física ii-versão final janeiro 2010 (2)-2

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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA DEPARTAMENTO DE FÍSICA FÍSICA II TERMODINÂMICA B António A. Dias M. Carmo Lança M. Lourdes Costa 1

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Page 1: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

DEPARTAMENTO DE FÍSICA

FÍSICA II TERMODINÂMICA B

António A. Dias M. Carmo Lança M. Lourdes Costa

1

Page 2: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

AGRADECIMENTOS

À Maria João Lourenço Pereira cuja competência tornou possível o

aparecimento deste volume que não é mais que a “arrumação” de notas compiladas ao

longo de vários anos. Foi notável a paciência e rapidez de resposta evidenciadas

quando frequentes mudanças no texto e novas figuras eram pedidas...para “ontem”!

2

Page 3: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS .................................................................................................................... 2

CAPÍTULO 1 ................................................................................................................................ 7

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 7

CAPÍTULO 2 .............................................................................................................................. 10

CONCEITOS BÁSICOS ........................................................................................................... 10

2.1 Sistemas Termodinâmicos ......................................................................................... 10

2.2 Fronteiras ou paredes ............................................................................................... 11

2.3 Propriedades Termodinâmicas .................................................................................. 13

2.4 Pressão ...................................................................................................................... 15

2.5 Equilíbrio Termodinâmico e Estados de Equilíbrio .................................................... 16

2.6 Processos Termodinâmicos ....................................................................................... 17

CAPÍTULO 3 .............................................................................................................................. 20

TEMPERATURA E A LEI ZERO DA TERMODINÂMICA ............................................................... 20

3.1 Equilíbrio Térmico. A Lei Zero da Termodinâmica .................................................... 20

3.2 Propriedades Termométricas .................................................................................... 21

3.3 Célula do Ponto Triplo ............................................................................................... 22

3.4 Termómetro de Gás a volume constante .................................................................. 24

3.5 Escalas de Temperatura ............................................................................................ 26

3.5.1 Escala Prática Internacional de Temperatura .......................................... 26

3.5.2 Escalas Celsius e Fahrenheit ................................................................... 27

3.6 Outros tipos de Termómetros ................................................................................... 28

3.6.1 Termopares ............................................................................................. 29

3.6.2 Termoresistências ................................................................................... 32

3.6.3 Termístores ............................................................................................. 34

3.6.4 Pirómetro Óptico ..................................................................................... 36

CAPÍTULO 4 .............................................................................................................................. 38

EQUAÇÕES DE ESTADO ........................................................................................................ 38

4.1 Equação de Estado do Gás Ideal ................................................................................ 39

4.2 Superfície P‐v‐T para um Gás Ideal ............................................................................ 42

4.3 Equações de Estado de Gases Reais .......................................................................... 43

4.4 Transformações Físicas de Substâncias Reais ........................................................... 47

4.4.1 Substância Pura ....................................................................................... 47

3

Page 4: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

4.4.2 Fases duma substância Pura .................................................................... 47

4.4.3 Superfícies p-v-T para Substâncias Reais ............................................... 50

4.5 Expansão e Compressão ............................................................................................ 56

CAPÍTULO 5 .............................................................................................................................. 62

A PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA ................................................................................ 62

5.1 Introdução ................................................................................................................. 62

5.2 Trabalho ..................................................................................................................... 66

5.2.1 Cálculo do trabalho em alguns Processos Reversíveis. .......................... 70

5.3 Outras formas de Trabalho ........................................................................................ 72

5.4 Calor ........................................................................................................................... 75

5.5 Equivalente Mecânico do Calor ................................................................................. 77

5.6 Entalpia ...................................................................................................................... 78

5.7 Capacidade Calorífica e Calores Específicos .............................................................. 79

5.8 Reservatórios Termodinâmicos ................................................................................. 82

5.9 Calor latente de transformação ................................................................................ 82

5.10 Equações da Energia Interna ................................................................................... 83

5.10.1 T e v como Variáveis Independentes .................................................... 84

5.10.2 T e P como Variáveis Independentes .................................................... 85

5.11 Processos Adiabáticos Reversíveis .......................................................................... 92

CAPÍTULO 6 .............................................................................................................................. 97

TRANSFERÊNCIA DE CALOR ................................................................................................. 97

6.1. Introdução ................................................................................................................ 97

6.2. Condução .................................................................................................................. 97

6.3 Convecção ............................................................................................................... 103

6.4 Radiação .................................................................................................................. 108

6.5 Aplicações ................................................................................................................ 112

CAPÍTULO 7 ............................................................................................................................ 116

MÁQUINAS TÉRMICAS, FRIGORÍFICAS E BOMBAS DE CALOR ........................................... 116

7.1 Máquina Térmica ..................................................................................................... 116

7.2 O Ciclo de Carnot ..................................................................................................... 117

7.3 Ciclo de Stirling ........................................................................................................ 123

7.4 Ciclo de Otto ............................................................................................................ 126

7.5 Ciclo de Diesel .......................................................................................................... 132

7.6. Comparação dos motores a 4 tempos (gasolina ou diesel) ................................... 134

4

Page 5: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

7.7 Máquina Frigorífica.................................................................................................. 135

7.8 Máquinas frigoríficas e bombas de calor ................................................................ 139

CAPÍTULO 8 ............................................................................................................................ 141

A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA .............................................................................. 141

8.1 Introdução ............................................................................................................... 141

8.2 Enunciados de Kelvin e de Clausius da Segunda Lei ................................................ 142

8.2.1 Enunciado de Kelvin-Plank .................................................................. 142

8.2.2 Enunciado de Clausius .......................................................................... 143

8.3. Teorema de Carnot ................................................................................................. 144

8.4. Temperatura Termodinâmica .................................................................. 146

8.5 Entropia ................................................................................................................... 150

8.6 Variação de S em Processos Reversíveis ................................................................. 152

8.6.1. Variação de Entropia numa Transição de Fase .................................... 152

8.6.2. Variação da Entropia num Processo Isocórico .................................... 153

8.6.3. Variação da Entropia num Processo Isobárico .................................... 154

8.6.4. Variação da Entropia num Processo Adiabático Reversível ................ 154

8.7 Diagramas Temperatura – Entropia ........................................................................ 154

8.8 Desigualdade de Clausius ........................................................................................ 157

8.9 Princípio do Aumento da Entropia .......................................................................... 157

8.10 Entropia e Ordem .................................................................................................. 160

CAPÍTULO 9 ............................................................................................................................ 165

PRIMEIRA E SEGUNDA LEIS COMBINADAS ........................................................................ 165

9.1 Introdução ............................................................................................................... 165

9.2. T e V como Variáveis Independentes ..................................................................... 166

9.3. T e P como Varáveis Independentes ...................................................................... 168

9.4 Equações Tds ........................................................................................................... 170

9.5 Propriedades de uma Substância Pura .................................................................... 170

9.6 Propriedades de um Gás Ideal ................................................................................. 171

9.6.1 T e P como variáveis independentes ..................................................... 171

9.6.2 T e v como varáveis independentes ...................................................... 172

9.6.3 P e v como variáveis independentes ..................................................... 172

9.7 Propriedades de um Gás de van der Waals ............................................................. 172

CAPÍTULO 10 .......................................................................................................................... 174

POTENCIAIS TERMODINÂMICOS ....................................................................................... 174

5

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10.1. Introdução ............................................................................................................ 174

10.2 Função de Helmholtz ............................................................................................. 175

10.3 Entalpia ................................................................................................................. 176

10.4 Energia livre de Gibbs ........................................................................................... 177

10.5 Relações de Maxwell ............................................................................................ 178

10.6 Entalpia e Termoquímica ...................................................................................... 183

10.7 Sistemas Abertos .................................................................................................. 184

CAPÍTULO 11 .......................................................................................................................... 189

A TERCEIRA LEI DA TERMODINÂMICA ............................................................................... 189

11.1 Entropia, Zero Absoluto, e a Terceira Lei .............................................................. 189

11.2 Consequências Físicas da Terceira Lei ................................................................... 190

11.3. A impossibilidade de atingir o Zero Absoluto ....................................................... 195

CAPÍTULO 12 .......................................................................................................................... 197

TEORIA CINÉTICA DOS GASES ............................................................................................ 197

12.1 Introdução ............................................................................................................. 197

12.2 Hipóteses Básicas .................................................................................................. 197

12.3 Teorema da Equipartição de Energia .................................................................... 198

12.4 Teoria Clássica dos Calores Específicos ................................................................. 206

12.5 Percurso livre médio .............................................................................................. 209

12.6 Distribuição de Maxwell das velocidades moleculares ......................................... 212

12.6.1 Função distribuição ............................................................................. 212

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

Termodinâmica é a ciência que estuda a energia e a sua transformação.

Existem diferentes tipos de energia: o trabalho realizado por um bloco que escorrega

num plano inclinado, energia eléctrica, energia magnética, energia nuclear, etc..

Todos estes tipos de energia são analisáveis do ponto de vista da termodinâmica.

Uma vez que a termodinâmica trata da energia e da sua relação com a matéria,

podemos dizer que é o campo científico mais geral, porque, qualquer sistema

tecnológico envolve a utilização de energia e de matéria. De facto, a engenharia

termodinâmica tem um papel vital no “design” de processos, máquinas e sistemas que

se utilizam no nosso dia a dia.

Radiadoresde automóveis

Entrada de água

Saída de água

Centrais térmicas Sistemas de refrigeração

O corpo humano

Sistemasde ar condicionado

Aviões

Figura 1.1 – Algumas áreas de aplicação da termodinâmica

Este campo tem incidência em muitas áreas, tais como, meteorologia,

ambiente, química, biotecnologia, engenharia biomédica, electrotécnica, materiais,

produção, mecânica, civil e arquitectura.

Quando analisamos determinadas situações físicas, fixamos a nossa atenção

numa “porção” de matéria que separamos de tudo o que a rodeia. A essa porção de

matéria vamos chamar sistema e, ao que a rodeia, vizinhança. Estes conceitos vão ser

tratados mais tarde com mais detalhe.

7

Page 8: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Quando consideramos sistemas termodinâmicos constituídos por quantidades

de matéria de tamanho finito, tais como ar comprimido num tanque de aço ou um

bloco metálico aquecido, estamos a falar de termodinâmica macroscópica ou

clássica. Na análise de sistemas deste tipo estamos apenas a considerar a matéria

como um todo. Quando consideramos as estruturas atómicas e moleculares da

substância, estamos a tratar da termodinâmica microscópica.

A termodinâmica microscópica poderá analisar o comportamento das

moléculas gasosas baseando-se na termodinâmica clássica. A este tipo de análise

chamamos teoria cinética, e nela, as leis da mecânica são aceites como axiomas.

A teoria quântica deve substituir a mecânica clássica quando consideramos a

matéria à escala atómica. Dado o elevado número de partículas que é considerado

numa análise microscópica, usam-se técnicas estatísticas para descrever a distribuição

mais provável das partículas em certos estados de energia. Quando as técnicas

estatísticas e a teoria quântica são usadas, estamos a falar de mecânica estatística ou

termodinâmica estatística.

Este curso trata da termodinâmica macroscópica a que chamaremos,

geralmente, termodinâmica. Sistemas em equilíbrio bem como o calor, o traballho, a

energia, serão o objectivo do nosso estudo.

A termodinâmica do equilíbrio é uma ciência macroscópica e é idependente de

qualquer teoria da estrutura molecular. De facto, a palavra “molécula” não faz parte

do vocabulário da termodinâmica. Contudo, vamos por vezes referir o conceito

molecular para ajudar ao seu entendimento.

A termodinâmica baseia-se em quatro princípios: A lei zero, a primeira, a

segunda e a terceira leis. Apenas a terceira lei está colocada correctamente, do ponto

de vista cronológico. A segunda lei foi formulada em 1824. Só vinte anos mais tarde

foi estabelecida a primeira lei. A terceira lei e a lei zero apareceram já no século vinte.

A lei zero relaciona igualdade de temperatura com equilíbrio termodinâmico.

Ela formaliza um facto experimental importante: o equilíbrio termodinâmico de dois

sistemas impõe igualdade de uma única propriedade que se chama temperatura.

A primeira lei admite o calor como uma forma de energia, e é interpretada

como um príncipio de conservação de energia.

A segunda lei, ou da entropia, coloca limites na quantidade de calor que é

convertida em energia mecânican (trabalho). Ela está ligada à irreversibilidade de

8

Page 9: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

9

processos que ocorrem espontaneamente na natureza, como o fluxo de calor. Podemos

dizer que esta lei dá idicação da direcção em que a transferência de energia ocorre.

A terceira lei, ou postulado de Nernst, refere-se à temperatura do zero absoluto

(até hoje inatingível).

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CAPÍTULO 2

CONCEITOS BÁSICOS

Termodinâmica, tal como outras ciências físicas, baseia-se na observação da

natureza. Como tal, ela emprega termos tais como energia, equilíbrio, propriedade,

sistema, processo, trabalho e calor, que são usados na nossa linguagem diária. Para

aplicar a metodologia da termodinâmica como eficiência, é preciso, contudo, usar

definições precisas desses termos. Embora no início todos eles possam parecer

abstractos, eles começarão a ter significado real quando comerçarmos a aplicá-los na

solução de problemas práticos.

2.1 Sistemas Termodinâmicos

Em termodinâmica, definimos sistema como a porção do Universo que estamos

a estudar. Tudo o que é exterior ao sistema chamamos vizinhança. O sistema está

separado da vizinhança pela fronteira ou parede.

Conforme o tipo de parede, podemos classificar os sistemas termodinâmicos em

sistemas abertos, sistemas fechados ou sistemas isolados. Estas três possibilidades

estão ilustradas na Figura 2.1.

Num sistema fechado, a parede é impermeável à matéria. Isto é, um sistema

fechado não troca matéria com as suas vizinhanças e, consequentemente, a sua massa

permanece constante. Contudo, um sistema fechado pode trocar energia, em termos de

calor e trabalho, com as suas vizinhanças.

Num sistema aberto, há fluxo de matéria através da fronteira. Além disso,

poderá também haver de calor e de trabalho.

Num sistema isolado, não há qualquer interacção com as suas vizinhanças. A

parede é impermeável à matéria e a qualquer forma de energia. Podemos assim definir

um sistema isolado como um conjunto de subsistemas em que as interacções estão

restringidas aos subsistemas dentro do conjunto. O conjunto dum sistema com as suas

vizinhanças constitui um sistema isolado.

10

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Matéria Calor

Sistemaaberto

Vizinhança

Sistemafechado

Sistemaisolado

Vizinhança Vizinhança

Matéria Calor Matéria Calor

(a) (b) (c)

Figura 2.1 – Fluxo de calor e matéria em sistemas (a) abertos, (b) fechados e (c)

isolados

Um sistema isolado é, obviamente, um sistema fechado mas, nem todos os

sistemas fechados são isolados.

Exemplos práticos de diferentes tipos de sistemas são mostrados na Figura 2.2.

Observe-se que, no sistema isolado, existe um conjunto de subsistemas em que as

interacções de matéria e energia estão restringidas aos subsistemas dentro do conjunto.

Este curso tratará apenas de sistemas fechados.

2.2 Fronteiras ou paredes

Um sistema pode ser separado da sua vizinhança por vários tipos de fronteiras

ou paredes: paredes rígidas, paredes diatérmicas e paredes adiabáticas. Relativamente

à passagem de matéria, as paredes podem ser permeáveis, semi-permeáveis e

impermeáveis consoante permitem a passagem de matéria, a passagem de apenas

determinados componentes (o quartzo quente é permeável ao hélio mas impermeável a

outros gases) ou impedem a passagem de matéria, respectivamente.

Uma parede rígida é aquela que não permite que haja variação no volume do

sistema.

Uma parede diatérmica é a que torna possível que o sistema comunique

termicamente com as suas vizinhanças. Dois sistemas separados por uma parede

diatérmica estão em contacto térmico. As paredes que existem no nosso dia a dia são,

geralmente, do tipo diatérmico.

Uma parede adiabática é a que é impermeável à energia térmica. Uma tal

parede impede interacção térmica entre o sistema e as vizinhanças.

Embora esta seja um situação ideal, pode considerar-se um sistema como tendo

uma parede adiabática desde que a quantidade de calor transferida seja muito pequena

11

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quando comparada com os outros tipos de trocas de energia. Os vasos de Dewar, a lã de

vidro e o vácuo são exemplos de paredes deste tipo. Os isolamentos por multicamadas,

criados para uso na indústria criogénica, podem também ser considerados como paredes

adiabáticas.

a) Calor

Fluido

Fronteira

Trabalho

b)

c)

Trabalho

FronteiraEntrada

de Fluido

Saída deFluido

Calor

Turbina

Reservatóriode Calor

Reservatóriode Calor

Reservatóriode Trabalho

Calor

Calor

Trabalho

Fronteira

MáquinaTérmica

Figura 2.2 – Exemplos de sistemas (a) fechado-fluído num cilindro com pistão móvel,

(b) aberto-turbina e (c) isolado-subsistemas dum sistema produtor de energia.

O exemplo seguinte mostra o que foi dito anteriormente sobre sistemas e

paredes.

O estudo da tensão de vapor de água em função da temperatura pode ser

realizado utilizando um recipente, com água, em vácuo, que mergulha num banho a

temperatura constante, e que é ligado a um manómetro para medir a pressão. Um

dispositivo deste tipo está representado na Figura 2.3.

Neste caso, o sistema é a água e o vapor de água no recipiente. A vizinhança é o

banho a temperatura constante e o mercúrio no manómetro. Este sistema é fechado, mas

12

Page 13: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

não é isolado – ele pode ser aquecido ou arrefecido pelo banho. As paredes do sistema

são impermeáveis, mas permitem um contacto térmico com o líquido do banho. As

paredes do recipiente com água são essencialmente rígidas mas, se considerarmos como

“parede” a interface entre o vapor de água e o mercúrio ela é móvel.

Manómetro

Banho a TemperaturaConstante

Figura 2.3 – Um sistema termodinâmico e suas vizinhanças

2.3 Propriedades Termodinâmicas

As características que distinguem um sistema são chamadas propriedades do

sistema. Estas são as quantidades que devem ser especificadas para dar uma descrição

macroscópica desse sistema. Muitas dessas quantidades tais como massa, energia,

pressão, volume, densidade, campo eléctrico, campo magnético, já nos são familiares de

outros ramos da ciência. Duas outras propriedades, temperatura e entropia, são

extremamente importantes em termodinâmica. Estas duas, juntamente com a energia,

formam os pilares da estrutura termodinâmica. Vamos considerá-las em mais pormenor

um pouco mais adiante.

Uma propriedade é uma característica dum sistema que é directa ou

indirectamente observável. Qualquer combinação dessas características, tais como, por

exemplo, o produto da pressão pelo volume, é também uma propriedade. Isto é, podem

obter-se novas propriedades desde que sejam definidas em termos de outras

propriedades . Vamos ver que entre as muitas propriedades derivadas existem três

particularmente úteis: entalpia, função de Gibbs e função de Helmholtz.

13

Page 14: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A definição duma propriedade em termodinâmica tem um significado particular.

Vamos exemplificar considerando a pressão. Quando um sistema tem uma pressão P1

num determinado instante e uma pressão P2 noutro instante, a variação de pressão é

dada simplesmente por P2-P1, qualquer que seja o modo como essa variação de pressão

teve lugar. Isto significa que P2

P1

ΔP = dP = - P2 1

(2.1) P

onde dP representa uma variação diferencial de pressão. Do ponto de vista matemático,

a equação 2.1 indica que dP é uma diferencial exacta, e que o integral é

completamente independente do “caminho” segundo o qual a pressão variou. Isto é

a razão pela qual as propriedades termodinâmicas são chamadas funções de ponto ou

funções de estado. Uma quantidade cujo valor depende da trajectória seguida para

passar dum estado a outro é chamada função de trajectória. A diferencial duma tal

quantidade não é exacta.

As propriedades dum sistema podem ser de dois tipos: intensivas e extensivas.

Propriedades intensivas são aquelas que são independentes da quantidade de matéria

existente no sistema. Não são aditivas. Pressão, temperatura e densidade são exemplos

de propriedades intensivas.

Propriedades extensivas são aquelas que são proporcionais à massa do sistema.

São aditivas. Volume, energia e entropia são exemplos de propriedades extensivas. É

por vezes muito útil obter certas propriedades intensivas das correspondentes

propriedades extensivas. Por exemplo, o volume específico (volume por unidade de

massa) é obtido dividindo o volume do sistema pela sua massa. Da mesma maneira,

entropia específica (entropia por unidade de massa) é obtida dividindo o conteúdo da

entropia do sistema pela sua massa. Se usarmos uma letra maiúscula para uma

propriedade extensiva e a mesma letra minúscula para o correspondente específico, o

volume específico e a entropia específicas são dadas por

v = VM

s = SM

e

em que v é o volume específico, V o volume, s entropia específica, S entropia, e M

massa do sistema.

14

Page 15: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Densidade (ρ) é definida como a massa duma substância dividida pelo seu

volume, ou a massa por unidade de volume. Assim, ρ= 1/v, é uma propriedade

intensiva.

2.4 Pressão

A pressão pode definir-se como a razão entre a força normal a uma superfície e a

área desta. A unidade padrão de pressão no sistema internacional (SI) é o Pascal (Pa).

1 Pa = 1N/m2

Ao nível do mar, à temperatura T = 0ºC, a pressão é dita normal se igual a

101325 Pa, 1 atm, 760mmHg ou 1013,25 mbar.

Utiliza-se ainda uma outra unidade: o bar.

1 bar = 105Pa = 0,1MPa = 100kPa

Usa-se um barómetro, Figura 2.4, para medir a pressão atmosférica ou pressão

barométrica.

Patm = ρgh kPa

76 cm

Vácuo

PatPat Hg

Figura 2.4 – Barómetro de mercúrio

15

Page 16: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Pressão absoluta é a pressão real num dado local e é medida em relação ao

vácuo, Figura 2.5. A maior parte dos aparelhos de medida de pressão são calibrados de

modo a que o zero absoluto corresponda à pressão atmosférica.

Pmanométrica = Pabs - Patm

Pressão absoluta

P = P + gh0 ρ

Pressão a medir

Pressão manométrica

Pressão atmosférica

Pressão nulaVácuo perfeito

Figura 2.5 – Pressões absoluta, atmosférica e manométrica

2.5 Equilíbrio Termodinâmico e Estados de Equilíbrio

Em certas condições, um conjunto de matéria pode sofrer mudanças tão

pequenas que são desprezáveis. Quando a matéria não sofre variações de todas as

propriedades dizemos que ela está em equilíbrio termodinâmico. Estados de equilíbrio

dum dado sistema são então caracterizados por determinados valores de todas as suas

propriedades.

O conceito de equilíbrio em termodinâmica clássica é importante. É realmente

uma abstracção, uma vez que os sistemas reais não estão nunca em equilíbrio. Contudo,

nós postulamos que qualquer sistema termodinâmico pode estar em equilíbrio e que

qualquer sistema isolado, ao fim de algum tempo, atinge um estado de equilíbrio

termodinâmico.

Quando um sistema exerce uma força na sua fronteira que é contrabalançada

pela força exterior, ele está em equilíbrio mecânico.

Quando um sistema está a uma determinada temperatura que é igual à

temperatura da sua vizinhança o sistema está em equilíbrio térmico.

Quando a composição química dum sistema não varia, o sistema está em

equilíbrio químico. Para ter equilíbrio termodinâmico, as condições de equilíbrio

mecânico, equilíbrio térmico e equilíbrio químico devem ser satisfeitas.

16

Page 17: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

2.6 Processos Termodinâmicos

Quando uma porção de matéria passa de um estado de equilíbrio para outro

estado de equilíbrio, dizemos que sofreu um processo. As características especiais de

certos processos são reconhecidas a partir dos nomes dados a esses processos. P

V

T

V

T

P

(a) (b) (c)

Isocórico

Isobárico Isotérmico

Figura 2.6 – Alguns processos termodinâmicos

Por exemplo, um processo isótermico (Figura 2.6 b) é um processo a

temperatura constante, um processo isobárico (Figura 2.6 a) é um processo a pressão

constante, e um processo isocórico (Figura 2.6 c) é um processo a volume constante.

Por outro lado, o significado de alguns processos só é evidente depois de entendermos

completamente as definições envolvidas. Exemplos deste tipo são processos

adiabáticos, processos cíclicos, processos quasi-estáticos, e processos reversíveis.

Um processo diz-se adiabático quando o calor não atravessa a fronteira do

sistema em qualquer direcção.

Um processo é cíclico, quando existe uma sequência de processos que o sistema

sofre de tal modo que o seu estado inicial coincide com o estado final. Por outras

palavras, a variação total no ciclo de qualquer propriedade do sistema é zero.

Matematicamente, é

dX = 0,

em que X é a propriedade e o símbolo indica que a integração é feita ao logo

do ciclo.

17

Page 18: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Processos Quasi-estáticos

Se um processo se desenrola de tal modo que, em qualquer instante, o sistema se

desvia dum estado de equilíbrio dum modo infinitesimal, o processo chama-se quasi-

estático (diz-se por vezes que o processo se dá ao longo de estado de quasi-equilíbrio).

Para um processo deste tipo, o caminho seguido pelo sistema pode ser representado por

uma sucessão de estados de equilíbrio. Se há desvios finitos do equilíbrio, o processo é

não quasi-estático.

PextP

Pres

são

A

B

Volume

Figura 2.7 – Expansão e compressão quasi-estáticas dum gás

Considere-se um gás num cilindro que contém um pistão móvel como mostra a

Figura 2.7. Se a pressão externa, Pext, for mantida, dum modo infinitesimal, inferior à

pressão, p, do gás, o gás vai expandir-se, de um modo quasi-estático, seguindo o

caminho A. Se a pressão externa, Pext, for mantida, dum modo infinitesimal, superior à

pressão, p, do gás, este vai comprimir-se dum modo quasi-estático, seguindo o caminho

B. No limite, estes dois processos seguem o mesmo caminho em direcções opostas.

Assim, um processo quasi-estático é reversível.

18

Page 19: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Um processo quasi-estático é um processo ideal. É realizado fazendo a variação

muito lentamente. Todos os processos reais são não-quasi-estáticos porque se dão com

diferenças finitas de pressão, temperatura, etc. entre o sistema e as vizinhanças.

Processos Reversíveis

Um processo é reversível quando, após a sua efectivação, for possível, de

qualquer modo, voltar às condições iniciais do sistema e das vizinhanças. Este processo

ideal será discutido dum modo mais elaborado quando estudamos a entropia. Os

processos reais são todos irreversíveis mas, alguns são menos irreversíveis do que

outros:

• aquecer uma panela com água ao lume;

• cilindro com gás e um êmbolo móvel comprimido bruscamente;

• um processo cíclico só é reversível se a vizinhança tiver, também,

voltado aos seu estado inicial;

• expansão livre.

Parte da importância da termodinâmica é reconhecer os factores que contribuem

para a irreversibilidade para poder seleccionar ou criar os melhores processos para um

dado problema.

Existe irreversibilidade quando não há equilíbrio durante o processo. Por

exemplo, quando se fornece calor a um sistema por meio de uma diferença de

temperatura finita, o sistema sofre um processo não quasi-estático. A irreversibilidade

também aparece quando existe atrito de qualquer tipo. Nestes casos diz-se que existem

efeitos dissipativos.

19

Page 20: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 3

TEMPERATURA E A LEI ZERO DA TERMODINÂMICA

Se a palavra temperatura vos sugere o boletim meteorológico da TV ou a

escolha de um valor na escala de aquecimento num forno de microondas, é talvez a

altura de “olhar” para este conceito dum modo diferente.

Temperatura, um dos sete padrões do Sistema Internacional (SI), é uma das

grandes variáveis da Física. Os físicos medem a temperatura na escala Kelvin. Embora

a temperatura dum corpo possa, aparentemente, ser aumentada sem limite, ela não pode

ser diminuida sem limite e, este limite de baixa temperatura é tomado como o zero da

escala Kelvin.

O conceito de temperatura tem origem na percepção humana de quente e frio.

3.1 Equilíbrio Térmico. A Lei Zero da Termodinâmica

Tocando em vários objectos, por exemplo, A, B e C, somos capazes de dizer se

A está mais quente que B ou C. Estamos assim a falar da nossa percepção de

temperatura. Este é um modo muito subjectivo de determinar a temperatura de um corpo

e não é muito útil quando se trata de ciência. O que nós precisamos é de uma medição

de temperatura objectiva, numérica.

Se colocarmos dois dos objectos mencionados, A e B, por exemplo, em contacto

um com o outro, ao fim de um certo tempo é fácil verificar que eles estão à mesma

temperatura. Diz-se que A e B estão em equilíbrio térmico um com o outro. O teste

lógico e operacional para equilíbrio térmico é usar um terceiro objecto teste, tal como

um termómetro.

Tudo o que ficou dito nos últimos parágrafos pode ser resumido naquilo que se

chama a lei zero da termodinâmica: Se A e B estão em equilíbrio térmico com um

terceiro objecto C (o termómetro), então A e B estão em equilíbrio térmico um com o

outro.

A ideia contida na lei zero, embora simples, não é óbvia ou geral. Por exemplo,

o Paulo e o João conhecem cada um deles, o Fernando. Contudo, eles podem não se

conhecer entre si.

20

Page 21: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Esta discussão exprime a ideia de que a temperatura de um sistema é uma

propriedade que, eventualmente, atinge o mesmo valor quando todos estes sistemas são

postos em contacto. Isto é, a propriedade física que determina se os corpos postos em

contacto estão ou não em equilíbrio térmico, é a temperatura.

Em geral, a temperatura dum sistema dada por um tipo de termómetro (por

exemplo, um termómetro de mercúrio) não é exactamente a mesma que a dada por outro

tipo de termómetro (por exemplo, um termómetro de resistência eléctrica) excepto nos

seus pontos fixos comuns. As escalas de temperatura empírica dependem da natureza da

substância termométrica usada. Veremos que, como uma consequência da segunda lei

de termodinâmica, se pode estabelecer uma escala de temperatura termodinâmica que é

independente da natureza da substância.

3.2 Propriedades Termométricas

Existem muitas propriedades físicas mensuráveis que variam como varia a nossa

percepção fisiológica de temperatura. Entre estas contam-se o volume de um líquido, o

comprimento de uma barra, a resistência eléctrica de um fio, a pressão de um gás

mantido a volume constante, o volume de um gás mantido a pressão constante, etc..

Qualquer destas propriedades pode ser usada na construção de um termómetro. Isto é,

pode estabelecer-se uma escala própria de temperatura. Uma escala de temperatura

deste tipo é estabelecida, escolhendo uma determinada substância termométrica e uma

determinada propriedade termométrica dessa substância.

Definimos então a escala da temperatura por meio de uma relação entre a

propriedade termométrica escolhida da nossa substância e a temperatura medida na

nossa própria escala. Por exemplo:

1 – A substância termométrica pode ser um líquido num tubo capilar de vidro e a

propriedade termométrica pode ser o comprimento da coluna líquida.

2 – A substância termométrica pode ser um gás mantido num cilindro a volume

constante e a propriedade termométrica pode ser a pressão do gás; etc..

Note-se que, cada escolha de substância e propriedade termométricas,

simultânea com a tal relação entre propriedade e temperatura, conduz a uma

determinada escala de temperatura cujas medições não concordam necessariamente com

medições feitas em qualquer outra escala de temperatura definida independentemente.

21

Page 22: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Este caos aparente na definição de temperatura foi anulado pelo acordo

universal, dentro da comunidade científica, em usar uma substância termométrica

particular, e uma relação funcional particular entre medições dessa propriedade e uma

escala de temperatura universalmente aceite. Qualquer outra escala de temperatura

definida de uma maneira pode ser então sempre calibrada em função da escala

universal.

3.3 Célula do Ponto Triplo

Para calibrar o termómetro, especificamos um ponto fixo padrão no qual todos

os termómetros devem dar a mesma leitura para a temperatura T. Este ponto fixo é

escolhido de modo que gelo, água líquida e vapor de água coexistam em equilíbrio. A

este ponto chama-se ponto triplo da água.

A célula do ponto triplo do National Bureau of Standars está representada na

Figura 3.1.

