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Pós Graduação em Direito Civil e Privado FLÁVIA SZUCHMACHER NEUMAN STROSBERG OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A TUTELA DO DIREITO À VIDA DO NASCITURO Rio de Janeiro 2012

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Pós Graduação em Direito Civil e Privado

FLÁVIA SZUCHMACHER NEUMAN STROSBERG

OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A TUTELA DO DIREITO À VIDA

DO NASCITURO

Rio de Janeiro

2012

FLÁVIA SZUCHMACHER NEUMAN STROSBERG

OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A TUTELA DO DIREITO À VIDA DO NASCITURO

Monografia apresentado como exigência final da

para a colação de grau na pós graduação de

Direito Civil e Privado da AVM Faculdade

Integrada.

Orientador: Prof. Francis Rajzman

Aos meus pais, irmãs, familiares e namorado que sempre estiveram

presentes e acreditaram em meu potencial, incentivando-me na

realização dessa Monografia.

AGRADECIMENTOS:

A Deus por me dar força interior e coragem para concluir a presente

Monografia; a minha Orientadora Rosângela Gomes pela experiência

e estímulos transmitidos.

Aos professores do AVM Faculdade Integrada pelo meu

amadurecimento intelectual.

Aos meus amigos que sempre me incentivaram

EPÍGRAFE:

“Para que possamos restituir à família a legitima dignidade que,

historicamente, lhe foi outorgada, é preciso colocar em perspectiva

seus impasses, procurando reforçar o que ela tem de melhor e vencer a

inércia do que ela tem de pior.’’

(Jurandir Freire Costa -Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de

Família. São Paulo : IOB Thomson, 2006.)

RESUMO:

A lei 11804/08 que trada dos Alimentos Gravídicos representa um passo importante na

legislação brasileira. Esta Lei garante a assistência alimentar e a forma de como esse direito

será exercido.

Os alimentos ao nascituro sempre foram consagrados pela doutrina e jurisprudência,

essa lei veio com o fulcro de positivar o que já vinha sendo concedido pelos magistrados,

preenchendo uma lacuna na legislação brasileira.

A LAG surge no cenário jurídico com o objetivo de fazer prevalecer o principio da

dignidade da pessoa humana, resguardado ao nascituro o direto ao nascimento com saúde,

alem disso preza a paternidade responsável igualando homem e mulher nos seus deveres

como pais.

Os argumentos apresentados nesse estudo foram extraídos de jurisprudências,

doutrinas e leis utilizados como fonte de estudo e referencia. Este trabalho também tem o

objetivo de demonstrar a importância desta lei para o ordenamento jurídico.

PALAVRAS-CHAVE: filiação, divida de valor, principio da dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT

Law number 11804/08 that deals with the subject of pension payment for pregnant

women represents an important step forward in Brazilian legislation. This law provides

pension payment strictly for food purchases and the form such right will be exercised.

Pregnant women’s right to be paid a pension in order to purchase the food necessary to the

unborn child has been adopted by the doctrine and jurisprudence. The above law just

confirms individual decisions taken by judges and fills a void in Brazilian legislation.

This legislation appears in the legal scenario in order to enforce the principle of human

dignity, safeguarding the unborn the right to health at birth, furthermore welcomes the

responsible parenthood equating man and woman in their duties as parents.

The arguments presented in this study were drawn from jurisprudence, doctrines and laws

used as a source of study and reference.

This work also aims to demonstrate the importance of this law to the legal system.

KEYWORDS: membership, share value, principle of human dignity.

Lista de Abreviaturas

ADI.........................................................................Ação Direta de Inconstitucionalidade

Art............................................................................Artigo

CF.............................................................................Constituição Federal

CC............................................................................ Código Civil

LAG..........................................................................Lei de Alimentos Gravídicos

STF............................................................................Supremo Tribunal Federal

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

2. CAPÍTULO I - OS ALIMENTOS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA,

ESPÉCIES.................. ................................................................................................... .13

3. CAPÍTULO II - O DIREITO DO NASCITURO .................................................... 19

3. 1– Aquisição da personalidade ............................................................................... 19

3.2 – Teorias da aquisição da personalidade ............................................................... 20

a) Doutrina Natalista .......................................................................................... ..20

b) Doutrina Concepcionista .................................................................................. 21

c) A teoria adotada pela legislação atual .............................................................. 23

3.3 – A decisão do STF sobre a Ação Direita de Inconstitucionalidade movida em face do

Art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança) e o conceito de

nascituro e sua distinção para embrião. ...................................................................... 25

4. CAPÍTULO III - O DIREITO À VIDA DO NASCITURO E OS ALIMENTOS COMO

SUA GARANTIA .......................................................................................................... 28

4. 1- O nascituro como titular de direitos e a Lei n.º 11.804/08 ................................. 28

4. 2 – Os aspectos processuais da Lei n.º 11.804/2008 ............................................... 33

4.3 – Os alimentos gravídicos avoengos ..................................................................... 34

4.4 – Da irrepetibilidade dos alimentos gravídicos decorrente da improcedência da

paternidade .................................................................................................................. 35

4.5 – As críticas doutrinárias em relação à Lei n.º 11.804/2008 ................................ 36

5. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 38

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA ......................................................................... 40

11

INTRODUÇÃO

A presente monografia cujo tema é alimentos gravídicos e a tutela do direito à vida do

nascituro visa demonstrar a importância da Lei n.º 11.804/08, que disciplina os alimentos

gravídicos, para a tutela à vida do nascituro.

Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-

las por si. Tem por finalidade fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à

sua subsistência.

É um direito à subsistência do ser humano, caracterizado por três elementos: 1º ) o

vínculo de parentesco; casamento ou união estável; 2º ) a possibilidade econômica do

alimentante; 3º ) necessidade do alimentado.

Os alimentos decorrem, também, do dever familiar, como ocorre na relação entre os pais

e os filhos menores, entre cônjuges e companheiros. O dever de sustentar os filhos menores é

expresso nos artigos 1566, IV do CC e 229 da CF. Cessa, quando o filho se emancipa ou

atinge a maioridade.

A obrigação de alimentar é uma característica da família moderna. Entende-se esta

obrigação como o dever mútuo e recíproco entre parentes, cônjuges ou companheiros, sendo

que os que têm recursos têm o dever fornecer alimentos, em natura ou dinheiro, em virtude

daqueles que necessitam.

Promover alimentos, portanto, tem como finalidade, assegurar o direito à vida,

substituído a assistência da família à solidariedade social, pois uma vez que o individuo não

tem a quem recorrer será sustentado pelo Estado.

De acordo com Artigo 1.694 do Código Civil de 2002, alimentos é tudo aquilo que a

pessoa necessita “para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para

atender às necessidades de sua educação”, e não apenas para garantir a sua subsistência. Além

disso, segundo o citado artigo, a pensão alimentícia é devida em razão do parentesco, do

casamento e da união estável. Com a Lei n.º 11.804/08, a mulher gestante faz jus à pensão,

sem que exista entre ela e o pai do nascituro casamento ou união estável.

Esta lei foi inserida no ordenamento jurídico, justamente para afirmar a função de

garantir a vida pelo fornecimento de alimento.

Segundo o Artigo 2.º da Lei de Alimentos Gravídicos: “os valores suficientes para

cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da

concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistências médica e

psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições

12

preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz

considere pertinentes".

Essa lei pode ser tida como um grande avanço em nossa legislação, os alimentos

gravídicos já era um direito que vinha sendo assegurado pelas jurisprudências, porém alguns

juízes ainda negavam tal beneficio.

A Constituição de 1988 garantiu o direito à vida no seu Artigo 5º. Impondo à família o

dever de assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação como absoluta prioridade

(Art. 227 CF). Sendo que tais encargos são ocupados igualmente por homem e mulher (Art.

