flavia braga nogueira cupolillo, como se faz um tijucano

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA MESTRADO EXECUTIVO EM GESTÃO EMPRESARIAL DISSERTAÇÃO APRESENTADA POR: Flavia Braga Nogueira Cupolillo TÍTULO Como se faz um tijucano? Reflexões sobre consumo, identidade e masculinidade em um bairro carioca. PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: Eduardo André Teixeira Ayrosa RIO DE JANEIRO – BRASIL 2007

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Page 1: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMP RESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA MESTRADO EXECUTIVO EM GESTÃO EMPRESARIAL

DISSERTAÇÃO APRESENTADA POR:

Flavia Braga Nogueira Cupolillo

TÍTULO

Como se faz um tijucano? Reflexões sobre consumo, identidade e masculinidade em um bairro carioca.

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: Eduardo André Teixeira Ayrosa

RIO DE JANEIRO – BRASIL

2007

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Como se faz um tijucano? Reflexões sobre consumo, identidade e masculinidade em um bairro carioca.

Por

Flavia Braga Nogueira Cupolillo

Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas para obtenção do grau de Mestre em Gestão Empresarial.

Orientador: Professor Eduardo André Teixeira Ayrosa

Julho 2007

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ii

“Il faut savoir s`instruire dans la gaieté. Le savoir triste est un savoir mort. L`intelligance est joie”. (Voltaire)

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iii

Aos meus pais dedico este resultado.

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iv

Agradecimentos

Gostaria de agradecer especialmente ao meu orientador, o professor Eduardo Ayrosa, pela

amizade e dedicação, e em especial pela paciência com que me conduziu através desse

processo de aprendizado, em forma de espiral, que é a pesquisa acadêmica. E ainda a

maneira como me ajudou a vencer os obstáculos que emergiram ao longo desse percurso.

À minha família agradeço pelos valores até hoje ensinados, o apoio nos momentos difíceis

e a certeza de que sempre estará por perto.

Também gostaria de agradecer ao doutorando Bill Pereira Nunes por estar sempre disposto

a ajudar. Como um amigo, sempre me apoiou e, como acadêmico, me conduziu nessa

pesquisa.

Aos colegas do mestrado executivo que me acompanharam durante esses 2 anos na FGV,

com bom humor e seriedade.

Page 6: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

v

Resumo O amor do carioca pela cidade do Rio de Janeiro é notório. Além do carioca, existe um

grupo social, cujo amor pelo bairro também é peculiar, os tijucanos. O bairro da Tijuca,

famoso pela sua tradição e pelo seu progresso ocorrido na década de 60, no que tange à

identidade local - tijucana, é um dos locais da ‘cidade maravilhosa’ que mais se destaca no

cenário carioca. O tijucano pode ser considerado uma “personalidade” carioca e os seus

hábitos de consumo, não ultrapassam os limites do bairro. Cercado de histórias e de

características pitorescas, a formação do tijucano, adjetivo de orgulho dos moradores do

bairro, destaca-se como foco deste estudo. Ser tijucano incondicional, gostar de andar pela

Tijuca, de ir à praça, freqüentar bares, acabou se tornando uma peculiaridade no cenário

carioca, junto com o Ipanemense, o Barrense e tantas outras que constroem o Rio de

Janeiro.

Apesar da crescente visibilidade, são poucos os estudos que procuram compreender a

forma como os homens heterossexuais - doravante homens - interagem com o mundo dos

bens. Tendo em vista maior interesse nesse foco de estudo e no mundo contemporâneo, o

sentido do consumo ampliou-se. Este estudo tem o objetivo de compreender como o

homem da Tijuca utiliza o mundo dos bens para se tornar um homem. Essa análise é

crucial para desvendar a construção da identidade de gênero masculina de indivíduos

oriundos do bairro da Tijuca. Os dados foram coletados por meio de entrevistas em

profundidade, com nove homens tijucanos, durante o mês de janeiro de 2007. Os

resultados demonstraram que os homens da Tijuca interagem intensamente com os

serviços e locais do bairro durante a construção da identidade de gênero e local. Foi

possível constatar quatro etapas distintas, através das quais, os sujeitos utilizam o mundo

dos bens para se identificarem como homens tijucanos. Desta forma, pode-se concluir que

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vi

os indivíduos consomem produtos e locais específicos em estratégia de: definição da

masculinidade e identidade local (ainda quando jovens), afastamento, assimilação,

aceitação e reforço dessa identidade.

PALAVRAS-CHAVE: marketing, cultura e consumo, consumo, identidade de gênero,

construção de identidade.

Page 8: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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Abstract

The love of cariocas for the city of Rio de Janeiro is widely known. As well as the

cariocas, there is another social group, called tijucanos, which the love for the

neighborhood is peculiar. The Tijuca zone, known by its tradition and development during

the 60’s, due to his local identity – tijucana, definitely deserves prominence in the

‘wonderful city’. The people of Tijuca can be known as a “personality” in Rio, and their

habits of consumption seldom exceed the area’s limits. Enclosure of histories and special

characteristics, how to be a tijucano, an adjective that people of Tijuca are proud of, is one

of the focus of this present study. To be an unconditional tijucano, who loves to walk

around in the neighborhood, in the square, enjoy their lives in famous bars, ended up as a

peculiarity in the carioca scenario, together with the people of Ipanema, Barra and many

others, that together make Rio de Janeiro a unique city.

In spite of the increasing visibility, there are few studies trying to understand the way

heterosexual men interact with the world of consumer goods. In view of the great interest

and in the contemporary world, the meaning of consumption has increased. The object of

the present study is to try to understand how the people from Tijuca use the world of

consumer goods to “become a man”, i.e., to construct their male heterosexual identity. This

analysis is crucial to investigate the construction of masculine gender identity of the people

from Tijuca. The study was based on data gathered through deep interviews with nine men

from Tijuca during the month of January 2007. The results have shown that the tijucanos

interact with the neighborhood services and locals during the process of construction of

gender and local identity. It was possible to notice that there are four differents stages, by

means of, people use the world of consumer goods to identify themselves as men from

Tijuca. Therefore, it is possible to conclude that it occurs the consumption of specific

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products and places in strategy to: define masculinity and local identity (when young

person), move aside, assimilation, acceptation and reinforcement of that identity.

KEY WORDS : marketing, consumer culture, consumption, gender identity, identity

construction.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1

1.1. O PROBLEMA........................................................................................................ 10 1.2. OBJETIVOS DO ESTUDO......................................................................................... 12 1.3. RELEVÂNCIA ........................................................................................................ 12 1.4. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO................................................................................... 14 1.5. DELIMITAÇÃO ....................................................................................................... 15

2. REFERENCIAL HISTÓRICO................................................................................ 18

2.1. O BAIRRO DA TIJUCA ........................................................................................... 18 2.2. O ‘TIJUCANO’ ....................................................................................................... 28

3. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 30

3.1. COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR.................................................................... 30 3.2. CONSUMO COMO TROCA SIMBÓLICA..................................................................... 35 3.3. IDENTIDADE.......................................................................................................... 47

3.3.1. Construção de identidade através do consumo............................................... 53 3.4. IDENTIDADE DE GÊNERO....................................................................................... 57

3.4.1. Identidade de Gênero Masculino.................................................................... 60

4. METODOLOGIA...................................................................................................... 64

4.1. UNIVERSO E CORPO DE DADOS............................................................................. 67 4.2. SELEÇÃO DE SUJEITOS.......................................................................................... 69 4.3. COLETA DE DADOS............................................................................................... 71 4.4. TRATAMENTO DE DADOS...................................................................................... 74 4.5. LIMITAÇÕES DO MÉTODO..................................................................................... 78

5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ............................................................................. 80

5.1. A CONSTRUÇÃO DO HOMEM TIJUCANO................................................................. 85 5.2. AFASTAMENTO DA IDENTIDADE LOCAL ............................................................... 96 5.3. ASSIMILAÇÃO E ORGULHO DA IDENTIDADE TIJUCANA........................................ 106 5.4. ACEITAÇÃO E O PADRÃO COMPORTAMENTAL DO TIJUCANO............................... 122

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................129

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 137

8. ANEXOS .................................................................................................................. 148

8.1. ANEXO 1 – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ...................................................... 148 8.2. ANEXO 2 – ROTEIRO SEMI-ESTRUTURADO DE ENTREVISTAS............................. 149

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Praça Saens Peña – Antiga ............................................................................. 21 FIGURA 2: Praça Saens Peña em 1960 .............................................................................. 22 FIGURA 3: Cine Metro, 1950............................................................................................. 22 FIGURA 4: Vista aérea da Tijuca em 2006 ........................................................................ 24 FIGURA 5: Jornal de Bairro Niterói – Nascia há 25 anos O Globo Tijuca........................ 25 FIGURA 6: O primeiro jornal de bairro do O Globo, 23 de março de 1982 ...................... 26 FIGURA 7: O bairro da Tijuca é o primeiro a ganhar suplemento em 1982 ...................... 27

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LISTA DE QUADROS E TABELAS QUADRO 1: Relação dos respondentes para pesquisa. ...................................................... 70

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1. INTRODUÇÃO

SEMPRE TIJUCA

Música: Profa.: Maria Alves Saraiva Letra: Profa.: Lourdes Figueiredo

Entre morros verdejantes A Tijuca foi crescendo Nas mansões, saraus e festas E nas ruas serestas, Violões tocando

Pelo ar os sons plagentes Depois o silêncio vinha Envolvendo em paz As frias madrugadas De um passado Que não volta mais...

Mas no coração A Tijuca não mudou (BIS) Mantém a tradição, a tradição

Ainda em disco de vinil, a Tijuca, na época muito conhecida como um bairro de

tradição e progresso, recebeu uma homenagem através da canção – Sempre Tijuca.

Lourdes Figueredo e Maria Alice Pinto Saraiva realizaram essa homenagem à Tijuca com

o hino apresentado acima em julho de 1965. No mês de agosto de 1978, foi certificado, na

forma da legislação em vigor, o registro da propriedade intelectual sobre essa obra musical.

As referências que seguem se baseiam no livro “Tijuca, memória de um bairro” e

nos arquivos da VIII Região Administrativa. A Tijuca dos anos 60, como mostra a autora

do hino, era famosa pelo seu tradicionalismo e pela existência das mansões, anteriormente

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habitadas por grupos de alto poder aquisitivo, como comerciantes abastados, diplomatas e

nobres, por exemplo.

Essa elite presente na Tijuca possibilitou que o lugar ganhasse destaque entre os

bairros do Rio de Janeiro como um ambiente aristocrático. As grandes casas e festas, como

as destacadas no hino, estavam mais precisamente localizadas nas ruas Hadock Lobo e

Conde de Bonfim.

Como poderá ser observado mais à frente no item Referencial Histórico, o bairro da

Tijuca foi deixando de ser um lugar de residência da burguesia para se transformar em um

local de moradia de funcionários públicos, comerciantes locais e profissionais de fábricas,

o que, de certa maneira, gerou o aumento progressivo da classe média no local. Desta

forma, enquanto os moradores com alto poder aquisitivo buscavam locais mais próximos

da orla do Rio de Janeiro, como Copacabana e Ipanema, a classe média foi expandindo e

ocupando a Tijuca. Um aspecto que é importante observar nesse momento da história e de

transformação do bairro é que, apesar do estabelecimento da classe média e de inúmeras

construções de prédios de apartamentos, ainda é possível verificar na Tijuca de 2007,

algumas mansões e casas bastante antigas, em que ainda residem os proprietários,

perpetuando, assim, o tradicionalismo do bairro, o que também está sendo apalavrado pela

autora na última linha do hino Sempre Tijuca.

Ainda de acordo com a literatura sobre o bairro, foi possível perceber que, ao

mencionar o bairro Tijuca, são perceptíveis um contraste e uma dicotomia no discurso dos

atores sociais. Nessa divisão fica clara a noção de moradores da Zona Norte e da Zona Sul.

A Tijuca, por sua vez, é considerada por seus habitantes como um bairro que não

detém as características da Zona Sul. Localizado na Zona Norte, o local possui algumas

características dos bairros localizados nesse escopo geográfico, porém, não é similar a

outros bairros dessa área, considerados pelos tijucanos como subúrbio. Desta forma, e por

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meio de um estudo interpretativo das declarações dos tijucanos, será possível iniciar uma

delimitação do que é ser um tijucano e o que é NÃO ser um tijucano. De acordo com

Woodward (2000), pode-se entender a identidade pela diferença e oposição, o que, de fato,

está explícito na construção da identidade tijucana. O tijucano não é um sujeito morador da

zona sul e tampouco da zona norte, subúrbio.

Apesar da grande heterogeneidade presente na Tijuca hoje, da multiplicidade de

diferenças, no que diz respeito por exemplo à classe econômica dos moradores e número

de favelas, as características dos moradores, seus hábitos, suas crenças, seus valores,

contribuem para a constituição da identidade tijucana.

Na Tijuca é possível perceber um consumo especial. A imensurável movimentação

da Praça Saens Peña e a pulsação do Largo da Segunda-Feira, onde é somente possível

visualizar murmurinho de pessoas caminhando para lados opostos, é algo indescritível.

É preciso destacar também a sua importância na educação de jovens cariocas, com

o tradicionalismo do Colégio Militar. Além disso, não se pode deixar de mencionar a

presença no bairro dos grandes cinemas nas décadas de 40 e 50. Cinemas estes cuja

estrutura era de grande porte e onde a exposição de artigos luxuosos e da nobreza estavam

presentes.

A tradição do bairro e o segmento de tijucanos despertaram a atenção de alguns

jornalistas. Existe um jornal, Grande Tijuca, de publicação mensal e sua temática versa

apenas sobre assuntos locais. As suas matérias buscam aglutinar todos os acontecimentos

do mês, as programações e propagandas de comércio local. Esse produto também é motivo

de orgulho do tijucano.

Em função das particularidades e autenticidade do bairro, optou-se por um estudo

que visa compreender a formação do homem tijucano através do consumo, ressaltando a

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importância do local de moradia (presente ou passado) na construção da identidade de

gênero masculina.

É possível verificar recorrentemente na literatura existente sobre a Tijuca que ser

tijucano é um estado de espírito. O tijucano tem uma relação de “dependência química” do

bairro. É aquele que tem orgulho de morar na Tijuca, que aprecia a praticidade do bairro,

que se refere à Praça Saens Peña como “A Praça” e que simplesmente consome o bairro. O

tijucano é ainda aquele sujeito que, apesar de não morar mais na Tijuca, pensa nela e na

família todo o tempo. Sempre quando pode, prefere ter uma refeição com os pais e,

rotineiramente, consome os serviços do bairro exatamente como o fazia quando morava no

local. Compras no shopping Tijuca, corte de cabelo, ida à bares com amigos são exemplos

que ilustram esse procedimento.

Vale destacar que os tijucanos são os únicos indivíduos detentores de origem no

bairro que possuem um gentílico. Ou seja, uma classe de palavras que designa um

indivíduo de acordo com o seu local de nascimento ou residência - um grupo à parte de

adjetivos derivados de substantivos relacionados a países, estados, continentes, regiões,

províncias, cidades, aldeias, vilas e povoados. É relevante mencionar que o mesmo não

ocorre com os moradores de bairros como: Copacabana, Leblon, Ipanema, Botafogo,

Estácio, Grajaú, entre outros. Esse aspecto foi um dos principais pontos que motivou o

estudo deste grupo.

Uma vez que são os homens tijucanos utilizados como foco de estudo do presente

trabalho, julgou-se interessante abordar nesse momento o conceito de bairro. Segundo o

dicionário de ciências sociais da Fundação Getúlio Vargas, o bairro propriamente dito está

situado entre a zona do centro e o subúrbio. Trata-se de um grupo em uma localidade,

vinculado por uma unidade geográfica e urbanística, onde a vida social se desenvolve

dando satisfação às necessidades elementares. O bairro é o local onde as pessoas se

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conhecem e estabelecem intercâmbios culturais. Um bairro, para ser classificado como tal,

requer um determinado número de habitantes e serviços correspondentes. O bairro tem

uma semelhança com o povo a que se liga sentimentalmente, deve ser auto-suficiente,

possuir via de transportes, via de água, gás, energia. O bairro nas cidades brasileiras é um

aglomerado de vizinhanças que pode receber ou não sanção administrativa, ou o resultado

da incorporação de um povoado à estrutura urbana. Os bairros são delimitados e possuem

características próprias que os tornam singulares.

De acordo com a delimitação geográfica da Prefeitura do Rio de Janeiro, o bairro

da Tijuca está inserido dentro da VIII Administração Regional – Tijuca. Nela também

estão presentes bairros como Alto da Boa Vista e Praça da Bandeira. Embora outros

bairros como Vila Isabel, Grajaú e Maracanã, também sejam considerados integrantes da

Grande Tijuca, eles estão inseridos na IX Administração Regional – Vila Isabel.

Porém, não interessa à autora desta pesquisa adotar esse conceito geográfico

delimitado de bairro, pois o que é mais relevante para o trabalho está inserido nas relações

sociais e culturais, as relações simbólicas dos indivíduos habitantes ou nascidos nessa

região denominada de Grande Tijuca. Desta forma, mesmo quando o tijucano não mora

mais no bairro, o discurso da identidade tijucana está presente na sua “alma”. Acredita-se

que morar em determinadas regiões do Rio de Janeiro possa ter conformidade com a

identidade a ser desempenhada pelo indivíduo.

Quem eu sou? É fato que grande parte dos indivíduos já deve ter realizado esta

pergunta para si mesmo. De acordo com Hall (2002), identidade é o conjunto de

características do indivíduo que representa quem ele é.

O indivíduo contemporâneo possui diversas identidades sociais a serem

desempenhadas durante a vida (HALL, 2002). A sua identidade hoje passa por um

processo de contínua formação e transformação em relação às formas pelas quais é

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6

representado ou interpelado nos sistemas culturais que o rodeiam. Isso significa que,

durante o período de vida, o indivíduo pode construir, sustentar ou destruir diferentes

identidades por ele desempenhada.

A construção da identidade social é uma questão teórica que se tem feito presente

em alguns trabalhos sobre grupo e subculturas de consumo. As diversas identidades que o

homem tem a desempenhar ao longo de sua vida são: a identidade de gênero, de raça, de

nacionalidade, de classe social, profissional. Desta forma, o indivíduo passa a ter uma

multiplicidade de identidades, como por exemplo: um homem brasileiro, advogado, pai de

dois filhos, esportista corredor, etc. Desta forma, cabe a ele a busca das alternativas e

definição do seu eu.

Apesar da existência de todas essas identidades desempenhadas pelo ser humano,

este trabalho dará ênfase na construção da identidade de gênero. As identidades de gênero

masculino e feminino não são definidas de acordo com a distinção corporal. Elas são

legitimadas de acordo com as características psicológicas e os comportamentos sociais

(ALSOP et al., 2002; SCHROEDER & ZWICK, 2004).

O indivíduo nasce com um sexo naturalmente definido (de acordo com sua essência

biológica) e não com a sua identidade de gênero definida, pois ela é definida socialmente.

Nesse sentido se torna, portanto, sujeito detentor de identidades de gênero masculina ou

feminina ao se tornar membro integrante do processo de relação social.

Um outro aspecto importante neste tema, que tem despertado interesse de

estudiosos é entender como os consumidores utilizam os bens e serviços e,

conseqüentemente, os significados simbólicos (culturalmente constituídos) atribuídos aos

mesmos para construção das diversas identidades sociais como as de gênero, de raça e

profissional. Desta forma, os bens e serviços, acompanhados de suas variáveis simbólicas,

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são utilizados para representar indivíduos socialmente, construir identidades, inserir e

excluir sujeitos em grupos sociais, distinguir uns dos outros.

A relação entre cultura e consumo, embora íntima e profana para os antropólogos,

sempre foi considerada marginal pelos demais cientistas sociais, economistas e

profissionais de marketing (BARBOSA, 2006). Ainda de acordo com a autora, o

argumento de que as pessoas consomem para satisfazer suas necessidades físicas e

biológicas, e por motivo racional de custo/benefício (teoria econômica), foi por muito

tempo disseminado como uma explicação de porque as pessoas consomem. Por outro lado,

mais recentemente, o processo de globalização, mercado mais unificado, novos desejos

surgindo, sucessos e fracassos consecutivos de empresas no mercado, fez com que

profissionais da área de marketing voltassem a sua atenção para um aspecto até então

ignorado: as características culturais.

Atribuir uma vertente antropológica e cultural aos estudos de comportamento do

consumidor na área de marketing vem aparentemente conquistando espaço. “Certamente,

esse movimento merece atenção e explicação. Afinal, consumir é uma das mais básicas

atividades do ser humano” (BARBOSA, 2006, P. 7). Porém, até recentemente, o interesse

pelo tema ainda era pequeno e restrito além de estar principalmente voltado para um viés

mais econômico e nunca no âmbito das ciências sociais. Para Barbosa (2006) e Slater

(2002), hoje esse quadro se modificou e desfruta de relações com pesquisadores e

profissionais de áreas externas. Portanto, nos estudos da antropologia do consumo, de

cultura e consumo, estão envolvidas diversas áreas como antropologia, sociologia, além da

área de marketing (BARBOSA & CAMPBELL, 2006; CAMPBELL, 2001;

McCRACKEN, 2003; SLATER, 2002;).

Segundo McCracken (2003), cultura pode ser entendida como as idéias e atividades

através das quais uma sociedade fabrica e constrói os significados do mundo em que estão

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8

inseridos. Estudar a forma como os indivíduos constroem esses significados, por meio da

compra e da posse dos bens, tornou-se ponto crucial na compreensão do comportamento do

consumidor.

De acordo com Slater (2002), a reavaliação do consumo ao longo das linhas da

contemporaneidade está vinculada à experiência de um mundo inteiramente transformado,

não só economicamente, mas também social e culturalmente. A cultura e os significados

nela constituídos estão intimamente relacionados com a forma de consumo do indivíduo da

sociedade contemporânea (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004; McCRACKEN, 2003;

SLATER, 2002;).

O consumo simbólico e conseqüentemente os significados culturalmente

constituídos e atribuídos aos bens têm como característica intrínseca a preocupação de

inserção em grupos sociais; preocupação em manter e representar as suas imagens ou

identidades, em consumir produtos que condizem com as suas respectivas personalidades,

que possam melhor representá-los. Os significados são, portanto, criados e disseminados

dentro de uma cultura através da interação social (BELK, 1998; McCRACKEN, 2003).

Eles são, desta forma, construídos socialmente e utilizados como base para o consumo.

Autores como Campbell (2001), Douglas e Isherwood (2004) e McCracken (2003)

afirmam que os indivíduos não buscam nos bens e serviços somente o suprimento das

necessidades básicas, e sim suas propriedades simbólicas, cujo principal objetivo está na

representação social, na definição da sua identidade social.

Pode-se afirmar, assim, que a identidade de um indivíduo é construída e

influenciada pelo consumo e pelas relações sociais (HALL, 2002). Belk (1988), afirma que

as posses e o consumo ajudam a definir a identidade do indivíduo.

Os indivíduos homens tijucanos aqui estudados convivem, portanto, em um espaço

urbano complexo, repleto de diferenças sociais, como o bairro da Tijuca, localizado dentro

Page 21: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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do Rio de Janeiro. Situando-os neste contexto, é possível perceber que a variedade de

espaços de permanente interação é bastante significativa e conseqüentemente o mesmo

ocorre com os significados simbólicos a eles relacionados. Portanto, a aproximação ou o

afastamento desses espaços está intimamente relacionado com a identidade social desse

sujeito. Assim, esse universo é gerador de símbolos, os quais, ao serem consumidos,

direcionam e determinam a representação social do indivíduo.

Desta forma, o homem tijucano, para construir a identidade de tijucano, deve

consumir determinados produtos e serviços cujos significados simbólicos representam tal

objetivo. O que significa mencionar que a cultura local do bairro da Tijuca se reflete em

locais e serviços específicos e que, ao serem consumidos, se transformam em atributos

crucias para legitimação desses sujeitos.

Neste contexto, esta pesquisa é relevante ao proporcionar à comunidade acadêmica

e profissional uma melhor compreensão acerca das atitudes relativas ao consumo do

indivíduo como troca simbólica, objetivando a construção da identidade de gênero

masculina.

A análise será realizada à luz das teorias sobre comportamento do consumidor,

consumo simbólico e identidade social, gênero masculino. Os resultados deste trabalho

foram obtidos através de entrevistas em profundidade, as quais tiveram como objetivo

principal entender de que maneira homens heterossexuais tijucanos constroem a sua

identidade de gênero por meio dos significados simbólicos dos bens que consumem. Além

disso, foram alvo de estudo as peculiaridades que qualificam a identidade local desse grupo

social. Portanto, foi investigado como esse grupo de consumidores classificado como

homens tijucanos se relaciona com o mundo dos bens para construção de sua identidade de

gênero. Os tijucanos, nesse sentido, consomem para marcar a sua diferença com a cultura

dominante, para defender o seu estilo de vida e assimilar os seus códigos locais.

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Assim, o tijucano possui uma identidade particular altamente referenciada a um

sentimento de “pertencimento” ao bairro, ao local de moradia. Logo, como afirma Silva

(1993), é possível atribuir à Tijuca a característica de ser um local capaz de gerar uma

identidade.

1.1. O Problema

É possível perceber que, nos últimos anos, o interesse de alguns autores sobre

cultura e consumo, consumo simbólico e construção de identidade vem crescendo. Têm se

tornado bastante freqüente dentro do escopo de literatura existente no âmbito de cultura de

consumo discussões sobre identidade social. Em especial, aspectos relacionados à

construção de identidade através do consumo, apesar de ser um conceito muito pouco

desenvolvido, complexo e ainda pouco compreendido pela ciência social (HALL, 2002).

“Do ponto de vista empírico, toda e qualquer sociedade faz uso do universo

material a sua volta para se reproduzir física e socialmente” (BARBOSA & CAMPBELL,

2006, P. 22). Belk (1988) argumenta que não se pode entender o comportamento do

consumidor se não tiver um breve conhecimento sobre os significados que as pessoas

atribuem à suas posses. Dentro deste contexto, ele ainda afirma que todas as posses dos

indivíduos são tanto contribuintes como reflexos de suas identidades. Neste mesmo artigo,

o autor também ressalta que uma maneira pelo qual nos definimos é indicando a região de

onde nos originamos, como, por exemplo, sou tijucano, moro na Tijuca, nasci no bairro.

O consumo do significado simbólico daquele determinado produto ou serviço está

intimamente relacionado com a representação da identidade social. A partir deste contexto,

e ainda considerando que identidade está intimamente relacionada com o pertencimento a

grupos sociais, é possível afirmar que as identidades são construídas culturalmente. “Existe

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11

uma associação entre a identidade da pessoa e as coisas que uma pessoa usa”

(WOODWARD, 2000, P.10). Os consumidores ocupam hoje um mundo dos bens repleto

de significados, encarnando mensagens.

Nos últimos anos, a cultura material vem alcançando uma nova posição de

importância. Tê-la como um meio de comunicação, representação e marcação, significa

entender de todas as maneiras as categorias e princípios culturais. Nos objetos materiais

existem os significados simbólicos através dos quais os indivíduos expressam quem eles

são para os outros (WATTANASUWAN, 2005).

Como mencionado anteriormente, é comum observar na literatura descrições do

tijucano como alguém que detém um amor peculiar ao bairro. Saudosista, ele conhece toda

a sua vizinhança e, para fazer compras, não consegue andar até muito longe.

Através do consumo simbólico, podemos expressar quem nós somos, quais são os

nossos desejos. Consumir uma roupa, assistir a um tipo de filme, fazer lanche em um

determinado estabelecimento, ouvir música, consumir uma garrafa de vinho, ler um livro,

por exemplo, permite construir uma determinada identidade social, já que diz respeito ao

consumo de bens e serviços.

Assim, entende-se que neste bairro, único que detém moradores chamados por um

gentílico, ocorre a existência de consumidores detentores de hábitos de consumo urbano

particulares para construção e definição da identidade de gênero do homem tijucano. Dessa

forma, o problema central desta pesquisa é: de que maneira homens heterossexuais tijucanos

constroem a sua identidade de gênero por meio dos significados simbólicos dos produtos que

consumem?

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1.2. Objetivos do estudo

O presente trabalho tem como objetivo principal compreender como o consumo de

mercadorias ou serviços, seja ela carro, roupa, comida ou lazer, influencia e determina a

construção de identidade do homem tijucano. Em outras palavras, como o homem da

Tijuca usa o mundo dos bens para construir a sua identidade de gênero, masculinidade.

O estudo tem como objetivos secundários:

- levantar e descrever as características da identidade tijucana;

- analisar as particularidades de consumo destes homens no que tange à definição

de sua identidade;

- identificar junto a esses homens consumidores os principais motivos que os

conduzem ao consumo de um determinado tipo de produto ou serviço e não outros;

- compreender a consciência do indivíduo sobre o consumo simbólico para a

construção de identidade de homem tijucano.

