais, ações a serem adota-das devem se basear na especificidadede cada região ou, em última instância,município.“São quase 5.600 realidadesno país”, afirma a bióloga Denise Val-le, do Laboratório de Fisiologia e Con-trole de Artrópodes Vetores do Institu-to Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio deJaneiro, em referência aos 5.564 mu-nicípios brasileiros.

Os caminhos da dengueUma das razões por que o controle dadengue deve ser regionalizado é a bai-xa mobilidade do Aedes.Ao longo de seuciclo de vida, que dura aproximadamen-te dez dias, o mosquito não voa muitoalém de um raio de 500 metros do lugaronde nasceu. A conseqüência é que aspopulações de Aedes de áreas distantesalgumas centenas ou mesmo dezenas dequilômetros podem ser bastante distin-tas do ponto de vista genético, comdiferentes suscetibilidades a inseticidase larvicidas e também aos quatro soro-tipos do vírus da dengue. Os entomolo-gistas Ricardo Lourenço de Oliveira eMagda da Costa Ribeiro, da Fiocruz, es-tudaram a variabilidade genética doAedes aegypti em localidades com dife-rentes incidências de casos de denguee densidades populacionais humanasnas regiões Sudeste e Sul do país.

Oliveira e Magda estavam interessa-dos em descobrir como os mosquitoscolonizam outras áreas.“Queríamos in-vestigar a dinâmica da dengue em re-lação à dispersão do mosquito”, contaMagda. Imaginava-se que o Aedespudesse pegar carona em carros, ônibus,trens ou aviões e percorrer longas dis-tâncias. Para verificar se os mosquitosde fato se aproveitavam dos meios detransporte usados pelos seres humanos,

42 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

os pesquisadores usaram armadilhas deovos em 11 municípios e nos principaiseixos viários que ligam os estados de Mi-nas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janei-ro, São Paulo e Rio Grande do Sul paracapturar exemplares de Aedes nos pe-ríodos secos e chuvosos – comparar aRegião Sudeste à Sul era importanteporque na época em que o estudo foi fei-to, entre 2002 e 2003, não havia casos dedengue contraídos no Rio Grande doSul e em Santa Catarina.

Magda avaliou as características ge-néticas de cada população de mosqui-to e viu que eram distintas umas dasoutras. Descrito em um artigo no Ame-rican Journal of Tropical Medicine andHygiene de agosto deste ano, esse resul-tado indica que os mosquitos pratica-mente não viajam de carona – ao menosnão nessas regiões do país e no perío-do estudado. Em determinadas locali-dades os mosquitos migram menos naestação chuvosa, quando as poças d’águasão comuns e as fêmeas têm de voarpouco para encontrar um bom localpara pôr seus ovos. Já na seca elas até vãomais longe, mas nunca o suficiente paraexplicar a dispersão da doença de um es-tado para outro.

Se os mosquitos não viajam tanto,quem espalha a dengue? Muito prova-velmente as pessoas infectadas. O Aedesé imprescindível para transmitir o vírusda dengue de uma pessoa a outra, umavez que ele não se dissemina nem pelocontato nem pelo ar. Mas quem leva ovírus de uma cidade a outra ou para ou-tros estados são as pessoas que contraemdengue e viajam na fase transmissível dainfecção, que dura cerca de uma sema-na. Essa forma de disseminação do ví-rus é importante por causa da facilida-de atual que as pessoas têm em percor-rer grandes distâncias de carro ou aviãoem pouco tempo.

Hoje o Aedes aegypti pode até nãopegar carona para percorrer longas dis-tâncias, mas não foi assim no passado.Calcula-se que esse mosquito originárioda África tenha chegado ao Brasil nos sé-culos XVII e XVIII a bordo de navios ne-greiros e tenha se espalhado por todoo continente americano, com exceçãodo Canadá. No Brasil foi exterminadoem 1955 – e mais tarde em alguns ou-tros países do continente –, como resul-tado de uma campanha iniciada no co-meço do século passado pela Fundação

Rockefeller e mantida durante algumasdécadas pela Organização Pan-america-na da Saúde. Anos mais tarde, porém,voltou a se disseminar por aqui.

O entomologista José EduardoBracco, da Superintendência de Con-trole de Endemias (Sucen), da Secreta-ria de Estado da Saúde de São Paulo,e atualmente pesquisador visitante naFaculdade de Saúde Pública da Univer-sidade de São Paulo (USP), investigouo parentesco genético entre popula-ções de Aedes aegypti de cinco paísesdas Américas (Brasil, Peru, Venezuela,Guatemala e Estados Unidos), três daÁfrica (Guiné, Senegal e Uganda) e trêsda Ásia (Cingapura, Camboja e Taiti).A partir dos resultados, construiu doiscenários possíveis para explicar a rein-festação das Américas, em especial doBrasil, pelo Aedes: alguns exemplaresdo mosquito sobreviveram à tentativade erradicação e voltaram a se espalharpelo país ou entraram novamente noBrasil a partir de algum país vizinho,como a Venezuela ou os Estados Uni-dos, que não conseguiu eliminá-locompletamente.

Nesse estudo, publicado na ediçãode agosto das Memórias do Instituto Os-waldo Cruz e realizado em colaboraçãocom Ricardo Oliveira, da Fiocruz, eMaria Anice Sallum e Margareth Ca-purro, da USP, Bracco concluiu tam-bém que uma linhagem asiática do Ae-des aegypti chegou ao Brasil na déca-da de 1980, possivelmente em conse-qüência da intensificação do comércionacional com a Ásia.

Focos ocultosDesde o ressurgimento da dengue nopaís, a principal estratégia adotada pelosmunicípios brasileiros para controlar aproliferação do mosquito tem sido a fis-calização das residências por agentes desaúde em busca de criadouros,para com-bater os focos de reprodução do Aedesaegypti. Quando encontram criadouros,aplicam inseticida para eliminar larvasou mosquitos. Mas esta não é a única es-

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tratégia, nem necessariamente a mais efi-caz. Em novembro um fiscal que anali-sava um bairro de classe média alta emCampinas, interior de São Paulo, relatouter encontrado poucas latas com larvasde Aedes.Após terminar uma vistoria emque não encontrou criadouros, não sou-be explicar por que o interior da casa es-tava repleto de mosquitos adultos da es-pécie transmissora da dengue.Alvaro Ei-ras, biólogo da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG), tem a resposta:“Na estação seca, os mosquitos se repro-duzem em galerias de água subterrâ-neas e em esgotos”.

Na opinião de Eiras, o monitora-mento apenas das larvas da dengue éineficaz, além de ultrapassado – foi im-plementado nos anos 1920 para comba-ter a febre amarela e nunca mais foi mo-dernizado. Uma das razões da falha des-sa estratégia é que nem sempre a quan-tidade de larvas corresponde à concen-tração, num determinado momento, deinsetos adultos em fase reprodutiva,quando as fêmeas saem atrás do sanguenecessário ao desenvolvimento da suaprole. Para ter uma idéia mais precisa doproblema em tempo real, Eiras desen-volveu uma armadilha chamada Mos-quiTRAP, que captura tanto as larvasquanto os mosquitos adultos (ver Pes-quisa FAPESP no 131). É um cilindropreto de plástico com capacidade de 1litro que libera um composto químico

atraente para as fêmeas que buscamonde depositar seus ovos. Elas entramna armadilha e acabam presas a um car-tão adesivo. O método é eficaz porquemosquitos adultos são melhores indi-cadores de infestação, e por permitir aidentificação das espécies de mosquitoque vivem em uma determinada área jádurante a inspeção da armadilha – aslarvas só podem ser identificadas em la-boratório, num processo que leva cer-ca de duas semanas.

Em um teste realizado entre mar-ço e junho de 2003 no bairro de Itapoã,em Belo Horizonte, Eiras comparou aação da MosquiTRAP à de uma arma-dilha que coleta apenas os ovos do in-seto (ovitrampa) e à inspeção visual depossíveis criadouros. A ovitrampa de-tectou a presença do Aedes aegypti du-rante as 17 semanas que durou o estu-do, enquanto a MosquiTRAP capturouexemplares do mosquito em 13 sema-nas. A inspeção visual, no entanto, só foicapaz de identificar larvas em duas se-manas, segundo resultados publicadosno início do ano na Neotropical Ento-mology. Apesar de a ovitrampa ter si-do mais sensível para detectar ovos doAedes aegypti, a MosquiTRAP é maisprecisa, pois captura fêmeas adultas,melhor indicador de infestação, e tam-bém outras espécies de mosquito, co-mo a Aedes albopictus, transmissor deoutros tipos de vírus.

Eiras transferiu sua tecnologia parauma empresa mineira, a Ecovec, que jáimplantou o monitoramento inteligen-te da dengue com sucesso em 15 mu-nicípios brasileiros – entre eles, cida-des de maior porte como Vitória e Be-lo Horizonte. O fiscal percorre as casasonde foram depositadas as armadilhas,em geral 16 por quilômetro quadrado,e, caso encontre o Aedes aegypti, digitano telefone celular dados de localizaçãodo inseto que são imediatamente trans-mitidos para a empresa e postos na in-ternet. O sistema gera mapas do muni-cípio com manchas coloridas – verme-lha onde há maior densidade de mos-quitos e verde onde quase não existeminsetos. Os gestores de saúde têm aces-so a esses dados e podem concentrar es-forços nas áreas de maior risco. “O quepara nós é praticamente instantâneopara o Ministério da Saúde demora ummês”, compara Eiras. “Enquanto isso omosquito se reproduz.”

O biólogo da UFMG afirma que osníveis de infestação vêm diminuindo nascidades que adotaram esta estratégia demonitoramento. Os resultados parecemtão promissores que o Ministério daSaúde se mostrou interessado em testara MosquiTRAP e verificar a possibilida-de de utilizar em escala nacional essa ar-madilha, que no final de 2006 recebeu oTech Museum Award por ter sido con-siderada uma das cinco melhores inven-ções do mundo na área da saúde.

Contra-ataque Segundo Eiras, o monitoramento maiseficaz das populações do mosquito é es-sencial para evitar o uso indiscrimina-do de inseticidas, contra os quais o Ae-des vem se tornando resistente nos úl-timos tempos. “Perdemos inseticidasmais depressa do que ganhamos”, afir-ma Denise Valle, da Fiocruz. Integran-te da Rede Nacional de Monitoramen-to da Resistência de Aedes aegypti a In-seticidas (MoReNAa), o maior progra-ma de monitoramento de resistência ainseticidas do mundo, que orienta o

PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 43

Resistência: larvas se mantiveram imunes a inseticida usado anos antes

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controle do transmissor da dengue nopaís, seu laboratório avaliou entre 2001e 2004 populações do mosquito de di-versos municípios brasileiros nos es-tados de Alagoas, Pará, Rio Grande doNorte, Sergipe, Goiás, Rio de Janeiro eRio Grande do Sul. Em muitos deles omosquito já não era mais sensível aoefeito do temefós, um larvicida organo-fosforado amplamente utilizado no paísentre 1967 e 2000. Embora seu uso te-nha sido substituído por inseticidas pi-retróides contra o inseto adulto e bioin-seticidas à base de Bacillus thuringien-sis contra as larvas, a resistência ao te-mefós persistia até três anos atrás. In-vestigando os mecanismos bioquími-cos que conferem ao Aedes resistência ainseticidas, Denise identificou nas lar-vas de todas as regiões estudadas umaumento na atividade da enzima gluta-tiona-S-transferase (GST), que neutra-liza o efeito tanto de temefós como depiretróides.“Esse aumento coincide como período em que se começou a usarpiretróide no país, mas ainda não po-

demos dizer que a enzima seja respon-sável”, explica Denise. Publicado na edi-ção de setembro do American Journal ofTropical Medicine and Hygiene, esse re-sultado preocupa porque indica que ouso de uma série de inseticidas ainda es-tá comprometido.

Em busca de alternativas para com-bater o mosquito, alguns grupos de pes-quisa se dedicam a desenvolver inseti-cidas com princípios ativos extraídos deplantas.“É preciso explorar a biodiver-sidade brasileira”, diz Antônio EuzébioGoulart Sant’Ana, do Instituto de Quí-mica e Biotecnologia da UniversidadeFederal de Alagoas. Sua equipe testou aação larvicida de extratos de 51 espé-cies da flora brasileira contra o Aedesaegypti – e também o efeito tóxico des-ses extratos contra outros animais, natentativa de garantir que o compostoescolhido não seja nocivo ao ambiente.Os resultados mais promissores foramobtidos com extratos das folhas do ar-busto araticum (Annona glabra e Anno-na crassiflora), segundo artigo publi-

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cado este ano na revista Bioresource Tech-nology.“Estamos agora refinando os pre-paros mais eficazes”, conta Sant’Ana.Para ele, há ainda outra vantagem emse desenvolver inseticidas de origem ve-getal: pode gerar um mercado adicio-nal para os agricultores que cultivamessas plantas.

A bióloga Onilda Santos da Silva, daUniversidade do Sul de Santa Catari-na, trabalha com outras candidatas. Elaanalisou o efeito sobre o Aedes de se-mentes e do óleo de andiroba (Carapaguianensis), usado como repelente porcaboclos na Amazônia, e constatou quesão capazes de eliminar larvas do inse-to resistentes ao temefós, como des-creveu em artigos do Journal of theAmerican Control Association. Onildatambém já obteve bons resultados como cinamomo (Melia azedarach) e o pi-nheiro Pinus caribaea e afirma que teráo larvicida pronto no final do próximoano. Ainda que se obtenha um larvici-da de origem vegetal eficaz, seránecessário primeiro produzi-lo em

Estados U nidos, anos 1920 : trabalhadores drenam pântano para controlar reprodução do vetor da dengue

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grande escala antes que possa ser usadono combate à dengue. O Ministério daSaúde, que vem investindo em novos in-seticidas, recomenda também que sejamaprovados para uso em água potável.

Da teoria à açãoInseticidas mais eficientes, porém, nãobastam para conter o mosquito que hádécadas dribla as autoridades sanitáriasno país. Cada vez mais se torna eviden-te que é preciso agir não apenas contraas larvas, mas também contra os insetosadultos e eliminando os possíveis cria-douros, como atesta o trabalho que vemsendo desenvolvido em Cingapura, noSudeste Asiático, pela equipe do pesqui-sador Eduardo Massad, da Faculdade deMedicina da USP. Usando um modelomatemático que integra vários parâme-tros – número de pessoas infectadas, re-cuperadas ou imunes à dengue, númerode mosquitos suscetíveis a contrair o ví-rus e de insetos e ovos infectados –, Mas-sad chegou a uma representação realis-ta de como a doença se espalha em Cin-gapura, país de apenas 4 milhões de ha-bitantes ao sul da Malásia.

Com base nos dados da epidemia de2004 e 2005, Massad simulou quais asmelhores estratégias para enfrentar adengue em Cingapura. Apresentadoseste ano na Epidemiology and Infection,os resultados indicam que são necessá-rias duas ações simultâneas: reduzir apopulação de mosquitos e de larvas àmetade, ao mesmo tempo que se elimi-nam os focos de reprodução. E não épreciso um esforço contínuo para con-trolar a transmissão da doença. Bastaconcentrar as ações de controle em umdia a cada cinco semanas. O modeloconfirma ainda que, uma vez instaladaa epidemia, o melhor a fazer é matar osmosquitos adultos. Mas combater as lar-vas e eliminar os criadouros é essencialpara evitar a ressurgência da dengue.

Apesar de o governo de Cingapuraadotar essas medidas, uma nova epide-mia de dengue surgiu dois anos atrás,quando o problema parecia estar con-

trolado.“A transmissão, que antes acon-tecia dentro das residências, passou a sedar fora delas”, explica Massad. Foi pre-ciso então uma mudança de estratégia,pois já não bastava fiscalizar casa a casa,como se faz no Brasil. O governo pas-sou então a monitorar as regiões infes-tadas por mosquitos, verificar quaisapresentavam casos de dengue e a com-bater a epidemia usando uma combina-ção de larvicidas nos criadouros, inse-ticidas contra os mosquitos adultos equarentena para reduzir o contato depessoas doentes com as saudáveis. Efuncionou. Implantadas durante umpico de 697 casos de dengue na últimasemana de setembro de 2005, em apro-ximadamente dois meses essas medidasreduziram a incidência para cerca decem novos casos por semana.

Mas o trabalho por ali está longe determinar. Este ano, apesar de mantidasas medidas de controle, há muito maiscasos de dengue do que o modelo pre-via. “Estamos pesquisando quais fato-res podem ser responsáveis por esse au-mento”, diz Massad, que tem uma hi-pótese: no ano passado uma grandequeimada na Indonésia causou a mor-talidade em massa dos mosquitos. Osque restaram talvez estejam mais ro-bustos. Diante desses resultados, o Mi-

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O vos de A edes aegypti: viáveis mesmo após meses sem contato com água

nistério da Saúde manifestou interesseem aproveitar no Brasil a experiência deCingapura, conta Marcelo Burattini, in-tegrante da equipe de Massad e co-au-tor do estudo de Cingapura, que em no-vembro participou de uma reunião comas coordenações nacional e paulista decombate à dengue. Por aqui o proble-ma é a ausência de dados que detalhempara o território nacional onde estão osmosquitos e onde se concentram os ca-sos de dengue, além de outros parâme-tros necessários para simular as melho-res estratégias de ação. “É prioridadepara o próximo ano melhorar os pa-râmetros de vigilância entomológicausando novos recursos como armadi-lhas para capturar mosquitos adultos”,diz Burattini.

Mesmo assim não deve ser fácil.“Háuma diferença entre o que se faz numambiente de pesquisa e as ações que setomam na realidade”, comenta o pes-quisador da USP. Além disso, as açõesrecomendadas pela coordenação doPNCD devem ser adaptadas à realida-de das diferentes regiões brasileiras.Mais complicado: se não for executa-da com a mesma eficácia em todos osmunicípios, a estratégia perde força.Como diz Denise Valle, é um trabalhode formiguinha. ■

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OInstituto Butantan começa afazer em 2008 os ensaios clíni-cos de uma vacina contra adengue,cuja eficácia será co-nhecida até 2010.O produtovem sendo desenvolvido hásete anos pelo National Insti-

tute ofAllergy and Infectious Disea-ses (NIAID),um dos Institutos Nacio-nais de Saúde (NIH,na sigla em inglês)dos Estados Unidos,e está pronto paraser avaliado em seres humanos.Expe-riências feitas com macacos sugerem100% de eficiência contra os quatro ti-pos de vírus que causam a dengue.A tec-nologia é muito semelhante à utilizadanas vacinas de raiva e rotavírus,tam-bém produzidas pelo Instituto Butan-tan,nas quais o material genético do ví-rus é modificado e a versão atenuadado agente infeccioso permanece capazde estimular a produção de anticorpos,mas não de causar a doença nem de sertransmitida pela fêmea do mosquitoAedes aegypti.

Numa primeira fase,que deve durarcerca de dois meses,a vacina será apli-cada em cerca de 30 adultos para ava-liarse representa algum perigo à saúdehumana.O antígeno já teve sua seguran-ça assegurada nos Estados Unidos – masa repetição dessa análise no país é umaexigência de legislação sanitária brasilei-ra.As fases 2 e 3,em que a eficácia da va-cina vai ser efetivamente avaliada,con-tarão com um número bem maior devoluntários,distribuídos por municí-piosonde há grande incidência da mo-léstia.Várias instituições participarão doesforço,como a Faculdade de Medicinada Universidade de São Paulo (USP),por meio do Instituto da Criança,o Hos-pital Universitário da USP e a Faculda-de de Medicina da Santa Casa,além doInstituto Adolfo Lutz,encarregado dosensaios laboratoriais.

Embora a dengue não representehoje uma ameaça à população norte-americana,a pesquisa de uma vacinamobilizou as autoridades sanitárias dosEstados Unidos,preocupadas com ocontágio de cidadãos que viajam ao ex-terior e de soldados em missões em ou-tros países.Além do NIAID,outrasduas vacinas contra a moléstia estãosendo testadas pelo Centro de Pesqui-sas Médicas da Marinha dos Estados

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Instituto Butantan fará ensaiosclínicos de vacina contra a denguedesenvolvida nos Estados Unidos

FABRÍCIO MARQUES

A promessade neutralizar

o vírus

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que uma vacina contra a dengue deve-rá estar disponível nos próximos dezanos. Agora finalmente parece que is-so vai tornar-se realidade”, disse à revis-ta Science Duane Gubler, especialista emdengue da Universidade do Havaí, Ma-noa, em Honolulu, que pertence ao pai-nel de consultores da PDVI.

A vacina testada no Brasil será te-travalente, capaz de imunizar contraquatro sorotipos da dengue: 1, 2, 3 e4. Chegar a um produto desse tipo foiuma tarefa que durou mais de 50 anos.Até os anos 1990, os testes feitos comvacinas de vírus atenuados enfrentaramobstáculos severos. Duas dessas inicia-tivas obtiveram sucesso contra os sub-tipos 1, 2 e 4, mas naufragaram na ten-tativa de acoplar o vírus 3: os voluntá-rios acabaram pegando a doença, em vezde ganhar imunidade contra ela. O ad-vento da manipulação genética do ví-rus permitiu que os pesquisadores mo-dulassem melhor a resposta imunoló-gica do organismo às quatro cepas doagente infeccioso. Outro desafio para avacina antidengue era garantir que elanão provocasse a chamada dengue he-morrágica, que pode levar à morte. No-venta por cento dos casos de denguehemorrágica ocorrem em indivíduosque já haviam contraído um subtipoda doença e se recontaminam com ou-tro subtipo. O grande temor era queo antígeno, uma vez aplicado a pessoasque já tivessem tido a doença, causas-se uma resposta exagerada que levasseao choque hemorrágico. No caso da va-cina a ser testada no Brasil, esse risconão existe. Segundo Isaias Raw, dadosdo NIH mostram que a imunizaçãonão produz o mesmo efeito do contá-gio com vírus selvagens.

Caso a eficácia da vacina seja com-provada num horizonte de dois ou trêsanos, como espera Isaias Raw, já estáacertado com o NIH que o Butantanserá autorizado a produzi-la para todaa América Latina. O poder público par-ticipará desse esforço, financiando acriação de fábrica no terreno do Butan-tan. O governo do estado de São Pauloserá responsável pela construção e o Mi-nistério da Saúde já concordou em for-necer os equipamentos, numa estraté-gia semelhante à realizada na produçãode vacina contra a gripe. ■

Unidos e pelo Centro Médico WalterReed, instituição de pesquisa do Exér-cito dos Estados Unidos – que tambéminveste pesadamente em investigaçõesde vacinas e terapias contra a malária,outro pesadelo dos militares. Pelo me-nos três outros imunizantes vêm sen-do desenvolvidos na Universidade Ma-hidol, da Tailândia, e pelas empresas debiotecnologia norte-americanas Acam-bis e Hawaii Biotech.

