financiamento da cga

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O financiamento do regime de pensões da CGA. A exigência de um debate informado. A proposta de Lei entregue no Parlamento que reforça a convergência do regime de pensões da Caixa Geral de Aposentações (Caixa) com o Regime Geral da Segurança Social (RGSS) tem sido criticada, entre outros, com o argumento de que a situação de insustentabilidade financeira da Caixa é imputável ao Estado porque, por um lado, fechou o regime, a partir de 2006, a novos subscritores e, por outro, não assumiu ao longo dos tempos as suas responsabilidades contributivas como empregador. A discussão pública sobre os sistemas de pensões e, em particular, sobre o regime da Caixa é de saudar, permitindo que a opinião pública possa tomar consciência dos importantes desafios e decisões (cruciais) que o país enfrenta neste domínio. Importa, porém, que essa discussão se faça com rigor e com uma visão objetiva sobre a realidade do regime de pensões dos funcionários públicos. Por economia de espaço, o presente artigo não se ocupará de fundamentar os motivos pelos quais hoje, mais do que nunca, se justifica - por elementar justiça relativa e equidade aprofundar a convergência do regime de pensões da Caixa com o RGSS, com efeitos inter-geracionais. Aconselha-se, a este propósito, a leitura da exposição de motivos que acompanha a proposta de Lei entregue no Parlamento, sobretudo a quem participa no debate público sobre o assunto. Centramo-nos, por ora, apenas na questão da sustentabilidade financeira do regime da Caixa. Partimos de uma realidade indesmentível: o desequilíbrio financeiro da Caixa é crescente e exige verbas cada vez mais elevadas do Estado. Em 2013, o défice que terá de ser coberto por transferências diretas do OE ronda os 4,4 mil milhões de euros. Há, no entanto, que reconhecer que a Caixa paga pensões assumidas pelo Estado sem contribuições para o sistema num valor que, em 2013, ascende a 281 milhões de euros, ao que acrescem ainda 220 milhões de euros relativos a encargos com os pensionistas abrangidos por fundos de pensões transferidos para a Caixa e cujas reservas foram entretanto extintas. Deduzidos estes encargos chegamos a um valor de 3,9 mil milhões de euros, que representa o montante de transferências do OE necessário para compensar, em 2013, o desequilíbrio financeiro do “regime contributivo” da Caixa. Mesmo se os funcionários públicos admitidos a partir de 2006, inscritos no RGSS em consequência do fecho da Caixa, tivessem em 2013 contribuído, sobre a respetiva massa salarial, para a Caixa à taxa de 11% e os serviços públicos à taxa de 20%, ainda assim o Estado teria de contribuir, através do OE, com 3,5 mil milhões de euros. Desta demonstração, resulta a evidência de que o desequilíbrio financeiro da Caixa está muito longe de poder ser explicado pelo fecho a novos subscritores desde 2006. Para além das transferências diretas do OE, o Estado contribui ainda para o financiamento da Caixa através da contribuição dos serviços públicos sobre as

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Texto sobre como se processa o financiamento da CGA

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  • O financiamento do regime de penses da CGA. A exigncia de um debate informado. A proposta de Lei entregue no Parlamento que refora a convergncia do regime de penses da Caixa Geral de Aposentaes (Caixa) com o Regime Geral da Segurana Social (RGSS) tem sido criticada, entre outros, com o argumento de que a situao de insustentabilidade financeira da Caixa imputvel ao Estado porque, por um lado, fechou o regime, a partir de 2006, a novos subscritores e, por outro, no assumiu ao longo dos tempos as suas responsabilidades contributivas como empregador. A discusso pblica sobre os sistemas de penses e, em particular, sobre o regime da Caixa de saudar, permitindo que a opinio pblica possa tomar conscincia dos importantes desafios e decises (cruciais) que o pas enfrenta neste domnio. Importa, porm, que essa discusso se faa com rigor e com uma viso objetiva sobre a realidade do regime de penses dos funcionrios pblicos. Por economia de espao, o presente artigo no se ocupar de fundamentar os motivos pelos quais hoje, mais do que nunca, se justifica - por elementar justia relativa e equidade aprofundar a convergncia do regime de penses da Caixa com o RGSS, com efeitos inter-geracionais. Aconselha-se, a este propsito, a leitura da exposio de motivos que acompanha a proposta de Lei entregue no Parlamento, sobretudo a quem participa no debate pblico sobre o assunto. Centramo-nos, por ora, apenas na questo da sustentabilidade financeira do regime da Caixa. Partimos de uma realidade indesmentvel: o desequilbrio financeiro da Caixa crescente e exige verbas cada vez mais elevadas do Estado. Em 2013, o dfice que ter de ser coberto por transferncias diretas do OE ronda os 4,4 mil milhes de euros. H, no entanto, que reconhecer que a Caixa paga penses assumidas pelo Estado sem contribuies para o sistema num valor que, em 2013, ascende a 281 milhes de euros, ao que acrescem ainda 220 milhes de euros relativos a encargos com os pensionistas abrangidos por fundos de penses transferidos para a Caixa e cujas reservas foram entretanto extintas. Deduzidos estes encargos chegamos a um valor de 3,9 mil milhes de euros, que representa o montante de transferncias do OE necessrio para compensar, em 2013, o desequilbrio financeiro do regime contributivo da Caixa. Mesmo se os funcionrios pblicos admitidos a partir de 2006, inscritos no RGSS em consequncia do fecho da Caixa, tivessem em 2013 contribudo, sobre a respetiva massa salarial, para a Caixa taxa de 11% e os servios pblicos taxa de 20%, ainda assim o Estado teria de contribuir, atravs do OE, com 3,5 mil milhes de euros. Desta demonstrao, resulta a evidncia de que o desequilbrio financeiro da Caixa est muito longe de poder ser explicado pelo fecho a novos subscritores desde 2006. Para alm das transferncias diretas do OE, o Estado contribui ainda para o financiamento da Caixa atravs da contribuio dos servios pblicos sobre as

