flavia braga nogueira cupolillo, como se faz um tijucano
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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMP RESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA MESTRADO EXECUTIVO EM GESTÃO EMPRESARIAL
DISSERTAÇÃO APRESENTADA POR:
Flavia Braga Nogueira Cupolillo
TÍTULO
Como se faz um tijucano? Reflexões sobre consumo, identidade e masculinidade em um bairro carioca.
PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: Eduardo André Teixeira Ayrosa
RIO DE JANEIRO – BRASIL
2007
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Como se faz um tijucano? Reflexões sobre consumo, identidade e masculinidade em um bairro carioca.
Por
Flavia Braga Nogueira Cupolillo
Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas para obtenção do grau de Mestre em Gestão Empresarial.
Orientador: Professor Eduardo André Teixeira Ayrosa
Julho 2007
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“Il faut savoir s`instruire dans la gaieté. Le savoir triste est un savoir mort. L`intelligance est joie”. (Voltaire)
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Aos meus pais dedico este resultado.
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iv
Agradecimentos
Gostaria de agradecer especialmente ao meu orientador, o professor Eduardo Ayrosa, pela
amizade e dedicação, e em especial pela paciência com que me conduziu através desse
processo de aprendizado, em forma de espiral, que é a pesquisa acadêmica. E ainda a
maneira como me ajudou a vencer os obstáculos que emergiram ao longo desse percurso.
À minha família agradeço pelos valores até hoje ensinados, o apoio nos momentos difíceis
e a certeza de que sempre estará por perto.
Também gostaria de agradecer ao doutorando Bill Pereira Nunes por estar sempre disposto
a ajudar. Como um amigo, sempre me apoiou e, como acadêmico, me conduziu nessa
pesquisa.
Aos colegas do mestrado executivo que me acompanharam durante esses 2 anos na FGV,
com bom humor e seriedade.
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Resumo O amor do carioca pela cidade do Rio de Janeiro é notório. Além do carioca, existe um
grupo social, cujo amor pelo bairro também é peculiar, os tijucanos. O bairro da Tijuca,
famoso pela sua tradição e pelo seu progresso ocorrido na década de 60, no que tange à
identidade local - tijucana, é um dos locais da ‘cidade maravilhosa’ que mais se destaca no
cenário carioca. O tijucano pode ser considerado uma “personalidade” carioca e os seus
hábitos de consumo, não ultrapassam os limites do bairro. Cercado de histórias e de
características pitorescas, a formação do tijucano, adjetivo de orgulho dos moradores do
bairro, destaca-se como foco deste estudo. Ser tijucano incondicional, gostar de andar pela
Tijuca, de ir à praça, freqüentar bares, acabou se tornando uma peculiaridade no cenário
carioca, junto com o Ipanemense, o Barrense e tantas outras que constroem o Rio de
Janeiro.
Apesar da crescente visibilidade, são poucos os estudos que procuram compreender a
forma como os homens heterossexuais - doravante homens - interagem com o mundo dos
bens. Tendo em vista maior interesse nesse foco de estudo e no mundo contemporâneo, o
sentido do consumo ampliou-se. Este estudo tem o objetivo de compreender como o
homem da Tijuca utiliza o mundo dos bens para se tornar um homem. Essa análise é
crucial para desvendar a construção da identidade de gênero masculina de indivíduos
oriundos do bairro da Tijuca. Os dados foram coletados por meio de entrevistas em
profundidade, com nove homens tijucanos, durante o mês de janeiro de 2007. Os
resultados demonstraram que os homens da Tijuca interagem intensamente com os
serviços e locais do bairro durante a construção da identidade de gênero e local. Foi
possível constatar quatro etapas distintas, através das quais, os sujeitos utilizam o mundo
dos bens para se identificarem como homens tijucanos. Desta forma, pode-se concluir que
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os indivíduos consomem produtos e locais específicos em estratégia de: definição da
masculinidade e identidade local (ainda quando jovens), afastamento, assimilação,
aceitação e reforço dessa identidade.
PALAVRAS-CHAVE: marketing, cultura e consumo, consumo, identidade de gênero,
construção de identidade.
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Abstract
The love of cariocas for the city of Rio de Janeiro is widely known. As well as the
cariocas, there is another social group, called tijucanos, which the love for the
neighborhood is peculiar. The Tijuca zone, known by its tradition and development during
the 60’s, due to his local identity – tijucana, definitely deserves prominence in the
‘wonderful city’. The people of Tijuca can be known as a “personality” in Rio, and their
habits of consumption seldom exceed the area’s limits. Enclosure of histories and special
characteristics, how to be a tijucano, an adjective that people of Tijuca are proud of, is one
of the focus of this present study. To be an unconditional tijucano, who loves to walk
around in the neighborhood, in the square, enjoy their lives in famous bars, ended up as a
peculiarity in the carioca scenario, together with the people of Ipanema, Barra and many
others, that together make Rio de Janeiro a unique city.
In spite of the increasing visibility, there are few studies trying to understand the way
heterosexual men interact with the world of consumer goods. In view of the great interest
and in the contemporary world, the meaning of consumption has increased. The object of
the present study is to try to understand how the people from Tijuca use the world of
consumer goods to “become a man”, i.e., to construct their male heterosexual identity. This
analysis is crucial to investigate the construction of masculine gender identity of the people
from Tijuca. The study was based on data gathered through deep interviews with nine men
from Tijuca during the month of January 2007. The results have shown that the tijucanos
interact with the neighborhood services and locals during the process of construction of
gender and local identity. It was possible to notice that there are four differents stages, by
means of, people use the world of consumer goods to identify themselves as men from
Tijuca. Therefore, it is possible to conclude that it occurs the consumption of specific
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products and places in strategy to: define masculinity and local identity (when young
person), move aside, assimilation, acceptation and reinforcement of that identity.
KEY WORDS : marketing, consumer culture, consumption, gender identity, identity
construction.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
1.1. O PROBLEMA........................................................................................................ 10 1.2. OBJETIVOS DO ESTUDO......................................................................................... 12 1.3. RELEVÂNCIA ........................................................................................................ 12 1.4. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO................................................................................... 14 1.5. DELIMITAÇÃO ....................................................................................................... 15
2. REFERENCIAL HISTÓRICO................................................................................ 18
2.1. O BAIRRO DA TIJUCA ........................................................................................... 18 2.2. O ‘TIJUCANO’ ....................................................................................................... 28
3. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 30
3.1. COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR.................................................................... 30 3.2. CONSUMO COMO TROCA SIMBÓLICA..................................................................... 35 3.3. IDENTIDADE.......................................................................................................... 47
3.3.1. Construção de identidade através do consumo............................................... 53 3.4. IDENTIDADE DE GÊNERO....................................................................................... 57
3.4.1. Identidade de Gênero Masculino.................................................................... 60
4. METODOLOGIA...................................................................................................... 64
4.1. UNIVERSO E CORPO DE DADOS............................................................................. 67 4.2. SELEÇÃO DE SUJEITOS.......................................................................................... 69 4.3. COLETA DE DADOS............................................................................................... 71 4.4. TRATAMENTO DE DADOS...................................................................................... 74 4.5. LIMITAÇÕES DO MÉTODO..................................................................................... 78
5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ............................................................................. 80
5.1. A CONSTRUÇÃO DO HOMEM TIJUCANO................................................................. 85 5.2. AFASTAMENTO DA IDENTIDADE LOCAL ............................................................... 96 5.3. ASSIMILAÇÃO E ORGULHO DA IDENTIDADE TIJUCANA........................................ 106 5.4. ACEITAÇÃO E O PADRÃO COMPORTAMENTAL DO TIJUCANO............................... 122
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................129
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 137
8. ANEXOS .................................................................................................................. 148
8.1. ANEXO 1 – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ...................................................... 148 8.2. ANEXO 2 – ROTEIRO SEMI-ESTRUTURADO DE ENTREVISTAS............................. 149
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Praça Saens Peña – Antiga ............................................................................. 21 FIGURA 2: Praça Saens Peña em 1960 .............................................................................. 22 FIGURA 3: Cine Metro, 1950............................................................................................. 22 FIGURA 4: Vista aérea da Tijuca em 2006 ........................................................................ 24 FIGURA 5: Jornal de Bairro Niterói – Nascia há 25 anos O Globo Tijuca........................ 25 FIGURA 6: O primeiro jornal de bairro do O Globo, 23 de março de 1982 ...................... 26 FIGURA 7: O bairro da Tijuca é o primeiro a ganhar suplemento em 1982 ...................... 27
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xi
LISTA DE QUADROS E TABELAS QUADRO 1: Relação dos respondentes para pesquisa. ...................................................... 70
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1. INTRODUÇÃO
SEMPRE TIJUCA
Música: Profa.: Maria Alves Saraiva Letra: Profa.: Lourdes Figueiredo
Entre morros verdejantes A Tijuca foi crescendo Nas mansões, saraus e festas E nas ruas serestas, Violões tocando
Pelo ar os sons plagentes Depois o silêncio vinha Envolvendo em paz As frias madrugadas De um passado Que não volta mais...
Mas no coração A Tijuca não mudou (BIS) Mantém a tradição, a tradição
Ainda em disco de vinil, a Tijuca, na época muito conhecida como um bairro de
tradição e progresso, recebeu uma homenagem através da canção – Sempre Tijuca.
Lourdes Figueredo e Maria Alice Pinto Saraiva realizaram essa homenagem à Tijuca com
o hino apresentado acima em julho de 1965. No mês de agosto de 1978, foi certificado, na
forma da legislação em vigor, o registro da propriedade intelectual sobre essa obra musical.
As referências que seguem se baseiam no livro “Tijuca, memória de um bairro” e
nos arquivos da VIII Região Administrativa. A Tijuca dos anos 60, como mostra a autora
do hino, era famosa pelo seu tradicionalismo e pela existência das mansões, anteriormente
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habitadas por grupos de alto poder aquisitivo, como comerciantes abastados, diplomatas e
nobres, por exemplo.
Essa elite presente na Tijuca possibilitou que o lugar ganhasse destaque entre os
bairros do Rio de Janeiro como um ambiente aristocrático. As grandes casas e festas, como
as destacadas no hino, estavam mais precisamente localizadas nas ruas Hadock Lobo e
Conde de Bonfim.
Como poderá ser observado mais à frente no item Referencial Histórico, o bairro da
Tijuca foi deixando de ser um lugar de residência da burguesia para se transformar em um
local de moradia de funcionários públicos, comerciantes locais e profissionais de fábricas,
o que, de certa maneira, gerou o aumento progressivo da classe média no local. Desta
forma, enquanto os moradores com alto poder aquisitivo buscavam locais mais próximos
da orla do Rio de Janeiro, como Copacabana e Ipanema, a classe média foi expandindo e
ocupando a Tijuca. Um aspecto que é importante observar nesse momento da história e de
transformação do bairro é que, apesar do estabelecimento da classe média e de inúmeras
construções de prédios de apartamentos, ainda é possível verificar na Tijuca de 2007,
algumas mansões e casas bastante antigas, em que ainda residem os proprietários,
perpetuando, assim, o tradicionalismo do bairro, o que também está sendo apalavrado pela
autora na última linha do hino Sempre Tijuca.
Ainda de acordo com a literatura sobre o bairro, foi possível perceber que, ao
mencionar o bairro Tijuca, são perceptíveis um contraste e uma dicotomia no discurso dos
atores sociais. Nessa divisão fica clara a noção de moradores da Zona Norte e da Zona Sul.
A Tijuca, por sua vez, é considerada por seus habitantes como um bairro que não
detém as características da Zona Sul. Localizado na Zona Norte, o local possui algumas
características dos bairros localizados nesse escopo geográfico, porém, não é similar a
outros bairros dessa área, considerados pelos tijucanos como subúrbio. Desta forma, e por
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meio de um estudo interpretativo das declarações dos tijucanos, será possível iniciar uma
delimitação do que é ser um tijucano e o que é NÃO ser um tijucano. De acordo com
Woodward (2000), pode-se entender a identidade pela diferença e oposição, o que, de fato,
está explícito na construção da identidade tijucana. O tijucano não é um sujeito morador da
zona sul e tampouco da zona norte, subúrbio.
Apesar da grande heterogeneidade presente na Tijuca hoje, da multiplicidade de
diferenças, no que diz respeito por exemplo à classe econômica dos moradores e número
de favelas, as características dos moradores, seus hábitos, suas crenças, seus valores,
contribuem para a constituição da identidade tijucana.
Na Tijuca é possível perceber um consumo especial. A imensurável movimentação
da Praça Saens Peña e a pulsação do Largo da Segunda-Feira, onde é somente possível
visualizar murmurinho de pessoas caminhando para lados opostos, é algo indescritível.
É preciso destacar também a sua importância na educação de jovens cariocas, com
o tradicionalismo do Colégio Militar. Além disso, não se pode deixar de mencionar a
presença no bairro dos grandes cinemas nas décadas de 40 e 50. Cinemas estes cuja
estrutura era de grande porte e onde a exposição de artigos luxuosos e da nobreza estavam
presentes.
A tradição do bairro e o segmento de tijucanos despertaram a atenção de alguns
jornalistas. Existe um jornal, Grande Tijuca, de publicação mensal e sua temática versa
apenas sobre assuntos locais. As suas matérias buscam aglutinar todos os acontecimentos
do mês, as programações e propagandas de comércio local. Esse produto também é motivo
de orgulho do tijucano.
Em função das particularidades e autenticidade do bairro, optou-se por um estudo
que visa compreender a formação do homem tijucano através do consumo, ressaltando a
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importância do local de moradia (presente ou passado) na construção da identidade de
gênero masculina.
É possível verificar recorrentemente na literatura existente sobre a Tijuca que ser
tijucano é um estado de espírito. O tijucano tem uma relação de “dependência química” do
bairro. É aquele que tem orgulho de morar na Tijuca, que aprecia a praticidade do bairro,
que se refere à Praça Saens Peña como “A Praça” e que simplesmente consome o bairro. O
tijucano é ainda aquele sujeito que, apesar de não morar mais na Tijuca, pensa nela e na
família todo o tempo. Sempre quando pode, prefere ter uma refeição com os pais e,
rotineiramente, consome os serviços do bairro exatamente como o fazia quando morava no
local. Compras no shopping Tijuca, corte de cabelo, ida à bares com amigos são exemplos
que ilustram esse procedimento.
Vale destacar que os tijucanos são os únicos indivíduos detentores de origem no
bairro que possuem um gentílico. Ou seja, uma classe de palavras que designa um
indivíduo de acordo com o seu local de nascimento ou residência - um grupo à parte de
adjetivos derivados de substantivos relacionados a países, estados, continentes, regiões,
províncias, cidades, aldeias, vilas e povoados. É relevante mencionar que o mesmo não
ocorre com os moradores de bairros como: Copacabana, Leblon, Ipanema, Botafogo,
Estácio, Grajaú, entre outros. Esse aspecto foi um dos principais pontos que motivou o
estudo deste grupo.
Uma vez que são os homens tijucanos utilizados como foco de estudo do presente
trabalho, julgou-se interessante abordar nesse momento o conceito de bairro. Segundo o
dicionário de ciências sociais da Fundação Getúlio Vargas, o bairro propriamente dito está
situado entre a zona do centro e o subúrbio. Trata-se de um grupo em uma localidade,
vinculado por uma unidade geográfica e urbanística, onde a vida social se desenvolve
dando satisfação às necessidades elementares. O bairro é o local onde as pessoas se
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conhecem e estabelecem intercâmbios culturais. Um bairro, para ser classificado como tal,
requer um determinado número de habitantes e serviços correspondentes. O bairro tem
uma semelhança com o povo a que se liga sentimentalmente, deve ser auto-suficiente,
possuir via de transportes, via de água, gás, energia. O bairro nas cidades brasileiras é um
aglomerado de vizinhanças que pode receber ou não sanção administrativa, ou o resultado
da incorporação de um povoado à estrutura urbana. Os bairros são delimitados e possuem
características próprias que os tornam singulares.
De acordo com a delimitação geográfica da Prefeitura do Rio de Janeiro, o bairro
da Tijuca está inserido dentro da VIII Administração Regional – Tijuca. Nela também
estão presentes bairros como Alto da Boa Vista e Praça da Bandeira. Embora outros
bairros como Vila Isabel, Grajaú e Maracanã, também sejam considerados integrantes da
Grande Tijuca, eles estão inseridos na IX Administração Regional – Vila Isabel.
Porém, não interessa à autora desta pesquisa adotar esse conceito geográfico
delimitado de bairro, pois o que é mais relevante para o trabalho está inserido nas relações
sociais e culturais, as relações simbólicas dos indivíduos habitantes ou nascidos nessa
região denominada de Grande Tijuca. Desta forma, mesmo quando o tijucano não mora
mais no bairro, o discurso da identidade tijucana está presente na sua “alma”. Acredita-se
que morar em determinadas regiões do Rio de Janeiro possa ter conformidade com a
identidade a ser desempenhada pelo indivíduo.
Quem eu sou? É fato que grande parte dos indivíduos já deve ter realizado esta
pergunta para si mesmo. De acordo com Hall (2002), identidade é o conjunto de
características do indivíduo que representa quem ele é.
O indivíduo contemporâneo possui diversas identidades sociais a serem
desempenhadas durante a vida (HALL, 2002). A sua identidade hoje passa por um
processo de contínua formação e transformação em relação às formas pelas quais é
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representado ou interpelado nos sistemas culturais que o rodeiam. Isso significa que,
durante o período de vida, o indivíduo pode construir, sustentar ou destruir diferentes
identidades por ele desempenhada.
A construção da identidade social é uma questão teórica que se tem feito presente
em alguns trabalhos sobre grupo e subculturas de consumo. As diversas identidades que o
homem tem a desempenhar ao longo de sua vida são: a identidade de gênero, de raça, de
nacionalidade, de classe social, profissional. Desta forma, o indivíduo passa a ter uma
multiplicidade de identidades, como por exemplo: um homem brasileiro, advogado, pai de
dois filhos, esportista corredor, etc. Desta forma, cabe a ele a busca das alternativas e
definição do seu eu.
Apesar da existência de todas essas identidades desempenhadas pelo ser humano,
este trabalho dará ênfase na construção da identidade de gênero. As identidades de gênero
masculino e feminino não são definidas de acordo com a distinção corporal. Elas são
legitimadas de acordo com as características psicológicas e os comportamentos sociais
(ALSOP et al., 2002; SCHROEDER & ZWICK, 2004).
O indivíduo nasce com um sexo naturalmente definido (de acordo com sua essência
biológica) e não com a sua identidade de gênero definida, pois ela é definida socialmente.
Nesse sentido se torna, portanto, sujeito detentor de identidades de gênero masculina ou
feminina ao se tornar membro integrante do processo de relação social.
Um outro aspecto importante neste tema, que tem despertado interesse de
estudiosos é entender como os consumidores utilizam os bens e serviços e,
conseqüentemente, os significados simbólicos (culturalmente constituídos) atribuídos aos
mesmos para construção das diversas identidades sociais como as de gênero, de raça e
profissional. Desta forma, os bens e serviços, acompanhados de suas variáveis simbólicas,
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são utilizados para representar indivíduos socialmente, construir identidades, inserir e
excluir sujeitos em grupos sociais, distinguir uns dos outros.
A relação entre cultura e consumo, embora íntima e profana para os antropólogos,
sempre foi considerada marginal pelos demais cientistas sociais, economistas e
profissionais de marketing (BARBOSA, 2006). Ainda de acordo com a autora, o
argumento de que as pessoas consomem para satisfazer suas necessidades físicas e
biológicas, e por motivo racional de custo/benefício (teoria econômica), foi por muito
tempo disseminado como uma explicação de porque as pessoas consomem. Por outro lado,
mais recentemente, o processo de globalização, mercado mais unificado, novos desejos
surgindo, sucessos e fracassos consecutivos de empresas no mercado, fez com que
profissionais da área de marketing voltassem a sua atenção para um aspecto até então
ignorado: as características culturais.
Atribuir uma vertente antropológica e cultural aos estudos de comportamento do
consumidor na área de marketing vem aparentemente conquistando espaço. “Certamente,
esse movimento merece atenção e explicação. Afinal, consumir é uma das mais básicas
atividades do ser humano” (BARBOSA, 2006, P. 7). Porém, até recentemente, o interesse
pelo tema ainda era pequeno e restrito além de estar principalmente voltado para um viés
mais econômico e nunca no âmbito das ciências sociais. Para Barbosa (2006) e Slater
(2002), hoje esse quadro se modificou e desfruta de relações com pesquisadores e
profissionais de áreas externas. Portanto, nos estudos da antropologia do consumo, de
cultura e consumo, estão envolvidas diversas áreas como antropologia, sociologia, além da
área de marketing (BARBOSA & CAMPBELL, 2006; CAMPBELL, 2001;
McCRACKEN, 2003; SLATER, 2002;).
Segundo McCracken (2003), cultura pode ser entendida como as idéias e atividades
através das quais uma sociedade fabrica e constrói os significados do mundo em que estão
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inseridos. Estudar a forma como os indivíduos constroem esses significados, por meio da
compra e da posse dos bens, tornou-se ponto crucial na compreensão do comportamento do
consumidor.
De acordo com Slater (2002), a reavaliação do consumo ao longo das linhas da
contemporaneidade está vinculada à experiência de um mundo inteiramente transformado,
não só economicamente, mas também social e culturalmente. A cultura e os significados
nela constituídos estão intimamente relacionados com a forma de consumo do indivíduo da
sociedade contemporânea (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004; McCRACKEN, 2003;
SLATER, 2002;).
O consumo simbólico e conseqüentemente os significados culturalmente
constituídos e atribuídos aos bens têm como característica intrínseca a preocupação de
inserção em grupos sociais; preocupação em manter e representar as suas imagens ou
identidades, em consumir produtos que condizem com as suas respectivas personalidades,
que possam melhor representá-los. Os significados são, portanto, criados e disseminados
dentro de uma cultura através da interação social (BELK, 1998; McCRACKEN, 2003).
Eles são, desta forma, construídos socialmente e utilizados como base para o consumo.
Autores como Campbell (2001), Douglas e Isherwood (2004) e McCracken (2003)
afirmam que os indivíduos não buscam nos bens e serviços somente o suprimento das
necessidades básicas, e sim suas propriedades simbólicas, cujo principal objetivo está na
representação social, na definição da sua identidade social.
Pode-se afirmar, assim, que a identidade de um indivíduo é construída e
influenciada pelo consumo e pelas relações sociais (HALL, 2002). Belk (1988), afirma que
as posses e o consumo ajudam a definir a identidade do indivíduo.
Os indivíduos homens tijucanos aqui estudados convivem, portanto, em um espaço
urbano complexo, repleto de diferenças sociais, como o bairro da Tijuca, localizado dentro
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do Rio de Janeiro. Situando-os neste contexto, é possível perceber que a variedade de
espaços de permanente interação é bastante significativa e conseqüentemente o mesmo
ocorre com os significados simbólicos a eles relacionados. Portanto, a aproximação ou o
afastamento desses espaços está intimamente relacionado com a identidade social desse
sujeito. Assim, esse universo é gerador de símbolos, os quais, ao serem consumidos,
direcionam e determinam a representação social do indivíduo.
Desta forma, o homem tijucano, para construir a identidade de tijucano, deve
consumir determinados produtos e serviços cujos significados simbólicos representam tal
objetivo. O que significa mencionar que a cultura local do bairro da Tijuca se reflete em
locais e serviços específicos e que, ao serem consumidos, se transformam em atributos
crucias para legitimação desses sujeitos.
Neste contexto, esta pesquisa é relevante ao proporcionar à comunidade acadêmica
e profissional uma melhor compreensão acerca das atitudes relativas ao consumo do
indivíduo como troca simbólica, objetivando a construção da identidade de gênero
masculina.
A análise será realizada à luz das teorias sobre comportamento do consumidor,
consumo simbólico e identidade social, gênero masculino. Os resultados deste trabalho
foram obtidos através de entrevistas em profundidade, as quais tiveram como objetivo
principal entender de que maneira homens heterossexuais tijucanos constroem a sua
identidade de gênero por meio dos significados simbólicos dos bens que consumem. Além
disso, foram alvo de estudo as peculiaridades que qualificam a identidade local desse grupo
social. Portanto, foi investigado como esse grupo de consumidores classificado como
homens tijucanos se relaciona com o mundo dos bens para construção de sua identidade de
gênero. Os tijucanos, nesse sentido, consomem para marcar a sua diferença com a cultura
dominante, para defender o seu estilo de vida e assimilar os seus códigos locais.
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Assim, o tijucano possui uma identidade particular altamente referenciada a um
sentimento de “pertencimento” ao bairro, ao local de moradia. Logo, como afirma Silva
(1993), é possível atribuir à Tijuca a característica de ser um local capaz de gerar uma
identidade.
1.1. O Problema
É possível perceber que, nos últimos anos, o interesse de alguns autores sobre
cultura e consumo, consumo simbólico e construção de identidade vem crescendo. Têm se
tornado bastante freqüente dentro do escopo de literatura existente no âmbito de cultura de
consumo discussões sobre identidade social. Em especial, aspectos relacionados à
construção de identidade através do consumo, apesar de ser um conceito muito pouco
desenvolvido, complexo e ainda pouco compreendido pela ciência social (HALL, 2002).
“Do ponto de vista empírico, toda e qualquer sociedade faz uso do universo
material a sua volta para se reproduzir física e socialmente” (BARBOSA & CAMPBELL,
2006, P. 22). Belk (1988) argumenta que não se pode entender o comportamento do
consumidor se não tiver um breve conhecimento sobre os significados que as pessoas
atribuem à suas posses. Dentro deste contexto, ele ainda afirma que todas as posses dos
indivíduos são tanto contribuintes como reflexos de suas identidades. Neste mesmo artigo,
o autor também ressalta que uma maneira pelo qual nos definimos é indicando a região de
onde nos originamos, como, por exemplo, sou tijucano, moro na Tijuca, nasci no bairro.
O consumo do significado simbólico daquele determinado produto ou serviço está
intimamente relacionado com a representação da identidade social. A partir deste contexto,
e ainda considerando que identidade está intimamente relacionada com o pertencimento a
grupos sociais, é possível afirmar que as identidades são construídas culturalmente. “Existe
![Page 23: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/23.jpg)
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uma associação entre a identidade da pessoa e as coisas que uma pessoa usa”
(WOODWARD, 2000, P.10). Os consumidores ocupam hoje um mundo dos bens repleto
de significados, encarnando mensagens.
Nos últimos anos, a cultura material vem alcançando uma nova posição de
importância. Tê-la como um meio de comunicação, representação e marcação, significa
entender de todas as maneiras as categorias e princípios culturais. Nos objetos materiais
existem os significados simbólicos através dos quais os indivíduos expressam quem eles
são para os outros (WATTANASUWAN, 2005).
Como mencionado anteriormente, é comum observar na literatura descrições do
tijucano como alguém que detém um amor peculiar ao bairro. Saudosista, ele conhece toda
a sua vizinhança e, para fazer compras, não consegue andar até muito longe.
Através do consumo simbólico, podemos expressar quem nós somos, quais são os
nossos desejos. Consumir uma roupa, assistir a um tipo de filme, fazer lanche em um
determinado estabelecimento, ouvir música, consumir uma garrafa de vinho, ler um livro,
por exemplo, permite construir uma determinada identidade social, já que diz respeito ao
consumo de bens e serviços.
Assim, entende-se que neste bairro, único que detém moradores chamados por um
gentílico, ocorre a existência de consumidores detentores de hábitos de consumo urbano
particulares para construção e definição da identidade de gênero do homem tijucano. Dessa
forma, o problema central desta pesquisa é: de que maneira homens heterossexuais tijucanos
constroem a sua identidade de gênero por meio dos significados simbólicos dos produtos que
consumem?
![Page 24: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/24.jpg)
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1.2. Objetivos do estudo
O presente trabalho tem como objetivo principal compreender como o consumo de
mercadorias ou serviços, seja ela carro, roupa, comida ou lazer, influencia e determina a
construção de identidade do homem tijucano. Em outras palavras, como o homem da
Tijuca usa o mundo dos bens para construir a sua identidade de gênero, masculinidade.
O estudo tem como objetivos secundários:
- levantar e descrever as características da identidade tijucana;
- analisar as particularidades de consumo destes homens no que tange à definição
de sua identidade;
- identificar junto a esses homens consumidores os principais motivos que os
conduzem ao consumo de um determinado tipo de produto ou serviço e não outros;
- compreender a consciência do indivíduo sobre o consumo simbólico para a
construção de identidade de homem tijucano.
1.3. Relevância
Muito embora exista uma vasta literatura sobre consumo e comportamento do
consumidor, nos últimos anos esta área tem demonstrado especial interesse em investigar
como o mundo dos bens afeta o processo de construção social de subculturas de consumo.
Muitos pesquisadores e estudiosos têm demonstrado, portanto, interesse especial em
entender como os consumidores utilizam os produtos e serviços para a construção de
diferentes identidades sociais.
