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  • Biblioteca Digital da Cmara dos Deputados

    Centro de Documentao e Informao

    Coordenao de Biblioteca

    http://bd.camara.gov.br

    "Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.

  • CMARA DOS DEPUTADOSCENTRO DE FORMAO TREINAMENTO E APERFEIOAMENTO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    Denis Urazato Pereira

    FINANCIAMENTO PBLICODE

    CAMPANHA ELEITORALE

    REPRESENTAO POLTICA

    Braslia - DF2008

  • DENIS URAZATO PEREIRA

    FINANCIAMENTO PBLICODE

    CAMPANHA ELEITORALE

    REPRESENTAO POLTICA

    Monografia apresentada para aprovao no curso deEspecializao em Instituies e Processos Polticosdo Legislativo.

    Orientador: Prof. M.A. Joo Carlos Medeiros deArago.

    Braslia DF2008

  • Pereira, Denis Urazato. Financiamento pblico de campanha eleitoral e representao poltica [manuscrito] /Denis Urazato Pereira. -- 2008.

    80 f.

    Orientador: Joo Carlos Medeiros de Arago. Impresso por computador. Monografia (especializao) -- Centro de Formao, Treinamento e Aperfeioamento(Cefor), da Cmara dos Deputados, Curso de Especializao em Instituies e ProcessosPolticos do Legislativo, 2008.

    1. Campanha eleitoral, financiamento, Brasil. 2. Representao poltica, Brasil. I.Ttulo.

    CDU 324(81)

    Autorizao

    Autorizo a divulgao do texto completo no stio da Cmara dos Deputados e areproduo total ou parcial, exclusivamente, para fins acadmicos e cientficos.

    Assinatura: ______________________________

    Data:

  • FINANCIAMENTO PBLICODE

    CAMPANHA ELEITORALE

    REPRESENTAO POLTICA

    Monografia Curso de Especializao em Instituiese Processos Polticos do Legislativo 1 Semestre de2008.

    Denis Urazato Pereira

    Banca Examinadora:

    ________________________________________

    Joo Carlos Medeiros de Arago

    ________________________________________

    Raquel Torres Cordeiro

    Braslia-DF, 15 de fevereiro de 2008.

  • ...

    Hoje eu seiQue quem me deu a idia

    De uma nova conscincia e juventudeT em casa

    Guardado por DeusContando vil metal

    ...

    Msica Popular BrasileiraComo nossos pais

    Antonio Carlos Belchior

  • AGRADECIMENTOS:

    O curso enriqueceu de forma significativa o meu entendimento da sociedadebrasileira, em especial no aspecto poltico, certamente alargando meu horizonte deconhecimentos. Por isso, expresso minha gratido ao Cefor, aos colegas de servio e Cmara dos Deputados, pela oportunidade de tomar contato com essa realidade.

    minha famlia, pelas horas de ausncia que dediquei aos estudos.Ao Joo Carlos, orientador, e Raquel, examinadora, pela preciosa colaborao

    para a realizao da monografia.

    Finalmente, ao CEDI e ao professor Casimiro, pela gentil cesso dos exemplareshistricos das composies das bancadas na Cmara dos Deputados, que possibilitou umensaio emprico de suporte ao texto.

  • RESUMO

    A desigualdade entre a concepo de democracia e a realidade dos sistemas de governoditos democrticos manifesta-se na relao da representao poltica e suas fontes definanciamento. Tradicionalmente, a atividade poltica tem sido suprida pelo capitalprivado, porm essa relao pode conduzir ao poder mandatrios que, apesar de eleitospara representar o povo, defendam prioritariamente interesses dos grupos econmicos quelhes deram apoio. Nas ltimas dcadas, em funo dos anseios de participao doscidados, o financiamento pblico surgiu como alternativa para dar sustentao monetrias parcelas da comunidade sem acesso a recursos para custear a competio eleitoral. Aopo pela verba pblica certamente um desembolso do Errio, ainda que com o intuitode aprimorar a representao poltica da sociedade, significando que outras necessidadesdeixaro de ser atendidas. A adoo de um sistema misto pode minimizar o montante dodispndio pblico, ao mesmo tempo em que no impede a transparncia do investimentoprivado na busca de poder. Entretanto, viabilizar financeiramente candidaturas no sinnimo de eleger minorias monetrias. A mudana das regras de financiamento podeinfluir na composio dos candidatos, e mesmo das bancas parlamentares, porm suanatureza e profundidade somente podero ser avaliadas pela experincia emprica daseleies.

    Palavras chave: representao poltica, poder econmico, poder poltico, financiamentopblico, financiamento eleitoral, fundo partidrio, horrio eleitoral gratuito, projeto de lei2.679/2003.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Evoluo do Fundo Partidrio em valores no sculo XXI 39

    Tabela 2: Simulao projeto de lei 2679/03 45Tabela 3: Resumo argumentos contrrios e favorveis ao PL 2679/03 45

    Tabela 4: Distribuio bancada Legislatura 1945-1963 52

    Tabela 5: Distribuio bancada Legislatura 1963-1967 53

    Tabela 6: Distribuio bancada Legislatura 1971-1975 53

    Tabela 7: Distribuio bancada Constituinte 1988 54

    Tabela 8: Resumo da composio das bancadas 55

  • SUMRIO:

    Introduo 8

    1 Representao Poltica

    1.1 Os primrdios democrticos 9

    1.2 Representao poltica 11

    1.3 Democracia e representao 12

    1.4 Participao popular 14

    1.5 O cidado e a participao 16

    1.6 A barreira financeira 19

    2 A Economia e a poltica

    2.1 O Estado e o desenvolvimento econmico 22

    2.2 O Capital 28

    3 O financiamento de atividades polticas

    3.1 Origens do financiamento 32

    3.2 A questo da corrupo 34

    3.3 Experincia internacional 36

    3.4 Financiamento de campanhas eleitorais no Brasil 39

    3.5 Propostas de reforma 41

    4 Financiamento e Representao

    4.1 Origens do financiamento e a representao 47

    4.2 Uma avaliao emprica 50

    Concluso 56

    Referncias 58

    ANEXO A Extrato da Lei 9.504/97 62

    ANEXO B Projeto de Lei 2.679/2003. 67

  • Introduo:

    A concepo de democracia implica considerar duas variveis: o governo detodos no sentido etimolgico legado pelos gregos, e um sistema de escolha de governantesvia eleies. A participao direta da antiga Grcia impraticvel na sociedade em quevivemos, prevalecendo o sistema representativo, no qual um grupo de cidados escolhidopara tomar as decises coletivas. A eleio um dos pilares do sistema democrtico, e abusca do voto individual impe aos candidatos uma constante luta pela ateno doscidados.

    Um dos aspectos dessa luta o financiamento de campanhas eleitorais, ao mesmotempo uma barreira financeira aos candidatos e um compromisso dos eleitos para com osfinanciadores, podendo significar um desvirtuamento do sistema representativo. Noapenas as campanhas eleitorais demandam recursos, como tambm nos perodos entreeleies ocorrem atividades polticas importantes para o fortalecimento da democracia.Historicamente, o capital privado tem fornecido fundos para a poltica, mas o advento dacontribuio pblica no cenrio poltico busca fortalecer a instituio democrtica, abrindopossibilidade para trs formas de financiamento: exclusivamente privado, exclusivamentepblico e o misto, combinando as duas formas.

    Os grupos capitalistas organizados investem na poltica para obter vantagensfuturas e colocar o poder econmico em posio superior em relao ao poder poltico,instituindo um mecanismo de perpetuao da elite no poder. O desembolso nico do Erriopode dar mais visibilidade s minorias, mas no vai impedir a ao do capital de terceiros,ainda que por vias ilegais. O sistema misto, ainda que no elimine os aspectos negativos decada um, pode conjugar os aspectos positivos de ambos. Cada proposta tem reflexos narepresentao poltica, cujo alcance e profundidade sero revelados com certeza pelosresultados das eleies realizadas sob os auspcios de cada fonte de financiamento.

    objetivo deste trabalho avaliar esses reflexos, buscando identificar ascaractersticas e conseqncias de cada sistema de financiamento, partindo dos conceitostericos de democracia e representao poltica, passando pelo relacionamento entre ocapital e o Estado. Ao final, busca-se uma comprovao emprica a partir de dadosestatsticos para suportar as concluses.

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  • 1 Representao Poltica

    1.1 Os primrdios democrticos

    Democracia pode ser traduzida como o governo do povo ou o governo de muitos.O conceito tem origem no sistema poltico da cidade-estado de Atenas implantado porvolta de 500 a.C., conforme registrou Aristteles. Fundamentava-se na participao pessoaldireta dos atenienses nas decises coletivas da Eclsia assemblia soberana composta portodos os cidados e no preenchimento da quase totalidade dos cargos de governo eadministrao pela via do sorteio. A democracia grega permanece como um ideal a seratingido, pois foi marcada por uma ntima relao entre participao universal e poder,ainda que parcelas da sociedade como escravos, mulheres e crianas no tivessemdireito a voto. A Grcia antiga no resistiu aos regimes absolutistas que dominavam ocenrio poltico poca, organizados em torno dos prncipes que personificavam governo eestado, e terminou por ser derrotada pelo conquistador macednio (ARBLASTER, 2004, p.27).

    Alguns sculos mais tarde, na Itlia renascentista, Maquiavel estuda a natureza dopoder, e afirma que um indivduo poderia atingi-lo por sua capacidade ou pela fora, mas aestabilidade de sua permanncia dependeria da habilidade, do desempenho na poltica, que influenciada por duas variveis: a virtu, entendida como a capacidade intrnseca docandidato, e a fortuna, que o acaso, o destino, o curso da histria. O prncipe deveriamanter a amizade do povo que o levou ao comando, sem dispensar a crueldade quandonecessrio. O mandatrio assume uma funo coletiva e a sua atuao diz respeito aointeresse comum, coletividade que lhe submissa (apud RODRIGUES, 1986, p.44).Maquiavel preocupou-se com a conduta do governante, despersonalizando o prncipe eregistrando com realismo a concentrao de poder.

    Durante a supremacia da monarquia, Hobbes idealiza um Estado abstrato comouma soluo evolutiva para o quadro social. O homem, desde sua existncia no estado denatureza, vivia em um mundo caracterizado pela igualdade de expectativa entre osindivduos, a escassez de recursos e o direito sobre tudo. Essas condies seriam as basesde uma impiedosa concorrncia fratricida entre os primitivos, sujeitos a qualquer momentoa perder tudo ante um terceiro mais forte ou mais astuto. Tais condies so agravadas peladominao das paixes sobre os seres humanos, destacando-se a vaidade e conseqentebusca de supremacia sobre os demais. O desejo de poder cada vez maior, e s cessa pela

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  • morte, numa situao permanente de guerra. Para restabelecer a paz entre os homens, asociedade acorda em renunciar a seu interesse individual e ced-lo a um Estado forte osuficiente para impedir que um elemento exera sua fora em detrimento do outro. Asidias de Hobbes lanaram as bases da submisso individual a uma estrutura abstrata, cujodever era a todos proteger e dar garantias mnimas de vida (BOBBIO, 1991, pp. 23 a 41).