Para se atingir o ponto triplo, destila-se água o mais pura que for possível (de

composição isotópica semelhante à da água do oceano) para um vaso que é depois

fechado em vácuo. Este vaso é seguidamente imerso numa mistura de água-gelo, o que

provoca a formação de uma camada de gelo na parede da célula. Este sistema está no

ponto triplo quando gelo, água e vapor de água estão todos presentes e em equilíbrio

dentro da célula. O termómetro a ser calibrado é introduzido na cavidade central da

célula. A pressão de vapor da água neste ponto triplo é 4,58 mm Hg.

A temperatura deste ponto fixo padrão foi determinada experimentalmente

arbitrando

T3 = 273,16 K (3.1)

em que T3 corresponde à temperatura do ponto triplo, e K corresponde a Kelvin.

O ponto de congelação da água foi usado previamente, mas o seu ponto triplo dá

resultados mais reprodutíveis.

Para obter uma escala de temperatura definitiva, tem de se seleccionar um tipo

particular de termómetro como padrão.

22

Page 23: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A escolha tem de ser feita, não na base de conveniência experimental, mas tendo

em conta que a escala de temperatura definida por um termómetro particular seja útil na

formulação das leis da física.

As variações mais insignificantes em leituras são encontradas em termómetros

de gás a volume constante, o que sugere que devemos escolher um gás como substância

termométrica padrão.

Vapor de água

Água

GeloCélula (fechada em vácuo

Entrada do Termómetro

Mistura Água-Gelo

Dewar

Figura 3.1 – Célula do Ponto Triplo

Acontece que como a quantidade de gás usada num termómetro deste tipo, e

portanto a sua pressão, é reduzida, a variação nas leituras em termómetros de gás

usando diferentes tipos de gases é também reduzida.

Parece assim que existe algo de fundamental sobre o comportamento de um

termómetro de volume constante contendo um gás a baixa pressão.

23

Page 24: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

3.4 Termómetro de Gás a volume constante

Se o volume de um gás é mantido constante, a sua pressão depende da

temperatura e aumenta à medida que a temperatura aumenta. No termómetro de gás a

volume constante, a pressão é a propriedade termométrica. Este tipo de termómetro é

mostrado na Figura 3.2.

Consta de uma ampola de vidro, porcelana, quartzo, platina ou platina-irídio

(dependendo do intervalo de temperatura que se quer usar), ligada por um tubo capilar a

um manómetro de mercúrio, que lê a pressão exercida pelo gás. A ampola que contém o

gás é colocada no meio do qual se quer medir a temperatura; subindo ou descendo o

reservatório de mercúrio, ligado ao manómetro por um tubo de borracha, pode sempre

fazer-se coincidir o mercúrio do manómetro com a marca de referência, mantendo assim

o gás a volume constante. Isto é, à medida que a temperatura do gás aumenta, ele tende

a expandir-se e a empurrar o mercúrio para baixo no tubo B e para cima no tubo A.

Quando levantamos o reservatório de mercúrio, o nível de mercúrio em B é recolocado

na marca de referência e o gás é portanto mantido a volume constante. Lê-se então a

altura de mercúrio em A.

0

h

B AR

Escala

T

Figura 3.2 – Termómetro de Gás a Volume constante

24

Page 25: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Na prática, o aparelho é muito elaborado e torna-se necessário fazer certas

correcções:

1) Para a pequena variação de volume devida à contracção ou expansão

(pequenas) da ampola.

2) Para o facto de que nem todo o gás confinado (tal como o que está no capilar

que liga a ampola ao manómetro) está imerso no banho.

A temperatura de qualquer corpo em contacto térmico com a ampola é definido

como

T = CP (3.2)

em que P é a pressão exercida pelo gás e C é uma constante. A pressão é calculada a

partir da equação

P = P0 - ρgh (3.3)

Em que P0 é a pressão atmosférica, P é a densidade do mercúrio no manómetro, e h é a

diferença dos níveis do manómetro.

Com a ampola imersa num célula do ponto triplo tem-se

T3 = CP3 (3.4)

em que P3 é a pressão nestas condições. Eliminando C entre (3.2) e (3.4) vem

(3.5) T = T = 273,16K3PP3

PP3

Esta última equação não é ainda a nossa definição final de temperatura. Até

agora, nada foi dito sobre o tipo de gás (ou que quantidade de gás) a ser usado no

termómetro. Se o termómetro for usado para medir, por exemplo, a temperatura do

ponto de ebulição da água, verificar-se-á que usando quantidades de gás cada vez

menores para encher a ampola, as leituras convergem para uma única temperatura,

qualquer que seja o gás usado. Esta convergência é mostrada na Figura 3.3.

25

Page 26: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

273.00

273.25

237.50

20

Temperatura(K)

40 60 80 100 120

N2

He

H2

p3 (kPa) Figura 3.3 – Temperaturas calculadas a partir da equação 3.5.

Assim a expressão final para a medição da temperatura com um termómetro de

gás será

(3.6) T = 273,16K lim PP3

A temperatura definida desta maneira é a temperatura do gás ideal.

Sendo a temperatura uma quantidade física fundamental na qual as leis da

termodinâmica podem ser expressas, torna-se necessário que a sua definição seja

independente das propriedades dos materiais envolvidos. O termómetro de gás foi assim

escolhido como instrumento padrão, precisamente porque na sua operação não estão

envolvidas quaisquer propriedades específicas dos materiais. Qualquer que seja o gás

usado, a resposta é sempre a mesma.

Um termómetro deste tipo é o que serve para estabelecer a escala de temperatura

usada actualmente em trabalho científico. As suas vantagens são leituras independentes

da natureza do gás e elevadas sensibilidade e reprodutibilidade. As desvantagens são as

suas grandes dimensões, e a lentidão a atingir o equilíbrio.

3.5 Escalas de Temperatura

3.5.1 Escala Prática Internacional de Temperatura

Usando o termómetro padrão, podemos, experimentalmente, determinar outros

pontos de referência para medições de temperatura chamados pontos fixos.

Foi assim adoptada uma escala prática internacional de temperatura pode ser

facilmente usada para fins práticos, tais como a calibração de instrumentos industriais

ou científicos.

A tabela 3.1 mostra alguns pontos fixos.

26

Page 27: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Pontos fixos na Escala Internacional de Temperatura (1)

Substância Estado Temperatura (K)

Hidrogénio Ponto Triplo 13.81

Hidrogénio Ponto de Ebulição 20.28

Neon Ponto de Ebulição 27.102

Oxigénio Ponto Triplo 54.361

Oxigénio Ponto de Ebulição 90.188

Água (2) Ponto Triplo 273.16

Água (2) Ponto de Ebulição 375.15

Zinco Ponto de Congelação 692.73

Prata Ponto de Congelação 1235.08

Ouro Ponto de Congelação 1337.58

(1) Valores à pressão de 1 atm (2) Água de composição isotópica semelhante à água do mar

Tabela 3.1 – Pontos Fixos na Escala Prática Internacional de Temperatura

3.5.2 Escalas Celsius e Fahrenheit

Duas escalas de temperatura que se usam geralmente são as de Celsius e

Fahrenheit. Estas duas escalas são definidas em termos da escala Kelvin, que é a escala

de temperatura absoluta da ciência.

A escala Celsius usa a unidade grau Celsius - °C – igual à unidade Kelvin – K.

Se t for a temperatura na escala Celsius,

t = T - Tg (3.7)

em que Tg é a temperatura do ponto do gelo (273.15K). O ponto triplo da água,

273.16K, corresponde a 0,01°C. Por convenção, a temperatura à qual o gelo e água

estão em equilíbrio à pressão atmosférica é de 0,00°C. É o chamado ponto de gelo.

A temperatura à qual vapor e água líquida estão em equilíbrio à pressão de 1

atmosfera é chamado ponto de vapor. Este ponto corresponde a 100,0°C.

A escala Fahrenheit, embora ainda em uso em alguns países, não é já usada em

trabalho científico.

27

Page 28: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A relação entre a escala Celsius e a Fahrenheit é dada por

T = 32 + tF95 (3.8)

Desta relação concluí-se que o ponto de gelo, 0,00°C, é igual a 32,0F, que o

ponto de vapor, 100,0°C, é igual a 212,0F, e que 1 grau Fahrenheit é 5/9 superior ao

grau Celsius. Na Figura 3.4 são comparadas estas três escalas.

- 273.15 - 4600Zero Absoluto

Ponto de Gelo

Ponto de Vapor

Kelvin, K Celsius, ºC Fahrenheit, ºF

373.15

273.15 0.00

100.00 212

32

Figura 3.4 – Comparação das escalas Kelvin, Celsius e Fahrenheit

3.6 Outros tipos de Termómetros

Como já foi mencionado anteriormente, todos os termómetros usam a variação

com a temperatura de uma propriedade física, a que chamaremos propriedade

termométrica. Por exemplo, a propriedade termométrica do já conhecido termómetro de

mercúrio é o comprimento da coluna de mercúrio, enquanto que no termómetro de gás a

volume constante a propriedade termométrica é a pressão do gás. A tabela 3.2 mostra

diferentes tipos de termómetros com as propriedades e substâncias termométricas

respectivas.

28

Page 29: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Termómetro Propriedade

termométrica Substância termométrica

De coluna de líquido em

vidro Volume (V) Mercúrio/álcool

Resistência eléctrica Resistência eléctrica (R) Condutor eléctrico (platina

-253ºC a 1200ºC)

Termístor Resistência eléctrica (R) Semicondutor

De gás a volume constante Pressão (P) Gás (He, H2, N2, etc.)

De gás a pressão contante Volume (V) Gás (He, H2, N2, etc.)

Termopar Tensão (V) Junção de 2 fios de metais

diferentes

Fita bimetálica Comprimento (I) Junção de 2 fios de metais

diferentes

Tabela 3.2 Diferentes tipos de termómetros com as propriedades e substâncias

termométricas respectivas.

3.6.1 Termopares

O termopar é um tipo de termómetro muito usado em laboratórios científicos.

Ele é constituído por fios de dois metais diferentes soldados nas pontas de modo a

formarem duas junções, como mostra a Figura 3.5.

Voltímetro

Cobre

Misturaágua/gelo

(0ºC)

Cobre

Constantan

Termómetro

Areia

Junção de testeJunção de referência

Figura 3.5 – Termopar

29

Page 30: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Em geral, os metais são cobre e constantan (uma liga de cobre e níquel). Uma

das junções, chamada junção de teste, é colocada em contacto com o objecto cuja

temperatura se quer determinar. A outra junção, denominada junção de referência, é

mantida a uma temperatura constante (em geral uma mistura de água-gelo a 0°C).

Existe uma diferença de potencial (ddp) que depende da diferença de temperatura entre

as duas junções (efeito de Seebeck). Esta ddp é a propriedade termométrica, e é medida

por um voltímetro, como mostra a Figura 3.5 A temperatura da junção de teste é obtida

usando curvas ou tabelas de calibração. Os termopares são usados em intervalos de

temperatura que vão de -270°C a 2300°C. As vantagens na sua utilização são, entre

outras, as de terem pequenas dimensões e baixo custo.

Existem no mercado os mais diversos termopares adequados para diferentes

aplicações científicas ou industriais. A Figura 3.6 mostra alguns tipos de junções de

termopares.

Figura 3.6 – Tipos de junções de termopares

A escolha de um termopar tem de ter em conta a aplicação em vista, de acordo

com as características de cada tipo de termopar, tais como a gama de temperaturas

suportada.

A tabela 3.3 mostra as diferentes designações usadas para vários tipos de termopares,

conforme a sua constituição bem como os correspondentes intervalos de temperatura.

30

Page 31: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Nomes de termopares normalizados

(tipos de termopares)

Nome Constituição Gama de temperatura

B Platina / 30% Ródio-Platina 0 – 1800ºC

C Tung-5% Rénio / Tung-26% Rénio 0 – 2320ºC

E Cromel / Constantan -270 – 1000ºC

G

J

Tungsténio / Tung-28% Rénio

Ferro/ Constantan

0 – 2300ºC

-210 – 750ºC

K

N

Cromel / Alumel

Nricrosil / Nisil

-210 – 1370ºC

-210 – 1300ºC

R Platina / 13% Ródio-Platina -50 – 1750ºC

S Platina / 10% Ródio-Platina -50 – 1750ºC

T Cobre / Constantan -270 – 400ºC

Constantan = Cobre-Níquel Cromel = Níquel-Crómio

Alumel = Níquel-Alumínio Nricrosil = Ni-Cr-Si

Tabela 3.3 - Designações usadas e correspondentes intervalos de temperatura para

vários tipos de termopares

(http://ltodi.est.ips.pt/gsilva/instrumentacao2/a_teoricas/1a-Termopares.pdf)

A relação entre a temperatura e a tensão de saída é uma equação polinomial de

ordem n

T = A0 + A1x + A2x2 + … + Anxn (3.9)

x = Tensão medida

A = Constantes características de cada termopar

n = Ordem polinomial máxima

A Figura 3.7 mostra tensões de saída de vários termopares, usando uma junção

de referência a 0oC. O declive da curva da ddp em função da temperatura representa o

coeficiente de Seebeck ( diferente para cada termopar e varia com a temperatura).

31

Page 32: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Tensões de saída, usando umajunção de referência a 0ºC

Tens

ão /m

V

Temperatura /ºCNisil = Ni-Si-Mg

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

0

-250 -20 250 500 750 1000 1250 1500 1750

Tipo RS

Tipo B

Tipo T

Tipo J

Tipo K

Tipo E

Figura 3.7. – Tensões de saída de diferentes tipos de termopares

(http://ltodi.est.ips.pt/gsilva/instrumentacao2/a_teoricas/1a-Termopares.pdf)

3.6.2 Termoresistências

A maior parte das substâncias oferece resistência à passagem da corrente

eléctrica. Como esta resistência varia com a temperatura, a resistência eléctrica é outra

propriedade termométrica. À variação da resistência eléctrica em função da temperatura,

(dR/dT), chama-se coeficiente de temperatura. Termómetros de resistência eléctrica ou

termoresistências (RTD – Resistance Thermometer Detector), são muitas vezes feitos

de fio de platina, porque a platina tem excelentes propriedades mecânicas e eléctricas

entre -270°C e +700°C. Uma vez que se sabe a resistência eléctrica do fio de platina em

função da temperatura, a temperatura de uma substância pode ser obtida colocando o

termómetro de resistência em contacto térmico com a substância de que se quer

determinar a temperatura, medindo depois a resistência do fio de platina.

A Figura 3.8 mostra a variação da resistência em função da temperatura para um

termómetro de resistência de Pt100.

32

Page 33: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Ω

400

300

200

100

0-200 0 200

400600 800 ºC

t

R

Figura 3.8. – Curva característica de um termómetro de resistência de Pt100.

(http://www2.emersonprocess.com/siteadmincenter/PM%20Rosemount%20Documents/

00809-0313-2654.pdf)

Os termómetros de resistência são do tipo sonda (Figura 3.9) para poderem ser

introduzidos no meio cuja temperatura se pretende determinar.

Figura 3.9. – Termómetro de resistência

A maior parte das termo-resistências são feitas de platina, mas são também

utilizados outros materiais, como por exemplo o níquel. Por norma, quando se fala de

uma termo-resistência ela é identificada pelo material que a constitui e pela resistência

que apresenta a 0 °C. Por exemplo, uma Pt-100 será uma termo-resistência de platina

que a 0 °C apresenta uma resistência de 100 Ω, ao passo que uma Ni-500 será uma

termo-resistência de níquel que a 0 °C apresenta uma resistência de 500 Ω.

33

Page 34: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A Figura 3.10 mostra as características da relação resistência-temperatura para

alguns materiais utilizados na construção de termoresistências.

NICKEL

THERMISTOR COPPER

PLATINUM

TEMPERATURE, ºC

RE

LATI

VE

RES

ISTA

NC

E, R

/R T0º

C

0

1.0

2.0

3.0

4.0

5.0

0 0 200 400 600 800

Figura 3.10. – Características da relação resistência-temperatura para Pt, Cu, Ni

(http://www.eq.uc.pt/~lferreira/BIBL_SEM/global/termores/pdf/termores.pdf)

Para metais puros, a relação característica da resistência eléctrica com a temperatura

toma a forma

RRT = Ro (1+ αΔT + βΔT + …) (3.10) 2

em que

RRT – resistência à temperatura T,

RRo – resistência à temperatura de referência ( usualmente a temperatura

de congelação da água, 0 C), o

α, β, ...- coeficientes de temperatura da resistência.

As principais vantagens das termoresistências são as suas elevadas precisão e

reprodutibilidade. São muito usadas em processos industriais.

3.6.3 Termístores

Termístores são semicondutores que mostram grandes alterações na resistência

com pequenas mudanças de temperatura. Quando a resistência diminui com o aumento

de temperatura, isto é, o coeficiente de variação de resistência com a temperatura é

negativo, estamos perante um termístor NTC (Negative Temperature Coefficient).

34

Page 35: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Quando há um aumento da resistência com um aumento de temperatura, o que significa

que o coeficiente de variação de resistência com a temperatura é positivo, temos um

termístor PTC (Positive Temperature Coefficient). A maioria dos metais tem um

coeficiente de temperatura positivo.

A diferença entre termístor e termoresistência está nos materiais utilizados na

sua construção: as termoresistências ou RTD (Resistance Temperature Detector) são

feitas de materiais condutores como a platina, o cobre e o níquel, enquanto os

termístores usam misturas semicondutoras, tais como o cobalto, o ferro, o titânio, etc.

A Figura 3.11. mostra um conjunto de termístores com diferentes

encapsulamentos.

Figura 3.11. – Conjunto de termístores com diferentes encapsulamentos

A equação que governa a variação da resistência do termístor com a temperatura é

(3.11) R = R e0

1Tβ = ( -

em que

R - resistência à temperatura T,

RR0 – resistência à temperatura padrão T0,

β – constante de material.

Os termístores são utilizados entre 100 e 300º C sendo extremamente sensíveis,

com as suas leituras a mostrarem erros da ordem de 0,01º C. Das suas aplicações fazem

)1T0

35

Page 36: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

parte electrodomésticos, aparelhagem médica, instrumentação para investigação

científica, indústria automóvel, telecomunicações, etc.

3.6.4 Pirómetro Óptico

Um pirómetro óptico é um medidor de temperatura em que não existe contacto

com o corpo/meio do qual se pretende conhecer a temperatura. São usados para medir

temperaturas superiores a 600º C. Uma utilização típica é a medição da temperatura de

metais incandescentes em fundições, uma vez que permite medir temperaturas acima do

ponto de fusão dos metais. Olhando pelo visor do pirómetro observa-se o metal,

ajustando-se depois manualmente a corrente eléctrica que percorre um filamento que

está no interior do pirómetro e aparece no visor. Quando a cor do filamento é idêntica à

do metal, pode-se ler a temperatura numa escala disposta junto ao elemento de ajuste da

cor do filamento. O princípio de funcionamento do pirómetro óptico está ilustrado na

Figura 3.12. Um objecto reflete, transmite e emite energia. Somente a energia emitida

interessa para a medição de temperatura.

Figura 3.12. – Princípio de funcionamento do pirómetro.

A Figura 3.13 mostra um pirómetro óptico em funcionamento.

36

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Figura 3.13 – Pirómetro óptico.

37

Page 38: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 4

EQUAÇÕES DE ESTADO

As variáveis que descrevem o estado da substância, tais como pressão, volume,

temperatura, e quantidade dessa substância chamam-se variáveis de estado. As variáveis

necessárias para definir o estado do sistema estão relacionadas pela equação de estado

que tem, em geral, a forma

f (P, V, T, m) = 0 equação de estado (4.1)

ou utilizando as propriedades intensivas, e. g., v = V

m

f (P, v, T) = 0 (4.2)

A equação de estado varia de substância para substância e pode ser bastante

complicada.

Para um sistema que seja descrito pela grandeza p, V, T… Existe uma relação

funcional entre estas grandezas, a equação de estado na forma implícita, representada

pela superfície de estado.

Cada conjunto de valores p, V, T, que obedece à equação de estado caracteriza

um estado de equilíbrio.

Todos os conjuntos de pontos (estados de equilíbrio do sistema) que obedecem a

esta relação formam uma superfície num diagrama a três dimensões (Figura 4.1).

P

V

T Um estadode equilíbrio

Superfície daequação de estado

Figura 4.1 – Diagrama p, V, T

38

Page 39: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

4.1 Equação de Estado do Gás Ideal

A observação do comportamento de vários gases levou a várias conclusões.

Em 1661 Boyle (1627-1691) verificou que, para uma dada temperatura T = cte, o

volume de uma dada quantidade de gás é inversamente proporcional à pressão, i. e.

P V = cte com T = cte Lei de Boyle (4.3.)

A variação do volume de gás com a pressão é mostrada na figura seguinte.

Volume molar (l.mol.-1)

020 40

5

10

Pre

ssão

(atm

)

400K300K

200K

100K

Figura 4.2 – Dependência da pressão com o volume, duma certa quantidade de gás, a

diferentes temperaturas

Cada curva, corresponde a uma única temperatura e chama-se, portanto,

isotérmica. De acordo com esta lei, estas isotérmicas são hipérboles.

Para pressões mais baixas, esta lei verifica-se aproximadamente mas, para

pressões mais elevadas, os desvios observados são muito significativos. Conclui-se,

portanto, que os gases obedecem efectivamente a esta lei para valores suficientemente

baixos de pressão e suficientemente altos da temperatura. A explicação da lei de Boyle

baseia-se no facto de que a pressão exercida por um gás vem do choque das suas

moléculas com as paredes do recipiente que contém o gás. Uma diminuição de volume

39

Page 40: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

provoca um aumento de choques com as paredes e daí um aumento da pressão. O

enunciado desta lei considera que as moléculas se movem independentemente umas das

outras, o que não acontece na realidade.

O estudo quantitativo da expansão térmica dos gases foi iniciada por Charles

(1787), o inventor do balão de hidrogénio. Mediu o efeito da temperatura, a pressão

constante, numa quantidade fixa de gás, mas não publicou os resultados. Foi Gay-

Lussac (1802) que estudou este efeito com mais pormenor.

As observações de Gay-Lussac levaram-no a concluir que para uma dada

pressão, o volume de uma certa quantidade de gás varia linearmente com a temperatura

(Figura 4.3), isto é,

V = cte. T com P = cte Lei de Charles e Gay-Lussac (4.4)

Volume

Temperatura-273.15 CU

Pressão P

P2 > P1

P3 > P2

Pressão

Temperatura-273.15 CU

Volume V1

V2 > V1

V3 > V2

Figura 4.3 – Variação do volume com a temperatura, a pressão constante, duma certa

quantidade de gás

A explicação molecular para este facto é que a energia cinética média das

moléculas de gás está relacionada com a temperatura. Um aumento de temperatura

provoca um movimento mais rápido das moléculas e, portanto, choques mais vigorosos

com as paredes do recipiente que contém o gás. Assim, o volume deve aumentar uma

vez que a pressão se mantém constante.

As leis que vimos anteriormente

P V = cte (para n e T constantes)

V = ctte. T (para n e P constantes)

40

Page 41: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

podem ser combinadas numa única expressão, isto é, P V = ctte. nT.

Se calcularmos para diferentes temperaturas e traçarmos um gráfico em função da

pressão, P, verifica-se que todas as razões ficam numa mesma curva que

corresponde a uma determinada temperatura e, temperaturas diferentes correspondem a

curvas diferentes. A figura seguinte mostra o que se passa para o dióxido de carbono,

para três temperaturas diferentes.

P vT P v

T

P vT

Verifica-se que, qualquer que seja o gás, todas estas curvas convergem

exactamente para o mesmo ponto no eixo das ordenadas. Este limite comum da razão

quando p 0, é chamado constante universal dos gases e designa-se por R

que tem o valor

R = 8,3143 x 103 J Kmol-1 K-1

P vT

0 2 4 6 8 x 107

Pressão (N m )-2

T > T > T3 2 1

Gás idealR = 8.3143 x 103

2

4

6

8

10

(J quilomol K )-1 -1

T3

T2

T1

Figura 4.4. – Limite comum da razão P vT

Postula-se então que o gás ideal é aquele que obedece à equação P v = R T ou,

dado que , v = Vn’

P V = n R T (4.5)

41

Page 42: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

4.2 Superfície P-v-T para um Gás Ideal

A equação de estado de um sistema P, v, T define uma superfície num sistema

de coordenadas rectangulares. A figura seguinte mostra uma tal superfície.

Um estado de equilíbrio corresponde a um ponto na superfície. Um processo

quasi-estático corresponde a uma sucessão de estados de equilíbrio, portanto, a uma

linha sobre a superfície. Nesta superfície estão representados processos isotérmicos (T =

cte), processos isocóricos (v =cte) e processos isobáricos (P = cte).

TEMPERATURAVOLUME

PR

ES

O

Processos isotérmicos

Processos isocóricos

Processos isobáricos

Processos adiabáticos

Figura 4.5. – Superfície P-v-T para um gás ideal

A figura seguinte (4.6 (a) e (b)) mostra as projecções desta superfície nos planos

P-v e P-T, respectivamente.

42

Page 43: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(a) (b)

Figura 4.6 – Projecção da superfície P-v-T para um gás ideal nos planos (a) P-v e (b) P-

T

4.3 Equações de Estado de Gases Reais

Os gases reais obedecem, aproximadamente, à equação de estado dos gases

ideais, desde que a sua densidade seja baixa e a sua temperatura não demasiado baixa. O

seu comportamento pode, contudo, tornar-se marcadamente diferente à medida que a

sua densidade aumenta. Ainda mais importante é o facto do comportamento dos gases

reais nos darem informação sobre a natureza das forças intermoleculares e sobre a

estrutura das suas moléculas.

J. D. van der Waals (1837-1923) deduziu uma equação de estado que admite a

existência de forças intermoleculares incluindo um termo a/v2, bem como um termo b

que é proporc ional ao voluma ocupado pelas moléculas.

Figura 4.7 – J. D. van der Waals (1837-1923)

43

Page 44: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Substância a

(Jm3Kmol-2)

b

(Jm3Kmol-1)

He 3440 0,0234

H2 24,8 0,0266

O2 138 0,0318

CO2 366 0,0429

H2O 580 0,0319

Hg 292 0,0055

Tabela 4.1 – Constantes a e b na equação de van der Waals

Consideremos as interacções repulsivas entre moléculas que se supoem ser

pequenas esferas rígidas. Isto implica que elas ocupam um certo volume. Então, em vez

de se movimentarem num volume V elas ficam restringidas a um volume menor, V –

nb, em que nb é o volume total ocupado pelas moléculas. Este argumento sugere que a

equação do gás ideal, P = nRT/V, deve ser substituída por

P = n R TV - n b

A pressão depende da frequência das colisões que é reduzida pelas forças de

atracção, que são proporcionais à concentração molar, n/V, das moléculas. Então, a

redução da pressão é proporcional ao quadrado desta concentração, isto é, -a (n/V)2, em

que a é uma constante positiva e característica de cada gás. A combinação de forças de

atracção e de repulsão leva à equação de estado de van der Waals

Equação de van de Waals (4.6) P + (v - b) = R

em que a e b são constantes determinadas experimentalmente. São constantes para o

mesmo gás, mas diferem para diferentes gases. A tabela 4.1 dá alguns desses valores.

A figura seguinte mostra uma superfície P-v-T para um gás de van de Waals.

Tav2

44

Page 45: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

TEMPERATURA

PRES

SÃO

VOLUME

T1

T2

T3

P. C.

Figura 4.8 – Superfície P-v-T para um gás de van der Waals

A figura 4.9 mostra a projecção de isotérmicas para um gás de van der Waals,

isto é,

P + (v - b) = R Tav2

Para um gás deste tipo a pressão varia com o volume de acordo com

P = - R Tv - b

av 2

T1

T3T2

B(P mín.)

A (P máx.)

Pontocrítico

Figura 4.9 – Isotérmicas de van der Waals

45

Page 46: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

À medida que v diminui, a pressão aumenta, mas o termo a/v2, que diminui a

pressão, aumenta rapidamente. Assim para T suficientemente baixo, a pressão passa por

um máximo em A. Quando v diminui ainda mais, o termo RT/v-b aumenta mais

rapidamente. A pressão atinge então um mínimo em B e depois aumenta à medida que v

se aproxima do valor de b. Para temperaturas mais altas os máximos e mínimos são

menos pronunciados e ficam mais próximos do ponto de inflexão que fica entre eles. Na

temperatura crítica (T=Tcr.) eles coincidem num ponto de inflexão chamado ponto

crítico (PC), que prevê a ocorrência de mudança de estado. Para temperaturas superiores

à temperatura crítica, as isotérmicas de van der Waals não têm ponto de inflexão e

aproximam-se da hipérbole das isotérmicas do gás ideal.

Uma outra forma útil da equação de estado de um gás real é

P v = A + + + ...Bv

Cv2 (4.7)

em que A, B, C são chamados coeficientes do virial (do latim para “força”) e são

funções da temperatura.

Para um gás ideal, é evidente que A = RT e todos os outros coeficientes do virial

são nulos.

Exemplo:

Determinação dos coeficientes do virial para um gás de van der Waals.

P v = - R T1 - b

v

av

mas

= 1 + +11 - b

v

bv

b2

v2

R T b - avP v = R T + + R T b2

v2

46

Page 47: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Assim, para o gás de van der Waals

A = RT; B = RTb; C = RTb2; …

4.4 Transformações Físicas de Substâncias Reais

4.4.1 Substância Pura

Uma substância que tem uma composição química fixa é denominada por

substância pura. Água, azoto, hélio, dióxido de carbono são exemplos de substâncias

puras.

Uma substância pura não tem, contudo, de ser formada por um único composto

ou por um único elemento químico. Uma mistura de vários elementos químicos pode

também ser considerada substância pura, desde que essa mistura seja homogénea. O ar,

por exemplo, é uma mistura de vários gases mas pode ser considerado substância pura

por ter uma composição química uniforme. A mistura de água e óleo já não é ums

substância pura: o óleo não é miscível com a água, formando então uma camada

sobrenadante na superfície da água.

A mistura de duas ou mais fases duma substância pura é ainda uma substância

pura desde que a composição química de todas as fases seja a mesma. Uma mistura de

gelo e água líquida, por exemplo, é uma substância pura porque as duas fases têm a

mesma composição química. Uma mistura de ar líquido e ar já não é uma substância

pura uma vez que a composição do ar líquido é diferente da composição do ar e

portanto, a mistura não é quimicamente homogénea. Isto é devido ao facto de diferentes

componentes do ar terem diferentes temperaturas de condensação a uma pressão

específica.

4.4.2 Fases duma substância Pura

Todos nós sabemos da experiência que as substâncias existem em diferentes

fases. À temperatura ambiente e pressão normal, o cobre é um sólido, o mercúrio é um

líquido e o azoto é um gás. Em condições diferentes cada um poderá aparecer numa fase

diferente. Embora existam essencialmente três fases, sólida, líquida e gasosa, uma

substância pode ter várias fases dentro duma destas três fases, cada uma com uma

estrutura molecular diferente. O carbono, por exemplo, pode existir na fase sólida como

47

Page 48: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

uma grafite ou diamante. O hélio tem duas fases líquidas. O ferro tem três fases sólidas.

O gelo pode existir, a altas pressões, em sete fases diferentes.

Uma fase é identificada como tendo um arranjo molecular distinto que se

mantém homogéneo. Quando se estudam fases ou mudanças de fases em termodinâmica

não se tem em conta a estrutura molecular e o comportamento das diferentes fases,

embora seja útil a compreensão dos fenómenos moleculares envolvidos em cada fase.

Afirma-se que as ligações moleculares em sólidos são muito fortes e são muito

fracas em gases. Isso é devido à grande proximidade das moléculas nos sólidos

enquanto que nos gases elas estão muito afastadas. As moléculas num sólido cristalino

estão dispostas numa rede tridimensional, como a Figura 4.10 indica.

Figura 4.10 – Disposição das moléculas num sólido cristalino

Uma vez que as distâncias entre as moléculas são pequenas, as forças de

atracção entre elas são grandes mantendo-as em posições fixas. Estas forças de atracção

transformam-se em forças de repulsão à medida que a distância entre as moléculas se

aproxima de zero. Embora as moléculas num sólido não se possam movimentar umas

em relação a outras, elas oscilam continuamente em torno da sua posição de equilíbrio.