Apesar de um significativo aumento das discussões sobre identidade social e
consumo simbólico, os estudos científicos nas áreas da antropologia do consumo e cultura
![Page 25: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/25.jpg)
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e consumo ainda são escassos no Brasil, o que torna este trabalho particularmente
relevante. Sendo assim, na literatura brasileira, ainda é pequeno o número de trabalhos
científicos que melhor explorem o impacto do consumo na identidade do ator social.
De acordo com McCracken (2003), a mercadoria é um sistema de comunicação.
Para ele, os princípios de um homem podem estar intrínsecos à sua vestimenta. Isso
significa que mercadorias são instrumentos através dos quais o homem pode manifestar sua
personalidade, seus princípios e até mesmo a sua cultura. Assim sendo, o consumo de
determinado produto ou serviço pode se tornar um importante meio de comunicação,
representação e definição do se ‘eu’.
De acordo com Mort (apud, Caterall e MacLaran, 2002), nos últimos anos, muitas
agências de propaganda vêm mudando o seu foco nas maneiras de representar os homens
com o objetivo de desenvolver uma nova oportunidade de mercado. Com isso, é possível
constatar que o papel do homem na sociedade vem se modificando e se tornando foco de
alguns estudos. Em especial o homem urbano, cuja necessidade de pertencimento e
representação é ainda maior.
Atualmente, devido às diversas conseqüências advindas da globalização, o homem
passou a ser obrigado a possuir e construir diversas outras identidades sociais que não
somente aquela de homem trabalhador que saía de casa pela manhã, voltava para o almoço,
mais tarde para dormir e no final do mês seu salário era o suficiente para o sustento da
família.
Como a comunicação dos valores simbólicos encarnados nos produtos e serviços
depende do consumo, é de extrema relevância que os gestores de organizações
compreendam de maneira mais profunda as práticas e comportamentos de consumo de um
determinado grupo social, como, por exemplo, os tijucanos. E ainda os desejos e vontades
que influenciam o comportamento de consumo para esta representação social. Para que,
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uma vez entendido e muito bem definido o seu objeto de ataque, a empresa possa elaborar
de maneira mais certeira, a melhor estratégia de marketing para atingir o melhor
desempenho e obter vantagem competitiva.
Como os tijucanos constituem vários grupos de consumidores, é do interesse das
organizações produtoras de bens e serviços entender o que esses indivíduos estão buscando
no mercado, qual o significado desses bens para elas e ainda o quê influencia no seu
comportamento de compra. Tudo isso a fim de que elaborem um plano de marketing
voltado para o sucesso das empresas que apresentem interesse nesse grupo.
Assim como se pretende contribuir para o mercado de produtos e serviços, o
presente estudo agrega conhecimentos relevantes para a comunidade acadêmica da área de
marketing, pois poucos estudos nesta área no Brasil abordam o tema identidade e
construção de identidade através do consumo simbólico como foco de discussão.
Este estudo também é relevante aos estudiosos da área de sociologia, antropologia e
psicologia ao contribuir com questões sobre a influência do consumo na construção da
identidade do indivíduo.
1.4. Organização do estudo
Neste subitem, o principal objetivo é descrever como permanecerão estruturados os
capítulos seguintes. O capítulo dois apresenta o referencial histórico sobre o bairro da
Tijuca e o tijucano, o capítulo três, por sua vez, apresenta o referencial teórico sobre a área
de cultura e consumo abordando temas como comportamento do consumidor, consumo
como troca simbólica, construção de identidade, identidade de gênero. Já o capítulo quarto
apresenta um melhor detalhamento sobre a metodologia adotada neste estudo. No capítulo
cinco, estará a análise das entrevistas e serão apresentados alguns trechos capturados das
![Page 27: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/27.jpg)
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conversas dos entrevistados, com inserções de comparativos realizados com o referencial
teórico. E, por último, será apresentada ao leitor a conclusão do trabalho, ressaltando os
principais pontos da análise, contribuições do estudo e assim como também algumas
indicações para pesquisas futuras.
1.5. Delimitação
O foco da pesquisa está no público consumidor masculino oriundo de um bairro da
zona norte do Rio de Janeiro, Tijuca, culturalmente denominado como tijucano. Não existe
a obrigatoriedade deste homem ter nascido no bairro. Porém, o integrante da pesquisa deve
ter construído a sua identidade de homem tijucano na localidade da Grande Tijuca e ainda
deve se considerar um tijucano.
O estudo aqui proposto pretendeu abordar o modo como o consumo ajuda homens
heterossexuais tijucanos a construírem a sua identidade de gênero. Para tanto, faz-se
necessária a delimitação deste estudo para ter como foco de pesquisa uma linha única de
investigação.
Entende-se neste trabalho que existe uma identidade masculina heterossexual. No
entanto, é possível afirmar que esta identidade pode ser percebida e legitimada de formas
distintas pelos sujeitos. Apesar de muitos deles ainda compartilharem a missão de
desempenhar as mesmas identidades na vida, eles não detêm os mesmos valores
emocionais, as mesmas relações pessoais e conseqüentemente a mesma representação.
Com isso, a obtenção de um mesmo produto com pretensões e formas de uso distintas,
pode fazer com que os homens construam identidades diferentes dentro de um mesmo
espaço social. Assim como afirma Woodward (2000), “existe uma associação entre a
identidade da pessoa e as coisas que uma pessoa usa” (WOODWARD, 2000, P. 10).
![Page 28: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/28.jpg)
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Quanto à realização do estudo com tijucanos, tem-se uma razão prática para tal,
baseada em buscas em fontes secundárias como guias, livros de bairros e internet. Como,
por exemplo, esta citação retirada de um livro de bairros:
“Único bairro do Rio de Janeiro com um epíteto – tijucano” (ROSE & AGUIAR,
2004, P. 81).
E ainda esta crônica classificando o tijucano, retirada de um site:
“GRAU I: uma vez tijucano ...
Nesse grau, incluem-se todos aqueles que tiveram alguma passagem (mesmo que breve)
pelo bairro, mas, agora que estão libertos, guardam apenas alguns resquícios do velho
bairro. Não necessitam de café do Palheta ou comprar presentes na Importadora Guanabara
para sobreviver. Vivem suas vidas independentes da Tijuca em outros locais. Referem-se à
Praça Saens Peña como a qualquer outro local.
GRAU II: o tijucano "muderno"
Aqui se incluem aqueles que moram no bairro e se orgulham dele, porém reconhecem a
existência de vida inteligente em outros locais. São capazes de se locomover em outros
pontos do Rio e conseguem ir ao médico, dentista, banco, cinemas, restaurantes em outros
locais da cidade. Apesar de freqüentar o Tijuca Tênis Clube, a Matriz do Sagrado Coração,
Shopping 45 e o Shopping Tijuca isso não os torna (ainda) "dependentes químicos". Porém
já se referem à Praça Saens Peña como a simplesmente ... A PRAÇA.
GRAU III: o pseudo tijucano
Trata-se de um grupo cada vez mais crescente em nosso meio. Nesse se incluem todos
aqueles que não moram na Tijuca, mas adorariam estar lá. Habitantes do Grajaú, Praça da
![Page 29: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/29.jpg)
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Bandeira, Largo da segunda feira, Estácio, Rio Comprido, Vila Isabel, Méier e etc, são
potencialmente integrantes desse grupo. Aqui incluí os "importados". Aqueles que por
razões afetivas, casamentos ou herança acabaram por ter sua vida igualada àquela região.
GRAU IV: o incurável
Esse sim, o tijucano clássico e já amplamente descrito. Aquele que vive o bairro e não
reconhece vida inteligente fora dele. Assíduo freqüentador do Tênis Clube e da Matriz do
Sagrado Coração, esse tijucano não consegue se locomover por outros locais. Seu dentista,
médico e banco têm que estar a no máximo 4 quarteirões "da praça". Há “dependência
química” grave do café e dos doces do Palheta. Compras ? apenas Shopping 45, Tijuca ou
Importadora Guanabara”.
De acordo com o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Ramos (2000), a
composição da população da Tijuca por gênero em 1996 era de 79.776 indivíduos homens,
100.744 mulheres, totalizando um montante de 180.520 sujeitos moradores do bairro da
Tijcua.
A Tijuca é um bairro que não somente conquistou os seus moradores assim como
também fez com que grandes autores da literatura brasileira se apaixonassem por ela, como
Machado de Assis e os seus personagens do romance Don Casmurro. Para entender um
pouco mais sobre o bairro da Tijuca hoje, é necessário compreender a sua história e o seu
processo de crescimento.
Um bairro dinâmico, tradicional, com forte comércio e com um estilo de vida
particular, assim é a Tijuca hoje.
![Page 30: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/30.jpg)
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2. REFERENCIAL HISTÓRICO
2.1. O Bairro da Tijuca
Com o objetivo de entender melhor a bairro da Tijuca hoje, foi necessário ter
acesso à sua história. Para tanto, realizou-se uma série de pesquisas em livros como:
“Tijuca de rua em rua”, “Tijuca e Floresta – bairros do Rio”, “Tijuca, memória de um
bairro”. Foram feitas também consultas aos arquivos da VIII Região Administrativa bem
como a sites na internet sobre a Tijuca e seus arredores.
O Bairro da Tijuca situa-se na zona norte do Rio de Janeiro. Está envolto por
diversos outros que, por sua vez, se consideram fazendo parte da Tijuca. Hoje esta grande
região composta por outros bairros do subúrbio carioca é popularmente conhecida como a
Grande Tijuca. Nela estariam englobados bairros como Estácio, Vila Isabel, Andaraí,
Grajaú, Usina, Maracanã.
Considerado um bairro tradicional e de classe média do Rio de Janeiro, a Tijuca é
hoje um local geograficamente cercado por favelas como Borel, Salgueiro, morro da
Formiga e entre outros.
Para os tijucanos, ser chamado pelos outros de suburbanos é motivo de insatisfação,
pois não admitem serem classificados como tal. Desta forma, devido a este orgulho
imensurável dos tijucanos, muitos deles argumentam que a Tijuca é a zona sul da zona
norte.
A origem do nome Tijuca está no tupi e seu significado está relacionado a pântano,
lamaçal, brejo. Este nome, portanto, está vinculado não somente aos pantanais mas
também à fauna e flora, bastante presentes nessa região geográfica.
![Page 31: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/31.jpg)
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Após a expulsão dos franceses, Estácio de Sá doou em 1565 uma extensa área de
terra à Companhia de Jesus. Em 1583, os jesuítas, povo que detinha o poder das terras até
então, resolveram montar uma série de três engenhos de açúcar. O primeiro foi chamado de
Engenho Velho, o segundo de Engenho Novo e o terceiro finalmente foi chamado de São
Cristóvão. Em 1759, os jesuítas foram expulsos do país e a grande sesmaria foi vendida
pelo governo acarretando assim a transformação de toda a estrutura que lá havia. Alguns
bens foram seqüestrados e as terras foram desmembradas. Essa região, que perdurou
durante quase duzentos anos sob as mãos dos jesuítas, hoje pode-se dizer que é a Grande
Tijuca.
No início do século XIX, a área, até então conhecida como Engenho Velho, passou
a ser caracterizada por diversas chácaras e palacetes. Essas residências pertenciam,
portanto, a nobres e estrangeiros abastados que aproveitaram a oportunidade e a fertilidade
da terra para explorar a área e ainda para ter um refúgio do calor e epidemias que
rondavam o centro da cidade no momento.
O tipo de plantação que mais estava presente na redondeza era a de café (principal
fator econômico que levou à ocupação intensa do bairro), depois a cana-de-açúcar,
mandioca e entre outras frutas. Com o plantio exacerbado do café e de mais especiarias,
ocorreu a destruição da Floresta da Tijuca e outras áreas na redondeza. Isso significa dizer
que, em 1840, o governo imperial teve que dar início ao processo de reflorestamento da
região. Em contrapartida, ao mesmo tempo em que as plantações estavam à tona, o bairro
da Tijuca ia crescendo e se tornando a cada dia um bairro tradicional da cidade do Rio de
janeiro.
Para muitos estrangeiros que viveram aqui no Brasil entre 1810 e 1830, a Tijuca era
um bairro notoriamente “nobre”, pois tinha bons hotéis, boas residências e ainda grandes
plantações. As suas chácaras eram ocupadas por pessoas de posição social elevada. Neste
![Page 32: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/32.jpg)
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período e um pouco mais tarde (1870), a Tijuca também foi muito procurada pelos
estrangeiros devido ao clima ameno e aos bons ares que lá estavam. Nesta época, o ideal de
qualquer família carioca era residir nos bairros de São Cristóvão, Caju ou Tijuca. Áreas
que eram generosas em beleza, habitadas pelos ricos da época, herdeiros dos nobres que
acompanharam a vinda da família real no início do século e fixaram residência nos
arredores da quinta da boa vista, local da moradia oficial da realeza. O local era, portanto,
um bairro de destaque devido à sua população aristocrática.
Em 1859, os primeiros bondes da América do Sul lá trafegavam de forma
experimental. Eram bondes com tração animal, pois os bondes elétricos só foram chegar ao
local em 1892. Estes veículos de massa eram chamados de “carros da Tijuca” ou
“maxambombas”. Apesar de serem puxados por animais, os bondes corriam sobre trilhos
de ferro, tornando a viagem assim mais confortável. A implantação dos serviços regulares
de bondes puxados por burros na região popularizou o passeio à Tijuca contribuindo
diretamente para o crescimento do bairro. Assim sendo, os meios de transportes públicos,
não se contiveram somente aos bondes elétricos mas também aos ônibus e coches. Vários
pontos da Tijuca receberam os seus respectivos nomes devido ao trajeto e rotinas
realizadas pelo bonde. Merece destaque o bairro da Muda, que tem esse nome
simplesmente por ter sido, durante algum período, o ponto de parada do bonde para a troca
dos animais cansados por outros em inteira disposição.
Em 1960, com a queda dos bondes e dos ônibus elétricos, o trânsito da cidade
ficava impraticável. Somente na década de 80, com o início do metrô no Rio de Janeiro,
que o transporte passou a melhorar para os tijucanos. Vale ressaltar, que no período de
construção do metrô, o bairro da Tijuca sofreu mudanças radicais, tanto no comércio
quanto nos arredores da praça Saes Peña. Segue abaixo foto do bonde na Praça Saens Peña.
![Page 33: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/33.jpg)
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FIGURA 1: Praça Saens Peña – Antiga 1
Anteriormente à construção do bairro do metrô da Tijuca, um fator importante para
o crescimento do bairro foi a sua ligação a zona sul do Rio através do túnel Rebouças. Com
essa construção, morar na Tijuca era um privilégio, pois o indivíduo morava nesse bairro
residencial com grande comércio e estava a apenas 10 minutos de Ipanema ou da Lagoa.
No que diz respeito a entretenimento e lazer, a Tijuca era, no início do século XX,
conhecida como a “Broadway Tupiniquim”. Em 1907, foi inaugurado o primeiro cinema
da região, o ‘Cine Royal’. Porém, o auge cinematográfico ocorreu em 1940 quando o
maior cinema do Brasil foi inaugurado na mesma praça (antigo pólo de fábricas), hoje
Praça Saens Peña, o cinema Olinda, com 3.500 lugares. Alguns deles eram muito bem
decorados, com artigos de decoração de alto luxo. As grandes salas de cinema também
estavam intimamente relacionadas com os hábitos dos ‘tijucanos’.
Como por exemplo, entre os anos 50 e 60, muitos moradores tinham como
atividades de rotina pós-sessão de cinema, ir ao Bar Éden comer o famoso bife à cavalo, ou
mesmo tomar sorvete no Palheta.
1 Fonte: In TIJUCA – A Praça Saens Peña e seus arredores I.
![Page 34: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/34.jpg)
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FIGURA 2: Praça Saens Peña em 19602
FIGURA 3: Cine Metro, 19503
2 Fonte: In TIJUCA – A Praça Saens Peña e seus arredores I. 3 Fonte: In História da Praça Saens Peña - Portal Tijuca.
![Page 35: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/35.jpg)
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Não obstante o plantio de café e cana-de-açúcar na região da Tijuca, muitas fábricas
também estiveram presente no bairro. Instalaram-se ali fábricas de tecidos, cigarros (Souza
Cruz), cervejas (Brahma), gelo, laticínios. Uma indústria que era muito famosa na época,
surgida no Andaraí, foi a fábrica de chitas. O Largo da Fábrica de chitas foi o nome da
praça Saens Peña até 1911. Nesse momento, portanto, a região passou a ser caracterizada
como uma pequena área industrial.
Tal fato, por sua vez, trouxe a vinda de trabalhadores para o bairro, aumentando
assim o número de residentes, e, conseqüentemente, acarretando a saída da nobreza de seu
local de “origem”. Como um bom exemplo desse êxodo vale destacar o caso da escola de
samba Unidos da Tijuca, que, no início de sua história, tinha como componentes do grupo
somente operários da fábrica Souza Cruz, tecidos Maracanã e entre outras indústrias do
bairro.
Como parte do processo de modernização, muitas mudanças se intensificaram nas
décadas de 1980 e 1990, deixando como conseqüência a Tijuca e um paradoxo: o caos e a
tranqüilidade.
Hoje, a Tijuca é um bairro de classe média, com inúmeros prédios residenciais,
ainda detentora de resquícios da riqueza e tradicionalismo representados pelas casas
absolutamente conservadas. É um bairro onde está presente um comércio muito forte. Esta
movimentação está concentrada e pode ser observada mais precisamente nas suas
principais ruas, como a rua Conde de Bonfim, Haddock Lobo e ainda praça Saens Peña.
No entanto, em contrapartida ao caos, aos intermináveis engarrafamentos, ao
murmurinho de pessoas se deslocando para os diversos destinos, a vegetação ainda é muito
presente e deve ser preservada pelos moradores. Na literatura, Fraiha e Lobo (2000)
ressaltam a característica provinciana do bairro:
![Page 36: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/36.jpg)
24
“E hoje em meio ao caótico murmurinho de suas ruas
centrais e a tranqüilidade inabalável de suas florestas,
passeiam os moradores sempre prontos a dar informações,
contar casos, e fazer, dia-a-dia, a história da Tijuca”
(FRAIHA & LOBO, 2000, P.23).
FIGURA 4: Vista aérea da Tijuca em 20064
O bairro da Tijuca era um bairro tão tradicional no Rio de Janeiro que foi o
primeiro da cidade a ganhar um exemplar dos jornais de bairro – O Globo Tijuca. Em 23
de março de 1982, nascia o primeiro jornal suplemento do jornal de bairro, o Tijuca. A
necessidade e a decisão de lançar o primeiro jornal de bairro na Tijuca se deram, segundo
4 Fonte: In História da Praça Saens Peña - Portal Tijuca.
![Page 37: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/37.jpg)
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jornalistas do jornal O Globo, devido ao tradicionalismo e dinamismos presentes na região.
Observe abaixo algumas fotos retiradas no jornal de bairro de Niterói do dia 31 de
março de 2007, em comemoração aos 25 anos do jornal de bairro.
FIGURA 5: Jornal de Bairro Niterói – Nascia há 25 anos O Globo Tijuca5
5 Jornal de Bairro Niterói, 2007.
![Page 38: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/38.jpg)
26
FIGURA 6: O primeiro jornal de bairro do O Globo, 23 de março de 19826
6 Jornal de Bairro Niterói, 2007.
![Page 39: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/39.jpg)
27
FIGURA 7: O bairro da Tijuca é o primeiro a ganhar suplemento em 19827
7 Jornal de Bairro Niterói, 2007.
![Page 40: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/40.jpg)
28
2.2. O ‘tijucano’
“Tradicional, amigo e saudosista, estas são as primeiras palavras
utilizadas quando se quer definir um típico tijucano” (ROSE &
AGUIAR, 2004, P. 81).
A maioria dos moradores da Tijuca se classifica como tijucano e percebe a sua
ligação com o bairro devido à existência do amor eterno a atributos lá presentes. Como,
por exemplo, o América Futebol Clube ou o Tijuca Tênis Clube. No início do século XX,
existiam alguns esportes que estavam na moda e muito presentes na vida de um tijucano,
como a corrida de cavalos, ciclismo, minigolfe e sobretudo o tênis. Mas nada obviamente
se comparava à paixão brasileira pelo futebol.
Na literatura sobre o bairro, Rose e Aguiar (2004) apontam o perfil do tijucano ao
afirmarem que:
“Ele nunca fala que é da Zona Norte, definitivamente não faz parte
da Zona Sul e adora a Barra da Tijuca, na Zona Oeste. Coisa de
tijucano! (...) Conhece os vizinhos e comerciantes há anos, a casa
onde foi batizado, participa de encontros de ex-alunos, caminha na
Praça Xavier de Brito, aprende a dirigir nas curvas do Alto da Boa
Vista, adora a Floresta da Tijuca, lembra com saudade dos cinemas
de rua, muda para a Barra da Tijuca, mas continua procurando
pretexto para poder passear na Tijuca” (ROSE & AGUIAR, 2004,
P.81).
![Page 41: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/41.jpg)
29
Hoje os tijucanos se referem à Tijuca como um bairro auto-suficiente, pois está a
somente 10-15 minutos da Zona Sul, tem lazer, shoppings-centers, comércio aberto, e
acima de tudo, a calma e a tranqüilidade. Para eles, a Tijuca é o bairro do Rio de Janeiro
com a melhor localização geográfica. Está perto do centro, da Barra da Tijuca (praia), tem
metrô.
O tijucano, de uma maneira geral, busca de forma eterna demarcar quem são eles e
os “outros”. Sobre o típico tiucano ou o tijucano clássico, o que concerne cada um, isto
poderá ser mais bem definido no capítulo análise das entrevistas, mais à frente.
![Page 42: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/42.jpg)
30
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Este capítulo busca apresentar uma revisão da literatura sobre os temas
relacionados à cultura, consumo e construção de identidade. Neste contexto, será explorada
a literatura pertinente aos temas consumo como troca simbólica, identidade e construção de
identidade de um indivíduo. Também serão explorados os temas: comportamento do
consumidor e identidade de gênero masculino.
No que tange à referência teórica sobre o tema identidade, não serão abordados
temas como auto-conceito e papéis-sociais, uma vez que seus conceitos não são
congruentes e também mais precisamente devido ao fato de tais conceitos não fazerem
parte do objetivo principal de pesquisa do presente estudo.
Será importante em um primeiro momento, situar o leitor sobre qual vertente estar-
se-á seguindo neste estudo dentro das tantas existentes na área Comportamento do
Consumidor. Por isso, é importante ressaltar que a revisão de literatura sobre esta área
possui um caráter estritamente situacional, sem estar presente o intuito de se aprofundar no
assunto.
3.1. Comportamento do Consumidor
A área do Marketing, e em especial a de comportamento do consumidor, é
verdadeiramente uma área de estudo muito abrangente. De acordo com Solomon (2002),
comportamento do consumidor é o estudo dos processos individuais ou grupais envolvidos
em atitudes que vão desde a compra de produtos ou serviços até a satisfação pós-venda dos
mesmos. Uma outra definição de comportamento do consumidor, segundo Kotler (2000),
seria estudar como pessoas, grupos e organizações selecionam, compram, usam e
![Page 43: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/43.jpg)
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descartam artigos, serviços, idéias ou experiências para satisfazer suas necessidades ou
desejos.
De acordo com Solomon (2002), antigamente, estudiosos se referiam a área de
comportamento do consumidor como comportamento do comprador. Isso remetia ao
indivíduo (leitor) a interpretação de que a ênfase do estudo estava estritamente restrita ao
ato de compra, ou seja, ao momento de entrega do dinheiro (independente da sua forma de
pagamento) e, em troca do recebimento da mercadoria. No entanto, na área de marketing
sempre há troca, porém não necessariamente a troca financeira, a qual caracteriza o ato de
compra.
Algum tempo depois, o reconhecimento da existência da troca fez com que a
maioria dos profissionais de marketing reconhecesse que o comportamento do consumidor
é um processo mais complexo e mais amplo, não mais voltado única e exclusivamente para
o ato de compra. “Embora a troca continue sendo uma parte importante do comportamento
do consumidor, a visão mais abrangente enfatiza todo o processo de consumo, o que inclui
as questões que influenciam o consumidor antes, durante e depois da compra”
(SOLOMON, 2002, P. 24).
Além desta visão mais abrangente, de acordo com Slater (2002), a reavaliação do
consumo ao longo das linhas da contemporaneidade está vinculada à experiência de um
mundo inteiramente transformado, não só economicamente, mas também social e
culturalmente.
Não obstante o estudo do processo que se inicia no ato da compra e vai até a
satisfação do consumidor no período pós-compra, estudiosos desta área têm demonstrado
nos últimos anos interesse em entender como indivíduos e grupos de indivíduos se
relacionam com o mundo dos bens e serviços.
![Page 44: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/44.jpg)
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Desde a época Elizabetana, foram surgindo novos padrões de consumo dos bens
que sustentam a opção cultural, a qual está além da opção da satisfação das necessidades
básicas. O comércio, a partir do séc XVI, não significava mais somente a troca econômica
dentro do sistema compra e venda de mercadorias mas também o intercâmbio cultural, a
troca de opiniões, de idéias, etc. O comércio na modernidade, passou a ser, portanto, algo
que vai além da troca dentro de uma esfera econômica monetária (SLATER, 2002).
Neste momento, é importante destacar as diversas vertentes de estudo existentes
dentro deste longo processo de consumo inserido na área de comportamento do
consumidor. Questões como entender como as pessoas compram, antecipar necessidades,
levantar agrupamentos, identificar as características do consumidor são aspectos
suficientes que geram relevância para o estudo de comportamento do consumidor
(SOLOMON, 2002). O conhecimento das características do consumidor (idade, gênero,
estilo de vida), por exemplo, é muito importante para o marketing, pois definir o mercado
para um produto, seu público-alvo, é uma importante estratégia de marketing para que o
produto seja bem aceito e obtenha sucesso de mercado.
Além disso, aspectos mais interpretativistas, como influência de indivíduos
externos, até mesmo ídolos, nas decisões de compra (Belk et al., 1989), preocupação de
inserção em grupos sociais, preocupação em manter e representar as suas imagens ou
identidades, em consumir produtos que condizem com as suas respectivas personalidades,
também têm se tornado relevantes para os estudos mais recentes na área de cultura e
consumo.
Esta nova visão de comportamento do consumidor, sob a ótica da antropologia e
sociologia, tem como principal contexto a modernidade. Sendo assim, é possível afirmar
que hoje, para compreender melhor o consumo contemporâneo, com influência cultural,
houve o surgimento da interdisciplinaridade, uma relação mais profunda entre estudiosos
![Page 45: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/45.jpg)
33
das áreas de marketing, antropologia e sociologia . Ou seja, emergiu uma nova necessidade
de reflexão e análise das atitudes do consumidor perante novas linhas de pensamento, que
não seriam supridas somente com o marketing estratégico (de acordo com a teoria
econômica - funcionalista).
O interesse pelo consumo (comportamento do consumidor para com o objeto) e
pela sociedade de consumo, nos permite afirmar que os estudos sobre cultura e consumo
ocupam hoje uma posição de relevância nas áreas de ciências sociais e marketing
(BARBOSA, 2006).
De acordo com McCracken (2003), cultura pode ser entendida como as idéias e
atividades através das quais a sociedade fabrica e constrói os significados do mundo no
qual vive. O autor também afirma que as ciências sociais demoraram a perceber a ligação
entre cultura e consumo. Sendo assim, a relação entre cultura e consumo tem interessado a
cada dia pesquisadores da área de comportamento do consumidor, em especial, a forma
como os indivíduos constroem esses significados através do consumo.
Ainda segundo McCracken (2003), “o consumo é moldado, dirigido e constrangido
em todos os seus aspectos por considerações culturais ... Os bens de consumo os quais o
consumidor desperdiça tempo, atenção e renda são carregados de significado cultural. Os
consumidores utilizam esse significado com propósitos totalmente culturais. Usam o
significado dos bens de consumo para expressar categorias e princípios culturais, cultivar
ideais, criar e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar (e sobreviver a)
mudanças sociais” (McCRACKEN, 2003, P. 11).
Slater (2002) também ressalta o consumo simbólico como fator importante nos
estudos de cultura do consumo ao afirmar que:
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“... ao consumir, não reproduzimos – jamais – apenas nossa
existência física; também reproduzimos (sustentamos,
desenvolvemos, defendemos, contestamos, imaginamos, rejeitamos)
modos de vida específicos, culturalmente significativos. Ao
consumirmos rotineiramente, construímos identidades e relações
sociais a partir de recursos sociais com os quais nos envolvemos
como agentes sociais qualificados” (SLATER, 2002, P. 14).
A área de comportamento do consumidor tem demonstrado também interesse em
entender como os consumidores utilizam os bens e serviços e, conseqüentemente os
significados simbólicos (culturalmente constituídos) atribuídos aos mesmos, para
construção das diversas identidades sociais.
Assim sendo, em decorrência desta ênfase, apropriando-me de uma vertente mais
interpretativista, é possível afirmar que como as pessoas desempenham diferentes papéis,
elas às vezes modificam suas decisões de consumo, dependendo da “peça” 8 específica de
que participam em um certo momento (SOLOMON, 2002). Ou seja, os bens não são
somente meios utilitários, eles são também classificados como meios sociais, os quais
apresentam um conjunto de significados (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004). Pode-se
afirmar, assim, que o consumo é moldado e definido de acordo com os significados
instituídos nos bens e as intenções individuais de representação social.
