fluor-quimica-nova10443.pdf

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Quim. Nova, Vol. 25, No. 2, 191-195, 2002. Artigo *e-mail: [email protected] PROPAGAÇÃO DA POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA POR FLÚOR NAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E SOLOS DE REGIÕES PRÓXIMAS ÀS INDÚSTRIAS DE FERTILIZANTES (RIO GRANDE, RS) Nicolai Mirlean * , Maria R. Casartelli e Marina R. D.Garcia Departamento de Geociências, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, CP 474, 96201-900 Rio Grande - RS Recebido em 17/10/00; aceito em 30/8/01 PROPAGATION OF AIRBORNE FLUORINE CONTAMINATION ON GROUNDWATER AND SOIL NEAR FERTILIZER FACTORIES IN RIO GRANDE (RS). Fluoride concentration was determined in rainwater, ground water and soil in the zone of fertilizer industry in the city of Rio Grande. In contaminated rainwater fluorine concentration was registered up to the value of 4,4 mg.L -1 . Fluorine concentration in the shallow ground water in general reflects its distribution in the atmosphere, but cannot be used as marker of atmosphere contamination in the urban area due to dissolving influence of residential effluents. The 0,01% HCl extracts from the set of surface soil samples demonstrates fluoride distribution in the zone of influence of industrial emissions, which coincides to the numerical simulation of fluorides dispersion in the air. Keywords: fertilizer industry; fluorine distribution; environmental pollution. INTRODUÇÃO O flúor é amplamente conhecido como poluidor do meio ambi- ente e uma das fontes são as fábricas de fertilizantes. A poluição por fluoreto, nas proximidades dessas fábricas, tem sido intensamente estudada nos diferentes meios como: ar, águas, plantas e solos 1-5 . A maioria dessas contribuições aborda os efeitos das emissões indus- triais sobre o desenvolvimento de plantas terrestres através de biomonitoramentos da qualidade do ar 6-11 , no entanto, não se encon- tram estudos sobre a distribuição de flúor no solo, fluoreto em águas subterrâneas e nas precipitações atmosféricas com a finalidade de identificar a dispersão deste elemento no ar atmosférico. No Brasil existem poucos estudos publicados sobre o enriqueci- mento de flúor em zonas industriais 10,12 ; dentre esses se destaca o trabalho de Domingos 12 que, ao estudar as conseqüências da polui- ção atmosférica na vegetação e no solo da Serra do Mar, região pró- xima a Cubatão, constatou que grande parte do flúor, ao ser ciclado em quantidades elevadas, permanece imobilizado no solo. A nossa região de estudo, município de Rio Grande, localizada em zona estuarina da Lagoa dos Patos (RS), próxima à desemboca- dura no Oceano Atlântico, possui um complexo industrial-portuário onde se destacam as fábricas de fertilizantes, que lançam entre ou- tros resíduos, o flúor nas diferentes formas. Além das emissões deste contaminante pelas chaminés das fábricas, o transporte da matéria prima e do produto também determinam a sua dispersão. Apesar da elevada contaminação ambiental causada por compos- tos do flúor nesta região, tanto na área industrial como urbana 6 , com registros de danos graves à vegetação 13 e animais - fluorose bovina 14 , por exemplo, não existem estudos precedentes a este sobre os teores e a distribuição de flúor nos diferentes meios. Embora se destaque o estudo de Brigoni 6 por ter simulado a dispersão dos fluoretos no ar por modelagem matemática através das emissões gasosas industriais. Estudar a distribuição do flúor diretamente no ar é bastante com- plexo, principalmente pela dificuldade nos procedimentos de amostragem como: necessidade de distribuir muitos pontos para co- leta de amostras de ar e dificuldades de recolher estas no mesmo instante. Em razão das dificuldades apresentadas, experimenta-se identi- ficar a propagação do flúor na atmosfera a partir de análises de água da chuva, água subterrânea e da camada superficial dos solos, utili- zando esses meios como “coletores naturais” do flúor dispersado na atmosfera. Para determinação das concentrações de flúor, como o fluoreto, na água e no solo, foi empregado o método potenciométrico utilizando um eletrodo íon seletivo sensível à fluoreto 15 . MATERIAL E MÉTODOS Amostragem Água da chuva Foram coletadas 124 amostras de água da chuva parceladamente de 38 eventos de chuva, de outubro de 1998 a julho de 1999. As amostras foram recolhidas em um coletor (funil de polipropileno f=17cm) fixado a 6 m da superfície do solo, em área aberta localiza- da em zona afastada e ao leste do centro urbano-industrial. O coletor foi conectado a uma mangueira de silicone com diâmetro interno de 5 mm, que conduzia a água da chuva para um sistema de fracionamento, constituído por três balões volumétricos de 25 ml e conectados entre si por um sistema de mangueiras, cujo sifão trans- feria a água de um balão para outro na medida em que este se enchia e se fechava pela impulsão de uma bolinha de isopor. O fechamento hermético de cada balão com a bolinha foi testado antes de cada amostragem. O volume de água coletado nos balões (três parcelas de chuva) correspondia a 1 mm de precipitação em cada balão. Ao com- pletar o volume do terceiro balão, todo o restante da água era reco- lhido em um recipiente plástico (4ª parcela de chuva). Antes de cada amostragem de chuva realizou-se a limpeza em todos os componen- tes do coletor que consistia em: lavagem com detergente, enxágües com água da torneira e destilada, solução de ácido nítrico (10%) e por último enxágüe vigoroso com água destilada. Após a secagem de todos os componentes o coletor era remontado para a próxima coleta. O coletor era aberto no início da chuva. As amostras de água da chuva foram filtradas em membrana Millipore (0,45 mm). Parte