1.3. Relevância

Muito embora exista uma vasta literatura sobre consumo e comportamento do

consumidor, nos últimos anos esta área tem demonstrado especial interesse em investigar

como o mundo dos bens afeta o processo de construção social de subculturas de consumo.

Muitos pesquisadores e estudiosos têm demonstrado, portanto, interesse especial em

entender como os consumidores utilizam os produtos e serviços para a construção de

diferentes identidades sociais.

Apesar de um significativo aumento das discussões sobre identidade social e

consumo simbólico, os estudos científicos nas áreas da antropologia do consumo e cultura

Page 25: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

13

e consumo ainda são escassos no Brasil, o que torna este trabalho particularmente

relevante. Sendo assim, na literatura brasileira, ainda é pequeno o número de trabalhos

científicos que melhor explorem o impacto do consumo na identidade do ator social.

De acordo com McCracken (2003), a mercadoria é um sistema de comunicação.

Para ele, os princípios de um homem podem estar intrínsecos à sua vestimenta. Isso

significa que mercadorias são instrumentos através dos quais o homem pode manifestar sua

personalidade, seus princípios e até mesmo a sua cultura. Assim sendo, o consumo de

determinado produto ou serviço pode se tornar um importante meio de comunicação,

representação e definição do se ‘eu’.

De acordo com Mort (apud, Caterall e MacLaran, 2002), nos últimos anos, muitas

agências de propaganda vêm mudando o seu foco nas maneiras de representar os homens

com o objetivo de desenvolver uma nova oportunidade de mercado. Com isso, é possível

constatar que o papel do homem na sociedade vem se modificando e se tornando foco de

alguns estudos. Em especial o homem urbano, cuja necessidade de pertencimento e

representação é ainda maior.

Atualmente, devido às diversas conseqüências advindas da globalização, o homem

passou a ser obrigado a possuir e construir diversas outras identidades sociais que não

somente aquela de homem trabalhador que saía de casa pela manhã, voltava para o almoço,

mais tarde para dormir e no final do mês seu salário era o suficiente para o sustento da

família.

Como a comunicação dos valores simbólicos encarnados nos produtos e serviços

depende do consumo, é de extrema relevância que os gestores de organizações

compreendam de maneira mais profunda as práticas e comportamentos de consumo de um

determinado grupo social, como, por exemplo, os tijucanos. E ainda os desejos e vontades

que influenciam o comportamento de consumo para esta representação social. Para que,

Page 26: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

14

uma vez entendido e muito bem definido o seu objeto de ataque, a empresa possa elaborar

de maneira mais certeira, a melhor estratégia de marketing para atingir o melhor

desempenho e obter vantagem competitiva.

Como os tijucanos constituem vários grupos de consumidores, é do interesse das

organizações produtoras de bens e serviços entender o que esses indivíduos estão buscando

no mercado, qual o significado desses bens para elas e ainda o quê influencia no seu

comportamento de compra. Tudo isso a fim de que elaborem um plano de marketing

voltado para o sucesso das empresas que apresentem interesse nesse grupo.

Assim como se pretende contribuir para o mercado de produtos e serviços, o

presente estudo agrega conhecimentos relevantes para a comunidade acadêmica da área de

marketing, pois poucos estudos nesta área no Brasil abordam o tema identidade e

construção de identidade através do consumo simbólico como foco de discussão.

Este estudo também é relevante aos estudiosos da área de sociologia, antropologia e

psicologia ao contribuir com questões sobre a influência do consumo na construção da

identidade do indivíduo.

1.4. Organização do estudo

Neste subitem, o principal objetivo é descrever como permanecerão estruturados os

capítulos seguintes. O capítulo dois apresenta o referencial histórico sobre o bairro da

Tijuca e o tijucano, o capítulo três, por sua vez, apresenta o referencial teórico sobre a área

de cultura e consumo abordando temas como comportamento do consumidor, consumo

como troca simbólica, construção de identidade, identidade de gênero. Já o capítulo quarto

apresenta um melhor detalhamento sobre a metodologia adotada neste estudo. No capítulo

cinco, estará a análise das entrevistas e serão apresentados alguns trechos capturados das

Page 27: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

15

conversas dos entrevistados, com inserções de comparativos realizados com o referencial

teórico. E, por último, será apresentada ao leitor a conclusão do trabalho, ressaltando os

principais pontos da análise, contribuições do estudo e assim como também algumas

indicações para pesquisas futuras.

1.5. Delimitação

O foco da pesquisa está no público consumidor masculino oriundo de um bairro da

zona norte do Rio de Janeiro, Tijuca, culturalmente denominado como tijucano. Não existe

a obrigatoriedade deste homem ter nascido no bairro. Porém, o integrante da pesquisa deve

ter construído a sua identidade de homem tijucano na localidade da Grande Tijuca e ainda

deve se considerar um tijucano.

O estudo aqui proposto pretendeu abordar o modo como o consumo ajuda homens

heterossexuais tijucanos a construírem a sua identidade de gênero. Para tanto, faz-se

necessária a delimitação deste estudo para ter como foco de pesquisa uma linha única de

investigação.

Entende-se neste trabalho que existe uma identidade masculina heterossexual. No

entanto, é possível afirmar que esta identidade pode ser percebida e legitimada de formas

distintas pelos sujeitos. Apesar de muitos deles ainda compartilharem a missão de

desempenhar as mesmas identidades na vida, eles não detêm os mesmos valores

emocionais, as mesmas relações pessoais e conseqüentemente a mesma representação.

Com isso, a obtenção de um mesmo produto com pretensões e formas de uso distintas,

pode fazer com que os homens construam identidades diferentes dentro de um mesmo

espaço social. Assim como afirma Woodward (2000), “existe uma associação entre a

identidade da pessoa e as coisas que uma pessoa usa” (WOODWARD, 2000, P. 10).

Page 28: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

16

Quanto à realização do estudo com tijucanos, tem-se uma razão prática para tal,

baseada em buscas em fontes secundárias como guias, livros de bairros e internet. Como,

por exemplo, esta citação retirada de um livro de bairros:

“Único bairro do Rio de Janeiro com um epíteto – tijucano” (ROSE & AGUIAR,

2004, P. 81).

E ainda esta crônica classificando o tijucano, retirada de um site:

“GRAU I: uma vez tijucano ...

Nesse grau, incluem-se todos aqueles que tiveram alguma passagem (mesmo que breve)

pelo bairro, mas, agora que estão libertos, guardam apenas alguns resquícios do velho

bairro. Não necessitam de café do Palheta ou comprar presentes na Importadora Guanabara

para sobreviver. Vivem suas vidas independentes da Tijuca em outros locais. Referem-se à

Praça Saens Peña como a qualquer outro local.

GRAU II: o tijucano "muderno"

Aqui se incluem aqueles que moram no bairro e se orgulham dele, porém reconhecem a

existência de vida inteligente em outros locais. São capazes de se locomover em outros

pontos do Rio e conseguem ir ao médico, dentista, banco, cinemas, restaurantes em outros

locais da cidade. Apesar de freqüentar o Tijuca Tênis Clube, a Matriz do Sagrado Coração,

Shopping 45 e o Shopping Tijuca isso não os torna (ainda) "dependentes químicos". Porém

já se referem à Praça Saens Peña como a simplesmente ... A PRAÇA.

GRAU III: o pseudo tijucano

Trata-se de um grupo cada vez mais crescente em nosso meio. Nesse se incluem todos

aqueles que não moram na Tijuca, mas adorariam estar lá. Habitantes do Grajaú, Praça da

Page 29: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

17

Bandeira, Largo da segunda feira, Estácio, Rio Comprido, Vila Isabel, Méier e etc, são

potencialmente integrantes desse grupo. Aqui incluí os "importados". Aqueles que por

razões afetivas, casamentos ou herança acabaram por ter sua vida igualada àquela região.

GRAU IV: o incurável

Esse sim, o tijucano clássico e já amplamente descrito. Aquele que vive o bairro e não

reconhece vida inteligente fora dele. Assíduo freqüentador do Tênis Clube e da Matriz do

Sagrado Coração, esse tijucano não consegue se locomover por outros locais. Seu dentista,

médico e banco têm que estar a no máximo 4 quarteirões "da praça". Há “dependência

química” grave do café e dos doces do Palheta. Compras ? apenas Shopping 45, Tijuca ou

Importadora Guanabara”.

De acordo com o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Ramos (2000), a

composição da população da Tijuca por gênero em 1996 era de 79.776 indivíduos homens,

100.744 mulheres, totalizando um montante de 180.520 sujeitos moradores do bairro da

Tijcua.

A Tijuca é um bairro que não somente conquistou os seus moradores assim como

também fez com que grandes autores da literatura brasileira se apaixonassem por ela, como

Machado de Assis e os seus personagens do romance Don Casmurro. Para entender um

pouco mais sobre o bairro da Tijuca hoje, é necessário compreender a sua história e o seu

processo de crescimento.

Um bairro dinâmico, tradicional, com forte comércio e com um estilo de vida

particular, assim é a Tijuca hoje.

Page 30: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

18

2. REFERENCIAL HISTÓRICO

2.1. O Bairro da Tijuca

Com o objetivo de entender melhor a bairro da Tijuca hoje, foi necessário ter

acesso à sua história. Para tanto, realizou-se uma série de pesquisas em livros como:

“Tijuca de rua em rua”, “Tijuca e Floresta – bairros do Rio”, “Tijuca, memória de um

bairro”. Foram feitas também consultas aos arquivos da VIII Região Administrativa bem

como a sites na internet sobre a Tijuca e seus arredores.

O Bairro da Tijuca situa-se na zona norte do Rio de Janeiro. Está envolto por

diversos outros que, por sua vez, se consideram fazendo parte da Tijuca. Hoje esta grande

região composta por outros bairros do subúrbio carioca é popularmente conhecida como a

Grande Tijuca. Nela estariam englobados bairros como Estácio, Vila Isabel, Andaraí,

Grajaú, Usina, Maracanã.

Considerado um bairro tradicional e de classe média do Rio de Janeiro, a Tijuca é

hoje um local geograficamente cercado por favelas como Borel, Salgueiro, morro da

Formiga e entre outros.

Para os tijucanos, ser chamado pelos outros de suburbanos é motivo de insatisfação,

pois não admitem serem classificados como tal. Desta forma, devido a este orgulho

imensurável dos tijucanos, muitos deles argumentam que a Tijuca é a zona sul da zona

norte.

A origem do nome Tijuca está no tupi e seu significado está relacionado a pântano,

lamaçal, brejo. Este nome, portanto, está vinculado não somente aos pantanais mas

também à fauna e flora, bastante presentes nessa região geográfica.

Page 31: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

19

Após a expulsão dos franceses, Estácio de Sá doou em 1565 uma extensa área de

terra à Companhia de Jesus. Em 1583, os jesuítas, povo que detinha o poder das terras até

então, resolveram montar uma série de três engenhos de açúcar. O primeiro foi chamado de

Engenho Velho, o segundo de Engenho Novo e o terceiro finalmente foi chamado de São

Cristóvão. Em 1759, os jesuítas foram expulsos do país e a grande sesmaria foi vendida

pelo governo acarretando assim a transformação de toda a estrutura que lá havia. Alguns

bens foram seqüestrados e as terras foram desmembradas. Essa região, que perdurou

durante quase duzentos anos sob as mãos dos jesuítas, hoje pode-se dizer que é a Grande

Tijuca.

No início do século XIX, a área, até então conhecida como Engenho Velho, passou

a ser caracterizada por diversas chácaras e palacetes. Essas residências pertenciam,

portanto, a nobres e estrangeiros abastados que aproveitaram a oportunidade e a fertilidade

da terra para explorar a área e ainda para ter um refúgio do calor e epidemias que

rondavam o centro da cidade no momento.

O tipo de plantação que mais estava presente na redondeza era a de café (principal

fator econômico que levou à ocupação intensa do bairro), depois a cana-de-açúcar,

mandioca e entre outras frutas. Com o plantio exacerbado do café e de mais especiarias,

ocorreu a destruição da Floresta da Tijuca e outras áreas na redondeza. Isso significa dizer

que, em 1840, o governo imperial teve que dar início ao processo de reflorestamento da

região. Em contrapartida, ao mesmo tempo em que as plantações estavam à tona, o bairro

da Tijuca ia crescendo e se tornando a cada dia um bairro tradicional da cidade do Rio de

janeiro.

Para muitos estrangeiros que viveram aqui no Brasil entre 1810 e 1830, a Tijuca era

um bairro notoriamente “nobre”, pois tinha bons hotéis, boas residências e ainda grandes

plantações. As suas chácaras eram ocupadas por pessoas de posição social elevada. Neste

Page 32: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

20

período e um pouco mais tarde (1870), a Tijuca também foi muito procurada pelos

estrangeiros devido ao clima ameno e aos bons ares que lá estavam. Nesta época, o ideal de

qualquer família carioca era residir nos bairros de São Cristóvão, Caju ou Tijuca. Áreas

que eram generosas em beleza, habitadas pelos ricos da época, herdeiros dos nobres que

acompanharam a vinda da família real no início do século e fixaram residência nos

arredores da quinta da boa vista, local da moradia oficial da realeza. O local era, portanto,

um bairro de destaque devido à sua população aristocrática.

Em 1859, os primeiros bondes da América do Sul lá trafegavam de forma

experimental. Eram bondes com tração animal, pois os bondes elétricos só foram chegar ao

local em 1892. Estes veículos de massa eram chamados de “carros da Tijuca” ou

“maxambombas”. Apesar de serem puxados por animais, os bondes corriam sobre trilhos

de ferro, tornando a viagem assim mais confortável. A implantação dos serviços regulares

de bondes puxados por burros na região popularizou o passeio à Tijuca contribuindo

diretamente para o crescimento do bairro. Assim sendo, os meios de transportes públicos,

não se contiveram somente aos bondes elétricos mas também aos ônibus e coches. Vários

pontos da Tijuca receberam os seus respectivos nomes devido ao trajeto e rotinas

realizadas pelo bonde. Merece destaque o bairro da Muda, que tem esse nome

simplesmente por ter sido, durante algum período, o ponto de parada do bonde para a troca

dos animais cansados por outros em inteira disposição.

Em 1960, com a queda dos bondes e dos ônibus elétricos, o trânsito da cidade

ficava impraticável. Somente na década de 80, com o início do metrô no Rio de Janeiro,

que o transporte passou a melhorar para os tijucanos. Vale ressaltar, que no período de

construção do metrô, o bairro da Tijuca sofreu mudanças radicais, tanto no comércio

quanto nos arredores da praça Saes Peña. Segue abaixo foto do bonde na Praça Saens Peña.

Page 33: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

21

FIGURA 1: Praça Saens Peña – Antiga 1

Anteriormente à construção do bairro do metrô da Tijuca, um fator importante para

o crescimento do bairro foi a sua ligação a zona sul do Rio através do túnel Rebouças. Com

essa construção, morar na Tijuca era um privilégio, pois o indivíduo morava nesse bairro

residencial com grande comércio e estava a apenas 10 minutos de Ipanema ou da Lagoa.

No que diz respeito a entretenimento e lazer, a Tijuca era, no início do século XX,

conhecida como a “Broadway Tupiniquim”. Em 1907, foi inaugurado o primeiro cinema

da região, o ‘Cine Royal’. Porém, o auge cinematográfico ocorreu em 1940 quando o

maior cinema do Brasil foi inaugurado na mesma praça (antigo pólo de fábricas), hoje

Praça Saens Peña, o cinema Olinda, com 3.500 lugares. Alguns deles eram muito bem

decorados, com artigos de decoração de alto luxo. As grandes salas de cinema também

estavam intimamente relacionadas com os hábitos dos ‘tijucanos’.

Como por exemplo, entre os anos 50 e 60, muitos moradores tinham como

atividades de rotina pós-sessão de cinema, ir ao Bar Éden comer o famoso bife à cavalo, ou

mesmo tomar sorvete no Palheta.

1 Fonte: In TIJUCA – A Praça Saens Peña e seus arredores I.

Page 34: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

22

FIGURA 2: Praça Saens Peña em 19602

FIGURA 3: Cine Metro, 19503

2 Fonte: In TIJUCA – A Praça Saens Peña e seus arredores I. 3 Fonte: In História da Praça Saens Peña - Portal Tijuca.

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23

Não obstante o plantio de café e cana-de-açúcar na região da Tijuca, muitas fábricas

também estiveram presente no bairro. Instalaram-se ali fábricas de tecidos, cigarros (Souza

Cruz), cervejas (Brahma), gelo, laticínios. Uma indústria que era muito famosa na época,

surgida no Andaraí, foi a fábrica de chitas. O Largo da Fábrica de chitas foi o nome da

praça Saens Peña até 1911. Nesse momento, portanto, a região passou a ser caracterizada

como uma pequena área industrial.

Tal fato, por sua vez, trouxe a vinda de trabalhadores para o bairro, aumentando

assim o número de residentes, e, conseqüentemente, acarretando a saída da nobreza de seu

local de “origem”. Como um bom exemplo desse êxodo vale destacar o caso da escola de

samba Unidos da Tijuca, que, no início de sua história, tinha como componentes do grupo

somente operários da fábrica Souza Cruz, tecidos Maracanã e entre outras indústrias do

bairro.

Como parte do processo de modernização, muitas mudanças se intensificaram nas

décadas de 1980 e 1990, deixando como conseqüência a Tijuca e um paradoxo: o caos e a

tranqüilidade.

Hoje, a Tijuca é um bairro de classe média, com inúmeros prédios residenciais,

ainda detentora de resquícios da riqueza e tradicionalismo representados pelas casas

absolutamente conservadas. É um bairro onde está presente um comércio muito forte. Esta

movimentação está concentrada e pode ser observada mais precisamente nas suas

principais ruas, como a rua Conde de Bonfim, Haddock Lobo e ainda praça Saens Peña.

No entanto, em contrapartida ao caos, aos intermináveis engarrafamentos, ao

murmurinho de pessoas se deslocando para os diversos destinos, a vegetação ainda é muito

presente e deve ser preservada pelos moradores. Na literatura, Fraiha e Lobo (2000)

ressaltam a característica provinciana do bairro:

Page 36: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

24

“E hoje em meio ao caótico murmurinho de suas ruas

centrais e a tranqüilidade inabalável de suas florestas,

passeiam os moradores sempre prontos a dar informações,

contar casos, e fazer, dia-a-dia, a história da Tijuca”

(FRAIHA & LOBO, 2000, P.23).

FIGURA 4: Vista aérea da Tijuca em 20064

O bairro da Tijuca era um bairro tão tradicional no Rio de Janeiro que foi o

primeiro da cidade a ganhar um exemplar dos jornais de bairro – O Globo Tijuca. Em 23

de março de 1982, nascia o primeiro jornal suplemento do jornal de bairro, o Tijuca. A

necessidade e a decisão de lançar o primeiro jornal de bairro na Tijuca se deram, segundo

4 Fonte: In História da Praça Saens Peña - Portal Tijuca.

Page 37: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

25

jornalistas do jornal O Globo, devido ao tradicionalismo e dinamismos presentes na região.

Observe abaixo algumas fotos retiradas no jornal de bairro de Niterói do dia 31 de

março de 2007, em comemoração aos 25 anos do jornal de bairro.

FIGURA 5: Jornal de Bairro Niterói – Nascia há 25 anos O Globo Tijuca5

5 Jornal de Bairro Niterói, 2007.

Page 38: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

26

FIGURA 6: O primeiro jornal de bairro do O Globo, 23 de março de 19826

6 Jornal de Bairro Niterói, 2007.

Page 39: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

27

FIGURA 7: O bairro da Tijuca é o primeiro a ganhar suplemento em 19827

7 Jornal de Bairro Niterói, 2007.

Page 40: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

28

2.2. O ‘tijucano’

“Tradicional, amigo e saudosista, estas são as primeiras palavras

utilizadas quando se quer definir um típico tijucano” (ROSE &

AGUIAR, 2004, P. 81).

A maioria dos moradores da Tijuca se classifica como tijucano e percebe a sua

ligação com o bairro devido à existência do amor eterno a atributos lá presentes. Como,

por exemplo, o América Futebol Clube ou o Tijuca Tênis Clube. No início do século XX,

existiam alguns esportes que estavam na moda e muito presentes na vida de um tijucano,

como a corrida de cavalos, ciclismo, minigolfe e sobretudo o tênis. Mas nada obviamente

se comparava à paixão brasileira pelo futebol.

Na literatura sobre o bairro, Rose e Aguiar (2004) apontam o perfil do tijucano ao

afirmarem que:

“Ele nunca fala que é da Zona Norte, definitivamente não faz parte

da Zona Sul e adora a Barra da Tijuca, na Zona Oeste. Coisa de

tijucano! (...) Conhece os vizinhos e comerciantes há anos, a casa

onde foi batizado, participa de encontros de ex-alunos, caminha na

Praça Xavier de Brito, aprende a dirigir nas curvas do Alto da Boa

Vista, adora a Floresta da Tijuca, lembra com saudade dos cinemas

de rua, muda para a Barra da Tijuca, mas continua procurando

pretexto para poder passear na Tijuca” (ROSE & AGUIAR, 2004,

P.81).

Page 41: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

29

Hoje os tijucanos se referem à Tijuca como um bairro auto-suficiente, pois está a

somente 10-15 minutos da Zona Sul, tem lazer, shoppings-centers, comércio aberto, e

acima de tudo, a calma e a tranqüilidade. Para eles, a Tijuca é o bairro do Rio de Janeiro

com a melhor localização geográfica. Está perto do centro, da Barra da Tijuca (praia), tem

metrô.

O tijucano, de uma maneira geral, busca de forma eterna demarcar quem são eles e

os “outros”. Sobre o típico tiucano ou o tijucano clássico, o que concerne cada um, isto

poderá ser mais bem definido no capítulo análise das entrevistas, mais à frente.

Page 42: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

30

3. REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo busca apresentar uma revisão da literatura sobre os temas

relacionados à cultura, consumo e construção de identidade. Neste contexto, será explorada

a literatura pertinente aos temas consumo como troca simbólica, identidade e construção de

identidade de um indivíduo. Também serão explorados os temas: comportamento do

consumidor e identidade de gênero masculino.

No que tange à referência teórica sobre o tema identidade, não serão abordados

temas como auto-conceito e papéis-sociais, uma vez que seus conceitos não são

congruentes e também mais precisamente devido ao fato de tais conceitos não fazerem

parte do objetivo principal de pesquisa do presente estudo.

Será importante em um primeiro momento, situar o leitor sobre qual vertente estar-

se-á seguindo neste estudo dentro das tantas existentes na área Comportamento do

Consumidor. Por isso, é importante ressaltar que a revisão de literatura sobre esta área

possui um caráter estritamente situacional, sem estar presente o intuito de se aprofundar no

assunto.

3.1. Comportamento do Consumidor

A área do Marketing, e em especial a de comportamento do consumidor, é

verdadeiramente uma área de estudo muito abrangente. De acordo com Solomon (2002),

comportamento do consumidor é o estudo dos processos individuais ou grupais envolvidos

em atitudes que vão desde a compra de produtos ou serviços até a satisfação pós-venda dos

mesmos. Uma outra definição de comportamento do consumidor, segundo Kotler (2000),

seria estudar como pessoas, grupos e organizações selecionam, compram, usam e

Page 43: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

31

descartam artigos, serviços, idéias ou experiências para satisfazer suas necessidades ou

desejos.

De acordo com Solomon (2002), antigamente, estudiosos se referiam a área de

comportamento do consumidor como comportamento do comprador. Isso remetia ao

indivíduo (leitor) a interpretação de que a ênfase do estudo estava estritamente restrita ao

ato de compra, ou seja, ao momento de entrega do dinheiro (independente da sua forma de

pagamento) e, em troca do recebimento da mercadoria. No entanto, na área de marketing

sempre há troca, porém não necessariamente a troca financeira, a qual caracteriza o ato de

compra.

Algum tempo depois, o reconhecimento da existência da troca fez com que a

maioria dos profissionais de marketing reconhecesse que o comportamento do consumidor

é um processo mais complexo e mais amplo, não mais voltado única e exclusivamente para

o ato de compra. “Embora a troca continue sendo uma parte importante do comportamento

do consumidor, a visão mais abrangente enfatiza todo o processo de consumo, o que inclui

as questões que influenciam o consumidor antes, durante e depois da compra”

(SOLOMON, 2002, P. 24).

Além desta visão mais abrangente, de acordo com Slater (2002), a reavaliação do

consumo ao longo das linhas da contemporaneidade está vinculada à experiência de um

mundo inteiramente transformado, não só economicamente, mas também social e

culturalmente.

Não obstante o estudo do processo que se inicia no ato da compra e vai até a

satisfação do consumidor no período pós-compra, estudiosos desta área têm demonstrado

nos últimos anos interesse em entender como indivíduos e grupos de indivíduos se

relacionam com o mundo dos bens e serviços.

Page 44: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

32

Desde a época Elizabetana, foram surgindo novos padrões de consumo dos bens

que sustentam a opção cultural, a qual está além da opção da satisfação das necessidades

básicas. O comércio, a partir do séc XVI, não significava mais somente a troca econômica

dentro do sistema compra e venda de mercadorias mas também o intercâmbio cultural, a

troca de opiniões, de idéias, etc. O comércio na modernidade, passou a ser, portanto, algo

que vai além da troca dentro de uma esfera econômica monetária (SLATER, 2002).

Neste momento, é importante destacar as diversas vertentes de estudo existentes

dentro deste longo processo de consumo inserido na área de comportamento do

consumidor. Questões como entender como as pessoas compram, antecipar necessidades,

levantar agrupamentos, identificar as características do consumidor são aspectos

suficientes que geram relevância para o estudo de comportamento do consumidor

(SOLOMON, 2002). O conhecimento das características do consumidor (idade, gênero,

estilo de vida), por exemplo, é muito importante para o marketing, pois definir o mercado

para um produto, seu público-alvo, é uma importante estratégia de marketing para que o

produto seja bem aceito e obtenha sucesso de mercado.

Além disso, aspectos mais interpretativistas, como influência de indivíduos

externos, até mesmo ídolos, nas decisões de compra (Belk et al., 1989), preocupação de

inserção em grupos sociais, preocupação em manter e representar as suas imagens ou

identidades, em consumir produtos que condizem com as suas respectivas personalidades,

também têm se tornado relevantes para os estudos mais recentes na área de cultura e

consumo.

Esta nova visão de comportamento do consumidor, sob a ótica da antropologia e

sociologia, tem como principal contexto a modernidade. Sendo assim, é possível afirmar

que hoje, para compreender melhor o consumo contemporâneo, com influência cultural,

houve o surgimento da interdisciplinaridade, uma relação mais profunda entre estudiosos

Page 45: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

33

das áreas de marketing, antropologia e sociologia . Ou seja, emergiu uma nova necessidade

de reflexão e análise das atitudes do consumidor perante novas linhas de pensamento, que

não seriam supridas somente com o marketing estratégico (de acordo com a teoria

econômica - funcionalista).

O interesse pelo consumo (comportamento do consumidor para com o objeto) e

pela sociedade de consumo, nos permite afirmar que os estudos sobre cultura e consumo

ocupam hoje uma posição de relevância nas áreas de ciências sociais e marketing

(BARBOSA, 2006).

De acordo com McCracken (2003), cultura pode ser entendida como as idéias e

atividades através das quais a sociedade fabrica e constrói os significados do mundo no

qual vive. O autor também afirma que as ciências sociais demoraram a perceber a ligação

entre cultura e consumo. Sendo assim, a relação entre cultura e consumo tem interessado a

cada dia pesquisadores da área de comportamento do consumidor, em especial, a forma

como os indivíduos constroem esses significados através do consumo.

Ainda segundo McCracken (2003), “o consumo é moldado, dirigido e constrangido

em todos os seus aspectos por considerações culturais ... Os bens de consumo os quais o

consumidor desperdiça tempo, atenção e renda são carregados de significado cultural. Os

consumidores utilizam esse significado com propósitos totalmente culturais. Usam o

significado dos bens de consumo para expressar categorias e princípios culturais, cultivar

ideais, criar e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar (e sobreviver a)

mudanças sociais” (McCRACKEN, 2003, P. 11).

Slater (2002) também ressalta o consumo simbólico como fator importante nos

estudos de cultura do consumo ao afirmar que:

Page 46: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

34

“... ao consumir, não reproduzimos – jamais – apenas nossa

existência física; também reproduzimos (sustentamos,

desenvolvemos, defendemos, contestamos, imaginamos, rejeitamos)

modos de vida específicos, culturalmente significativos. Ao

consumirmos rotineiramente, construímos identidades e relações

sociais a partir de recursos sociais com os quais nos envolvemos

como agentes sociais qualificados” (SLATER, 2002, P. 14).

A área de comportamento do consumidor tem demonstrado também interesse em

entender como os consumidores utilizam os bens e serviços e, conseqüentemente os

significados simbólicos (culturalmente constituídos) atribuídos aos mesmos, para

construção das diversas identidades sociais.