Rotavírus – Na ausência de vítimas emseu território, era natural que o NIAIDbuscasse parcerias com países atingidospela doença para testar sua vacina.A es-colha do Butantan se deveu, em boa me-dida, a sua notável experiência nestecampo.“Trata-se do reconhecimento denossa competência para desenvolver atecnologia de produção e construir fá-bricas comparáveis às melhores do mun-do”, diz Isaias Raw, presidente da Fun-dação Butantan e responsável técnico-científico por seu Centro de Biotecno-logia. O Instituto Butantan é credencia-do pelo Unicef e pela Organização Pan-americana de Saúde (Opas) comofornecedor de vacinas para países em de-senvolvimento. O acordo com os Insti-tutos Nacionais de Saúde dos EstadosUnidos repete os termos de uma par-ceria celebrada no ano passado para tes-tes e produção de um antígeno contra orotavírus, que já está disponível e é fa-bricado em escala industrial pelo Butan-tan.“É na esteira do Butantan que Índiae China irão produzir a mesma vacinade rotavírus, que tem um custo menore uma eficiência maior do que as impor-tadas”, afirma Raw.

A preparação dos ensaios clínicos noBrasil, que deverá ser financiada peloBanco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), terá a aju-da de epidemiologistas da Pediatric Den-gue Vaccine Initiative (PDVI), com sedena Coréia do Sul. A instituição é finan-ciada pela Fundação Bill & Melinda Ga-tes, que doou US$ 55 milhões para ace-lerar o desenvolvimento de várias vaci-nas contra a dengue. A missão da PDVIao Brasil que celebrou a parceria com oButantan foi chefiada por Donald Fran-cis, pesquisador conhecido por comba-ter a Aids, o sarampo e o ebola na África.“Estamos falando há umas três décadasM

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A longa jornada dos raios cósmicos

FÍSICA

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CARLOS FIORAVANTI

Mapa celeste mostrando as direções dechegada dos 27 raios cósmicos de energia maisalta detectados pelo Pierre Auger (círculosbrancos) e os Núcleos de Galáxias Ativas maispróximos (asteriscos vermelhos). O asteriscobranco representa a galáxia Centauro A

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Uma dúvida antiga sobre os raios cósmicos podeter sido resolvida. Há quase 70 anos o físicofrancês Pierre Auger identificou essas partícu-las – as mais energéticas do Universo – se des-fazendo em bilhões de outras ao colidir com aatmosfera terrestre, mas não tinha nenhumacerteza sobre dois pontos aparentemente sim-

ples: de onde poderiam vir e o que exatamente eram.Ago-ra uma equipe de 370 pesquisadores de 17 países, incluin-do o Brasil, tem uma resposta para a primeira pergunta(a segunda continua no ar). Como detalhado na Scien-ce de 9 de novembro, os raios cósmicos de energia maisalta devem se formar nas proximidades de buracos ne-gros – sorvedouros de matéria e energia – encontradosnos núcleos de galáxias ativas das vizinhanças de nossaprópria galáxia, a Via Láctea.

Os raios cósmicos de energia mais alta nascem emmeio a uma mistura de partículas eletricamente carre-gadas que os buracos negros mais ativos liberam depoisde se saciarem de gases, poeira cósmica e estrelas. Essa si-tuação dantesca se passa em galáxias ativas como a Cen-tauro A, a mais próxima, a 12 milhões de anos-luz da ViaLáctea, ou em outras a até 300 milhões de anos-luz – nãoé lá tanto se lembrarmos que o Universo se estende por13 bilhões de anos-luz. Os raios cósmicos de energia maisalta que chegaram hoje à Terra podem portanto ter se ori-ginado às vésperas de uma superextinção ter apagado95% das formas de vida em nosso planeta (há 250 mi-

e dos cientistas que quiseram saber de onde poderiam vir

lhões de anos) ou de os répteis terem gerado os rascunhosdos dinossauros (por volta de 230 milhões de anos atrás).

Os físicos dessa área se interessam pouco pelos raioscósmicos de energia mais baixa. São mais comuns e deorigens ainda mais incertas, mesmo que sejam os que po-dem interromper a conversa no celular ou o filme na TVquando formados nas explosões solares mais intensas.Os de alta energia são mais atraentes, em primeiro lugar,por carregarem uma energia quase inconcebível, de até60 x 1018 elétron-volts (1 elétron-volt, a unidade de ener-gia das partículas, corresponde à energia do elétron, a me-nor partícula elementar). Em segundo lugar, por seremmuito raros: deve chegar à Terra apenas um raio de ener-gia mais alta em cada quilômetro quadrado a cada sé-culo (o nome dessas partículas sugere que chegam em fei-xes, mas não: são viajantes solitários). Em terceiro lu-gar, porque podem se tornar outra forma de ver o céu.

“Este artigo da Science abre a possibilidade de estu-darmos os objetos celestes também por meio dos raioscósmicos”, celebra o físico Carlos Escobar, professor daUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coor-denador da participação brasileira. Desde os tempos deGalileu os astrofísicos contam somente com a luz – ini-cialmente só a luz visível e mais tarde em vários compri-mentos de onda, do infravermelho até os raios gama –para observar o Universo. Os raios cósmicos poderiamajudar a estudar inicialmente os fenômenos que ocorremnas centenas de galáxias ativas, cujos núcleos emitem uma

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ca do oeste da Argentina próxima a Ma-largüe, uma cidade de 20 mil habitan-tes. O que hoje é o maior observatóriodo mundo em sua modalidade come-çou a ser planejado em 1992 pelo físi-co norte-americano James Cronin, pro-fessor da Universidade de Chicago pre-miado com o Nobel de Física em 1980,e pelo escocês Alan Watson, da Univer-sidade de Leeds, Inglaterra. Como a ne-cessidade de cooperação internacionalse tornava clara em vista das propor-ções que o projeto original assumia, elesconvidaram uns poucos colegas interes-sados e experientes na área de física departículas para uma primeira conversa,em junho de 1995. Um dos participan-tes era Escobar, na época professor daUniversidade de São Paulo (USP).

Em uma reunião realizada na sededa Unesco, em Paris, em novembro de1995, Escobar, Ronald Shellard, do Cen-tro Brasileiro de Pesquisas Físicas(CBPF), e Armando Turtelli, da Uni-camp, e os colegas argentinos AlbertoEtchegoyen e Alberto Filevicvh defende-ram arduamente a possibilidade de o no-vo observatório ser construído na Argen-tina. “Esse foi um momento crucial”,conta o físico Marcelo Leigui, que par-ticipou dessa pesquisa como pós-dou-tor pela Unicamp e agora a acompanhacomo professor da Universidade Fede-ral do ABC.“A participação brasileira te-ria sido menor se tivesse sido escolhi-

do um dos outros dois países candida-tos, a África do Sul e a Austrália.”A par-ticipação brasileira, oficializada em 17de julho de 2000 na Unicamp, traduziu-se em investimentos de cerca de US$ 4milhões, na forma de equipamentoscomprados de indústrias nacionais e nocusteio de bolsas de pós-graduação e dedespesas de viagens.

O s leitores desta revista puderamacompanhar os principais momen-tos da lenta e suada construção do

Pierre Auger. Já em agosto de 2000 a ma-téria de capa de Pesquisa FAPESP conta-va dos bastidores das negociações e doinício da construção. Em abril de 2002outra matéria descrevia o ritmo dasobras:“Neste momento,num espaço queàs vezes lembra o refinamento de umanave espacial e outras, as obras robustasde uma hidrelétrica, dezenas de operá-rios, técnicos e pesquisadores trabalhamintensamente na montagem dos equipa-mentos de medição dos raios cósmicos”.

Então já operavam 40 dos 1.600 de-tectores de superfície, os chamados tan-ques Cerenkov, cada um com 11 mil li-tros de água puríssima, que captam a ra-diação azulada produzida quando umraio cósmico colide com a água. Os tan-ques funcionam em conjunto com 24 te-lescópios de fluorescência, que registrama luz produzida quando os raios cósmi-cos colidem com a atmosfera. O Pierre

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quantidade de energia milhares de ve-zes superior à produzida em toda a ViaLáctea. Os núcleos dessas galáxias mui-tas vezes abrigam buracos negros demassa respeitável – milhões de vezesmaior que a do Sol – que absorvem tu-do ao redor. Os raios cósmicos de ener-gia mais alta resultam dessa voracida-de insaciável, como as migalhas de umpão comido às pressas, e são depois im-pulsionados por meio de turbulênciasdos campos magnéticos do espaço.

Em um trabalho recente publicadona Nature, físicos do Japão, Irlanda, Ale-manha e Estados Unidos mostraram queraios cósmicos com energia 10 mil ve-zes mais baixa que os apresentados naScience podem ser acelerados por explo-sões conhecidas como estrelas superno-vas, que podem liberar em pouco tempoa mesma energia que o Sol emitiria em10 bilhões de anos. Esse estudo confir-mou um fenômeno previsto há décadaspelo físico italiano Enrico Fermi,mas dei-xava no ar a dúvida sobre onde essas par-tículas poderiam se formar.

A equipe de que o Brasil fez parte con-seguiu detectar a origem dos raioscósmicos mais energéticos porque

contou com um aparato monumental:o Observatório de Raios Cósmicos Pier-re Auger, que ocupa 3 mil quilômetrosquadrados, o dobro da área da cidade deSão Paulo, em uma região semidesérti-

De onde vêm Um dos berçáriosde raios cósmicos, a 12 milhões deanos-luz: o núcleode Centauro A, uma das galáxiasmais próximas da Via Láctea. As partículas maisenergéticas doUniverso podem vir de núcleos degaláxias situados a até 300 milhõesde anos-luz N

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A participaçãobrasileira> 18 pesquisadores de dezinstituições de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, além dealunos de mestrado, doutorado e iniciação científica> Cinco empresas: AlpinaTermoplásticos, RotoplastycIndústria de Rotomoldados,Equatorial Sistemas, SchwantzFerramentas Diamantadas e Acumuladores Moura > Investimentos:

FAPESP: US$ 2,5 milhões

Finep/MCT: US$ 1 milhão

CNPq: US$ 300 mil

FAPERJ: R$ 200 mil

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za, que desde janeiro trabalha na Uni-versidade de Karlsruhe, Alemanha.

“Ainda não chegamos aonde quería-mos”, inquieta-se Leigui. Para começar,falta confirmar se os raios cósmicos deultra-alta energia são mesmo prótons –um dos componentes do núcleo atômi-co, quase 2 mil vezes maior que os elé-trons – ou núcleos de oxigênio ou decarbono ou qualquer outra coisa. “Osresultados que temos são coerentes coma idéia de que os raios cósmicos sejamrealmente prótons, de baixa carga elé-trica”, afirma Escobar.

C om esse trabalho, os físicos testam avalidade de algumas teorias. Have-ria um limite máximo de energia

que os raios cósmicos poderiam apre-sentar ao chegar à Terra, o chamado cor-te GZK, próximo a 60 x 1018 elétron-volts, mas, claro, era preciso confirmar.Segundo Escobar, o fato de só teremobtido correlações com objetos extra-galácticos próximos indica que o corteGZK está funcionando.

Como o fim de uma jornada podemarcar o início de outras ainda mais lon-gas, a equipe do Auger se atém tambémao plano de construir nos Estados Uni-dos uma versão similar do observató-rio da Argentina, que poderá revelar maisalguns segredos do céu do hemisférioNorte. Depois, claro, que estiver funcio-nando, daqui a pelo menos dez anos. ■

Auger foi o experimento pioneiro em in-tegrar os dois métodos de observação,até então adotados isoladamente em ob-servatórios menores nos Estados Uni-dos e no Japão.

A engenhosidade dessa construção,retratada já na etapa final em uma re-portagem de agosto de 2003, resultatambém da colaboração de empresas de19 países. Do Brasil participaram a Al-pina e a Rotoplastyc, que fabricaram ostanques Cerenkov, a Schwantz, com aslentes corretoras dos telescópios, a Equa-torial, que montou dispositivos de regu-lagem dos telescópios, e a Moura, comas baterias dos painéis solares dos de-tectores de superfície. O físico Vitor deSouza conta que aprendeu “a superar asbarreiras de entendimento entre o pen-samento acadêmico e o industrial”à me-dida que ajudava a construir e a instalaros equipamentos.

Pesquisa FAPESP acompanhou tam-bém a chegada dos raios cósmicos. Emoutubro de 2005, data de outra reporta-gem, havia registros de 3 mil partículas,das quais 20 eram preciosas: estavam nafaixa de energia mais alta. Este ano os fí-sicos reuniram as 27 partículas comenergia superior a 57 x 1018 elétron-voltsregistradas de 2004 a 2007 e verificaramque elas vinham de direções específicas,relacionadas aos núcleos de galáxias ati-vas próximos da Via Láctea. A conclu-são descartou a possibilidade de as

partículas virem da própria Via Lácteaou de regiões mais distantes (neste casose distribuiriam de forma homogêneano céu em vez de se agruparem de acor-do com as prováveis origens).

“Mostramos que é possível executarum projeto de grande porte com umorçamento inferior ao planejado”, ava-lia Escobar. Os investimentos dos 17países chegaram a US$ 54 milhões, US$6 milhões abaixo do previsto, apesar dosimprevistos de todo tipo. “O aprendi-zado em administração de projetos foiimenso.” Os brasileiros também aper-taram o cinto. Há dois anos, por exem-plo, Escobar decidiu que todos os in-tegrantes da equipe brasileira deixariamde ir para o Pierre Auger por meio dedois vôos e começariam a ir de avião sóaté Buenos Aires, de onde poderiam to-mar um ônibus e chegar a Malargüe de-pois de 16 horas de viagem.

“Além do conhecimento em si,aprendemos a conviver com diferentesformas e ritmos de trabalho”, reconhe-ce Sérgio Carmelo Barroso, que em umano teve de ir dez vezes a Malargüe paramontar e testar equipamentos – e aindaparticipa desse trabalho, agora comoprofessor da Universidade Estadual doSudoeste da Bahia (UESB).“Aprendi co-mo se projeta, constrói e testa um expe-rimento, como se analisam seus dados efinalmente como extrair os resultadoscientíficos de interesse”, acrescenta Sou-

Onde chegamTanque com 11 mil

litros de água purade um dos 1.600

detectores do maiorobservatório de raios

cósmicos do mundo:

experimento pioneiroem integrar dois

métodos de estudo,os detectoresde superfície como este e

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Não faz tanto tempo assim omundo era um verdadeirodeserto humano. Cerca de200 mil anos atrás, quase na-da ante os 4,5 bilhões de anosda Terra, os continentes jáocupavam a posição em que

se encontram atualmente e a maiorparte das espécies de plantas e animaisexistentes hoje vivia em florestas e sa-vanas praticamente intocadas. Os pri-meiros seres humanos a apresentartraços semelhantes aos nossos – per-nas mais longas que o tronco, faceachatada e crânio maior e mais arre-dondado – habitavam uma pequenaárea do noroeste da África, formandogrupos que não deveriam somar maisdo que algumas dezenas ou centenasde indivíduos. A esse cenário, delinea-do no último século por arqueólogose paleoantropólogos, somam-se as ten-tativas recentes de geneticistas e biólo-gos evolutivos de reconstruir o passa-do da humanidade e, assim, tentar es-clarecer como um pequeno grupo demacacos quase sem pêlos conseguiu semultiplicar e se espalhar pelo mun-do com tamanho sucesso a ponto dehoje ser capaz de influenciar o desti-no do próprio planeta.

Esse esforço para explicar algumasdas dúvidas mais primitivas do ser hu-mano – de onde veio nossa espécie ecomo se tornou o que é? – sempre geraum debate fervoroso como o queocorreu no início de novembro no Pri-meiro Simpósio de Evolução Bioló-gica, realizado em Porto Alegre, no RioGrande do Sul. Nesse encontro, quereuniu alguns dos mais destacados es-pecialistas em genética e biologia evo-

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Pelo mundo afora

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lutiva do mundo, ficou evidente queainda está longe o dia em que se ouvi-rá uma resposta única e conclusiva paraperguntas aparentemente simples co-mo essas. E não faltam argumentos parajustificar os resultados, muitas vezes dis-tintos e quase opostos, a que têm che-gado os pesquisadores que optam pordiferentes estratégias para escarafun-char o passado da humanidade que per-manece registrado nos genes das popu-lações atuais.

Um rápido resumo do que paleon-tólogos e antropólogos descobriram noúltimo século ajuda a compreender apolêmica atual. As evidências mais con-tundentes de que o Homo sapiens sur-giu na África são fragmentos de ossosencontrados em Herto e em Omo Ki-bish, na Etiópia. O primeiro é um crâ-nio com idade estimada em 160 milanos e o segundo, um crânio de 195 milanos. Também são os fósseis encontra-dos em outras partes do mundo que in-dicam que os seres humanos modernospermaneceram por ali por quase 100mil anos, antes de arriscar os primeirospassos fora da África. E numa primeiratentativa não foram muito longe. Che-garam apenas ao atual Oriente Médio,como sugerem restos de esqueletos comidade entre 120 mil e 90 mil anos en-contrados em Israel. Mais tarde, entre70 mil e 50 mil anos atrás, outra levaoriginária de africanos teria se espalha-do por todo o sul do continente asiá-tico, alcançando a Austrália. Somente oterceiro grupo a deixar o continenteafricano teria alcançado também o cen-tro e o norte da Ásia e finalmente che-gado à Europa, onde viviam os atarra-cados Homo neandertalensis, espécie de

hominídeo adaptada ao clima frio econsiderada a mais próxima do Homosapiens. Por alguma razão ainda nãocompreendida, os neandertais desapa-receram gradualmente pouco depois dachegada do Homo sapiens à Europa, quecoincide com o seu domínio de técni-cas mais refinadas de produzir roupas,utensílios e ferramentas.

O que acontece daí em diante todos sa-bem: o homem moderno ocupou osdemais continentes e povoou até

mesmo as mais inóspitas regiões do pla-neta, deixando marcas por onde passou.O mais complicado é resgatar a históriado que ocorreu antes, em um período so-bre o qual os registros fósseis e arqueo-lógicos são insuficientes para explicar emdetalhes como a espécie humana emer-giu e sobreviveu à extinção dos homi-nídeos. Nas duas últimas décadas, a aná-lise de características genéticas compar-tilhadas ou não por populações de dife-rentes regiões do planeta vem oferecen-do pistas que podem ajudar a desfazer es-sas dúvidas sobre o homem moderno –teria surgido entre 200 mil e 150 mil anosatrás só na África ou existiria também naÁsia? Teria eliminado outras espécies dehominídeos, como os neandertais, ouconvivido e procriado com elas?

A visão mais polêmica sobre como aespécie humana evoluiu até adquirir ascaracterísticas atuais e colonizar o pla-neta foi apresentada em Porto Alegre pe-lo biólogo e estatístico norte-americanoAlan Templeton, da Universidade deWashington em Saint Louis, Missouri.Inicialmente especialista em genética dedoenças coronarianas, Templeton pas-sou a estudar evolução humana cerca de

20 anos atrás, quando foi convidado porum amigo, Robert Sussman, editor darevista American Anthropologist, a escre-ver um artigo de revisão sobre o assun-to.Analisando tudo o que havia sido pu-blicado sobre o tema, Templeton encon-trou graves falhas metodológicas nos ar-tigos que ajudam a fundamentar o quehoje é a mais aceita teoria de como a es-pécie humana se tornou o que é – a cha-mada hipótese da substituição ou teoriade saída da África.

De acordo com essa teoria, os sereshumanos teriam deixado o continenteafricano entre 60 mil e 50 mil anos atráse se espalhado pela Ásia e pela Europa,eliminando as outras espécies de homi-nídeos que encontrava pelo caminho co-mo o Homo neandertalensis, seu con-temporâneo. Também conhecida comoout-of-Africa, essa teoria ganhou forçacom a publicação na Nature em 1987 deum artigo escrito pelos biólogos Rebec-ca Cann, Mark Stoneking e Allan Wil-son. Usando ferramentas da genéticamolecular, eles analisaram um tipo es-pecífico de material genético – o DNAmitocondrial, transmitido aos descen-dentes apenas pela mãe – de 147 pes-soas de diferentes regiões geográficas domundo. Concluíram que a mulher queteria dado origem à parte dos seres hu-manos atuais seria uma africana que te-ria vivido 150 mil anos atrás, que se tor-nou conhecida no mundo todo comoa Eva mitocondrial.

A principal crítica de Templeton aesse trabalho é que, ao identificar a ori-gem do homem moderno na África, osautores assumiram que esse resultadojustificava a hipótese de substituição.Assim, excluíram outras possibilidades

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Comparando genes de diferentes povos, biólogos tentam explicar como e quandoos seres humanos surgiram e se espalharam pelo planeta | RICARDO ZORZETTO

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– como a do surgimento simultâneo doHomo sapiens também na Ásia, conhe-cido como modelo multirregional – semseguir os preceitos mais básicos do mé-todo científico e realizar testes estatís-ticos que permitissem eliminar as hipó-teses alternativas. Segundo Templeton,agindo desse modo Rebecca, Stonekinge Wilson apenas demonstraram que ateoria out-of-Africa era compatível comos dados, mas não comprovaram que osoutros modelos não eram.

I ncomodado com essa escolha arbi-trária, Templeton, que havia desenvol-vido uma forma de análise genética

que reúne grupos por proximidade ge-nética e geográfica, imaginou uma for-ma de tentar eliminar os modelos quenão fossem compatíveis com os dadosgenéticos. O raciocínio é simples: se apósdeixar a África entre 100 mil e 50 milanos atrás o Homo sapiens tivesse elimi-nado as outras espécies sem deixar des-cendentes com elas, o material genéticodos seres humanos atuais teria origemexclusivamente africana. “Se isso fosseverdade, a contribuição genética de po-pulações humanas de outros continen-tes teria sido eliminada”, explica o bió-logo Reinado Alves de Brito, da Univer-sidade Federal de São Carlos, ex-alunode doutorado de Templeton.

Não foi o que se encontrou. Anali-sando 25 trechos do material genéticode populações atuais de diferentes par-tes do mundo, Templeton constatou quealguns desses trechos apresentavam con-tribuição de ancestrais que viveram na

Ásia em um período anterior a 130 milanos atrás, antes de o Homo sapiens dei-xar a África pela primeira vez, comodescreve em uma série de artigos publi-cados nos últimos anos na Evolution.O que teria então se passado?

Para Templeton, os dados mostramque a colonização dos outros continen-tes começou muito antes, cerca de 1,9milhão de anos atrás com um ancestralda nossa espécie – o Homo erectus, queo biólogo norte-americano Jared Dia-mond classificou como sendo mais queum macaco, mas menos que um huma-no – deixando a África rumo à Ásia. Aessa primeira saída teriam se seguidoduas outras: uma há 650 mil anos e amais recente há 130 mil anos. Cada vezque esses ancestrais humanos com ca-racterísticas um pouco menos arcaicasdeixavam a África e topavam com umgrupo que havia saído antes, eles cruza-vam e deixavam descentes.“Quando seencontravam, eles faziam amor e nãoguerra”, diz Templeton, para quem o gê-nero Homo é uma linhagem contínuaque se diferenciou aos poucos.

Muitos não concordam. “Do pontode vista teórico, é possível que esse cru-zamento tenha de fato ocorrido. Mas,avaliando a distribuição dos fósseis e dosregistros arqueológicos, não parece tãoverossímil”, comenta o paleoantropólo-go Danilo Bernardo, do Laboratório deEstudos Evolutivos Humanos da Uni-versidade de São Paulo (USP).