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  • Quim. Nova, Vol. 25, No. 2, 191-195, 2002.

    *e-mail: [email protected]

    PROPAGAO DA POLUIO ATMOSFRICA POR FLOR NAS GUAS SUBTERRNEAS E SOLOS DEREGIES PRXIMAS S INDSTRIAS DE FERTILIZANTES (RIO GRANDE, RS)

    Nicolai Mirlean*, Maria R. Casartelli e Marina R. D.GarciaDepartamento de Geocincias, Fundao Universidade Federal do Rio Grande, CP 474, 96201-900 Rio Grande - RS

    Recebido em 17/10/00; aceito em 30/8/01

    PROPAGATION OF AIRBORNE FLUORINE CONTAMINATION ON GROUNDWATER AND SOIL NEAR FERTILIZERFACTORIES IN RIO GRANDE (RS). Fluoride concentration was determined in rainwater, ground water and soil in the zone offertilizer industry in the city of Rio Grande. In contaminated rainwater fluorine concentration was registered up to the value of4,4 mg.L-1. Fluorine concentration in the shallow ground water in general reflects its distribution in the atmosphere, but cannotbe used as marker of atmosphere contamination in the urban area due to dissolving influence of residential effluents. The 0,01%HCl extracts from the set of surface soil samples demonstrates fluoride distribution in the zone of influence of industrial emissions,which coincides to the numerical simulation of fluorides dispersion in the air.

    Keywords: fertilizer industry; fluorine distribution; environmental pollution.

    INTRODUO

    O flor amplamente conhecido como poluidor do meio ambi-ente e uma das fontes so as fbricas de fertilizantes. A poluio porfluoreto, nas proximidades dessas fbricas, tem sido intensamenteestudada nos diferentes meios como: ar, guas, plantas e solos1-5. Amaioria dessas contribuies aborda os efeitos das emisses indus-triais sobre o desenvolvimento de plantas terrestres atravs debiomonitoramentos da qualidade do ar 6-11, no entanto, no se encon-tram estudos sobre a distribuio de flor no solo, fluoreto em guassubterrneas e nas precipitaes atmosfricas com a finalidade deidentificar a disperso deste elemento no ar atmosfrico.

    No Brasil existem poucos estudos publicados sobre o enriqueci-mento de flor em zonas industriais10,12; dentre esses se destaca otrabalho de Domingos12 que, ao estudar as conseqncias da polui-o atmosfrica na vegetao e no solo da Serra do Mar, regio pr-xima a Cubato, constatou que grande parte do flor, ao ser cicladoem quantidades elevadas, permanece imobilizado no solo.