Desta forma, a vertente interpretativista dentro da área de comportamento do
consumidor e do marketing proporciona a possibilidade de uma linha de pesquisa voltada
para como os significados são construídos socialmente e como eles influenciam a
construção de diferentes identidades sociais. 8 Neste caso o termo peça deve ser entendido assim como no teatro. Michael Solomon, 2002.
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A área de cultura do consumo é ainda uma área nova, em voga há alguns anos.
Porém, vem despertando o interesse de uma série de estudiosos até mesmo devido a sua
interdisciplinaridade. É uma vertente dentro de comportamento do consumidor bastante
caracterizada pela interligação com as áreas de sociologia e antropologia.
Sendo assim, após a definição deste foco pontual dentro do campo de
comportamento do consumidor, julgou-se necessário abordar temas como: consumo como
troca simbólica, identidade e construção de identidade e identidade de gênero, os quais
possibilitarão ao leitor um melhor entendimento teórico sobre o consumo dos significados
simbólicos inseridos nos produtos e serviços e a construção de identidade do homem
tijucano.
3.2. Consumo como troca simbólica
O consumo como troca simbólica vem obtendo destaque nos últimos anos,
essencialmente como tema nos estudos de consumo e comportamento do consumidor, sob
a ótica da antropologia cultural. Assim como afirma McCracken (2003), as ciências sociais
demoraram um pouco a perceber a relação que existe entre cultura (perspectiva
antropológica) e consumo. No entanto, os estudos atuais ressaltam de forma avassaladora
que a cultura e os significados nela constituídos estão intimamente relacionados com a
forma de consumo do indivíduo da sociedade contemporânea (DOUGLAS &
ISHERWOOD, 2004; McCRACKEN, 2003; SLATER, 2002;).
Apesar da aparente ascensão no número de estudos sobre o consumo simbólico, no
Brasil este tipo de estudo ainda não é freqüente, o que gera uma grande maioria desses
estudos restrita aos Estados Unidos.
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De acordo com Kotler (2000), há alguns anos muitos trabalhos da área de consumo
e comportamento do consumidor tinham como principal foco de pesquisa os aspectos e
benefícios tangíveis de produtos e serviços. Mais recentemente, devido à interação da área
de marketing com outras áreas como sociologia e antropologia, nova perspectiva de estudo
é realçada, fazendo com que o foco não seja mais o produto de acordo com a sua função
utilitária e sim os valores simbólicos e as características subjetivas do consumo.
Segundo Doran (1997), Piacentini e Mailer (2004), o consumo como troca
simbólica é uma linha de pesquisa essencial para que o profissional e o pesquisador
entendam o comportamento do consumidor hoje. Estudar a forma como os indivíduos
constroem os significados culturais e se relacionam com os bens (produtos e serviços)
através do consumo, tornou-se um ponto crucial deste viés de pesquisa.
De acordo com Levy (apud, Hirschman, 1986) o aspecto simbólico do consumo
começou a ser discutido na década de 50 (cinqüenta), tendo como discussão principal o
fato de que os indivíduos podem comprar os produtos não pelo que ele pode fazer e sim
pelo o quê aquilo significa para ele.
Para McCracken (2003), os significados são culturalmente constituídos. Ou seja,
eles são criados, administrados, e, posteriormente, disseminados pelos indivíduos oriundos
desta determinada cultura (HIRSCHMAN, 1986). O simbolismo é, portanto, uma
característica intangível do produto ou serviço que está em constante interação com o ser
humano. Os significados simbólicos culturalmente atribuídos aos bens são assimilados e
utilizados como base para o consumo e ainda para construção das diversas identidades
sociais.
Em seu trabalho, Slater (2002) afirma que ser membro de uma determinada cultura
ou de um modo de vida particular implica ao indivíduo o conhecimento dos diversos
códigos locais. Desta forma, os culturalmente constituídos são entendidos e apropriados
![Page 49: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/49.jpg)
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por todos os integrantes de uma cultura e/ou grupo social. Logo, segundo Solomon (1983),
os significados culturais são aprendidos essencialmente com a integração social.
Sendo assim, alguns produtos adquirem importância em uma determinada cultura,
grupos sociais e ainda certos estilos de vida (Doran, 1997; Leigh e Gabel, 1992; Solomon,
1983), tornando-os valorizados e sacralizados (Belk, 1989) (devido à capacidade de
expressão e afirmação de identidades) pelos indivíduos e grupos de indivíduos. Pois,
certamente, a obtenção, o consumo desses bens, está significando e representando muitas
informações sobre o respectivo indivíduo.
Caracterizado por uma atividade significativa, este trabalho assume que o consumo
do ser humano é um consumo que difere do ato dos animais. Pois o ser humano não está
somente e essencialmente preocupado com o suprimento das necessidades básicas assim
como os animais. A necessidade de representação social através dos significados culturais
faz parte do consumo do indivíduo como algo inerente à existência humana (SLATER,
2002).
“Este sentido de consumo como algo biologicamente necessário,
naturalmente inscrito e universalmente experimentado está num
plano completamente diferente do dilema que a cultura
contemporânea experimenta para escolher marcas de carro, sabores
de refrigerantes, lojas de departamentos, estilos de roupas, telefones
celulares, serviços bancários, restaurantes, geladeiras, manteigas ou
batons. É neste plano que o consumo se torna uma questão cultural,
simbólica, definidora de práticas sociais, modos de ser, diferenças e
semelhanças” (DOULGAS & ISHERWOOD, 2004, P. 14).
![Page 50: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/50.jpg)
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Inseridos em um sistema social de significados (pois nenhum bem é portador de
significados por si só) (Douglas e Isherwood, 2004), os bens são tidos como
comunicadores, ou seja, carregam significação. Como assumido anteriormente, os
significados são culturalmente constituídos e, para McCracken (2003), os objetos têm a
capacidade de carregar e comunicar significados culturais.
Produtos comprados, atividades extra-curriculares realizadas, leituras, crenças, idas
a cafés, restaurantes, bares, tudo o que consumimos e fazemos, estarão de certa forma,
apontando para os outros quem nós somos e com quem nos identificamos, a que grupo
social pertencemos e ao mesmo tempo rejeitamos (DORAN, 1997; HYATT, 1992;
PIACENTINI & MAILER, 2004; WATTANASUWAN, 2005).
Certamente, o indivíduo também consome para comunicar e ser interpretado pelos
outros, pois as atividades baseadas no consumo dos significados corroboram a
representação do seu ‘eu’.
Desta forma, quando o indivíduo faz uma escolha, ele pode estar executando as
suas preferências e, em contrapartida, ao mesmo tempo, se entrosando ou se afastando de
um grupo ou categoria social. Os bens têm, portanto, a capacidade de expressar algum tipo
de informação, porque eles são embutidos de significados simbólicos culturalmente
constituídos.
Um importante estudo foi realizado por Douglas e Isherwood (2004) sobre o
consumo como troca simbólica. Este estudo mostrou que o consumo, na
contemporaneidade, é uma experiência social, se realiza em uma esfera coletiva e,
portanto, é um fenômeno culturalmente compartilhado. Os autores ressaltam que qualquer
ato de consumo exprime e gera cultura e que o consumo de hoje é um código, por meio do
qual são traduzidas muitas relações e categorias sociais. Eles afirmam ainda que todas as
posses materiais carregam significação cultural. “O homem é um ser social. O Homem
![Page 51: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/51.jpg)
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precisa de bens para comunicar-se com os outros e para entender o que se passa em sua
volta” (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004, P.148).
Os bens e serviços, inseridos em um sistema cultural, assumem valor simbólico, não
apenas o valor material a eles destinados. É quase impossível imaginar uma sociedade
cujos objetos sejam puramente utilitários destituídos de significados culturais (SLATER,
2002).
Os indivíduos contemporâneos vivem hoje uma sociedade na qual as atividades de
consumo influenciam quem as pessoas são e o que elas querem se tornar (JOHNSTONE &
CONROY, 2005). Sendo assim, os indivíduos escolhem os seus objetos de consumo de
acordo com os seus objetivos, suas intenções de expressão.
É importante ressaltar que os significados simbólicos dos bens não são fixos, são
relacionais (SLATER, 2002). No entanto, a origem do significado que reside nos bens de
consumo está no mundo culturalmente constituído (McCRACKEN, 2003). Um objeto
muitas vezes pode ser instituído de um significado cultural assim como pode perder esse
significado simbólico com o tempo.
Um exemplo desta apropriação e perda de significados pode ser mais bem
entendida com o produto telefone celular por exemplo. Há alguns anos, quando foi
lançada, o indivíduo que consumia esse tipo de telefonia, inédito até então, (telefonia
móvel), era visto pelos outros integrantes sociais como um indivíduo de alto poder
aquisitivo, detentor de posição hierárquica privilegiada. Esse objetivo era definitivamente
tido como um bem de marcação cujos significados culturalmente atribuídos a ele eram
altamente valorizados. Com o passar do tempo, este produto deixou de ser um produto
único e exclusivo de um grupo social e passou a ser um produto ordinário, ao qual
praticamente todas as classes sociais tinham acesso. Hoje, “consumir” um telefone celular
não significa ter alto poder aquisitivo, ser oriundo de uma classe social mais alta. De certa
![Page 52: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/52.jpg)
40
forma, isso significa que o telefone não é mais um bem de marcação, de status social, de
alto luxo.
De fato, esse movimento dos bens, assim como de suas propriedades simbólicas,
fez com que todos os significados culturais valorizados e significantes para representação
do indivíduo perante a sociedade fossem perdidos. Hoje, esse tipo de significação não
pertence mais ao produto telefone celular.
Os significados simbólicos, além da sua capacidade de perda e/ou apropriação,
também podem sofrer um processo de transferência. De acordo com McCracken (2003), “o
significado está ininterruptamente fluindo das e em direção às suas localizações no mundo
social, com a ajuda de esforços individuais e coletivos de designers, produtores,
publicitários e consumidores” (McCRACKEN, 2003, P. 99). Este autor define que os
significados têm uma trajetória em dois momentos distintos de transferência de
significados. O primeiro deles é quando o significado passa do mundo culturalmente
constituído para o mundo dos bens e o segundo é quando o significado se afasta do mundo
dos bens e se transfere para o consumidor individual.
Ainda segundo McCracken (2003), a mudança do significado vindo do mundo
culturalmente constituído para o mundo dos bens é realizado por duas instituições. São
elas: a publicidade (significado transferido para um bem de consumo através de um
anúncio) e o sistema da moda (processo mais complicado que a propaganda devido à
necessidade de mais fontes de significado, agentes de transferência e meios de
comunicação).
No caso da publicidade, a transferência é realizada pela agência de propaganda
junto com seus esforços através do anúncio. Já o sistema de moda é considerado pelo autor
como mais complexo, pois ele atua de três modos distintos na transferência de
significados. A primeira atuação distinta da propaganda é a mudança, a inovação que
![Page 53: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/53.jpg)
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ocorre no modo de se vestir, de mobiliar a casa devido ao novo conceito instituído pela
moda. A segunda é que o sistema de moda insere novos significados culturais, através de
líderes de opinião que ajudam a moldar significados já existentes. Este tipo de
transferência auxilia na reforma de categorias e princípios culturais. E a terceira seria o ato
de não somente inovar, mas também de reformar radicalmente o significado, como, por
exemplo, os grupos sociais hippies, gays.
Por outro lado, os significados assentados nos bens de consumo também podem ser
movidos dos bens para o consumidor (McCRACKEN, 2003). Para isso, também é
necessário um conjunto de instrumentos de transferência. Este autor ressalta que, para
ocorrer a transferência do significado do mundo dos bens para o mundo do consumidor, é
necessário que haja um ritual. Para ele, o ritual é um tipo de ação social destinado à
manipulação de significados para assegurar a comunicação de categorias e princípios
culturais. Um ritual considerado um meio de transferência de significado para o
consumidor é o ritual de troca, como, por exemplo, a troca de presentes no Natal e no
aniversário. Fornecer um presente à alguém, significa receber (atitude exclusiva do
receptor) de maneira intrínseca propriedades simbólicas inseridas no produto. O indivíduo
que está no momento da troca, recebendo o presente, deve, em seguida, apropriar-se das
propriedades simbólicas instituídas culturalmente ao produto e definir-se perante os outros.
Quando o significado é absorvido pelo indivíduo consumidor, chega-se, portanto,
ao final de sua trajetória. Como coloca McCracken (2003), “o sistema de consumo supre os
indivíduos com os materiais culturais necessários a realização de suas variadas e mutantes
idéias do que é ser um homem ou uma mulher, uma pessoa de meia idade ou um idoso, um
pai, um cidadão ou um profissional” (McCRACKEN, 2003, P. 119).
Notoriamente, esta nova perspectiva de estudo sobre o consumo com um viés
antropológico contribuiu para o reconhecimento de que os bens de consumo são carregados
![Page 54: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/54.jpg)
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de significados culturais e para a percepção de que o consumo vai muito além das
definições apresentadas por Kotler (2000).
Os bens são, portanto, comunicadores, têm a capacidade de expressar informações
sobre o indivíduo. O consumo simbólico propicia a comunicação de vários significados
para e sobre o indivíduo (DORAN, 1997; HYATT, 1992; JOHNSTONE & CONROY,
2005; LEIGH & GABEL, 1992; PIACENTINI & MAILER, 2004; SLATER, 2002).
Na maioria das vezes, os produtos e serviços não são consumidos para o seu
propósito utilitarista mas sim para a sua troca simbólica, para a construção de identidades,
afirmação do seu ‘eu’, posicionamento na sociedade contemporânea, emulação,
pertencimento a categorias e grupos sociais. Assim como ressalta Leigh e Gabel (1992):
“Já é fato conhecido que consumidores podem comprar produtos por
outras razões além da sua performance básica funcional. As pessoas
muitas vezes são motivadas a comprar um bem ou serviço baseado
naquilo que esses bens ou serviços representam para eles mesmos, e
para outros os quais eles associam ou para alguma referência social”
(LEIGH & GABEL, 1992, P. 27).
Outros indivíduos, ainda, se concentram na construção de suas identidades sociais e
permeiam na sua capacidade de distinção somente através dos significados simbólicos dos
bens que consomem. Esses bens ou serviços servem especialmente como ferramentas
sociais, através das quais os indivíduos serão capazes de comunicar simbolicamente quem
eles são e as suas referências.
O consumo como troca simbólica tem como conseqüência também a inclusão e
exclusão social, desenvolver, firmar e até mesmo alterar a sua identidade social
![Page 55: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/55.jpg)
43
(PIACENTINI & MAILER, 2004). Os significados dos bens podem muitas vezes atuar
como indicadores de status social. O desejo de consumir e ter como posse um desses bens
significa o desejo de pertencer a uma classe social superior.
“Os bens, em virtude de seus significados, são instrumentos de ascensão social, de
participação social e de exclusão social” (SLATER, 2002, P. 151). Este tipo de consumo
simbólico (consumo com objetivos intrínsecos de ascensão social) pode não somente ser
observado em indivíduos de classes sociais mais baixas como também em indivíduos de
mesmo nível social. Desta forma, inseridos no mesmo nível, a intenção de consumo está
unicamente voltada para inclusão e pertencimento a determinado grupo. No entanto,
embora exista o desejo e vontade de se tornar parte integrante do grupo, o indivíduo deve
ter consciência de que, ao consumir determinado bem, ele pode estar assumindo a sua
exclusão do grupo social do qual participa.
Ainda existem os bens posicionais. Assim sendo, os bens e serviços também podem
ser tidos como marcadores (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004). Portanto, o
compartilhamento dos significados culturalmente constituídos tornam esses bens valiosos,
pois indicam posição social e simbolizam status. Inseridos em um sistema estruturado de
significados, esses bens são basicamente considerados bens de distinção social. Ou seja,
eles são capazes de distinguir um indivíduo do outro simplesmente devido ao fato de um
estar consumindo bens que apresentam significados diferentes do outro consumido pelo
segundo indivíduo, o qual certamente não está simbolizando o grupo de referência do
primeiro.
Bens de luxo são considerados bens de marcação (DOUGLAS & ISHERWOOD,
2004). Eles podem desta forma emitir mensagens sobre a hierarquia social. A moda é, por
exemplo, um sistema detentor de vários bens de luxo cujos significados simbólicos são
inúmeros.
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Um típico objeto de desejo da moda mundial é, por exemplo, qualquer produto da
marca francesa Louis Vuitton. Desde o início do século 19, a marca tem seu inconfundível
monograma caracterizado como o companheiro dos viajantes mais chiques do planeta. Na
revista mundial de moda Elle, no mês de outubro de 2006, na década de 1920, a Louis
Vuitton lançou uma coleção especial de seus produtos para lembrar o papel da marca no
campo da viagem. Com a consciência das propriedades simbólicas atribuídas a seus
produtos, discriminando e marcando a hierarquia social de seus consumidores, a marca
inseriu no mercado o anúncio publicitário o qual tinha o seguinte slogan: “Montre-moi tes
bagages, je te dira qui tu es” (Mostre-me sua bagagem e eu te direi quem és). Esta frase
deixa explícito que um indivíduo cuja mala de viagem é da marca francesa comunica para
os outros que é um sujeito detentor de alto poder aquisitivo, oriundo de alta classe social e,
portanto, pessoa chique, com alto status social. Dessa mesma forma os outros o
interpretam.
O sistema de significados mencionado nos parágrafos anteriores, a moda, é mais
um conjunto de significados que traduz simbolicamente informações sobre os indivíduos,
relatando para a sociedade, através deste consumo específico, quem ele é, qual a sua
origem, a que grupo pertence, qual a posição hierárquica que ocupa no grupo.
De acordo Solomon (1983), um exemplo do consumo como troca simbólica com
objetivos de definição do ‘eu’ é o de adolescentes homens. Os produtos por eles
procurados e consumidos, tais como carros, roupas, perfumes, são pura e exclusivamente
para desenvolver e firmar o conceito de masculinidade, ou seja, a sua identidade de homem
heterossexual.
Doran (1997), em seu trabalho sobre consumo de televisão em cores, na China,
ressalta que os produtos adquirem significados simbólicos de acordo com a sua cultura.
Desta forma, alguns produtos se tornam mais importantes em uma cultura do que em outra.
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45
Além disso, a posse destes bens pode estar significando alguma informação relevante para
o seu grupo social.
O estudo de Doran (1997), portanto, parece confirmar as afirmativas anteriores ao
demonstrar que uma categoria de produto eletrônico (televisão em cores) e os seus
significados simbólicos são muito importantes para os chineses. A televisão representa
para eles uma vida moderna, ser bem colocado financeiramente, ter sucesso pessoal.
Porém, este produto não simboliza somente isso; representa também a liberdade do
passado. Para os chineses, liberdade com o passado significa livre acesso às informações e
ainda a comunicação do seu ‘eu’. Portanto, para a cultura chinesa, quanto maior e melhor
for a televisão, mais os indivíduos integrantes desta cultura irão estar satisfeitos pois
conseguirão impressionar e dizer exatamente aos outros quem eles são. Vale ressaltar que
o preço não é um atributo do produto relevante para os chineses e sim os significados
simbólicos, os quais funcionam como comunicadores e posicionadores.
Desta forma, para Leigh e Gabel (1992), os indivíduos são eternamente
influenciados pela interação social e por seu grupo de referência. Logo, como atitude
decorrente, a partir do momento em que o indivíduo se identifica com um grupo social, ele
deve desvendar quais são os objetos que simbolizam importância para o grupo e,
conseqüentemente, ter um comportamento de consumo que cumpra com as expectativas
dos significados culturais daquele grupo.
São certamente infinitos os exemplos sobre consumo como troca simbólica e os
significados culturalmente constituídos. De acordo com o arcabouço teórico aqui
apresentado, é possível afirmar que todo consumo, inserido em uma cultura, é uma troca
simbólica. Os bens carregam significados cuja principal função é comunicar, representar
para sociedade quem é o individuo que está atuando como principal consumidor.
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As marcas de roupa, por exemplo, são importantes para demonstrar posição social.
Os cartões de crédito, como ressalta Leigh e Gabel (1992), também são produtos altamente
portadores de significados. Os cartões “ouro” por exemplo, asseguram alto status, e ainda
remetem à distinção social. A simbologia “ouro” significa cliente/consumidor “ouro”, o
qual merece o primeiro lugar devido ao poder de compra (quanto em valor monetário é
gasto por mês). Esse cliente/consumidor é considerado pela empresa uma pessoa muito
importante (VIP) e que merece uma posição social distinta dos outros considerados por
eles consumidores “comuns”. Em outras palavras, o cartão “ouro”, simboliza para o seu
possuidor e para os outros, um status superior, posição hierárquica privilegiada, alto poder
aquisitivo, se distinguindo, assim, dos demais detentores dos cartões de crédito ‘comuns’.
A propaganda e a publicidade são consideradas as principais ferramentas de
marketing que contribuem para a disseminação dos significados simbólicos instituídos aos
objetos (SLATER, 2002). Uma estratégia de marketing importante para com o consumo
como troca simbólica seria disponibilizar uma parte dos seus esforços para gerar uma visão
mais cuidadosa ao significado simbólico culturalmente constituído ao bem. Pois, desta
forma, segundo Leigh e Gabel (1992), os profissionais do mercado podem facilitar e
aumentar a efetividade dos esforços de marketing.
Entretanto, de acordo com Hirschman (1986), a criação do significado simbólico
pode estar também sob controle do próprio consumidor. Para esta autora, os consumidores
também podem ser tidos como contribuintes ativos do significado simbólico cultural. Ela
reconhece que o consumidor atribui aos bens significados por ele criados, os quais diferem
daqueles associados culturalmente e disseminados por ele próprio para os outros. Assim, o
objeto além de possuir um significado culturalmente constituído, agrega a este um
significado simbólico cuja origem está na rede de significados do consumidor. Logo, o
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consumidor também é produtor dos significados simbólicos que são atribuídos aos bens
(produto e serviço) de consumo.
3.3. Identidade
“Um aspecto central no desenvolvimento do ser humano é o
desenvolvimento do senso da identidade. A resposta para a pergunta:
Quem eu sou?” (FEINBERG et al., 1990, P. 380).
Segundo grande parte de autores da área de ciências sociais, identidade ainda é um
tema muito complexo. Porém, nos últimos tempos, tem se destacado. É um assunto que
engloba algumas controvérsias e está contribuindo cada vez mais nos estudos de
comportamento do consumidor.
Estudiosos da área de marketing, e em especial de comportamento do consumidor,
estão adotando um viés de estudo mais interpretativo e ao mesmo tempo muito importante
para análise do ato de consumo do consumidor, voltando-se, assim, para relação entre
consumo e a preocupação de afirmar para outros atores sociais quem ele é.
Quando Hall (2002) diz que a identidade só é considerada uma questão quando se
coloca algo que supostamente era fixo em dúvida (como uma incerteza), é possível
perceber nesse momento um objeto de estudo. Por isso, algumas atenções nesta área estão
sendo voltadas para o tema identidade e consumo.
Neste momento é interessante ressaltar a definição de identidade. Neste trabalho
será adotado o conceito de identidade de acordo com Hall (2002), ou seja, identidade é o
conjunto de características do indivíduo que representa quem você é.
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De acordo com Hall (2002), a chamada “velha identidade”, formada por um sujeito
iluminista, unificado, movido pela razão, está em declínio. Este sujeito um tanto
conservador, de concepção individualista, detentor de uma identidade centrada, está
desaparecendo. Hoje, na era da contemporaneidade e no mundo globalizado no qual todos
estão inseridos, é possível verificar a presença de um sujeito moderno, detentor da
multiplicidade de identidades e conhecido através de um descentramento da identidade.
Portanto, o homem hoje é capaz de assumir diferentes identidades fragmentadas em
diferentes momentos de sua vida.
O deslocamento do sujeito do iluminismo (identidade centrada) para o sujeito
moderno (identidade móvel, sempre em processo de construção) está na ocorrência dos
descentramentos ocorridos na mudança na estrutura (HALL, 2002). A identidade moderna
passa então a não ter o seu miolo central como as do passado, do sujeito do iluminismo,
deixando, assim, o indivíduo com o livre arbítrio para a escolha e definição do seu eu (self)
(BELK, 1988).
É importante ressaltar que estas identidades estão em um constante processo de
construção ou destruição, ou seja, elas estão sendo continuamente deslocadas (HALL,
2002). Em outras palavras, ainda de acordo com este autor, a identidade de um indivíduo
hoje, para ser definida, passa por um processo móvel, de contínua formação e
transformação em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam. O que significa que, durante o período de vida, o
indivíduo pode construir, sustentar ou destruir diferentes identidades por ele
desempenhada.
Desta forma, a modernidade, a sociedade moderna, caracterizada por suas
mudanças constantes e rápidas, junto aos fatores radicais da contemporaneidade, como a
incerteza do ser, a vida cotidiana e as sujeições às diversas alternativas de vida, trazem a
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possibilidade da criação de novas identidades. Portanto, à medida que o sistema cultural se
modifica e se multiplica, o indivíduo confronta com diversas e diferentes identidades ao
seu redor.
Segundo Bauman e Vecchi (2005) e Hall (2002), a identidade é algo mudável, ou
seja, ela não existe para sempre. Sendo assim, o homem da era contemporânea, não possui
uma identidade fixa, pois ela está em processo contínuo de construção. Este processo pode
ser considerado, portanto, o resultado de um enorme esforço, diante do qual o indivíduo
tem como responsabilidade a busca das alternativas, a definição de seu desejo de
representação e ao final, tem a cumprir um eterno processo de defesa.
Cabe, desta forma, a cada indivíduo ir buscá-la, de acordo com suas pretensões de
representação. A escolha da identidade a ser representada é influenciada e determinada de
acordo com a situação social encontrada pelo sujeito, o seu ponto de referência.
Caso contrário, como ressalta Bauman e Vecchi (2005), se o indivíduo não tiver
liberdade de escolha de suas preferências para construção de sua identidade, ela será
imposta por outros, o indivíduo terá para si uma identidade intrusa e indesejada.
Compreendida deste modo, a identidade imposta e por conseqüência indesejada, pode
afetar diretamente o psicológico do indivíduo e em última instância, a sua subjetividade
(tornando-o ciente da sua incapacidade de ‘ouvir’o seu próprio interior).
Existem diferentes tipos de identidade que o homem tem a desempenhar e construir
(ou destruir) ao longo de sua vida. A identidade de gênero, de raça, de nacionalidade, de
classe social, profissional são alguns exemplos. Existem ainda identidades que muitas
vezes são ditadas pelos meios de comunicação e fazem com que o indivíduo tenha vontade
de se apropriar delas. Neste último caso através do consumo dos significados simbólicos
dos bens e serviços, o indivíduo reformula a sua posição social, ou seja, sua identidade
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(WATTANASUWAN, 2005). Desta forma, o indivíduo passa a possuir uma
multiplicidade de identidades.
Considera-se relevante abordar neste trabalho, muito embora não seja o foco de
estudo, a identidade do indivíduo na internet. O mundo moderno, da alta tecnologia
possibilitou uma série de maneiras distintas do indivíduo se comunicar com o outro
(muitas vezes localizado até mesmo em outro hemisfério). No entanto, isso pode estar
ameaçando uma verdadeira identidade. Em sites de relacionamentos, por exemplo, existe a
possibilidade de serem criadas falsas identidades, o que significa dizer que as pessoas
passam a ter também a liberdade para criar as identidades ilusórias.
Ocorre nesse momento e em um mesmo espaço virtual, uma alteridade de
identidade. Essas práticas estão se tornando cada vez mais freqüentes nos últimos anos.
Assim como ressaltam Ayrosa e Sauerbronn (2004), “a internet pode ser vista como um
ambiente de construção de identidades bastante rico, o que pode ser facilmente verificado
navegando entre blogs e flogs” (AYROSA & SAUERBRONN, 2004).
A identidade nacional, por exemplo, é uma das principais identidades de um
indivíduo e talvez a única que não depende de um exercício de busca. Ela é em algum
momento imposta pelo Estado como uma forma de pertencimento, de lealdade à nação
(WATTANASUWAN, 2005). Este tipo de identidade não está impresso em nosso gene.
No entanto, os indivíduos lidam com ela como se fosse parte de sua natureza biológica
(HALL, 2002).
A maneira de se vestir, agir ou pensar são fatores cruciais para definição de
identidade (BAUMAN & VECCHI, 2005). O importante a todo o momento é a maneira de
como você simbolicamente se relaciona com as pessoas que estão a sua volta. Desta forma,
é possível afirmar que a identidade está intimamente relacionada ao pertencimento a
grupos sociais e ao mundo o qual o indivíduo está inserido.
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Segundo alguns autores como Cuche (2002), Woodward (2000) e Schau (2000), a
identidade é marcada pela diferença. Existe, portanto, a preocupação da marcação
simbólica entre outras identidades (WOODWARD, 2000). Ou seja, a preocupação de se
afirmar perante os outros dizendo quem “eu sou”.