A velocidade das moléculas durante estas oscilações depende da temperatura. A

temperaturas suficientemente elevadas, a sua velocidade (e portanto o momento) pode

atingir um ponto em que as moléculas que se separam, como indicado na Figura 4.11.

Isto é o início do processo de fusão.

48

Page 49: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Figura 4.11 – Quebra das ligações por acção da temperatura.

O espaço entre as moléculas na fase líquida é muito semelhante ao da fase

sólida. A diferença está em que as moléculas não estão em pontos fixos, e grupos de

moléculas “flutuam” em torno uns dos outros, como podemos observar na figura 4.12.

Figura 4.12 – Disposição das moléculas na fase líquida

No entanto, as moléculas mantêm a ordem estrutural dentro de cada grupo. Em

geral, as distâncias entre as moléculas aumentam quando se passa da fase sólida à fase

líquida. A água é, contudo, uma excepção.

Na fase gasosa não existe ordem molecular. As moléculas estão longe umas das

outras e têm um movimento aleatório, chocando umas com as outras e com as paredes

do recipiente que contém o gás, como mostra a Figura 4.13.

49

Page 50: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Figura 4.13 – Disposição das moléculas na fase gasosa

Particularmente a baixas densidades, as forças intermoleculares são muito

fracas, e as moléculas só interactuam por meio de colisões. Na fase gasosa as moléculas

encontram-se num nível de energia bastante superior em relação ao das fases líquida ou

sólida. Assim, o gás deve libertar uma grande quantidade da sua energia antes de se

condensar ou congelar.

4.4.3 Superfícies p-v-T para Substâncias Reais

Quando um sólido passa a líquido, dizemos que ocorreu um processo de fusão.

Quando um líquido passa a vapor, há uma vaporização. Quando um sólido passa

directamente a vapor dá-se uma sublimação. É preciso fornecer energia à substância

para que se dê a mudança de fase. A temperatura à qual se dão estas mudanças de fase

depende da pressão exercida nesta substância. A superfície P-V-T para uma substância

pura inclui todas as fases. Estas representações tridimensionais são complicadas e

contém muito mais informação do que a que é geralmente necessária. Por esse facto,

usam-se muitas vezes as projecções das superfícies nos planos principais, como mostra

a Figura 4.14.

As figuras 4.15 (a), e 4.16 (a) representam, respectivamente, superfícies P-V-T

para o dióxido de carbono, que se contrai ao congelar, e para a água que se espande

quando solidifica. Observando as figuras 4.15 (a) e 4.16 (a) verificamos que há regiões

em que só existe uma das fases, outras em que duas fases podem existir em equilíbrio, e

que ao longo da linha tripla as três fases podem coexistir. A figura 4.15 (b) e (c) mostra

as projecções da superfície P-V-T para o dióxido de carbono nos planos P-T e P-V. Da

50

Page 51: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

mesma maneira, a figura 4.16 (b) e (c) mostra as mesmas projecções duma superfície

análoga para a água. As projecções das superfícies mencionadas nos planos P-T

mostram que a linha que representa o equilíbrio entre o sólido e líquido é ascendente

para a direita na figura 4.15 (b), mas é ascendente para a esquerda na figura 4.16 (b). A

primeira é característica das substâncias que se contraem ao congelar, como o dióxido

de carbono, e a última é característica das substâncias que aumentam de volume quando

solidificam, como é o caso da água. A projecção das linhas triplas das superfícies, P-V-

T é um ponto no diagrama P-T, chamado ponto triplo, de que já falámos no capítulo 3.

Dissemos então que a temperatura do ponto triplo da água é o ponto fixo padrão a que

se atribui o valor de 273,16K. A tabela 4.2 dá-nos valores de pontos triplos para várias

substâncias.

sólido

líquid

oC

vapor

P

V

líquido

TC

T

C

sólido

Figura 4.14 – Projecções da superfície P-V-T, de uma substância pura, nos

planos P-T e P-V, com as regiões de fases a sombreado

Consideremos a figura 4.15 (a) e vamos seguir as mudanças de estado do

dióxido de carbono, contido num cilindro com um êmbolo móvel, num processo que

leva o sistema de a a f ao longo da isotérmica T2. Trata-se de uma compressão

isotérmica. Em a a substância está na fase de vapor. Vamos aumentando a pressão sobre

o êmbolo até atingirmos o estado b, no qual aparecem gotas de líquido. A substância

está assim a separar-se em duas fases de densidades diferentes, embora estejam à

51

Page 52: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

mesma temperatura e pressão, diminuindo mais o volume, a pressão vai manter-se

constante. A parte de substância que está na fase de vapor vai gradualmente

desaparecendo, enquanto vai aumentando a quantidade de substância na fase líquida.

Nesta altura do processo o líquido e o vapor podem existir em equilíbrio, diz-se que

estamos perante líquido saturado, porque está em vias de se vaporizar, e vapor

saturado, porque está próximo da condensação.

Substância Temperatura (K) Pressão (Torr)

Hélio (4) 2,186 38,3

Hidrogénio (normal) 13,84 52,8

Deutério (normal) 18,63 128

Azoto 63,18 94

Oxigénio 54,36 1,14

Dióxido de carbono 216,55 3880

Água 273,16 4,58

Tabela 4.2. – Dados de pontos triplos

A pressão exercida por um líquido ou por um vapor saturado é chamada pressão

de vapor, que aumenta com a temperatura. A curva indicada por L- V na figura 4.15 (b)

é a curva da pressão de vapor. A sua forma geral é a mesma para todas as substâncias,

mas a pressão de vapor a uma dada temperatura é diferente para substâncias diferentes.

Assim, a 20°C, a pressão de vapor do mercúrio é 0,0012 Torr, a da água é 17,5 Torr e a

do dióxido de carbono é 42,960 Torr.

No ponto c a substância está toda na fase líquida. Vamos agora diminuir o

volume até chegarmos a d. Para isso, temos de aumentar muito a pressão visto que não é

muito fácil comprimir líquidos. Em d, a substância volta a separar-se em duas fases,

começando a aparecer alguns cristais de sólido. Temos agora presentes as duas fases

líquida e sólida. Em e, a substância está toda na fase sólida, e o volume não diminui

muito com aumentos de pressão, salvo se existirem outras formas de sólido. Como

dissemos no início deste capítulo, o gelo é um exemplo deste caso, em que foram

observadas sete formas diferentes a pressões muito elevadas.

52

Page 53: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para uma outra compressão isotérmica, a uma temperatura mais baixa, T1,

mantém-se o comportamento da substância, apenas com a diferença de que a

condensação ocorre a uma pressão mais baixa e a um volume maior do que acontecia

para T2. A temperaturas superiores a Tc, temperatura crítica, não se dá nenhuma

transição de fase quando a substância é comprimida. O valor comum dos volumes de

líquido e vapor saturados à temperatura crítica chama-se volume crítico, vc, e a pressão

correspondente é denominada por pressão crítica, Pc. A tabela 4.3 indica algumas

constantes críticas para várias substâncias.

TEMPERATURA

VOLUME

PR

ES

O

SÓLIDO

SÓLIDO-VAPOR

LINHA-TRIPLA

LÍQUIDO--VAPOR

SÓLI

DO

-LÍQ

UID

O

LÍQUIDO

PONTOCRÍTICO

GÁS

VAPOR

T1

T2T3

a)

ab

de

f

c

TEMPERATURA

PRE

SSÃ

O

SÓLIDO

PONTOTRIPLO

LÍQUIDOPONTO

CRÍTICO

GÁS

VAPORs-v

L-v

s-L

b) VOLUME

LID

OS

ÓLI

DO

-LÍQ

UID

OLÍ

QU

IDO

LÍQUIDO--VAPOR

SÓLIDO-VAPOR

GÁS

VAPOR

PONTOCRÍTICO

PR

ES

O

c)

Figura 4.15 – Superfície P-v-T para o dióxido de Carbono (a) e suas projecções

nos planos P-T (b) e P-v (c)

53

Page 54: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

TEMPERATURA

VOLUME

PR

ES

O

SÓLIDO

SÓLIDO-VAPOR

VAPORLINHA-TRIPLA

LÍQUIDO

LÍQUIDO

PONTOCRÍTICO

GÁSVAPOR

a)

T1

T2

T3

TEMPERATURA

PR

ES

O

s-L

L-v

PONTOCRÍTICO

GÁS

VAPOR

PONTOTRIPLO

S-V

SÓLIDO LÍQUIDO

b)

PR

ES

O

VOLUME

SÓLIDO-VAPOR

LINHA TRIPLA

LÍQUIDO--VAPOR

PONTOCRÍTICO

GÁS

VAPOR

LID

OLÍ

QU

IDO

c) Figura 4.16 – Superfície P-v-T para a água (a) e suas projecções nos planos P-T (b) e P-

v (c)

54

Page 55: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Substância Pc

(atm)

Vc

(10-6m3mol-1)

Tc

(K)

Hélio 2,25 61,55 5,2

Hidrogénio 12,8 69,68 33,2

Azoto 33,49 90,03 125,97

Argon 48,34 74,56 150,87

Dióxido de Carbono 72,83 94,23 304,16

Tabela 4.3. – Constantes críticas

Consideremos agora as mudanças de fase num processo isobárico (Figura 4.17).

Suponhamos que partimos do estado representado por a, na figura 4.17, à pressão P1. Se

aumentarmos a temperatura a pressão constante, vamos atingir b seguindo uma

isobárica. Vai então haver separação das duas fases, sendo uma das fases representada

por b e a outra por c. o volume da fase de vapor é muito superior ao da fase líquida. Este

é o fenómeno conhecido por ebulição. Portanto, a temperatura de ebulição, Te, é a

temperatura à qual a pressão de vapor do líquido iguala a pressão externa, e a curva da

pressão de vapor em 4.15 (b) pode também ser considerada a curva do ponto de

ebulição.

PRE

SSÃ

O

VOLUME

TEMPERATURAT1

T2

T3

P1LINHA TRIPLA

SÓLIDO

LÍQUIDO

GÁS

VAPORP2

e d a

b

c

Figura 4.17 – Mudanças de fase num processo isobárico

55

Page 56: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Se, partindo de a, diminuirmos a temperatura com a pressão constante, vamos

alcançar, d, seguindo uma isobárica. Aí, há aparecimento de duas fases, em que uma das

fases é representada por d e a outra por e. Para uma substância como a da figura, o

volume do sólido é menor que o do líquido. Estamos perante um processo de

congelação e, a linha de equilíbrio sólido-líquido num diagrama P-T como o da figura

4.15 (b), é a curva do ponto de congelação.

Se a pressão for menor que a do ponto triplo, por exemplo P2, a substância

apenas pode existir nas fases de vapor e sólida, separadamente ou em equilíbrio. A

transição de uma para a outra dá-se à temperatura de sublimação, Ts. Portanto, a curva

de equilíbrio sólido-vapor é também a curva do ponto de sublimação.

4.5 Expansão e Compressão

Existem ainda duas propriedades termodinâmicas adicionais que são muito

importantes. Uma delas é o coeficiente de dilatação cúbica, β, e a outra é denominada

coeficiente de compressibilidade isotérmica, k. Ambas podem ser determinadas

experimentalmente. O coeficiente de dilatação cúbica, β, é definido como a taxa de

variação de volume com a temperatura a pressão constante e por unidade de volume,

isto é,

(4.8) β = δVδT P

1v

β é assim função da temperatura e da pressão. A figura 4.18 mostra a variação do

coeficiente de dilatação do cobre com a temperatura à pressão de 1 atmosfera, no

intervalo de temperatura de 0 a 1200K.

Como em outros metais, verifica-se que β se aproxima de zero quando a

temperatura está próxima de zero.

A tabela 4.4 mostra valores de coeficiente de dilatação cúbica, β, e coeficientes

de dilatação linear, α, para algumas substâncias. Estes dois coeficientes estão

relacionados por

β = 3α (4.9)

56

Page 57: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(K )-1

β

0 1000 T (K)

Cu

P = 1 atm

Figura 4.18 – β do cobre em função da temperatura, à pressão de 1 atmosfera

Substância αx10-6

(Co)-1

βx10-6

(Co)-1

Sólid

os

Alumínio 23 69

Latão 19 57

Cimento 12 36

Cobre 17 51

Vidro normal 8,5 26

Pyrex 3,3 9,9

Ouro 14 42

Ferro ou aço 12 36

Chumbo 29 87

Níquel 13 39

Quartzo fundido 0,5 1,5

Prata 19 57

Líqu

idos

Benzeno 1240

CCl4 1240

Álcool etílico 1120

Gasolina 950

Mercúrio 182

Água 207

Tabela 4.4. – Coeficientes de expansão para sólidos e líquidos

57

Page 58: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Estes valores são válidos à temperatura ambiente. Não se pode definir o

coeficiente de dilatação linear para os líquidos, uma vez que estes não têm forma.

Enquanto a maior parte das substâncias aumenta de volume por aquecimento,

existem outras que se comportam de um modo diferente. A água é um exemplo dessas

excepções. Se se aquecer a água a 0°C, o seu volume diminui até atingir a temperatura

de 4°C. Acima dessa temperatura a água comporta-se normalmente, e o seu volume

aumenta à medida que a temperatura aumenta. Uma vez que uma dada massa de água

tem um volume mínimo a 4°C, a sua densidade (massa por unidade de volume) é

máxima a essa temperatura, como mostra a Figura 4.19.

Densidade máxima

a 4º C

0 2 4 6 8 10

Temperatura ºC

Den

sida

de k

g/m

3

1000.0

999.9

999.8

999.7

999.6

Figura 4.19 – Variação da densidade da água com a temperatura

O facto da água ter a sua densidade máxima a 4°C em vez de a 0°C, vai

influenciar o modo como, por exemplo, um lago gela. Quando a temperatura do ar

desce, a camada superficial da água do lago arrefece. Quando a temperatura desta

camada atinge os 4°C, ela torna-se mais densa que a água que está sob esta camada, que

está mais quente, “afunda-se”, e é depois substituída por uma outra camada de água

mais quente que vai depois arrefecer. Este processo continua até que a temperatura de

toda a água do lago seja 4°C. A partir daí, quando a superfície da água arrefecer abaixo

dos 4°C, ela fica menos densa do que as restantes camadas. Então, a camada superficial

não se afunda, mantendo-se à superfície. Se esta camada superficial continuar a

arrefecer até 0°C, aparece gelo que flutua na água, porque o gelo é menos denso que a

água qualquer que seja a temperatura. Abaixo da camada de gelo, a temperatura da água

mantém-se acima de 0°C. Esta camada de gelo actua como isolador e impede que o

calor saia do lago, especialmente se o gelo está coberto por uma camada de neve. Além

58

Page 59: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

disso, o próprio calor da terra impede de gelar a água que está sob a camada de gelo. É

por isso que os lagos em geral, não congelam completamente, ainda que estejam

sujeitos a temperaturas muito baixas durante muito tempo, permitindo assim a

existência de vida aquática sob o gelo.

O coeficiente de compressibilidade isotérmica, k, é definido como a taxa de

variação de volume com a pressão a temperatura constante, e por unidade de volume.

(4.10) δvδP T

1vk = -

O sinal negativo indica que o volume diminui sempre com o aumento da

pressão. A Figura 4.20 mostra a variação do coeficiente de compressibilidade isotérmica

com a pressão.

40 x 10-12

38

36

34

32

301000 2000 3000 4000 5000 6000 7000

Pressão (atm)

k

K (m

N)

2-1

Figura 4.20 – Variação do coeficiente de compressibilidade isotérmica do mercúrio, a

0°C, com a pressão

O coeficiente de compressibilidade isotérmica é muito útil no cálculo do

trabalho envolvido na compressão de sólidos e líquidos. O trabalho por unidade de

massa é dado por

w = - P d v (4.11)

59

Page 60: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para um processo isotérmico, a variação de volume é expressa em termos de k,

por

dvT = - kv dPT (4.12) 1vk = -

Então (4.11) virá

(4.13)

P2

P1

w = P k v dPT T

Para muitos líquidos e sólidos, k é aproximadamente constante num grande

intervalo de pressões. Se o volume específico for considerado constante, a expressão

anterior terá a forma

(4.14) w = (P - P )T 2

1

k v2

2 2

Esta equação pode assim ser usada para calcular o trabalho envolvido na

compressão de sólidos e líquidos a pressões elevadas, enquanto a temperatura se

mantém constante.

Os coeficientes β e k podem ser calculados sempre que a equação de estado for

conhecida. Para um gás ideal, dado que obteremos R TPv =

1vβ = R

P

1Tβ = (4.15)

K = - RTP2

1v

k = 1P (4.16)

60

Page 61: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

O inverso também se verifica. Isto é, se β e k forem medidos experimentalmente

e conhecidos como função da temperatura e pressão, podemos saber a equação de

estado. Consideremos então dois estados de um sistema que não estejam nem à mesma

pressão nem à mesma temperatura. A diferença de volume entre os dois estados é dada

por

dv = dP + dT δvδP T

δvδT P

ou

dv = β v dT – kv dP

ou

(4.17)

Sabendo, por exemplo, que experimentalmente, e , a equação

anterior tomará a forma

- + = 0dvv

dTT

dPP

ln v – ln T + ln P = cte

Portanto,

P vT = cte

que é a equação de estado do gás ideal, se identificarmos a constante com nR.

= dT - k dβ dvv P

1Tβ = k = 1

P

61

Page 62: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 5

A PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

5.1 Introdução

Vamos considerar sistemas fechados, isto é, sistemas em que não há trocas de

massa com o exterior.

A primeira lei da termodinâmica baseia-se no facto observado de que a energia,

em qualquer processo físico ou químico, não é criada nem destruída.

Tomemos como exemplo uma esfera metálica a uma distância h do solo.

Sabemos que ela tem uma energia potencial Ep = mgh, em que m é a massa da esfera, g,

a aceleração da gravidade e h a altura a que a esfera está do solo. Quando a largamos,

ela vai perder energia potencial em favor de energia cinética, em que, m é

a massa da esfera e v a sua velocidade.

E 2c = m v12

Pelo princípio da conservação de energia para sistemas mecânicos podemos

dizer que a energia total do sistema, que é a soma destas duas energias, E = Ec + Ep, se

mantém constante.

Em termodinâmica precisamos de generalizar o conceito de energia.

Para isso, e embora estejamos a estudar apenas a termodinâmica macroscópica,

vamos passar um pouco ao domínio microscópico e falar dos chamados “modos

microscópicos de energia”. Alguns deles são mencionados na Figura 5.1.

62

Page 63: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

-

+

-

+

B

C

+

-

E

+

-

Translação molecular Rotação molecular Vibração molecular

Rotação electrónica Spin electrónico Spin molecular

Forças moleculares Forças nucleares Forças de Coulomb

Momento dipolar magnético Momento dipolar eléctrico Interacção entre moléculas(fraca)

Interacção entre moléculas(forte)

Equivalente de massa

E = m c02

Campo externo

Figura 5.1 – Modos microscópicos de energia

Como sabemos, as moléculas têm movimentos de rotação, translação e vibração.

A estes movimentos está associada uma energia cinética de rotação, de translação e de

vibração, respectivamente. As forças de ligação molecular são principalmente forças de

Coulomb, que são forças conservativas, podendo assim falar-se em energia potencial

relacionada com estas forças intermoleculares.

63

Page 64: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Estes são alguns exemplos dos variadíssimos tipos de energia a nível

microscópico que não são evidentes quando “olhamos”, por exemplo, para a esfera

metálica atrás referida.

Convém portanto separar a energia cinética e a energia potencial da própria

esfera, isto é, energias que se podem medir macroscopicamente, da energia a nível

microscópico.

Fazemos isso dizendo que a energia total do sistema é,

E = Ec + Ep + U (5.1.)

em que

U (energia interna) = E + Ec

cp

m int (5.2)

É óbvio que a energia interna de uma substância depende do seu estado físico.

Uma substância no estado gasoso terá uma energia interna superior à que terá no estado

líquido ou sólido, uma vez que as moléculas gasosas terão movimentos rotacionais,

translacionais e vibracionais mais amplos.

A energia interna é uma propriedade extensiva uma vez que depende da

quantidade de substância presente.

Se a energia se conserva, qualquer variação da energia total de um sistema tem

que ser compensada por uma variação igual e oposta da energia de um outro sistema.

Isto é, a energia pode-se transferir mas nunca ser criada ou destruída.

O conteúdo energético de um sistema fechado pode-se alterar por condução

térmica, radiação, compressão ou expansão mecânica, campos electromagnéticos,

campos gravitacionais, etc.

Os modos possíveis de transferência de energia entre um sistema fechado e a sua

vizinhança são o trabalho, que designaremos por W, e o calor, que designaremos por Q.

Há necessidade de distinguir estas duas formas de energia, uma vez que elas são

importantes no desenvolvimento da primeira lei. Antes de o fazermos, vamos primeiro

indicar a convenção adoptada no nosso curso que é geralmente a usada em engenharia.

Ela está indicada na Figura 5.2. Assim, o trabalho realizado pelo sistema é considerado

positivo, enquanto o trabalho realizado sobre o sistema será negativo. Por outro lado, o

64

Page 65: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

calor fornecido ao sistema será positivo, enquanto o calor retirado do sistema será

negativo.

Q > 0

W > 0

W < 0

Q < 0

S

S

Calor fornecido ao sistema S, é positivo.

Trabalho realizado pelo sistema S é positivo.

Trabalho realizado sobre o sistema S é

negativo.

Calor retirado do sistema S é negativo.

Figura 5.2 – Convenção usada no que respeita o trabalho e ao calor

Consideremos um sistema que passa de um estado 1 com uma energia E1, ao

estado 2 com uma energia E2.

Teremos então envolvidos o trabalho W12 e o calor Q12.

Neste caso, a primeira lei da termodinâmica diz que na mudança do sistema do

estado 1 para o estado 2

Q12 – W12 = E2 – E1 (5.3.)

isto é, a energia fornecida ao sistema menos a energia retirada do sistema é igual à

variação da energia armazenada no sistema. Para uma variação infinitesimal, a

expressão anterior virá

δQ = dE + δW (5.4.)

dE ou dU

dU = δQ – δW

em que δ significa que não é diferencial exacta.

As duas equações, (5.3.) e (5.4.), traduzem a conservação de energia.

65

Page 66: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Podemos dizer que a primeira lei se aplica a todos os processos da natureza que

se dão entre estados de equilíbrio. Contudo, ela não nos vai dizer se um processo pode

ou não ocorrer. Para isso, teremos de recorrer à segunda lei da termodinâmica.

Voltaremos mais tarde à 1ª lei, mas vejamos primeiro as noções de trabalho e

calor.

5.2 Trabalho

Sabemos da Mecânica que dw = F. dr, i. e., o trabalho, W, realizado por uma

força F cujo ponto de aplicação sofreu um deslocamento dr é dado pelo produto interno

da força pelo deslocamento

dw = F. dr = F dr cos θ

em que θ é o ângulo entre os vectores F e dr.

Em Termodinâmica não se pode dizer que o sistema tem uma certa quantidade

de trabalho. Trabalho é uma energia em trânsito. Quando passa a fronteira do sistema

passa a ser energia do sistema ou da sua vizinhança.

ATENÇÃO: Fala-se de trabalho quando o sistema muda de estado. Trabalho não é uma

propriedade termodinâmica.

Vamos então considerar o trabalho em termos de propriedades termodinâmicas.

Comecemos por calcular o trabalho num processo em que há uma variação de

volume (Figura 5.3.).

dF = P dAext ext

ds dA

V

Fronteira Figura 5.3 – Trabalho numa variação de volume

66

Page 67: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Seja um sistema com uma forma arbitrária e volume V, que é actuado por uma

pressão hidroestática externa uniforme, Pe.

Suponhamos que o sistema se expande contra esta pressão externa, tomando

então a forma mais exterior.

Consideremos um elemento da superfície limítrofe de área dA. A força externa

que actua sobre este elemento de superfície.

dFext = Pext dA

Quando o elemento sofre um deslocamento ds, há uma variação de volume e o

trabalho é

δW = dFext. ds

δW = Pext. dA ds

Generalizando a todos os elementos da superfície temos o trabalho em todo o

processo

δW = P dA dsext.

δW = P dA dsext.

este integral não é mais que a variação de volume dV do sistema. Então,

δW = Pext. dV

Concluindo:

na expansão, dv > 0, δW > 0 trabalho realizado pelo sistema

na compressão, dv < 0, δW < 0 trabalho realizado sobre o sistema

67

Page 68: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para processos reversíveis, logo também quasi-estáticos, o sistema está em

equilíbrio mecânico, portanto a pressão externa é igual à pressão exercida pelo sistema

contra a fronteira (Pext. = P), como indicado na Figura 5.4.

P Pext

1 2 Figura 5.4 – Em equilíbrio mecânico, Pext. = P

Então,

δW = P dV (5.5.)

O trabalho exprime-se em Joule.

Vamos agora provar que o trabalho não é uma função de estado.

Consideramos por exemplo a expansão de um gás num cilindro (Figura 5.5). Em

processos quasi-estáticos as curvas representativas desses processos estão sobre a

superfície de estado (equilíbrio). Portanto, a relação entre a pressão e o volume de um

sistema deste tipo pode ser representada por uma curva no plano P-V.

Numa pequena variação de volume o trabalho é representado numericamente

pela área P dV da faixa vertical indicada.

2

1

W = P dV 12

e é representado pela área sombreada na figura 5.5.

Se o trajecto do estado 1 para o estado 2 for diferente, a área representativa é

diferente e portanto o trabalho é diferente. Logo, este integral tem um valor diferente

para cada trajecto entre 1 e 2, isto é, δW não é diferencial exacta, δW não é uma

propriedade termodinâmica do sistema, δW não é uma função de estado.

Há, contudo, uma excepção relativamente ao trabalho adiabático, que veremos

mais tarde.

68

Page 69: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

W12

2

V

1 2

P

P1 P dVP1

P2

V1 V2 Figura 5.5 – Representação de trabalho numa variação de volume

Vamos agora considerar outro caso que prova que o trabalho não é diferencial

exacta. Trata-se do trabalho num ciclo.

Consideremos de novo um diagrama P-V e representemos aí o processo pelo

qual um sistema vai do estado 1 para o estado 2 pelo caminho I e, depois de 2, volta a 1

pelo caminho II, conforme mostra a Figura 5.6. Dizemos que o sistema percorre um

ciclo.

Quando o sistema vai do estado 1 para o estado 2, seguindo I, o volume aumenta

e o trabalho W12 é positivo, isto é, o sistema realiza trabalho. Quando o sistema volta ao

estado 1, seguindo II, o volume diminui, o trabalho W12 é negativo e é feito trabalho

sobre o sistema. Então, neste ciclo, o trabalho total

δW > 0

e é numericamente igual à área compreendida entre as duas curvas.

Se agora o ciclo for percorrido em sentido contrário, isto é, se o sistema for do

estado 1 para o estado 2 pelo trajecto II e voltar depois a 1 pelo trajecto 1, o volume

aumenta e o trabalho W12 é positivo. Mas quando o sistema volta ao estado 1 seguindo

69

Page 70: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

I, o volume diminui e o trabalho W12 é negativo e, em termos de áreas, é maior que

W12. Então neste caso, o trabalho total será

δW < 0

I

II

2

2

VV1 V2

P

1 I

II 2

Figura 5.6. – Trabalho num ciclo

Podemos então concluir que ou conforme o ciclo

for percorrido num sentido ou noutro. δW < 0δW > 0

Provámos então que o trabalho depende da trajectória e que num processo

cíclico é diferente de zero. Logo, o trabalho não é uma diferencial exacta, não é uma

propriedade termodinâmica.

5.2.1 Cálculo do trabalho em alguns Processos Reversíveis.

Vamos considerar o W do tipo Pdv,

w = P d v (5.5)

Processo Isocórico

Um processo isocórico é aquele em que o volume se mantém constante. A sua

representação está na Figura 5.7 a). Se V = constante, então dV = 0 e o trabalho neste

processo, entre os estados 2 e 3, é nulo. Isto é,

Wisocórico = 0 (5.6)

70

Page 71: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Processo Isobárico (expansão isobárica)

Um processo deste tipo é aquele em que a pressão se mantém constante, e está

representado na figura 5.7 b). Se P = constante, então dP = 0 e o trabalho neste

processo, entre os estados 1 e 2 é

W = P d v = P (V - V )isobárico 2 1

W1-2 = P (V2 – V1) (5.7)

3

1 2P

V Figura 5.7 – Representação do trabalho num processo a) isocórico e b) isobárico

Processo Isotérmico

Um processo isotérmico é aquele em que a temperatura, T, se mantém constante.

A Figura 5.8. mostra um processo deste tipo.

P

v

1

2

Figura 5.8 – Representação do trabalho num processo isotérmico

71

Page 72: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Considerando um gás ideal e a sua equação de estado,

p V = n R T

em que n é o número de moles,

P = n R TV

v2

v1

w = n R T = n R T lnisot.d VV

V2

V1

(5.8) w = n R T ln1-2

V2

V1

5.3 Outras formas de Trabalho

O trabalho feito num sistema durante um processo pode ser sempre expresso em

termos das suas variáveis de estado, desde que esses processos sejam reversíveis. Isto é,

além da expansão quasi-estática de volume existem outros modos, também quasi-

estáticos, de produzir trabalho. Mencionemos então alguns.

• Fio sob tensão (F)

Quando o fio, preso numas das extremidades, sobre uma extensão d1, o trabalho

envolvido neste processo é δW = -F.dl

• Trabalho feito por um campo eléctrico

Um campo eléctrico realiza trabalho em qualquer material polarizável. Este

trabalho eléctrico aparece como δW = -E.dp, em que E é a intensidade do campo

eléctrico, e p é o momento dipolar eléctrico total.

72

Page 73: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

• Trabalho feito por um campo magnético

Um campo magnético realiza trabalho em qualquer material magnetizável. A

forma final desse trabalho é δW = -B.dm, em que B é a indução magnética e m o

momento magnético total.

Verificamos que cada tipo de trabalho é dado por um produto de uma força

generalizada por um deslocamento generalizado, ou seja, o produto de uma grandeza

intensiva por uma grandeza extensiva. Em geral, se forem possíveis todas ou algumas

destas formas de trabalho ter-se-à

δW = P.dV – F. d1 – E.dp – B. dm - … (5.9.)

ou, em geral,

δw = Σ Y.dx (5.10)

A esta soma chamamos trabalho de configuração com Y sendo a variável

intensiva (força generalizada), e x a variável extensiva (deslocamento generalizado). As

variáveis extensivas determinam a configuração do sistema.

Pode haver, contudo, variação de configuração com trabalho nulo, como

acontece na expansão livre.

Suponhamos então um recipiente, isolado do calor, dividido em duas partes por

uma válvula, como é ilustrado na Figura 5.9. Uma das divisões contém um gás e a outra

está em vácuo.

Gás Gás

Material isolante

GásVácuo

Válvula fechada Válvula aberta

Estado de equilíbrio inicial Estado de equilíbrio final Figura 5.9 – Expansão livre

73

Page 74: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Quando a válvula se abre, o gás expande-se para a divisão que está em vácuo e

ocupa todo o recipiente. A este processo chamamos expansão livre. A pressão externa é

nula, Pext. = 0, e portanto

(5.11) w = P d v = 0

O trabalho é nulo ainda que o volume do gás tenha aumentado.

Vamos ainda falar dum outro tipo de trabalho, o trabalho dissipativo, que

aparece em processos não quasi-estáticos. Como exemplo, consideremos um agitador

mergulhado num fluido, e que o agitador e o fluido formam um sistema. Como a Figura

5.10 mostra, o agitador está preso a um eixo que atravessa a parede do recipiente. A

parte externa do eixo vai ser actuada de modo a que ele rode num certo sentido.

Fluido

Agitador

Figura 5.10 – Trabalho Dissipativo

Quando fazemos rodar o eixo num determinado sentido está a fazer-se trabalho

sobre o sistema. É um trabalho de agitação ou dissipativo. O processo é irreversível.

Em geral, tanto o trabalho de configuração como o disipativo podem ser

realizados num processo. O trabalho total no processo é definido como a soma algébrica

do trabalho de configuração com o trabalho dissipativo.

Uma vez que um processo reversível é necessariamente quasi-estático, Processo

Reversível implica:

a) Processo quasi-estático;

b) Trabalho dissipativo nulo;

c) Trabalho total igual ao trabalho de configuração.