Um dos pesquisadores que discordamfrontalmente de Templeton é o biólo-go suíço Laurent Excoffier, da Universi-dade de Berna, autor de um programade computador de análise de genética depopulações usado no mundo todo. EmPorto Alegre, Excoffier apresentou os re-sultados de seu trabalho mais recente,feito em parceria com Nelson Fagundes

e Sandro Bonatto, da Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Grande do Sul,e publicado em outubro nos Proceedingsof the National Academy of Sciences.Nesse estudo, eles seqüenciaram 50 tre-chos do material genético extraído de30 indivíduos da África, da Ásia e daAmérica do Sul.

Usando um método que eles pró-prios desenvolveram, calcularam comocada um desses trechos se modificou aolongo de milhares de anos e tentaramver qual entre oito modelos de evolu-ção humana explicaria melhor as dife-renças genéticas entre as populaçõesatuais. Concluíram que o mais prová-vel era justamente o modelo out-of-Afri-ca, rejeitado por Templeton. De acor-do com os cálculos do grupo, o Homosapiens teria surgido há 140 mil anos eum grupo de 600 indivíduos teria dei-xado a África há 50 mil anos.“Esses re-sultados estão de acordo com o que amaior parte dos pesquisadores acreditater ocorrido”, diz Bonatto.

Como explicar resultados tão discre-pantes? Na opinião do pesquisador gaú-cho, Templeton teria partido de umpressuposto errado. Mesmo que o Ho-mo sapiens tenha eliminado completa-mente as outras espécies de hominídeosque encontrou sem deixar descenden-tes em comum, uma parte do seu ma-terial genético deve ser muito antiga,herdada da espécie ancestral africana.Já Templeton critica a amostra de ape-nas 25 pessoas analisada por Excoffiere o grupo gaúcho. Ao menos em umponto Templeton e Excoffier concor-dam. Com mais informação genéticade mais pessoas ao redor do globo, co-mo a que vem sendo coletada no pro-jeto Genográfico humano, seus resul-tados devem se tornar mais precisose, talvez, revelar quem está certo. ■

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Ontem e hoje: Homoerectus, ancestral do homem moderno(centro) e do neandertal(direita), que podemter se relacionado

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Sonhar pequeno e sonhar gran-de tomam o mesmo tempo”,di-zia a avó de Miguel Nicolelis,hoje neurocientista radicado naUniversidade de Duke,nos Es-tados Unidos.Ele segue o ensi-namento à risca e sonha grande.

Entre outras coisas,em anos recentes en-sinou macacos a reagir a sinais que re-cebem de um computador diretamenteno cérebro e a controlar um braço mecâ-nico sem mover um dedo. É o caminhopara devolver a mobilidade a pessoas quesofreram lesão na medula espinhal.

As perspectivas que surgem da in-teração entre cérebros e robôs mostrampor que a neurociência é uma das áreasde pesquisa mais fervilhantes do mo-mento.É por isso que Nicolelis foi con-vidado a apresentar seus resultados noprestigioso Fórum Nobel do InstitutoKarolinska,na Suécia,sede do PrêmioNobel.Em sua palestra,o brasileiro re-capitulou os avanços da neurociêncianos últimos 20 anos e mostrou como eleempurra as fronteiras da ciência.

Um experimento programado parao final de novembro pretende literal-mente derrubar fronteiras.Os mesmosimpulsos cerebrais que comandam aspernas de um macaco andando emDuke percorrerão uma conexão de in-ternet ultra-rápida até o Laboratório deRobótica ATR em Kyoto,no Japão,ondeguiarão os passos de um robô.Este,porsua vez,enviará informações do percur-so de volta para o macaco.

“É um ciclo fechado”,resume Nico-lelis,que tem em mente uma aplicaçãomuito menos remota:uma estrutura demetal que vestiria o paciente com defi-ciência e seria controlada por seu pró-prio cérebro.O retorno de informaçõesda prótese robótica para o cérebro re-criará uma situação natural,em que ocaminhante ajusta seu movimento deacordo com desníveis que sente no solo.

O experimento ainda está por acon-tecer, mas testes preparatórios deixamseu idealizador confiante.Parte da pre-paração foi treinar os macacos para rea-gir a uma mensagem artificial gerada pe-lo computador,bem diferente dos im-pulsos naturais do cérebro.Os compu-tadores,por sua vez,precisaram ser pro-gramados para traduzir a atividade ce-rebral em comandos que controlembraços ou pernas mecânicas.

Em 1989 Nicolelis chegou aos Esta-dos Unidos,onde desenvolveu uma téc-nica para monitorar a atividade de até500 neurônios de uma vez.“Assim con-seguimos demonstrar de maneira cate-

górica que o cérebro funciona pelaação de populações de neurô-

nios,não células isoladas”,conta.Essa visão integradado sistema nervoso provo-cou um salto conceitualna área e difundiu a técni-

ca pelo mundo todo.

O pesquisador passou então a apli-car a técnica em ratos,macacos,depoismacacos maiores e finalmente em pa-cientes com mal de Parkinson.Além deensinar o cérebro a comunicar-se comum computador,seus experimentostêm ajudado a entender – e contornar– os danos que a doença causa no cé-rebro.Em ratos transgênicos com sin-tomas semelhantes ao mal de Parkinsonem humanos,várias células do córtexmotor cerebral enviam impulsos aomesmo tempo,em vez de alternada-mente.O resultado é que os ratos tre-mem e não conseguem andar.Nicolelisdescobriu que é possível estimular re-giões do sistema nervoso periférico edessincronizar os impulsos nervosos,que deixam de ser simultâneos.“O ani-mal começa a tremer menos e volta aconseguir andar”,conta.O artigo comesses resultados deve ser enviado parapublicação em dois meses,mas o au-tor já adianta que deverá ser possívelusar o método em grande parte dos pa-cientes humanos.

Outra boa notícia é que o trabalhode Nicolelis nos Estados Unidos resultaem transferência de tecnologia para oBrasil.Em 2008 o Hospital Sírio-Liba-nês,em São Paulo,começará a usar ummétodo que permite monitorar a ativi-dade dos neurônios durante cirurgiasem pacientes com Parkinson.O dispo-sitivo permite detectar os neurônioscom funcionamento anômalo e implan-tar microeletrodos para corrigir o pro-blema.Além disso,a tecnologia que per-mite grandes avanços em Duke está che-gando ao Instituto Internacional deNeurociências de Natal Edmond e LilySafra,no Rio Grande do Norte,que Ni-colelis fundou e preside. ■

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NEUROCIÊNCIA

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Comunicação entre cérebros e máquinas aproxima próteses robóticas da realidade

Muito além dos cyborgs

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Hervé This é francês, mora nos arredores de Paris e sabede coisas que muitos chefes de cozinha estrelados nemdesconfiam. Pratos à base de ovos são uma de suasespecialidades.Aliás, sua vocação para trabalhar comalimentos foi despertada há 27 anos quando resol-veu não seguir à risca uma receita de suflê de roque-fort tirada de uma revista feminina e adicionou to-

dos os ovos de uma vez em sua preparação. Não deu certo. Nasemana seguinte repetiu o prato, só que acrescentou os ovosum a um. Ficou melhor, mas não perfeito. Na terceira tenta-tiva, finalmente cedeu às dicas do periódico. Colocou os ovosde dois em dois e – voilá! – não é que o suflê saiu realmentebom? This então se perguntou por que a maneira de juntar osovos à receita fazia tanta diferença no resultado final. Desdeentão, ele estuda esse e outros pequenos mistérios envolvidosnas receitas culinárias, algumas tendo como ingrediente prin-cipal ou secundário a melhor iguaria que a galinha fornece àhumanidade, excluindo-se, claro, ela mesma. Entre suas des-cobertas destacam-se, por exemplo, uma forma de se “des-cozinhar” um ovo (uma pitada do agente redutor boroidre-to de sódio, NaBH4, e três horas de espera dão conta da ex-cêntrica tarefa) e a determinação da temperatura ideal para seaquecer um ovo a fim de que a clara fique com a máxima ma-ciez possível sem endurecer a gema (uma série de testes lhemostraram que 65°C é a melhor alternativa).

O primeiro erro de quem vê o trabalho de This é confun-di-lo com um cozinheiro moderno, daqueles que fazem sor-vete quente de parmesão ou usam nitrogênio líquido em pra-tos minúsculos de aparência futurista. Embora admire es-ses inventivos profissionais do fogão e os influencie com seusestudos, ele não é chef de cuisine. Físico-químico de forma-ção, This não dá expediente em nenhum restaurante pari-siense. Bate cartão nos laboratórios do Institute Nationale dela Recherche Agronomique (Inra) e do prestigioso Collège deFrance, onde, a convite do prêmio Nobel de Química Jean-Marie Lehn, ministra cursos e faz experimentos desde 1995na área em que é referência internacional, a gastronomia mo-

Pesquisador francês que inventoua gastronomia molecular quer mudara forma como o homem cozinha

O homem quedescozinhou o

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QUÍMICA

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lecular. Ao lado do físico húngaro Ni-cholas Kurti, que fez carreira na Univer-sidade de Oxford e morreu em 1998,This é visto com o fundador da gastro-nomia molecular, expressão cunhadapor ambos no final da década de 1980.

O segundo erro é não compreendero significado dessa disciplina dentro desua área-mãe, a ciência dos alimentos.“A gastronomia molecular estuda pre-ferencialmente as transformações culi-nárias feitas em casa e nos restaurantese os fenômenos ligados ao ato de co-mer”, explica o físico-químico, que es-teve no Brasil no final de outubro paradar palestras e lançar três números es-peciais da edição brasileira da revistaScientific American dedicados à sua es-pecialidade.“Não estou interessado ementender a cozinha industrial.”

Nem todo mundo concorda com aexpressão gastronomia molecular paradescrever o tipo de pesquisa feita porThis.Alguns cientistas argumentam que,diferentemente dos biólogos molecula-res, o físico-químico francês não estudaa interação entre moléculas individuaisdurante a preparação de pratos culiná-rios. Apenas se ocuparia de um ramo daquímica dos alimentos.

Estrelas e suflê - Polêmica à parte, Thise seus seguidores explicam que seu tra-balho não consiste em investigar de for-ma isolada os componentes de umafruta, vegetal ou carne, como fazem oscientistas dos alimentos. Dedicam-se aescrutinar, com a metodologia científi-ca, os fenômenos que ocorrem durantea execução de uma receita e tentam en-tender o papel de cada ingrediente – edos constituintes desse ingrediente – edecifrar a relevância (ou não) dos pro-

cedimentos envolvidos na preparação deum prato. Em poucas palavras, são pes-quisadores do fazer culinário, da comi-da elaborada artesanalmente pelas pes-soas, permeada de preceitos (pretensa-mente) técnicos, da cultura local e, emalguns casos, crendices.

Nessa busca por explicações do queocorre com os alimentos no interior daspanelas ou nos fornos, fazem a eles mes-mos questões que podem parecer tolaspara outros cientistas, mas que são dú-vidas eternas de quem lida com as ca-çarolas, de forma amadora ou profissio-nal. É verdade que, como muita genteacredita na França, a maionese feita pormulheres menstruadas desanda? Cortara cabeça de um porco assado logo apósretirá-lo do forno realmente ajuda a man-ter a pele do suíno crocante?

Respostas para esse tipo de indaga-ção – respectivamente, não e sim para asduas perguntas acima formuladas – éque movem o trabalho dessa nova fren-te de pesquisa.“É uma triste reflexão sa-bermos mais sobre a temperatura den-tro das estrelas do que dentro de um su-flê”, disse Kurti, numa célebre palestra fil-mada pela BBC em 1969, ainda na, diga-mos, pré-história da gastronomia mole-cular. Na ocasião, além de literalmenteverificar que a temperatura dentro deum suflê oscilava entre 20 e 70°C, o fí-sico húngaro causou sensação ao fazerum tipo de sobremesa num novo apare-lho, um forno de microondas.

Para os cientistas da cozinha, a artede transformar produtos de origem ve-getal ou animal em alimentos comestí-veis parou no tempo e se encontra pre-sa a receitas que, não raro, usam ingre-dientes desnecessários ou promovemprocedimentos inúteis ou de função ig-

norada.“É uma loucura, mas ainda co-zinhamos como na Idade Média”, afir-ma This, que em sua passagem por SãoPaulo encontrou tempo para visitar oMercado Municipal e se deliciar com co-res e sabores de várias partes do Brasil.“Somos muito apegados à tradição e se-guimos livros antigos com receitas quedeveriam estar em museus.”

Ingrid Schmidt-Hebbel, coordena-dora do curso de Tecnologia em Gastro-nomia do Centro Universitário Senac,também mete a colher nesse tema.“Na-da de realmente novo aconteceu na gas-tronomia no século XX”, diz Ingrid, es-pecializada em bioquímica de alimentos.“A incorporação de novos equipamen-tos movidos à eletricidade apenas tor-nou mais fácil a execução de tarefas ma-nuais, mas os procedimentos não muda-ram em sua essência.”

Ao aumentar o conhecimento sobreos procedimentos culinários, o físico-químico francês acha que pode contri-buir para que a humanidade coma me-lhor no século XXI. Ele não chega a acre-ditar que as refeições diárias do homemdo futuro serão parecidas com a comi-da desidratada dos astronautas, mas gos-ta de estimular os chefs modernos a em-pregar moléculas específicas, em vez deingredientes tradicionais, para alcançarmelhores resultados em seus pratos. Emvez de, por exemplo, espremer o clássi-co suco de limão sobre os vegetais paraevitar seu escurecimento, por que nãousar simplesmente o ácido ascórbico, apopular vitamina C? Afinal, o ácido é asubstância do sumo cítrico responsá-vel por tal efeito protetor. Muitos cozi-nheiros clássicos ainda torcem a caçaro-la para as idéias da gastronomia mole-cular. Mas alguns chefs de renome, co-

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Duas visõesde dentro deuma emulsãode água, gelatinae óleo: antes(esquerda) e depois dea preparaçãose tornarum gel

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mo o catalão Ferran Adrià, do famosorestaurante El Bulli, se tornaram expoen-tes desse novo fazer culinário, que se uti-liza, ainda que parcialmente e a seu mo-do, das experiências e descobertas deThis e de outros cientistas.

Sob a ótica da ciência, cada parte deum prato culinário pode ser descrita es-quematicamente como um sistema dis-perso ou coloidal, uma mistura homo-gênea na qual uma substância se divi-de em partículas diminutas e se espalhaem meio a uma segunda substância.Não é um jeito muito apetitoso de lan-çar o olhar sobre um pudim ou uma la-sanha, mas ajuda a entender a arquite-tura interna de uma receita. Por esseprisma, três fases da matéria podem es-tar envolvidas num prato (os sólidos, oslíquidos e os gasosos). Esses estados po-dem estar dispersos, misturados, intro-duzidos um no outro ou superpostos.Raramente uma preparação culinária étotalmente sólida, o que seria difícil deengolir, ou líquida (nesse caso, seriauma bebida, não uma comida). This de-senvolveu até uma forma de notaçãocom letras e umas poucas palavras pararepresentar os tipos de ingredientes eprocedimentos que entram na execu-ção de um prato.

Receitas robustas - Talvez sua contri-buição mais interessante na análise depreparações culinárias seja a formula-ção de uma equação que tenta quantifi-car a robustez de uma receita. Uma re-ceita robusta é aquela que tem poucaschances de dar errado. A fórmula levaem conta vários parâmetros, como amassa dos ingredientes, o tempo e a tem-peratura empregados em cada etapa dareceita e demais instruções para execu-ções do prato. Depois de fazer cálculose coletar informações sobre mais de 25mil receitas em livros culinários, Thisconcluiu que a robustez de uma recei-ta é inversamente proporcional à quan-tidade de instruções de preparo existen-tes em seu enunciado. Ou seja, receitasmais simples tendem a dar mais certo.A regra geral parece fazer sentido para apreparação de cenouras grelhadas, su-flês, ovos cozidos, maionese e carne as-sada. “Uma exceção são as sopas e osmolhos, que dificilmente dão errado,mas apresentam muitas variações emsuas receitas devido à sua grande impor-tância culinária”, comenta This.

Por ser um dos alimentos mais bá-sicos da cozinha, presente como prota-gonista ou coadjuvante em um sem-número de receitas doces ou salgadas,o ovo é uma vedete dos estudos de This.Por que o ovo perfeito deve ser cozinha-do ou frito em torno dos 65°C, com aaplicação de menos calor do que comu-mente se faz nas cozinhas? A essa tem-peratura, a clara coagula de forma de-licada, pois apenas uma de suas proteí-nas, a ovotransferina, se denatura. Osefeitos sobre a gema são ainda meno-res. Ela permanece praticamente cruae, de novo, somente uma de suas pro-teínas, a gama-livetina, se enrijece. Parachegar a essa conclusão, o pesquisadorcansou de preparar ovos em seu labo-ratório, variando levemente a tempera-tura a cada tentativa e vendo os efei-tos sobre os constituintes do alimento.Dessa forma, determinou a temperatu-ra de coagulação de cada uma das pro-

teínas da gema e da clara. “O que real-mente importa é a temperatura em quese faz o ovo, e não o tempo de cozimen-to”, assegura This.

Numa outra linha de estudo, aindano terreno das gemas e claras, o francêsmostrou também que os ovos nemsempre são indispensáveis em algumasreceitas. Bolou um chantilly de choco-late que não necessita do ingredientepara a criação dessa emulsão cremosa(ver a receita no site da revista). O reno-mado chef Pierre Gagnaire, que todo mêscria uma receita em seu restaurante pa-risiense a partir dos estudos de This, che-gou até a incorporar a novidade em seucardápio alguns anos atrás. Trocando ochocolate por outro produto, pode-sefazer chantilly de queijo, manteiga ou atéfoie gras. É estranho, mas talvez a co-mida nos próximos anos junte cada vezmais formas e gostos aos quais o homemnão estava acostumado. ■

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This em suavisita aoMercado

Municipal deSão Paulo:receitas de

livros de culinária

deveriamser peçasde museu

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■ Sociologia rural

Propriedade intelectual

O artigo “Propriedade intelectual e organiza-ção da P&D vegetal:evidências preliminares daimplantação da Lei de Proteção de Cultivares”,de Sergio Medeiros Paulino de Carvalho,do Ins-tituto Nacional da Propriedade Industrial,e Ser-gio L.M.Salles-Filho e Sonia R.Paulino,da Uni-versidade Estadual de Campinas,discute co-mo o processo de reconhecimento de direitosde melhoristas, na forma de proteção de culti-vares,no Brasil se fez a partir de uma estraté-gia nacional de articular propriedade intelec-tual e desenvolvimento tecnológico nacional.Aproteção intelectual é entendida como mecanis-mo de articulação e coordenação entre os agen-tes envolvidos no processo de inovação.A me-todologia de coleta de dados consistiu na aná-lise dos titulares de cultivares protegidas no Bra-sil disponibilizados pelo Serviço Nacional deProteção de Cultivares,cruzando esses dadoscom os constantes do relatório de acompanha-mento da produção de sementes no Brasil,ela-borado pela Embrapa em parceria com o Mi-nistério da Agricultura e a Associação Brasilei-ra de Sementes e Mudas (Abrasem).Entre asprincipais conclusões está a de que o processode reorganização da pesquisa pública,por meiode parcerias estruturadas em torno do desen-volvimento de novos cultivares,contribuiu for-temente para a manutenção da presença públi-ca no mercado de sementes,mas varia entreas espécies pesquisadas.

REVISTA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL –V. 45 – Nº 1 – BRASÍLIA – JAN./MAR. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/sociologiarural.htm

■ Entomologia

Importância da polinização

Tecoma stans (L.) Kunth é uma espécie vege-tal introduzida no Brasil,comumente encontra-da em áreas urbanas e considerada invasora de

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Foram selecionadosmais três periódicoscientíficos brasileirospara inclusão nacoleção SciELO Brasil que passará a disponibilizar 216 títulos em acessoaberto. Os títulosaprovados que estarãoem breve no site são:Journal of theBrazilian ComputerSociety, CadernosEBAPE.BR e Revista de AdministraçãoContemporânea.

Notícias

ambientes cultivados e áreas de pastagem.Notrabalho “Diversidade de abelhas em Tecomastans (L.) Kunth (Bignoniaceae):importância napolinização e produção de frutos”foram estu-dados aspectos da biologia floral, diversidade ecomportamento de coleta das abelhas em flo-res de T. stans em três áreas urbanas no Sudes-te do Brasil.Nas três áreas, T. stans mostrou-seimportante fonte de recursos alimentares utili-zados por 48 espécies de abelhas. Centris tarsataSmith e Exomalopsis fulvofasciata Smith (Hyme-noptera:Apidae) foram os polinizadores efeti-vos mais abundantes e Scaptotrigona depilisMoure (Hymenoptera:Apidae) a espécie pilha-dora mais freqüente.A grande maioria (87,5%)dos visitantes de T. stans coletou exclusivamen-te néctar.Em todos os estágios florais,as maio-res concentrações médias de néctar ocorreramentre 10 horas e 14 horas. A maior abundânciade polinizadores ocorreu nos períodos de maiordisponibilidade de pólen e estigmas receptivos,fato esse que pode ser determinante para o su-cesso reprodutivo de T. stans.De acordo comos autores, Cláudia I. Silva e Solange C. Augus-to, da Universidade Federal de Uberlândia,Sil-via H.Sofia,da Universidade Estadual de Lon-drina,e Ismar S.Moscheta,da Universidade Es-tadual de Maringá,os resultados do trabalho in-dicam ainda maior produção de frutos em plan-tas que receberam o número maior de poliniza-dores efetivos.

NEOTROPICAL ENTOMOLOGY – V. 36 – Nº 3 – LON-DRINA – MAIO/JUN. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/entomologia.htm

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■ Fotografia

São Paulo e Lisboa

O trabalho “Cons-truindo imagens, fa-zendo clichês: fotó-grafos pela cidade”,de Eliana Almeidade Souza Rezende,da Universidade Es-tadual de Campi-nas, parte da análi-se de duas coleçõesde fotografias, umapaulistana e outralisboeta, produzidasnas duas primeirasdécadas do séculoXX, que se articu-lam através de suassemelhanças temáti-cas.A pesquisa apre-sentada não preten-de ser nem a soma-tória das diferentes imagens nem a segmentação dasmesmas por agência produtora, mas, antes de tudo, umdiscurso sobre a cidade, onde cada imagem dialoga comas demais produzidas sobre o mesmo tema. O eixo deconstrução deste diálogo entre as diferentes imagens es-tá no discurso sanitário e pretende contribuir com umdos muitos olhares possíveis sobre a cidade.