226, § 5º CF). No mais, o Código Civil em seu Artigo 2.º, resguarda os direitos do nascituro,

desde a concepção. Mesmo assim, sempre tivemos a tradição de reconhecer a

responsabilidade paterna só após o nascimento.

Esta monografia é dividia em três capítulos: o primeiro capitulo discorre sobre a natureza

jurídica dos alimentos é os tipos de alimentos existentes classificados pela doutrina. O

segundo capitulo trata do direito da personalidade, definindo o conceito de nascituro e

discutindo as teorias que circundam a aquisição da personalidade, o conceito de nascituro e de

embrião na decisão do Supremo Tribunal de Justiça( STF) na Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) contra o art. 5º da Lei de Biossegurança. O terceiro capitulo se

refere ao direito do nascituro a alimentos, fazendo um contraponto com o direito à vida. Serão

analisados alguns acórdãos em que se pode observar que os alimentos gravídicos já eram

concedidos antes da lei pelos Tribunais e acórdão em que se concedem alimentos já com base

na Lei n.º 11.804/08. E por fim, há uma breve conclusão sobre o trabalho ressaltando a

importância da promulgação da Lei de Alimentos Gravídicos para o ordenamento jurídico

brasileiro.

13

CAPÍTULO I - OS ALIMENTOS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA,

ESPÉCIES

A palavra “alimentos”, de acordo com Yussef Cahali em seu vulgar é tudo aquilo que é

necessário à conservação do ser humano com vida. Em linguagem técnica, alimentos estão

ligados à ideia de obrigação que é imposta a alguém em função de uma causa jurídica prevista

em lei, ou seja, prestá-los a quem necessita1.

Para Sílvio Rodrigues2:

alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução

Conforme leciona Caio Mário da Silva Pereira ( 2007, p. 495) “os alimentos

compreendem em sentido amplo tudo aquilo necessário à manutenção individual: sustento,

habitação, vestuário, tratamento”. Neste sentido, pode-se afirmar que os conceitos de

alimentos coadunam-se, sendo assim, entende-se por alimentos tudo aquilo que é capaz de

propiciar ao sujeito as condições necessárias à sua sobrevivência, respeitados os seus padrões

sociais.

Os alimentos, portanto, não são prestados por favor ou generosidade, mas como uma

obrigação juridicamente exigível. Cabe ressaltar, os alimentos de cunho indenizatório

decorrente do ato ilícito: Segundo Sergio Cavaliere ( 2009,p.115) “este tipo de prestação

alimentícia tem cunho reparatório pois, para o autor “não se trata de prestação de alimentos,

que se fixa em proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, e

sim de indenização que visa reparar, pecuniariamente, o mal originado do ato ilícito.”

Neste sentido os alimentos são prestações de natureza indenizatória, haja vista que são

prestados como forma de reparação de um dano causado por um ato ilícito. Por isso este tipo

1 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.p.15. 2 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil; direito de família, São Paulo: Saraiva, 2004. p.374.

14

de prestação alimentícia não considera o binômio necessidade e possibilidade para sua fixação

e, sim a proporção do dano causado.

O Código Civil é expresso quanto à abrangência dos alimentos, pois esses devem

atender às necessidades com educação bem como a mantença do alimentado de modo

compatível com a sua posição social. A doutrina vincula os alimentos a um direito da

personalidade. Para Yussef Cahali os alimentos são considerados um direito pessoal no

sentido de que sua titularidade não passa a outrem, seja por negócio jurídico, seja por fato

jurídico.3

De acordo com artigo 1.694 do Código Civil de 2002, alimentos é tudo aquilo que a

pessoa necessita “para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para

atender às necessidades de sua educação”4 e não apenas para garantir a sua subsistência.

Entende Caio Mário da Silva Pereira5 que a prestação alimentícia é um dever, o qual

tem caráter de ordem pública: Discorre o autor:

A faculdade concedida ao necessitado de alimentos cria-lhe um direito de natureza especial. É um dever a que não se pode esquivar o parente, o cônjuge ou companheiro a ele sujeito. E, neste sentido, o caráter é de ordem pública. Dada a sua finalidade de atender as exigências da vida não é renunciável. É contudo, licito deixar de exercê-lo, tendo em vista que não se concede beneficio a quem não o quer – invito non datur beneficium, o que reafirmou o art. 1.707 de 2002.

Yussef Cahali acrescenta que adotada no direito para designar o conteúdo de uma

prestação ou de uma obrigação, a palavra “alimentos” vem significar tudo o que é necessário

para satisfazer ao reclames da vida.6

Como visto, a obrigação de prestar alimentos se caracteriza como sendo um direito de

conteúdo patrimonial, sendo prestações devidas para que aquele que a recebe possa manter

sua existência conservando tanto a vida física como moral e social.

A prestação alimentícia se insere no plano econômico do alimentante e do alimentado

e no plano ético-social, pois que os alimentos visam suprir as necessidades da vida do

3 CAHALI, Yussef Said. dos alimentos, 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.50. 4 Os alimentos tratados no art. 1.694 do CC são os classificados pela doutrina como alimentos civis. 5 PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil: direito de família, Rio de Janeiro: Editora Forense,

2007. p.501. 6 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.14

15

alimentado. Tendo os alimentos, portanto, caráter personalíssimo e de ordem pública o qual

interessa a toda a sociedade.

Yussef Cahali classifica os alimentos de acordo com os seguintes critérios: I- quanto à

natureza; II - quanto à causa jurídica; III - quanto à finalidade; IV - quanto ao momento da

prestação e V - quanto à modalidade da prestação.7

Quanto à natureza os alimentos podem ser naturais ou civis. Os primeiros são aqueles

estritamente necessários para mantença da vida humana, compreendido pela alimentação,

cura, vestuário e habitação nos limites necessarium vitae. Já os alimentos civis são aqueles

que abrangem outras necessidades, como intelectuais e morais, fixados segundo a qualidade

dos alimentos e os deveres da pessoa obrigada.

Quanto à causa jurídica a obrigação alimentícia ou resulta diretamente da lei ou resulta

de uma atividade do homem. Estes alimentos podem ser: legítimos, que são aqueles devidos

em virtude de uma obrigação legal, geralmente devido em virtude de uma relação de

parentesco ou vínculo familiar; voluntários, os quais decorrem de uma declaração de vontade

inter vivos ou mortis causa, também chamados de obrigacionais, prometidos ou deixados.

Importante lembrar dos alimentos que decorrem de ato ilícito os quais já foram tratados

anteriormente.

Quanto à finalidade os alimentos podem ser provisionais e regulares. Provisionais são

os alimentos que procedem ou são concomitantes a ação de separação judicial, de divórcio, de

nulidade ou anulação de casamento, ou ainda da própria ação de alimentos. Estes são

concebidos para a manutenção do suplicante na pendência do processo, compreendido

também como necessário para cobrir as despesas. Já os regulares ou definitivos são aqueles

fixados mediante acordo pelas partes, com prestações periódicas de caráter permanente, ainda

que sujeitas a eventual revisão.

Neste foco, insta salientar a diferença entre alimentos provisórios e provisionais. Os

alimentos provisórios são concedidos liminarmente em ação de alimentos, e os provisionais,

obtidos por ação cautelar. Outra diferença diz respeito ao regramento jurídico: os provisórios

permaneceriam até o trânsito em julgado da sentença, já os provisionais podem ser

modificados ou revogados.

Quanto ao momento da prestação esta pode ser futura ou pretérita. Alimenta futura são

aqueles prestados em virtude de decisão judicial ou por acordos. E alimenta pretérita são

prestados anteriormente a qualquer um desses momentos.