74

Page 75: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

5.4 Calor

A compreensão do que se entende por calor provou ser um desafio aos pioneiros

da termodinâmica. A dificuldade de compreender o conceito de calor apareceu

principalmente da confusão com o conceito de temperatura.

Os primeiros cientistas consideravam o calor uma substância chamada

“calórico” que era um “fluido elástico e imponderável que penetrava nos espaços

existentes entre as partículas dos corpos”. O calórico podia ser “despejado” dum corpo

para outro, tal como a água se despeja, por exemplo, de uma chávena para outra. O calor

era conteúdo de um corpo.

Sabemos hoje que esta ideia é falsa e que o “calor não está contido num sistema”

mas manifesta-se somente como uma interacção do sistema com a sua vizinhança

quando o sistema muda de estado.

Podemos então dizer que calor é:

- Valor médio das energias transferidas pelas moléculas do sistema às moléculas

das vizinhanças, quando não se possa contabilizar como trabalho.

- Transferência de energia sem transferência de massa.

O trabalho está associado a um movimento molecular ordenado. Quando se

comprime um gás num cilindro por meio de um pistão aceleram-se as moléculas na

direcção do movimento do pistão. Assim como a pressão é o “detonador” do trabalho

pressão-volume, a temperatura é o “detonador” da transferência de calor.

Vamos agora considerar o trabalho adiabático, que é o caso em que o trabalho é

diferencial exacta. Voltemos à expressão que nos dá a energia total de um sistema.

E = Ec + Epext + Eccm + Epint

com

U = Eccm + Epint

em que U é a energia interna, que é uma propriedade do sistema. Tenhamos ainda em

conta a primeira lei

75

Page 76: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

δQ = dE + δW

Em processo em que a energia cinética do sistema como um todo e a energia

potencial externa não variam, tem-se

E2 – E1 = U2 – U1 ou U2 – U1 = Q12 – W12

Então

δQ = dU + δW (5.12)

Num proceso adiabático, δQ = 0, e portanto

dU = -dWad (5.13)

Então, num processo adiabático o trabalho é o mesmo para todas as trajectórias

possíveis. Ele só depende do estado inicial e final. Podemos assim enunciar a primeira

lei como:

O trabalho total é o mesmo em todos os processos adiabáticos entre quaisquer dois

estados de equilíbrio, tendo a mesma energia cinética e a mesma energia potencial.

Para dois estados em que a diferença é finita

U2 – U1 = -Wad ou U1 – U2 = Wad

O trabalho adiabático “mede” a energía interna do sistema. Podemos então dizer que:

O trabalho total realizado por um sistema num processo adiabático entre dois estados 1

e 2 (tendo as mesmas energias cinética e potencial), é igual à diminuição da energia

interna do sistema.

Vimos já que em qualquer processo sem variação de energia cinética, Ec, e

energia potencial, Epext,

76

Page 77: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

U2 – U1 = Q12 – W12

Num processo adiabático, U2 – U1 = -Wad, então,

Q12 = W12 - Wad (5.13)

O calor é medido, medindo o trabalho adiabático realizado num processo entre

dois estado 1 e 2, e o trabalho não adiabático W12 entre os mesmos estados.

Para um sistema isolado, isto é, com fronteira rígida e adiabática

δQ = δW = 0

e portanto, dU = 0. Então,

U = constante (5.14)

5.5 Equivalente Mecânico do Calor

Joule provou que existia uma equivalência trabalho mecânico – calor, com uma

série de experiências muito interessantes entre 1840 e 1878, demonstrando que qualquer

que fosse o modo de “produzir” trabalho, a mesma “quantidade” de trabalho produzia

sempre a mesma “quantidade” de calor. Isto é, Joule mostrou que havia realmente uma

proporção directa entre “trabalho” e “calor”, e realizou várias experiências para medir o

equivalente mecânico do calor. Uma das mais conhecidas é a das rodas-de-pás imersas

num tanque de água e calculou, a partir da massa da água e do seu aumento de

temperatura, a quantidade de calor que deveria passar para a água para produzir a

mesma variação na energia interna. Usou também uma resistência aquecida

electricamente, e um sistema de pesos.

O equivalente mecânico do calor encontrado por Joule tem o valor de 4,816

Joule/caloria. Isto é, 4,816 Joule de energia na forma de trabalho mecânico produz

sempre 1 caloria, qualquer que seja o modo de produzir trabalho 1cal =4,816J.

James Joule acabou assim com a teoria do “calórico” e, não só determinou o

equivalente mecânico do calor, como provou experimentalmente que essa grandeza

existia.

77

Page 78: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A unidade tradicionalmente aceite para calor é a caloria – quantidade de calor

necessária para elevar de 14,5ºC para 15,5ºC a temperatura de 1g de água à pressão de 1

atmosfera.

5.6 Entalpia

Consideremos uma mudança de estado infinitesimal num sistema fechado.

Como já vimos, pela primeira lei δQ = dU + δW.

Suponhamos que só interessa o trabalho por variação de volume. Então,

δQ = dU + PdV

Se o processo é isobárico (P = constante)

δQp = d(U + PV)

À soma da energia interna, U, com o produto da pressão, P, pelo volume, V, dá-

se o nome de entalpia, que vamos designar por H.

Entalpia H = U + PV (5.15)

A entalpia é uma propriedade termodinâmica, é também uma função de estado

visto que U, P e V são funções de estado.

Processos em que a entalpia se mantém constante são chamados de processos

isentálpicos,

δQp = dH

Num processo isobárico quasi-estático, em que o trabalho é só do tipo P dV, o

calor absorvido por um sistema é totalmente utilizado para aumentar a sua entalpia.

A entalpia dá-nos assim a medida da transferência de calor em qualquer

processo isobárico quasi-estático em que o trabalho é só do tipo PdV portanto

(5.16) ΔH = dQ

2

78

1

Page 79: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Numa reacção química chama-se calor de reacção à variação de entalpia ΔH.

Assim,

ΔH > 0, indica que o sistema no estado final tem uma entalpia superior à do

estado inicial, portanto, o sistema absorveu calor. Dizemos que se

trata de um processo endotérmico.

ΔH < 0, indica que o sistema no estado final tem uma entalpia inferior à do

estado inicial, portanto, o sistema libertou calor. Será então um

processo exotérmico.

ΔH = 0, indica que o sistema está em equilíbrio.

5.7 Capacidade Calorífica e Calores Específicos

Num processo, desde que não haja mudanças de fase, a temperatura, T, varia

com o fluxo de calor Q.

A primeira lei, δQ = dU + δW, mostra que o calor absorvido é usado para alterar

a energia interna e/ou para realizar trabalho.

A capacidade calorífica, C, de um sistema num dado processo é definida como a

razão entre o fluxo de calor e a variação de temperatura

(5.17) Δ QC = Δ T

C, terá assim unidades de Joule Kelvin-1 (J.K-1).

Em geral, a capacidade calorífica é função da temperatura. Logo, o fluxo total de

calor para o sistema é dado por

(5.18) Q = Q = C dTδT2

T1

Se C for constante entre T1 e T2, então

Q = C ΔT = C (T2-T1) = M c ΔT (5.19)

79

Page 80: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Como já vimos, o calor não é uma função de estado e, tal como o trabalho,

depende da trajectória. Isto é, depende do modo como se realiza o processo. Esta

equação não mostra como se dá a variação de temperatura. Define-se então Cp –

capacidade calorífica a pressão constante (para processos isobáricos)

(dQ)p = Cp dT (5.20)

E Cv – capacidade calorífica a volume constante (para processos isocóricos)

(dQ)v = Cv dT (5.21)

Em geral mede-se Cp pois as medidas de Cv são difíceis, especialmente para

sólidos e líquidos, devido a tensões que surgem quando um sólido ou um líquido é

aquecido sem que se permita a sua expansão.

À capacidade calorífica por unidade de massa ou por mole vamos chamar calor

específico, c, isto é

(5.22) cp = =Cp

mδqδT

(Calor específico por massa a pressão constante) P

(5.23) p = =Cp

nδqδTc

(Calor específico molar a pressão constante) P

(5.24) v = =Cv

nδqδTc

(Calor específico por massa a volume constante) v

(5.25) v= =Cv

mδqδTc

(Calor específico molar a volume constante) v

Unidades:

- Capacidade calorífica: cal/ºC, cal/K, J/ºC;

- Calor específico (por massa): cal/gºC, cal/gK, J/kgºC

- Calor específico molar: cal/molºC, J/kmol K, J/molºC.

80

Page 81: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para sólidos e líquidos os calores específicos a volume e pressão constante são

muito semelhantes, conforme mostra a Tabela 5.1. Por isso, muitas vezes se fala de

calor específico sem indicar se é a volume ou a pressão constante.

Substância

Calor

específico

Calor específico

molar

cal/g

K

J/kg

K J/mol K

Os calores específicos

molares nos sólidos são

muito semelhantes (à

temperatura ambiente)

3R = 24,9 J mol-1

Lei de Dulong-Petit

Elem

ento

s Sól

idos

Chumbo 0,030

5 128 26,5

tungsténio 0,032

1 134 24,8

Prata 0,056

4 236 25,5

Cobre 0,092

3 386 24,5

Alumínio 0,215 900 24,4

Out

ros S

ólid

os Bronze 0,092 380

Granito 0,19 790

Vidro 0,20 840

Gelo (-

10ºC) 0,530 2220

Líqu

idos

Mercúrio 0,033 140

Álcool

Etílico 0,58 2430

Água do

mar 0,93 3900

Água 1,00 4190

Tabela 5.1. – Calores específicos de alguns sólidos e líquidos

81

Page 82: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para os gases, os calores específicos a volume e pressão constante são diferentes.

É necessário indicar se se refere a processos a volume ou a pressão constante.

Veremos mais tarde o que se passa para um gás ideal.

5.8 Reservatórios Termodinâmicos

Um sistema pode ter em geral três tipos de interacções: de trabalho, de calor e de

matéria, o que equivale a falar de:

Reservatório de trabalho – é um sistema em que toda a energia que atravessa a

fronteira é trabalho. Uma mola é um exemplo dum reservatório

deste tipo.

Reservatório de calor – é um sistema com grande capacidade calorífica. Serve

de fonte ou sorvedouro de calor mantendo-se a sua temperatura

constante. Isto é, o fluxo de calor para dentro ou para fora dele

poder ser tão grande quanto se queira sem que haja qualquer

variação na sua temperatura. É o que se passa com a atmosfera

terrestre e com os oceanos.

Reservatório de matéria (para sistemas abertos) – é um sistema que fornece ou

recebe matéria. Ele é tão grande que se mantém em equilíbrio. A

atmosfera, fornecendo ar para os motores dos automóveis, está

nestas condições.

5.9 Calor latente de transformação

Fala-se em calor latente de transformação, l, quando estamos perante mudanças

de fase. É definido como o calor absorvido na transformação, por unidade de massa. Ou

seja,

(5.26)

1 = (J Kg-1δQΜ )

82

Page 83: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Considerando as fases sólida, e gasosa, poderemos definir calores latentes de

fusão, para transformações de sólido a líquido; vaporização, para transformações de

líquido a vapor; e sublimação, para transformações de sólido a vapor.

Numa mudança de fase há variação de volume e portanto, exceptuando o ponto

crítico, há trabalho associado a este processo. Como este processo se realiza a

temperatura constante, a pressão é também constante, e o trabalho específico realizado

pelo sistema será

w1-2 = P (v2 – v1)

em que v2 e v1 são os volumes específicos final e inicial. Pela primeira lei, du = δq –

δw, portanto, a variação da energia interna

u2 – u1 = l – P (v2-v1)

ou

l = (u2 + P v2) – (u1 + P v1)

isto é,

l = h2 – h1 (5.27)

O calor latente de transformação em qualquer mudança de fase é igual à diferença das entalpias das duas fases.

5.10 Equações da Energia Interna

Seja um estado de um sistema caracterizado pelas variáveis P, v, e T,

relacionadas por uma equação de estado. Há, portanto, duas variáveis independentes em

função das quais a variação da energia interna específica pode ser expressa. Cada uma

dessas equações define uma superfície de energia, num sistema de coordenadas

rectangulares sendo u um dos eixos e os outros dois P e v, P e T ou T e v.

83

Page 84: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

5.10.1 T e v como Variáveis Independentes

Se T, v forem as variáveis independentes, então temos u função de T e v, isto é,

u(T, v).

A diferença de energia interna, du, entre dois estados de equilíbrio em que a

temperatura e o volume diferem de dT e dv é

(5.28) du = dT + d δuδT v

δuδv v

T

em que dá-nos a inclinação da isocórica e dá a inclinação da isotérmica

sobre uma superfície u, T, v.

δuδT

δuδT T

A primeira lei dá-nos, para processos reversíveis

δq = du + P dv

substituindo na equação anterior o valor de du obtemos

(5.29)

Para um processo isocórico, isto é v = constante, portanto dv = 0, teremos dq =

du da primeira lei e, uma vez que dq = cv dT, sendo cv o calor específico a volume

constante.

(5.30)

Para qualquer processo reversível

(5.31)

Para um processo isobárico, p = constante, dp = 0, dq = cp dT. De (5.31) virá

então,

(5.32)

dq = dT + + P dvδuδT v

uδVδ T

δuδT v

= cv

δ q = c dT + + P dv vuδVδ T

c dT = c dT + + P dp v vδuVδ

T

84

Page 85: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para calcular dv sabendo que P e T são variáveis independentes,

δvδP T

δvδT P

mas como dp = 0

δvδT P

Substituindo na equação (5.32) obtemos

c dT = c dT + + P dTp v δuδv T

δvδT P

(5.33) P c - c = + p v δuδv T

δvδT P

Pode-se obter cv a partir de cp e do cálculo do segundo membro através da

equação de estado.

5.10.2 T e P como Variáveis Independentes

Tal como a energia interna, a entalpia pode também ser expressa em função de

duas das variáveis P, v, T. Assim, podemos considerar h (T, P) = u + Pv. Esta equação

vai definir uma superfície de entalpia num sistema de coordenadas rectangulares sendo

h um dos eixos e os outros dois T e P, que são as variáveis mais convenientes.

A diferença de entalpia dh entre dois estados de equilíbrio próximos

(5.34)

Mas,

dh = d(u + P v)

dh = dT + d δhδP T

δhδT P

P

85

Page 86: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

dh = du + P dv + v dP

du = dh – P dv – v dP

Pela primeira lei, δq = du + P dv, então

δq = (dh – P dv – v dP) + P dv

ou

dq = dh – v dP (5.35)

Mas dh é-nos dado pela equação (5.34), portanto

(5.36)

Num processo isobárico, P = constante, dP = 0 e dq = cp dT, sendo o calor

específico cp o calor a pressão constante. Portanto,

(5.37)

que corresponde à inclinação da curva isobárica na superfície h (T, P). Então,

(5.38)

Num processo a v = constante (isocórico), dv = 0, dq = cv dT. Logo,

(5.39)

Para calcular dP, sabendo que P(v, T)

e como dv = 0

dq = c dT + - v dP p δhδP T

δ q = dT + - v dPδhP

δhδP TδT

cp =δhδT P

dP = dv + dT δPδv T

δPδT v

c dT = c dT + - v dv P δhδP T

P

86

Page 87: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

dP = dT δPδT v

Então,

(5.40) c dT = c dT + - v dv P δhδP T

δPδT v

T

ou

(5.41) c - c = - - vp v δhδP T

δPδT v

As equações (5.33) e (5.41) conjuntamente com a equação de estado permitem

determinar todas as propriedades de uma substância.

Nestas equações ficou ainda por calcular

e δuδv T

δhδP T

Vamos exprimir a energia interna, u, e a entalpia, h, em termos de propriedades

mensuráveis para um sistema gasoso. Utilizando relações entre derivadas parciais já

conhecidas, isto é,

= - 1δuδv T

δvδT u

δTδu v

ou

= -δuδv T

δuδT v

δTδv u

ou ainda,

(5.42) = - cvδuδv T

δTδv u

com

(5.43) = ηδTδv u

87

Page 88: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

sendo η, o coeficiente de Joule.

Gay-Lussac e Joule foram os primeiros a tentar determinar a dependência da

energia interna de um gás com o seu volume. Para isso utilizaram o dispositivo

mostrado na figura 5.10.

Gás Vácuo

Água

T

Figura 5.10 – Experiência de Gay-Lussac e Joule

A figura mostra dois recipientes ligados por uma torneira. Um dos recipientes

contém um gás e o outro está em vácuo. A torneira está inicialmente fechada. Este

conjunto é imerso num tanque de água de massa conhecida e cuja temperatura pode ser

medida por um termómetro. Deixa-se que o sistema atinja o equilíbrio térmico e lê-se a

temperatura. Abre-se a torneira e o gás vai para o recipiente que estava inicialmente em

vácuo por meio de uma “expansão livre”. Já vimos que, neste caso, o trabalho é nulo. O

sistema chega então a um novo estado de equilíbrio em que a pressão é a mesma nos

dois recipientes. Se há um fluxo de calor entre o gás e o banho de água, a temperatura

deste também muda.

Gay-Lussac e Joule verificaram que a mudança de temperatura do banho, se há

alguma, é muito pequena para ser detectada dada a grande capacidade calorífica do

banho.

QC = Δ T

Todas as experiências feitas até agora mostram que a variação da temperatura do

próprio gás, ainda que não haja fluxo de calor para as vizinhanças, não é grande.

Portanto, para um gás ideal podemos postular que não há uma variação da temperatura

do sistema quando se varia o volume na expansão livre (W = 0). Para um gás ideal

88

Page 89: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

admite-se que o coeficiente de Joule é igual a zero, isto é η = 0. Então, de (5.42) e dado

que cv é finito

(5.44) = 0δuδv T

Isto é, a energia interna específica de um gás ideal é só função da temperatura.

Então

c = vdudT

ou

du = cv dT (5.45)

Integrando esta expressão, obtém-se a equação da energia de um gás ideal, isto

é,

du = u - u = c dT0 v

u

u0

T

T0

Em que u0 é a energia interna à temperatura de referência T0-.

Se cv for constante,

u = u0 + cv (T – T0) (5.46)

Voltando à equação (5.6) e uma vez que para um gás ideal,

(5.47)

Mas para um gás ideal,

P v = R T, e

= 0δuδv T

C - C = PP V δVδT P

= δvδT P

RP

89

Page 90: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Então,

cp – cv = R (5.48)

que é a relação de Mayer.

Vamos agora tratar da variação da entalpia com a pressão, isto é, . δhδP T

Da mesma maneira como para a energia interna, vamos usar uma relação entre

derivadas parciais, isto é,

= - 1δhδP T

δPδT h

δTδh P

= -δhδP T

δTδP h

δhδT P

= - cpδhδP T

δTδP h

(5.49)

Mas,

(5.50) = μδTδP h

é o coeficiente de Joule-Kelvin ou Joule-Thompson (mais tarde Lord Kelvin).

Para um gás ideal, μ = 0, então

(5.51) = 0δhδP T

dado que cp é finito.

A entalpia é só função da temperatura. Então,

cp =dhdT

90

Page 91: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

ou

dh = cp dT (5.52)

Voltando à equação (5.14), e uma vez que para um gás ideal,

c - c = vp v δPδT v

e como para um gás ideal

vem finalmente

cp – cv = R Relação de Mayer (5.53)

que coincide com (5.48).

Existe ainda uma outra maneira de chegar à relação de Mayer. Considerando que

para um gás ideal e , a diferença dos calores específicos será então

dhdTc - c p v = - du

dT

d(h-u)dTc - c p v =

d(P v)

dTc - c p v = d(R T)

dTc - c p v =

cp – cv = R Relação de Mayer (5.48) (5.53) (5.54)

= 0δhδP T

=δPδT v

Rv

cp =dhdT c = v

dudT

91

Page 92: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

5.11 Processos Adiabáticos Reversíveis

A primeira lei afirma que δq = du + δw. Neste caso dq = 0, e portanto, du + dw

= 0. Temos de ter em atenção que estamos perante um trabalho adiabático e, como tal

dw é, uma diferencial exacta. Daí o d não aparecer cortado.

Partindo de du = cv dT, substituindo du na expressão da primeira lei obtemos

cv dT + dw = 0

ou

cv dT + P dv = 0

Da equação de estado do gás ideal, , portanto,

c dT + dv = 0vR Tv

ou

+ = 0Rcv

dTT

dvv

ou integrando

+ = 0Rcv

dTT

dvv

T

T0

v

v0

ln T + ln v = cteRcv

ln (T v) = cteRcv

(5.55)

P = R Tv

T v = ctRcv e

92

Page 93: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Vamos agora introduzir o índice adiabático de um gás, que designaremos por γ,

e que é igual ao coeficiente entre o calor específico desse gás a pressão constante, cp, e

o calor específico do mesmo gás a volume constante cv. Isto é

Índice adiabático de um gás (5.56)

O índice adiabático é uma grandeza sem dimensões, pois é o cociente entre duas

grandezas da mesma espécie e toma valores diferentes consoante o tipo de gás.

Da definição de índice adiabático e da relação de Mayer, equação (5.48),

obtemos

γ = cv

R + cV

γ = 1 + cv

R

= γ - 1cv

R

Que substituindo em (5.55) dá como resultado final

T vγ-1 = cte Fórmula de Poisson (5.57)

Esta relação foi deduzida considerando v e T variáveis independentes. Ela pode

tomar outros aspectos, que dependem das variáveis independentes que escolhermos.

Assim, se da equação de estado do gás ideal tirarmos

Τ = RP v

e substituirmos T em (5.57) aparecerá

v cγ−1 = te

RP v

P vγ = cte (5.58)

γ = ccp

v

93

Page 94: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Neste caso tomámos como variáveis independentes P e v.

Tirando agora o valor de v da equação dos gases ideais, e substituindo

v = PR T

na equação anterior, obteremos

P = cteR TP

γ

PP

1-γ Tγ = cte (5.59)

O trabalho específico, w, realizado numa expansão ou compressão adiabáticas

(δq = 0) será, considerando a primeira lei, δq = du + δw,

- du = dw

e

du = cv dT

Então

w = u1 – u2 (5.60)

e

w = cv (T1 – T2) (5.61)

Como já indicámos anteriormente, o trabalho é feito à custa da variação da

energia interna.

As curvas que representam processos adiabáticos na superfície P-v-T de um gás

ideal estão representadas na figura 5.11. a) e as suas projecções no plano P-v na figura

5.11. b).

94

Page 95: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Como já sabemos, a projecção das curvas isotérmicas no plano P-v são

hipérboles equiláteras. A inclinação duma isotérmica é dada por . Então, para o

gás ideal

δPδv T

=δPδv T

R Tv

δδv

= -δPδv T

R Tv2

(5.62) = -δPδv T

Pv

PR

ESS

ÃO

TEMPERATURA

ISOTÉRMICAS

(a) (b)

ADIABÁTICAS

T1

T2

T3

T1

T2

T3

P

V

Figura 5.11. – Representação de processos adiabáticos a) na superfície PvT de um gás

ideal; b) no plano Pv

A inclinação duma adiabática é dada por . Considerando a equação

(5.58), obteremos

δPδv adiabática

δPδv adiabática

= (k v )-γδδv

95

Page 96: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

ou seja

(5.63) δPδv adiabática

= - γ Pv

Isto é, as adiabáticas têm uma inclinação maior que as isotérmicas.

96

Page 97: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 6

TRANSFERÊNCIA DE CALOR

6.1. Introdução

A transferência de energia calorífica dum objecto para outro é importante em

muitos aspectos da nossa vida. Falamos de condutores e isoladores, isto é, materiais que

permitem ou impedem, respectivamente, a passagem de calor.

Os três mecanismos de transferência de calor são condução, convecção e

radiação. A condução dá-se no interior dum corpo ou entre dois corpos em contacto. A

convecção depende do movimento de massas duma zona do espaço para outra. A

radiação é o processo no qual a energia é transferida por ondas electromagnéticas. Não

necessita de um meio material.

Vamos considerar cada um deles mais detalhadamente.

6.2. Condução

Qualquer pessoa que tenha pegado numa cafeteira que está ao lume, se a asa da

cafeteira não era feita de material isolador e não usou uma luva de cozinha, queimou-se!

Neste caso, a energia calorífica está a ser transferida directamente através do metal. Este

é um exemplo de transferência de energia calorífica por condução. A condução dá-se

quando os átomos ou moléculas numa zona mais quente do material vibram, ou se

movem, com energia superior aos de outra zona mais fria. As moléculas mais

energéticas passam parte da sua energia para as menos energéticas por meio de colisões.

A Figura 6.1 mostra um mecanismo deste tipo num gás.

As moléculas que embatem na parede mais quente absorvem energia, e voltam

para trás com uma energia cinética superior à que levavam antes da colisão. Quando

estas moléculas chocam com outras vizinhas, transferem parte da sua energia às menos

energéticas.

97

Page 98: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Condução de calor

Zonamais

quente

Zonamaisfria

Figura 6.1 – Condução de calor num gás. As moléculas mais energéticas estão a

vermelho.

Um mecanismo de condução de energia calorífica dá-se nos metais. Eles são

diferentes da maior parte das substâncias porque têm um conjunto de electrões que são

mais ou menos livres de se movimentarem em todo o metal. Estes electrões que são

mais ou menos livres de se movimentarem em todo o metal. Estes electrões livres

transportam energia e, além de fazerem dos metais bons condutores de energia

calorífica, são ainda responsáveis pela elevada condutividade eléctrica destes metais.

Aos materiais que conduzem energia calorífica chamam-se condutores térmicos.

Os outros materiais, que não conduzem, são chamados isoladores térmicos.

A maior parte dos metais, tais como alumínio, cobre, ouro e prata, são

excelentes condutores térmicos (Figura 6.2).

AR CalorRefrigerante

AR

T2

T1

ΔTRefrigerante

Calor

Parede da latade alumínio

Δx

Figura 6.2 – Condução de calor do ar quente para uma lata de refrigerante.

Os isoladores térmicos têm aplicações muito importantes. Por exemplo, as casas

são actualmente construídas com isoladores térmicos nos telhados e nas paredes para

reduzir as perdas de calor ou frio no interior.

98

Page 99: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Vamos examinar o processo de condução em mais pormenor, para determinar os

factores que a influenciam.

A figura 6.3 mostra uma barra rectangular cujas extremidades estão em contacto

térmico com dois corpos a temperatura constante T1 e T2, sendo a temperatura de um

superior à temperatura do outro (T2 > T1).

Considera-se que os lados da barra estão isolados, para que a energia calorífica

perdida por eles seja desprezável. Nesta situação, a quantidade de energia calorífica, Q,

que é transferida ao longo da barra, da extremidade a temperatura mais elevada para a

outra extremidade a temperatura mais baixa depende dos seguintes factores:

1 - Q é proporcional ao intervalo de tempo no qual se dá a condução

Q α t

Em períodos mais longos flui mais energia calorífica

Fluxo de calor

Corpo a T1Corpo a T2

LT > T2 1

A

Figura 6.3 – Condução de energia calorífica ao longo de uma barra

2 – Q é proporcional à diferença de temperatura ΔT entre as duas extremidades da

barra

Q α ΔT

Maior diferença de temperatura provoca maior fluxo de energia calorífica. Este

fluxo não existe quando as duas extremidades da barra estão à mesma temperatura (ΔT

= 0).

99

Page 100: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

3 – Q é proporcional à secção eficaz, A, da barra

Q α A

A figura 6.4 mostra duas barras idênticas (com os lados isolados), colocadas

entre dois corpos as duas temperaturas diferentes, e constantes. O fluxo de energia

calorífica nas duas barras é o dobro do que existiria se houvesse só uma barra.

Fluxo de calor

Corpo a T1Corpo a T2

T > T2 1

Fluxo de calor

A

A Figura 6.4 – Condução de energia calorífica ao longo de duas barras

Uma vez que duas barras são equivalentes a uma barra com área dupla,

duplicando a área duplica o fluxo de energia. Isto é, Q é proporcional a A.

4 – Q é inversamente proporcional ao comprimento L da barra

1LQ α

Barras mais compridas conduzem menos energia calorífica.

Podemos dizer que a energia calorífica, Q, que passa durante um intervalo de

tempo, t, numa barra de comprimento L e área A é

(6.1) k A T tΔLQ =

100

Page 101: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

em que ΔT é a diferença de temperatura nas extremidades da barra e k é a condutividade

térmica do material. As unidades SI para k são J/(s.m.Cº).

A equação anterior poderia tomar a forma

(6.2) k A TΔL=Q

t

Em que Q/t é a energia calorífica por unidade de tempo, ou potência. A unidade de

potência é Joule.s-1, J.s-1, ou Watt, W. Assim, a condutividade térmica, k, é dada muitas

vezes em W/(m.Cº).

À variação de temperatura por unidade de comprimento, ΔT/L, chama-se

gradiente de temperatura.

Materiais diferentes têm diferentes condutividades térmicas. A tabela 6.1 dá

alguns desses valores.

Metais k (W/m.K)

Sólidos k

(W/m.K)

Gases k (W/m.K)

Alumínio 205.0 Tijolo refractário 0.15 Ar 0.024 Latão 109.0 Tijolo 0.6 Argon 0.016 Cobre 385.0 Cimento 0.8 Hélio 0.14 Chumbo 34.7 Cortiça 0.04 Hidrogénio 0.14 Mercúrio 8.3 Feltro 0.04 Oxigénio 0.023

Prata 406.0 Fibra de vidro 0.04 Aço 50.2 Vidro 0.8

Gelo 1.6

Lã mineral 0.04

Styrofoam 0.01

Madeira 0.12-0.04

Tabela 6.1 – Condutividades Térmicas

Os metais são bons condutores térmicos, apresentando, por isso, condutividades

térmicas mais elevadas. Os líquidos e os gases têm, em geral, condutividades térmicas

mais baixas. De facto, na maior parte dos fluidos, o calor transferido por condução é

101

Page 102: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

desprezável quando comparado com o transferido por convecção quando existem fortes

correntes de convecção.

O ar, por exemplo, com a sua baixa condutividade térmica é um excelente

isolador térmico quando confinado em pequenos espaços onde não existem correntes de

convecção, como mostra a Figura 6.5.

Pequenos correntes de Convecção

Espaços com ar imobilizado

Figura 6.5 – Isolamento térmico

Styrofoam contém muitos pequenos espaços com ar imobilizado. Estes pequenos

espaços impedem a formação de grandes correntes de convecção. Uma vez que a

transferência de calor por convecção é pequena, e dado que o ar tem uma baixa

condutividade térmica, o Styrofoam torna-se um excelente isolador térmico.

Relativamente ao problema do isolamento térmico dos edifícios, os engenheiros

civis usam o conceito de resistência térmica, R, que para uma placa de qualquer

material é definida como

(6.3) LkR =

em que L é a espessura da placa e k a condutividade térmica. A unidade SI para R é

lm2.K/W. Os valores de R são geralmente indicados sem unidades: uma camada de fibra

de vidro de 17 cm apresenta R = 19, uma placa de 5 cm de poliuterano tem um valor de

R de 12, etc. Ao duplicar a espessura, R duplica o seu valor. Nos países nórdicos, em

que o clima é muito severo, é prática comum na construção especificar os valores de R à

volta de 30 para as paredes exteriores e tectos. Os materiais podem estar associados em

série (Figura 6.6) ou em paralelo (Figura 6.7).

102

Page 103: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

R1 R2

Tf TqQ

R = R1 + R2 + …..

Figura 6.6 – Materiais em série

QTf Tq

R1

R2

A1

A2

= + + ...A1

R1

1R

1A + A + ...1 2

A2

R2 Figura 6.7 – Materiais em paralelo

Os engenheiros electrotécnicos que tratam do arrefecimento dos chips dos

microprocessadores usam uma definição diferente de resistência térmica que, é por eles

designada por r. Voltaremos a este assunto mais tarde.

6.3 Convecção

Quando parte de um fluído é aquecida, tal como o ar sobre uma fogueira, o

volume do fluído aumenta, e a sua densidade diminui. De acordo com o princípio de

Arquimedes, o fluído que cerca a parte aquecida, que está mais frio e mais denso que

esta, exerce nela uma força que a empurra para cima, enquanto o fluído que não está

103

Page 104: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

aquecido toma o lugar do que está a uma temperatura mais elevada. Este processo

repete-se e a energia calorífica é assim transferida pelo movimento do fluído por

correntes de convecção.

