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GRADUAÇÃO 2015.1 FINANçAS PúBLICAS AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTA COLABORAÇÃO: BIANCA DUTRA SILVA REGO

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GRADUAÇÃO 2015.1

Finanças Públicas

AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTACOLABORAÇÃO: BIANCA DUTRA SILVA REGO

SumárioFinanças Públicas

AUlA 1 — PRé-cOmPReenSÃO DO temA. AS neceSSiDADeS PúblicAS e A AtiviDADe FinAnceiRA DO eStADO. bReve hiStóRicO DOS tRibUtOS e DAS FinAnÇAS PúblicAS em FAce DA evOlUÇÃO SOciAl. ................................ 3

AUlA 2 — AtiviDADe FinAnceiRA DO eStADO nA FeDeRAÇÃO. ................................................................................... 23

AUlA 3 — O eStADO FinAnceiRO, A RePúblicA e O FeDeRAliSmO FiScAl. A DiStRibUiÇÃO De FUnÇõeS entRe OS PODeReS ...................................................................................... 40

AUlA 4 — O PlAnejAmentO e AS leiS ORÇAmentáRiAS (PPA, lDO e lOA) .................................................................... 59

4.2 iniciAtivA, elAbORAÇÃO, APReciAÇÃO e vOtAÇÃO DOS PROjetOS ........................................................... 64

4.3 PRAzOS De APReSentAÇÃO e A viGênciA DAS leiS ORÇAmentáRiAS ........................................................ 72

AUlA 5 — OS PRincíPiOS ORÇAmentáRiOS ........................................................................................................... 84

AUlA 6 — OS cRéDitOS ORÇAmentáRiOS e ADiciOnAiS ............................................................................................ 91

AUlA 7 — A DeSPeSA PúblicA, A execUÇÃO DO ORÇAmentO e A ReSPOnSAbiliDADe FiScAl. ........................................ 106

AUlA 8 — O FinAnciAmentO DOS GAStOS, AS OPeRAÇõeS De cRéDitO e A DíviDA PúblicA em FAce DO eqUilíbRiO FiScAl. ............................................................................... 125

AUlA 9 — AS tRAnSFeRênciAS cOnStitUciOnAiS e A PARtilhA De ReceitA tRibUtáRiA nO FeDeRAliSmO FiScAl bRASileiRO ................................................................................................... 143

AUlA 10 — A ReceitA PúblicA nO âmbitO DA teORiA GeRAl DOS inGReSSOS PúblicOS. .............................................. 161

AUlA 11 — A ReceitA PúblicA e A lei De ReSPOnSAbiliDADe FiScAl ....................................................................... 179

AUlA 12 — O tRibUnAl De cOntAS e O cOntROle DA execUÇÃO ORÇAmentáRiA. ........................................................ 183

AnexO — ReFeRênciAS bibliOGRáFicAS e exeRcíciOS .......................................................................................... 196

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 3

1 Nos termos em que será examinado nesta aula, as Finanças Públicas e o Direito Financeiro possuem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado. No entanto, a disciplina jurídica é normativa e emi-nentemente prática, ao passo que a ci-ência das finanças é especulativa, não possuindo caráter disciplinador, pois é pré-normativa e atinente ao campo da economia. Não quer dizer, entretanto, que a ciência jurídica possua um fim em si mesma e possa ser estudada, compreendida e aplicada sem a perma-nente interação com os outros campos do conhecimento formal e da realidade que se interpenetram. De fato, a ca-pacidade humana de compreender a realidade é limitada, o que suscita as inevitáveis segmentações dos objetos e relações sob exame e bem assim a cria-ção de modelos simplificados e parciais para a sua análise.

2 Vide artigo 2º da Constituição da Re-pública Federativa do Brasil de 1988, de agora em diante simplesmente CR-88, cujo Título IV intitula-se “Da Organi-zação dos Poderes”. A parte relevante do tema para o presente estudo será apresentada na Aula 3 e detalhado na Aula 4.

3 No caso brasileiro, a adoção da forma de Estado Federado está expressa, em especial, nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88. O Federalismo Fiscal será introduzido na Aula 2 ocasião em que será iniciado o estudo do Capítulo II, do Título VI, da CR-88 (art. 163 a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”. O exame do atual regime de repartição de receitas tributárias na Federação brasileira será aprofundado na Aula 9 e a apresentação do sistema de atri-buição de competências tributárias entre os entes políticos no Brasil será realizado na Aula 13, ocasião em que será iniciada a análise do Capítulo I, do Título VI, da CR-88, denominado “Do Sistema Tributário Nacional” — art. 145 a 162 da CR-88.

4 O estudo da dinâmica e da ratio subja-cente ao processo político democrático é de fundamental importância para a compreensão de quais deveriam ser, sob o ponto de vista teórico, as atri-buições de cada um dos denominados Poderes da República na definição e execução das políticas públicas a serem implementadas pelos entes políticos, assim como o papel do planejamento e dos orçamentos na sociedade bra-sileira.

5 Vide art. 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa questão é importante, por exem-plo, para a compreensão dos possíveis efeitos sobre o exercício da compe-tência tributária privativa dos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), na hipótese em

AulA 1 — Pré-comPreensão do temA. As necessidAdes PúblicAs e A AtividAde FinAnceirA do estAdo. breve histórico dos tributos e dAs FinAnçAs PúblicAs em FAce dA evolução sociAl.

1.1 Pré-comPreensão do tema

A compreensão de cada parte que compõe o objeto de estudo das Finan-ças Públicas1 (juízo deôntico prescritivo do dever-ser), assim como da inte-ração de seu conjunto e a realidade social (juízo ôntico descritivo do ser), pressupõe o entendimento de alguns elementos de natureza estruturante da atividade financeira do Estado e bem assim do caráter multifacetado dos or-çamentos, das despesas públicas, dos tributos e das demais receitas públicas não tributárias.

Conforme será visto, esses temas podem ser examinados a partir do ponto de vista estritamente normativo, do enfoque exclusivamente econômico ou, ainda, da perspectiva em que o Direito, a Economia e a Política se correlacio-nam e interpenetram. Destacam-se entre esses elementos, todos essenciais ao entendimento da matéria e cuja análise efetivar-se-á ao longo do curso:

1. os princípios fundantes do ordenamento jurídico brasileiro volta-dos para a pulverização e contenção do exercício dos poderes esta-tais, destacando-se entre eles o sistema de distribuição de funções, de independência e de harmonia entre os denominados “Poderes” da República2, assim como a Forma de Estado3 Democrático4 de Direito, usualmente denominados de Princípios Republicano, Fe-derativo e Democrático, respectivamente, além da Forma e do Sis-tema de Governo5 implementados;

2. a função de planejamento exercida pelo Estado6 e a sua ligação com as finanças públicas por meio dos orçamentos,7 instrumentos neces-sários para a realização da atividade financeira pública;

3. as diversas estratificações, fases e dinâmica dos gastos públicos bem como das múltiplas fontes para o seu financiamento;

4. os limites à atuação do Estado atual em face dos direitos e garantias do cidadão contribuinte;

A necessidade do prévio entendimento desses elementos, que englobam múltiplas disciplinas, decorre do fato de que as Finanças Públicas e a Tri-butação são subsistemas tanto do Direito como da Economia, e, ao mesmo tempo, expressão e resultante de um longo processo de sedimentação Polí-tica e Cultural de determinado povo, localizado em território definido em

1. Nos termos em que será exami-nado nesta aula, as Finanças Pú-blicas e o Direito Financeiro possuem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado. No entanto, a dis-ciplina jurídica é normativa e eminentemente prática, ao passo que a ciência das finanças é espe-culativa, não possuindo caráter discipli-nador, pois é pré-normativa e atinente ao campo da economia. Não quer dizer, entretanto, que a ciência jurídica possua um fim em si mesma e possa ser estudada, compreendida e aplicada sem a permanente interação com os outros campos do conhecimento for-mal e da realidade que se interpene-tram. De fato, a capacidade humana de compreender a realidade é limitada, o que suscita as inevitáveis segmenta-ções dos objetos e relações sob exame e bem assim a criação de modelos sim-plificados e parciais para a sua análise.

2. Vide artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de agora em diante simplesmente CR-88, cujo Título IV intitula-se “Da Orga-nização dos Poderes”. A parte relevante do tema para o presente estudo será apresentada na Aula 3 e detalhado na Aula 4.

3. No caso brasileiro, a adoção da forma de Estado Federado está ex-pressa, em especial, nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88. O Federalismo Fiscal será introduzido na Aula 2 oca-sião em que será iniciado o estudo do Capítulo II, do Título VI, da CR-88 (art. 163 a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”. O exame do atual regime de repartição de receitas tributárias na Fe-deração brasileira será aprofundado na Aula 9 e a apresentação do sistema de atribuição de competências tributárias entre os entes políticos no Brasil será realizado na Aula 1 do próximo semes-tre, ocasião em que será iniciada a aná-lise do Capítulo I, do Título VI, da CR-88, denominado “Do Sistema Tributário Nacional” - art. 145 a 162 da CR-88.

4. O estudo da dinâmica e da ratio subjacente ao processo político demo-crático é de fundamental importância para a compreensão de quais deveriam ser, sob o ponto de vista teórico, as atri-buições de cada um dos denominados Poderes da República na definição e execução das políticas públicas a serem implementadas pelos entes políticos, assim como o papel do planejamento e dos orçamentos na sociedade bra-sileira.

5. Vide art. 2º dos Atos das Dis-posições Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa questão é importante, por exemplo, para a compreensão dos pos-síveis efeitos sobre o exercício da com-petência tributária privativa dos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), na hipótese em que os tratados internacionais de natu-reza tributária firmados pelo presiden-te da República Federativa do Brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe do Poder Executivo da União e chefe de Estado — da República Federativa do Brasil, estabeleçam isenções e benefícios fis-cais de tributos estaduais e municipais. Sobre o tema importante ressaltar a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será examinado no curso intitulado Sistema Tributário Nacional

6. O Estado atua, além do pla-nejamento, que será objeto de estudo na Aula 4 na fiscalização e no incentivo, e bem assim como agente normativo e regula-dor da atividade econômica (art.174 da CR-88), na prestação de serviços públicos (art. 175 da CR-88), na exploração da ati-vidade econômica (art. 173 da CR-88), em regime de monopólio ou não (art. 177 da CR-88), no exercício do poder de polícia (art. 78 da Lei nº 5.172/66, norma denominada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar n 36/67 e recepcio-nada com status de lei complementar pela CR-88, conforme será examinado a partir da Aula 9).

7. O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 4

que os tratados internacionais de natu-reza tributária firmados pelo presiden-te da República Federativa do Brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe do Poder Executivo da União e chefe de Estado — da República Federativa do Brasil, estabeleçam isenções e benefícios fis-cais de tributos estaduais e municipais. Sobre o tema importante ressaltar a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será examinado no curso intitulado Sistema Tributário Nacional

6 O Estado atua, além do planejamen-to, que será objeto de estudo na Aula 4 na fiscalização e no incentivo, e bem assim como agente normativo e regulador da atividade econômica (art.174 da CR-88), na prestação de serviços públicos (art. 175 da CR-88), na exploração da atividade econômi-ca (art. 173 da CR-88), em regime de monopólio ou não (art. 177 da CR-88), no exercício do poder de polícia (art. 78 da Lei nº 5.172/66, norma deno-minada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar n 36/67 e recepcionada com status de lei com-plementar pela CR-88, conforme será examinado a partir da Aula 9).

7 O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

8 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Di-reito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo Bayer. p. 110 e 115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que ela de tempos em tem-pos venha a ser frustrada. Através da institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não existir uma aprovação indivi-dual (...) O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de cami-nhos congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz con-sideravelmente o risco de expectativa contrafática”. A contenção e os limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados na disciplina Sistema Tributário Nacional.

9 Para a compreensão do tema reco-menda-se a revisão da Aula 3 do Ma-terial didático de Direito Constitucional I (2010.2) — intitulada Conceito de Sistema.

dado momento histórico, sob as inevitáveis influências das múltiplas intera-ções dinâmicas de âmbito local, regional e global.

No entanto, se por um lado existe o requisito do exame multidisciplinar e interdisciplinar das questões envolvidas, deve-se destacar que as normas eco-nômicas não possuem caráter impositivo formal por força de sua simples existência, razão da indispensabilidade da norma jurídica, pois somente esta reveste a coercitividade muitas vezes necessária à realização e disciplina da atividade financeira estatal e, ao mesmo tempo, pode, também, fixar os limi-tes e os parâmetros para a atuação do Estado de Direito, reduzindo o risco de descumprimento8 das “regras do jogo” pelas partes que interagem nas rela-ções financeiras e tributárias.

Cumpre, ainda, ressaltar que o estudo das Finanças Públicas possui ca-ráter especulativo e abrange toda a atividade financeira do Estado, isto é, os orçamentos, as despesas, a dívida pública bem como as diferentes formas de financiamento dos gastos públicos, destacando-se entre elas os tribu-tos, as receitas decorrentes do patrimônio do próprio Estado e o crédito público. Destaque-se, entretanto, que, diferentemente do que ocorre com o Direito Financeiro, o estudo das Finanças Públicas não tem caráter nor-mativo, tendo em vista ter como objetivo precípuo a análise econômica e o estudo dos possíveis impactos da atividade financeira do Estado.

Em suma, apesar do Direito Financeiro e as Finanças Públicas possuírem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado (AFE), a primeira disciplina é eminentemente normativa e a outra marcadamente es-peculativa. Em sentido análogo, o estudo dos tributos é objeto de exame tanto do Direito Tributário como da Tributação, apesar do enfoque do pri-meiro ser jurídico e do segundo ser econômico. Inquestionável, entretanto, que somente é possível compreender os tributos e a tributação no contexto das Finanças Públicas em sua interação com a Política, o Direito e a Econo-mia, fenômenos indissociáveis9 e usualmente analisados separadamente por comodidade ou questões de ordem didática. O quadro abaixo sumariza de forma esquemática o objeto de estudo do curso bem como a interação com o direito tributário e as diversas disciplinas mencionadas:

8. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo Bayer. p. 110 e 115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que ela de tempos em tem-pos venha a ser frustrada. Através da institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não existir uma aprovação indivi-dual (...) O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de cami-nhos congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz con-sideravelmente o risco de expectativa contrafática”. A contenção e os limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados na disciplina Sistema Tributário Nacional.

9. Para a compreensão do tema recomenda-se a revisão da Aula 3 do Material didático de Direito Constitu-cional I (2010.2) — intitulada Conceito de Sistema.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 5

10 FERREIRA, Aurélio Buarque de Ho-landa, Novo Aurélio Século XXI: o di-cionário da língua portuguesa/ Aurélio Buarque de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999. “finanças. A situação econômica de uma instituição, empre-sa, governo ou indivíduo, com respeito aos recursos econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou ativo líquido; ou con-dição financeira”.

11 O artigo 48, II, da Constituição da Re-pública de 1988 fixa a competência do Congresso Nacional para dispor sobre “emissões de curso forçado” e o arti-go 315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas em dinheiro deverão ser pa-gas no vencimento, em moeda corren-te pelo valor nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n° 10.192/2001 determina que o pagamento das obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deve ser realizado em real, ressalvadas as exceções pre-vistas na legislação. Nos termos dos artigos 5° e 42 da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre as licitações e os contratos públicos, todos os valores, preços e custos utilizados em licitações devem ter como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito in-ternacional, cujo edital deve ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigên-cias dos órgãos competentes.

12 Sob o ponto de vista jurídico Caio Má-rio da Silva Pereira pontua que “A idéia de patrimônio não está perfeitamente aclarada entre os modernos juristas, talvez em razão de não ter o direito romano fixado com segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, pa-trimônio seria o complexo das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente. (...) Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o conjunto de bens. (...) Noutros termos, o patri-mônio se compõe de um lado positivo e de outro negativo. A idéia geral é que a noção jurídica de patrimônio não importa balancear a situação, e apurar qual é o preponderante. Por não se te-rem desprendido desta preocupação de verificar o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido, que exprime o sal-do positivo, uma subtração dos valores passivos dos ativos. Ao economista in-teressa a verificação. Também ao jurista tem de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica de resgatar seus compromissos com os próprios haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimônio abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos, sem inda-gação de uma eventual subtração ou de um balanço”. In. PEREIRA,Caio Mário da

1.2 as Finanças em seus múltiPlos asPectos

Fixadas essas noções preliminares, torna-se importante salientar o sentido e o alcance da expressão finanças para melhor compreensão da matéria.

Em sentido comum10, as finanças expressam a situação de uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou de direito privado, relacionadas aos recursos econômicos disponíveis.

Os bens e direitos, meios necessários para a satisfação dos mais variados desejos e objetivos de quem os possui, podem ter diversos graus de liquidez, ou seja, a pessoa pode dispor desde moeda corrente nacional11 ou estrangeira até imóveis de difícil alienação, seja em função das exigências legais para a autorização de sua disposição ou em função de condições de mercado.

Por outro lado, é importante ressaltar a necessidade de que seja também identificada, para as mesmas pessoas, titulares dos ativos, a existência e o montante de possíveis obrigações vinculadas a essas disponibilidades, isto é, se há também obrigações e dívidas assumidas, tendo em vista a relevância de que seja determinada a posição patrimonial líquida (capital próprio).12

Assim, a determinação da posição econômica e financeira de uma pessoa, de direito público ou privado, requer: (1) a definição de mecanismos para a quantificação monetária13 dos ativos e passivos, à exceção daqueles valores mantidos em caixa ou depositados em instituições financeiras, bem como dos passivos já expressos em moeda corrente; e (2) de um sistema para a sua evi-dência, controle e gerenciamento ao longo do tempo.

Idealmente, o sistema adotado para evidenciar as finanças, públicas ou privadas, deve compreender grupos de contas que expressem a realidade da atividade da organização, um regime de registro e contabilização dos atos e fatos relevantes, bem como demonstrativos financeiros que possibilitem o eficiente controle e a gestão da atividade da entidade e, ao mesmo tempo, aptos a informar adequadamente a situação:

10. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, novo aurélio século XXi: o dicionário da língua portugue-sa/ Aurélio Buarque de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999. “finan-ças. A situação econômica de uma insti-tuição, empresa, governo ou indivíduo, com respeito aos recursos econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou ativo lí-quido; ou condição financeira”.

11. O artigo 48, II, da Constituição da República de 1988 fixa a competência do Congresso Nacional para dispor sobre “emissões de curso forçado” e o artigo 315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda cor-rente pelo valor nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n° 10.192/2001 determina que o pagamento das obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deve ser realizado em real, ressalvadas as exceções pre-vistas na legislação. Nos termos dos artigos 5° e 42 da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre as licitações e os contratos públicos, todos os valores, preços e custos utilizados em licitações devem ter como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito in-ternacional, cujo edital deve ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigên-cias dos órgãos competentes. 12. Sob o ponto de vista jurídico Caio Mário da Silva Pereira pontua que “A idéia de patrimônio não está perfei-tamente aclarada entre os modernos juristas, talvez em razão de não ter o di-reito romano fixado com segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, patrimônio seria o complexo das rela-ções jurídicas de uma pessoa apreciá-veis economicamente. (...) Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o con-junto de bens. (...) Noutros termos, o patrimônio se compõe de um lado posi-tivo e de outro negativo. A idéia geral é que a noção jurídica de patrimônio não importa balancear a situação, e apurar qual é o preponderante. Por não se te-rem desprendido desta preocupação de verificar o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido, que exprime o sal-do positivo, uma subtração dos valores passivos dos ativos. Ao economista in-teressa a verificação. Também ao jurista tem de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica de resgatar seus compromissos com os próprios haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimônio abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos, sem inda-gação de uma eventual subtração ou de um balanço”. In. PEREIRA,Caio Mário da Silva. instituições de direito civil. 19ª ed. Volume I. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2002. p. 245.13. Princípio Contábil do denomina-dor comum monetário.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 6

Silva. Instituições de direito civil. 19ª ed. Volume I. Rio de Janeiro. Ed. Foren-se, 2002. p. 245.

13 Princípio Contábil do denominador comum monetário.

(a) Patrimonial, em determinado momento do tempo, bem como as suas variações entre períodos determinados (mutações ou variações patrimoniais);

(b) Financeira, propriamente dita, adequada ao gerenciamento de li-quidez de curto prazo e do fluxo de caixa necessário ao financia-mento das atividades operacionais correntes e de investimentos, bem como da estrutura de capital e de solvência de longo prazo; e

(c) Orçamentária, que expresse se foram, e em que grau, atingidas as metas estabelecidas, além de permitir o gerenciamento das ações planejadas, tendo em vista que o orçamento moderno (orçamento-programa) é instrumento essencial de ligação entre o planejamento das ações e as finanças, permitindo a operacionalização efetiva e concreta dos planos de trabalho, na medida em que os monetariza, isto é, quantifica-os em moeda permitindo o estabelecimento de cronogramas físico-financeiros.

Nesse sentido, cabe salientar que o correto entendimento dos mecanis-mos de quantificação monetária dos bens, direitos e obrigações, assim como das respectivas demonstrações financeiras que os evidenciam, é pressuposto à compreensão das Finanças Públicas e, em especial, de aspectos essenciais da tributação da renda, que ao lado do consumo e do patrimônio consubstan-ciam os substratos econômicos de incidência tributária.

Também é preliminar ao exame da matéria a distinção entre dois modelos de medidas adotados em análise econômica, denominadas, respectivamente, (1) stock measure, relacionado ao conceito de estoque, e (2) flow measure, vin-culado à quantificação de fluxos. O fluxo é definido ao longo de um período específico de tempo (por ano, mês, dia etc.), ao passo que o estoque refere-se a um dado momento no tempo, e não durante e ao longo de um dado perí-odo de tempo. Essa análise permite o acompanhamento da execução do que foi programando, por meio da verificação da execução dos orçamentos, o que explicita a situação patrimonial e financeira em um dado momento do tempo e ao longo do período. Assim, em termos gerais e de forma esquemá-tica, visando à compreensão dos elementos constitutivos básicos da análise da situação patrimonial e financeira de uma organização, pode-se representar o que se deseja alcançar no momento da seguinte forma:

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 7

Fluxo de Receita (por dia, mês etc.) – situação dinâmica Tempo tempo 1 tempo 2 situação estática 1 situação estática 2 momento no tempo Fluxo de Despesa (por dia, mês etc)

situação dinâmica

100 100 100 100

100 100 100 100 100 100 100 100

Ativo = 150

Patrimônio Líquido =

100

Passivo = 50

Ativo = 550

Patrimônio Líquido =

500

Passivo = 50

Total = 800

Total = 400

Receitas 800 Despesas <400> Resultado +400

Balanço Patrimonial 2

Balanço Patrimonial 1

Ao fluxo de receitas é contraposto o conjunto de despesas do período, o que permite determinar a situação líquida do patrimônio, ao final do cada exercício, bem como as variações patrimoniais entre dois momentos determi-nados no tempo. Cabe ressaltar, entretanto, a possibilidade de existir fluxo fi-nanceiro sem impacto no Patrimônio Líquido, o que será examinado durante o curso. No exemplo, não foi alterada a situação do passivo ao longo do perí-odo a fim de facilitar essa análise inicial. Saliente-se, que parte da dificuldade da gestão e do controle financeiro e patrimonial, público e privado, decorre do fato de que a despesa ou a receita gerada em determinado exercício — sob o ponto de vista jurídico ou econômico — nem sempre é realizada financei-ramente no mesmo período, podendo ocorrer, portanto, desconexões entre: (1) o fluxo monetário; e (2) a contabilização do evento que altera a situação patrimonial líquida.

Nesse sentido, importante frisar que o curso deste semestre se inicia com esta visão geral da matéria e da Atividade Financeira do Estado ao longo da história. Precipuamente, serão abordados os diversos temas atinentes ao campo tradicionalmente definido como pertinente ao Direito Financeiro e às Finanças Públicas, tais como o Financiamento dos Gastos e a Receita Pública no âmbito da Teoria Geral dos Ingressos Públicos, a Despesa Pública, a Res-ponsabilidade Fiscal, os Orçamentos (a Lei do Orçamento Anual — LOA, a Lei do Plano Plurianual —PPA e a Lei de Diretrizes Orçamentárias — LDO), o Controle da Execução Orçamentária, a Dívida Pública e o sistema de Repartição Constitucional de Receitas Tributárias..

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 8

14 Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam no sentido de que “a necessidade públi-ca não se confunde com necessidade individual (cujo grupamento dá lugar às necessidades gerais que são, por ex-celência, homogêneas) e necessidade coletiva (não revestida de homogenei-dade e que surge da contraposição de interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTI, Márcio Faria. Direito Financeiro sim-plificado para concursos públicos. São Paulo: Impactus, 2008. p. 19.

15 Importante salientar a existência da denominada reserva do possível, adota-da pela jurisprudência alemã, princípio associado à constatação de que todos os direitos têm custo e que os recursos públicos são limitados, razão pela qual haverá sempre e em qualquer circuns-tância a necessidade de escolha entre o que será e o que não será realizado pelo Poder Público. SCHWABE, Jürgen (Organizador). Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Consti-tucional Federal Alemão. Tradução Leonardo Martins e outros. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005. p. 660-664.BVERFGE 33, 303. De fato, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, denominado Pacto de San José da Costa Rica, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 26, intitulado “desenvolvimento progressivo”, que: “os Estados partes comprometem-se a adotar as provi-dências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recur-sos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.”

16 BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4.

17 Art. 3º I, II, III e IV da CR-88.

1.3 as necessidades Públicas e a atividade Financeira do estado.

Os indivíduos possuem interesses e demandas variadas, as quais, em seu conjunto, formam o que se denomina de necessidades gerais ou sociais14. Nesse sentido, as demandas coletivas seriam a resultante abstrata do soma-tório das necessidades individuais. O Estado, entretanto, considerando, por um lado, a limitação15 dos recursos disponíveis (naturais, humanos, tecnoló-gicos, financeiros etc.), e, por outro, as demandas individuais e sociais infini-tas, elege, por meio do processo político, que varia de forma e conteúdo no tempo e no espaço, aquelas para as quais alocará esforços visando ao seu aten-dimento: são as chamadas necessidades públicas. Assim, uma vez fixado normativamente o dever do Estado em realizar apenas algumas demandas coletivas politicamente determinadas — as políticas públicas-, o que ocorre modernamente por meio dos orçamentos, conforme será estudado nas pró-ximas aulas, as mesmas se convolam e transmudam em necessidades públi-cas, a serem satisfeitas por meio dos serviços públicos, os quais se qualificam como o conjunto de bens e pessoas sob a responsabilidade do Estado. Os serviços públicos, que são instrumentos do Estado para o alcance dos fins a que se propõe, se realizam, atualmente, quase que exclusivamente, por meio da utilização da atividade financeira do Estado. Nesse sentido ensina Alio-mar Baleeiro16 que:

se, em tempos remotos, foi usual, e hoje, excepcionalmente, ainda se verifica a requisição pura e simples daquelas coisas e serviços dos súditos, ou a colaboração gratuita e honorífica destes nas funções go-vernamentais em verdade, na fase contemporânea, o Estado costuma pagar com dinheiro os bens e o trabalho necessários ao desempenho da sua missão. É o processo da despesa pública, que substitui, com vantagem, o da requisição, o da gratuidade de cargos, o do apossa-mento dos cabedais dos inimigos vencidos, embora de tudo isso ainda perdurem resquícios, notadamente em tempo de guerra. A regra, hoje, é o pagamento em moeda e, por isso, constitui atividade financeira a que o Estado, as províncias e municípios exercem para obter dinheiro e aplicá-lo ao pagamento de indivíduos e coisas utilizadas na criação e manutenção de vários serviços públicos.

No atual contexto brasileiro, de determinação pelo processo político demo-crático das denominadas necessidades públicas, a serem atendidas pelo insubs-tituível instrumento da atividade financeira do Estado moderno, é importante destacar que o poder constituinte originário definiu ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil17: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a

14. Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam no sentido de que “a neces-sidade pública não se confunde com necessidade individual (cujo grupa-mento dá lugar às necessidades gerais que são, por excelência, homogêneas) e necessidade coletiva (não revestida de homogeneidade e que surge da contra-posição de interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTI, Márcio Faria. Direito Fi-nanceiro simplificado para concursos públicos. São Paulo: Impactus, 2008. p. 19.

15. Importante salientar a existência da denominada reserva do possível, adotada pela jurisprudência alemã, princípio associado à constatação de que todos os direitos têm custo e que os recursos públicos são limitados, razão pela qual haverá sempre e em qualquer circunstância a necessidade de escolha entre o que será e o que não será rea-lizado pelo Poder Público. SCHWABE, Jürgen (Organizador). cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal constitucional Federal alemão. Tradução Le-onardo Martins e outros. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005. p. 660-664.BVERFGE 33, 303. De fato, a própria Convenção Americana sobre Di-reitos Humanos, denominado Pacto de san José da costa rica, apro-vada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 26, intitulado “desenvolvi-mento progressivo”, que: “os Estados partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacio-nal, especialmente econômica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apro-priados.”

16. BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4.

17. Art. 3º I, II, III e IV da CR-88.

FINANÇAS PúBLICAS

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18 VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCIA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 91.

19 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7. Assevera o autor que: “A expressão atividade financeira tem a mesma extensão do termo “finanças” que, sur-gindo na Idade Média por derivação da palavra finare, é sinônimo de finanças públicas, e não se aplica às finanças privadas.”

20 HARADA, Hiyoshi, Direito Financeiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4.

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Para alcançar tais mandamentos constitucio-nais, o poder público disciplina as relações econômicas e sociais, planeja e executa uma série de ações, entre as quais se destaca a política macroeconô-mica, cujos objetivos, correlatos àqueles fundamentais constitucionalmente qualificados, podem ser sumarizados como: (a) a busca de alto nível de empre-go; (b) a estabilidade de preços; (c) a distribuição equitativa da renda; e (d) o crescimento econômico. Os principais instrumentos utilizados na condução da política macroeconômica para atingir esses fins são “as políticas fiscal, mone-tária, cambial e comercial, e de rendas”18, todas integrantes da denominada atividade financeira do Estado, caso adotado um conceito amplo19 para o termo. De fato, inquestionável a relevância e a interpenetração de cada uma dessas políticas econômicas, em especial para atingir consistência e coordena-ção entre as políticas públicas que ensejam as despesas do governo e as metas macroeconômicas, matéria cujo exame detalhado extrapola o objeto deste cur-so. Nessa toada, serão abordados nesse semestre apenas os aspectos mais rele-vantes dessas questões, na medida em que o estudo dos instrumentos direta-mente relacionados (1) à obtenção das receitas e financiamento dos gastos, (2) à realização das despesas, (3) ao planejamento orçamentário e à gestão fiscal e patrimonial do Poder Público suscitem uma análise mais detalhada dos aspectos macroeconômicos que se imbricam. Assim, pode-se representar graficamente o objeto de estudo das próximas aulas pela figura que se segue:

Nessa mesma linha de pensamento, Kyoshi Harada20 conceitua a “atividade financeira do Estado como sendo a atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos necessários à consecução das finalidades do Estado que, em última análise, se resumem na realização do bem comum” (grifo nosso).

18. VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCIA, Manuel E. Fundamen-tos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 91.

19. TORRES, Ricardo Lobo. cur-so de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7. Assevera o autor que: “A expressão atividade fi-nanceira tem a mesma extensão do termo “finanças” que, surgindo na Ida-de Média por derivação da palavra fi-nare, é sinônimo de finanças públicas, e não se aplica às finanças privadas.”

20. HARADA, Hiyoshi, Direito Fi-nanceiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 10

21 BALEEIRO. Op. Cit., p. 4.

22 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualiza-da. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1. Identifica o autor que: a “Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tributária e da Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o quadro maior da Constitui-ção de Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômi-ca e a Política”

23 ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. 2nd ed. United States: Madison Books, 2001. p. 1-2. Revela o autor: “Taxes are the fuel that makes civilization run. There is no known civilizations that did not tax. The first civilization we know anything about began six thousand years ago in Su-mer, a fertile plain between the Tigris and Euphrates rivers in modern Iraq. The dawn of history, and tax history, is recorded on clay cones excavated at Lagash, in Sumer. The people of Lagash instituted heavy taxation during a ter-rible war, but when the war ended, the tax men refused to give up their taxing powers. From one end of the land to the other, these clay cones say, ‘there were the tax collectors.’ Everything was taxed. Even the dead could not be buried unless a tax was paid. The story ends when a good king named Urukagina, ‘established the freedom’ of the people, and once again, ‘There were no tax collectors’. This may not have been a wise policy, because shortly thereafter the city was destroyed by foreign invaders. There is a proverb about taxes on other clay tablets from this lost civilization which reads: You can have a Lord, you can have a King, but the man to fear is the tax collectors” (grifo nosso).

Aliomar Baleeiro21, por sua vez, adotando conceito mais amplo, define que a “atividade financeira consiste em obter, criar, gerir e despender o di-nheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público” (grifo nosso). De fato, a própria CR-88 estabelece a competência da União para emitir moeda, atri-buição a ser exercida exclusivamente por meio do Banco Central, em seu ar-tigo 164, dispositivo inserido no Capítulo II, do Título VI, da CR-88, inti-tulado “Das Finanças Públicas”. Dessa forma, tanto o eminente autor como a Constituição incluem a política monetária diretamente no escopo da análi-se da atividade financeira do Estado, o que será realizado neste curso apenas de forma tangencial.

Pode-se concluir pelo que foi até aqui exposto, que a atividade financeira é meramente instrumental, na medida em que apenas viabiliza a consecução das políticas públicas, as quais traduzem os objetivos estatais fixados pelo processo político (ex: educação, saúde, segurança pública, transporte etc.). Portanto, a atividade finanaceira não constitui uma finalidade do Estado ten-do em vista não possuir um fim em si mesma.