  • remuneraes dos seus trabalhadores (20% em 2013), o que representa um nvel de financiamento na ordem dos 2,3 mil milhes de euros. Deste modo, em 2013 o Estado, entre as transferncias diretas do OE e contribuies dos servios pblicos, vai despender um total de 6,2 mil milhes para financiar o regime contributivo da Caixa, valor que representa 51,5% da massa salarial dos subscritores. No RGSS, para as eventualidades cobertas pela Caixa (apenas invalidez, velhice e morte) a taxa do empregador de 18,29%. Ou seja, ao Estado exigido um esforo contributivo quase trs vezes superior ao que pedido a um empregador comum, com tendncia crescente. Sublinha-se, porque importante que no subsistam dvidas nesta matria, que o Estado contribui anualmente h quase duas dcadas para a Caixa com verbas, sempre crescentes, superiores s que resultariam da taxa do empregador comum sucessivamente em vigor no mbito do RGSS. E tm-no feito para financiar um regime maduro (j o era em 2005, antes do fecho a novos subscritores) com um nvel de prestaes historicamente superior - a diversos nveis, que no apenas na frmula de clculo das penses ao que assegurado pelo RGSS. Mesmo que o Estado tivesse contribudo com as taxas do RGSS desde h pelo menos 40 anos e a Caixa tivesse capitalizado (por hiptese taxa de 4%) os excedentes, que seriam obtidos nos primeiros tempos do sistema, relativamente ao que o Estado contribuiu para assegurar o pagamento das penses, esses excedentes ter-se-iam esgotado h muitos anos. S entre 2006 e 2013, o dfice acumulado da Caixa (diferena entre o que o Estado contribuiu e o que contribuiria de acordo com as taxas RGSS) prximo de 25 mil milhes de euros. Assim se demonstra que o Estado contribuiu muito para alm do nvel de responsabilidades que seriam exigveis no mbito do RGSS, rejeitando-se a argumentao de que o Estado no cumpriu, ao longo dos tempos, as suas obrigaes de financiamento da Caixa. evidente que, num regime fechado, o Estado ter que cobrir a parte do autofinanciamento perdida em resultado desse fecho. Mas no poder, por certo, continuar a garantir por muito mais tempo um nvel de contribuies que quase o triplo do esforo de um empregador comum, tendo em vista assegurar penses que incorporam um diferencial (definido em pelo menos 10%, muito por defeito) entre o nvel de benefcios assegurado no passado por aquele regime a quem nele se inscreveu at 1993 e o nvel de prestaes dos beneficirios do RGSS. Na verdade, pouco ou nada se tem dito sobre a histrica disparidade de benefcios entre os aposentados da Caixa e os reformados do RGSS, que se visa corrigir com a proposta de Lei, ou sobre a desproporo entre o esforo contributivo que foi pedido aos atuais pensionistas da Caixa no passado e as prestaes que recebem, bem como o esforo exigido aos atuais subscritores para as suportarem. Invocam-se, simplesmente, os direitos j constitudos, esquecendo-se as circunstncias que os determinaram, a situao atual do pas e, sobretudo, que tm que ser financiados no presente (em parte com impostos ou com dvida). O debate sobre este tema fundamental, e a todos interessa. Mas exige-se que seja um debate informado e sereno.