    Mas o poder absoluto no pode pertencer a um nico ente, ainda que abstrato,pois exercido por homens, e esses se inclinam ao abuso. Montesquieu, que viveu naFrana sob a monarquia, condena o despotismo de um s dos regimes absolutistas como ogoverno que tem no medo sua mola propulsora individual, enquanto na monarquia seria ahonra; j a repblica seria impulsionada pela virtude. Ao contrrio da concentrao,idealiza a diviso de poderes em executivo, legislativo e judicirio com funes de Estadoseparadas. A unio de um dos poderes a qualquer outro cercearia a liberdade dos homens, ea diviso traria o equilbrio necessrio. Para Montesquieu o estado deve ser tripartido parabalancear o poder, mas a democracia existe quando, em uma repblica, o povo inteirodispe do poder supremo; se esse de domnio de apenas parte do povo, tem-se umaaristocracia (apud BOBBIO, 1997. p. 134).

    Entretanto, os cidados que constituem a totalidade do povo contam centenas demilhares ou milhes, dependendo do pas, e no podem todos reunir-se em assemblia etomar decises. Para Rousseau, a democracia verdadeira nunca existiu e nem existir,dadas as particularidades que demanda: um Estado pequeno, simplicidade de costumes queimpea qualquer complexidade de problemas e uma igualdade de condies e fortunas(apud BOBBIO 1984, p. 41). A participao de todos os cidados no universo das decisescoletivas, chamada de democracia direta, algo materialmente impossvel, dado o elevadonmero de pessoas aptas a participar do processo e a complexidade dos problemas dasociedade industrial (BOBBIO. 1984. p. 42).

    Locke afirma o poder baseado na sociedade, que o delega a um grupo de homenspara deliberao em prol da coletividade. Esse grupo de homens uma espcie de PoderLegislativo ou Poder Soberano seria indicado pelo povo, e teria a funo de fazer as leis.O poder legislativo, como representante da populao, tambm estaria sujeito s leis,denotando que a soberania pertencia somente ao povo. Rousseau entende os legisladorescomo homens acima da mdia, guias que tm a funo de estabelecer as leis que sejam asmelhores para a sociedade. A soberania indivisvel e vem da sociedade, que a delega para

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  • homens de maior sabedoria para fazer as leis e faz-las cumprir (apud CARVALHO. 2003.p. 264).

    1.2 Representao poltica

    As idias de Locke e Rousseau compem a essncia da representao poltica, naqual a comunidade escolhe representantes por meio de eleies para a tarefa de tomardecises coletivas, e pode ser organizada de vrias formas. Numa modalidade, o eleito novota de modo individual, mas computa a favor deste ou aquele assunto o nmero de votosque obteve; em outra, dispe-se mais de um escolhido por grupo ou regio, sendo essesdistribudos em proporo aproximada da opinio dos eleitores respectivos.Independentemente do arranjo, a democracia na forma representativa o melhor sistemacriado no contexto de grandes sociedades, onde o direito de voto abrange grande nmerode pessoas disseminadas de modo a tornar impossvel a reunio em um s local(ARBLASTER. 2004. p. 114).

    O conceito torna-se complexo em funo de que a prtica no se molda pelo idealesperado. O voto serve de base aos sistemas polticos contemporneos sobretudo a partirdo sculo XIX, quando o constitucionalismo generalizou-se no mundo ocidental.Inicialmente restrito ou censitrio, pois negava o direito a parcelas da sociedade (comoanalfabetos, mulheres e a pessoas sem posses), gradualmente tornou-se universal. NaFrana, em 1847, havia no mais que 200 mil eleitores inscritos; a concesso do direito aoshomens elevou o nmero a 8 milhes, e no prximo ano j eram 10 milhes (NOGUEIRA.2002. p. 159). Pitkin (1967, apud MIGUEL. 2003. p. 131) chega a uma tipologia derepresentao, destacando duas correntes principais: a viso descritiva, onde o corpo derepresentantes deve formar um microcosmo da sociedade, reproduzindo, nas proporesadequadas, suas caractersticas principais; e a viso formalista, que v na eleio umaautorizao que os cidados conferem a alguns para que ajam em seu lugar, com arespectiva prestao de contas de suas atos.

    A questo da necessria universalidade de opinies a considerar e o enormenmero de cidados aptos a emiti-las foi resolvida de forma aparente pelo instituto darepresentao, que confere a todos uma parcela de ingerncia, ainda que reduzida. A regrade eleio para escolha dos mandatrios constitui um canal de manifestao mas podetambm cerce-la. Para Rousseau, a soberania no pode ser representada; os cidadossomente so livres durante as eleies; uma vez encerrado o pleito, voltam a ser escravos

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  • dos eleitos, no so mais nada (apud BOBBIO, 1986. p. 41). Para Max Weber (apudVALENTE. 2006. p. 41) a participao popular limitava-se escolha de lideranaspolticas pelas massas pela via da eleio peridica, sem ultrapassar esse limite. Apopulao seria incapaz de contribuir para a gesto governamental; a vontade do povo noexistiria a no ser como mera fico. Weber vislumbra o Estado abstrato, que impe suapresena de forma poderosa e por vezes violenta, detendo o monoplio da coerolegalmente permitida (WEBER, 2006, p. 60).

    Espera-se que o representante v fazer escolhas que reflitam a opinio dos seuseleitores. No entanto, o que se verifica uma falsa esperana, pois um dos princpios maisdesconsiderados o da representao poltica, vencido que foi pela fora dos interessespolticos ou econmicos. A impresso emprica a de que o cidado escolhido, via deregra, encontra-se vinculado a interesses particulares de um grupo ou de gruposorganizados, desempenhando, na prtica, um mandato imperativo. Em outras palavras, oeleito no tem a liberdade de defender os interesses do Estado e da Nao, antes deveatentar para as necessidades dos pequenos (em nmero) grupos privados vinculados a ele(BOBBIO. 1986. p. 24).

    1.3 Democracia e Representao

    Apesar das crticas, a representao consenso dentre os regimes no autoritriosde tal forma que se confunde com o prprio conceito democrtico. A concepo dedemocracia implica considerar duas variveis: o governo de todos no sentido etimolgicolegado pelos gregos, e um sistema de escolha de governantes via eleies, cuja realizaolivre e peridica um indicador de democratizao de regimes polticos (MIGUEL. 2002.p. 483). A democracia atribui a um elevado nmero de cidados o direito participaonas decises por meio de regras de procedimento (eleies) para apontar representantesque devem efetivamente constituir alternativas reais (BOBBIO. 1986. p. 20). O sufrgioeleitoral visto tanto como um ato de autorizao aos representantes para tomar decisesquanto um momento para os representados apresentarem um veredicto sobre a prestao decontas daqueles anteriormente ungidos nas urnas (MIGUEL. 2003. p. 131).

    Consagrada a representao, sua implantao prtica demanda uma metodologiade seleo do representante pelo voto nas eleies peridicas, uma srie de regras queconjuntamente formam o sistema eleitoral de cada pas. A construo dessas regras umprocesso histrico, mas a composio dos eleitos resultante da aplicao do sistema pode

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  • no expressar a vontade da totalidade dos indivduos. A sociedade no pode serrepresentada apenas pela opinio da maioria, ou mesmo pela maior das minorias, sendonecessria uma frmula que expresse a proporo das opinies dentro do grande grupo(ARBLASTER. 2004. p.113).

    No caso brasileiro, a Constituio Federal de 1988 estabelece o sistemaproporcional para eleio dos Deputados Federais e Estaduais, e o sistema majoritrio paraPresidente da Repblica, dos Senadores e dos Governadores dos Estados. Para o caso dosDeputados Federais, o Cdigo Eleitoral em vigor (artigos 106 a 111) detalha a forma dedistribuio dos assentos que cabem a cada estado federado, elegendo os que obtiveremmaior nmero de votos dentro daquele estado. Aplica-se uma frmula matemtica,envolvendo quocientes partidrio e eleitoral, e admite-se a transferncia de votos doscandidatos que superarem o patamar mnimo de aclamaes para outros do mesmo partidoou coligao. O processo complexo e no deixa claro ao eleitor se o seu voto elegeu opreferido ou outro. O brasileiro, ao votar em determinado candidato nas eleiesproporcionais, empresta Justia Eleitoral o voto para que, independente da eleio ou nodo preferido, ocorra a transferncia para outro candidato do mesmo partido ou coligaoque esteja mais prximo de obter vitria (BRIGO. 2002. p. 178).

    Para Sartori (1994, apud NOGUEIRA. 2002. p. 31), o eleitor vota simples eingenuamente no notvel local, e resta ao partido poltico pouca ou nenhuma importncia,impedindo que os partidos sejam fortes e articulados, com reflexos na atuao doparlamento e em sua relao com a sociedade. Os partidos so, em verdade, refns doscaciques locais, abrindo espao para as legendas de aluguel e para os chamados partidosnanicos, sem representatividade, formados com base no interesse dos chefes partidrios. Oimpacto das normas que compem o sistema eleitoral brasileiro sobre os partidos polticose a relao dos parlamentares com as bases eleitorais ainda incerto, fruto degeneralizaes de estudos de caso (NICOLAU. 2006. p. 689). Em anos recentes, a escolhada representao poltica na Cmara dos Deputados mobilizou menos de 50% dos eleitoresaptos; em 1994, apenas 16 dos 513 deputados conseguiram ultrapassar a barreira doquociente eleitoral, significando que a maioria elegeu-se pelo mecanismo de transfernciade votos (NOGUEIRA. 2002. p. 161).

    Mas o voto, por si s, no assegura a existncia de democracia, que no pode sebasear somente na renovao peridica de mandatos. No apenas os procedimentos de

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  • investidura no poder devem ser abrangentes e legtimos, mas tambm o exerccio do podernecessita ser amplo e participativo. Isso no implica necessariamente em tomar decises,mas sim a manifestao em algum ponto do processo de deciso, ativa ou passivamente(NOGUEIRA. 2002. p. 158). No se pode aceitar que o processo poltico limite-se seleies, e tampouco que os eleitos possuam o monoplio do poder, pois existem outrasformas de participao. O governo no toma decises sem cercar-se de informaes sobreo que deseja, em ltima instncia, o eleitor, de modo que a capacidade de afetar as decisesest na sociedade de modo uniforme e imparcial (ARBLASTER. 2004. p. 105).

    1.4 Participao popular

    Contornando a representao e suas deficincias, a participao popular noexerccio do poder deixou de ser uma aspirao ou sonho nas mentes dos filsofos epassou a tomar parte da agenda poltica por meio da efetiva ao das massas populares. Avoz dos povos se fez ouvir, mesmo que no incio os prncipes passassem por surdos; osexrcitos em ltima anlise so oriundos da maioria e partilham suas inclinaes e pontosde vista; a torrente popular venceu a resistncia real e os sditos tornaram-se livres(NOGUEIRA. 2002. p. 23). A Revoluo Francesa, o nascimento do Parlamento Ingls, osconflitos pela independncia nas Amricas, os movimentos para libertao de escravos emais tarde a Revoluo Russa tiveram como um de seus pilares a insatisfao de parcelasda sociedade que resultaram em aes revolucionrias, apontando para a possibilidade dopovo reclamar direitos polticos e participao, ainda que pela fora (ARBLASTER. 2004.p. 55).