Assim sendo, sob o ponto de vista jurídico, o objeto de estudo do semestre será a Constituição Financeira, a qual, segundo a melhor doutrina, é compos-ta pelas Constituições Tributária, Orçamentária e Monetária22 (artigos 145 a 169 da CR-88), além dos dispositivos pertinentes à fiscalização orçamentária dos Municípios (artigo 31 da CR-88); ao controle interno, externo e social da execução orçamentária e da Administração Pública (artigos 70 e seguintes da CR-88), ao orçamento do Poder Legislativo (artigos 51, IV, e 52, XIII, da CR-88), do Poder Judiciário (artigo 99) e do Ministério Público (artigo 127). Antes, porém, serão examinados, de forma sucinta, os principais períodos e características mais relevantes da história dos tributos e das finanças públicas, o que certamente auxiliará a compreensão da realidade e o atual estágio de desenvolvimento da matéria.

1.4 breve histórico dos tributos e das Finanças Públicas.

A leitura de diversos episódios marcantes em todo o curso da história da humanidade revela uma verdade inquestionável, independentemente do lu-gar objeto da pesquisa, os tributos as finanças públicas sempre tiveram e continuam a ter influência determinante no curso das civilizações.

A primeira civilização de que se tem conhecimento23 concreto, cerca de seis mil anos atrás, era denominada Sumer, uma localidade entre os rios Tigre e Eufrates, no que hoje é o Iraque. Os acontecimentos históricos lá ocorridos revelam a grande influência dos tributos já naquela época, e estão gravados em hieróglifos encontrados em escavações em Lagash, localizado em Sumer.

21. BALEEIRO. Op. Cit., p. 4.

22. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito constitucional Financeiro e Tributário. Volu-me V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1. Identifica o autor que: a “Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tri-butária e da Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o qua-dro maior da Constituição de Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômica e a Política”

23. ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of ta-xes on the course of civili-zation. 2nd ed. United States: Madi-son Books, 2001. p. 1-2. Revela o autor: “Taxes are the fuel that makes civiliza-tion run. There is no known civilizations that did not tax. The first civilization we know anything about began six thou-sand years ago in Sumer, a fertile plain between the Tigris and Euphrates rivers in modern Iraq. The dawn of history, and tax history, is recorded on clay co-nes excavated at Lagash, in Sumer. The people of Lagash instituted heavy ta-xation during a terrible war, but when the war ended, the tax men refused to give up their taxing powers. From one end of the land to the other, these clay cones say, ‘there were the tax collec-tors.’ Everything was taxed. Even the dead could not be buried unless a tax was paid. The story ends when a good king named Urukagina, ‘established the freedom’ of the people, and once again, ‘There were no tax collectors’. This may not have been a wise policy, because shortly thereafter the city was des-troyed by foreign invaders. There is a proverb about taxes on other clay tablets from this lost civilization which reads: You can have a Lord, you can have a King, but the man to fear is the tax collectors” (grifo nosso).

FINANÇAS PúBLICAS

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24 ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor que: “Egyptian civilizatian was highli-ghted by its enduring length. An advan-ced form of civilized life was in full bloom along the Nile before 3000 b.c., and it perpetuated itself until the fall of Rome”.

Após um período de incidência tributária de forma generalizada e bastante gravosa, um rei, chamado Urukagina, determinou a “liberdade”, por meio da extinção dos coletores do rei. O que parecia ser a solução de todos os proble-mas ensejou um final amargo para o bondoso monarca e àqueles até então submetidos à tirania fiscal: a localidade, após alcançada a almejada “liberda-de”, foi totalmente destruída por invasores externos.

Abaixo, reproduz-se a figura (extraída do livro de Charles Adams, p. 2, vide nota 21) contendo os símbolos que registraram e informam a existência da lei libertadora de Urikagina.

Esse exemplo reflete um problema crucial, a necessidade de recursos para implementação de uma organização mínima e de proteção contra invasores — questão que, mesmo após a criação dos denominados Estados-Nações Absolutistas continuou a se fazer presente.

Já na civilização egípcia, caracterizada por sua longevidade24, em contra-ponto à experiência libertária ocorrida em Lagash, era possível identificar, após o descobrimento de escritos e desenhos dentro de pirâmides e tumbas milenares, a existência de períodos de forte “pressão” de fiscais dos faraós para garantir-lhes o recebimento da parcela de 20% (vinte por cento) a eles per-tencentes. Constata-se por meio de figuras e escritos milenares que nada era ocultado, nem mesmos os ovos sob as aves.

24. ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor que: “egyptian civilizatian was highlighted by its en-during length. an advanced form of civilized life was in full bloom along the nile before 3000 b.c., and it perpetuated itself until the fall of rome”.

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25 CICERO, Marcus Tullius. On Duties II. In: Cícero. On the Good life. Tradução Michael Grant . New York: Penguin Classics, 1971. p. 162. Disponível em: http://books.google.com.br. Pesquisa realizada em 01.01.2009.

26 CAMPOS, Diogo Leite de. A Jurisdici-zação dos Impostos: Garantias de Ter-ceira Geração. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisci-plinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88.

Por sua vez, o grande jurista Marcus Tullius Cícero25 (106 — 43 a.C) di-fundiu no Império Romano a ideia grega contra os chamados tributos dire-tos, nos seguintes termos, um ano antes de sua morte (44 a.C):

When constant wars made the Roman treasury run short, our fore-fathers often used to levy a property tax. Every effort must be made to prevent a repetition of this; and all possible precaution must be taken to ensure that such a step will never be needed … But if any govern-ment should find itself under necessity of levying a tax on property, the utmost care has to be devoted to making it clear to the entire popula-tion that this simply has to be done because no alternative exists short o complete national collapse.

Cabe salientar, entretanto, que o Império Romano é um exemplo clássico de como a exigência de tributos com fundamento apenas na força, sem referência ao valor justiça, transforma o direito de propriedade em um sistema de servi-dões sobre o homem, conforme assevera o professor Diogo Leite Campos26:

Eis, pois, o legado de Roma em matéria fiscal: o imposto como pro-duto e instrumento da opressão, crescendo à medida que se desenvolve a máquina político-administrativa; assente na força pura, sem referên-

25. CICERO, Marcus Tullius. On Du-ties II. In: Cícero. On the Good life. Tradução Michael Grant . New York: Penguin Classics, 1971. p. 162. Dispo-nível em: http://books.google.com.br. Pesquisa realizada em 01.01.2009.

26. CAMPOS, Diogo Leite de. A Ju-risdicização dos Impostos: Garantias de Terceira Geração. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88.

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27 GALVÊAS, Ernani. Breve História dos Tributos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisci-plinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 318.

28 ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos ca-pítulos da Magna Carta trata da livre circulação de mercadorias, conforme se extrai do texto, in verbis: “Let all merchants have safety and security to go out of England, to come into England, and to remain in and go about through England, as well by land as by water, for the purpose of buying and selling, wi-thout payment of any evil or injust tolls, on payment of ancient and just customs”. Conforme aponta o autor tal normativa foi seguida pelos Estados Unidos e Ca-nadá: “the United States and Canadian constitutions adopted this principle of internal free trade. Commerce moving within the nation cannot be taxed. Fre-edom to travel in and out the country cannot be curtailed. The Russians find difficult to understand why the West em-phasizes this basic human right. Magna Carta is the source.”

29 Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: Bem de Família do Fiador e o Direito Hu-mano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na seara da promoção e positivação dos di-reitos humanos, pode-se apontar como marco histórico, a Carta Magna inglesa, de 1215, a qual consagrou alguns direi-tos-garantias como o habeas corpus, o devido processo legal, a propriedade privada, e o princípio da legalidade. Não obstante, a questionável legitimi-dade da referida Constituição — pois, na verdade, consubstanciou apenas a concretização dos interesses da bur-guesia -, ela representa um capítulo da história do constitucionalismo inglês.”. Cumpre, realçar, que o princípio da le-galidade tributária antecede a própria noção de legalidade em sentido lato.

30 ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o autor que: “John’s attempt to stretch the revenue devices of the realm had failed, but not entirely. Extra taxation could be collected with consent. In time the consent concept expanded. A rising class of wealthy commoners were cal-led to meet in a House of Commons, to approve taxation for commoners in the same way the Great Council, approved taxation for the nobility. The king now became a politician. When extra revenue was needed, he did not need to steal it or arbitrarily increase taxation, he would call together his two councils of taxpayer representatives and present a case for more taxation.”

31 GALVÊAS. Op. Cit., 318.

cia à justiça. O imposto ‘nasceu’ em Roma caracterizado pela odiositas, fundado sobre a sua essência de mal necessário, de limitação do Direito pela força do ‘princeps’, de instrumento de dominação, ‘de império’. Enquanto as relações civis retiravam a sua força da justiça que realiza-vam como instrumento de cooperação entre homens livres e iguais. O carácter do imposto como produto e instrumento de um sistema de dominação foi evidente desde a grave crise do que o Império Romano atravessou a partir do século III. No decurso do principado de Diocle-ciano a economia e a sociedade são organizadas em termos de acampa-mento militar. O imperador estabelece a coacção como único instru-mento de estabilização. Impõe-se uma escala de preços máximos para uma imensa lista de bens e serviços, estabelecendo como única sanção, para infractores, a morte. Simultaneamente, os impostos, destinados a manter uma máquina administrativa e militar crescente, aumentaram rapidamente. Criou-se um conjunto de impostos para financiar o apa-relho administrativo e militar; um imposto geral sobre as vendas; um imposto sobre o rendimento; múltiplas prestações de serviços obrigató-rias (transporte, fabrico de pão etc.). As atividades profissionais foram organizadas em corporações, elementos e instrumentos do Estado, com carácter coactivo e hereditário. Na última fase da sua história, a roma-nidade transforma-se numa comunidade em que todos trabalham, mas ninguém para si próprio. A propriedade mantém-se, é certo, como o ‘fundamento inamovível das relações humanas’; mas a sua função dei-xou de ser ligada ‘naturalmente’ à satisfação das necessidades de seu titular, para satisfazer os interesses públicos.

Dando um salto na cronologia da história, outro momento merece desta-que na abordagem que se estabelece neste curso é o século XIII d.C., o qual, para alguns autores27, representa o início da sistemática tributária que se con-sagra na atualidade, uma vez que foi a partir da promulgação da Carta Magna inglesa de 121528 que a legalidade ascendeu como princípio norteador das relações tributárias, impondo ao Rei João-sem-Terra o dever de observar li-mites para a criação de tributos. Na realidade, tal documento29 é decorrência da indignação dos barões proprietários de terras que forçaram King John a assinar a Magna Carta, pois já não concordavam com os constantes desres-peitos do monarca aos costumes tributários da realeza impondo-lhes excessi-va carga tributária. De fato, tributação adicional somente poderia ser exigida com consentimento30, cujo conceito foi se alterando e expandindo ao longo do tempo, haja vista que a anuência da classe comum então ascendente eco-nomicamente passou também a ser exigida.

No mesmo período, isto é, ainda no século XIII, conforme ressalta Gal-vêas31, o rei Eduardo I foi compelido a ir além e aceitar a norma segundo a

27. GALVÊAS, Ernani. Breve História dos Tributos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Mul-tidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 318.

28. ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos capítulos da Magna Carta trata da livre circulação de mercadorias, conforme se extrai do texto, in verbis: “let all merchants have safety and security to go out of england, to come into england, and to remain in and go about through england, as well by land as by water, for the pur-pose of buying and selling, without payment of any evil or injust tolls, on payment of ancient and just customs”. Conforme aponta o autor tal normati-va foi seguida pelos Estados Unidos e Canadá: “the united states and canadian constitutions adop-ted this principle of internal free trade. commerce moving within the nation cannot be taxed. Freedom to travel in and out the country cannot be curtailed. the russians find di-fficult to understand why the West emphasizes this basic human right. magna carta is the source.”

29. Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: Bem de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na seara da promoção e posi-tivação dos direitos humanos, pode--se apontar como marco histórico, a Carta Magna inglesa, de 1215, a qual consagrou alguns direitos-garantias como o habeas corpus, o devido processo legal, a propriedade privada, e o princípio da legalidade. Não obs-tante, a questionável legitimidade da referida Constituição - pois, na verdade, consubstanciou apenas a concretização dos interesses da burguesia -, ela repre-senta um capítulo da história do cons-titucionalismo inglês.”. Cumpre, realçar, que o princípio da legalidade tributária antecede a própria noção de legalidade em sentido lato.

30. ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o autor que: “John’s attempt to stretch the revenue devices of the realm had failed, but not entirely. extra taxation could be collected with consent. in time the consent concept ex-panded. a rising class of we-althy commoners were called to meet in a house of com-mons, to approve taxation for commoners in the same way the Great council, approved taxation for the nobility. the king now became a politician. When extra revenue was nee-ded, he did not need to steal it or arbitrarily increase taxa-tion, he would call together his two councils of taxpayer representatives and present a case for more taxation.” 31. GALVÊAS. Op. Cit., 318.

FINANÇAS PúBLICAS

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32 Idem. Ibidem. p. 318-319.

33 TORRES. Op. Cit. p. 3-4.

qual “nenhum tributo poderá ser lançado pelo rei, sem o consentimento dos arcebispos, bispos, condes, barões, cavaleiros, burgueses e todos os homens livres...”.

Alguns séculos depois, já no ano de 1628, a Inglaterra edita o Bill of Ri-ghts, o qual proclama que “a partir desta data, nenhum cidadão será obrigado a conceder qualquer dádiva ou empréstimo ao soberano, ou a pagar qualquer tributo, sem a aprovação do Parlamento”; ou seja, concretizou-se o princípio da legalidade consubstanciado no imperativo categórico no taxation without representation (aliás, tal expressão foi largamente difundida pelos americanos no período da revolução americana). Conforme preleciona Galvêas32 a referi-da norma-princípio é a base em que se fundam os orçamentos públicos dos países modernos. Destaque-se, no entanto, nos termos apontados pelo pro-fessor Ricardo Lobo Torres33 que:

É inútil procurar antes das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII a figura do orçamento. No mundo patrimonial já surgia a au-torização dos estamentos e das cortes para a cobrança de impostos. Na Inglaterra a partir de 1215 e em Portugal, mas remotamente, tornava-se necessário o consentimento para que o Rei pudesse lançar tributos, que tinha o caráter extraordinário e só se justificavam quando insufi-cientes os ingressos dominiais. Mas esses impostos, a rigor, não se con-fundem com os que permanentemente passam a ser cobrados a partir da instauração da estrutura liberal de Governo, posto que eram apro-priados privadamente, sem a nota da publicidade que marca os tributos permanentes. Era difícil distinguir a Fazenda do Rei e a do Estado, as despesas do Rei e do Reino, as rendas da Coroa e do Reino. Assim sendo, não havia necessidade nem de autorização para a cobrança dos ingressos dominiais nem para a realização da despesa, pelo que descabe cogitar de orçamento no Estado Patrimonial. (grifo nosso)

Portanto, o período denominado de Patrimonialismo é caracterizado pelo Estado protetor contra as guerras e invasões externas, sendo as finanças fun-damentadas em rendas patrimoniais e dominiais dos príncipes bem como da exploração das colônias. A receita extrapatrimonial de tributos nesse pe-ríodo é secundária e excepcional, não havendo a necessidade de autorização parlamentar para a sua efetivação, tampouco para a realização das despesas, motivo pelo qual não existia orçamento sequer em sua concepção tradicional, confundindo-se e entrelaçando-se as finanças do Rei e a do Estado.

O século XVIII, por sua vez, foi marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a qual proclama a proteção de alguns direitos huma-nos fundamentais — em especial a propriedade e a liberdade —, uma vez que o Estado era visto como “inimigo da liberdade individual, e qualquer restri-

32. Idem. Ibidem. p. 318-319.

33. TORRES. Op. Cit. p. 3-4.

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34 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemen-tos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. atual. ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. p. 233.

35 Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320.

36 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 361. “Fiscal. Derivado do latim, de fiscus, é vocá-bulo que nos vem do Direito Romano com a significação de relativo ao fisco ou ligado ao fisco, em que continua a ser tido, tomado adjetivamente. Como substantivo, designa a pessoa a quem se comete a função ou atribuição de vigiar ou zelar o cumprimento ou a exe-cução de certas leis, preceitos ou regu-lamentos de ordem fiscal ou tributária, ou empenhar-se pelo cumprimento de regras jurídicas e disciplinares em cer-tos estabelecimentos públicos ou par-ticulares, e para manter a regularidade na exação de certos atos de negócios, que devem ser executados ou pratica-dos por outrem”.

ção ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima”, preleciona Dallari.34

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da America, de 4 de julho de 1776, proclama entre as razões da insatisfação com o King of Great Britain: “For imposing taxes on us without our consent”. A Constituição dos Estados Unidos, por sua vez, ratificada em julho de 1787, estabelece em seu artigo 1º, seção 8, que:

The Congress shall have the Power 1. to lay and collect taxes, du-ties, imposts and excises, to pay the debts and provide common de-fense and general welfare of the United States; but all duties, imposts and excises shall be uniform throughout the United States. (grifo nos-so)

Na mesma linha, a Constituição francesa de 03.09.1791 foi categórica na contenção da prerrogativa impositiva, tendo em vista a necessidade de reno-vação anual da autorização parlamentar para tributar:

Titre V, art. 1 er: Les contributions publiques seront délibérées et fixées chaque année par le Corps Legislatif, et ne pourront subsister au dela du dernier jour de La session suivante, si elles n’ont pás été expressément renouvelée.

Se com o constitucionalismo nasce a idéia de orçamento incorporando as garantias normativas da liberdade, por outro lado a marca do período era a intervenção mínima do Estado na seara privada, apontando a liberda-de contratual como um direito natural das pessoas. Com efeito, o pensador Adam Smith sustentava que as relações econômicas deveriam ser regidas pelo princípio da liberdade de negociar, sem a participação do Estado. Era a de-nominada fase do Estado Liberal — caracterizado como Estado Mínimo ou Estado de Polícia —, cuja premissa sob o aspecto econômico era por alguns denominada como a primazia da mão invisível do mercado para reger a eco-nomia.

A Revolução Industrial também merece realce, porquanto trouxe mudan-ças de diversas ordens, inclusive no campo da tributação, possibilitando a imposição de tributos sobre a produção industrial, sobre o consumo, bem como sobre o lucro e a renda auferida dos titulares de propriedade, acentua Galvêas35.

A visão clássica e mais difundida desse contexto, que perdura desde a fase final do século XVIII, todo o século XIX até o início do século XX, é no sentido de que a atividade financeira do Estado Liberal era neutra, geralmen-te classificada como finanças neutras ou fiscais36, pois tinha apenas a função de arrecadar para fazer face às despesas decorrentes das prestações por ele exerci-

34. DALLARI, Dalmo de Abreu. Ele-mentos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. atual. ampl. São Pau-lo: Editora Saraiva, 1991. p. 233.

35. Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320.

36. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 361. “Fiscal. Derivado do latim, de fiscus, é vocá-bulo que nos vem do Direito Romano com a significação de relativo ao fisco ou ligado ao fisco, em que continua a ser tido, tomado adjetivamente. Como substantivo, designa a pessoa a quem se comete a função ou atribuição de vigiar ou zelar o cumprimento ou a exe-cução de certas leis, preceitos ou regu-lamentos de ordem fiscal ou tributária, ou empenhar-se pelo cumprimento de regras jurídicas e disciplinares em cer-tos estabelecimentos públicos ou par-ticulares, e para manter a regularidade na exação de certos atos de negócios, que devem ser executados ou pratica-dos por outrem”.

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37 ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tribu-tário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 4-5.

38 ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2) p.333.

das, de caráter essencial, como as relacionadas à justiça, política, diplomacia, defesa contra agressão externa e segurança da ordem interna. Os tributos, conforme assevera Luiz Emygdio F. da Rosa Jr37, também eram caracterizados pelo fim exclusivamente fiscal, posto que a exigência dos mesmos objetivaria tão-somente a obtenção de recursos para financiar a atividade financeira.

Assim sendo, a atividade financeira exercida pelo Estado somente visava à obtenção de numerário para fazer face às citadas despesas pú-blicas, isto é, as finanças públicas tinham finalidades exclusivamente fiscais. Gaston Jéze resumiu de maneira lapidar o alcance da atividade financeira desenvolvida pelo Estado no período clássico, ao enunciar: ‘Il y a dês dépenses publiques; Il faut lês couvrir’. Assim, as despesas tinham um tratamento preferencial sobre as receitas, uma vez que essas visavam apenas a possibilitar a satisfação dos gastos públicos. Nesse período, portanto, o tributo tinha fim exclusivamente fiscal porque visava apenas a carrear recursos para os cofres do Estado.

Percebe-se que a expressão fiscalidade é utilizada em dois âmbitos e con-textos distintos, isto é, tanto no que se refere ao papel das finanças públicas ao longo da história como também em relação às possíveis funções do tribu-to, que é atualmente, na maioria dos países, a principal fonte de receita pú-blica. Sob o ponto de vista histórico das finanças públicas em geral, referida doutrina traz vantagens para a compreensão da evolução do papel da ativida-de financeira do Estado sobre as ordens econômica e social ao longo dos di-ferentes períodos, enfatizando características que seriam distintas em cada época. É possível vislumbrar alguns pontos positivos na aludida segmentação sob o ponto de vista didático, haja vista marcar de forma clara e precisa, em períodos cronologicamente distintos (1) a fiscalidade — finanças neutras e tributos somente com finalidade arrecadatória — de um lado; e a (2) extra-fiscalidade e a parafiscalidade — finanças ativas e os tributos com finalida-de não apenas arrecadatória, a partir da segunda década do século XX-. No entanto, apesar dessa vantagem pontual, conforme será examinado abaixo, o estudo de determinados fatos isolados da história nos permite afirmar que a dissociação temporal entre a fiscalidade de um lado e a extrafiscalidade de outro apenas facilita a compreensão da ênfase da intenção com que os tribu-tos foram utilizados em cada período da história, na medida em que os mes-mos também foram exigidos com outros objetivos que não meramente arre-cadatórios em diversos momentos antecedentes ao denominado Estado de Bem-estar Social intervencionista, ou seja, de forma não neutra ou com fins outros que não meramente “fiscais”, ainda que não qualificada a política tri-butária com a denominação referida (“extrafiscalidade” ou “parafiscalidade”). Nesse sentido apresenta Adams38 diversos exemplos históricos, dentre os

37. ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Finan-ceiro e Direito Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 4-5.

38. ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2) p.333.

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quais duas passagens emblemáticas, e que se referem, respectivamente: (1) à utilização de tributos para influenciar a religião, como no caso do islamismo na Idade Média e, também, (2) das tarifas aduaneiras e o conflito Norte e Sul que marca a confederação americana no período que antecedeu a guerra civil:

(1) The humanity in the tax policy of the Moslems was of utmost importance. The Arabs brought peace and gentleness to an overtaxed world. They liberated the old Roman world from decadent, oppres-sive, and corrupt taxation. Nothing illustrates better than the tax re-funds they made to Christians and Jews in Palestine in A.D. 636. At that time the Moslems had conquered most of the lands of Judea, but their forces were overextended, and large body of Roman troops was on the march from Antioch. At a war council the Moslems decided to evacuate most of the conquered territories. After this decision made the Moslem leader called in the chief tax collector and gave him these instructions: ‘ You should therefore refund the entire amount of money realized from them that our relations with them remains unchanged but that as we are not in a position to hold ourselves responsible for their safety, the pool tax, which is nothing but the price of protection, is reimbursed to them’. Accordingly, the entire sum collected from the Christian and Jewish communities was refunded to them. This affected the Christians to such a degree that tears trickled down their faces and, one and all, they passionately exclaimed: ‘May God bring you back to us.’ The effect on the Jews was still more marked. They cried out with vehemence: ‘By the law ant the prophets, the Roman emperor shall not take this city as long as the spark of life scintillates in our bodies’. It’s too bad the Jews and Moslems today don’t feel that way. The Moslems used taxation to bring converts into the faith. The spread of Islam has been attributed to the sword and many historians harp on the Mos-lem cry of ‘Death to the infidel. The Koran (9:29) certainly justifies that course of action. In practice, the Moslems acted to the contrary. Slaughter was not the normal modus operandi of even the most fanati-cal Moslems. Vanquished people were given three choices: death, taxes, or conversion to the faith. With these options it was not necessary for conquered people to lose their heads or their religion. (…)

(2) The tariff of 1828 was called ‘the tariff of abomination,’ a biblical term meaning the greatest evil. Prior to that time the tariff was needed to repay the national debt from the wars of 1812 and the revolution itself. By 1832 the national debt was paid and there was no jus-tification for the import taxes at high rates, except to promote a monopoly in the hands of Northern industrialists to raise prices for Southern consumers. The South exported about three-quarters of its

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39 BALEEIRO. Op. Cit., p. 30-31.

goods and in turn used the money to buy European goods which car-ried the high import tax. This means that the South paid about three-quarters of all federal taxes, most of which were spent in the North. If they didn’t buy foreign goods and pay high taxes the alternative was to buy Northern manufactured products at excessively high prices. Ei-ther way Southern money ended up in the North. The injustice of this arrangement dominated Southern hostilities toward the North. Said one historian: ‘Indignation against the tariff as an unfair tax injurious to their economy was general throughout the South’ A southerner, a year after the Civil War ended expressed that indignation in a book appropriately clalled The lost Cause: ‘ In every measure that ingenuity of avarice devise the North exactes from the South a tribute, which could only pay at the expense and the character of an inferiour [sic] in the Union’.

Nessa toada, analisando as finanças funcionais e a utilização dos impostos alfandegários com fins extrafiscais em períodos remotos Aliomar Baleeiro39 pontua:

Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impul-so que lhes imprimiu a teoria geral de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta, por sua vez, revolucionou a concepção da atividade finan-ceira, segundo os preceitos dos financistas clássicos.

Ao invés das ‘finanças neutras’ da tradição, com seu código de omis-são e parcimônia tão ao gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que maiores benefícios a coletividade colhera de ‘finanças funcionais’, isto é, a atividade financeira orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica.

Destarte, o setor público — ‘a economia pública’ não se encolhe numa vizinhança pacífica e tímida junto às lindes da economia privada. A benefício desta é que deve invadi-la, para modificá-la, como elemen-to compensador nos desequilíbrios cíclicos.

Em verdade, a despeito das novidades terminológicas, a ‘Política Fiscal’ é apenas nova aplicação dos instrumentos financeiros para fins ‘extrafiscais’. A Política Fiscal, no campo econômico, era bem conhecida dos clássicos para o protecionismo por meio de impos-tos alfandegários. Alguns advogam para fins “sócio-políticos”, como preferia dizer Seligman referindo-se às tendências de reforma social pelo tributo, defendidas por Wagner. Hoje a política anticíclica de mo-dificação da conjuntura e da estrutura atrai as atenções em finanças extrafiscais.

39. BALEEIRO. Op. Cit., p. 30-31.

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40 ROSA JR. Op. Cit., p. 5-6.

Ademais, sob o ponto de vista econômico, os tributos, em regra, ainda que seja possível instituí-los com a intenção exclusiva de obtenção de recursos para os cofres públicos, afetam os preços relativos dos bens e serviços, modi-ficam a alocação dos recursos pelos agentes econômicos, alteram as decisões quanto à melhor estrutura de financiamento corporativo, distorce a taxa de retorno de determinada atividade econômica em detrimento de outra, inde-pendentemente da intenção do exator. Ou seja, a simples existência dos tributos impacta o comportamento das pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade como um todo, motivo pelo qual é ínsito à tributação redefinir a alocação dos recursos socialmente disponíveis, o que afeta a demanda e a oferta no mercado de fatores de produção e de bens e serviços, razão pela qual, economicamente, a extrafiscalidade (compreendida como outros efei-tos além da própria arrecadação) é inerente e indissociável da denominada fiscalidade.

Conforme já se pode extrair pelo que acima foi dito, sob o ponto de vista do desenvolvimento histórico das finanças, a etapa subsequente é classica-mente denominada de “fase de intervencionismo estatal” ou do “tributo com fim extrafiscal”, e corresponde ao resultado da crise do Estado Fiscal do início do século XX, em função do descompasso entre a liberdade econômica e a realidade social. As desigualdades eram acentuadas, o que criou um grande hiato entre o discurso de desenvolvimento econômico sem a participação do Estado e o mundo da vida enfrentado por grande parte da massa humana, que se via forçada a trabalhar por baixos salários e com péssimas condições de vida. Como conseqüência de tal situação, já no século XIX, seguido pelo século XX, movimentos sociais surgiram para combater o sistema liberal clás-sico vigente; marcado pelo individualismo exacerbado, momento em que prevaleciam de forma absoluta os valores segurança jurídica, liberdade e igualdade formal.

Nesse contexto, exsurgiu o denominado Estado de Bem-estar Social, que traz a lume novos valores deixados de lado até então no contexto do Estado Liberal Mínimo (ou de polícia), caracterizado como mero espectador ou or-denador distante dos fatos sociais. O Estado Social passa a ser ator decisivo da conduta privada, com fundamento na visão de que a intervenção estatal era conditio sine qua non para o alcance da justiça social e da igualdade ma-terial. Em conexão com esse movimento, os dispositivos orçamentários das Constituições de diversos países foram alterados para abranger a intervenção do Estado na ordem econômica e social.

Assevera Luiz Emygdio40 que o Estado passou a intervir na iniciativa pri-vada especialmente pelas seguintes razões:

a) grandes oscilações porque passavam as economias (...); b) crises provocadas pelo desemprego que ocorria em larga escala nas etapas de

40. ROSA JR. Op. Cit., p. 5-6.

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depressão, gerando grandes tensões sociais; c) efeitos cada vez mais in-tensos das descobertas científicas e de suas aplicações; e d) dos efeitos originados da Revolução Industrial com o surgimento de empresas fa-bris de grande porte, com o consequente agravamento das condições materiais dos trabalhadores.

Para intervir na economia o Estado precisou criar novos instrumentos, dentre eles surgiu, formalmente, a figura do tributo com natureza extrafiscal, isto é, o tributo deixava de ser reconhecido por seu caráter eminentemente arrecadatório para os cofres do Tesouro, para assumir, concomitantemente, a feição de mecanismo coercitivo, utilizado pelo Poder Público com o fim de atingir outros objetivos e metas de natureza econômica e social. Nesse sen-tido, merece trazer como exemplos de medidas impositivas de exação com fulcro extrafiscal, as seguintes situações, que variaram ao longo da história: 1) aumento da alíquota do imposto sobre importação dos bens estrangeiros com vistas a fomentar a indústria nacional e garantir as reservas de moedas estrangeiras (instrumento auxiliar da política industrial e cambial); 2) redu-ção das tarifas aduaneiras com o objetivo de reduzir os preços dos produtos e as pressões inflacionárias em âmbito local (instrumento auxiliar da política monetária); 3) adoção de imposto sobre o patrimônio territorial urbano com vistas à desestimular a especulação imobiliária, a má ou não utilização do imóvel urbano — vide IPTU progressivo, nos termos do art. 182, §4º, da CR-88 (instrumento auxiliar da política urbanística e de ocupação do solo); 4) a utilização do imposto sobre o câmbio, crédito e seguro para auxiliara a política cambial e monetária, etc.

O Estado Intervencionista (Social) ganhou força, especialmente por conta dos prejuízos causados pela II Guerra Mundial, período em que havia neces-sidade premente de se otimizar os recursos para fazer face as demandas coleti-vas. No entanto, as exigências sociais impuseram a necessidade de aumentos contínuos da carga tributária e da criação de outras fontes de receitas para dar cabo às políticas públicas, cada vez mais intervencionistas, implicando des-pesas crescentes, em especial pela demanda da Segurança Social/Seguridade Social, abrangendo a Saúde, a Assistência e a Previdência Social. De fato, sob influência do keynesianismo, o Estado de Bem-estar Social elevou sobrema-neira o papel dos tributos, o que redundou no paulatino esgarçamento do modelo do Welfare State, nos termos então estruturados. As constantes crises do petróleo, no final dos anos 70, tornaram inviáveis as estruturas do Estado Social, o qual carregava pesado fardo da dívida pública e de orçamentos dese-quilibrados e deficitários. As críticas vinham de todos os setores; em especial do pensamento liberal extremado, que denunciava o aniquilamento da liber-dade por meio da exacerbada intervenção estatal na economia e do crescente peso dos tributos sobre os cidadãos.

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41 TORRES. Op. Cit. p. 3-6. Nesse cenário, aponta o autor o Estado Liberal clássi-co, na sua versão minimalista, como marco para o surgimento da cultura orçamentária, destacando as mudan-ças ocorridas ao longo de seu percurso histórico. Vale dizer que Estado Fiscal no período clássico, também denominado de Estado Guarda-Noturno, se restrin-gia basicamente às atividades de poder de polícia, à atividade jurisdicional e à realização de alguns serviços públicos, não exigindo, portanto, grande estru-tura tributária.

42 COSTA, Leonardo de Andrade. Se-minário Brasil Século XXI, em 24 de outubro de 2001, Brasília. O Direito na Era da Globalização. Realização do Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 117. “Preliminarmente, é importante enfatizar que a matéria tri-butária sempre foi e sempre será con-troversa pois traz dentro de si aspectos jurídicos, econômicos, administrativos, e, principalmente, de relações de poder. Portanto, sua análise deve ser, necessa-riamente, multidisciplinar, e o produto final será sempre a expressão do sopeso entre as diversas variáveis envolvidas, além, é claro, da visão de mundo do pesquisador. Seu estudo, em face do processo de integração de mercados, deve ser desenvolvido em duas dimen-sões: (1) a primeira no que se refere às diferentes formas em que se manifes-ta a integração internacional. Nesse ponto, é importante salientar que o processo de integração não tem sido, historicamente, uniforme, contínuo e linear. Daí decorre o primeiro fator de complexidade para compreensão da questão. Em suma, as diferentes formas em que se manifesta o processo inte-grativo determinam discussões tribu-tárias de natureza distintas e, sem dú-vida, os problemas tributários em face da criação de um Estado supranacional têm grau de complexidade infinita-mente superior ao do estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio. (2) uma segun-da dimensão do problema diz respeito às questões tributárias propriamente ditas. Inquestionável, que o estudo dos aspectos tributários em uma economia globalizada deve incluir a análise das tarifas aduaneiras, dos impostos sobre o consumo e, por fim, a apreciação dos impostos diretos.”