ANAIS DO MUSEU PAULISTA: HISTÓRIA E CULTURA MATERIAL

– V. 15 – Nº 1 – SÃO PAULO – JAN./JUN. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/fotografia.htm

■ Memória

Recordações de Enzo Faletto

Revendo a tese defendida em Dependência e desen-volvimento na América Latina, escrita em colaboraçãocom Enzo Faletto, o ex-presidente da República Fernan-do Henrique Cardoso mostra no texto “Análise e memó-ria (recordações de Enzo Faletto)”como o raciocínio eco-nômico da Cepal nada tinha do simplismo da versão vul-gar da teoria do imperialismo, e que o estruturalismo la-tino-americano, ao combinar sempre análise econômi-ca com análise política, revelou que em nenhum paísda região havia a inevitabilidade de uma forma especí-fica de dependência, mas a variabilidade das formas deintegração ao mercado mundial e, portanto, das alterna-tivas para o seu crescimento econômico. Isso, com a ex-ceção de Cuba, isolada na sua ligação com o bloco so-viético. No mundo de hoje, transformado pela globali-zação, essa nova forma de relação capitalista, não se podeentender a conjuntura política nem as posições e análi-

ses intelectuais daquela época sem ter presente que UniãoSoviética, Cuba e China constituíam um contraponto aoestilo de desenvolvimento do capitalismo ocidental.

TEMPO SOCIAL – V. 19 – Nº 1 – SÃO PAULO – JUN. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/memoria.ht

■ Identidade social

Imagens do malandro

O texto “‘Navalha não corta seda’: estética e performan-ce no vestuário do malandro”, de Gilmar Rocha, da Pon-tifícia Universidade Católica de Minas Gerais, exploraas imagens do malandro, tendo como foco de análise suaindumentária e suas performances corporais. As ima-gens são veiculadas nos livros de memórias, na impren-sa, nas músicas, no cinema, na literatura, no discurso ma-landro e sobre o malandro, convergindo para a constru-ção de uma representação estética de uma personagemque tem no vestuário um dos principais mecanismos deeficácia simbólica de sua identidade social.

TEMPO – V. 10 – Nº 20 – NITERÓI – JAN. 2006

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/identidadesocial.htm

■ Literatura

Quatro amigos

Fernando Sabino(foto), Otto Lara Re-sende, Hélio Pellegri-no e Paulo MendesCampos traçaram re-tratos de pessoas comas quais conviveramao longo de suas vidaspor meio de perfisconcisos, seja na for-ma de elegias, seja mesmo de necrológios. Embora essestextos sejam imprescindíveis para fundamentar o estilode cada um dos escritores mineiros, eles também carre-gam a síntese de cada experiência pessoal, que é funda-mental para a análise da crônica, gênero que o quartetopraticou e no qual podem ser enquadrados os perfis exa-minados neste ensaio. Este foi o tema do artigo “‘Os qua-tro cavaleiros de um íntimo apocalipse’ e suas biografiasvicárias: Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pel-legrino e Paulo Mendes Campos na escrita de perfis”, deGabriela Kvacek Betella, da Universidade de São Paulo.

ESTUDOS AVANÇADOS – V. 21 – Nº 60 – SÃO PAULO –MAIO/JUL. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/literatura.htm

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62 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

> Fonte tripla de energia

Os habitantes da remota ilhachinesa de Dagan, no mar da China, serão os primeirosa experimentar um sistemaintegrado de geração deenergia que utiliza,simultaneamente, a radiaçãosolar, a força dos ventos e dasmarés. A ilha tem apenas 13,2 quilômetros quadrados eseus 300 moradores utilizamhoje geradores a óleo diesel para abastecer as casas comenergia elétrica. Com uminvestimento de US$ 913 mil,a usina de energia renovávelterá capacidade instalada de200 quilowatts (kW) e serádimensionada para produzir10 mil quilowatts-hora(kWh) de energia por ano,segundo comunicado da Academia de CiênciasChinesa. O maior desafio

> Hidrogêniona Europa

Impulsionar o mercadoenergético do hidrogênioestabelecendo o seu uso já napróxima década é a propostada União Européia (UE), quequer investir € 470 milhõesem pesquisa tecnológicanessa área. Para isso, ela estácriando a Fuel Cells andHydrogen Joint TechnologyIniciative (JTI), ou Iniciativa

Tecnológica Conjunta paraCélulas a Combustível eHidrogênio, uma parceriapúblico-privada de pesquisa e desenvolvimento.A intenção é que se acelere o desenvolvimento deobtenção de hidrogênio e a evolução das células,equipamentos quetransformam esse gás emenergia elétrica. As célulaspodem ocupar o lugar dosmotores automotivos atuais

A nanotecnologia surpreende a todo momento. Físicos da Uni-

versidade da Califórnia, em Berkeley, conseguiram criar um rá-

dio nanométrico, 100 bilhões de vezes menor do que um rádio

comercial fabricado em 1931. Para funcionar, o dispositivo

utiliza apenas um nanotubo de carbono, que é semelhante a

uma folha enrolada com a finura de átomos de carbono. Na es-

trutura do dispositivo já estão integrados antena, sintoniza-

dor, amplificador e demodulador, que tanto pode receber fre-

qüências de FM como de AM. Só precisa de bateria e fones

de ouvido. Segundo seus inventores, o nanorrádio é extre-

mamente eficiente do ponto de vista energético e poderá

ser usado em uma grande gama de aplicações, de telefones

celulares a sensores microscópicos. No futuro, poderá também

ser empregado em dispositivos nanométricos radiocontrola-

dos que “viajam” pela corrente sangüínea para levar medi-

camentos. A forma que o nanorrádio detecta os sinais de ra-

diofreqüência é muito particular. Ele vibra milhões ou bilhões

de vezes por segundo em ressonância com a onda que está

sendo recebida. Nos rádios convencionais as ondas das dife-

rentes estações chegam à antena, gerando pequenas cor-

rentes elétricas de diferentes freqüências.

Nanorrádio de carbono

Simulaçãodo campoelétrico donanotubodurante atransmissão

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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

TECNOLOGIA>

do projeto, financiado pelogoverno chinês, é empregartrês fontes instáveis deenergia, que dependem das condições do tempo.Os autores estão confiantesno sucesso do sistema, quecomeça a ser construído nestefinal de ano, e acreditam aindaser possível gerar eletricidadepara produzir 10 miltoneladas de água doce porano, a partir da dessalinizaçãoda água do mar.

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PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 63

ou serem geradoresestacionários. No primeirocaso, a proposta da UE éfacilitar a entrada de carros a hidrogênio no mercado,eliminando os gargalostecnológicos e burocráticos,além de tornar a indústriacapaz de produzir em larga escala, alcançando o mercado de massa entre2015 e 2020. Para geradores,tanto comerciais comoresidenciais, o JTI espera o desenvolvimento inicial de mercado entre 2010 e2015. O principal objetivo da UE é diminuir de formaconsiderável a emissão de gases nocivos aoambiente. Células a combustível processandohidrogênio puro emitindoapenas vapor d’ água.

> Proteçãoultrafina

Um novo acabamento paraas placas de circuitoimpresso, base do controleeletrônico em computadores,celulares, impressoras etelevisores, com espessura de apenas 55 nanômetros (1 nanômetro é igual a 1 milímetro dividido por 1 milhão), foidesenvolvido pela empresaOrmecon, da Alemanha.O nanoacabamento

é composto pornanopartículas depolianilina, um polímerocondutor, e prata (emproporção abaixo de 10% do total). Os polímeroscondutores são isolanteselétricos, mas quandosubmetidos à dopagemquímica funcionam comocondutores. A camadaultrafina do compostoproporciona maior proteçãocontra a oxidação epreservação da soldagem,responsável pela conexãoestável entre centenas depontos microscópicos decobre do circuito, do que os outros acabamentosmetálicos disponíveis no mercado, embora eles sejam de seis a cem vezes mais espessos que onanoacabamento, que seráproduzido pela empresaYooJin, da Coréia do Sul.O consumo de energia seráde apenas 10% a 30% em comparação com osprocessos convencionais deacabamento de superfície.

> Carros flexna África

Para livrar o país da dependência doscombustíveis fósseis,o governo da República do Malawi, país do sudesteda África, anunciou emoutubro o interesse deincentivar o uso de carrosmovidos a álcool. Para isso,o Departamento de Ciênciae Tecnologia do país, emcooperação com a EthanolCompany of Malawi(ETHCO), está promovendoa importação de veículosbrasileiros com motor flex,que podem rodar comálcool, gasolina ou uma

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mistura em qualquerproporção dos doiscombustíveis. Os primeirosveículos desembarcaram nopaís africano em outubro.Henry Mbedza, diretor de Ciência e Tecnologia de Malauí, afirmou que a escolha pelos carros commotor flex é resultado detestes conduzidos duranteum ano, dentro de um

programa maior, de cincoanos, voltado à pesquisa de biocombustíveis.Segundo dirigentes daETHCO, Malauí produzcerca de 18 milhões de litros de etanol por ano,mas com o aumento da áreade plantio de cana-de-açúcar poderá elevar essevolume para 30 milhões de litros (SciDev.Net).

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64 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 142

México, a capital mexicana.Esses dois novos conceitos de aeronaves ainda precisamser aprovados pelo Conselhode Administração da empresa e, no portfólio de produtos da companhia,se situarão entre os jatos Phenom 300, lançadorecentemente, e o Legacy 600.

> Álcool dobagaço de cana

Uma fábrica piloto paraproduzir etanol a partir de resíduos agroindustriais,como bagaço de cana,foi instalada no Centro dePesquisas e Desenvolvimentoda Petrobras (Cenpes),na ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. A tecnologiautilizada para a quebra de moléculas do vegetal é a enzimática. O processocomeça com um pré-tratamento do bagaço,para que ocorra uma quebrada estrutura cristalina dafibra. Em seguida é retirada a lignina, complexo que dá resistência à fibra eprotege a celulose da ação demicroorganismos, mas inibe o processo fermentativo.Na terceira fase, o líquidoM

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> Jatos luxuososda Embraer

Terceira maior fabricantemundial de aviõescomerciais, a Embraerrevelou recentemente o conceito de sua futurageração de jatos midsize(MSJ), com capacidade paraoito passageiros, e midlight(MLJ), para quatro pessoas.As principais característicasdesses aviões serão o conforto superior ao de aeronaves similares, o altodesempenho e o reduzidocusto de operação.Projetado pela BMW GroupDesignworksUSA, o interiorde ambos os jatos terá 1,82metro de altura de cabine,amplo bagageiro e lavatóriotraseiro com manutençãoexterna. O MSJ está sendoprojetado para ter alcance de 5.186 quilômetros (km),o que permitirá vôos semescala entre Nova York e Los Angeles, dentro dosEstados Unidos, ou Moscou,na Rússia, e Nova Délhi,na Índia. O MLJ, por sua vez,terá autonomia de 4.260 km,suficiente para vôos semescala entre Rio de Janeiro e Bariloche, na Argentina,ou Nova York e Cidade do

Cabine de pilotagem

com monitoresavançados

LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL>

Vitaminas preservadasA professora Adriana Zerlotti Mercadante, da Fa-

culdade de Engenharia de Alimentos da Universi-

dade Estadual de Campinas (Unicamp), descobriu

uma técnica que impede a degradação das vitaminas

do leite quando submetido à luz. Ela obteve os resul-

tados quando avaliava o potencial do licopeno na pro-

teção contra esse tipo de alteração. Sua equipe acon-

dicionou cristais de licopeno, substância carotenói-

de antioxidante que dá a cor avermelhada ao toma-

te e à goiaba, em microcápsulas de goma-arábica e

dispersou pequenas quantidades da cápsula em

amostras de leite desnatado. Esperava-se encontrar

uma preservação dos níveis de vitamina A e D de cer-

ca de 3,5%, em comparação ao leite sem a mistu-

ra. Mas o efeito revelou-se muito maior: da ordem de

45%. “Colocamos uma pequena quantidade de li-

copeno para evitar a cor vermelha no leite. Ficou cla-

ro que o carotenóide não era o único responsável por

tamanha proteção”, diz Adriana. A conclusão da equi-

pe é que o efeito antioxidante não provinha do con-

teúdo, mas do invólucro – no caso, as cápsulas de go-

ma-arábica, resina natural composta por polissaca-

rídeos e gliciproteínas largamente utilizada como es-

pessante ou estabilizante de alimentos, portanto a

descoberta não rende patente. O estudo teve a par-

ticipação de dois pesquisadores argentinos, Mariana

Montenegro e o professor Claudio Borsarelli, da Uni-

versidade Nacional de Santiago del Estero, além de

Adriana e a doutoranda Itaciara Nunes, também da

Unicamp. Eles acreditam que a novidade pode ter im-

pacto na preservação da qualidade nutricional e no

prolongamento do prazo de validade do leite.

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proveniente do pré-tratamento ácido, rico em açúcares, é fermentado por uma levedura adaptada.O sólido proveniente daretirada da lignina tambémpassa por um tratamento,que consiste em um processo de sacarificação(transformação em açúcares)por meio de enzimas efermentação pela leveduraSaccharomyces cerevisiae.Na etapa final, ambos oslíquidos provenientes dasdiferentes fermentações são destilados e resultam no álcool. O projeto foidesenvolvido pela Petrobrasem parceria com aUniversidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ) e outrasuniversidades brasileiras (leiaem Pesquisa FAPESP nº 133).

pedestres e banhistas.Batizado de Ozon-in, foidesenvolvido pela Spherical,empresa do CentroEmpresarial para Laboraçãode Tecnologias Avançadas(Celta), incubadora da Fundação Centros de

A planta experimental temcapacidade para produzircerca de 220 litros de etanolpor tonelada de bagaço decana. Os pesquisadores estãotrabalhando na otimizaçãodo processo de produçãopara alcançar a marca de 280litros por tonelada de bagaço.

> Medição dosraios solares

Um equipamento queaponta o nível de radiação de raios ultravioletamomentâneo e o fator deproteção solar recomendadopara cada índice encontra-seinstalado em Florianópolis,Santa Catarina, na avenidaBeira-Mar, onde pode servisto por motoristas, ciclistas,

Uma conjunção criativa de projetos de engenharia automotiva

com o objetivo de economizar combustível esteve presente, no

início de novembro, no Cartódromo de Interlagos na cidade de São

Paulo. Foi a Maratona de Eficiência Energética que reuniu 19 uni-

versidades dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Ge-

rais. Três categorias estiveram em disputa. A de veículos a gasolina foi vencida pela

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com a incrível marca de 367,05 quilôme-

tros (km) por hora com 1 litro do combustível. A carenagem do carro foi construída

com fibras e resinas de bananeira. Na categoria de propulsão elétrica, o carro vence-

dor, da gaúcha Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), também teve fibras vege-

tais na carroceria. No caso, a estrutura foi feita de bambu. Ele percorreu 24,35 km

com a bateria de uma motocicleta de 125 cilindradas. A média mínima de velocidade

foi de 24 km por hora. A também gaúcha Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) foi a

campeã na categoria projeto com o primeiro lugar nas duas subcategorias, gasolina e

elétrica. Os campeões e vices de cada categoria ganharam um carro Fiat para uso di-

dático e os terceiros colocados, motores flex e diesel para equipar seus laboratórios.

A competição também teve patrocínio da Petrobras, Michelin e NSK Rolamentos.

PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 65

Nível de radiação e fator de proteção recomendado

Referência em TecnologiasInovadoras (Certi), umainstituição de pesquisa e desenvolvimentotecnológico. O equipamentotem quatro modelos:externo, interno, de parede e portátil. O externo e o interno funcionam comoum painel eletrônico, comespaço para publicidade e informações sobre ainfluência dos raios sobre os diferentes tipos de pele.O modelo de parede foiprojetado para instalação emfarmácias, clínicas, hospitaise hotéis. O portátil pode ser comprado na versão sem fio ou com conexão a cabo e deverá ser utilizadoem pontos-de-venda deprotetores solares, comofarmácias e supermercados.

Maratona didática

Acima, veículo da USP. Abaixo, dois ganhadores:o de design daUlbra, à esquerda, e o de bambu da UFSM

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Oforte aquecimento do merca-do consumidor e a pressão noscustos das matérias-primasoriginadas do petróleo têm le-vado as indústrias de plásticoa buscar, em fontes renováveis,matérias-primas substitutas

para seus produtos. Plásticos feitos apartir do etanol de cana-de-açúcar, quepodem ser reutilizados num processode reciclagem, além de polímeros bio-degradáveis produzidos por bactériasalimentadas por sacarose e outras subs-tâncias estão na linha de frente de pes-quisas e investimentos anunciados porgigantes petroquímicas como Dow Quí-mica, Braskem e Oxiteno, fabricantesde resinas plásticas feitas a partir da naf-ta e de outras matérias-primas deriva-das do petróleo. A Braskem, líder lati-no-americana em produção de resinas,investiu US$ 5 milhões em pesquisa edesenvolvimento para chegar a um po-lietileno certificado a partir de álcool dacana, chamado de “polímero verde”.

As pesquisas que resultaram no no-vo produto tiveram início em 2005, em-bora desde 1998 a empresa já avalias-se as propriedades de outros polímerosde matérias-primas renováveis existen-tes no mercado. Como naquela épocanão havia ainda um mercado efetivo in-teressado em um produto desse tipo,o assunto não prosperou. “Ao retomaras discussões, avaliamos as opções exis-tentes e começamos a trabalhar com o

polietileno verde a partir do álcool decana”, relata Antônio Morschbacker, ge-rente de tecnologia de Polímeros Ver-des do Pólo Petroquímico de Triunfo,no Rio Grande do Sul, responsável pe-lo desenvolvimento do projeto.

As informações disponíveis aponta-vam que a empresa poderia chegar a umproduto competitivo. “Ao longo de2005, depois de estimativas de custos,vimos que seria viável fabricá-lo e, em2006, decidimos construir a planta pi-loto e paralelamente fizemos um estu-do mais aprofundado do mercadomundial”, diz Morschbacker.“O proces-so, bastante eficiente, transforma 99%do carbono contido no álcool em etile-no, matéria-prima do polietileno.” Oprincipal subproduto é a água, quepode ser purificada e reaproveitada.

D esidratação do etanol - Na planta pi-loto,que começou a funcionar em junhode 2007, é feita a transformação doetanol – obtido por um processo bio-químico de fermentação do caldo, cen-trifugação e destilação – em etileno. Aconversão ocorre por meio de um pro-cesso de desidratação, no qual são adi-cionados catalisadores – compostos queaceleram as reações químicas – aoetanol aquecido, que permitem a suatransformação em gás etileno. A par-tir daí, para chegar ao polietileno, oplástico de maior utilização no mundo,o processo de fabricação é igual ao em-

PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 6 7

Plástico renovávelEtanol e bactérias são as m atérias-prim asutilizadas por em presas para fabricar produtos substitutos dos derivados de petróleo

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pregado para as matérias-primas prove-nientes de fontes fósseis, ou seja, o etile-no polimerizado resulta no polietile-no. A polimerização é uma reação emque as moléculas menores (monôme-ros) se combinam quimicamente paraformar moléculas longas e ramificadas.

Com o etileno produzido por essatecnologia é possível fazer qualquer tipode polietileno. Inicialmente a Braskempretende produzir resinas de alta densi-dade e de baixa densidade, para aplica-ções rígidas e flexíveis em setores co-mo o automotivo, empacotamento dealimentos, embalagem de cosméticos eartigos de higiene pessoal. Alguns clien-tes, do Brasil e do exterior, já estão rece-bendo amostras do polímero verde pro-duzido em escala piloto. O início da pro-dução em escala industrial, que deveráchegar a 200 mil toneladas anuais, está

previsto para o final de 2009. Por en-quanto a empresa ainda não definiuonde será instalada a fábrica destinadaà produção do novo polímero, que de-verá demandar investimentos de cercade US$ 150 milhões.

O produto, que deverá custar entre15% e 20% a mais do que os políme-ros tradicionais, será destinado, prin-cipalmente, aos mercados asiático, eu-ropeu e norte-americano. Antes mesmode ser lançado em escala comercial, opolietileno verde já faz sucesso. Na Fei-ra Internacional do Plástico e da Borra-cha - K 2007, o maior evento da indús-tria petroquímica, realizada no final deoutubro em Düsseldorf, na Alemanha,Morschbacker fez dez concorridas apre-sentações do produto em oito dias eatendeu um grande número de interes-sados no produto e no projeto.

O polietileno de etanol foi certifi-cado pelo laboratório Beta Analytic, dosEstados Unidos, pela técnica do carbo-no-14, como um produto feito com100% de matéria-prima renovável. Amatéria-prima utilizada, no caso o eta-nol, é renovável, mas o produto final nãoé biodegradável.“O produto possui pro-priedades idênticas aos polietilenos pro-duzidos a partir do petróleo. Como éum plástico bastante resistente e estável,ele pode ser reciclado e reutilizado vá-rias vezes e, no final da vida útil, podeser incinerado sem causar nenhum pro-blema ambiental”, diz Morschbacker.A grande vantagem ambiental do polie-tileno do álcool é que, para cada quilode polímero produzido, são absorvidosem torno de 2,5 quilos de gás carbôni-co, o dióxido de carbono, da atmosfe-ra pela fotossíntese da cana.

Pólo alcoolquímico - A Dow Químicatambém prepara-se para produzir po-lietileno a partir do etanol. Em julho, aempresa anunciou uma joint-venturecom a brasileira Crystalsev, trading bra-sileira de açúcar e álcool controlada pe-las usinas Vale do Rosário, de MorroAgudo, e Santa Elisa, de Sertãozinho,ambas no interior paulista, para criaçãode um pólo alcoolquímico integrado,que deverá iniciar suas operações em2011 e terá capacidade para produzir350 mil toneladas por ano de polietile-no de baixa densidade, chamado comer-cialmente de Dowlex, destinado à fabri-cação de embalagens flexíveis, filmes in-dustriais e artigos injetados. A princí-

Integração1. Durante o crescimento dacana-de-açúcar há a absorçãode gás carbônico da atmosferapela fotossíntese. A vinhaça,resíduo líquido gerado no processo de moagem efermentação, será usada comofertilizante no cultivo da cana.2. A transformação do etanolem etileno é feita pelo processode desidratação, com a adiçãode catalisadores. A água liberadadurante o processo será utilizadano sistema de produção de vapor para geração de energia.

cana vinhaça

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Plásticos rígidosfabricados pela PHB a partirdo açúcar

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pio, o produto será vendido no merca-do interno, que tem crescido de 6% a7% ao ano. O material já é produzidopela Dow a partir da nafta de origem pe-trolífera em unidades industriais loca-lizadas na Ásia e na Europa.

Para transformar o etanol em polie-tileno, a Dow também utiliza o proces-so de desidratação. Modernos catalisa-dores permitem obter um etileno tãopuro quanto o produzido a partir do pe-tróleo. A água liberada durante o pro-cesso de transformação do etanol emetileno será utilizada no sistema de pro-dução de vapor para geração de energiaelétrica. As estimativas são de que o em-preendimento gere cerca de 3.200 em-pregos diretos, além de centenas de in-diretos nos setores agrícola, industrial ede manufatura. A fábrica de polietilenovai consumir 700 milhões de litros de ál-cool por ano, o que corresponde a 8 mi-lhões de toneladas de cana-de-açúcar.

As duas empresas participarão co-mo sócias em todas as etapas, a come-çar pela formação de um canavial de 120mil hectares até a fabricação e comer-cialização do plástico.A integração com-pleta do ciclo fará com que o pólo sejaauto-suficiente do ponto de vista ener-gético e gere excedente de energia sufi-ciente, proveniente do bagaço da cana,para atender a uma cidade de 500 milhabitantes. Por enquanto ainda não foidefinido o local em que o pólo petroquí-mico será instalado, mas estão sendoanalisadas localidades na região centro-sul do país.“O preço do polietileno pro-duzido a partir do etanol será estabele-

cido levando-se em consideração asmesmas forças de oferta e demanda queafetam o preço do polietileno produzi-do a partir da nafta”, diz Diego Donoso,diretor de Plásticos da Dow para a Amé-rica Latina. “O cliente final irá receberum produto com as mesmas caracterís-ticas técnicas e de performance do po-lietileno convencional, mas irá ganharno valor agregado da produção.”