7 Idem. ibidem p.17

16

Há também os alimentos subsidiários que são aqueles prestados pelos avós, somente

sendo devidos na falta dos pais ou na impossibilidade destes em arcar com as necessidades de

seus filhos. Pois, dispõe o art. 1969 do Código Civil, que o direito à prestação é recíproco

entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, recaído a obrigação no mais próximo

em grau, uns na falta de outros.

De acordo com o Código Civil há quatro classes de pessoas obrigadas a prestar

alimentos: 1) Os pais e os filhos; 2) Na falta destes, os ascendentes, na ordem de proximidade;

3) os descendentes, na ordem da sucessão; 4) Os irmãos, assim germanos como unilaterais.

E por fim, quanto à modalidade a obrigação alimentar pode ser própria e imprópria. A

obrigação alimentar imprópria se perfaz mediante o fornecimento da prestação, sob forma de

pensão, dos meios para obtenção do necessário à vida, assegura-se ao alimentando um direito

de crédito, que encontra garantia genérica no patrimônio do obrigado. Já a obrigação

alimentar própria tem como conteúdo a prestação daquilo que é diretamente necessário à

manutenção da pessoa, como a aquisição de bens necessários a subsistência.

De acordo com Caio Mario da Silva Pereira ( 2007, p. 497) “numa visão

metodológica, o direito aos alimentos, na ordem familiar, obedece a certos requisitos, que se

erigem mesmo em pressupostos materiais de sua concessão ou reconhecimento” São esses

requisitos: a necessidade, a possibilidade, a proporcionalidade e a reciprocidade.

A necessidade ocorre quando os parentes que pretendem receber os alimentos não têm

bens suficientes, nem pode provê-lo pelo trabalho sua própria mantença. Não importando a

causa da falta de recursos ou trabalho. A possibilidade significa que os alimentos devem ser

prestados por aquele que os forneça sem que haja desfalque do necessário ao próprio sustento.

A proporcionalidade leva em conta as condições pessoais e sociais do alimentante e do

alimentado. E, a reciprocidade significa que a obrigação alimentar é recíproca, ou seja, na

mesma relação jurídico-familiar, o parente, cônjuge ou companheiro, que em princípio seja

devedor poderá reclamar alimentos se vier a necessitar deles.

Vale lembrar que os alimentos possuem como características serem impenhoráveis,

haja vista que a prestação alimentícia configura-se como um direito pleno, isento de penhora.

O direito aos alimentos também é imprescritível, ainda que esse direito seja por longo tempo

não exercido.

De acordo com o art. 1700 do Código Civil a obrigação alimentar transmite-se aos

herdeiros do devedor. Segundo Yussef Cahali este artigo se refere à prestação de alimentos já

estabelecidos por convenção ou decisão judicial ou, caso já existisse demanda, visando ao

17

pagamento de pensão contra o devedor. Além disso, esta prestação encontra seu limite natural

na força da herança e do quinhão hereditário que couber o sucessor.8

E, por fim, defende o citado autor que a obrigação alimentar a qual se refere o artigo

não pode ir além dos herdeiros do devedor primitivo. Então, é correto afirmar que o débito

alimentar pode continuar existindo até mesmo depois da morte de seu devedor. O crédito ao

alimento também é inseparável de seu credor, ou seja, não pode ser cedido a outrem, portanto

os alimentos também têm como características a incessibilidade.

Por último, atribui-se aos alimentos a irrepetibilidade, ou seja, são considerados

tradicionalmente irrepetíveis os alimentos prestados entre os cônjuges por se tratar de um

dever moral.

Entende-se, então, a obrigação como o dever mútuo e recíproco entre parentes,

cônjuges ou companheiros, sendo os que têm recursos deve fornecer alimentos, em natureza

ou dinheiro, em virtude daqueles. Promover alimentos, portanto, tem como finalidade,

assegurar o direito à vida, substituído a assistência da família à solidariedade social, pois uma

vez que o indivíduo não tem a quem recorrer será sustentado pelo Estado.

Neste foco cabe destacar os alimentos devidos ao nascituro, que é respaldado pela Lei

n.º 11.804/08, que regulamenta os Alimentos Gravídicos, a qual mulher gestante faz jus à

pensão sem que exista entre ela e o pai do nascituro casamento ou união estável, ou seja, a

referida lei não exige relação de parentesco entre os progenitores. Esta lei foi inserida no

ordenamento jurídico, justamente para afirmar a função de garantir a vida exercida pelo

fornecimento de alimento.

Seu o Artigo 2.º diz:

os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

8Idem.Ibidem. 2009.p.79.

18

Neste diapasão a obrigação de alimentar pode começar antes mesmo de nascer, haja

vista que existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção da vida do nascituro,

sendo de extrema importância que esse direito seja resguardado.

19

CAPÍTULO II - O DIREITO DO NASCITURO

3. 1– Aquisição da Personalidade

Segundo De Placito e Silva a palavra nascituro deriva do latim, significando aquele

que há de nascer. Designa assim, o ente que está gerado ou concebido, tem existência no

ventre materno: está em vida intrauterina. Porém, como não ocorreu o seu nascimento, não se

iniciou ainda sua vida como pessoa, juridicamente.9

Neste sentido acrescenta Moreira Alves10:

O nascituro é o que irá nascer; em outras palavras, o feto durante a gestação; não é ele ser humano – não preenche ainda o primeiro dos requisitos necessários à existência do homem, isto é, o nascimento; mas, desde a concepção, já é protegido; no terreno patrimonial, a ordem jurídica, embora não o reconheça no nascituro um sujeito de direitos leva em consideração o fato de que, futuramente, o será, e, por isso, protege, antecipadamente, direitos que ele virá a ter quando for pessoa física.

Para o direito romano, a personalidade jurídica coincidia com o nascimento. Antes

deste não havia sujeito ou objeto de direito. Mas, os direitos do nascituro eram resguardados e

protegidos. Sendo o nascituro comparado ao já nascido, prevalecendo a regra da antecipação

presumida do nascimento. O direito moderno baseia-se na regra do direito romano para o

início da personalidade, porém difunde outras regras que complicam a necessária exatidão dos

conceitos.

Caio Mario da Silva, discorrendo sobre o Código anterior, disse que a proteção dos

interesses do nascituro é uma forma de reconhecer seus direitos sendo levados a sustentar o

começo da personalidade anteriormente ao nascimento.11

Clóvis Beviláqua, no seu Projeto do Código Civil de 1916 (art. 3º), aceitou a doutrina

que sustentou a inovação da impossibilidade de se configurar a existência de direitos sem

sujeitos e, como via na defesa dos interesses do ente concebido e não nascido o

9 SILVA, de Placito e. Vocabulário Jurídico, 18. ed. Rio de Janeiro: Editoria Forense, p. 549. 2000. 10 ALVES, José Carlos Moreira . Direito Romano. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,. 1972. Apud: CAHALI,

Yussef Said. Dos alimentos, 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 345. 11PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil;teoria geral de direito

civil,. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. p. 216.

20

reconhecimento de seus direitos, a atribuição de personalidade ao nascituro seria

consequência natural.12

Insta salientar o que Código Civil em seu artigo 2.º, resguarda os direitos do nascituro

desde a concepção. Então, pode-se afirmar que o Código reconhece o nascituro como ser

dotado de personalidade civil in fieri 13, no entanto, o exercício de seus diretos encontra-se

condicionado ao nascimento com vida.

3.2 – Teorias da Aquisição da Personalidade

a) Doutrina Natalista

De acordo com essa doutrina, o inicio da personalidade começa com o

nascimento com vida. Sendo o “nascimento” a separação do filho das vísceras da mãe.