43 BALEEIRO. Op. Cit., p.126.

Com a crise do Estado do Bem-estar Social, confome ensina o professor Ricardo Lobo Torres41:

(...) modifica-se novamente o perfil da Constituição Orçamentá-ria. As que já estavam formalmente redigidas, como a da Alemanha, alteram-se substancialmente em sua interpretação. Nos Estados Unidos inicia-se a discussão sobre a Emenda tendente criar regra obrigatória de equilíbrio orçamentário. (...). O grande problema atual da Cons-tituição Orçamentária consiste em que deve ela ser rica e explícita em princípios jurídicos, de modo a permitir a elaboração da lei anual do orçamento segundo a ideologia do equilíbrio orçamentário e as idéias de economicidade e transparência das despesas, Insista-se em que o aspecto do gasto público é que se torna dramático nas finanças públi-cas contemporâneas.

Apesar das acentuadas mudanças ocorridas no sentido da liberalização, privatização e foco do Estado na regulação da economia, reduzindo a face estatal provedora, o denominado neoliberalismo não superou (e nem pode-ria!) de forma absoluta o Estado Social. De fato, o processo histórico, assim como o processo de integração de mercados42, nunca é uniforme, contínuo e linear, sendo certo que, a cada etapa, novas características são incorporadas e diversas facetas do que existia no passado continuam a se fazer presente. Daí a complexidade da realidade atual!

Nessa toada, por fim, importante realçar que o perfil e as características da receita pública foram delineadas de diversas formas ao longo da história, des-tacando-se entre elas, conforme ensina Aliomar Baleerio43: “as extorsões so-bre povos vencidos; doações (voluntárias) recebidas; recolhimento das ren-das produzidas pelos bens e empresas do Estado; exigência coativa de tributos ou penalidades; tomada de emprésti mos forçados, e; fabricação de dinheiro metálico ou de papel”. Para o eminente autor essas diferentes formas de financiamento da atividade financeira do Estado, que ocorreram ao longo da história, podem ser agrupadas ou reduzidas a cinco padrões, não necessariamente sucessivos, a saber:

1.parasitária: proveniente da ex torsão, pilhagem e exploração con-tra povos ou inimigos vencidos, característica do mundo antigo;

2.dominial: decorrente da exploração do próprio patrimônio (bens e direitos) do Estado, tais como imóveis, terras etc., prática dissemina-da no período medieval;

3.regaliana: obtida através da exploração dos denominados direitos regalianos, assim definidos como os privilégios conferidos e reconhe-cidos aos reis e príncipes para explorar certos serviços ou conferir esses

41. TORRES. Op. Cit. p. 3-6. Nesse cenário, aponta o autor o Estado Libe-ral clássico, na sua versão minimalista, como marco para o surgimento da cul-tura orçamentária, destacando as mu-danças ocorridas ao longo de seu per-curso histórico. Vale dizer que Estado Fiscal no período clássico, também de-nominado de Estado Guarda-Noturno, se restringia basicamente às atividades de poder de polícia, à atividade jurisdi-cional e à realização de alguns serviços públicos, não exigindo, portanto, gran-de estrutura tributária.

42. COSTA, Leonardo de Andrade. Seminário Brasil Século XXI, em 24 de outubro de 2001, Brasília. O Direito na Era da Globalização. Realização do Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 117. “Preliminarmente, é importante enfatizar que a matéria tri-butária sempre foi e sempre será con-troversa pois traz dentro de si aspectos jurídicos, econômicos, administrativos, e, principalmente, de relações de poder. Portanto, sua análise deve ser, necessariamente, multidisciplinar, e o produto final será sempre a expressão do sopeso entre as diversas variáveis envolvidas, além, é claro, da visão de mundo do pesquisador. Seu estudo, em face do processo de integração de mercados, deve ser desenvolvido em duas dimensões: (1) a primeira no que se refere às diferentes formas em que se manifesta a integração internacional. Nesse ponto, é importante salientar que o processo de integração não tem sido, historicamente, uniforme, contínuo e linear. Daí decorre o primeiro fator de complexidade para compreensão da questão. Em suma, as diferentes formas em que se manifesta o processo integrativo determinam discussões tributárias de natureza distintas e, sem dúvida, os problemas tributários em face da criação de um Estado supranacional têm grau de com-plexidade infinitamente superior ao do estabelecimento de uma união adua-neira ou de uma zona de livre comércio. (2) uma segunda dimensão do proble-ma diz respeito às questões tributárias propriamente ditas. Inquestionável, que o estudo dos aspectos tributários em uma economia globalizada deve incluir a análise das tarifas aduaneiras, dos impostos sobre o consumo e, por fim, a apreciação dos impostos diretos.”

43. BALEEIRO. Op. Cit., p.126.

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direitos a terceiros em troca de pagamento ao Estado de uma determi-nada con tribuição (regalia);

4.tributária: obtida coativamente ou coercitivamente e que passa-ram a ser a principal fonte de receita pública, e;

5. so cial: caracterizada pela utilização do tributo não somente como meio para obtenção de receita, mas, também, com fins extrafiscais, isto é, objetivando influenciar e modificar a ordem econômica e sócio-po-lítica.

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44 Diferencia-se, dessa forma, da mo-narquia, que se caracteriza por ser forma de governo hereditário.

45 Segundo Aristóteles, a igualdade e a liberdade eram as bases fundan-tes da democracia. A democracia, ao agregar valores como a igualdade e a liberdade, contribui para a realização da justiça. A justiça, para o pensador grego, dividia-se em justiça geral e justiça particular (ou legal): A Justiça Geral seria “a distinção moral que tor-na os homens aptos a fazerem as coisas justas, e que faz com que eles ajam com justiça e desejem o que é justo”. A Jus-tiça Particular ( legal ), por seu turno, divide-se em: justiça comutativa e jus-tiça distributiva. É a justiça decorrente do Estado. Conforme acentua Costas Douzinas, a justiça particular aristo-télica “inaugura uma maneira total-mente nova de se olhar para as relações jurídicas”. Vide DOUZINAS, COSTAS. O Fim dos Direitos Humanos. Tradução de Luzia Araújo. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2009, p. 52.

AulA 2 — AtividAde FinAnceirA do estAdo nA FederAção.

Examinados os aspectos gerais do curso, especificado o conceito de ati-vidade financeira do Estado, bem como o que se entende por necessidades públicas, e tendo sido abordada, ainda, em linhas gerais, a história dos tribu-tos e das Finanças Públicas, cumpre agora avançar no estudo dos elementos essenciais à compreensão da matéria. Nesse sentido, importante ressaltar que a realização da despesa e a gestão fiscal e patrimonial do Estado moderno suscitam a elaboração, a aprovação, a execução e o controle do orçamento, o que pressupõe, necessariamente, a arrecadação de receita pública.

Antes, porém, do estudo individualizado da despesa, da receita, das opera-ções de crédito, da dívida pública, da elaboração, da aprovação, da execução e do controle do orçamento — o que se efetivará ao longo da primeira parte do curso — impõe-se examinar algumas características estruturais do modelo das finanças públicas nacionais, todas determinantes para o entendimento de como as receitas, as despesas e o orçamento se interligam e operam na República Federativa do Brasil da atualidade: o que facilitará a compreensão de cada um dos elementos que compõem a atividade financeira estatal pos-teriormente.

Ressalte-se que dois desses elementos estruturantes das finanças públicas têm natureza jus-política — a forma de Estado Federada e o sistema de dis-tribuição de funções entre os Poderes da República — características que possuem como ratio subjacente precípua evitar a concentração excessiva e os abusos no exercício do poder, sendo, também, fundamentais à constituição do perfil institucional brasileiro.

As referidas características serão apresentadas em dois tópicos distintos, intitulados, respectivamente: O Federalismo Fiscal e o exercício da competência tributária em face do orçamento, disciplina a ser introduzida neste momento; e O sistema de distribuição de funções entre os Poderes e a natureza autorizadora do orçamento para a efetivação das despesas, matéria a ser apresentada na pró-xima aula.

2.1 asPectos Gerais da Federação como Forma de estado: o estado Federal e os entes Políticos (a união, os estados, o distrito Federal e os municíPios).

Nos termos já destacados na Aula 1, o Princípio Federativo é um dos pilares fundamentais ao delineamento do perfil institucional pátrio, ao lado do Princípio Republicano, o qual suscita o ideário da limitação, tempora-riedade44 e exercício responsável do poder, e bem assim do caráter democrá-tico45 do Estado de Direito brasileiro, no qual a soberania popular pressupõe

44. Diferencia-se, dessa forma, da monarquia, que se caracteriza por ser forma de governo hereditário.

45. Segundo Aristóteles, a igual-dade e a liberdade eram as bases fundantes da democracia. A democracia, ao agregar valores como a igualdade e a liberdade, contribui para a realização da justiça. A justiça, para o pensador grego, dividia-se em justiça geral e justiça particular (ou legal): A Justiça Geral seria “a distinção moral que torna os homens aptos a fazerem as coisas justas, e que faz com que eles ajam com justiça e desejem o que é justo”. A Justiça Particular ( legal ), por seu turno, divide-se em: justiça comutativa e justiça distri-butiva. É a justiça decorrente do Estado. Conforme acentua Costas Douzinas, a justiça particular aristoté-lica “inaugura uma maneira total-mente nova de se olhar para as relações jurídicas”. vide DOUZINAS, COSTAS. O Fim dos Direitos Humanos. Tradução de Luzia Araújo. São Leopol-do: Editora Unisinos, 2009, p. 52.

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46 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Es-tado Federal e Estados Federados na Constituição brasileira de 1988: do equilíbrio federativo. BDA — Boletim de Direito Administrativo. 1993. p. 290-310.

47 PRUD’HOMME, Rémy e SHAH, Anwar. Centralização versus descentralização: o diabo está nos detalhes. In: REZENDE, Fernando e OLIVEIRA, Fabrício Augusto de (Organizadores). Federalismo e Intergração Econômica Regional — Desafios para o Mercosul. Fórum das Federações. Konrad Adenauer Stiftung. 2004. p. 63-99.

48 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume I. Constituição Financeira, Sistema Tributário e Es-tado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 82 e 90-91.

que governantes e governados sejam submetidos à mesma lei editada pelos representantes do povo, consoante o disposto no parágrafo único do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR-88).

Na história recente o Estado Federal tornou-se o modelo que melhor se associa à organização do Estado democrático, haja vista ser um sistema flexí-vel e eficiente para evitar o excesso de concentração do poder estatal e os ris-cos de abusos. Assim, na linha de intelecção do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Mário da Silva Velloso46, o Federalismo consubstan-cia uma forma de distribuição espacial de poder:

o Estado Federal é na verdade, forma de descentralização do poder, de descentralização geográfica do poder do Estado. Constitui técni-ca de governo, mas presta obséquio, também à liberdade, pois toda a vez que o poder centraliza-se num órgão ou numa pessoa tende a tornar-se arbitrário.

A doutrina estrangeira47, fugindo da dicotomia simplista de escolha entre maior centralização ou não, também destaca o papel fundamental que o Fe-deralismo desempenha para evitar o arbítrio e propiciar ambiente econômico eficiente:

O segundo motivo porque um debate entre prós e os contra seria estéril é que a descentralização tem sido um imperativo político. Na maioria dos países, ela teve motivação política. Um país descentrali-zado tem menor probabilidade de se tornar uma ditadura do que um centralizado. Essa é a justificativa principal para a descentralização. É um motivo muito forte. E que tem implicações econômicas, porque um pouco de estabilidade política é, com efeito, um pré-requisito para a eficiência, a estabilização e redistribuição econômicas.

No entanto, apesar da concentração absoluta de poder ser um mal que se objetiva combater, os riscos do excesso de descentralização também têm sido identificados há algum tempo por muitos estudiosos, mesmo por parte dos simpatizantes da Federação como forma de Estado. Com efeito, o próprio Rui Barbosa, que havia sido grande defensor de um federalismo extremado como forma de superação revolucionária do Estado Unitário no Brasil (ado-tado na Constituição do Império de 1824), posto ser a centralização absoluta “incompatível com o liberalismo financeiro em país de dimensão continen-tal”, alertava para o lado negativo dos excessos cometidos posteriormente, conforme leciona Ricardo Lobo Torres48:

46. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Estado Federal e Estados Federados na Constituição brasileira de 1988: do equilíbrio federativo. bDa — bo-letim de Direito adminis-trativo. 1993. p. 290-310.

47. PRUD’HOMME, Rémy e SHAH, Anwar. Centralização versus descen-tralização: o diabo está nos detalhes. In: REZENDE, Fernando e OLIVEIRA, Fabrício Augusto de (Organizadores). Federalismo e intergração Econômica Regional — De-safios para o Mercosul. Fó-rum das Federações. Konrad Adenauer Stiftung. 2004. p. 63-99.

48. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito constitucional Financeiro e Tributário. Vo-lume i. constituição Finan-ceira, sistema Tributário e Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 82 e 90-91.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 25

49 Foi com o advento da primeira Cons-tituição republicana brasileira de 1891, que o Brasil passou de Estado Unitário para Estado Federal, assumindo tam-bém a forma republicana de governo, nos termos de seu art. 2º.

A discriminação de rendas da Constituição de 1891 e a voracidade dos Estados em busca da ampliação de suas fontes mereciam críticas constantes [de Rui]: ‘Aqui, pelo contrário, tudo que os Estados são, devem-no à revolução de 1889 e à Constituição de 1891. Eram provín-cias centralizadas: elevaram-se a Estados autônomos. Vegetavam à custa das sobras da matéria tributável reservadas nas suas fontes principais ao orçamento geral: hoje dominam independentemente, pela Constitui-ção republicana, um vasto campo tributário. E não lhes basta’. (...)

Antes de votada a Constituição já advertia o perigo dos excesso de des-centralização: ‘pronunciando-me assim, me cinjo ao pressuposto de que o Congresso Constituinte não alargue, em matéria de Tributos, a esfera das concessões franqueadas aos Estados pelo projeto. Se o domínio tributário da União for ainda mais desfalcado, se novas fontes de renda se transferirem do governo central para os governos locais, se prevalecerem certas emendas funestam que parecem esquecerem as necessidades supremas da nossa exis-tência, da nossa solidariedade e da nossa hora com a nação, arvorando em princípio absoluto o egoísmo dos Estados — nesse caso a dificuldade será tão grave, que não vejo como o legislador poderia solvê-la imediatamente’.

Nessa senda, apesar da constatação inicial, no sentido da necessidade de pulverização de poder, em movimento tipicamente centrífugo, de fluxo de poder do centro para as periferias, a preocupação com os inconvenientes da exacerbação no processo de descentralização excessiva sempre estiveram presentes no país. Saliente-se que o processo no Brasil diverge do contexto em que ocorreu a adoção do regime federativo nos Estados Unidos. Após a independência das antigas colônias inglesas, pela Revolução Americana de 1776, foram adotados os denominados Artigos da Confederação de 1781 — caracterizado por Estados independentes e soberanos, os quais foram poste-riormente substituídos pela Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, em que a União passou a receber parcela dos poderes, em movimento centrípeto [da periferia para o centro].

Nesses termos, múltiplos são os caminhos para se alcançar ou adotar o regime federativo, havendo, no entanto, duas formas básicas por meio das quais uma Federação pode se constituir: (1) por aglutinação de vários Estados independentes, que resolvem abrir mão de sua soberania, para formar um Estado Federal único, tal como ocorreu nos Estados Unidos; ou (2) pela des-centralização espacial do poder no contexto de um Estado do tipo simples, em movimento tipicamente centrífugo, isto é, a partir de um Estado inicial-mente Unitário, a exemplo do Estado brasileiro49, o que pode ocorrer em um Estado previamente centralizado ou não sob o ponto de vista administrativo. Assim sendo, os aspectos históricos do processo de formação da Federação

49. Foi com o advento da primeira Constituição republicana brasileira de 1891, que o Brasil passou de Estado Unitário para Estado Federal, assumin-do também a forma republicana de governo, nos termos de seu art. 2º.

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FGV DIREITO RIO 26

50 Folha de São Paulo, 21 de fevereiro de 1985, Artigo nº 10.

51 O artigo 1º da CR-88 adota a forma federativa de Estado, ao dispor sobre a “República Federativa do Brasil”, o que é complementado, entre outros dispo-sitivos, pelo art. 18, que estabelece a autonomia da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos da Constituição, e pelo artigo 60, §4º, I, que impede “a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado”.

52 Os termos “a República Federativa do Brasil”, “a Federação”, “o Estado Federal” ou “Estado Federado” tem o mesmo significado e serão utilizados indistin-tamente.

delineam o modelo federativo de cada país de forma substancialmente diver-sa, o que se coaduna com o contexto social, econômico, espacial e temporal de cada caso.

Ainda em contraponto aos imperativos da descentralização, sob a perspec-tiva político-social, conforme adverte Roberto Mangabeira Unger,50 depen-dendo do momento histórico e das condições específicas de cada país, a des-centralização exacerbada pode fortalecer oligarquias locais que procuram se perpetuar no poder a qualquer custo, em detrimento do bem comum:

A descentralização federativa fundada na subsidiariedade e na espe-cialização de funções fortalece as oligarquias locais. Ajuda a imunizar as estruturas consolidadas da sociedade brasileira contra as contestações, que crescem mais facilmente na política nacional. E faz com que a co-ordenação federativa tome mais ou menos como paradigma a ordem social existente. Se o Poder Central tem sido no Brasil o parceiro privilegiado dos poderosos e abastados, também tem servido como o único agente capaz de ameaçá-lo e de abrir espaços para a criação de contra-modelos de organização social. (grifo nosso).

Pelo exposto, constata-se as divergentes causas e razões para a acomodação e formação de um modelo de Estado conciliatório, em que a ponderação dos diversos objetivos sejam alcançados, sem abrir, entretanto, espaço ou chance para a ruptura da unidade, do regime Democrático ou do Estado de Direito. Nessa senda, a dicotomia entre os objetivos de pulverização de poder para evitar o arbítrio e a corrupção e, ao mesmo tempo, a busca pela harmonia e coordenação das políticas públicas nacionais, favorece amplamente a adoção de um modelo federativo de equilíbrio ou de conciliação, o que representa uma das vantagens dessa forma de organização estatal. De fato, o modelo de federalismo político implementado em cada país, o qual é determinante para o sistema de federalismo fiscal adotado, se realiza sob a constante ten-são entre o imperativo da unidade que congrega e une a nação de um lado com a necessidade de autonomia das partes que compõem o todo íntegro de outro lado. A resultante final entre essas variáveis, o que inclui os aspectos históricos, políticos e culturais, delineiam um modelo de federalismo fiscal de equilíbrio diferenciado em cada nação.

No caso brasileiro atual, a Constituição de 1988 consagra a sua forma de Estado já no seu artigo 1º51, ou seja, qualifica a República como federativa, o que caracteriza o Brasil como uma Federação52. Importante perceber que a União, como ente federado autônomo, não consta do referido art. 1º da CR-88, mas sim o termo “união”, haja vista que a existência da Federação, previa-mente declarada no início do dispositivo, já consagra e pressupõe a existência do ente federal central. Em suma, a existência da União é pressuposto à exis-

50. Folha de São Paulo, 21 de feverei-ro de 1985, Artigo nº 10.

51. O artigo 1º da CR-88 adota a for-ma federativa de Estado, ao dispor so-bre a “República Federativa do Brasil”, o que é complementado, entre outros dispositivos, pelo art. 18, que estabele-ce a autonomia da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos da Constituição, e pelo artigo 60, §4º, I, que impede “a delibe-ração de proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado”.

52. Os termos “a República Federa-tiva do Brasil”, “a Federação”, “o Estado Federal” ou “Estado Federado” tem o mesmo significado e serão utilizados indistintamente.

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FGV DIREITO RIO 27

53 Nessa linha, importante destacar que a expressão “União”, conforme adverte José Cretella Junior, é palavra equívo-ca que contém múltiplos significados, dependendo da função atribuída pela Constituição no caso específico, conforme será adiante descrito. Vide, CRETELLA JúNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, volume 1. Rio de Janeiro: Forense Uni-versitária, 1997. p.130. “Note-se que união (com “u” minúsculo) tem, pela grafia e pelo contexto, sentido diverso do vocábulo “União” (com “U” maiúscu-lo). Notem-se assim, nas várias Consti-tuições Brasileiras, os vocábulos “união” (com “u” minúsculo) e “União” (com “U” maiúsculo), o primeiro termo unívoco e não técnico (= agrupamento, agrega-do, junção, aglutinação, justaposição); o segundo termo equívoco, mas técnico tendo os mais diferentes sentidos” (grifo nosso).

54 O art, 1º, da CR/88, ao prever a união indissolúvel dos Entes da Federação, consagra o Princípio da Proibição do Di-reito de Secessão, ou seja, inadmite que Estados ou Municípios rompam o pacto federativo, ao vedar expressamente a retirada do Estado Federal. Esse pacto não inviabiliza a possibilidade de os Es-tados e Municípios desmembrarem-se para formar novos Entes, nos termos do art.18, §§ 3º e 4º da CR/88.

55 Derivado de “secessione (m)” o termo significa afastar-se.

56 HORTA, Raul Machado. Reconstrução do federalismo brasileiro. Revista de Direito Público. nº 64, p. 15-29, 1982. Aponta o autor que o Estado Federal possui estrutura complexa, no qual “a dualidade estatal projeta-se na plu-ralidade dos ordenamentos jurídicos dentro da concepção tridimensional dos entes federativos: a comunidade jurídica total — o Estado federal -, a federação, uma comunidade jurídica central, e os Estados-Membros, que são comunidades jurídicas parciais.”

tência da Federação, sendo desnecessária a declaração expressa de sua presen-ça. Trata-se, portanto, o Estado Brasileiro, de um Estado complexo, consti-tuído pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, em sentido análogo ao da Confederação e diametralmente oposto ao Estado Unitário simples.

Uma das características fundamentais do Estado Federado, a qual consubs-tancia um dos elementos distintivos da Confederação, é a inviabilidade jurídi-ca de separação ou segregação das partes (as unidades políticas subnacionais — os Estados Membros) que compõem o todo. Este Princípio da indissolubi-lidade53 ou Princípio da proibição de secessão54 — da união entre os Estados o Distrito Federal e os Municípios no caso brasileiro — está consagrado no mencionado art. 1º da Carta Constitucional de 1988. Em sentido contrário, as Confederações se caracterizam pela possibilidade de secessão55. Outros componentes estruturais também diferenciam essas duas formas de Estado: na Confederação não há relação direta entre a União e os diversos cidadãos resi-dentes e domiciliados em cada Estado independente, de forma diversa do que ocorre na Federação, modelo que pressupõe a existência de múltiplas ordens jurídicas incidentes sobre o mesmo território, inclusive aquela emanada pela pessoa política que exerce o poder central. Essas diferenças estruturais — quanto à possibilidade de separação e da existência ou não de relação jurídica direta entre a União e os residentes — decorre do fato que a Confederação se constitui pela associação de vários Estados independentes e soberanos, ao passo que a Federação é apenas um Estado — o Estado Federal único, que se forma pela união de unidades políticas autônomas, isto é, cada ente subnacio-nal não é dotado de soberania, mas sim de autonomia política, legislativa, administrativa, financeira, e etc, objetivando alcançar o autogoverno, a autoa-dministração e etc. Dessa forma, a Federação é, ao mesmo tempo, conforme ensina Raul Machado Horta,56 um só Estado, fator de diferenciação da Con-federação de Estados, e, também, “uma pluralidade de Estados vinculados pelo laço federativo, e nisso se diferencia do Estado Unitário”.

Assim sendo, ao contrário do Estado Unitário, que é simples, posto conter apenas uma ordem jurídica emanada por um único Parlamento, um Pode Judiciário e somente um Poder Executivo, o Estado Federado é composto ou complexo, haja vista possuir múltiplos planos jurídicos concomitantemente incidentes sobre o mesmo território nacional, tendo em vista coexistirem múl-tiplos centros de poder que projetam diversos poderes estatais nos diferentes âmbitos da Federação. De fato, é possível conceber um Estado Unitário extre-mamente descentralizado sob o ponto de vista administrativo, no qual as províncias possuam inúmeras atribuições. Entretanto, se as unidades adminis-trativas locais não são constitucionalmente dotadas de determinados atribu-tos caracterizadores do federalismo, como a autonomia legislativa e financeira, para proporcionar o autogoverno e políticas públicas próprias, núcleos essen-

53. Nessa linha, importante desta-car que a expressão “União”, conforme adverte José Cretella Junior, é palavra equívoca que contém múltiplos significados, dependendo da função atribuída pela Constituição no caso es-pecífico, conforme será adiante descri-to. Vide, CRETELLA JúNIOR, José. co-mentários à constituição brasileira de 1988, volume 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p.130. “Note-se que união (com “u” minúsculo) tem, pela grafia e pelo contexto, sentido diverso do vocábulo “União” (com “U” maiúsculo). Notem--se assim, nas várias Constituições Brasileiras, os vocábulos “união” (com “u” minúsculo) e “União” (com “U” mai-úsculo), o primeiro termo unívoco e não técnico (= agrupamento, agregado, junção, aglutinação, justaposição); o segundo termo equívoco, mas técnico tendo os mais diferentes sentidos” (grifo nosso).

54. O art, 1º, da CR/88, ao prever a união indissolúvel dos Entes da Fede-ração, consagra o Princípio da Proi-bição do Direito de Secessão, ou seja, inadmite que Estados ou Municípios rompam o pacto federativo, ao vedar expressamente a retirada do Estado Federal. Esse pacto não inviabiliza a possibilidade de os Estados e Municí-pios desmembrarem-se para formar novos Entes, nos termos do art.18, §§ 3º e 4º da CR/88.

55. Derivado de “secessione (m)” o termo significa afastar-se.

56. HORTA, Raul Machado. Re-construção do federalismo brasileiro. Revista de Direito Público. nº 64, p. 15-29, 1982. Aponta o autor que o Estado Federal possui estrutura complexa, no qual “a dualidade estatal projeta-se na pluralidade dos ordenamentos jurídicos dentro da concepção tridimensional dos entes federativos: a comunidade jurídica to-tal — o Estado federal -, a federação, uma comunidade jurídica central, e os Estados-Membros, que são comunida-des jurídicas parciais.”

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FGV DIREITO RIO 28

57 REIS, Elcio Fonseca. Federalismo Fis-cal: competências Concorrentes e Nor-mas Gerais de Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 25.

58 Na parte final do curso serão exa-minadas todas as espécies normativas tributárias, momento em que será analisada a expressão “legislação tribu-tária” de que trata o artigo 96 do Código Tributário Nacional.

59 No curso Sistema Tributário Nacional-será examinada a jurisprudência do STF que consagra a tese no sentido de que o monopólio da personalidade interna-cional é do Estado Federal, expressão institucional da comunidade jurídica total, que não se confunde com a União como ente político e pessoa jurídica de direito público interno. Nesse sentido recomenda-se a leitura do RE 229096.

60 Foi utilizado como critério de di-ferenciação entre a ordem jurídica central e as ordens jurídicas parciais o âmbito espacial de eficácia da norma expedida, isto é, se a legislação editada alcança por si só todo o território na-cional ou apenas uma parcela limitada deste. Nesse sentido, a norma expedida pela União pode ter dupla função, isto é, vincular todos aqueles no território nacional sob jurisdição da República Federativa ou disciplinar apenas os atos daqueles subordinados à União como ente político central. Em sentido diverso, partindo de premissa distinta, ou seja, estabelecendo como critério de classificação os destinatários da norma, a maioria dos autores, seguindo as li-ções de Kelsen, situam a lei de caráter federal expedida pela União como si-tuada dentro da ordem jurídica parcial e aquela de âmbito nacional inserida no bojo da ordem jurídica total, por ser norma da Federação. Nesse sentido vide REIS, Op. Cit. p. 119: “As normas jurídicas emanadas pela União, pelos Estados-Membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios pertencem à ordem jurídica parcial, pois somente se des-tinam a uma determinada parcela dos administrados, na sua área territorial e no seu âmbito de competência” (grifo nosso)”. Nessa linha, a ordem jurídica total seria expressa pelas normas de caráter nacional expedidas pelo Estado Federal, ao passo que as demais ordens central (União), regional (Estados) e locais (Municípios) seriam apenas parciais.

61 ATAILIBA, Geraldo. Normas gerais de direito financeiro e tributário e auto-nomia dos Estados e municípios. RDP. v. 10. p. 49.

ciais inafastáveis da Federação, dissolvida estará a essência dessa forma de or-ganização do Estado. Nesse sentido aponta Elcio Fonseca Reis57, com funda-mento nas lições do ex-Ministro do STF Carlos Mário da Silva Velloso, que os Estados regionais autônomos, “em hipótese alguma, são confundidos com o Estado Federal, pois neste, a par da autonomia legislativa, administrativa e fi-nanceira, há autonomia constitucional, fator de diferenciação” (grifo nosso). Assim, enquanto o processo de desconcentração de poder caracteriza-se pela descentralização política, administrativa e financeira entre o poder central e as regiões autônomas, o Estado federal possui, além dessas características, a au-tonomia constitucional não passível de supressão.

Nessa linha, na forma de Estado Federado coexistem órbitas jurídicas distintas58, com funções previamente traçadas pelo sistema de repartição de competências constitucionais, o qual é ínsito a esta forma de Estado.

Em contexto agregativo tem-se a ordem jurídica total, o que compreende a já mencionada interface com outros países,59 instituições internacionais e o conjunto de todos os ordenamentos internos, parcias e centrais60. Esse agre-gado de normas representa o sistema normativo do Estado Federal, ou seja, da República Federativa do Brasil, o qual compreende os atos normativos expedidos pela União no exercício de suas múltiplas funções constitucionais, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

As comunidades jurídicas parciais, cujas normas incidem apenas sobre parcela do território do país, são formadas por unidades políticas autônomas, denominados em geral como Estados membros, o que inclui, no caso brasi-leiro, os Estados, o Distrito Federal e, também, os Municípios, todos dotados de autonomia política, legislativa, administrativa, financeira e etc, nos termos do art. 18 da CR-88.

Por sua vez, o sistema normativo central é constituído exclusivamente pelas normas editadas pela União, de acordo com as suas múltiplas tarefas fixadas na Constituição de 1988, possuindo, em todos os casos, eficácia em todo o território brasileiro, razão de sua identidade. A existência de leis edi-tadas pelo Congresso Nacional com características distintas, algumas de cará-ter exclusivamente federal, as quais vinculam apenas os seus jurisdicionados e administrados, e outras de âmbito nacional, disciplinadoras da atuação de todos os entes políticos autônomos, inclusive da própria União como pessoa jurídica de direito público interno, confere maior complexidade ao sistema, conforme adverte Geraldo Ataliba61:

as dificuldades para o estabelecimento da distinção entre leis federais e leis nacionais decorrem da origem comum, porque ambas são leis editadas pela União.

57. REIS, Elcio Fonseca. Federa-lismo Fiscal: competências Con-correntes e Normas Gerais de Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamen-tos, 2000. p. 25.

58. Na parte final do curso serão examinadas todas as espécies norma-tivas tributárias, momento em que será analisada a expressão “legislação tributária” de que trata o artigo 96 do Código Tributário Nacional.

59. No curso Sistema Tributário Na-cionalserá examinada a jurisprudência do STF que consagra a tese no sentido de que o monopólio da personalidade internacional é do Estado Federal, ex-pressão institucional da comunidade jurídica total, que não se confunde com a União como ente político e pessoa ju-rídica de direito público interno. Nesse sentido recomenda-se a leitura do RE 229096.

60. Foi utilizado como critério de diferenciação entre a ordem jurídica central e as ordens jurídicas par-ciais o âmbito espacial de eficácia da norma expedida, isto é, se a legisla-ção editada alcança por si só todo o ter-ritório nacional ou apenas uma parcela limitada deste. Nesse sentido, a norma expedida pela União pode ter dupla função, isto é, vincular todos aqueles no território nacional sob jurisdição da República Federativa ou disciplinar apenas os atos daqueles subordinados à União como ente político central. Em sentido diverso, partindo de premissa distinta, ou seja, estabelecendo como critério de classificação os destinatá-rios da norma, a maioria dos autores, seguindo as lições de Kelsen, situam a lei de caráter federal expedida pela União como situada dentro da ordem jurídica parcial e aquela de âmbito nacional inserida no bojo da ordem jurídica total, por ser norma da Fede-ração. Nesse sentido vide REIS, Op. Cit. p. 119: “As normas jurídicas emanadas pela União, pelos Estados-Membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios pertencem à ordem jurídica parcial, pois somente se destinam a uma deter-minada parcela dos administrados, na sua área territorial e no seu âmbito de competência” (grifo nosso)”. Nessa li-nha, a ordem jurídica total seria expres-sa pelas normas de caráter nacional ex-pedidas pelo Estado Federal, ao passo que as demais ordens central (União), regional (Estados) e locais (Municípios) seriam apenas parciais.

61. ATAILIBA, Geraldo. Normas gerais de direito financeiro e tributário e au-tonomia dos Estados e municípios. RDP. v. 10. p. 49.

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FGV DIREITO RIO 29

62 Conforme será examinado na parte final do curso, a disciplina das normas gerais em matéria de legislação tribu-tária é reservada às leis complemen-tares, o que não ocorre como regra nas demais áreas, como é o caso, por exemplo, da Lei nº 8666/93 que, apesar de ser lei ordinária, disciplina regras gerais das licitações e concorrências pú-blicas para todos os entes da Federação, além de estabelecer regras específicas somente para a União, matéria que será brevemente analisada na aula sobre as despesas públicas.

63 A Lei nº 5.172/66, norma denomina-da de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar nº 36/67, dis-cplina matérias reservadas pela Consti-tuição de 1988 à lei complementar.

64 Lei Complementar nº 101/2000.

65 Art. 41, I, do Código Civil de 2002.

De um lado, a União, por meio do Congresso, formado pela Câmara e pelo Senado, tem a prerrogativa de expedir normas gerais62 de caráter nacio-nal em matéria financeira e tributária, ex vi art. 24, §1º, art. 146, III e art. 163. Essas disciplinas são editadas em razão da função coordenadora que a União exerce em relação aos diversos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), todos entes autônomos, nos termos do já ci-tado art. 18, o que tem por objetivo conferir unidade político-administrativa ao Estado Federado. Dessa forma, a característica da norma expedida nesses termos é a sua função precípua de vincular e estabelecer parâmetros ao legis-lador da própria União quando edita suas normas específicas aos seus jurisdi-cionados e administrados, aos legisladores e aplicadores das leis dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse caso, a lei editada pelo Congres-so Nacional é lei da Federação, do Estado Federal, e não propriamente da União em sua acepção mais comum. Destaque-se que as normas gerais de Direito Tributário e de Direito Financeiro são necessariamente veiculadas por meio de lei complementar e não ordinária, tendo em vista o disposto nos ci-tados artigos 146, III, e 163 da CR-88, o que ocorre, por exemplo, com o Código Tributário Nacional63 e a Lei de Responsabilidade Fiscal64. Essas leis complementares que objetivam harmonizar a disciplina jurídica das mencio-nadas matérias em âmbito nacional, posto vincularem o legislador de todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), são nor-mas da República Federativa.