H idrólise ácida - A Oxiteno, do GrupoUltra, tem projeto similar ao da Dowpara construir uma biorrefinaria queproduzirá açúcar e álcool a partir de ba-gaço, palha e pontas da cana-de-açúcar,por meio de uma tecnologia chamadade hidrólise ácida, ainda não dominada

PESQUISA FAPESP 142 ■ DEZEMBRO DE 2007 ■ 6 9

Obtenção e caracterização de polímeros ambientalmentedegradáveis (PAD) a partir defontes renováveis: cana-de-açúcar

MO D ALID AD E

Program a de InovaçãoTecnológica em PequenasEm presas (Pipe)

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JEFTER FERNANDES DO NASCIMENTO –PHB Industrial

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em escala comercial e cujo fundamentoé a quebra das moléculas de celulose pormeio da adição de ácido sulfúrico aosresíduos. A futura unidade vai fabricartambém produtos alcoolquímicos a par-tir de tecnologias não-convencionais.

Desde novembro de 2006 a empre-sa tem parceria com a FAPESP para de-senvolvimento de projetos de pesquisana área de tecnologia de produção deaçúcares, álcool e derivados. Na primei-ra fase, em janeiro de 2007, foram esco-lhidos 23 projetos em parcerias com ins-titutos de pesquisa e universidades, dosquais foram aprovados sete na segun-da fase, em julho.

Enquanto as petroquímicas apostamnos plásticos a partir do etanol, a PHBIndustrial, pertencente ao Grupo PedraAgroindustrial, de Serrana, e ao GrupoBalbo, de Sertãozinho, ambos no inte-rior paulista, tem fabricado desde de-zembro de 2000, em uma planta pilo-to, um plástico biodegradável produ-zido por bactérias naturais, que está sen-do vendido em pequenas quantidades,com o nome comercial de Biocycle, paraEstados Unidos, Japão e países da Euro-pa. A matéria-prima tem sido emprega-da principalmente na fabricação de plás-ticos rígidos produzidos pelo processode injeção e também em espumas parasubstituição do isopor. O Biocycle tam-bém se aplica à produção de substitutosde poliuretanos, além de chapas bioplás-ticas e produtos termoformados.

A planta industrial para produçãoem grande escala, prevista para ficarpronta em 2010, será instalada na região

3. O etileno é convertido em polietileno em processosemelhante ao empregadopara a fabricação da matéria-prima a partir de fontes de origem fóssil.4. Pólo alcoolquímico será auto-suficiente do ponto de vista energético e vai gerar excedente paraatender a uma cidade de 500 mil habitantes. 5. Com o polietilenoproduzido é possível fabricarprodutos plásticos variados.

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de Ribeirão Preto.“A produção do plás-tico biodegradável deverá ficar entre 10mil e 30 mil toneladas por ano”, diz o fí-sico Sylvio Ortega Filho, diretor execu-tivo do desenvolvimento do plástico bio-degradável na PHB, que teve participa-ção do Instituto de Pesquisas Tecnoló-gicas (IPT), do Centro de TecnologiaCanavieira (CTC) e do Instituto de Ciên-cias Biomédicas (ICB) da Universida-de de São Paulo e financiamento do Pro-grama Inovação Tecnológica em Peque-nas Empresas (Pipe) da FAPESP (leia emPesquisa FAPESP nº 80).

Poliéster natural - A produção do po-límero é feita pelo cultivo da bactéria Al-caligenes eutrophus, atualmente chamadade Cupriavidus necator, em um meio decultura com a sacarose presente no açú-car. A sacarose é transformada em glico-se para alimentar as bactérias. “A cadeiade carbono da glicose é transformada pelabactéria no polihidroxibutirato (PHB)”,explica a professora Elisabete José Vicen-te, do Instituto de Ciências Biomédicas(ICB) da USP, que participou dos estu-dos que resultaram no plástico biodegra-dável e atualmente orienta algumas linhasde pesquisa para a produção de políme-ros a partir de bactérias. O PHB perten-ce ao grupo de polímeros denominadospolihidroxialcanoatos (PHA), que são po-liésteres acumulados por microorganis-mos na forma de grânulos intracelulares.

Suas propriedades termoplásticaspermitem que, depois de extraídos do in-terior da célula produtora com o uso desolventes orgânicos, sejam purificadose processados, gerando um produto bio-degradável, compostável e biocompatí-vel. Esses polímeros podem ter aplica-ções diversas, como produção de filmesou estruturas rígidas, além de usos mé-dicos e veterinários, como confecção desuturas, suportes para cultura de tecidos,implantes, encapsulação de fármacospara liberação controlada e outras, utili-zando-se da nanotecnologia.

“Até hoje já foram identificadas maisde 150 diferentes bactérias que acumu-lam naturalmente esse grânulo citoplas-

Planta piloto da PHBonde são fabricadosprodutos vendidoscom o nome deBiocycle (à direita)

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mático”, diz Elisabete.A bactéria C. neca-tor se destaca porque consegue acumulargrande quantidade de polímero, entre80% e 90% do seu peso seco. Para cres-cer, ela precisa de frutose ou glicose. “Oprimeiro melhoramento genético da bac-téria, realizado há muitos anos, obteve ummutante capaz de crescer em glicose, ma-téria-prima mais barata que a frutose”, dizElisabete. No Brasil, as pesquisas inicia-das em 1992 pela pesquisadora em parce-ria com a professora Ana Clara Guerri-ni Schenberg, também do ICB, resulta-ram em uma nova bactéria mutante ca-paz de crescer em sacarose da cana e emoutra bactéria recombinante com melhorrendimento de produção do co-políme-ro PHB-V, que é mais maleável.

Modificações genéticas - A bactéria fa-brica naturalmente o polímero, mas osmelhoramentos genéticos permitem queocorra um aumento considerável da pro-dução. No projeto desenvolvido entre aempresa PHB e as instituições parceirasforam desenvolvidas e patenteadas algu-mas bactérias geneticamente modifica-das. “Estamos usando apenas a bactérianatural para produzir o biopolímero, por-que a Europa proíbe organismos gene-ticamente modificados”, diz Ortega.A de-manda para os polímeros de fontes reno-váveis concentra-se basicamente em trêsgrandes aplicações no mercado mundial.A primeira é o mercado de embalagens.A segunda é a indústria automobilísti-ca, que está em busca de substitutos paraos produtos utilizados nos carros por ou-tros que não contribuam para o aqueci-mento global, exigência dos mercados eu-ropeus. E a terceira aplicação é na áreamédica (ver quadro na página 68).

A parceria com a PHB resultou nãoapenas em um produto que já está nomercado como também na continuida-de das pesquisas na universidade. O gru-po coordenado pela professora Elisabe-te, do ICB da USP, trabalha em duas fren-tes. Em uma delas, os pesquisadoresprocuram bactérias que consigam pro-duzir polímeros a partir de outras fontesde carbono que não a sacarose, como osresíduos produzidos pela indústria.“Es-sa seria uma forma de baixar o custo daprodução do biomaterial, que chega atrês vezes o do plástico derivado do pe-tróleo”, diz Elisabete. Paralelamente, ogrupo estuda aplicações do biopolíme-ro, depois de purificado, como substra-

to para o crescimento de células-tron-co, linha de pesquisa conduzida em par-ceria com o professor Radovan Boroje-vic, diretor do programa avançado deBiologia Celular Aplicada à Medicina daUniversidade Federal do Rio de Janeiro.Outra linha estuda o emprego do biopo-límero para a imobilização de enzimase fármacos, numa parceria com os pro-fessores Mário Politi, do Instituto de Quí-mica da USP e coordenador do Grupode Pesquisas em Nanotecnologia doConselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq), e Car-los Alberto Brandt, integrante do mesmocentro de pesquisa.

No ICB da USP, outro grupo coorde-nado pela professora Luiziana Ferreira daSilva, que também participou do desen-volvimento da produção do plástico bio-degradável da PHB, mas vinculada aoIPT, trabalha em linhas de pesquisa queenvolvem a produção de materiais biode-gradáveis. Em 2002 Luiziana concluiu umprocesso para utilização do bagaço dacana-de-açúcar para produção de PHB.Foram selecionadas bactérias capazes decrescer no bagaço da cana, e não no cal-do onde está a sacarose, depois de ser que-brada em moléculas menores por meiode hidrólise ácida. Uma outra linha depesquisa estuda o desenvolvimento de umplástico híbrido produzido por bactérias.Só que em vez de serem alimentadas como açúcar da cana, elas recebem um áci-do graxo de seis carbonos. “Na medidaem que se oferece óleo para as bactérias,elas começam a produzir um elastômerobastante parecido com a borracha”, dizLuiziana. O objetivo desse estudo é obterum outro tipo de material plástico, quepode ser utilizado, por exemplo, para re-cobrimento de fraldas, tapetes descartá-veis e outras aplicações. ■

Fios de sutura para cirurgias, malhaspara reforço na cirurgia de correçãode hérnias, membranas pararemendos de lesões venosas eartérias e tubos para enxertosarteriais são alguns dos produtosdesenvolvidos pelo Grupo de Pesquisas Biopolímero de Cana-de-Açúcar, uma parceria entre aUniversidade Federal de Pernambuco(UFPE) e a Universidade FederalRural de Pernambuco (UFRPE).“Todos esses produtos foramaplicados em pesquisasexperimentais com excelentesresultados”, diz o professor JoséLamartine de Aguiar, coordenador do grupo. As pesquisas tiveram inícioem 1990, quando Francisco Dutra,engenheiro químico da UFRPE,identificou formações poliméricas no processo de fermentação para a produção de álcool. O biopolímeroé obtido a partir de subprodutos da cana-de-açúcar, como o melaço.As características físicas e químicasdo biopolímero após a suapurificação despertaram o interessede pesquisadores de várias áreas.“Inicialmente o material foi aplicadoem animais de experimentação, após os testes de citotoxicidade e biocompatibilidade”, diz Aguiar. A produção do biopolímero,patenteado pela UFPE, ficará a cargode uma biofábrica que está em fasefinal de instalação na EstaçãoExperimental de Cana-de-Açúcar deCarpina, campus avançado da UFRPEna região da mata pernambucana.

Aplicaçõesmédicas

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BACTÉRIAS DO BEM

MICROBIOLOGIA

Enzimas degradam proteínas e garrafas

PET e podem ter novos usos industriais

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YURI VASCONCELOS

Embora úteis e participantes do nosso dia-a-dia, asembalagens PET, que acondicionam água e refri-gerantes, provocam um sério problema ambiental.Todos os anos, mais de 50% da produção nacional, estima-da em cerca de 380 mil toneladas, é depositado em lixões ondepermanece durante anos e anos até sua completa decomposi-ção. O restante é aproveitado em processos variados de reci-clagem, resultando em outros produtos como cordas, carpe-tes e peças de artesanato. Uma boa notícia vinda do Japãoaponta que, dentro de pouco tempo, pode tornar-se realida-de uma nova forma de degradação dessas embalagens por umavia microbiológica. Estudos nesse sentido são conduzidos pe-lo pesquisador Kohei Oda, professor emérito do Instituto Tec-nológico de Kyoto, no Japão, e um dos precursores do desco-brimento, na década de 1970, de um inibidor de proteases, umtipo de proteína com a função de quebrar outras proteínas paraativá-las ou desativá-las, conhecido como pepstatina, que, anosdepois, serviu para inibir uma enzima proteolítica (formadapor proteases) do HIV. Ele conseguiu que embalagens PET,polímero fabricado a partir da resina poli (tereftalato de etile-no), fossem degradadas em apenas oito semanas por um con-sórcio de bactérias e, na metade desse tempo, por uma bac-téria específica isolada desse consórcio. Esses microorganis-mos, que não são patogênicos, secretam para o meio exter-no uma variedade de enzimas que decompõem o polímero.As características das bactérias e das enzimas responsáveis pelarápida degradação são guardadas em segredo por força de con-trato com o Instituto de Tecnologia de Kyoto.

“A degradação microbiana oferece a possibilidade de re-cuperar locais onde as embalagens estão enterradas ou acu-muladas ao longo dos anos e é uma alternativa capaz de com-petir, em nível econômico, com a degradação química”, dizOda. Ele esteve em São Paulo, entre abril e outubro deste ano,como professor visitante na Universidade Federal de São Pau-lo (Unifesp) e fez palestras e reuniões em outros institutos depesquisa paulistas. As bactérias identificadas por ele em li-xões no Japão metabolizam poliésteres, tais como o PET. Po-liésteres são polímeros cujas ligações químicas resultam daunião de um ácido com um álcool. Essas ligações, chamadasésteres, podem se desfazer por tratamento ácido ou ainda pormeio de enzimas. “Se a degradação ocorrer por meio de umgrupo de bactérias ou por uma única bactéria, são produzi-das enzimas, as proteases ou proteolíticas, que hidrolisam –

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quebram a ligação na presença de água– as ligações ésteres e depois degradamos monômeros, que são as unidades quecompõem os plásticos, formando dió-xido de carbono e água”, explica Luiz Ju-liano, professor do Departamento de Bi-ofísica da Unifesp.

O maior desafio para tornar comer-cialmente viável o processo descobertopelo microbiologista japonês – já existemconversações com algumas empresas doJapão – é resolver a quebra da cristali-nidade do PET, sem a qual as bactériasnão conseguem fazer a decomposição dasembalagens. Quando o poli (tereftalatode etileno) é processado para formar asgarrafas, ele adquire uma consistênciacristalina que impede qualquer interaçãodas paredes da garrafa com a água. Essapropriedade é benéfica, porque permiteo uso da embalagem PET na preservaçãoe no acondicionamento de bebidas, mas,ao mesmo tempo, dificulta sua degrada-ção. Segundo Oda, a saída para quebrara estrutura cristalina do PET é submetê-lo a um aquecimento de 260° Celsius (C)em autoclaves ou por tratamento por mi-

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logia aplicada. Esse ramo da ciência visaà prospecção e utilização de microorga-nismos que produzam enzimas ou ou-tras substâncias para uso nos mais di-versos ramos de atividade, como na me-dicina, na indústria alimentícia, de cur-tume, cosmética, de tecelagem, sucroal-cooleira e de papel e celulose, entre ou-tros.Hoje,um dos focos da microbiologiaé a fermentação de açúcares para bio-combustíveis. “O Brasil também temcontribuições em microbiologia de pa-tologias humanas, como doença de Cha-gas, leishmaniose, tuberculose e dengue,mas, por sua biodiversidade, oferecemuitas possibilidades para o avanço damicrobiologia em outras áreas”, afirmaJuliano. “O Brasil está acordando paraesse potencial”, diz o pesquisador brasi-leiro, coordenador de um projeto temá-tico sobre o tema, que tem o objetivo deidentificar enzimas de humanos, fun-gos, bactérias e venenos de animais comalguma utilidade industrial ou farma-cológica. Ele aponta o trabalho da pro-fessora Maria de Lourdes Teixeira deMoraes Polizeli, do Departamento deBiologia da Faculdade de Filosofia, Ci-ências e Letras de Ribeirão Preto da Uni-versidade de São Paulo (USP). Ela iso-lou de compostagem de cogumelos umavariedade de fungo, Rhisopus micros-porus, que se mostrou um excelente pro-dutor de amilase. Essa enzima é usadana produção de adoçantes, xarope deglicose para as indústrias de cerveja e demedicamentos. O mais interessante éque esses fungos crescem em suportessólidos muito baratos como sabugo demilho e bagaço de cana e em tempera-turas acima de 45°C, facilitando a pro-dução industrial.

Hipopótamos e outros bichos do zoológico podem ser fontes de bactérias úteis

croondas. O calor quebra a cristalinida-de do material e deixa as ligações éste-res mais expostas à hidrólise, tornandopossível o processo de decomposição.

Múltiplas aplicações – O uso de mi-croorganismos para degradação de pro-dutos que poluem o ambiente – um pro-cesso conhecido como biorremediação– é apenas uma das áreas da microbio-

OS PROJETOS

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1. Substratos e inibidores peptídicospara enzimas proteolíticas

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADOR

LUIZ JULIANO NETO – Unifesp

INVESTIMENTO

R$ 376.320,26 e US$ 111.757,59 (FAPESP)

2. Kohei Oda, Kyoto Institute of Technology, Japão

MODALIDADE

Auxílio à vinda de Pesquisador Visitante

COORDENADOR

LUIZ JULIANO NETO – Unifesp

INVESTIMENTO

R$ 41.193,00 (FAPESP)

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lógicas ou industriais, os pesquisadoresfazem um verdadeiro trabalho de dete-tive. Eles vão a campo e vasculham di-ferentes ambientes em busca desses se-res microscópicos.

Riqueza animal – A prospecção de mi-croorganismos foi um dos motivos davisita que Luiz Juliano e Kohei Oda fi-zeram à Fundação Parque Zoológico deSão Paulo em outubro passado. Hápouco tempo, Oda conseguiu isolar emfezes de animais de zoo-lógicos do Japão cerca de500 cepas de bactériasque têm em comum aprodução de ácido lácti-co ou ácido acético. Emgeral, essas bactérias nãosão patogênicas nemtóxicas e podem produ-zir enzimas ou outrassubstâncias de interessebiológico.

Juliano acredita quematerial igualmente rico,diverso e abundante pos-sa ser encontrado no zôopaulistano, onde as fezesdos bichos são mistura-das a cavacos de madeirae outros restos de vegeta-ção e são compostados.“No processo de com-postagem, a temperaturachega a 70°C. Podemosencontrar fungos e bac-térias crescendo em con-dições extremas de tem-peratura”, diz ele. “Creioque temos uma oportu-nidade de prospectaruma variedade imensa demicroorganismos vindosde diferentes espécies deanimais.” Tudo isso semprecisar tocar ou impor-tunar os animais.

Além do zoológico, Juliano e Oda vi-sitaram outras instituições de pesquisaem microbiologia da capital e interiorpaulista para propor o estabelecimen-to de uma rede de cooperação na área,como a USP de Ribeirão Preto, Univer-sidade Estadual Paulista de São José doRio Preto e de Rio Claro, e Universida-de Estadual de Campinas, e da unida-de da Unifesp em Diadema. A associa-ção dos grupos de pesquisa do profes-

Um dos trabalhos do grupo de Ju-liano está relacionado à doença celía-ca, caracterizada pela intolerância daspessoas ao glúten. Esse problema decor-re de o glúten ter uma proteína denomi-nada gliadina, que é muito rica em pro-lina, um dos 20 aminoácidos naturaisque compõem as proteínas. Isso torna agliadina pouco suscetível à digestão, di-ficultando a hidrólise pelas enzimas di-gestivas do estômago e do intestino. Osfragmentos dessa proteína não digeri-dos podem ser absorvidos e desenvolverem muitas pessoas (numa proporção deuma para 200, nos países ocidentais) umquadro clínico de intolerância.“Estamossintetizando centenas de substratos pep-tídicos (fragmentos de proteínas) con-tendo prolina para examinarmos enzi-mas proteólicas com preferência porprolina. Isso nos permitirá buscar pro-teases de alta eficiência na degradaçãodos fragmentos de gliadina”, diz o pes-quisador da Unifesp. O objetivo final doprojeto, portanto, é descobrir enzimasque possam ser usadas no tratamentodo glúten ou administradas, na formade cápsulas, em pacientes que sofrem deintolerância ao produto.

Outro projeto importante que con-ta com a participação do grupo da Uni-fesp tem como foco uma enzima pro-teolítica isolada de bactérias que cres-cem em fermentados de peixe na Tai-lândia. Essa pesquisa conta com a cola-boração do professor Oda e de cientis-tas tailandeses. E qual a importânciadessa enzima? “A fermentação de sardi-nhas é feita em altíssimas concentraçõesde sal de cozinha, substrato onde vivemas bactérias”, responde Juliano.“As pro-teases secretadas por essas bactérias tam-bém operam em altas concentrações sa-linas, superiores a 20%. E a indústria re-quer enzimas desse tipo, que suportemsalinidade e temperaturas altas”, ressal-ta. O Brasil tem plantas que crescem àbeira de salinas e o pesquisador JoãoLúcio de Azevedo, da Escola Superiorde Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq),da Universidade de São Paulo (USP), jáacenou com a possibilidade de bacté-rias endofíticas (que vivem no interiorde tecidos vegetais) dessas plantas ex-pressarem proteases que operem em al-ta concentração de sal. Para encontrarmicroorganismos como os que atuamna fermentação de sardinhas ou que te-nham outras aplicações médicas, bio-

Formações dofungo Rhisopusmicrosporus, um produtor de amilase,enzima usada na produção de adoçantes

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sor Juliano e do professor Oda incre-mentará os estudos das proteases já des-cobertas e, ao mesmo tempo, será umaoportunidade para disseminação, tam-bém para outros grupos interessados, dasexperiências em prospecção de microor-ganismos de uso prático. “Queremostambém oferecer a nossa contribuiçãona área de enzimas proteolíticas, dispo-nibilizando a plataforma de estudo dasproteases que o nosso grupo montou nosúltimos 27 anos”, conta Juliano. ■

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Ocrescimento esperado da demanda de biodie-sel no mercado nacional para os próximos anospassa por uma evolução no sistema de produ-ção de forma a torná-lo mais eficiente e ambien-talmente favorável. Entre os atuais entraves in-dustriais estão o uso do metanol,um produto tó-xico derivado do gás natural que ainda não tem

similar comercial produzido de biomassa. Outro pro-blema está em deficiências no processo de transesterifica-ção, para transformar o óleo vegetal em biodiesel, que re-sultam em resíduos não aproveitáveis e de baixa qualida-de no produto final, independentemente do grão oleagi-noso utilizado. Um caminho para a evolução desse sis-tema está nos estudos realizados por pesquisadores da Es-cola de Engenharia de Lorena (EEL) da Universidade deSão Paulo (USP). Eles trazem novas contribuições paraa transformação do óleo vegetal em combustível. Em vezdo metanol, eles usaram etanol da cana-de-açúcar, um in-grediente renovável,mais a lipase,uma enzima que age nafunção do catalisador da reação, quebrando e transfor-mando as moléculas do óleo em biodiesel e glicerina.

Para funcionar bem nos motores, o óleo vegetal pre-cisa passar por uma reação química alcoólica, a transes-terificação, que resulta, como subproduto, na gliceri-na, substância usada na indústria química. O que os pes-quisadores fizeram foi mudar os ingredientes desse pro-cesso sem alterar a essência dos produtos finais, o bio-diesel e a glicerina, e conferindo-lhes maior qualidade.A enzima usada pelos pesquisadores da USP está presen-te naturalmente no pâncreas e no intestino humano,onde atua no processo da digestão de alimentos gor-durosos. Mas ela também é produzida por fungos, le-veduras e bactérias, o que viabiliza o uso industrial dalipase a partir do cultivo desses microorganismos emsubstratos apropriados. Ela é usada em diferentes cam-pos industriais como farmacêutico, química fina, cosmé-ticos, oleoquímica, couros, polpa de celulose e papel e notratamento de resíduos de fábricas. Na indústria alimen-

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ProteínanoóleoBIOCOMBUSTÍVEL

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Pesquisadores da USPutilizam lipase e etanol na produção de biodiesel

Óleo dedendê: altorendimento

para produçãode biodiesel

MARCOS DE OLIVEIRA

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tícia, por exemplo, ela pode ser usadana produção de margarinas e cremes ve-getais isentos da chamada gorduratrans, substância que provoca uma sé-rie de problemas à saúde, incluindo oaumento na quantidade de LDL, o co-lesterol ruim, e a redução na quanti-dade de HDL, o colesterol bom.

