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Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico de Cristina Torres PORTUGUÊS 11ºano ……/……../2011 FICHA INFORMATIVA …texto argumentativo Pe. António Vieira - Sermão de Santo António aos Peixes No dia em que Vieira fez este sermão, comemorava-se o dia de Santo António. Justificava-se assim que, seguindo o exemplo de Santo António, o Padre António Vieira fosse também ele pregar aos peixes. É assim que o auditório do sermão, a quem o pregador se vai dirigir, deixa de ser os homens e passa a ser os peixes. Feita a introdução, o tema desloca- se então para os peixes, cujas virtudes e cujos vícios constituirão todo o desenvolvimento do texto. Capítulo I (corresponde ao exórdio) 1. Pe. António Vieira expõe a tese a desenvolver e as ideias a defender, a partir do conceito predicável Vos estis sal terrae. Entende- se por conceito predicável a citação bíblica que serve de tema que irá ser desenvolvido no sermão, de acordo com a intenção e objectivos do autor; 2. defende a tese de que, tal como o sal impede a corrupção da matéria, os pregadores devem impedir a corrupção das almas; 3. Acrescenta que apesar de haver muitos pregadores, a terra está corrupta, logo, o sal, que são os pregadores, não está a cumprir a sua função de impedir que a terra se corrompa. 4. Apresenta razões para tal situação -a corrupção da terra pode ser da responsabilidade: o dos pregadores por não pregarem a verdadeira doutrina, por não viverem de acordo com aquilo que pregam por se pregarem a si mesmos e não a Cristo. o dos ouvintes por não ouvirem a pregação, mesmo que seja verdadeira por preferirem imitar a vida e não a pregação dos pregadores por cederem apenas aos seus apetites 5. O raciocínio é apresentado através de: analogia (sal = pregadores); silogismos (por exemplo: os pregadores são o sal que impede a corrupção; a terra está corrupta; conclusão -os pregadores não são verdadeiro sal); paralelismos -começando por apresentar o enunciado de forma escolástica "Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar", passa à explicitação de três hipóteses centradas simetricamente nos dois elementos inicialmente propostos, pregadores 1

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Page 1: F.info Pe a Vieira 5p 1

Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico de Cristina Torres

PORTUGUÊS 11ºano ……/……../2011

FICHA INFORMATIVA nº …texto argumentativo Pe. António Vieira - Sermão de Santo António aos Peixes

No dia em que Vieira fez este sermão, comemorava-se o dia de Santo António. Justificava-se assim que, seguindo o exemplo de Santo António, o Padre António Vieira fosse também ele pregar aos peixes. É assim que o auditório do sermão, a quem o pregador se vai dirigir, deixa de ser os homens e passa a ser os peixes. Feita a introdução, o tema desloca-se então para os peixes, cujas virtudes e cujos vícios constituirão todo o desenvolvimento do texto.

Capítulo I (corresponde ao exórdio)

1. Pe. António Vieira expõe a tese a desenvolver e as ideias a defender, a partir do conceito predicável Vos estis sal terrae. Entende-se por conceito predicável a citação bíblica que serve de tema que irá ser desenvolvido no sermão, de acordo com a intenção e objectivos do autor;

2. defende a tese de que, tal como o sal impede a corrupção da matéria, os pregadores devem impedir a corrupção das almas;

3. Acrescenta que apesar de haver muitos pregadores, a terra está corrupta, logo, o sal, que são os pregadores, não está a cumprir a sua função de impedir que a terra se corrompa.