Por outro lado, a mesma União, agora em sentido específico do termo, também expede, por meio do seu citado parlamento federal, formado pela mesma Câmara e o mesmo Senado, normas em razão do exercício de suas competências próprias por ser ente federado autônomo, qualificação sob a perspectiva do Direito Constitucional, ente político que se situa no mesmo plano hierárquico dos demais entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios), nos termos do já citado art. 18 da CR-88. Essa estrutura cons-titucional projeta a mesma União como pessoa jurídica de direito público interno sob o prisma do Direito Civil65, ao lado dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, das autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei. Nesse contexto, as normas específicas expe-didas pela União não se destinam a disciplinar a atividade legislativa dos en-tes federados, posto se dirigirem tão somente aos seus jurisdicionados e admi-nistrados. Nessa linha, se adotado como parâmetro de classificação os destinatários da norma, e não o seu aspecto espacial, como aqui propugnado, essas normas editadas pela União nesses termos constituiriam uma ordem jurídica parcial. Em sentido diverso, ao utilizar como critério classificatório o seu âmbito territorial de incidência, as duas espécies normativas editadas pela União se subsumem dentro da denominada ordem jurídica central, posto serem aplicáveis em todo o país.

62. Conforme será examinado na parte final do curso, a disciplina das normas gerais em matéria de legislação tributária é reservada às leis complementares, o que não ocorre como regra nas demais áreas, como é o caso, por exemplo, da Lei nº 8666/93 que, apesar de ser lei ordinária, disciplina regras gerais das licitações e concorrências públicas para todos os entes da Federação, além de estabelecer regras específicas somente para a União, matéria que será breve-mente analisada na aula sobre as des-pesas públicas.

63. A Lei nº 5.172/66, norma deno-minada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar nº 36/67, discplina matérias reservadas pela Constituição de 1988 à lei com-plementar.

64. Lei Complementar nº 101/2000.

65. Art. 41, I, do Código Civil de 2002.

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FGV DIREITO RIO 30

66 NETTO, André Luiz Borges. Normas Gerais e competência concorrente — Uma exegese do art. 24 da Constituição Federal, p. 179. Na disciplina Sistema Tributário Nacional, serão examinadas as possíveis limitações da atividade legislativa coordenadora da União para não invadir a competência dos entes subnacionais e bem assim das restri-ções à criação de normas gerais pelos Estados, ressalvados os casos de inexis-tência de lei federal em que se aplica o § 3º do art. 24.

67 Note que o critério de análise relativa-mente às funções da União agora não é mais o aspecto espacial de aplicabilida-de da norma editada.

André Luiz Borges Netto66 enfatiza a importância da distinção entre as normas gerais e específicas expedidas pela União, reflexo da mencionada dú-plice função desse ente central da Federação, ao destacar:

(...) as normas gerais a que buscamos um conceito constituem-se em típico exemplo de leis nacionais, pois não se tratam de comandos normativos simplesmente referentes à União ou disciplinadores de re-lações dessa pessoa política com jurisdicionados e administrados seus, mas sim de normas que têm aplicação à totalidade do Estado Federal, sem exclusão de nenhuma parcela do território pátrio. Não se esqueça, porém, que a União, no âmbito da competência legislativa concorren-te, além de editar normas gerais como produto legislativo do Estado nacional, também edita normas especificas, descendo a pormenores de para tratar de assuntos relacionados à administração federal (serviços e agentes federais), vinculando somente a conduta daqueles que se sub-metem às regras do Governo Federal.

Nesse momento é importante destacar que sob a perspectiva das funções institucionais67 da União no Estado Federal brasileiro, além da atribuição de editar normas gerais e bem assim exercer as suas atividades normativas como ente político autônomo e pessoa jurídica de direito público interno, a mesma União também é Longa Manus da Sociedade Nacional, pois o Presidente da República é ao mesmo tempo Chefe de Governo e de Estado, presentante da República Federativa do Brasil no Exterior, conforme o disposto nos artigos 21, I, 84, VIII e art. 4º da CR/88. Assim, consoante a estrutura jurídico-política-institucional do Estado brasileiro, a União, de acordo com uma in-terpretação sistemática da Constituição, exerce pelo menos três papéis insti-tucionais fundamentais, os quais estão ora explícitos e por vezes implícitos no texto constitucional vigente. As três funções podem ser melhor compreendi-das e visualizadas por meio da seguinte estratificação:

Papeis Jurídico-Institucionais da

União no Estado Federal

Brasileiro

1) Ente Político – pessoa jurídica de direito público – art. 18, CR/88

2) Ente Coordenador da Federação - art. 1º, caput, c/c art. 24, §1°, CR/88.

3) Longa Manus da Sociedade Nacional – Presentante da República Federativa do Brasil no Exterior – art. 1º, p.u. c/c art. 4º, art.84, VIII, CR/88

66. NETTO, André Luiz Borges. Nor-mas Gerais e competência concorrente — Uma exegese do art. 24 da Cons-tituição Federal, p. 179. Na disciplina Sistema Tributário Nacional, serão examinadas as possíveis limitações da atividade legislativa coordenadora da União para não invadir a competência dos entes subnacionais e bem assim das restrições à criação de normas ge-rais pelos Estados, ressalvados os casos de inexistência de lei federal em que se aplica o § 3º do art. 24.

67. Note que o critério de análise re-lativamente às funções da União agora não é mais o aspecto espacial de aplica-bilidade da norma editada.

FINANÇAS PúBLICAS

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68 Esse dispositivo constitucional (art. 24, §1º) parece se dirigir (“limitar--se-á a estabelecer normas gerais”) exclusivamente à função coordenadora da União, conforme acima salientado, tendo em vista que a mesma União, como pessoa jurídica de direito público interno, no exercício de suas funções como ente político autônomo, nos termos do art. 18 da CR-88, também expede normas específicas de caráter exclusivamente federal no bojo da competência concorrente, dentro dos limites constitucionais estabelecidos, inclusive no que pertine à matéria fi-nanceira e tributária. Dessa forma, con-forme já salientado, pode-se distinguir a legislação expedida pela União em duas modalidades, as leis de caráter na-cional, posto vincularem a atividade le-gislativa dos entes políticos, e as leis de natureza eminentemente federal, que se dirigem exlcusivamente aos seus jurisdiciondos e administrados. A União pode expedir normas, por exemplo, de direito financeiro e de direito tributário concerenentes à sua atividade financei-ra específica, independentemente da edição das normas gerais referidas no citado §1º do artigo 24 da CR-88.

69 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Comentários aos arts. 40 a 47. In: MAR-TINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMEN-TO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 276-277.

70 Já Regis Fernandes de Oliveira apon-ta que “no Estado federal brasileiro, em que são quatro entes federados, União, Estados, Distrito Federal e Muni-cípio, cada qual, para sua sobrevivência e para atender às finalidades que lhes são traçadas na Constituição, tem que dispor de recursos para tanto.” In. OLI-VEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-nais, 2008. p. 124. Sob a perspectiva tributária, o Distrito Federal cumula as competências dos Estados (art. 155 caput da CR-88) e dos Municípios (art. 147, segunda parte, da CR-88). Nos termos do artigo 32, §1º, da CR-88 ao “Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios”, observadas as disciplinas específicas, como, por exemplo, o disposto nos artigos 21, XIII, 32, §4º, 98, 128, I, d, 134, §1º, da CR-88, etc.

Com a adoção da forma federativa de Estado, a distribuição de diversas funções à União e a inevitável coexistência de múltiplas ordens jurídicas no território nacional, impõe-se a implementação de um sistema constitucional de repartição de competências entre as unidades federadas, o que inclui, tam-bém, a previsão de edição das já referidas normas gerais (§1º do art. 24), ao lado das demais competências legislativas (privativa — art.22, concorrente — art. 24, suplementar — art. 24, §§2º a 4º, delegada — art. 22 parágrafo único e 23, parágrafo único, e originária — art. 30, I) e das competências administrativas (exclusiva — art. 21, comum — art. 23, decorrente — im-plícita, originária — art. 30). Nesse sentido, deve ser destacado que a CR-88, no artigo 24, I, confere competência para a União, os Estados e o Distrito Federal legislarem concorrentemente sobre Direito Financeiro, Orçamento e Tributário. Nessa hipótese, a prerrogativa da União,68 como ente polítco de coordenação, é limitada à expedição de normas gerais de caráter nacional, sendo atribuída, ao mesmo tempo, a competência suplementar aos Estados. Corolário da autonomia federativa estampada nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88, os Municípios também têm a atribuição de suplementar a legisla-ção federal e estadual (artigo 30, II, da CR-88), assim como instituir e arre-cadar tributos, aplicar suas rendas, submeter e prestar contas (art. 30, III, da CR-88), analogamente às prerrogativas da União, dos Estados e do Distrito Federal. Portanto, a determinação fixada no artigo 163 da CR-88, no sentido de que lei complementar federal disporá sobre finanças públicas, conforme ensina Misabel Abreu Machado Derzi69, não afasta ou suprime a competên-cia legislativa dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

para legislar sobre as finanças públicas, dívida pública, operações de crédito, emissão e resgate da dívida pública, orçamentos, controle e fiscalização da execução financeira. Ao contrário, cada um desses entes políticos, mediante lei ordinária, aprova os seus orçamentos, operações de crédito, e empréstimos públicos. No citado art. 163, a Constituição apenas prevê a necessidade de a União editar normas gerais, por meio de lei complementar, para disciplinar princípios básicos a serem obser-vados pelas leis ordinárias editadas nessa matéria pela União, Estados-Membros e Municípios. Dentro dos limites constitucionais que lhes são impostos, de respeito à diferenciação e às autonomias locais e regio-nais, as normas gerais padronizam parcialmente as ordens jurídicas que convivem no Estado brasileiro.

Assim, importante repisar que o Brasil é usualmente qualificado como uma República Federativa tridimensional70, composta por três entes políticos internos distintos, diversamente do tradicional modelo dual adotado nos de-mais regimes federados, os quais são compostos por apenas dois entes. De

68. Esse dispositivo constitucional (art. 24, §1º) parece se dirigir (“limitar--se-á a estabelecer normas gerais”) exclusivamente à função coordenadora da União, conforme acima salientado, tendo em vista que a mesma União, como pessoa jurídica de direito público interno, no exercício de suas funções como ente político autônomo, nos termos do art. 18 da CR-88, também expede normas específicas de caráter exclusivamente federal no bojo da competência concorrente, dentro dos limites constitucionais estabelecidos, inclusive no que pertine à matéria fi-nanceira e tributária. Dessa forma, con-forme já salientado, pode-se distinguir a legislação expedida pela União em duas modalidades, as leis de caráter na-cional, posto vincularem a atividade le-gislativa dos entes políticos, e as leis de natureza eminentemente federal, que se dirigem exlcusivamente aos seus jurisdiciondos e administrados. A União pode expedir normas, por exemplo, de direito financeiro e de direito tributário concerenentes à sua atividade financei-ra específica, independentemente da edição das normas gerais referidas no citado §1º do artigo 24 da CR-88.

69. DERZI, Misabel de Abreu Macha-do. Comentários aos arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCI-MENTO, Carlos Valder do. comentá-rios à lei de Responsabili-dade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 276-277.

70. Já Regis Fernandes de Oliveira aponta que “no Estado federal brasilei-ro, em que são quatro entes fede-rados, União, Estados, Distrito Federal e Município, cada qual, para sua sobre-vivência e para atender às finalidades que lhes são traçadas na Constituição, tem que dispor de recursos para tan-to.” In. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. curso de Direito Financei-ro. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Edi-tora Revista dos Tribunais, 2008. p. 124. Sob a perspectiva tributária, o Distrito Federal cumula as competências dos Estados (art. 155 caput da CR-88) e dos Municípios (art. 147, segunda par-te, da CR-88). Nos termos do artigo 32, §1º, da CR-88 ao “Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios”, observadas as disciplinas específicas, como, por exemplo, o disposto nos ar-tigos 21, XIII, 32, §4º, 98, 128, I, d, 134, §1º, da CR-88, etc.

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71 Vide, em especial, os artigos 21, 22, 23, 24, 25 e 30 da CR-88.

72 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coim-bra Editora, 1985, t. III. p. 268. Explica o autor luso: “O Estado Federal tem como núcleo uma estrutura de sobreposição, a qual recobre os poderes políticos lo-cais (dos Estados-membros), de modo a cada cidadão ficar simultaneamente sujeito a duas constituições (....).”

73 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 103: Aponta o professor que “a federa-ção consiste na união de coletividades regionais autônomas que a doutrina chama de Estados federados, Estados--membros ou simplesmente Estados”.

fato, o artigo 68 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 já consagrava a autonomia municipal em “tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”, atribuição que foi se fortalecendo ao longo do tempo até o seu ápice no texto constitucional de 1988, quando os municípios alcan-çaram o status formal de entes federados, cujas prerrogativas vão muito além da autonomia meramente administrativa, conforme será examinado ao longo do curso.

Nesse passo, de descentralização das finanças e da atribuição de competên-cias tributárias aos entes políticos, serão inicialmente analisados os aspectos mais relevantes do federalismo fiscal para depois ser examinado o problema das desigualdades regionais na Federação. Também será objeto de análise no próximo tópico a subordinação ou não do exercício da competência tribu-tária à prévia autorização orçamentária, elemento que ao lado do sistema constitucional de partilha de receitas e de transferências entre os entes fede-rados, objeto da Aula 9, ajuda a identificar e delinear as interligações entre as receitas, as despesas e o orçamento.

2.2 o Federalismo Fiscal e o exercício da comPetência tributá-ria em Face do orçamento

A forma de Estado (unitário, federado ou confederado) adotada pela República Federativa do Brasil é o primeiro elemento de natureza jurídico-política que, ao lado do sistema de distribuição de funções entre os poderes da República, define o modelo de interação entre as receitas, despesas e o orçamento, sendo também determinante para o delineamento do perfil ins-titucional brasileiro.

Resguardado um núcleo essencial inafastável, nos termos adiante descri-tos, o federalismo é um conceito essencialmente jurídico-positivo, ou seja, seu significado no mundo concreto depende de um conjunto amplo de nor-mas constitucionais, que abrange não apenas a declaração dessa forma de Estado. Na realidade a definição do modelo adotado no Brasil, por exemplo, requer o exame de todas as regras de distribuição de competências materias e legislativas que se encontram espalhadas pelo texto constitucional71, sejam ou não de natureza exclusivamente financeira, orçamentária ou tributária.

O federalismo sempre foi objeto de estudo e controvérsia, posto tratar-se de um sistema de organização político-institucional de sobreposição72, ao contrário do Estado unitário, conforme já salientado. Portanto, a forma de Estado federado73 pressupõe a existência e coordenação de múltiplas ordens jurídicas incidentes sobre o mesmo território, sendo mecanismo eficiente à limitação do poder central, com a vantagem de não possuir um modelo pre-definido e estático. Dessa forma, o Estado federal possibilita variadas estrutu-

71. Vide, em especial, os artigos 21, 22, 23, 24, 25 e 30 da CR-88.

72. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1985, t. III. p. 268. Explica o autor luso: “O Estado Federal tem como núcleo uma estru-tura de sobreposição, a qual recobre os poderes políticos locais (dos Estados--membros), de modo a cada cidadão ficar simultaneamente sujeito a duas constituições (....).”

73. DA SILVA, José Afonso. curso de Direito constitucional Positivo. 17ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 103: Aponta o professor que “a federação consiste na união de coletividades regionais au-tônomas que a doutrina chama de Estados federados, Estados-membros ou simplesmente Estados”.

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74 KUGELMAS, Eduardo. A evolução re-cente do regime federativo no Brasil. HOFMEISTER, Wilhelm e CARNEIRO, José Mário Brasiliense (Organizadores). In: Federalismo na Alemanha e no Brasil. SP- Fundação Konrad Adenauer, Série de Debates nº 22, Vol I. 2001. p. 29: “Embora o número de países com regime federativo seja relativamen-te pequeno, em torno de vinte, esse conjunto inclui alguns dos maiores em extensão territorial e/ou população — Estados Unidos, Rússia, Brasil, Canadá, Índia — e a maior potência do conti-nente europeu, a Alemanha. Na conso-lidação da democratização espanhola foi peça central a adoção de um regime por vezes chamado de quase federativo um notável grau de autonomia para as regiões. A recente reforma belga insti-tucionalizou mecanismos federativos para permitir a convivência entre duas populações diferenciadas, a dos fla-mengos e a dos valões de língua fran-cesa. Para a construção institucional da África do Sul como país democrático após o fim do aparthied foi estratégi-ca a adoção de procedimentos de tipo federativo. Em um dos países unitários arquetípicos, o Reino Unido, está em andamento um ambicioso projeto de power devolution, atendendo às reivin-dicações da Escócia e do País de Gales. Os projetos e desenhos institucionais relativos à construção européia passam fatalmente por uma discussão histórica e conceitual sobre a natureza das fe-derações e a distinção entre estas e as confederações”.

75 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Es-tado Federal e Estados Federados na Constituição brasileira de 1988: do equilíbrio federativo. BDA — Boletim de Direito Administrativo. p. 49-50, 1993. O Ministro destaca a necessidade de um sistema constitucional de discri-minação de rendas, compreendendo a repartição de competência tributária e a distribuição de receita tributária.

ras jurídico-políticas, as quais facultam a implementação de diferentes graus de descentralização, o que se efetiva por meio do sistema constitucional de repartição de competências. Com efeito, o perfil do federalismo de cada país é delineado pela configuração do sistema de repatição de competências, o que tem como pressuposto uma Constituição rígida, isto é, aquela cujo processo de reforma é mais complexo do que aquele necessário para a edição das leis infracostitucionais, havendo, no caso brasileiro, limitações materiais e cir-cunstanciais ao lado de quorum e procedimento especial.

Cabe ressaltar, entretanto, que a Federação pode conter caráter meramen-te nominal, se os seus pressupostos fundamentais não forem verdadeiros e efetivos, isto é, a Federação só existe materialmente se inviabilizada a possibi-lidade de usurpação de competências locais e de possível violação à autono-mia política, administrativa e, principalmente, financeira dos entes subnacio-nais. Não obstante a impossibilidade de serem afastados esses núcleos essenciais do federalismo, cumpre repisar que essa forma de Estado caracteri-za-se por ser maleável, vez que possibilita arranjos institucionais capazes de deixar aflorar o que há de melhor nas diversas áreas que compõem o seu conjunto, adequado, portanto, àqueles países caracterizados74 pela diversida-de interna, complexidade, permanente mutação e, em geral, pela grande ex-tensão territorial. Assim sendo, pela própria natureza das coisas, trata-se de uma solução complexa para realidades de países cujas características físico--geográficas, culturais, políticas, econômicas ou sociais apresentem obstácu-los muitas vezes intransponíveis à imposição de um modelo único para todo o país, inviabilizando a gestão hierárquica tradicional de cima para baixo, de forma que o governo central seja tão forte que imponha uma relação de de-pendência para as unidades políticas locais.

Conforme já destacado, o sistema de repartição de competências materiais e legislativas — aí inserida a competência tributária75, que ao lado das receitas não tributárias e do sistema de partilha de recursos formam o complexo me-canismo de financiamento federado — é o núcleo central do federalismo, pois delimita e configura o perfil da autonomia constitucional de cada regi-me, sendo certo que o grau de independência financeira das unidades subna-cionais determina o grau de autonomia da Federação. De fato, inexistente aquela, não há que se falar em federalismo, isto é, a autonomia financeira é um dos elementos nucleares do regime, podendo, no entanto, efetivar-se de diversas formas e com diferentes níveis de descentralização, especialmente pelo fato de que os recursos financeiros disponíveis para cada unidade fede-rada realizar os seus gastos — e cumprir os encargos constitucionalmente designados — corresponde ao conjunto:

(1) do somatório das receitas obtidas por cada unidade política no exercício das respectivas competências tributárias, das receitas decor-

74. KUGELMAS, Eduardo. A evolução recente do regime federativo no Brasil. HOFMEISTER, Wilhelm e CARNEIRO, José Mário Brasiliense (Organizadores). In: Federalismo na alema-nha e no brasil. SP- Fundação Konrad Adenauer, Série de Debates nº 22, Vol I. 2001. p. 29: “Embora o nú-mero de países com regime federativo seja relativamente pequeno, em torno de vinte, esse conjunto inclui alguns dos maiores em extensão territorial e/ou população — Estados Unidos, Rússia, Brasil, Canadá, Índia — e a maior potência do continente europeu, a Alemanha. Na consolidação da demo-cratização espanhola foi peça central a adoção de um regime por vezes cha-mado de quase federativo um notável grau de autonomia para as regiões. A recente reforma belga institucionalizou mecanismos federativos para permitir a convivência entre duas populações diferenciadas, a dos flamengos e a dos valões de língua francesa. Para a cons-trução institucional da África do Sul como país democrático após o fim do aparthied foi estratégica a adoção de procedimentos de tipo federativo. Em um dos países unitários arquetípicos, o Reino Unido, está em andamento um ambicioso projeto de power devo-lution, atendendo às reivindicações da Escócia e do País de Gales. Os projetos e desenhos institucionais relativos à construção européia passam fatal-mente por uma discussão histórica e conceitual sobre a natureza das fede-rações e a distinção entre estas e as confederações”.

75. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Estado Federal e Estados Federados na Constituição brasileira de 1988: do equilíbrio federativo. bDa — bo-letim de Direito adminis-trativo. p. 49-50, 1993. O Ministro destaca a necessidade de um sistema constitucional de discriminação de ren-das, compreendendo a repartição de competência tributária e a distribuição de receita tributária.

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76 O artigo 167, I e II, da CR-88, será transcrito na próxima aula e reexami-nado na Aula 4.

77 Destaque-se que o art. 25 da Emenda Constitucional nº 18/65, de 01.12.1965, revogou expressamente o citado §34 do artigo 141 da Constitui-ção de 1946, que previa a anualidade tributária, e consolidado, no art. 2º, II, da Constituição, a jurisprudência que havia se fixado no âmbito do STF. De fato, a exigência de prévia auto-rização orçamentária já havia sido mitigada pelo STF por meio da edição da Súmula 66, aprovada na reunião plenária de 13/12/1963 e que enun-ciava: “É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do iní-cio do respectivo exercício financeiro.” Referia-se, então, pela primeira vez, à regra/princípio hoje denominada de anterioridade tribu-tária. Dessa forma, com a nova redação da Constituição de 1946 conferida pela EC 18/65 (art. 2º, II: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (I) ...; (II) cobrar imposto sobre patrimônio e a renda, com base em lei posterior è data inicial do exer-cício financeiro a que corresponda”), constitu cionalizou-se a jurisprudência do STF, suprimindo-se temporaria-mente o princípio da anualidade tri-butária, e positivando-se o que hoje entendemos por anterioridade tribu-tária, entretanto, exclusivamente em relação aos impostos sobre patrimônio e renda. Posteriormente, com a edição da Constituição de 1967, o princípio da anualidade tributária foi novamente constitucionalizado expressamente, no art. 150, §29, até ser promulgada a Emenda Constitucional nº 1/69, a qual excluiu definitivamente a exigência de prévia autorização orçamentária para o aumento de tributo de nosso ordena-mento (anualidade tributária).

78 Ressalte-se que Comissão de Consti-tuição, Justiça e Cidadania do Senado Federal aprovou em junho de 2010 o parecer e o substitutivo do relator, Se-nador Arthur Virgílio, ao Projeto de Lei Complementar nº 229, de 2009, o qual prevê a revogação da Lei nº 4320/64 (art. 125 do projeto de lei) e estabelece nova disciplina para o disposto no arti-go 165, §9°, da CR-88, além de alterar a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00).

rentes da exploração do seu patrimônio, da exploração de atividades econômicas (comércio, agropecuária, indústria e serviços), das opera-ções de crédito, da alienação de bens, do recebimento de amortização de empréstimos concedidos e ainda do superávit do orçamento corrente etc.; adicionado

(2) da parcela decorrente do sistema de repartição de receitas e de transferências intergovernamentais na Federação, que podem ser vo-luntárias ou obrigatórias.

A análise da repartição de receitas e das transferências será realizada na aula 8, nos termos já enfatizados, e o exame das receitas da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Municípios, sob o ponto de vista do substrato econômico de incidência e sob a perspectiva da distribuição de competências tributárias no federalismo fiscal brasileiro, será realizado nesta disicplina e também no próximo período, no curso intitulado Sistema Tributário Na-cionalsendo necessário, neste momento, apenas examinar dois aspectos da matéria.

O primeiro aspecto relacionado à receita a ser abordado neste momento, refere-se ao fato de que no atual regime constitucional brasileiro, ao contrário do passado recente, não há qualquer subordinação do exercício da competên-cia tributária ao orçamento anual, no plano federal, estadual ou municipal. Ou seja, diferentemente das despesas, as quais têm como requisito necessário a autorização legislativa específica, anualmente,76 em qualquer dos entes fede-rados, a tributação, principal origem de recursos para os entes públicos, inde-pende de autorização parlamentar ânua, em qualquer dos entes políticos. Nesse sentido, impõe-se apresentar a redação do §34 do artigo 141, da Cons-tituição de 194677, regra/princípio inserido entre os direitos e garantias indi-viduais e cujo texto foi repetido em sua integralidade pelo artigo 51 da Lei n º 4.320, de 17.03.1964, norma recepcionada pela atual constituição de 198878 com status de lei complementar, devendo-se destacar que a mesma disciplina foi repetida, da mesma forma, no artigo 150, §29, da Constituição de 1967, todos, nos seguintes termos:

Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabe-leça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autoriza-ção orçamentária, ressalvados a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra. (grifo nosso)

Dessa forma, o exercício da competência tributária ficava subordinado e dependente da autorização legislativa anual, concretizando, assim, o denomi-nado princípio da Anualidade Tributária. Esse princípio, não mais aplicável atualmente, conforme será analisado a seguir, distingue-se do chamado prin-

76. O artigo 167, I e II, da CR-88, será transcrito na próxima aula e reexami-nado na Aula 4.

77. Destaque-se que o art. 25 da Emenda Constitucional nº 18/65, de 01.12.1965, revogou expressamente o citado §34 do artigo 141 da Constitui-ção de 1946, que previa a anuali-dade tributária, e consolidado, no art. 2º, II, da Constituição, a jurispru-dência que havia se fixado no âmbito do STF. De fato, a exigência de prévia autorização orçamentária já havia sido mitigada pelo STF por meio da edição da Súmula 66, aprovada na reunião plenária de 13/12/1963 e que enun-ciava: “É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do iní-cio do respectivo exercício financeiro.” Referia-se, então, pela primeira vez, à regra/princípio hoje denominada de anterioridade tributária. Dessa forma, com a nova redação da Constituição de 1946 conferida pela EC 18/65 (art. 2º, II: “É vedado à União, aos Estados, ao Dis-trito Federal e aos Municípios: (I) ...; (II) cobrar imposto sobre patrimônio e a renda, com base em lei posterior è data inicial do exercício financeiro a que corresponda”), constitu cionalizou-se a jurisprudência do STF, suprimindo--se temporariamente o princípio da anualidade tributária, e positivando-se o que hoje entendemos por anterioridade tributá-ria, entretanto, exclusivamente em relação aos impostos sobre patrimônio e renda. Posteriormente, com a edição da Constituição de 1967, o princípio da anualidade tributária foi novamente constitucionalizado ex-pressamente, no art. 150, §29, até ser promulgada a Emenda Constitucional nº 1/69, a qual excluiu definitivamente a exigência de prévia autorização orça-mentária para o aumento de tributo de nosso ordenamento (anualidade tributária).

78. Ressalte-se que Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal aprovou em junho de 2010 o parecer e o substitutivo do relator, Senador Arthur Virgílio, ao Projeto de Lei Complementar nº 229, de 2009, o qual prevê a revogação da Lei nº 4320/64 (art. 125 do projeto de lei) e estabelece nova disciplina para o disposto no artigo 165, §9°, da CR-88, além de alterar a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Comple-mentar nº 101/00).

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79 O princípio da Anterioridade Tribu-tária (clássica e nonagesimal) por sua vez, por se consubstanciar mais uma importante limitação constitucional ao Poder de Tributar será estudado de for-ma detalhada quando do exame dessas limitações.

cípio da Anualidade Orçamentária, o qual estabelece a vigência anual para o orçamento (LOA), após o que será necessária, para legitimar a atividade financeira do Estado no exercício subsequente, nova autorização de natureza política. Assim sendo, a Anualidade Orçamentária, ainda hoje vigente — a teor do disposto no artigo 165, III, e §5º, da CR-88 — expressa o controle do Parlamento sobre os demais Poderes relativamente ao Orçamento, ao pre-ver que o mesmo deve ser elaborado para durar apenas um ano, isto é, há necessidade de renovação da autorização legislativa anualmente. Já o princí-pio da Anterioridade Orçamentária79 prevê que o orçamento deve ser apro-vado antes do início do exercício financeiro ao qual se aplica, matéria a ser abordada na Aula 4, conjuntamente com os demais princípios orçamentá-rios.

A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, a qual ensejou ampla revisão no texto constitucional de 1967, retirou definitivamente a exigência de prévia autorização orçamentária para a cobrança de tribu-tos, ao estabelecer a seguinte redação ao §29 do artigo 153:

Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o esta-beleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o impos-to sobre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição.

Assim sendo, a cobrança de tributo passou a ser possível após a Emenda nº 1/69, com a vigência da lei que a estabelece, observada, apenas, a necessidade de que o ato legislativo esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, sendo dispensável, portanto, a prévia autorização orçamentária, conforme anteriormente exigido, com a mitigação fixada pela jurisprudência do Supre-mo Tribunal Federal fixada na Súmula 66.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, alterou-se novamente a redação do dispositivo, sem modificar, entretanto, a desvinculação do exercício da competência tributária da prévia autorização orçamentária:

Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o esta-beleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o impos-to sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição.(grifo nosso)

79. O princípio da anteriorida-de Tributária (clássica e nonage-simal) por sua vez, por se consubstan-ciar mais uma importante limitação constitucional ao Poder de Tributar será estudado de forma detalhada quando do exame dessas limitações.

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80 Não tendo havido até hoje a edição da Lei Complementar prevista pelo artigo 163 da Constituição da República de 1988 (CR-88) no que se refere às nor-mas gerais de Direito Financeiro e Orça-mento, salvo quanto à responsabilida-de na gestão fiscal (Lei Complementar nº 101/2000 — LRF), continua vigente e eficaz a Lei nº 4.320/64, no que não conflitar com a Carta Magna e com a LRF. Nesse sentido, ADI 1.726-MC, cuja ementa dispõe: “A exigência de pre-via lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela Lei nº 4.320, de 17/03/64, recepcionada pela Constituição com status de lei complementar; embora a Constitui-ção não se refira aos fundos especiais, estão eles disciplinados nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à espécie: a) o FGPC, criado pelo art. 1º da Lei n. 9.531/97, é fundo especial, que se ajusta à definição do art. 71 da Lei n. 4.320/63; b) as condições para a insti-tuição e o funcionamento dos fundos especiais estão previstas nos arts. 72 a 74 da mesma Lei.” (ADI 1.726-MC, Rel. Min.  Maurício Corrêa, julgamento em 16-9-98, DJ de 30-4-04)

81 Há duas corrente doutrinárias quan-to à incompatibilidade de norma infra constitucional antecedente à nova ordem constitucional: (1) aqueles que sustentam a sua revogação, sendo desnecessário, portanto, declará-la in-constitucional; e (2) os que defendem tratar-se de inconstitucionalidade superveniente, a exigir o seu reco-nhecimento expresso, tendo em vista fundamentar-se em conflito sob a pers-pectiva da hierarquia das normas. A questão é assim analisada por Luís Ro-berto Barroso: “De um lado, há os que sustentam que a nova Constituição, ao entrar em vigor, simplesmente revoga toda a legislação precedente com ela incompatível. Portanto, cuidar-se-ia de um conflito de natureza temporal, a ser resolvido no plano da vigência da norma. De outro lado, há os que sus-tentam a inadequação de se tratar tal questão à luz do direito intertemporal, sob argumento de que a regra lex pos-terior derrogat priori somente se aplica a normas de igual hierarquia. Por via de conseqüência, consideram que o confli-to entre a Constituição e a lei anterior é de natureza hierárquica, a ser resolvido no plano da validade da norma. Logo, se a Constituição e a norma anterior são incompatíveis, é caso de pronunciar-se a inconstitucionalidade da norma, e não sua revogação”. In. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.72. O Supremo Tribunal Federal tendo em vista, também, as conse-qüências práticas de uma ou outra opção e considerando, ainda, que em face da revogação não caberia controle

A Constituição de 1988, por sua vez, também não fixou qualquer requi-sito orçamentário para o exercício da competência tributária, estabelecendo, tão somente, na alínea “b”, do inciso III, do seu artigo 150, o denominado Princípio da Anterioridade tributária, o qual veda a cobrança de tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os insti-tuiu ou aumentou”, sem haver, entretanto, qualquer vinculação ou subordi-nação da tributação à citada autorização na lei anual do orçamento.