O fumo que sai de uma chaminé é o resultado de convecção. A figura 6.8.

mostra um exemplo das correntes de convecção que existem numa panela com água a

aquecer.

Figura 6.8 – Correntes de convecção existentes numa panela com água a ser aquecida

Certos tipos de sistemas de aquecimento usam também convecção para

distribuir energia calorífica numa casa. É o caso do que é mostrado na figura 6.9. Na

Figura 6.9 a), vê-se que se a unidade de aquecimento tivesse sido colocada próximo do

tecto, o ar quente ficaria aí e haveria muito poucas correntes de convecção que

distribuíssem a energia calorífica. Em b) é indicada uma situação análoga num

frigorífico, em que a corrente de convecção é determinada pelos tubos de arrefecimento.

Estes tubos estão situados na parte superior do frigorífico, ao contrário do que acontece

com o posicionamento da unidade de aquecimento em a).

(a) (b) Figura 6.9 – Correntes de convecção existentes a) numa sala b) num frigorífico

104

Page 105: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

À medida que a temperatura do ar em contacto com os tubos diminui, o volume

diminui, e a densidade aumenta. Este ar mais frio e mais denso desce e obriga o ar mais

quente e menos denso a dirigir-se para cima na direcção dos tubos de arrefecimento. A

corrente de convecção resultante mantém todas as zonas do frigorífico uniformemente a

baixas temperaturas. Se os tubos de arrefecimento fossem colocados na parte inferior do

frigorífico, em vez de o serem na parte superior, o ar frio ficava aí parado e não havia

arrefecimento na parte superior.

Outro exemplo de convecção diz respeito ao aquecimento do ambiente

provocado pelo aquecimento do solo quando este é aquecido pelos raios solares. O ar

mais frio e mais denso empurra o ar aquecido para cima. A corrente resultante pode ser

bastante forte, dependendo da energia calorífica que o solo é capaz de fornecer. São

correntes deste tipo que os planadores usam para ganhar altitude (Figura 6.10). Algumas

aves, como por exemplo falcões ou açores, utilizam estas correntes de um modo

semelhante.

Figura 6.10 – Corrente de convecção existente no ar aquecido

Estas situações são exemplos de convecção natural. O movimento da massa de

fluído, que provoca a transferência de calor duma zona para outra, é causado pelas

diferenças de densidade devidas à expansão térmica. Por vezes, este tipo de convecção é

insuficiente para transferir certas quantidades de energia calorífica. Nesses casos usa-se

a convecção forçada, para o que é necessário um dispositivo que misture as porções

105

Page 106: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

mais quentes e mais frias do fluído, tal como uma ventoinha. A Figura 6.11. mostra dois

exemplos de convecção forçada. Em a), uma ventoinha montada num computador cria a

convecção forçada que retira a energia calorífica produzida pelas componentes

eléctricas. Em b), uma bomba faz circular o fluído do radiador pelo motor do automóvel

para retirar o excesso de energia calorífica devido ao processo de combustão.

O mecanismo mais importante para a transferência de calor no interior do corpo

humano (necessário para manter a temperatura constante em vários ambientes) é a

convecção forçada do sangue, com o coração a ser usado como bomba. A perda de calor

do corpo é da ordem dos 100 a 200W (2000 a 4000 Kcal por dia).

Figura 6.11 – Convecção Forçada

A convecção nos oceanos, Figura 6.12, é um mecanismo global importante de

transferência de calor.

A brisa marítima e a brisa terrestre representam um importante fenómeno de

transferência de calor por convecção.

A água (cp ~ 3900 Jkg-1K-1) e o ar (cp ~ 1005 Jkg-1K-1) estão sujeitos a uma

mesma amplitude térmica entre o dia e a noite.

106

Page 107: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

ar frio desce

ar quente sobe

brisa

terraágua

Área de alta pressãoÁrea de baixa pressão

DIA

NOITE

ar frio desce

ar quente sobe

brisa

terraágua

Área de baixa pressãoÁrea de alta pressão

Figura 6.12 – Correntes de convecção no ar determinam que a) a brisa marítima se

movimente para terra durante o dia e b) a brisa terrestre se movimente para o oceano à

noite.

A transferência de calor por convecção é um processo muito complexo, pelo que

a sua modelização matemática é extremamente difícil de conseguir. Algumas das

variáveis intervenientes são a temperatura e velocidade do fluído, a própria temperatura

do corpo em estudo, bem como as particularidades geométricas da sua superfície.

Uma forma de contornar esta dificuldade será definindo um coeficiente de

convecção, h, sensível a todas estas variáveis, por forma a que se possa escrever que:

Q = h A ΔT t

e portanto que

(6.4) Qt = h A TΔ

107

Page 108: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Este modelo é, aparentemente, simples. Contudo, a grande dificuldade reside na

determinação do coeficiente de convecção.

O coeficiente de convecção é, normalmente, determinado experimentalmente,

existindo tabelas de valores para um grande número de aplicações.

6.4 Radiação

A energia solar que chega à terra por meio de ondas de luz visível, bem como

uma quantidade substancial de ondas de infravermelho e de ultravioleta, todas elas

pertencendo a um conjunto de ondas denominadas ondas electromagnéticas. Este tipo

também inclui as microondas usadas para cozinhas e as ondas de rádio usadas para

transmitir AM e FM. As ondas electromagnéticas que vêm do sol são responsáveis por

nos sentirmos quentes depois de um banho de sol. Os corpos foram absorvendo energia.

Quando estamos junto de uma fogueira ou aproximamos a mão de uma lâmpada acesa

sentimos um efeito semelhante. Isto é, a energia das ondas electromagnéticas tem o

mesmo efeito que a energia calorífica.

Ao processo de transferência de energia por ondas electromagnéticas chama-se

radiação e, ao contrário do processo de convecção ou condução, não é preciso qualquer

meio material para que o processo ocorra (ver Figura 6.13).

Figura 6.13 – O bronzeado da pele é produzido por raios ultravioleta, que são perigosos

para a pele

Qualquer corpo, qualquer que seja a sua temperatura, emite energia

continuadamente sob a forma de ondas electromagnéticas. Mesmo um cubo de gelo

emite energia que não se “vê” no escuro, dado que apenas uma pequena parte dessa

energia é de luz visível. Da mesma maneira, o corpo humano também não emite luz

108

Page 109: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

visível suficiente para ser visto no escuro, embora ele possa, nessas condições, ser

detectado através do registo dos infravermelhos por ele emitidos. Em geral, um objecto

só emite luz visível quando a sua temperatura ultrapassa os 1000K. Aparece então o

vermelho, como acontece com uma resistência num forno eléctrico. Quando a

temperatura atinge os 1700K o objecto torna-se incandescente, como se observa no

filamento de tungsténio de uma lâmpada acesa.

Temperaturaaumenta com

rapidez

Temperaturaaumenta

lentamente

Bloco coberto com negro de fumo Bloco prateado Figura 6.14 – Absorção e emissão de radiação por dois blocos cobertos com substâncias

diferentes.

Na transferência de energia por radiação, a absorção e a emissão de ondas

electromagnéticas são igualmente importantes. A superfície dum objecto tem um papel

importante na determinação da quantidade de energia radiante que o objecto é capaz de

absorver. Consideremos, por exemplo, os dois blocos da Figura 6.14. Eles são idênticos,

excepto que um está forrado com prata muito polida e o outro está coberto por uma

camada negra. Quando, após colocarmos um termómetro em cada bloco os

submetermos à luz solar, a temperatura do bloco negro aumenta muito mais

rapidamente do que a do outro bloco (Figura 6.14 a)). Este rápido aumento da

temperatura foi devido ao bloco negro ter absorvido cerca de 97% da radiação incidente,

enquanto o bloco forrado a prata ter absorvido apenas 10%, como se pode observar na

Figura 6.15 a) e b). O resto da energia incidente é, em cada caso, reflectida.

109

Page 110: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

De facto, nós vemos o negro de fumo com a cor negra porque ele reflecte apenas

uma pequena quantidade de luz incidente, contrariamente ao que acontece com a

superfície prateada, que parece um espelho, porque ela reflecte uma quantidade

considerável de luz. Uma vez que a cor negra está associada com a absorção quase

completa de luz visível, usa-se o termo corpo negro, quando se fala de um objecto que

absorve todas as ondas electromagnéticas que nele incidem.

Energia daradiação = E

Energia daradiação = E0.03 reflectidaE 0.90 reflectidaE

0.97 emitida

E 0.10 emitida

E

0.97 absorvida

E 0.10 absorvida

E

Bloco coberto com negro de fumo

(a)

Bloco prateado

(b) Figura 6.15 – Balanço de energia absorvida e emitida por um corpo num dado intervalo

de tempo, que está à mesma temperatura do meio ambiente

Vimos que todos os objectos emitem e absorvem ondas electromagnéticas e que

o fazem simultaneamente. Além disso, quando um corpo está à mesma temperatura do

meio ambiente, a energia radiante que ele absorve deve contrabalançar a energia que ele

emite num certo intervalo de tempo, como se mostra na figura 6.15, em que a energia

emitida é representada por uma seta embora o bloco emita radiação em todas as

direcções. O bloco coberto com negro de fumo (Figura 6.15 a)) absorve e emite a

mesma quantidade de energia radiante o que também acontece com o bloco prateado

(Figura 6.15 b)).

Em qualquer dos casos, se a absorção fosse superior à emissão, o bloco ganharia

energia e a sua temperatura iria aumentar, e inversamente.

Portanto, qualquer material que seja bom absorvente, como o negro de fumo, é

também um bom emissor, e inversamente, como a superfície prateada.

O facto de uma superfície negra ser um absorvente perfeito e também um

emissor perfeito, é que torna pouco confortável o uso de roupas escuras no Verão. Estas

110

Page 111: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

absorvem uma grande parte da radiação solar, emitindo-a depois em todas as direcções.

Cerca de metade da radiação emitida é dirigida para o nosso corpo o que cria a sensação

de calor. Isto não se passa com as roupas claras, uma vez que elas absorvem uma

pequena parte da radiação incidente.

A quantidade de energia Q emitida por um corpo negro depende de vários

factores:

• Q é proporcional ao intervalo de tempo, t, em que a radiação se faz sentir

Q α t

• Q é proporcional à área superficial, de acordo com a experiência

Q α A

• A experiência também mostra que Q é proporcional à quarta potência da

temperatura, T

Q α T4

Esta forte dependência da temperatura indica que a energia emitida aumenta

grandemente com o aumento de temperatura. Se, por exemplo, a temperatura de um

objecto duplica, esse objecto emite 24 vezes mais energia.

Combinando estes factores numa única proporção verifica-se que

Q α T4 A t (6.5)

Esta proporção é convertida numa equação quando se insere uma constante de

proporcionalidade, conhecida como constante de Stefan-Boltzmann, que tem um valor

experimental de

σ = 5,67 x 10-8 J/ (s.m2.K4)

111

Page 112: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Assim,

Q = σ T4 A t (6.6)

Esta expressão é apenas válida para um emissor perfeito, o que não acontece

com a maior parte dos objectos. Por exemplo, uma pele humana escura irradia apenas

cerca de 80% de energia de luz visível que um emissor perfeito irradiaria. Assim, para

este caso,

Q = 0,80 σ T4 A t

Um factor do tipo de 0,80 nesta equação é denominado de emissividade e

designa-se por e, sendo um número sem dimensões que varia entre 0 e 1, consoante se

considera uma superfície que não é emissora ou um corpo negro, respectivamente. Isto

leva à lei da radiação de Stefan-Boltzmann, que diz que a energia radiante Q, emitida

por um objecto que se encontra à temperatura T, com uma área A, e emissividade e,

num instante t, é dada por

Q = e σ T4 A t (6.7)

em que σ = 5,67 x 10-8 J/ (s.m2.K4), e é uma constante universal no sentido em que o

seu valor é o mesmo para todos os corpos, qualquer que seja a natureza das superfícies

que constituem o corpo. A emissividade, e, depende, no entanto, das condições das

superfícies.

O efeito de estufa é uma consequência da transmissão de calor por radiação.

6.5 Aplicações

Um satélite em órbita, quando se encontra na sombra da Terra, está protegido

das ondas electromagnéticas intensas emitidas pelo Sol. Esta protecção desaparece

quando ele sai dessa zona, ficando assim sujeito ao efeito dessas ondas. Portanto, a

temperatura no interior do satélite aumentaria e diminuiria bruscamente durante um

112

Page 113: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

período orbital, o que poria em risco os seus circuitos electrónicos, tão sensíveis às

flutuações de temperatura. Os satélites são, para minimizar estes efeitos, revestidos com

uma folha metálica altamente reflectora, e portanto pouco absorvente. Ao reflectir

grande parte da luz do Sol, a folha metálica reduz os aumentos de temperatura e, como é

pouco absorvente é também um emissor pobre reduzindo portanto as perdas de energia

radiante do satélite quando ele está na sombra da Terra.

Os painéis solares usam três métodos de transferência de energia para

capturarem a energia que irradia do Sol. Como se mostra na figura 6.16, a água é

bombeada para o colector, aquecida por energia solar, e enviada depois para as casas.

ColectorÁgua quente

Água fria

para a habitação

Bomba Reservatório

Tubos de cobre(pintados de preto)

Figura 6.16– Painéis Solares

Todo o interior do colector, incluindo os tubos da água, é pintado de preto para

capturar o máximo de energia radiante. Os tubos são feitos de cobre que tem uma

condutividade térmica elevada, conduzindo assim facilmente a energia absorvida para a

água. A cobertura de vidro procura minimizar a perda de energia calorífica devida à

convecção do ar.

Uma garrafa-termo ou vaso de Dewar reduz a velocidade de arrefecimento ou

aquecimento de líquidos. A sua função é minimizar a transferência de energia por

convecção, condução e radiação. Como se observa na Figura 6.17, uma garrafa-termo é

constituída por um vaso de vidro de paredes duplas com a parede interior prateada.

O espaço entre as paredes está em vácuo para minimizar as perdas de energia

devidas à condução e à convecção. As superfícies prateadas reflectem a maior parte da

113

Page 114: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

energia radiante que entraria ou sairia do líquido. As perdas de energia através do vidro

e da rolha são mínimas, uma vez que estes materiais têm condutividades térmicas

relativamente pequenas.

Rolha

Líquidofrio ouquente

Superfíciesespelhadas

Vidro

Vácuo

Figura 6.17 – Uma garrafa-termo

A transferência de energia é também importante nos amplificadores

estereofónicos. Os transístores no amplificador enviam corrente eléctrica para as

colunas o que produz energia calorífica. O calor tem de ser reduzido para que os

transístores não atinjam temperaturas muito elevadas. É por isso que os transístores são

montados num prato de alumínio (um sorvedouro de calor), para que o calor possa ser

afastado rapidamente, por condução, como se observa na Figura 6.18. O prato de

alumínio tem umas placas que aumentam a área de contacto com o ar. A energia que

atravessa o metal por condução é dissipada por convecção, visto que o ar em contacto

com as placas é aquecido.

Transistor Quente

FrioAlhetas Alhetas

Figura 6.18 – Transferência de energia num amplificador estereofónico

114

Page 115: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A construção de paredes duplas permite poupanças significativas de energia. O

espaço entre paredes deve ser parcialmente ocupado por um material isolante para

evitar, também, as perdas de calor por convecção.

Na ausência de paredes duplas a transferência de calor pode ser minimizada

colocando um isolamento na parte exterior da parede (montagem em série).

Aspectos complementares de transferência de calor em edifícios estão

disponíveis em:

http://ure.aream.pt/mais.php/aream/ure/hoteleiro/recomendacoes/comportamento

termico.html

Exterior Interior

Parede exterior

Caixa de arIsolamento

Parede interior

Exterior Interior

IsolamentoParede interior

Figura 6.19 – Isolamento em edifícios

115

Page 116: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 7

MÁQUINAS TÉRMICAS, FRIGORÍFICAS E BOMBAS DE CALOR

7.1 Máquina Térmica

Para converter calor em trabalho é necessário um dispositivo especial cujas

características gerais:

1. Recebe calor de uma fonte a temperatura elevada (fonte quente). Por

exemplo, energia solar, caldeira a gás, reactor nuclear, etc;

2. Converte parte deste calor em trabalho (geralmente, fazendo rodar um

veio);

3. Rejeita calor, que não pode ser convertido em trabalho, para uma fonte a

temperatura mais baixa (fonte fria), atmosfera, rios, etc;

4. Funcionamento cíclico. O ciclo pode ser termodinâmico – mesma

substância (fluído) operante – ou mecânico – exemplo, nos automóveis a

mistura e combustível é renovada.

Reservatórioquente T2

Reservatóriofrio T1

calor

trabalho

calo

r

Figura 7.1 – Máquina térmica

116

Page 117: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Há dois tipos de máquinas térmicas:

1) motor de combustão externa em que o calor é fornecido fora do

sistema. Exemplos: motor de Stirling, máquina a vapor e central térmica

a vapor;

2) motor de combustão interna em que o calor é fornecido dentro do

sistema. Exemplos: motores dos automóveis, turbinas a gás.

Carnot estudou o ciclo termodinâmico das máquinas e postulou que a máquina

térmica mais eficiente deveria funcionar seguindo um conjunto de processos

consecutivos ideais propostos por si.

7.2 O Ciclo de Carnot

Os primeiros investigadores da termodinâmica dedicaram-se principalmente ao

estudo da operação e rendimento de aparelhos para converter calor em trabalho útil. Foi

em 1824 que Carnot (engenheiro francês) introduziu na teoria da Termodinâmica um

processo cíclico que é actualmente conhecido por Ciclo de Carnot. Carnot estudou os

princípios físicos básicos do rendimento das máquinas a vapor.

Um ciclo de Carnot pode ser efectuado por um sistema qualquer sólido, líquido,

gás, substância paramagnética, etc., podendo até sofrer uma mudança de fase durante o

ciclo. O sistema considerado no nosso curso vai ser o gás ideal.

A máquina de Carnot, representada na Figura 7.2, consta de um sistema e dois

reservatórios caloríficos que são mantidos a temperaturas constantes T2 e T1, em que T2

> T1-.

SISTEMA

RESERVATÓRIO CALORÍFICO

T1Q1

wT > T2 1

Q2

T2

RESERVATÓRIO CALORÍFICO

Figura 7.2 – Máquina de Carnot

117

Page 118: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Essencialmente, o processo que ocorre está ilustrado na figura. O sistema

absorve calor Q2 do reservatório à temperatura T2. Em seguida, parte da energia

calorífica absorvida é convertida em trabalho, W, pelo sistema e o resto do calor, Q1, é

rejeitado pelo sistema e é cedido ao reservatório à temperatura T1 mais baixa. No final

do ciclo, o sistema voltou ao estado inicial e tem lugar um novo ciclo.

O nosso sistema vai ser um gás confinado num cilindro por meio de um pistão.

A Figura 7.3 mostra o funcionamento descrito anteriormente.

RESERVATÓRIOT2

(1) (2) (3) (4)

ISOLADOR RESERVATÓRIOT1

ISOLADOR

Q2

w1

w2

v1

v2 v3

v4

Q1

v4

v1

w3

w4

EXPANSÃOISOTÉRMICA

(T = const)2

Entra QSistema faz W

2

1

Q = 0Sistema faz W2 Sai Q

W sobre o Sist.1

3

Q = 0W sobre o Sist.4

EXPANSÃOADIABÁTICA

COMPRESSÃOISOTÉRMICA

(T = const)1

COMPRESSÃOADIABÁTICA

Figura 7.3 – Funcionamento de uma Máquina Térmica de Carnot

Na primeira etapa, (1) na figura, o gás absorve Q2 unidades de calor do

reservatório à temperatura T2. Enquanto isso ocorre o gás expande-se isotermicamente

até V2 e realiza trabalho igual a W1. Ter em conta que Q2 > 0 (o sistema absorve o

calor). Na etapa (2) o cilindro é isolado e o gás expande-se adiabaticamente até V3,

realizando trabalho W2. Como está termicamente isolado, Q = 0 (não absorve calor,

uma vez que a expansão é adiabática). A expansão adiabática continua até que a

temperatura diminua de T2 a T1. Dado que o gás realiza trabalho sem receber calor, a

sua temperatura e a energia interna diminuem (trabalho adiabático mede a diminuição

da energia interna). No processo (3) o gás é posto em contacto com o reservatório à

temperatura T1 (mais baixa), e é comprimido isotermicamente (à temperatura T1) de V3

a V4, até Q1 unidades de calor serem rejeitadas para o reservatório T1. Q1 é retirado do

118

Page 119: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

sistema, isto é, Q1 < 0. Durante a compressão o gás recebe trabalho, W3, que também é

negativo, isto é, W3 < 0. Na etapa (4) o cilindro é outra vez isolado termicamente (Q =

0) e é feito trabalho sobre o gás (W4 < 0) para o comprimir adiabaticamente de V4 a V1,

aumentando ao mesmo tempo a sua temperatura de T1 para T2. O sistema voltou agora

ao seu estado inicial. Todos estes processos são reversíveis.

As Figuras 7.4 e 7.5 mostram a representação de um ciclo de Carnot para um gás

ideal numa superfície P-V-T (área sombreada) e a sua projecção no plano P-V,

respectivamente.

As características do ciclo de Carnot são as seguintes:

1 – Todos os processos são reversíveis, isto é, ocorrem através de estados de

equilíbrio.

2 – O sistema efectua um processo cíclico.

3 – Todo o calor absorvido é absorvido a uma só temperatura T2.

4 – Todo o calor rejeitado é rejeitado a uma temperatura mais baixa T1.

O ciclo de Carnot está bem “deitado” na superfície porque os processos são

todos reversíveis. Se isso não acontecesse, ver-se-iam “saliências” para os estados de

não equilíbrio.

PR

ES

O

TEMPERATURAT1

T2

T3

Figura 7.4 – Representação de um ciclo de Carnot, para um gás ideal, numa superfície

P-V-T

119

Page 120: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A-B

Processo isotérmico reversível (expansão)

• expansão a T2 = constante

• entra Q2

• o sistema realiza trabalho W1

B-C

Processo adiabático reversível (expansão)

• T2 T1

• Q = 0

• o sistema realiza trabalho W2

C-D

Processo isotérmico reversível (compressão)

• compressão a T1 = constante

• sai Q1

• é feito trabalho, W3, sobre o sistema

D-A

Processo adiabático reversível (compressão)

• T1 T2

• Q = 0

• É feito trabalho, W4, sobre o sistema

Considerando agora a projecção do ciclo de Carnot no plano P-V, Figura 7.5,

podemos outra vez indicar o que se passa em cada processo. Antes de o fazermos,

vamos relembrar que, uma vez que o nosso sistema é um gás ideal a energia interna é só

função da temperatura. Como o sistema volta ao estado inicial ΔU = 0, e ΔQ = ΔW ou,

| Q2 | - | Q1 | = W (7.1)

Voltemos agora à projecção do ciclo de Carnot, para um gás ideal, no plano P-V. AP

v

Q2

DB

T1

T2

Q1

C

Figura 7.5 – Projecção de um ciclo de Carnot, para um gás ideal, no plano P-V

Um sistema submetido a um ciclo de Carnot é o protótipo de todas as máquinas

térmicas cíclicas. A característica comum a todas elas é que recebem uma alimentação

120

Page 121: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

de calor a uma temperatura mais alta, realizam trabalho mecânico e libertam calor a

uma temperatura mais baixa.

O rendimento térmico, que passaremos a designar por η, é definido como a

razão entre o trabalho produzido, W, e o calor fornecido ao sistema, Q2. Isto é,

W

η = |Q |2

(7.2) |Q | - |Q |2η = |Q

1

2|

(7.3) |Q |1η = l - |Q |2

O rendimento é sempre menor que um, η < 1, visto que Q1 < Q2. Esta é outra

maneira de estabelecer que não se pode nunca construir uma máquina que converta toda

a energia calorífica que lhe é fornecida em trabalho.

Voltemos agora ao ciclo de Carnot. Na expansão isotérmica A-B, uma vez que a

energia interna, U, é constante (num gás ideal a energia interna é só função da

temperatura), dU = 0 e portanto dQ = dW. Neste processo, Q2 = W1. Então, tendo em

conta a equação do gás ideal, obteremos

Q = W = P dV2 1

A

B

ou

W = n R T1 2

A

B

dVV

(7.4)

De um modo análogo, obteremos para a compressão isotérmica C-D

Q1 = -W4

W = n R T ln1 2

VB

VA

121

Page 122: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(7.5)

Dividindo esta equação pela anterior

= - T1

T2

Q1

Q2

VC

VDln

VB

VAln

Sabemos que, para qualquer estado da mesma transformação adiabática

reversível se verifica a relação.

T vγ-1 = cte

Dado que o estado B e C pertencem à mesma adiabática, podemos escrever que

T2 vBγ-1 = T1 vC

γ-1

Da mesma maneira, também os estados D e A pertencem à outra adiabática,

podemos portanto também escrever que

T2 vAγ-1 = T1 vDγ-1

Dividindo as duas equações anteriores uma pela outra, obtemos

= VC

VD

VB

VA

e portanto,

= 1VB

VAln

VC

VDln

Então

(7.6)

= T1

2T|Q1

|Q2

||

W = n R T ln4 1

VC

VD

122

Page 123: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Podemos assim concluir que a razão dos calores absorvidos e rejeitados só

depende das temperaturas.

T1

Q1

Q2

T2

W

Figura 7.6 – Diagrama de fluxo duma máquina térmica

O rendimento térmico em função da temperatura das fontes, dada a equação

(7.3), será então

(7.7) |T1|η = l - |T2|

Isto é, o rendimento térmico só depende das temperaturas das fontes.

Mostraremos mais tarde, quando dermos a segunda lei, que o rendimento num

ciclo de Carnot é independente da substância operante.

As máquinas térmicas são, em geral, representadas por diagramas de fluxo,

como mostra a figura 7.6.

O objectivo de qualquer engenheiro deve ser o de encontrar uma maneira de

alargar a canalização referente ao trabalho, W, e diminuir a canalização relativa ao calor

rejeitado, Q1.

7.3 Ciclo de Stirling

A máquina de Stirling contém uma quantidade de gás constante que é transferida

entre as extremidades quente e fria do cilindro do motor. O gás é movido entre os dois

extremos deste pistão, por compressão e expansão, devido à acção de um cilindro

auxiliar, designado por cilindro de regeneração.

123

Page 124: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Aplicações: Como unidade de potência auxiliar em submarinos e outros (devido

ao funcionamento silencioso sem válvulas, sem explosão).

Figura 7.7 – Motor de Stirling

A figura 7.8 mostra os movimentos acoplados do pistão regenerador (esq.) e do

pistão motor (dirt.).

1 2 3 4

Figura 7.8 – Ciclo de Stirling

124

Page 125: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

O ciclo de Stirling consta de dois processos isotérmicos e dois processos

isocóricos:

1 2 Expansão isotérmica: o pistão do motor sobe e o pistão regenerador

desce induzindo o deslocando o ar quente para a zona fria;

2 3 Arrefecimento isocórico (pistão do motor a descer);

3 4 Compressão isotérmica: o calor sai para as paredes frias e para o

regenerador que sobe;

4 1 Aquecimento isocórico por absorção de calor da fonte e do

regenerador.

Estes processos estão apresentados nas figuras 7.9 e 7.10 num diagrama PV e

num diagrama TV, respectivamente.

1

4 2

3

Regeneração

T = const.

Q

T = const.F

qadm

qsai

P

V

Figura 7.9 – Ciclo de Stirling num diagrama PV

T

T2

T1

1 2

34

V1 V2 V Figura 7.15 – Ciclo de Stirling num diagrama TV

Considerando que a máquina de Stirling opera com um gás ideal monoatómico,

podemos determinar o seu rendimento e compará-lo com o rendimento da máquina de

Carnot.

125

Page 126: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

1 – 2

2 – 3

3 – 4

4 – 1

(7.8.)

(7.9)

7.4 Ciclo de Otto

Este ciclo é o que melhor representa um motor a gasolina a quatro tempos.

Vamos então começar por descrever o funcionamento dum motor de explosão a quatro

tempos, mostrados na figura 7.11. A figura 7.12 mostra este ciclo num diagrama PV.

ADMISSÃO COMPRESSÃO EXPLOSÃO ESCAPE

Válvula deadmissão

Válvula deescape

Vela de ignição

Figura 7.11. – Os quatro tempos do motor de explosão

W = PdV = nRT = nRT ln > 0 Q12 2 2 12 = W12

dVV

V2

V1

V2

V1

V2

V1

W = 023

32Q = C (T - T ) = nR(T - 23 V 1 2 1 2T ) < 0

= W34 3W = PdV = nRT = nRT ln < 0 Q34 1 1 4

dVV

V1

V2

V1

V2

V1

V2

W = 041

32Q = C (T - T ) = nR(T - 41 V 2 1 2 1T ) > 0

1η = = = = + >

Qq

WQ + Q12 41

W + W12 34

T ln (V /V ) + (T - 2 2 1 2

(T - T )ln(V /V )2 1 2 1

T )13

T2

T - T2 1

32ln(V /V )2 1

2carnot

η η = = = = = carnotQq

WQ12 T ln (V /V ) 2 2 1

(T - T ) ln(V /V )2 1 2 1

T2

T - T2 1W + W12 34

126

Page 127: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A gasolina é aspirada do depósito e finalmente pulverizada no carburador, onde

se mistura com o ar filtrado, que é aspirado da atmosfera. A mistura de gasolina e ar é

explosiva. Do carburador a mistura explosiva passa ao cilindro durante o primeiro

tempo (admissão), o êmbolo desce desde o ponto mais alto do seu curso (ponto morto

superior) até ao ponto mais baixo (ponto morto inferior), deixando atrás de si um

espaço que vai sendo preenchido, por simples aspiração, pela mistura explosiva. Este

tempo não é, portanto, motor. Quando o êmbolo chega ao ponto morto inferior, a

válvula de admissão fecha e a mistura, sem ter qualquer saída para o exterior pois a

válvula de escape também se encontra fechada, é comprimida pelo movimento

ascendente do êmbolo, e estamos no segundo tempo (compressão). A compressão é um

tempo resistente, isto é, o êmbolo está vencendo a resistência que lhe opõe a pressão da

mistura gasosa. No instante em que o êmbolo atinge o ponto morto superior salta uma

faísca eléctrica, que é descarregada pela bobina, entre os eléctrodos da vela. Devido a

isso a mistura inflama-se e dá-se a explosão. O êmbolo é violentamente impelido para o

ponto morto inferior pela pressão dos gases produzidos na combustão, cuja temperatura

atinge uns 2 000ºC: é o tempo da explosão com expansão (terceiro tempo). É este o

único tempo motor. Durante a explosão o êmbolo quase não se move, portanto, o

volume permanece constante enquanto a temperatura e a pressão sobem rapidamente. A

válvula de escape abre-se no fim deste tempo e os gases são evacuados para a

atmosfera: é o tempo do escape (quarto tempo). Finalmente, a válvula de escape fecha,

a de admissão reabre e o ciclo dos quatro tempos repete-se. Este ciclo do motor a

gasolina é, como sabemos, altamente irreversível.

P

Patm

PMS PMI v

Abertura daválvula de escape

Escape

Admissão

Ignição

Expansão

Compressão

Fim dacombustão

Abertura daválvula de admissão

Figura 7.12 – Ciclo de Otto incluindo os tempos de admissão e de escape

127

Page 128: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Compressãoadiabática

Adição de calora v = const.

Expansãoisentrópica

1 - 2 Compressão 23 - 4 Expansão 4

- 3 Adição de calor isocórica (explosão)- 1 Rejeição de calor isocórica (escape)

adiabáticaadiabática

Ar

2

1

Ar

2 - 3

qdam

Ar

3

4

Rejeição de calora v = const.

Ar

qsai

4 - 1

Figura 7.13. – Ciclo de Otto ideal

O ciclo ideal que o representa é o ciclo de Otto, que é mostrado nas figuras 7.13

e 7.14. Ele é constituído por dois processos isocóricos e dois processos adiabáticos.

Considera-se o ar, que obedece às leis do gás ideal, como o sistema, e admite-se que

todos os processos são reversíveis.