Além do nascimento deve haver “vida”, podendo ser o primeiro momento

caracterizado pela respiração pulmonar. Desta forma, em um só instante de vida a

personalidade será atribuída.

Fernando Simas Filho14, discorrendo sobre o tema, afirma:

Não basta o simples fato do nascimento; é preciso que o recém-nascido apresente os sinais de vida, movimentos próprios, respiração, vagidos (...). A lei requer para que se reconheça a personalidade civil e se torne sujeito de direitos, que a criança apresente inequívocos sinais de vida, após o nascimento mesmo que venha a falecer instantes depois. Se a criança nasce morta, não chega a adquirir a personalidade e, assim, não recebe e não transmite direitos.

Neste sentido, no que diz respeito à condição jurídica do nascituro, a doutrina natalista

considera a mera expectativa de direito. Sendo, que a personalidade civil do homem começa

com a existência, ou seja, com o seu nascimento. Para a doutrina natalista o nascituro não é

considerado pessoa.

12 BEVILÁQUA, Clovis: Projeto do código civil de 1916, art. 3º Apud: PEREIRA, Caio Mário Silva.

instituições de direito Civil;introdução ao direito civil. teoria geral de direito civil,. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2007 p. 217 13 Expressão utilizada por Yussef Cahali em CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos, 6.ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2009. p. 345. 14 SIMAS, Fernando Filho Apud: ALBERON, Alexandre Marlon Silva. O direito do nascituro a alimentos. Rio

de Janeiro: Aide Editora, 2001. p. 29.

21

b)Doutrina Concepcionista

Nesta doutrina há duas acepções, no entanto, ambas partem do entendimento

biológico, a vida começa desde a concepção, sendo assim, a vida tem início desde a

fecundação do óvulo pelo espermatozóide, gerando um ovo ou zigoto.

Para esta doutrina o nascituro deve ser visto como ser humano, ou seja, lhe deve ser

conferido o status de ser humano desde a concepção, pois a partir desta há efetivamente o

início de uma nova vida.

Então, sob o ponto de vista filosófico o nascituro é um ser humano, pois traz em si o início

de todas as características do ser racional, sendo que sua imaturidade não é diferente dos

recém-nascidos, os quais nada sabem da vida e, também não possuem capacidade de

autodeterminação.

b. 1- Doutrina Verdadeiramente Concepcionista

Dentre aos adeptos dessa corrente estão Guaraci de Campos Vianna e Silmara J.A.

Chinelato e Almeida.

Guaraci de Campos Vianna entende que o nascituro é um ser dotado de personalidade

jurídica civil, pois é a partir da concepção que se tem o nascituro como pessoa. Então,

partindo do pressuposto de que o nascituro é um ser autônomo e individualizado o jurista

elenca vários argumentos em favor de sua tese.

O primeiro argumento é que o termo pessoa é um conceito abstrato ou técnico, ou seja,

pessoa é a integração do indivíduo ou de um grupo de indivíduos dentro da ordem jurídica.

Destaca desta forma o autor:15

Assentada na ideia de que o nascituro é considerado um sujeito de direitos, ou seja, uma pessoa apta a ser titular de um direito subjetivo, não há dificuldades em afirmar que a ordem jurídica assegura os direitos desde a concepção, ou desde o momento da vitalidade, entendida esta como aptidão a ser vivida.

Portanto de acordo com o autor o ordenamento jurídico “assegura a proteção do

nascituro não apenas colocando a salvo o seu direito, mas assegurando sua titularidade

15 VIANNA, Guararaci Campos. O Nascituro como Sujeito de Direitos - Início da Personalidade Civil:

Proteção Penal e Civil. Disponível em: www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/view/

28483/28040. Acesso em: 5 de nov de 2010.

22

adquirida antes do nascimento, pois desde a concepção há pessoa com personalidade jurídica

e capacidade de contrair direitos”.16

Chilenato e Almeida também adepto da mesma teoria sustenta que a personalidade

começa a partir da concepção e não do nascimento com vida, considerando os direitos que

possui o nascituro como o de ser adotado e o de ser reconhecido, os quais não dependem do

nascimento17.

No entanto, quanto ao direito à herança ressalta a autora que a posse de tais bens pode

ser exercida por seu representante legal desde a concepção, mesmo que ainda não tenha

havido o nascimento com vida, podendo o representante perceber as rendas e frutos, na

qualidade de titular de direito, subordinado à condição resolutiva negativa, ou seja, o

nascimento sem vida, como exemplo o fideicomisso art. 1951 CC.

b. 2 – Doutrina Concepcionista da Personalidade Condicional

Esta doutrina reconhece a personalidade desde a concepção, com a condição de que

aquele que está por nascer nasça com vida. Neste sentido, leciona Arnold Wald (2005, p.120)

“que proteção do nascituro, explica-se, pois há nele uma personalidade condicional que surge,

na sua plenitude, com o nascimento com vida e extinguido-se no caso de não chegar o feto a

viver.”

O Código Civil de 1916 adotara a doutrina da personalidade condicional. Miguel

Maria de Serpa Lopes18 explica as razões que levaram Clóvis Beviláqua a adotar esta

corrente:

Clóvis considerou valiosas as razões dos que assim sustentavam o inicio da personalidade, pelas seguintes razões: a) desde a concepção o ser humano é protegido pelo Direito, tanto que o aborto constitui crime; b) a gravidez autoriza a posse em nome do ventre e a nomeação de um curador especial, sempre que competir à pessoa por nascer algum direito; c) considera-se nascituro como nascido, desde que se trate de seus interesses; d) admissibilidade de seu reconhecimento.

No entanto, de acordo com o entendimento de Silmara J. A Chinelato e Almeida, mesmo

que essa doutrina tenha se aproximado bastante da teoria concepcionista, deixa à margem de

16 Idem, Ibidem. 17 ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 23. 18 LOPES, Miguel Maria de Serpa, Curso de direito civil : introdução parte geral e teoria dos negócios

jurídicos. Rio de Janeiro: Freitas Barros, 1988, p. 253.

23

suas indagações os direitos da personalidade, dentre os quais o direito à vida que é

incondicionável ao nascimento com vida.

Em defesa da corrente concepcionista apesar da polêmica doutrinária em torno do tema, é

importante salientar o seguinte julgado do Tribuna do Rio Grande do Sul:

Ementa: Seguro-obrigatório. Acidente. Abortamento. Direito à percepção da indenização. O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. O nascimento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais. Apelação a que se dá provimento. Apelação a que se dá provimento (5 fls.) .19

Na situação discutida acima, percebe-se que o nascituro goza de personalidade jurídica

desde a concepção, sendo o nascimento com vida apenas uma condição resolutiva para o

exercício de alguns diretos patrimoniais. Portanto, qualquer atentado à integridade daquele

que está por nascer pode assim ser considerado um ato obstativo do gozo de direitos.

b) A Teoria Adotada pela Legislação Atual

Na legislação brasileira atual, mesmo com essa grande divergência doutrinária acerca das

teorias adotadas com relação à aquisição da personalidade, o nascituro, embora não seja

considerado pessoa, tem proteção legal de seus direitos desde a concepção, e este

entendimento está presente inclusive no Código Civil.

Neste sentido Pablo Stolze Gagliano apresenta o seguinte quadro esquemático:

a) O nascituro é titular de direitos personalíssimos (como direito à vida, o

direito à proteção pré-natal etc.);

b) Pode receber doação, sem prejuízo do recolhimento do imposto de

transmissão inter vivos;

c) Pode ser beneficiado por legado ou herança;

d) Pode lhe ser nomeado curador para a defesa de seus interesses (arts. 877 e

878 do CPC);

e) O Código Penal testifica o crime de aborto;

19 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apelação civil. n. 70002027910. Relator: Des. Carlos

Alberto de Oliveira, julgado em : 28/03/2001. Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/site/> Acesso em: 5 de

nov. 2010.