    A nossa regio de estudo, municpio de Rio Grande, localizadaem zona estuarina da Lagoa dos Patos (RS), prxima desemboca-dura no Oceano Atlntico, possui um complexo industrial-porturioonde se destacam as fbricas de fertilizantes, que lanam entre ou-tros resduos, o flor nas diferentes formas. Alm das emisses destecontaminante pelas chamins das fbricas, o transporte da matriaprima e do produto tambm determinam a sua disperso.

    Apesar da elevada contaminao ambiental causada por compos-tos do flor nesta regio, tanto na rea industrial como urbana6, comregistros de danos graves vegetao13 e animais - fluorose bovina14,por exemplo, no existem estudos precedentes a este sobre os teores ea distribuio de flor nos diferentes meios. Embora se destaque oestudo de Brigoni6 por ter simulado a disperso dos fluoretos no ar pormodelagem matemtica atravs das emisses gasosas industriais.

    Estudar a distribuio do flor diretamente no ar bastante com-plexo, principalmente pela dificuldade nos procedimentos deamostragem como: necessidade de distribuir muitos pontos para co-

    leta de amostras de ar e dificuldades de recolher estas no mesmoinstante.

    Em razo das dificuldades apresentadas, experimenta-se identi-ficar a propagao do flor na atmosfera a partir de anlises de guada chuva, gua subterrnea e da camada superficial dos solos, utili-zando esses meios como coletores naturais do flor dispersado naatmosfera. Para determinao das concentraes de flor, como ofluoreto, na gua e no solo, foi empregado o mtodo potenciomtricoutilizando um eletrodo on seletivo sensvel fluoreto15.

    MATERIAL E MTODOS

    Amostragem

    gua da chuva

    Foram coletadas 124 amostras de gua da chuva parceladamentede 38 eventos de chuva, de outubro de 1998 a julho de 1999. Asamostras foram recolhidas em um coletor (funil de polipropileno=17cm) fixado a 6 m da superfcie do solo, em rea aberta localiza-da em zona afastada e ao leste do centro urbano-industrial. O coletorfoi conectado a uma mangueira de silicone com dimetro interno de5 mm, que conduzia a gua da chuva para um sistema defracionamento, constitudo por trs bales volumtricos de 25 ml econectados entre si por um sistema de mangueiras, cujo sifo trans-feria a gua de um balo para outro na medida em que este se enchiae se fechava pela impulso de uma bolinha de isopor. O fechamentohermtico de cada balo com a bolinha foi testado antes de cadaamostragem. O volume de gua coletado nos bales (trs parcelas dechuva) correspondia a 1 mm de precipitao em cada balo. Ao com-pletar o volume do terceiro balo, todo o restante da gua era reco-lhido em um recipiente plstico (4 parcela de chuva). Antes de cadaamostragem de chuva realizou-se a limpeza em todos os componen-tes do coletor que consistia em: lavagem com detergente, enxgescom gua da torneira e destilada, soluo de cido ntrico (10%) epor ltimo enxge vigoroso com gua destilada. Aps a secagemde todos os componentes o coletor era remontado para a prximacoleta. O coletor era aberto no incio da chuva. As amostras de guada chuva foram filtradas em membrana Millipore (0,45 m). Parte

  • 192 Quim. NovaMirlean et al.

    desta amostra filtrada foi recolhida em frascos de vidro e mantidaresfriada para posterior determinao de flor. As determinaes deflor foram realizadas no mesmo dia da coleta ou nos dias subse-qentes. Constatou-se que as amostras de gua mantidas nestas con-dies apresentaram o mesmo valor de fluoreto durante um perodode at duas semanas.

    gua subterrnea

    Quatro amostras de gua de lenol fretico foram coletadas narea de estudo. Em cada ponto de amostragem perfurou-se o solocom o auxlio de um cano de PVC at encontrar o nvel do lenolfretico (profundidade que varia entre 35 a 120 cm). A natureza are-nosa e pouco compactada do solo da regio possibilitou esse tipo deprocedimento16. A gua subterrnea foi extrada com uma bomba avcuo manual conectada por mangueiras de silicone a um frascocoletor. Foi adaptada uma malha de porosidade de 63 m no frascocoletor para evitar a entrada de areia. No laboratrio as amostras degua subterrnea foram filtradas (membranas Millipore 45 m) emantidas sob as mesmas condies das amostras de gua da chuva.