“No caso do biodiesel, o uso do eta-nol e da lipase é uma relação atrativa am-bientalmente, porque, além de utilizarum reagente e um catalisador renová-veis, ela diminui os resíduos de todo oprocesso”, diz a professora Heizir Ferrei-ra de Castro, coordenadora dos estudos.Ela trabalha há cerca de 15 anos com achamada química verde em processosque minimizam o impacto ambiental deprocessos industriais químicos. “Nos-so grupo trabalha principalmente combiocatálise em meios não convencionais,em estudos relacionados à aplicação deenzimas para o desenvolvimento de no-vas rotas de processos para obtenção deprodutos inovadores ou já existentes acustos mais competitivos”, diz Heizir.Os trabalhos com biodiesel começaramem 2003 quando essa unidade da USPna cidade de Lorena era autônoma e pú-blica, chamada de Faculdade de Enge-nharia Química de Lorena (Faenquil).Os resultados apontam para uma rotaalternativa às técnicas atuais no senti-do de prover a produção de biodiesel deprocedimentos que tragam menos da-nos ao ambiente, com tecnologia limpa.

N o trabalho que resultou na produçãode biodiesel com lipase, os bolsistasda USP Ana Moreira e Victor Perez,

além da pesquisadora da UniversidadeEstadual de Maringá, professora GisellaZanin, sob a coordenação de Heizir, pu-blicaram um trabalho na revista científi-ca Energy & Fuels em que descrevem ouso de lipase na transesterificação do óleode palma com etanol para produzir bio-diesel. Esse óleo, também conhecido co-mo dendê, é oriundo da planta que me-lhor rende matéria-prima para esse fimcom cerca de 4 mil litros por hectare(l/ha),enquanto a soja,que possui o óleomais usado atualmente, rende cerca de400 l/ha. Os pesquisadores usaram lipa-ses produzidas por diferentes fontes demicroorganismos: duas espécies de fun-go, Thermomyces lanuginosus e Penicil-lium camembertii,uma de levedura,Can-dida antarctica, e duas de bactérias Pseu-

domonas fluorescens e Burkholderia ce-pacia, além de lipase extraída do pân-creas de suíno. A enzima mais eficientepara a produção do combustível foi a daP. fluorescens, que converteu 98% do óleoem biodiesel. Soma-se a esses resultadoso fato de o combustível ser de alta quali-dade em relação ao processo tradicional,principalmente em relação à viscosida-de e à umidade, e de atender às especi-ficações da Sociedade Americana de Tes-tes e Materiais,ASTM na sigla em inglês.

O tempo da reação com a lipase naprodução de biodiesel foi de 24 horas.Essa ainda é uma desvantagem em rela-ção ao processo estritamente químicoque usa catalisadores como hidróxidode sódio (NaOH), a popular soda cáus-tica, e hidróxido de potássio (KOH), car-bonatos e alcóxidos com duração dequatro a cinco horas. Mas o tempo po-derá ser compensado pela maior facili-dade em recuperar a glicerina e o cata-lisador no final do processo para reú-so. No caso da lipase, os pesquisadoresdesenvolveram um método em que elapode ser reciclada para reúso por meioda imobilização dessa enzima em umamatriz sólida, chamada de suporte hí-brido de polissiloxano-polivinilálcoolconstituída de sílica e PVA (álcool po-livinílico). A lipase é um pó e, quandoestá presa a um substrato, ela não se dis-solve no líquido.

O mesmo tipo de matriz foi usadaem outra seqüência de experimentospara imobilizar uma preparação de lipa-se de baixo custo, extraída do pâncreasde porco, para produzir biodiesel a par-tir do óleo extraído do fruto do baba-

çu, palmeira típica da Amazônia e daRegião Nordeste brasileira. Foram usa-dos três tipos de álcool: etanol, da cana-de-açúcar, butanol e propanol, prove-nientes do refino do petróleo. O rendi-mento de biodiesel chegou a 75% cometanol, 80% com propanol e 95% combutanol.“Cada tipo de enzima é sensí-vel a um meio e produz um resultado.No caso, a produção de biodiesel comlipase de origem suína mostrou-se fac-tível e indiferente quanto ao tipo de ál-cool, embora o de butanol tenha sidoum pouco mais produtivo”, explicaHeizir. Os estudos também mostraramque a lipase utilizada serve para a pro-dução de surfactantes, compostos quí-micos utilizados na fabricação de de-tergentes e outros materiais. O traba-lho foi publicado na revista Journal ofChemical Technology and Biotechno-logy na edição de janeiro de 2007, assi-nado pelos alunos de pós-graduaçãoAriela Paula, Daniele Urioste e peloprofessor Julio Santos, da EEL, tambémintegrante do grupo.

A pesar dos bons resultados nos tra-balhos laboratorais, a professoraHeizir acredita ser ainda prematu-

ro transpor os dados experimentaispara uma escala ampliada. Antes é pre-ciso efetuar um estudo técnico-econô-mico para contabilizar o custo globaldo processo enzimático. Um dos garga-los é referente ao elevado custo das li-pases que ainda não são produzidas in-dustrialmente no país. Os principaisprodutores são empresas da Dinamar-ca, Estados Unidos e Japão.

Mas ainda existem muitas alterna-tivas a serem testadas. Uma delas é o usode microondas para acelerar a reaçãode catálise no processo de produção debiodiesel, promovendo um consistenteaumento da produtividade. Nesse sen-tido, uma pesquisa em fase de desenvol-vimento pelo grupo da professora Hei-zir, principalmente com o trabalho damestranda Patrícia Caroline, estuda aaplicação de campos eletromagnéticosde alta freqüência em processos enzimá-ticos, particularmente na síntese de bio-diesel, a partir de óleos vegetais de bai-xo custo como óleo de babaçu e de pal-ma,empregando lipase como catalisador.Reações influenciadas por microondasainda estão em fase inicial de investiga-ção também em muitos países. ■

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Produção integrada de biodiesel e emulsificantes a partir de óleo de babaçu usando derivadosestabilizados de lípasepancreática e microbiana

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa

COORDENADORA

HEIZIR FERREIRA DE CASTRO – Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 58.843,75 (FAPESP)

O PROJETO

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altos de metais pesados,chegava a até1 grama por litro.Após alterações feitasno processo industrial,a concentraçãode metais foi reduzida para em torno de100 miligramas por litro.“Com essaquantidade,o processo tornou-se viávelpara a tecnologia que tínhamos desen-volvido”,relata a pesquisadora.

Inicialmente foi feito o teste com oequipamento na água de lavagem do co-bre,mais fácil de ser monitorada.Nu-

ma segunda fase os pesqui-sadores concluíram que serianecessário instalar quatroequipamentos,um para ca-da metal depositado nas pe-ças durante o processo de re-cobrimento metálico.Osprocessos de eletrodeposiçãoiniciam como níquel.Emseguida,a peça passa pelaágua para retirar o excessode metal.A próxima etapa éo recobrimento com cobre,e novo banho.A seguir elaé recoberta com níquel,enova lavagem é feita.Por úl-timo acontece a cromação.

No processo tradicional,a água corrente entra limpa e sai con-taminada com os metais.No final doprocesso sobra um caldo que,quando ovolume é reduzido,vira lodo.“O equi-pamento projetado funciona como umfiltro,que retém o metal”,explica Chris-tiane.Ele possui basicamente anodos ecatodos,que são eletrodos de carga elé-trica positiva e negativa que fazem,porexemplo,uma bateria funcionar,alémde uma membrana polimérica,que aju-da na otimização do processo.

Os anodos são placas de titânio re-vestidas com óxidos metálicos nobres eos catodos são esponjas de carbono po-roso,que apresentam excelente condu-tividade elétrica.“A esponja de carbo-no vítreo funciona como uma super-fície carregada negativamente paraatrair os íons (elementos com perda deelétrons) de cobre e níquel e retê-los”,diz Christiane.Conforme a água passadentro dessa esponja,o metal fica aderi-do a ela.“Com o tratamento eletroquí-mico,houve economia de 46 mil litrosde água limpa em apenas um dos tan-ques de lavagem das peças.” ■

Um equipamento pro-jetado e desenvolvi-do por pesquisado-res da UniversidadeEstadual de Campi-nas (Unicamp) pararecuperação de me-

tais encontrados na água uti-lizada nos processos de galva-noplastia – um sistema de re-cobrimento metálico de peçasde automóveis e de bijuterias,por exemplo – resultou emmenor quantidade do resíduofinal,em forma de lodo,nes-sa água.Além disso,houvesubstancial economia da águautilizada nos banhos de lim-peza.“Um processo eletroquímico trans-forma os resíduos metálicos novamenteem metais”,diz Christiane de Arruda Ro-drigues,professora da Faculdade de En-genharia Química da Universidade Fe-deral de São Paulo (Unifesp),campus deDiadema,e coordenadora do projeto fi-nanciado pela FAPESP na modalidadePrograma Inovação Tecnológica em Pe-quenas Empresas (Pipe).O desenvolvi-mento do equipamento ocorreu na Fa-culdade de Engenharia Mecânica (FEM)da Unicamp,em parceria com a empre-sa Super Zinco,de Campinas.

O projeto teve início a partir de umaconsulta da empresa,em 1999,que pro-curou a universidade para saber se ha-via alguma tecnologia para remover osmetais das águas utilizadas nos banhos.“Como desde 1997 o professor RodneiBertazzoli,da FEM,estava desenvolven-do um projeto nesse sentido e eu tam-bém estava envolvida na construção deum equipamento em escala piloto,re-solvemos entrar com o Pipe para ava-liar se o processo era viável dentro dascondições da indústria”,relata Christia-ne.Os resultados mostraram que sim.Na época a empresa tinha níveis muito

Menos resíduosENGENHARIA QUÍMICA

>

Cobre e níquel descartados no recobrimento de peças metálicas são recuperados

DINORAH ERENO

Produção de equipamentos pararemoção eletroquímica de íonsmetálicos de efluentes aquosos

MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (Pipe)

COORDENADORA

CHRISTIANE DE ARRUDA RODRIGUES -Unicamp/Super Zinco

INVESTIMENTO

R$ 342.999,98 (FAPESP)

O PROJETO

Metais ficam retidos em uma esponja de carbono poroso

UN

ICA

MP

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ANTROPOLOGIA>HUMANIDADES

Quem não sabeQuem não sabe

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FOTOS EDUARDO CESAR

dançarimprovisa

dançar improvisa

Hip-hop oferece aos jovens da periferia a chance da existência social | CARLOS HAAG

Um rapper, tão anônimo quanto sábio, afirmou que o hip-hop era “a CNNda periferia” (apesar da insistência da mídia, em especial a brasileira, emassociar o movimento à violência e ao crime), ou seja, uma forma de aperiferia expressar suas necessidades de classes excluídas. O hip-hop terianascido em 1968, baseado em dois movimentos: a maneira como se trans-mitia a cultura dos guetos americanos e, daí o nome, no jeito da dança po-pular da época, que reunia saltar (hop) e movimentar os quadris (hip).

Ao chegar ao Brasil, nos anos 1980, a ligação entre cultura, dança e lazer se estreitoua ponto de deixar no ar a pergunta: é um movimento cultural ou político? “Hip-hop é teres direito de discordares do que quiseres/ de certa forma é estar na políti-ca/ não aceitar tudo calado nem desenvolver consciência crítica/ o som que ana-lisa, critica, contesta/ não te esqueças que hip-hop também é festa/ ritmo e poesiaé o que nos caracteriza/ e quem não sabe dançar improvisa!”, define, com precisão,a letra de Hip-Hop, do Boss AC.

“É por meio do canto, da dança e do grafite que os participantes do hip-hopdemonstram suas posições políticas e ideológicas. Para eles, o fazer político nãoestá reservado somente para os que se especializam nessa área. Com suas rimas norap, seus passos no break e imagens transmitidas em seus desenhos reproduzidosnos grafites, estão assumindo uma posição política e fazendo aliança com outrasformas de expressão que são, a um só tempo, políticas, sociais e culturais”, explicaJoão Batista de Jesus Felix, autor da tese de doutorado Hip-Hop: cultura e política nocontexto paulistano, orientada por Lilia Schwarcz e defendida na Faculdade de Filo-sofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Para o pesquisador, o hip-hop é um de-grau a mais alcançado pela população negra e pobre brasileira que fez do seu lazeruma forma de protesto contra a violência e as condições a que são submetidospela sociedade. “Ao saírem dos bailes e irem para as ruas, os espaços públicos, elesestavam rompendo o tênue ‘pacto social brasileiro’. A presença deles na praça erauma afronta ao nosso ‘racismo cordial’ e à idéia de que se toleram (ou não) as de-monstrações deste tipo no espaço privado”, observa o pesquisador, cuja preocupa-ção central era justamente descobrir o que esse movimento social entende porpolítica e o que estava por trás de declarações polêmicas como do rapper Mano

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Brown, do Racionais MC’s, que resumiuseu trabalho de forma inusitada:“Eu nãofaço arte. Artista faz arte, eu faço arma.Sou terrorista”.

Assim, entender essa divisão ou dia-lética é essencial para a compreensão dohip-hop, para além do que retrata a mí-dia.“Os meios de comunicação construí-ram imagens e representações de umaforma muito negativa, do delinqüentejuvenil, como se eles fossem uma espé-cie de inimigo número um das cidades”,analisa Micael Herschmann, da UFRJ,autor de O funk e o hip-hop invadem acena. Para o professor, o divisor de águaspara o movimento foram os arrastõesocorridos em Ipanema, no Rio, entre1992 e 1993.“A partir daquele momen-to, com a intensa veiculação na mídia, ohip-hop adquire uma nova dimensão,colocando em discussão o ‘lugar do po-bre’ no debate político e intelectual dopaís.”As cenas mostrando conflitos en-tre jovens policiais despertaram curio-sidade e preconceito na sociedade so-bre os movimentos da juventude da pe-riferia.“Optou-se, em muitos casos, pe-lo medo, quando o lado político do hip-hop é de conscientização, de criação dealternativas para os jovens da periferianão caírem no crime e nas drogas.” Ou,nas palavras do antropólogo Luiz Eduar-do Soares, “o hip-hop acena com a pazpolitizada, que se afirma com a agres-sividade crítica, isto é, com estilo afir-mativo do orgulho reconquistado”. Paramuitos, porém, essa postura radical fezcom que fosse visto como violento.

“O hip-hop surgiu no Brasil de ma-neira ‘parcelada’, isto é, seus diferenteselementos foram sendo adotados porpessoas que não viam maiores ligaçõescom a dança que praticavam nos bailesblack, que, antes do surgimento do mo-vimento, não assumiam posição polí-tica contestadora explícita”, avalia Felix.“O que não significa que eram ações so-ciais simplesmente com a função de di-vertir, sem outra conseqüência. Afinal,em nosso país, o break e o rap surgiramem locais de lazer e distração da popula-ção negra e pobre, que ia a esses luga-res porque se sentia entre iguais, sem sepreocupar em ser tratada como inferiorpelos demais.”Essa junção entre diverti-mento e contestação foi fundamentalpara a escalada do movimento negro, cu-jas raízes remontam à Frente Negra Bra-sileira (FNB), fundada em 1931, que de-

fendia que “os negros deveriam assumiras etiquetas comportamentais da ‘boa so-ciedade’, o que equivalia a dizer ‘bran-ca’, para que pudessem ser incorporadosao social brasileiro”. Os bailes da FNB,observa Felix, complementavam as ati-vidades políticas de defesa da comuni-dade negra, embora fossem vistos como“apêndices”, e não como instrumentosna construção da identidade dos negros.O lazer, para eles, não contava na lutacontra a discriminação.

S urgido nos anos 1940, o Teatro Ex-perimental do Negro (TEN) era oseu oposto, apostando no resgate dos

valores da cultura negro-africana comoremédio contra o racismo. É com esseespírito que surgiram, nos anos 1960,o Aristocrata Clube, freqüentado pelaclasse média negra, e o Clube 220, paraos trabalhadores e funcionários públi-cos.“O fato de tanto a FNB como o Aris-tocrata e o Clube 220 usarem os bailesem suas atividades mostra como o lazertinha um significado para a populaçãonegra e que esses bailes serviam comoveículo para reflexão, isto é, ‘eles sãobons para pensar’, componentes interes-santes no processo de criação da identi-dade negra”, explica o pesquisador. Ou-tro exemplo de arte mobilizada politi-camente foi o samba cuja nacionaliza-ção, na contramão do esperado,“foi umprocesso de manipulação das elites econtou com a participação de váriossambistas conscientes das vantagens so-ciais que poderiam obter”. Assim, a ele-vação do samba ao trono de “ritmo na-cional”só ocorreu porque fazia parte dalógica de que no Brasil existia, de fato,uma “democracia racial”.

Assim, nota o pesquisador, se o usoda cultura afro-brasileira em termos po-líticos não é novidade na nossa histó-ria recente, o hip-hop inova pela formae pelo paradigma que adotou já nos bai-les black, dos anos 1970, muitos artis-tas como Tim Maia e Jorge Benjor, apósviajar aos EUA e ver como os cantoresnegros aproveitavam as manifestaçõesartísticas para “fazer discursos a seu pú-blico”, passaram também a falar sobrequestões raciais, embora centrando emtemas menos contundentes do que o ra-cismo, como a beleza negra etc. “Essesespaços foram locais de práticas políti-cas, pois neles as pessoas podiam cons-truir suas identidades, mesmo que, ape-

nas dançando e ouvindo músicas, sesentissem menos discriminadas, numaalternativa ao racismo cotidiano, poisnesse lugar não se reporia a hierarquiaracial presente no dia-a-dia”, analisa opesquisador. Segundo ele, no início doséculo XXI, vê-se que tanto o sambacomo a música negra internacional to-cada nos bailes black se prestam à cons-trução de uma identidade negra con-temporânea entre jovens da cidade deSão Paulo.“À primeira vista, parece queo público estava nos bailes black total-mente alienado sobre as lutas pela de-mocratização da nossa sociedade. Umaanálise mais minuciosa revela que elesprocuravam, de outra forma, encontrarcondições para aumentar a inclusão dosnegros na mesma sociedade.”

Mas não é tão fácil dançar essa mú-sica, por melhor que ela soe aos ouvidosdos excluídos.“É conflitante para um jo-vem da periferia abraçar o discurso‘consciente’, pacifista, antidrogas do hip-hop e viver em situações concretas de ex-trema violência policial, de convivênciacom traficantes e de puro e simples de-sespero existencial”, conforme citação deArnaldo Contier, professor de história daUSP, em seu artigo “O rap brasileiro eos Racionais MC’s”. Contier lembra queo hip-hop chegou ao Brasil em inícios dadécada de 1980 por meio do break, para-doxalmente trazido por agentes sociaisdas camadas mais ricas da sociedade.“Al-guns brasileiros que viajavam para o ex-terior ao retornarem ao Brasil introdu-ziram o break nas danceterias dos bair-ros nobres de São Paulo, logo transfor-mado em modismo entre os jovens declasse média”, conta. Posteriormente,continua, é que o break conquistou asruas e as camadas dos excluídos da cida-de por meio da formação de grupos debaile, que se reuniam na praça Ramos e,depois, nas proximidades das galeriasde lojas de discos da rua 24 de Maio.O ideal do rap politizado foi apresenta-do pelo Racionais em janeiro de 1988num show no Parque do Ibirapuera.O movimento se expandiu pela cidadee surgiu, ainda naquele ano, a primei-ra posse, na praça Roosevelt, no centrode São Paulo.

O termo se refere a organizações quecongregam grupos e pessoas que pra-ticam algum dos quatro elementos dohip-hop: a presença dos DJs, os respon-sáveis pela base musical na manipula-

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ção das velhas pick-ups (os toca-discosdesprezados pela elite com a chegada doCD); o MC, a pessoa que fala ou canta apoesia (ao lado do DJ, ele desenvolve orap, abreviação de rhythm and poetry);o break, dança que, reza a lenda, foi ins-pirada nos movimentos dos mutiladosdo Vietnã e que, observa o pesquisador,mostra como os praticantes “usam seucorpo como se ele fosse seu único capi-tal cultural”; e, por fim, o grafite, expres-são de arte de rua explícita cuja propos-ta é a divulgação, da maneira mais am-pla, dos ideais do movimento.A primei-ra posse foi batizada de Sindicato Negro,o que, afirma Felix, demonstra a preo-cupação mais direta com a questão ra-cial. “Com o surgimento do Sindicatotem início,de fato,o hip-hop no Brasil.An-tes dele o rap, o break e o grafite erampraticados somente quando havia umaligação orgânica entre eles. A possibili-dade de ‘amarrar’ essas expressões cultu-rais só surgiu com essa primeira posse.”

Antropofagicamente, o movimen-to de raízes americanas ganhou novo es-pírito no Brasil. “Nos EUA, o hip-hopsurgiu nos bairros e depois ganhou lu-gares mais privilegiados das cidades, en-quanto em São Paulo ocorreu o oposto:primeiro ele acontece nos bairros da pe-riferia, posteriormente se organiza nocentro e depois vai para os bairros e lácresce e conquista sua legitimidade so-cial e política.Atualmente abre, cada vezmais, espaços entre as classes média e al-ta.” O hip-hop igualmente inova na for-ma em que pretende quebrar paradig-mas.“Depois que o ‘choque de gerações’foram superados e os ‘rebeldes sem cau-sa’ foram pacificados pelas tentações dasociedade de consumo, eles se levantampara apresentar ao mundo uma novapauta de exigências que querem ver ma-terializada imediatamente”, observa ohistoriador Rafael Lopes de Sousa, queestá terminando seu doutorado na Uni-camp sobre a “República dos manos”.“Reivindicar mudanças imediatas re-quer organização e pensar em mode-los a serem seguidos. Mas no caso dohip-hop, o engajamento não foi tutela-do por nenhum modelo cêntrico, mas,ao contrário, pela arte da dispersão epela capacidade de desfazer aparênciasque os jovens criaram em suas manifes-tações, a fim de escapar do controle.”As-sim, é justamente o isolamento social

que tem, paradoxalmente, se transfor-mado em estimulantes poderosos parauma criatividade emancipatória semprecedentes na periferia de São Paulo.