24

f) Como conferência da proteção dos direitos da personalidade, o nascituro

tem o direito à realização de exame de DNA para efeitos de aferição da

paternidade.20

É importante destacar que o direito do nascituro aos alimentos gravídicos trazidos pela

Lei n.º 11.804/08 também é uma garantia que este possui para manutenção e preservação da

vida adotado pela legislação atual. Vislumbra-se deste modo a presença da doutrina

verdadeiramente concepcionalista, tendo em vista que o nascituro tem direito aos alimentos

independentemente do nascimento com vida.

20 GALIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil : parte geral. 8. ed. São

Paulo: Saraiva, 2006. p. 85.

25

3.3 – A decisão do STF sobre a Ação Direita de Inconstitucionalidade movida em face do

art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança) e o conceito de

nascituro e sua distinção para embrião.

O Art. 5º da Lei de Biossegurança permite o uso de células de embriões humanos

produzidos por fertilização in vitro para realização de pesquisa com células-troncos para fins

terapêuticos e de pesquisa.

O autor da ação defende que o dispositivo impugnado contraria a inviolabilidade do

direito à vida, pois para ele o embrião humano já é uma vida humana e sua utilização feriria o

estado democrático de direito, tendo em vista que este deve sempre prezar pela dignidade da

pessoa humana. Além disso, argumenta ainda que a vida humana se inicia com a fecundação,

ou seja com a formação do zigoto, sendo o útero apenas o local propicio para o seu

desenvolvimento. Além disso, aquele embrião já possui todas as características e habilidades

que a pessoa desenvolverá ao longo de sua vida.

Porém, após uma longa discussão, com a participação de cientistas defensores de

direitos humanos e juristas, julgou-se pela constitucionalidade do artigo com a defesa da

seguinte tese: 1) que a personalidade civil só se inicia a partir do nascimento com vida (Art. 2º

do CC). 2) que a CF se refere à dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III) e direitos da pessoa

humana ( Art. 34, VIII, b), livre exercício dos direitos individuais” (art. 85, III) e “direitos e

garantias individuais” (Art. 60, § 4º, IV), portanto, estaria falando de direitos e garantias do

indivíduo-pessoa, ou seja, os direitos garantidos pela Carta Magna são dirigidos ao individuos

já personalizado.

Defendeu-se também o principio da paternidade responsável e da dignidade da pessoa

humana, tendo em vista que o casal dono do embrião não é obrigado a gerá-lo somente porque

fora fecundado na fertilização in vitro.

26

No entanto, o ponto crucial da discussão foi a diferenciação entre aquela embrião que

não seria implantado no útero feminino e aquele que foi implantado para se transformar num

feto . De acordo com a ementa do acórdão 21:

o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível.

De acordo com a citação acima, pode-se afirmar que este embrião pré-concebido e não

implantado no útero, não seria nascituro, pois a concepção só se daria com a implantação no

útero. Sendo assim, nascituro seria aquele embrião com possibilidade de se tornar feto, pois

este se desenvolve em um ambiente propicio para o surgimento da vida, o que não ocorre com

o embrião pré-concebido. Nascituro, então seria aquele que irá nascer, ou seja, o feto durante

a gestação.

Silmara J. A Chninelato de Almeida22 escreveu sobre o tem: Somente se poderá falar em “nascituro” quando houver nidação do ovo. Embora a vida se inicie com a fecundação, é a nidação – momento em que a gravidez começa – que garante a vida do ovo, sua viabilidade. Assim, sendo na fecundação in vitro, não se considera nascituro, isto é, “pessoa”, o ovo assim fecundado, enquanto não for implantado no útero da futura mãe.

Desse modo, pode-se afirmar que a problemática da condição jurídica do nascituro

possui interesse tanto no aspecto doutrinário quanto no aspecto do direito positivo e

jurisprudencial. Neste contexto , há de se escolher por teorias completamente antagônicas em

seus fundamentos acarretando conseqüências jurídicas distintas.

21 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Adi. 3510/DF/ Brasília, Ação direta de inconstitucionalidade,

relator: Min. Ayres Britto. Julgado em 29/05/08. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia> Data de acesso: 6. nov. 2010. 22 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato . O nascimento no código civil no Direito constituendo do Brasil.Revista

de Informação Legislativa, , v..25, n. 97, jan/mar.1988,p.192.

27

Destarte, é importante frisar que o embrião que não fora ainda implantado no útero

não é considerado nascituro, sendo assim não é possível pedir alimentos gravídicos ao doador

do material genérico quando identificado ou já conhecido pela gestante antes que ocorra a

nidação do ovo.

28

CAPÍTULO III - O DIREITO À VIDA DO NASCITURO E OS ALIMENTOS

COMO SUA GARANTIA

4. 1- O Nascituro como Titular de Direitos e a Lei n.º 11.804/08

No contexto social do Brasil há diversos problemas tanto de ordem econômica quanto

de ordem social, os quais geram como consequência a exclusão de grande parte da sociedade

de determinados programas sociais que devem ser oferecidos à população em geral.

Além disso, o aumento do número de famílias cujos chefes são mulheres, com seus

filhos registrados em cartório sem o devido reconhecimento paterno por terem sido

abandonadas quando ainda estavam grávidas, agrava ainda mais a situação socioeconômica

do pais.

Para exemplificar a situação Egon Nort 23menciona em seu livro:

Uma em cada cinco famílias brasileiras é chefiada por mulheres, que acumulam o trabalho de fora com a educação dos filhos. Nas favelas, o fim de um casamento abre uma jornada permanente de miséria. Há muitos casos de mulheres com vários filhos de dois, três ou mais maridos. De um modo em geral, todos abandonaram os filhos. Os ex-maridos saem em busca de novas companheiras. Hoje temos milhões de pessoas já adultas de pais ignorados, o que pode gerar um sério problema de consanguinidade.

Em razão disso, a mulher necessita de respaldo legal para que o pai ou suposto pai

proporcione à gestante o mínimo de condições de subsistência para que possa haver o

desenvolvimento adequado do feto, tendo em vista que sua alimentação ocorre através do

cordão umbilical que o liga à mãe.

Na prática o que ocorre é a negligência da obrigação natural do pai, pois não se leva

em consideração que os encargos da paternidade, decorrente do poder familiar, se iniciam

com a concepção do filho e não com o seu nascimento e a propositura de uma eventual Ação

de Alimentos.

23 NORTH, Egon. Rumo ao 1º Mundo, Florianópolis, Edição do Autor, 1997, p. 352. ALBERON, Alexandre

Marlon Silva. O direito do nascituro a alimentos. Rio de Janeiro:Aide Editora, 2001.p. 18

29

Nesse contexto Pontes de Miranda 24comenta:

A obrigação alimentar pode começar antes de nascer, pois existem despesas que tecnicamente se destinariam à proteção do concebido e o direto seria inferior se acaso recusasse atendimento a tais relações inter-humanas, solidariamente fundadas em exigências da pediatria.

Os direitos do nascituro devem ser assegurados a partir de sua concepção, pois a

redação do Art. 2º do Código Civil põe a salvo o direito do nascituro desde a concepção. O

termo direito não fora empregado pelo legislador impensadamente, sem compromisso com o

significado terminológico da palavra “direito”. Pois, poderia ter usado “interesse”, sendo

assim esta opção não pode deixar de ter um significado.

Desse modo, para o ordenamento jurídico brasileiro mesmo desprovido de

personalidade, o nascituro é titular de direitos, se incluindo necessariamente o direito à vida,

pois o nascituro é pessoa em formação e tem direitos protegidos, mesmo que não seja pessoa

para o direito e para a sociedade.