    Solo

    No perodo da primavera de 1999, foram obtidas 23 amostras desolo. Os pontos de amostragem localizavam-se tanto nos limites darea urbano-industrial como nas zonas distantes do permetro urba-no. Para a coleta das amostras selecionou-se locais no alterados poraterros e trnsito de pessoas, animais e veculos. Foram coletados osprimeiros centmetros da camada superficial do solo (0 5 cm) como auxlio de uma p. As amostras foram acondicionadas em sacosplsticos e transportadas ao laboratrio onde foram secas tempera-tura ambiente.

    Procedimentos analticos

    gua da chuva e subterrnea

    Logo aps a amostragem e filtragem das amostras, foram reali-zadas as leituras de pH e condutividade utilizando-se os mtodos eequipamentos padronizados15. As anlises de fluoreto foram realiza-das pelo mtodo potenciomtrico, utilizando-se eletrodo para fluoretomodelo 96-09, da Orion de acordo com as especificaes do fabri-cante17. A faixa de pH nas solues de trabalho do eletrodo encontra-se entre 5 e 8 e a mais recomendada para a deteco de fluoreto nassolues de 5,0 5,5. Para manter o pH nesta faixa empregou-se asoluo tampo TISAB - que resulta da mistura de cido acticocom cloreto de sdio titulado com hidrxido de sdio at atingir pHentre 5,0 e 5,5. Foram utilizadas curvas-padro para determinar asconcentraes de fluoreto, cujos padres foram preparados com solu-es de NaF e TISAB numa mesma proporo (1:1). No preparo dasamostras para a anlise foi acrescentado TISAB nesta mesma pro-poro.

    Solo

    As amostras foram secas temperatura ambiente e peneiradas nafrao menor que 1 mm. A seguir elas foram submetidas a extraescom soluo aquosa e extratores qumicos. Foram realizados trstipos de extraes qumicas, a saber: HCl 0,01%; TISAB e cidoActico 10%. As concentraes desses extratores cidos foramadotadas devido o pH da mistura entre a soluo e TISAB permane-cer na faixa entre 5,0 e 5,5 que corresponde otimizao do eletrodoon seletivo sensvel a fluoreto. Na extrao de fluoreto por soluoaquosa, a gua destilada foi o extrator. Para todas as extraes foimantida a mesma proporcionalidade entre a soluo e o solo (1:1,em peso). Em cada extrao, a mistura de solo e extrator era inicial-mente homogeneizada em agitador orbital por 10 min e deixando-osem contato por 20 h. Aps esse perodo as amostras foram novamen-te agitadas por 10 min e centrifugadas por 10 min a 10.000 rpme suas fases separadas por filtragem em membranas Millipore(0,45 m).

    Para leitura de fluoreto nos extratos cidos de solo empregou-sea soluo tampo que resulta da mistura de HCl, TRIS (NH2C(CH2OH)3) e tartarato de sdio. Essa soluo tampo favorecea complexao de Fe3+ e Al3+ at a concentrao de 100 mg.L-1, fa-zendo com que o flor permanea na sua forma inica durante asanlises18, 19 e nos extratos de solo obtidos pela soluo aquosa ado-tou-se a soluo tampo TISAB .

    Todos os procedimentos analticos envolvidos na determinaoda concentrao de fluoreto nas amostras foram realizados conformerecomendao e critrios preconizados por metodologia padro17, 18.

    O material necessrio para os procedimentos de amostragem eestocagem foi lavado com soluo de HNO3 (10 %) e enxagadosvigorosamente com gua destilada.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Os compostos de flor presentes na atmosfera so diludos earrastados, rapidamente, pela gua da chuva e por isso a concentra-o do fluoreto na primeira parcela de chuva representa a contami-nao do ar neste ponto de coleta. Na Tabela 1, constata-se que du-rante a continuidade do evento de chuva, a concentrao de fluoretodiminui drasticamente.