    A revolta popular foi dirigida contra os prncipes governantes, que detinham opoder por geraes. Mas isso no significou a ascenso das massas; conforme propostopela teoria das elites, de Mosca, Pareto e Michels, o poder real sempre esteve e continuanas mos de uma elite. Gaetano Mosca assevera que toda sociedade necessita de uma eliteno poder, formada pela minoria que consegue organizar-se enquanto a maioria permaneceamorfa. Vilfredo Pareto distingue os indivduos em classes de acordo com suas aptidesnaturais, destacando-se em cada aspecto, inclusive no trato dos interesses do Estado, umgrupo de indivduos. Robert Michels vai alm defendendo que a democracia depende deorganizaes partidrias e a prpria organizao de populares em partidos polticos acabagerando uma nova oligarquia. Dessa forma, mesmo que o povo lograsse algum arranjo de

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  • organizao para disputar o poder, os integrantes dessa organizao deixariam de ser povoe passariam categoria de elite (apud MIGUEL. 2002. pp. 492-500).

    No sculo XX, alguns tericos, confrontados com os movimentos populares queapoiaram regimes ditatoriais como o nazismo e o fascismo, propuseram uma reformulaoao sistema poltico numa tentativa de assegurar a estabilidade do sistema. Schumpeter(1943, apud PATEMAN. 1992. p.12) reduziu a democracia a um mtodo eleitoral quepermitisse massa de eleitores escolher dentre os lderes oferecidos pelas diversas facesda elite. O ponto central a competio das elites pelo voto consagrador do povo, cujasformas de participao seriam o voto peridico e a discusso, sendo-lhes negada qualquerforma de controle ou acesso aos lderes a no ser a substituio pela eleio peridica deoutros. C. W. Mills (1956, apud MIGUEL. 2003. p. 126), em anlise da histria polticados Estados Unidos, concluiu que apesar da fachada democrtica e da alegada obedincia vontade popular, ocorre o domnio de uma minoria, que monopoliza todas as deciseschave. R. Dahl (1956, apud MIGUEL. 2003. p. 128) preconiza que o sistema mais prximodo ideal democrtico a poliarquia, caracterizada pela multiplicidade de plos de poder,correspondendo cada um a uma minoria, sem que nenhum consiga impor sua dominao atodos os demais integrantes da sociedade.

    A corrente elitista de Schumpeter e os pluralistas de Dahl reduzem o exerccio dopoder tomada de decises sobre questes controversas. Mas outra forma de intervenonesse processo influenciar a determinao dos temas que sero submetidos avaliaopara a tomada de deciso, ou o controle da agenda poltica, da qual a excluso de umassunto resulta num cerceamento do processo decisrio. Uma terceira faceta a capacidadede fazer com que grupos e indivduos tivessem desejos contrrios a seus verdadeirosinteresses, ou a imposio de uma ideologia por parte de alguns agentes sobre a produode vontades de outros (MIGUEL. 2003. p. 129).

    Destarte, o voto, ltima e mais importante criao da poltica embora j contemais de duzentos anos, ocupa indispensvel funo no sistema poltico democrtico.Apesar de seus defeitos e percalos, a representao est presente em todas as slidasdemocracias, demonstrando que fora do voto no h salvao (NOGUEIRA. 2002. p. 164).O ideal que um modelo representativo inclusivo contemple as questes ligadas formao da agenda, ao acesso aos meios de comunicao de massa e s esferas deproduo de interesses coletivos. Uma teoria ampliada da representao poltica considera

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  • dois fundamentos formais: o aprofundamento do pluralismo poltico, contemplando a plenaconstituio dos interesses dos grupos, e o reconhecimento do valor da autonomia,valorizando a produo de regras sociais por aqueles que estaro submetidos a elas. Almdisso o aprimoramento das instituies requer a difuso das condies materiais mnimaspara o exerccio da participao poltica todos que o desejem (MIGUEL. 2003. pp. 124 a135).

    O sistema democrtico no concebido apenas em termos de quem decide, mastambm pelas condies do processo de deciso e as discusses que o influenciam, levandoem conta a variedade de interesses e pontos de vista dos que interagem no debate. Deve-sesempre ter em foco que quem soberano o povo, no o governo ou o parlamento,instituies cuja tarefa justamente implementar a vontade popular, expressa em maior oumenor grau nas diversas formas de participao individual ou conjunta da sociedade(ARBLASTER. 2004. p. 129).

    1.5 O cidado e a participao

    Paralelamente evoluo das instituies polticas, o homem, como indivduosocial, tambm evoluiu, e no mantm seus interesses voltados para a poltica e o exercciodo poder de forma permanente. O crescimento populacional e o advento daindustrializao (com conseqente complexidade social resultante) transformoutrabalhadores em uma massa disforme e heterognea, insatisfeita em suas necessidadesmais bsicas. Recentes pesquisas empricas detectaram que a caracterstica mais notveldentre os cidados, especialmente aqueles de baixa condio scio-econmica, a falta deinteresse generalizada em poltica e por atividades polticas. (PATEMAN. 1992. p. 11)

    de se estimar que as pessoas dependentes dos rendimentos de cada dia paraprover seu sustento no vo se sentir estimuladas a analisar problemas da coletividade,cada vez mais complexos. Mas so essas pessoas, camada social mais numerosa comdireito a voto, que demonstram um comportamento politicamente aptico e, portanto, comum dficit de participao poltica. Nem todos desejam participar de forma direta dosproblemas da sociedade, de modo que tambm no desejvel humanamente o processouniversal de deciso (BOBBIO, 1984, p. 42). A mdia mundial de comparecimento deeleitores nas votaes est entre 45% e 65% dos que detm direitos polticos, e a proporode filiados em organizaes partidrias no ultrapassa 1% a 3% do eleitorado(NOGUEIRA. 2002. p. 135). Mesmo em pases em que o voto obrigatrio, como na

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  • maioria dos pases latino-americanos, possvel uma aproximao da renncia com basena absteno, no no-alistamento eleitoral, do voto em branco ou nulo. No caso brasileiro,mais de 40% dos cidados desprezaram o direito de escolher o presidente da repblica naseleies gerais de 1998 (MIGUEL. 2003. p.125).

    Ainda assim, surgem lderes que vencem o desinteresse da vida privada e seenvolvem na poltica. O paradoxo pode ser explicado por trs modelos tericos voltados aoindivduo: o modelo da centralidade, que atribui posio mais central do homem nasociedade uma maior participao (central em relao estrutura social); o modelo daconscincia de classe, que foca na alternativa de educao poltica para suprir a condiode baixo status social; e o modelo de escolha racional, onde a pessoa escolheracionalmente pela participao se os benefcios forem superiores ao de no participar(AVELAR. 2005. p. 229).

    A participao poltica do cidado abrangente e inclui desde as mais simplesconversas de amigos e familiares at as aes mais complexas como atuao efetiva emgovernos, mobilizao de grupos de pessoas e prtica de atividades eleitorais. O conceito to amplo quanto a prpria poltica, e suas formas dependem tambm de questesculturais, como a tradio de grupos diversos empreenderem discusses sobre temas maisou menos polticos, e o prprio meio social de cada pas ou regio. Nesse ambiente, oenvolvimento popular passou a ser considerado um problema poltico, cujas diferentesalternativas assumem maior dimenso dependendo de cada poca ou contexto histrico.(AVELAR, 2005. p. 223)

    A manifestao participativa pode ocorrer por meios distintos: o canal eleitoralabrange todo tipo de atividade via eleies e partidos, conforme as regras do jogo poltico;o canal corporativo tem a ver com a representao de interesses privados no sistemaestatal, so instncias intermedirias na organizao de categorias e associaes diversaspara atuar no mbito das instituies governamentais; e o canal organizacional, queabrange as atividades que se do no espao no institucionalizado da poltica (AVELAR.2005. p. 225).

    To importante quanto os meios de participar, conhecer a vontade dos indivduos,cuja soma resulta a vontade popular, constitui um desafio ao poltico profissional,especialmente ao parlamentar que almeja a reeleio e continuidade do mandato. Numademocracia o governo precisa de votos para manter-se no poder, e se h algo de valor

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  • poltico que o povo possui alm da revolta popular o voto individual. Para conquist-lo, ogoverno depende de aes que convenam a populao em geral do acerto de suas medidassobre a vontade dos componentes da comunidade. A incerteza dessa vontade econsequentemente das medidas que lhes vo ao encontro induz ao uso de intermedirios denaturezas diferentes para conhecer os desejos da massa de cidados, trazendo cada um umaparcela diversa dos anseios populares (DOWNS. 1995. p. 109).

    O intermedirio ser to mais importante quanto maior o setor da comunidadeidentificado com ele. Lderes polticos, sindicais e comunitrios, associaes de classe elobistas so exemplos de intermedirios que acabam representando um grupo de eleitorescom interesses similares. Os grupos ativos e legtimos da populao certamente participamdo processo decisrio em alguma etapa crtica de sua conduo. Assim, pela via dasassociaes e grupos de presso que constituem intermedirios, o princpio de participaofica preservado, mas para conjuntos de cidados e no para o indivduo, que caracteriza opluralismo na formao das decises (ARBLASTER. 2004. p. 73).

    Os grupos que manifestam interesses organizam-se para influenciar nas decisespolticas, porm nem sempre a interao de agentes com interesses comuns gera resultadoscoletivamente eficientes, pois nem todos os agentes comportam-se de forma esperada.Olson (1965, apud SHIKIDA. 2000. p. 5) mostra que o fato dos benefcios conjuntos deuma ao superarem os custos para um grupo no implica sua efetivao. O nmero departicipantes do grupo uma varivel chave para a ao coletiva: quanto menor o grupo,maiores as chances de atingimento do bem coletivo; quanto maior o grupo, menor acontribuio individual e h necessidade de incentivos seletivos para a contribuio detodos. Como resultado, sobressaem pequenos grupos ativos sobre uma maioriadesorganizada inerte, ainda que sob interesses comuns. Os pequenos grupos tendem aincorrer em aes redistributivas a seu favor, em detrimento de prticas que resultariam embem comum. Sindicatos, associaes profissionais, cartis e quaisquer grupos que visem proviso de bens coletivos para seus membros so designados coalizes distributivas.

    As associaes civis ou grupos de cidados no se reduzem a uma meraconfluncia de afinidades; na realidade, formam grupos de interesses privados e buscaminfluenciar as decises, ofuscando o interesse pblico em meio s demandas localizadas. Adefesa desses interesses junto aos representantes escolhidos pelo canal eleitoral, seja noparlamento ou no poder executivo, passa a constituir outra atividade da cena poltica.

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  • Surge o lobby, entendido como a representao poltica de interesses em nome e embenefcio de clientes identificveis, por intermdio de aes coordenadas que excluem atroca desonesta de favores. A atividade no exclusivamente presso, mas tambm aorganizao e preparao da defesa de interesses, reunindo informaes, reconhecendoaliados, traando estratgias e metas, numa atividade contnua que normalmente exigeestar presente de forma organizada nos centros polticos de deciso (GRAZIANO. 1997. p.35).