4. Apresenta razões para tal situação -a corrupção da terra pode ser da responsabilidade:o dos pregadores

por não pregarem a verdadeira doutrina, por não viverem de acordo com aquilo que pregam por se pregarem a si mesmos e não a Cristo.

o dos ouvintes por não ouvirem a pregação, mesmo que seja verdadeira por preferirem imitar a vida e não a pregação dos pregadores por cederem apenas aos seus apetites

5. O raciocínio é apresentado através de:✑analogia (sal = pregadores);✑silogismos (por exemplo: os pregadores são o sal que impede a corrupção; a terra está corrupta; conclusão -os pregadores não são verdadeiro sal);✑paralelismos -começando por apresentar o enunciado de forma escolástica "Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar", passa à explicitação de três hipóteses centradas simetricamente nos dois elementos inicialmente propostos, pregadores e ouvintes. Resultam daqui três períodos bimembres, bipartidos por ponto e vírgula, sendo a primeira parte do período correspondente aos pregadores e a segunda aos ouvintes. Assim:

pregadores / ouvintes o sal não salga / a terra se não deixa salgar não pregam a doutrina /não querem receber a doutrina dizem uma coisa e fazem outra / querem imitar as acções pregam-se a si / servem os seus apetites

6. Pe. António Vieira acrescenta que se o sal não salga é inútil e, por isso, deve ser deitado fora; assim como se o pregador desrespeita a doutrina e dá mau exemplo deve ser desprezado. 7. O sermão começa por apresentar o conceito predicável- "vós sois o sal da terra", sendo que o sal são os pregadores que devem impedir a corrupção da terra. Mas como aterra está corrupta, apesar de haver muitos pregadores, é porque estes não cumprem o seu dever ou ainda porque aterra não ouve a pregação. Um exemplo de auditório que não ouve a pregação são os habitantes de Arimino que não quiseram ouvir Santo António e até quase o mataram. Então o santo deixou-os e foi para junto ao mar pregar aos peixes. Comemorando o dia de Santo António, o Padre António Vieira quer seguir o seu exemplo, e afirma ir também ele pregar aos peixes. Santo António quis pregar aos homens de Arimino, mas como estes não o quiseram ouvir, foi pregar aos peixes. Não desistiu da doutrina, mas mudou de auditório, e os peixes vieram ouvi-lo. Tal como aconteceu a Santo António, o Padre António Vieira

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pregava a sua doutrina numa terra corrompida pelos vícios, a um auditório que não o ouvia e que estava contra ele (lembremos as circunstâncias em que este sermão foi pregado) e então resolve proceder como o Santo e pregar aos peixes. 8. Quanto ao estilo, predominam as frases curtas, maioritariamente usadas ao longo do primeiro capítulo, que imprimem um ritmo ao mesmo tempo rápido e cadenciado que, combinado com as muitas interrogações retóricas, conduz a uma entoação viva e apelativa.

Capítulo II

1. Todo o primeiro parágrafo é irónico, pois tudo o que é dito significa o seu contrário. O pregador diz que nunca teve pior auditório do que os peixes, mas considerando que está, de facto, a dirigir-se aos homens (colonos do Maranhão), esta afirmação ganha um sentido contrário e, por isso irónico -nunca teve pior auditório do que aqueles homens. Depois diz que os peixes nunca se hão-de converter, o que é verdade, mas é para dizer que a esse desgosto já ele está acostumado, ou seja, são os homens que não se convertem. Finalmente, ainda com ironia, promete aos peixes que o sermão será menos triste do que os que faz aos homens. Ora aquele é um sermão para os homens. É um jogo irónico de troca homens/peixes, peixes/homens.

2. O sal preserva o que é são, e impede que se corrompa. Por analogia com as duas propriedades do sal, a pregação de Santo António, que é o "sal da terra", tem duas propriedades: louvar o bem e repreender o mal. Tal como Santo António louva o bem e repreende o mal, o Padre António Vieira vai louvar o bem que os peixes fazem -as virtudes -e repreender o mal que também fazem -os vícios. Assim, no que diz respeito à estrutura, o sermão será dividido em duas partes, a primeira contendo os louvores das virtudes, a segunda as repreensões dos vícios ( e cada parte, por sua vez, em duas: em geral; em particular).

Este é o exemplo de uma das funções do sermão: ensinar, instruir (docere). As outras são deleitar, agradar ( delectare) e comover, persuadir (movere).