Portanto, desde a Emenda nº 1/69, não mais se aplica o disposto na parte final do artigo 51 da Lei n º 4.320/6480, tendo em vista a sua revogação81 por incompatibilidade com as ordens constitucionais supervenientes. Nesse sen-tido, não há mais controle político a cada ano pelo Poder Legislativo, posto não haver exigência de renovação anual da permissão para a cobrança de tri-butos. Essa hipótese, concernente à inexistência de renovação anual da auto-rização legislativa, é severamente criticada por Montesquieu.82

Verifica-se, nesses termos, diferenças consideráveis na interação do orça-mento anual e as receitas quando comparada a sua relação com as despesas, haja vista que estas pressupõem a sua fixação83 na lei orçamentária todos os anos, ainda que a determinação possua, de fato, caráter meramente autoriza-dor da realização dos gastos, conforme será explicitado nas próximas aulas, ao passo que o exercício da competência tributária, principal fonte de recursos públicos, independe de autorização na norma orçamentária anual, a qual apenas prevê e estima a receita, malgrado o caráter coercitivo daquelas de natureza derivada, as quais deitam raízes no classicamente denominado po-der de império (jus imperi) ou no espaço aberto pelos direitos humanos fun-damentais, conforme a tese mais atual. Assim, conforme salienta Ricardo Lobo Torres84, “com a superveniência do Estado de Direito e com a indepen-dência e o primado da lei formal, dá-se a bifurcação entre anualidade tribu-tária e a orçamentária, como pioneiramente afirmou O. Mayer, ao observar que se desvanecera a conexão entre o direito de consentir impostos e o direi-to do orçamento.”

2.3 o Federalismo Fiscal e as desiGualdades reGionais

O segundo aspecto relativo à receita a ser examinado nesta aula diz respeito ao fato de que o regime federativo possui contradições ínsitas a esta forma de Es-tado. O principal paradoxo inerente ao federalismo decorre da interação entre:

(1) uma de suas características nucleares:85 “a apropriação dos recursos fiscais, determinada pela capacidade econômica das jurisdições”, seja pela estrutura de produção de bens e serviços, de seus recursos

80. Não tendo havido até hoje a edi-ção da Lei Complementar prevista pelo artigo 163 da Constituição da Repúbli-ca de 1988 (CR-88) no que se refere às normas gerais de Direito Financeiro e Orçamento, salvo quanto à responsa-bilidade na gestão fiscal (Lei Comple-mentar nº 101/2000 - LRF), continua vigente e eficaz a Lei nº 4.320/64, no que não conflitar com a Carta Mag-na e com a LRF. Nesse sentido, ADI 1.726-MC, cuja ementa dispõe: “A exigência de previa lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela lei nº 4.320, de 17/03/64, recepcionada pela constituição com sta-tus de lei complementar; embora a Constituição não se refira aos fundos especiais, estão eles disciplina-dos nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à espécie: a) o FGPC, criado pelo art. 1º da Lei n. 9.531/97, é fundo espe-cial, que se ajusta à definição do art. 71 da Lei n. 4.320/63; b) as condições para a instituição e o funcionamento dos fundos especiais estão previstas nos arts. 72 a 74 da mesma Lei.” (ADI 1.726-MC, Rel. Min.  Maurício Corrêa, julga-mento em 16-9-98, DJ de 30-4-04)

81. Há duas corrente doutrinárias quanto à incompatibilidade de norma infra constitucional antecedente à nova ordem constitucional: (1) aqueles que sustentam a sua revogação, sendo desnecessário, portanto, declará-la in-constitucional; e (2) os que defendem tratar-se de inconstitucionalidade superveniente, a exigir o seu reconheci-mento expresso, tendo em vista funda-mentar-se em conflito sob a perspecti-va da hierarquia das normas. A questão é assim analisada por Luís Roberto Bar-roso: “De um lado, há os que sustentam que a nova Constituição, ao entrar em vigor, simplesmente revoga toda a legislação precedente com ela incom-patível. Portanto, cuidar-se-ia de um conflito de natureza temporal, a ser resolvido no plano da vigência da nor-ma. De outro lado, há os que sustentam a inadequação de se tratar tal questão à luz do direito intertemporal, sob argu-mento de que a regra lex posterior derrogat priori somente se aplica a normas de igual hierarquia. Por via de conseqüência, consideram que o confli-to entre a Constituição e a lei anterior é de natureza hierárquica, a ser resolvido no plano da validade da norma. Logo, se a Constituição e a norma anterior são incompatíveis, é caso de pronunciar--se a inconstitucionalidade da norma, e não sua revogação”. In. BARROSO, Luís Roberto. interpretação e aplicação da constituição. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.72. O Supremo Tribunal Federal tendo em vista, também, as conseqüências práti-cas de uma ou outra opção e conside-rando, ainda, que em face da revogação não caberia controle concentrado de constitucionalidade, ao passo que enquadrada a questão no sentido da inconstitucionalidade superveniente seria cabível a ação direta, decidiu, na ADI 438, ponderando a necessidade de limitar o número de feitos que chegam àquele tribunal, que se trata de revo-gação da norma antecedente e não de inconstitucionalidade superveniente.

82. MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I. Folio Essais. Edition Gallimard, 1995. Livre XI, Chapitre VI. p. 339-340.

83. Essa é a nomenclatura utilizada no artigo 165, § 8º, da CR-88 o qual dis-põe que a “lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à pre-visão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contrata-ção de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”.

84. TORRES, Ricardo Lobo. Trata-do de Direito constitucio-nal Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 330.

85. PRADO, Sérgio. Partilha de recur-sos e desigualdade nas federações: um enfoque metodológico. In: REZENDE, Fernando e OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. (Organizadores). Descentrali-zação e Federalismo Fiscal no brasil. Desafios da Reforma Tributária. Rio de Janeiro: FGV - Konrad Adenauer Stiftung, 2003. p. 274.

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concentrado de constitucionalidade, ao passo que enquadrada a questão no sentido da inconstitucionalidade superveniente seria cabível a ação di-reta, decidiu, na ADI 438, ponderando a necessidade de limitar o número de feitos que chegam àquele tribunal, que se trata de revogação da norma antece-dente e não de inconstitucionalidade superveniente.

82 MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I. Folio Essais. Edition Gallimard, 1995. Livre XI, Chapitre VI. p. 339-340.

83 Essa é a nomenclatura utilizada no artigo 165, § 8º, da CR-88 o qual dis-põe que a “lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplemen-tares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”.

84 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atu-alizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 330.

85 PRADO, Sérgio. Partilha de recursos e desigualdade nas federações: um enfoque metodológico. In: REZENDE, Fernando e OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. (Organizadores). Descentralização e Federalismo Fiscal no Brasil. Desa-fios da Reforma Tributária. Rio de Janei-ro: FGV — Konrad Adenauer Stiftung, 2003. p. 274.

86 Aponta Ricardo Lobo Torres no sen-tido: “De notar que a equidade entre regiões visa sobretudo a garantir a equidade horizontal entre os cidadãos domiciliados nas diferentes localidades do país”. v. TORRES. Op.cit. p. 308.

87 Inexistente a autonomia legislativa em matéria tributária (art. 83 da Lei Fundamental da República Federativa Alemã) no âmbito dos Estados-mem-bros (Länder), cabe aos entes subnacio-nais apenas a execução das leis, o que qualifica o federalismo alemão para alguns como um “federalismo admi-nistrativo”, em oposição ao “federalismo legislativo” que caracteriza o Canadá. A Câmara Alta (Bundesrat) —segunda câmara do parlamento nacional, com-posta por representantes dos governos subnacionais, é o instrumento por meio do qual os Estados federados in-fluenciam a política tributária do país, o que afasta a autonomia na produção legislativa e inibe a competição entre os mesmos, introduzindo assim um sistema de influência coordenada sobre a política federal. Elcio Fonseca, citando Hans Joechen Vogel, esclarece ser “la gestión de la mayor de los impuestos corresponde a las autoridades finan-

naturais ou pelo potencial de consumo local, o que repercute nos resultados do exercício da competência tributária própria e das re-ceitas patrimoniais ; e

(2) a “exigência de igualdade entre os cidadãos no que se refere ao aces-so a bens e serviços públicos”, imperativo dos regimes democráticos modernos.

Portanto, pode-se concluir que, não obstante ser possível ao governo cen-tral adotar medidas compensatórias na vertente das despesas diretas no âm-bito territorial dos entes subnacionais menos desenvolvidos, ou, ainda, a exis-tência de sistemas de transferências intergovernamentais equalizadoras, a lógica regedora desta forma de Estado não afasta, por si só, a continuidade e o agravamento das denominadas desigualdades regionais. Essas diferenças inter-regionais são refletidas, segundo a ratio subjacente86 aos artigos 3º, III, 151, I, 165, §7º, e 174, §1º, da CR-88, nas acentuadas desigualdades na qualidade de vida dos cidadãos residentes em áreas geográficas distintas do mesmo país.

Merece destaque o fato de que maior será a dependência em relação ao complexo sistema de transferências financeiras, que objetiva levar recursos das regiões com maior capacidade econômica para as regiões mais pobres e de menor potencial econômico, quanto maior for o peso conferido à solidarie-dade em âmbito nacional. Assim, se as medidas adotadas na tentativa de ga-rantir simetria de resultados estiverem acompanhadas de vedações ao exercí-cio de competência legislativa local, ou seja, quanto maior o peso da solidariedade interpessoal, setorial e regional, afastando-se radicalmente o princípio da subsidiariedade, nos termos delineados no federalismo coopera-tivo alemão87, maior assimetria no sistema de partilha de poder, o que impli-ca distorções no funcionamento das instituições e nos procedimentos políti-cos burocráticos, tendo em vista o alto grau de centralização88, o que determina forte interdependência e falta de agilidade na tomada de decisões, além de que “percebe-se cada vez mais que a homogeneidade, quanto aos resul-tados, tem seu preço.”89

Por outro lado, a simetria no sistema de partilha de poder conduz a resul-tados inevitavelmente assimétricos, isto é, admitir competências concorren-tes em vários níveis, com plenos poderes de tributação e gastos para cada ente político, como ocorre nos Estados Unidos90, berço do federalismo, ou no Canadá91, implica desigualdade inter-regional, tendo em vista a salientada contradição intrínseca à forma de Estado federado.

Impõe-se, agora, analisar as regras gerais do sistema de partilha de receitas e de transferências dos recursos financeiros entre os entes federados de acordo com o modelo de federalismo fiscal brasileiro, matéria que será detalhada na

86. Aponta Ricardo Lobo Torres no sentido: “de notar que a equi-dade entre regiões visa sobre-tudo a garantir a equidade horizontal entre os cidadãos domiciliados nas diferentes localidades do país”. v. TORRES. Op.cit. p. 308.

87. Inexistente a autonomia legislati-va em matéria tributária (art. 83 da Lei Fundamental da República Federativa Alemã) no âmbito dos Estados-mem-bros (länder), cabe aos entes sub-nacionais apenas a execução das leis, o que qualifica o federalismo alemão para alguns como um “federalismo administrativo”, em oposição ao “federalismo legislativo” que caracteriza o Canadá. A Câmara Alta (bundesrat) —segunda câmara do parlamento nacional, composta por representantes dos governos subna-cionais, é o instrumento por meio do qual os Estados federados influenciam a política tributária do país, o que afas-ta a autonomia na produção legislativa e inibe a competição entre os mesmos, introduzindo assim um sistema de influência coordenada sobre a política federal. Elcio Fonseca, citando Hans Joechen Vogel, esclarece ser “la gestión de la mayor de los impuestos corres-ponde a las autoridades financieras regionales, pero em cambio los Länder solo parcialmente tienen competências legislativas em esta matéria — incluso respcto des impuestos cuya recaudaci-ón va a parar integramente a sus arcas-. De ahí que el Bundesrat sea la principal via de influencia de los Länder el im-porte de sus propios ingresos fiscales” (Cf. Elcio Fonseca Reis, Op. Cit. p. 47)

88. SCHULTZE, Rainer-Olaf. Ten-dências da evolução do federalismo alemão: dez teses, in Federalismo na alemanha e no brasil. Konrad Adenauer Stiftung, Série de Debates nº 22, Vol. I, abril 2001, p. 22. Destaca o autor a necessidade urgente de refor-ma “que levem em conta os desafios surgidos na economia regional, e, também maior pluralidade cultural”, salientando que no contexto “da futura repartição da arrecadação tributária entre União, estados e municípios, e ainda, a questão das competências tributárias originárias dos estados (...) diferentes alíquotas de tributos não deveriam constituir um tabu”

89. SPHAN, Paul Bernd. solida-riedade versus eficiência em uma federação: o caso da alemanha, in Federa-lismo e integração Econô-mica Regional — Desafios para o Mercosul, Fórum das Federações, Konrad Adenauer Stiftung, 2004, p. 153 e 177. Após apresentar inúmeros aspectos negativos do sis-tema alemão, no sentido de que a “subsidiariedade e, portanto, a diver-sidade regional foi sacrificada consis-tentemente em favor da solidariedade nacional” enfatiza a necessidade de equilíbrio entre os dois princípios, com a introdução do “direito dos estados de lançar alguns impostos próprios. Uma política tributária autônoma - pelo me-nos “na margem” — é um elemento essencial e constitutivo da soberania estadual”, e finaliza alertando que diante da “relutância em mudar as regras que aparentemente desmante-lariam a solidariedade inter-regional” “é questionável se os governos alemães estarão em posição de competir com outras nações e regiões num mundo globalizado.”

90. Apesar do elevado grau de autonomia, em especial em matéria tributária, Elcio Fonseca adverte que “já nas primeiras décadas do século XX, os Estados não possuíam condições de resolver seus problemas sem a inter-venção do Poder Central, o que levou a uma centralização do sistema fede-rativo americano”. Nesse sentido, José Baracho conclui que “o conceito clássico de federalismo, em que se assentava o sistema americano, não foi capaz de suportar as grandes modificações econômicas e sociais que acompanham as novas formas de desenvolvimento” (Cf. Elcio Fonseca Reis, Op. Cit. p. 29). Destaque-se, ainda, a inexistência, no sistema americano, de um programa formal de equalização da receita e preocupações acerca de transferências intergovernamentais, apesar de que, no lado das despesas, sejam pondera-das questões regionais no processo de decisão de alocação de recursos.

91. COURCHENE, Thomas J. Fede-ralismo e a nova ordem econômica: uma pers-pectiva dos cidadãos dos processos, in Federalismo e integração Econômica Regional–Desafios para o Mercosul, Fórum das Federações, Konrad Adenauer Stiftung, 2004, p. 27: “a Federação canadense é altamente descentralizada tanto nas despesas como nos impostos. Por exemplo: as províncias aplicam suas próprias alíquotas e categorias tributárias em termos de imposto de renda (física ou jurídica), seus próprios impostos de consumo e, em geral, controlam os recursos naturais dentro de suas fron-teiras e são responsáveis por saúde, educação, previdência e treinamento, entre muitas outras áreas (...), não se deve surpreender o fato de que o siste-ma canadense de transferências inter-governamentais sirva para ajustar essa descentralização”. (grifo nosso)

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cieras regionales, pero em cambio los Länder solo parcialmente tienen com-petências legislativas em esta matéria — incluso respcto des impuestos cuya recaudación va a parar integramente a sus arcas-. De ahí que el Bundesrat sea la principal via de influencia de los Län-der el importe de sus propios ingresos fiscales” (Cf. Elcio Fonseca Reis, Op. Cit. p. 47)

88 SCHULTZE, Rainer-Olaf. Tendências da evolução do federalismo alemão: dez teses, in Federalismo na Ale-manha e no Brasil. Konrad Adenauer Stiftung, Série de Debates nº 22, Vol. I, abril 2001, p. 22. Destaca o autor a necessidade urgente de reforma “que levem em conta os desafios surgidos na economia regional, e, também maior pluralidade cultural”, salientando que no contexto “da futura repartição da arrecadação tributária entre União, es-tados e municípios, e ainda, a questão das competências tributárias originá-rias dos estados (...) diferentes alíquo-tas de tributos não deveriam constituir um tabu”

89 SPHAN, Paul Bernd. Solidariedade versus eficiência em uma federação: o caso da Alemanha, in Federalismo e Integração Econômica Regional — Desafios para o Mercosul, Fórum das Federações, Konrad Adenauer Stif-tung, 2004, p. 153 e 177. Após apre-sentar inúmeros aspectos negativos do sistema alemão, no sentido de que a “subsidiariedade e, portanto, a diver-sidade regional foi sacrificada consis-tentemente em favor da solidariedade nacional” enfatiza a necessidade de equilíbrio entre os dois princípios, com a introdução do “direito dos estados de lançar alguns impostos próprios. Uma política tributária autônoma — pelo menos “na margem” — é um elemen-to essencial e constitutivo da soberania estadual”, e finaliza alertando que diante da “relutância em mudar as regras que aparentemente desmante-lariam a solidariedade inter-regional” “é questionável se os governos alemães estarão em posição de competir com outras nações e regiões num mundo globalizado.”

90 Apesar do elevado grau de autono-mia, em especial em matéria tributá-ria, Elcio Fonseca adverte que “já nas primeiras décadas do século XX, os Estados não possuíam condições de resolver seus problemas sem a inter-venção do Poder Central, o que levou a uma centralização do sistema fede-rativo americano”. Nesse sentido, José Baracho conclui que “o conceito clássico de federalismo, em que se assentava o sistema americano, não foi capaz de suportar as grandes modificações econômicas e sociais que acompanham as novas formas de desenvolvimento” (Cf. Elcio Fonseca Reis, Op. Cit. p. 29).

já citada Aula 8. Importante destacar, nesse sentido, que existem duas ques-tões preliminares, as quais revelam, do ponto de vista econômico-financeiro, se há, ou não, equilíbrio federativo, ou seja, se as unidades federadas dos di-ferentes níveis estão financeiramente aptas a realizar o que delas a população espera:

(1) a primeira, relativa à repartição de encargos para a prática de atos materiais entre os diferentes níveis de governo, isto é, se a distri-buição de funções e atribuições é clara e excludente, não deixan-do margem para dúvidas quanto ao que pode e deve ser exigido especificamente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e

(2) se o montante de recursos financeiros disponíveis para o financia-mento dos gastos para cada ente, individualmente, atende, ou não, às necessidades administrativas que visam à realização das ações e funções previamente fixadas no ordenamento jurídico.

No que concerne à primeira questão, ou seja, quanto à repartição de fun-ções e encargos entre os entes federados, a CR-88 distribui as competências materiais, em especial, nos seus artigos 21, 23, 25, 30 incisos V a IX, 144, 198 e 211 (competência exclusiva, comum e concorrente), o que tem sido objeto de muitas críticas, conforme se extrai da doutrina de Fernando Rezende:92

a) a ausência de uma nítida divisão de competências93 entre as diversas esferas governamentais (e também com referência à questão metro-politana) gera duplicação de esforços e lacunas na prestação dos serviços, com grandes desperdícios (financeiros e outros) na ação governamental;

b) em decorrência, evidencia-se a dificuldade de atribuir responsabili-dade às agências governamentais pela prestação do serviço, o que dificulta a relação usuário-governo e o controle social sobre a ação governamental;

c) conflitos institucionais freqüentes refletem negativamente na eficiên-cia de toda a máquina administrativa;

d) a falta de uma visão clara do que compete a cada esfera torna praticamente impossível uma repartição adequada dos recursos públicos que deveriam ser fixados em função da correspondên-cia recursos-encargos. (grifo nosso)

92. REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.50.

93. A titularidade dos serviços de saneamento, por exemplo, ainda cau-sam polêmica, mesmo após a edição da Lei nº 11.445/2007, a qual atribuiu competência legislativa aos entes da federação para que possam modernizar a infraestrutura dos serviços públicos. Conforme notícia extraída do sítio do Supremo Tribunal Federal, 07 de Julho de 2009: “Duas Ações Diretas de In-constitucionalidade (ADIs 1842 e 2077) discutem o tema ao questionarem leis do estado do Rio de Janeiro que tratam sobre a prestação de serviço de sanea-mento básico (Lei estadual 2.869/97) e sobre a criação da região metropolitana e da microrregião dos Lagos no estado (Lei Complementar 87/89). O julga-mento da ADI  1842 começou em abril de 2004 e foi interrompido por diversas vezes. Atualmente, as duas ações estão sendo analisadas conjuntamente e a matéria está nas mãos do ministro Ri-cardo Lewandowki, que pediu vista do processo na sessão do dia 3 de abril de 2008. Sciarra ressalta que a finalização desse julgamento é importante para que, juntamente com a regulamenta-ção da lei sobre saneamento básico, seja possível estimular investimentos públicos e privados na área. Ele desta-ca que esses investimentos ‘são muito necessários’ já que hoje o país tem ‘uma cobertura muito baixa na área de saneamento nos municípios brasi-leiros’. ‘Um dos entraves, justamente, é a falta de definição de titularidade [do saneamento básico]. Por isso nós estamos aqui no Supremo dizendo da necessidade, de o mais rápido possível, se  definir a questão da titularidade’, ponderou”. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>.

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Destaque-se, ainda, a inexistência, no sistema americano, de um programa formal de equalização da receita e preocupações acerca de transferências intergovernamentais, apesar de que, no lado das despesas, sejam pondera-das questões regionais no processo de decisão de alocação de recursos.

91 COURCHENE, Thomas J. Federalismo e a nova ordem econômica: uma perspectiva dos cidadãos dos pro-cessos, in Federalismo e Integração Econômica Regional—Desafios para o Mercosul, Fórum das Federações, Konrad Adenauer Stiftung, 2004, p. 27: “a Federação canadense é altamente descentralizada tanto nas despesas como nos impostos. Por exemplo: as províncias aplicam suas próprias alíquotas e categorias tributárias em termos de imposto de renda (física ou jurídica), seus próprios impostos de consumo e, em geral, controlam os recursos naturais dentro de suas fron-teiras e são responsáveis por saúde, educação, previdência e treinamento, entre muitas outras áreas (...), não se deve surpreender o fato de que o siste-ma canadense de transferências inter-governamentais sirva para ajustar essa descentralização”. (grifo nosso)

92 REZENDE, Fernando. Finanças Públi-cas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.50.

93 A titularidade dos serviços de sane-amento, por exemplo, ainda causam polêmica, mesmo após a edição da Lei nº 11.445/2007, a qual atribuiu competência legislativa aos entes da federação para que possam modernizar a infraestrutura dos serviços públicos. Conforme notícia extraída do sítio do Supremo Tribunal Federal, 07 de Julho de 2009: “Duas Ações Diretas de In-constitucionalidade (ADIs 1842 e 2077) discutem o tema ao questionarem leis do estado do Rio de Janeiro que tratam sobre a prestação de serviço de sanea-mento básico (Lei estadual 2.869/97) e sobre a criação da região metropolitana e da microrregião dos Lagos no estado (Lei Complementar 87/89). O julga-mento da ADI  1842 começou em abril de 2004 e foi interrompido por diversas vezes. Atualmente, as duas ações estão sendo analisadas conjuntamente e a matéria está nas mãos do ministro Ri-cardo Lewandowki, que pediu vista do processo na sessão do dia 3 de abril de 2008. Sciarra ressalta que a finalização desse julgamento é importante para que, juntamente com a regulamenta-ção da lei sobre saneamento básico, seja possível estimular investimentos públicos e privados na área. Ele desta-ca que esses investimentos ‘são muito necessários’ já que hoje o país tem ‘uma cobertura muito baixa na área de saneamento nos municípios brasi-leiros’. ‘Um dos entraves, justamente, é a falta de definição de titularidade

Relativamente ao segundo aspecto, isto é, quanto às fontes de financia-mento94 dos gastos, cumpre repisar que os mesmos correspondem ao conjun-to: (A) das receitas próprias de cada unidade política, receitas correntes e de capital — obtidas, principalmente, por meio do exercício de suas competên-cias tributárias, de suas receitas patrimoniais, de suas atividades econômicas e das operações de crédito; e (B) da parcela decorrente do sistema de repartição de receitas tributárias e de transferências intergovernamentais, que podem ser voluntárias ou obrigatórias, correntes ou de capital.

A análise da vinculação ou não dos recursos tributários arrecadados e rece-bidos a título de transferência corrente será realizada quando forem examina-das as receitas dos entes federados.

Pelo que foi até aqui apresentado nesta aula, pode-se verificar o caráter essencial do estudo do primeiro dos dois elementos de natureza jus-política que são determinantes ao delineamento da estrutura institucional do país re-lativamente à matéria financeira pública: o federalismo fiscal e a distribuição de funções entre os poderes.

O sistema de distribuição de funções entre os Poderes constitucionalmen-te instituídos, matéria a ser examinada na próxima aula, suscita elevado grau de fricção entre as instituições nacionais, em especial as divisões de compe-tências para aprovar as despesas, bem como a natureza meramente autori-zadora do orçamento, associado à complexidade do modelo de federalismo fiscal nacional, caracterizado por conflitos no plano horizontal e vertical, o que frequentemente gera mais calor do que luz.

94. A diferença entre as despesas e receitas, nestas incluídas os recursos financeiros provenientes das transfe-rências recebidas, voluntárias e obri-gatórias, corresponde ao que se deno-mina de public sector borrowing requirements, correspondente em português às necessidades de financiamento do setor pú-blico, matéria que será examinada na aula pertinente ao Financiamento dos Gastos e Crédito Público.

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[do saneamento básico]. Por isso nós estamos aqui no Supremo dizendo da necessidade, de o mais rápido possível, se  definir a questão da titularidade’, ponderou”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>.

94 A diferença entre as despesas e recei-tas, nestas incluídas os recursos finan-ceiros provenientes das transferências recebidas, voluntárias e obrigatórias, corresponde ao que se denomina de public sector borrowing requirements, correspondente em português às ne-cessidades de financiamento do setor público, matéria que será examinada na aula pertinente ao Financiamento dos Gastos e Crédito Público.

95 Recomenda-se revisar o conteúdo das Aulas 11 a 16 do material didático de Direito Constitucional I (2010.2) antes da leitura desta aula.

AulA 3 — o estAdo FinAnceiro, A rePúblicA e o FederAlismo FiscAl. A distribuição de Funções entre os Poderes95.

Após a apresentação da forma de Estado da República e a introdução do Federalismo Fiscal brasileiro, iniciaremos nesta aula o estudo acerca da na-tureza autorizadora do orçamento para a efetivação das despesas, bem como o exame preliminar da relevância da distribuição de funções entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo no que se refere ao orçamento, matéria que será detalhada na próxima aula. Nesse sentido, impõe-se agora analisar o segundo elemento de natureza jus-política que também possui como ratio subjacente evitar a concentração excessiva e os abusos no exercício do poder, sendo, também, fundamental à constituição do perfil institucional brasileiro: o sistema de distribuição de funções entre os Poderes da República que ocorre no âmbito da Federação.

Nesse sentido, cumpre destacar que os Poderes Legislativos da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios não estão limitados pela CR-88 à função de criar normas gerais e abstratas nos âmbitos de suas repectivas atri-buições constitucionalmente estabelecidas. Compete às Casas Legislativas, conforme será examinado ao longo do curso, também, além de outras ativi-dades, autorizar despesas e receitas do Estado, fiscalizar a atividade de outras entidades do Poder Público nas áreas previamente fixadas, como as contas prestadas pelo Presidente da República, e, por simetria, dos Governadores e Prefeitos, apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo e os atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração Indireta (vide art. 48, II, IX e X da CR-88).

3.1 o sistema de distribuição de Funções entre os Poderes

A previsão do orçamento no Brasil, incluindo a fixação de despesas e a estimativa de receitas orçamentárias, assim como a determinação de elabora-ção de um balanço geral das receitas e despesas do ano anterior, está expressa desde a Constituição Política do Império, de 25 de Março de 1824, cujo art. 15, item 10, art. 36, item 1, e art. 172 dispõem, respectivamente:

Art. 15. É da atribuição da Assembléia Geral............................................................................................10). Fixar anualmente as despesas públicas, e repartir a contribuição

direta.............................................................................................Art. 36. É privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa.1º) Sobre impostos.

95. Recomenda-se revisar o conteúdo das Aulas 11 a 16 do material didático de Direito Constitucional I (2010.2) an-tes da leitura desta aula.

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96 Aula 11, p. 68 do material didático de Direito Constitucional I (2010.2).

97 Ensina o professor de Sorbonne Lau-rent Versini que Montesquieu falava de distribuição de poderes e funções e não propriamente da sua separação: “Partout ailleurs, le président parle de distribuition des pouvoirs et non de séparation. E livre XI, qui a pour objet de montrer comment la distribution des pouvoirs assure da liberté politique d’abord en Angleterre (chap.6) pui dans la république romaine (12 sq.), a jus-que dans ses titres de chapitres toute la précision souhaitable : voire chapiter 12, <<Du gouvernment des rois à Rome, et comment les trois pouvoirs y furrent dis-tribués>> ; voyez égalment au chapitre 7 comment, dans les monarchies autres que l’anglaise, le trois pouvoirs <<ont chacun une distribuition particulière, selon laquelle ils approchent plus moins de la liberté politique>>  : c’est dire que le pouvoir exécutif, ou législatif, ou judiciaire est partagé plus moins inélgalement entre plusieurs autoriés. La confusion est venue de l’ambiiguité du mot pouvoir  :les fonctions exécutive, législative ou judiciaire étant dans les démocraties modernes le plus souvent exercées chacune par un organe spé-cialisé, on identifie la fonction avec l’organe sous le nom de pouvoir alors que pour Montesquieu la fonction doit être répartie entre plusieurs organes pour que le pouvoir arrête le pouvoir, et que soit assurée la modération, donc la liberté.” VERSINI, Laurent. Introduction. In: MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I. Folio Essais. Edition Gallimard, 1995. p. 40-41

98 HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 57/58.

............................................................................................Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos

outros Ministros os orçamentos relativos às despesas das suas repar-tições, apresentará na Câmara dos Deputados anualmente, logo que esta estiver reunida, um balanço geral da receita e despesa do Tesouro Nacional do ano antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despesas publicas do ano futuro, e da importância de todas as contri-buições, e rendas publicas.

Conforme se verifica na Constituição Imperial, incumbia ao Poder Le-gislativo, por meio da Câmara dos Deputados, a iniciativa das leis sobre impostos e à Assembléia Geral, composta pela “Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores ou Senado”, nos temos do artigo 14, a aprovação da lei orçamentária que fixava a despesa pública e repartia a denominada con-tribuição direta.

Ao Poder Executivo, que ao lado do Poder Legislativo, do Poder Judiciá-rio e do Poder Moderador constituíam os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império (art. 10), conforme já examinado na disciplina de Direito Constitucional I96, incumbia, nos termos do transcrito artigo 172: (A) elaborar o projeto do “orçamento geral de todas as despesas publicas do ano futuro e da importância de todas as contribuições e rendas públicas”, ou seja, estimar e orçar as receitas e despesas do ano subseqüente; (B) apresentar “um balanço geral da receita e despesa do Tesouro Nacional do ano antece-dente”, o que permitia o controle das finanças; e (C) a execução orçamen-tária, a qual se efetivava pelo exercício de suas competências para a prática de atos materiais e para “expedir decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das leis”, bem como “decretar a aplicação dos rendimentos destinados pela Assembléia aos vários ramos da pública administração” (art. 102, itens 12 e 13).

A análise dos mencionados dispositivos da Carta do Império nos permite identificar o primeiro conjunto de questões a serem disciplinadas quanto ao orçamento, às receitas e às despesas públicas, isto é, a atribuição de compe-tências e distribuição de funções97 entre os poderes constituídos, relativamen-te a cada uma das etapas do orçamento e em relação à previsão, autorização e efetivação das receitas e despesas.

De fato, as diversas características que podem assumir a distribuição de prerrogativas, bem como as etapas compreendidas em todo o processo, reve-lam o perfil do orçamento em dado momento histórico, o que auxilia a per-quirição da natureza jurídica do ato, assim como a delinear o sistema de freios e contrapesos entre os poderes constitucionalmente constituídos. A natureza jurídica do orçamento é controvertida e objeto de amplo debate na doutrina98, tendo em vista as suas especificidades. No Brasil, entretanto, a

96. Aula 11, p. 68 do material didático de Direito Constitucional I (2010.2).

97. Ensina o professor de Sorbonne Laurent Versini que Montesquieu falava de distribuição de poderes e funções e não propriamente da sua separação: “Partout ailleurs, le président parle de distribuition des pou-voirs et non de séparation. e livre xi, qui a pour objet de montrer comment la distribu-tion des pouvoirs assure da liberté politique d’abord en angleterre (chap.6) pui dans la république romaine (12 sq.), a jusque dans ses titres de chapitres toute la précision souhaitable  : voire chapiter 12, << du gouvernment des rois à rome, et comment les trois pouvoirs y furrent distri-bués>>  ; voyez égalment au chapitre 7 comment, dans les monarchies autres que l’anglaise, le trois pouvoirs << ont chacun une distribuition particulière, selon laquelle ils approchent plus moins de la liberté politique>>  : c’est dire que le pouvoir exécutif, ou législatif, ou judiciaire est partagé plus moins inélga-lement entre plusieurs auto-riés. la confusion est venue de l’ambiiguité du mot pou-voir  :les fonctions exécutive, législative ou judiciaire étant dans les démocraties moder-nes le plus souvent exercées chacune par un organe spé-cialisé, on identifie la fonction avec l’organe sous le nom de pouvoir alors que pour mon-tesquieu la fonction doit être répartie entre plusieurs orga-nes pour que le pouvoir arrête le pouvoir, et que soit assurée la modération, donc la liber-té.” VERSINI, Laurent. Introduction. In: MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I. Folio Essais. Edition Gallimard, 1995. p. 40-41

98. HARADA, Hiyoshi. Direito Fi-nanceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 57/58.

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99 Ver em especial o artigo 165, caput, e § 1º, §2º, §5º, §6º e §8º, da CR-88.

100 Artigo 166, §7º, da CR-88.

101 Na Aula 4 será detalhada a matéria, ocasião em que se verificará que o PPA é lei formal, sendo dependente do orçamento anual para possuir eficácia relativamente à realização das despe-sas. No mesmo sentido, a LDO também é lei formal, compreendendo apenas as metas e prioridades da administração pública, incluindo as despesas de ca-pital para o exercício financeiro subse-qüente e contendo simples orientação para a elaboração da lei orçamentária anual, razão pela qual não criam, em regra, direitos subjetivos para terceiros nem tem eficácia fora do âmbito dos Poderes do Estado. Nesse sentido, Ação Originária 533-9, em cuja decisão mo-nocrática assevera o relator: “(...) Ade-mais, a alegação fundamentada em suposto direito subjetivo do autor ao repasse da verba requerida está afasta-da, conforme fundamento doutrinário embasador da decisão mencionada, que pela propriedade vale ser trasla-dado: a lei orçamentária possui “o claro objetivo de limitar o orçamento à sua função formal de ato governamental, cujo propósito é autorizar as despesas a serem realizadas no ano seguinte e calcular os recursos prováveis com que tais gastos poderão ser realizados, mas não cria direitos subjetivos” (Luiz Emydio F. da Rosa Jr., “Manual de Direi-to Financeiro & Direito Tributário”, 10ª edição, Renovar, p. 80). Em face de tais circunstâncias, com respaldo no inciso IX do art. 21 do RISTF, julgo prejudicada esta ação. Publique-se. Brasília, 21 de setembro de 2004. Ministro Eros Grau Relator”.