Q2

2

ADIABÁTICAS

3

4

1

P

Q1

V = V1 4V = V2 V3

Figura 7.14 – Ciclo de Otto

128

Page 129: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Vamos indicar, de um modo sucinto, o que se passa em cada um dos processos.

Assim,

Processo 1-2 – Compressão adiabática

V1 V2 T1 T2

Processo 2-3 – Explosão (processo isocórico)

T2 T3 P aumenta

Processo 3-4 – Expansão adiabática

T diminui

Processo 4-1 – Escape (processo isocórico)

T diminui

O calor absorvido, Q2, durante a explosão (processo 2-3), é dado por

T3

T2

Q = C dT2 V

ou seja

Q2 = Cv (T3 – T2) (7.9)

enquanto o calor cedido, Q1, durante o escape (processo 4-1), obedece a

T1

T4

Q = C dT1 V

isto é,

Qv = Cv (T4 – T1) (7.10)

129

Page 130: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para calcular o rendimento térmico, η, vamos partir da definição e usar as

equações (7.9) e (7.10) para os valores de Q1 e Q2. Obtemos assim

(7.11) T - T4η = l - T - T1

3 2

Para processos adiabáticos sabemos que

T1 v1 γ1 = T2 v2 γ-1 para o processo 1-2

e

T3 v3γ-1 = T4 v4 γ-1 para o processo 3-4

Como V1 = V4 e V2 = V3, vamos obter

(T4 – T1) v1 γ-1 = (T3 – T2) v2 γ-1

Então,

(7.12) V

Podemos ainda definir a taxa de compressão, que se designa por r, como

(7.13)

V1 – volume máximo do cilindro

V2 – volume mínimo do cilindro

Valores típicos de r são da ordem de 8 para δ ~ 7/5

O rendimento, em função da taxa de compressão, é então

(7.14)

2

1

y-1

η = 1 - V

V1r = V2

1η = 1 -r -1y

130

Page 131: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Concluímos assim que o rendimento é maior para uma taxa de compressão

elevada. Isto também se verifica nos motores de combustão interna reais. A figura 7.15

mostra um gráfico do rendimento térmico do ciclo de Otto em função da taxa de

compressão, para γ = 1.4 do ar à temperatura ambiente.

2 4 6 8 10 12 14

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

Taxas de compressãotípicas de motores

a gasolina

η O

tto

Taxa de compressão r Figura 7.15 – Variação do rendimento do ciclo de Otto em função da taxa de

compressão (γ =1.4)

Verificamos que, para uma dada taxa de compressão, o rendimento dum motor

real é inferior ao do ciclo de Otto (ideal). Isto é devido às irreversibilidades , tais como

o atrito, a combustão incompleta, etc. Observamos ainda que a curva sobe muito

rapidamente para valores baixos da taxa de compressão, atingindo depois um patamar

num valor próximo de oito. Portanto, o aumento do rendimento com a taxa de

compressão não é tão pronunciado para valores elevados da taxa de compressão.

Como veremos posteriormente, o ciclo de Otto num diagrama Temperatura –

Entropia, TS, tem o aspecto mostrado na figura 7.16.

Janela deescape

Janela deadmissão

Mistura dear-combustível

Figura 7.17 – Motor a 2 tempos

131

Page 132: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Os motores de dois tempos, figura 7.17, como os dos ciclomotores, cortadores

de relva e das motosserras, são menos eficientes que os de quatro tempos.

S

S1

S2

V2 V1 V

21

3 4

Qf

Qq

Q = 0

Q = 0

Figura 7.16 – Ciclo de Otto num diagrama TS

7.5 Ciclo de Diesel

O ciclo que melhor descreve um motor a gasóleo (motor de combustão com auto

ignição por compressão) é o de Diesel.

ADMISSÃO COMPRESSÃO EXPLOSÃO ESCAPE

Válvula deadmissão do ar

Válvula deescape

Injecção docombustível

Figura 7.17 – Motor a gasóleo

132

Page 133: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Ele é constituído por dois processos adiabáticos, um processo isobárico e um

processo isocórico, conforme mostra a figura 7.18 (a). A figura 7.18 (b) representa o

ciclo de Diesel num diagrama TS.

Estes motores apresentam temperaturas e pressões mais elevadas que o motor a

gasolina e taxas de compressão mais elevadas.

Rendimento do ciclo Diesel

(7.15)

(7.16)

η = 1 - 1rγ - 1

r - 1cy

γ (r - 1)c

r =c

V3

V2

(taxa de compressão 12 a 24 ~~ )

P

V

IsentrópicaIsentrópica

qadm

qsai

2

4

1

3

T

S

4

1

3

2

qadm

qsai

P = constante

v = constante

(a) Diagrama P-V (b) Diagrama T-S Figura 7.18 – Ciclo de Diesel nos diagramas (a) P-V e (b) T-S

Podemos resumir o que se passa num motor deste tipo:

0 – 1 Aspiração isobárica de ar

1 – 2 Compressão adiabática de ar e aquecimento

2 – 3 Auto-ignição do gasóleo e combustão

3 – 4 Expansão adiabática dos gases

4 – 1 Descarga isocórica dos gases de combustão

1 – 0 Expulsão dos gases queimados

133

Page 134: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

7.6. Comparação dos motores a 4 tempos (gasolina ou diesel)

ADMISSÃO COMPRESSÃO IGNIÇÃO E EXPANSÃOexplosão - gasolinacombustão - diesel

ESCAPE

Figura 7.19 – Motor a 4 tempos

Estes motores são de combustão interna, cujo funcionamento, figuras 7.20 e

7.21, apresenta os seguintes processos:

• M – A: admissão isobárica;

• A – B: compressão adiabática;

• B – C:

− Otto = explosão (aumento de pressão sem movimento do pistão);

− Diesel = combustão lenta.

• C – D: expansão adiabática;

• D – A: abertura da válvula de escape (isocórica);

• A – M: escape (isobárica).

Q2

2 4

1

3Q1

V2 V1

Q2

Q1

C

B

M

D

A

Figura 7.20 – Ciclo de Otto

134

Page 135: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Q2

2

4

1

3

Q1

V2 V1

P2

P1

CB

M

D

A

V3 Figura 7.21 – Ciclo de Diesel

7.7 Máquina Frigorífica

Na máquina frigorífica, representada na figura 7.22, inverte-se o sentido de

funcionamento da máquina térmica. Isso é possível uma vez que todos os processos

envolvidos são reversíveis. Então os valores absolutos |Q1|, |Q2| e |W| não variam.

T2 > T1

T2

T1

|Q2|

Q1

|w|

Figura 7.22 – Máquina Frigorífica

O calor Q1 é retirado do reservatório a temperatura mais baixa T1, é feito

trabalho, W sobre o sistema, e liberta-se Q2 = Q1 + W para o reservatório a temperatura

mais alta. O calor Q2 cedido à fonte quente é sempre superior ao calor Q1, recebido da

fonte fria. Do ponto de vista económico, o melhor frigorífico é aquele que retira a maior

quantidade de calor da fonte fria com um mínimo de trabalho mecânico.

O coeficiente de eficiência ou desempenho, ε, de uma máquina frigorífica é a

razão

ε = Q1

W

135

Page 136: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

ou

(7.17) = Q1ε Q - Q2 1

No frigorífico de Carnot, como

= Q2

Q1

T2

T1 então,

(7.18) = T1ε T - T2 1

Como T2 > T1, ε pode ser superior à unidade, ao contrário de uma máquina

térmica.

Os frigoríficos, os aparelhos de ar condicionado e as bombas de calor funcionam

segundo este princípio, diferindo essencialmente na natureza dos reservatórios de calor.

Num frigorífico, o interior é o reservatório a temperatura mais baixa, enquanto que a

atmosfera no exterior é o reservatório a temperatura mais alta. Estamos perante um

processo de refrigeração. O trabalho é realizado, em geral, por um motor eléctrico. Por

exemplo, o trabalho necessário para operar um ar condicionado num carro, é feito pelo

motor do carro.

O frigorífico retira energia, sob a forma de calor, do compartimento onde se

colocam os alimentos, e deposita-a na cozinha, em conjunto com a energia que é

necessária para que seja realizado o trabalho que permite retirar calor da fonte fria e

ceder calor à fonte quente. É por esta razão que as superfícies laterais e traseiras do

frigorífico se apresentam ligeiramente quentes. Portanto, um frigorífico aquece a

cozinha. O ciclo de refrigeração mais usado é o indicado na figura 7.23.

136

Page 137: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Evaporador CondensadorVálvula deexpansão

Interior dofrigorífico

FRIO

QUENTE

Baixapressão

Altapressão

(b)(a)

Válvula

Evapo-rador

LíquidoEbuliçãoVapor

Líquido

SistemaCompressor

Condensado

Câmara Fria

r

Figura 7.23 – Princípio do ciclo de refrigeração

Este ciclo é constituído por um fluído refrigerante que, no passado, era de freon

(CCl2F2). Dado que os halogéneos na atmosfera destroem a camada de ozono, estão a

ser usados actualmente outros refrigerantes. O lado esquerdo do circuito incluindo os

tubos de arrefecimento dentro do frigorífico, está a baixa pressão e baixa temperatura. O

lado direito deste mesmo circuito, incluindo os tubos do condensador fora do frigorífico,

está a alta pressão e alta temperatura. Em geral, os dois lados contêm líquido e vapor em

equilíbrio. O fluído entra no compressor onde é comprimido adiabaticamente, seguindo

depois para o condensador de alta pressão. A temperatura do fluído é então mais

elevada do que a do ar que rodeia o condensador. Então, o refrigerante cede Q1 e

condensa-se parcialmente. O fluído expande-se depois adiabaticamente no evaporador a

uma velocidade controlada pela válvula de expansão. Ao fazer isso, ele arrefece

bastante ficando assim a uma temperatura inferior às vizinhanças do evaporador, das

quais vai absorver calor Q1, vaporizando-se parcialmente. O fluído entra então no

compressor para começar outro ciclo. O compressor, geralmente accionado por um

motor, necessita de energia para fazer trabalho no fluído, em cada ciclo.

Um ar condicionado funciona exactamente segundo este princípio. A caixa do

frigorífico é uma sala. Os tubos do evaporador estão do lado de dentro e o condensador

está de fora, com ventoinhas a fazerem o ar circular entre eles, como mostra a figura

7.24.

137

Page 138: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Ar frio

Ar quente, húmido

Ventilador

EvaporadorCompressor

Válvula deexpansão

Condensador

Ventoinha

Ar quente

Figura 7.24 – Funcionamento dum ar condicionado

Em grandes instalações, os tubos do condensador são, muitas vezes arrefecidos

com água. No caso do ar condicionado as quantidades de maior importância prática são

a taxa de remoção de calor (a corrente de calor, H, que está a ser arrefecida) e a

potência de entrada no compressor, P = W/t. Se o calor Q1 é rejeitado no intervalo de

tempo t, então H = Q1/t. Podemos assim exprimir o coeficiente de eficiência como

ε = = (7.19) Q1

WHP

Que tem valores da ordem de 2,5.

As bombas de calor são dispositivos que são usados para aquecer as casas. Um

esquema duma bomba de calor é apresentado na figura 7.25.

138

Page 139: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Q = Q + W2 1

Casaaquecida

QExterior

(frio)

1

Bomba decalor

W = trabalho feitopela energia eléctrica

Figura 7.25 – Funcionamento de uma bomba de calor

A bomba de calor usa trabalho para fazer o calor fluir da fonte fria (a atmosfera

exterior da casa) para a fonte quente (a divisão a ser aquecida).

O ar condicionado e a bomba de calor são tão semelhantes que coexistem num

único dispositivo em que um interruptor selecciona o modo de funcionamento.

7.8 Máquinas frigoríficas e bombas de calor

As expressões 7.20 a 7.23 indicam as diferenças entre máquinas frigoríficas e

bombas de calor relativamente ao coeficiente de eficiência ou desempenho.

(7.20)

(7.21)

(7.22)

εF = = Qf

Wa

Calor retiradoTrabalho fornecido dm

QqεBC = = Calor fornecidoTrabalho fornecido Wadm

F, Carnot = = = εQf

Wadm

Calor retiradoTrabalho fornecido

1Tq

TF- 1

139

Page 140: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

εBC, Carnot = = =

Qq

Wadm

Calor fornecidoTrabalho fornecido

1TF

Tq1-

(7.23)

Q = débito desejadoF QF

F BC

Q = débito desejadoQQQ

W =consumo necessário

bal, adm W =consumo necessário

bol, adm

Espaçoarrefecido

Ambientefrio

CasaaquecidaAmbiente

quente

(a) Máquina frigorífica (b) Bomba de calor Figura 7.26 – Funcionamento de máquinas frigoríficas e de bombas de calor

Os frigoríficos têm ε = 5 e os aparelhos de ar condicionado ε = 2,5.

140

Page 141: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 8

A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA

8.1 Introdução

Dissemos que primeiro princípio da termodinâmica é um caso particular do

princípio geral da conservação de energia:

A energia de um sistema isolado permanece constante.

Assim, se transformarmos uma certa energia calorífica em energia mecânica, ou

inversamente, sabemos que as quantidades são iguais, mas nada se sabe sobre a

possibilidade de realização destas transformações.

Sabemos que se dois reservatórios de calor, a temperaturas diferentes, estiverem

em contacto há transferência de calor da fonte a temperatura mais elevada para a fonte a

temperatura mais baixa, e não o contrário.

Mas o primeiro princípio só nos diz que a quantidade que uma fonte fornece tem

de ser igual à quantidade que a outra fonte recebe. É justamente o segundo princípio que

nos diz que só é possível a transferência de calor da fonte quente para a fonte fria dum

modo espontâneo e nunca o contrário.

Exemplos de processos espontâneos são: a expansão de um gás de regiões de

mais alta pressão para outras de mais baixa pressão, a conversão de energia cinética de

um corpo em energia calorífica quando embate numa superfície (uma bola metálica

quando cai no solo produz calor), etc. Em todos os casos, os processos ocorrem

naturalmente só numa direcção e não podem ocorrer em sentido inverso sem um factor

externo a ajudar. Claro que estes processos espontâneos representam uma tendência do

sistema para atingir um estado de equilíbrio termodinâmico. O gás confinado expandir-

se-á até não haver diferenças de pressão, o corpo que cai acaba por ficar em repouso.

Uma vez que o sistema atingiu o estado de equilíbrio ele mantém esse estado de

equilíbrio até que haja uma causa externa que modifique esse estado.

O primeiro princípio não é sensível ao sentido das transformações, isto é, desde

que a energia total se conserve, qualquer sentido é permitido.

141

Page 142: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Deve pois existir outra lei que dê conta do sentido das transformações. Essa é a

segunda lei da termodinâmica. Ela dá os critérios necessários para prever se um

processo será ou não reversível, isto é, para definir o sentido da transferência de energia.

Vamos definir uma nova função de estado, atribuída a Clausius (físico alemão

1822-1888), que, tal como a energia, só depende do estado inicial e final do sistema.

Esta nova função chama-se entropia (palavra de origem grega que etimologicamente

significa evolução) do sistema e representa-se pelo símbolo S. A segunda lei é, pois, um

princípio de evolução e não de conservação.

Em termos de entropia, podemos enunciar a segunda lei do seguinte modo:

A entropia de um sistema isolado não pode diminuir

(ΔS)S.I. > 0 para processos irreversíveis

ou

(ΔS) S.I. = 0 para processos reversíveis

A entropia só se conserva para processos reversíveis.

8.2 Enunciados de Kelvin e de Clausius da Segunda Lei

Entre outros (Carathéodiry, Buchdahl,...), existem dois enunciados clássicos da

segunda lei que são bem conhecidos:

8.2.1 Enunciado de Kelvin-Plank

Não há nenhum processo cíclico possível cujo resultado único seja a conversão

integral de calor, extraído de uma única fonte, em trabalho.

É impossível um rendimento de 100% na conversão de calor em trabalho, como

indicado na figura 8.1.

142

Page 143: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

T

Q

W = Q

Figura 8.1 – Impossibilidade de η = 100% na conversão de calor em trabalho

Um dispositivo deste tipo seria uma máquina térmica perfeita, η = 1, ou uma

máquina de movimento perpétuo de segunda espécie (MMP2).

8.2.2 Enunciado de Clausius

Não há nenhum processo cíclico possível cujo resultado único seja a

transferência de calor de uma fonte fria para uma fonte quente.

T2

Q2

Q1

T < T1 2

|Q | = |Q | = Q1 2

Figura 8.2 – Impossibilidade de transferência de calor como num processo espontâneo.

Prova-se que estes dois enunciados são equivalentes. Mostra-se que se um não é

verdadeiro, então o outro também não o é. Vamos provar que se o enunciado de

Clausius não é verdadeiro, então o de Kelvin também não o é.

Começamos com uma máquina térmica que viola o enunciado de Clausius.

Combinamos esta máquina com uma máquina térmica que não viole qualquer destes

enunciados. No final obtém-se uma máquina térmica composta que viola o enunciado

de Kelvin. Esta situação está indicada na figura 8.3.

143

Page 144: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Fonte quenteT2

Fonte friaT1

1 2

Q1 Q2

Q1 Q1

W = Q - Q2 1

Figura 8.3 – Equivalência dos enunciados de Kelvin e de Clausius

Seja T2 a temperatura da fonte quente e T1 a temperatura da fonte fria.

Suponhamos que, num dado instante, a máquina 1 transfere energia calorífica Q1 da

fonte fria para a fonte quente, violando assim o enunciado de Clausius. Combine-se

então com a máquina 1 uma outra máquina 2, de maneira que no mesmo instante esta

receba Q2 da fonte quente e ceda Q1 à fonte fria. Se nesse mesmo período de tempo ela

absorve Q2, o trabalho feito será igual a Q2 – Q1. O resultado final das duas máquinas

será a extracção de Q2 – Q1 da fonte quente e a realização do mesmo trabalho Q2 – Q1,

que viola o enunciado de Kelvin.

8.3. Teorema de Carnot

O teorema de Carnot é o primeiro passo para a definição de temperatura

termodinâmica. Este teorema enuncia-se do seguinte modo:

O rendimento de uma máquina térmica operando num ciclo reversível de

Carnot só depende das temperaturas entre as quais opera.

O rendimento é, portanto, independente da substância.

O enunciado anterior é equivalente a dizer que todas as máquinas reversíveis

operando entre as mesmas temperaturas têm o mesmo rendimento.

Para provarmos este teorema vamos partir da definição de rendimento de uma

máquina térmica reversível, isto é,

144

Page 145: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

W

η = Q2

em que W é o trabalho produzido, e Q2 a energia calorífica fornecida.

Consideremos duas máquinas térmicas reversíveis, A e B, funcionando entre as

mesmas temperaturas T1 e T2, como indicado na Figura 8.4.

T2

Q2A

WA

Q1A

T1

T2

Q2B

WB

Q1B

T1

Figura 8.4. – Duas máquinas térmicas reversíveis funcionando entre as mesmas

temperaturas T1 e T2

Para provar que o rendimento das duas máquinas é igual, isto é, que ηA = ηB,

vamos partir da hipótese que ηA > ηB e que Q2A = Q2B. Assim, o trabalho realizado por

A, WA, vai ser superior ao trabalho realizado por B, WB, isto é,

WA > WB

e portanto, Q1A < Q1B

145

Page 146: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

T2

Q2A

WA

Q1A

T1

T2

Q2B

WB

Q1B

T1

T2

W -WA B

Q - Q1B 1A

T1 Figura 8.5 – Violação do enunciado de Kelvin

Uma vez que as máquinas A e B são reversíveis, pode inverter-se o

funcionamento de B e combinar-se com A. O resultado final desta combinação é uma

máquina que viola o enunciado de Kelvin, como mostrado na Figura 8.5.

Então, a hipótese de que partimos, ηA > ηB, é falsa. Podemos assim concluir que

o rendimento das duas máquinas térmicas é igual, isto é,

ηA = ηB

o que nos leva a concluir que todas as máquinas térmicas reversíveis que

operem dentro dos mesmos limites de temperatura, têm o mesmo rendimento, ou, de um

modo equivalente, o rendimento de uma máquina térmica reversível é independente da

substância operante.

8.4. Temperatura Termodinâmica

O teorema de Carnot permite introduzir uma escala de temperatura que não

depende das propriedades de nenhuma substância, e que recebe o nome de escala

termodinâmica ou escala absoluta. Este teorema estabelece, como já vimos, que todas

as máquinas térmicas reversíveis funcionando entre as mesmas temperaturas têm o

mesmo rendimento. Isto é o mesmo que dizer que o rendimento duma máquina deste

tipo é independente da substância operante. O rendimento é, assim, só função da

temperatura das fontes. Como , então Q1η = l - Q2

146

Q1 = f (T , T )1 2Q2

Page 147: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(8.1.)

T2

Q2

Q1B

T1

WA

Q3

Q1

A

B

T3

Q3

WB

Q2

C WC

Q1

Figura 8.6 – Combinação das máquinas térmicas usadas para chegar à escala de

temperatura absoluta

em que T2 e T1 são as temperaturas das fontes quente e fria, respectivamente.

Para determinar a forma da função f(T2, T1) vamos recorrer à Figura 8.6.

O reservatório à temperatura T2 fornece a mesma energia calorífica Q2 às

máquinas A e C. A máquina C rejeita Q1 para o reservatório a temperatura mais baixa

T1. A máquina B recebe a energia calorífica Q3, rejeitada pela máquina A à temperatura

T3, e rejeita Q1 para o reservatório à temperatura T1.

A energia calorífica rejeitada pelas máquinas B e C deve ser a mesma, uma vez

que as máquinas A e B podem ser combinadas numa máquina térmica reversível

operando entre os mesmos reservatórios que a máquina C e portanto, a máquina

combinada terá o mesmo rendimento que C. Dado que o calor fornecido a C é o mesmo

que o calor fornecido às máquinas combinadas A e B, os dois sistemas devem rejeitar a

mesma energia calorífica.

Aplicando a equação (8.1.) às três máquinas, separadamente, teremos

Q2 = f (T , T ) ; 2 3Q3

Q3 = f (T , T ) ; 3 1Q1

Q2 = f (T , T )2 1Q1

147

Page 148: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Considere-se a identidade

Q2 = Q1

Q2

Q3

Q3

Q1

que corresponde a

f(T2, T1) = f(T2, T3) f (T3, T1)

Olhando para esta equação vê-se que o primeiro membro é função de T2 e T1.

Então, o segundo membro deve também ser apenas função de T2 e de T1, e não de T3.

Isto é, o valor do produto no segundo membro desta equação é independente do valor de

T3. Esta condição só será satisfeita se a função f tiver a seguinte forma:

(T )2f (T , T ) =2 3

O(T )3O

e

(T )3f (T , T ) =3 1

O(T )1O

o que, após o cancelamento de ∅ (T3) no produto f(T2, T3) f (T3, T1) dará

(8.2) (T )2== f (T , T ) 2 1

O

Então, pode dizer-se que para qualquer máquina térmica reversível funcionando

entre dois reservatórios a temperaturas T2 e T1 (T2 > T1)

(8.3)

Esta é a única condição que a segunda lei impõe quanto à razão das quantidades

de calor para a, e da máquina térmica reversível. Várias funções ∅ (T) satisfazem esta

equação, e a escolha é completamente arbitrária. Lord Kelvin propôs primeiro ∅ (T) =

T para definir uma escala de temperatura termodinâmica como

(T1O )Q2

Q1

(T )2= O(T1O )

Q2

Q1

148

Page 149: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(8.4) =Q2

Q1

T2

Trev. 1

Esta escala de temperatura é a escala Kelvin, e as temperaturas nesta escala são

as temperaturas absolutas.

A escala da temperatura absoluta não está completamente definida pela equação

(8.4), uma vez que ela nos dá apenas a razão entre temperaturas absolutas. Precisamos

também de saber o valor que devemos atribuir ao grau Kelvin. Como já dissemos em

capítulos anteriores, foi atribuído o valor de 273,16K ao ponto triplo da água (estado em

que as três fases da água estão em equilíbrio). O grau Kelvin é assim definido

como do intervalo de temperatura entre o zero absoluto e a temperatura do

ponto triplo da água.

1273.16

A escala Kelvin é a escala do termómetro do gás ideal. Se considerarmos a

equação de estado de um gás ideal

PV = n R θ

em que θ é a temperatura na escala do termómetro do gás ideal e analisarmos, como

faremos posteriormente, o ciclo de Carnot chegamos a

= θ1

θ2

|Q |1

|Q |2

Pela definição da escala de Kelvin

= T1

T2

|Q |1

|Q |2

Logo

= θ1

θ2

Τ2

Τ1 (8.5)

Esta igualdade mostra que as duas escalas, escala Kelvin e a escala do

termómetro de gás ideal, são proporcionais. Se se arbitrar o mesmo valor nas duas

escalas para a temperatura do mesmo estado padrão (por exemplo: o estado triplo da

149

Page 150: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

água) então o coeficiente de proporcionalidade é igual à unidade e as duas escalas são

idênticas.

Com a convenção

θ3 = T3 = 273.16

vem

θ = T

As duas escalas coincidem no intervalo de temperatura em que é possível utilizar

um termómetro de gás.

8.5 Entropia

Voltemos ao ciclo de Carnot e à convenção de sinais para Q. Vimos que

= - Q2

Q1

Τ2

Τ1

T

V

Isotérmicas

Adiabáticas

Figura 8.7 – Decomposição de um ciclo reversível em ciclos de Carnot elementares

ou

Q1 + = 0T1

Q2

T2

150

Page 151: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

arnot elementares todos percorridos no mesmo sentido, como se mostra na Figura

8.7.

um ciclo elementar

Um ciclo reversível qualquer pode decompor-se num grande número de ciclos

de C

N

ΔQ1 + = 0T1

ΔQ2

T2

uando se procede à soma geral

Q

ΣΔQrev. = 0T Como as curvas adiabáticas são percorridas em sentidos contrários anulam-se

duas a duas na soma final e ficam só as curvas isotérmicas em zigue-zague que se

aproxim

o somatório é substituído por um integral e vem então, para o ciclo

reversível inicial.

am do ciclo reversível inicial.

No limite,

δQrev. = 0T

Esta condição é suficiente para se poder concluir que

δQrev.

T

é uma diferencial exacta (o integral cíclico de uma diferencial exacta é igual a zero), isto

, existe uma função de estado S tal que

(8.6)

n (J K-1). É uma propriedade extensiva que dá a medida da

desorga

m qualquer processo cíclico

é

δQrev.dS =

S recebe o nome de entropia (já mencionada no início deste capítulo) e exprime-se em

Joule por Kelvi

T

nização.

E

151

Page 152: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

152

dS = 0

Como S é uma função de estado, é independente da trajectória, só depende do

estado inicial e final. Portanto, para qualquer trajectória entre dois estados de equilíbrio

1 e 2.

a entropia específica, s,

2

(8.7)

s = ; S por moleSn

ou

s = ; S por unidade de massaSm

8.6

8.6.1. Variação de Entropia numa Transição de Fase

é um processo isotérmico reversível em que a pressão

também

m

vapor é calor latente de vaporização.

ara a unidade de massa, pode pois escrever-se

Variação de S em Processos Reversíveis

Uma transição de fase

se mantém constante.

Considere-se por exemplo a vaporização de um líquido. As duas fases, líquido e

vapor, distinguem-se por terem diferentes densidades. Para cada valor da pressão as

duas fases ficam em equilíbrio a uma temperatura bem determinada que permanece

constante durante a transição. Para que a unidade de massa de líquido se converta e

necessário fornecer-lhe a quantidade de calor l,

P

Δs = s - s =vap. liq.1T

onde svap. e sliq. são as entropias específicas do vapor e do líquido, e T é a temperatura

(constante, para cada valor da pressão) da transição de fase. O valor de l depende da

temper

ara a massa, M, vem

1 2

atura.

P

S - S = Qrev.

1

Page 153: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

ΔS = S - S = Mvap. liq.1T

Expressões semelhantes poderiam ser escritas para as transições líquido-sólido

(solidif ublimação).

m geral, na transição da fase 1 para a fase 2

icação), sólido-líquido (fusão), sólido-vapor (s

E

PTS - S = M2 1

ou

(8.9)

s1 e s2

es. Fisicamente, isto significa que na transição há absorção ou

libertaç o de calor.

8.6.2. Variação da Entropia num Processo Isocórico

xcluem-se as mudanças de fase. Num processo isocórico, v=cte., então

δQ = cv dT

logo

1Ts - s = 2 1

são as entropias específicas das fases 1 e 2.

A existência de calor latente 1 significa que as duas fases têm entropias

específicas diferent

ã

E

(s - s =1 2 v)

T2

c dTv

TT1

Se cv for constante entre T1 e T2

(8.10)

(s - s = c ln1 2 v v)T2

T1

153

Page 154: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

8.6.3. Variação da Entropia num Processo Isobárico

Num processo isobárico, p=cte., então

δQ = cp dT

e cp for constante entre T1 e T2

(8.11)

8.6.4. Variação da Entropia num Processo Adiabático Reversível

Num processo deste tipo,

δQ = 0

e

dS = 0

isto é,

S = constante

iz-se então que se trata de um processo isentrópico.

.7 Diagramas Temperatura – Entropia

ade do sistema pode ser expressa em termos

de variáveis que especifiquem os estados.

Para u PVT

S (P, V) S (P, T) e S (T, V)

(s - s = c ln2 1 p p)

S

T2

T1

D

8

Como a entropia, S, é uma propried

m sistema

154

Page 155: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

T

T2

1

2

S1 S2dS S

T1

Q = T dS2

1Figura 8.8 – Representação de

O estado pode portanto ser descrito por T e S, por exemplo. V ou P ficam

definidos pela equação da entropia.

Q = T dS2

1(8.12)

Este integral depende da trajectória e é igual à área subjacente à curva que

representa o processo (Figura 8.8).

Num ciclo, o calor absorvido no total será

Q = T dS

que é a área fechada pela curva no diagrama T-S.

T

T1

S1 S2 S

T2

1

2

a

b

Figura 8.9 – Representação do calor absorvido num processo cíclico, num diagrama T-S

155

Page 156: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Num ciclo reversível

ΔS = = 0dQT

A entropia, tal como P, V ou T, é uma variável que se pode usar para descrever

um processo.

O ciclo de Carnot (compreende duas isotérmicas e duas adiabáticas) num

diagrama T-S é mostrado na figura 8.10.

A variação líquida da entropia

ΔS = - = 0ciclo

Q2

T2

Q1

T1

T

T1

S1 S2 S

T2

C

A B

D Q1

Q2

Figura 8.10 – Ciclo de Carnot num diagrama T-S

ou

= Q1

Q2

T1

T2

Esta conclusão é válida para qualquer substância sujeita a um ciclo de Carnot

quer seja ideal ou não, pois não foi feita qualquer hipótese sobre a substância.

Voltámos assim ao Teorema de Carnot.

156

Page 157: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

8.8 Desigualdade de Clausius

Para um ciclo irreversível de um sistema, o integral do quociente entre a

quantidade de calor dQ recebida pelo sistema e a temperatura T à qual dQ é recebida é

sempre negativo, isto é

δQ < 0T

Podemos então resumir o que dissemos até agora da seguinte maneira

(desigualdade de Clausius):

δQ < 0T (8.13)

verificando-se a igualdade unicamente para um ciclo reversível.

8.9 Princípio do Aumento da Entropia

Considere-se um ciclo irreversível. Como a entropia de um sistema só depende

do estado do sistema, a diferença de entropia entre dois estados de equilíbrio é a mesma,

qualquer que seja a natureza do processo pelo qual o sistema possa ser levado de um

estado para outro. Podemos, portanto, encontrar a variação de entropia de um sistema

num processo irreversível, imaginando qualquer processo reversível entre os estados

extremos do processo irreversível (Figura 8.11).

A

B

R Figura 8.11. – Variação da entropia num processo irreversível

157

Page 158: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Pela desigualdade de Clausisus

δQ < 0T

ou

+B

Airrev.

δQT

A

Brev.

δQT < 0

isto é,

B

Airrev.

δQT

B

Arev.

δQT<

Mas, pela definição de entropia

B

Arev.

δQT = S - SB A

Então,

B

Airrev.

δQT S - SB A<

ou

(8.14) δQdS > T

verificando-se a igualdade apenas para processos reversíveis.