Diante do exposto acima, Pontes de Miranda25

“Direitos”, é um termo técnico, e em principio deve ser entendido na acepção técnica; sobre quem o conteste, em todo caso, recairá o ônus da prova. Pena de inexcedível autoridade, muito atentar ao rigor técnico da terminologia que, em que tratando de interesses de ser ainda não nascido, a lei o considera capaz de direitos.

O Código Civil traz de maneira clara que o art. 2º trata de direitos, pouco importando

o modo no plano dogmático que se justificará essa atribuição de direitos a alguém que não

tem personalidade (como se pode extrair da primeira parte do art. 2º), porém como a lei põe a

salvo o direito do nascituro a lógica é entender que se tratam de direitos e não de qualquer

outra figura jurídica.

A Lei n.º 11.804 de 5 de novembro de 2008 representa um grande passo na

complementação da legislação, pois garante assistência alimentar ao nascituro, assegurando o

direito a alimentos gravídicos

24 Pontes de Miranda Apud. PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil; Direito de família, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. p.517. 25 BARBOSA, Moreira José Carlos. O direito do nascituro. Revista Brasileira de Direito da Família. São Paulo, SP. v.7. n.34. p 145.

30

O termo “Grávidico” que batiza a Lei n.º 11.804/08 é adjetivo que diz respeito à

gravidez ou o que dependa da gravidez. No primeiro artigo da lei temos uma controvérsia,

pois o texto diz que a lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma de

como será exercido. Então, a quem pertence os alimentos gravídicos? À gestante ou ao

nascituro?

Pela interpretação literal da lei, conclui-se que é à mulher gestante que se destinam tais

alimentos, pois a legitimidade ativa é da gestante, e após o nascimento com vida haveria a

conversão desses alimentos em pensão alimentícia para a criança. Assim, o nascituro, só

poderia ser titular dos alimentos após o nascimento com vida, pois a partir deste momento lhe

seria dada a legitimidade para pleitear a revisão dos alimentos oferecidos.

Neste sentido Yussef Said Cahali26corrobora a interpretação acima:

Aqui, às expressas (a lei disciplina o direito de alimentos a mulher gestante), a titular da pretensão é a mulher, com direito próprio para exigir a coparticipação do autor de sua gravidez nas despesas que lhe fizerem necessárias no transcorrer da gestação, exclusivamente em função do estado gravídico. O nascituro em inteira consonância com o disposto no art. 2º do CC/2002, somente terá direito a pensão alimentícia, por conversão dos alimentos gravídicos, quando nascer com vida (art. 6º parágrafo único, da lei 11.804/2008).

Para o citado autor os alimentos gravídicos não são nada mais do que um autêntico

auxilio-maternidade, denominados de alimentos, representado por uma contribuição

proporcional a ser imposta ao suposto pai, para que este colabore com as despesas adicionais

advindas da gestação.27

No entanto, diferente deste entendimento, jurisprudência desde promulgação da LAG

( Lei de Alimentos Gravídicos) vem concedendo os alimentos gravídicos em favor do

nascituro. Pode-se citar alguns julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que

admitem a fixação dos alimentos para garantir ao nascituro o direito à vida com um

desenvolvimento sadio.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. AUSÊNCIA DE PROVAS DA PATERNIDADE.

26 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, 6. ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 353. 27 Idem.Ibidem Pag. 353.

31

POSSIBILIDADE. A situação posta ao amparo da lei que garante os alimentos gravídicos, por si só, já traz circunstâncias de difícil comprovação, quando se está em sede de provimento liminar. É patente a dificuldade que existe na produção da prova da paternidade enquanto a criança ainda não é nascida. Fica difícil para a mãe, de plano, mostrar que tem um bom direito. Mostrar que o filho que ela carrega é do homem que está sendo demandado. Por isso, em casos nos quais se pedem alimentos gravídicos, algumas regras que norteiam a fixação de alimentos devem ser analisadas com um tanto de parcimônia. É necessário flexibilizar-se certas exigências, as quais seriam mais rígidas em casos de alimentos de pessoa já nascida. Não se pode exigir que a mãe, de plano, comprove a paternidade de uma criança que está com poucos meses de gestação. Por outro lado, não há como negar a necessidade da mãe de manter acompanhamento médico da criança, fazer exame pré-natal, e outros procedimentos que visam ao bom desenvolvimento do filho e que demandam certos gastos. Por isso, no impasse entre a dúvida pelo suposto pai e a necessidade da mãe e do filho, o primeiro deve ser superado em favor do segundo. É mais razoável reconhecer contra o alegado pai um "dever provisório" e lhe impor uma obrigação também provisória, com vistas à garantia de um melhor desenvolvimento do filho, do que o contrário. Nesse contexto, apesar da completa ausência de provas acerca da paternidade os alimentos vão fixados em 30% do salário mínimo.28

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM FAVOR DA COMPANHEIRA E ALIMENTOS GRAVÍDICOS. BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADES. Havendo indícios da existência da união estável resta configurado o liame a justificar o dever alimentar, partindo-se da obrigação de assistência mútua entre o casal. Comprovada a necessidade da companheira-alimentada e do nascituro, bem como a possibilidade companheiro-alimentante, hão de ser alcançados alimentos à companheira e ao nascituro em valor compatível ao binômio alimentar. 29

Antes mesmo da promulgação da lei os Tribunais já vinham reconhecendo o direito do

nascituro a alimentos:

Agravo de instrumento. Alimentos provisórios. Despesas com nascituro. As despesas pré-natais com o nascituro podem sustentar a fixação de alimentos provisórios. Prova dos autos. A prova dos autos em seu conjunto afirmam a

28 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, agravo de instrumento n.70039408901. Relator: Des.

Rui Portanova, julgado em : 28/10/2010. Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em: 6 de nov.

2010. 29 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, agravo de instrumento n.70039408901. Relator: Des.

Rui Portanova, julgado em : 28/10/2010. Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em: 6 de nov.

2010.

32

certeza do despacho judicial, não só quanto a condenação como ao valor fixado. Agravo improvido.30

UNIÃO ESTÁVEL – ALIMENTOS PROVIOSÓRIOS – EX-COMPANHEIRA E NASCITURO – PROVA – 1. Evidenciada a união estável, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade da ex-companheira, que se encontra desempregada e grávida, é cabível a fixação de alimentos provisórios em favor dela e do nascituro, presumindo-se seja este filho das partes. 2. Os alimentos poderão ser revistos a qualquer tempo, durante o tramitar da ação, seja para reduzir ou majorar, seja até para exonerar o alimentante, bastando que novos elementos de convicção venham aos autos. Recurso provido em parte..31 EMENTA: ALIMENTOS EM FAVOR DE NASCITURO. Havendo indícios da paternidade, não negando o agravante contatos sexuais à época da concepção, impositiva a manutenção dos alimentos à mãe no montante de meio salário mínimo para suprir suas necessidades e também as do infante que acaba de nascer. Não afasta tal direito o ingresso da ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos. 32

De acordo com as jurisprudências supracitadas, pode-se afirmar que legitimidade

expressa reconhecida pelos Tribunais é a de que o nascituro tem direito assegurado aos

alimentos, ou seja, a mulher tem interesse autônomo de pleiteá-los em direito próprio, pois o

que se almeja é a proteção da atividade gestacional para que o nascituro tenha um

desenvolvimento saudável resguardando o direito à vida.