A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades
individuais e coletivas, o que corresponde a uma definição e uma forma de pertencimento a
um único grupo social. Portanto, a identidade é um processo de inclusão e exclusão
(Cuche, 2002), uma vez que ela identifica o grupo no qual você se insere e,
simultaneamente, o distingue do grupo que não está de acordo com as suas perspectivas.
Devido a esta distinção dicotômica (eu/ele), a identidade pode ser caracterizada por
um processo de categorização social, estando muitas vezes marcada pela construção da
diferença. “A identidade existe sempre em relação a uma outra ... a identificação
acompanha a diferenciação” (CUCHE, 2002, P. 183). Segundo o autor, identidade é um
modo de categorização e é utilizada para firmar e manter a distinção entre grupos sociais.
Stets e Burke (2000) também retomam esta idéia quando afirmam que, ao
categorizar, gera-se, como uma conseqüência deste processo, a acentuação das
similaridades percebidas dentro do grupo. E acentuam-se, da mesma forma, as diferenças
apresentadas entre as pessoas que estão fora.
Paralelamente, a análise destes dois grupos distintos também é lembrada por
Woodward (2000), quando diz que a marcação da diferença pode ter um efeito tanto
positivo quanto negativo. No que tange o positivo, ela pode ajudar na concretização de
uma identidade sexual heterogênea, como a identidade de gays, e pode também ser vista
como negativa no que diz respeito à exclusão de grupos sociais. É importante afirmar,
portanto, que as identidades são formadas pela sua alteridade e ainda necessitam dos
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significados simbólicos inseridos nos materiais físicos por eles consumidos para a sua
sustentação (HALL, 2000).
As identidades fluem, navegam, não são completamente rígidas, o que torna
evidente a alternativa de que um indivíduo constrói a sua identidade continuamente ao
longo do tempo. Bauman e Vecchi (2005) afirmam que identidades são experimentos que
nunca terminam: “você assume uma identidade no momento, mas muitas outras, ainda não
testadas, estão na esquina esperando que você as escolha” (BAUMAN & VECCHI, 2005,
P. 91).
As transformações ocorridas no mundo contemporâneo colocaram em cheque as
velhas certezas de vida e, ao mesmo tempo, em relevo as definições e afirmações da
identidade (WATTANASUWAN, 2005). Hoje, como uma das características deste
momento (referência ao tempo em que vivemos), está o conflito do indivíduo entre as
diversas identidades que estão a sua volta.
Tal fato pode ser mais bem explicado ao apresentar a idéia de que existe, no mundo
contemporâneo, uma crise de identidade (WATTANASUWAN, 2005). Esta crise ou
conflito de identidade pode ser caracterizada por todas as mudanças socioeconômicas, mais
bem definidas pela constante obrigação que o indivíduo tem de realizar uma escolha em
sua vida. Para tanto, é possível afirmar que todos os indivíduos inseridos em uma
sociedade vivem uma eterna crise de identidade.
Logo, identidade pode ser resumidamente definida como quem você é, como você
representa o seu eu (self) dentro do grupo social o qual você está inserido.
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3.3.1. Construção de identidade através do consumo
O processo de construção de identidade é complexo e muitas vezes doloroso. Para
Hall (2002), o sujeito da contemporaneidade, assume diferentes identidades em diferentes
momentos de sua vida. Essas identidades por eles desempenhadas são dinâmicas e estão
sendo continuamente deslocadas. Logo, a necessidade de representação, de ser reconhecido
pelos outros e a interação direta com o mundo dos significados simbólicos permitem o
surgimento de possíveis identidades. Como o exemplo citado anteriormente, a identidade
de um homem pai, advogado, esportista.
O estudo de Belk (1988), Possessions and the Extended Self ajudou a acelerar
pesquisas na área de comportamento do consumidor sobre as maneiras como o consumo
ajuda e/ou determina a formação e construção de identidade. Através do consumo de bens
e serviços e conseqüentemente dos significados culturais a eles atribuídos, o indivíduo
pode construir e até mesmo destruir diferentes identidades ao longo de sua vida.
A construção da identidade ocorre no domínio do consumo assim como também no
político, religioso e ainda ocupacional (FEINBERG et al., 1990). Porém, McCracken
(2003) afirma que, sem os bens de consumo, alguns atos de definição do self (do seu eu) e
de definição coletiva seriam impossíveis nessa cultura.
De acordo com Piacentini e Mailer (2004), o consumo simbólico, em qualquer
cultura, seja ela qual for, é muito usado para construção de identidade. A maneira de se
vestir, agir, pensar, são fatores cruciais para definição da identidade social (AHUVIA,
2005; BAUMAN & VECCHI, 2005; MEHTA & BELK, 1991).
Os indivíduos modernos utilizam, portanto, o simbolismo dos bens e serviços que
consomem para a construção e afirmação de suas respectivas identidades e ainda para
definir as relações sociais com outras pessoas.
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Nessa percepção de definição e representação do ‘eu’ dentro de um ambiente
social, principalmente através do consumo, Hall (2000) afirma que a construção de
identidade ainda necessita de materiais físicos e significados simbólicos para a sua
sustentação. Desta forma, é possível afirmar que os indivíduos buscam consumir produtos
e serviços através dos quais criam e preservam as suas identidades sociais.
Um exemplo ainda simplório, porém por meio do qual se torna clara esta relação do
homem com os significados simbólicos inseridos nos bens e serviços que consomem, seria
de um adolescente homem que consome produtos culturalmente caracterizados como de
“machos”. Esses indivíduos têm como hábito consumir carros maiores como pick-ups e
caminhonetes (Fiat Adventure, Parati e alguns importados como Hilux, L-200), roupas de
cores escuras e ainda perfumes cujas fragrâncias são mais fortes. Nesse caso, a utilização,
o consumo efetivo dos produtos “machos” está absolutamente rendida a um objetivo final,
que é desenvolver o conceito de identidade de gênero masculina. Para Feinberg et al.
(1990), o consumo para o adolescente é muito importante para formação e definição da
identidade.
De acordo com Ahuvia (2005), pessoas e objetos que tanto dizem amar (I love) têm
grande influência no senso de quem nós somos e também dos nossos ‘eus’. No exemplo
ressaltado no estudo da autora, uma mulher relata usar e consumir, com muita freqüência,
os objetos que ama, respondendo logo em seguida ao entrevistador que os ama porque são
muito parecidos com ela, são femininos, criativos, rebeldes e condizem exatamente com o
seu estilo de vida. Isso significa que as bolsas (um dos objetos citados na entrevista)
freqüentemente consumidas por ela carregam significados simbólicos que reafirmam e
suportam a identidade de gênero (feminino), a identidade de publicitária. “Então, love
objects (objetos amados) fazem parte de uma categoria de objetos que constroem a
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identidade do consumidor” (AHUVIA, 2005, P. 182). Algumas mulheres, por exemplo,
podem amar objetos pintados de rosa, pois parecem femininos.
Através da identidade, portanto, as pessoas se classificam e representam o seu ‘eu’
em uma determinada situação de relações sociais. No entanto, é importante ressaltar que o
consumo do mundo contemporâneo engloba uma variedade de possibilidades de escolha
sobre quem ‘eu’ quero ser para os outros e qual o estilo de vida que desejo obter. Desta
forma, cabe ao indivíduo a definição pessoal sobre sua identidade projetada para, desta
forma, emergirem os primeiros passos do consumo através dos quais as diversas
identidades sociais poderão ser assumidas.
“O consumo é algo ativo e constante em nosso cotidiano e nele desempenha um
papel central como estruturador de valores que constroem identidades, regulam relações
sociais, definem mapas culturais (...) Os bens são investidos de valores socialmente
utilizados para expressar categorias e princípios, cultivar ideais, fixar e sustentar estilos de
vida, enfrentar mudanças ou criar permanências” (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004, P.
8). Desta forma, deve-se evitar o pensamento instituído durante muito tempo de acordo
com a teoria utilitarista, que revela serem os bens necessários para subsistência, e ressaltar
de forma avassaladora que os bens são importantes para visibilidade em um ambiente
social, que são tidos hoje como comunicadores (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004). Os
bens são procurados pelos consumidores de acordo com desejos e experiências.
Os homens contemporâneos têm mais freqüentemente buscado a sua identidade
masculina através do consumo. De acordo com algumas mudanças socioeconômicas
sofrida pela sociedade moderna, como, por exemplo, a inclusão cada vez maior da mulher
no mercado de trabalho, a identidade masculina tem sido ameaçada. (HOLT &
THOMPSON, 2004). Assim, os homens que sofreram nesse ambiente moderno objetivam,
de todas as maneiras, através do consumo simbólico, reafirmar a sua identidade masculina.
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Os homens que dirigem uma moto Harley Davidson se vestem como tal e têm
acima de qualquer suspeita a sua masculinidade (HOLT & THOMPSON, 2004, P. 425).
De acordo com o estudo realizado por esses autores, alguns dizem que é motivo de honra
fazerem atividades como jogar hockey, participar de corridas de carros, possuir carros mais
robustos, para legitimar a identidade masculina. O consumo de filmes da categoria de
aventura também faz parte desta zona de pensamento de afirmação da masculinidade
(HOLT & THOMPSON, 2004).
Tal fato me permite concluir que o consumo dos significados simbólicos inerentes a
esses produtos e serviços é premeditado e consciente por parte do indivíduo. Assim como a
necessidade de afirmar, legitimar a masculinidade perante um grupo social, influencia
diretamente o comportamento de consumo deste determinado indivíduo. O consumo é
neste aspecto determinante na construção da identidade de gênero.
Um estudo realizado por Thompson e Haytko (1997) tinha como objetivo analisar
os discursos das pessoas para entender como elas se apropriam dos significados culturais
da moda para a construção de sua identidade. Com base nas entrevistas, os autores
conseguiram identificar que o discurso da moda ou do que a pessoa gosta de usar e vestir
cabe exatamente ao comportamento de consumo do indivíduo perante qual identidade
social deseja construir. Como, por exemplo, usar um terno em um ambiente universitário
pode representar elitismo, materialismo, superioridade profissional (THOMPSON &
HAYTKO, 1997). Segundo McCracken (2003), o vestuário é uma das categorias de
produtos mais expressivas.
Assim, define-se identidade como um conjunto de características através do qual
um indivíduo consegue representar quem ele é dentro de uma situação social específica.
Desta forma, a identidade, de acordo com o seu processo de inclusão e exclusão, define a
inserção de um indivíduo em uma categoria social.
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Sendo assim, o processo de construção e definição de identidade é influenciado
pela situação encontrada pelo indivíduo ao seu redor. Como visto anteriormente, o
processo de construção de identidade através do consumo é bastante complexo e ainda
doloroso. Por isso, esse estudo tem como principal foco a subjetividade do consumo
simbólico de um grupo social e conseqüentemente a construção de uma identidade
particular, do homem tijucano.
3.4. Identidade de gênero
A distinção da identidade de gênero entre homens e mulheres pode ficar bem
demarcada de acordo com a vestimenta de cada um dentro de um ambiente de trabalho, por
exemplo. O consumo é uma atividade de extrema importância na construção, manutenção e
representação da identidade de gênero (McCRACKEN, 2003). Desta forma, segundo
Schroeder e Zwick (2004), as identidades de gênero, masculina ou feminina, de acordo
com suas representações e práticas de consumo, promovem um sistema de diferenças.
Nos últimos 30 anos, o interesse em estudar mais profundamente as atitudes dos
homens e as suas experiências, tem se destacado com mais freqüência. Mais
especificamente, tem havido uma explosão de interesses nas ações relacionadas aos
homens e à masculinidade.
A crise da masculinidade ou da identidade de gênero masculina seria um fato
predominante no final do século XIX e início do século XX. Durante esse período, devido
aos avanços tecnológicos, à industrialização e ao rápido aumento da competição no
mercado de trabalho pela crescente força das mulheres, ocorreu uma disseminação do
gênero masculino (CONELL, 2002; SCHROEDER & ZWICK, 2004; THOMPSON &
HOLT, 2004;).
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58
Os homens nesse momento da história começaram a perder posições hierárquicas
importantes no mercado e, conseqüentemente, o papel de dominância na hierarquia
patriarcal. O pai trabalhador e detentor de todo o poder familiar, entrou em decadência. No
entanto, esses homens, por sua vez, através das práticas de consumo, buscavam produtos e
serviços potenciais para legitimar a sua masculinidade, a sua identidade de gênero
(THOMPSON & HOLT, 2004). Tais bens eram, desta forma, consumidos com mais
freqüência, pois os significados simbólicos a eles atribuídos representavam poder,
dominação, brutalidade, força, ou seja, culturalmente definidos como masculinos. Entre
eles obtiveram destaque carros, cervejas, charutos.
“Ao investigar como nós terminamos homens e mulheres, estamos investigando
fenômenos que têm como tema características corporais, psicológicas e comportamentais”
(ALSOP et al., 2002, P. 14). Ao abordar o assunto gênero, é primordial tornar relevante
uma das principais diferenças no corpo do homem e da mulher. Esta primeira divisão entre
os corpos de homens e mulheres é a distinção natural, biológica do ser humano, que é
marcada devidamente de acordo com a presença ou ausência do pênis. Portanto, essa
diferença corporal deixa evidente a distinção entre os sexos masculinos e femininos.
Entretanto, as identidades de gênero masculino e feminino não são definidas de
acordo com a distinção corporal, são legitimadas de acordo com as características
psicológicas e os comportamentos sociais (ALSOP et al., 2002; SCHROEDER & ZWICK,
2004). Para tanto, de acordo com Alsop et al. (2002), as categorias de gênero masculino e
feminino não são determinadas pela natureza, são construídas socialmente e guiadas de
acordo com os propósitos do ser humano. Ou seja, o indivíduo nasce com um sexo
naturalmente definido (de acordo com sua essência biológica) e não com a sua identidade
de gênero definida. Ela é definida socialmente.
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De acordo com Schroeder (1998), entender e construir a sua identidade de gênero, é
algo parecido com o aprendizado ainda cedo. Desde o momento que nasce, a criança já
recebe dos pais vários produtos cujo simbolismo constrói e representa a sua identidade de
gênero. Produtos com uma cor específica, por exemplo, são comuns para tal designação.
Mais tarde, exposto à esses bens, o indivíduo apresenta os seus primeiros contatos com a
imposição dos códigos da cultura dominante para construção da identidade de gênero.
Homens e mulheres têm diferentes gostos e habilidades, ocupam posições
diferentes na sociedade. “De acordo com a teoria do papel social, homens e mulheres se
tornam masculino e feminino através da condição social. Nós, aprendemos o papel de
gênero que se relaciona com o nosso sexo biológico através da nossa interação com
estruturas sociais, como família, escolas, mídia, etc” (ALSOP et al., 2002, P. 67). Portanto,
é possível concluir que as identidades de gênero são construídas de acordo com
características sociais culturalmente constituídas. Os indivíduos se tornam homens e
mulheres, possuem identidades de gênero masculina ou feminina ao se tornarem membros
integrantes do processo de relação social.
De acordo com Douglas e Isherwood (2004), o mundo dos bens é repleto de
significados simbólicos culturalmente constituídos. Sendo assim, as atitudes individuais, os
discursos, todos os tipos comportamentais do ser humano são dotados de significados e,
desta forma, são importantes para a construção da identidade de gênero e
conseqüentemente para representação de um homem ou uma mulher.
A identidade de gênero, assim como todas as diversas outras identidades assumidas
pelo indivíduo, deve ser sempre reafirmada. Ou seja, o status de gênero masculino ou
feminino deve ser eternamente reavaliado e se necessário aprimorado (ALSOP et al.,
2002). A identidade de gênero tem um papel importante em como os consumidores se
relacionam com produtos, propagandas e tarefas diversas (SCHROEDER, 1998).
![Page 72: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/72.jpg)
60
3.4.1. Identidade de Gênero Masculino
A identidade de gênero masculino existe em relação ao que ela não é, ou seja, a
identidade de gênero feminino (ALSOP et al., 2002; KERFOOT & KNIGHTS, 1993).
Gutmann (1997), em seu estudo antropológico sobre masculinidade, argumenta que a
maioria dos homens em suas vidas vê a identidade masculina em oposição à identidade
feminina. Desta forma, o masculino é construído de acordo com os símbolos culturais
evidenciados e ditados culturalmente como não femininos. Assim sendo, a construção da
identidade de gênero também é fundamentada em relação a uma alteridade.
Considerando os critérios tradicionais rígidos de segmentação de mercado dentro da
área de comportamento do consumidor, é possível reconhecer que quase todos os produtos
comercializados universalmente estão sendo disponibilizados para o consumo com base no
dualismo sexual entre homens e mulheres. Ou seja, os produtos e serviços existentes hoje
no mercado global e ainda as atividades de consumo são fundamentalmente designadas
para homens ou para mulheres.
Logo, as escolhas do consumidor para com o seu objeto de consumo estão
estritamente relacionadas à identidade de gênero. Assim, o consumo de roupas, carros,
alimentos e até mesmo corte de cabelo, tudo isto contribui diretamente para a construção,
determinação e manutenção da identidade de gênero masculina.
Alsop et al. (2002) também afirma que o masculino é construído em oposição ao
feminino. Considerando os significados simbólicos culturalmente constituídos e atribuídos
aos bens, “usar rosa, ler livros de romance, carregar bebês, são símbolos culturais do
gênero feminino em uma cultura anglo-saxônica e assim sendo, são vistos como
antimasculinos” (ALSOP et al., 2002, P. 143).
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61
A identidade masculina é, portanto, construída socialmente. Muitos autores
ressaltam ainda que o masculino é tudo aquilo não é feminino.
Um ponto importante nessa discussão de identidade de gênero masculino diz
respeito a tornar relevante que a masculinidade é representada através de símbolos e
significados de acordo com a cultura local (ALSOP et al., 2002; GUTMANN, 1997).
Ainda de acordo com Gutmann (1997) e seu estudo na Turquia, a divisão do trabalho
legitima a dominação masculina. As mulheres lá sitiadas participam somente das
atividades relacionadas ao jardim, pois nas outras áreas elas devem ser deixadas de lado.
Sendo assim, algumas atitudes de “homens” determinadas em uma cultura podem não ser
as mesmas em outras. Assim como também um homem ter várias mulheres como esposas.
Os anúncios e propagandas são bastante utilizados como meios de representação do
sistema de significados culturais (McCRACKEN, 2003; SCHROEDER & ZWICK, 2004).
Eles devem ser considerados meios importantes para expressar a masculinidade e ainda
contribuir para a construção da identidade de gênero masculina. Através deles, as “normas
sociais” sobre o que é masculino e feminino são criadas, expressadas e instituídas no
ambiente.
Segundo Schroeder e Zwick (2004), os meios de comunicação ainda ajudam na
formação de subgrupos da identidade masculina como os playboys, surfistas, homens de
negócios. Ou seja, na maior parte das vezes, os meios de comunicação representam uma
das diversas identidades masculinas que são entendidas e incorporadas pelos sujeitos junto
com os seus significados simbólicos, dentro de um ambiente social.
Para Connell (2002), a identidade de gênero masculino é uma prática social. Sendo
assim, características da identidade masculina como dominação, força, são legitimadas
através de atitudes comportamentais, do discurso e das experiências vividas pelos
indivíduos do sexo masculino. Logo, ao assumir uma ocupação (profissão), por exemplo,
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62
julgada pela sociedade como feminina, os homens colocam em risco e ainda desafiam a
sua heterossexualidade (LUPTON, 2000).
Junto com a análise e o entendimento de que a identidade de gênero não é um
atributo fixo de um indivíduo do sexo masculino, é interessante observar como a
masculinidade é definida e disseminada socialmente. Segundo Gutmann (1997):
“O primeiro conceito de masculinidade assegura que é por definição,
qualquer coisa que o homem pensa e faz. O segundo é tudo que o
homem pensa e faz para ser um homem. O terceiro é que alguns
homens são intrinsecamente considerados “mais homens” do que
outros. A maneira final de se aproximar da masculinidade enfatiza a
importância geral e central das relações entre homem e mulher, e
assim, masculinidade é considerada como tudo que a mulher não é”
(GUTMANN, 1997, P. 386).
A masculinidade é, portanto, construída e redefinida dentro de um sistema através
do qual estejam lá implantadas interações sociais. Desta forma, os homens procuram
consumir produtos e serviços potenciais cujos significados simbólicos são apropriados por
eles e conseqüentemente legitimam sua identidade masculina. Produtos como carros,
cervejas, charutos, são constituídos de significados simbólicos que representam
socialmente o homem.
Scott e Robinson (2001) afirmam que a maior parte dos trabalhos realizados no
meio acadêmico sobre identidade de gênero masculino, ou ainda como alguns autores
denominam, a “era do homem” (manhood), tem o homem como um indivíduo
predeterminado a ter poder e ser altamente competitivo.
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Segundo Thompson e Holt (2004), phallus (o pênis) é uma parte anatômica do
indivíduo do sexo masculino através da qual os significados simbólicos a ela atribuídos são
efetivamente representados como uma forma de fazer masculinidade. O símbolo do phallus
significa controle, dominação, poder determinação, força, autoridade; significados esses
cuja posse representa incontestável dominância masculina na hierarquia social.
Enquanto a arma do phallus figura efetivamente a identidade masculina, o homem
com suas características de selvagem, poderoso, dominador, forte e herói, as mulheres são
representadas como domésticas, respeitadas (BELK & COSTA, 1998).
Ainda de acordo com Thompson e Holt (2004), “esse ideal efêmero e elusivo pode
ser simbolizado em artefatos materiais específicos (e, sim, partes anatômicas) mas mais
fundamentalmente ele representa o projeto da identidade masculina – uma maneira da fazer
masculinidade” (THOMPSON & HOLT, 2004, P. 316).
Em suma, o universo dos significados simbólicos do mundo dos bens,
culturalmente constituídos, influencia efetivamente as práticas de consumo do indivíduo.
Há várias evidências de que identificações com o phallus (símbolos) são mais importantes
para determinação da masculinidade do que obter objetos profanos, comuns.
Não obstante a preservação do consumo de objetos e serviços cujos significados
representam o homem, verifica-se ainda uma freqüente e forte dominação dos significados
simbólicos do phallus a serem incorporados para construção da identidade de gênero
masculino. Esta é, portanto, a formação dos indivíduos heterossexuais.
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64
4. METODOLOGIA
De acordo com Berríos (2006), notoriamente na última década, tem havido um
crescimento constante do método de pesquisa qualitativa em determinadas áreas de estudos
acadêmicos. O método qualitativo é mais precisamente usado nos estudos quando os
pesquisadores buscam descobrir como os respondentes observam o mundo.
Desta forma, assim como ressaltam Vieira (2004) e McCracken (1988), a
abordagem qualitativa garante a riqueza dos dados, a compreensão do fenômeno e
especialmente do significado que está por trás dos argumentos dos indivíduos.
Vieira (2004) ainda destaca que a pesquisa qualitativa vem historicamente sendo
mais aplicada em estudos da área de ciências sociais. Porém, nos últimos dez anos, ela vem
avançando as suas fronteiras e sendo bastante aplicada em outras áreas como sociologia,
antropologia e administração, apresentando assim diversas linhas. Gaskell (2002) também
afirma que a pesquisa qualitativa tem 25 anos e que a mesma é empregada em muitas
disciplinas na área de ciências sociais.
Na área de administração, e em especial nos caminhos percorridos pelos estudiosos
de marketing, Ayrosa e Sauerbronn (2004) argumentam que o método qualitativo tem sido
bastante usado nas pesquisas acadêmicas sobre comportamento do consumidor. Segundo
os autores, e de acordo com os estudos da área de marketing e em especial comportamento
do consumidor, “abordagens qualitativas são particularmente indicadas quando o objetivo
é interpretar fenômenos de consumo” (AYROSA & SAUERBRONN, 2004, P. 187).
No entanto, a pesquisa qualitativa é mais abrangente, seus dados são abundantes,
oferece descrições ricas de contextos locais e ainda visa ao acesso à cultura e não à
generalização, assim como o método quantitativo (McCRACKEN, 1988; VIEIRA, 2004).
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65
Ainda de acordo com Vieira (2004), a subjetividade é o motivo que gera as
freqüentes críticas (no que tange à cientificidade do método) de estudiosos da área ao
método de pesquisa qualitativa. Entretanto, as análises qualitativas são baseadas em
descrições e observações detalhadas (Vieira, 2004), que implicam a não utilização de
métodos estatísticos e rigorosos e que não geram menos rigorosidade científica se
comparado ao método quantitativo. Sendo assim, o trabalho detalhado, profundo e rico em
informações, é tão rigoroso cientificamente quanto o método quantitativo.
Sem o método qualitativo de se fazer pesquisa, não seria possível a
contextualização das informações levantadas junto a um ambiente social e cultural, pois a
ciência positivista que se contrapõe à ciência interpretativista (aqui utilizada), tem a sua
ênfase na objetividade. Portanto, esse foi um dos principais motivos que levou a autora à
escolha de tal método e também uma das razões que faz com que este trabalho tenha um
caráter interpretativo.
Autores como McCracken (2003) e Gaskell (2002) sustentam o argumento de que o
mundo social não é um mundo instituído, ele é socialmente construído. O método
qualitativo é, portanto, o ponto inicial dos estudiosos para compreender o mundo, o modo
de vida desses atores sociais (dos indivíduos que nele estão inseridos). Através da análise e
da interpretação do discurso, é possível compreender a relação existente entre os sujeitos e
o mundo social.
O presente trabalho tem como objetivo principal identificar, por meio do discurso
dos indivíduos, as práticas de consumo simbólico e sua influência sobre a formação e
construção da identidade de gênero do homem tijucano. Ao longo do estudo, esperou-se
ainda compreender as particularidades de consumo destes homens, descrevendo as
características da identidade tijucana, identificando junto a esses homens consumidores os
principais motivos que os conduzem ao consumo de um determinado tipo de produto ou
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66
serviço e não outros e também através da teoria dos significados simbólicos, analisar se
existe entre os tijucanos, a consciência do consumo simbólico. Em suma, compreender-se-
á de forma satisfatória como os indivíduos se constituem homens tijucanos.
Para definição do tipo de pesquisa utilizada neste estudo, tomou-se como base a
taxonomia apresentada por Vergara (2005). Os critérios propostos por ela são: quanto aos
fins e quanto aos meios de investigação.
Quanto aos fins, este estudo pode ser caracterizado como uma pesquisa
exploratória-descritiva de comportamento do consumidor. A classificação exploratória
pode ser justificada por uma não confirmação de estudos científicos que abordem o tema
identidade do homem tijucano e consumo, apresentando levantamentos que o presente
estudo busca realizar. Desta forma, ainda de acordo com Vergara (2005), pode-se afirmar
que existe pouco conhecimento acumulado e sistematizado e as hipóteses podem surgir
durante o período de investigação. E descritiva porque se pretende expor características de
um determinado fenômeno, e assim sendo, serão descritas percepções, significados,
símbolos, expectativas, experiências, sentimentos, hábitos, práticas e valores sociais dos
tijucanos acerca de sua identidade de gênero. Portanto, em um estudo de natureza
descritiva, o pesquisador busca observar o fenômeno, neste caso, a relação do indivíduo
com o mundo dos bens e depois interpretá-lo.
Quanto aos meios, a pesquisa é de campo através de entrevistas em profundidade,
de acordo com McCracken (1988), através das quais buscou-se levantar informações do
contexto local sobre o grupo de indivíduos que está sendo estudado.
Este trabalho buscou utilizar uma metodologia de pesquisa que permitisse o
surgimento de categorias com origem no próprio discurso dos entrevistados, as quais
posteriormente foram analisadas e confrontadas com a teoria anteriormente apresentada.
![Page 79: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/79.jpg)
67
4.1. Universo e Corpo de Dados
O universo de indivíduos desta pesquisa é constituído de heterossexuais tijucanos,
doravante homens, que afirmam: “Sou um tijucano!” (assumidamente tijucanos), com
idade acima de 22 anos, não tendo a obrigatoriedade de ter nascido e também de residir
ainda no Bairro da Tijuca. Portanto, os sujeitos da pesquisa devem se representar
socialmente como homens tijucanos. É interessante ressaltar neste momento que, de acordo
com Shoroeder (1998), alguns psicólogos concordam que a criança com idade entre 5-7
anos já possui a sua identidade de gênero bem estabelecida.
Longe de qualquer envolvimento estatístico, a seleção dos indivíduos entrevistados
se deu através do critério não probabilístico, fundamentalmente através do critério da
acessibilidade (VERGARA, 2005). Desta forma, a composição do corpo de dados estudado
se deu através de entrevistas entre informantes convenientemente relacionados.
Inicialmente obtive acesso aos respondentes através de contato com amigos, parentes, e,
posteriormente, os informantes foram estimulados a indicar outros atores-sociais que
fizessem parte do campo investigado e que poderiam contribuir com informações
relevantes para esta pesquisa.