158

Page 159: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Para um sistema isolado, por definição dQ = 0,

dS > 0Sist. isol. (8.15)

Conclusão:

A entropia de um sistema isolado não pode diminuir. Esta conclusão constitui o

Princípio do Aumento da Entropia.

A entropia de um sistema isolado só se conserva para processos reversíveis, isto

é, para processos independentes do sentido. Para processos irreversíveis, isto é,

processos com um só sentido, a entropia aumenta. A entropia dá pois conta do sentido

das transformações.

Nenhum processo real é reversível. Todas as transferências de calor se dão

através de variações finitas de temperatura. Os efeitos de fricção estão sempre presentes,

como já referimos. Por todos estes factos podemos concluir que a entropia do Universo

(possivelmente um sistema isolado) está sempre a aumentar.

Se considerarmos S1 a entropia de um sistema 1, S2, a entropia da sua

vizinhança, e o conjunto como um sistema isolado, portanto,

S = S1 + S2

os processos que podem ocorrer satisfazem a

(8.16) dS = dS 0 + dS > 1 2

A entropia de um sistema isolado pode variar mas a variação global terá de ser

maior ou igual a zero.

A segunda lei da Termodinâmica afirma que a entropia pode ser criada mas não

destruída.

A produção de entropia dá-se em processos irreversíveis.

159

Page 160: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

8.10 Entropia e Ordem

Vimos que o estado de equilíbrio dum sistema isolado é aquele para o qual a

entropia tem o seu valor máximo, portanto, em termos de variáveis macroscópicas a

maximização da entropia é a condição para determinar a configuração de equilíbrio.

Uma aproximação alternativa seria aplicar a teoria das probabilidades ao nível

microscópico às várias configurações possíveis do sistema e procurar a configuração

com maior probabilidade. Este é o método da Mecânica Estatística ou Termodinâmica

Estatística.

A definição exacta de probabilidade estatística dum estado macroscópico

particular, para a qual usaremos o símbolo g, não nos vai interessar (está fora do âmbito

do nosso curso), mas a sua relação com a entropia é tão importante, ao tornar possível a

ligação de propriedades macroscópicas, que é essencial discutir alguma coisa sobre isto.

Ao procurar a configuração mais provável dum sistema, estamos, de facto, a

procurar a configuração de maior “desordem” permitida pelos constrangimentos aos

quais o sistema está sujeito. Uma configuração que necessita de condições particulares

de ordem (tais como as “moléculas não devem ocupar uma região do espaço”) é

claramente menos provável de ocorrer espontaneamente do que uma para a qual não são

especificadas quaisquer condições.

Assim, a configuração mais provável, a configuração de equilíbrio é aquela em

que a desordem é a maior possível. A probabilidade estatística duma configuração

particular é portanto a medida da sua desordem. Sem nos envolvermos na definição

exacta de g podemos mostrar a sua ligação com desordem, considerando um exemplo

muito simples.

Consideremos uma massa de gás num recipiente. Dividimos este recipiente em

duas partes iguais, A e B, e consideramos a probabilidade de todas as moléculas estarem

numa das partes.

A probabilidade de uma molécula estar em A é claramente . A probabilidade

de duas moléculas estarem em A ao mesmo tempo é . Estendendo este

argumento a todas as N moléculas, a probabilidade de todas as moléculas estarem em A,

num determinado instante é . Podemos assim comparar a probabilidade estatística

de todas as moléculas estarem em A, gA, com a probabilidade das moléculas “se

espalharem” aleatoriamente por todo o recipiente, gA + gB:

12

12x 1

2

N12

160

Page 161: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

N12=

gA

g + gA B

(8.17)

Mostrámos que, para o equilíbrio, a quantidade macroscópica S deve ser

maximizada. A condição microscópica correspondente é a maximização de g, que está

relacionada com a desordem do sistema.

Podemos chegar a uma ligação explícita entre entropia, S, e ordem?

Vamos ver como isso se faz, considerando dois sistemas 1 e 2. A entropia, S, é

uma variável extensiva, portanto a entropia total dos dois sistemas em conjunto é

S1+2 = S1 + S2 (8.18)

A probabilidade de encontrar os sistemas simultaneamente em configurações

determinadas é o produto das probabilidades para cada sistema por si:

g1+2 = g1 g2 (8.19)

As duas equações (8.18) e (8.19) são satisfeitas simultaneamente se

S = k ln g (8.20)

em que k = constante.

Podemos provar que esta é necessariamente a forma de relacionar as duas da

seguinte maneira:

Suponhamos

S = f (g)

Então, de acordo com (8.18) e (8.19)

f (g1 g2) = f (g1) + f (g2)

Derivando duas vezes, primeiro em ordem a g1, com g2 constante e depois em

ordem a g2 com g1 constante

161

Page 162: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

g2 f (g1 g2) = f (g1) (8.20)

[f (g2) = 0 porque g2 = constante]

g1 f (g1 g2) = f (g2) (8.21)

De (8.20) e (8.21) vem que

g1f (g1) = g2f (g2)

mas g1, g2 são independentes, portanto esta equação só é satisfeita se cada membro for

igual à mesma constante k. Então, para qualquer sistema arbitrário

g f (g) = k

portanto

f (g) = k ln g + g0

ou

S = k ln g + S0

sendo S0 constante de integração que é conveniente tomar como 0 (correspondente à

probabilidade estatística 1 para um estado completamente ordenado).

Provámos assim, que a relação entre a entropia e a probabilidade estatística é

S = k ln g (8.22)

Esta é a importante Relação de Boltzmann que liga a termodinâmica clássica

com as propriedades microscópicas dum sistema. A única função g que satisfaz a

condição de que entropias são aditivas enquanto as probabilidades termodinâmicas são

multiplicativas é o logaritmo.

162

Page 163: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Podemos ainda provar que k é a constante de Boltzmann, considerando

outra vez o gás perfeito contido num recipiente. Calcula-se a diferença de entropia entre

o estado no qual o gás está todo em metade do recipiente, e aquele em que ele está

uniformemente distribuído por todo recipiente. Isto faz-se imaginando primeiro que o

gás está contido apenas em metade do recipiente por meio de uma divisória que é

posteriormente retirada para o gás se distribuir por toda a caixa.

RNA

Vimos que numa expansão deste tipo

dQ = dW = 0

Assim,

dU = TdS – PdV = 0

Uma vez que são todas funções de estado, podemos agora escolher um processo

reversível conveniente para calcular os termos desta equação.

Para

dU = 0

PdS = dVT

Considerando a equação do gás ideal, P V = n R T,

= n Rv

PT

dando

dVΔS = n R = n R ln = n R ln 2VV2V1

(8.23)

Na teoria cinética vê-se que a equação dos gases ideais,

P V = n R T

163

Page 164: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

pode ser escrita

P V = R TNNA

em que N é o número total de molécula, e NA o número de Avogandro.

Rearrajando a equação anterior

P V = N TRNA

Em que é a constante universal dos gases por molécula ou constante de Boltzmann k

(também constante universal uma vez que R e NA também o são)

RNA

P V = N k T (8.24)

com

k = 1.38x10-23 J mol. K-1

Então (8.25) virá

ΔS 5) = k NA ln 2 (8.2

Assim, a entropia dum sistema, é uma medida da desordem dentro dele. Isto

torna agora possível interpretar a degradação da energia que vimos no parágrafo

anterior.

164

Page 165: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 9

PRIMEIRA E SEGUNDA LEIS COMBINADAS

9.1 Introdução

A primeira lei, na forma diferencial, é apresentada como

δQ = dU + δW (9.1)

A segunda lei, para qualquer processo reversível entre dois estados de equilíbrio,

tem a forma

δQrev. = T dS (9.2)

Estamos a considerar a termodinâmica dos processos reversíveis. Então,

considerando o trabalho

δW = P dV (9.3)

obtém-se a expressão que combina a primeira e a segunda leis,

T dS = dU + P dV (9.4)

que é aplicável a qualquer processo reversível ou a qualquer processo irreversível desde

que seja entre dois estados de equilíbrio.

Estamos a tratar de sistemas P V T. Assim, podemos seleccionar T e V, T e P, P

e V como variáveis independentes para obter diferentes relações muito importantes em

termodinâmica.

Vamos apenas considerar grandezas específicas.

165

Page 166: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

9.2. T e V como Variáveis Independentes

A expressão da combinação da primeira e segunda leis, equação (9.4), em

termos de grandezas específicas, será

1ds = (du + P dv)T

Considerando u como função de T e v,

(9.5) du = dT + dv

Então,

du = dT + + P dv δuδv T

δuδT v

1T

1T

Uma vez que ds é uma diferencial exacta,

(9.6)

Dado que dT e dv são independentes e que

= cvδuδT v

podemos escrever que

(9.7)

(9.8)

Sabemos também que as derivadas cruzadas de segunda ordem são iguais.

Então,

δuδT v

δuTδ T

ds = dT + dv δsδv

sδδT v T

= ϑuϑT v

cv

T

= + Pδsδv T

δuδv T

1T

166

Page 167: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

= δδv

δsδT v T

δδT

δsδv T v

ou

0 = - + P + δuδv T

δPδT v

1T2

1T

ou finalmente,

= T - Pδuδv T

δPδT v (9.9)

Mas, como vimos o coeficiente de expansão é

β = δVδT P

1v

e o coeficiente de compressibilidade é

K = - δvδP T

1v

Então,

= δPδT v

βK

A equação (9.9) terá assim também a forma

= - Pδuδv T

Τ βK (9.9)

E portanto (9.5) virá

du = c dT + T - P dvv

βK

167

Page 168: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Vimos já, usando só a primeira lei, que

c - c = + Pp vδuδv T

δvδT P

Usando agora a equação (9.9) chega-se a

c - c = T Vp v

β2

Κ (9.10)

Este resultado significa que a diferença dos calores específicos a pressão

constante e a volume constante pode ser calculada, para qualquer substância, quer a

partir da equação de estado, quer a partir de β e de k.

Substituindo na equação (9.6) os resultados de (9.7), (9.8) e (9.9) vem que

ds = dT + dvcv

TδPδT v

ou

ds = dT + dvcv

TβK

Isto é,

T ds = c dT + T dvv

βK (9.11)

ou

T ds = c dT + T dvv

δPδT v

(9.12)

9.3. T e P como Varáveis Independentes

A equação (9.4) em termos da entalpia, h = u + Pv, será

168

ds = (dh - v dP)1T

Page 169: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(9.13)

Considerando h função de T e P

(9.14) dh = dT + dP δhδP T

δhδT P

Então,

ds = dT + - v dP δhδT P

δhδP T

1T

1T

Mas

(9.15) ds = dT + dP

Como dT e dP são independentes e

= cPδsδT P

(9.16)

(9.17)

Igualando as segundas derivadas cruzadas, obteremos

(9.18)

Isto é, ou a equação de estado ou β, v e T permitem calcular a variação da

entalpia com a pressão para uma d temperatura.

De (9.14) e (9.18) chega-se a

(9.19)

δsδP

δsδT P T

= =δsδT P

δhδT P

1T

cP

T

= - vδs δhδP T δP

1T T

= T + v = - vT + vβδsδP T

δvδT P

dh = c dT - T - v dPpδvδT P

169

Page 170: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

De (9.15) com (9.16), (9.17) e (9.18) chega-se a

T dS = C dT - T dPpδvδT P

(9.20)

Se considerássemos P e v como variáveis independentes e seguíssemos um

procedimento análogo aos anteriores chegaríamos a outra equação Tds.

9.4 Equações Tds

As equações Tds são as seguintes:

(9.12) T ds = c dT - T d

(9.20)

(9.21)

estas equações podem ser utilizadas em:

• Cálculos de δQrev. = Tds para cada par de variáveis;

• Cálculos de ds para cada par de variáveis;

• Cálculos para processos adiabáticos e reversíveis (ds = 0, s = cte).

9.5 Propriedades de uma Substância Pura

Na prática mede-se, em geral, T e P. Assim, se s0 e h0 forem a entropia e

entalpia de um estado de referência arbitrário P0 v0 T0, usando a equação (9.20) e a

equação (9.19), chega-se, respectivamente, a

(9.22)

e a

vδPTδp

v

T dS = c dT - T dPpδvδT P

T dS = c dT dv + c dPp vδTδv P

δTδP v

s - s = c - dP0 pδvδT P

dTT

T

T0

P

P0

170

Page 171: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(9.23) h - h = c + v - dP0 pdTT

T

T0

P

P0

δvδT P

A entropia e a entalpia de um sistema podem ser determinadas a partir da

equação de estado e de cp.

9.6 Propriedades de um Gás Ideal

9.6.1 T e P como variáveis independentes

Substituindo na equação (9.23)

v = PR T

= δvδT P

RP

obtém-se

s - s = c - R ln0 pPP0

dTT

T

T0

(9.24)

e

h - h = c dT0 p

T

T0

(9.25)

Se cp = cte entre T e T0

s - s = c ln - R ln0 pPP0

TT0

(9.26)

e

(9.27) h - h = c (T-T )0 p 0

171

Page 172: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

9.6.2 T e v como varáveis independentes

Se cp = cte e cv = cte obtém-se, por integração de (9.12)

s - s = c ln + R ln0 v

TT0

vv0

(9.28)

9.6.3 P e v como variáveis independentes

Neste caso, por integração de (9.21) chega-se a

s - s = c ln + c ln0 v pvv0

PP0

(9.29)

Para um processo reversível adiabático, como sabemos, ds = 0, e portanto s = cte.

Então (9.29) virá

cv ln P + c ln v = cpte

ln P + ln v = ccv cp te

P v = ccv cp te

P v = ctecpcv

P vy = cte (9.30)

que é uma expressão já nossa conhecida.

9.7 Propriedades de um Gás de van der Waals

Para simplificar escolham-se T e v como variáveis independentes. Então, de

(9.12) e da equação de estado para um gás deste tipo,

P + (v - b) = RTav2

172

Page 173: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

uma vez que

= Rv - b

δPδT v

e para cv = cte, obtém-se

s - s = c ln + R ln0 v v - bv - b0

TT0

(9.31)

173

Page 174: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 10

POTENCIAIS TERMODINÂMICOS

10.1. Introdução

Definimos, no contexto da primeira lei, duas funções de estado com dimensões

de energia: energia interna, U, e entalpia, H.

Já vimos anteriormente que podíamos combinar a primeira e a segunda leis da

Termodinânica através da expressão

dU = TdS – PdV (10.1)

A energia interna é, como já vimos, a propriedade termodinâmica mais útil.

Contudo, ela não é suficiente para analisar certos processos termodinâmicos. Por essa

razão, foram introduzidas três quantidades directamente relacionadas com a energia

interna, que se chamam Potenciais Termodinâmicos e que têm uma larga aplicação em

termodinânica. Os potenciais termodinâmicos, incluindo a energia interna U, são:

Entalpia, H, função de Gibbs, G, e função de Helmholtz, F. Cada um tem dimensões de

energia. Têm um papel importante na determinação de estados de equilíbrio

termodinâmico de sistemas sujeitos a vários constrangimentos. Estes potenciais dão à

teoria termodinâmica maior flexibilidade e coerência, estabelecendo uma ligação mais

directa com a experimentação do que a que teríamos usando só a energia interna.

Até agora considerámos apenas sistemas fechados constituídos por uma única

espécie química. Na prática, é muitas vezes necessário estudar sistemas com um número

variável de partículas, a que se dá o nome de sistemas abertos – sistemas em que há

trocas de matéria com as vizinhanças. Introduziu-se, para o tratamento de sistemas deste

tipo, um parâmetro termodinâmico chamado potencial químico, μ. Ele é frequentemente

usado em mecânica estatística e não nos debruçaremos sobre ele em pormenor.

A equação (10.1.) sugere que S e V possam ser tomados como variáveis

independentes e que U pode ser considerada função de S e V

U = U (S, V)

174

Page 175: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Assim, a temperatura e a pressão tornam-se variáveis dependentes cuja relação

com U, S e V é facilmente determinada. Como consequência puramente matemática do

facto de U ser função de S e V (variáveis independentes) podemos então escrever,

dU = dS + dV δUδS V

δUδV S

(10.2)

Comparando esta equação com a equação (10.1) e como S e V são variáveis

independentes vê-se que

Τ = , P = - δUδS v

δUδV S

(10.3)

10.2 Função de Helmholtz

S e V não são realmente as variáveis mais convenientes. Não é muito fácil

construir um instrumento para medir S. Vamos por isso definir uma nova função com T

e V como variáveis independentes e passando S a ser uma variável dependente.

Podemos fazer isto somando e subtraindo SdT no segundo membro de (10.1):

dU = T dS + S dT – S dT – P dV

mas,

T dS + S dT = d (TS)

Então,

d (U-TS) = - S dT – P dV (10.4)

A diferença (U-TS) é conhecida como função de Helmholtz, que se representa

por F.

F = U – TS (10.5)

175

Page 176: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A função de Helmholtz, de grande importância em mecânica estatística,

estabelece a ligação entre a análise microscópica e as variáveis macroscópicas.

Fazendo a substituição teremos,

dF = - S dT – P dV (10.5a)

F é, portanto, função das variáveis independentes T e V. Esta expressão faz-nos

antever que F pode ser definida através das variáveis independentes T e V. Portanto,

dF = dT + dV δFδT V

δFδV T

(10.6)

Comparando com (10.5 a) verifica-se que

S = - , P = -δFδT V

δFδV T

(10.7)

A equação de estado do sistema é obtida através da relação

P = - δFδV T

sendo F(T,V) conhecida.

10.3 Entalpia

Partindo ainda da expressão que combina a primeira lei com a segunda,

dU =T dS – P dV, e somando e subtraindo V dP, vem

dU = TdS + VdP – PdV - VdP

ou

d (U + PV) = TdS + V dP

mas a entalpia, H, é definida por

H = U + PV (10.8)

176

Page 177: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

E na forma diferencial,

dH = T dS + V dP (10.9)

Por analogia com a diferencial de H, em função de S e P, obtemos o seguinte

resultado,

T = , V = δHδS P

δHδP S

(10.10)

10.4 Energia livre de Gibbs

A energia livre de Gibbs pode ser obtida a partir de H ou de F. Assim, somando

e subtraindo S dT ao segundo membro de (10.9) vem

d(H – TS) = - S dT + V dP

ou, somando e subtraindo V dP ao segundo membro de (10.5a) virá

d (F + PV) = - S dT + V dP

A definição equivalente de G será então,

G = H – TS (10.11)

G = F + PV

Em termos de energia interna

G(T, P) = U + PV – TS (10.12)

As expressões diferenciais mostram que T e P são as variáveis independentes:

dG = SdT + VdP (10.13)

177

Page 178: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Considerando G como função de T e P somos levados a

S = - , V = δGδT P

δGδP T

(10.14)

10.5 Relações de Maxwell

O diagrama de Schreder, Figura 10.1, é de grande utilidade para relacionar os

quatro potenciais termodinâmicos

- TS

+ PV

UEnergiainterna

FEnergia deHelmholtz

HEntalpia

GEnergia de

Gibbs

F = U - TSG = F + PVH = U + PVG = H - TS

Figura 10.1- Diagrama de Schreder

As formas diferenciais dos quatro potenciais termodinâmicos são:

dU = T dS – P dV (10.1)

dF = - S dT – P dV (10.5a)

dH = T dS + V dP (10.9)

dG = - S dT + V dP (10.13)

Estas equações podem ser todas obtidas por meio de variadíssimas mnemónicas.

Uma das usadas é a indicada na figura 10.2.

178

Page 179: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

T

G

P

F V

U

SH Figura 10.2 – “Se Urso Vires Foge Tocando Guitarra Para Hamburgo”.

Os quatro potenciais ficam nos lados dum quadrado. As quatro variáveis S, T, P

e V vão para os vértices do quadrado. A frase “Se Urso Vires Foge Tocando Guitarra

Para Hamburgo” vai ajudar a lembrar a ordem dos símbolos. Cada potencial

termodinâmico é ladeado no diagrama pelas duas variáveis cujos diferenciais aparecem

na expressão para a diferencial desse potencial. Por exemplo, U é ladeado por S e V, e a

Figura 10.1 mostra que dU = T dS – P dV. As duas setas ajudam a atribuir os sinais +

(mais) e – (menos). Se se seguir o sentido da senta deve atribuir-se um sinal +. Em

sentido oposto à seta, deve usar-se um sinal -.

Comparando as duas expressões (10.1) e (10.2), chega-se a (10.3)

Τ = , P = - δUδS v

δUδV S

(10.3)

As derivadas cruzadas levam-nos às relações de Maxwell. Assim, derivando em

ordem a V os dois membros da primeira equação em (10.3.), obtém-se

=δTδV S

δ2UδV Sδ

Da mesma maneira, aplicando derivadas aos dois membros da segunda equação

em (10.3.), vem

− =δPδS V

δ2UδS Vδ

179

Page 180: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Como sabemos, as segundas derivadas cruzadas são iguais

= -δTδV S

δPδS V

(10.15)

Esta é uma das relações de Maxwell. Em 1870 James Clerk Maxwell, no seu

livro Theory of Heat introduziu relações entre as variáveis termodinâmicas P, V, T, S.

Estas relações são muito úteis em termodinâmica. Elas permitem substituir quantidades

que são difíceis, ou mesmo impossível, de medir por quantidades de medição directa.

Por exemplo,

δPδS V

não é directamente mensurável o que não acontece com

δTδV S

Assim, se um sistema isolado sofre um processo reversível, a sua entropia

permanece constante

dS = = = 0 δQT

Se se medir a variação de volume ∆V e a variação de temperatura ∆T, tem-se

que

=ΔTΔV

δTδV S

As restantes relações de Maxwell,

- =δSδV T

δPδT V

(10.16)

=δTδP S

δVδS P

(10.17)

180

Page 181: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

= -δSδP T

δVδT P

(10.18)

obtêm-se do mesmo modo a partir de (10.7), (10.10) e (10.14).

A mnemónica indicada anteriormente pode também ser usada para obter as

relações de Maxwell. Isso é indicado na Figura 10.3. T

P

V

S

T

P

V

S

T

P

V

S

T

P

V

S

= -δTδV S

δPδS V

=δTδP S

δVδS P

= -δSδP T

δVδT P

=δSδV T

δPδT V

Figura 10.3 – Relações de Maxwell

Para exemplificar a utilidade das relações de Maxwell, vamos mostrar como

(10.18) vai ser usada para chegar a uma equação T dS.

Se considerarmos S função de T e P,

181

Page 182: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

dS = dT + dP δSδP T

δSδT P

(10.19)

Num processo reversível, T dS é igual ao calor absorvido. Se esta troca de calor

se dá a pressão constante, a capacidade calorífica, Cp, aparece como

(T dS)p = dQp = Cp dT (10.20)

Considerando dP = o em (10.19),

(T dS) = T dTpδSδT P

(10.21)

Comparando (10.20) e (10.21),

C = TpδSδT P

(10.22)

Substituindo este resultado em (10.19) vem que

T dS = Cp dT + T dPδSδP T

Mas

= -δSδP T

δVδT P

como vimos. Então,

(10.23) T dS = C dT - T d

que é uma das equações TdS. A outra equação TdS,

(10.24)

obter-se-ia de um modo semelhante.

PvδT Pδp

T dS = C dT + T dVPδTδV

V

182

Page 183: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

10.6 Entalpia e Termoquímica

Os quatro potenciais termodinâmicos foram inventados para tornar a

termodinâmica mais fácil. Cada potencial é a variável de energia natural para certas

classes de processos físicos. A entalpia encontra talvez a sua aplicação mais importante

no campo da termoquímica.

A termoquímica diz respeito aos aspectos termodinâmicos que convertem calor

em energia química, ou vice-versa. Por energia química toma-se a energia associada

com as forças eléctricas que ligam os átomos para formar moléculas. A ideia básica é

bastante simples. Quer saber-se como e quanta energia é libertada em reacções

químicas. Muita da energia é libertada sob a forma de calor. Podem ganhar-se

conhecimentos valiosos sobre a energética da reacção medindo simplesmente o calor

libertado.

Os aspectos mais elementares da termoquímica envolvem apenas a primeira lei.

Um conceito central em termoquímica é o de calor de reacção. Uma reacção química

pode libertar ou absorver energia. Se a reacção liberta energia, a temperatura dos

materiais no recipiente em que se dá a reacção aumenta e, subsequentemente, liberta-se

calor para as vizinhanças. Neste caso diz-se que a reacção é exotérmica. O inverso, onde

calor é absorvido pelo sistema, é referido como uma reacção endotérmica. Dum modo

muito simples, o calor de reacção é o calor transferido entre o sistema reagente e as suas

vizinhanças. Para ter uma definição de calor de reacção sem ambiguidade é necessário

referir os reagentes e produtos às mesmas pressão e temperatura. Assim, o calor de

reacção é definido como o calor absorvido ou rejeitado quando se passa dum estado

reagente à temperatura T e pressão P para um estado produto final à mesma temperatura

e pressão. Medidas rigorosas de calores de reacção têm ajudado a estabelecer tabelas de

entalpias, energias internas, e outros potenciais termodinâmicos.

A maioria das reacções químicas dá-se à pressão de uma atmosfera. Se a reacção

prossegue a pressão constante, o calor da reacção iguala a variação da entalpia. Isto vem

da primeira lei da termodinâmica e da definição de entalpia. Assim, da definição de

entalpia H = U + PV tem-se, a pressão constante,

(dH)p = dU + P dV (10.25)

Contudo, da primeira lei

183

Page 184: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

dQ = dU + P dV

se conclui que

(dH)p = dQ

o calor absorvido ou rejeitado num processo isobárico reversível é igual à variação da

entalpia. Num processo finito.

Q = ∆H = Hf – Hi (10.26)

Este é o fundamento da termoquímica. Medindo o calor de reacção determinar-

se a variação da entalpia.

Tabelas de entalpia são frequentemente chamadas de entalpia de formação ou

calor de formação.

10.7 Sistemas Abertos

Em todas as transformações estudadas até agora considerou-se que os sistemas

termodinâmicos eram fechados – i.e. sem troca de matéria com a vizinhança. Contudo,

um grande número de aplicações da termodinâmica são para casos em que é possível

variar o número de elementos, N, sistema aberto. Variar o número de partículas no

sistema, tem implicações no valor de todas as grandezas extensivas do sistema,

nomeadamente: energia interna, entalpia, energia livre de Helmholtz e energia livre de

Gibbs.

A primeira lei da termodinâmica indica que a energia do sistema pode variar

através de uma troca de calor δQ e/ou pela realização de trabalho (mecânico, PdV, ou de

outro tipo). A primeira lei da termodinâmica num sistema em que tenha ocorrido

variação do número de partícula no sistema dN é

dU = δQ – PdV + μdN

184

Page 185: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

onde o termo μdN representa o trabalho de configuração, no qual μ é o potencial

termodinâmico (variável intensiva).

A expressão que combina as 1ª e 2ª leis da termodinâmica pode agora ser escrita

como

dU = TdS – PdV + μdN

que se diferencia da expressão válida para sistemas fechados pelo termo μdN.

A variação da energia livre de Gibbs para um sistema constituído de r

componentes (substâncias), G (T,P,N1,N2,…,Nr) é

dG = - SdT + VdP + u dNΣ i i

r

i

Em que cada μi representa o potencial químico relativo à espécie i, o qual é

definido por

μi =δGδNi P, T

Atendendo as relações entre os potenciais termodinâmicos têm-se

dU = TdS – PdV + ∑µidNi

dH = TdS – VdP + ∑µidNi

dF = - PdV – SdT + ∑µidNi

De onde se conclui que o potencial químico pode ser definido de diversas

formas equivalentes, ou seja

μi = = = =δUδNi S, V

δGδNi P, T

δΗδNi S, P

δFδNi V, T

Considerando um diagrama de fases, Figura 10.4, a condição de estabilidade em

cada fase é minimização da energia livre de Gibbs:

185

Page 186: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

No interior de cada região delimitada pelas linhas de coexistência, só uma fase

pode ser observada porque isso corresponde ao mínimo da energia livre de Gibbs.

Pre

ssão

, P

Temperatura, T

SólidoLíquido

Ponto triplo

Vapor

T3 Tc

Ponto crítico

Figura 10.4 – Diagrama de fases

Ao longo das linhas de coexistência, as energias livres de Gibbs de ambas as

fases são iguais; ou seja, a condição de equilíbrio entre as fases (1 e 2) é a igualdade

dos seus potenciais químicos

μ1(P,T) = μ2(P,T)

Num sistema de um componente com duas fases, em equilíbrio, tem-se:

P e T constantes

μ1 = μ2

dG = μ1.dN1 + μ2.dN2

Mas, como para um estado de equilíbrio a energia livre de Gibbs é um mínimo

têm-se

dG = 0

dN1 = – dN2

Num sistema de um componente (água) com três fases em equilíbrio

186

Page 187: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

µ1(Pt, Tt) = µ2(Pt, Tt)

µ1(Pt, Tt) = µ3(Pt, Tt)

Da observação do diagrama de fases verifica-se que existe apenas uma condição

termodinâmica de pressão e temperatura em que as três fases coexistem. Esta é razão

pela qual o ponto triplo da água foi seleccionado para ponto de referência da escala de

temperatura.

A equação de Clausius-Clapeyron é uma relação importante para descrever a

variação da pressão com a temperatura para um sistema constituído por duas fases em

equilíbrio, como se ilustra por qualquer ponto, de cada linha de coexistência no

diagrama de fases, Figura 10.4.

Na mudança de fase a pressão não varia mas, o seu valor ao longo da linha de

coexistência vai depender unicamente da temperatura do sistema, ou seja, P(T)

Das relações de Maxwell temos que qualquer variação da pressão com a temperatura,

mantendo o equilíbrio de fases, pode ser dada por

=δSδV T

δPδT V

Já vimos anteriormente que a variação de entropia na mudança de fase é

ds =ΙΤ

onde l é o calor latente

Então, podemos escrever a equação de Clausius-Clapeyron

(10.27) =dPdT V

I)T (v - v1 2

Esta é uma relação termodinâmica importante pois permite determinar o calor

latente envolvido em qualquer processo de mudança de fase através da medida, num

187

Page 188: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

ponto, da inclinação da linha de coexistência e do volume específicos associados a fase

1 e a fase 2

188

Page 189: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 11

A TERCEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

11.1 Entropia, Zero Absoluto, e a Terceira Lei

Comecemos por relembrar a primeira e a segunda leis da Termodinâmica. A

primeira lei é um princípio de conservação de energia. Admite a impossibilidade de ter

máquinas de movimento perpétuo de 1ª espécie – máquinas cíclicas que produzem mais

energia do que a energia recebida.

A segunda lei reconhece a impossibilidade de construir uma máquina cíclica que

converta integralmente calor em trabalho. Por exemplo, o rendimento do ciclo de Carnot

é

Tfonte friaηC = 1 - Tfonte quente

Pareceria que se Tfonte fria = 0 K, então ηC = 1, e teríamos então uma máquina a

converter calor integralmente em trabalho. Mas será possível atingir o zero absoluto? A

experiência mostra que todos os esquemas para baixar a temperatura se tornam cada vez

menos efectivos à medida que a temperatura diminui. A terceira lei pode assim ser

enunciada como: O zero absoluto é inatingível. A terceira lei pode ainda, de uma

maneira alternativa, ser enunciada em termos da entropia. A variação de entropia, dS,

resultante da transferência reversível de calor, à temperatura T é

dS = δQT

Esta é uma definição de “variação de entropia” e não de entropia. Isto não nos

surpreende uma vez que já antes encontrámos situações semelhantes. Por exemplo, em

mecânica só se definem “variações de energia potencial”. A energia potencial zero era

escolhida de acordo com o problema em estudo. Em Termodinâmica existe uma

situação semelhante para o estado de energia interna zero. A primeira lei define apenas

a variação de energia interna.

189

Page 190: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Apesar de apenas ser definida variação de entropia, não podemos escolher

livremente o estado de entropia zero. A terceira lei impõe esta outra restrição na

entropia. Foi Walther Nernst, em 1907, que avançou com o seu teorema e que podemos

agora considerar como o enunciado da terceira lei:

A entropia de um sistema tende para zero à medida que a temperatura se

aproxima do zero absoluto.

Assim, o conteúdo essencial da terceira lei é

S 0 à medida que T 0

11.2 Consequências Físicas da Terceira Lei

Vamos aceitar o enunciado da terceira lei, deduzir algumas das suas

consequências, e verificar se elas são confirmadas pela experiência.