Assim sendo, em decorrência desta ênfase, apropriando-me de uma vertente mais

interpretativista, é possível afirmar que como as pessoas desempenham diferentes papéis,

elas às vezes modificam suas decisões de consumo, dependendo da “peça” 8 específica de

que participam em um certo momento (SOLOMON, 2002). Ou seja, os bens não são

somente meios utilitários, eles são também classificados como meios sociais, os quais

apresentam um conjunto de significados (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004). Pode-se

afirmar, assim, que o consumo é moldado e definido de acordo com os significados

instituídos nos bens e as intenções individuais de representação social.

Desta forma, a vertente interpretativista dentro da área de comportamento do

consumidor e do marketing proporciona a possibilidade de uma linha de pesquisa voltada

para como os significados são construídos socialmente e como eles influenciam a

construção de diferentes identidades sociais. 8 Neste caso o termo peça deve ser entendido assim como no teatro. Michael Solomon, 2002.

Page 47: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

35

A área de cultura do consumo é ainda uma área nova, em voga há alguns anos.

Porém, vem despertando o interesse de uma série de estudiosos até mesmo devido a sua

interdisciplinaridade. É uma vertente dentro de comportamento do consumidor bastante

caracterizada pela interligação com as áreas de sociologia e antropologia.

Sendo assim, após a definição deste foco pontual dentro do campo de

comportamento do consumidor, julgou-se necessário abordar temas como: consumo como

troca simbólica, identidade e construção de identidade e identidade de gênero, os quais

possibilitarão ao leitor um melhor entendimento teórico sobre o consumo dos significados

simbólicos inseridos nos produtos e serviços e a construção de identidade do homem

tijucano.

3.2. Consumo como troca simbólica

O consumo como troca simbólica vem obtendo destaque nos últimos anos,

essencialmente como tema nos estudos de consumo e comportamento do consumidor, sob

a ótica da antropologia cultural. Assim como afirma McCracken (2003), as ciências sociais

demoraram um pouco a perceber a relação que existe entre cultura (perspectiva

antropológica) e consumo. No entanto, os estudos atuais ressaltam de forma avassaladora

que a cultura e os significados nela constituídos estão intimamente relacionados com a

forma de consumo do indivíduo da sociedade contemporânea (DOUGLAS &

ISHERWOOD, 2004; McCRACKEN, 2003; SLATER, 2002;).

Apesar da aparente ascensão no número de estudos sobre o consumo simbólico, no

Brasil este tipo de estudo ainda não é freqüente, o que gera uma grande maioria desses

estudos restrita aos Estados Unidos.

Page 48: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

36

De acordo com Kotler (2000), há alguns anos muitos trabalhos da área de consumo

e comportamento do consumidor tinham como principal foco de pesquisa os aspectos e

benefícios tangíveis de produtos e serviços. Mais recentemente, devido à interação da área

de marketing com outras áreas como sociologia e antropologia, nova perspectiva de estudo

é realçada, fazendo com que o foco não seja mais o produto de acordo com a sua função

utilitária e sim os valores simbólicos e as características subjetivas do consumo.

Segundo Doran (1997), Piacentini e Mailer (2004), o consumo como troca

simbólica é uma linha de pesquisa essencial para que o profissional e o pesquisador

entendam o comportamento do consumidor hoje. Estudar a forma como os indivíduos

constroem os significados culturais e se relacionam com os bens (produtos e serviços)

através do consumo, tornou-se um ponto crucial deste viés de pesquisa.

De acordo com Levy (apud, Hirschman, 1986) o aspecto simbólico do consumo

começou a ser discutido na década de 50 (cinqüenta), tendo como discussão principal o

fato de que os indivíduos podem comprar os produtos não pelo que ele pode fazer e sim

pelo o quê aquilo significa para ele.

Para McCracken (2003), os significados são culturalmente constituídos. Ou seja,

eles são criados, administrados, e, posteriormente, disseminados pelos indivíduos oriundos

desta determinada cultura (HIRSCHMAN, 1986). O simbolismo é, portanto, uma

característica intangível do produto ou serviço que está em constante interação com o ser

humano. Os significados simbólicos culturalmente atribuídos aos bens são assimilados e

utilizados como base para o consumo e ainda para construção das diversas identidades

sociais.

Em seu trabalho, Slater (2002) afirma que ser membro de uma determinada cultura

ou de um modo de vida particular implica ao indivíduo o conhecimento dos diversos

códigos locais. Desta forma, os culturalmente constituídos são entendidos e apropriados

Page 49: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

37

por todos os integrantes de uma cultura e/ou grupo social. Logo, segundo Solomon (1983),

os significados culturais são aprendidos essencialmente com a integração social.

Sendo assim, alguns produtos adquirem importância em uma determinada cultura,

grupos sociais e ainda certos estilos de vida (Doran, 1997; Leigh e Gabel, 1992; Solomon,

1983), tornando-os valorizados e sacralizados (Belk, 1989) (devido à capacidade de

expressão e afirmação de identidades) pelos indivíduos e grupos de indivíduos. Pois,

certamente, a obtenção, o consumo desses bens, está significando e representando muitas

informações sobre o respectivo indivíduo.

Caracterizado por uma atividade significativa, este trabalho assume que o consumo

do ser humano é um consumo que difere do ato dos animais. Pois o ser humano não está

somente e essencialmente preocupado com o suprimento das necessidades básicas assim

como os animais. A necessidade de representação social através dos significados culturais

faz parte do consumo do indivíduo como algo inerente à existência humana (SLATER,

2002).

“Este sentido de consumo como algo biologicamente necessário,

naturalmente inscrito e universalmente experimentado está num

plano completamente diferente do dilema que a cultura

contemporânea experimenta para escolher marcas de carro, sabores

de refrigerantes, lojas de departamentos, estilos de roupas, telefones

celulares, serviços bancários, restaurantes, geladeiras, manteigas ou

batons. É neste plano que o consumo se torna uma questão cultural,

simbólica, definidora de práticas sociais, modos de ser, diferenças e

semelhanças” (DOULGAS & ISHERWOOD, 2004, P. 14).

Page 50: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

38

Inseridos em um sistema social de significados (pois nenhum bem é portador de

significados por si só) (Douglas e Isherwood, 2004), os bens são tidos como

comunicadores, ou seja, carregam significação. Como assumido anteriormente, os

significados são culturalmente constituídos e, para McCracken (2003), os objetos têm a

capacidade de carregar e comunicar significados culturais.

Produtos comprados, atividades extra-curriculares realizadas, leituras, crenças, idas

a cafés, restaurantes, bares, tudo o que consumimos e fazemos, estarão de certa forma,

apontando para os outros quem nós somos e com quem nos identificamos, a que grupo

social pertencemos e ao mesmo tempo rejeitamos (DORAN, 1997; HYATT, 1992;

PIACENTINI & MAILER, 2004; WATTANASUWAN, 2005).

Certamente, o indivíduo também consome para comunicar e ser interpretado pelos

outros, pois as atividades baseadas no consumo dos significados corroboram a

representação do seu ‘eu’.

Desta forma, quando o indivíduo faz uma escolha, ele pode estar executando as

suas preferências e, em contrapartida, ao mesmo tempo, se entrosando ou se afastando de

um grupo ou categoria social. Os bens têm, portanto, a capacidade de expressar algum tipo

de informação, porque eles são embutidos de significados simbólicos culturalmente

constituídos.

Um importante estudo foi realizado por Douglas e Isherwood (2004) sobre o

consumo como troca simbólica. Este estudo mostrou que o consumo, na

contemporaneidade, é uma experiência social, se realiza em uma esfera coletiva e,

portanto, é um fenômeno culturalmente compartilhado. Os autores ressaltam que qualquer

ato de consumo exprime e gera cultura e que o consumo de hoje é um código, por meio do

qual são traduzidas muitas relações e categorias sociais. Eles afirmam ainda que todas as

posses materiais carregam significação cultural. “O homem é um ser social. O Homem

Page 51: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

39

precisa de bens para comunicar-se com os outros e para entender o que se passa em sua

volta” (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004, P.148).

Os bens e serviços, inseridos em um sistema cultural, assumem valor simbólico, não

apenas o valor material a eles destinados. É quase impossível imaginar uma sociedade

cujos objetos sejam puramente utilitários destituídos de significados culturais (SLATER,

2002).

Os indivíduos contemporâneos vivem hoje uma sociedade na qual as atividades de

consumo influenciam quem as pessoas são e o que elas querem se tornar (JOHNSTONE &

CONROY, 2005). Sendo assim, os indivíduos escolhem os seus objetos de consumo de

acordo com os seus objetivos, suas intenções de expressão.

É importante ressaltar que os significados simbólicos dos bens não são fixos, são

relacionais (SLATER, 2002). No entanto, a origem do significado que reside nos bens de

consumo está no mundo culturalmente constituído (McCRACKEN, 2003). Um objeto

muitas vezes pode ser instituído de um significado cultural assim como pode perder esse

significado simbólico com o tempo.

Um exemplo desta apropriação e perda de significados pode ser mais bem

entendida com o produto telefone celular por exemplo. Há alguns anos, quando foi

lançada, o indivíduo que consumia esse tipo de telefonia, inédito até então, (telefonia

móvel), era visto pelos outros integrantes sociais como um indivíduo de alto poder

aquisitivo, detentor de posição hierárquica privilegiada. Esse objetivo era definitivamente

tido como um bem de marcação cujos significados culturalmente atribuídos a ele eram

altamente valorizados. Com o passar do tempo, este produto deixou de ser um produto

único e exclusivo de um grupo social e passou a ser um produto ordinário, ao qual

praticamente todas as classes sociais tinham acesso. Hoje, “consumir” um telefone celular

não significa ter alto poder aquisitivo, ser oriundo de uma classe social mais alta. De certa

Page 52: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

40

forma, isso significa que o telefone não é mais um bem de marcação, de status social, de

alto luxo.

De fato, esse movimento dos bens, assim como de suas propriedades simbólicas,

fez com que todos os significados culturais valorizados e significantes para representação

do indivíduo perante a sociedade fossem perdidos. Hoje, esse tipo de significação não

pertence mais ao produto telefone celular.

Os significados simbólicos, além da sua capacidade de perda e/ou apropriação,

também podem sofrer um processo de transferência. De acordo com McCracken (2003), “o

significado está ininterruptamente fluindo das e em direção às suas localizações no mundo

social, com a ajuda de esforços individuais e coletivos de designers, produtores,

publicitários e consumidores” (McCRACKEN, 2003, P. 99). Este autor define que os

significados têm uma trajetória em dois momentos distintos de transferência de

significados. O primeiro deles é quando o significado passa do mundo culturalmente

constituído para o mundo dos bens e o segundo é quando o significado se afasta do mundo

dos bens e se transfere para o consumidor individual.

Ainda segundo McCracken (2003), a mudança do significado vindo do mundo

culturalmente constituído para o mundo dos bens é realizado por duas instituições. São

elas: a publicidade (significado transferido para um bem de consumo através de um

anúncio) e o sistema da moda (processo mais complicado que a propaganda devido à

necessidade de mais fontes de significado, agentes de transferência e meios de

comunicação).

No caso da publicidade, a transferência é realizada pela agência de propaganda

junto com seus esforços através do anúncio. Já o sistema de moda é considerado pelo autor

como mais complexo, pois ele atua de três modos distintos na transferência de

significados. A primeira atuação distinta da propaganda é a mudança, a inovação que

Page 53: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

41

ocorre no modo de se vestir, de mobiliar a casa devido ao novo conceito instituído pela

moda. A segunda é que o sistema de moda insere novos significados culturais, através de

líderes de opinião que ajudam a moldar significados já existentes. Este tipo de

transferência auxilia na reforma de categorias e princípios culturais. E a terceira seria o ato

de não somente inovar, mas também de reformar radicalmente o significado, como, por

exemplo, os grupos sociais hippies, gays.

Por outro lado, os significados assentados nos bens de consumo também podem ser

movidos dos bens para o consumidor (McCRACKEN, 2003). Para isso, também é

necessário um conjunto de instrumentos de transferência. Este autor ressalta que, para

ocorrer a transferência do significado do mundo dos bens para o mundo do consumidor, é

necessário que haja um ritual. Para ele, o ritual é um tipo de ação social destinado à

manipulação de significados para assegurar a comunicação de categorias e princípios

culturais. Um ritual considerado um meio de transferência de significado para o

consumidor é o ritual de troca, como, por exemplo, a troca de presentes no Natal e no

aniversário. Fornecer um presente à alguém, significa receber (atitude exclusiva do

receptor) de maneira intrínseca propriedades simbólicas inseridas no produto. O indivíduo

que está no momento da troca, recebendo o presente, deve, em seguida, apropriar-se das

propriedades simbólicas instituídas culturalmente ao produto e definir-se perante os outros.

Quando o significado é absorvido pelo indivíduo consumidor, chega-se, portanto,

ao final de sua trajetória. Como coloca McCracken (2003), “o sistema de consumo supre os

indivíduos com os materiais culturais necessários a realização de suas variadas e mutantes

idéias do que é ser um homem ou uma mulher, uma pessoa de meia idade ou um idoso, um

pai, um cidadão ou um profissional” (McCRACKEN, 2003, P. 119).

Notoriamente, esta nova perspectiva de estudo sobre o consumo com um viés

antropológico contribuiu para o reconhecimento de que os bens de consumo são carregados

Page 54: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

42

de significados culturais e para a percepção de que o consumo vai muito além das

definições apresentadas por Kotler (2000).

Os bens são, portanto, comunicadores, têm a capacidade de expressar informações

sobre o indivíduo. O consumo simbólico propicia a comunicação de vários significados

para e sobre o indivíduo (DORAN, 1997; HYATT, 1992; JOHNSTONE & CONROY,

2005; LEIGH & GABEL, 1992; PIACENTINI & MAILER, 2004; SLATER, 2002).

Na maioria das vezes, os produtos e serviços não são consumidos para o seu

propósito utilitarista mas sim para a sua troca simbólica, para a construção de identidades,

afirmação do seu ‘eu’, posicionamento na sociedade contemporânea, emulação,

pertencimento a categorias e grupos sociais. Assim como ressalta Leigh e Gabel (1992):

“Já é fato conhecido que consumidores podem comprar produtos por

outras razões além da sua performance básica funcional. As pessoas

muitas vezes são motivadas a comprar um bem ou serviço baseado

naquilo que esses bens ou serviços representam para eles mesmos, e

para outros os quais eles associam ou para alguma referência social”

(LEIGH & GABEL, 1992, P. 27).

Outros indivíduos, ainda, se concentram na construção de suas identidades sociais e

permeiam na sua capacidade de distinção somente através dos significados simbólicos dos

bens que consomem. Esses bens ou serviços servem especialmente como ferramentas

sociais, através das quais os indivíduos serão capazes de comunicar simbolicamente quem

eles são e as suas referências.

O consumo como troca simbólica tem como conseqüência também a inclusão e

exclusão social, desenvolver, firmar e até mesmo alterar a sua identidade social

Page 55: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

43

(PIACENTINI & MAILER, 2004). Os significados dos bens podem muitas vezes atuar

como indicadores de status social. O desejo de consumir e ter como posse um desses bens

significa o desejo de pertencer a uma classe social superior.

“Os bens, em virtude de seus significados, são instrumentos de ascensão social, de

participação social e de exclusão social” (SLATER, 2002, P. 151). Este tipo de consumo

simbólico (consumo com objetivos intrínsecos de ascensão social) pode não somente ser

observado em indivíduos de classes sociais mais baixas como também em indivíduos de

mesmo nível social. Desta forma, inseridos no mesmo nível, a intenção de consumo está

unicamente voltada para inclusão e pertencimento a determinado grupo. No entanto,

embora exista o desejo e vontade de se tornar parte integrante do grupo, o indivíduo deve

ter consciência de que, ao consumir determinado bem, ele pode estar assumindo a sua

exclusão do grupo social do qual participa.

Ainda existem os bens posicionais. Assim sendo, os bens e serviços também podem

ser tidos como marcadores (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004). Portanto, o

compartilhamento dos significados culturalmente constituídos tornam esses bens valiosos,

pois indicam posição social e simbolizam status. Inseridos em um sistema estruturado de

significados, esses bens são basicamente considerados bens de distinção social. Ou seja,

eles são capazes de distinguir um indivíduo do outro simplesmente devido ao fato de um

estar consumindo bens que apresentam significados diferentes do outro consumido pelo

segundo indivíduo, o qual certamente não está simbolizando o grupo de referência do

primeiro.

Bens de luxo são considerados bens de marcação (DOUGLAS & ISHERWOOD,

2004). Eles podem desta forma emitir mensagens sobre a hierarquia social. A moda é, por

exemplo, um sistema detentor de vários bens de luxo cujos significados simbólicos são

inúmeros.

Page 56: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

44

Um típico objeto de desejo da moda mundial é, por exemplo, qualquer produto da

marca francesa Louis Vuitton. Desde o início do século 19, a marca tem seu inconfundível

monograma caracterizado como o companheiro dos viajantes mais chiques do planeta. Na

revista mundial de moda Elle, no mês de outubro de 2006, na década de 1920, a Louis

Vuitton lançou uma coleção especial de seus produtos para lembrar o papel da marca no

campo da viagem. Com a consciência das propriedades simbólicas atribuídas a seus

produtos, discriminando e marcando a hierarquia social de seus consumidores, a marca

inseriu no mercado o anúncio publicitário o qual tinha o seguinte slogan: “Montre-moi tes

bagages, je te dira qui tu es” (Mostre-me sua bagagem e eu te direi quem és). Esta frase

deixa explícito que um indivíduo cuja mala de viagem é da marca francesa comunica para

os outros que é um sujeito detentor de alto poder aquisitivo, oriundo de alta classe social e,

portanto, pessoa chique, com alto status social. Dessa mesma forma os outros o

interpretam.

O sistema de significados mencionado nos parágrafos anteriores, a moda, é mais

um conjunto de significados que traduz simbolicamente informações sobre os indivíduos,

relatando para a sociedade, através deste consumo específico, quem ele é, qual a sua

origem, a que grupo pertence, qual a posição hierárquica que ocupa no grupo.

De acordo Solomon (1983), um exemplo do consumo como troca simbólica com

objetivos de definição do ‘eu’ é o de adolescentes homens. Os produtos por eles

procurados e consumidos, tais como carros, roupas, perfumes, são pura e exclusivamente

para desenvolver e firmar o conceito de masculinidade, ou seja, a sua identidade de homem

heterossexual.

Doran (1997), em seu trabalho sobre consumo de televisão em cores, na China,

ressalta que os produtos adquirem significados simbólicos de acordo com a sua cultura.

Desta forma, alguns produtos se tornam mais importantes em uma cultura do que em outra.

Page 57: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

45

Além disso, a posse destes bens pode estar significando alguma informação relevante para

o seu grupo social.

O estudo de Doran (1997), portanto, parece confirmar as afirmativas anteriores ao

demonstrar que uma categoria de produto eletrônico (televisão em cores) e os seus

significados simbólicos são muito importantes para os chineses. A televisão representa

para eles uma vida moderna, ser bem colocado financeiramente, ter sucesso pessoal.

Porém, este produto não simboliza somente isso; representa também a liberdade do

passado. Para os chineses, liberdade com o passado significa livre acesso às informações e

ainda a comunicação do seu ‘eu’. Portanto, para a cultura chinesa, quanto maior e melhor

for a televisão, mais os indivíduos integrantes desta cultura irão estar satisfeitos pois

conseguirão impressionar e dizer exatamente aos outros quem eles são. Vale ressaltar que

o preço não é um atributo do produto relevante para os chineses e sim os significados

simbólicos, os quais funcionam como comunicadores e posicionadores.

Desta forma, para Leigh e Gabel (1992), os indivíduos são eternamente

influenciados pela interação social e por seu grupo de referência. Logo, como atitude

decorrente, a partir do momento em que o indivíduo se identifica com um grupo social, ele

deve desvendar quais são os objetos que simbolizam importância para o grupo e,

conseqüentemente, ter um comportamento de consumo que cumpra com as expectativas

dos significados culturais daquele grupo.

São certamente infinitos os exemplos sobre consumo como troca simbólica e os

significados culturalmente constituídos. De acordo com o arcabouço teórico aqui

apresentado, é possível afirmar que todo consumo, inserido em uma cultura, é uma troca

simbólica. Os bens carregam significados cuja principal função é comunicar, representar

para sociedade quem é o individuo que está atuando como principal consumidor.

Page 58: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

46

As marcas de roupa, por exemplo, são importantes para demonstrar posição social.

Os cartões de crédito, como ressalta Leigh e Gabel (1992), também são produtos altamente

portadores de significados. Os cartões “ouro” por exemplo, asseguram alto status, e ainda

remetem à distinção social. A simbologia “ouro” significa cliente/consumidor “ouro”, o

qual merece o primeiro lugar devido ao poder de compra (quanto em valor monetário é

gasto por mês). Esse cliente/consumidor é considerado pela empresa uma pessoa muito

importante (VIP) e que merece uma posição social distinta dos outros considerados por

eles consumidores “comuns”. Em outras palavras, o cartão “ouro”, simboliza para o seu

possuidor e para os outros, um status superior, posição hierárquica privilegiada, alto poder

aquisitivo, se distinguindo, assim, dos demais detentores dos cartões de crédito ‘comuns’.

A propaganda e a publicidade são consideradas as principais ferramentas de

marketing que contribuem para a disseminação dos significados simbólicos instituídos aos

objetos (SLATER, 2002). Uma estratégia de marketing importante para com o consumo

como troca simbólica seria disponibilizar uma parte dos seus esforços para gerar uma visão

mais cuidadosa ao significado simbólico culturalmente constituído ao bem. Pois, desta

forma, segundo Leigh e Gabel (1992), os profissionais do mercado podem facilitar e

aumentar a efetividade dos esforços de marketing.

Entretanto, de acordo com Hirschman (1986), a criação do significado simbólico

pode estar também sob controle do próprio consumidor. Para esta autora, os consumidores

também podem ser tidos como contribuintes ativos do significado simbólico cultural. Ela

reconhece que o consumidor atribui aos bens significados por ele criados, os quais diferem

daqueles associados culturalmente e disseminados por ele próprio para os outros. Assim, o

objeto além de possuir um significado culturalmente constituído, agrega a este um

significado simbólico cuja origem está na rede de significados do consumidor. Logo, o

Page 59: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

47

consumidor também é produtor dos significados simbólicos que são atribuídos aos bens

(produto e serviço) de consumo.

3.3. Identidade

“Um aspecto central no desenvolvimento do ser humano é o

desenvolvimento do senso da identidade. A resposta para a pergunta:

Quem eu sou?” (FEINBERG et al., 1990, P. 380).

Segundo grande parte de autores da área de ciências sociais, identidade ainda é um

tema muito complexo. Porém, nos últimos tempos, tem se destacado. É um assunto que

engloba algumas controvérsias e está contribuindo cada vez mais nos estudos de

comportamento do consumidor.

Estudiosos da área de marketing, e em especial de comportamento do consumidor,

estão adotando um viés de estudo mais interpretativo e ao mesmo tempo muito importante

para análise do ato de consumo do consumidor, voltando-se, assim, para relação entre

consumo e a preocupação de afirmar para outros atores sociais quem ele é.

Quando Hall (2002) diz que a identidade só é considerada uma questão quando se

coloca algo que supostamente era fixo em dúvida (como uma incerteza), é possível

perceber nesse momento um objeto de estudo. Por isso, algumas atenções nesta área estão

sendo voltadas para o tema identidade e consumo.

Neste momento é interessante ressaltar a definição de identidade. Neste trabalho

será adotado o conceito de identidade de acordo com Hall (2002), ou seja, identidade é o

conjunto de características do indivíduo que representa quem você é.

Page 60: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

48

De acordo com Hall (2002), a chamada “velha identidade”, formada por um sujeito

iluminista, unificado, movido pela razão, está em declínio. Este sujeito um tanto

conservador, de concepção individualista, detentor de uma identidade centrada, está

desaparecendo. Hoje, na era da contemporaneidade e no mundo globalizado no qual todos

estão inseridos, é possível verificar a presença de um sujeito moderno, detentor da

multiplicidade de identidades e conhecido através de um descentramento da identidade.

Portanto, o homem hoje é capaz de assumir diferentes identidades fragmentadas em

diferentes momentos de sua vida.

O deslocamento do sujeito do iluminismo (identidade centrada) para o sujeito

moderno (identidade móvel, sempre em processo de construção) está na ocorrência dos

descentramentos ocorridos na mudança na estrutura (HALL, 2002). A identidade moderna

passa então a não ter o seu miolo central como as do passado, do sujeito do iluminismo,

deixando, assim, o indivíduo com o livre arbítrio para a escolha e definição do seu eu (self)

(BELK, 1988).

É importante ressaltar que estas identidades estão em um constante processo de

construção ou destruição, ou seja, elas estão sendo continuamente deslocadas (HALL,

2002). Em outras palavras, ainda de acordo com este autor, a identidade de um indivíduo

hoje, para ser definida, passa por um processo móvel, de contínua formação e

transformação em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos

sistemas culturais que nos rodeiam. O que significa que, durante o período de vida, o

indivíduo pode construir, sustentar ou destruir diferentes identidades por ele

desempenhada.

Desta forma, a modernidade, a sociedade moderna, caracterizada por suas

mudanças constantes e rápidas, junto aos fatores radicais da contemporaneidade, como a

incerteza do ser, a vida cotidiana e as sujeições às diversas alternativas de vida, trazem a

Page 61: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

49

possibilidade da criação de novas identidades. Portanto, à medida que o sistema cultural se

modifica e se multiplica, o indivíduo confronta com diversas e diferentes identidades ao

seu redor.

Segundo Bauman e Vecchi (2005) e Hall (2002), a identidade é algo mudável, ou

seja, ela não existe para sempre. Sendo assim, o homem da era contemporânea, não possui

uma identidade fixa, pois ela está em processo contínuo de construção. Este processo pode

ser considerado, portanto, o resultado de um enorme esforço, diante do qual o indivíduo

tem como responsabilidade a busca das alternativas, a definição de seu desejo de

representação e ao final, tem a cumprir um eterno processo de defesa.

Cabe, desta forma, a cada indivíduo ir buscá-la, de acordo com suas pretensões de

representação. A escolha da identidade a ser representada é influenciada e determinada de

acordo com a situação social encontrada pelo sujeito, o seu ponto de referência.

Caso contrário, como ressalta Bauman e Vecchi (2005), se o indivíduo não tiver

liberdade de escolha de suas preferências para construção de sua identidade, ela será

imposta por outros, o indivíduo terá para si uma identidade intrusa e indesejada.

Compreendida deste modo, a identidade imposta e por conseqüência indesejada, pode

afetar diretamente o psicológico do indivíduo e em última instância, a sua subjetividade

(tornando-o ciente da sua incapacidade de ‘ouvir’o seu próprio interior).

Existem diferentes tipos de identidade que o homem tem a desempenhar e construir

(ou destruir) ao longo de sua vida. A identidade de gênero, de raça, de nacionalidade, de

classe social, profissional são alguns exemplos. Existem ainda identidades que muitas

vezes são ditadas pelos meios de comunicação e fazem com que o indivíduo tenha vontade

de se apropriar delas. Neste último caso através do consumo dos significados simbólicos

dos bens e serviços, o indivíduo reformula a sua posição social, ou seja, sua identidade

Page 62: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

50

(WATTANASUWAN, 2005). Desta forma, o indivíduo passa a possuir uma

multiplicidade de identidades.

Considera-se relevante abordar neste trabalho, muito embora não seja o foco de

estudo, a identidade do indivíduo na internet. O mundo moderno, da alta tecnologia

possibilitou uma série de maneiras distintas do indivíduo se comunicar com o outro

(muitas vezes localizado até mesmo em outro hemisfério). No entanto, isso pode estar

ameaçando uma verdadeira identidade. Em sites de relacionamentos, por exemplo, existe a

possibilidade de serem criadas falsas identidades, o que significa dizer que as pessoas

passam a ter também a liberdade para criar as identidades ilusórias.

Ocorre nesse momento e em um mesmo espaço virtual, uma alteridade de

identidade. Essas práticas estão se tornando cada vez mais freqüentes nos últimos anos.

Assim como ressaltam Ayrosa e Sauerbronn (2004), “a internet pode ser vista como um

ambiente de construção de identidades bastante rico, o que pode ser facilmente verificado

navegando entre blogs e flogs” (AYROSA & SAUERBRONN, 2004).

A identidade nacional, por exemplo, é uma das principais identidades de um

indivíduo e talvez a única que não depende de um exercício de busca. Ela é em algum

momento imposta pelo Estado como uma forma de pertencimento, de lealdade à nação

(WATTANASUWAN, 2005). Este tipo de identidade não está impresso em nosso gene.

No entanto, os indivíduos lidam com ela como se fosse parte de sua natureza biológica

(HALL, 2002).