“Se, nos anos 1970, os agrupamen-tos juvenis se dividiam entre os enga-jados políticos e os espontâneos das co-munidades hippies, nos dois casos jovensde classe média, a partir do hip-hop o de-sejo de mudança, em oposição às di-mensões políticas que orientavam as ge-rações anteriores, centra-se no apare-cimento espetacular no espaço público,que envolve uma estratégia de choquepela apresentação do inusitado e daagressão”, observa. Desenvolve-se, assim,nota o historiador, uma nova modalida-de de resistência dos indivíduos que, des-crentes das utopias e alijados da partici-pação cívica, forjam práticas desviantese “subversivas”dos caminhos propostosà integração social. É a legítima ira so-cial que canta e exige mudanças, umacobrança, nota Micael Herschmann, que“abandona a costumeira cordialidadedo homem brasileiro”. São jovens, sim,mas não adolescentes típicos.“Essas ex-periências de jovens organizando mo-vimentos sociais se contrapõem à idéiade adolescência como uma fase de re-beldia que antecede a entrada no mun-do adulto. No caso dos ‘manos’, são maisexperiências educativas e formativas,como muitas outras que os sujeitos vi-venciam na sua trajetória de vida”, ex-plica Rosangela Carrilo Moreno, doGrupo de Pesquisa sobre Instituição Es-colar e Organizações Familiares, da Fa-culdade de Educação da Unicamp, e au-tora do artigo “Práticas educativas deprotesto na adolescência”.

M anos unidos em tribos de criativida-de.“A partir do hip-hop as ‘culturasdas favelas’ aparecem não simples-

mente como um subproduto da violên-cia social do país, mas como uma produ-ção e um discurso capazes não só de es-pelhar a realidade dura, mas que tam-bém exprimem a reivindicação da am-pliação da cidadania ao segmento so-cial que habita essas áreas urbanas”,observam Ivana Bentes e Micael Hers-chmann, ambos da UFRJ, no artigo “Oespetáculo do contradiscurso. Espetá-culo?” .“Da moda ao ativismo, da atitu-de à música e ao discurso sociopolíti-co, vemos emergir novos sujeitos do dis-

curso, que saem de territórios estigma-tizados da cidade e ascendem à esferamidiática, trazendo um discurso reno-vado, distante das instituições políticasmais tradicionais e próximo da esfera dacultura.” É preciso aparecer para apre-sentar, como diz o nome do rapper MV(mensageiro da verdade) Bill. “Após acrise das vanguardas artísticas e intelec-tuais dos anos 1970, os protagonistas dohip-hop emergiram com os novos in-telectuais locais, orgânicos, forjados aolongo dos anos 1980 e especialmente dosanos 1990, no bojo de uma cultura po-pular ou minoritária já não idealizadapelas vanguardas e com maior autono-mia”, avaliam os autores. Em resumo,notam, assistimos à emergência de umdiscurso sociopolítico nascido na pró-pria cultura da periferia e “traficado”crescentemente pelo mercado.

“Portanto, essa manifestação assu-me um caráter político, pois é por meiodela que a juventude periférica se mos-tra e representa discursivamente a for-ma pela qual entende a si própria e a rea-lidade na qual está inserida. Desse mo-do, retira da invisibilidade pública inú-meros jovens, ‘olhados sem ver’ como‘perigosos’”, afirma a doutora em lin-güística da Unicamp Adriana CarvalhoLopes em seu artigo “A transgressão dosujeito racializado no discurso do hip-hopbrasileiro”. Para ela, essa incapacidadede “ver” fundamenta-se num argumen-to que encontra na “cor da pele” a suaprincipal justificativa. “O hip-hop rein-venta a negritude, transgride as imagensopressoras atribuídas pela sociedade àjuventude periférica e, assim, lhe ofe-rece possibilidade de existência social.Daí o movimento ter como objetivouma transformação simbólica da socie-dade, alterar algumas representações quedefinem a realidade social e os sujeitosque dela fazem parte.”A oferta é irrecu-sável: novas possibilidades de interpre-tação do mundo e das identidades e umacidadania conseguida por esforço pró-prio. Tudo fruto de uma notável alian-ça entre cultura e política.“Procure a suapaz. Não se acostume ao cotidiano vio-lento, que esta não é a minha vida, estanão é a sua vida. Cheguei aos 27 anos,sou um sobrevivente. Vinte sete anoscontrariando as estatísticas”, avisa Ma-no Brown em Fórmula mágica da paz.Quem não sabe dançar improvisa. ■

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Manuscrito do índice do 14º Livro do Códex de Maimônides, que contém as leis dos reis (Colônia, 1295)

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A PALAVRA PODERIA ATÉ SER A SEMEN-TE DE DEUS, MAS A IGREJA DOS SÉCU-LOS XVII E XVIII NÃO APRECIAVA QUE

a cabeça de seu rebanho fosse arada emdemasia. O próprio Antônio Vieira, queusou a citação de Lucas acima em seu Ser-mão da sexagésima (1655), logo apren-deu que a “agricultura”eclesiástica tinhalimites muito estreitos: preso pela Inqui-sição, o Tribunal do Santo Ofício cassou-lhe a palavra em 1667 por causa de suasidéias milenaristas e por sua defesa dacausa dos judeus, vistos na então anti-se-mita Portugal como “perversa gente”.Vieira se retratou e sobreviveu. Menosafortunado foi um seu discípulo baia-no, o padre Manoel Lopes de Carvalho,nascido em Salvador em 1682 e queima-do vivo, num auto-de-fé, em 1726, apósanos nos cárceres da Inquisição.

“Profundamente influenciado pelopensamento do Padre Vieira, que haviaprognosticado um Terceiro Estado, noqual o uso das cerimônias judaicas se-ria permitido, a Igreja reverteria suas po-sições e concederia aos judeus conver-tidos ao catolicismo o uso de seus ritos,ele tentou criar um sistema teológico emque judeus e cristãos se tornariam um sópovo em uma só religião no reino dePortugal e suas possessões, o chamadojudeu-cristianismo”, explica AdalbertoGonçalves Araújo Júnior, autor da tesede doutorado “No ventre da baleia: omundo de um padre judaizante no sé-culo XVIII”, orientada por Anita No-vinsky e defendida recentemente no De-partamento de História da USP.“Sua vi-da, marcada por uma atitude questio-

nadora diante das principais instituiçõesdo seu tempo, o Estado, a Igreja e a In-quisição, foi uma saga que nos revelauma época em que liberdade e consciên-cia eram privilégios de poucos.” O no-tável no processo do padre Manoel é queseu caso contém um sistemático tratadoteológico, em que o réu fundamenta suasproposições, material inflamável nasmãos do inquisidor Thomas Feio Bar-buda, para quem o padre era uma pe-rigosíssima ameaça ao reino, tamanhaa sua “contaminação pelo judaísmo”.

Mas qual a razão para tanta celeumase ele provinha de uma região da colô-nia tão distante da metrópole? “A Bahia,ao longo dos séculos XVI a XVIII, foium centro judaizante com ambienteonde pairavam o judaísmo e o sincretis-mo judaico-cristão em razão dos mui-tos cristãos-novos e criptojudeus” , ob-serva Anita Novinsky em seu livro Cris-tãos-novos na Bahia. Eles também eramconhecidos como “marrano”, expressãodepreciativa que significa “porco” e lhesera imputada pela Igreja. Neste ano,aliás, completam-se os 500 anos da che-gada desses grupos ao Brasil, quando suaemigração da metrópole lusitana foipermitida.“Gente da nação”,“confessos”,“conversos”,“judaizantes”,“os batizadosem pé”, todos epítetos usados para de-signar os judeus obrigados a abrir mãode suas crenças e tradições, os cripto-judeus surgiram após serem expulsos daEspanha em 1492 pelos Reis Católicos,Fernando e Isabel, indo se refugiar emPortugal apenas para em 1497 nova-mente depararem com o anti-semitis-

mo hispânico. Dom Manuel, emboraadmirador dos judeus, que consideravaessenciais para o progresso da ciênciae da economia lusitanas, ao se casar comuma princesa espanhola, recebeu dos so-gros a ordem de expulsar todos os ju-deus de suas terras.

O rei português, porém, optou poruma solução com “jeitinho brasileiro”.Sabedor da importância dos judeus paraPortugal, fingiu marcar uma data naPáscoa para a expulsão dos hebreus quese recusassem a se converter ao catoli-cismo (os cristãos-novos). Quando che-gou a hora do embarque, alegou-se nãohaver navios suficientes e se determinouentão um batismo em massa dos que ti-nham se concentrado no porto lisboetaà espera de transporte para outros paí-ses, em particular os Países Baixos, queeram tolerantes com os judeus. Surgiuaí a expressão “ficar a ver navios”; o reidecretou não haver mais hebreus em ter-ras lusas e muitos foram arrastados atéa pia batismal pelas barbas e pelos cabe-los. A esperança de dom Manuel eraque, cristianizados, em algum tempoeles se aculturariam e permaneceriamem Portugal. “Mas isso não se deu comfacilidade e nasceu o conceito do crip-tojudeu, aquele que fingia ter aceito ocristianismo apenas para continuar pra-ticando, em segredo, o judaísmo, logotachado pela Igreja de heresia a ser pu-nida com a morte”, afirma Anita No-vinsky em Inquisição, prisioneiros do Bra-sil. Em 1531, com a nomeação do pri-meiro Inquisidor de Portugal, começa-ram as perseguições.

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Do ventre da baleia para a fogueira

Em pleno século XVIII, padre baiano quis unir judeus e cristãos

HISTÓRIA

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A “descoberta” de novas terras noBrasil deu chance aos criptojudeus de selivrarem da morte certa e de poderempraticar, com relativa liberdade, suascrenças.Ao menos até 1591, quando umvisitador inquisitório foi enviado às no-vas terras para recolher indícios sobre ossuspeitos de judaísmo. Antes disso, po-rém, a colônia era um espaço privilegia-do para a resistência criptojudaica, mo-tivada pela relativa harmonia e cumpli-cidade no convívio entre cristãos-novose velhos, possível devido a uma aindapálida estrutura eclesiástica (sem um tri-bunal da Inquisição), bem como pelocotidiano duro para todos os credos.Havia doenças, índios hostis, falta de co-mida e água e problemas em demasiapara que os colonos se dessem ao luxode perder tempo e energia em querelasreligiosas que só tinham sentido (se éque o tinham...) na Europa, tão distan-te do Novo Mundo. Ao mesmo tempo,por autorização de dom Manuel, os ju-

deus convertidos puderam adotar no-mes cristãos como os da população efe-tivamente católica ou, então, adotar so-brenomes ligados ao local onde mora-vam, à fauna e à flora, bem como a de-signação de sua ocupação profissional.

Tradições - O tempo, no entanto, fezcom que várias das tradições fossem es-quecidas ou reinterpretadas, seja por ne-cessidade, seja pela ausência de rabinose de livros sagrados, fundamentais nu-ma religião intelectualizada como a ju-daica. Sabia-se algo sobre o shabat, so-bre feriados, sobre a proibição de comercarne de porco ou de peixe sem escamas,mas a maior parte dos preceitos foi es-quecida ou observada erradamente.Ainda assim, os criptojudeus mantive-ram o hábito de “fazer esnoga” (sinago-

ga em português arcaico), ou seja, sereunir para as celebrações religiosas ju-daicas. Em geral, os “templos”eram im-provisados nos engenhos mais distantesou mesmo em casa, à porta fechada. Erapreciso cuidado para não ser notado edenunciado pelos vizinhos.

No engenho de Camarajibe, em Per-nambuco, por exemplo, havia a figura do“campainha”: uma pessoa andava pelavila descalço com um pano amarrado aodedão do pé, sinal de que a reunião esta-va para começar. Nas “esnogas secretas”havia um revezamento: enquanto algunsrezavam outros vigiavam a entrada paraanunciar a chegada de estranhos. Hou-ve mesmo um casamento judaico nes-sa sinagoga. Mais fácil de preservar era oshabat e entre os que o faziam estava opoeta Bento Teixeira, autor de Prosopo-péia.Ainda assim, nem tudo eram flores.Professor, o poeta sempre estava ausen-te das aulas nos sábados, o que lhe ren-deu acusação de atos “judaizantes”.

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Antiga rua dos Judeus, em Pernanbuco

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Tal qual na maioridade judaica, ocriptojudeu era informado de sua ances-tralidade aos 13 anos e, ao mesmo tem-po,avisado dos perigos de praticar sua re-ligião abertamente.Tudo podia levar umadenúncia. Fazer refeições em mesa bai-xa em sinal de luto indicava um cristão-novo. A mesma mesa, porém, ao ser do-tada de gavetões, em Minas Gerais, dis-farçava a religião do morador, pois seacreditava que elas serviam para escon-der a comida e, dessa forma, não precisardividi-la com estranhos, símbolo de so-vinice. Em verdade, esconder a comidanas gavetas era uma forma de não levan-tar suspeitas sobre a dieta específica queseguia os mandamentos dietéticos judai-cos. Até mesmo na morte era precisoatenção. O moribundo, ao sentir a chega-da do fim, chamava o “abafador”ou “afo-gador”, figuras que asfixiavam os doentesa fim de que, em sua inconsciência, nãotraíssem suas raízes judaicas ou revelas-sem nomes de outros criptojudeus. Ex-ternamente eram cristãos exemplares.

Aliança - Em 1643,Vieira chegou a en-viar ao rei dom João IV uma proposta,em que advogava uma aliança com osmercadores e financistas cristãos-novoscomo forma de tirar Portugal da linhado desastre econômico a que se dirigia,permitindo o retorno deles à metrópo-le. Mas o anti-semitismo do senso co-mum estava muito incrustado na men-talidade lusitana do tempo. “Daí a me-dida da ousadia do padre Manoel emtentar ir a Roma e propor ao papa Cle-mente XI um projeto de reforma daIgreja à luz do judeu-cristianismo”, no-ta o pesquisador. Segundo ele, as princi-pais teses preconizadas pelo padre eram:a observância do shabat no lugar do do-mingo cristão; a reforma do calendáriolitúrgico cristão, para dar maior atençãoà Páscoa, de acordo com o calendário ju-daico; a observância das leis dietéticasjudaicas; a circuncisão; a dúvida sobre amessianidade de Jesus.“Ele se refere tam-bém, no tratado, à situação dos cristãos-novos portugueses; o sofrimento comoprovação divina aos eleitos; e, horror, aresponsabilidade do apóstolo Paulo nadeformação dos ensinamentos de Jesuse na difusão destes no mundo gentílico.”

“A separação entre judeus e cristãoscomeçou pouco depois do ano 70 d.C.Paulo de Tarso, fariseu convertido aocristianismo, no esforço de ‘autocom-

preensão’ da Igreja primitiva, descon-siderou o judaísmo como caminho parachegar a Deus. Para isso bastava a fé emCristo”, explica. Essa pregação paulina,continua o professor, era herética paraos judeus, porque Paulo sustentavaque Cristo havia ab-rogado a lei mo-saica para todos, estabelecendo uma no-va aliança em que só deviam conservaras observâncias mosaicas na medida emque serviam ao proveito das almas. O ju-daísmo de Cristo precisava sair de ce-na para o cristianismo vingar como re-ligião. O padre Manoel foi mexer exata-mente nesse vespeiro eclesiástico. “As-sim como a lei é o fundamento da fé deIsrael, para ele ela é a base, o alicerce dafé cristã, não sendo possível conceberum cristianismo desprovido da obser-vância da Torá judaica.”

Não contentes em ter as idéias “heré-ticas”do padre por escrito, os inquisido-res foram atrás das “raízes judaicas” doréu.“Os prisioneiros da Inquisição eramqualificados segundo a quantidade desangue judaico que tinham nas veias,pre-sumindo-se a heresia proporcional a es-sa porcentagem”, lembra o pesquisador.No futuro, outros iriam se basear nessemesmo paradigma nefasto. Até a avó dopadre Manoel foi usada como prova deque ele tinha sangue judeu. Ele não seabalou. “A grande afinidade do padre

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CARLOS HAAG

Ketub, contrato

judaico decasamento,

de 1714

com o judaísmo o fez reivindicar sua con-dição judaica, chegando mesmo a convi-dar os inquisidores a confirmarem, porexame, que ele era circuncisado.”

Porém meses nos cárceres do SantoOfício tiraram dele a agudeza e a luci-dez.“Após seis meses preso, ele começoua se autodenominar o Messias. Para sus-tentar sua messianidade em detrimen-to da de Jesus, afirmou que o Messiascristão não tivera humanidade real, co-mo exigiam as profecias bíblicas, masque foi espécie subalterna de homem,porque não foi propagado do sêmen deAdão.”Para o pesquisador, é difícil saberse o padre perdera a razão ou se adota-ra uma lógica messiânica, em que a res-tituição da harmonia côsmica só ocor-reria com um mediador terrestre. Eis o“ventre da baleia”.

“Engolido por uma baleia, todos de-ram Jonas por morto, mas que impor-tava que ele tivesse morto no conceitodos homens se ele estava vivo (aindaque encoberto) no ventre da baleia. ParaAraújo Júnior, “a história do padre re-presenta a corrente de pensadores quedefendiam uma transformação radi-cal para uma sociedade mais justa”. Coi-sa, ainda hoje, de difícil digestão paraa maioria dos cetáceos. ■

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SOCIOLOGIA

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O ABORTO

do male a origem

GONÇALO JUNIOR

Relação entre interrupção da gravidez ecriminalidade defendida por governador do Rio causa polêmica e é condenada poracadêmicos que estudam os dois temas

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Aidéia partiu do governador Sér-gio Cabral Filho, no final de ou-tubro: legalizar o aborto comoforma de combater a violênciano Rio de Janeiro. “Tem tudo aver com violência. Você pega onúmero de filhos por mãe na La-

goa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier eCopacabana, é padrão sueco. Agora, pe-ga na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão.Isso é uma fábrica de produzir marginal”,disse ele em entrevista exclusiva ao siteG1. Para fundamentar sua afirmação, Ca-bral Filho recorreu aos norte-americanosSteven Levitt e Stephen J. Dubner, auto-res do livro Freakonomics, no qual defen-dem a tese que liga aborto com a reduçãoda criminalidade nos EUA.

Se a interrupção da vida no útero cos-tuma provocar debates enfurecidos numpaís de maioria católica como é o Brasil,sugerir que a violência está relaciona-da à pobreza e pode ser combatida na“origem”deu ainda mais o que falar. Nauniversidade, então, especialistas da áreaalertam para que se tenha cuidado ao to-mar esse tipo de posição. Mestre pela Fa-culdade de Educação e advogado, Edi-son Prado de Andrade avalia que tra-tar dois graves problemas da sociedadecontemporânea dessa forma é uma in-terpretação reducionista da realidade so-cial e seu efeito mais nefasto é impedirque se compreendam os verdadeirosmotivos pelos quais existem nas propor-ções que se tem observado.

Autor da dissertação “Gestão públi-ca municipal e o problema do ato infra-cional”, Andrade afirma que “segura-mente”essa abordagem representa umaforma ideológica, no sentido marxistado termo, de explicar a realidade e pro-por mudanças sociais, pois é um meio deocultação do real. Assim como acontececom a redução da maioridade penal que,para parte significativa da sociedadebrasileira, seria uma forma extrema-mente eficaz para reduzir drasticamenteos índices de criminalidade. O binômiocriminalidade-aborto, prossegue ele, tam-bém está eivado de conteúdo ideológicoe desvia o foco para as análises e mu-danças que se fazem necessárias.

Uma vez que a sociedade atual capita-lista “é extremamente complexa”, explicaele, não existem respostas fáceis para solu-cionar seus problemas.“Apenas se nos de-bruçarmos com vontade para as verdadei-ras causas de nossas mazelas e desenvol-

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vermos a coragem e determinação paraseu enfrentamento, seremos capazes de fa-zer com que a criminalidade subsista ape-nas dentro de seus parâmetros aceitáveis enormais.”Na opinião do pesquisador,den-tre os aspectos que devem ter relevânciana discussão estão o tráfico de entorpecen-tes e o desemprego.“E muitos outros quesão temas que só podem ser analisados sobuma perspectiva real se compreendermosa crise fundamental existente.”

Para Andrade, o problema do ato in-fracional e da criminalidade – que sedá não apenas entre os mais pobres,

como geralmente se pensa ou afirma,mas também entre os provenientes declasses mais privilegiadas da popula-ção – não pode ser reduzido a uma fór-mula jurídica pura que o concebe ape-nas em termos de vontade de praticar oato contrário ao direito e à lei, e que ex-clui inteiramente os fatores sociológicose psicológicos ligados ao problema. “Opreconceito existe na medida em que éfruto do desconhecimento, mas, na ver-dade, há mais do que preconceito.”

A criminalização da pobreza, acres-centa ele, é um fenômeno tradicional ereacionário da sociedade brasileira.“Es-ta vive comprometida com a manuten-ção das estruturas sociais vigentes e queargumentam em favor das políticas re-tributivas do tipo lei e ordem fundadasna repressão dos crimes e na aplicaçãorigorosa das leis penais, e fazem vistagrossa para a quase que total ausênciade reais políticas redistributivas.”

Aborto e criminalidade devem serdiscutidos separadamente para a soció-loga e doutora em saúde pública KátiaCibelle Machado Pirotta, autora de umatese de doutorado sobre o comporta-mento reprodutivo e de seu universosimbólico entre jovens universitários daUniversidade de São Paulo (USP). “Aproposta de legalização do aborto paradiminuir a criminalidade não ajuda nodebate sobre essas questões”, enfatiza.Do ponto de vista histórico, a descrimi-nalização do aborto, lembra ela, é umademanda do movimento feminista e dealguns setores da saúde, que vem sen-do defendida através de uma extensaagenda de mobilização.

Um dos pilares dessa mobilização,afirma Kátia, é o tratamento do abortoprovocado como uma questão de saú-de pública. “A interrupção da gravidez

não é um fato novo, essa prática sempreexistiu nas sociedades em diferentes tem-pos históricos. Os estudos sobre a mag-nitude do aborto provocado estimam emmais de 1 milhão o número de abortospor ano, no Brasil. No entanto, realiza-dos clandestinamente, sem nenhum tipode responsabilização sobre as condiçõesdas clínicas ou sobre danos à saúde damulher.” Assim, as seqüelas do abortorealizado em condições inadequadas in-cluem infecções, infertilidade e até a mor-te de milhares de mulheres todos os anos.“São as mais pobres as que mais se sujei-tam a essa situação, pois contam commenos recursos para realizar um abor-to em melhores condições.”

Discutir a legalização do aborto comoforma de diminuir a criminalidade, des-taca Kátia, é o mesmo que tratar da este-rilização de mulheres para diminuir a po-breza. Esse tipo de discurso, na sua opi-nião, está sempre presente no imaginá-rio social – a idéia era que se as mulherespobres tivessem menos filhos a pobrezareduziria.“Ora, a taxa de fecundidade na

sociedade brasileira caiu fortemente nasúltimas décadas, sendo hoje de dois filhospor mulher. Estamos próximos do nívelde reposição da população. Se a pobrezareduziu, é outra história. Dependendo-sedo que se considera como pobreza, queafinal é uma construção social e não podeser definida por critérios fixos e imutáveis.”

Em vez de ligar aborto com crimina-lidade, Kátia sugere que seja dada ên-fase à questão dos direitos reprodu-

tivos. Trata-se, observa ela, de um conjun-to de direitos e princípios que orientamo tratamento das questões ligadas à vidareprodutiva, formulados na ConferênciaInternacional sobre População e Desen-volvimento, ocorrida no Cairo, em 1994,e na Quarta Conferência Mundial sobreas Mulheres: Ação para Igualdade, Desen-volvimento e Paz, em Pequim, em 1995.“Essas conferências representam um im-portante avanço para o tratamento dasquestões ligadas à reprodução e sexuali-dade, considerando-se o princípio do Es-tado laico, a defesa da cidadania e o apro-fundamento das relações democráticas.”