30 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ação de alimentos n. 596067629. Rel. Des. Tupinambá

Miguel do Nascimento. Julgado em 17/07/96. Disponível em: : < http://www1.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em ; 6 de

nov. de 2010. 31 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ação de alimentos n. 70017520479. Rel. Sérgio Fernando

de Vasconcellos Chaves, Julgado em 28.03.2007. Disponível em: : < http://www1.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em ;

6 de nov. de 2010. 32 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Agravo de Instrumento n. 70018406652, Sétima

Câmara. Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 11/04/2007. Disponível em: : < http://www1.tjrs.jus.br/site/>.

Acesso em ; 6 de nov. de 2010.

33

4. 2 – Os Aspectos Processuais da Lei n.º 11.804/2008

O procedimento previsto na lei para assegurar alimentos à gestante desde a concepção

do nascituro até seu nascimentos seguirá os seguintes requisitos: o foro competente será o

domicilio do alimentado, ou seja da autora da ação. Esta, porém, exige como pressuposto

indícios de paternidade e seguirá como critério a necessidade da gestante e a possibilidade do

suposto pai.

A duração da prestação alimentícia corresponde ao período de gravidez e uma vez

ocorrido o nascimento com vida, os alimentos gravídicos se converterão em pensão

alimentícia. A incidência dos alimentos se dá desde o despacho da petição inicial.

Importante destacar que a lei fixa no Art. 7.º um prazo de cinco dias para o réu

apresentar resposta, conferindo um prazo especial para a contestação. Para o professor

Francisco Jose Cahali esse prazo cria um procedimento próprio de defesa, quando melhor

teria sido manter o rito da Lei dos Alimentos. Para o autor é ilusório que a redução do prazo

de defesa assegurará a celeridade de um processo que tem natural complexidade. 33

O Art. 5º que dispunha sobre audiência de justificação após o recebimento da inicial

fora vetado com a justificativa de que em nenhuma outra ação de alimentos é obrigatória tal

audiência, retardando desnecessariamente o processo. Porém, não se exclui a possibilidade de

audiência de justificação se o juiz a seu critério considerar que as provas documentais não

permitem um convencimento seguro para decidir a respeito dos alimentos gravídicos.

O Art. 8º do projeto, o qual dispunha que havendo oposição da paternidade,

condicionava a sentença de procedência do pedido do autor à realização de exame pericial,

porém tal artigo também foi vetado, pois não se pode delimitar ainda mais a função do

julgador na verificação da existência de indícios de paternidade do nascituro imputada à parte

ré. No então, os indícios de paternidade de que trata o art. 6º da lei devem ser analisados com

prudência pelo julgador.

33CAHALI, Francisco José apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, 6.ed.. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2009. p. 354.

34

4.3 – Os Alimentos Gravídicos Avoengos

O art. 1698 do Código Civil permite que, caso aquele que deva em primeiro lugar prestar

alimentos não estiver em condições de suportar o encargo, serão chamados para concorrer os parentes

de grau imediato. Porém, quando se trata de alimentos gravídicos a doutrina se divide.

Leandro Lomeu34 defende a prestação dos alimentos gravídicos avoengos:

Tudo isso, claro, depois de resguardadas as ordens para se pedir alimentos, ou seja: ao pai, na falta destes aos avós, e assim sucessivamente. De tal modo, somente após a demonstração da inexistência ou da impossibilidade de um dos parentes de determinada classe em prestar alimentos é que se pode pedir alimentos a parentes pertencentes às classes mais remotas. Valendo tal assertiva para os alimentos gravídicos tradicionais e os gravídicos.

No entanto, parte da doutrina que entende que a titularidade dos alimentos gravídicos

seria da gestante, e não do nascituro, para eles não há qualquer dever alimentar dos avós com

a pessoa da gestante, pois aqueles não possuem nenhum vinculo de parentesco com a pessoa

da gestante. Por outro lado, considerando o nascituro como titular de tais alimentos nada

impede a possibilidade de alimentos avoengos, pois entre os avós e o nascituro haveria um

vínculo familiar. 35

34LOMEU, Leandro Souza. Alimentos Gravídicos Avoengos. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=505>. Acesso em: 10 de nov. de 2010. 35 SANTOS, Maria Alice Souza de. Da Titularidade dos Alimentos Gravidicos: uma (Re) visão das Teorias do

início da personalidade. Set 210. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=599. >Acesso em

13 de nov. de 2010.

35

4.4 – Da Irrepetibilidade dos Alimentos Gravídicos Decorrente da Improcedência da

Paternidade

O direito alimentar tem como um de seus mais relevantes princípios a irrepetibilidade

dos alimentos, ou seja não existe a hipótese de o credor dos alimentos vir a ser compelido a

devolver as parcelas percebidas por força de decisão judicial. Porém, pode acorrer que a ação

de alimentos gravidicos seja movida em face daquele que não é o verdadeiro pai.

No projeto de lei o art. 10 dispunha que caso o exame pericial de paternidade

resultasse negativo, o autor deveria responder objetivamente pelos danos morais e materiais

causados ao réu. Este dispositivo, todavia feria o acesso à justiça, prevendo direito a

indenização pelo simples fato de se ter acionado o suposto pai judicialmente.

Contudo, a doutrina é divergente quando a possibilidade do réu da ação de alimentos

gravídicos pleitear indenização à autora da ação. Neste diapasão argumenta Marcelo Truzzi36:

O Código Civil não compadece com a má-fé (art. 10), reprime o exercício abusivo do direito (art. 197), pune a postura desleal (art. 422), mesmo o negócio jurídico, em seu aspecto formal, esteja revertido de formalidade legais. Se uma das partes celebrou um contrato com reserva mental, este ato, mais que uma violação ao art. 110 do Código, contraria o principio ético norteador das condutas humanas imposto pela nova lei. Essa mudança de postura principiológica do Cödigo de 2002 é que nos conduz a repensar a irrepetibilidade dos alimentos quando o alimentado houver agido com dolo, má-fé ou abuso de direito.

Deste modo, o veto não retira a responsabilidade civil decorrente da improcedência da

ação direcionada a quem não é pai. Então, através de ação própria, o réu da ação de alimentos

poderá pleitear indenização contra a mãe que promover o pedido de alimentos gravídicos,

caso fique demonstrado a má-fé ou o exercício abusivo de seu direito.

Contudo, Maria Berenice Dias prestigia o veto ao citado artigo, pois para a autora este

abria um perigoso antecedente, pois dá espaço para que toda ação desacolhida, ou extinta dê

direito indenizatório ao réu, gerando uma afronta ao acesso à justiça e ao Estado Democrático de

Direito37.

36 ALMEIDA, Jesualdo Eduardo Junior. Alimentos gravídicos. Revista Jurídica. n. 374. p. 78. dez. 2008. 37 DIAS, Maria Berenice. Alimentos gravídicos?. Disponível em:< www.ibdam.org.br.> Acesso em: 10 de Nov.

de 2010.

36

Francisco José Cahali38 alerta que a obrigação de indenizar antes de ferir o direito de

acesso à justiça confere a esta uma maior seriedade e responsabilidade, pois para o citado

autor o próprio princípio da sucumbência representa em certa medida impor ao vencido a

responsabilidade de indenizar e este jamais fora considerado como uma ofensa ao acesso à

justiça. E, além disso, seria totalmente sem propósito e agressivo ao direito ao acesso à justiça

impor-se ao réu um prejuízo a qual ele não deu causa, sem garanti-lo o direito de pretender no

Judiciário a respectiva composição diante da lesão sofrida.

4.5 – As Críticas Doutrinárias em Relação à Lei n.º 11.804/2008

A Lei n.º 11.804/2008 foi recebida com grande entusiasmo pela maioria da doutrina.