3. As qualidades apontadas aos peixes dignas de louvor são várias: foram as primeiras criaturas a ser criadas por Deus; as criaturas mais numerosas e as maiores; são bons ouvintes e obedientes; são melhores que os homens; não se domam nem domesticam (vivem livres e puros longe dos homens).

4. Mas os louvores aos peixes são as criticas aos homens. Assim, os homens são acusados de: se deixarem levar pelas vaidades; de serem piores do que os peixes (como exemplo, o caso de Santo António e o de

Jonas); sendo inteligentes, actuarem irracionalmente como feras; corromperem quem viver perto deles. ,

5. Para exemplificar as suas afirmações, realça a lenda de Santo António e os Peixes, o episódio bíblico de Jonas ou o do Dilúvio. Citação: "Assim o diz o grande doutor da Igreja S. Basílio: «Não só há que notar, diz o santo, e que repreender nos peixes, senão também que imitar e louvar.»

Capítulo III

1. Neste capítulo III, dedicado aos louvores particulares de alguns peixes, a propósito do exemplo do peixe de Tobias, cujas entranhas curavam a cegueira, o orador regressa ao exemplo de Santo António que, segundo ele, tinha também qualidades curativas para a cegueira do pecado. Mas os pecadores não o entenderam e atacaram-no. Do mesmo modo, Vieira prega aos moradores do Maranhão, e invectiva-os a verem as suas entranhas (porque elas curam a cegueira do pecado).

2. Padre António Vieira exemplifica com:✞ O peixe de Tobias possui umas entranhas que curam a cegueira e um coração que expulsa os demónios.Simboliza o poder purificador da palavra de Deus.✞ A rémora é um pequeno peixe que, quando se agarra ao leme dos navios, tem força para impedir que ele navegue à sua vontade, tornando-se, então, ela mesma o guia do navio.Simboliza o poder que a palavra do pregador tem de ser guia das almas.

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✞ O torpedo é um peixe que produz descargas eléctricas que fazem tremer o braço do pescador que o pesca.Simboliza o poder que a palavra de Deus tem de fazer tremer os pecadores que pescam na terra tudo quanto apanham.✞ O quatro-olhos é um peixe que anda à superfície das águas e tem a particularidade de ter um par de olhos que lhe permite ver para cima e proteger-se das aves e outro par que lhe permite ver para baixo para proteger-se dos peixes maiores.Simboliza o dever que os cristãos têm de afastar os olhos da vaidade terrena, olhando para o Céu, sem esquecer o Inferno.

3. São inúmeros os recursos estilísticos que Vieira utiliza na sua elaboradíssima prosa barroca. Algunsexemplos de utilização de:✍ comparação -"se a este peixe o vestiram de burel e o ataram com uma corda, parecia um retrato marítimo de Santo António".✍ metáfora -"o peixe abriu a boca contra quem se lavava, e Santo António abria a sua contra osque se não queriam lavar."✍ antítese -"ou para de cima, olhando direitamente só para o Céu, ou para de baixo, olhando direitamente só para o Inferno"✍ anáfora- "Quantos... Quantas... Quantos"✍ interrogação retórica -"Um peixe de tão bom coração e de tão proveitoso fel, quem o não louvarámuito?"

4. No último parágrafo do capítulo III, o orador apela aos peixes no sentido de crescerem e se multiplicarem, pois é uma das suas características, porque são o sustento dos pobres. Como em muitos outros momentos do sermão, Vieira coloca-se inequivocamente ao lado dos pobres. É esta também uma das razões por que Vieira foi perseguido e considerado personna non grata pelos colonos.

Capítulo IV

1. Repreender os vícios tem como objectivo a correcção dos mesmos vícios. Mas ainda que, no caso presente, apontar os vícios possa não servir de emenda, pode, pelo menos provocar a confusão, ou seja, a reflexão. Através das repreensões aos vícios dos peixes, vão apontar-se os vícios dos homens.

2. Nos dez primeiros parágrafos, que constituem o ponto alto deste sermão, aponta-se o terrível defeito que os peixes, alegoria que remete para os homens, têm de se comerem uns aos outros (ictiofagia) ou seja, de se explorarem uns aos outros.