Por se tratar de um estudo qualitativo, o conceito de amostragem, o qual garante
eficiência na pesquisa e fornece uma base lógica para tal, não se aplica nesta pesquisa
(BAUER & AARTS, 2002). O estudo qualitativo não está interessado em quantidade mas
sim na qualidade dos dados, no acesso às categorias sociais (McCRACKEN, 1988). Por
isso, é utilizado neste estudo, segundo Bauer e Aarts (2002), o conceito de corpo de dados
cujo significado consiste em um conjunto de coisas sobre o assunto. Um corpo de dados
inclui um espectro de textos dentro de um único público-alvo (BAUER & AARTS, 2002).
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68
O corpo de dados deve ser homogêneo, não podendo misturar transcrições de
entrevistas individuais com grupais, por exemplo. Neste estudo, foram realizadas somente
entrevistas individuais com o objetivo de buscar diferentes informações sobre o fenômeno
desconhecido sem que os atores sociais sofressem influências e como conseqüência
apresentassem uma ‘nebulosidade’ no seu discurso. Buscou-se, assim, através do contato
individual, minimizar esta possibilidade.
De acordo com McCracken (1988), o método quantitativo generaliza para uma
grande população. No método qualitativo, entretanto, o objetivo não é a generalização e
sim o acesso ao contexto cultural. O autor ainda argumenta que é mais importante trabalhar
profundamente com menos indivíduos do que superficialmente com grande número de
pessoas. Desta forma, é possível realizar a análise profunda em todos os dados obtidos.
McCracken (1988) afirma que “para muitos projetos de pesquisa, oito respondentes
serão perfeitamente suficientes” (McCRACKEN, 1988, P. 17). No entanto, segundo Bauer
e Aarts (2002), pouco pode ser dito com relação ao número de entrevistados, ou seja, ao
tamanho do corpus. Portanto, o número de informantes não pode ser especificado
previamente. Mas é importante ressaltar que a quantidade de dados coletados dever ser
profundamente analisada sem que fiquem informações não analisadas.
Desta forma, o número de indivíduos entrevistados não é tido como dado
fundamental para a construção do corpo de dados, mas sim, a diversidade de informações
sobre o fenômeno que está sendo estudado. Entende-se que com diferentes percepções de
mundo de acordo com cada entrevistado, será possível consolidar uma série de
informações pertinentes para o estudo. No entanto, em se tratando de um único contexto,
presume-se que existe um limite, a chamada saturação de informações e dados.
Segundo Bauer e Aarts (2002), a seleção de uma pesquisa qualitativa necessita de
um critério para finalização. Este critério de finalização chama-se saturação, ou seja,
![Page 81: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/81.jpg)
69
investigam-se diferentes objetos representativos até que a inserção de um novo não
acrescente mais informação nova. Em síntese, permanecendo todas as informações
coletadas as mesmas, não é necessária a realização de mais entrevistas.
Para tanto, foram realizadas entrevistas com vários tipos de informantes até que
tivessem sido atingidas as diferentes perspectivas de indivíduos e iniciado o processo de
repetições. Chegou-se ao número de informantes final até que nenhum tipo de informação
nova continuou emergindo.
4.2. Seleção de Sujeitos
Conforme mencionado anteriormente, para a construção do corpo de dados desta
pesquisa, foram selecionados homens heterossexuais tijucanos, com idade mínima de 22
anos, não tendo a obrigatoriedade de ter nascido e de residir ainda no Bairro da Tijuca.
Os sujeitos entrevistados foram selecionados através da técnica chamada snowball
sampling. Nessa perspectiva, um dos entrevistados indica um de seus amigos para
participar da pesquisa e o mesmo acontece com o próximo e assim por diante. É importante
ressaltar nesse momento que, através do uso desta técnica e do pressuposto de que o
primeiro entrevistado é efetivamente um homem heterossexual, a autora assumiu a
inexistência da possível homossexualidade dos indivíduos entrevistados.
Todos os entrevistados possuem o terceiro grau completo ou estão cursando a
faculdade e atuam no mercado de trabalho. Nesse sentido, foram entrevistados indivíduos
que compartilham e desfrutam das mesmas crenças, valores, interesses e significados. São
indivíduos que se identificam por meio de uma cultura local, a tijucana.
É importante ressaltar que nesta pesquisa não existe a diferença de sexo, já que o
foco de pesquisa está no que tange à identidade de gênero masculino. Todos os
![Page 82: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/82.jpg)
70
participantes eram membros de classe média e foram assegurados de sua anonimidade. No
quadro abaixo, segue a relação dos respondentes de acordo com a idade, bairro de
residência hoje, se possuem origem na Grande Tijuca e profissão.
QUADRO 1: Relação dos respondentes para pesquisa.
Respondente Idade Bairro onde
reside hoje
Origem na
Tijuca e
Grande
Tijuca?
Profissão
1 22 Tijuca Sim Estudante de
Direito
2 38 Tijuca Sim Empresário
3 34 Tijuca Sim Militar
4 30 Barra da Tijuca Sim Representante
de Laboratório
5 41 Humaitá Sim Designer
6 44 Tijuca Sim Militar
7 45 Tijuca Sim Administrador
8 24 Tijuca Sim Professor de
Matemática
9 46 Tijuca Sim Engenheiro
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4.3. Coleta de Dados
Para Berríos (2006), os pesquisadores qualitativos devem prestar mais atenção no seu
foco de pesquisa, incluindo como as pessoas se apresentam, quais são os seus sentimentos
e como se relacionam com o mundo dos bens. Principalmente através da observação dos
relatos e da interpretação. Como meio de coleta de dados desta pesquisa, optou-se pela
entrevista longa em profundidade de acordo com McCracken (1988). Para este autor, “a
entrevista longa é um dos métodos mais eficientes no arsenal qualitativo” (McCRACKEN,
1988, P. 9).
A escolha da entrevista pessoal longa em profundidade se deu devido ao fato da
mesma apresentar algumas vantagens especiais, principalmente sobre a entrevista em
grupo. A entrevista pessoal longa, por exemplo, gera uma relação mais aberta entre o
informante e o investigador, uma vez que o respondente pode se sentir mais à vontade para
responder perguntas as quais o tornasse tímido perante um número maior de pessoas. Ela
também proporciona ao respondente o relato de sua história com as suas próprias palavras,
sem que, ninguém o interrompa e influencie o seu discurso. Gaskell (2002) ainda ressalta
que através da entrevista individual, é possível perceber detalhes ricos sobre as
experiências individuais. Desta forma, é possível obter dados de forma abundante.
Segundo McCracken (1988), o método da entrevista longa em profundidade, pode
fazer com que o indivíduo situe tudo em um contexto social e cultural. E esse aspecto é
particularmente importante nesta pesquisa, uma vez que os significados simbólicos são
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72
socialmente construídos e fazem parte da pergunta e do objetivo de pesquisa apresentados
respectivamente nos itens 1.1 e 1.2.
De acordo com McCracken (1988) e Gaskell (2002), a entrevista longa é um
método que possibilita ao entrevistador a compreender o mundo dos indivíduos que estão
sendo entrevistados. É também um método por meio do qual o entrevistador consegue se
inserir no mundo mental dos atores sociais, compreendendo de forma profunda as
perspectivas dos informantes no que tange às suas experiências de vida, opiniões, valores e
crenças (TAYLOR & BOGDAN, 1984). No mundo da vida dos informantes, o
entrevistador pode se tornar mais consciente sobre as experiências diárias do indivíduo que
está a sua frente.
O objetivo da entrevista qualitativa nesta pesquisa está, portanto, em buscar uma
descrição detalhada do contexto estudado, o mundo dos significados simbólicos
socialmente construídos dos homens tijucanos. Identificando aspectos como as suas
atitudes individuais e diárias, hábitos de consumo, opiniões, valores, crenças, experiências
vividas no passado e entre outras características que vêm à tona quando se busca explorar
um contexto social específico como este.
Por isso, o foco principal da entrevista será compreender a relação existente entre o
sujeito e o objeto de consumo, interagindo junto com a construção da identidade de gênero.
A escolha deste tipo de metodologia deriva desta forma, de acordo com McCraken (1988),
Gaskell (2002) e Taylor e Bogdan (2002), do fato destes pesquisadores julgarem a
entrevista em profundidade como uma das melhores técnicas para compreensão de
assuntos mais subjetivos e de característica ágil. Sendo assim, não há como trabalhar com
entrevistas fechadas ou levantamento, por exemplo.
De acordo com a utilização deste método, será possível gerar informações de
extrema importância para análise das entrevistas e conclusão do trabalho.
![Page 85: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/85.jpg)
73
Sobre esta metodologia, apesar de muitos autores ressaltarem que o informante tem
total liberdade para discursar e relatar o seu mundo de vida, a entrevista longa demanda um
questionário ou roteiro de perguntas abertas e não direcionadas, o qual exercerá um papel
de guia para o investigador. Desta forma, foi desenvolvido um roteiro de perguntas (anexo
2), preparado para somente ajudar na direção da conversação, não deixando que o
respondente se perca do foco da pesquisa. Em outras palavras, o indivíduo obteve
liberdade para expressar seus sentimentos e seus anseios, ocorrendo interferências por
parte do pesquisador somente quando julgou-se necessário, para maximização do tempo.
É importante ressaltar que o roteiro utilizado sofreu algumas modificações durante
as primeiras entrevistas até que fosse possível chegar à sua versão final.
Ao longo das entrevistas não existia a obrigatoriedade de seguir as perguntas
exatamente como estavam descritas. Pois muitas vezes as inquietações da pesquisadora
emergiam do discurso do respondente. Foi interessante observar que durante as entrevistas,
os respondentes se mostraram bastantes surpresos com o tipo de pesquisa e interessados
em fazer com que a pesquisadora entendesse mais profundamente sobre a cultura tijucana.
Segundo McCracken (1988), o questionário tem várias funções e nesta pesquisa, ele
também foi utilizado com o objetivo de cobrir todos os aspectos com todos os
respondentes. Como é possível perceber no anexo dois, as primeiras perguntas são de
cunho introdutório, como uma apresentação do indivíduo entrevistado (perguntas sobre a
vida particular de cada um). Logo em seguida, foram selecionadas perguntas de
aproximação e desenvolvimento e mais tarde um fechamento.
As entrevistas foram realizadas em locais de conveniência para os entrevistados e,
portanto, realizadas em diversos locais do Rio de Janeiro. Todas as entrevistas foram
gravadas digitalmente com permissão dos respondentes e mais tarde foram submetidas a
transcrições para uma melhor análise e interpretação dos dados. Segundo McCracken
![Page 86: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/86.jpg)
74
(1988), a transcrição das entrevistas fornece ao pesquisador uma familiaridade com os
dados e é importante para o processo de análise.
As transcrições foram importantes no momento da análise, junto com as entrevistas
gravadas, para que fosse possível perceber categorias importantes nesse processo de
construção do homem através do consumo e ainda retornar à teoria.
Foram entrevistados homens tijucanos até que não surgisse nenhum tipo de
informação nova, ou seja, ocorresse o que se chama saturação, conforme Bauer e Aarts
(2002). Desta forma, utilizou-se do critério da finalização até que a inserção de um novo
informante não acrescentou novas informações. Ainda acreditou-se na finalização uma vez
que se julgou ter entrevistado um escopo de informantes bom no que tange à
heterogeneidade de idades. Pois fato é que existe o interesse na construção de identidade
de gênero e percebeu-se então que o estudo de diferentes percepções ao longo dos anos
seria de extrema importância para a validade da pesquisa e para a mesma não se tornar
tendenciosa.
Desta maneira, entende-se aqui, como meio de coleta de dados, a entrevista longa
individual qualitativa um instrumento ágil o qual captura dados relevantes para o melhor
entendimento das experiências de vida dos respondentes. Gaskell (2002) afirma que “toda
pesquisa com entrevistas é um processo social, (...) em que as palavras são o meio
principal da troca” (GASKELL, 2002, P. 73).
4.4. Tratamento de Dados
Como forma de tratamento dos dados foi realizada a análise de discurso. Buscou-se,
desta forma, compreender e interpretar os dados subjetivos inseridos no mundo de vida dos
informantes, os pontos de vista dos respondentes sobre o mundo.
![Page 87: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/87.jpg)
75
Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, o que é importante para o
processo de análise dos dados. De acordo com Vergara (2005), durante a fase de
tratamento dos dados, o pesquisador deve ter a capacidade de ir além das palavras,
compreender as expressões, os pensamentos e as contradições expressas pelos informantes.
A pesquisa qualitativa tem o objetivo de não contar categorias de opiniões, porém explorar
as opiniões, as representações sobre o tema estudado, afirma Gaskell (2002).
Como forma de análise e tratamento dos dados, a autora utilizou um software de
análise de dados qualitativos, o QSR NVIVO 7.0. Este último trata-se de um método
recente de análise qualitativa, contendo inovações tecnológicas, as quais permitem aos
pesquisadores diferentes maneiras de administrar, categorizar e analisar os dados
coletados. Com o uso do NVIVO, é possível criar inúmeras categorias, descrevê-la,
ressaltar o trecho em destaque, inserir comentários sobre o mesmo e ainda realizar análise
de dados entre categorias. Através do software, é possível visualizar em um arquivo
quantos trechos foram categorizados e quais foram eles. Como forma de consolidação dos
dados, o NVIVO permite que o usuário tenha tudo que foi realizado. Como por exemplo, é
possível imprimir um único arquivo em word com todas as categorias e os trechos nela
inseridos, os comentários, as referências. O processo de análise dos dados foi portanto
realizado através do software NVIVO da seguinte maneira: foram inseridos os arquivos
com as entrevistas transcritas e no momento em que começou a ser realizada a análise dos
dados, as categorias começaram a emergir e a serem detalhadas. Os trechos eram
destacados, categorizados e comentados. Ao mesmo tempo também eram realizadas
análises entre categorias, o que fez com que algumas categorias fossem ignoradas ao longo
do caminho. E esse processo de realização do trabalho se sucedeu até que as informações
foram se tornando saturadas, finalizando assim a análise com o consolidado. Conclui-se
![Page 88: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/88.jpg)
76
desta forma, que o programa possibilitou uma maior eficiência no processo de
levantamento das categorias e análise do discurso.
Bauer (2002) ressalta que a análise de discurso trabalha tradicionalmente com
materiais escritos, como por exemplo, jornais, revistas e textos que foram produzidos ao
longo das entrevistas assim como as transcrições. Segundo Gill (2002), análise de discurso
é o nome dado à uma variedade de enfoques nos estudos de textos. “Estritamente falando,
não existe uma única ‘análise de discurso’, mas muitos estilos diferentes de análise, e todos
reivindicam o nome” (GILL, 2002, P. 244). Mas ainda de acordo com a autora, o que elas
tem em comum e que são a base de seus estudos é uma rejeição da noção realista de que a
linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir ou descrever o mundo, e sim uma
convicção de que o discurso é de fundamental importância para a construção da vida
social. Desta forma, a análise de discurso é importante para o tratamento dos dados em
diferentes disciplinas.
Portanto, a análise do discurso está baseada no interesse e no compromisso de
explorar a construção social. Isso significa que analisar o discurso, ver a linguagem como
meio de expressar os valores, as crenças e como meio de construir uma cultura, a vida
social é estar interessado no conteúdo, em explorar o mundo culturalmente construído.
Segundo Gill (2002), os analistas vêem o discurso como uma prática social. Ressalta que
os indivíduos constroem o discurso para se ajustarem ao contexto social. Sendo assim, para
Gill (2002), o discurso é uma prática social.
Logo, a análise de discurso é uma forma de tratamento de dados desta pesquisa e
julgou-se adequada uma vez que, de acordo com Gill (2002), a decisão de usar a análise de
discurso impõe uma mudança epistemológica radical. Pois sua base epistemológica é
bastante diferente das outras metodologias, deixando de lado a positivista e instituindo o
construtivismo.
![Page 89: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/89.jpg)
77
O interesse desta pesquisa está nos textos e por isso as perguntas abertas. A
adequação do método fica evidente no caso do estudo dos homens tijucanos partindo do
ponto em que o interesse não é por que eles se tornaram homens tijucanos e sim como isso
foi sendo construído em suas vidas, como isso é legitimado, como as suas identidades de
gênero são formadas. “Fazer uma análise de discurso muda fundamentalmente as maneiras
como nós experenciamos a linguagem e as relações sociais” (GILL, 2002, P. 253).
O primeiro passo da análise de discurso dos textos gerados com as entrevistas é a
transcrição. Assim como qualquer outro processo de análise, os analistas de discurso
devem analisar os dados profundamente. Após a transcrição, foram identificadas no
conteúdo informações e características que significam a Tijuca e o tjucano. Mais tarde,
através de uma análise mais sofisticada, foram identificadas categorias, permitindo a
análise profunda.
Gill (2002) e Fairclough (2003) argumentam que da mesma maneira que os
analistas de discurso estão atentos ao emprego da linguagem, devem também prestar
atenção ao silêncio e no processo interativo, no que está por trás das conversas. Porém, o
conhecimento do contexto social deve ser amplo. O interesse do analista de discurso não é
na atitude individual de ser tijucano e sim em como a identidade de homem tijucano foi
construída socialmente.
É importante abordar que no item análise das entrevistas, o conteúdo analisado será
confrontado com o referencial teórico anteriormente estudo para realização da presente
pesquisa.
![Page 90: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/90.jpg)
78
4.5. Limitações do Método
Conforme mencionado por Vergara (2005), todo método apresenta limitações e
possibilidades. É importante ressaltar neste momento que o presente trabalho detém
algumas falhas relacionadas à subjetividade das informações e generalização das mesmas
como conclusão.
Sobre o corpo de dados utilizado, a pesquisadora trabalhou com indivíduos de
perfis e idades distintas. Assim sendo, vale destacar que o universo estudado pode ser tido
como não tão representativo para a pesquisa. Em contrapartida, esta é uma possibilidade de
perigo a qual todo processo de investigação está exposto.
Na pesquisa qualitativa, o investigador serve como um instrumento de coleta e
análise dos dados (McCRACKEN, 1988). O autor ainda afirma que o investigador não
pode suprir os objetivos da pesquisa sem usar sua experiência e imaginação para encontrar
o dados desejados. No que concerne à veracidade das informações, a entrevista pessoal em
profundidade pode sofrer influências por parte do pesquisador de acordo com a sua
habilidade interpretativa para abordar o tema estudado. Apesar de o pesquisador buscar
exercer um papel neutro durante o processo da entrevista e também no momento da
análise, estar despido de teoria pode direcionar o olhar do pesquisador para uma vertente e
desviá-lo de algo que seja importante para compreensão do fenômeno.
A informação fornecida pelo informante pode não ser verdadeira. Em momentos de
tensão, alguns entrevistados tendem a racionalizar as suas respostas. Além disso, as
informações também podem ser omitidas, uma vez que os respondentes podem, em alguns
instantes, possuir o sentimento de constrangimento. O que, de certa forma, pode-se
considerar um obstáculo relevante para compreensão do fenômeno e mascarar o resultado
da pesquisa. Portanto, o pesquisador, através deste método, deve buscar a todo o momento
![Page 91: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/91.jpg)
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descobrir as diferentes perspectivas e os diferentes pontos de vista que existem sobre fato
estudado (GASKELL, 2002).
Neste sentido, esta pesquisa traz uma primeira contribuição para o conhecimento
dos temas: construção de identidade e consumo. Ou seja, a construção da identidade do
homem tijucano através dos significados simbólicos que estão por trás das suas práticas de
consumo. Portanto, esta pesquisa, através do uso de uma metodologia qualitativa
interpretativista, conseguiu desvendar aspectos quão subjetivos (através da interpretação
dos significados embutidos nos discursos) que talvez as pesquisas de marketing
relacionadas ao comportamento do consumidor não conseguiriam. Desta forma, acredita-se
que este estudo possa servir de base para pesquisas futuras sobre aspectos específicos
relacionados ao tema.
![Page 92: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/92.jpg)
80
5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Este capítulo é destinado à análise das entrevistas e discussão dos resultados. Nesta
seção, serão analisados os discursos dos entrevistados e ressaltados trechos mais relevantes
das entrevistas como forma ilustrativa e de suporte para as categorias que serão
apresentadas, as quais emergiram durante a pesquisa. Durante o processo de análise, as
informações obtidas foram categorizadas.
Desta forma, ocorrerá uma comparação constante entre a teoria anteriormente
estudada e a utilização do mundo dos bens feita pelos homens da Tijuca. Portanto, buscou-
se observar nos discursos dos entrevistados como se dá esse processo de formação e
construção social do homem tijucano através do consumo. Em outras palavras, por meio
das categorias, será possível relatar um pouco da história sobre como os bens e serviços
ajudam esses entrevistados a serem homens tijucanos.
Levando em conta o referencial sobre consumo simbólico e a construção de
identidade social, foi explorado mais especificamente como o indivíduo utiliza o mundo
dos bens (produtos e serviços), e conseqüentemente os significados simbólicos a eles
relacionados, para aceitação e legitimação da identidade social.
De acordo com Schroeder (1998), a construção de gênero é absolutamente
influenciada pelas atividades de consumo do indivíduo. Assim, as escolhas do consumidor,
tais como produtos, serviços e propagandas, refletem as identidades de gêneros e interagem
com elas.
Conforme apresentado anteriormente, foram entrevistados nove homens
heterossexuais assumidamente tijucanos, oriundos de classe social média-alta, média, e,
cada entrevista teve duração média de 75 minutos. As entrevistas foram realizadas durante
o mês de janeiro de 2007. Logo, durante esse período de tempo e de acordo com o objetivo
![Page 93: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/93.jpg)
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principal deste trabalho, buscou-se compreender de que maneira homens heterossexuais
tijucanos constroem a sua identidade de gênero através dos significados simbólicos dos
produtos que consomem.
Em um primeiro momento da entrevista, buscou-se verificar o que é o bairro da
Tijuca para o tijucano, para o morador do bairro. Buscou-se identificar o que é ser tijucano,
ou seja, a identidade tijucana de acordo com o próprio tijucano. Os entrevistados nesse
momento, portanto, faziam descrições sobre o ato de ser tijucano, demonstrando a sua
relação com o bairro, ou afastamento de outros locais, consumo de alguns produtos e
serviços que o bairro pode oferecer. Logo em seguida, ao serem questionados sobre serem
tijucanos ou não, foi possível perceber uma certa ambivalência quanto à definição da
identidade tijucana.
Em uma segunda fase do processo da entrevista, o objetivo foi compreender,
através do consumo, como esses homens definiram a sua identidade de gênero na Tijuca,
como se deu a sua história de vida. Através do consumo de produtos, serviços e locais eles
se identificam como homens tijucanos, como é a sua relação com o mundo dos bens, com
os outros bairros inseridos na Grande Tijuca. Buscou-se identificar qual o comportamento
de consumo deste indivíduo para construção e reforço desta identidade social. Após ter
superado essas etapas das entrevistas e analisá-las, foi possível verificar uma linha de
comportamentos entre os tijucanos para construção da sua identidade de gênero.
Antes de apresentar efetivamente as fases do processo de formação do tijucano e
estender essa discussão, torna-se necessário destacar e expor para o leitor o que é
fundamentalmente a identidade tijucana. Neste momento, será apresentado o que é ser um
tijucano de acordo com as perspectivas de um tijucano. Sendo assim, nos próximos
parágrafos, será apresentado de maneira concreta algumas interpretações sobre esse
personagem.
![Page 94: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/94.jpg)
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Durante as entrevistas, foi possível perceber que todos os entrevistados, ao serem
questionados se eram indivíduos tijucanos, revertiam o questionamento e realizavam a
seguinte pergunta à entrevistadora: “Depende. O que é ser um tijucano para você?”.
Portanto, nesse momento, entende-se que, aparentemente, a identidade tijucana tenha
vários significados, uma vez que essa foi uma reação pertinente em grande parte dos
discursos dos entrevistados. Desta forma, julgou-se necessário destacar alguns momentos
nos quais os sujeitos tijucanos evidenciam que sejam indivíduos tijucanos.
O primeiro ponto que aparece recorrentemente nos discursos dos entrevistados
sobre ser tijucano é o fato de existir o consumo de locais urbanos como shoppings, clubes e
serviços lá presentes. Ou seja, é se definir de acordo com a cultura, fazer parte dela e ter
orgulho, sustentar um estilo de vida particular, se tornar membro do grupo social e ter
conhecimento de códigos locais. São exemplos de tais procedimentos ir ao Maracanã,
freqüentar o restaurante La Mole, o Tijuca Tênis Clube.
“Entrevistadora: Então, ele já se tornou um tijucano, digamos assim?
Respondente: Já totalmente!!! Joga tênis no clube, pedala pela Tijuca...”.
“Está aí, o tijucano é salgueirense, tijucano mesmo, eu sou salgueirense”.
“Assim, a minha experiência é uma pessoa família, a grande maioria das pessoas que eu
conheci morava em casa, entendeu, tem o maracanã que é de lei, até hoje eu vou. É o cara
que gosta de lavar o carro fim de semana, lavar o quintal de casa, ter cachorro, eu sempre
tive cachorro, a experiência que eu tenho justamente por morar em casa, os vizinhos se
falarem, freqüentarem a casa dos vizinhos, até hoje eu freqüento casa dos vizinhos”.
![Page 95: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/95.jpg)
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“O famoso La Mole da Tijuca, quem mora na Tijuca e nunca almoçou ou jantou no La
Mole não é tijucano. Você pode perguntar para qualquer um com certeza. Quem mora na
Tijuca há muito tempo com certeza já almoçou ou jantou lá um dia. É um restaurante que
ainda é barato, mas já foi mais barato. Eu acredito que se você falar La Mole da Tijuca, é
coisa de tijucano”.
“(...) quase todo tijucano, acho que 99% do tijucano conhece que é a rua que tem o La
Mole, é a Marques de Valença”.
Tendo como base este último relato destacado, é possível afirmar que a relação
existente entre o tijucano e o La Mole é absolutamente simbólica. Consumir o restaurante e
conseqüentemente os seus significados simbólicos significa legitimar a identidade tijucana
uma vez que o La Mole é um lugar importante e representativo do bairro. Suas práticas são
culturalmente definidas e, por isso, a realização delas definine e faz parte da formação do
tijucano.
É possível perceber que, na opinião dos entrevistados, o tijucano é legitimado pela
permanência no bairro. Portanto, o consumo do bairro é muito importante para ser fazer
um tijucano. No que tange ao consumo de bens, o tijucano não busca alternativas de
consumo: ele é realizado no próprio bairro. Para o tijucano, o projeto de se mudar da
Tijuca significa “melhorar de vida”. Porém, muitas vezes, isso é deixado de lado, pois
mudar-se da Tijuca significa deixar de lado todos os benefícios de vida lá encontrados
como tranqüilidade, comércio local, facilidade de transporte, proximidade com o centro da
cidade e com familiares.
“Mas eu acho que o tijucano tem isso, o tijucano é preso ao bairro”.
![Page 96: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/96.jpg)
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“Essa coisa de morar na Tijuca, de fazer tudo por aqui”.
“É um pessoal que tem orgulho de dizer que mora na Tijuca, principalmente quem nasceu
lá, os filhos estudam lá, constroem a vida ali”.
“Eu acho que o tijucano é mais do que homem ou mulher, é um estado de espírito, é um
jeito de ser”.
Portanto, ser tijucano como um “jeito ser”, como este entrevistado mesmo coloca,
significa construir essa identidade de acordo com o comportamento, com as suas atitudes,
com a assimilação cultural, através do consumo dos locais cujo código é referente ao grupo
tijucano.
Ser tijucano também é ter uma relação de intimidade com o mundo dos bens
existente na Tijuca.
“É fazer compras na Tijuca”.
“Então, o típico tijucano talvez seja esse cara, o bairrista mesmo, que adora o bairro,
(...)”.
Neste caso, de acordo com os trechos ressaltados dos discursos, os tijucanos
apresentam um pouco sobre o que é ser um tijucano para os outros atores sociais oriundos
de uma cultura não tijucana. Ressaltam os valores atribuídos ao bairro de uma forma geral,
![Page 97: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/97.jpg)
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e a importância destes em suas vidas. Ainda apresentam de forma explícita o orgulho da
particularidade do nome referenciando a origem, o gentílico.
“(...) é o termo que identifica as pessoas que tem orgulho de morar na Tijuca né? Talvez
seja o único bairro que tenha esse termo (...)”.
“Eu acho legal que é uma identidade nossa, você fala que é tijucano é uma identidade
legal”.
Se apropriar deste adjetivo é algo que envolve sentimento. Ser tijucano, comunicar
isso para os outros, é motivo gerador de orgulho do bairro da Tijuca e de tudo que está
diretamente relacionado a ele. O orgulho do termo induz a pesquisadora a julgar esse
sentimento como vaidade também.
A seguir, serão apresentadas as fases do processo de formação do homem tijucano.
Nesse momento, serão destacadas as principais categorias identificadas de acordo com o
processo de construção da identidade do homem tijucano através do consumo dos
significados simbólicos dos bens que consomem.
5.1. A construção do homem tijucano
Essa primeira fase no processo de formação do homem tijucano consiste na
consciência da identidade de gênero masculino e da identidade local. Ou seja, nesse ponto
das entrevistas, os respondentes se encontraram em um momento de reflexão sobre o
passado, momento na vida desses indivíduos que eles começaram a se sentir efetivamente
![Page 98: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/98.jpg)
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mais homens tijucanos, quais eram os seus comportamentos, como era a relação com o
mundo dos bens.