Porém, Cleber Affonso Angelutti defende que a lei não introduziu nenhuma novidade no

ordenamento jurídico brasileiro, pois o nascituro já era considerado pelos tribunais como

titular de direitos. Sendo “alimentos gravídicos” apenas uma nova expressão para designar o

que já era previsto no ordenamento jurídico brasileiro.39

Além do mais é importante destacar que dos 12 artigos da Lei, metade não entrou em

vigor em virtude de veto presidencial por serem considerados inconstitucionais. O primeiro

artigo a ser vetado foi o art. 3º da lei, que estabelecia como foro competente o domicilio do

alimentante, seguindo a regra geral descrita no art. 94 do CPC. No entanto, se a norma visa

prestigiar a mulher grávida não faria o menor sentido manter esse artigo.

O art. 4º do projeto de lei determinava que a petição inicial, necessariamente deveria

vir instruída com laudo médico que atestasse a gravidez e sua viabilidade, a parte autora

deveria indicar as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispunha

para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha

aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e suas necessidades. Esse artigo também

impunha um ônus exagerado à gestante.

O Art. 5º (este já foi tratado do tópico 4.2) também contrariava toda a sistemática

vigente, pois impunha ao magistrado a realização de audiência de justificação para que

pudesse ouvir a parte autora, além de apreciar as provas da paternidade, podendo tomar

depoimento da parte ré, de testemunhas e requisitar documentos.

38 CAHALI, Francisco José. Dos alimentos. In: DIAS, Maria Berenice. Direitos das famílias São Paulo: Editora

dos Tribunais, 2009. p. 587. 39 ANGELUCI, Cleber Affonso. Alimentos gravídicos: avanço ou retrocesso? Revista CEJ. n. 44. Jan/mar.2009.

p. 66.

37

E, por fim, o art. 8º que previa que havendo oposição à paternidade a procedência do

pedido do autor que dependeria de exame pericial.

A respeito dos artigos vetados comenta Cleber Affonso Angelutti40

Constata-se, claramente, uma dissonância entre o texto em comento e a intenção da norma explicitada na sua ementa, num verdadeiro contrassenso entre a intenção e a práxis, dada a complexidade para sua viabilidade, em especial à mulher grávida, em que as dificuldade já lhe são peculiares.

Para o autor a norma que deveria ter um viés de resguardar a mulher gestante, em

metade dos artigos impunha empecilhos para que esta mulher conseguisse se valer dos

alimentos gravídicos tornando-se a obtenção desses alimentos uma batalha árdua e dificultosa,

o que não parecia ser a intenção do legislador.

Um outro argumento com a eficácia da Lei n.º 11.804/2008 é que a morosidade da

justiça brasileira é muito grande, sendo assim, a obtenção desses alimentos ficariam

prejudicadas. Denis Donoso41 defende essa tese:

A gestação humana dura em torno de trinta e seis semanas. Um processo leva anos até que seja definitivamente julgado. Estas duas realidades, enfim, parecem não se encaixar. A LAG tem uma proposta interessante e seu texto, no geral, é fruto de um competente trabalho legislativo. Mas, lamentavelmente, ela é insuficiente para vencer a morosidade da Justiça, claramente.

Por ser um tema novo, nesse panorama inicial, percebe-se que a doutrina e a

jurisprudência estão favoráveis a LAG. Os que alegam que a morosidade da justiça pode

atrapalhar a eficácia desta, não estão de todo errados, pois já é sabido que realmente a justiça

brasileira é conhecida pela sua lentidão e burocracia. Porém, existem mecanismos jurídicos

para que esse direito possa ser efetivado.

40 Idem.Ibidem p. 67. 41 DANOSO, Denis: Alimentos gravídicos: aspectos materiais e processuais da Lei nº 11.804/2008. Disponível

em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12219.> Acesso em 3 de jun. de 2009.

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CONCLUSÃO

Essa monografia teve como objetivo demonstrar os efeitos jurídicos e sócias trazidos

pela Lei n.º 11.804/08, haja vista serem os alimentos gravídicos uma garantia ao direito à vida

do nascituro .

Para a realização do presente estudo, foi feita uma análise da doutrina e jurisprudência

para apontar de que maneira esta lei contribui para resguardar os direitos do nascituro.

Primeiramente, foi feita uma breve analise sobre os alimentos, depois foi discutido o conceito

de nascituro passando pelas teorias a respeito da aquisição da personalidade até se chegar ao

ponto crucial: o direito do nascituro a alimentos, sendo o nascituro o titular deste direito.

A doutrina atribui diversas garantias ao nascituro, como a possibilidade de receber

doação, reconhecimento antecipado e até póstumo, mas retroativo à concepção, ter um

curador quando o pai falece estando grávida a mulher, sem que ela tenha poder familiar,

acesso à progenitura e à sobrevivência.

A Lei n.º 11.804/08 foi promulgada justamente com o objetivo de resguardar mais um

direito ao nascituro, pois este já representa para a sociedade uma vida e devendo ter os seus

direitos resguardados desde a concepção, quando já se começa a formar um novo ser. A

mulher grávida tem a legitimidade autônoma para pedir alimentos que possam garantir a

sobrevivência do nascituro. Neste sentido este trabalho visa discutir a evolução social de ter

sido inserida a Lei dos Alimentos Gravídicos no ordenamento brasileiro e a sua importância

prática.

Os alimentos gravídicos são uma realidade nova no ordenamento brasileiro. Além, de

resguardar o nascituro, esta lei cria uma situação mais confortável para a mulher gestante, que

agora está amparada legalmente para pedir que o pai contribua com o filho desde antes de seu

nascimento.

Yussef Said Cahalli 42corrobora com a necessidade de alimentos desde a concepção:

O ser humano, por natureza, é carente desde sua concepção; como tal, segue o seu fadário até o momento que lhe foi reservado como derradeiro; nessa dilação temporal - mais ou menos prolongada -, a sua dependência dos alimentos é uma constante, posta como condição de vida

42 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4 ed. São Paulo: RT. 2009. p. 15.

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Este tema é de grande importância social, sendo fundamental que se faça uma pesquisa

aprofundada sobre o assunto, tendo em vista o insatisfatório conhecimento na doutrina. Além

do mais, esta lei, representa um importante passo, para a proteção da infância, desde a

concepção até o nascimento, quando os alimentos gravídicos, se transformarão em pensão

alimentícia.

A Lei n.º 11.804/08 preencheu uma lacuna existente no Código Civil, que deixava a

gestante desamparada, até o reconhecimento de paternidade pelo suposto pai, muitas vezes

obtido, depois de uma árdua batalha judicial. O estudo do tema vem aprofundar a busca de

uma paternidade responsável, com o compartilhamento das responsabilidades, entre os pais,

desde a concepção até o nascimento.

Leandro Lomeu43 ratifica a importância da lei:

Vislumbra-se através da Lei de Alimentos Gravídicos a busca incessante pela dignidade da pessoa humana, pessoa esta considerada desde a sua concepção. Alcança a nova legislação alimentícia as características atinentes a repersonalização do Direito Civil, a conseqüente despatrimonialização do Direito de Família e a responsabilização efetiva da parentalidade.

Portanto, o tema estudado, interage com os direitos da infância, com os direitos da

mulher e, principalmente com o direito à vida. Sendo os alimentos gravídicos de grande

relevância social, pois contribuem para a integridade da pessoa, sua formação e conservação,

tendo como direitos secundários à personalidade, à dignidade e à cidadania, que são direitos

fundamentais assegurados pela Carta Magna.

Espera-se que o presente estudo seja mais uma fonte de pesquisa para os interessados

pelo tema tratado e que sirva como inspiração para outros pesquisadores.

43 LOMEU, Soares Leandro: Alimentos Gravidico: Aspectos da Lei n.º 11.804/0, 19/11/2008. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=467,. Acesso > Acesso em 21de mar. de 2009.

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