    Foi observado que as concentraes de fluoreto no ponto deamostragem variam de 0,05 a 4,4 mg.L-1. Nesta regio consideramoscomo nvel de background na gua da chuva os valores mdios defluoreto (0,08 0,05 mg.L-1) referentes quarta parcela da chuvaque corresponde aproximadamente a 95% do volume total das preci-pitaes. Esse valor supera quase duas vezes o valor de backgroundmundial20. As concentraes de fluoreto acima de 1,0 mg.L-1 foramencontradas somente quatro vezes na primeira parcela da chuva du-rante o perodo de amostragem. Na Figura 1, observa-se que a guareferente primeira parcela da chuva com concentrao de fluoretomaior que 1,0 mg.L-1 tem pH menor que 5,6 e condutividade emuma faixa relativamente baixa (120-170 S.cm-1), se forem conside-

    Tabela 1. Concentrao de fluoreto (mg.L-1) na gua da chuva parceladaParcelas da chuva

    n = 38 1 2 3 4

    X 0,42 0,75 0,13 0,11 0,12 0,13 0,08 0,05

    mx-min 4,40 - 0,60 0,54 - 0,06 0,76 - 0,05 0,29 - 0,05

    X-mdia aritmtica, - desvio padro, n nmero de amostras utilizadas no clculo.

  • 193Propagao da Poluio Atmosfrica por Flor nas guas Subterrneas e Solos de Regies Prximas s IndstriasVol. 25, No. 2

    rados todos os valores de concentrao nas primeiras parcelas degua da chuva analisadas.

    Para os valores menores que 1,0 mg.L-1 podem ser determinadasalgumas relaes entre as concentraes de fluoreto com pH econdutividade da gua da chuva (Figura 1). Verifica-se que a con-centrao de fluoreto at 1,0 mg.L-1 eleva-se com o aumento de pH eda condutividade.

    Poder-se-ia admitir que, tanto a distribuio de flor como ascaractersticas apresentadas pelas primeiras parcelas da chuva, deve-riam estar relacionadas com a disperso de sais marinhos21. Porm,este argumento no pode ser comprovado, pois as concentraes deflor encontradas nas guas do mar so prximas de 1,0 mg.L-1 22 e,para que seus teores atingissem ainda valores de 0,5 mg.L-1, acondutividade da gua da chuva deveria apresentar valores muitasvezes maiores do que os obtidos neste estudo.

    Na Tabela 2, observa-se que a direo do vento para as chuvascom maior concentrao de fluoreto (mais de 1,0 mg.L-1) tem ossetores E, NE e SE, que coincidem com a direo entre as fbricas e

    o ponto de coleta de amostras de gua da chuva e, tem geralmentecarter cido23. As chuvas que comeam quando o vento est na dire-o oposta ao das fbricas (W, NW, SW), isto , originrio dospampas, apresentam teores mximos de fluoreto que no superam0,5 mg.L-1.

    Este estudo da concentrao de fluoreto na gua da chuva mos-tra que a poluio da atmosfera por fluoreto propaga-se por grandesextenses (das fbricas at o ponto da coleta a distncia mais de 10km), que a concentrao do fluoreto depende da direo do vento nomomento que se inicia a chuva e ainda, que as emisses das fbricasso as principais fontes dessa contaminao.

    Os solos desta regio, pobres em matria orgnica e argilominerais(solos arenosos distrficos)24, favorecem a penetrao rpida das pre-cipitaes, e como os compostos atmosfricos de flor so altamen-te solveis, o fluoreto deve facilmente atingir o lenol fretico. Porconseguinte, imagina-se que a concentrao de fluoreto nas guassubterrneas pode caracterizar o nvel de contaminao atmosfricadeterminado para este elemento. Como o lenol fretico encontra-seaproximadamente no mesmo nvel, em toda a rea de estudo, e noexiste variedade significativa na composio dos solos, esperava-seque a concentrao de fluoreto na gua subterrnea diminusse emrelao direta com o distanciamento das fbricas. Mas esse compor-tamento esperado no se manifestou claramente. Nas proximidadesdas fbricas, a concentrao do flor na gua subterrnea mostrouvalores variveis e no to elevados como era esperado. De maneirageral, pode ser observado atravs dos resultados obtidos que na dis-tncia de 2,5 km das fbricas a concentrao de fluoreto no lenolfretico pode diminuir muito (Tabela 3).