• Definição da masculinidade e da identidade local
Segundo Schroeder e Zwick (2004), as identidades de gênero, masculina ou
feminina, de acordo com suas representações e práticas de consumo, promovem um
sistema de diferenças. Desta forma, a construção da identidade masculina se dá através de
relações sociais, práticas de consumo, comportamento, modo de vestir, de pensar, de falar.
Sendo assim, é importante analisar como isso se deu na vida dos participantes da pesquisa.
O bairro da Tijuca e o tipo de comportamento que ele pode proporcionar ao
morador é muito importante para definição da masculinidade do tijucano. A primeira
referência que aparece nos discursos dos entrevistados acompanhada de sentimentos de
satisfação e orgulho é a brincadeira de rua, considerada por eles “coisas de homem”, pois
existiam grupo de amigos, atividades e hábitos de consumo particulares.
Para Connell (2002) a identidade de gênero masculino é uma prática social. Sendo
assim, características da identidade masculina como dominação, força, são legitimadas
através de atitudes comportamentais, do discurso e das experiências vividas pelos
indivíduos do sexo masculino. Portanto, a identidade masculina é construída social e
culturalmente. A identidade é construída em relação à sua alteridade, ao que ela não é.
“Eu era muito ligado a esporte, eu nadei, eu fiz natação no Tijuca até os 15 anos de idade
(...) aí eu saí da natação com 15 anos, saí até numa fase boa da minha carreira, e fui pro
Voleibol dentro do Tijuca mesmo (...)”
![Page 99: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/99.jpg)
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“Coisas de homem? Jogar bola. Quando eu tava de férias eu ia para o Tijuca de manhã,
para a piscina com 4 amigos meus, aí a gente saía da piscina, ia em casa cada um
almoçava, ia para o Tijuca ficava jogando bola a tarde inteira. Só homem! E ia para a
casa do outro ficar jogando vídeo-game. Esse grupo só de homem”.
É interessante observar neste momento a existência de um local importante para
definição da masculinidade dos entrevistados. O Tijuca Tênis Clube é um dos clubes mais
antigos do bairro e que carrega com o nome o tradicionalismo do bairro. Foi possível
perceber a importância significativa do clube uma vez que, de acordo com os relatos dos
informantes, era esse o espaço no qual eles brincavam, faziam amizades, conheciam
meninas (oposição), praticavam esportes de caráter culturalmente masculinos. Enfim,
construíam as suas identidades de gênero.
“Mas era essa coisa de garoto, eram brincadeiras, ir a festinhas, ver as meninas,
paqueras. Inclusive no prédio que eu morava na José Higino, a gente montou um clube
que dava festa todo sábado, todo sábado tinha festa, chamávamos uma galera (...)”.
Bauman e Vecchi (2005) destacam que a maneira de pensar, agir são cruciais para
definição de sua identidade. Portanto, as suas práticas de consumo e de comportamento
estão intimamente relacionadas à sustentação e representação da sua identidade de gênero,
a sua masculinidade.
A masculinidade pode ser definida com práticas como jogar futebol, vídeo-games.
Enfim, práticas cujos significados representam masculinidade e não feminilidade. São
hábitos e realizações que confirmem os significados instituídos pela sociedade.
![Page 100: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/100.jpg)
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“Tem uma brincadeira (...) ‘Declaro Guerra’, cada um ficava num quadrado no pátio,
cada um ficava num quadrado aí você jogava um giz no cara e se acertasse
ele você dominava o território dele, era um jogo de garoto que a gente fazia naquela
época”.
Jogo de homem, que, segundo o entrevistado, caracterizava o seu grupo de amigos.
É interessante notar como as brincadeiras de criança são ressaltadas nos relatos. Os
entrevistados se referem às mesmas com uma conotação absolutamente positiva e segura
com relação à referência do gênero.
“Vamos dizer até a adolescência jogava bola na rua, jogava taco, ia brincar com os meus
amigos que tinha uma galera grande”.
“É na rua, latinha de óleo, pedaço de madeira, você não vê em Ipanema, você não vê no
Leblon. Por exemplo, as férias do pessoal da Tijuca (...). Tinha muito mais casas na Tijuca
que em Ipanema, as ruas com residências com casas faz com que as pessoas nas férias vão
para rua que fique o dia inteiro na rua volte de noite. Ipanema não, você vai a praia e tal,
aí depois você vai a um barzinho, aí fica em casa na internet”. (idade: 30 anos)
Portanto, todo esse discurso de satisfação e orgulho da infância na Tijuca, ressalta a
percepção de posses e comportamentos distintos aos de outros indivíduos oriundos de
outros bairros do Rio de Janeiro. Os relatos descrevem a sensação de práticas não
generalizáveis e, portanto, da construção de uma identidade local, tijucana. Ressaltam
![Page 101: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/101.jpg)
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desta maneira a consciência da diferença entre um indivíduo morador da Tijuca e outro
morador de Ipanema, Leblon.
Brincar na rua, jogar futebol, taco com os amigos foram comportamentos
importantes para definição da masculinidade dos entrevistados. No período de suas vidas,
próximo aos 10 anos, relacionado especificamente à infância, não foi possível perceber a
presença de produtos e serviços específicos que determinam essa masculinidade e
comunicam para os outros. O que importava para os respondentes, na época, eram as
brincadeiras na rua ou no clube com o grupo de amigos homens. Exatamente como um dos
entrevistados se refere: “eram coisas de garoto”.
Porém, mais tarde, próximo aos 15, 16 anos, eles começam a aparecer. O Bob´s da
praça Saens Peña é um exemplo. É possível notar que nesse momento, com idade entre 13-
16 anos, o consumo de locais específicos no bairro começa a aparecer e a se tornar
importante para os entrevistados. Em um dos relatos, a praça Saens Peña era um espaço
utilizado por um entrevistado e amigos para se encontrarem com outros grupos e ainda
ficarem flertando com as meninas:
“Então nesta época precisamente assim, eu classifico dos dez aos dezesseis anos
basicamente o que eu mais fazia era brincar na rua ali pelas imediações, quando comecei
a ficar um pouquinho mais velho comecei a, aí tipo a minha mãe começou a dar um
dinheiro sei lá para você fazer um lanche com os amigos. Então eu ia muito no Bob’s, no
drive through (...) eu fiquei muito tempo neste esquema de passear na pracinha, jogar bola
na rua e tal”. (idade: 24 anos)
É importante notar que nesse período de vida dos entrevistados o consumo de locais
significantes para o bairro começou a se proliferar. Esses meninos tijucanos começaram a
![Page 102: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/102.jpg)
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perceber a necessidade de terem os primeiros contatos e consumir locais específicos para
se identificarem com o seu grupo social. E ainda era importante representar, firmar para
outros atores sociais a sua identidade, ou seja, quem ele era (Hall, 2002). Portanto, com o
intuito de atingir objetivos como inserção e se definir socialmente, os sujeitos passam a
consumir esses espaços os quais estão carregados de significados simbólicos.
• Praça Saens Peña
A Praça é um termo êmico que emergiu ao longo das entrevistas, o qual simboliza a
mais famosa praça do bairro da Tijuca, a praça Saens Peña. Para os tijucanos, a Praça
possui infinitos significados e foi um local de suma importância para a história do bairro. O
local ficou conhecido como símbolo de lazer, entretenimento, comércio, enfim, atributos
estes que muitos ainda caracterizam a Praça. Neste caso, a praça e o tradicionalismo nela
instituído podem ter grande importância na formação do homem tijucano. Desta maneira, o
consumo freqüente deste espaço e conseqüentemente de seus significados simbólicos,
traduzem a construção da identidade local, e um forte reforço da representação tijucana.
“Eu saía muito pela Tijuca mesmo, pela dificuldade de não ter carro, saía muito, saía na
Praça Saens Peña, a gente ficava na Praça Saens Peña ali de bobeira tomando uma
cerveja, comendo um cachorro quente, entendeu?”. (idade: 41 anos)
“Tinham diversos cinemas de rua ali na Praça Saens Peña, tinham diversos e a gente ia
muito em cinemas de rua porque não tinha muito shopping né? Eu ia ali, costumava
namorar ali. Sempre ia ao cinema com a menina para beijar a menina, dentro do cinema e
![Page 103: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/103.jpg)
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tal naquela fase e depois ia para a Praça tomar um sorvete no Bob’s ou no Mcdonald`s”.
(idade: 34 anos)
“Costumava ir pra Praça, mas a gente ia basicamente para o cinema direto, tinha muito
cinema aqui, muitas opções de cinema, então a gente escolhia o filme que ia ver, e ia pra
Praça Saens Peña ver filme, aí saía e basicamente era o Bob’s porque era o único fast-
food da época, a gente ia ao Bob’s e ia pra casa”. (idade: 45 anos)
“Eu ia andando ali e chegando na praça tinha o (...) e chegando ali, não sei se você se
lembra da rua das flores? Ali na praça que tinha um cinema de cada lado? Eu ia muito
para ali, toda sexta praticamente eu ia com os meus amigos. Meus amiguinhos ali da rua
os quais também eram do mesmo colégio a gente ia muito naquele cinema que tinha ali na
praça. Praça Saens Peña especificamente, o que tinha para eu revirar ali a gente fazia
nessa idade”. (idade: 24 anos)
Os cinemas da praça eram locais de lazer para os jovens tijucanos na década de 80.
Era importante para eles ainda naquele momento o consumo do Bob’s. Esses foram assim
espaços importantes com os quais estes respondentes construíram uma relação e logo
depois buscaram alcançar uma representação social através do consumo dos significados
simbólicos neles inseridos.
Toda e qualquer sociedade faz o uso do universo material para se reproduzir física e
socialmente. Alguns autores como McCracken (2003) afirmam que locais e produtos são
carregados de significados sociais e, portanto, ao consumí-los, o ser humano encarna
mensagens. Desta forma, assim com relatam os informantes, locais de tradição no bairro da
![Page 104: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/104.jpg)
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Tijuca, importantes para os tijucanos, são locais repletos de significados locais, de
expressão da cultura tijucana.
Com isso, de acordo com essas passagens, o consumo do grupo de amigos desses
locais, em especial a Praça e o restaurante fast-food Bob’s, revela a identificação e, nesse
caso, quando mais jovem, são locais de referência, primeiro contato com a cultura e,
portanto, a aproximação com os símbolos ocorre.
O consumo desses locais e desse serviço é essencial para a assimilação cultural,
construção e reforço da identidade de um homem tijucano.
Nesse mesmo momento da entrevista, foi possível perceber que a Praça Saens Peña,
antes da inauguração do Shopping Tijuca, era o comércio local. Além de ser um espaço de
extrema importância para o bairro, de disseminação da cultura tijucana, é também um dos
locais mais importantes de comércio.
“(...) local para comprar, a praça Saens Peña é um troço que pulsa muito, tem um
comércio muito forte, comércio tradicional, tem metrô que é uma coisa fundamental na
nossa vida hoje”.
Portanto, o consumo desses locais e desses serviços, são essenciais para a
assimilação dos códigos culturais e início da construção de identidade de um homem
tijucano.
• Shopping Tijuca – Templo para o tijucano
O Shopping Tijuca é um espaço físico direcionado ao consumo, mas é para o
tijucano um universo, uma construção no bairro repleta de significados simbólicos. O
![Page 105: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/105.jpg)
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shopping, inaugurado em 1996, não é apenas consumido pelos tijucanos para as compras
(troca econômica), o lazer, a praticidade, o ver e ser visto, a manifestação cultural e o
aprendizado da cultura local, são práticas comportamentais também associadas ao
shopping. Portanto, o Shopping Tijuca, o templo do tijucano, é repleto de significados
simbólicos importantes para formação do tijucano.
Produtos que compramos, atividades realizadas, leituras, crenças, idas à cafés,
restaurantes, bares, tudo que consumimos e fazemos estarão de certa forma dizendo para os
outros quem nós somos e com quem nos identificamos, à que grupo social pertencemos e
ao mesmo tempo rejeitamos (DORAN, 1997; HYATT, 1992; PIACENTINI & MAILER,
2004; WATTANASUWAN, 2005).
“Agora, o que eu fazia? Ah, ia para o shopping. Você não tinha o que fazer, você ia para o
shoppping dar uma volta com os seus amigos. Sentava numa mesinha, pedia um lanchinho
do Bob’s e ficava conversando numa sexta-feira à noite. E, então tinha, sexta-feira à noite
ia para o shopping. Você sentava na mesinha, ficava conversando, todo mundo ficava em
pé conversando, você acabava conhecendo gente de outro colégio, aí você conhece uma
menina ou outra, sai (...)”. (idade: 22 anos)
Nesse momento, o entrevistado está ressaltando quais eram os motivos que o levava
ir ao shopping. Portanto, ir ao shopping significava conhecer gente nova, de outros
colégios, se manifestar socialmente, conhecer meninas (iniciar uma paquera) e até mesmo
especular o programa do dia seguinte. O que significa que o shopping era entendido por
eles como um espaço importante para formação da sua identidade de gênero e local.
![Page 106: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/106.jpg)
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“Fins de semana, eu fico no prédio lá que tem uma piscina, ou saio com meu filho, mulher
e amigos, aí eu vou pro shopping, aí é o Shopping Tijuca, porque na Tijuca mesmo
durante o dia, fim de semana, é uma passadinha no shopping mesmo”.
Nota-se nos trechos acima, a importância do shopping para o tijucano, uma vez que
é relatado que o sujeito vai ao shopping não para fazer compras, mas para passear e comer
alguma coisa. Portanto, o consumo do shopping Tijuca e os significados simbólicos a ele
associados como símbolos de referência do tijucano são importantes e consumidos por este
público.
Abaixo é destacado um momento interessante da entrevista quando questionado
sobre a relação da sua mulher com o Shopping Tijuca o entrevistado responde o seguinte:
“Olha, como toda mulher, ela tem um lado consumista muito grande. Às vezes até dura ela
vai lá apenas para ver, então a gente acaba interagindo muito”.
Há aqui uma declaração de masculinidade por oposição ao que não é ser homem, o
amor da mulher às compras e ao shopping. Essa interação com o comércio revelada no
discurso do entrevistado, mostra que tanto marido quanto esposa se relacionam com o
Shopping Tijuca. Com base nas entrevistas, foi possível perceber que a mulher tijucana vai
ao shopping com dois objetivos principais e distintos. Ela vai ao shopping com freqüência
para consumir, realizar a troca econômica, e também para se tornar mais tijucana, se
apropriar de certa forma dos significados no shopping instituídos. Em contrapartida, o
homem tijucano aparentemente vai ao shopping para passear, almoçar. O consumo do
shopping pelo homem tijucano está relacionado a uma opção de lazer, ao consumo do
![Page 107: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/107.jpg)
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estilo de vida, dos valores locais. A mulher tijucana, portanto, consome o shopping de
uma maneira a mais que o homem tijucano.
É possível perceber, assim, que o Shopping Tijuca para o tijucano é consumido
deixando-se um pouco de lado esta perspectiva funcionalista, mais econômica, em que a
troca é alcançada. O fato de sua mulher ir apenas para ver significa consumir valores,
significados (e até mesmo disseminar novos significados), afirmar a sua identidade de
tijucana. Desta maneira, ele está reafirmando a sua identidade e até mesmo rejeitando
outras. Por isso a importância da sua relação com esses espaços. Portanto, ir ao shopping,
significa consumir códigos necessários para identificação com o grupo de tijucanos.
É importante analisar nesse momento que, de fato, o shopping nesse período de
vida do homem tijucano não é tido como referência clara de templo de consumo. No
entanto, é tido como um espaço de identificação da cultura tijucana, repleto de significados
simbólicos apropriados por esses homens para definição da sua identidade de gênero e
local.
Outro aspecto que ainda deve ser ressaltado nesta categoria e que se aplica para
todas as outras relacionadas ao consumo dos espaços do bairro da Tijuca, ainda enquanto
adolescente, é a dependência dos pais. Nessa idade, a condição de sair do bairro para o
lazer é considerada quase inexistente, e a necessidade de se afirmar como homem e de se
sustentar socialmente é total. Portanto o comportamento de consumo é todo voltado para o
bairro nesse período. Até mesmo porque o círculo de convivência desses indivíduos estava
no bairro, era esse o grupo de amigos cujas preferências deveriam ser similares. E esses
locais por eles escolhidos são locais tipicamente relacionados ao tijucano.
A permanência no bairro ainda enquanto adolescentes, e como conseqüência do
fato, o consumo de locais significantes foi abordada em todos os discursos dos homens
![Page 108: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/108.jpg)
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tijucanos aqui entrevistados. Perceba abaixo dois relatos de informantes com diferença de
idade relevantes.
“Não fazia muita coisa interessante não, eu saia muito para casa de amigos, tinha esse
problema da mobilidade. Ficava na rua pracinha lá”. (idade: 41 anos)
“(...) o que eu te falei, quando você acaba crescendo, você acaba saindo muito mais da
Tijuca do que quando você tinha 14 anos, 15 anos. Você não tinha o que fazer, você ficava
ali porque não tinha opção”. (idade: 22 anos)
5.2. Afastamento da Identidade Local
Nesse momento, é interessante perceber que alguns entrevistados, na sua maioria
jovens, entre 20-30 anos, não apresentam a busca incessante pelo consumo de produtos e
serviços e conseqüentemente os significados simbólicos para encarnar mensagens, para se
representar socialmente como homens tijucanos. Talvez a sua identidade de gênero já seja
definida.
Porém, nesse período de vida dos entrevistados, foi possível perceber aspectos de
negação da identidade local. Ou seja, a presença de um conflito interno fica explícita nos
discursos aqui analisados. Esse conflito é, portanto, a negação desta identidade. Pode ser
definida como uma identidade para eles latente, que deve ser omitida. Aparentemente,
esses homens tijucanos já superaram a identidade de gênero, faltando ainda superar os
problemas de identidade local, a identidade tijucana.
• Conflito - Orgulho e Vergonha
![Page 109: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/109.jpg)
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Um dos aspectos nesse momento que apareceram mais recorrentemente nos
discursos de conflito sobre a identidade local foi o sentimento de vergonha. É relevante
ressaltar que, durante as entrevistas, o termo vergonha em nenhum instante foi abordado
pela entrevistadora e sim foi levantado pelos próprios entrevistados. No relato que segue
abaixo, por exemplo, a forma de falar indica mais vergonha do que orgulho e foi, portanto,
o entrevistado que trouxe à tona:
“Orgulho não, eu acho que para mim é algo meio indiferente ser tijucano ou não”. (idade:
22 anos)
No entanto, é possível perceber alguns aspectos como os 18 anos, idade de
independência dos pais, possibilidade de dirigir e freqüentar lugares em outros bairros,
início de uma outra vida estudantil, a faculdade, conhecer pessoas novas e essencialmente
se definir socialmente, representar para essas novas pessoas quem ele é. E ainda, como não
poderia deixar de ser mencionado, existe nesse momento e está muito presente na condição
de homem tijucano a conotação negativa referente à identidade tijucana.
“Entrevistadora: O que você acha do termo tijucano?
Respondente: Olha eu entendo como uma coisa boa. Eu entendo a palavra tijucano como
uma coisa positiva, embora eu reconheça sem problema nenhum que para maioria da
população, principalmente extra tijucano, que é um temo pejorativo.
Entrevistadora: O que você quer dizer com isso?
Respondente: Na maioria das vezes que empregam a palavra tijucano numa frase, o
pessoal emprega com uma conotação negativa (...)”. (Idade: 24 anos)
![Page 110: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/110.jpg)
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Uma parte dos tijucanos entrevistados, em especial a mais jovem, abordou e
assumiu a consciência de uma conotação negativa que o termo tijucano carrega. É como se
o argumento desses tijucanos sugerisse um certo preconceito, porém não tão escrachado,
por parte de outros atores sociais oriundos de outras regiões do Rio de Janeiro.
Portanto, antes mesmo desses sujeitos se inserirem em outros novos grupos sociais,
eles apresentam por meio de seus discursos, a consciência da diferença da identidade
tijucana para com outras identidades locais relacionadas a outros bairros do Rio de Janeiro.
“Acho que eles têm vontade de falar, mas eles não falam. Muita gente tem vergonha de ser
chamado de tijucano, como eu te falei, eu não esquento a cabeça”.
Este entrevistado relata que ser tijucano para algumas pessoas é motivo para ter
vergonha. Conseqüentemente, como forma de negação dessa possível identidade, eles
passam a consumir locais de lazer de outros bairros, por exemplo, para se distanciarem da
cultura local e da sua formação. Sendo assim, com uma maior possibilidade de locomoção,
o consumo de lugares fora da Tijuca começa a ocorrer.
“Você acaba sentado numa mesa pra conversar, vai todo mundo sair para tomar um
chopp, aí você conhece, ai tem uma festa, vai pra um sambinha, que eu gosto muito de ir
para a Lapa e para eventos de samba. Ontem de noite eu tava no Democraticos, que é na
Lapa, que tem um sambinha que é ótimo, toda quinta-feira. Danço pouco, não sou um pé
de valsa. Eu vou mesmo para ficar conversando, danço uma música ou outra assim para
ter um approach até”.
![Page 111: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/111.jpg)
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“Tem uma lista legal. Tem dias que vou a lugares mais tranqüilos, mais humildes que é o
que eu prefiro, me identifico mais tipo Symbol, tipo Mariuzinn. Tem em Copa, tem no
Centro, deixa-me ver mais... Six que é na Lapa, que também gosto muito lá da Six, vou
direto. Não da Lapa, eu não gosto da Lapa. Tem uma lista legal. Quando eu namorava ia
mais jogar boliche ia direto Barrashopping, gostava muito de jogar boliche, ia direto. Mas
atualmente no mês eu vou umas três, quatro vezes na Barra”.
Nesse período, percebeu-se alguma menção a espaços fora do bairro da Tijuca
consumidos por estes jovens tijucanos como forma de afastamento da identidade local. O
bairro da Barra da Tijuca é mais uma opção de lazer fora da Tijuca no que tange ao assunto
entretenimento (bares e boliches) e praia. Ou seja, é um bairro consumido com freqüência
pelos tijucanos até mesmo devido à sua proximidade geográfica. Desta forma, serviços
como as boates em Copacabana Symbol e Maruizinn, e ainda outros locais de lazer
noturno na Lapa como Democráticos e Six são consumidos rotineiramente por estes
tijucanos e se relacionam diretamente a esta faze de afastamento da identidade local.
Na verdade, o que está presente nesta fase é a sensação de exclusão, de preconceito
para com a identidade tijucana praticada perante outros atores sociais. E por isso muitas
vezes o comportamento pode ser até de acordo com um posicionamento de indiferença.
“Tenho, assim não tenho uma opinião formada não. Nem orgulho nem acho normal.
Assim, entre os dois o orgulho e a vergonha, fico mais com orgulho. Mas não que eu sinto
orgulho por causa disso, se tivesse que escolher um, eu escolheria o orgulho”.
![Page 112: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/112.jpg)
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“Não que eu tenha orgulho ou tenha desgosto, para mim é normal, eu te falei, a minha
formação toda foi lá, entendeu? Não que eu tenha orgulho, encha o peito e digo: Ah eu
sou tijucano!”.
Neste relato está claro o sentimento de afastamento, de vergonha. Neste momento
ele apresenta a indiferença, ou seja, uma atitude ascética, sem identidade definida. O que
na verdade não está refletindo a realidade, pois é um homem tijucano com discurso de
negação. Afinal, a declaração de ser tijucano para a cultura dominante tem nela embutida
outros significados distintos daqueles existentes para os tijucanos. Por isso, perceberam-se
comportamentos que não representem essa identidade. Para eles, nesse momento, ser
tijucano parace ser algo negativo (devido à conotação negativa associada ao termo) e,
portanto, encontra-se a ausência do orgulho.
Ser um homem tijucano, definir a sua identidade, se representar como tal, talvez
para eles não seja uma coisa tão importante. Pois os entrevistados nesse período de vida
parecem ter a mesma relação com a sua identidade bairrista e principalmente em se fazer
um homem tijucano. Para eles, nesse período de vida, de novas oportunidades, de novas
amizades, existe o momento de rejeição, de não assimilação dos aspectos negativos
relacionados ao termo tijucano. As descrições desses comportamentos deixam explícito e
parecem suscitar uma ausência de identidade.
• Negação
É perceptível nos discursos dos entrevistados mais jovens aqui escolhidos, o
conflito interno, a negação da sua identidade social. O indivíduo possui a identidade de
![Page 113: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/113.jpg)
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tijucano, porém não apresenta orgulho e não se sente satisfeito em se apresentar para os
outros como um tijucano. Por isso, a necessidade de ressaltar esta categoria.
Foi recorrente nos relatos a declaração de afastamento nos discursos desses
tijucanos mais jovens. O que talvez fique evidente nos relatos é a não aceitação da
condição de tijucano.
É interessante notar que um dos entrevistados, um jovem, ressaltou a representação
negativa do tijucano. Muitas vezes, se fazer um homem tijucano não é ser aceito
socialmente, está intimamente relacionado com o simbolismo negativo que o adjetivo
carrega:
“É, eu tenho conhecidos que gostavam de me sacanear porque eu era tijucano. (...) Muita
gente, só por ser da Zona Norte”.
No trecho destacado acima, percebe-se claramente a identificação do bairro da
Tijuca com a zona norte, e a oposição aos bairros da zona sul. O que significa que para
cultura dominante, não ser integrante da zona sul, é motivo de vergonha, brincadeiras.
“Eu nunca esquentei a cabeça com isso não Flavia. Particularmente, assim, acho que as
pessoas, é claro, falam de uma maneira brincalhona isso, mas nunca levei pro lado
pessoal, eu sempre levei numa boa. Depende, vai muito da cabeça de cada um. Não é que
tenha uma influência negativa mas também não é toda positiva”.
É interessante notar neste trecho acima a presença de dois sentimentos opostos
bastante utilizados pelos entrevistados mais jovens, até os 30 anos. Ou seja, Neste primeiro
momento, e sempre quando questionado sobre a identidade tijucana, emergiu
![Page 114: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/114.jpg)
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recorrentemente no discurso a utilização de algum termo negativo, algum tipo de negação.
Nessa fase, existe o conflito, a ausência de orgulho, o motivo da vergonha. Ser tijucano
para ele nesse momento é motivo de preocupação. E para negar essa identidade local, o
sujeito utiliza um discurso cujo significado é exatamente não prestar atenção, fugir, não ser
tijucano, não se apropriar dos significados. O mesmo ocorre com este entrevistado:
“Pode se dizer que sim, não sei, dizem que o tijucano é chato pra caramba”.
Já é possível perceber a consciência do indivíduo no que tange ao aspecto negativo
da identidade tijucana. Portanto, ele é, gosta, mas, ao ser questionado, pensa e relata essa
sua preocupação. Exerce tensão com a ligação que podem fazer do seu eu (self) (Belk,
1988), com as características negativas do termo tijucano e, por isso, o afastamento.
Este entrevistado, por exemplo, sabe exatamente notar como é a reputação da
identidade tijucana fora da Grande Tijuca. Ele consegue perceber quão negativo é o termo
tijucano para os outros atores sociais cuja origem e local de moradia está fora do âmbito do
bairro, em diversos outros bairros do Rio de Janeiro.
“Na maioria das vezes que empregam a palavra tijucano numa frase, o pessoal emprega
com uma conotação negativa, querendo dizer muitas vezes associando à (...) eu entendo
como se fosse um subúrbio elitizado, como se fosse um subúrbio não tão escrachado. Eu
acho que consegui falar legal, é um subúrbio que não é escrachado”.
Como uma reação a essa conotação negativa, um dos entrevistados ressaltou um
comportamento interessante perante a sua forma de afirmação e de negação da identidade
local:
![Page 115: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/115.jpg)
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“Eu brinco porque todo mundo diz que Tijuca é um bairro ruim, eu digo que não moro lá,
quando falam bem, eu digo que moro, quando falam mal eu digo que não moro”.
Apesar deste sujeito não habitar efetivamente a Tijuca (de acordo com a delimitação
geográfica da prefeitura, os Regionais Administrativos, ele mora no bairro de Vila Isabel),
está no seu discurso fazer parte dessa cultura, ser tijucano. Todavia, esse entrevistado, por
exemplo, com origem não tijucana, ou seja, foi para o bairro quando mais velho, não
afirma essa identidade local. Nesse momento está presente a declaração de afastamento do
bairro, e, conseqüentemente, da identidade tijucana. Acredita-se que esse entrevistado
tenha uma identidade flutuante, como motivo de orgulho (inserção social) e vergonha
(afastamento, não pertencimento) ao mesmo tempo, uma vez que a sua reação é positiva
quando se referem ao bairro como algo bom e, negativa, de não pertencimento, quando a
referência é ruim. Ou seja, discursa que mora na Tijuca se há interesse e que não mora se
não existe interesse.
• Ambivalência quanto à Origem
Foi mencionado acima o fato desses jovens tijucanos buscarem um
afastamento/negação da sua identidade local. O que de fato descreve o momento de não
assimilação da identidade local e ainda de negação, de ausência de identidade. No entanto,
percebe-se no discurso dos entrevistados o sentimento de ambivalência, de declarar-se
tijucano, mas não ter orgulho disso.