A maneira de se vestir, agir ou pensar são fatores cruciais para definição de

identidade (BAUMAN & VECCHI, 2005). O importante a todo o momento é a maneira de

como você simbolicamente se relaciona com as pessoas que estão a sua volta. Desta forma,

é possível afirmar que a identidade está intimamente relacionada ao pertencimento a

grupos sociais e ao mundo o qual o indivíduo está inserido.

Page 63: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

51

Segundo alguns autores como Cuche (2002), Woodward (2000) e Schau (2000), a

identidade é marcada pela diferença. Existe, portanto, a preocupação da marcação

simbólica entre outras identidades (WOODWARD, 2000). Ou seja, a preocupação de se

afirmar perante os outros dizendo quem “eu sou”.

A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades

individuais e coletivas, o que corresponde a uma definição e uma forma de pertencimento a

um único grupo social. Portanto, a identidade é um processo de inclusão e exclusão

(Cuche, 2002), uma vez que ela identifica o grupo no qual você se insere e,

simultaneamente, o distingue do grupo que não está de acordo com as suas perspectivas.

Devido a esta distinção dicotômica (eu/ele), a identidade pode ser caracterizada por

um processo de categorização social, estando muitas vezes marcada pela construção da

diferença. “A identidade existe sempre em relação a uma outra ... a identificação

acompanha a diferenciação” (CUCHE, 2002, P. 183). Segundo o autor, identidade é um

modo de categorização e é utilizada para firmar e manter a distinção entre grupos sociais.

Stets e Burke (2000) também retomam esta idéia quando afirmam que, ao

categorizar, gera-se, como uma conseqüência deste processo, a acentuação das

similaridades percebidas dentro do grupo. E acentuam-se, da mesma forma, as diferenças

apresentadas entre as pessoas que estão fora.

Paralelamente, a análise destes dois grupos distintos também é lembrada por

Woodward (2000), quando diz que a marcação da diferença pode ter um efeito tanto

positivo quanto negativo. No que tange o positivo, ela pode ajudar na concretização de

uma identidade sexual heterogênea, como a identidade de gays, e pode também ser vista

como negativa no que diz respeito à exclusão de grupos sociais. É importante afirmar,

portanto, que as identidades são formadas pela sua alteridade e ainda necessitam dos

Page 64: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

52

significados simbólicos inseridos nos materiais físicos por eles consumidos para a sua

sustentação (HALL, 2000).

As identidades fluem, navegam, não são completamente rígidas, o que torna

evidente a alternativa de que um indivíduo constrói a sua identidade continuamente ao

longo do tempo. Bauman e Vecchi (2005) afirmam que identidades são experimentos que

nunca terminam: “você assume uma identidade no momento, mas muitas outras, ainda não

testadas, estão na esquina esperando que você as escolha” (BAUMAN & VECCHI, 2005,

P. 91).

As transformações ocorridas no mundo contemporâneo colocaram em cheque as

velhas certezas de vida e, ao mesmo tempo, em relevo as definições e afirmações da

identidade (WATTANASUWAN, 2005). Hoje, como uma das características deste

momento (referência ao tempo em que vivemos), está o conflito do indivíduo entre as

diversas identidades que estão a sua volta.

Tal fato pode ser mais bem explicado ao apresentar a idéia de que existe, no mundo

contemporâneo, uma crise de identidade (WATTANASUWAN, 2005). Esta crise ou

conflito de identidade pode ser caracterizada por todas as mudanças socioeconômicas, mais

bem definidas pela constante obrigação que o indivíduo tem de realizar uma escolha em

sua vida. Para tanto, é possível afirmar que todos os indivíduos inseridos em uma

sociedade vivem uma eterna crise de identidade.

Logo, identidade pode ser resumidamente definida como quem você é, como você

representa o seu eu (self) dentro do grupo social o qual você está inserido.

Page 65: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

53

3.3.1. Construção de identidade através do consumo

O processo de construção de identidade é complexo e muitas vezes doloroso. Para

Hall (2002), o sujeito da contemporaneidade, assume diferentes identidades em diferentes

momentos de sua vida. Essas identidades por eles desempenhadas são dinâmicas e estão

sendo continuamente deslocadas. Logo, a necessidade de representação, de ser reconhecido

pelos outros e a interação direta com o mundo dos significados simbólicos permitem o

surgimento de possíveis identidades. Como o exemplo citado anteriormente, a identidade

de um homem pai, advogado, esportista.

O estudo de Belk (1988), Possessions and the Extended Self ajudou a acelerar

pesquisas na área de comportamento do consumidor sobre as maneiras como o consumo

ajuda e/ou determina a formação e construção de identidade. Através do consumo de bens

e serviços e conseqüentemente dos significados culturais a eles atribuídos, o indivíduo

pode construir e até mesmo destruir diferentes identidades ao longo de sua vida.

A construção da identidade ocorre no domínio do consumo assim como também no

político, religioso e ainda ocupacional (FEINBERG et al., 1990). Porém, McCracken

(2003) afirma que, sem os bens de consumo, alguns atos de definição do self (do seu eu) e

de definição coletiva seriam impossíveis nessa cultura.

De acordo com Piacentini e Mailer (2004), o consumo simbólico, em qualquer

cultura, seja ela qual for, é muito usado para construção de identidade. A maneira de se

vestir, agir, pensar, são fatores cruciais para definição da identidade social (AHUVIA,

2005; BAUMAN & VECCHI, 2005; MEHTA & BELK, 1991).

Os indivíduos modernos utilizam, portanto, o simbolismo dos bens e serviços que

consomem para a construção e afirmação de suas respectivas identidades e ainda para

definir as relações sociais com outras pessoas.

Page 66: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

54

Nessa percepção de definição e representação do ‘eu’ dentro de um ambiente

social, principalmente através do consumo, Hall (2000) afirma que a construção de

identidade ainda necessita de materiais físicos e significados simbólicos para a sua

sustentação. Desta forma, é possível afirmar que os indivíduos buscam consumir produtos

e serviços através dos quais criam e preservam as suas identidades sociais.

Um exemplo ainda simplório, porém por meio do qual se torna clara esta relação do

homem com os significados simbólicos inseridos nos bens e serviços que consomem, seria

de um adolescente homem que consome produtos culturalmente caracterizados como de

“machos”. Esses indivíduos têm como hábito consumir carros maiores como pick-ups e

caminhonetes (Fiat Adventure, Parati e alguns importados como Hilux, L-200), roupas de

cores escuras e ainda perfumes cujas fragrâncias são mais fortes. Nesse caso, a utilização,

o consumo efetivo dos produtos “machos” está absolutamente rendida a um objetivo final,

que é desenvolver o conceito de identidade de gênero masculina. Para Feinberg et al.

(1990), o consumo para o adolescente é muito importante para formação e definição da

identidade.

De acordo com Ahuvia (2005), pessoas e objetos que tanto dizem amar (I love) têm

grande influência no senso de quem nós somos e também dos nossos ‘eus’. No exemplo

ressaltado no estudo da autora, uma mulher relata usar e consumir, com muita freqüência,

os objetos que ama, respondendo logo em seguida ao entrevistador que os ama porque são

muito parecidos com ela, são femininos, criativos, rebeldes e condizem exatamente com o

seu estilo de vida. Isso significa que as bolsas (um dos objetos citados na entrevista)

freqüentemente consumidas por ela carregam significados simbólicos que reafirmam e

suportam a identidade de gênero (feminino), a identidade de publicitária. “Então, love

objects (objetos amados) fazem parte de uma categoria de objetos que constroem a

Page 67: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

55

identidade do consumidor” (AHUVIA, 2005, P. 182). Algumas mulheres, por exemplo,

podem amar objetos pintados de rosa, pois parecem femininos.

Através da identidade, portanto, as pessoas se classificam e representam o seu ‘eu’

em uma determinada situação de relações sociais. No entanto, é importante ressaltar que o

consumo do mundo contemporâneo engloba uma variedade de possibilidades de escolha

sobre quem ‘eu’ quero ser para os outros e qual o estilo de vida que desejo obter. Desta

forma, cabe ao indivíduo a definição pessoal sobre sua identidade projetada para, desta

forma, emergirem os primeiros passos do consumo através dos quais as diversas

identidades sociais poderão ser assumidas.

“O consumo é algo ativo e constante em nosso cotidiano e nele desempenha um

papel central como estruturador de valores que constroem identidades, regulam relações

sociais, definem mapas culturais (...) Os bens são investidos de valores socialmente

utilizados para expressar categorias e princípios, cultivar ideais, fixar e sustentar estilos de

vida, enfrentar mudanças ou criar permanências” (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004, P.

8). Desta forma, deve-se evitar o pensamento instituído durante muito tempo de acordo

com a teoria utilitarista, que revela serem os bens necessários para subsistência, e ressaltar

de forma avassaladora que os bens são importantes para visibilidade em um ambiente

social, que são tidos hoje como comunicadores (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004). Os

bens são procurados pelos consumidores de acordo com desejos e experiências.

Os homens contemporâneos têm mais freqüentemente buscado a sua identidade

masculina através do consumo. De acordo com algumas mudanças socioeconômicas

sofrida pela sociedade moderna, como, por exemplo, a inclusão cada vez maior da mulher

no mercado de trabalho, a identidade masculina tem sido ameaçada. (HOLT &

THOMPSON, 2004). Assim, os homens que sofreram nesse ambiente moderno objetivam,

de todas as maneiras, através do consumo simbólico, reafirmar a sua identidade masculina.

Page 68: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

56

Os homens que dirigem uma moto Harley Davidson se vestem como tal e têm

acima de qualquer suspeita a sua masculinidade (HOLT & THOMPSON, 2004, P. 425).

De acordo com o estudo realizado por esses autores, alguns dizem que é motivo de honra

fazerem atividades como jogar hockey, participar de corridas de carros, possuir carros mais

robustos, para legitimar a identidade masculina. O consumo de filmes da categoria de

aventura também faz parte desta zona de pensamento de afirmação da masculinidade

(HOLT & THOMPSON, 2004).

Tal fato me permite concluir que o consumo dos significados simbólicos inerentes a

esses produtos e serviços é premeditado e consciente por parte do indivíduo. Assim como a

necessidade de afirmar, legitimar a masculinidade perante um grupo social, influencia

diretamente o comportamento de consumo deste determinado indivíduo. O consumo é

neste aspecto determinante na construção da identidade de gênero.

Um estudo realizado por Thompson e Haytko (1997) tinha como objetivo analisar

os discursos das pessoas para entender como elas se apropriam dos significados culturais

da moda para a construção de sua identidade. Com base nas entrevistas, os autores

conseguiram identificar que o discurso da moda ou do que a pessoa gosta de usar e vestir

cabe exatamente ao comportamento de consumo do indivíduo perante qual identidade

social deseja construir. Como, por exemplo, usar um terno em um ambiente universitário

pode representar elitismo, materialismo, superioridade profissional (THOMPSON &

HAYTKO, 1997). Segundo McCracken (2003), o vestuário é uma das categorias de

produtos mais expressivas.

Assim, define-se identidade como um conjunto de características através do qual

um indivíduo consegue representar quem ele é dentro de uma situação social específica.

Desta forma, a identidade, de acordo com o seu processo de inclusão e exclusão, define a

inserção de um indivíduo em uma categoria social.

Page 69: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

57

Sendo assim, o processo de construção e definição de identidade é influenciado

pela situação encontrada pelo indivíduo ao seu redor. Como visto anteriormente, o

processo de construção de identidade através do consumo é bastante complexo e ainda

doloroso. Por isso, esse estudo tem como principal foco a subjetividade do consumo

simbólico de um grupo social e conseqüentemente a construção de uma identidade

particular, do homem tijucano.

3.4. Identidade de gênero

A distinção da identidade de gênero entre homens e mulheres pode ficar bem

demarcada de acordo com a vestimenta de cada um dentro de um ambiente de trabalho, por

exemplo. O consumo é uma atividade de extrema importância na construção, manutenção e

representação da identidade de gênero (McCRACKEN, 2003). Desta forma, segundo

Schroeder e Zwick (2004), as identidades de gênero, masculina ou feminina, de acordo

com suas representações e práticas de consumo, promovem um sistema de diferenças.

Nos últimos 30 anos, o interesse em estudar mais profundamente as atitudes dos

homens e as suas experiências, tem se destacado com mais freqüência. Mais

especificamente, tem havido uma explosão de interesses nas ações relacionadas aos

homens e à masculinidade.

A crise da masculinidade ou da identidade de gênero masculina seria um fato

predominante no final do século XIX e início do século XX. Durante esse período, devido

aos avanços tecnológicos, à industrialização e ao rápido aumento da competição no

mercado de trabalho pela crescente força das mulheres, ocorreu uma disseminação do

gênero masculino (CONELL, 2002; SCHROEDER & ZWICK, 2004; THOMPSON &

HOLT, 2004;).

Page 70: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

58

Os homens nesse momento da história começaram a perder posições hierárquicas

importantes no mercado e, conseqüentemente, o papel de dominância na hierarquia

patriarcal. O pai trabalhador e detentor de todo o poder familiar, entrou em decadência. No

entanto, esses homens, por sua vez, através das práticas de consumo, buscavam produtos e

serviços potenciais para legitimar a sua masculinidade, a sua identidade de gênero

(THOMPSON & HOLT, 2004). Tais bens eram, desta forma, consumidos com mais

freqüência, pois os significados simbólicos a eles atribuídos representavam poder,

dominação, brutalidade, força, ou seja, culturalmente definidos como masculinos. Entre

eles obtiveram destaque carros, cervejas, charutos.

“Ao investigar como nós terminamos homens e mulheres, estamos investigando

fenômenos que têm como tema características corporais, psicológicas e comportamentais”

(ALSOP et al., 2002, P. 14). Ao abordar o assunto gênero, é primordial tornar relevante

uma das principais diferenças no corpo do homem e da mulher. Esta primeira divisão entre

os corpos de homens e mulheres é a distinção natural, biológica do ser humano, que é

marcada devidamente de acordo com a presença ou ausência do pênis. Portanto, essa

diferença corporal deixa evidente a distinção entre os sexos masculinos e femininos.

Entretanto, as identidades de gênero masculino e feminino não são definidas de

acordo com a distinção corporal, são legitimadas de acordo com as características

psicológicas e os comportamentos sociais (ALSOP et al., 2002; SCHROEDER & ZWICK,

2004). Para tanto, de acordo com Alsop et al. (2002), as categorias de gênero masculino e

feminino não são determinadas pela natureza, são construídas socialmente e guiadas de

acordo com os propósitos do ser humano. Ou seja, o indivíduo nasce com um sexo

naturalmente definido (de acordo com sua essência biológica) e não com a sua identidade

de gênero definida. Ela é definida socialmente.

Page 71: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

59

De acordo com Schroeder (1998), entender e construir a sua identidade de gênero, é

algo parecido com o aprendizado ainda cedo. Desde o momento que nasce, a criança já

recebe dos pais vários produtos cujo simbolismo constrói e representa a sua identidade de

gênero. Produtos com uma cor específica, por exemplo, são comuns para tal designação.

Mais tarde, exposto à esses bens, o indivíduo apresenta os seus primeiros contatos com a

imposição dos códigos da cultura dominante para construção da identidade de gênero.

Homens e mulheres têm diferentes gostos e habilidades, ocupam posições

diferentes na sociedade. “De acordo com a teoria do papel social, homens e mulheres se

tornam masculino e feminino através da condição social. Nós, aprendemos o papel de

gênero que se relaciona com o nosso sexo biológico através da nossa interação com

estruturas sociais, como família, escolas, mídia, etc” (ALSOP et al., 2002, P. 67). Portanto,

é possível concluir que as identidades de gênero são construídas de acordo com

características sociais culturalmente constituídas. Os indivíduos se tornam homens e

mulheres, possuem identidades de gênero masculina ou feminina ao se tornarem membros

integrantes do processo de relação social.

De acordo com Douglas e Isherwood (2004), o mundo dos bens é repleto de

significados simbólicos culturalmente constituídos. Sendo assim, as atitudes individuais, os

discursos, todos os tipos comportamentais do ser humano são dotados de significados e,

desta forma, são importantes para a construção da identidade de gênero e

conseqüentemente para representação de um homem ou uma mulher.

A identidade de gênero, assim como todas as diversas outras identidades assumidas

pelo indivíduo, deve ser sempre reafirmada. Ou seja, o status de gênero masculino ou

feminino deve ser eternamente reavaliado e se necessário aprimorado (ALSOP et al.,

2002). A identidade de gênero tem um papel importante em como os consumidores se

relacionam com produtos, propagandas e tarefas diversas (SCHROEDER, 1998).

Page 72: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

60

3.4.1. Identidade de Gênero Masculino

A identidade de gênero masculino existe em relação ao que ela não é, ou seja, a

identidade de gênero feminino (ALSOP et al., 2002; KERFOOT & KNIGHTS, 1993).

Gutmann (1997), em seu estudo antropológico sobre masculinidade, argumenta que a

maioria dos homens em suas vidas vê a identidade masculina em oposição à identidade

feminina. Desta forma, o masculino é construído de acordo com os símbolos culturais

evidenciados e ditados culturalmente como não femininos. Assim sendo, a construção da

identidade de gênero também é fundamentada em relação a uma alteridade.

Considerando os critérios tradicionais rígidos de segmentação de mercado dentro da

área de comportamento do consumidor, é possível reconhecer que quase todos os produtos

comercializados universalmente estão sendo disponibilizados para o consumo com base no

dualismo sexual entre homens e mulheres. Ou seja, os produtos e serviços existentes hoje

no mercado global e ainda as atividades de consumo são fundamentalmente designadas

para homens ou para mulheres.

Logo, as escolhas do consumidor para com o seu objeto de consumo estão

estritamente relacionadas à identidade de gênero. Assim, o consumo de roupas, carros,

alimentos e até mesmo corte de cabelo, tudo isto contribui diretamente para a construção,

determinação e manutenção da identidade de gênero masculina.

Alsop et al. (2002) também afirma que o masculino é construído em oposição ao

feminino. Considerando os significados simbólicos culturalmente constituídos e atribuídos

aos bens, “usar rosa, ler livros de romance, carregar bebês, são símbolos culturais do

gênero feminino em uma cultura anglo-saxônica e assim sendo, são vistos como

antimasculinos” (ALSOP et al., 2002, P. 143).

Page 73: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

61

A identidade masculina é, portanto, construída socialmente. Muitos autores

ressaltam ainda que o masculino é tudo aquilo não é feminino.

Um ponto importante nessa discussão de identidade de gênero masculino diz

respeito a tornar relevante que a masculinidade é representada através de símbolos e

significados de acordo com a cultura local (ALSOP et al., 2002; GUTMANN, 1997).

Ainda de acordo com Gutmann (1997) e seu estudo na Turquia, a divisão do trabalho

legitima a dominação masculina. As mulheres lá sitiadas participam somente das

atividades relacionadas ao jardim, pois nas outras áreas elas devem ser deixadas de lado.

Sendo assim, algumas atitudes de “homens” determinadas em uma cultura podem não ser

as mesmas em outras. Assim como também um homem ter várias mulheres como esposas.

Os anúncios e propagandas são bastante utilizados como meios de representação do

sistema de significados culturais (McCRACKEN, 2003; SCHROEDER & ZWICK, 2004).

Eles devem ser considerados meios importantes para expressar a masculinidade e ainda

contribuir para a construção da identidade de gênero masculina. Através deles, as “normas

sociais” sobre o que é masculino e feminino são criadas, expressadas e instituídas no

ambiente.

Segundo Schroeder e Zwick (2004), os meios de comunicação ainda ajudam na

formação de subgrupos da identidade masculina como os playboys, surfistas, homens de

negócios. Ou seja, na maior parte das vezes, os meios de comunicação representam uma

das diversas identidades masculinas que são entendidas e incorporadas pelos sujeitos junto

com os seus significados simbólicos, dentro de um ambiente social.

Para Connell (2002), a identidade de gênero masculino é uma prática social. Sendo

assim, características da identidade masculina como dominação, força, são legitimadas

através de atitudes comportamentais, do discurso e das experiências vividas pelos

indivíduos do sexo masculino. Logo, ao assumir uma ocupação (profissão), por exemplo,

Page 74: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

62

julgada pela sociedade como feminina, os homens colocam em risco e ainda desafiam a

sua heterossexualidade (LUPTON, 2000).

Junto com a análise e o entendimento de que a identidade de gênero não é um

atributo fixo de um indivíduo do sexo masculino, é interessante observar como a

masculinidade é definida e disseminada socialmente. Segundo Gutmann (1997):

“O primeiro conceito de masculinidade assegura que é por definição,

qualquer coisa que o homem pensa e faz. O segundo é tudo que o

homem pensa e faz para ser um homem. O terceiro é que alguns

homens são intrinsecamente considerados “mais homens” do que

outros. A maneira final de se aproximar da masculinidade enfatiza a

importância geral e central das relações entre homem e mulher, e

assim, masculinidade é considerada como tudo que a mulher não é”

(GUTMANN, 1997, P. 386).

A masculinidade é, portanto, construída e redefinida dentro de um sistema através

do qual estejam lá implantadas interações sociais. Desta forma, os homens procuram

consumir produtos e serviços potenciais cujos significados simbólicos são apropriados por

eles e conseqüentemente legitimam sua identidade masculina. Produtos como carros,

cervejas, charutos, são constituídos de significados simbólicos que representam

socialmente o homem.

Scott e Robinson (2001) afirmam que a maior parte dos trabalhos realizados no

meio acadêmico sobre identidade de gênero masculino, ou ainda como alguns autores

denominam, a “era do homem” (manhood), tem o homem como um indivíduo

predeterminado a ter poder e ser altamente competitivo.

Page 75: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

63

Segundo Thompson e Holt (2004), phallus (o pênis) é uma parte anatômica do

indivíduo do sexo masculino através da qual os significados simbólicos a ela atribuídos são

efetivamente representados como uma forma de fazer masculinidade. O símbolo do phallus

significa controle, dominação, poder determinação, força, autoridade; significados esses

cuja posse representa incontestável dominância masculina na hierarquia social.

Enquanto a arma do phallus figura efetivamente a identidade masculina, o homem

com suas características de selvagem, poderoso, dominador, forte e herói, as mulheres são

representadas como domésticas, respeitadas (BELK & COSTA, 1998).

Ainda de acordo com Thompson e Holt (2004), “esse ideal efêmero e elusivo pode

ser simbolizado em artefatos materiais específicos (e, sim, partes anatômicas) mas mais

fundamentalmente ele representa o projeto da identidade masculina – uma maneira da fazer

masculinidade” (THOMPSON & HOLT, 2004, P. 316).

Em suma, o universo dos significados simbólicos do mundo dos bens,

culturalmente constituídos, influencia efetivamente as práticas de consumo do indivíduo.

Há várias evidências de que identificações com o phallus (símbolos) são mais importantes

para determinação da masculinidade do que obter objetos profanos, comuns.

Não obstante a preservação do consumo de objetos e serviços cujos significados

representam o homem, verifica-se ainda uma freqüente e forte dominação dos significados

simbólicos do phallus a serem incorporados para construção da identidade de gênero

masculino. Esta é, portanto, a formação dos indivíduos heterossexuais.

Page 76: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

64

4. METODOLOGIA

De acordo com Berríos (2006), notoriamente na última década, tem havido um

crescimento constante do método de pesquisa qualitativa em determinadas áreas de estudos

acadêmicos. O método qualitativo é mais precisamente usado nos estudos quando os

pesquisadores buscam descobrir como os respondentes observam o mundo.

Desta forma, assim como ressaltam Vieira (2004) e McCracken (1988), a

abordagem qualitativa garante a riqueza dos dados, a compreensão do fenômeno e

especialmente do significado que está por trás dos argumentos dos indivíduos.

Vieira (2004) ainda destaca que a pesquisa qualitativa vem historicamente sendo

mais aplicada em estudos da área de ciências sociais. Porém, nos últimos dez anos, ela vem

avançando as suas fronteiras e sendo bastante aplicada em outras áreas como sociologia,

antropologia e administração, apresentando assim diversas linhas. Gaskell (2002) também

afirma que a pesquisa qualitativa tem 25 anos e que a mesma é empregada em muitas

disciplinas na área de ciências sociais.

Na área de administração, e em especial nos caminhos percorridos pelos estudiosos

de marketing, Ayrosa e Sauerbronn (2004) argumentam que o método qualitativo tem sido

bastante usado nas pesquisas acadêmicas sobre comportamento do consumidor. Segundo

os autores, e de acordo com os estudos da área de marketing e em especial comportamento

do consumidor, “abordagens qualitativas são particularmente indicadas quando o objetivo

é interpretar fenômenos de consumo” (AYROSA & SAUERBRONN, 2004, P. 187).

No entanto, a pesquisa qualitativa é mais abrangente, seus dados são abundantes,

oferece descrições ricas de contextos locais e ainda visa ao acesso à cultura e não à

generalização, assim como o método quantitativo (McCRACKEN, 1988; VIEIRA, 2004).

Page 77: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

65

Ainda de acordo com Vieira (2004), a subjetividade é o motivo que gera as

freqüentes críticas (no que tange à cientificidade do método) de estudiosos da área ao

método de pesquisa qualitativa. Entretanto, as análises qualitativas são baseadas em

descrições e observações detalhadas (Vieira, 2004), que implicam a não utilização de

métodos estatísticos e rigorosos e que não geram menos rigorosidade científica se

comparado ao método quantitativo. Sendo assim, o trabalho detalhado, profundo e rico em

informações, é tão rigoroso cientificamente quanto o método quantitativo.

Sem o método qualitativo de se fazer pesquisa, não seria possível a

contextualização das informações levantadas junto a um ambiente social e cultural, pois a

ciência positivista que se contrapõe à ciência interpretativista (aqui utilizada), tem a sua

ênfase na objetividade. Portanto, esse foi um dos principais motivos que levou a autora à

escolha de tal método e também uma das razões que faz com que este trabalho tenha um

caráter interpretativo.

Autores como McCracken (2003) e Gaskell (2002) sustentam o argumento de que o

mundo social não é um mundo instituído, ele é socialmente construído. O método

qualitativo é, portanto, o ponto inicial dos estudiosos para compreender o mundo, o modo

de vida desses atores sociais (dos indivíduos que nele estão inseridos). Através da análise e

da interpretação do discurso, é possível compreender a relação existente entre os sujeitos e

o mundo social.

O presente trabalho tem como objetivo principal identificar, por meio do discurso

dos indivíduos, as práticas de consumo simbólico e sua influência sobre a formação e

construção da identidade de gênero do homem tijucano. Ao longo do estudo, esperou-se

ainda compreender as particularidades de consumo destes homens, descrevendo as

características da identidade tijucana, identificando junto a esses homens consumidores os

principais motivos que os conduzem ao consumo de um determinado tipo de produto ou

Page 78: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

66

serviço e não outros e também através da teoria dos significados simbólicos, analisar se

existe entre os tijucanos, a consciência do consumo simbólico. Em suma, compreender-se-

á de forma satisfatória como os indivíduos se constituem homens tijucanos.

Para definição do tipo de pesquisa utilizada neste estudo, tomou-se como base a

taxonomia apresentada por Vergara (2005). Os critérios propostos por ela são: quanto aos

fins e quanto aos meios de investigação.

Quanto aos fins, este estudo pode ser caracterizado como uma pesquisa

exploratória-descritiva de comportamento do consumidor. A classificação exploratória

pode ser justificada por uma não confirmação de estudos científicos que abordem o tema

identidade do homem tijucano e consumo, apresentando levantamentos que o presente

estudo busca realizar. Desta forma, ainda de acordo com Vergara (2005), pode-se afirmar

que existe pouco conhecimento acumulado e sistematizado e as hipóteses podem surgir

durante o período de investigação. E descritiva porque se pretende expor características de

um determinado fenômeno, e assim sendo, serão descritas percepções, significados,

símbolos, expectativas, experiências, sentimentos, hábitos, práticas e valores sociais dos

tijucanos acerca de sua identidade de gênero. Portanto, em um estudo de natureza

descritiva, o pesquisador busca observar o fenômeno, neste caso, a relação do indivíduo

com o mundo dos bens e depois interpretá-lo.

Quanto aos meios, a pesquisa é de campo através de entrevistas em profundidade,

de acordo com McCracken (1988), através das quais buscou-se levantar informações do

contexto local sobre o grupo de indivíduos que está sendo estudado.

Este trabalho buscou utilizar uma metodologia de pesquisa que permitisse o

surgimento de categorias com origem no próprio discurso dos entrevistados, as quais

posteriormente foram analisadas e confrontadas com a teoria anteriormente apresentada.

Page 79: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

67

4.1. Universo e Corpo de Dados

O universo de indivíduos desta pesquisa é constituído de heterossexuais tijucanos,

doravante homens, que afirmam: “Sou um tijucano!” (assumidamente tijucanos), com

idade acima de 22 anos, não tendo a obrigatoriedade de ter nascido e também de residir

ainda no Bairro da Tijuca. Portanto, os sujeitos da pesquisa devem se representar

socialmente como homens tijucanos. É interessante ressaltar neste momento que, de acordo

com Shoroeder (1998), alguns psicólogos concordam que a criança com idade entre 5-7

anos já possui a sua identidade de gênero bem estabelecida.