102 Essa matéria tem relevância não apenas sob o ponto de vista acadêmi-co, tendo em vista a sua importância para a admissibilidade do controle judicial de constitucionalidade na via principal das leis orçamentárias, isto é, por ação direta. A doutrina clássica, que tem como um de seus expoentes o professor San Tiago Dantas, pontua que: “nem toda a lei é norma jurídica. A lei é a estrutura externa da norma jurídica, mas pode haver lei contendo um ato administrativo, como por exemplo: art. 1º, fica aberto um crédito de tantos contos de réis para realização do serviço de extinção da malária. A lei aí é elaborada segundo os preceitos constitucionais para esta espécie de ato, mas não contém uma norma ju-rídica. Contém, apenas, um comando administrativo; contém uma norma que não é universal, que se concretiza em torno de determinado caso, que é particular e, portanto, pertence ao tipo de comando administrativo, não ao tipo de comando jurídico. Daí uma divi-são: lei em sentido formal e lei em sen-

própria CR-88 confere99 a natureza de lei em caráter formal às três peças or-çamentárias, o plano plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias (LDO) e os orçamentos anuais (LOA), matéria que será objeto de exame detalhado na Aula 4. Apesar do artigo 166 da CR-88 estabelecer regime procedimental específico para a apreciação, tramitação e votação dos projetos das leis orça-mentárias, conforme será estudado adiante, aplicam-se aos mesmos, no que não contrariar o disposto na Seção II, do Capítulo II, do Título VI da CR-88 (artigo 165 a 169), as demais normas relativas ao processo legislativo.100 As-sim, o quorum exigido para a sua aprovação é o comum, fixado no art. 47 da CR-88, a exigir a “maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”, e não o qualificado de lei complementar, disciplinado no art. 69, razão pela qual, no atual regime jurídico brasileiro, o orçamento assume a natureza de lei ordinária.101 Ressalte-se, entretanto, tratar-se de norma de natureza especialíssima, posto não se amoldar perfeitamente ao conceito téc-nico de generalidade, abstração e impessoalidade, atributos que, como regra geral, caracterizam a lei em sentido material102, sem mencionar a indetermi-nação temporal. A lei do orçamento anual, por exemplo, além de vigorar por prazo determinado de um ano, produz efeitos concretos, motivos pelos quais muitos autores sustentam não se qualificar o orçamento como lei sob o pon-to de vista material.103

Constata-se pela leitura das Constituições brasileiras de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1967/69 que várias modalidades e critérios de fixação de competência foram adotados no país até então, havendo períodos: (1) de maior concentração de atribuições no Poder Executivo (ex. 1937); (2) aque-las em que preponderava a atuação do Poder Legislativo (ex. 1891), que in-cluiu a competência do Congresso Nacional para “orçar104 a receita, fixar a despesa federal anualmente e tomar as contas da receita e despesa de cada exercício financeiro”; e, finalmente, (3) as demais Constituições, que se carac-terizaram pela adoção de modelos muito detalhistas e de ampla distribuição de funções e competências entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo (ex. 1824, 1934, 1946, 1967 e 1967/69), como é o caso, também, da Carta atual de 1988.

Cabe ressaltar que, à exceção da citada Constituição Imperial de 1824 — a qual implementou um sistema quadripartido de poderes — as demais Constituições brasileiras adotaram o modelo tripartido de funções de Mon-tesquieu, tendo, no entanto, assumido feições diversas e ponderações distin-tas na alocação de atribuições relativas ao orçamento, às despesas e às receitas, dependendo do contexto político, econômico e social. Importante salientar que, não obstante estarem as competências previamente fixadas no plano normativo-constitucional, no mundo real ocorrem retrações e ampliações no campo de atuação de cada poder ao longo do tempo, dentro do mesmo regi-me constitucional e do mesmo sistema de governo (parlamentarismo ou pre-

99. Ver em especial o artigo 165, caput, e § 1º, §2º, §5º, §6º e §8º, da CR-88.

100. Artigo 166, §7º, da CR-88.

101. Na Aula 4 será detalhada a maté-ria, ocasião em que se verificará que o PPA é lei formal, sendo dependente do orçamento anual para possuir eficácia relativamente à realização das despe-sas. No mesmo sentido, a LDO também é lei formal, compreendendo apenas as metas e prioridades da administração pública, incluindo as despesas de ca-pital para o exercício financeiro subse-qüente e contendo simples orientação para a elaboração da lei orçamentária anual, razão pela qual não criam, em regra, direitos subjetivos para tercei-ros nem tem eficácia fora do âmbito dos Poderes do Estado. Nesse sentido, Ação Originária 533-9, em cuja decisão monocrática assevera o relator: “(...) Ademais, a alegação fundamentada em suposto direito subjetivo do autor ao repasse da verba requerida está afastada, conforme fundamento doutrinário embasador da decisão mencionada, que pela propriedade vale ser trasladado: a lei orçamentária possui “o claro objetivo de limitar o or-çamento à sua função formal de ato governamental, cujo propósito é au-torizar as despesas a serem realizadas no ano seguinte e calcular os recursos prováveis com que tais gastos poderão ser realizados, mas não cria direitos subjetivos” (Luiz Emydio F. da Rosa Jr., “Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário”, 10ª edição, Renovar, p. 80). Em face de tais cir-cunstâncias, com respaldo no inciso IX do art. 21 do RISTF, julgo prejudicada esta ação. Publique-se. Brasília, 21 de setembro de 2004. Ministro Eros Grau Relator”.

102. Essa matéria tem relevância não apenas sob o ponto de vista acadêmico, tendo em vista a sua importância para a admissibilidade do controle judicial de constitucionalidade na via principal das leis orçamentárias, isto é, por ação direta. A doutrina clássica, que tem como um de seus expoentes o professor San Tiago Dantas, pontua que: “nem toda a lei é norma jurídica. A lei é a es-trutura externa da norma jurídica, mas pode haver lei contendo um ato administrativo, como por exemplo: art. 1º, fica aberto um crédito de tantos contos de réis para realização do serviço de extinção da malária. A lei aí é elaborada segundo os preceitos constitucionais para esta espécie de ato, mas não contém uma norma ju-rídica. Contém, apenas, um comando administrativo; contém uma norma que não é universal, que se concretiza em torno de determinado caso, que é particular e, portanto, pertence ao tipo de comando administrativo, não ao tipo de comando jurídico. Daí uma divi-são: lei em sentido formal e lei em sen-tido material. A lei em sentido formal é aquela elaborada segundo os preceitos constitucionais referentes ao assunto, e lei em sentido material é aquela não só elaborada desse modo, mas que tam-bém contém uma norma jurídica”. In: DANTAS, SAN TIAGO. Direito Civil. Parte Geral. clássicos da literatura Jurídica. 4ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p.87-88. Nessa linha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre foi no sentido de con-siderar a lei de efeito concreto como inidônea para o controle abstrato de normas, razão pela qual considerava majoritariamente inadmissível a ação direta de inconstitucionalidade contra lei orçamentária que destinasse deter-minada soma pecuniária ou percenta-gem de receita fixada para finalidade/despesa específica, tendo em vista não serem as normas dotadas de abstração e generalidade (ADI 1640, ADI 2057, ADI 2484). Essa jurisprudência tem sido mitigada nos últimos anos (ADI 2.925, ADI 2108), havendo diversas hipóteses, quando os dispositivos especificamen-te impugnados possuam suficiente grau de generalidade, que o STF passou a admitir o controle direto, o que será objeto de análise quando do exame dos denominados créditos adicionais.

103. Para análise detalhada quanto à natureza do orçamento (Teoria da Lei Formal, Teoria da Lei Material e A Teoria da Lei “Sui Generis”) v. TORRES, Ricar-do Lobo. Tratado de Direito constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na constitui-ção. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro. Renovar, 2008. p. 93-99.

104. Nesse sentido, tendo em vista a competência do Poder Legislativo para “orçar”, isto é, estimar a receita e fixar a despesa, constata-se a mu-dança radical em relação à Constituição anterior, de 1824, a qual determinava a competência do Poder Executivo para elaborar a peça orçamentária.

FINANÇAS PúBLICAS

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tido material. A lei em sentido formal é aquela elaborada segundo os preceitos constitucionais referentes ao assunto, e lei em sentido material é aquela não só elaborada desse modo, mas que também contém uma norma jurídica”. In: DANTAS, SAN TIAGO. Direito Civil. Parte Geral. Clássicos da Literatura Jurídica. 4ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p.87-88. Nessa linha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre foi no sentido de con-siderar a lei de efeito concreto como inidônea para o controle abstrato de normas, razão pela qual considerava majoritariamente inadmissível a ação direta de inconstitucionalidade contra lei orçamentária que destinasse deter-minada soma pecuniária ou percenta-gem de receita fixada para finalidade/despesa específica, tendo em vista não serem as normas dotadas de abstração e generalidade (ADI 1640, ADI 2057, ADI 2484). Essa jurisprudência tem sido mitigada nos últimos anos (ADI 2.925, ADI 2108), havendo diversas hipóteses, quando os dispositivos especificamente impugnados possuam suficiente grau de generalidade, que o STF passou a admitir o controle direto, o que será objeto de análise quando do exame dos denominados créditos adicionais.

103 Para análise detalhada quanto à natureza do orçamento (Teoria da Lei Formal, Teoria da Lei Material e A Teoria da Lei “Sui Generis”) v. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucio-nal Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro. Renovar, 2008. p. 93-99.

104 Nesse sentido, tendo em vista a com-petência do Poder Legislativo para “or-çar”, isto é, estimar a receita e fixar a despesa, constata-se a mudança radical em relação à Constituição anterior, de 1824, a qual determinava a competên-cia do Poder Executivo para elaborar a peça orçamentária.

105 LIMONGI, Fernando Papaterra. “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. Vol. 1. 13 ª ed. São Paulo: Editora Ática. p 249-250.

106 Art. 167 da CR-88 estabelece que: “São vedados: I — o início de progra-mas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II — a realiza-ção de despesas ou assunção de obri-gações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; (...)”, ao passo que o §8°, do art. 165, determina que a LOA fixa as despesas. Essa ques-tão será detidamente analisada na pró-xima aula pertinente aos Orçamentos.

107 A Súmula 649 do STF prescreve: “É inconstitucional a criação, por Consti-tuição estadual, de órgão de controle

sidencialismo), visto que, além da realidade fática e política se alterarem, a usurpação é ínsita ao exercício do poder, conforme salienta Fernando Papa-terra Limongi:105

Como afirma Madison, não se nega que o poder é, por natureza, usurpador, e que precisa ser eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que lhe foram fixados”. (“O Federalista”, n. 48). A limitação do poder, dada esta sua natureza intrínseca, só pode ser obtida pela contraposição a outro poder, isto é, o poder freando ou-tro poder. Neste ponto, “O Federalista” se aproxima de Montesquieu. Estas reflexões, como é sabido, fundamentam a teoria da separação de poderes, enunciada por este autor. Apesar de se apoiar expressamente em Montesquieu, a exposição de Madison da teoria da separação dos poderes contém especificidades que merecem ser anotadas.

Na seara orçamentária é comum ocorrerem anualmente, no contexto bra-sileiro atual, situações concretas de interação conflituosa entre o Poder Legis-lativo e o Poder Executivo, abarcando, de forma subjacente, os inevitáveis conflitos político-partidários — aliados e oposição. A sua raiz, certamente, está, em especial, na tentativa de ampliação dos respectivos âmbitos de atua-ção no que se refere ao orçamento, com reflexos diretos na previsão de recei-tas e despesas e, em particular, na especificação e alocação dos gastos, os quais têm como pressuposto necessário a sua previsão em lei106, além de condicionarem os projetos e programas que norteiam a ação governa-mental. Essa disputa é suavizada em função das vinculações constitucionais e legais de determinadas receitas à despesas específicas, como as de seguridade social, folha de pagamentos e dos compromissos das dívidas, o que centraliza o âmbito dessas tensões nas denominadas despesas de Investimentos.

O Poder Judiciário, sem dúvida, também se insere de forma decisiva nesse sistema de checks and balances relativamente ao orçamento, às receitas e às despesas, notadamente por sua competência para exercer o controle de cons-titucionalidade das leis e dos atos normativos, sem esquecer, entretanto, que a atuação independente pressupõe autonomia financeira, razão pela qual este Poder, como os outros, também atua ativamente em busca de proteção de seus interesses financeiro-orçamentários. Nesse sentido vale ressaltar o dis-posto no artigo 99 da CR-88, que dispõe in verbis:

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrati-va107 e financeira.

§ 1º — Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

105. LIMONGI, Fernando Papaterra. “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da Política. Vol. 1. 13 ª ed. São Paulo: Editora Ática. p 249-250.

106. Art. 167 da CR-88 estabelece que: “São vedados: I - o início de progra-mas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II — a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; (...)”, ao passo que o §8°, do art. 165, determina que a LOA fixa as despesas. Essa questão será de-tidamente analisada na próxima aula pertinente aos Orçamentos.

107. A Súmula 649 do STF prescreve: “É inconstitucional a criação, por Cons-tituição estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao qual foi atribuído o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Ju-diciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes foi inserido no or-denamento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional 45/2004 que incluiu, entre outros, o artigo 103-A e 103-B à Constituição da República Fe-derativa de 1988.

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administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao qual foi atribuído o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Ju-diciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes foi inserido no or-denamento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional 45/2004 que incluiu, entre outros, o artigo 103-A e 103-B à Constituição da República Fe-derativa de 1988.

§ 2º — O encaminhamento proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

I — no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Fe-deral e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tri-bunais;

II — no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respecti-vos tribunais.

(*) Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004:

§ 3º — Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respec-tivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipula-dos na forma do § 1º deste artigo.

(*) Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004:

§ 4º — Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.

(*) Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004:

§ 5º — Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapo-lem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementa-res ou especiais.

Esse dispositivo, bem como aqueles que conferem a prerrogativa ao Mi-nistério Público, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo para elaborarem as suas respectivas propostas orçamentárias serão analisados na Aula 4.

Considerando o que foi exposto, percebe-se a distribuição de funções en-tre os poderes constitucionalmente constituídos enseja três tipos de intera-ções sistêmicas potencialmente conflituosas: (a) Poder Executivo-Poder Le-gislativo; (b) Poder Legislativo-Poder Judiciário; e (c) Poder Executivo-Poder Judiciário. Conforme já examinado, considerando que no regime federativo adotado na República Brasileira cada ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) possui o seu próprio orçamento, esses conflitos entre os Poderes podem ocorrer nos diversos âmbitos da Federação. Constata-se, assim, que a matéria financeiro-orçamentária suscita constantemente, duran-

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108 A expressão contingenciar significa controlar as despesas do orçamento go-vernamental impondo corte à conta de uma rubrica orçamentária ou limitação de empenho e movimentação financei-ra, o que deveria ter como objetivo ex-clusivo afastar a possibilidade de dese-quilíbrios financeiros no decorrer de um exercício, considerando, em especial, a frustração na realização das receitas estimadas, conforme dispõe o artigo 9º da Lei Complementar nº 101/2000, de-nominada Lei de Responsabilidade Fis-cal. Nesse sentido, nos termos em que será analisado a seguir, após identifi-cados os recursos para o atendimento dos programas fixados no orçamento, cabe ao Poder Executivo estabelecer cotas e prazos para a sua utilização em consonância com o desempenho da arrecadação, do comportamento e ritmo das despesas em face das metas de resultado primário do governo. No entanto, na prática, o contingencia-mento pode ser utilizado como forma de ampliar o espaço de atuação do Po-der Executivo no campo orçamentário. No mesmo sentido, a possibilidade de abrir créditos suplementares sem espe-cífica autorização legislativa, utilizando o cancelamento de dotações indicadas na lei orçamentária de forma genérica como fonte ao crédito adicional amplia o espaço de atuação do Executivo.

109 CYSNE, Rubens Penha. O predomínio da agenda fiscal. Conjuntura Econô-mica. Dez 2007. Vol. 61. nº 12. Funda-ção Getúlio Vargas. p. 22.

te o denominado ciclo orçamentário a ser examinado na próxima aula, a re-alização concreta do denominado sistema de freios e contrapesos, o que pode ser mais intenso ou não, dependendo do modelo de orçamento adotado no país, conforme será explicitado a seguir e detalhado ao longo da primeira parte do curso.

3.2 a natureza autorizadora do orçamento Para a eFetiva-ção das desPesas

O orçamento anual no que se refere à realização das despesas pode ser autorizativo ou impositivo. Nesses termos, uma vez aprovada a peça orça-mentária anual pelo Poder Legislativo, e sancionada pelo chefe do Poder Exe-cutivo, duas possibilidades se afiguram quanto à realização das despesas por parte da Administração Pública dos diversos Poderes: (1) a primeira, se a autoridade responsável por sua execução não tem opção, ou seja, tem que cumprir o que foi, ou vier a ser, determinado pela Casa Legislativa, contexto no qual o orçamento caracteriza-se como impositivo àquele que o executa; ou (2) o segundo modelo, no qual a Casa Legislativa, ao aprovar o projeto de lei orçamentária, apenas confere uma autorização para que a Administração Pública do Poder respectivo, inclusive o próprio parlamento, realize o que foi previsto. No segundo caso, o orçamento caracteriza-se por ser instrumento meramente autorizador dos gastos e, por conseguinte, da execução dos pro-gramas deles decorrentes. Nesse segundo modelo, que é adotado atualmente no Brasil (orçamento autorizativo), as despesas fixadas pelo Legislativo ser-vem, na prática, como teto ou limite para o executor do orçamento, na me-dida em que este pode realizar o que se denomina de contingenciamento108, assim como determinar, sem a anuência ou prévio consentimento parlamen-tar, o corte de despesas previstas no comando legislativo.

Rubens Penha Cysne109 analisa a questão nos seguintes termos:

Do ponto de vista da política de incentivos fica claro que o excesso de arbitrários contingenciamentos orçamentários (despesas aprovadas pelo Congresso e unilateralmente não executadas pelo Executivo) aca-ba por gerar perdas para todos os lados. Tratando-se o orçamento de um jogo repetido anualmente, deputados e senadores e destinatários das verbas reagem a tal prática, o que por sua vez gera reação da parte do Executivo e nova reação do Legislativo, etc., num ineficiente ciclo cujo limite se dita pela paciência e capacidade de cada ator de calcular a reação dos demais. Um pouco de observação histórica e de outros países, a exemplo do que se sugere no item quatro acima, mostra que

108. A expressão contingenciar significa controlar as despesas do orça-mento governamental impondo corte à conta de uma rubrica orçamentária ou limitação de empenho e movimenta-ção financeira, o que deveria ter como objetivo exclusivo afastar a possibili-dade de desequilíbrios financeiros no decorrer de um exercício, considerando, em especial, a frustração na realização das receitas estimadas, conforme dis-põe o artigo 9º da Lei Complementar nº 101/2000, denominada Lei de Res-ponsabilidade Fiscal. Nesse sentido, nos termos em que será analisado a seguir, após identificados os recursos para o atendimento dos programas fixados no orçamento, cabe ao Poder Execu-tivo estabelecer cotas e prazos para a sua utilização em consonância com o desempenho da arrecadação, do com-portamento e ritmo das despesas em face das metas de resultado primário do governo. No entanto, na prática, o contingenciamento pode ser utilizado como forma de ampliar o espaço de atuação do Poder Executivo no campo orçamentário. No mesmo sentido, a possibilidade de abrir créditos suple-mentares sem específica autorização legislativa, utilizando o cancelamento de dotações indicadas na lei orçamen-tária de forma genérica como fonte ao crédito adicional amplia o espaço de atuação do Executivo.

109. CYSNE, Rubens Penha. O predo-mínio da agenda fiscal. conjuntu-ra Econômica. Dez 2007. Vol. 61. nº 12. Fundação Getúlio Vargas. p. 22.

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110 Analogamente ao contingenciamen-to, impoundment significa a não exe-cução pelo Poder Executivo, de forma unilateral, isto é, sem prévio consenti-mento legislativo, das despesas fixadas na lei orçamentária de forma detalhada por itens. Nesses termos o Impondment Control Act of 1974 é a lei federal, ou o capítulo X da lei que regula o Processo Orçamentário americano, que visa a disciplinar e controlar o contingencia-mento.

111 Congressional Budget and Impoun-dment Control Act of 1974 (Pub.L. 93-344, 88 Status. 297, 2 U.S.C. § 601—688.). United States. U.S. Hou-se of Representatives Committee on Rules. Disponível em: <http://www.rules.house.gov/budget_pro.htm>. Pesquisa realizada em 20.05.2008.

112 U.S. Supreme Court No. 97-1374. WILLIAM J. CLINTON, PRESIDENT OF THE UNITED STATES, ET AL, APPELLANTS v. CITY OF NEW YORK ETAL. ON APPEAL FROM THE UNITED STATES DISTRICT COURT FOR THE DISTRICT OF COLUM-BIA [June 25, 1998] Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com>.Pes-quisa realizada em 20.05.2008

113 Disponível em:<http://w w w . l a w . c o m / j s p / a r t i c l e .jsp?id=1138874718390>.Pesquisa realizada em 20.5.2008.

114 A proposta cria um procedimen-to célere para “rescind unnecessary spending”. De acordo com o projeto o termo “rescind” significa: “to elimina-te or reduce the amount of enacted funding”. Cópia pode ser obtida em: <http://www.whitehouse.gov/omb/assets/blog/Unnecessar y_Spen-ding_Act.pdf>. Pesquisa realizada em 20.5.2008.

115 Disponível em: <http://www.washingtontimes.com/news/2010/may/24/when-president-george-w--bush-called-for-a-kind-of-/>. Pesqui-sa realizada em 23.6.2010.

tal processo também existia nos Estados Unidos até 1974, tendo nesta data sido abolido pelo Budget Impoudment Act.

A edição do citado Impoundment110 Control Act of 1974, que é o título X da lei federal111 disciplinadora do processo orçamentário nos Estados Unidos, retirou a possibilidade de o Poder Executivo, unilateralmente, suprimir ou cortar despesas previamente aprovadas pelo Congresso, salvo expressa autori-zação do próprio Parlamento. No entanto, todos os presidentes americanos que assumiram posteriormente o cargo tentaram reduzir essa dependência em relação ao Legislativo e, assim, reassumir a substancial parcela do poder retirado pelo citado título X, sob o argumento de que não haveria vedação constitucional expressa de se gastar menos do que o fixado pelo Congresso, podendo o Poder Executivo definir, inclusive, itens individuais ou específicos de despesas a serem contingenciadas e não todo o orçamento. Nesse sentido, para atender aos anseios da administração Clinton, foi editado o Line Item Veto Act of 1996, o qual produziu efeitos até 12 de fevereiro de 1998, período dentro do qual foram contingenciados valores substanciais das leis orçamen-tárias vigentes. No entanto, em 25 de junho de 1998, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em uma decisão de 6 votos contra 3, no caso Clinton v. City of New York112, confirmou a decisão do juiz Thomas Hogan, da United States District Court for the District of Columbia, a qual havia declarado inconsti-tucional o não cumprimento das despesas nos termos aprovados no orçamen-to (budget), isto é, considerou o Line Item Veto Act of 1996 incompatível com a Constituição, na medida em que permitia a não realização de despesas es-pecificamente aprovadas pelo Congresso e de forma unilateral pelo Poder Executivo. Dito de outra maneira, o Poder Judiciário americano considerou indelegável a prerrogativa parlamentar de fixar as despesas de forma imposi-tiva e discriminada. Em que pese a decisão da Suprema Corte, as tensões entre os Poderes Executivo e Legislativo não arrefeceram, o que pode ser constatado pelo discurso inaugural da sessão legislativa do Congresso Ameri-cano de 2006 denominado State of the Union Address, em 31 de janeiro de 2006, no qual o ex-presidente Bush urged Congress to “pass the line-item veto”113, o que deixou transparecer que a questão, apesar de disciplinada pelo citado Congressional Budget and Impoundment Control Act of 1974, parece não ter sido definitivamente pacificada. De fato, o atual presidente Barack Obama, que já foi contra a delegação ao Poder Executivo, encaminhou ao Congresso, em maio de 2010, uma proposta, denominada “Reduce unneces-sary Spending Act of 2010”, objetivando reestabelecer sistema semelhante ao “line-item veto”, com algumas alterações114, conforme noticiado na imprensa americana nos seguintes termos115:

110. Analogamente ao contingencia-mento, impoundment significa a não execução pelo Poder Executivo, de forma unilateral, isto é, sem prévio con-sentimento legislativo, das despesas fixadas na lei orçamentária de forma detalhada por itens. Nesses termos o impondment control act of 1974 é a lei federal, ou o capítulo X da lei que regula o Processo Orçamentário americano, que visa a disciplinar e con-trolar o contingenciamento.

111. Congressional Budget and Im-poundment Control Act of 1974 (Pub.L. 93-344, 88 Status. 297, 2 U.S.C. § 601—688.). United States. U.S. Hou-se of Representatives Committee on Rules. Disponível em: <http://www.rules.house.gov/budget_pro.htm>. Pesquisa realizada em 20.05.2008.

112. U.S. Supreme Court No. 97-1374. WILLIAM J. CLINTON, PRESIDENT OF THE UNITED STATES, ET AL, APPELLANTS v. CITY OF NEW YORK ETAL. ON APPEAL FROM THE UNITED STATES DISTRICT COURT FOR THE DISTRICT OF COLUM-BIA [June 25, 1998] Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com>.Pes-quisa realizada em 20.05.2008

113. Disponível em:<http://w w w . l a w . c o m / j s p / a r t i c l e .jsp?id=1138874718390>.Pesquisa realizada em 20.5.2008.

114. A proposta cria um procedimento célere para “rescind unnecessary spen-ding”. De acordo com o projeto o termo “rescind” significa: “to eliminate or re-duce the amount of enacted funding”. Cópia pode ser obtida em: < http://www.whitehouse.gov/omb/assets/blog/Unnecessary_Spending_Act.pdf >. Pesquisa realizada em 20.5.2008.

115. Disponível em: < http://www.washingtontimes.com/news/2010/may/24/when-president-george-w--bush-called-for-a-kind-of-/ >. Pes-quisa realizada em 23.6.2010.

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Obama asks Hill for line-item veto he once opposedAs senator, turned down Bush (Monday, May 24, 2010.)When President George W. Bush called for a kind of line-item veto

four years ago, the top Senate Democrat said it was like getting a “bad sore throat,” and the No. 2 House Democrat called it “a sham.” On Monday, President Obama asked them to reconsider and pass some-thing very similar, for his sake.

With fears of a Greek-style debt collapse roiling a Congress already balking at new spending, the White House on Monday proposed a modified line-item veto that would give the administration another crack at forcing Congress to vote on spending cuts.

But the proposal will have to pass a Congress wary of giving up po-wer over the purse, and would require a reversal by many Democrats who voted against a similar proposal from Mr. Bush. (...)

Isso posto, pode-se identificar a relevância do tema para a escolha de um entre os diversos modelos jus-políticos possíveis para disciplinar o processo orçamentário, especialmente no que se refere à sua relação com as despesas.

Saliente-se que no início de todo exercício financeiro no Brasil é comum que o Poder Executivo edite Decreto para bloquear gastos que fora aprovado na lei orçamentária anual (LOA) pelo Parlamento, tanto no âmbito da União como dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

No dia 22/05/2013, por exemplo, houve o anúncio pelo ministro da Fa-zenda e ministra do Planejamento de corte de despesas do orçamento federal da ordem de R$ 28 bilhões no Orçamento de 2013. Na mesma linha, já no dia 02.01.2012, o Jornal Valor Econômico anunciou que governo federal previu contingenciamento, tendo em vista que “as despesas com benefícios previdenciários, assistência social, seguro-desemprego e abono salarial, que constam do Orçamento da União para 2012, recém aprovado pelo Con-gresso, estão subestimadas em cerca de R$ 8 bilhões”. Assim, “se a previsão do governo se confirmar, a presidente Dilma Rousseff terá uma dificuldade adicional para cumprir a meta de superávit primário deste ano, equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), pois será obrigada a fazer um contin-genciamento ainda maior das verbas orçamentárias”.

Também no ano de 2011, já no dia 03 de janeiro, antes mesmo da sanção, promulgação e publicação da LOA aprovada em dezembro de 2010 pelo Con-gresso Nacional, já tinha sido anunciado pelo memso Jornal Valor, em matéria intitulada “Decreto deve bloquear preventivamente o Orçamento”, que a nova presidenta “Dilma Rousseff deve assinar, nos próximos dias, um decreto de blo-queio preventivo do Orçamento da União, até que o projeto aprovado pelo Congresso Nacional seja esmiuçado e as receitas e despesas, reprogramadas pela área econômica do novo governo”. Na mesma linha, no ano de 2010, após a

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116 O conceito e a disciplina jurídica do empenho serão estudados na Aula 6.

117 Notícia disponível no sítio: <http://www.anajustra.org.br/noticias/noti-cia.asp?id=4386&cat=4>. Pesquisa realizada em 28.06.2010. Matéria intitulada “Oposição critica contigen-ciamento e base fala em austeridade”.

edição de Decreto nº 7.144, de 30 de março de 2010, ocasião em que foram bloqueados R$ 21,8 bilhões, foi editado o Decreto nº 7.189, de 30 de maio de 2010, para contingenciar mais R$ 7,61 bilhões dos gastos autorizados pela lei do orçamento do exercício (LOA 2010), Lei nº 12.214, de 26 de janeiro de 2010.

Esses contingenciamentos, realizados por meio da limitação do empe-nho116 e a movimentação financeira, fundamentaram-se nos artigos 8º e 9º da Lei Complementar nº 101/00, denominada Lei de Responsabilidade Fis-cal (LRF), os quais indicam que:

Art. 8o Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4o, o Poder Executivo estabelecerá a pro-gramação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.

Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade espe-cífica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vincu-lação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Pode-res e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montan-tes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. (grifo nosso)

Como ocorre normalmente, a oposição critica o contingenciamento das despesas, tendo em vista a redução do papel do parlamento em relação ao orçamento. Nesse sentido, conforme amplamente noticiado pela Agência Câmara117 no dia 02/06/2010, em relação ao orçamento de 2010:

A decisão do Executivo de ampliar o contingenciamento das despe-sas discricionárias (não obrigatórias) do orçamento deste ano em R$ 7,614 bilhões foi criticada pela oposição nesta terça-feira, que viu na iniciativa deficiências no planejamento dos gastos e da receita. Na base governista, o bloqueio foi encarado como uma medida de austeridade e de preocupação sobre a alta inflacionária deste ano.

Para o coordenador da bancada do PSDB na Comissão Mista de Orçamento, deputado Rogério Marinho (RN), a decisão mostra que o governo está falhando no planejamento. “Ele não prevê corretamente receitas e despesas e isso faz com que tenha que usar desses artifícios”, disse Marinho, lembrando que a razão do bloqueio foi uma previsão de queda da arrecadação para este ano. Segundo ele, o decreto de contin-

116. O conceito e a disciplina jurídica do empenho serão estudados na Aula 6.

117. Notícia disponível no sítio: < http://www.anajustra.org.br/noticias/noticia.asp?id=4386&cat=4 >. Pes-quisa realizada em 28.06.2010. Matéria intitulada “Oposição critica contigen-ciamento e base fala em austeridade”.

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118 Vide art. 2º da Lei nº 12.017, de 12 de agosto de 2009, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2010 (LDO para LOA de 2010).

genciamento, publicado na segunda-feira no Diário Oficial da União, evidencia ainda uma falta de prioridades do Executivo. “O governo quer sinalizar ao mercado que tem austeridade para coibir a inflação. Mas o que ele está fazendo é cortando ações essenciais ao Estado, como educação, quando deveria cortar gastos ruins, como o excesso de cargos comissionados, de viagens e diárias”, afirmou.

Marinho referiu-se ao fato de o bloqueio atingir o Ministério da Educação, que teve a sua margem de empenho reduzida em R$ 1,339 bilhão, a maior entre todos os ministérios. “O governo aparelhou o Es-tado e não tem a coragem de cortar no custeio, no gasto ruim. Prefere cortar no essencial, no que significa desenvolvimento e infraestrutura”, concluiu o deputado.

EquilíbrioJá na base governista a revisão orçamentária foi encarada como uma

necessidade. “Governo sério, que tem responsabilidade com as con-tas públicas, tem que encarar isso [contingenciamento] como ato de rotina. Ele contingencia e, de acordo com o equilíbrio das contas, vai liberando no decorrer do ano. Até para não dizer que estamos fazendo ‘farra eleitoral’”, disse o deputado José Guimarães (PT-CE).

Segundo ele, ao contrário do que diz a oposição, o bloqueio não atingiu as ‘partes nobres’ do orçamento, como o Programa de Acele-ração do Crescimento (PAC), os programas sociais, nem os recursos para o aumento do salário mínimo e das aposentadorias e pensões dos beneficiários do INSS que ganham acima do mínimo. “Gastança seria abrir as porteiras”, disse o deputado. Guimarães afirmou ainda que o contingenciamento, ao limitar os gastos públicos federais, vai dimi-nuir a pressão sobre a inflação, que vem em ritmo de alta. O decreto de contingenciamento é o segundo do ano. O primeiro, de março, já havia limitado as despesas em R$ 21,8 bilhões — R$ 21,5 bilhões no Executivo e R$ 300 milhões no Legislativo, Judiciário e Ministério Pú-blico da União (MPU). Desta vez, o bloqueio foi de R$ 7,489 bilhões para o Executivo, R$ 24,4 milhões no Legislativo, R$ 88,9 milhões no Judiciário e R$ 11,7 milhões no MPU.