Os grandes comem os pequenos; Andam sempre à procura de como se hão-de comer; Comem-se os mortos (comem-no, entre outros, os herdeiros, os testamenteiros, os credores, o

médico, a mulher, o coveiro, o padre; Comem-se os vivos (por ex., a um réu comem-no, entre outros, o carcereiro, o inquiridor, a

testemunha, o juiz.3. Desde o início do sermão que o pregador vem lembrando que está a pregar aos peixes e lhes

aponta os seus vícios e as suas virtudes. Agora, ao falar-lhes, precisamente dos vícios, aponta-lhes como exemplo os vícios dos homens. Ora, considerando a alegoria do sermão -os peixes são a representação dos homens que o Padre António Vieira utiliza para indirectamente os poder criticar -é muito interessante esta forma muito hábil de finalmente falar directamente aos homens dos seus vícios, através da inversão peixes/homens.

4. Depois de apresentar, a sua tese de antropofagia social- o grande vício dos peixes/homens de se comerem uns aos outros -o orador constrói toda uma argumentação assente no desdobramento desse vício em exemplos e na amplificando desse mesmo vício. No final, aponta a ignorância e a cegueira, mostrando que a vaidade leva os homens a, cegamente, irem atrás de dois pedaços de pano e nisso gastarem toda a sua vida. Mostra-lhes que tal entrega não passa de uma loucura com que é preciso acabar, apontando o exemplo de Santo António, o jovem nobre que deixou "as galas do mundo", trocando-as pela "sarja e o burel".

5. Relativamente ao estilo, podem realçar-se alguns exemplos de recursos expressivos:✍ anáfora- "Comem-no...comem-no... comem-no... " ;✍ simetria - homem / réu .

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✍ gradação, enumeração, visualismo, jogo de palavras final - "come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra."✍ antítese -" não só de dia, senão também de noite, às claras e às escuras."✍ personificação -"Representa-se-me que com o movimento das cabeças estais todos dizendo quenão, e com olhardes uns para os outros, vos estais admirando e pasmando de que entre oshomens haja tal injustiça e maldade!"✍ interrogação retórica -Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? .

Capítulo V

1. Continua a apresentação dos peixes e das suas características: O roncador (peixe que ronca), representa o arrogante, aquele que se auto-elogia, exibindo a

sua soberba. São os poderosos e os que se julgam sábios que se atrevem a comparar-se com Deus.

O pegador (peixe pequeno que se pega aos costados de um peixe grande) é o parasita, o oportunista, representado pelo aquele que se atrela aos poderosos para colher alguns benefícios.

O voador (um peixe que voa) é o ambicioso, representado por aquele que quer ir além da natural condição que Deus lhe deu, como Ícaro.2. O orador assume uma atitude muito crítica em relação a todos eles. Aos roncadores, que lhe

provocam simultaneamente o riso e a ira, aconselha a medirem-se e verem corno são ridículos e sem fundamento a sua arrogância. Aconselha-os depois a calar e imitar Santo António Aos pegadores aconselha a não se colarem aos grandes, pois quando um desses grandes morre, arrasta consigo todos os pegadores. Quer dizer que cada homem deve procurar o seu caminho e os oportunistas que vivem de se pegar aos poderosos acabam por ser arrastados quando esses poderosos caem em desgraça. Aos voadores aconselha também a imitarem Santo António e a não quererem ser mais do que são.

3. O Polvo assume papel de destaque. Parece um monge, uma estrela, a própria brandura e mansidão e, por isso, aparenta santidade, beleza e bondade. Na sua verdadeira essência, o polvo é um traidor, o maior traidor do mar, porque se esconde, mudando de cor, para, com malícia e mentira, atacar as suas vítimas. A completa desconformidade entre aquilo que o polvo mostra ser e aquilo que é verdadeiramente faz com que os outros sejam enganados. Então o polvo, apanhando-os desprevenidos, ataca-os em segurança.