Se utilizarmos uma das relações de Maxwell,

- =δSδP T

δVδT P

o coeficiente de dilatação cúbica, pode ser expresso por

β = - δSδP T

1V

Usando a terceira lei podemos mostrar que tende para zero com a

temperatura.

Assim, a terceira lei prevê que β tende para zero à medida que a temperatura se

aproxima do zero absoluto.

Vamos mostrar que tende para zero, quando T tende para zero. Esta

derivada corresponde ao limite, quando ∆P tende para zero, da quantidade observada

experimentalmente,

β = δVδT

1v P

δSδP T

δSδP T

190

Page 191: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

= S(T, P + P) - S(T, P) ΔΔP

ΔSΔP

em que é função de T e P. Δ

Se a entropia tende para zero quando a temperatura tende para zero, então ∆S

também deve tender para zero qualquer que seja o valor de ∆P. Assim, tende para

zero, isto é, tende para zero à medida que T tende para zero, e portanto, β

tende para zero com a temperatura.

SΔP

ΔSΔP

= ΔSΔP

δSδP T

A Figura 11.1 mostra um gráfico experimental do coeficiente de dilatação linear,

, em função da temperatura para o ouro. A figura mostra que α tende para zero

à medida que a temperatura tende para o zero absoluto de acordo com a terceira lei.

α = β13

15

10

5

100 200 300

α x

106

Temperatura (K) Figura 11.1 – Coeficiente de dilatação linear, para o ouro, em função da temperatura

Uma segunda consequência da terceira lei diz respeito à diferença das

capacidades caloríficas a pressão constante, Cp, e a volume constante, Cv, isto é, Cp-Cv.

Vimos anteriormente que Cp e Cv diferem porque os materiais tendem a aumentar ou a

diminuir de volume quando aquecidos a pressão constante. Contudo, à medida que β

tende para zero, o volume cessa de variar com a temperatura. Assim, espera-se que Cp e

Cv fiquem iguais à medida que T tende para zero. De facto, a expressão já conhecida,

C - C = Pp vδVδT P

mostra que a diferença é proporcional a , que é igual a βV, que se anula quando

T tende para zero.

δVδT P

A Figura 11.2 mostra a confluência de Cp e Cv para o néon sólido.

191

Page 192: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

30

20

10 15 20Temperatura (K)

Cap

acid

ade

Cal

orífi

ca(J

mol

e K

)-1

-110

CP

CV

Figura 11.2. – Capacidades caloríficas do néon sólido

A terceira lei é também verificada experimentalmente pelas medições da

capacidade calorífica a baixa temperatura. Esta lei não só prevê que Cp e Cv se tornem

iguais, como prevê também que cada uma se anula à medida que T tende para o zero

absoluto.

Considere-se então a capacidade calorífica apropriada

δQ = C dT

a variação da entropia correspondente é

dS = C dΤT (11.1)

Integrando esta equação entre o zero absoluto e uma temperatura T, obtém-se

S(T) - S(0) =

T

0

C dΤT (11.2)

Um enunciado mais preciso da terceira lei é que as entropias de todos os

sistemas se aproximam do mesmo valor à medida que a temperatura tende para zero. A

escolha deste valor comum é deixado em aberto, e a comunidade científica estabeleceu

que fosse zero. Com a escolha S (0) = 0, o integral em (11.2.) fixa a entropia à

temperatura T como

S(T) =T

0

C dΤT (11.3)

192

Page 193: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

O comportamento de C à medida que T tende para zero é severamente

restringido pela condição

S 0 à medida que T 0 (11.4)

Suponhamos que C não se anulava com a temperatura, mas atingia um valor

constante à medida que T se aproximava de zero. A equação (11.3.) viria então,

S(T) = CT

0

dΤT

Mas este integral é infinito,

= ln quando T 00

T

T0

dΤT

ΤΤ0

Para S (T) ter um valor finito a capacidade calorífica deve anular-se com a

temperatura. A experiência confirma esta afirmação. Para isoladores sólidos C é

proporcional a T3 a baixas temperaturas.

Cisol. = b T3 (11.5.)

Para condutores eléctricos sólidos

Ccond. = a T + b T3 (11.6)

Ainda um outro facto que confirma a terceira lei é o das medidas da pressão de

fusão do 4He. À pressão atmosférica 4He permanece líquido à temperatura mais baixa.

Contudo, se a pressão aplicada for suficiente, o líquido solidifica. A curva de fusão

marca a fronteira líquido-sólido num gráfico da pressão em função da temperatura. A

Figura 11.3. mostra o comportamento da curva de fusão para o 4He.

193

Page 194: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

75

50

1 2 3Temperatura (K)

Pre

ssão

(atm

.)

25

Sólido Líquido

Curva de fusão

Figura 11.3 – Curva de fusão do 4He

O declive da curva de fusão é dado pela equação de Clausius-Clapeyron

= dPdT

Lf

Τ ( ) (11.7) V - Vl S

em que Lf é o calor latente de fusão à temperatura T, e Vl – Vs é a variação de volume

na transição sólido-líquido.

Dado que a fusão é um processo isotérmico, é a variação da entropia de

fusão, isto é, TLf

TLfS - S = l S (11.8)

O declive da curva de fusão é, assim,

= dPdT

S - S1 S

V - V1 S(11.9)

Sl e Ss tendem para zero à medida que T vai decrescendo para 0K. Então Sl - Ss

tende para zero à medida que T tende para zero. Contudo, Vl – Vs, a variação de

volume que acompanha a fusão, permanece diferente de zero para a temperatura mais

baixa. A última equação mostra que o declive da curva de fusão deve ser zero próximo

do zero absoluto. Isto é confirmado na figura 11.3, em que a pressão de fusão se

apresenta aproximadamente constante abaixo de 1K.

194

Page 195: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

11.3. A impossibilidade de atingir o Zero Absoluto

O nosso primeiro enunciado da terceira lei foi simplesmente que “não se pode

alcançar o zero absoluto”. A impossibilidade de atingir o zero absoluto é uma

consequência do facto da entropia tender para zero com a temperatura.

Os melhores métodos para baixar temperaturas incluem transformações

adiabáticas e reversíveis. Assim, se o sistema realiza trabalho adiabáticamente fá-lo à

custa da sua energia interna, e uma diminuição de energia interna provoca um

abaixamento da temperatura. Devem também ser usados processos reversíveis.

Processos irreversíveis geram entropia. Mas sabemos que a entropia e a temperatura

tendem para zero em conjunto. A produção de entropia por meio de processos

irreversíveis opõe-se assim à redução da temperatura.

Suponhamos que a entropia é directamente proporcional ao produto da

temperatura pelo volume.

S = a T V, a = cte.

Com o sistema inicialmente num estado descrito por T = T0 e V = V0,

realizamos uma série de processos em duas etapas, como indicado na figura 11.4.

S = a T V0 0 0

CompressãoIsotérmica

ExpansãoAdiabática

Temperatura

Entro

pia

S0

T0

41 S0

21 S0

21 T08

1 T0 41 T0

V = 2V0

V = V0

Figura 11.4 – Impossibilidade de atingir o zero absoluto

195

Page 196: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

As duas rectas no diagrama S – T representam S = a T V para V = V0

2V0e . V =

O sistema é primeiro comprimido isotérmicamente de V0 a . Isto

diminui a entropia como indicado na Figura. A compressão é seguida por uma expansão

adiabática ( e isentrópica) que obriga o sistema a voltar ao seu volume inicial.

2V0V =

Uma vez que S = aTV permanece constante durante o processo isentrópico, a

variação de volume de a V0 deve ser acompanhada de uma diminuição de

temperatura de T0 para . 2V0V =

2T0

No total, o processo em duas etapas obriga o sistema a voltar ao seu volume

inicial e reduz a temperatura a metade. Repetindo esta sequência a temperatura pode ser

outra vez reduzida a metade. Pode seguir-se este procedimento uma infinidade de vezes

sem que a temperatura atinja o zero absoluto.

A terceira lei não faz restrições à possível proximidade do zero absoluto. Uma

mistura de 3He e 4He usada em refrigeração permite atingir temperaturas da ordem

de 10-3K. Recentemente, foi alcançada uma temperatura muito inferior a esta.

196

Page 197: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

CAPÍTULO 12

TEORIA CINÉTICA DOS GASES

12.1 Introdução

A teoria cinética dos gases, sendo um ramo da mecânica estatística, usa uma

imagem molecular para chegar às propriedades macroscópicas da matéria.

O seu desenvolvimento deve-se principalmente a Daniel Bernoulli (1738) – a

pressão de um gás resulta do impacto das partículas que o compõem nas paredes do

recipiente onde está contido, a James Clerck Maxwell (1859) – Caos molecular. Leis de

distribuição de velocidade para um gás em equilíbrio. Existem, contudo, outras

contribuições, tais como de Ludwig Boltzmann (1876), de Herapath (1821), de

Waterson (1843), de Krönig (1856)….

Esta teoria considera que as moléculas obedecem às leis de Newton. Na

realidade, as moléculas obedecem à mecânica quântica. O uso da mecânica clássica leva

a resultados incorrectos para os calores específicos dos gases mas é uma excelente

aproximação quando tratamos com propriedades tais como pressão e difusão.

O objectivo é construir uma teoria que possa explicar as propriedades da matéria

como um todo na base da estrutura e interacção das moléculas. Assim, queremos

calcular a pressão dum gás a partir das propriedades, estritamente mecânicas, tais como

a massa e velocidade.

Vamos restringir o nosso estudo ao gás ideal.

12.2 Hipóteses Básicas

Na sua forma mais simples, as hipóteses da teoria cinética podem ser formuladas

da seguinte maneira:

(1) Um gás é composto por moléculas, que obedecem às leis de Newton, que

estão em movimento contínuo, aleatório. Todas as direcções são igualmente

prováveis. As suas trajectórias são, entre colisões, linhas rectas.

197

Page 198: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

(2) Num dado volume, o número de moléculas é muito grande e o volume

ocupado pelas moléculas é desprezável quando comparado com o volume

total do recipiente que contém o gás.

(3) As moléculas são pequenas esferas densas e não exercem forças umas nas

outras excepto no instante em que se dá a colisão. Isto é equivalente a

afirmar que, uma vez que se consideram as moléculas pequenas, a distância

média entre elas é grande.

(4) As colisões das moléculas umas com as outras e com as paredes do

recipiente que contem o gás são perfeitamente elásticas e de duração

desprezável.

Colisões entre moléculas e com as paredes do recipiente que contém o gás

conservam o momento e a energia cinética. Uma vez que o tempo de colisão é

desprezável quando comparado com o tempo gasto pela molécula entre colisão, a

energia cinética que é convertida em energia potencial durante a colisão é ganha outra

vez como energia cinética depois de um curto intervalo de tempo. Nós vamos desprezar

esta variação de energia.

Numa colisão elástica a energia cinética translacional dum par é a mesma antes

e depois duma colisão. Não há transferência de energia rotacional ou vibracional.

As colisões garantem que as partículas mudam constantemente a sua velocidade

e direcção. A frequência de colisão, Z, é o número médio de colisões efectuadas por

uma partícula por unidade de tempo.

O livre percurso médio, λ, é a distância média que uma partícula percorre entre

colisões. Isto significa que a hipótese (2) pode ser expressa como d << λ.

12.3 Teorema da Equipartição de Energia

Vamos derivar a equação do gás ideal a partir da teoria cinética, isto é, vamos

obter uma equação que vai dar a pressão de um gás em função da massa e velocidade

das moléculas. Pressão é a força por unidade de área. A força, F, exercida por uma

molécula de massa m, movendo-se com uma aceleração a, num dado instante, é dada

pela segunda lei de Newton, F = ma. A aceleração instantânea, é v/t, em que v é a

velocidade instantânea da molécula. A força do impacto é, portanto,

198

Page 199: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

F = m a = m vt (12.1)

em que mv é o momento da molécula.

Uma definição alternativa de força é então, e como já sabemos, a taxa de

variação do momento com o tempo. Para obter a pressão, deve calcular-se a variação do

momento em cada colisão. Multiplicando esta quantidade pelo número total de colisões

com a parede do recipiente que contém o gás num dado intervalo de tempo, obteremos,

portanto, a força total na parede. Dividindo esta força total pela área da parede em que a

força está a actuar teremos a pressão total do gás.

Consideremos então um recipiente cúbico de aresta, d, onde se encontra o gás

contendo um número total de moléculas N, como mostra a Figura 12.1. A velocidade v

de uma molécula pode ser resolvida nas componentes vx, vy, vz, segundo os três eixos

do referencial.

Vamos agora calcular o número de colisões que ocorrem na fase A do cubo.

d

d

y

z

x

Avx

-vx

Figura 12.1 – Recipiente de forma cúbica onde se dão colisões entre as N moléculas do

gás que o ocupa

Seja então uma molécula que parte da face A. Ela move-se na direcção da face

oposta até a atingir e volta para trás até colidir com a face A. Deslocou-se portanto de

uma distância total de 2d. Assim, movendo-se para a frente e para trás na direcção de x,

uma molécula vai colidir com a face A cada 2d de trajectória, como a sua velocidade na

direcção de x é vx, obtém-se para a frequência de colisões, na face A, vx / 2d.

199

Page 200: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Como se consideram as colisões elásticas e a parede do recipiente que contém o

gás rígida, a velocidade da molécula depois de atingir a face oposta a A não muda o seu

valor. Contudo, a direcção da velocidade muda quando a molécula choca. Assim, a

molécula desloca-se na direcção de x positivo antes da colisão com uma velocidade

instantânea +vx. depois da colisão desloca-se na direcção do x negativo e terá, portanto,

uma velocidade instantânea –vx. Como o momento é dado por mv, o momento da

molécula antes da colisão é +mvx; depois da colisão é -mvx. A variação no momento da

molécula depois da colisão com parede A é, simplesmente a diferença entre os

momentos antes e depois da colisão, isto é, 2 mvx.

A variação do momento por unidade de tempo será, portanto,

2 =m vx

vx

2 dm vx

2 d

2

(12.2)

Como há um grande número de moléculas na caixa cúbica, movendo-se de uma

maneira aleatória deve usar-se o valor médio do quadrado das velocidades, <v2>, para o

conjunto das N moléculas, em vez de vx2.

Assim, a variação média total do momento por unidade de tempo para N

moléculas é

N m <v >x

d

2

Mas esta quantidade é a força média total. Portanto, a pressão total, P, na face A,

devida às moléculas, é obtida simplesmente dividindo esta quantidade pela área, d2, da

face.

= = = P N m <v >x

d d2

2 N m <v >x

d3

2 N m <v >x

V

2

(12.3)

De novo, porque os movimentos das moléculas são completamente aleatórios,

não há razão para preferir uma direcção do movimento a outra. Assim, pode dizer-se

que os valores médios dos quadrados dos componentes das velocidades nas três

direcções perpendiculares são iguais.

Concluímos assim que:

200

Page 201: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Equação de estado de um gás ideal

Teoria cinética Termodinâmica macroscópica*

= P V m <v >2N3

= Ν Κ ΤP V

*Esta expressão é equivalente a P V = n R T, uma vez que = K , em que NA é o número de

Avogadro e K é a constante de Boltzamn que tem o valor de 1.38 x 10-23 J mol k-1.

RNA

Então,

= N K T m <v >2N3

(12.4)

Para cada molécula

(12.5) = K T m <v >213

Esta expressão permite definir a velocidade quadrática média, vqm, à custa de

variáveis macroscópicas,

v = <v > =qm2 3 K T

m(12.6)

Gás Massa molar

(10-3kg/mol) Vrms(m/s)

Hidrogénio (H2) 2,02 1920

Hélio (He) 4,0 1370

Vapor de água (H2O) 180 645

Nitrogénio (N2) 28,0 517

Oxigénio (O2) 32,0 483

Dióxido de carbono (CO2) 44,0 412

Dióxido de enxofre (SO2) 64,1 342 Por conveniência, geralmente estabelecemos como temperatura ambiente = 300K

Tabela 12.1 – Algumas velocidades moleculares à temperatura ambiente (T = 300K)

201

Page 202: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Por outro lado, dado que m <v2> = 2 <Ec>, em que <Ec> é a energia cinética

média translacional, podemos escrever que,

= <E > K Tc32

Para todas as moléculas teremos,

E = N <Ec> = N K Tc total32

(12.7)

Quando falámos em energia interna, dissemos que a energia interna correspondia

aos modos microscópicos da energia, portanto, esta energia cinética é equivalente à

energia interna, u, do gás à temperatura T.

Vamos agora introduzir a noção de grau de liberdade, que corresponde a uma

grandeza independente necessária para especificar a energia de uma molécula. Em

geral, uma partícula tem tantos graus de liberdade quantas as coordenadas necessárias

para especificar a sua posição no espaço.

• Gás monoatómico (He, Ne, Ar, …)

Por só possuir movimento de translação, um gás monoatómico tem três graus de

liberdade, correspondendo às coordenadas do centro de massa do átomo. Assim,

u = m <v > + m <v > + m <v > = K Tx y z2 2 21

212

12

32

Ou seja,

u = 3 x m <v > = K Tx

212

32 (12.8)

em que cada grau de liberdade corresponde a

K T12

202

Page 203: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

• Molécula diatómica ou poliatómica linear com rotação (Figura 12.2)

Este tipo de moléculas tem 3 N -1 graus de liberdade sendo N o número de

átomos.

x y

z

Figura 12.2 – Molécula diatómica com rotação

A energia interna total será a soma da energia interna devida à translação com a

energia interna devida à rotação,

uc = u trans + u rot

em que,

u = 3 x K Ttrans12

e

u = I + rot x xω 2 I y yω 212

12

em que ωx e ωy é a velocidade angular em torno dos eixos dos xx e yy respectivamente,

e Ix e Iy os momentos de inércia em torno dos mesmos eixos. Teremos assim que,

u = 2 x K Trot12

203

Page 204: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A molécula roda em torno do centro de massa, que é o ponto onde se considera

concentrada a massa da molécula.

No final obtém-se

u = K T52 (12.9)

• Molécula Diatómica com Rotação e Vibração (Figura 12.3.)

E - máx E = 0p c

E = 0 E - máxp c

E - máx E = 0p c

Posição comprimida

Posição de equilíbrio(deslocamento nulo)

Alongamento máximo Figura 12.3 – Molécula Diatómica com Rotação e Vibração

Na vibração vai existir uma energia cinética e uma energia potencial, dadas pelas

expressões,

E = v ec vib μ 2 E = k xp vib21

212

em que v é a velocidade de vibração dos átomos, μ a massa reduzida, x o deslocamento

dos átomos da sua posição de equilíbrio e k a constante da força de ligação. A energia

interna de vibração é então,

u = v + k x = 2 K T = K T vib μ 2 212

12

12

A energia interna total será então dada por,

204

Page 205: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

u = K T + K T + K T = K T32

72 (12.10)

Para explicar o movimento vibracional dos átomos temos outro modelo:

Consideremos dois átomos ligados por uma mola sem peso. Os átomos realizam

um movimento de oscilação semelhante aquele que é já conhecido do movimento

harmónico simples (ver Figura 12.3). Uma fase da vibração consiste no afastamento de

um átomo em relação ao outro, enquanto que a outra fase corresponde à sua

aproximação.

Este movimento vibracional resulta em movimentos de alongamento e

compressão da ligação e, portanto, a molécula tem energia cinética vibracional e energia

potencial.

Quando se fornece uma certa quantidade de energia à molécula para esticar a

mola, os átomos são postos em movimento. Quando a mola é esticada ao máximo (ver

Figura 12.3), o deslocamento é máximo e os átomos ficam em repouso, isto é, v = 0.

Assim, toda a energia está na forma de energia potencial de posição. À medida que os

átomos vão voltando à sua posição de equilíbrio alguma energia potencial é convertida

em energia cinética do movimento. Quando os átomos atingem a sua posição de

equilíbrio, isto é, quando o deslocamento é zero, a energia potencial é zero e a energia

cinética máxima, isto é, os átomos estão a mover-se à sua velocidade máxima.

Separadamente os átomos passam a sua posição de equilíbrio até uma compressão

máxima da ligação (ver Figura 12.3), onde a energia potencial está outra vez no máximo

e a energia cinética zero. Em qualquer posição intermédia entre o máximo alongamento

e a máxima compressão da ligação, a soma das energias cinética e potencial é igual a

uma constante que é a energia total do sistema. Assim, cada modo de movimento

vibracional terá dois termos de energia associados a ele, um termo de energia cinética e

um termo de energia potencial.

Como se viu até agora todos estes modos da energia interna só dependem da

temperatura. Assim, quando um gás absorve energia calorífica, ela distribui-se

igualmente (1/2 KT por mole) em cada um dos modos independentes que a molécula

pode absorver energia, isto é, energia cinética translacional, energia cinética rotacional e

energias vibracionais cinética e potencial.

205

Page 206: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Podemos agora enunciar o teorema da equiparação de energia: Se as moléculas

estiverem em equilíbrio térmico com o meio à temperatura T, a cada grau de liberdade

corresponde uma contribuição de ½ KT para a energia média da molécula.

Para uma molécula poliatómica com f graus de liberdade

u = K Tf

2 (12.11)

Para N moléculas teremos,

(12.12) U = N K T = n R Tf2

f2

Este teorema vai permitir prever os valores observados do calor específico dos

gases.

12.4 Teoria Clássica dos Calores Específicos

A energia interna específica molar pode então ser rescrita como sendo,

u = R Tf2

Sabemos que

cv = , c = c + R e =p v γdudT v

cpcv

donde, em termos da teoria cinética, resulta que

c = R T = R, c = R + R = R e =v p γddT

f2

f2

f2

f + 22

f + 2f

• Gás monoatómico – f = 3 (3 graus de liberdade translacionais)

c = R = 2,5 R, c = R = 1,5 R ep v = = 1,67γ52

32

53

206

Page 207: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Estes valores estão de acordo com os valores da tabela 12.2, que indica o calor

específico molar de diversos gases a temperaturas próximas da temperatura ambiente,

portanto a teoria está de acordo com os valores observados.

• Moléculas diatómicas – f = 5 (5 graus de liberdade: 3 translacionais + 2

rotacionais)

c = R = 3,5 R, c = R = 2,5 R ep v = = 1,40γ72

52

75

Estes valores estão também de acordo com os valores da tabela 12.2 para

moléculas diatómicas, à excepção do Cl2.

• Moléculas lineares poliatómicas – f = 7 (7 graus de liberdade: 3

translacionais + 2 rotacionais + 2 vibracionais)

c = R = 4,5 R, c = R = 3,5 R ep v = = 1,29γ92

72

97

A teoria prevê um decréscimo do índice adiabático, γ, com o aumento da

complexidade da estrutura molecular, com γ variando de 1,66 para gases monoatómicos

a 1,00 para moléculas muito complexas.

Estes são realmente os valores experimentais que aparecem na tabela. Há casos

em que o valor teórico não coincide com o observado. Isso é devido a que na prática

alguns dos graus de liberdade não contribuem em nada para a energia da molécula.

207

Page 208: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Gás γ cp / R cv / R

He 1.66 2.50

5/2

1.506

3/2

Ne 1.64 2.50 1.52

Ar 1.67 2.51 1.507

Kr 1.69 2.49 1.48

Xe 1.67 2.50 1.50

H2 1.4 3.47

7/2

2.47

5/2

O2 1.4 3.53 2.52

N2 1.4 3.50 2.51

CO 1.42 3.50 2.50

NO 1.43 3.59 2.52

Cl2 1.36 4.07 3.00

CO2 1.29 4.47

9/2

3.47

7/2 NH3 1.33 4.41 3.32

CH4 1.30 4.30 3.30

Grandezas medidas experimentalmente: cp e γ

Tabela 12.2 – Calor específico molar de diversos gases a temperaturas próximas da

temperatura ambiente.

Quando consideramos as variações dos calores específicos com a temperatura

verifica-se que, excepto para gases monoatómicos, cv e cp variam com a temperatura

(aumentam com a temperatura) contrariamente ao que a teoria prevê que cv, cp e γ são

independentes da temperatura. Todas estas dificuldades desaparecem com os princípios

da mecânica quântica e da estatística.

A experiência mostra que os valores da tabela não são independentes da

temperatura. A figura seguinte mostra o comportamento de Cv/R em função da

temperatura observada para o H2.

208

Page 209: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Translação

Rotação

Oscilação

Temperatura20 50 100 200 500 1.000 2.000 5.00010.000

3/2

5/2

7/2

0

1

2

3

4

C/R v

Figura 12.4 – Cv/R em função da temperatura observada para o Hidrogénio (diatómico)

À temperatura ambiente é Cv/R=5/2, mas, para T<100K, o valor passa para 3/2

e, acima de 3200K (quando o hidrogénio se dissocia) o seu valor tende para 7/2. Parece

que as moléculas de H2 têm rotações e vibrações (f=7) a temperaturas elevadas, com as

vibrações a ficarem”congeladas” abaixo de 1000K (f=5). Abaixo de 100K as rotações

ficam também ”congeladas” e a molécula comporta-se como um ponto material (f=3).

Este comportamento, inteiramente incompreensível pelas leis da mecânica clássica, é

também observado para outros gases quando se mede a variação dos calores específicos

com a temperatura.

12.5 Percurso livre médio

Continuemos a considerar o movimento das moléculas de um gás ideal. A

Figura 12.5. mostra a trajectória do movimento de uma molécula a mover-se no gás,

variando a velocidade e direcção quando sofre choques elásticos com outras moléculas.

209

Page 210: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

Figura 12.5 – Trajectória do movimento de uma molécula a mover-se no gás quando

sofre choques elásticos com outras moléculas.

Entre colisões, a nossa molécula tem uma trajectória rectilínea a velocidade

constante. Embora na figura se considere que as outras moléculas estão estacionárias,

isso não se verifica. A descrição deste movimento aleatório pode ser feita através do

percurso livre médio (λ), que é o valor médio da distância que uma partícula percorre

sem sofrer qualquer colisão.

Consideremos as moléculas como partículas esféricas com diâmetro D e as

trajectórias entre colisões rectilíneas. Quando se considera uma partícula admite-se, em

primeira aproximação, que as outras partículas estão paradas.

σ π = D2

2D

2

D

D 3

1

Figura 12.6 –Colisões entre moléculas

Uma partícula (entre colisões) varre um volume cilíndrico. Se outra partícula

surgir a uma distância menor que D (medidas entre os seus centros) há colisão entre as

partículas (figura 12.6).

Então, a área circular indicada na figura a azul representa a secção eficaz, σ, e

tem valor.

210

Page 211: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

σ = πD2 (12.13)

Podemos considerá-la como a área que a molécula “oferece” como alvo, para os

centros das outras moléculas.

Durante o intervalo de tempo Δt é varrido um volume cilíndrico, em que x é a

distância percorrida entre colisões (x = vΔt).

V = σx (12.14)

O percurso livre médio é

(12.15) λ = = distância percorrida em tΔnúmero de colisões em tΔ

v tΔπ ΔD v t2 N

V

Volume do cilindro percorrido em tΔ Densidade de partícu

las

Na realidade a aproximação que se fez de considerar as outras partículas como

estando paradas não é válida. Se retirarmos essa restrição, há que ter em conta a

velocidade relativa entre duas partículas. Obtém-se assim

(12.16) 12πD

λ = N2

V

O percurso livre médio (plm) é inversamente proporcional ao quadrado do raio

das partículas e à densidade de partículas.

Exercício:

Determinação do λ para o ar, nas condições de PTN, admitindo que o diâmetro

efectivo das moléculas (O2 e N2) é da ordem 3.7x10-10m. Verificar se o ar pode ser

considerado um gás ideal.

Nestas condições a secção eficaz de colisão é σ = πd2 […] 4.2x10-9m2.

A PTN, 6.0x1023 moléculas ocupam um V = 22.4x10-3m3. Então a densidade do

gás é nv = 6.0x1023/22.4x10-3 moléculas/m3.

O percurso livre médio é λ = 6x10-8m.

211

Page 212: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

O volume médio de uma molécula é <1/nV> […] 3.7x10-27m ~ δ3.

E o espaçamento médio entre moléculas, <δ>, é ~3.0x10-9m, ou seja λ >> δ >>

d.

Verifica-se a premissa subjacente à existência de um gás ideal, ou seja, a

dimensão de uma molécula de gás é desprezável comparativamente com a distância

média entre moléculas.

12.6 Distribuição de Maxwell das velocidades moleculares

Num gás em equilíbrio térmico a velocidade das moléculas é igual para todas as

moléculas?

Existe uma distribuição, não só das direcções, mas também do módulo das

velocidades.

Foi deste pressuposto que partimos para definir a velocidade quadrática média

vrms e relacionarmos a energia cinética média com a temperatura.

Como determinar a fracção de moléculas com velocidade compreendida entre v

e v + dv, se as moléculas não se deslocam todas com a mesma velocidade?

12.6.1 Função distribuição

Para um gás de N partículas, Nf (vx)dx é a fracção de partículas com velocidade

na direcção x entre vx e vx + dvx.

Dentro da teoria do caos molecular, todas as direcções são iguais de modo que a

função f pode ser usada para a distribuição de probabilidade nas outras direcções.

A probabilidade da velocidade ficar entre vx e vx + dvx, vy e vy + dvy e vz e vz +

dvz será

Nf (vx)dvxf(vy)dvyf(vz)dvz = Nf(vx)f(vy)fvz)dvxdvydvz (12.17)

Maxwell admitiu que, como não há nenhuma direcção preferida, a função deve

depender apenas da velocidade total da partícula

f(vx) f(vy) f(vz) = F(vx2 + vy

2 + vz2) (12.18)

212

Page 213: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

onde F é uma função desconhecida

O produto das funções à esquerda está reflectida na soma das velocidades

quadráticas da direita, o que se verifica para uma função exponencial da forma

f(vx) = Ae(-Bvx2) (12.19)

onde A e B são constantes arbitrárias.

Considerando uma distribuição de partículas no espaço de velocidades, um

espaço tridimensional (vx, vy, vz), onde cada partícula é representada por um ponto de

coordenadas correspondente à velocidade da partícula.

Todos os pontos dentro de uma superfície esférica centrada na origem têm a

mesma velocidade.

O número de partículas que possuem velocidades entre v e v + dv é igual ao

número de pontos entre as duas esferas, com raios v e v + dv. O volume desta calote

esférica é 4πv2dv (Figura 12.7).

0

vz

v

vy

dv

vx

Figura 12.7 – Número de partículas que possuem velocidades compreendidas entre v e

v+dv.

Então, a distribuição de probabilidade como função da velocidade é

f(v)dv = 4πv2Ae(-Bv2)dv (12.20)

213

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em que A e B são determinadas integrando a distribuição de probabilidade em todo o

domínio de velocidades, por forma, a determinar o número total de partículas, N, e a sua

energia total, E

F(v) = 4π(m/2πkT)3/2v2 e (-mv2/2kT) (12.21)

Chegamos à distribuição de Maxwell das velocidades.

F(v) T = 200 K

T = 600 K

v Figura 12.8. – Variação de F(v) para diferentes temperaturas.

A velocidades baixas, esta função aumenta parabolicamente desde zero até

atingir um máximo, e a partir daí diminui exponencialmente. Com o aumento de

temperatura o máximo desloca-se para a direita.

A probabilidade de Nv moléculas terem velocidades compreendidas entre v e v

+ dv é igual a dNv/N = F(v)dv ou

dNv/dv = N4π(m/2pkT)3/2 e (-mv2/2kT)v2 (12.22)

Pode agora calcular-se algumas velocidades características das moléculas do

gás.

A velocidade quadrática média é definida como

(12.23) v = <v > = F(v) v dv2 2qms

2

0

8

de que resultará

3kTmv =qm (12.24)

214

Page 215: Física II-versão final Janeiro 2010 (2)-2

A velocidade média define-se como

<v> = F(v) v dv0

8

(12.25)

que permitirá chegar a

8kTΠm<v> = (12.26)

A velocidade mais provável das partículas é o valor Vmp que maximiza F(v).

Isto é,

2kT

mv =mp (12.27)

A distribuição das velocidades de Maxwell bem como as velocidades

características mencionadas são mostradas na Figura 12.9.

215

v v + dv

dNv/dv

v

2kTmv =mp

8kTπmv =

3kTv =qm m Figura 12.9 – Distribuição das velocidades de Maxwell