Os direitos sexuais e reprodutivos,ressalta a pesquisadora, são uma conquis-ta da humanidade e representam ummarco ético nas questões ligadas a gê-nero, reprodução, aborto, planejamen-to familiar, entre outros. “O reconheci-mento da autonomia da pessoa para to-mar decisões sobre as questões relativasà sua vida reprodutiva e sexual é o pon-to-chave das Plataformas do Cairo e dePequim. Essas plataformas foram reco-nhecidas pela comunidade internacionale o Brasil é um dos países signatários –que se comprometeram a incorporar es-ses princípios na sua agenda social e po-lítica, e no seu ordenamento jurídico.”

A questão da criminalidade envolvevariáveis importantes, muitas das quaisrelacionadas como a ineficácia de açõesestatais diversas, na opinião da sociólogae professora Maria Inês Caetano Ferrei-ra, que fez doutorado sobre homicídiosna região do bairro de Santo Amaro, SãoPaulo.“O discurso do governador cario-ca, infelizmente, contribui para a disse-minação do preconceito contra popula-ções residentes em favelas e bairros de po-pulação empobrecida. Fato que não pro-cede, pois a maioria dos moradores des-sas localidades não é criminosa”, avalia.

Para Maria Inês, é difícil e perigosoestabelecer também uma conexão direta

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entre desemprego e/ou pobreza com acriminalidade. A pobreza tradicional, dizela, bastante comum no Brasil rural dé-cadas atrás, por exemplo, não remete acenários de violência como atualmentese nota em metrópoles como a do Rio deJaneiro e de São Paulo.“Há variáveis quedevem ser consideradas nesse tema. Po-rém, não parece difícil concluir que ocombate ao tráfico de armas e drogas, porexemplo, remete diretamente ao fenôme-no da violência nos tempos atuais.”

Violência e criminalidade são temasmuito próximos, mas não idênticos, se-gundo ela. Em sua tese, buscou com-preender os motivos das elevadas taxasde homicídio na região da periferia daZona Sul da capital paulista. Investigouas mortes entre família, amigos, vizinhos.Enfim, os vários tipos de motivos queprovocam o homicídio. Concluiu que oo modo precário de inserção material elegal dessa população contribui para asaltas taxas de homicídio. “Isso porque ainserção precária resulta em um viverinstável e vulnerável, contra o qual a po-pulação tem como alternativa a organi-zação de redes de solidariedade ancora-das em uma ordem incapaz de responderaos prejuízos dessa precariedade.”

A pesquisadora ressalta que a inter-pretação sobre a violência se relacionacom a posição dos grupos na socieda-de. Porém, no caso do governador cario-ca, ele não representa apenas um grupomas toda a sociedade do estado do Riode Janeiro.“A sua posição é bastante con-servadora, atribuindo ao uso da força co-mo a estratégia mais eficaz no combateao crime. Uso da força, claro, contra aspopulações de determinadas regiões. Tal-vez a defesa dessa posição agrade a umaampla população. O problema é se o usoda força implicar abuso de poder e des-respeito à lei.”

C omo sugestão para reduzir a crimi-nalidade, Maria Inês prefere indicar“o mínimo”, que talvez já contribui-

ria bastante: o emprego eficaz da forçapolicial, dentro dos limites da lei, nocombate ao tráfico e, sobretudo, estabe-lecer uma relação positiva do Estado coma população. Desse modo, justifica a pes-quisadora, busca-se que espaços, comofavelas, por exemplo, não se tornem lu-gares onde grupos que usam da força setornem “donos”, impondo as suas pró-prias “leis”, uma ordem hierárquica, de-

sigual e violenta para os moradores emgeral. “Para tanto, a oferta de serviços eequipamentos públicos é essencial.”

Autor de uma tese sobre mulheresencarceradas, o sociólogo Hélio Rober-to Braunstein teme que a proposta de le-galização do aborto feita pelo governa-dor carioca possa desencadear uma po-lítica pública aos moldes da eugenia,“emque a lógica subliminar estaria calcadano controle de natalidade das famíliaspobres, talvez encaradas como ameaça-doras, criminogênicas, segundo o pensa-mento positivista, e atualmente em altano Brasil e no mundo, diga-se de passa-gem”. Portanto, algo que poderia ser ade-quado enquanto política de saúde e res-peito aos direitos das mulheres na verda-de pode revelar e desencadear uma estra-tégia de dominação sobre as famílias e asmulheres cariocas mais pobres.

Braunstein observa que existe “clara-mente” uma confusão nessa proposta dedebate, pois a questão da legalização doaborto está ou deveria estar em discussão

no âmbito das políticas públicas de saú-de e dos direitos das mulheres, e não dasegurança pública. Em sua pesquisa, ob-serva ele, não há nenhum dado específi-co em relação à questão do aborto, porémexiste um dado quantitativo relaciona-do à questão que acredita ser importan-tíssimo numa análise qualitativa e que in-dica o número de filhos das 353 mulhe-res da amostra (então, encarceradas).

Oestudo revela que 46,17% das presi-diárias ouvidas têm apenas até dois fi-lhos, e que 21,25% não têm filhos. So-

mente 13,03% das entrevistadas tinhamquatro ou mais filhos. Outros dados con-siderados por ele importantes apontamque 61,48% delas já haviam exercido al-guma atividade profissional antes de irpara a prisão, e que 25,21% trabalharamprecocemente antes dos 14 anos.

A experiência profissional por maisde 15 anos de atuação em instituições pe-nais para adultos e adolescentes e, prin-cipalmente, a pesquisa por ele realizadaindicam para Braunstein que as maiorescausas da criminalidade no Brasil estãorelacionadas às ausências consistentes epermanentes de políticas públicas inte-gradas nas esferas da educação, da saú-de, da cultura, do esporte, da justiça, daeconomia, do trabalho, do bem-estar so-cial e da segurança pública. “Como nocaso do governador do Rio, as propostassão pontuais e emergenciais, fragmenta-das e inconsistentes.”

O combate à criminalidade, explicaele, deve ser feito em dois níveis. Primei-ro, remediativo e emergencial, precisaconter políticas públicas consistentes epermanentes de repressão ao tráfico, aoporte de armas e à corrupção nas maisdiferentes esferas. Depois, o de policia-mento. Além disso, é preciso uma políti-ca adequada de punibilidade com vis-tas à reintegração social, e não meramen-te punitiva e reprodutora da violência.

Outro aspecto importante que deveser priorizado, destaca Braunstein, seriao tratamento de dependentes químicoscomo parte de uma política pública desaúde além de ações de empregabilidadepara a população. Deve-se também, numsegundo nível, que ele coloca como prin-cipal, buscar algo preventivo, de médio elongo prazo, que se faz com políticas pú-blicas de Estado consistentes, permanen-tes e integradas. Nesse discurso não cabefalar em aborto. ■

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RESENHA::

É escancaradamente polê-mico,pensado para pro-duzir debates,o novo li-

vro do antropólogo e poetaAntonio Risério, A utopiabrasileira e os movimentos ne-gros. E é ao mesmo tempodenso,erudito,refinado nasconstruções de um pensa-mento que faz um percursofecundo do reconhecimento,da reafirmação,da mesti-çagem no Brasil – em sua existência real e cultural – àpostulação da efetiva possibilidade de montagem deuma democracia racial verdadeira neste país.Aí esta-ria a utopia a que se refere o título do livro,numa di-mensão que ultrapassa de muito a questão racial pro-priamente para se apresentar como pilar fundamentalde um projeto de civilização brasileira.“Muitos acredi-taram que aqui existia,de fato,uma democracia ra-cial.Outros,não.Entre um extremo e outro,a socie-dade brasileira,de um modo geral,passou a querer seressa democracia exemplar,radicalmente oposta ao cruele vergonhoso apartheid norte-americano.E assim a de-mocracia racial acabou se convertendo numa espéciede desejo coletivo ou de sonho central da mitologia na-cional brasileira”,diz Risério no “toque final”que nosoferece (p.422).Tudo indica,acrescenta ele,que “é pos-sível caminhar para sua realização mais plena.Para apassagem da ‘democracia racial’à democracia racial”,mesmo que de forma lenta e gradual e atravessando ain-da muitas batalhas.“Utopia?”,interroga-se,para respon-der imediatamente:“Sim.Mas utopia realista”.

Não há ingenuidade intelectual nessa afirmação.Elaenfatiza uma idéia sofisticada que só se apresenta porinteiro depois que o autor completou sua bem embasa-da investida,em termos teóricos e práticos,contra o rí-gido binarismo importado nas últimas décadas do pa-drão norte-americano,aquele da one drop rule que trans-forma em negro todo mundo que não seja totalmentebranco,que tenha uma gota que seja de “sangue negro”correndo em suas veias.Nessa investida com perspecti-va histórica,Risério examina por dentro e com rarariqueza de informação em relação aos ensaios brasi-leiros que examinam o tema,como se construiu o apar-theid nos Estados Unidos e como os deuses africanos,digamos assim,“morreram”em terras norte-america-nas,abrindo um espaço descampado para que sua po-

pulação negra construísse aliseu próprio cristianismoprotestante.Toma as indica-ções de outros autores de queos escravos negros nos EUAencontraram em Jesus umaidentificação,antes de dizerque “podemos falar da relei-tura da Bíblia a partir de umaperspectiva negro-escrava”,e

concluir que “logo procedimentos de extração africanavieram à luz.No canto,na dança,no transe.Nas palmas,na cadência marcada com os pés,nos movimentos cor-porais.Na veemência expressiva do culto”(p.142).É as-sim que “negros e negromestiços norte-americanosforam extraordinariamente inventivos,sim – mas nacriação de uma variante religiosa do cristianismo:o cris-tianismo protestante negro dos EUA”(p.144).

Totalmente diversa é a experiência brasileira,a prá-tica da construção religiosa e cultural,para falar de for-ma mais ampla,dos escravos negros no Brasil.E Risériodevassa essa experiência,vai às fundações dos terreiros decandomblé,para encontrar,entre muitas outras,as evi-dências de que o panteão de seus orixás é uma constru-ção inteiramente brasileira,sincrética e,em larga medi-da,mestiça.Os deuses africanos não se encontravam reu-nidos lá, a priori. Em seu percurso rumo à utopia que vis-lumbra,manejando transdisciplinarmente noções deciência política,lingüística,semiótica,antropologia,esté-tica e o que mais lhe pareça necessário para chegar ao fimdo caminho,Risério reexamina os movimentos negrosmais remotos da experiência brasileira,da resistência dosescravos pela fuga,pelo suicídio,revoltas organizadas eformação de quilombos às lutas abolicionistas.Detém-sea seguir nos traços dos movimentos negros mais recen-tes,reconstituindo como eles se desdobram desde a dé-cada de 1920 até os nossos dias,com o largo interregnodos anos mais duros da ditadura militar.Em todo essepercurso,ele não cessa de insistir que “somos uma gen-te mestiça sim.Mas fruto de uma mestiçagem entre desi-guais.O negro foi recuperado no plano do pensar bra-sileiro.Mas não no plano da prática.Enquanto tais pla-nos não se corresponderem,haverá razão para a crítica,acondenação e o protesto”(p.387).Uso do regime de co-tas? Talvez,mas sem essa do binarismo do preto e bran-co. De qualquer sorte,Risério pensa que já nos encontra-mos na estrada,“rumo à frátria racial brasileira”.

Rumo à frátria racial brasileira

A utopia brasileirae os movimentosnegros

Antonio Risério

Editora 34

440 páginasR$ 54,00

MARILUCE MOURA

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LIVROS::

Entre o coração e a técnica

Gerson Ferreira FilhoEditora Annablume170 páginas, R$ 25,00

O livro é um saboroso estudo de casosde projetos tecnológicos que tiveram a marca do autor entre 1970 e 1980,quando ocupou,entre outros cargos,a presidência da Finep.Num momento

em que o Brasil precisa tanto de uma base de ciência e tecnologia para o seu crescimento,a experiênciapassada de Gerson é uma bússola para que não se repitam erros antigos e que os acertos sirvam de inspiração aos governantes atuais.

Editora Annablume (11) 3812-6764www.annablume.com.br

Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil 1930-1970

Wilson CanoEditora Unesp 384 páginas, R$ 48,00

Desde a década de 1960,Wilson Cano,doutor em ciências econômicas pela

Unicamp,tem-se dedicado ao exame da questão regionalbrasileira.A tese de doutorado já clássica Raízes daconcentração industrial no Brasil, sobre o período 1850-1929,tem continuidade neste livro que traz a sua tese de livre-docência (1982),que tem por eixo a integraçãodo mercado nacional e as relações inter-regionais.

Editora Unesp (11) 3242-7171www.editoraunesp.com.br

Elos partidos: uma nova visãodo poder militar no Brasil

Oliveiros S. FerreiraEditora Harbra 594 páginas, R$ 65,00

Os elos entre civis e militares no Brasilsão traçados nesse livro através deinúmeros depoimentos,transcrição

de memórias e diários dos personagens,além denarrativas de observadores que viveram o período até março de 1964.Confrontando visões de mundoparecidas mas diferentes versões dos fatos,o autor expõea história para que o leitor faça seu próprio juízo.

Editora Harbra (11) 5549-2244 www.harbra.com.br

Fazer roupa virou moda

Wanda MaleronkaEditora Senac 232 páginas, R$ 45,00

Wanda Maleronka faz uma espécie de viagem no tempo e na literaturatrazendo de volta os costumes,a estéticae os valores de décadas passadas a

partir de uma aprimorada pesquisa que tem como pano de fundo a indústria da costura em São Paulo.O universo feminino,sociologia e moda misturam-se adiversas fotos de época e uma linguagem clara abordandoa vida de mulheres ligadas aos apelos da moda.

Editora Senac (11) 2187-4450 www.editorasenacsp.com.br

A passagem do três ao um: crítica literária, sociologia, filologia

Leopoldo WaizbortCosac Naify 352 páginas, R$ 49,00

A partir do conceito de Mimesis dofilólogo Auerbach que trata a realidade

exposta na literatura ocidental e a sua influência noconjunto da obra do crítico brasileiro Antonio Candido,o autor dedica-se ao realismo peculiar de Machado de Assis,analisando as interpretações clássicas de Raymundo Faoro em A pirâmide e o trapézioe de Roberto Schwarz em Ao vencedor as batatas.

Cosac Naify (11) 3218-1444www.cosacnaify.com.br

Oswald de Andrade: biografia

Maria Augusta FonsecaEditora Globo 392 páginas, R$ 33,00

Reedição da biografia de um dosmaiores nomes do modernismobrasileiro.Maria Augusta não só desenha um perfil individual

de Oswald,como faz um retrato do Brasil.O livroesmiuça vida e obra do poeta traçando seu percursoentre sucessivas crises econômicas e encontros edesencontros amorosos.Traz também o mérito deexplicar o silêncio na produção poética do modernistaaté os anos 1960.

Editora Globo (11) 3767-7880 www.globolivros.com.brFO

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Devir

OLIVIA MAIA

Encontrara o documento em viagem ao Rio de Janei-ro, na casa de família descendente de um qualquer título denobreza.Concederam-lhe aqueles papéis velhos em quehá muito ninguém mexia,em uma linguagem que ninguémda casa compreendia.

E não seria impossível pensar que um grupo de incas hou-vesse escapado do conflito com os espanhóis,tomado o rumodo Atlântico,e.Mas os guaranis? Aceitei ajudar.Que fosse es-sa busca pelo inimaginável,capaz de me atirar fora da rotina.

Foram semanas em livros e antigas anotações.As des-crições que Bernardo me transcrevia e enviava,diariamen-te, faziam crescer uma alegria perturbadora.Era possível? In-cas e guaranis.Buscava inconscientemente uma qualquer in-coerência.Buscava? Bernardo preparava o texto para publi-cação,confiante com todas as minhas confirmações.Liga-va-me todos os dias pedindo informações sobre esse ou aque-le detalhe,e buscava me alegrar com as promessas do nomena capa do livro,e as glórias da academia.

Interessava-me a academia? Formado em antropologia,por mais de vinte anos dava aulas de história para a quintasérie em uma escola municipal.Divertiam-me os livros exa-gerados sobre conspirações e os documentários sobre enig-mas da humanidade.A História me aborrecia,a incredulida-de da academia e os métodos científicos.

Então à noite enchia-me de vodca,e era quando me pu-nha a tentar justificar minhas desconfianças.Quando inven-tava de questionar “e se...”,porque de certa forma doía-meesse choque com uma civilização que nunca mais.E acho quesentia raiva desse jesuíta,que burlou a cronologia e topoucom o passado,e ousou responder ao meu questionamen-to. E deixou para trás um manuscrito.

Sabia que precisava verificar a coerência histórica do ma-nuscrito,e pensar nisso parecia ir contra qualquer princí-pio meu que eu desconhecia. Século XVIII. Era ilusão, mas.

M ais de vinte anos fugindo de tudo que poderia trazer devolta a academia.E então era preciso voltar,pisar outravez sobre aquilo que sempre desprezei e me dedicar a es-

tudos em uma biblioteca de livros velhos e cansados.MasBernardo sabia como chamar minha atenção.“É um desafio,Michel”,disse,e tinha-me à sua disposição.

Bernardo estendeu sobre sua mesa um mapa do Brasil gas-to e apontou o dedo em um canto do estado do Mato Gros-so,fronteira com o Mato Grosso do Sul.“Preciso de sua aju-da.Só há um documento,um relato do jesuíta João CarlosFernandes de Toledo,que se perdeu da missão.Começo doséculo XVIII.”

Lembrei a história do caminho de Peabiru.Que poucosaceitam essa expansão inca rumo ao Atlântico,e o possívelcontato com os índios brasileiros.E era o que Bernardo pro-punha:um relato feito de enigmas sobre uma comunidadeindígena,intocada pela civilização branca e enfiada em umespaço ao norte do Pantanal,protegida por uma queda de rioe um paredão rochoso.E que fosse então um povo guarani-inca, um povo que se fazia no encontro das duas culturas, eque por certo desapareceu sem deixar rastros.

Bernardo me conhecia,e por isso chamou a mim.Equem mais daria crédito a manuscrito assim tão imprová-vel? Sabia de minhas manias,e que isso sempre me inte-ressou,por seu teor de fantástico impossível;o que será parasempre hipótese de trabalho.Ele não sabia de incas e eufazia de enigmas insolucionáveis um refúgio.Mas o pontoera outro,sobre o qual Bernardo tinha o dedo no mapa:ao norte do que seria o tal caminho inca,para acima dorio Paraná.A geografia do Peabiru me escapava.Era? Sen-ti arrepiar os cabelos na nuca.

Para o professor Heitor Megale

FICÇÃO…

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A família que antes o guardava nada sabia. Fui ao Pateo doColégio. Conversei com um senhor sorridente, que me expli-cou dos problemas que haviam sido criados com a expul-são da ordem, e porque o próprio Pateo só havia sido de-volvido em 1953. Repeti-lhe o nome do jesuíta.

O padre prometeu que ficaria com o nome para investi-gar. No mesmo dia Bernardo enviou-me uma cópia fac-sími-le do manuscrito, mais o que já tinha de sua transcrição. Es-tava pronto para divulgar sua descoberta.

Não tardaram os jornalistas e as especulações, e repórte-res de televisão que procuravam Bernardo para uma prévia ex-clusiva do que havia descoberto. Era essa busca desesperada poruma Atlântida, uma descoberta mirabolante quando o homemjá havia ocupado todos os cantos mais obscuros do planeta.Ber-nardo fazia-se de desentendido, dizendo que muito ainda pre-cisava ser pesquisado e confirmado. Uma matéria com a ima-gem de um fólio do manuscrito estava para sair no jornal.A co-munidade científica era um murmúrio de incertezas.

Minha alegria escondia-se. Passaram-se duas semanas e adesconfiança virou um incômodo crescente. Era incompa-tível aquele tempo perdido estampado em uma folha do jor-nal, feito tão realidade. Incas e guaranis?

O padre entrou em contato e fui ao seu encontro. Des-cobrira não o jesuíta do século XVIII, mas um historiador doXIX. Juan Carlos Fernandez. Um espanhol que veio ao Bra-sil por volta de 1820. Dele tinham documento porque doa-ra quantia alta, e era amigo de certo bispo.

Desconcertado, fui à descoberta. Dele havia registros e ar-tigos pretensiosos em uma publicação carioca pequena. Fa-lava de regiões de refúgio inca em território brasileiro, ondehaveria muito ouro e outras riquezas jamais imaginadas porPizarro. O que senti foi um alívio. João Carlos Fernandesde Toledo. O espanhol, Juan Carlos, nascera em Toledo, Es-panha. Qual o limite de uma coincidência?

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Seria possível forjar um manuscrito dessa forma?Mas bastaria uma análise química do papel. Tive certe-

za. Peguei o carro e segui rumo à universidade. Eis o que Ber-nardo tinha: um documento oficial com assuntos imaginá-rios. Um texto de ficção, como aqueles franceses da décadade sessenta que alardeavam teorias de conspiração. As pirâ-mides construídas por alienígenas.

Mas o que nos restava?Parei em frente do prédio da faculdade, sentindo de re-

pente tudo o que senti quando o olhei aquela última vez,aos 22 anos, certo que nunca mais voltaria. O que eu estavafazendo? Estava cansado das dúvidas, da investigação e doquestionamento das fontes. Antes ainda as certezas cegas dosque falam bobagens e inventam o que nunca existiu. Que meimportavam as verdades?

Porque História é religião; é preciso fé. E Schiller, sobrea religião, disse: quadros de fantasia, enigmas sem solução,engodos do remoto. O remoto se faz quase o que nunca exis-tiu. O remoto é nosso deus sublime e intangível.

Então acho que sorri, e senti fugir-me o peso de uma qual-quer coerência histórica. Tinha o remoto em minhas mãos.Não me interessavam as verdades, enquanto tão mundanas eóbvias. Era o óbvio? Nunca os incas e os guaranis; mas porque não?

Por que diabos não?O tempo cuidaria de derrubar as mentiras, ou, então,

diluí-las.

OLIVIA MAIA é escritora e estudante de Letras da USP. Publi-cou a novela policial Desumano, em 2006, e seu segundo livro,Operação P-2, será lançado em dezembro de 2007 por um seloindependente. Escreve sobre literatura em seu blog Forsit(www.verbeat.org/blogs/forsit).

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CONCURSO PROFESSOR DOUTORDEPARTAMENTO DE PARASITOLOGIA DO ICB-USP

ENCERRAMENTO DAS INSCRIÇÕES 26/12/2007

Publicado no Diário Oficial do Estado, dia 28/09/2007, Seção I,Pág.123 e 124, pelo prazo de 90 dias, para as inscrições ao con-curso público de títulos e provas para o provimento de doiscargos de Professor Doutor, em RDIDP, referência MS-3, comsalário de R$ 5.850,92, com base na disciplina de Protozoolo-gia, Helmintologia e Artropodologia.

Mais informações:

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