4. Exemplos de recursos expressivos presentes no excerto relativo ao polvo:✍ metáfora e anáforas- "O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão"✍ simetria -" As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício"✍ interrogação retórica -"E daqui que sucede?"✍ comparação -"O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge"✍ metáfora -"o polvo dos próprios braços faz as cordas"✍ antítese -"traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras."✍ personificação -"E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, (...) o dito polvo é o maior traidor do mar".

Capítulo VI

1. No primeiro parágrafo deste capítulo, o orador, começando por referir o facto de os peixes serem animais excluídos do sacrifício ritual porque aí só podem ser sacrificados animais vivos e os peixes chegariam mortos ao altar, passa à comparação com os homens, afirmando que, como os peixes, chegam ao altar mortos, ou seja, em pecado mortal. É uma forte crítica aos cristãos, a quem acusa de desrespeitar Deus.

No segundo parágrafo, o orador passa à autocrítica, afirmando que melhor fora ser como os peixes e não

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tomar Deus nas suas mãos, no altar, porque não consegue cumprir verdadeiramente a sua missão de pregador.

2. O pregador, tomando os peixes como exemplo, afirma que a condição irracional dos peixes é preferível à sua racionalidade, pois os peixes não ofendem a Deus com palavras, nem com a memória, nem com o entendimento, nem com a vontade. E enquanto os peixes cumprem o destino que Deus lhes reservou que é servir o homem, ele, pregador, não cumpre a missão que Deus lhe confiou que é servir a Deus.

3. No final do sermão, o orador apela ao louvor a Deus ("Louvai, peixes, a Deus, os grandes e os pequenos") e fá-lo manifestando emoção, de modo a despertar igual emoção. Para isso, utiliza uma construção anafórica (Louvai // Louvai) que imprime uma cadência exortativa, já preparada nos dois primeiros parágrafos pelas interjeições exclamativas Oh, Ah e pelas interrogações retóricas ("que rosto hei-de aparecer diante do seu divino acatamento, se não cesso de o ofender?").

Conclusão: De facto, o Pe. António Vieira leva a cabo o seu objectivo de criticar o modo de vida dos colonos do Maranhão, pondo em prática a alegoria dos peixes. E, com a sua habilidade retórica, consegue criticar os homens, quer quando critica, quer quando louva os peixes. Assim, no capítulo II, que é dedicado ao elogio dos peixes, por antítese, acusa os homens .de se deixarem levar pelas vaidades, de actuarem irracional e raivosamente como as feras, apesar da inteligência que Deus lhes deu, .de corromperem os seres que com eles vivam em sociedade. No capítulo IV, dedicado à repreensão dos vícios dos peixes, por comparação, mostra como os homens se comem/exploram uns aos outros, sobretudo como os grandes comem os pequenos. Do mesmo modo, no capítulo V, acusa-os de ignorância e cegueira, de arrogância, vaidade, oportunismo, ambição e soberba, hipocrisia e traição.

Apesar de ser uma peça de oratória religiosa, o "Sermão de Santo António aos Peixes" é, verdadeiramente, um texto de crítica satírica, que recorre aos mais comuns processos da sátira. Em primeiro lugar, a ironia que Vieira usa, subtilmente, como toda a boa ironia, sobretudo abrigando - se por detrás da ambiguidade crítica aos peixes/crítica aos homens. É o caso do início do capítulo II. Mas é sobretudo no recurso aos tipos como figuração dos defeitos mais criticáveis no ser humano e observáveis na sociedade que Vieira quer atingir que a dimensão satírica do texto melhor se revela. No capítulo V, ao apontar os defeitos particulares, constrói uma interessante galeria de tipos representativos dos defeitos intemporais do ser humano: o arrogante, o oportunista, o ambicioso, o hipócrita. Na criação desses tipos, como noutras passagens do sermão, Vieira recorre também à caricatura de figuras e de situações, pelo exagero dos traços (caricatura). É o caso, por exemplo, da passagem no capítulo IV em que, mostrando como os homens se comem uns aos outros, escreve "come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu aterra, e já o tem comido toda a terra" .

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