    O lobby representa uma fonte potencial de distoro na representao poltica, namedida em que aumenta a exposio e a importncia de interesses particulares emdetrimento dos interesses coletivos, usualmente no defendidos por igual mecanismo anteos representantes eleitos. A fronteira entre o lobby e a corrupo ativa ou passiva, e deresto com a tica na poltica, muito tnue, muito embora lobby e corrupo tenham umatendncia a se excluir mutuamente, pois o primeiro pressupe a impossibilidade da ltima,considerando os custos para sua manuteno. No entanto, fato que inexistem regras ounormas legais ou de outra forma institudas que venham a conferir transparncia esegurana tica para a atividade, e a rea na qual o lobby e a corrupo mais se confundem a do financiamento de campanhas eleitorais (GRAZIANO. 1997. p. 32).

    Considerando a realidade da democracia em prtica e a amplitude das variantesem vigor, no se pode falar em igualdade entre os cidados. Em termos sociais, a teoria daselites instaura uma diviso entre os cidados, e os grupos de interesse organizados e oslobistas diminuem o valor da opinio isolada. Institucionalmente, o sistema eleitoral nemsempre preserva o uso do voto e a inteno do eleitor; individualmente, as dificuldadesprprias da pessoa, inerentes sua disposio de participar, formam barreiras manifestao popular. Alm dessas, existe ainda outra barreira no declarada, que o custofinanceiro de toda atividade poltica, por mnima que seja. A poltica uma atividade queexige recursos para manuteno e desenvolvimento, porm no capaz de produzir porseus prprios meios uma receita que suporte esses gastos.

    1.6 A barreira financeira

    O volume de moeda necessrio para fazer frente a essas despesas varia em funodo tamanho e da cobertura geogrfica dos partidos e das candidaturas, e eleva-se porocasio dos pleitos eleitorais. O dirio El Pais, de Madrid, registrou o incio da campanhapresidencial de 2008 nos Estados Unidos com a manchete La campaa ms cara de la

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  • historia, relatando que juntamente com os debates polticos comea um trabalho rduo,polmico e decisivo para qualquer um que aspire a ser um candidato respeitvel: arrecadardinheiro, muito dinheiro. Segundo o jornal, Michael Toner, presidente da ComissoFederal de Eleies, declarou que a quota mnima de entrada na campanha atual vai ser deaproximadamente 100 milhes de dlares, e o gasto total dos principais candidatos foicalculado em 1 bilho de dlares1.

    No Brasil, os valores so proporcionalmente tambm elevados. Com relao seleies de 2006, o jornal Correio Brasiliense publicou reportagem a partir de dados doTribunal Superior Eleitoral na qual estima em R$ 509.000,00 (quinhentos e nove mil reais)em mdia o gasto declarado de cada deputado federal eleito. Dentre os partidos polticos, omaior custo foi do PSDB, com um total de R$ 52,1 milhes, e uma mdia por deputado deR$ 790.000,00 (setecentos e noventa mil reais), enquanto o menor foi do PRONA, cujamdia por deputado foi de R$ 7.000,00 (sete mil reais).2 Em outra reportagem, tambmbaseada em dados do Tribunal Superior Eleitoral, o jornal Folha de So Paulo informa quea campanha presidencial do candidato Jos Serra em 2002 arrecadou cerca de R$ 28,5milhes e ainda assim ficaram registradas como obrigaes a pagar uma dvida de R$ 3,53milhes, assumidos pelo partido poltico do candidato.

    Os nmeros apresentados do uma idia da magnitude da questo, porm sofruto de declaraes pblicas ou legalmente informadas. razovel supor que os valoresno declarados, fora dos limites legais, atinjam o mesmo patamar. Um indcio de que asuposio pertinente so os constantes casos veiculados na mdia envolvendo dennciasde corrupo e prticas de recursos no declarados para custear eleies e atividadespolticas. No Japo, o ex-primeiro-ministro Kakuei Tanaka, envolvido num escndalo de45 milhes de dlares foi condenado a 4 anos de priso e inabilitado para o exerccio decargos pblicos. Na China, 20 executivos e altos funcionrios de bancos estatais foramfuzilados na dcada de 90 quando se descobriu um desvio de fundos de inacreditveis 20bilhes de dlares. Mais de 1300 chineses foram executados por corrupo. No Mxico, foipreso o irmo de um ex-presidente em cujas contas na Sua foram encontrados 65 milhesde dlares resultantes de desvios. Na Alemanha, Helmut Kohl, depois de 16 anos no poder

    1 EL PAIS.COM, disponvel em www.elpais.com/articulo/internacional, edio eletrnica de 07/02/2007, por

    Antonio Cao.2 CORREIO BRASILIENSE, edio de 17 de dezembro de 2006, pgina 2, seo Tema do Dia.

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  • e condutor da reunificao alem, foi obrigado a renunciar aps confessar receber ummilho de dlares para financiar seu partido nas eleies (NOGUEIRA. 2002. p. 130).

    As violaes de ordem legal e financeira atingem vrios pases e diversossistemas polticos. Em quase todos os casos, a justificativa era a necessidade definanciamento das mquinas partidrias e de campanhas eleitorais, obrigando os lderes aaceitar contribuies no declaradas (NOGUEIRA. 2002. p. 134). O jornal El Paisinforma, na mesma reportagem citada, que o sistema eleitoral americano dispe desubterfgios para que o dinheiro de um investidor acabe chegando aos cofres dos comitseleitorais de vrios candidatos. Para o peridico espanhol, os principais angariadores defundos so os grupos de influncia ou lobistas, que possuem excelente agenda de contatose desejo infinito de acesso ao poder poltico.

    Qualquer que seja o montante final, o financiamento da atividade polticaconstitui uma prvia seleo de representantes oferecidos escolha da populao. sociedade sero expostos em cada processo eleitoral apenas os candidatos que viabilizaremfinanceiramente sua campanha. Esse obstculo financeiro cria uma demanda por capital,que entra na equao poltica como um insumo, um recurso bsico a ser consumido para oexerccio da atividade. Pela viso dos cidados capitalistas, o financiamento tanto umaoportunidade de auferir retornos quanto uma forma de manter-se prximo do poder,dualidade que ser objeto do prximo Captulo.

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  • 2 Economia e Poltica

    2.1 O Estado e o desenvolvimento econmico.

    Ao final de uma discusso, trs homens chegam a um acordo sobre um mtodo decontagem de um rebanho de ovelhas. Constroem um pote de cermica e nele inserem umdisco, representando 100 animais; quatro esferas, simbolizando outros quarenta animais; esete bastes, referentes a sete ovelhas, totalizando um rebanho de 147 cabeas. Todo oprocedimento observado por outros dois homens, que tambm concordam com oprocesso. Ao final, o pote de cermica fechado e um dos homens o lacra e autentica,garantindo a autenticidade do nmero acordado e impedindo a alterao posterior.

    Os dois observadores concordam que o contedo do pote expressa o nmero decabeas contado naquele momento, preservando a informao para o futuro. Era umagarantia para as pessoas envolvidas, pois a qualquer momento bastava recontar os animaise quebrar o pote para conferir a evoluo do rebanho. Apesar de antiquado e rudimentar, oprocesso era eficiente na representao de uma realidade econmica, mesmo tendoocorrido h mais de trs mil anos antes de Cristo em terras do atual Ir, a leste do RioTigre, na sia. O registro do patrimnio de forma clara e til para seus usurios uma dasfunes primordiais da contabilidade, mas o ato tem uma funo adicional, amaterializao da posio econmica do proprietrio do rebanho, conferindo-lhe o podereconmico na medida do tamanho do rebanho (SILVA. 2000. p. 13).

    Algum tempo depois, por volta de 350 a.C., Atenas traava as primeiras linhas doideal democrtico ao instituir leis para todos e por todos juradas, na forma de umaconstituio. Durante a vigncia daquela que Aristteles (384-322 a.C.) considera aSegunda Constituio (Draco), o povo protestava contra o sistema de garantias pessoaispara dvidas, onde a pessoa penhorava seus trabalhos e sua liberdade em troca deemprstimos monetrios. O poder poltico foi concedido a Slon, cujos primeiros atosincluram um cancelamento de dvidas que escravizavam pessoas e o estabelecimento deuma constituio para regular as relaes entre os cidados para os prximos cem anos. Asaes de Slon pacificaram a cidade-estado, porm a anulao das dvidas rendeu-lhe umaintriga. Alguns cidados dirigentes tiveram conhecimento antecipado do assunto ecompraram grandes extenses de terras, ficando ricos por geraes com a posterioranulao das dvidas (ARISTTELES, p. 258).

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  • O cancelamento das dvidas que escravizavam os cidados denota a prefernciade Slon pelo direito individual de liberdade pessoal frente aos compromissos contratuaisassumidos entre as partes. De forma geral, nos Estados teocrticos anteriores era crist oregime era de centralizao de poderes nas economias incipientes, baseado no trabalhoescravo e no artesanato rudimentar, com predominncia da economia rural. A situaocomeou a mudar com a queda do imprio romano do ocidente e a retorno economiaurbana (GASTALDI. 2005. p. 433).

    Na Idade Mdia, o florescimento das feiras peridicas nos burgos (Flandres,Champagne, Beaucaire) deu origem a um crescimento econmico regional e inter-regional,organizando-se nas corporaes de ofcio e no incremento do comrcio mediterrneo. AIgreja catlica, ocupando posio de destaque no cenrio poltico, influenciava os negciosao normatizar condutas e moralizar comportamentos, valorizando o trabalho pessoal,condenando as taxas de juros e buscando o justo preo. Da subordinao filosofia ou poltica na antiguidade, o pensamento econmico passou a ser orientado pela moral crist(PEREIRA. 1982. p. 5).

    No sculo XV, o mercantilismo, juntamente com o surgimento do Estadomoderno, imprimiu um carter emprico cincia econmica, e inseriu preceitos deadministrao pblica que os governantes usaram para aumentar a riqueza das naes e doprncipe. O controle das fronteiras aos produtos estrangeiros, a taxao alfandegria e aproibio de sada de metais preciosos fortaleceram o controle poltico sobre a atividadecomercial. O afluxo de riquezas do Novo Mundo para a Europa criou novos centroscomerciais, tirando o eixo do Mar Mediterrneo e abrindo portos no Oceano Atlntico.Durante os trs sculos do mercantilismo, o metalismo do ouro e da prata foi o principalmeio de troca do comrcio; as naes da Europa Ocidental organizaram sua economiainterna, baseadas na unidade nacional e na exportao de todos os recursos econmicos,sob o controle e a direo do Estado (PEREIRA. 1982. p. 8).

    O nascimento da cincia econmica clssica pelas mos de Adam Smith (apudPEREIRA. 1982. p. 9) trouxe o egosmo inato dos homens e a harmonia natural de seusinteresses novamente para o centro do modo de pensar econmico. O crescente eininterrupto esforo de todo homem para melhorar sua prpria condio material a forasuficiente para manter em marcha positiva a economia, a despeito do governo e dos errosde administrao. Se o governo se abstivesse de intervir nos negcios, a ordem natural

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  • poderia atuar, ainda que nem sempre de forma espontnea. O modelo econmico de Smithcontestava o padro mercantilista de regulamentao estatal e de controle, confiando que aconcorrncia maximiza o desenvolvimento econmico, cujos benefcios sejam partilhadospor toda a sociedade.