AvaliaçãoNa consultoria de orçamento da Câmara, o impacto do novo con-

tingenciamento na economia foi visto com reservas. Os consultores avaliam que ele poderá não ter o efeito previsto pelo governo no con-trole da inflação. O motivo é que o bloqueio não afetou a meta de su-perávit fiscal — de 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB) para o go-verno central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central) e 0,2% para as estatais118. Com isso, as expectativas sobre a política fiscal, e sobretu-do a pressão que ela exerce sobre a manutenção do ritmo elevado da

118. Vide art. 2º da Lei nº 12.017, de 12 de agosto de 2009, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execu-ção da Lei Orçamentária de 2010 (LDO para LOA de 2010).

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atividade econômica, não deverão mudar. Ou seja, o Executivo man-tém a sua demanda em alta e o contingenciamento afeta apenas a pro-gramação temporal dos gastos, avaliam os consultores.

Essa sistemática, que se repete a cada ano, suscita, obviamente, muito embate político.

Os fatos descritos, que se repetem anualmente, ensejam constantes tenta-tivas de redefinição do atual modelo orçamentário brasileiro no que se refere à necessidade, ou não, da adoção do chamado orçamento impositivo no país.

A Proposta de Emenda à Constituição nº 565/2006, à qual foram apen-sadas as PECs nºs 169/2003; 385/2005; 465/2005; 46/2007; e 96/2007, e que possui como objetivo central tornar “obrigatória a execução da lei orçamentária”, proposta até hoje não aprovada, traduz a citada disputa por maior espaço de atuação de forma explícita, especialmente na definição da alocação e da utilização dos recursos públicos. A PEC nº 565/2006 intencio-na acrescer o artigo 165-A à CR-88 para estabelecer em seu caput que:

a programação constante da lei orçamentária anual é de execução obrigatória, salvo se aprovada, pelo Congresso Nacional, solicitação, de iniciativa exclusiva do Presidente da República, para cancelamento ou contingenciamento, total ou parcial, de dotação.

Dessa forma, caso fosse aprovada a alteração constitucional, além de tornar obrigatória a execução do orçamento, nos termos aprovados pelo Legislativo, somente seria possível alterar a programação estabelecida, pelo parlamento, por meio de cancelamento ou contingenciamento da dotação, se aprovada previamente a alteração pelo próprio Congresso Nacional. Assim, estaria inviabilizada a edição de Decreto do Executivo para efetivar cortes e redi-mensionamento de despesas unilateralmente, como ocorre todos os anos.

A leitura da matéria abaixo, publicada no Jornal Valor do dia 07/05/2008, relacionada à votação da citada PEC nº 565/2006 auxilia a compreensão do contexto político atual e a sua correlação com a matéria orçamentária, espe-cialmente no que se refere ao caráter autorizador da fixação de despesas pelo Parlamento e o seu contingenciamento pelo Poder Executivo.

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119 Art. 56. É obrigatória a execução orçamentária e financeira, de forma equitativa, da programação referente a emendas individuais aprovadas na lei orçamentária, em montante cor-respondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício de 2014.

§ 1o A obrigatoriedade de que trata o caput compreende, no exercício de 2015, cumulativamente, o empenho correspondente a 1,2% da receita cor-rente líquida realizada no exercício de 2014 e, observado o disposto no art. 61, o pagamento correspondente a 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício de 2014.

§ 2o O empenho a que se refere o § 1º restringe-se ao valor global aprova-do por meio de emendas individuais.

§ 3o O pagamento a que se refere o § 1o restringe-se ao montante efetiva-mente liquidado, incluindo os restos a pagar a que se refere o art. 61.

Em relação ao orçamento de 2014, sem que houvesse alteração na Cons-tituição, introduziu-se uma significativa novidade, qual seja: uma adaptação do chamado orçamento impositivo foi aprovado.

No dia 26.12.2013, foi publicada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, e a Presidenta Dilma Rousseff vetou 13 (treze) dispositivos, mas preservou o art. 52 da Lei nº 12.919/2013, o qual torna obrigatória a execução orçamentária e financeira, de forma equitativa, da programação de despesas incluídas no orçamento por emendas parlamentares individuais. Dispositivo semelhante consta da LDO de 2015119, art. 56 da Lei 13.080/2015, a qual foi sancionada pela Presidenta em 02 de janeiro de 2015 com 26 vetos, porém com a manutenção do referido dispositivo.

Ilustrando o exposto, veja-se, abaixo, notícias veiculadas nos sítios do jor-nal Valor Econômico e do Senado Federal:

119. Art. 56. É obrigatória a execução orçamentária e financeira, de forma equitativa, da programação referente a emendas individuais aprovadas na

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120 http://www.valor.com.br/politi-ca/3381006/dou-publica-ldo-2014--vetos-de-dilma-nao-atingem-orca-mento-impositivo#ixzz2pNJfAG8I

27/12/2013 às 08h10DOU publica LDO 2014; vetos de Dilma não atingem orçamento

impositivo

BRASÍLIA — (Atualizada às 10h20) A presidente Dilma Rous-seff sancionou com vários vetos o projeto da Lei de Diretrizes Orça-mentárias (LDO) da União para 2014, na virada da quinta para esta sexta-feira. Nenhum deles, entretanto, atingiu o artigo 52, que torna obrigatória a execução orçamentária e financeira, de forma equitativa, da programação de despesas incluídas no orçamento por emendas par-lamentares individuais.

A LDO resultante da sanção parcial foi publicada em edição extra do “Diário Oficial da União” que circula hoje com data de ontem.

Ao converter o projeto na Lei 12.919/2013 preservando a regra do “orçamento impositivo”, a presidente cumpriu acordo firmado com o Congresso para viabilizar politicamente a aprovação da lei orçamentá-ria de 2014, concluída na madrugada do último dia 18.

A lei de diretrizes, que também é anual, baliza a elaboração e exe-cução da lei do orçamento. Por isso, o projeto de LDO, encaminhado sempre em abril pelo governo, deveria, em tese, ser votado antes do projeto de orçamento, apresentado sempre em agosto, o que não ocor-reu este ano.

O Congresso só aprovou a proposta para a LDO de 2014 em novembro passado, quando o orçamento do ano que vem já estava em fase avançada de tramitação. Um dos motivos da demora foi a polêmica em torno da regra do orçamento impositivo, que também é objeto de uma Proposta de Emenda Constitucional 120(PEC)

27/12/2013 — 10h55 Especial — Orçamento — Atualizado em 30/12/2013 — 09h20

LDO é sancionada com 13 vetos, mas Orçamento Impositivo passaSem vetos ao Orçamento Impositivo, a Lei de Diretrizes Orçamen-

tárias (LDO) para o ano de 2014 foi publicada na noite desta quinta--feira (26), em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). A lei (12.919/2013), que define parâmetros de uso dos recursos federais para 2014, foi sancionada, no entanto, com vetos a 13 dispositivos, entre os quais o que protegia estados e municípios dos cortes de tributos, como os aplicados pelo governo federal ao Imposto sobre Produtos Industria-lizados (IPI) com o objetivo de estimular a economia.

O Orçamento Impositivo obriga o governo a liberar integralmen-te os recursos das emendas parlamentares. Antes desse mecanismo, o

120. http://www.valor.com.br/poli-tica/3381006/dou-publica-ldo-2014--vetos-de-dilma-nao-atingem-orca-mento-impositivo#ixzz2pNJfAG8I

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121 http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/12/27/ldo-e--sancionada-sem-vetos-ao-orcamen-to-impositivo

122 http://www.valor.com.br/opi-niao/3381972/emendas-imposi-tivas-pioram-gestao-da-politica--fiscal#ixzz2pcM9WAfG. Acesso em 06/01/2014. Por Felipe Salto e Rafael Cortez.

dinheiro poderia não ser liberado, mesmo que as emendas estivessem inscritas no Orçamento. Além disso, os parlamentares reclamavam da lentidão do governo na disponibilização dos recursos.

Com 131 artigos, a LDO de 2014 foi aprovada como projeto (PLN 2/2013) pelo Congresso Nacional em novembro deste ano, com quatro meses de atraso. Em dezembro, os líderes do Congresso, sob coordena-ção do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), fizeram um acordo com o governo para a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLN 9/2013) de 2014. Em troca da aprovação do PLOA, o governo se comprometeu a não vetar o Orçamento Impo-sitivo na LDO.121

O modelo brasileiro aprovado no final de 2013 já recebe críticas, confor-me se constata pela leitura do trecho abaixo apresentado da matéria intitula-da “Emendas impositivas pioram a gestão da política fiscal”.122

Um dos principais temas da pauta legislativa de 2013 foi a discussão a respeito do “orçamento impositivo”. Trata-se de um tema central para discussão das relações entre os poderes no presidencialismo de coalizão brasileiro, dada a centralidade do processo orçamentário no funcio-namento e eficiência do setor público. Do ponto de vista político, o controle dos recursos orçamentários significa acesso à fonte de poder e, portanto, o desenho das regras do jogo pode afetar as disputas partidá-rias no interior do parlamento nacional.

(...)Obrigar o cumprimento da lei é quase pleonástico e é, portanto, cor-

reto. O orçamento é uma lei e, como tal, deve ser cumprido. Tão simples quanto isso. Tornar a peça orçamentária mandatória melhoraria a qualida-de da política fiscal, desde que se eliminasse a possibilidade de recorrentes revisões e reestimativas de receitas e gastos ao longo do ano. A imposição, contudo, deve valer para todo o orçamento e não apenas às emendas par-lamentares. Mantendo-se a possibilidade de reestimar a receita prevista pelo executivo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), as emendas tenderão a ficar, sempre, no teto (1,2% da receita corrente líquida do ano anterior) e reduzirão o espaço do governo para gerir a política fiscal.

Hoje, é a possibilidade de reestimar as receitas previstas pelo Executivo que garante aos parlamentares a ampliação do espaço para fixar novas despe-sas no orçamento, já que suas emendas apenas podem “existir” na presença de receitas novas em relação à previsão enviada pelo Executivo. Trata-se do princípio mais básico de que despesas novas apenas são autorizadas com a devida indicação de receitas suficientes para comportá-las.

121. http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/12/27/ldo-e--sancionada-sem-vetos-ao-orcamen-to-impositivo

122. http://www.valor.com.br/opiniao/3381972/emendas-impo-sitivas-pioram-gestao-da-politica--fiscal#ixzz2pcM9WAfG. Acesso em 06/01/2014. Por Felipe Salto e Rafael Cortez.

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Por todo o exposto nesta aula, constata-se a relevância que assume o mo-delo de distribuição de competências entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, matéria de cunho político-jurídico, em especial quanto à inter-ligação entre (1) a realização das despesas e (2) a sua fixação no orçamento. Nesse sentido, a natureza exclusivamente autorizadora do orçamento, no que se refere à realização das despesas, caracteriza parte fundamental da estrutura das finanças públicas do país, refletindo a atual ponderação dentro do sistema de checks and balances brasileiro.

As tensões e os desafios decorrentes da distribuição de funções entre os po-deres constitucionalmente constituídos na área das finanças públicas podem ser visualizados da seguinte forma:

A adoção da forma de Estado federado, já examinada na aula passada, ele-va sobremaneira o escopo das relações potencialmente conflituosas no que se refere à despesa, à receita, ao crédito, à dívida pública e ao orçamento, tendo em vista que se abre a possibilidade de tensões entre os Poderes dos diferentes níveis de governo, além das previsíveis contendas entre Poderes distintos das diversas esferas de governo. De fato, o Federalismo Fiscal, por se estruturar sob a constante tensão entre o imperativo da unidade do país de um lado e a necessidade de autonomia local de outro, eleva em muito o grau de comple-xidade do modelo jurídico-institucional do país.

A interseção entre esses dois elementos — a distribuição de funções en-tre os poderes e o modelo de federalismo fiscal — e os possíveis conflitos e tensões decorrentes dessas interações, no plano vertical e horizontal, caracte-rizadora da complexidade das Finanças Públicas da República Federativa do Brasil, pode ser visualizada nos seguintes termos:

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123 FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LI-MONGI, Fernando. Política Orçamen-tária no Presidencialismo de coali-zão. Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2008. p.15.

Ressalte-se que foram suprimidas, considerando a dificuldade de visualiza-ção, a reprodução gráfica dos conflitos entre os poderes dos diferentes níveis de governo (ex. Poder Judiciário Estadual — Poder Executivo Municipal; Poder Judiciário no âmbito da União — Poder Executivo Estadual, etc), o que representaria com maior fidedignidade a complexidade das interações sistêmicas das finanças públicas na República Federativa do Brasil.

Em que pese o exposto, merece destaque a interessante análise sobre a política orçamentária no presidencialismo de coalizão brasileiro realizada por Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi123, onde sustentam que, na realidade, o conflito não seria propriamente entre os Poderes Executivo e Legislativo, e sim entre os dois blocos parlamentares distintos, ou seja, aque-les que apóiam o Poder Executivo e outros que fazem oposição ao governo:

A principal fonte de conflitos do sistema político brasileiro não advém das relações entre poderes e, sim, de clivagens político-parti-dárias. Os parlamentares dividem-se em dois grandes campos: os que apóiam e os que se opõem ao Executivo. Essa distinção implica, em primeiro lugar, o apoio da maioria à centralização da condução do processo orçamentário em sua fase congressual. Há uma delegação de poder das bases para as lideranças partidárias, representadas neste caso pelo relator-geral e seus colaboradores diretos. Essa delegação explica o papel reduzido que as emendas individuais desempenham na partici-pação do Congresso no processo orçamentário e a importância que as questões macroeconômicas assumem para os relatores. Antes de mais nada, o orçamento visa garantir o sucesso da política do governo, espe-cialmente a econômica, prioritária no período analisado. (grifo nosso)

A despeito da pertinência da conclusão quanto à centralização das deci-sões nas mãos do relator-geral, da redução do papel das chamadas emendas individuais, bem como da preponderância dos aspectos macroeconômicos sobre o orçamento brasileiro, a mencionada subdivisão entre os dois blocos parlamentares — de apoio e de oposição ao Executivo — consubstancia, sob nosso ponto de vista, na verdade, elemento do processo político de nosso pre-sidencialismo, o qual reflete o desdobramento político-partidário da tensão estrutural subjacente ao processo de distribuição de funções entre os Poderes, e não a principal fonte de conflitos do sistema político brasileiro. Dito de outra forma, o sistema de distribuição de funções adotado e as definições de natureza estruturantes, tais como o modelo de orçamento, impositivo ou autorizativo, e a especificação das atribuições de cada Poder no processo orça-mentário, precedem o embate político partidário e de formação de maiorias

123. FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando. Política Or-çamentária no Presiden-cialismo de coalizão. Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2008. p.15.

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parlamentares circunstanciais, uma vez que se encontram, no caso brasileiro, consolidadas na própria Constituição.

A notícia abaixo revela a recorrência e atualidade do tema:

“Associações de magistrados questionam entrega parcial da pro-posta orçamentária do Judiciário

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juí-zes Federais do Brasil (Ajufe) pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que determine a suspensão do processo legislativo (PL 24/2012) referente à proposta de lei orçamentária de 2013 em curso no Congresso Nacional. A solicitação foi feita por meio do Mandado de Segurança coletivo (MS 31627) impetrado no STF, com pedido de liminar. A ministra Rosa Weber é a relatora do caso.

As entidades autoras alegam que a presidenta da República, ao encami-nhar o projeto de lei orçamentária de 2013, excluiu uma parte da proposta apresentada pelo Supremo quanto à Revisão Geral Anual dos subsídios dos ministros do STF. Assim, sustentam que o projeto encaminhado é inconsti-tucional e ilegal porque deveria contemplar a totalidade da proposta orça-mentária apresentada pelo Poder Judiciário.

“A parte da proposta orçamentária encaminhada pelo Poder Judiciário ao Poder Executivo que foi excluída do projeto da lei orçamentária de 2013 não é uma parte que pudesse ser objeto de livre deliberação ou de apreciação discricionária por parte do Poder Executivo ou mesmo do Poder Judiciário”, afirmam. As entidades acrescentam que o ato supostamente ilegal da presidenta da República impede que a proposta orçamentária do Poder Judiciário “venha a ser apreciada e votada regularmente pelo Con-gresso Nacional”.

De acordo com as associações, está demonstrado nos autos que os magis-trados possuem o direito líquido e certo previsto no inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, assim como na Lei 10.331/01, de obter a revisão geral anual, em janeiro de cada ano. Conforme as autoras, em agosto de 2012, a presidência do STF encaminhou o Projeto de Lei 4.360, com pro-posta de revisão geral anual de 2013 e inflação projetada de 7,12% para o ano de 2012.

As associações afirmam que o STF tem observado e cumprido tanto a Constituição Federal como a Lei 10.331/01, pois não apenas está enca-minhando anualmente os projetos de lei destinados à fixação do valor dos subsídios dos ministros do STF em razão da revisão anual, “como também tem inserido nas propostas orçamentárias os valores necessários para fazer frente ao pagamento dos subsídios já majorados”. Segundo o MS, o Projeto

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124 Apesar do objetivo geral de equilí-brio entre a receita e a despesa, uma política fiscal anti-cíclica é defendida por muitos economistas influenciados pela teoria keynesiana, tendo em vista a relevância da função estabilizadora do governo, que ao lado das funções alocativa e distributiva compõem a denominada “política fiscal”. Uma presença ativa do governo, agora nova-mente em evidência, por força da crise internacional de 2008/2009, ensina Fa-bio Giambiagi, “passou a ser defendida, principalmente, a partir da publicação do livro da Teoria Geral do Juro, do Em-prego e da Moeda em 1936, de autoria de John Maynard Keynes. Até então, acreditava-se que o mercado tinha uma capacidade de se auto-ajustar ao nível de pleno emprego da economia. A flexibilidade de preços e salários garantiria este equilíbrio: a existência de desemprego só seria explicada, por exemplo, por um nível de salários reais acima daquele que equilibraria a demanda e a oferta de trabalho, o que poderia ocorrer em razão da ação dos sindicatos. Keynes, ao contrário, apontava que o limite ao emprego era dado pelo nível de demanda: as fir-mas só estariam dispostas a empregar determinada quantidade de trabalho conforme as expectativas de venda de seus produtos. Desta forma, tudo que pudesse ser feito para aumentar a quantidade de gastos na economia contribuiria para uma redução da taxa de desemprego da economia. Neste sentido, Keynes deu ênfase ao papel do Estado mediante as políticas mo-netárias e, principalmente, fiscal para promoverem alto nível de emprego. (...) A política fiscal pode se manifestar diretamente, através da variação dos gastos públicos em consumo e investi-mento, ou indiretamente, pela redução das alíquotas de imposto, que eleva a renda disponível do setor privado. Por exemplo, em uma situação recessiva o governo pode promover um crescimen-to de seus gastos em consumo e/ou investimento e com isso incentivar um aumento da demanda agregada, ten-do como resultado um maior nível de emprego e renda da economia. Alter-nativamente, o governo pode reduzir as alíquotas de impostos, aumentando, desta forma, o multiplicador de renda da economia. No caso da existência de um alto nível de inflação, por sua vez, decorrente de um excesso de demanda agregada na economia, o governo pode agir de forma inversa ao caso anterior, promovendo uma redução da demanda agregada, através da diminuição dos seus gastos e/ou do aumento das alí-quotas de impostos – que reduziria a renda disponível e, consequentemente, o nível de consumo da economia. De-pendendo da situação, o governo pode preferir agir sobre a demanda agregada da economia através da política mone-

de Lei Orçamentária tem o valor projetado de R$ 25,04 bilhões a título de gastos de pessoal do Poder Judiciário.

PedidosLiminarmente, as entidades requerem a suspensão do processo legislativo

a fim de impedir o exame e a votação do projeto de lei orçamentária de 2013, até o julgamento final do mandado de segurança. Alternativamente, pedem que o Supremo determine à Presidência da República que reenvie a proposta da lei orçamentária de 2013, “contemplando a integralidade da proposta orçamentária do Poder Judiciário”.

Ao final, as associações solicitam ao Supremo o deferimento do pedido para impedir o Congresso Nacional de apreciar e votar a proposta de lei orçamentária de 2013 (PL 24/2012) enviada, bem como para impor à presidenta da República a obrigação de encaminhar a proposta de lei or-çamentária de 2013 com a integralidade da proposta encaminhada pelo Poder Judiciário, quando o Congresso Nacional poderá apreciar e votar a nova proposta.”

Por fim, cumpre destacar que, no cenário de orçamento autorizativo, a estimativa da receita assume caráter fundamental dentro do contexto orça-mentário, pois é com base nela que são autorizadas as despesas (estima-das), requisito necessário e essencial à sua efetivação nos termos do já citado artigo 167, incisos I e II, da CR-88. Assim, receita superestimada, o que pode decorrer da própria atuação parlamentar, conforme será estudado a seguir, conduz e implica despesa autorizada em montante superior à realidade fiscal possível. Essa possibilidade, de receita estimada acima do razoável, facilita a acomodação política da elaboração do orçamento bem como o uso distorcido ou indevido do mencionado contingenciamento dos gastos, unilateralmente pelo Poder Executivo, tendo em vista o argumento sempre disponível, quan-do da execução do orçamento, da necessidade de manutenção do equilíbrio orçamentário124 associado à natureza autorizadora da lei orçamentária anual. Essas características propiciam o ciclo vicioso e acirramento de atritos e dis-putas com o Poder Legislativo, ainda que a base econômica sobre a qual ocorram as disputas, conforme será estudado, seja limitada às denominadas despesas discricionárias, haja vista a prévia vinculação de elevado percentual de despesas na própria Constituição, em dispositivos legais sobre os quais o legislador ordinário e o governo não tem muita margem de atuação ou por força de dívidas contratuais.

Importante ressaltar, ainda, que a realização de receitas em nível superior ao estimado durante a execução orçamentária, antes ou após possíveis contin-genciamentos, deflagra a elevação dos limites de empenho e movimentação financeira referente às despesas discricionárias, o que pode ensejar a reversão parcial ou total do contingenciamento.125

124. Apesar do objetivo geral de equi-líbrio entre a receita e a despesa, uma política fiscal anti-cíclica é defendida por muitos economistas influenciados pela teoria keynesiana, tendo em vista a relevância da função estabilizadora do governo, que ao lado das funções alocativa e distributiva compõem a denominada “política fiscal”. Uma presença ativa do governo, agora nova-mente em evidência, por força da crise internacional de 2008/2009, ensina Fa-bio Giambiagi, “passou a ser defendida, principalmente, a partir da publicação do livro da Teoria Geral do Juro, do Em-prego e da Moeda em 1936, de autoria de John Maynard Keynes. Até então, acreditava-se que o mercado tinha uma capacidade de se auto-ajustar ao nível de pleno emprego da economia. A flexibilidade de preços e salários garantiria este equilíbrio: a existência de desemprego só seria explicada, por exemplo, por um nível de salários reais acima daquele que equilibraria a demanda e a oferta de trabalho, o que poderia ocorrer em razão da ação dos sindicatos. Keynes, ao contrário, apontava que o limite ao emprego era dado pelo nível de demanda: as fir-mas só estariam dispostas a empregar determinada quantidade de trabalho conforme as expectativas de venda de seus produtos. Desta forma, tudo que pudesse ser feito para aumentar a quantidade de gastos na economia contribuiria para uma redução da taxa de desemprego da economia. Neste sentido, Keynes deu ênfase ao papel do Estado mediante as políticas mo-netárias e, principalmente, fiscal para promoverem alto nível de emprego. (...) A política fiscal pode se manifestar diretamente, através da variação dos gastos públicos em consumo e investi-mento, ou indiretamente, pela redução das alíquotas de imposto, que eleva a renda disponível do setor privado. Por exemplo, em uma situação recessiva o governo pode promover um crescimen-to de seus gastos em consumo e/ou investimento e com isso incentivar um aumento da demanda agregada, ten-do como resultado um maior nível de emprego e renda da economia. Alter-nativamente, o governo pode reduzir as alíquotas de impostos, aumentando, desta forma, o multiplicador de renda da economia. No caso da existência de um alto nível de inflação, por sua vez, decorrente de um excesso de demanda agregada na economia, o governo pode agir de forma inversa ao caso anterior, promovendo uma redução da demanda agregada, através da diminuição dos seus gastos e/ou do aumento das alí-quotas de impostos — que reduziria a renda disponível e, consequentemente, o nível de consumo da economia. De-pendendo da situação, o governo pode preferir agir sobre a demanda agregada da economia através da política mone-tária. Em casos de recessão ou desace-leração do crescimento econômico, o governo pode promover uma redução das taxas de juros, estimulando desta forma o aumento dos investimentos e, consequentemente o crescimento da demanda agregada e da renda nacio-nal, Alternativamente, em uma situ-ação de excesso de demanda com im-pactos inflacionários, o governo pode aumentar as taxas de juros, reduzindo, desta maneira, a demanda agregada da economia, Para se atingir as prioridades da política econômica, o mais comum , na prática, é uma ação combinada das políticas fiscal e monetária por parte do governo.” In. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª Rio de Ja-neiro: Elsevier, 2008. p. 14/15.

125. Ressalte-se a relevância do dis-posto no artigo 9 º, § 1º, da LRF, cuja aplicação objetiva garantir a realização do que foi definido na LOA mesmo na hipótese de contingenciamente, ao dis-por que: “No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas.” O empe-nho será estudado na aula pertinente às despesas públicas.

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tária. Em casos de recessão ou desace-leração do crescimento econômico, o governo pode promover uma redução das taxas de juros, estimulando desta forma o aumento dos investimentos e, consequentemente o crescimento da demanda agregada e da renda nacio-nal, Alternativamente, em uma situ-ação de excesso de demanda com im-pactos inflacionários, o governo pode aumentar as taxas de juros, reduzindo, desta maneira, a demanda agregada da economia, Para se atingir as prioridades da política econômica, o mais comum , na prática, é uma ação combinada das políticas fiscal e monetária por parte do governo.” In. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 14/15.

125 Ressalte-se a relevância do disposto no artigo 9 º, § 1º, da LRF, cuja apli-cação objetiva garantir a realização do que foi definido na LOA mesmo na hipótese de contingenciamente, ao dis-por que: “No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efe-tivadas.” O empenho será estudado na aula pertinente às despesas públicas.

126 HARADA. Op.cit. p.59.

127 O artigo 12, § 1º, da LRF estabelece que a “Reestimativa de receita por par-te do Poder Legislativo só será admitida se comprovado erro ou omissão de or-dem técnica ou legal”.

128 Um exemplo concreto pode auxiliar a compreensão do tema: considerando que a crise econômica mundial já havia apresentado impacto concreto sobre a atividade econômica e a arrecadação da União no final do próprio exercício de 2008, conforme noticiado pelo Jornal Valor da sexta-feira e fim de semana, 12, 13 e 14 de dezembro de 2008, A10, “a Comissão Mista de Orçamento do Congresso (CMO), aprovou ontem, a revisão do relatório de arrecadação do projeto de Orçamento da União para 2009 (...). Fica referendada, assim, a redução de R$ 15,34 bilhões no vo-lume esperado de receitas primárias brutas no âmbito do orçamento fis-cal e da seguridade social (que exclui empresas estatais não-dependentes do Tesouro Nacional). Em conseqüência disso, cerca de R$ 10 bilhões do volu-me que iria para despesa de custeio e investimento dos órgãos federais terão que ser cortados pelo relator geral (...)”.

Cabe repisar que o contingenciamento das dotações não pode incidir so-bre as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente político (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios), como pessoal, transferências a estados e municípios, sentenças judiciais, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e sobre aquelas protegidas pela lei de diretrizes orçamentárias.

Não obstante exposto, relativamente à importância da estimativa de recei-ta, nos termos salientados por Harada126, “desde a Emenda 18/65, o requisito da prévia estimativa de receita, decorrente de tributo criado ou aumentado, deixou de existir como condição para sua cobrança. Talvez esse fato explique o desinteresse dos parlamentares”. Entretanto, a Comissão Mista do Orça-mento, cujas competências serão analisadas na próxima aula, possui um rela-tor da receita, o qual, com o auxílio do Comitê de Avaliação da Receita, examina e avalia aquelas previstas pelo Executivo127 no projeto de lei orça-mentária128. O objetivo é verificar se o montante estimado está de acordo com os parâmetros econômicos previstos para o ano seguinte. Na hipótese de encontrar algum erro ou omissão, é facultado ao Legislativo reavaliar a recei-ta definida pelo Executivo e propor nova estimativa, com fundamento no artigo 166, §3°, III, a da CR-88.

Na próxima aula serão examinadas as diversa peças orçamentárias (PPA, LDO e LOA) e o denominado ciclo orçamentário.

126. HARADA. Op.cit. p.59.

127. O artigo 12, § 1º, da LRF estabe-lece que a “Reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será ad-mitida se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal”.

128. Um exemplo concreto pode auxi-liar a compreensão do tema: conside-rando que a crise econômica mundial já havia apresentado impacto concreto sobre a atividade econômica e a arre-cadação da União no final do próprio exercício de 2008, conforme noticiado pelo Jornal Valor da sexta-feira e fim de semana, 12, 13 e 14 de dezembro de 2008, A10, “a Comissão Mista de Or-çamento do Congresso (CMO), aprovou ontem, a revisão do relatório de arrecadação do projeto de Orçamento da União para 2009 (...). Fica referendada, assim, a redução de R$ 15,34 bilhões no vo-lume esperado de receitas primárias brutas no âmbi-to do orçamento fiscal e da seguridade social (que exclui empresas estatais não-dependentes do Tesouro Nacional). Em conse-qüência disso, cerca de R$ 10 bilhões do volume que iria para despesa de cus-teio e investimento dos órgãos federais terão que ser cortados pelo relator geral (...)”.

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129 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurí-dico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 575.

130 Ensina Regis Fernandes que: “Clas-sicamente, o orçamento é uma peça que contém a previsão de receitas e a autorização das despesas sem preocu-pação com planos governamentais e com interesses efetivos da população. Era mera peça contábil, de conteúdo financeiro” v. DE OLIVEIRA, Regis Fer-nandes e HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. 3ª ed. revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.69.

131 CYSNE, Rubens Penha. O Orçamento Público: o caso norte-americano. Con-juntura Econômica. Janeiro 2008. Vol. 62. nº 01. Fundação Getúlio Vargas. p. 19-20.

AulA 4 — o PlAnejAmento e As leis orçAmentáriAs (PPA, ldo e loA)

Apresentados os aspectos gerais da matéria, delineados os conceitos de necessidades públicas e da atividade financeira do Estado, estabelecidas as grandes linhas do sistema de distribuição de funções entre os Poderes da Re-pública bem como do Federalismo Fiscal, todos necessários à determinação de como as receitas e as despesas interagem com o orçamento, cumpre agora iniciar o estudo do planejamento do setor público e a sua interligação com as leis orçamentárias. De fato, somente por meio do planejamento das ações do Estado é possível atingir o desejável equilíbrio de longo prazo entre as receitas e as despesas públicas e, ao mesmo tempo, atender às necessidades públicas e ao desenvolvimento econômico e social sustentáveis.

4.1 as leis orçamentárias (PPa, ldo e loa) e o ciclo orçamentário

Orçamento é termo derivado de orçar, do italiano orzare, o qual, em sen-tido vulgar, significa, segundo o Dicionário De Plácido e Silva129, “a estima-tiva de custo a respeito das coisas, cujo valor de construção, ou de custeio, é necessário saber, por antecipação”.

Nas finanças públicas clássicas,130 o orçamento consubstanciava-se apenas como instrumento de estimativa de receitas e de autorização de despesas por objeto (pessoal, material, serviços, etc.), tendo em vista, quase exclusivamen-te, as necessidades das unidades organizacionais e o objetivo de registrar os eventos. De fato, conforme já destacado, a previsão constitucional do orça-mento no Brasil, incluindo a fixação de despesas e a estimativa de receitas, assim como a determinação de elaboração de um balanço geral destas e das despesas do ano anterior, está expressa desde a Constituição Política do Im-pério de 1824, possuindo à época, entretanto, conotação meramente contá-bil para o controle financeiro do que se realizou, pois não era ainda instru-mento de medição de desempenho, tampouco de planejamento de política fiscal. Não poderia ser diferente ante a concepção de atuação do Estado Pa-trimonial, conforme já anotado no início da Aula 1.

Com o desenvolvimento do denominado orçamento de desempenho ou de realizações, o enfoque passou a ser, também, em relação aos resultados dos gastos e não apenas com o seu controle. A preocupação com o registro da despesa assu-miu caráter secundário e instrumental, pois o foco dirige-se à contraposição entre as metas objetivadas e os resultados obtidos. O interesse, nesses termos, não se finda apenas em quantificar o que o governo adquiriu ou os itens de despesa, mas sim as suas ações para atender ao cidadão contribuinte. Nesse sentido, aponta Rubens Penha Cysne131, em análise sobre o orçamento público norte-americano:

129. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 575.

130. Ensina Regis Fernandes que: “Classicamente, o orçamento é uma peça que contém a previsão de receitas e a autorização das despesas sem preo-cupação com planos governamentais e com interesses efetivos da população. Era mera peça contábil, de conteúdo fi-nanceiro” v. DE OLIVEIRA, Regis Fernan-des e HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. 3ª ed. revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.69.

131. CYSNE, Rubens Penha. O Orça-mento Público: o caso norte-america-no. conjuntura Econômica. Janeiro 2008. Vol. 62. nº 01. Fundação Getúlio Vargas. p. 19-20.

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132 Conforme ensina Ricardo Lobo Tor-res, “O Estado do Planejamento não se confunde com o Estado de Planificação, que é sempre uma manifestação totali-tária ou socialista, nem está em vias de extinção, como pretendem os adeptos do pós-modernismo, que vislumbram o desaparecimento dos planos estatais, substituídos pela repartição de respon-sabilidades financeiras entre o Estado e a Sociedade”. v. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Fi-nanceiro e Tributário. Volume V. O Orça-mento na Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro. Renovar, 2008. p.77.