Longe de qualquer envolvimento estatístico, a seleção dos indivíduos entrevistados

se deu através do critério não probabilístico, fundamentalmente através do critério da

acessibilidade (VERGARA, 2005). Desta forma, a composição do corpo de dados estudado

se deu através de entrevistas entre informantes convenientemente relacionados.

Inicialmente obtive acesso aos respondentes através de contato com amigos, parentes, e,

posteriormente, os informantes foram estimulados a indicar outros atores-sociais que

fizessem parte do campo investigado e que poderiam contribuir com informações

relevantes para esta pesquisa.

Por se tratar de um estudo qualitativo, o conceito de amostragem, o qual garante

eficiência na pesquisa e fornece uma base lógica para tal, não se aplica nesta pesquisa

(BAUER & AARTS, 2002). O estudo qualitativo não está interessado em quantidade mas

sim na qualidade dos dados, no acesso às categorias sociais (McCRACKEN, 1988). Por

isso, é utilizado neste estudo, segundo Bauer e Aarts (2002), o conceito de corpo de dados

cujo significado consiste em um conjunto de coisas sobre o assunto. Um corpo de dados

inclui um espectro de textos dentro de um único público-alvo (BAUER & AARTS, 2002).

Page 80: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

68

O corpo de dados deve ser homogêneo, não podendo misturar transcrições de

entrevistas individuais com grupais, por exemplo. Neste estudo, foram realizadas somente

entrevistas individuais com o objetivo de buscar diferentes informações sobre o fenômeno

desconhecido sem que os atores sociais sofressem influências e como conseqüência

apresentassem uma ‘nebulosidade’ no seu discurso. Buscou-se, assim, através do contato

individual, minimizar esta possibilidade.

De acordo com McCracken (1988), o método quantitativo generaliza para uma

grande população. No método qualitativo, entretanto, o objetivo não é a generalização e

sim o acesso ao contexto cultural. O autor ainda argumenta que é mais importante trabalhar

profundamente com menos indivíduos do que superficialmente com grande número de

pessoas. Desta forma, é possível realizar a análise profunda em todos os dados obtidos.

McCracken (1988) afirma que “para muitos projetos de pesquisa, oito respondentes

serão perfeitamente suficientes” (McCRACKEN, 1988, P. 17). No entanto, segundo Bauer

e Aarts (2002), pouco pode ser dito com relação ao número de entrevistados, ou seja, ao

tamanho do corpus. Portanto, o número de informantes não pode ser especificado

previamente. Mas é importante ressaltar que a quantidade de dados coletados dever ser

profundamente analisada sem que fiquem informações não analisadas.

Desta forma, o número de indivíduos entrevistados não é tido como dado

fundamental para a construção do corpo de dados, mas sim, a diversidade de informações

sobre o fenômeno que está sendo estudado. Entende-se que com diferentes percepções de

mundo de acordo com cada entrevistado, será possível consolidar uma série de

informações pertinentes para o estudo. No entanto, em se tratando de um único contexto,

presume-se que existe um limite, a chamada saturação de informações e dados.

Segundo Bauer e Aarts (2002), a seleção de uma pesquisa qualitativa necessita de

um critério para finalização. Este critério de finalização chama-se saturação, ou seja,

Page 81: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

69

investigam-se diferentes objetos representativos até que a inserção de um novo não

acrescente mais informação nova. Em síntese, permanecendo todas as informações

coletadas as mesmas, não é necessária a realização de mais entrevistas.

Para tanto, foram realizadas entrevistas com vários tipos de informantes até que

tivessem sido atingidas as diferentes perspectivas de indivíduos e iniciado o processo de

repetições. Chegou-se ao número de informantes final até que nenhum tipo de informação

nova continuou emergindo.

4.2. Seleção de Sujeitos

Conforme mencionado anteriormente, para a construção do corpo de dados desta

pesquisa, foram selecionados homens heterossexuais tijucanos, com idade mínima de 22

anos, não tendo a obrigatoriedade de ter nascido e de residir ainda no Bairro da Tijuca.

Os sujeitos entrevistados foram selecionados através da técnica chamada snowball

sampling. Nessa perspectiva, um dos entrevistados indica um de seus amigos para

participar da pesquisa e o mesmo acontece com o próximo e assim por diante. É importante

ressaltar nesse momento que, através do uso desta técnica e do pressuposto de que o

primeiro entrevistado é efetivamente um homem heterossexual, a autora assumiu a

inexistência da possível homossexualidade dos indivíduos entrevistados.

Todos os entrevistados possuem o terceiro grau completo ou estão cursando a

faculdade e atuam no mercado de trabalho. Nesse sentido, foram entrevistados indivíduos

que compartilham e desfrutam das mesmas crenças, valores, interesses e significados. São

indivíduos que se identificam por meio de uma cultura local, a tijucana.

É importante ressaltar que nesta pesquisa não existe a diferença de sexo, já que o

foco de pesquisa está no que tange à identidade de gênero masculino. Todos os

Page 82: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

70

participantes eram membros de classe média e foram assegurados de sua anonimidade. No

quadro abaixo, segue a relação dos respondentes de acordo com a idade, bairro de

residência hoje, se possuem origem na Grande Tijuca e profissão.

QUADRO 1: Relação dos respondentes para pesquisa.

Respondente Idade Bairro onde

reside hoje

Origem na

Tijuca e

Grande

Tijuca?

Profissão

1 22 Tijuca Sim Estudante de

Direito

2 38 Tijuca Sim Empresário

3 34 Tijuca Sim Militar

4 30 Barra da Tijuca Sim Representante

de Laboratório

5 41 Humaitá Sim Designer

6 44 Tijuca Sim Militar

7 45 Tijuca Sim Administrador

8 24 Tijuca Sim Professor de

Matemática

9 46 Tijuca Sim Engenheiro

Page 83: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

71

4.3. Coleta de Dados

Para Berríos (2006), os pesquisadores qualitativos devem prestar mais atenção no seu

foco de pesquisa, incluindo como as pessoas se apresentam, quais são os seus sentimentos

e como se relacionam com o mundo dos bens. Principalmente através da observação dos

relatos e da interpretação. Como meio de coleta de dados desta pesquisa, optou-se pela

entrevista longa em profundidade de acordo com McCracken (1988). Para este autor, “a

entrevista longa é um dos métodos mais eficientes no arsenal qualitativo” (McCRACKEN,

1988, P. 9).

A escolha da entrevista pessoal longa em profundidade se deu devido ao fato da

mesma apresentar algumas vantagens especiais, principalmente sobre a entrevista em

grupo. A entrevista pessoal longa, por exemplo, gera uma relação mais aberta entre o

informante e o investigador, uma vez que o respondente pode se sentir mais à vontade para

responder perguntas as quais o tornasse tímido perante um número maior de pessoas. Ela

também proporciona ao respondente o relato de sua história com as suas próprias palavras,

sem que, ninguém o interrompa e influencie o seu discurso. Gaskell (2002) ainda ressalta

que através da entrevista individual, é possível perceber detalhes ricos sobre as

experiências individuais. Desta forma, é possível obter dados de forma abundante.

Segundo McCracken (1988), o método da entrevista longa em profundidade, pode

fazer com que o indivíduo situe tudo em um contexto social e cultural. E esse aspecto é

particularmente importante nesta pesquisa, uma vez que os significados simbólicos são

Page 84: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

72

socialmente construídos e fazem parte da pergunta e do objetivo de pesquisa apresentados

respectivamente nos itens 1.1 e 1.2.

De acordo com McCracken (1988) e Gaskell (2002), a entrevista longa é um

método que possibilita ao entrevistador a compreender o mundo dos indivíduos que estão

sendo entrevistados. É também um método por meio do qual o entrevistador consegue se

inserir no mundo mental dos atores sociais, compreendendo de forma profunda as

perspectivas dos informantes no que tange às suas experiências de vida, opiniões, valores e

crenças (TAYLOR & BOGDAN, 1984). No mundo da vida dos informantes, o

entrevistador pode se tornar mais consciente sobre as experiências diárias do indivíduo que

está a sua frente.

O objetivo da entrevista qualitativa nesta pesquisa está, portanto, em buscar uma

descrição detalhada do contexto estudado, o mundo dos significados simbólicos

socialmente construídos dos homens tijucanos. Identificando aspectos como as suas

atitudes individuais e diárias, hábitos de consumo, opiniões, valores, crenças, experiências

vividas no passado e entre outras características que vêm à tona quando se busca explorar

um contexto social específico como este.

Por isso, o foco principal da entrevista será compreender a relação existente entre o

sujeito e o objeto de consumo, interagindo junto com a construção da identidade de gênero.

A escolha deste tipo de metodologia deriva desta forma, de acordo com McCraken (1988),

Gaskell (2002) e Taylor e Bogdan (2002), do fato destes pesquisadores julgarem a

entrevista em profundidade como uma das melhores técnicas para compreensão de

assuntos mais subjetivos e de característica ágil. Sendo assim, não há como trabalhar com

entrevistas fechadas ou levantamento, por exemplo.

De acordo com a utilização deste método, será possível gerar informações de

extrema importância para análise das entrevistas e conclusão do trabalho.

Page 85: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

73

Sobre esta metodologia, apesar de muitos autores ressaltarem que o informante tem

total liberdade para discursar e relatar o seu mundo de vida, a entrevista longa demanda um

questionário ou roteiro de perguntas abertas e não direcionadas, o qual exercerá um papel

de guia para o investigador. Desta forma, foi desenvolvido um roteiro de perguntas (anexo

2), preparado para somente ajudar na direção da conversação, não deixando que o

respondente se perca do foco da pesquisa. Em outras palavras, o indivíduo obteve

liberdade para expressar seus sentimentos e seus anseios, ocorrendo interferências por

parte do pesquisador somente quando julgou-se necessário, para maximização do tempo.

É importante ressaltar que o roteiro utilizado sofreu algumas modificações durante

as primeiras entrevistas até que fosse possível chegar à sua versão final.

Ao longo das entrevistas não existia a obrigatoriedade de seguir as perguntas

exatamente como estavam descritas. Pois muitas vezes as inquietações da pesquisadora

emergiam do discurso do respondente. Foi interessante observar que durante as entrevistas,

os respondentes se mostraram bastantes surpresos com o tipo de pesquisa e interessados

em fazer com que a pesquisadora entendesse mais profundamente sobre a cultura tijucana.

Segundo McCracken (1988), o questionário tem várias funções e nesta pesquisa, ele

também foi utilizado com o objetivo de cobrir todos os aspectos com todos os

respondentes. Como é possível perceber no anexo dois, as primeiras perguntas são de

cunho introdutório, como uma apresentação do indivíduo entrevistado (perguntas sobre a

vida particular de cada um). Logo em seguida, foram selecionadas perguntas de

aproximação e desenvolvimento e mais tarde um fechamento.

As entrevistas foram realizadas em locais de conveniência para os entrevistados e,

portanto, realizadas em diversos locais do Rio de Janeiro. Todas as entrevistas foram

gravadas digitalmente com permissão dos respondentes e mais tarde foram submetidas a

transcrições para uma melhor análise e interpretação dos dados. Segundo McCracken

Page 86: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

74

(1988), a transcrição das entrevistas fornece ao pesquisador uma familiaridade com os

dados e é importante para o processo de análise.

As transcrições foram importantes no momento da análise, junto com as entrevistas

gravadas, para que fosse possível perceber categorias importantes nesse processo de

construção do homem através do consumo e ainda retornar à teoria.

Foram entrevistados homens tijucanos até que não surgisse nenhum tipo de

informação nova, ou seja, ocorresse o que se chama saturação, conforme Bauer e Aarts

(2002). Desta forma, utilizou-se do critério da finalização até que a inserção de um novo

informante não acrescentou novas informações. Ainda acreditou-se na finalização uma vez

que se julgou ter entrevistado um escopo de informantes bom no que tange à

heterogeneidade de idades. Pois fato é que existe o interesse na construção de identidade

de gênero e percebeu-se então que o estudo de diferentes percepções ao longo dos anos

seria de extrema importância para a validade da pesquisa e para a mesma não se tornar

tendenciosa.

Desta maneira, entende-se aqui, como meio de coleta de dados, a entrevista longa

individual qualitativa um instrumento ágil o qual captura dados relevantes para o melhor

entendimento das experiências de vida dos respondentes. Gaskell (2002) afirma que “toda

pesquisa com entrevistas é um processo social, (...) em que as palavras são o meio

principal da troca” (GASKELL, 2002, P. 73).

4.4. Tratamento de Dados

Como forma de tratamento dos dados foi realizada a análise de discurso. Buscou-se,

desta forma, compreender e interpretar os dados subjetivos inseridos no mundo de vida dos

informantes, os pontos de vista dos respondentes sobre o mundo.

Page 87: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

75

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, o que é importante para o

processo de análise dos dados. De acordo com Vergara (2005), durante a fase de

tratamento dos dados, o pesquisador deve ter a capacidade de ir além das palavras,

compreender as expressões, os pensamentos e as contradições expressas pelos informantes.

A pesquisa qualitativa tem o objetivo de não contar categorias de opiniões, porém explorar

as opiniões, as representações sobre o tema estudado, afirma Gaskell (2002).

Como forma de análise e tratamento dos dados, a autora utilizou um software de

análise de dados qualitativos, o QSR NVIVO 7.0. Este último trata-se de um método

recente de análise qualitativa, contendo inovações tecnológicas, as quais permitem aos

pesquisadores diferentes maneiras de administrar, categorizar e analisar os dados

coletados. Com o uso do NVIVO, é possível criar inúmeras categorias, descrevê-la,

ressaltar o trecho em destaque, inserir comentários sobre o mesmo e ainda realizar análise

de dados entre categorias. Através do software, é possível visualizar em um arquivo

quantos trechos foram categorizados e quais foram eles. Como forma de consolidação dos

dados, o NVIVO permite que o usuário tenha tudo que foi realizado. Como por exemplo, é

possível imprimir um único arquivo em word com todas as categorias e os trechos nela

inseridos, os comentários, as referências. O processo de análise dos dados foi portanto

realizado através do software NVIVO da seguinte maneira: foram inseridos os arquivos

com as entrevistas transcritas e no momento em que começou a ser realizada a análise dos

dados, as categorias começaram a emergir e a serem detalhadas. Os trechos eram

destacados, categorizados e comentados. Ao mesmo tempo também eram realizadas

análises entre categorias, o que fez com que algumas categorias fossem ignoradas ao longo

do caminho. E esse processo de realização do trabalho se sucedeu até que as informações

foram se tornando saturadas, finalizando assim a análise com o consolidado. Conclui-se

Page 88: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

76

desta forma, que o programa possibilitou uma maior eficiência no processo de

levantamento das categorias e análise do discurso.

Bauer (2002) ressalta que a análise de discurso trabalha tradicionalmente com

materiais escritos, como por exemplo, jornais, revistas e textos que foram produzidos ao

longo das entrevistas assim como as transcrições. Segundo Gill (2002), análise de discurso

é o nome dado à uma variedade de enfoques nos estudos de textos. “Estritamente falando,

não existe uma única ‘análise de discurso’, mas muitos estilos diferentes de análise, e todos

reivindicam o nome” (GILL, 2002, P. 244). Mas ainda de acordo com a autora, o que elas

tem em comum e que são a base de seus estudos é uma rejeição da noção realista de que a

linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir ou descrever o mundo, e sim uma

convicção de que o discurso é de fundamental importância para a construção da vida

social. Desta forma, a análise de discurso é importante para o tratamento dos dados em

diferentes disciplinas.

Portanto, a análise do discurso está baseada no interesse e no compromisso de

explorar a construção social. Isso significa que analisar o discurso, ver a linguagem como

meio de expressar os valores, as crenças e como meio de construir uma cultura, a vida

social é estar interessado no conteúdo, em explorar o mundo culturalmente construído.

Segundo Gill (2002), os analistas vêem o discurso como uma prática social. Ressalta que

os indivíduos constroem o discurso para se ajustarem ao contexto social. Sendo assim, para

Gill (2002), o discurso é uma prática social.

Logo, a análise de discurso é uma forma de tratamento de dados desta pesquisa e

julgou-se adequada uma vez que, de acordo com Gill (2002), a decisão de usar a análise de

discurso impõe uma mudança epistemológica radical. Pois sua base epistemológica é

bastante diferente das outras metodologias, deixando de lado a positivista e instituindo o

construtivismo.

Page 89: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

77

O interesse desta pesquisa está nos textos e por isso as perguntas abertas. A

adequação do método fica evidente no caso do estudo dos homens tijucanos partindo do

ponto em que o interesse não é por que eles se tornaram homens tijucanos e sim como isso

foi sendo construído em suas vidas, como isso é legitimado, como as suas identidades de

gênero são formadas. “Fazer uma análise de discurso muda fundamentalmente as maneiras

como nós experenciamos a linguagem e as relações sociais” (GILL, 2002, P. 253).

O primeiro passo da análise de discurso dos textos gerados com as entrevistas é a

transcrição. Assim como qualquer outro processo de análise, os analistas de discurso

devem analisar os dados profundamente. Após a transcrição, foram identificadas no

conteúdo informações e características que significam a Tijuca e o tjucano. Mais tarde,

através de uma análise mais sofisticada, foram identificadas categorias, permitindo a

análise profunda.

Gill (2002) e Fairclough (2003) argumentam que da mesma maneira que os

analistas de discurso estão atentos ao emprego da linguagem, devem também prestar

atenção ao silêncio e no processo interativo, no que está por trás das conversas. Porém, o

conhecimento do contexto social deve ser amplo. O interesse do analista de discurso não é

na atitude individual de ser tijucano e sim em como a identidade de homem tijucano foi

construída socialmente.

É importante abordar que no item análise das entrevistas, o conteúdo analisado será

confrontado com o referencial teórico anteriormente estudo para realização da presente

pesquisa.

Page 90: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

78

4.5. Limitações do Método

Conforme mencionado por Vergara (2005), todo método apresenta limitações e

possibilidades. É importante ressaltar neste momento que o presente trabalho detém

algumas falhas relacionadas à subjetividade das informações e generalização das mesmas

como conclusão.

Sobre o corpo de dados utilizado, a pesquisadora trabalhou com indivíduos de

perfis e idades distintas. Assim sendo, vale destacar que o universo estudado pode ser tido

como não tão representativo para a pesquisa. Em contrapartida, esta é uma possibilidade de

perigo a qual todo processo de investigação está exposto.

Na pesquisa qualitativa, o investigador serve como um instrumento de coleta e

análise dos dados (McCRACKEN, 1988). O autor ainda afirma que o investigador não

pode suprir os objetivos da pesquisa sem usar sua experiência e imaginação para encontrar

o dados desejados. No que concerne à veracidade das informações, a entrevista pessoal em

profundidade pode sofrer influências por parte do pesquisador de acordo com a sua

habilidade interpretativa para abordar o tema estudado. Apesar de o pesquisador buscar

exercer um papel neutro durante o processo da entrevista e também no momento da

análise, estar despido de teoria pode direcionar o olhar do pesquisador para uma vertente e

desviá-lo de algo que seja importante para compreensão do fenômeno.

A informação fornecida pelo informante pode não ser verdadeira. Em momentos de

tensão, alguns entrevistados tendem a racionalizar as suas respostas. Além disso, as

informações também podem ser omitidas, uma vez que os respondentes podem, em alguns

instantes, possuir o sentimento de constrangimento. O que, de certa forma, pode-se

considerar um obstáculo relevante para compreensão do fenômeno e mascarar o resultado

da pesquisa. Portanto, o pesquisador, através deste método, deve buscar a todo o momento

Page 91: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

79

descobrir as diferentes perspectivas e os diferentes pontos de vista que existem sobre fato

estudado (GASKELL, 2002).

Neste sentido, esta pesquisa traz uma primeira contribuição para o conhecimento

dos temas: construção de identidade e consumo. Ou seja, a construção da identidade do

homem tijucano através dos significados simbólicos que estão por trás das suas práticas de

consumo. Portanto, esta pesquisa, através do uso de uma metodologia qualitativa

interpretativista, conseguiu desvendar aspectos quão subjetivos (através da interpretação

dos significados embutidos nos discursos) que talvez as pesquisas de marketing

relacionadas ao comportamento do consumidor não conseguiriam. Desta forma, acredita-se

que este estudo possa servir de base para pesquisas futuras sobre aspectos específicos

relacionados ao tema.

Page 92: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

80

5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

Este capítulo é destinado à análise das entrevistas e discussão dos resultados. Nesta

seção, serão analisados os discursos dos entrevistados e ressaltados trechos mais relevantes

das entrevistas como forma ilustrativa e de suporte para as categorias que serão

apresentadas, as quais emergiram durante a pesquisa. Durante o processo de análise, as

informações obtidas foram categorizadas.

Desta forma, ocorrerá uma comparação constante entre a teoria anteriormente

estudada e a utilização do mundo dos bens feita pelos homens da Tijuca. Portanto, buscou-

se observar nos discursos dos entrevistados como se dá esse processo de formação e

construção social do homem tijucano através do consumo. Em outras palavras, por meio

das categorias, será possível relatar um pouco da história sobre como os bens e serviços

ajudam esses entrevistados a serem homens tijucanos.

Levando em conta o referencial sobre consumo simbólico e a construção de

identidade social, foi explorado mais especificamente como o indivíduo utiliza o mundo

dos bens (produtos e serviços), e conseqüentemente os significados simbólicos a eles

relacionados, para aceitação e legitimação da identidade social.

De acordo com Schroeder (1998), a construção de gênero é absolutamente

influenciada pelas atividades de consumo do indivíduo. Assim, as escolhas do consumidor,

tais como produtos, serviços e propagandas, refletem as identidades de gêneros e interagem

com elas.

Conforme apresentado anteriormente, foram entrevistados nove homens

heterossexuais assumidamente tijucanos, oriundos de classe social média-alta, média, e,

cada entrevista teve duração média de 75 minutos. As entrevistas foram realizadas durante

o mês de janeiro de 2007. Logo, durante esse período de tempo e de acordo com o objetivo

Page 93: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

81

principal deste trabalho, buscou-se compreender de que maneira homens heterossexuais

tijucanos constroem a sua identidade de gênero através dos significados simbólicos dos

produtos que consomem.

Em um primeiro momento da entrevista, buscou-se verificar o que é o bairro da

Tijuca para o tijucano, para o morador do bairro. Buscou-se identificar o que é ser tijucano,

ou seja, a identidade tijucana de acordo com o próprio tijucano. Os entrevistados nesse

momento, portanto, faziam descrições sobre o ato de ser tijucano, demonstrando a sua

relação com o bairro, ou afastamento de outros locais, consumo de alguns produtos e

serviços que o bairro pode oferecer. Logo em seguida, ao serem questionados sobre serem

tijucanos ou não, foi possível perceber uma certa ambivalência quanto à definição da

identidade tijucana.

Em uma segunda fase do processo da entrevista, o objetivo foi compreender,

através do consumo, como esses homens definiram a sua identidade de gênero na Tijuca,

como se deu a sua história de vida. Através do consumo de produtos, serviços e locais eles

se identificam como homens tijucanos, como é a sua relação com o mundo dos bens, com

os outros bairros inseridos na Grande Tijuca. Buscou-se identificar qual o comportamento

de consumo deste indivíduo para construção e reforço desta identidade social. Após ter

superado essas etapas das entrevistas e analisá-las, foi possível verificar uma linha de

comportamentos entre os tijucanos para construção da sua identidade de gênero.

Antes de apresentar efetivamente as fases do processo de formação do tijucano e

estender essa discussão, torna-se necessário destacar e expor para o leitor o que é

fundamentalmente a identidade tijucana. Neste momento, será apresentado o que é ser um

tijucano de acordo com as perspectivas de um tijucano. Sendo assim, nos próximos

parágrafos, será apresentado de maneira concreta algumas interpretações sobre esse

personagem.

Page 94: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

82

Durante as entrevistas, foi possível perceber que todos os entrevistados, ao serem

questionados se eram indivíduos tijucanos, revertiam o questionamento e realizavam a

seguinte pergunta à entrevistadora: “Depende. O que é ser um tijucano para você?”.

Portanto, nesse momento, entende-se que, aparentemente, a identidade tijucana tenha

vários significados, uma vez que essa foi uma reação pertinente em grande parte dos

discursos dos entrevistados. Desta forma, julgou-se necessário destacar alguns momentos

nos quais os sujeitos tijucanos evidenciam que sejam indivíduos tijucanos.

O primeiro ponto que aparece recorrentemente nos discursos dos entrevistados

sobre ser tijucano é o fato de existir o consumo de locais urbanos como shoppings, clubes e

serviços lá presentes. Ou seja, é se definir de acordo com a cultura, fazer parte dela e ter

orgulho, sustentar um estilo de vida particular, se tornar membro do grupo social e ter

conhecimento de códigos locais. São exemplos de tais procedimentos ir ao Maracanã,

freqüentar o restaurante La Mole, o Tijuca Tênis Clube.

“Entrevistadora: Então, ele já se tornou um tijucano, digamos assim?

Respondente: Já totalmente!!! Joga tênis no clube, pedala pela Tijuca...”.

“Está aí, o tijucano é salgueirense, tijucano mesmo, eu sou salgueirense”.

“Assim, a minha experiência é uma pessoa família, a grande maioria das pessoas que eu

conheci morava em casa, entendeu, tem o maracanã que é de lei, até hoje eu vou. É o cara

que gosta de lavar o carro fim de semana, lavar o quintal de casa, ter cachorro, eu sempre

tive cachorro, a experiência que eu tenho justamente por morar em casa, os vizinhos se

falarem, freqüentarem a casa dos vizinhos, até hoje eu freqüento casa dos vizinhos”.

Page 95: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

83

“O famoso La Mole da Tijuca, quem mora na Tijuca e nunca almoçou ou jantou no La

Mole não é tijucano. Você pode perguntar para qualquer um com certeza. Quem mora na

Tijuca há muito tempo com certeza já almoçou ou jantou lá um dia. É um restaurante que

ainda é barato, mas já foi mais barato. Eu acredito que se você falar La Mole da Tijuca, é

coisa de tijucano”.

“(...) quase todo tijucano, acho que 99% do tijucano conhece que é a rua que tem o La

Mole, é a Marques de Valença”.

Tendo como base este último relato destacado, é possível afirmar que a relação

existente entre o tijucano e o La Mole é absolutamente simbólica. Consumir o restaurante e

conseqüentemente os seus significados simbólicos significa legitimar a identidade tijucana

uma vez que o La Mole é um lugar importante e representativo do bairro. Suas práticas são

culturalmente definidas e, por isso, a realização delas definine e faz parte da formação do

tijucano.

É possível perceber que, na opinião dos entrevistados, o tijucano é legitimado pela

permanência no bairro. Portanto, o consumo do bairro é muito importante para ser fazer

um tijucano. No que tange ao consumo de bens, o tijucano não busca alternativas de

consumo: ele é realizado no próprio bairro. Para o tijucano, o projeto de se mudar da

Tijuca significa “melhorar de vida”. Porém, muitas vezes, isso é deixado de lado, pois

mudar-se da Tijuca significa deixar de lado todos os benefícios de vida lá encontrados

como tranqüilidade, comércio local, facilidade de transporte, proximidade com o centro da

cidade e com familiares.

“Mas eu acho que o tijucano tem isso, o tijucano é preso ao bairro”.

Page 96: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

84

“Essa coisa de morar na Tijuca, de fazer tudo por aqui”.

“É um pessoal que tem orgulho de dizer que mora na Tijuca, principalmente quem nasceu

lá, os filhos estudam lá, constroem a vida ali”.

“Eu acho que o tijucano é mais do que homem ou mulher, é um estado de espírito, é um

jeito de ser”.

Portanto, ser tijucano como um “jeito ser”, como este entrevistado mesmo coloca,

significa construir essa identidade de acordo com o comportamento, com as suas atitudes,

com a assimilação cultural, através do consumo dos locais cujo código é referente ao grupo

tijucano.

Ser tijucano também é ter uma relação de intimidade com o mundo dos bens

existente na Tijuca.

“É fazer compras na Tijuca”.

“Então, o típico tijucano talvez seja esse cara, o bairrista mesmo, que adora o bairro,

(...)”.

Neste caso, de acordo com os trechos ressaltados dos discursos, os tijucanos

apresentam um pouco sobre o que é ser um tijucano para os outros atores sociais oriundos

de uma cultura não tijucana. Ressaltam os valores atribuídos ao bairro de uma forma geral,

Page 97: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

85

e a importância destes em suas vidas. Ainda apresentam de forma explícita o orgulho da

particularidade do nome referenciando a origem, o gentílico.

“(...) é o termo que identifica as pessoas que tem orgulho de morar na Tijuca né? Talvez

seja o único bairro que tenha esse termo (...)”.

“Eu acho legal que é uma identidade nossa, você fala que é tijucano é uma identidade

legal”.