    A harmonia de interesses e a ordem natural e providencial da teoria clssica noimpediram as conseqncias sociais da industrializao, especialmente o baixo padro devida dos trabalhadores, a longa jornada de trabalho, os reduzidos salrios e a ausncia dequalquer proteo legal. Stuart Mill (1806-1973) criticou a distribuio de renda domodelo clssico e preconizou polticas de promoo do bem-estar geral, voltadas para aclasse trabalhadora. Karl Marx (1818-1883) preocupou-se com a anlise do valor dosinsumos, especialmente a fora de trabalho, nico bem que a classe trabalhadora tinha aoferecer ao desenvolvimento econmico. Condenou a natureza do capitalismo pelatendncia de separar as classes sociais de forma sempre crescente, com vantagem para oscapitalistas que ocupam posio de poder em relao oferta de mo-de-obra. Para ambosos pensadores, faz-se necessria a interveno de foras externas ao mecanismo deproduo, resguardando os interesses sociais e protegendo os menos favorecidos.

    O fenmeno do crescimento populacional e a desproporo entre o crescimentodo nmero de habitantes e da produo de alimentos enfocado por Malthus (1766-1834)reforou a idia de que o mecanismo natural no seria capaz de atender a todos. Tantocapitalistas quanto socialistas combateram as idias malthusianas, mas no sculo XX duasinterpretaes prevaleceram: uma prev que o crescimento exagerado da populao umfreio ao crescimento econmico; outra entende ao contrrio, o aumento do nmero depessoas favorvel ao desenvolvimento. A primeira baseada na realidade dos pasespobres, que vivem uma situao scio-econmica de extremos. A segunda verificada nospases europeus, cujas taxas de natalidade sofreram queda acentuada (apud PEREIRA.1982. p. 48).

    Nos ltimos decnios, a produo de alimentos vem garantindo maioria umadieta com um mnimo das necessidades individuais, apesar de ainda existirem bolses demisria e fome, graas aos avanos tecnolgicos na rea agrcola e pecuria, contrariandoas previses pessimistas de Malthus. Em 1950, um agricultor produzia o suficiente paraalimentar mais dez pessoas; em 1988, obteve-se a mdia de um produtor responsvel peloabastecimento de mais de 87 pessoas. No caso brasileiro, com grande extenso territorial

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  • porm baixa densidade demogrfica, o aumento de oferta de alimentos foi acompanhadode um programa restritivo de natalidade, chegando a uma estabilidade prtica do nossocrescimento populacional na dcada de 1970 (GASTALDI. 2005. p. 423).

    Os problemas no resolvidos pela abordagem clssica aumentaram no decorrer daPrimeira Guerra Mundial e na crise de 1929. No perodo entre guerras, John MaynardKeynes (1883-1946) rompe com a tradio clssica e prope um programa de aogovernamental para promover o pleno emprego, no que ficou conhecida como a revoluokeynesiana. Keynes analisou a taxa de juros, a poupana e o consumo, atribuiu papel ativo poltica fiscal e atuao do governo, defendendo dficits pblicos para estimular ademanda. Apesar de numerosas crticas, a obra de Keynes estimulou estudos em novoscampos tanto da economia quanto de reas afins. Paralelamente ao impacto keynesiano nocapitalismo, o socialismo baseado nas idias de Marx foi implantado na Rssia em 1917,logo servindo de modelo para outros pases aps o rearranjo poltico ao final da SegundaGrande Guerra, como China, Alemanha Oriental, Cuba e Vietn (PEREIRA. 1982. p. 21).

    Assim, capitalismo e socialismo defendem uma participao do Estado nasrelaes econmicas. Aps a queda do regime comunista, que pregava a centralizao dosmeios de produo nas mos do governo, o capitalismo remanesceu como regimedominante nas democracias, utilizando-se de tcnicas de planejamento envolvendoprogramas e metas, com a prvia identificao dos problemas a partir de estudos, anlises,indicadores socioeconmicos e dados estatsticos (GASTALDI. 2005. p. 435). Do ponto devista histrico e institucional, a Nao o agente por excelncia do desenvolvimentoeconmico a sociedade nacional organizada que, partilhando um destino comum, logracontrolar um territrio e estruturar um Estado soberano, forte o suficiente para formularuma estratgia nacional de desenvolvimento ou de competio. O Estado , em conjuntocom o mercado capitalista, o instrumento que a Nao utiliza para alcanar odesenvolvimento econmico (BRESSER-PEREIRA. 2007. p. 7).

    Na cincia econmica contempornea, no se admite mais um governo inerte epassivo frente aos fenmenos econmicos. Ao Estado so atribudas quatro expressesfundamentais: a estrutura pblica, representando os poderes a si inerentes; a estruturasocial, exprimindo classes e categorias de cidados e a respectiva distribuio de rendasocial; estrutura militar, voltada para a segurana interna e externa; e a estruturaeconmica, que diz respeito organizao a composio das unidades econmicas. Mesmo

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  • ao Estado liberal, assentado na teoria econmica clssica, cabe a direo da vidaeconmica, social, poltica e administrativa da nao, ainda que conjugada com o potencialda iniciativa privada (GASTALDI. 2005. p. 441)

    O Estado no pode se eximir de sua funo reguladora, mas tambm no lhe facultado considerar a nao como organismo eminentemente econmico, priorizando agerao de riquezas em detrimento do ordenamento das foras produtivas para adistribuio eqitativa da riqueza social (GASTALDI. 2005. p. 441). O equilbrio serencontrado no dimensionamento das aes entre a realidade econmica e suasconseqncias sociais. O Estado deve estar atento ao seu papel regulador e sua missofundamental de proporcionar sociedade que lhe sustenta os meios de desempenhoharmnico e solidrio dos grupos e agentes econmicos, sem ceder s eventuais pressesde interesses particulares contrrios aos coletivos, ticos e legtimos interesses dapopulao (GASTALDI. 2005. p. 438).

    O desenvolvimento econmico um fenmeno resultante da transio, dentro dosistema capitalista, da coordenao das aes sociais pela tradio e religio e unicamentepelo Estado para uma economia baseada em decises do Estado e o mercado,conjuntamente. Ambos se fundem no conceito de Nao, que envolve toda a sociedadeorganizada em torno de um objetivo comum; Estado ao mesmo tempo uma instituioorganizacional, com capacidade de legislar e tributar uma sociedade, e uma instituionormativa, ou a prpria ordem jurdica, o sistema constitucional e legal, a organizaopoltica e burocrtica que define e preserva essa ordem. O mercado, socialmente construdoe regulado pelo governo, a instituio e o mecanismo que, por intermdio da competio,coordena a diviso do trabalho e a alocao dos recursos produtivos. Dentro do mercado,circula o dinheiro, uma das expresses do capital, que serve de meio de troca e reserva devalor para que o mesmo possa funcionar (BRESSER-PEREIRA. 2007. p. 9).

    Exemplo brasileiro dessa viso de Estado econmico o recente pronunciamentoda Ministra Chefe da Casa Civil do governo Lula, Dilma Roussef, em entrevista Revistapoca n 491, de 15 de outubro de 2007 (p. 44) tratando dos leiles de concesso dasprincipais rodovias do pas, do qual destacamos:

    ...Acreditar que o Estado no necessrio leva a equvocosserissimos na conduo dos negcios pblicos. O governo tem papelmuito importante, mas no pode tudo, e tem de contar com aeficincia e a experincia do setor privado. Ns no acreditamos no

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  • Estado mnimo nem no Estado mximo. Em que ns acreditamos que um pas do tamanho do Brasil tem de ter um governo forte,soberano, capaz de perceber que nosso maior patrimnio nossapopulao....

    Outro exemplo emprico da integrao do Estado nos rumos econmicos pode sercolhido no processo de formao do Mercado Comum do Sul MERCOSUL, grupopoltico e econmico formado inicialmente por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.Considerando a poltica de comrcio exterior de cada pas e as diversas aesprotecionistas, fica claro que qualquer integrao econmica demanda uma coalizopoltica que prevenisse conflitos. Os governos centrais dos pases participantes so osgrandes atores polticos, cabendo aos governos do Brasil e Argentina o papel maisimportante, pois o Brasil responsvel por 70% do PIB gerando pelo grupo, secundadopela Argentina. Portanto, um sucesso de integrao somente pode ser concebido dentro daperspectiva poltica, cujos processos devero ser observados para a soluo dos interessesdos diversos grupos econmicos envolvidos (TRICHES. 2003. p. 6).

    Em termos polticos, o governo brasileiro tem ditado as regras do jogo, muitoembora alguns setores da economia brasileira tenham criticado o excesso de concesses oua conduo das negociaes. O estabelecimento de prioridades domsticas acima dosinteresses comuns inibiu o avano mais acelerado da integrao. As questes maispolmicas concentram-se na definio da escala tarifria comum, ocorrendo disputaslocalizadas como calados, ao e txteis. Houve a interferncia excessiva da esfera polticano ajustamento dos setores econmicos, ofuscando as solues setoriais e permitindomaior grau de presso dos grupos de interesses especficos em ambos os governosenvolvidos. A estratgia dominante dos capitalistas tem sido a concentrao eespecializao das atividades em setores de maior domnio em cada pas, com predomniodo Brasil devido s vantagens comparativas e competitivas em relao aos demaisparceiros, notadamente a Argentina que se recupera de um perodo de aguda criseeconmica (TRICHES. 2003. p. 19).

    Mais recentemente, no mbito das discusses sobre o MERCOSUL, a Venezuelasolicitou a adeso formal como membro pleno ao bloco econmico, para o qual hnecessidade de aprovao pelos Parlamentos dos pases j integrantes, no caso Argentina,Brasil, Paraguai e Uruguai. O Poder Executivo brasileiro enviou ao Parlamento aMensagem 82/2007, que submetendo considerao do Congresso Nacional o texto doProtocolo de Adeso da Repblica Bolivariana da Venezuela ao MERCOSUL, assinado

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  • em Caracas, em 4 de julho de 2006, pelos Presidentes dos Estados Partes do MERCOSULe da Venezuela, cujo mrito foi inicialmente analisado na Comisso de Relaes Exteriorese Defesa Nacional CREDN, da Cmara dos Deputados.

    O trmite legal, que culminou com a aprovao do texto em votao na CREDN,foi marcado pelo enfoque poltico, principalmente sobre a situao poltica do EstadoVenezuelano. Para o Deputado Vieira da Cunha, presidente da CREDN, preciso separaras divergncias que possam existir com o governo de Hugo Chvez (atual presidentevenezuelano) da inquestionvel importncia da participao da Venezuela na integraodos pases que compem o MERCOSUL (apud ROCHA. 2007). Aps cinco horas dedeliberao, a votao resultou em aprovao da mensagem governamental por 15 votosfavorveis e uma absteno. Ainda de acordo com o presidente da CREDN, todos aquelesque, como ns, querem fazer o MERCOSUL se consolidar e avanar no podem sercontrrios ao ingresso da Venezuela, deixando claro que o peso econmico do pasvizinho, possuidor de reservas energticas de destaque na Amrica do Sul, reforaria aimportncia do prprio bloco econmico. A matria vai apreciao da Comisso deConstituio e Justia da Cmara dos Deputados, ao Plenrio e em seguida ao Senado.