O que ocorre com o estudo de Pereira et al. (2005), com o grupo de homossexual, é
que, para não afirmação dessa identidade gay, existe a camuflagem da mesma, a que os
![Page 116: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/116.jpg)
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autores se referem como a teatralização, afirmação de uma falsa identidade. Com o
objetivo de negar uma possível homossexualidade, eles usam produtos e serviços
tipicamente relacionados à identidade heterossexual.
No entanto, com esses homens tijucanos, não foi possível observar atitudes não
reveladoras da identidade tijucana. O que se percebe é exatamente uma sensação de
ambivalência, não podendo negar a sua origem e tendo que assumir de maneira não
orgulhosa uma posição social. Ainda existe o comportamento de disfarce, o qual continua
existindo o consumo em outros bairros.
“Assim eu não posso te dizer cem por cento porque eu morei em vários lugares, mas as
minhas raízes estão na Tijuca. Então acredito que a grande parte até um determinado
tempo da minha vida, essa formação eu realmente tive”. (idade: 30 anos)
“Eu nunca parei para pensar: eu sou um homem tijucano. Eu te falei, eu sempre levei
numa boa isso. As pessoas falam você é tijucano, eu nem ligo, eu rio, entendeu?”. (idade:
46 anos)
Mais uma vez este entrevistado parece ter um pouco de dificuldades para afirmar
que é tijucano. Afirma que morou em outros lugares além da Tijuca, porém, teve sua
formação masculina e tijucana no bairro. O outro mesmo mais velho, ainda apresenta um
discurso com um ponto de vergonha nele inserido.
O sentimento de ambivalência domina o discurso de um dos entrevistados acima.
Ele descreve que teve momentos intensos em outros bairros. Aponta que foi membro de
outros grupos sociais e ainda apresenta uma ligação com a Tijuca. A infância na Tijuca,
![Page 117: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/117.jpg)
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todas as suas práticas de consumo, atividades, foram importantes para construção do
homem que é hoje. Portanto, esse relato expressa uma declaração emocional.
No trecho que segue abaixo, a resposta do entrevistado é tão e somente emocional
que é perceptível e está atribuído a seu discurso significados e referências de homens que
considera “mais tijucano” do que ele.
“É, tem uma pequena diferença mas eu acho, não sei se é uma questão só de eu querer ter
uma visão de fora do bairro e eles terem uma visão mais (...)”.
“tijucano, quem mora na Tijuca é tijucano. Eu acho até meio forçação de barra às vezes.
As pessoas têm uma identidade muito grande com isso. Não vejo nenhum problema”.
É interessante notar que nesse momento, apesar da sensação de ambigüidade, a
intimidade com o bairro e a declaração de prazer emerge no discurso do próprio
entrevistado. Observe abaixo:
“Entrevistadora: Você se considera um tijucano?
Respondente: Cara não, o que é o tijucano? Eu tenho vários amigos que eu considero
tijucano, os caras são não vou dizer que são prepotentes porque os caras são meus
amigos. Mas o tijucano se acha melhor que os outros, na cabeça deles entendeu? Mas não
acho isso ruim, tem muita gente que tem dinheiro que mora na Tijuca porque gosta, eu
gosto de morar ali, eu vou e volto de metrô em quatorze minutos da minha casa, sem stress
nenhum. Eu sei que vou sair daqui às sete horas e em quinze minutos posso marcar
qualquer coisa às oito que estou pronto. Então tenho mais vantagens (...) o metrô que
realmente é uma facilidade, que ali onde a gente mora, no caso onde o Paulo mora, tem
![Page 118: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/118.jpg)
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shopping, tem comércio sei lá tem cinco tipos de supermercado, tem todas as lojas, tem um
comércio que funciona durante o dia, à noite não tem nada, tem o pólo gastronômico que é
ali em Vila Isabel mas é pólo gastronômico da Tijuca que é na parte onde a gente mora”.
Apesar de mais à frente ele mesmo ressaltar as características de um tijucano e de
apresentar uma declaração de intimidade e ainda alguns indícios de reforço dessa
identidade, este entrevistado não assume ser tijucano. Portanto, apresenta um discurso de
negação, porém com total afinidade no mercado, serviço local, como se faz um tijucano.
Para ele, ser tijucano é possuir uma certa superioridade e ele não apresenta uma
assimilação com essa identidade.
Ao mesmo tempo em que se vê no trecho da entrevista o afastamento, a negação,
percebe-se um estágio de assimilação, de não mais achar tudo aquilo, toda essa
representação da identidade ruim. Esse momento é marcado pela apresentação das
características do bairro e da identificação com a identidade local. Este fato se confirma
quando o próprio entrevistado ressalta: “não acho isso ruim”. Nesse momento, ele está
apresentando por meio do discurso e do levantamento de todas as vantagens, o quê o bairro
pode lhe oferecer, a valorização, a construção da sua identidade de homem tijucano. E
assim o consumo do bairro, conseqüentemente desses serviços que o bairro pode oferecer,
são fatores essenciais para identificação do tijucano.
5.3. Assimilação e Orgulho da identidade tijucana
Esse momento ressalta o período em que, após a rejeição e a declaração de
afastamento, o entrevistado apresenta de maneira orgulhosa e como referência positiva,
identificação com o bairro e ainda com locais e serviços inseridos na Tijuca. Portanto, o
![Page 119: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/119.jpg)
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processo de assimilação é marcado pela identificação, pelo orgulho, pelos contatos diretos
com a cultura, pela assimilação dos padrões culturais tijucanos, pela construção da
identidade tijucana através do consumo e pelo sentimento de importância gerado pelo
indivíduo com relação ao bairro como forma de reforço dessa identidade.
• Assimilação e representação social
Assim sendo, esta fase do processo de formação do homem tijucano pode ser
marcada pela busca da representação. De fato, foi possível verificar o consumo de
referências positivas (identificadores diretos da cultura tijucana e conseqüentemente da
condição de um heterossexual tijucano) e não mais a vergonha como anteriormente
apresentado.
Segundo Douglas e Isherwood (2004), a cultura contemporânea está longe do
consumo tido como biologicamente necessário. Nela, as marcas de carro, serviços,
restaurantes e roupas são escolhidas de acordo com uma questão cultural, simbólica,
definidora de práticas sociais, modos de ser, diferenças e semelhanças.
“Um tijucano ele não tem carro, não precisa de carro. Eu não preciso de carro pra nada,
eu vou trabalhar de metrô, às vezes de táxi, a maioria das vezes de metrô ou todo dia. A
gente não usa carro. Eu não faço compra de mês, só eu e ela, em casa, quando janta. A
maioria das vezes, final de semana a gente vai ao shopping comer ou sai, vai almoçar fora
com os amigos ou então, se tem alguma coisa, passa no mercado, compra leva para casa,
ali no mundial que é perto, vou pra casa. Então essa vida da Tijuca é muito fácil e é boa,
eu acho que não tem como reclamar”.
![Page 120: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/120.jpg)
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Na passagem destacada acima, o informante apresenta nesse momento a
identificação com o bairro. Ou seja, apresenta e relata durante a entrevista um dos seus
primeiros contatos com os serviços do bairro, o que caracteriza a construção da identidade
local, da condição da identidade tijucana. O que parece emergir no discurso dos
entrevistados quando, no processo de assimilação, é o contato com ambientes importantes
para os tijucanos e próprios para disseminação da cultura. E de acordo com essa atitude,
está presente o processo de assimilação dos padrões tijucanos, representação e
disseminação desses valores.
Portanto, esses contatos intensos com o comércio do bairro e a apropriação da
simbologia desses locais e serviços, a princípio mais consumidos nessa fase, são
determinantes para a construção e representação da identidade heterossexual tijucana. Isso
pode ser percebido claramente no discurso abaixo de um tijucano que tem uma filha de um
ano. Ao ser questionado sobre onde sua filha iria estudar, ele disse:
“Na Tijuca é claro! Vou botar o meu filho e a minha filha em outra escola! Tem
que ser aqui, né?”.
É importante ressaltar que a filha deste tijucano e assim como ninguém, nasce
mulher ou homem tijucana ou tijucano. Fato é que os seres humanos aprendem a se tornar
esses indivíduos que são hoje. Ou seja, as nossas diversas identidades que desempenhamos
ao longo de nossas vidas são construídas socialmente com base no comportamento, na
maneira de agir, de se vestir, de falar. Sendo assim, no momento em que o pai escolhe a
escola da filha e não julga não existir possibilidade da mesma estudar em outro bairro que
não na Tijuca, ele já está iniciando a sua formação tijucana e principalmente legitimando a
![Page 121: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/121.jpg)
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sua própria. Desta forma este relato apresenta a vontade do sujeito em firmar a sua
identidade e expor para todos que é um homem tijucano.
• Declaração de Orgulho
O processo de assimilação da identidade local, dos padrões tijucanos, da sensação
de ser mais um integrante do grupo e fazer parte dessa cultura, dará início às declarações
de orgulho. Desta forma, o consumo do bairro é essencial para apropriação, identificação e
disseminação dos códigos locais.
“Entrevistadora: O que você acha do termo tijucano?
Respondente: Legal, sou e me orgulho”. (idade: 45 anos)
Apesar de mais à frente este entrevistado levantar e mostrar para a entrevistadora
que tem consciência sobre a conotação negativa do nome, ele diz ter orgulho de ser
tijucano. Mesmo existindo todos os aspectos negativos ao tijucano relacionados, ele admite
não negar, não instituir a teatralização e sim reforçar a sua identidade local.
“Eu acho legal que é uma identidade nossa, você fala que é tijucano é uma identidade
legal (...) o tijucano ele tem um certo orgulho de ser tijucano. Sei lá eu acho que eu posso
me considerar sim, eu acho que eu posso”.
Neste momento, percebe-se o orgulho de ser quem ele é, de ser um homem
tijucano, de estar inserido nessa cultura, de absorver e disseminar os significados
simbólicos do tijucano. Portanto, nesse momento, o consumo dos espaços locais foram
![Page 122: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/122.jpg)
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designados importantes para o grupo e, por isso, são consumidos com vontade (pois existe
a consciência da formação da identidade tijucana) e orgulho.
“Entrevistadora: Então você é um típico homem tijucano e tem orgulho disso?
Respondente: Gosto realmente e me orgulho. Dia livre depois do jogo as minhas fotos são
todas com essas camisas do dia livre, levei todas, camisa do Brasil eu tenho muitas porque
eu tenho muito orgulho de ser brasileiro, de ser carioca também e aí eu andava assim. E
Tijuca. Mas Tijuca não tem camisa né? É mais difícil”. (Idade: 44 anos – Militar e Árbitro
de futebol)
Se fosse possível ter levado para copa do mundo uma camisa com o escrito Tijuca,
ele estaria literalmente comunicando para os outros quem ele é. Estaria sustentando mais
uma vez a sua identidade tijucana, com orgulho.
Pode-se considerar também a restrição ao bairro, um atributo essencial para a
formação e sustentação da identidade tijucana.
“Mas eu acho que o tijucano tem isso, o tijucano é preso ao bairro”.
“Porque a Tijuca você tem o Shopping, tem o Tijuca Tênis Clube, tudo gira em torno da
Tijuca mesmo”.
É possível perceber que, na opinião deste entrevistado, o tijucano é legitimado pela
permanência no bairro, seja ela durante o seu período de construção da masculinidade ou
depois quando ocorre a aceitação. Portanto, o consumo do bairro é muito importante para
ser fazer um tijucano. O tijucano se faz de acordo com o mercado lá inserido.
![Page 123: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/123.jpg)
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Shopping Tijuca, templo de consumo do tijucano, Tijuca Tênis Clube, local de
lazer dos tijucanos. Ou seja, são dois locais de extrema importância para o bairro e também
para construção da identidade social de seus moradores e se revelam locais específicos
para expressão da cultura tijucana, tema a ser abordado no próximo item.
Dessa maneira, neste estágio, conclui-se que o consumo do local é importante para
esse sentimento que predomina nesta fase, o conforto.
• Simbologia de locais e produtos
Os bens de consumo são carregados de significados culturais (McCRACKEN,
2003). De acordo com Douglas e Isherwood (2004), o consumo na contemporaneidade é
uma experiência social, se realiza em uma esfera coletiva e, portanto, é um fenômeno
culturalmente compartilhado. Os autores ressaltam ainda que qualquer ato de consumo
exprime e gera cultura e que o consumo de hoje é um código, através do qual são
traduzidas muitas relações e categorias sociais.
É importante ressaltar que existe uma relação estreita entre a identidade do ser
humano e o mundo dos bens que consome. Desta forma, a identidade tijucana pode ser
construída baseada em diversos bens e serviços detentores de significados simbólicos
construídos e instituídos socialmente pelos próprios tijucanos (amantes do bairro). O
consumo desse mundo dos bens significa manifestar a cultura, reforçar a sua identidade de
homem tijucano.
Sendo assim, os indivíduos se agrupam e se revelam de acordo com os bens que
consomem. A presença de determinados locais e serviços do bairro são fundamentais para
construção do tijucano, para identificação com a cultura e sua representação. Esses locais e
![Page 124: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/124.jpg)
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serviços são carregados de significados simbólicos e por isso se torna importante o seu
consumo para absorção dessa simbologia.
O consumo como troca simbólica tem como conseqüência também a inclusão e
exclusão social, desenvolver, firmar e até mesmo alterar a sua identidade social
(PIACENTINI & MAILER, 2004).
“Tem o Maracanã que é de lei. O maior estádio do mundo até pouco tempo continua na
Tijuca, é o Maracanã. E pô, até hoje tem shows, tem o Maracanazinho (...) então tem
eventos que trazem a marca de outros locais, ela tem as suas particularidades entendeu?
Tem assim, a gente não pode deixar de valorizar apesar dos defeitos que ela tem”.
“Mas eu considero aqui Tijuca porque eu estou a dois passos do metrô estação Saens
Peña, a dois passos da Praça Saens Peña que é o símbolo máximo da Tijuca, Saens Peña,
Shopping Tijuca e etc (...) Tijuca Tênis Clube, Praça Saens Peña, Colégio São José,
Colégio Pallas, você falou nisso você lembra da Tijuca, qualquer um sabe disso são os
símbolos da Tijuca né?”.
Os relatos acima destacados têm como função principal ressaltar a existência da
simbologia de locais e serviços do bairro. Este último, por exemplo, apesar de morar
efetivamente no bairro de Vila Isabel, prefere achar que mora na Tijuca. Pois na verdade,
ele está ao lado de símbolos da Tijuca como a Praça Saens Peña e o Shopping Tijuca. Ele
consome esses espaço todos os dias, se sente na função de se apropriar desses significados
e de estar a todo momento formando a sua identidade tijucana. Portanto, nesse momento, a
assimilação dos padrões culturais, desses significados associados à cultura tijucana, passa a
ser essencial para constante construção do homem tijucano.
![Page 125: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/125.jpg)
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Para ele, espaços como Tijuca Tênis Clube, Praça Saen Peña, Colégio São José,
Colégio Pallas são símbolos da Tijuca. Ou seja, representam a identidade do bairro para os
atores sociais, são carregados de significados simbólicos. E consumi-los significa fazer
menção à cultura e valores locais do bairro da Tijuca, significa estar inserido nesse grupo
social.
Portanto, para os tijucanos se constituírem socialmente, os produtos consumidos
nesse momento não são tão importantes mas sim os locais e serviços, os quais são
carregados de significados simbólicos e estão associados a cultura local.
É interessante notar nesse momento mais um termo êmico o qual emergiu durante
as entrevistas. Os tijucanos se referem ao Tijuca Tênis Clube como ‘o clube’.
“(...) aí que você começa ver outras coisas, aí eu comecei a freqüentar mesmo o clube”.
“Meu pai já virou tijucano, joga tênis no clube, pedala pela Tijuca. Tem amigos meus que
viviam no Tijuca, no clube. Eu vivi no Tijuca até tantos anos. Depois disso eu ia no Tijuca
para ir na academia, vou atualmente vou terça-feira à noite para jogar bola. Só. E tem
amigos meus que até hoje freqüentam”.
Consumir o clube significa se fazer um típico homem tijucano, significa construir a
sua história. Como visto anteriormente, o Tijuca Tênis Clube é um espaço importante para
construção da masculinidade.
Portanto, o modo de uso do bairro foi essencial para sua formação, para ser
reconhecido como membro do grupo. O consumo do clube faz com que, desta maneira, o
entrevistado se insira no grupo e isso significa satisfação, prazer.
![Page 126: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/126.jpg)
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A praça é um termo que simboliza a mais famosa praça do bairro da Tijuca. É um
local que carrega tradicionalismo. Neste caso, a praça tem também grande importância na
formação do homem tijucano.
“O comércio da Tijuca está na Praça Saens Peña”.
Para Leigh e Gabel (1992), os indivíduos são eternamente influenciados pela
interação social e por seu grupo de referência. Os indivíduos contemporâneos vivem hoje
uma sociedade onde as atividades de consumo influenciam quem as pessoas são e o que
elas querem se tornar (JOHNSTONE & CONROY, 2005). Notou-se, de acordo com essa
perspectiva, que a relação que o tijucano tem com o Shopping Tijuca possui um sentido
próprio.
Observa-se nesse momento a importância do shopping para o tijucano, uma vez que
ele relata que vai ao shopping não para fazer compras mas para passear e comer alguma
coisa. Portanto, o consumo do Shopping Tijuca e os significados simbólicos a ele
associados como símbolos de referência ao tijucano são importantes e altamente
consumidos por este grupo.
“Aqui não, no shopping eu vou a pé rapidinho, é um programa, às vezes eu saio daqui da
PE, tem que comprar alguma coisa no shopping, eu já vou direto daqui andando, passo na
loja que eu vou e depois vou direto para casa, entendeu?”.
De acordo com os trechos ressaltados no item 5.1 (categoria Shopping Tijuca –
Templo para o tijucano), torna-se aparente o modo de consumo do shopping de maneira
distinta da de seu propósito inicial (ir, comprar nas lojas e sair). O respondente consumia
![Page 127: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/127.jpg)
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esse tipo de serviço para se definir individualmente, para se sustentar, para se agregar no
grupo social, para dizer para os outros que é membro desta cultura tijucana.
É importante notar neste momento específico a simbologia de lugares como a praça
Saens Peña e o Shopping Tijuca, que são lugares consumidos pelos tijucanos durante toda
as suas vidas. Nesse segundo momento, o consumo desses espaços e serviços serve como o
consumo dos significados para o reforço da identidade local.
Observando os discursos dos entrevistados, surgiu também, de acordo com o
consumo, uma questão cultural, simbólica, definidora de práticas sociais, modos de ser: a
importância dos entrevistados e o restaurante La Mole.
“Eu já perdi as contas de quantas vezes eu fui ao La Mole. Volta e meia eu encontro
amigos meus. Você está comendo lá e tem um casal amigo seu ali comendo é normal”.
Aparentemente, é possível afirmar que a relação existente entre o tijucano e o La
Mole é absolutamente simbólica. Consumir o restaurante e conseqüentemente os seus
significados simbólicos significa legitimar a identidade tijucana, uma vez que o La Mole é
um lugar importante e representativo do bairro, suas práticas são culturalmente definidas e,
por isso, a realização delas definine e faz parte da formação do tijucano.
De acordo com Hall (2002), o ser humano está constantemente construindo a sua
identidade. Portanto, uma das formas adotadas por esses tijucanos para construção
identitária se dá pelo consumo freqüente dos significados simbólicos instituídos ao
restaurante La Mole e, ainda assim, sua representação para outros atores sociais.
Outro restaurante também bastante freqüentado e mencionado pelos sujeitos
tijucanos aqui entrevistado é o Siri. O quê está implícito no consumo desse espaço de
serviços é o objetivo de apropriação dos significados simbólicos nele constituídos. E o
![Page 128: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/128.jpg)
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consumo é realizado pelos tijucanos como forma de perpetuação e reafirmação de
identidade bairrista.
“No final de semana a gente foi almoçar ali num restaurante perto de casa, o Siri. A
comida ali é muito boa, a gente come ali no Siri. Meu sogro, saio às vezes com os meus
amigos, - pô vamos comer no siri?, meu amigo vem da Zona Sul para cá”.
Tendo como base o discurso dos sujeitos respondentes, percebe-se enfaticamente
um alto envolvimento entre o homem tijucano e os serviços e locais relacionados à cultura
local, ou seja, localizados geograficamente dentro do bairro da Tijuca. Os entrevistados,
em sua maioria esmagadora, atribuem importância a esses locais e serviços repletos de
significados simbólicos. Percebe-se, portanto, um hábito de consumo por eles considerado
freqüentes e a influência desses atos na busca por uma melhor definição social.
De acordo com as análises anteriormente apresentadas, considerando a construção
da identidade de gênero através do consumo dos significados simbólicos dos bens que
consomem, julgou-se interessante realizar nesse momento um comparativo com o grupo de
homens homossexuais, de acordo com o estudo de Pereira et al. (2005). Nesse estudo sobre
a construção da identidade homossexual, a simbologia dos produtos relacionados a cultura
gay e os seus padrões sociais é muito importante. Para eles, a marca do produto e o preço
são efetivamente fascinantes, pois o consumo dessa marca faz menção direta ao grupo.
Entretanto, de acordo com a análise realizada com homens tijucanos e a construção
de sua identidade, o fascínio por marcas e produtos específicos não acontece tanto. Notou-
se, portanto, uma valorização exagerada de locais públicos e serviços do bairro. É
interessante ressaltar que ao serem questionados sobre que produtos costumam comprar no
shopping, os homens tijucanos aqui entrevistados apresentaram um comportamento de
![Page 129: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/129.jpg)
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indiferença para as marcas de calça jeans, por exemplo. Observe a resposta deste
respondente:
“(...) uso roupa da Opção, calça, é o máximo que eu chego ali, que eu me permito, calça
de Opção. Gastar uns quarentinha, cinquentinha”.
Alguns entrevistados ainda ressaltaram as lojas e, portanto, marcas de preferência
para roupas como calça e camisa social. Marcas como Aviator, Alan Delon e Richards são
marcas próprias para o consumo de roupas sociais, as quais, segundo Pereira et al.(2005),
são fortes significantes da heterossexualidade. Apesar da presente pesquisa destacar essas
marcas, é necessário enfatizar que os homens heterossexuais tijucanos aqui analisados não
dão a mesma importância exagerada como os gays, por exemplo, para com as marcas de
roupa que consomem.
“Compro na Aviator, na Alan Delon, e agora eu compro bastante roupa na Richards,
gosto do estilo da Richards também. E sapato na Mr. Cat, tudo aqui no shopping”.
E alguns respondentes ainda ressaltam a consciência da existência de locais cujas
referências são conhecidas como locais de consumo do público gay:
“Gay compra muito na Zara eu acho. Sempre que você vai na Zara tem homossexual, tem
gay. Eu compro na Zara, uma coisa ou outra. Mas eu acho que gay vai muito mais nessas
lojas assim: Forum, Ellus, Zara assim. Que são lojas assim que tem um estilozinho, que eu
acho que até a Zara tem umas roupas que são feitas para gay. Só pode ser. Pô tem umas
calças ali, uns ternos, que você olha para aquela porra: “pô só veado vai usar isso”. E eu
![Page 130: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/130.jpg)
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acho que homem compra mais em, heterossexual, compra mais em loja de surfwear assim.
Compra mais numa Redley, entendeu? Não tem tanto com marca. Acho que homossexual
tem uma visão assim, mais de roupinha mais isso e aquilo. Que heterossexual não, compra
o que cai bem e porra, pode ser uma calça larga, pode ser uma calça mais reta, pode ser
uma blusa colorida. Acho que o homossexual usa sempre uma roupa mais justinha, assim
que fique mais arrumadinho, mais engomadinho”.
“O gay ele é mais consumista, ele se aproxima mais da mulher assim em comprar roupa, o
gay se preocupa muito mais com a aparência. Por exemplo, a minha esposa tem um chefe
dela que é gay, o cara fez plástica no nariz, plástica no queixo, plástica não sei aonde,
colocou botox, ficou mais com cabelo, eu acho que é isso, não sei”.
“Eu acho que antigamente comprava, agora com essa abertura de
mercado, dos GLS, eu acho que agora eles estão fazendo questão de usar a marca própria,
vamos dizer assim”.
Como Pereira et al. (2005) abordam em seu artigo, os gays da contemporaneidade
estão visando a uma marca, a busca por um simbolismo do grupo de gays. Ou seja, o
consumo de determinados produtos que têm significado para identidade gay. Para os
autores, os gays compram, consomem em lugares cuja simbologia são referentes à sua
cultura, e, portanto, distinta dos locais de consumo dos heterossexuais.
Para grande parte dos entrevistados cujos discursos foram aqui analisados, os gays
são uma subcultura de consumo (SHOUTEN & McALEXANDER, 1995). Ou seja, os
sujeitos heterossexuais reconhecem a cultura gay como algo absolutamente distinto do
gênero masculino. Os heterossexuais são, portanto, capazes de reconhecer um gay algumas
![Page 131: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/131.jpg)
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vezes de acordo com o seu modo de vestir. De acordo com um relato destacado acima, é
perceptível a distinção nos produtos de consumo relacionados à aparência. Para os gays,
existe uma preocupação maior com a aparência, fazendo até com que um entrevistado
revele o seu sentimento de que o homossexual se assemelha à mulher no que tange às
compras.
Essa é, portanto, uma distinção entre o grupo de homossexuais e o grupo homens
heterossexuais para o comportamento de consumo simbólico, o qual busca a construção de
uma identidade de gênero. Os homens heterossexuais da Tijuca se definem de acordo não
apenas com os produtos e marcas que consomem, mas, sim, de acordo com a sua opção de
lazer, locais consumidos e serviços.
• Carro
Apesar de anteriormente ter sido analisado nos discursos a supervalorização da
simbologia dos locais e serviços os quais consumidos, existe nesse momento a intenção de
ressaltar esta categoria uma vez que este objeto de consumo possui notoriamente
significados referentes à cultura masculina. O principal objetivo desta categoria está em
perceber e entender como o sujeito tijucano se relaciona com o carro. Quais são os
sentimentos que estão envolvidos no seu relacionamento com um dos principais e maiores
objetos de representação do gênero masculino.
“Sou fascinado por carro. Acho que por morar na Tijuca, morar em casa, lavar carro,
curtir, eu adoro, eu tenho coleção de carro, incremento o meu carro, o Felipe (se
referindo a um amigo) me sacaneia direto por causa disso entendeu? Troquei roda, som,
![Page 132: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/132.jpg)
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farol de milha. Tudo diferente, meu carro é diferente. Ele não é Siena, ele não tá careta, eu
modifiquei ele”.
Depois de inúmeros relatos de negação e afastamento da identidade tijucana, este
entrevistado apresenta uma declaração de pertencimento à cultura ao mencionar o objeto
mais importante para ele. Apesar de ser criticado como ele mesmo relata, nesse momento
não ocorre o sentimento de vergonha. Ao contrário, está presente o orgulho do carro que
possui. Ele mesmo acredita que a sua relação com o carro seja algo estritamente tijucano.
Ou seja, uma das características tijucanas é ter uma relação simbólica com o carro.
Portanto, a sua identidade tijucana nesse momento acaba sendo reforçada e ainda
intensamente representada.
“É, de carro. Quando eu comecei a dirigir, comecei a ter carro, eu fazia uma coisa típica
de tijucano, passar o sábado de manhã lavando o
carro, é típica de tijucano. Não sei, eu e outros três amigos que morávamos no mesmo
prédio, a gente passava a manhã desmontando o carro, pegava o aspirador de pó de umas
das mães, a gente desmontava o carro todo e aspirava, lavava e polia o carro todo, a
gente fazia isso todo final de semana chova ou faça sol”.
Este entrevistado menciona enfaticamente a relação do tijucano com o carro. Ou
seja, exercia com freqüência um hábito de consumo que caracteriza o tijucano. Fica claro
nesse momento do discurso que essa relação de importância com o carro também era
exercida pelo grupo de amigos e, portanto, comportamento de consumo influenciado pelo
grupo de referência, pela cultura dominante.
![Page 133: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/133.jpg)
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O carro para o tijucano é um objeto importante, pois ele significa liberdade.
Quando o tijucano consegue atingir a maior idade, o carro é um meio de conhecer outros
lugares, outras pessoas, freqüentar ambientes sociais diferentes. Ou seja, o carro pode
oferecer para seu detentor o direito de locomoção e, por isso, a presença do fascínio pelo
objeto. E ainda, o que se percebe sobre a relação do homem tijucano com o carro é algo
eminentemente cultural. O seu comportamento exagerado com o carro é tido como uma
representação da identidade de gênero masculino tijucana.
“Entrevistadora: Você gosta do seu carro?
Respondente: Adoro
Entrevistadora: Ele é importante para você?