Se apropriar deste adjetivo é algo que envolve sentimento. Ser tijucano, comunicar

isso para os outros, é motivo gerador de orgulho do bairro da Tijuca e de tudo que está

diretamente relacionado a ele. O orgulho do termo induz a pesquisadora a julgar esse

sentimento como vaidade também.

A seguir, serão apresentadas as fases do processo de formação do homem tijucano.

Nesse momento, serão destacadas as principais categorias identificadas de acordo com o

processo de construção da identidade do homem tijucano através do consumo dos

significados simbólicos dos bens que consomem.

5.1. A construção do homem tijucano

Essa primeira fase no processo de formação do homem tijucano consiste na

consciência da identidade de gênero masculino e da identidade local. Ou seja, nesse ponto

das entrevistas, os respondentes se encontraram em um momento de reflexão sobre o

passado, momento na vida desses indivíduos que eles começaram a se sentir efetivamente

Page 98: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

86

mais homens tijucanos, quais eram os seus comportamentos, como era a relação com o

mundo dos bens.

• Definição da masculinidade e da identidade local

Segundo Schroeder e Zwick (2004), as identidades de gênero, masculina ou

feminina, de acordo com suas representações e práticas de consumo, promovem um

sistema de diferenças. Desta forma, a construção da identidade masculina se dá através de

relações sociais, práticas de consumo, comportamento, modo de vestir, de pensar, de falar.

Sendo assim, é importante analisar como isso se deu na vida dos participantes da pesquisa.

O bairro da Tijuca e o tipo de comportamento que ele pode proporcionar ao

morador é muito importante para definição da masculinidade do tijucano. A primeira

referência que aparece nos discursos dos entrevistados acompanhada de sentimentos de

satisfação e orgulho é a brincadeira de rua, considerada por eles “coisas de homem”, pois

existiam grupo de amigos, atividades e hábitos de consumo particulares.

Para Connell (2002) a identidade de gênero masculino é uma prática social. Sendo

assim, características da identidade masculina como dominação, força, são legitimadas

através de atitudes comportamentais, do discurso e das experiências vividas pelos

indivíduos do sexo masculino. Portanto, a identidade masculina é construída social e

culturalmente. A identidade é construída em relação à sua alteridade, ao que ela não é.

“Eu era muito ligado a esporte, eu nadei, eu fiz natação no Tijuca até os 15 anos de idade

(...) aí eu saí da natação com 15 anos, saí até numa fase boa da minha carreira, e fui pro

Voleibol dentro do Tijuca mesmo (...)”

Page 99: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

87

“Coisas de homem? Jogar bola. Quando eu tava de férias eu ia para o Tijuca de manhã,

para a piscina com 4 amigos meus, aí a gente saía da piscina, ia em casa cada um

almoçava, ia para o Tijuca ficava jogando bola a tarde inteira. Só homem! E ia para a

casa do outro ficar jogando vídeo-game. Esse grupo só de homem”.

É interessante observar neste momento a existência de um local importante para

definição da masculinidade dos entrevistados. O Tijuca Tênis Clube é um dos clubes mais

antigos do bairro e que carrega com o nome o tradicionalismo do bairro. Foi possível

perceber a importância significativa do clube uma vez que, de acordo com os relatos dos

informantes, era esse o espaço no qual eles brincavam, faziam amizades, conheciam

meninas (oposição), praticavam esportes de caráter culturalmente masculinos. Enfim,

construíam as suas identidades de gênero.

“Mas era essa coisa de garoto, eram brincadeiras, ir a festinhas, ver as meninas,

paqueras. Inclusive no prédio que eu morava na José Higino, a gente montou um clube

que dava festa todo sábado, todo sábado tinha festa, chamávamos uma galera (...)”.

Bauman e Vecchi (2005) destacam que a maneira de pensar, agir são cruciais para

definição de sua identidade. Portanto, as suas práticas de consumo e de comportamento

estão intimamente relacionadas à sustentação e representação da sua identidade de gênero,

a sua masculinidade.

A masculinidade pode ser definida com práticas como jogar futebol, vídeo-games.

Enfim, práticas cujos significados representam masculinidade e não feminilidade. São

hábitos e realizações que confirmem os significados instituídos pela sociedade.

Page 100: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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“Tem uma brincadeira (...) ‘Declaro Guerra’, cada um ficava num quadrado no pátio,

cada um ficava num quadrado aí você jogava um giz no cara e se acertasse

ele você dominava o território dele, era um jogo de garoto que a gente fazia naquela

época”.

Jogo de homem, que, segundo o entrevistado, caracterizava o seu grupo de amigos.

É interessante notar como as brincadeiras de criança são ressaltadas nos relatos. Os

entrevistados se referem às mesmas com uma conotação absolutamente positiva e segura

com relação à referência do gênero.

“Vamos dizer até a adolescência jogava bola na rua, jogava taco, ia brincar com os meus

amigos que tinha uma galera grande”.

“É na rua, latinha de óleo, pedaço de madeira, você não vê em Ipanema, você não vê no

Leblon. Por exemplo, as férias do pessoal da Tijuca (...). Tinha muito mais casas na Tijuca

que em Ipanema, as ruas com residências com casas faz com que as pessoas nas férias vão

para rua que fique o dia inteiro na rua volte de noite. Ipanema não, você vai a praia e tal,

aí depois você vai a um barzinho, aí fica em casa na internet”. (idade: 30 anos)

Portanto, todo esse discurso de satisfação e orgulho da infância na Tijuca, ressalta a

percepção de posses e comportamentos distintos aos de outros indivíduos oriundos de

outros bairros do Rio de Janeiro. Os relatos descrevem a sensação de práticas não

generalizáveis e, portanto, da construção de uma identidade local, tijucana. Ressaltam

Page 101: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

89

desta maneira a consciência da diferença entre um indivíduo morador da Tijuca e outro

morador de Ipanema, Leblon.

Brincar na rua, jogar futebol, taco com os amigos foram comportamentos

importantes para definição da masculinidade dos entrevistados. No período de suas vidas,

próximo aos 10 anos, relacionado especificamente à infância, não foi possível perceber a

presença de produtos e serviços específicos que determinam essa masculinidade e

comunicam para os outros. O que importava para os respondentes, na época, eram as

brincadeiras na rua ou no clube com o grupo de amigos homens. Exatamente como um dos

entrevistados se refere: “eram coisas de garoto”.

Porém, mais tarde, próximo aos 15, 16 anos, eles começam a aparecer. O Bob´s da

praça Saens Peña é um exemplo. É possível notar que nesse momento, com idade entre 13-

16 anos, o consumo de locais específicos no bairro começa a aparecer e a se tornar

importante para os entrevistados. Em um dos relatos, a praça Saens Peña era um espaço

utilizado por um entrevistado e amigos para se encontrarem com outros grupos e ainda

ficarem flertando com as meninas:

“Então nesta época precisamente assim, eu classifico dos dez aos dezesseis anos

basicamente o que eu mais fazia era brincar na rua ali pelas imediações, quando comecei

a ficar um pouquinho mais velho comecei a, aí tipo a minha mãe começou a dar um

dinheiro sei lá para você fazer um lanche com os amigos. Então eu ia muito no Bob’s, no

drive through (...) eu fiquei muito tempo neste esquema de passear na pracinha, jogar bola

na rua e tal”. (idade: 24 anos)

É importante notar que nesse período de vida dos entrevistados o consumo de locais

significantes para o bairro começou a se proliferar. Esses meninos tijucanos começaram a

Page 102: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

90

perceber a necessidade de terem os primeiros contatos e consumir locais específicos para

se identificarem com o seu grupo social. E ainda era importante representar, firmar para

outros atores sociais a sua identidade, ou seja, quem ele era (Hall, 2002). Portanto, com o

intuito de atingir objetivos como inserção e se definir socialmente, os sujeitos passam a

consumir esses espaços os quais estão carregados de significados simbólicos.

• Praça Saens Peña

A Praça é um termo êmico que emergiu ao longo das entrevistas, o qual simboliza a

mais famosa praça do bairro da Tijuca, a praça Saens Peña. Para os tijucanos, a Praça

possui infinitos significados e foi um local de suma importância para a história do bairro. O

local ficou conhecido como símbolo de lazer, entretenimento, comércio, enfim, atributos

estes que muitos ainda caracterizam a Praça. Neste caso, a praça e o tradicionalismo nela

instituído podem ter grande importância na formação do homem tijucano. Desta maneira, o

consumo freqüente deste espaço e conseqüentemente de seus significados simbólicos,

traduzem a construção da identidade local, e um forte reforço da representação tijucana.

“Eu saía muito pela Tijuca mesmo, pela dificuldade de não ter carro, saía muito, saía na

Praça Saens Peña, a gente ficava na Praça Saens Peña ali de bobeira tomando uma

cerveja, comendo um cachorro quente, entendeu?”. (idade: 41 anos)

“Tinham diversos cinemas de rua ali na Praça Saens Peña, tinham diversos e a gente ia

muito em cinemas de rua porque não tinha muito shopping né? Eu ia ali, costumava

namorar ali. Sempre ia ao cinema com a menina para beijar a menina, dentro do cinema e

Page 103: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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tal naquela fase e depois ia para a Praça tomar um sorvete no Bob’s ou no Mcdonald`s”.

(idade: 34 anos)

“Costumava ir pra Praça, mas a gente ia basicamente para o cinema direto, tinha muito

cinema aqui, muitas opções de cinema, então a gente escolhia o filme que ia ver, e ia pra

Praça Saens Peña ver filme, aí saía e basicamente era o Bob’s porque era o único fast-

food da época, a gente ia ao Bob’s e ia pra casa”. (idade: 45 anos)

“Eu ia andando ali e chegando na praça tinha o (...) e chegando ali, não sei se você se

lembra da rua das flores? Ali na praça que tinha um cinema de cada lado? Eu ia muito

para ali, toda sexta praticamente eu ia com os meus amigos. Meus amiguinhos ali da rua

os quais também eram do mesmo colégio a gente ia muito naquele cinema que tinha ali na

praça. Praça Saens Peña especificamente, o que tinha para eu revirar ali a gente fazia

nessa idade”. (idade: 24 anos)

Os cinemas da praça eram locais de lazer para os jovens tijucanos na década de 80.

Era importante para eles ainda naquele momento o consumo do Bob’s. Esses foram assim

espaços importantes com os quais estes respondentes construíram uma relação e logo

depois buscaram alcançar uma representação social através do consumo dos significados

simbólicos neles inseridos.

Toda e qualquer sociedade faz o uso do universo material para se reproduzir física e

socialmente. Alguns autores como McCracken (2003) afirmam que locais e produtos são

carregados de significados sociais e, portanto, ao consumí-los, o ser humano encarna

mensagens. Desta forma, assim com relatam os informantes, locais de tradição no bairro da

Page 104: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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Tijuca, importantes para os tijucanos, são locais repletos de significados locais, de

expressão da cultura tijucana.

Com isso, de acordo com essas passagens, o consumo do grupo de amigos desses

locais, em especial a Praça e o restaurante fast-food Bob’s, revela a identificação e, nesse

caso, quando mais jovem, são locais de referência, primeiro contato com a cultura e,

portanto, a aproximação com os símbolos ocorre.

O consumo desses locais e desse serviço é essencial para a assimilação cultural,

construção e reforço da identidade de um homem tijucano.

Nesse mesmo momento da entrevista, foi possível perceber que a Praça Saens Peña,

antes da inauguração do Shopping Tijuca, era o comércio local. Além de ser um espaço de

extrema importância para o bairro, de disseminação da cultura tijucana, é também um dos

locais mais importantes de comércio.

“(...) local para comprar, a praça Saens Peña é um troço que pulsa muito, tem um

comércio muito forte, comércio tradicional, tem metrô que é uma coisa fundamental na

nossa vida hoje”.

Portanto, o consumo desses locais e desses serviços, são essenciais para a

assimilação dos códigos culturais e início da construção de identidade de um homem

tijucano.

• Shopping Tijuca – Templo para o tijucano

O Shopping Tijuca é um espaço físico direcionado ao consumo, mas é para o

tijucano um universo, uma construção no bairro repleta de significados simbólicos. O

Page 105: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

93

shopping, inaugurado em 1996, não é apenas consumido pelos tijucanos para as compras

(troca econômica), o lazer, a praticidade, o ver e ser visto, a manifestação cultural e o

aprendizado da cultura local, são práticas comportamentais também associadas ao

shopping. Portanto, o Shopping Tijuca, o templo do tijucano, é repleto de significados

simbólicos importantes para formação do tijucano.

Produtos que compramos, atividades realizadas, leituras, crenças, idas à cafés,

restaurantes, bares, tudo que consumimos e fazemos estarão de certa forma dizendo para os

outros quem nós somos e com quem nos identificamos, à que grupo social pertencemos e

ao mesmo tempo rejeitamos (DORAN, 1997; HYATT, 1992; PIACENTINI & MAILER,

2004; WATTANASUWAN, 2005).

“Agora, o que eu fazia? Ah, ia para o shopping. Você não tinha o que fazer, você ia para o

shoppping dar uma volta com os seus amigos. Sentava numa mesinha, pedia um lanchinho

do Bob’s e ficava conversando numa sexta-feira à noite. E, então tinha, sexta-feira à noite

ia para o shopping. Você sentava na mesinha, ficava conversando, todo mundo ficava em

pé conversando, você acabava conhecendo gente de outro colégio, aí você conhece uma

menina ou outra, sai (...)”. (idade: 22 anos)

Nesse momento, o entrevistado está ressaltando quais eram os motivos que o levava

ir ao shopping. Portanto, ir ao shopping significava conhecer gente nova, de outros

colégios, se manifestar socialmente, conhecer meninas (iniciar uma paquera) e até mesmo

especular o programa do dia seguinte. O que significa que o shopping era entendido por

eles como um espaço importante para formação da sua identidade de gênero e local.

Page 106: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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“Fins de semana, eu fico no prédio lá que tem uma piscina, ou saio com meu filho, mulher

e amigos, aí eu vou pro shopping, aí é o Shopping Tijuca, porque na Tijuca mesmo

durante o dia, fim de semana, é uma passadinha no shopping mesmo”.

Nota-se nos trechos acima, a importância do shopping para o tijucano, uma vez que

é relatado que o sujeito vai ao shopping não para fazer compras, mas para passear e comer

alguma coisa. Portanto, o consumo do shopping Tijuca e os significados simbólicos a ele

associados como símbolos de referência do tijucano são importantes e consumidos por este

público.

Abaixo é destacado um momento interessante da entrevista quando questionado

sobre a relação da sua mulher com o Shopping Tijuca o entrevistado responde o seguinte:

“Olha, como toda mulher, ela tem um lado consumista muito grande. Às vezes até dura ela

vai lá apenas para ver, então a gente acaba interagindo muito”.

Há aqui uma declaração de masculinidade por oposição ao que não é ser homem, o

amor da mulher às compras e ao shopping. Essa interação com o comércio revelada no

discurso do entrevistado, mostra que tanto marido quanto esposa se relacionam com o

Shopping Tijuca. Com base nas entrevistas, foi possível perceber que a mulher tijucana vai

ao shopping com dois objetivos principais e distintos. Ela vai ao shopping com freqüência

para consumir, realizar a troca econômica, e também para se tornar mais tijucana, se

apropriar de certa forma dos significados no shopping instituídos. Em contrapartida, o

homem tijucano aparentemente vai ao shopping para passear, almoçar. O consumo do

shopping pelo homem tijucano está relacionado a uma opção de lazer, ao consumo do

Page 107: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

95

estilo de vida, dos valores locais. A mulher tijucana, portanto, consome o shopping de

uma maneira a mais que o homem tijucano.

É possível perceber, assim, que o Shopping Tijuca para o tijucano é consumido

deixando-se um pouco de lado esta perspectiva funcionalista, mais econômica, em que a

troca é alcançada. O fato de sua mulher ir apenas para ver significa consumir valores,

significados (e até mesmo disseminar novos significados), afirmar a sua identidade de

tijucana. Desta maneira, ele está reafirmando a sua identidade e até mesmo rejeitando

outras. Por isso a importância da sua relação com esses espaços. Portanto, ir ao shopping,

significa consumir códigos necessários para identificação com o grupo de tijucanos.

É importante analisar nesse momento que, de fato, o shopping nesse período de

vida do homem tijucano não é tido como referência clara de templo de consumo. No

entanto, é tido como um espaço de identificação da cultura tijucana, repleto de significados

simbólicos apropriados por esses homens para definição da sua identidade de gênero e

local.

Outro aspecto que ainda deve ser ressaltado nesta categoria e que se aplica para

todas as outras relacionadas ao consumo dos espaços do bairro da Tijuca, ainda enquanto

adolescente, é a dependência dos pais. Nessa idade, a condição de sair do bairro para o

lazer é considerada quase inexistente, e a necessidade de se afirmar como homem e de se

sustentar socialmente é total. Portanto o comportamento de consumo é todo voltado para o

bairro nesse período. Até mesmo porque o círculo de convivência desses indivíduos estava

no bairro, era esse o grupo de amigos cujas preferências deveriam ser similares. E esses

locais por eles escolhidos são locais tipicamente relacionados ao tijucano.

A permanência no bairro ainda enquanto adolescentes, e como conseqüência do

fato, o consumo de locais significantes foi abordada em todos os discursos dos homens

Page 108: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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tijucanos aqui entrevistados. Perceba abaixo dois relatos de informantes com diferença de

idade relevantes.

“Não fazia muita coisa interessante não, eu saia muito para casa de amigos, tinha esse

problema da mobilidade. Ficava na rua pracinha lá”. (idade: 41 anos)

“(...) o que eu te falei, quando você acaba crescendo, você acaba saindo muito mais da

Tijuca do que quando você tinha 14 anos, 15 anos. Você não tinha o que fazer, você ficava

ali porque não tinha opção”. (idade: 22 anos)

5.2. Afastamento da Identidade Local

Nesse momento, é interessante perceber que alguns entrevistados, na sua maioria

jovens, entre 20-30 anos, não apresentam a busca incessante pelo consumo de produtos e

serviços e conseqüentemente os significados simbólicos para encarnar mensagens, para se

representar socialmente como homens tijucanos. Talvez a sua identidade de gênero já seja

definida.

Porém, nesse período de vida dos entrevistados, foi possível perceber aspectos de

negação da identidade local. Ou seja, a presença de um conflito interno fica explícita nos

discursos aqui analisados. Esse conflito é, portanto, a negação desta identidade. Pode ser

definida como uma identidade para eles latente, que deve ser omitida. Aparentemente,

esses homens tijucanos já superaram a identidade de gênero, faltando ainda superar os

problemas de identidade local, a identidade tijucana.

• Conflito - Orgulho e Vergonha

Page 109: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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Um dos aspectos nesse momento que apareceram mais recorrentemente nos

discursos de conflito sobre a identidade local foi o sentimento de vergonha. É relevante

ressaltar que, durante as entrevistas, o termo vergonha em nenhum instante foi abordado

pela entrevistadora e sim foi levantado pelos próprios entrevistados. No relato que segue

abaixo, por exemplo, a forma de falar indica mais vergonha do que orgulho e foi, portanto,

o entrevistado que trouxe à tona:

“Orgulho não, eu acho que para mim é algo meio indiferente ser tijucano ou não”. (idade:

22 anos)

No entanto, é possível perceber alguns aspectos como os 18 anos, idade de

independência dos pais, possibilidade de dirigir e freqüentar lugares em outros bairros,

início de uma outra vida estudantil, a faculdade, conhecer pessoas novas e essencialmente

se definir socialmente, representar para essas novas pessoas quem ele é. E ainda, como não

poderia deixar de ser mencionado, existe nesse momento e está muito presente na condição

de homem tijucano a conotação negativa referente à identidade tijucana.

“Entrevistadora: O que você acha do termo tijucano?

Respondente: Olha eu entendo como uma coisa boa. Eu entendo a palavra tijucano como

uma coisa positiva, embora eu reconheça sem problema nenhum que para maioria da

população, principalmente extra tijucano, que é um temo pejorativo.

Entrevistadora: O que você quer dizer com isso?

Respondente: Na maioria das vezes que empregam a palavra tijucano numa frase, o

pessoal emprega com uma conotação negativa (...)”. (Idade: 24 anos)

Page 110: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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Uma parte dos tijucanos entrevistados, em especial a mais jovem, abordou e

assumiu a consciência de uma conotação negativa que o termo tijucano carrega. É como se

o argumento desses tijucanos sugerisse um certo preconceito, porém não tão escrachado,

por parte de outros atores sociais oriundos de outras regiões do Rio de Janeiro.

Portanto, antes mesmo desses sujeitos se inserirem em outros novos grupos sociais,

eles apresentam por meio de seus discursos, a consciência da diferença da identidade

tijucana para com outras identidades locais relacionadas a outros bairros do Rio de Janeiro.

“Acho que eles têm vontade de falar, mas eles não falam. Muita gente tem vergonha de ser

chamado de tijucano, como eu te falei, eu não esquento a cabeça”.

Este entrevistado relata que ser tijucano para algumas pessoas é motivo para ter

vergonha. Conseqüentemente, como forma de negação dessa possível identidade, eles

passam a consumir locais de lazer de outros bairros, por exemplo, para se distanciarem da

cultura local e da sua formação. Sendo assim, com uma maior possibilidade de locomoção,

o consumo de lugares fora da Tijuca começa a ocorrer.

“Você acaba sentado numa mesa pra conversar, vai todo mundo sair para tomar um

chopp, aí você conhece, ai tem uma festa, vai pra um sambinha, que eu gosto muito de ir

para a Lapa e para eventos de samba. Ontem de noite eu tava no Democraticos, que é na

Lapa, que tem um sambinha que é ótimo, toda quinta-feira. Danço pouco, não sou um pé

de valsa. Eu vou mesmo para ficar conversando, danço uma música ou outra assim para

ter um approach até”.

Page 111: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

99

“Tem uma lista legal. Tem dias que vou a lugares mais tranqüilos, mais humildes que é o

que eu prefiro, me identifico mais tipo Symbol, tipo Mariuzinn. Tem em Copa, tem no

Centro, deixa-me ver mais... Six que é na Lapa, que também gosto muito lá da Six, vou

direto. Não da Lapa, eu não gosto da Lapa. Tem uma lista legal. Quando eu namorava ia

mais jogar boliche ia direto Barrashopping, gostava muito de jogar boliche, ia direto. Mas

atualmente no mês eu vou umas três, quatro vezes na Barra”.

Nesse período, percebeu-se alguma menção a espaços fora do bairro da Tijuca

consumidos por estes jovens tijucanos como forma de afastamento da identidade local. O

bairro da Barra da Tijuca é mais uma opção de lazer fora da Tijuca no que tange ao assunto

entretenimento (bares e boliches) e praia. Ou seja, é um bairro consumido com freqüência

pelos tijucanos até mesmo devido à sua proximidade geográfica. Desta forma, serviços

como as boates em Copacabana Symbol e Maruizinn, e ainda outros locais de lazer

noturno na Lapa como Democráticos e Six são consumidos rotineiramente por estes

tijucanos e se relacionam diretamente a esta faze de afastamento da identidade local.

Na verdade, o que está presente nesta fase é a sensação de exclusão, de preconceito

para com a identidade tijucana praticada perante outros atores sociais. E por isso muitas

vezes o comportamento pode ser até de acordo com um posicionamento de indiferença.

“Tenho, assim não tenho uma opinião formada não. Nem orgulho nem acho normal.

Assim, entre os dois o orgulho e a vergonha, fico mais com orgulho. Mas não que eu sinto

orgulho por causa disso, se tivesse que escolher um, eu escolheria o orgulho”.

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“Não que eu tenha orgulho ou tenha desgosto, para mim é normal, eu te falei, a minha

formação toda foi lá, entendeu? Não que eu tenha orgulho, encha o peito e digo: Ah eu

sou tijucano!”.

Neste relato está claro o sentimento de afastamento, de vergonha. Neste momento

ele apresenta a indiferença, ou seja, uma atitude ascética, sem identidade definida. O que

na verdade não está refletindo a realidade, pois é um homem tijucano com discurso de

negação. Afinal, a declaração de ser tijucano para a cultura dominante tem nela embutida

outros significados distintos daqueles existentes para os tijucanos. Por isso, perceberam-se

comportamentos que não representem essa identidade. Para eles, nesse momento, ser

tijucano parace ser algo negativo (devido à conotação negativa associada ao termo) e,

portanto, encontra-se a ausência do orgulho.

Ser um homem tijucano, definir a sua identidade, se representar como tal, talvez

para eles não seja uma coisa tão importante. Pois os entrevistados nesse período de vida

parecem ter a mesma relação com a sua identidade bairrista e principalmente em se fazer

um homem tijucano. Para eles, nesse período de vida, de novas oportunidades, de novas

amizades, existe o momento de rejeição, de não assimilação dos aspectos negativos

relacionados ao termo tijucano. As descrições desses comportamentos deixam explícito e

parecem suscitar uma ausência de identidade.

• Negação

É perceptível nos discursos dos entrevistados mais jovens aqui escolhidos, o

conflito interno, a negação da sua identidade social. O indivíduo possui a identidade de

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101

tijucano, porém não apresenta orgulho e não se sente satisfeito em se apresentar para os

outros como um tijucano. Por isso, a necessidade de ressaltar esta categoria.

Foi recorrente nos relatos a declaração de afastamento nos discursos desses

tijucanos mais jovens. O que talvez fique evidente nos relatos é a não aceitação da

condição de tijucano.

É interessante notar que um dos entrevistados, um jovem, ressaltou a representação

negativa do tijucano. Muitas vezes, se fazer um homem tijucano não é ser aceito

socialmente, está intimamente relacionado com o simbolismo negativo que o adjetivo

carrega:

“É, eu tenho conhecidos que gostavam de me sacanear porque eu era tijucano. (...) Muita

gente, só por ser da Zona Norte”.

No trecho destacado acima, percebe-se claramente a identificação do bairro da

Tijuca com a zona norte, e a oposição aos bairros da zona sul. O que significa que para

cultura dominante, não ser integrante da zona sul, é motivo de vergonha, brincadeiras.

“Eu nunca esquentei a cabeça com isso não Flavia. Particularmente, assim, acho que as

pessoas, é claro, falam de uma maneira brincalhona isso, mas nunca levei pro lado

pessoal, eu sempre levei numa boa. Depende, vai muito da cabeça de cada um. Não é que

tenha uma influência negativa mas também não é toda positiva”.

É interessante notar neste trecho acima a presença de dois sentimentos opostos

bastante utilizados pelos entrevistados mais jovens, até os 30 anos. Ou seja, Neste primeiro

momento, e sempre quando questionado sobre a identidade tijucana, emergiu

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102

recorrentemente no discurso a utilização de algum termo negativo, algum tipo de negação.

Nessa fase, existe o conflito, a ausência de orgulho, o motivo da vergonha. Ser tijucano

para ele nesse momento é motivo de preocupação. E para negar essa identidade local, o

sujeito utiliza um discurso cujo significado é exatamente não prestar atenção, fugir, não ser

tijucano, não se apropriar dos significados. O mesmo ocorre com este entrevistado:

“Pode se dizer que sim, não sei, dizem que o tijucano é chato pra caramba”.

Já é possível perceber a consciência do indivíduo no que tange ao aspecto negativo

da identidade tijucana. Portanto, ele é, gosta, mas, ao ser questionado, pensa e relata essa

sua preocupação. Exerce tensão com a ligação que podem fazer do seu eu (self) (Belk,

1988), com as características negativas do termo tijucano e, por isso, o afastamento.

Este entrevistado, por exemplo, sabe exatamente notar como é a reputação da

identidade tijucana fora da Grande Tijuca. Ele consegue perceber quão negativo é o termo

tijucano para os outros atores sociais cuja origem e local de moradia está fora do âmbito do

bairro, em diversos outros bairros do Rio de Janeiro.

“Na maioria das vezes que empregam a palavra tijucano numa frase, o pessoal emprega

com uma conotação negativa, querendo dizer muitas vezes associando à (...) eu entendo

como se fosse um subúrbio elitizado, como se fosse um subúrbio não tão escrachado. Eu

acho que consegui falar legal, é um subúrbio que não é escrachado”.

Como uma reação a essa conotação negativa, um dos entrevistados ressaltou um

comportamento interessante perante a sua forma de afirmação e de negação da identidade

local:

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103

“Eu brinco porque todo mundo diz que Tijuca é um bairro ruim, eu digo que não moro lá,

quando falam bem, eu digo que moro, quando falam mal eu digo que não moro”.

Apesar deste sujeito não habitar efetivamente a Tijuca (de acordo com a delimitação

geográfica da prefeitura, os Regionais Administrativos, ele mora no bairro de Vila Isabel),

está no seu discurso fazer parte dessa cultura, ser tijucano. Todavia, esse entrevistado, por

exemplo, com origem não tijucana, ou seja, foi para o bairro quando mais velho, não

afirma essa identidade local. Nesse momento está presente a declaração de afastamento do

bairro, e, conseqüentemente, da identidade tijucana. Acredita-se que esse entrevistado

tenha uma identidade flutuante, como motivo de orgulho (inserção social) e vergonha

(afastamento, não pertencimento) ao mesmo tempo, uma vez que a sua reação é positiva

quando se referem ao bairro como algo bom e, negativa, de não pertencimento, quando a

referência é ruim. Ou seja, discursa que mora na Tijuca se há interesse e que não mora se

não existe interesse.