    Sobre a deciso da CREDN, o jornal Folha de So Paulo publicou matria em suaedio de 24/10/2007 comentando as discusses. A criao do bloco creditada a umadeciso de acabar com a rivalidade poltica entre Brasil e Argentina. A condio deintegrante pleno est vinculada a duas implicaes: uma econmica, a adeso zona delivre comrcio e ao regime tributrio comum, e a outra poltica, de submisso aos acordose ao arcabouo jurdico e institucional do bloco comum. O acordo poltico viabiliza aabertura de oportunidades comerciais, mostrando a necessria convivncia entre poderpoltico e poder econmico nas decises que afetam a sociedade como um todo.

    2.2 O Capital

    O capital um auxiliar tcnico da produo, uma riqueza acumulada produzidaanteriormente e que destina-se no ao consumo imediato, mas produo de novasriquezas. Seja na forma de bens materiais (mquinas, prdios, materiais), na forma dedinheiro em espcie ou mesmo na forma de direitos representados por ttulos ou aes,representa um objeto orientado para o processo produtivo. A viso do capital voltadapara o futuro, para aquilo que ir produzir, na medida do progresso da cincia, datecnologia e da organizao social e econmica. Representa uma renncia ao consumo

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  • imediato para a formao de uma reserva necessria obteno dos instrumentosreprodutivos. Os detentores de capital tm sua parcela de contribuio, to importantequanto o Estado no crescimento econmico e aumento da riqueza da sociedade(GASTALDI. 2005. p. 121).

    Do ponto de vista econmico, o capital reveste-se das mais variadas formas oumodalidades, seja pela expresso fsica, como uma soma em moeda, seja pelatemporalidade de seu uso, de natureza circulante ou permanente. Do ponto de vista docapitalista, essencialmente de empreendimento, voltado para a produo, representadopelos aportes necessrios para a viabilizao de um investimento, tais como insumos oucomponentes, at o produto acabado transformar-se em lucros e nova agregao de valorao montante inicialmente empregado (GASTALDI. 2005. p. 123). O conceito maisfundamental em termos econmicos, significando uma reserva de insumo, um elementoindispensvel ao processo desenvolvimentista, gerou adaptaes em outros ramos dacincia. So exemplos as expresses de bens e valores intangveis, que no possuemexpresso material tangvel, como o capital intelectual, referindo-se a uma reserva deconhecimentos, e o capital social, expressando uma realidade social pr ativa, uma reservade atitudes e aes da comunidade.

    A criao de riqueza no medida pelo simples valor atual de qualquer bem,empresa ou investimento, seja pela avaliao de mercado ou outra qualquer que se defina.A agregao de valor econmico condio indispensvel a qualquer montante de capitalque esteja disponvel para utilizao, ou investimento. O pressuposto que sempre existemvrias alternativas para aplicao; no entanto, apenas uma escolhida, considerando ascondies conjunturais definidas em cada opo (juros, risco, prazo, etc.). Aquela que forescolhida deve ser comparada com a melhor alternativa disponvel (SIQUEIRA. 1998. p109).

    O conceito de comparao entre alternativas de aplicao de capital conhecidono meio empresarial como custo de oportunidade, que pode ser definido como quanto sedeixa de auferir por no ter aplicado um determinado montante em outra forma deinvestimento. Escolher uma alternativa significa renunciar aos rendimentos da preterida;portanto, o rendimento renunciado (que seria obtido pela aplicao na alternativa noescolhida) ser o custo de oportunidade da alternativa escolhida (MARTINS. 1998. p.250).

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  • Cabe iniciativa privada atuar com eficincia, responsabilidade e inovao,empregando sua capacidade gerencial no apenas na busca do resultado, mas conjugando ointeresse coletivo com a atividade lucrativa. Uma evidncia emprica da atuao do capitalpode ser encontrada no estudo de SHIKIDA e MONASTERIO (2000) sobre grupos deinteresse e crescimento econmico no Brasil, publicado na revista Dados. O artigorelaciona a organizao e atuao de entidades de classe patronais com o desenvolvimentoeconmico dos Estados brasileiros, sob os pressupostos de Olson (1965) e a lgica da aocoletiva. O perodo do estudo abrange o perodo de exceo da dcada de 70 e os anos deabertura poltica da dcada de 80 at o ano de 1995, correlacionando o grau de estruturaopatronal com os indicadores econmicos de desenvolvimento dos Estados. A regressofeita leva a crer que os lobbies empresariais foram prejudiciais ao crescimento estadual nadcada de 70, porm favorveis no perodo entre 1980 e 1995.

    Num primeiro momento, no se espera influncia da redemocratizao na aodos grupos capitalistas, pois esses estiveram atuantes em todo o perodo. Pode-se inferirque os governos militares foram menos sensveis ao dos empresrios, impedindo-os deuma maior contribuio. Entre 1980 e 1995, com a descentralizao das polticas pblicas,criou-se espao para a atuao das associaes patronais, e o governo central tornou-semais dependente de apoio poltico. razovel supor que as presses locais chegaram Braslia, beneficiando as unidades federativas com maior concentrao de coalizesdistributivas, resultando num maior impulso econmico para esses Estados (SHIKIDA.2000. p. 16).

    A citada entrevista na Revista poca (n 491, de 15 de outubro de 2007, p. 42)traz outro exemplo de aplicao de capital voltada para o retorno, para o lucro. Segundo aMinistra Dilma Roussef, a presena do capital internacional obrigou as empresas aapresentarem propostas no limite inferior de rentabilidade, e no no superior. Nas palavrasda ministra:

    ...H estradas que tm de ser feitas pelo poder pblico, porque ocusto do pedgio proibitivo. Na BR-163, que abre uma fronteiraeconmica, o pedgio teria de ser de R$ 800,00....

    A autoridade governamental considera implcito o retorno do capital privado nasaes propostas pelo governo para atingir o desenvolvimento desejado. Quando arealizao pela iniciativa privada torna o custo de utilizao da populao invivel, a

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  • alternativa a realizao pelo governo, s expensas do oramento pblico. Resta, portanto,inevitvel a considerao do capital privado nos assuntos governamentais, e de mesmaforma a interferncia do Estado na regulamentao das relaes capitalistas. Essa realidadeaflora quando da normatizao do financiamento de atividades polticas, seja pelo capitalprivado, seja pelos fundos pblicos, ou por qualquer modalidade com participao deambos. O embate constitui mais uma zona de conflito entre o poder econmico e o poderpoltico, inclusive nos aspectos menos nobres da relao, conforme abordaremos nocaptulo seguinte.

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  • 3 O financiamento de atividades polticas

    3.1 Origens do financiamento

    A histria e a experincia mostram que a relao entre dinheiro e poltica semprefoi complexa, constituindo uma questo fundamental para a qualidade e estabilidade dademocracia. Para SARTORI (1992, apud RUBIO. 2005. p. 4), a competio entrepartidos com recursos equilibrados (polticos, humanos e econmicos) que gerademocracia. O funcionamento de uma democracia exige o fortalecimento das instituiespolticas, especialmente de partidos polticos; esses, por sua vez, demandam recursos parafinanciar sua vida permanente e para entrar e competir na disputa eleitoral. A democracia,embora no tenha preo, tem um custo de funcionamento que preciso pagar, e por isso, sumamente importante que seja o sistema democrtico que controle o dinheiro, e no ocontrrio (MOBOJI. 2003. apud ZOVATTO. 2005. p. 3).

    O financiamento das atividades polticas uma dos aspectos dessa relao,controversa em todas as democracias do mundo. Por um lado, existe a conscincia emesmo o temor do peso do poder econmico interferindo na formao da deciso deeleitores, parlamentares e administradores pblicos, com prejuzo para o interesse coletivo.De outro, o custo de qualquer atividade poltica forma uma barreira para a livre expressode idias e convices, atingindo diretamente um dos pilares de qualquer regime polticoque se pretenda democrtico. Assim, assume importncia estratgica a regulao dasformas e modos de financiamento das atividades polticas, tanto as relacionadas ao pleitoeleitoral quanto das destinadas a custear projetos e iniciativas no perodo entre eleies(ARAJO. 2004. p.59).

    As regras para determinar a transferncia de valores para o setor poltico diferemsignificativamente de pas para pas. Por vezes, a contribuio individual em espcie oumesmo indireta no tem limites e a exigncia da norma incide apenas sobre a transparnciado processo, identificando origens e montantes envolvidos. Em outras situaes, a restrioincide sobre o limite de contribuio, impedindo candidatos ligados fortemente a pequenonmero de doadores (ARAJO. 2004. p. 59). Mas a questo da natureza da fonte derecursos assume maior relevncia em todas as sociedades, pois ponto de unio entregrupos de interesses e cidados eleitos, constituindo um dos limites do equilbrio entre ospoderes econmico e poltico (ZOVATTO, 2005. p. 4). Nos primrdios da democraciarepresentativa o interesse privado forneceu os meios monetrios para a classe poltica, mas

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  • a insero do dinheiro pblico na equao poltica deu margem a trs opes: o aporte decapital unicamente privado, o uso exclusivo de recursos pblicos, e numerosasmodalidades mistas, com emprego de ambas as fontes.

    Por muitos anos o financiamento privado foi a nica fonte de receita disponvelpara os agentes polticos. No sculo XX, surgiram crticas a essa situao, principalmente

    no caso da predominncia de fundos provenientes de setores economicamente poderosos epor vezes ligados diretamente ao fornecimento de produtos e servios a rgosgovernamentais. O risco maior seria a dependncia dos eleitos em relao ao podereconmico, considerando que mais representariam seus financiadores do que os cidadosque a eles destinaram seus votos. As decises polticas tenderiam para os interesses apenasdos detentores do poder econmico, tanto em temas pontuais quanto na formulao depolticas setoriais e conjunturais (RBIO. 2005. p.5).

    A incorporao dos partidos polticos como instituies fundamentais dademocracia, conduziu-os a uma posio central no funcionamento do Estado, implicandocerta obrigao governamental para com a sade financeira dessas agremiaes. A soluofoi adotar um sistema misto de recursos para sustentao das estruturas partidrias e dascampanhas eleitorais, onde o governo e a iniciativa privada compartilham a posio defonte de fundos. Na Alemanha, o financiamento misto foi implantado em 1959, com oobjetivo de tornar os partidos como maior sustentao financeira independentes dos gruposde interesse, e tambm diminuir a distncia dos partidos com menor capacidade dearrecadao (RUBIO. 2005. p. 5).

    A distribuio de recurso pblico pode ser baseada em critrios que combinem osprincpios de igualdade e proporcionalidade com algum instrumento que avalie apenetrao dos partidos na sociedade, como, por exemplo, o nmero de votos obtido nasltimas eleies, a quantidade de candidatos eleitos ou o total de contribuies privadasarrecadadas. O aporte privado pode ser regulado de maneira a preservar a transparncia domontante, da origem e do destino de todos os valores envolvidos, inclusive de formaindireta, com limitaes que sejam condizentes com a realidade de cada pas. Para o casode sistema misto, essencial a criao de um mecanismo de controle e fiscalizaoeficiente e independente em grau e abrangncia que exigirem as restries e proibiesimpostas ao manuseio de recursos (RUBIO. 2005. p.8).