    Percebe-se que o estudo sobre a distribuio de fluoreto no len-ol fretico, em zonas urbanas, representa somente uma linha detendncia, isto , no permite que se estabelea a forma da zona dedisperso de flor no ar atmosfrico. Esta limitao provavelmentedecorre de dois fatores: pela ausncia de sistema de canalizao deesgotos em grande parte da rea urbana os efluentes domsticos pe-netram no lenol fretico, alterando a concentrao de fluoreto nasguas subterrneas; e durante os perodos de estiagem, caracteriza-dos por baixas taxas pluviomtricas, o nvel do lenol fretico dimi-

    Figura 1. Correlaes da concentrao de fluoreto na primeira parceladas chuvas com condutividade(a) e pH(b), em 37 amostras ( a amostra comconcentrao 4,4 mg.L-1, pH 3,93 e condutividade 131,1 S.cm-1 no foirepresentada). Os smbolos preenchidos representam amostras comconcentrao de fluoreto maior que 1,0 mg.L-1

    Tabela 3. Concentraes de fluoreto (mg.L-1) nas guas subterrneasPonto de Distncia em relao pH Condutividade Fluoreto

    Amostragem fonte de emisso (S.cm-1) na gua extravel do solode flor (km) subterrnea por HCl 0,01%

    (mg.L-1) (mg/kg)13 0,1 5,92 642 1,49 7,8012 0,2 4,97 309 1,77 2,3819 0,5 7,86 855 2,20 0,5315 2,5 7,18 536 0,08 0,02

    Tabela 2. Concentraes mximas de fluoreto (mg.L-1) registradasna primeira parcela da gua da chuva cujas direes de vento eramdos quadrantes E e W

    Direo do vento no momento Fluoretodo incio da chuva (mg.L-1)

    Leste (E) 1,48Nordeste (NE) 1,15Sudeste (SE) 4,40

    Oeste (W) 0,23Noroeste (NW) 0,30Sudoeste (SW) 0,38

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    nui e possibilita a invaso de guas da zona estuarina e das lagoasinteriores, as quais esto poludas por flor, por receberem os lana-mentos lquidos das fbricas de fertilizantes (durante o perodo deestudo registrou-se 5,0 mg.L-1 de fluoreto na gua do Saco da Man-gueira). Esses dois fatores influenciam to fortemente na composi-o da gua subterrnea nesta regio, que a concentrao de fluoretoneste meio no pode ser usada como o refletor da contaminao at-mosfrica por compostos de flor.

    Tendo em vista os problemas acima referidos para a determina-o da disperso do flor no meio ambiente atravs da anlise do ar,da gua subterrnea e da chuva e tambm pelos regimes das ativida-des industriais serem irregulares, determinou-se a distribuio doflor nas camadas superficiais do solo. Esta abordagem foi adotadacom base na metodologia de estudos geoqumicos das zonas urba-nas em que se usa a superfcie do solo como coletor natural dospoluentes nas precipitaes atmosfricas22.

    As extraes com gua destilada mostraram a ausncia de fluoretodetectvel em todas as amostras estudadas. Isto pode significar queparte dos fluoretos dissolvidos so levados para as camadas inferio-res do solo, ou o fluoreto forma complexos no solveis que se fi-xam no horizonte superficial do solo.

    Na Tabela 4, esto representados os valores de concentrao defluoreto obtidos pelas extraes por HCl, cdo actico e TISAB.Observa-se que, na maioria dos casos, a maior quantidade de florfoi extrada pela soluo de HCl, seguida por TISAB e cido actico,sendo que esta ltima extraiu os menores teores para todas as amos-tras utilizadas como teste.

    No fica, porm, evidenciada uma razo constante entre os teo-res de flor extrado pelos diferentes tipos de extratores, pois os re-sultados obtidos foram bem prximos ou ainda muito afastados (at100 vezes). Tais diferenas podem ser explicadas pela presena deflor no solo sob determinada forma que extrada diferentementepor cada extrator.

    Pelos resultados obtidos nas extraes, optou-se pelo mtodo deextrao por HCl 0,01%, porque essa soluo mostrou-se mais efici-ente ao extrair maior quantidade de flor das amostras de solo.