Respondente: É, eu acho ele o máximo. Não sei, é um carro normal, um golzinho dois mil
e dois normal, mas adoro ele. Vou com ele para cima e pra baixo, nunca me deixou na
mão, nunca me deu problema, não me dá muitas despesas. Vira e mexe tem uma
guaribadazinha e tal, tem que dar mas tenho muito ciúme dele. Tenho mesmo, não gosto
de emprestar. Amigos assim não tem a menor hipótese. Para minha mãe assim eu abro
mão, com a minha tia, elas vão muito no Iguatemi aí eu abro mão”.
Por outro lado, por exemplo, para alguns dos entrevistados, o carro não tem muito
significado e a relação do indivíduo com o este “brinquedo” acaba sendo acompanhada de
uma perspectiva mais utilitarista. Porém, na percepção da autora deste trabalho, esta
relação acaba sofrendo, sim, um acompanhamento simbólico.
O carro, para um informante entrevistado, não tem significados que caminham além
da sua função primordial, o deslocamento das pessoas. O carro é importante para ele para
deixá-lo no lugar desejado na hora marcada. No entanto, se não tivesse um modelo
![Page 134: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/134.jpg)
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Ecosport da ford, poderia ser um Astra. O que não quer dizer que ele consumiria de forma
tranqüila um Celta. Pois um modelo Astra não se trata de um modelo básico, 1.0, popular.
Portanto, o carro para ele tem um significado sim de status, potência, masculinidade.
“Não gosto de carro. É importante para me levar para o clube e tal. (...) Mas se não fosse
o Ecosport, poderia ser o Astra o que não é para mim uma coisa assim tão importante.
Como também não é celular, modelo de celular”.
5.4. Aceitação e o padrão comportamental do tijucano
É importante ressaltar nesse momento que os entrevistados quando se encontram
nessa fase de completa assimilação e orgulho da sua identidade local, eles conseguiram
atingir o bem estar. Ou seja, não está mais presente em suas vidas a preocupação em
construir e se formar em um homem tijucano através do consumo. Portanto, o seu
comportamento e a sua sensação nesse momento é de tranqüilidade, de tarefa cumprida,
apesar de Hall (2002) ressaltar que o ser humano está em constante processo de construção
de identidade. Assim sendo, o que faz referência aqui nesse momento é o fim do consumo
voraz, incessante, intenso.
Afinal, as suas práticas de consumo continuam sendo feitas, porém com outro
sentido nelas envolvido. O sujeito já é um indivíduo cuja identidade de gênero é um
homem heterossexual tijucano, sua identidade já foi plenamente atingida e sendo já um
integrante do grupo social, da comunidade tijucana, o seu consumo simbólico resgata
somente a sensação de reforço da mesma. Como são tijucanos e possuem nesse momento a
sua identidade legitimada, existe uma experiência de consumo muito específica de acordo
com o propósito de reforço dessa identidade.
![Page 135: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/135.jpg)
123
A seguir serão destacadas algumas atitudes que pareceram se repetir nas entrevistas.
Apresentar-se-ão características e hábitos de consumo que classificam o tijucano nessa
fase.
• Laços familiares
Existe uma clara interação entre o tijucano e os seus pais. Foi possível notar em
algumas entrevistas que a figura paterna foi primordial para formação do homem que é
hoje. Muitos tijucanos, assim como dois relataram durante as entrevistas, seguiram a
carreira do pai. Portanto, naturalmente, está presente na vida dos tijucanos um contato
maior com a família do que o percebido em famílias cuja área de habitação não é o bairro
da Tijuca.
“Meus avós moram na Tijuca, inclusive eles moram no mesmo prédio que eu. E logo que
meus pais se casaram eles foram morar na mesma vila que meus avós moravam, minha
avó mora no oitavo e eu moro no sétimo”.
“Foi uma decisão, a gente resolveu morar por aqui, depois que eu casei resolvi ficar por
aqui, a proximidade da família”.
“Todas as sextas-feiras eu almoço com os meus pais aí eu saio daqui e vou direto para a
casa do meu pai almoçar. Como eu trabalho até meio dia sexta-feira, então eu vou
almoçar nos meus pais porque é aquele negócio, aproveito para comer a comida da
mamãe que é maravilhosa e fico com a minha filha e com os meus pais entendeu? Os visito
uma vez por semana entendeu, então você reúne tudo”.
![Page 136: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/136.jpg)
124
Desta forma, acredita-se que os entrevistados reconhecem a importância paterna e
da família em suas vidas. E muitas vezes devido à permanência dos familiares no bairro,
fazem questão de permanecer e continuar construindo a sua história. Um outro fator que
deve ser levado em consideração nesse sentido é o prazer envolvido nesse relacionamento.
O que ocorre neste fato é também a motivação eminentemente afetiva.
• Culto ao bairro
Apesar de alguns sujeitos entrevistados ressaltarem que o bairro é um bairro que
não possui vida nem lazer, foi identificada uma relação de cultuação à Tijuca e de sua
sacralização (Belk, 1989).
Muitos tijucanos reconhecem que o bairro, no quesito opções de lazer, está
incompatível com os desejos e anseios de seus moradores. Neste caso, os programas de
lazer do tijucano nessa fase saem da Tijuca e desta forma passam a pertencer a bairros
como Lagoa, Ipanema, Leblon e Barra da Tijuca.
“A Cobal de Botafogo é um grupo que vai sempre para lá, vai muito pra aqueles
quiosques que tem lá na Lagoa”.
“Tem um comércio que funciona durante o dia, à noite não tem nada”.
No entanto, apesar desses relatos sobre lazer e vida noturna, parece evidente o culto
do tijucano ao bairro, o consumo intenso de seu mundo dos bens.
![Page 137: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/137.jpg)
125
“Exatamente, faço tudo por aqui. Dificilmente eu saio da Tijuca para resolver algum
problema, faço tudo por aqui”.
“A gente freqüenta os restaurantes da Tijuca, Sindicato do Chope enfim, a gente freqüenta
bastante as coisas da Tijuca”.
“Sempre estudei lá, meu curso de inglês era lá, meu dentista era lá, tudo era lá então
realmente não tinha por hábito sair muito”.
É comum observar nos discursos dos respondentes o sentimento de pertencimento e
intimidade com os serviços do bairro. Não sair do bairro para nada significa praticidade,
comodismo, consumir o próprio bairro, ser tijucano, desempenhar a sua identidade local.
Através do consumo do mundo dos bens, o homem manifesta a sua cultura. E ainda
esse consumo e esses hábitos podem comunicá-la aos outros com quem se identifica. Desta
forma, membros de um grupo social, o grupo de tijucanos, enfatizam a sua cultura, o seu
código local, e ainda se aproximam mais desses significados através do seu hábito de
consumo. Portanto, o culto ao bairro, o consumo de seus serviços fazem com que esses
tijucanos entrevistados e o seu grupo se identifiquem e a cada momento reforcem a sua
identidade, seus códigos locais.
• Comércio Local - Extensão de Casa
Comércio como padarias, bancas de jornal, feiras populares são importantes para
sustentar a cultura local, os códigos e ainda disseminá-los. Se tornando um membro deste
ambiente, o indivíduo consumidor, no caso o tijucano, consome esses significados e ainda
![Page 138: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/138.jpg)
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refletem para os outros a sua posição social. É um contato familiar, como se os locais de
consumo fossem a sua segunda casa.
“A gente gosta disso, gosta de conversar com o padeiro, sair ali na rua, a gente gosta de
conversar com o cara do comércio, falar de futebol, a gente gosta. Com o porteiro, eu
gosto, gosto muito de fazer isso, mas é uma característica nossa”.
“Porque a mamãe, ela vai fazer compras naquele mercado, sabe
aqueles micro mercados antigos, que você tem de encolher o ombro pra andar nos
corredores, ela vai num mercadinho desses. É o Tijuquinha, que é quase do lado da casa
dela, atravessa a rua anda um pouquinho e ta lá no mercado. É o mesmo gerente, os
mesmos caixas que já estão velhinhos também, o cara que arruma o mercado, é aquele
velhinho que já está lá há 200 anos. Então acaba conhecendo até pelo nome, Oi seu
fulano! A mamãe é uma típica tijucana”.
Esse tipo de relação com o comércio do bairro, mercado muito antigo, com
denominação de “Tijuquinha”, é um tipo de serviço carregado de significados simbólicos
relacionados à Tijuca. Por isso que o próprio entrevistado caracteriza a sua mãe como uma
tijucana típica. Pois consome os significados relacionados à Tijuca enfatizando assim a sua
identidade.
O comércio local, pequeno e perto de casa é considerado pelo tijucano como uma
extensão de sua casa (BELK, 1988). Apresenta alto nível de familiaridade, informalidade,
amizade, prazer ao realizar o consumo. O tijucano nesse tipo de compra, faz compra para
casa, ou seja, família (altamente significativos). Desta forma, esse tipo de consumo é
![Page 139: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/139.jpg)
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cultural, significa defender estilos de vida. O mesmo já não acontece com as grandes lojas
como, por exemplo, as localizadas no Shopping Tijuca.
• Relação do tijucano com outros bairros
Esta categoria é utilizada para ressaltar a relação do homem tijucano com os
diversos outros bairros que a rodeiam e que fazem parte da Grande Tijuca. De acordo com
Hall (2002), a sua identidade pode ser definida, construída a partir daquilo que ele não é,
ou seja, a sua alteridade.
É evidente no discurso dos entrevistados que o tijucano não é morador do Grajaú,
Andaraí, Vila Isabel. Porém, todos os moradores desses bairros na verdade consomem os
valores e a cultura tijucana e ainda se identificam como tijucanos.
Todavia, o que se percebe durante as entrevistas é que o tijucano morador do bairro
da Tijuca prefere evitar esses outros bairros. Ou seja, eles preferem apresentar uma relação
de afastamento.
“Entrevistadora: Você tem alguma assim relação com eles, qual a sua relação com eles?
Vila Isabel e Grajaú você já morou mas hoje em dia?
Respondente: Nada, não tem mais nada com esses bairros”.
“Dificilmente, tem muito tempo que eu não vou (...) tinha uns barzinhos bons ali que eu até
ia muito, mas agora atualmente dificilmente”.
Percebe-se quase sempre nas entrevistas realizadas para este trabalho que não existe
muita interação entre um homem tijucano e os outros bairros. Nesse momento pode-se
![Page 140: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/140.jpg)
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verificar a importância do consumo do bairro para conhecer os códigos locais e ainda se
identificarem com o grupo. Os entrevistados parecem apresentar um pouco de descaso com
relação à esses outros bairros. O máximo que relatam de relação com os mesmos é de
passagem. A relação que o homem tijucano tem com os outros bairros é de afastamento, de
rejeição.
A identificação com os tijucanos e a construção de uma identidade tijucana também
se dá de acordo com a não proximidade e entendimento dos outros bairros que rodeiam a
tijuca. Ou seja, a relação do tijucano com os outros bairros que para todos os tijucanos
ainda não é geograficamente bem definido, é de não conhecimento, não proximidade. De
acordo com Hall (2002), a sua identidade pode ser definida de acordo com aquilo que você
não é. Ou seja, o tijucano, apesar de não apresentar conhecimento geográfico e ainda das
pessoas que moram nesse outros bairros, sabe quem ele não é, e reforça dessa maneira cada
vez mais a sua identidade tijucana.
![Page 141: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/141.jpg)
129
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou investigar, por meio de uma perspectiva interpretativista,
como os homens do bairro da Tijuca no Rio de Janeiro constroem a sua identidade de
gênero através do consumo. Com este trabalho, buscou-se responder à seguinte pergunta de
pesquisa: de que maneira homens heterossexuais tijucanos constroem a sua identidade de
gênero por meio dos significados simbólicos dos produtos que consumem? Em outras
palavras, a pesquisa procurou compreender como o consumo do mundo dos bens, seja ele
carro, roupa, comida, lazer, influencia e determina a constituição da identidade de um
homem da Tijuca. Desta maneira, possuir o orgulho de morar ou ter morado na Tijuca, isto
é, ser tijucano, é referência importante no processo de formação dessa identidade social.
Como foi visto, a relação existente entre cultura e consumo tem interessado cada
vez mais os estudiosos da área de comportamento do consumidor. De acordo com Slater
(2002), a reavaliação do consumo ao longo das linhas da contemporaneidade está
vinculada à experiência de um mundo inteiramente transformado, não só econômica, mas
também social e culturalmente.
De acordo com McCracken (2003), cultura pode ser entendida como as idéias e
atividades através das quais a sociedade fabrica e constrói os significados do mundo o qual
vive. Pode-se afirmar desta forma que os significados são culturalmente instituídos e
posteriormente transferidos para o mundo dos bens, os quais mais tarde são consumidos
pelos indivíduos com o propósito de apropriação para construção de uma determinada
identidade social. Desta forma, os objetos têm a capacidade de carregar e disseminar
significados culturais. O mundo dos bens detém a capacidade de oferecer ao grupo um
código interno capaz de identificá-los de forma eficaz, de forma a facilitar na manutenção
![Page 142: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/142.jpg)
130
e reforço da identidade, assim como na diferenciação, na exclusão dos não membros, dos
não tijucanos.
Estes códigos são, portanto, utilizados pelos tijucanos para auxiliar na construção
da identidade de gênero. Fazer compras no Shopping Tijuca, consumir os serviços do
bairro (restaurante La Mole, por exemplo), freqüentar o Tijuca Tênis Clube, ir aos antigos
cinemas da praça Saens Peña, comer no Bob’s lá presente, são práticas de consumo
simbólico para facilitar o acesso desses indivíduos ao grupo classificado como homens
tijucanos.
Ser tijucano para esses indivíduos homens heterossexuais significa possuir um
atributo pessoal positivo, uma vez que esse bairro, esse local de moradia, possui segundo
os informantes, inúmeras vantagens e motivos de orgulho, resguardando desta forma, o
comportamento necessário para se representar como tal. Sendo assim, é possível atribuir à
Tijuca a importância de ser um local capaz de “gerar identidade”.
Os diversos tipos de produtos e serviços que são consumidos pelos indivíduos, e
conseqüentemente os seus significados simbólicos, podem estar a todo momento
construindo uma identidade e se tornando características cruciais para os outros sobre
quem nós somos e com quem nos identificamos, à que grupo social pertencemos e ao
mesmo tempo rejeitamos (DORAN, 1997; HYATT, 1992; PIACENTINI & MAILER,
2004; WATTANASUWAN, 2005). Neste trabalho, este ponto foi identificado de forma
que a construção do tijucano se dá de acordo com os produtos, locais e serviços por eles
consumidos.
Notou-se uma valorização exagerada à locais públicos e serviços da Tijuca. É
interessante ressaltar que ao serem questionados sobre que produtos costumam comprar
nos shoppings, os homens tijucanos apresentaram um comportamento de indiferença para
as marcas, porém relatam o ato de consumo no Shopping Tijuca. Exercendo desta forma
![Page 143: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/143.jpg)
131
uma oposição à conclusão apresentada no trabalho de Pereira et al. (2005): marcas são
importantes para o grupo gay. Os gays parecem ser absolutamente influenciados pelo
simbolismo da marca.
A identidade de gênero masculina é constituída por inúmeros produtos, serviços e
atitudes cujos significados simbólicos culturalmente instituídos pela cultura dominante,
fazem referência à heterossexualidade. Por este motivo, é que as “coisas de homem”, como
os próprios entrevistados se referem, são tão importantes durante o seu período de vida
para construir a sua identidade de gênero masculino. Da mesma forma que estes sujeitos
parecem atribuir valor à esses produtos e serviços, as suas atitudes e comportamentos
apreendidos desde quando criança, também são importantes. Para eles, a utilização e o
levantamento de algum indício de nebulosidade sobre a sua identidade de gênero é motivo
de preocupação e verificação sobre o que deve estar acontecendo com os mesmos de
incoerente.
Sendo assim, é importante o conhecimento sobre como esses homens se
relacionam, usufruem (gerenciam) e rejeitam o mundo dos bens que está em sua volta. O
presente trabalho apresentou uma tentativa de verificar como os homens da Tijuca se
tornam mais homens tijucanos através do consumo.
De acordo com as entrevistas, foi possível observar que o mundo dos bens e
serviços e ainda outros locais públicos como a praça Saens Peña, são altamente instituídos
de significados simbólicos e, portanto, oferecem a seus consumidores os códigos locais, os
determinados padrões culturais para se transformarem em tijucanos. E esses códigos são,
portanto, consumidos pelos homens para construir a identidade de homem tijucano, para se
tornarem membros do grupo, para se distinguirem de outras identidades dos moradores dos
diversos outros bairros que rodeiam a Tijuca e se distanciarem da identidade feminina. Este
comportamento é explicado por McCracken (2003), Douglas e Isherwood (2004) e
![Page 144: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/144.jpg)
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Hall(2002), quando mencionam que o consumo de mercadorias e dos significados
simbólicos à elas associados, está intimamente relacionado com a construção da identidade
social do indivíduo.
Primeiramente, foi possível identificar e confirmar de acordo com os discursos dos
entrevistados, a sensação inicial das particularidades da identidade tijucana. Já é um fato,
em estudos que tornam evidente essa cultura, que a identidade tijucana é algo especial,
diferente. O tijucano ele possui um amor incondicional ao bairro, ele é “comodista”, não
sai do bairro para nada, valoriza os locais e serviços do bairro. Consumi-los, significa ter
prazer, estar apropriando dos significados e representando socialmente.
Desta forma, a compra, a posse e o consumo de espaços localizados
geograficamente no bairro da Tijuca definem o indivíduo. Ainda quando jovens, em
período de construção da identidade de homem tijucano, os sujeitos respondentes não
perdem a oportunidade de valorizar e ressaltar os espaços importantes para eles naquele
momento de construção da masculinidade. Nesse momento, o consumo da praça Saens
Peña, dos cinemas nela inseridos, do restaurante de fast-food Bob’s, do Shopping Tijuca
(mais recente), do Clube Tijuca Tênis Clube, é de extrema importância para o seu
posicionamento social. Para eles, consumir esses espaços em momento de se formar um
homem tijucano parece ser aprender os códigos locais, desfrutar do mesmo prazer, fazer
parte do grupo, conhecer meninas, colocar em práticas a sua identidade masculina.
Mais tarde, quando esses indivíduos crescem e conseguem atingir a maior idade,
essa identidade se torna um pouco latente e surge o momento de afastamento, conflito. O
que ocorre é o início do consumo de outros bairros, por exemplo. Ou até mesmo o
afastamento de estruturas símbolos da Tijuca. Devido à forte conotação negativa associada
ao tijucano, preferem negar nesse período a sua origem.
![Page 145: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/145.jpg)
133
Apesar de parecer evidente este afastamento, em um segundo momento, essa
identidade é assimilada e ao mesmo tempo adotada como real, verdadeira. Eles se
consideram membros do grupo, têm orgulho, agem com desligamento no que diz respeito a
brincadeiras e piadas contra a identidade local, consomem intensamente locais altamente
significativos, valorizam o comércio local (considerados a extensão de casa). Para tanto, os
heterossexuais tijucanos apresentam uma sensação de conforto e consomem com o intuito
claro de identificação social e simbolizar os seus códigos, a quem se faz referências.
A última instância que parece emergir é o nível de consciência do indivíduo sobre o
consumo simbólico para a construção de identidade de homem tijucano. O que parece
ocorrer com esses homens respondentes e ainda os seus familiares, é a consciência do
consumo intencional para devida representação social. Talvez esse fato fique pouco
evidente em todas as entrevistas, porém é possível afirmar que o consumo é consciente em
prol da condição de se tornar ou reforçar um homem tijucano.
A seguir serão apresentadas em momentos distintos algumas recomendações
gerenciais, acadêmicas, limitações e sugestões futuras:
• Recomendações gerenciais:
Nesse momento, acredita-se que o estudo sobre o comportamento de consumo do
tijucano em suas diversas fases de construção identitária deve ser considerado de
fundamental importância para que os gestores de organizações compreendam de maneira
mais profunda a atitude de consumo simbólico de um determinado grupo social
principalmente no cenário brasileiro.
O conhecimento sobre como o grupo se aproxima, relaciona, consome, atribui
significados culturais e os rejeita, é bastante útil para os executivos com interesse em
![Page 146: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/146.jpg)
134
explorar este segmento. Este grupo, o qual defende um estilo de vida particular, parece ser
um objeto de extrema vantagem competitiva para as empresas locais.
Um exemplo prático sobre estabelecimentos comerciais rentáveis localizados no
bairro da Tijuca é o restaurante de culinária italiana Spoleto. Esta franquia se localiza
dentro do Shopping Tijuca – templo e local para o tijucano, repleto de significados sociais
culturalmente instituídos. O restaurante Spoleto da Tijuca era, até julho de 2005, a loja que
ocupava o segundo lugar no ranking geral de um número aproximado de 100 lojas de
faturamento mensal. Esta loja, naquele período, só perdia para o restaurante do Shopping
Rio Sul (shopping de maior movimento na zona sul do Rio de Janeiro e loja treinamento).
Portanto, de acordo com o levantamento da presente pesquisa, podem emergir informações
relevantes para o mundo das organizações.
• Recomendações acadêmicas:
Acredita-se ainda que o estudo deve ser considerado um estudo de importância para
a academia, em especial, na academia de marketing, pois existe na pesquisa uma
perspectiva diferente daquelas predominantes nos estudos sobre comportamento do
consumidor. E também de fundamental importância para agregar os estudos sobre cultura e
consumo no Brasil. Por ser um estudo ainda diferenciado na área de marketing,
principalmente no cenário brasileiro, acredita-se que ainda exista espaço para outras
pesquisas relacionadas ao tema que podem contribuir para o avanço teórico acadêmico
sobre comportamento do consumidor, antropologia e sociologia.
• Sugestões Futuras:
Como possíveis trabalhos futuros, sugere-se um estudo de grupos heterossexuais
cujas características sejam distintas das aqui estudadas. Por exemplo, um estudo
![Page 147: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/147.jpg)
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comparativo sobre o jovem tijucano e os tijucanos da “velha guarda”. Outra possibilidade
seria o estudo sobre o gênero feminino, a mulher tijucana. E ainda existe esta outra
questão: um estudo sobre a identidade masculina de moradores de outros bairros do Rio de
Janeiro como Barra da Tijuca (o barrense) ou até mesmo de outro bairro ou Município em
outros estados brasileiros, como o Niteroiense. Ou ainda, uma vez que existe o eterno
comparativo Zona Sul x Zona Norte, seria interessante analisar também o bairro de
Ipanema, desde que os moradores dos bairros apresentem características particulares e
hábitos de consumo que sustentem a sua identidade de gênero.
Os possíveis públicos são diversos, uma vez que suas características são
fundamentalmente distintas daquelas dos indivíduos aqui entrevistados.
É necessário ressaltar que as conclusões aqui apresentadas não deverão ser
generalizadas para toda população. Porém, elas poderão ser utilizadas como informações
para pesquisas futuras.
Esta pesquisa pretendeu compreender o comportamento de homens heterossexuais
para se tornarem homens tijucanos. Acredita-se ter conseguido atingir os objetivos e ter
entendido como se dá essa condição de homem tijucano através do consumo simbólico.
O que existe de fato na mente dos habitantes do Rio de Janeiro é a distinção entre a
Zona Sul e a Zona Norte. Para a maioria, não existe o subúrbio, tudo que está fisicamente
além do túnel Rebouças é conhecido e chamado por eles de Zona Norte. No entanto, está
presente no discurso dos tijucanos a ênfase de ser morador da Zona Norte, porém, não de
ser morador de um bairro do subúrbio.
Um outro aspecto interessante que também foi possível perceber nas entrevistas
realizadas é que também não existem os outros bairros que rodeiam a Tijuca, conforme
mencionado anteriormente. Para os seus moradores, os critérios da divisão administrativa
da cidade foram esquecidos e todos, ao serem questionados onde moram, respondem que
![Page 148: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/148.jpg)
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moram na Tijuca. (pois na prática, todos esses bairros se confundem, não existe uma
fronteira explícita).
![Page 149: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/149.jpg)
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8. ANEXOS
8.1. Anexo 1 – Termo de Confidencialidade
Bom Dia/Boa Tarde/Boa Noite, meu nome é Flavia Cupolillo. Estou realizando esta pesquisa sobre o tema consumo e o homem tijucano para minha dissertação de Mestrado. Este projeto é realizado na Escola Brasileira de Adminsitração Pública e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. No site www.ebape.fgv.br podem ser encontradas mais informações sobre a EBAPE e a FGV. O professor Eduardo Ayrosa, Ph. D., é o orientador deste projeto de pesquisa e pode ser contactado através do telefone (21) 2559-5774 e do endereço eletrônico [email protected] e poderá fornecer quaisquer outros esclarecimentos que se façam necessários. Agradecemos a sua disposição em participar deste projeto de pesquisa. A sua participação é importante e será apreciada. Antes de começar a entrevista, gostaria de garantir-lhe, mais uma vez, que, ao participar deste projeto, você tem alguns direitos bem definidos. Primeiro, a sua participação nesta entrevista é totalmente voluntária. Você pode se recusar a responder qualquer pergunta a qualquer momento. Você pode se retirar da entrevista e dá-la por encerrada a qualquer momento. Esta entrevista será mantida em confidencialidade e estará disponível apenas para a autora do projeto e para o professor orientador da dissertação. Partes desta entrevista podem ser usadas no relatório final da pesquisa, mas, em nenhuma circunstância, o seu nome ou características que permitam a sua identificação serão incluídas no relatório final. Agradeço a sua atenção e peço assinar abaixo como prova de que li este protocolo para você.
____________________________________________ (Assinatura) ____________________________________________ (Nome por extenso) Data: ____/____/_07_
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8.2. Anexo 2 – Roteiro Semi-Estruturado de Entrevistas
ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA ENTREVISTA
- Perguntas de Abertura/Aquecimento:
• Nome Completo • Idade • Estado Civil • Ocupação • Religião • Filhos? • Mora com a família?
- Convidando a fazer descrições:
• Onde estuda ou estudou? Como foi a sua trajetória estudantil?
• Você mora no Bairro da Tijuca hoje? Onde? Há quantos anos? Se não, morou na Tijuca por quantos anos? • A família sempre morou na Tijuca? • E por que os seus pais moram ou moravam na Tijuca?
• Por que decidiu morar neste local?
• Como você me descreveria o bairro da Tijuca para uma pessoa que não conhece o
Rio de Janeiro?
• O que você acha do termo tijucano? - Desenvolvendo a entrevista:
• Você é um típico homem tijucano?
• Você tem orgulho disso?
• O que é ser um homem tijucano para você?
• Você poderia me descrever o que é o tão famoso ‘típico tijucano’?
• O que faz você sentir-se assim?
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• E isso é importante para você? Como é isso?
• Qual a sua opinião sobre os diversos outros bairros que rodeiam a Tijuca? Vila Isabel, Grajaú, Andaraí, Usina, Muda.
• Qual é a sua relação com eles? Freqüenta socialmente, sempre, passagem, nunca
vai, ...
• E as pessoas que são de lá?
• Você tem amigos desses bairros?
• Se identifica com eles?
• As pessoas de lá são parecidas com os tijucanos? Se não, quais as diferenças?
• Qual a principal diferença entre você e os homens desses outros bairros?
• Quais são os lugares de entretenimento que você costuma ir? Na Tijuca ou em outros bairros.
• Suas amizades são do bairro da Tijuca?
• Se você saísse da Tijuca, iria para onde?
• Para você, qual é o outro bairro no Rio de Janeiro que parece com a Tijuca? • Conhece e tem intimidade com os vizinhos e comerciantes locais?
• Fala-me um pouco da sua história de vida. Você é homem, como você começou a
se sentir um homem?
• Como começou a gostar das coisas que usa?
• O que costumava fazer nos seus 14, 15 anos?
• Onde costumava ir com os seus amigos?
• Que tipo de coisas vocês faziam durante o dia?
• E à noite? • Que tipo de estabelecimento era?
• Quais os motivos que te levavam a freqüentar esses lugares?
• Saía para fazer compras?
![Page 163: Flavia Braga Nogueira Cupolillo, Como se faz um tijucano](https://reader030.vdocuments.com.br/reader030/viewer/2022012811/61c220e84fafaa7632699449/html5/thumbnails/163.jpg)
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• Onde? Com quem?
• O que gostava de comprar? Por quê?
• Onde comprava as suas roupas? Tinha uma loja específica que você gostava mais? Por quê?
• Hoje, como você é com as compras?
• Que tipo de roupa é legal para você?
• Onde costuma comprar?
• Tem algum objeto que é importante para você? Como carro, roupa.
• Você tem algum hobby?
• Pratica algum tipo de atividade? Qual? Onde?
• E as mulheres?
• Quando jovem, tinha um lugar especial que vocês saiam para namorar, para
impressionar a garota? Onde?
• A sua mulher é tijucana? Se não, casaria com uma tijucana?
• Para você, a mulher tijucana é diferente do homem tijucano?
• E os gays?
• Como você separa os homens e os gays nos objetos de consumo?
• Tem alguma coisa que você tem e que tem um significado maior para você? O que? • Por que ela tem um significado especial?
- Finalizando:
• Nós discutimos uma porção de assuntos interessantes, há alguma coisa que nós não discutimos?
• Há algo mais que você gostaria de me dizer?