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  • A abertura dos cofres do Errio aos partidos e candidatos pode produzir osseguintes benefcios:

    Gera condies de competio eleitoral equilibradas;

    Possibilita a participao de partidos e candidatos desprovidos de

    recursos;

    Evita a presso direta de capitalistas e doadores sobre os atores polticos;

    Contribui para a sustentao e fortalecimento dos partidos como

    elementos fundamentais nas democracias (RBIO. 2005. p. 5)Atualmente vem ganhando adeptos a proposta de financiamento exclusivamente

    pblico da atividade poltica, que, no entanto tem conseqncias claras e negativas. Emprimeiro lugar, no impede as contribuies ilegais, de forma encoberta, e por isso mesmofora de qualquer possibilidade de controle e transparncia, favorecendo candidatos egrupos econmicos dispostos a encontrar meios de driblar as proibies e ocultar a rota dodinheiro. Em segundo lugar, o Estado ter que ampliar a parcela do oramento pblicodestinado aos partidos ou candidatos, por mais baixos que sejam os custos das campanhas,e sem uma definio de limite para essa verba. Em pases subdesenvolvidos oueconomicamente instveis, a destinao de recursos para a poltica fortementecontestada, face aos substanciais problemas sociais e estruturais (RBIO. 2005. p. 7).

    Alm disso, pode tornar os partidos polticos dependentes do Estado e de quem oadministra, equiparando-os a entes estatais ou paraestatais, o que incompatvel com opluralismo poltico adequado a uma democracia. Considerando que os partidosrepresentam setores ou parcelas da sociedade que se mobilizam para participar do governo,nada mais legtimo aos seus membros que o direito de cuidar da vida financeira daassociao que escolheram, mediante contribuies e doaes. A prpria busca de recursospor parte das organizaes partidrias junto sociedade civil configura uma interao dascorrentes polticas com os eleitores, fundamental para aumentar a representatividade e ainsero social (TRINDADE. 2004. p.9).

    3.2 A questo da corrupo

    O financiamento de atividades polticas freqentemente vinculado corrupo,ganhando exposio na mdia sempre que novas denncias so divulgadas, embora aatividade no seja corrupta em sua essncia. Infelizmente, no possvel afirmar que o

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  • desembolso do Errio v influenciar de forma decisiva o tipo ou o volume de corrupopoltica, pois o efeito do investimento pblico no combate a tal contraveno no temcorroborao emprica suficiente. Fatos recentes e antigos associados malversao dedinheiro por polticos e administradores pblicos verificam-se tanto em pases queprevem o financiamento pblico quanto naqueles que no o contemplam (RBIO. 2005.p.7). Esse tipo de ato ilcito manifesta-se de diversas modalidades, desde a compra devotos e do uso de fundos ilegais at a venda de nomeaes e abuso dos recursos estatais emproveito privado. Dentre as irregularidades mais comuns, podem-se listar as seguintes:

    Contribuies margem da regulamentao legal;

    Uso indevido de recursos do Estado para fins poltico-partidrios;

    Contribuies oriundas de fontes questionveis, inclusive ilcitas (txicos,jogo, prostituio, etc.);

    Aceitao de dinheiro de pessoas ou empresas em troca de favores no

    caso de ascenso a cargos pblicos.

    Para MALEM (2003, apud ZOVATTO. 2005. p.5), os efeitos negativos para ademocracia da corrupo poltica so:

    Solapa a regra da maioria que prpria da democracia, corroendo os

    fundamentos da representao poltica;

    Afeta sobremaneira o princpio da publicidade e transparncia na

    distribuio de cargos pblicos e na gesto oramentria;

    Empobrece a agenda pblica ao esconder as questes que tratam da

    contraprestao de fundos irregulares.

    Pela prpria natureza, a corrupo foge das normas institudas, mas sua maiormarca a no divulgao de origens e aplicaes dos valores envolvidos. O objetivo dosgrupos de interesse legtimos, e tambm dos ilegais, no meramente eleitoral, e simeconmico, buscando eleger representantes que venham a defender suas causas durante osmandatos, sem que sejam vinculados a tais grupos. Assim, o financiamento de partidos ecampanhas, especialmente no caso de sistemas de pouco destaque para a transparncia,como o caso da exclusividade do dinheiro pblico, ao invs de fortalecer a instituio

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  • democrtica, acaba muitas vezes produzindo o efeito contrrio, incrementando o volumede dinheiro disponvel para fins escusos (ZOVATTO. 2005. p.4).

    3.3 Experincia internacional

    As relaes entre dinheiro e poltica ocupam lugar de destaque na agenda polticae legislativa da maioria dos pases. H dcadas se observa um processo de edio denormas, denncias de escndalos, reformas legislativas, novos escndalos e novasreformas, mais especialmente em pases menos desenvolvidos. Tal situao provoca umageneralizada desconfiana da sociedade quanto aos partidos polticos que se estende sinstituies polticas. Em sua edio de 2004, o Latinbarmetro, pesquisa de opiniopblica em dezoito pases da Amrica Latina, mostra os partidos polticos como asinstituies que menor confiana geram na populao (RUBIO. 2005. p. 2).

    O financiamento de partidos e candidatos, em campanha ou no, fatalmente acabaassociado corrupo poltica, ainda que no exista uma relao direta entre um e outro,podendo a alocao de dinheiro pblico converter-se muitas vezes em fonte de corrupo,tanto em pases desenvolvidos quanto subdesenvolvidos. A organizao TransparnciaInternacional, em seu informe global de 2004, faz recomendaes voltadas a essa relao,das quais destacamos (apud ZOVATTO. 2005. p.6):

    "Os governos devem melhorar a legislao sobre o financiamento polticoe a divulgao. As agncias encarregadas de sua implementao e ostribunais independentes devem ser dotados dos recursos adequados,faculdades e poder para revisar, investigar e controlar as contas doscorruptos;

    Os candidatos e partidos devem ter acesso eqitativo aos meios decomunicao. Deve-se estabelecer, aplicar e manter critrios para obterum equilbrio na cobertura deles;

    Os partidos, os candidatos e os polticos devem divulgar fundos, receitase gastos a um organismo independente. Essa informao deve serapresentada de uma maneira regular, sobre uma base anual, tanto antescomo depois das eleies;"

    No entanto, apenas a regulamentao no suficiente para proteger as sociedadesdos escndalos polticos financeiros, normalmente em funo da debilidade dosmecanismos de controle e imposio de sanes legais (ZOVATTO. 2005. p. 6). Algunsdos casos mais significativos da experincia internacional sero descritos a seguir.

    Na Alemanha, o financiamento pblico foi incorporado em 1959 com o objetivode fazer com que os partidos se tornassem independentes dos grupos de interesse

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  • econmicos. Existe um sistema que combina reembolso de gastos eleitorais e subsdiopblico com contribuies e doaes privadas. O reembolso atende a partidos que tenhamobtido at 0,5% dos votos na eleio anterior e que apresentem contas detalhadas dereceitas e despesas. O governo subsidia mensalidades e doaes de filiados pela deduonos impostos, chegando em mdia a at 38% dos recursos privados que chegam aospartidos, vinculando a ajuda governamental ao montante que os partidos obtm de fontesprivadas.

    Candidatos independentes apresentados por no mnimo 200 eleitores de seudistrito podem requerer reembolso de despesas nos mesmos termos dos partidrios. Para ospartidos alemes, as mensalidades de filiados representam em mdia 30% a 50% dasreceitas, enquanto os reembolsos governamentais chegam a 30%, e o restante vem deinvestimentos efetuados (ARAJO. 2004. p. 63). O caso alemo apontado comoexemplo de sistema misto, preservando a capacidade de arrecadao dos mais beneficiadose ao mesmo tempo auxiliando os segmentos menores da sociedade.

    A Frana proibiu as contribuies de pessoas jurdicas e de sindicatos desde1995, optando pelo financiamento pblico de campanhas por reembolso de 50% do limitedefinido de despesas (gastos autorizados expressamente pelo candidato), para os partidosque obtenham pelo menos 5% dos votos nas eleies. J na Itlia, o ambiente poltico foiabalado pelo escndalo de corrupo conhecido como Tangentopoli, colocando o sistemaem crise que ocasionou uma reformulao completa. Em 1999, um documento legaldisciplinou as contribuies voluntrias e o reembolso pblico de gastos de campanha, masa matria ainda objeto de discusso existindo propostas de alterao das regras(ARAJO. 2004. p. 65). Em ambos prevalece um sistema misto, com controle sobre asfontes do dinheiro.

    Os Estados Unidos utilizam um sistema misto, com dinheiro pblico e privadoem conjunto abastecendo os cofres polticos. Existe um fundo pblico suprido porcontribuies voluntrias de cidados, de valores referentes ao imposto de renda a pagar. Ocandidato que optar pelo fundo obriga-se tambm aos controles legais e ao limite degastos, mas existe a possibilidade de renncia a essa fonte. As doaes privadas estolimitadas a mil dlares para candidatos de forma direta, e vinte e cinco mil dlares parapartidos, no sendo permitido a empresas, bancos e sindicatos usar verbas de suastesourarias. Esse dinheiro conhecido por "hard money", possivelmente pelos limites

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  • impostos. Entretanto, a lei permite que empresas e grupos de indivduos formem comitspolticos para apoio a partidos no a candidatos recolhendo doaes sem limites, queficaram conhecidas por "soft money". Em 2002, houve uma alterao nas regras do "softmoney", proibindo o seu uso em eleies federais, mas os grupos de interesse passaram ainvestir em campanhas publicitrias de apoio a temas especficos, que eventualmente soidentificados com um ou outro candidato, configurando um aporte de recursos indireto(BACKES. 2005. p.3).

    No caso latino-americano, a quase totalidade dos pases adota sistemas definanciamento partidrio mistos, combinando o aporte pblico e o privado de formas epropores diversas, com uma nica exceo, a Venezuela, que no permite o aporte derecursos pblicos. Os fundos pblicos podem destinar-se sustentao institucional dospartidos, cobertura dos gastos ordinrios de funcionamento, ou ento podem voltar-se aoaporte eleitoral, disponibilizando recursos direta ou indiretamente para as campanhaseleitorais. O parmetro dominante fator decisivo para o papel do sistema partidrio nolongo prazo, alternando-se entre o fortalecimento de foras tradicionais ou viabilizandonovas correntes polticas por vezes sem representatividade (RBIO. 2005. p.11).

    Com relao aos fundos privados, a maioria dos pases latino-americanos prevlimites e restries qualidade do financiador ou das doaes, e ao montante dos aportes.As limitaes ao volume de contribuies visam diminuir a influncia dos grandes gruposeconmicos e permitir a participao de pequenos doadores, reduzindo o compromissops-eleitoral dos parlamentares frente aos financiadores. As demais restries buscamevitar conflitos entre os atores ou buscam impedir interesses estrangeiros nas decisesnacionais. No entanto, a existncia de limites acaba, na prtica, incentivando a insero docapital privado por vias paralelas e isentas de controle.