    Os teores obtidos na extrao de flor por HCl esto representa-dos no mapa de isolinhas (Figura 2). Pelo mapa pode-se identificarque as zonas de localizao das fbricas de fertilizantes em Rio Grandecaracterizam-se pelas concentraes mais significativas de flor ex-trado. Essa zona de disperso de flor pode variar desde valoresmnimos (ponto 23 no mapa) at elevados teores e ocupa uma reatotal de aproximadamente 200 km2. Tambm a forma de dispersodeste elemento mostra a influncia dos ventos predominantes na dis-tribuio espacial das emisses. Observa-se, ento, pelo menos duasvias principais de transporte de flor das emisses, nordeste: sul-sudoeste e noroeste que, em princpio, corresponde figura das

    isopletas do flor dispersado na forma de fluoretos gasosos das emis-ses industriais obtida pela modelagem matemtica6.

    A afinidade entre as formas das isopletas do flor no ar e dasisolinhas das concentraes do fluoreto extrado dos solos pode serexplicada pelo carter complexo das emisses das fbricas. Estasemisses contm flor tanto na forma de fluoreto gasoso como naforma de microgotculas e finas partculas slidas. Esta mistura decompostos de flor propaga-se pelo afastamento das emisses, sub-metendo-se aos mesmos fatores de disperso no ar. Entretanto, aprecipitao desses componentes, na superfcie da terra, acontecepelos seguintes fatores: os fluoretos gasosos diluem-se na atmosferaat valores de background com o aumento da distncia do centro dapoluio; e a velocidade de precipitao das partculas slidas egotculas depende de seus tamanhos e pesos especficos. Estes fato-res ocasionam uma anomalia pontual na superfcie do solo que, porsua zonalidade, corresponde intensidade da contaminao do arpor um elemento. Desta mesma maneira, as zonas de contaminaomxima do ar por gases poluentes so determinadas pela contamina-o dos solos por metais pesados nas proximidades das fbricas desiderurgia e usinas termoeltricas movidas a carvo25.

    CONCLUSES

    As emisses das fbricas de fertilizantes enriquecem a atmosfe-ra com fluoreto dissolvido na gua da chuva. A concentrao defluoreto na gua da chuva no ponto de coleta depende, entre outrosfatores, da direo do vento. Ainda nos locais mais afastados das

    Figura 2. Esquema da distribuio espacial do fluoreto extravel do solopor HCl 0,01% e dos fluoretos das emisses das fbricas na atmosfera obtidapor modelagem matemtica6

    Tabela 4. Concentraes de fluoreto (mg.kg-1) determinadas nasextraes das amostras da camada superficial de solo (locais de coletarepresentados na Figura 2)Amostras Tipos de Extraesde Solos HCl 0,01% TISAB cido actico 10%

    1 0,042 0,120 0,0017 2,500 0,015 0,001

    15 0,016 0,032 0,00116 0,146 0,070 0,00717 0,818 0,532 0,17718 0,728 0,188 0,05021 0,342 0,060 0,004

  • 195Propagao da Poluio Atmosfrica por Flor nas guas Subterrneas e Solos de Regies Prximas s IndstriasVol. 25, No. 2

    fbricas, as concentraes de flor na gua da chuva podem atingirvalores que superam muitas vezes o teor de background. A lixiviaode fluoreto pelas chuvas provoca o aumento dos seus teores na guasubterrnea e, de modo geral, determina que a sua concentrao serelaciona com a distncia das fontes de poluio, e talvez, pela influ-ncia das emisses de esgotos domsticos e invaso das guas dosistema estuarino, essas concentraes no apresentam uma distri-buio de maneira gradiente da contaminao por fluoreto.

    Dos quatro tipos de extrao (gua destilada, TISAB, cidoactico 10 % e HCl 0,01 %) de fluoreto do solo, a extrao por HClmostrou a maior quantidade de fluoreto extrado para a maioria doscasos estudados. A forma das isolinhas da concentrao do fluoreto,extrado dos solos por HCl, em princpio, corresponde figura dasisopletas do elemento disperso sob a forma gasosa pelas emissesindustriais obtida pela modelagem matemtica. A presena da afini-dade entre estas distribuies permite propor o estudo da distribui-o de flor extravel por HCl 0,01 % da camada superficial do soloe a anlise potenciomtrica do fluoreto como mtodo de avaliaoda propagao da contaminao do ar, por compostos de flor, emi-tidos pelas fbricas de fertilizantes.

    AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem ao programa de Apoio ao DesenvolvimentoCientfico e Tecnolgico -PADCT/PIBIC - CNPq pelas bolsas con-cedidas.

    REFERNCIAS

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