• Ambivalência quanto à Origem

Foi mencionado acima o fato desses jovens tijucanos buscarem um

afastamento/negação da sua identidade local. O que de fato descreve o momento de não

assimilação da identidade local e ainda de negação, de ausência de identidade. No entanto,

percebe-se no discurso dos entrevistados o sentimento de ambivalência, de declarar-se

tijucano, mas não ter orgulho disso.

O que ocorre com o estudo de Pereira et al. (2005), com o grupo de homossexual, é

que, para não afirmação dessa identidade gay, existe a camuflagem da mesma, a que os

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104

autores se referem como a teatralização, afirmação de uma falsa identidade. Com o

objetivo de negar uma possível homossexualidade, eles usam produtos e serviços

tipicamente relacionados à identidade heterossexual.

No entanto, com esses homens tijucanos, não foi possível observar atitudes não

reveladoras da identidade tijucana. O que se percebe é exatamente uma sensação de

ambivalência, não podendo negar a sua origem e tendo que assumir de maneira não

orgulhosa uma posição social. Ainda existe o comportamento de disfarce, o qual continua

existindo o consumo em outros bairros.

“Assim eu não posso te dizer cem por cento porque eu morei em vários lugares, mas as

minhas raízes estão na Tijuca. Então acredito que a grande parte até um determinado

tempo da minha vida, essa formação eu realmente tive”. (idade: 30 anos)

“Eu nunca parei para pensar: eu sou um homem tijucano. Eu te falei, eu sempre levei

numa boa isso. As pessoas falam você é tijucano, eu nem ligo, eu rio, entendeu?”. (idade:

46 anos)

Mais uma vez este entrevistado parece ter um pouco de dificuldades para afirmar

que é tijucano. Afirma que morou em outros lugares além da Tijuca, porém, teve sua

formação masculina e tijucana no bairro. O outro mesmo mais velho, ainda apresenta um

discurso com um ponto de vergonha nele inserido.

O sentimento de ambivalência domina o discurso de um dos entrevistados acima.

Ele descreve que teve momentos intensos em outros bairros. Aponta que foi membro de

outros grupos sociais e ainda apresenta uma ligação com a Tijuca. A infância na Tijuca,

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105

todas as suas práticas de consumo, atividades, foram importantes para construção do

homem que é hoje. Portanto, esse relato expressa uma declaração emocional.

No trecho que segue abaixo, a resposta do entrevistado é tão e somente emocional

que é perceptível e está atribuído a seu discurso significados e referências de homens que

considera “mais tijucano” do que ele.

“É, tem uma pequena diferença mas eu acho, não sei se é uma questão só de eu querer ter

uma visão de fora do bairro e eles terem uma visão mais (...)”.

“tijucano, quem mora na Tijuca é tijucano. Eu acho até meio forçação de barra às vezes.

As pessoas têm uma identidade muito grande com isso. Não vejo nenhum problema”.

É interessante notar que nesse momento, apesar da sensação de ambigüidade, a

intimidade com o bairro e a declaração de prazer emerge no discurso do próprio

entrevistado. Observe abaixo:

“Entrevistadora: Você se considera um tijucano?

Respondente: Cara não, o que é o tijucano? Eu tenho vários amigos que eu considero

tijucano, os caras são não vou dizer que são prepotentes porque os caras são meus

amigos. Mas o tijucano se acha melhor que os outros, na cabeça deles entendeu? Mas não

acho isso ruim, tem muita gente que tem dinheiro que mora na Tijuca porque gosta, eu

gosto de morar ali, eu vou e volto de metrô em quatorze minutos da minha casa, sem stress

nenhum. Eu sei que vou sair daqui às sete horas e em quinze minutos posso marcar

qualquer coisa às oito que estou pronto. Então tenho mais vantagens (...) o metrô que

realmente é uma facilidade, que ali onde a gente mora, no caso onde o Paulo mora, tem

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shopping, tem comércio sei lá tem cinco tipos de supermercado, tem todas as lojas, tem um

comércio que funciona durante o dia, à noite não tem nada, tem o pólo gastronômico que é

ali em Vila Isabel mas é pólo gastronômico da Tijuca que é na parte onde a gente mora”.

Apesar de mais à frente ele mesmo ressaltar as características de um tijucano e de

apresentar uma declaração de intimidade e ainda alguns indícios de reforço dessa

identidade, este entrevistado não assume ser tijucano. Portanto, apresenta um discurso de

negação, porém com total afinidade no mercado, serviço local, como se faz um tijucano.

Para ele, ser tijucano é possuir uma certa superioridade e ele não apresenta uma

assimilação com essa identidade.

Ao mesmo tempo em que se vê no trecho da entrevista o afastamento, a negação,

percebe-se um estágio de assimilação, de não mais achar tudo aquilo, toda essa

representação da identidade ruim. Esse momento é marcado pela apresentação das

características do bairro e da identificação com a identidade local. Este fato se confirma

quando o próprio entrevistado ressalta: “não acho isso ruim”. Nesse momento, ele está

apresentando por meio do discurso e do levantamento de todas as vantagens, o quê o bairro

pode lhe oferecer, a valorização, a construção da sua identidade de homem tijucano. E

assim o consumo do bairro, conseqüentemente desses serviços que o bairro pode oferecer,

são fatores essenciais para identificação do tijucano.

5.3. Assimilação e Orgulho da identidade tijucana

Esse momento ressalta o período em que, após a rejeição e a declaração de

afastamento, o entrevistado apresenta de maneira orgulhosa e como referência positiva,

identificação com o bairro e ainda com locais e serviços inseridos na Tijuca. Portanto, o

Page 119: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

107

processo de assimilação é marcado pela identificação, pelo orgulho, pelos contatos diretos

com a cultura, pela assimilação dos padrões culturais tijucanos, pela construção da

identidade tijucana através do consumo e pelo sentimento de importância gerado pelo

indivíduo com relação ao bairro como forma de reforço dessa identidade.

• Assimilação e representação social

Assim sendo, esta fase do processo de formação do homem tijucano pode ser

marcada pela busca da representação. De fato, foi possível verificar o consumo de

referências positivas (identificadores diretos da cultura tijucana e conseqüentemente da

condição de um heterossexual tijucano) e não mais a vergonha como anteriormente

apresentado.

Segundo Douglas e Isherwood (2004), a cultura contemporânea está longe do

consumo tido como biologicamente necessário. Nela, as marcas de carro, serviços,

restaurantes e roupas são escolhidas de acordo com uma questão cultural, simbólica,

definidora de práticas sociais, modos de ser, diferenças e semelhanças.

“Um tijucano ele não tem carro, não precisa de carro. Eu não preciso de carro pra nada,

eu vou trabalhar de metrô, às vezes de táxi, a maioria das vezes de metrô ou todo dia. A

gente não usa carro. Eu não faço compra de mês, só eu e ela, em casa, quando janta. A

maioria das vezes, final de semana a gente vai ao shopping comer ou sai, vai almoçar fora

com os amigos ou então, se tem alguma coisa, passa no mercado, compra leva para casa,

ali no mundial que é perto, vou pra casa. Então essa vida da Tijuca é muito fácil e é boa,

eu acho que não tem como reclamar”.

Page 120: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

108

Na passagem destacada acima, o informante apresenta nesse momento a

identificação com o bairro. Ou seja, apresenta e relata durante a entrevista um dos seus

primeiros contatos com os serviços do bairro, o que caracteriza a construção da identidade

local, da condição da identidade tijucana. O que parece emergir no discurso dos

entrevistados quando, no processo de assimilação, é o contato com ambientes importantes

para os tijucanos e próprios para disseminação da cultura. E de acordo com essa atitude,

está presente o processo de assimilação dos padrões tijucanos, representação e

disseminação desses valores.

Portanto, esses contatos intensos com o comércio do bairro e a apropriação da

simbologia desses locais e serviços, a princípio mais consumidos nessa fase, são

determinantes para a construção e representação da identidade heterossexual tijucana. Isso

pode ser percebido claramente no discurso abaixo de um tijucano que tem uma filha de um

ano. Ao ser questionado sobre onde sua filha iria estudar, ele disse:

“Na Tijuca é claro! Vou botar o meu filho e a minha filha em outra escola! Tem

que ser aqui, né?”.

É importante ressaltar que a filha deste tijucano e assim como ninguém, nasce

mulher ou homem tijucana ou tijucano. Fato é que os seres humanos aprendem a se tornar

esses indivíduos que são hoje. Ou seja, as nossas diversas identidades que desempenhamos

ao longo de nossas vidas são construídas socialmente com base no comportamento, na

maneira de agir, de se vestir, de falar. Sendo assim, no momento em que o pai escolhe a

escola da filha e não julga não existir possibilidade da mesma estudar em outro bairro que

não na Tijuca, ele já está iniciando a sua formação tijucana e principalmente legitimando a

Page 121: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

109

sua própria. Desta forma este relato apresenta a vontade do sujeito em firmar a sua

identidade e expor para todos que é um homem tijucano.

• Declaração de Orgulho

O processo de assimilação da identidade local, dos padrões tijucanos, da sensação

de ser mais um integrante do grupo e fazer parte dessa cultura, dará início às declarações

de orgulho. Desta forma, o consumo do bairro é essencial para apropriação, identificação e

disseminação dos códigos locais.

“Entrevistadora: O que você acha do termo tijucano?

Respondente: Legal, sou e me orgulho”. (idade: 45 anos)

Apesar de mais à frente este entrevistado levantar e mostrar para a entrevistadora

que tem consciência sobre a conotação negativa do nome, ele diz ter orgulho de ser

tijucano. Mesmo existindo todos os aspectos negativos ao tijucano relacionados, ele admite

não negar, não instituir a teatralização e sim reforçar a sua identidade local.

“Eu acho legal que é uma identidade nossa, você fala que é tijucano é uma identidade

legal (...) o tijucano ele tem um certo orgulho de ser tijucano. Sei lá eu acho que eu posso

me considerar sim, eu acho que eu posso”.

Neste momento, percebe-se o orgulho de ser quem ele é, de ser um homem

tijucano, de estar inserido nessa cultura, de absorver e disseminar os significados

simbólicos do tijucano. Portanto, nesse momento, o consumo dos espaços locais foram

Page 122: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

110

designados importantes para o grupo e, por isso, são consumidos com vontade (pois existe

a consciência da formação da identidade tijucana) e orgulho.

“Entrevistadora: Então você é um típico homem tijucano e tem orgulho disso?

Respondente: Gosto realmente e me orgulho. Dia livre depois do jogo as minhas fotos são

todas com essas camisas do dia livre, levei todas, camisa do Brasil eu tenho muitas porque

eu tenho muito orgulho de ser brasileiro, de ser carioca também e aí eu andava assim. E

Tijuca. Mas Tijuca não tem camisa né? É mais difícil”. (Idade: 44 anos – Militar e Árbitro

de futebol)

Se fosse possível ter levado para copa do mundo uma camisa com o escrito Tijuca,

ele estaria literalmente comunicando para os outros quem ele é. Estaria sustentando mais

uma vez a sua identidade tijucana, com orgulho.

Pode-se considerar também a restrição ao bairro, um atributo essencial para a

formação e sustentação da identidade tijucana.

“Mas eu acho que o tijucano tem isso, o tijucano é preso ao bairro”.

“Porque a Tijuca você tem o Shopping, tem o Tijuca Tênis Clube, tudo gira em torno da

Tijuca mesmo”.

É possível perceber que, na opinião deste entrevistado, o tijucano é legitimado pela

permanência no bairro, seja ela durante o seu período de construção da masculinidade ou

depois quando ocorre a aceitação. Portanto, o consumo do bairro é muito importante para

ser fazer um tijucano. O tijucano se faz de acordo com o mercado lá inserido.

Page 123: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

111

Shopping Tijuca, templo de consumo do tijucano, Tijuca Tênis Clube, local de

lazer dos tijucanos. Ou seja, são dois locais de extrema importância para o bairro e também

para construção da identidade social de seus moradores e se revelam locais específicos

para expressão da cultura tijucana, tema a ser abordado no próximo item.

Dessa maneira, neste estágio, conclui-se que o consumo do local é importante para

esse sentimento que predomina nesta fase, o conforto.

• Simbologia de locais e produtos

Os bens de consumo são carregados de significados culturais (McCRACKEN,

2003). De acordo com Douglas e Isherwood (2004), o consumo na contemporaneidade é

uma experiência social, se realiza em uma esfera coletiva e, portanto, é um fenômeno

culturalmente compartilhado. Os autores ressaltam ainda que qualquer ato de consumo

exprime e gera cultura e que o consumo de hoje é um código, através do qual são

traduzidas muitas relações e categorias sociais.

É importante ressaltar que existe uma relação estreita entre a identidade do ser

humano e o mundo dos bens que consome. Desta forma, a identidade tijucana pode ser

construída baseada em diversos bens e serviços detentores de significados simbólicos

construídos e instituídos socialmente pelos próprios tijucanos (amantes do bairro). O

consumo desse mundo dos bens significa manifestar a cultura, reforçar a sua identidade de

homem tijucano.

Sendo assim, os indivíduos se agrupam e se revelam de acordo com os bens que

consomem. A presença de determinados locais e serviços do bairro são fundamentais para

construção do tijucano, para identificação com a cultura e sua representação. Esses locais e

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112

serviços são carregados de significados simbólicos e por isso se torna importante o seu

consumo para absorção dessa simbologia.

O consumo como troca simbólica tem como conseqüência também a inclusão e

exclusão social, desenvolver, firmar e até mesmo alterar a sua identidade social

(PIACENTINI & MAILER, 2004).

“Tem o Maracanã que é de lei. O maior estádio do mundo até pouco tempo continua na

Tijuca, é o Maracanã. E pô, até hoje tem shows, tem o Maracanazinho (...) então tem

eventos que trazem a marca de outros locais, ela tem as suas particularidades entendeu?

Tem assim, a gente não pode deixar de valorizar apesar dos defeitos que ela tem”.

“Mas eu considero aqui Tijuca porque eu estou a dois passos do metrô estação Saens

Peña, a dois passos da Praça Saens Peña que é o símbolo máximo da Tijuca, Saens Peña,

Shopping Tijuca e etc (...) Tijuca Tênis Clube, Praça Saens Peña, Colégio São José,

Colégio Pallas, você falou nisso você lembra da Tijuca, qualquer um sabe disso são os

símbolos da Tijuca né?”.

Os relatos acima destacados têm como função principal ressaltar a existência da

simbologia de locais e serviços do bairro. Este último, por exemplo, apesar de morar

efetivamente no bairro de Vila Isabel, prefere achar que mora na Tijuca. Pois na verdade,

ele está ao lado de símbolos da Tijuca como a Praça Saens Peña e o Shopping Tijuca. Ele

consome esses espaço todos os dias, se sente na função de se apropriar desses significados

e de estar a todo momento formando a sua identidade tijucana. Portanto, nesse momento, a

assimilação dos padrões culturais, desses significados associados à cultura tijucana, passa a

ser essencial para constante construção do homem tijucano.

Page 125: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

113

Para ele, espaços como Tijuca Tênis Clube, Praça Saen Peña, Colégio São José,

Colégio Pallas são símbolos da Tijuca. Ou seja, representam a identidade do bairro para os

atores sociais, são carregados de significados simbólicos. E consumi-los significa fazer

menção à cultura e valores locais do bairro da Tijuca, significa estar inserido nesse grupo

social.

Portanto, para os tijucanos se constituírem socialmente, os produtos consumidos

nesse momento não são tão importantes mas sim os locais e serviços, os quais são

carregados de significados simbólicos e estão associados a cultura local.

É interessante notar nesse momento mais um termo êmico o qual emergiu durante

as entrevistas. Os tijucanos se referem ao Tijuca Tênis Clube como ‘o clube’.

“(...) aí que você começa ver outras coisas, aí eu comecei a freqüentar mesmo o clube”.

“Meu pai já virou tijucano, joga tênis no clube, pedala pela Tijuca. Tem amigos meus que

viviam no Tijuca, no clube. Eu vivi no Tijuca até tantos anos. Depois disso eu ia no Tijuca

para ir na academia, vou atualmente vou terça-feira à noite para jogar bola. Só. E tem

amigos meus que até hoje freqüentam”.

Consumir o clube significa se fazer um típico homem tijucano, significa construir a

sua história. Como visto anteriormente, o Tijuca Tênis Clube é um espaço importante para

construção da masculinidade.

Portanto, o modo de uso do bairro foi essencial para sua formação, para ser

reconhecido como membro do grupo. O consumo do clube faz com que, desta maneira, o

entrevistado se insira no grupo e isso significa satisfação, prazer.

Page 126: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

114

A praça é um termo que simboliza a mais famosa praça do bairro da Tijuca. É um

local que carrega tradicionalismo. Neste caso, a praça tem também grande importância na

formação do homem tijucano.

“O comércio da Tijuca está na Praça Saens Peña”.

Para Leigh e Gabel (1992), os indivíduos são eternamente influenciados pela

interação social e por seu grupo de referência. Os indivíduos contemporâneos vivem hoje

uma sociedade onde as atividades de consumo influenciam quem as pessoas são e o que

elas querem se tornar (JOHNSTONE & CONROY, 2005). Notou-se, de acordo com essa

perspectiva, que a relação que o tijucano tem com o Shopping Tijuca possui um sentido

próprio.

Observa-se nesse momento a importância do shopping para o tijucano, uma vez que

ele relata que vai ao shopping não para fazer compras mas para passear e comer alguma

coisa. Portanto, o consumo do Shopping Tijuca e os significados simbólicos a ele

associados como símbolos de referência ao tijucano são importantes e altamente

consumidos por este grupo.

“Aqui não, no shopping eu vou a pé rapidinho, é um programa, às vezes eu saio daqui da

PE, tem que comprar alguma coisa no shopping, eu já vou direto daqui andando, passo na

loja que eu vou e depois vou direto para casa, entendeu?”.

De acordo com os trechos ressaltados no item 5.1 (categoria Shopping Tijuca –

Templo para o tijucano), torna-se aparente o modo de consumo do shopping de maneira

distinta da de seu propósito inicial (ir, comprar nas lojas e sair). O respondente consumia

Page 127: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

115

esse tipo de serviço para se definir individualmente, para se sustentar, para se agregar no

grupo social, para dizer para os outros que é membro desta cultura tijucana.

É importante notar neste momento específico a simbologia de lugares como a praça

Saens Peña e o Shopping Tijuca, que são lugares consumidos pelos tijucanos durante toda

as suas vidas. Nesse segundo momento, o consumo desses espaços e serviços serve como o

consumo dos significados para o reforço da identidade local.

Observando os discursos dos entrevistados, surgiu também, de acordo com o

consumo, uma questão cultural, simbólica, definidora de práticas sociais, modos de ser: a

importância dos entrevistados e o restaurante La Mole.

“Eu já perdi as contas de quantas vezes eu fui ao La Mole. Volta e meia eu encontro

amigos meus. Você está comendo lá e tem um casal amigo seu ali comendo é normal”.

Aparentemente, é possível afirmar que a relação existente entre o tijucano e o La

Mole é absolutamente simbólica. Consumir o restaurante e conseqüentemente os seus

significados simbólicos significa legitimar a identidade tijucana, uma vez que o La Mole é

um lugar importante e representativo do bairro, suas práticas são culturalmente definidas e,

por isso, a realização delas definine e faz parte da formação do tijucano.

De acordo com Hall (2002), o ser humano está constantemente construindo a sua

identidade. Portanto, uma das formas adotadas por esses tijucanos para construção

identitária se dá pelo consumo freqüente dos significados simbólicos instituídos ao

restaurante La Mole e, ainda assim, sua representação para outros atores sociais.

Outro restaurante também bastante freqüentado e mencionado pelos sujeitos

tijucanos aqui entrevistado é o Siri. O quê está implícito no consumo desse espaço de

serviços é o objetivo de apropriação dos significados simbólicos nele constituídos. E o

Page 128: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

116

consumo é realizado pelos tijucanos como forma de perpetuação e reafirmação de

identidade bairrista.

“No final de semana a gente foi almoçar ali num restaurante perto de casa, o Siri. A

comida ali é muito boa, a gente come ali no Siri. Meu sogro, saio às vezes com os meus

amigos, - pô vamos comer no siri?, meu amigo vem da Zona Sul para cá”.

Tendo como base o discurso dos sujeitos respondentes, percebe-se enfaticamente

um alto envolvimento entre o homem tijucano e os serviços e locais relacionados à cultura

local, ou seja, localizados geograficamente dentro do bairro da Tijuca. Os entrevistados,

em sua maioria esmagadora, atribuem importância a esses locais e serviços repletos de

significados simbólicos. Percebe-se, portanto, um hábito de consumo por eles considerado

freqüentes e a influência desses atos na busca por uma melhor definição social.

De acordo com as análises anteriormente apresentadas, considerando a construção

da identidade de gênero através do consumo dos significados simbólicos dos bens que

consomem, julgou-se interessante realizar nesse momento um comparativo com o grupo de

homens homossexuais, de acordo com o estudo de Pereira et al. (2005). Nesse estudo sobre

a construção da identidade homossexual, a simbologia dos produtos relacionados a cultura

gay e os seus padrões sociais é muito importante. Para eles, a marca do produto e o preço

são efetivamente fascinantes, pois o consumo dessa marca faz menção direta ao grupo.

Entretanto, de acordo com a análise realizada com homens tijucanos e a construção

de sua identidade, o fascínio por marcas e produtos específicos não acontece tanto. Notou-

se, portanto, uma valorização exagerada de locais públicos e serviços do bairro. É

interessante ressaltar que ao serem questionados sobre que produtos costumam comprar no

shopping, os homens tijucanos aqui entrevistados apresentaram um comportamento de

Page 129: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

117

indiferença para as marcas de calça jeans, por exemplo. Observe a resposta deste

respondente:

“(...) uso roupa da Opção, calça, é o máximo que eu chego ali, que eu me permito, calça

de Opção. Gastar uns quarentinha, cinquentinha”.

Alguns entrevistados ainda ressaltaram as lojas e, portanto, marcas de preferência

para roupas como calça e camisa social. Marcas como Aviator, Alan Delon e Richards são

marcas próprias para o consumo de roupas sociais, as quais, segundo Pereira et al.(2005),

são fortes significantes da heterossexualidade. Apesar da presente pesquisa destacar essas

marcas, é necessário enfatizar que os homens heterossexuais tijucanos aqui analisados não

dão a mesma importância exagerada como os gays, por exemplo, para com as marcas de

roupa que consomem.

“Compro na Aviator, na Alan Delon, e agora eu compro bastante roupa na Richards,

gosto do estilo da Richards também. E sapato na Mr. Cat, tudo aqui no shopping”.

E alguns respondentes ainda ressaltam a consciência da existência de locais cujas

referências são conhecidas como locais de consumo do público gay:

“Gay compra muito na Zara eu acho. Sempre que você vai na Zara tem homossexual, tem

gay. Eu compro na Zara, uma coisa ou outra. Mas eu acho que gay vai muito mais nessas

lojas assim: Forum, Ellus, Zara assim. Que são lojas assim que tem um estilozinho, que eu

acho que até a Zara tem umas roupas que são feitas para gay. Só pode ser. Pô tem umas

calças ali, uns ternos, que você olha para aquela porra: “pô só veado vai usar isso”. E eu

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118

acho que homem compra mais em, heterossexual, compra mais em loja de surfwear assim.

Compra mais numa Redley, entendeu? Não tem tanto com marca. Acho que homossexual

tem uma visão assim, mais de roupinha mais isso e aquilo. Que heterossexual não, compra

o que cai bem e porra, pode ser uma calça larga, pode ser uma calça mais reta, pode ser

uma blusa colorida. Acho que o homossexual usa sempre uma roupa mais justinha, assim

que fique mais arrumadinho, mais engomadinho”.

“O gay ele é mais consumista, ele se aproxima mais da mulher assim em comprar roupa, o

gay se preocupa muito mais com a aparência. Por exemplo, a minha esposa tem um chefe

dela que é gay, o cara fez plástica no nariz, plástica no queixo, plástica não sei aonde,

colocou botox, ficou mais com cabelo, eu acho que é isso, não sei”.

“Eu acho que antigamente comprava, agora com essa abertura de

mercado, dos GLS, eu acho que agora eles estão fazendo questão de usar a marca própria,

vamos dizer assim”.

Como Pereira et al. (2005) abordam em seu artigo, os gays da contemporaneidade

estão visando a uma marca, a busca por um simbolismo do grupo de gays. Ou seja, o

consumo de determinados produtos que têm significado para identidade gay. Para os

autores, os gays compram, consomem em lugares cuja simbologia são referentes à sua

cultura, e, portanto, distinta dos locais de consumo dos heterossexuais.

Para grande parte dos entrevistados cujos discursos foram aqui analisados, os gays

são uma subcultura de consumo (SHOUTEN & McALEXANDER, 1995). Ou seja, os

sujeitos heterossexuais reconhecem a cultura gay como algo absolutamente distinto do

gênero masculino. Os heterossexuais são, portanto, capazes de reconhecer um gay algumas

Page 131: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

119

vezes de acordo com o seu modo de vestir. De acordo com um relato destacado acima, é

perceptível a distinção nos produtos de consumo relacionados à aparência. Para os gays,

existe uma preocupação maior com a aparência, fazendo até com que um entrevistado

revele o seu sentimento de que o homossexual se assemelha à mulher no que tange às

compras.

Essa é, portanto, uma distinção entre o grupo de homossexuais e o grupo homens

heterossexuais para o comportamento de consumo simbólico, o qual busca a construção de

uma identidade de gênero. Os homens heterossexuais da Tijuca se definem de acordo não

apenas com os produtos e marcas que consomem, mas, sim, de acordo com a sua opção de

lazer, locais consumidos e serviços.

• Carro

Apesar de anteriormente ter sido analisado nos discursos a supervalorização da

simbologia dos locais e serviços os quais consumidos, existe nesse momento a intenção de

ressaltar esta categoria uma vez que este objeto de consumo possui notoriamente

significados referentes à cultura masculina. O principal objetivo desta categoria está em

perceber e entender como o sujeito tijucano se relaciona com o carro. Quais são os

sentimentos que estão envolvidos no seu relacionamento com um dos principais e maiores

objetos de representação do gênero masculino.

“Sou fascinado por carro. Acho que por morar na Tijuca, morar em casa, lavar carro,

curtir, eu adoro, eu tenho coleção de carro, incremento o meu carro, o Felipe (se

referindo a um amigo) me sacaneia direto por causa disso entendeu? Troquei roda, som,

Page 132: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

120

farol de milha. Tudo diferente, meu carro é diferente. Ele não é Siena, ele não tá careta, eu

modifiquei ele”.

Depois de inúmeros relatos de negação e afastamento da identidade tijucana, este

entrevistado apresenta uma declaração de pertencimento à cultura ao mencionar o objeto

mais importante para ele. Apesar de ser criticado como ele mesmo relata, nesse momento

não ocorre o sentimento de vergonha. Ao contrário, está presente o orgulho do carro que

possui. Ele mesmo acredita que a sua relação com o carro seja algo estritamente tijucano.

Ou seja, uma das características tijucanas é ter uma relação simbólica com o carro.

Portanto, a sua identidade tijucana nesse momento acaba sendo reforçada e ainda

intensamente representada.

“É, de carro. Quando eu comecei a dirigir, comecei a ter carro, eu fazia uma coisa típica

de tijucano, passar o sábado de manhã lavando o

carro, é típica de tijucano. Não sei, eu e outros três amigos que morávamos no mesmo

prédio, a gente passava a manhã desmontando o carro, pegava o aspirador de pó de umas

das mães, a gente desmontava o carro todo e aspirava, lavava e polia o carro todo, a

gente fazia isso todo final de semana chova ou faça sol”.

Este entrevistado menciona enfaticamente a relação do tijucano com o carro. Ou

seja, exercia com freqüência um hábito de consumo que caracteriza o tijucano. Fica claro

nesse momento do discurso que essa relação de importância com o carro também era

exercida pelo grupo de amigos e, portanto, comportamento de consumo influenciado pelo

grupo de referência, pela cultura dominante.

Page 133: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

121

O carro para o tijucano é um objeto importante, pois ele significa liberdade.

Quando o tijucano consegue atingir a maior idade, o carro é um meio de conhecer outros

lugares, outras pessoas, freqüentar ambientes sociais diferentes. Ou seja, o carro pode

oferecer para seu detentor o direito de locomoção e, por isso, a presença do fascínio pelo

objeto. E ainda, o que se percebe sobre a relação do homem tijucano com o carro é algo

eminentemente cultural. O seu comportamento exagerado com o carro é tido como uma

representação da identidade de gênero masculino tijucana.