    Ainda com relao Amrica Latina, ocorreu em Montevidu, nos dias 27 e 28de novembro, o Seminrio de Legislao Comparada de Financiamento de PartidosPolticos, sob a orientao da organizao Transparncia Internacional, contando comexposies de representantes de 16 pases da regio. As principais concluses so de que osistema misto o mais praticado nas trs Amricas, seja de forma direta, pela injeo dedinheiro, seja pela forma indireta, por deduo de impostos ou gratuidade no acesso aservios pblicos ou a meios de comunicao. Um dos problemas relacionados ao recurso

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  • pblico foi a burocratizao dos partidos, gerando um incentivo transformao desses emorganizaes que vivem da poltica, apenas sustentados pelo Estado (VAZ, 2007. p. 2).

    3.4 Financiamento de campanhas eleitorais no Brasil

    Em nosso pas vigora um sistema misto de financiamento de atividades polticas,com volume expressivo para a parcela privada de recursos. As regras eleitorais instituemprocedimentos abrangendo a origem e o destino dos fundos, os atores envolvidos, osprazos e os procedimentos necessrios, os critrios de alocao de recursos, as exignciasde transparncia e divulgao, e os mecanismos de controle e sanes para coibir astransgresses (ARAJO. 2004. p. 59). A destinao de recursos oramentrios d-se porduas vias: o fundo partidrio e o horrio eleitoral gratuito.

    Evoluo Fundo PartidrioAno Valor - R$2000 70.224.978,612001 91.212.532,002002 91.063.795,002003 122.545.379,002004 124.761.563,002005 135.670.066,002006 148.376.509,08

    Tabela 1: Evoluo do Fundo Partidrio em valores no sculo XXI. Fonte: siteTSE

    O fundo partidrio foi criado pela Lei 4.740, de 15 de julho de 1965, mantidopela Lei 5.682, de 21 de julho de 1971 e includo no texto constitucional em 1988.Composto originalmente por multas e penalidades eleitorais, de verbas previstas em lei epor doaes particulares, recebeu dotaes oramentrias expressas pela Lei 9.096, de 19de setembro de 1995. Os recursos do fundo partidrio devem ser utilizados em atividadesde interesse dos partidos. No sculo XXI o valor destinado ao fundo partidrio mais do quedobrou, saindo de aproximados setenta milhes de reais em 2000 para mais de cento equarenta milhes seis anos depois, em 2006 (TRINDADE, 2004. p. 11).

    O horrio eleitoral em rdio no Brasil teve incio em 1950, com a Lei n 1.164/50,porm de forma paga, com previso de uso de uma tabela de preos igual para todos ospostulantes. Tal situao permaneceu at o ano de 1960, conforme dispe o artigo 16, daResoluo 6.508, de 13.07.1960, que previa duas horas dirias propaganda partidria,"destinando-as sob rigoroso critrio de rotatividade, aos diferentes partidos, mediante

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  • tabela de preos iguais para todos." (Tribunal Superior Eleitoral. Consulta n 14891.2007). J em 1962, a Lei 4.109, de 20 de julho, estatua em seu artigo 13 a propagandaeleitoral gratuita, conforme texto do pargrafo terceiro:

    " 3 As estaes de radiodifuso e televiso de qualquerpotncia,....., reservaro diriamente duas (2) horas para propagandapoltica gratuita,... sob critrio de rigorosa rotatividade aos diferentespartidos, e distribudas entre eles na proporo das respectivaslegendas no Congresso Nacional e nas Assemblias LegislativasEstaduais e, Cmaras Municipais."

    Ressalte-se que a lei eleitoral no mencionava o reembolso ou pagamento dequalquer espcie pelo Estado pelas horas utilizadas a ttulo de propaganda eleitoralgratuita, que implicava ento em perda de arrecadao para as empresas de radiodifuso eteleviso. J o artigo 99 da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, prev a compensaofiscal para as emissoras, de forma proporcional ao tempo ocupado na forma legal,regulamentado pelo Decreto 3.786, de abril de 2001, que estipula as regras para o clculoda compensao. Face renncia do governo s receitas oriundas de impostos devidos,como forma de reembolso ao custo estimado da transmisso da propaganda eleitoral,caracteriza-se o financiamento pblico de campanha eleitoral, ainda que de forma indireta.

    A Lei 9.504/97 regulamenta o financiamento de campanhas eleitorais nos seusartigos dezessete a trinta e dois. A responsabilidade das despesas da campanha eleitoral atribuda aos partidos polticos e aos seus candidatos, que podem receber doaes depessoas fsicas (limitado individualmente a 10% dos rendimentos brutos auferidos no anoanterior) ou jurdicas at um montante limite fixado em lei ou declarado Justia Eleitoralno pedido de registro de candidaturas de partidos ou coligaes. vedado o recebimentode doaes de entidades estrangeiras ou nacionais que recebam recursos do exterior,rgos da administrao pblica direta ou indireta, concessionrio do servio pblico,entidades que recebam verbas pblicas ou valores oriundos de dispositivo legal, entidadesde classe ou sindicais, de utilidade pblica, entidades beneficentes ou religiosas,organizaes da sociedade civil ou de interesse pblico.

    As penalidades previstas para o descumprimento da legislao eleitoral vo desdea aplicao de multas proporcionais s irregularidades at a negao ou cassao dodiploma de eleio, podendo ainda os partidos que no cumprirem normas perderem odireito quota do Fundo Partidrio. As prestaes de contas que contiverem indcios deirregularidades podero ser retificadas. As eventuais sobras de campanha devero ser

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  • transferidas aos partidos ou coligaes respectivos. orientada a abertura de contabancria especfica, que dever registrar toda a movimentao financeira relativa campanha (receitas e despesas). Obrigatoriamente deve-se registrar um comit financeiroque responder pela arrecadao de recursos e sua aplicao na campanha. Os candidatosso responsveis, solidariamente com as pessoas indicadas para comits financeiros, pelasdeclaraes e registros financeiros das campanhas eleitorais. Fica vedada a doao dequalquer espcie por parte do candidato entre o registro e a eleio.

    So considerados gastos eleitorais as despesas com material de propaganda eprogramas de rdio e televiso, aluguel de locais, transporte e remunerao de pessoal aservio das candidaturas, realizao de pesquisas e testes, organizao de comits,comcios ou eventos de promoo, carros de som e assemelhados, e tambm multasaplicadas por infrao da legislao eleitoral. O movimento financeiro das campanhas serdivulgado durante a campanha pela Internet, e ser discriminado em prestao de contasapresentada pelo comit financeiro ou pelo prprio candidato Justia Eleitoral, queproceder ao exame das contas e decidir pela sua regularidade.

    A Justia Eleitoral, composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelos TribunaisRegionais Eleitorais, pelas juntas eleitorais e pelos juizes eleitorais, responsvel peloregistro dos partidos, pela distribuio dos recursos afetos s eleies e aos partidos e pelafiscalizao do uso e a prestao de contas dos entes polticos. Cabe-lhe ainda processar ejulgar a cassao do registro de partidos polticos, os crimes eleitorais e comuns conexos eas reclamaes relativas a obrigaes impostas por lei aos partidos polticos, quanto sua contabilidade e apurao da origem dos seus recursos (Cdigo Eleitoral, artigos 12e 22). O pas destaca-se no cenrio mundial pelo sistema informatizado de apurao depleitos, tendo implantado a urna eletrnica desde 1996, que permanece como nica naAmrica Latina (VAZ. 2007. p.1).

    3.5 Propostas de reforma.

    As propostas de alterao do financiamento de atividades polticas no Brasilcostumam ocorrer de forma atrelada a uma discusso mais ampla, referente reformapoltica ou do sistema poltico, com sugestes de mudana que compreendem desde a fontede financiamento at a organizao da forma de eleio. Vrias so as propostas, tanto nombito do Poder Legislativo, quanto em nvel acadmico, sobre mudanas no sistemaeleitoral. Para os fins desse trabalho, vai ser apresentada e analisada a proposta em

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  • tramitao na Cmara dos Deputados que mais se aproxima de apreciao em Plenrio,ainda que sem previso objetiva para compor a pauta de votaes.

    Ao longo do ano de 2003, reuniu-se a Comisso Especial de Reforma Poltica,com o objetivo de propor alteraes de carter estrutural no sistema eleitoral vigente,modificando profundamente a vida partidria. Como resultado, foi apresentado o projetode lei n 2.679/2003, que, dentre outros temas, introduz a lista fechada de candidatos porpartido, o financiamento pblico exclusivo de campanhas eleitorais, uma clusula dedesempenho eleitoral, e a possibilidade de uma federao de partidos. O texto foi objeto deparecer favorvel no mbito da Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania no finalde 2004 (CINTRA. 2005. p. 3).

    O financiamento de campanha eleitoral recebeu um tratamento radical naproposta, cujos termos definem que a origem dos recursos passa a ser exclusivamentepblica, com dotao prevista na Lei Oramentria Anual (LOA) no valor de R$ 7,00 (setereais) por eleitor no Pas. Fica vedado o uso de recursos em dinheiro ou estimveis emdinheiro provenientes de partidos, federaes partidrias, pessoas fsicas e jurdicas. OOramento ser consignado Justia Eleitoral que far a distribuio do montante porpartido em percentuais proporcionais ao desempenho eleitoral nas ltimas eleies(CINTRA. 2005. p. 4).

    Em entrevista ao programa Expresso Nacional, da TV Cmara, levado ao ar em08/09/2005, o Deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), relator da Comisso Especial daReforma Poltica, argumenta que no sistema atual um cidado somente pode ser candidatose tiver o dinheiro suficiente, ultrapassando a barreira financeira. A tentativa de viabilizar acampanha individual pode dar margem inclusive a emprego de capital ilegalmente obtido,como contrabando, jogo, e narcotrfico. A questo da origem exclusivamente pblica paraas necessidades monetrias de partidos e candidatos recebe vrias crticas de analistas darea poltica, conforme j mencionado. Ainda que a ajuda oficial exclusiva possa daralguma visibilidade a partidos e candidatos de pouca expresso, no h garantia deafastamento da corrupo nas campanhas eleitorais. Sobre o obstculo monetrio,conforme demonstrado mais adiante em simulao das condies de distribuio de verbaprevistas, as novas regras no tornam mais acessvel a cadeira parlamentar ao cidado,antes cria um desequilbrio financeiro que beneficia quem j est de posse de mandato.

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  • No PL 2679/03, as despesas eleitorais sero de responsabilidade de partidos esuas federaes, cabendo-lhes a prestao de contas Justia Eleitoral, enquanto na lei emvigor, recai sobre o candidato a administrao da campanha e a justificativa dos montantesdispendidos. Essa medida; conjugada com a instituio da lista preordenada de candidatos,viabilizaria o controle e fiscalizao da aplicao dos recursos. (CINTRA. 2005. p. 9). Masa vinculao de temas, com conseqncias diversas no jogo poltico, aumenta acomplexidade da anlise e a dificuldade de aceitao das novas regras, no apenas naclasse poltica como tambm junto sociedade.

    No mesmo programa da TV Cmara, o Deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ),presidente da Comisso Especial da Reforma Poltica, justificou o correlacionamento dosassu