“Entrevistadora: Você gosta do seu carro?

Respondente: Adoro

Entrevistadora: Ele é importante para você?

Respondente: É, eu acho ele o máximo. Não sei, é um carro normal, um golzinho dois mil

e dois normal, mas adoro ele. Vou com ele para cima e pra baixo, nunca me deixou na

mão, nunca me deu problema, não me dá muitas despesas. Vira e mexe tem uma

guaribadazinha e tal, tem que dar mas tenho muito ciúme dele. Tenho mesmo, não gosto

de emprestar. Amigos assim não tem a menor hipótese. Para minha mãe assim eu abro

mão, com a minha tia, elas vão muito no Iguatemi aí eu abro mão”.

Por outro lado, por exemplo, para alguns dos entrevistados, o carro não tem muito

significado e a relação do indivíduo com o este “brinquedo” acaba sendo acompanhada de

uma perspectiva mais utilitarista. Porém, na percepção da autora deste trabalho, esta

relação acaba sofrendo, sim, um acompanhamento simbólico.

O carro, para um informante entrevistado, não tem significados que caminham além

da sua função primordial, o deslocamento das pessoas. O carro é importante para ele para

deixá-lo no lugar desejado na hora marcada. No entanto, se não tivesse um modelo

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122

Ecosport da ford, poderia ser um Astra. O que não quer dizer que ele consumiria de forma

tranqüila um Celta. Pois um modelo Astra não se trata de um modelo básico, 1.0, popular.

Portanto, o carro para ele tem um significado sim de status, potência, masculinidade.

“Não gosto de carro. É importante para me levar para o clube e tal. (...) Mas se não fosse

o Ecosport, poderia ser o Astra o que não é para mim uma coisa assim tão importante.

Como também não é celular, modelo de celular”.

5.4. Aceitação e o padrão comportamental do tijucano

É importante ressaltar nesse momento que os entrevistados quando se encontram

nessa fase de completa assimilação e orgulho da sua identidade local, eles conseguiram

atingir o bem estar. Ou seja, não está mais presente em suas vidas a preocupação em

construir e se formar em um homem tijucano através do consumo. Portanto, o seu

comportamento e a sua sensação nesse momento é de tranqüilidade, de tarefa cumprida,

apesar de Hall (2002) ressaltar que o ser humano está em constante processo de construção

de identidade. Assim sendo, o que faz referência aqui nesse momento é o fim do consumo

voraz, incessante, intenso.

Afinal, as suas práticas de consumo continuam sendo feitas, porém com outro

sentido nelas envolvido. O sujeito já é um indivíduo cuja identidade de gênero é um

homem heterossexual tijucano, sua identidade já foi plenamente atingida e sendo já um

integrante do grupo social, da comunidade tijucana, o seu consumo simbólico resgata

somente a sensação de reforço da mesma. Como são tijucanos e possuem nesse momento a

sua identidade legitimada, existe uma experiência de consumo muito específica de acordo

com o propósito de reforço dessa identidade.

Page 135: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

123

A seguir serão destacadas algumas atitudes que pareceram se repetir nas entrevistas.

Apresentar-se-ão características e hábitos de consumo que classificam o tijucano nessa

fase.

• Laços familiares

Existe uma clara interação entre o tijucano e os seus pais. Foi possível notar em

algumas entrevistas que a figura paterna foi primordial para formação do homem que é

hoje. Muitos tijucanos, assim como dois relataram durante as entrevistas, seguiram a

carreira do pai. Portanto, naturalmente, está presente na vida dos tijucanos um contato

maior com a família do que o percebido em famílias cuja área de habitação não é o bairro

da Tijuca.

“Meus avós moram na Tijuca, inclusive eles moram no mesmo prédio que eu. E logo que

meus pais se casaram eles foram morar na mesma vila que meus avós moravam, minha

avó mora no oitavo e eu moro no sétimo”.

“Foi uma decisão, a gente resolveu morar por aqui, depois que eu casei resolvi ficar por

aqui, a proximidade da família”.

“Todas as sextas-feiras eu almoço com os meus pais aí eu saio daqui e vou direto para a

casa do meu pai almoçar. Como eu trabalho até meio dia sexta-feira, então eu vou

almoçar nos meus pais porque é aquele negócio, aproveito para comer a comida da

mamãe que é maravilhosa e fico com a minha filha e com os meus pais entendeu? Os visito

uma vez por semana entendeu, então você reúne tudo”.

Page 136: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

124

Desta forma, acredita-se que os entrevistados reconhecem a importância paterna e

da família em suas vidas. E muitas vezes devido à permanência dos familiares no bairro,

fazem questão de permanecer e continuar construindo a sua história. Um outro fator que

deve ser levado em consideração nesse sentido é o prazer envolvido nesse relacionamento.

O que ocorre neste fato é também a motivação eminentemente afetiva.

• Culto ao bairro

Apesar de alguns sujeitos entrevistados ressaltarem que o bairro é um bairro que

não possui vida nem lazer, foi identificada uma relação de cultuação à Tijuca e de sua

sacralização (Belk, 1989).

Muitos tijucanos reconhecem que o bairro, no quesito opções de lazer, está

incompatível com os desejos e anseios de seus moradores. Neste caso, os programas de

lazer do tijucano nessa fase saem da Tijuca e desta forma passam a pertencer a bairros

como Lagoa, Ipanema, Leblon e Barra da Tijuca.

“A Cobal de Botafogo é um grupo que vai sempre para lá, vai muito pra aqueles

quiosques que tem lá na Lagoa”.

“Tem um comércio que funciona durante o dia, à noite não tem nada”.

No entanto, apesar desses relatos sobre lazer e vida noturna, parece evidente o culto

do tijucano ao bairro, o consumo intenso de seu mundo dos bens.

Page 137: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

125

“Exatamente, faço tudo por aqui. Dificilmente eu saio da Tijuca para resolver algum

problema, faço tudo por aqui”.

“A gente freqüenta os restaurantes da Tijuca, Sindicato do Chope enfim, a gente freqüenta

bastante as coisas da Tijuca”.

“Sempre estudei lá, meu curso de inglês era lá, meu dentista era lá, tudo era lá então

realmente não tinha por hábito sair muito”.

É comum observar nos discursos dos respondentes o sentimento de pertencimento e

intimidade com os serviços do bairro. Não sair do bairro para nada significa praticidade,

comodismo, consumir o próprio bairro, ser tijucano, desempenhar a sua identidade local.

Através do consumo do mundo dos bens, o homem manifesta a sua cultura. E ainda

esse consumo e esses hábitos podem comunicá-la aos outros com quem se identifica. Desta

forma, membros de um grupo social, o grupo de tijucanos, enfatizam a sua cultura, o seu

código local, e ainda se aproximam mais desses significados através do seu hábito de

consumo. Portanto, o culto ao bairro, o consumo de seus serviços fazem com que esses

tijucanos entrevistados e o seu grupo se identifiquem e a cada momento reforcem a sua

identidade, seus códigos locais.

• Comércio Local - Extensão de Casa

Comércio como padarias, bancas de jornal, feiras populares são importantes para

sustentar a cultura local, os códigos e ainda disseminá-los. Se tornando um membro deste

ambiente, o indivíduo consumidor, no caso o tijucano, consome esses significados e ainda

Page 138: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

126

refletem para os outros a sua posição social. É um contato familiar, como se os locais de

consumo fossem a sua segunda casa.

“A gente gosta disso, gosta de conversar com o padeiro, sair ali na rua, a gente gosta de

conversar com o cara do comércio, falar de futebol, a gente gosta. Com o porteiro, eu

gosto, gosto muito de fazer isso, mas é uma característica nossa”.

“Porque a mamãe, ela vai fazer compras naquele mercado, sabe

aqueles micro mercados antigos, que você tem de encolher o ombro pra andar nos

corredores, ela vai num mercadinho desses. É o Tijuquinha, que é quase do lado da casa

dela, atravessa a rua anda um pouquinho e ta lá no mercado. É o mesmo gerente, os

mesmos caixas que já estão velhinhos também, o cara que arruma o mercado, é aquele

velhinho que já está lá há 200 anos. Então acaba conhecendo até pelo nome, Oi seu

fulano! A mamãe é uma típica tijucana”.

Esse tipo de relação com o comércio do bairro, mercado muito antigo, com

denominação de “Tijuquinha”, é um tipo de serviço carregado de significados simbólicos

relacionados à Tijuca. Por isso que o próprio entrevistado caracteriza a sua mãe como uma

tijucana típica. Pois consome os significados relacionados à Tijuca enfatizando assim a sua

identidade.

O comércio local, pequeno e perto de casa é considerado pelo tijucano como uma

extensão de sua casa (BELK, 1988). Apresenta alto nível de familiaridade, informalidade,

amizade, prazer ao realizar o consumo. O tijucano nesse tipo de compra, faz compra para

casa, ou seja, família (altamente significativos). Desta forma, esse tipo de consumo é

Page 139: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

127

cultural, significa defender estilos de vida. O mesmo já não acontece com as grandes lojas

como, por exemplo, as localizadas no Shopping Tijuca.

• Relação do tijucano com outros bairros

Esta categoria é utilizada para ressaltar a relação do homem tijucano com os

diversos outros bairros que a rodeiam e que fazem parte da Grande Tijuca. De acordo com

Hall (2002), a sua identidade pode ser definida, construída a partir daquilo que ele não é,

ou seja, a sua alteridade.

É evidente no discurso dos entrevistados que o tijucano não é morador do Grajaú,

Andaraí, Vila Isabel. Porém, todos os moradores desses bairros na verdade consomem os

valores e a cultura tijucana e ainda se identificam como tijucanos.

Todavia, o que se percebe durante as entrevistas é que o tijucano morador do bairro

da Tijuca prefere evitar esses outros bairros. Ou seja, eles preferem apresentar uma relação

de afastamento.

“Entrevistadora: Você tem alguma assim relação com eles, qual a sua relação com eles?

Vila Isabel e Grajaú você já morou mas hoje em dia?

Respondente: Nada, não tem mais nada com esses bairros”.

“Dificilmente, tem muito tempo que eu não vou (...) tinha uns barzinhos bons ali que eu até

ia muito, mas agora atualmente dificilmente”.

Percebe-se quase sempre nas entrevistas realizadas para este trabalho que não existe

muita interação entre um homem tijucano e os outros bairros. Nesse momento pode-se

Page 140: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

128

verificar a importância do consumo do bairro para conhecer os códigos locais e ainda se

identificarem com o grupo. Os entrevistados parecem apresentar um pouco de descaso com

relação à esses outros bairros. O máximo que relatam de relação com os mesmos é de

passagem. A relação que o homem tijucano tem com os outros bairros é de afastamento, de

rejeição.

A identificação com os tijucanos e a construção de uma identidade tijucana também

se dá de acordo com a não proximidade e entendimento dos outros bairros que rodeiam a

tijuca. Ou seja, a relação do tijucano com os outros bairros que para todos os tijucanos

ainda não é geograficamente bem definido, é de não conhecimento, não proximidade. De

acordo com Hall (2002), a sua identidade pode ser definida de acordo com aquilo que você

não é. Ou seja, o tijucano, apesar de não apresentar conhecimento geográfico e ainda das

pessoas que moram nesse outros bairros, sabe quem ele não é, e reforça dessa maneira cada

vez mais a sua identidade tijucana.

Page 141: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

129

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou investigar, por meio de uma perspectiva interpretativista,

como os homens do bairro da Tijuca no Rio de Janeiro constroem a sua identidade de

gênero através do consumo. Com este trabalho, buscou-se responder à seguinte pergunta de

pesquisa: de que maneira homens heterossexuais tijucanos constroem a sua identidade de

gênero por meio dos significados simbólicos dos produtos que consumem? Em outras

palavras, a pesquisa procurou compreender como o consumo do mundo dos bens, seja ele

carro, roupa, comida, lazer, influencia e determina a constituição da identidade de um

homem da Tijuca. Desta maneira, possuir o orgulho de morar ou ter morado na Tijuca, isto

é, ser tijucano, é referência importante no processo de formação dessa identidade social.

Como foi visto, a relação existente entre cultura e consumo tem interessado cada

vez mais os estudiosos da área de comportamento do consumidor. De acordo com Slater

(2002), a reavaliação do consumo ao longo das linhas da contemporaneidade está

vinculada à experiência de um mundo inteiramente transformado, não só econômica, mas

também social e culturalmente.

De acordo com McCracken (2003), cultura pode ser entendida como as idéias e

atividades através das quais a sociedade fabrica e constrói os significados do mundo o qual

vive. Pode-se afirmar desta forma que os significados são culturalmente instituídos e

posteriormente transferidos para o mundo dos bens, os quais mais tarde são consumidos

pelos indivíduos com o propósito de apropriação para construção de uma determinada

identidade social. Desta forma, os objetos têm a capacidade de carregar e disseminar

significados culturais. O mundo dos bens detém a capacidade de oferecer ao grupo um

código interno capaz de identificá-los de forma eficaz, de forma a facilitar na manutenção

Page 142: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

130

e reforço da identidade, assim como na diferenciação, na exclusão dos não membros, dos

não tijucanos.

Estes códigos são, portanto, utilizados pelos tijucanos para auxiliar na construção

da identidade de gênero. Fazer compras no Shopping Tijuca, consumir os serviços do

bairro (restaurante La Mole, por exemplo), freqüentar o Tijuca Tênis Clube, ir aos antigos

cinemas da praça Saens Peña, comer no Bob’s lá presente, são práticas de consumo

simbólico para facilitar o acesso desses indivíduos ao grupo classificado como homens

tijucanos.

Ser tijucano para esses indivíduos homens heterossexuais significa possuir um

atributo pessoal positivo, uma vez que esse bairro, esse local de moradia, possui segundo

os informantes, inúmeras vantagens e motivos de orgulho, resguardando desta forma, o

comportamento necessário para se representar como tal. Sendo assim, é possível atribuir à

Tijuca a importância de ser um local capaz de “gerar identidade”.

Os diversos tipos de produtos e serviços que são consumidos pelos indivíduos, e

conseqüentemente os seus significados simbólicos, podem estar a todo momento

construindo uma identidade e se tornando características cruciais para os outros sobre

quem nós somos e com quem nos identificamos, à que grupo social pertencemos e ao

mesmo tempo rejeitamos (DORAN, 1997; HYATT, 1992; PIACENTINI & MAILER,

2004; WATTANASUWAN, 2005). Neste trabalho, este ponto foi identificado de forma

que a construção do tijucano se dá de acordo com os produtos, locais e serviços por eles

consumidos.

Notou-se uma valorização exagerada à locais públicos e serviços da Tijuca. É

interessante ressaltar que ao serem questionados sobre que produtos costumam comprar

nos shoppings, os homens tijucanos apresentaram um comportamento de indiferença para

as marcas, porém relatam o ato de consumo no Shopping Tijuca. Exercendo desta forma

Page 143: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

131

uma oposição à conclusão apresentada no trabalho de Pereira et al. (2005): marcas são

importantes para o grupo gay. Os gays parecem ser absolutamente influenciados pelo

simbolismo da marca.

A identidade de gênero masculina é constituída por inúmeros produtos, serviços e

atitudes cujos significados simbólicos culturalmente instituídos pela cultura dominante,

fazem referência à heterossexualidade. Por este motivo, é que as “coisas de homem”, como

os próprios entrevistados se referem, são tão importantes durante o seu período de vida

para construir a sua identidade de gênero masculino. Da mesma forma que estes sujeitos

parecem atribuir valor à esses produtos e serviços, as suas atitudes e comportamentos

apreendidos desde quando criança, também são importantes. Para eles, a utilização e o

levantamento de algum indício de nebulosidade sobre a sua identidade de gênero é motivo

de preocupação e verificação sobre o que deve estar acontecendo com os mesmos de

incoerente.

Sendo assim, é importante o conhecimento sobre como esses homens se

relacionam, usufruem (gerenciam) e rejeitam o mundo dos bens que está em sua volta. O

presente trabalho apresentou uma tentativa de verificar como os homens da Tijuca se

tornam mais homens tijucanos através do consumo.

De acordo com as entrevistas, foi possível observar que o mundo dos bens e

serviços e ainda outros locais públicos como a praça Saens Peña, são altamente instituídos

de significados simbólicos e, portanto, oferecem a seus consumidores os códigos locais, os

determinados padrões culturais para se transformarem em tijucanos. E esses códigos são,

portanto, consumidos pelos homens para construir a identidade de homem tijucano, para se

tornarem membros do grupo, para se distinguirem de outras identidades dos moradores dos

diversos outros bairros que rodeiam a Tijuca e se distanciarem da identidade feminina. Este

comportamento é explicado por McCracken (2003), Douglas e Isherwood (2004) e

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132

Hall(2002), quando mencionam que o consumo de mercadorias e dos significados

simbólicos à elas associados, está intimamente relacionado com a construção da identidade

social do indivíduo.

Primeiramente, foi possível identificar e confirmar de acordo com os discursos dos

entrevistados, a sensação inicial das particularidades da identidade tijucana. Já é um fato,

em estudos que tornam evidente essa cultura, que a identidade tijucana é algo especial,

diferente. O tijucano ele possui um amor incondicional ao bairro, ele é “comodista”, não

sai do bairro para nada, valoriza os locais e serviços do bairro. Consumi-los, significa ter

prazer, estar apropriando dos significados e representando socialmente.

Desta forma, a compra, a posse e o consumo de espaços localizados

geograficamente no bairro da Tijuca definem o indivíduo. Ainda quando jovens, em

período de construção da identidade de homem tijucano, os sujeitos respondentes não

perdem a oportunidade de valorizar e ressaltar os espaços importantes para eles naquele

momento de construção da masculinidade. Nesse momento, o consumo da praça Saens

Peña, dos cinemas nela inseridos, do restaurante de fast-food Bob’s, do Shopping Tijuca

(mais recente), do Clube Tijuca Tênis Clube, é de extrema importância para o seu

posicionamento social. Para eles, consumir esses espaços em momento de se formar um

homem tijucano parece ser aprender os códigos locais, desfrutar do mesmo prazer, fazer

parte do grupo, conhecer meninas, colocar em práticas a sua identidade masculina.

Mais tarde, quando esses indivíduos crescem e conseguem atingir a maior idade,

essa identidade se torna um pouco latente e surge o momento de afastamento, conflito. O

que ocorre é o início do consumo de outros bairros, por exemplo. Ou até mesmo o

afastamento de estruturas símbolos da Tijuca. Devido à forte conotação negativa associada

ao tijucano, preferem negar nesse período a sua origem.

Page 145: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

133

Apesar de parecer evidente este afastamento, em um segundo momento, essa

identidade é assimilada e ao mesmo tempo adotada como real, verdadeira. Eles se

consideram membros do grupo, têm orgulho, agem com desligamento no que diz respeito a

brincadeiras e piadas contra a identidade local, consomem intensamente locais altamente

significativos, valorizam o comércio local (considerados a extensão de casa). Para tanto, os

heterossexuais tijucanos apresentam uma sensação de conforto e consomem com o intuito

claro de identificação social e simbolizar os seus códigos, a quem se faz referências.

A última instância que parece emergir é o nível de consciência do indivíduo sobre o

consumo simbólico para a construção de identidade de homem tijucano. O que parece

ocorrer com esses homens respondentes e ainda os seus familiares, é a consciência do

consumo intencional para devida representação social. Talvez esse fato fique pouco

evidente em todas as entrevistas, porém é possível afirmar que o consumo é consciente em

prol da condição de se tornar ou reforçar um homem tijucano.

A seguir serão apresentadas em momentos distintos algumas recomendações

gerenciais, acadêmicas, limitações e sugestões futuras:

• Recomendações gerenciais:

Nesse momento, acredita-se que o estudo sobre o comportamento de consumo do

tijucano em suas diversas fases de construção identitária deve ser considerado de

fundamental importância para que os gestores de organizações compreendam de maneira

mais profunda a atitude de consumo simbólico de um determinado grupo social

principalmente no cenário brasileiro.

O conhecimento sobre como o grupo se aproxima, relaciona, consome, atribui

significados culturais e os rejeita, é bastante útil para os executivos com interesse em

Page 146: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

134

explorar este segmento. Este grupo, o qual defende um estilo de vida particular, parece ser

um objeto de extrema vantagem competitiva para as empresas locais.

Um exemplo prático sobre estabelecimentos comerciais rentáveis localizados no

bairro da Tijuca é o restaurante de culinária italiana Spoleto. Esta franquia se localiza

dentro do Shopping Tijuca – templo e local para o tijucano, repleto de significados sociais

culturalmente instituídos. O restaurante Spoleto da Tijuca era, até julho de 2005, a loja que

ocupava o segundo lugar no ranking geral de um número aproximado de 100 lojas de

faturamento mensal. Esta loja, naquele período, só perdia para o restaurante do Shopping

Rio Sul (shopping de maior movimento na zona sul do Rio de Janeiro e loja treinamento).

Portanto, de acordo com o levantamento da presente pesquisa, podem emergir informações

relevantes para o mundo das organizações.

• Recomendações acadêmicas:

Acredita-se ainda que o estudo deve ser considerado um estudo de importância para

a academia, em especial, na academia de marketing, pois existe na pesquisa uma

perspectiva diferente daquelas predominantes nos estudos sobre comportamento do

consumidor. E também de fundamental importância para agregar os estudos sobre cultura e

consumo no Brasil. Por ser um estudo ainda diferenciado na área de marketing,

principalmente no cenário brasileiro, acredita-se que ainda exista espaço para outras

pesquisas relacionadas ao tema que podem contribuir para o avanço teórico acadêmico

sobre comportamento do consumidor, antropologia e sociologia.

• Sugestões Futuras:

Como possíveis trabalhos futuros, sugere-se um estudo de grupos heterossexuais

cujas características sejam distintas das aqui estudadas. Por exemplo, um estudo

Page 147: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

135

comparativo sobre o jovem tijucano e os tijucanos da “velha guarda”. Outra possibilidade

seria o estudo sobre o gênero feminino, a mulher tijucana. E ainda existe esta outra

questão: um estudo sobre a identidade masculina de moradores de outros bairros do Rio de

Janeiro como Barra da Tijuca (o barrense) ou até mesmo de outro bairro ou Município em

outros estados brasileiros, como o Niteroiense. Ou ainda, uma vez que existe o eterno

comparativo Zona Sul x Zona Norte, seria interessante analisar também o bairro de

Ipanema, desde que os moradores dos bairros apresentem características particulares e

hábitos de consumo que sustentem a sua identidade de gênero.

Os possíveis públicos são diversos, uma vez que suas características são

fundamentalmente distintas daquelas dos indivíduos aqui entrevistados.

É necessário ressaltar que as conclusões aqui apresentadas não deverão ser

generalizadas para toda população. Porém, elas poderão ser utilizadas como informações

para pesquisas futuras.

Esta pesquisa pretendeu compreender o comportamento de homens heterossexuais

para se tornarem homens tijucanos. Acredita-se ter conseguido atingir os objetivos e ter

entendido como se dá essa condição de homem tijucano através do consumo simbólico.

O que existe de fato na mente dos habitantes do Rio de Janeiro é a distinção entre a

Zona Sul e a Zona Norte. Para a maioria, não existe o subúrbio, tudo que está fisicamente

além do túnel Rebouças é conhecido e chamado por eles de Zona Norte. No entanto, está

presente no discurso dos tijucanos a ênfase de ser morador da Zona Norte, porém, não de

ser morador de um bairro do subúrbio.

Um outro aspecto interessante que também foi possível perceber nas entrevistas

realizadas é que também não existem os outros bairros que rodeiam a Tijuca, conforme

mencionado anteriormente. Para os seus moradores, os critérios da divisão administrativa

da cidade foram esquecidos e todos, ao serem questionados onde moram, respondem que

Page 148: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

136

moram na Tijuca. (pois na prática, todos esses bairros se confundem, não existe uma

fronteira explícita).

Page 149: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano

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8. ANEXOS

8.1. Anexo 1 – Termo de Confidencialidade

Bom Dia/Boa Tarde/Boa Noite, meu nome é Flavia Cupolillo. Estou realizando esta pesquisa sobre o tema consumo e o homem tijucano para minha dissertação de Mestrado. Este projeto é realizado na Escola Brasileira de Adminsitração Pública e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. No site www.ebape.fgv.br podem ser encontradas mais informações sobre a EBAPE e a FGV. O professor Eduardo Ayrosa, Ph. D., é o orientador deste projeto de pesquisa e pode ser contactado através do telefone (21) 2559-5774 e do endereço eletrônico [email protected] e poderá fornecer quaisquer outros esclarecimentos que se façam necessários. Agradecemos a sua disposição em participar deste projeto de pesquisa. A sua participação é importante e será apreciada. Antes de começar a entrevista, gostaria de garantir-lhe, mais uma vez, que, ao participar deste projeto, você tem alguns direitos bem definidos. Primeiro, a sua participação nesta entrevista é totalmente voluntária. Você pode se recusar a responder qualquer pergunta a qualquer momento. Você pode se retirar da entrevista e dá-la por encerrada a qualquer momento. Esta entrevista será mantida em confidencialidade e estará disponível apenas para a autora do projeto e para o professor orientador da dissertação. Partes desta entrevista podem ser usadas no relatório final da pesquisa, mas, em nenhuma circunstância, o seu nome ou características que permitam a sua identificação serão incluídas no relatório final. Agradeço a sua atenção e peço assinar abaixo como prova de que li este protocolo para você.

____________________________________________ (Assinatura) ____________________________________________ (Nome por extenso) Data: ____/____/_07_

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8.2. Anexo 2 – Roteiro Semi-Estruturado de Entrevistas

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA ENTREVISTA

- Perguntas de Abertura/Aquecimento:

• Nome Completo • Idade • Estado Civil • Ocupação • Religião • Filhos? • Mora com a família?

- Convidando a fazer descrições:

• Onde estuda ou estudou? Como foi a sua trajetória estudantil?

• Você mora no Bairro da Tijuca hoje? Onde? Há quantos anos? Se não, morou na Tijuca por quantos anos? • A família sempre morou na Tijuca? • E por que os seus pais moram ou moravam na Tijuca?

• Por que decidiu morar neste local?

• Como você me descreveria o bairro da Tijuca para uma pessoa que não conhece o

Rio de Janeiro?

• O que você acha do termo tijucano? - Desenvolvendo a entrevista:

• Você é um típico homem tijucano?

• Você tem orgulho disso?

• O que é ser um homem tijucano para você?

• Você poderia me descrever o que é o tão famoso ‘típico tijucano’?

• O que faz você sentir-se assim?

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• E isso é importante para você? Como é isso?

• Qual a sua opinião sobre os diversos outros bairros que rodeiam a Tijuca? Vila Isabel, Grajaú, Andaraí, Usina, Muda.

• Qual é a sua relação com eles? Freqüenta socialmente, sempre, passagem, nunca

vai, ...

• E as pessoas que são de lá?

• Você tem amigos desses bairros?

• Se identifica com eles?

• As pessoas de lá são parecidas com os tijucanos? Se não, quais as diferenças?

• Qual a principal diferença entre você e os homens desses outros bairros?

• Quais são os lugares de entretenimento que você costuma ir? Na Tijuca ou em outros bairros.

• Suas amizades são do bairro da Tijuca?

• Se você saísse da Tijuca, iria para onde?

• Para você, qual é o outro bairro no Rio de Janeiro que parece com a Tijuca? • Conhece e tem intimidade com os vizinhos e comerciantes locais?

• Fala-me um pouco da sua história de vida. Você é homem, como você começou a

se sentir um homem?

• Como começou a gostar das coisas que usa?

• O que costumava fazer nos seus 14, 15 anos?

• Onde costumava ir com os seus amigos?

• Que tipo de coisas vocês faziam durante o dia?

• E à noite? • Que tipo de estabelecimento era?

• Quais os motivos que te levavam a freqüentar esses lugares?

• Saía para fazer compras?

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• Onde? Com quem?

• O que gostava de comprar? Por quê?

• Onde comprava as suas roupas? Tinha uma loja específica que você gostava mais? Por quê?

• Hoje, como você é com as compras?

• Que tipo de roupa é legal para você?

• Onde costuma comprar?

• Tem algum objeto que é importante para você? Como carro, roupa.

• Você tem algum hobby?

• Pratica algum tipo de atividade? Qual? Onde?

• E as mulheres?

• Quando jovem, tinha um lugar especial que vocês saiam para namorar, para

impressionar a garota? Onde?

• A sua mulher é tijucana? Se não, casaria com uma tijucana?

• Para você, a mulher tijucana é diferente do homem tijucano?

• E os gays?

• Como você separa os homens e os gays nos objetos de consumo?

• Tem alguma coisa que você tem e que tem um significado maior para você? O que? • Por que ela tem um significado especial?

- Finalizando:

• Nós discutimos uma porção de assuntos interessantes, há alguma coisa que nós não discutimos?

• Há algo mais que você gostaria de me dizer?