133 Assim o orçamento é o elo entre o sistema de planejamento e as finanças.

134 O artigo 16 do Decreto-lei 200/1967 dispõe que: “Em cada ano, será elabo-rado um orçamento-programa, que pormenorizará a etapa do programa plurianual a ser realizada no exercício seguinte e que servirá de roteiro à exe-cução coordenada do programa anual”.

um passo adiante em relação ao orçamento itemista foi determina-do pelo orçamento de desempenho, este último fruto dos estudos da Comissão Hoover, em 1949. O objetivo principal da Comissão Hoo-ver foi reorganizar o Executivo norte-americano após a Segunda Guer-ra. Em uma de suas conclusões, a Comissão sugeriu que o orçamento federal passasse a se estruturar com base em atividades e medidas de desempenho (“o que o governo faz”), e não apenas com base nos itens de despesa (“o que o governo gasta”). O foco deveria passar dos meios (despesas) aos fins (retorno ao contribuinte). Tratava-se tal mudança de ênfase, na verdade, de uma idéia que se desenvolveu aos poucos, em função da elevação dos gastos públicos determinada pelo New Deal (1933-1938) e pela Segunda Grande Mundial (1939-1945).

O orçamento de desempenho também se qualifica como orçamento-pro-grama se o mesmo, além de contrapor metas objetivadas e os resultados ob-tidos, estiver, também, vinculado ao planejamento central132 das ações de governo133. Nesse sentido, o orçamento-programa é o instrumento nuclear de coordenação e realização do planejamento econômico e social, na medida em que viabiliza, com programas anuais134, a realização do plano geral de gover-no de desenvolvimento de longo prazo.

A introdução oficial do planejamento de governo no Brasil ocorreu com a edição do Decreto-lei n° 200/1967, o qual estabelece no artigo 6°, I, que as atividades da Administração Federal devem obedecer, entre outros, ao prin-cípio do planejamento. O artigo 7° do mesmo diploma normativo, que faz parte do Capítulo I denominado“ Do Planejamento”, dispõe, in verbis:

Art. 7º A ação governamental obedecerá a planejamento que vise a promover o desenvolvimento econômico-social do País e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas elaborados, na forma do Título III, e compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos:

a) plano geral de governo;b) programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual;c) orçamento-programa anual;d) programação financeira de desembolso.

Nessa linha de intelecção, o artigo 174 da CR-88 consagra o planejamen-to como instrumento essencial à ação do Estado, na medida em que o mesmo é qualificado como determinante para o setor público. O dispositivo da atual Constituição enuncia:

132. Conforme ensina Ricardo Lobo Torres, “O Estado do Planejamento não se confunde com o Estado de Planifica-ção, que é sempre uma manifestação totalitária ou socialista, nem está em vias de extinção, como pretendem os adeptos do pós-modernismo, que vis-lumbram o desaparecimento dos pla-nos estatais, substituídos pela repar-tição de responsabilidades financeiras entre o Estado e a Sociedade”. v. TOR-RES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constitui-ção. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro. Renovar, 2008. p.77.

133. Assim o orçamento é o elo entre o sistema de planejamento e as finanças.

134. O artigo 16 do Decreto-lei 200/1967 dispõe que: “Em cada ano, será elaborado um orçamento-pro-grama, que pormenorizará a etapa do programa plurianual a ser realizada no exercício seguinte e que servirá de roteiro à execução coordenada do pro-grama anual”.

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135 Art. 165, §4º, da CR-88.

136 Dispõe o artigo 17 da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal (LRF), Lei Comple-mentar nº 101/00, que: “Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, me-dida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios”.

137 O § 1º do art. 4º da LRF determina que a LDO conterá Anexo de Metas Fiscais, em que “serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, des-pesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes”.

138 Estabelece ainda o § 2º do artigo 165 da CR-88 que a lei de diretrizes orça-mentárias “disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.”

139 TORRES. . Op.cit. p.85.

Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econô-mica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor pú-blico e indicativo para o setor privado. (grifo nosso)

No mesmo sentido, da utilização do orçamento como instrumento de planejamento e de controle da ação governamental, a Constituição, no artigo 165, dispositivo inserido na Seção II do Capítulo II do Título VI, in-titulada “Dos Orçamentos”, criou um sistema integrado de previsão, aloca-ção e controle de recursos coletivos, bem como de gestão e de execução das diretrizes, objetivos, metas e prioridades do setor público, o que se dá por meio de três leis orçamentárias: o plano plurianual (PPA), as diretrizes orça-mentárias (LDO) e os orçamentos anuais (LOA). Essas leis, apesar de con-substanciarem documentos distintos, possuem finalidade comum e harmôni-ca, isto é, atender as necessidade públicas consagradas por meio do processo político. Saliente-se que os planos e programas nacionais, regionais e seto-riais previstos na Constituição, em particular aqueles de que tratam os artigos 21, IX, 174, §1° e 214, devem ser necessariamente elaborados em consonân-cia com o plano plurianual (PPA) o qual, no âmbito da União, é apreciado pelo Congresso Nacional135. Dessa forma, o planejamento estatal deve neces-sariamente ser coordenado ao PPA.

O PPA, conforme será detalhadamente examinado abaixo, abrange (a) os três últimos anos do chefe do Poder Executivo em exercício; e (b) o primeiro ano do mandato do sucessor, devendo a lei que o instituir, nos termos do artigo 165, § 1º da CR-88, estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública federal para as despesas de capi-tal e outras delas decorrentes, bem como para as relativas aos programas de duração continuada.136 Ainda, nos termos do artigo 167, §1º, da CR-88, nenhum investimento cuja exe cução ultrapasse um exercício financeiro po-derá ser iniciado sem a sua prévia inserção no Plano Plurianual, ou sem lei que autorize a inserção, sob pena de crime de respon sabilidade. Tendo em vista consubstanciar mera enunciação de programação e orientação, o PPA é lei formal, sendo dependente do orçamento anual para possuir eficácia relati-vamente à realização das despesas.

No mesmo sentido, a LDO137 também é lei formal, compreendendo ape-nas as metas e prioridades da Administração Pública — que inclui as despe-sas de capital para o exercício financeiro seguinte e contém simples orienta-ção para a elaboração da lei orçamentária anual138— razão pela qual não cria, conforme ensina Ricardo Lobo Torres139, “direitos subjetivos para terceiros nem tem eficácia fora da relação entre os Poderes do Estado”. Diferencia-se do PPA na medida em que se refere às metas e prioridades para o exercício subseqüente. Constitui-se, dessa forma, em plano prévio operacional de cur-

135. Art. 165, §4º, da CR-88.

136. Dispõe o artigo 17 da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal (LRF), Lei Comple-mentar nº 101/00, que: “Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, me-dida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios”.

137. O § 1º do art. 4º da LRF determi-na que a LDO conterá Anexo de Metas Fiscais, em que “serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, des-pesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes”.

138. Estabelece ainda o § 2º do artigo 165 da CR-88 que a lei de diretrizes orçamentárias “disporá sobre as altera-ções na legislação tributária e estabele-cerá a política de aplicação das agên-cias financeiras oficiais de fomento.”

139. TORRES. . Op.cit. p.85.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 62

140 Em especial, ADI 2.925 e ADI-MC 4.048, que serão analisadas quando da apresentação dos denominados créditos adicionais que, ao lado dos cré-ditos orçamentários, compõem as au-torizações legislativas para que o Poder Executivo possa realizar despesas para a consecução dos projetos e programas que decorrem do planejamento. Nessa linha, de avanço na admissibilidade do controle de constitucionalidade da lei de diretrizes orçamentárias pela via direta, importante destacar as questões postas na ADI 4663.

141 Dispõe o artigo 8° da Lei Comple-mentar n° 101/2000: “Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do artigo 4°, o Poder Executivo estabe-lecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.”

142 O artigo 17 do Decreto-lei n° 200/1967 dispõe que: “Art. 17. Para ajustar o ritmo de execução do orça-mento-programa ao fluxo provável de recursos, o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral e o Ministério da Fazenda elaborarão, em conjunto, a programação financeira de desembol-so, de modo a assegurar a liberação automática e oportuna dos recursos necessários à execução dos programas anuais de trabalho”.

143 TORRES. Op.Cit.p.78.

to prazo, baseado em dados e informações de natureza econômica e social, para fundamentar e orientar a posterior elaboração da proposta orçamentária do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público, isto é, um verdadeiro elo de ligação entre o PPA e a LOA. A jurisprudência tradicio-nal do Supremo Tribunal Federal, a qual tem sido mitigada ultimamente, conforme já salientado140, é no sentido de que, por se tratar de lei de efeitos concretos, a LDO não se submete ao controle de constitucionalidade pela via direta, conforme se depreende da ementa da ADI 2.484-MC:

Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e des-tinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado. (ADI 2.484-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 19-12-01)

Já a lei orçamentária anual (LOA), observados os princípios da universa-lidade, unidade, anterioridade, anualidade, legalidade, exclusividade, trans-parência, não afetação, equilíbrio financeiro, redistribuição de rendas, de-senvolvimento econômico, e economicidade, conforme será explicitado no final da aula, é o instrumento normativo que fixa a despesa e estima a receita anualmente, evidenciando a política econômica e financeira de curto prazo do governo.

Saliente-se, no que se refere à LOA, a relevância do orçamento-programa como instrumento de medição do desempenho e de vinculação da execução orçamentária ao planejamento central. Destaque-se, ainda nesse contexto, a essencialidade da programação financeira de desembolso141 para a definição do ritmo142 da execução orçamentária.

O fluxograma abaixo visa auxiliar a compreensão do que foi até aqui ex-posto:

Dessa forma, a Constituição estabelece três planejamentos orçamentá-rios, os quais, conforme ensina Ricardo Lobo Torres143, são resultado da in-fluência “da Constituição da Alemanha, que prevê o plano plurianual (eine mehrjahrige Finanzplanung — art. 109, 3), o plano orçamentário (Haushalts-

140. Em especial, ADI 2.925 e ADI-MC 4.048, que serão analisadas quando da apresentação dos denominados créditos adicionais que, ao lado dos cré-ditos orçamentários, compõem as au-torizações legislativas para que o Poder Executivo possa realizar despesas para a consecução dos projetos e programas que decorrem do planejamento. Nessa linha, de avanço na admissibilidade do controle de constitucionalidade da lei de diretrizes orçamentárias pela via direta, importante destacar as questões postas na ADI 4663.

141. Dispõe o artigo 8° da Lei Comple-mentar n° 101/2000: “Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do artigo 4°, o Poder Executivo estabe-lecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.”

142. O artigo 17 do Decreto-lei n° 200/1967 dispõe que: “Art. 17. Para ajustar o ritmo de execução do orça-mento-programa ao fluxo provável de recursos, o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral e o Ministério da Fazenda elaborarão, em conjunto, a programação financeira de desembol-so, de modo a assegurar a liberação automática e oportuna dos recursos necessários à execução dos programas anuais de trabalho”.

143. TORRES. Op.Cit.p.78.

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FGV DIREITO RIO 63

plan — art.110), e a lei orçamentária (Haushaltsgesetz — art. 110), só que lá se discute se o plano orçamentário é realmente distinto da lei orçamentária.”

Com o objetivo aprofundar o estudo das três leis orçamentárias, inicial-mente serão abordados os seus aspectos essenciais quanto à elaboração, ini-ciativa, apreciação e votação dos projetos, bem como à vigência das leis orça-mentárias, o que ajudará a traçar o perfil de cada uma das leis. Com efeito, o conjunto dessas matérias constitui parte do denominado Ciclo Orçamentá-rio, o qual corresponde ao período em que se realizam as atividades próprias e específicas do processo orçamentário no âmbito de cada ente político (da União, de cada Estado, do Distrito Federal e de cada Município), compre-endendo a elaboração, envio do projeto de lei, apreciação, emendas, votação, sanção e publicação, execução das leis orçamentárias e de créditos adicionais e, por fim, o controle interno, externo e social. Pode-se visualizar graficamen-te o exposto nos seguintes termos:

Na aula 6 serão analisados os Créditos Orçamentários e Adicionais (Aula 5); na Aula 7 as Despesas Públicas e a Responsabilidade Fiscal na Execução do Orçamento; na Aula 8 será estudado o Financiamento dos Gastos, a Dí-vida e as Operações de crédito; na Aula 9 as Transferências Constitucionais e as Repartições de Receitas tributárias, na Aula 10 as Receitas Públicas e nas Aulas11 e 12 o Controle e a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública. Importante, ainda, des-tacar que, em função do princípio da simetria e de nosso federalismo fiscal, os mesmos princípios estruturantes das Finanças Públicas no âmbito da União são aplicáveis aos Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive no que se refere ao denominado ciclo orçamentário, ressalvadas as regras específicas que serão objeto de estudo ao longo do curso.

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FGV DIREITO RIO 64

144 É uma iniciativa indelegável e vincu-lada tendo em vista a fixação de prazos fatais para a sua efetivação na própria Constituição, sob pena de configurar--se crime de responsabilidade política, conforme será a seguir destacado. v. MORAES, Alexandre de. Direito Cons-titucional. 17ª ed. São Paulo. Atlas, 2005. p. 621.

145 ADI 882, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 19-2-04, DJ de 23-4-04: “Orçamento anual. Competência privativa. Por força de vinculação ad-ministrativo-constitucional, a compe-tência para propor orçamento anual é privativa do Chefe do Poder Executivo”.

146 HARADA, Hiyoshi. Direito Finan-ceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 58.

147 Dispõe o artigo 12, § 3º, da LRF, que “O Poder Executivo de cada ente colo-cará à disposição dos demais Poderes e do Ministério Público, no mínimo trinta dias antes do prazo final para encami-nhamento de suas propostas orçamen-tárias, os estudos e as estimativas das receitas para o exercício subseqüente, inclusive da corrente líquida, e as res-pectivas memórias de cálculo.”

4.2 iniciAtivA, elAborAção, APreciAção e votAção dos Projetos

O PPA, a LDO e a LOA são leis de iniciativa do Poder Executivo, nos termos do caput do artigo 165 da CR-88, e servem, conforme já salientado, de elo de ligação entre o planejamento e a ação governamental, ou seja, a atuação concreta do poder público pressupõe a existência dos orçamentos, sem os quais não pode haver utilização do dinheiro público para realizar des-pesas (art. 167, I e II da CR-88). Nos termos do artigo 84, XXIII, e artigo 166, §6° da CR-88, a iniciativa das leis orçamentárias é vinculada144 e priva-tiva do Chefe do Poder Executivo145 a quem incumbe enviar ao Congresso Nacional os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. Assim, conforme observa Kyoshi Harada146, a propos-ta orçamentária anual (LOA) do Poder Legislativo, na qual se inclui o Tribu-nal de Contas, do Poder Judiciário e do Ministério Público: “são unificadas antes do envio ao Parlamento para discussão”, o que não afasta as respectivas competências para elaborar as suas proposições147 dentro dos limites estipula-dos conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias, nos termos fixados nos artigos 99, § 1º, e 127, § 3º da CR-88 e da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n° 101/2000 (LRF). Nessa toa-da, o artigo 22 da LDO que trata das diretrizes para a elaboração da LOA de 2015 da União, Lei 13.080, de 02 de janeiro de 2015, dispõe:

Art. 22. Os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Minis-tério Público da União e da Defensoria Pública da União encaminha-rão à Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – SIOP, até 15 de agosto de 2014, suas respectivas pro-postas orçamentárias, para fins de consolidação do Projeto de Lei Or-çamentária de 2015, observadas as disposições desta Lei.

§ 1o As propostas orçamentárias dos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, encaminhadas nos termos do caput, deverão ser objeto de parecer do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, de que tratam arts. 103-B e 130-A da Constituição Federal, respectivamente, a ser encaminhado à Comissão Mista a que se refere o § 1o do art. 166 da Constituição Fe-deral, até 28 de setembro de 2014, com cópia para a Secretaria de Or-çamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

§ 2o Não se aplica o disposto no § 1o ao Supremo Tribunal Federal, ao Conselho Nacional de Justiça, ao Ministério Público Federal e ao Conselho Nacional do Ministério Público.

144. É uma iniciativa indelegável e vinculada tendo em vista a fixação de prazos fatais para a sua efetivação na própria Constituição, sob pena de configurar-se crime de responsabili-dade política, conforme será a seguir destacado. v. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17ª ed. São Paulo. Atlas, 2005. p. 621.

145. ADI 882, Rel. Min. Maurício Cor-rêa, julgamento em 19-2-04, DJ de 23-4-04: “Orçamento anual. Competência privativa. Por força de vinculação ad-ministrativo-constitucional, a compe-tência para propor orçamento anual é privativa do Chefe do Poder Executivo”.

146. HARADA, Hiyoshi. Direito Fi-nanceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 58.

147. Dispõe o artigo 12, § 3º, da LRF, que “O Poder Executivo de cada ente colocará à disposição dos demais Pode-res e do Ministério Público, no mínimo trinta dias antes do prazo final para encaminhamento de suas propostas orçamentárias, os estudos e as estima-tivas das receitas para o exercício sub-seqüente, inclusive da corrente líquida, e as respectivas memórias de cálculo.”

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148 Artigos 99, § 4º, e 127, § 5º, da CR-88, dispositivos incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.

149 Artigos 99, § 3º, e 127, § 4º, da CR-88, dispositivos incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.

150 Liminar no Mandado de Segurança nº 33.186.

151 idem

Destaque-se que ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacio-nal do Ministério Público, aos quais foi conferida a atribuição para exarar pareceres, nos termos do transcrito §1°, com a ressalva determinada no §2°, compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciá-rio e do Ministério Público, nos termos do artigo 103-B, § 4°, caput, e artigo 130-A, § 2°, caput, da CR-88, respectivamente.

O Poder Executivo148 procederá aos ajustes necessários, para fins de conso-lidação da proposta da LOA, na hipótese em que as propostas do Poder Judi-ciário e do Ministério Público sejam encaminhadas em desacordo com os li-mites estipulados na LDO. Em sentido análogo, se o Poder Judiciário e o Ministério Público não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias anuais dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo149 considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na LDO.

Importante ressaltar que em recente decisão da ministra Rosa Weber150 em caráter liminar, foi estabelecido que o Poder Executivo somente está autori-zado a promover ajustes nas propostas dos demais poderes na hipótese de desacordo com os limites previstos na LDO, não podendo a alteração ser re-alizada com fundamento na promoção do equilíbrio orçamentário ou na ob-tenção do superávit primário. A decisão foi proferida em 30 de outubro de 2014, data em que ainda não havia sido aprovada a LDO de 2015. Deste modo, considerou que a medida do Poder Executivo carece de fundamento constitucional, conforme trecho abaixo transcrito:

Dentro desse contexto, na ausência de lei de diretrizes orçamentárias aprova-da e em vigor, afigura-se despida de respaldo constitucional a atuação do Poder Executivo na adequação das propostas orçamentárias que lhe foram enviadas para consolidação.

Tampouco se extrai, da exposição de motivos integrada à mensagem presi-dencial, concreta e precisa indicação de que as propostas enviadas pelo Poder Judiciário e demais órgãos autônomos estejam, em si mesmas, e não quando consideradas no contexto geral das despesas totais projetadas pela União — à luz dos princípios da unidade e da universalidade orçamentária —, em descompasso com a lei de responsabilidade fiscal.151

A decisão determinou, portanto, que as propostas orçamentárias enca-minhadas pelo Poder Judiciário — não ajustadas — fossem conhecidas e apreciadas pelo Poder Legislativo como integrantes do projeto de Lei Orça-mentária de 2015.

Os ajustes que haviam sido efetuados pelo Poder Executivo incidiam sobre os gastos com pessoal, haja vista a inclusão de reajustes salariais para magis-

148. Artigos 99, § 4º, e 127, § 5º, da CR-88, dispositivos incluído pela Emen-da Constitucional nº 45, de 2004.

149. Artigos 99, § 3º, e 127, § 4º, da CR-88, dispositivos incluído pela Emen-da Constitucional nº 45, de 2004.

150. Liminar no Mandado de Seguran-ça nº 33.186.

151. idem

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FGV DIREITO RIO 66

152 Notícia disponível em http://g 1 . g l o b o . c o m / p o l i t i c a / n o t i -cia/2014/09/pgr-quer-obrigar-dilma--incluir-reajuste-do-judiciario-no-or-camento.html;. A questão do reajuste salarial dos membros do Poder Judiciá-rio inclusive já foi objeto de outro atrito, o qual será abordado em texto anexo a presente aula.

153 Artigo 99, § 2º, da CR-88.

154 Salienta Valcedir Pascoal que as leis que envolvam matéria orçamentária são de iniciativa privativa e indelegá-vel do Chefe do Poder Executivo a sua omissão “constituirá crime de respon-sabilidade conforme a legislação: Lei n° 1.079 – Presidente e Governador, e Decreto-Lei n° 201/67 – Prefeito.” v. PASCOAL, Valdecir. Direito Financei-ro e Controle Externo. 4ª ed. revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Impetus, 2004. p.41.

155 Artigo 85, VI, da CR-88.

156 Saliente-se que o prazo para o envio da proposta determinado na lei foi al-terado pela Constituição, conforme será apresentado a seguir, nos termos do artigo 165, §9°, I, da CR-88 combinado com o artigo 35, §2°, do ADCT.

157 A acusação deve ser admitida por dois terços da Câmara dos Deputados (artigo 86) e será julgada pelo Senado Federal, tendo em vista tratar-se de cri-me de responsabilidade (artigo 52, I,). Se instaurado o processo, o Presidente fica suspenso de suas funções (arti-go 86, §1°) por cento e oitenta dias, prazo dentro do qual se não estiver concluído o julgamento cessará o seu afastamento, prosseguindo o processo normalmente No julgamento perante o Senado funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, “limitan-do-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exer-cício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (parágrafo único do artigo 52).

trados e membros do Ministério Público Federal pelos respectivos poderes. Aludido reajuste havia sido reduzido pelo Poder Executivo, apesar de ter si-doproposto pelo STF e pretendido pelo MPF na proposta orçamentária.152

No âmbito do Poder Judiciário a competência para o encaminhamento da proposta orçamentária153, a ser consolidada pelo Poder Executivo, é: (1) na esfera federal, dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais; e (2) no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.

Importante mencionar que a Emenda Constitucional nº 45/2004 incluiu §2º ao artigo 133 da CR-88, para estender também às Defensorias Públicas Estaduais a “autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua pro-posta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orça-mentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”.

Cabe ressaltar, ainda, — quanto ao encaminhamento dos projetos de leis orçamentárias, o qual consubstancia competência vinculada e indelegável — que a não apresentação tempestiva das propostas154 do PPA, da LDO e da LOA ao Poder Legislativo constitui crime de responsabilidade política prati-cado pelo Presidente da República tendo em vista que a hipótese se enquadra como ato atentatório às leis orçamentárias155, consoante o disposto no artigo 10, 1, da Lei n° 1.079/1950156, norma que define os crimes de responsabili-dade e regula o respectivo processo de julgamento.157

O artigo 32 da Lei n° 4.320/1964, por sua vez, disciplina apenas as con-seqüências do não recebimento da proposta de LOA pelo parlamento, isto é, “se não receber a proposta orçamentária no prazo fixado nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios, o Poder Legislativo considerará como proposta a Lei de Orçamento vigente”.

Por sua vez, o artigo 165, §§§ 5º, 6º, e 7º da CR-88, estabelece o escopo da lei orçamentária anual nos seguintes termos:

§ 5º — A lei orçamentária anual compreenderá:I — o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos,

órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive funda-ções instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II — o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direi-to a voto;

III — o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entida-des e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

§ 6º — O projeto de lei orçamentária será acompanhado de de-monstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decor-

152. Notícia disponível em http://g 1 . g l o b o . c o m / p o l i t i c a / n o t i -cia/2014/09/pgr-quer-obrigar-dilma--incluir-reajuste-do-judiciario-no-or-camento.html;. A questão do reajuste salarial dos membros do Poder Judiciá-rio inclusive já foi objeto de outro atrito, o qual será abordado em texto anexo a presente aula.

153. Artigo 99, § 2º, da CR-88.

154. Salienta Valcedir Pascoal que as leis que envolvam matéria orçamentá-ria são de iniciativa privativa e indele-gável do Chefe do Poder Executivo a sua omissão “constituirá crime de respon-sabilidade conforme a legislação: Lei n° 1.079 — Presidente e Governador, e Decreto-Lei n° 201/67 — Prefeito.” v. PASCOAL, Valdecir. Direito Financei-ro e Controle Externo. 4ª ed. revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Impetus, 2004. p.41.

155. Artigo 85, VI, da CR-88.

156. Saliente-se que o prazo para o en-vio da proposta determinado na lei foi alterado pela Constituição, conforme será apresentado a seguir, nos termos do artigo 165, §9°, I, da CR-88 com-binado com o artigo 35, §2°, do ADCT.

157. A acusação deve ser admitida por dois terços da Câmara dos Deputados (artigo 86) e será julgada pelo Senado Federal, tendo em vista tratar-se de cri-me de responsabilidade (artigo 52, I,). Se instaurado o processo, o Presidente fica suspenso de suas funções (arti-go 86, §1°) por cento e oitenta dias, prazo dentro do qual se não estiver concluído o julgamento cessará o seu afastamento, prosseguindo o processo normalmente No julgamento perante o Senado funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, “limitan-do-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exer-cício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (parágrafo único do artigo 52).

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FGV DIREITO RIO 67

158 Artigo 166, caput, da CR-88.

159 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegCN.rtf >

rente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

§ 7º — Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, com-patibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.

O artigo 5° da LRF complementa o dispositivo constitucional ao prever que a LOA conterá também: (1) a explicitação das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter conti-nuado; (2) demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamen-tos com os objetivos e metas constantes do Anexo de Metas Fiscais da LDO; (3) conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinadas ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos; (4) as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as atenderão; (5) o refi-nanciamento da dívida pública constará separadamente na lei orçamentária e nas de crédito adicional. Destaque-se, ainda, que o artigo 22 da Lei n° 4.320/1964 define a estrutura e composição da proposta orçamentária.

Uma vez apresentados os projetos das leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) pelo Poder Executivo, consoante os termos dos citados artigo 84, XXIII, caput do artigo 165 e artigo 166, §6°, todos da CR-88, serão os mes-mos apreciados, no âmbito da União, pelas duas Casas do Congresso, na forma do regimento comum.158

A Constituição de 1967/69 estabelecia de forma expressa em seu artigo 66, que a lei orçamentária anual seria objeto de “votação conjunta das duas Ca-sas”, menção que não consta da atual Carta Constitucional. De fato, o artigo 166 da CR-88 que disciplina a matéria não o faz expressamente, apenas se referindo à apreciação do projeto. O artigo 48 da CR-88 também não disci-plina expressamente a questão ao estatuir caber somente ao Congresso Nacio-nal, com a sanção do Presidente da República, dispor “sobre plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida públi-ca e emissões de curso forçado”. Assim, é importante destacar o artigo 1º, V, do regimento comum do Parlamento Nacional, nos termos do Ato da Mesa do Congresso Nacional, nº 63 de 2006159, que disciplina a matéria:

Art. 1º A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, sob a direção da Mesa deste, reunir-se-ão em sessão conjunta para:

............................................................................................V — discutir e votar o Orçamento (arts. 48, II, e 166 da Constituição);............................................................................................

158. Artigo 166, caput, da CR-88.

159. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegCN.rtf >

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FGV DIREITO RIO 68

160 O §5º do artigo 166 da CR-88 auto-riza o Presidente da República enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos a que se refere o artigo “enquanto não ini-ciada a votação, na Comissão mista, da parte cuja alteração é proposta”.

161 (artigo 166, §3º, I, II e III da CR-88).

162 TORRES. Op.cit. p.437-438.

O artigo 103 do regimento dispõe que à “tramitação de projetos de orça-mento plurianual de investimentos aplicar-se-ão, no que couber”, as normas ali disciplinadas quanto ao orçamento anual, cabendo no que for aplicável à apreciação da lei de diretrizes.

A Resolução nº1 de 2006-CN, do Congresso Nacional, por sua vez, dis-põe sobre a Comissão Mista Permanente a que se refere o § 1º do art. 166 da Constituição, denominando-a de Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização — CMO. À Comissão mista permanente de Senado-res e Deputados, compete examinar e emitir parecer sobre os projetos do PPA, LDO e LOA e aos créditos adicionais, os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição, assim como a análise das emendas160 aos projetos de leis orçamentárias, que podem ser individuais, de Comissão Permanente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, ou de bancada estadual, nos termos do artigo 43 a 50 da Resolução nº1 de 2006-CN. As emendas devem ser apresentadas à Comissão mista, consoante o dis-posto no § 2º do artigo 166, a qual deve examinar as condições e restrições impostas pelos §§ 3º e 4º do mesmo dispositivo, e são apreciadas, em sessão conjunta e nos termos do regimento interno, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional.

As emendas ao projeto da LDO devem ser compatíveis com o PPA. No mesmo sentido, a emendas ao projeto da LOA têm de ser compatíveis com o PPA e com a LDO, além de indicar os recursos necessários para viabilizar a alteração, admitindo-se, entretanto, apenas os recursos provenientes de anu-lação de despesas, sendo vedada esta indicação sobre as dotações para pessoal e seus encargos; serviços da dívida; transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal. Também é possível apresentar emendas para corrigir questões redacionais, erros ou omissões161.

Também é atribuição da Comissão Mista desempenhar inúmeras funções na seara do controle orçamentário, incluindo o exame e parecer sobre as con-tas apresentadas anualmente pelo Presidente da República e também exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária sem prejuízo da atuação das demais comissões temporárias ou permanentes.

Sem dúvida, a Constituição conferiu amplos poderes à citada Comissão Mista, o que tem sido objeto de muitas críticas por parte de especialistas na matéria, como o professor Ricardo Lobo Torres162, que assevera de forma contundente:

O relevo atribuído à Comissão Mista do Congresso foi um dos gran-des equívocos da Constituição Orçamentária de 1988. (...) A Comissão Mista do Congresso Nacional, com superpoderes, foi causa direta dos escândalos apurados em 1993, com a dilapidação de recursos públicos promovida principalmente pelos deputados e senadores que a compu-

160. O §5º do artigo 166 da CR-88 au-toriza o Presidente da República enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos a que se refere o artigo “enquanto não ini-ciada a votação, na Comissão mista, da parte cuja alteração é proposta”.

161. (artigo 166, §3º, I, II e III da CR-88).

162. TORRES. Op.cit. p.437-438.

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FGV DIREITO RIO 69

163 TORRES. Op.cit. p.49.

164 FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LI-MONGI, Fernando. Política Orçamen-tária no Presidencialismo de coali-zão. Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2008. p.19.

nham. No relatório final da CPI o seu Presidente, Deputado Roberto Magalhães, disse que a Comissão Mista do Orçamento, ao longo dos anos, “granjeou a desestima e a indignada rejeição da sociedade” e de-nunciou três esquemas de manipulação do orçamento: o das emendas, o das empreiteiras e o das subvenções sociais. Nenhuma conseqüência teve aquele relatório, pois no ano de 2006 surgiram novos escânda-los fundados no poder de emendar orçamento, que ficaram conhe-cidos como “vampiros” e “sanguessugas”. (grifo nosso)

A raiz do problema, conforme identificado pelo ilustre jurista163, é de na-tureza jurídico-política e reflete a distorção do nosso sistema, que adotou “o modelo de orçamento próprio do parlamentarismo praticado na França e na Alemanha dentro de uma estrutura política presidencialista! A Lei de Diretri-zes Orçamentárias e a Comissão Mista do Congresso Nacional, por exemplo, são figuras típicas do regime parlamentarista, que nem a martelo se adaptam ao presidencialismo!”.

Em linha de pensamento diversa, sem identificar a apontada desconexão estrutural do sistema de governo adotado e de distribuição de funções entre os Poderes, Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi164 sustentam que, a partir da Resolução nº 2 de 1995, o Congresso se auto-limitou, não havendo razões para suprimir a interferência parlamentar no processo orça-mentário:

As alterações no processo de apreciação e votação do orçamento adotada a partir de 1995 tornaram-no mais transparente, mais facil-mente controlado pelos partidos, mais dependente de decisões coletivas e, principalmente, impuseram limites claros e significativos à atuação individual dos parlamentares. As emendas individuais não são privile-giadas pelo próprio legislativo e representam uma pequena parcela da intervenção legislativa no orçamento aprovado. As emendas coletivas e de relatorias apropriaram-se da maior parcela dos recursos alocados e são aprovadas segundo preceitos estritos. Em poucas palavras, para salvaguardar sua prerrogativa de participar do processo orçamentário, o Congresso se viu forçado a atar as próprias mãos. As decisões que real-mente afetam — ou podem afetar — o perfil do orçamento são tomadas pelo relator-geral e pelos relatores adjuntos, selecionados entre os mem-bros dos partidos da base do governo. Isto é, a apreciação congressual do orçamento é altamente centralizada e segue linhas partidárias. Por todas as razões expostas, a nosso ver, os direitos parlamentares de alteração da proposta orçamentária do Executivo não devem ser restringidos, ou praticamente anulados, como alguns pregam, acreditamos inadvertida-mente. A corrupção e o desvio de verbas públicas não ocorrem porque

163. TORRES. Op.cit. p.49.

164. FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando. Política Or-çamentária no Presiden-cialismo de coalizão. Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2008. p.19.

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FGV DIREITO RIO 70

165 BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.050-MC. Julga-mento em 21.09.2004. Brasília. Dispo-nível em: < http://www.stf.gov.br >. Acesso em 26.05.2008.

o Congresso participa do processo orçamentário. Tampouco dependem da forma pela qual essa participação se dá desde 1995. A raiz do proble-ma não está no Congresso, mas evidente que sua participação na elabo-ração do orçamento pode ser aperfeiçoada e que esse aperfeiçoamento pode contribuir para reduzir a corrupção. Mas, se isso vier a ocorrer, com certeza não será via restrição da participação congressual no pro-cesso. Pelo contrário, parece-nos líquido e certo que a corrupção só terá a ganhar se a participação do Congresso for limitada.

As divergentes perspectivas da matéria revelam a complexidade da ques-tão, podendo-se advogar e sustentar diferentes pesos e ponderações na parti-cipação de cada Poder. O núcleo central do problema, entretanto, é realmen-te de natureza jurídico-política, na medida em que se refere à definição dos modelos e interconexões entre: (1) o sistema de governo parlamentarismo-presidencialismo de um lado e, de outro, (2) o sistema de distribuição de funções entre os Poderes no que se refere à matéria orçamentária. O desafio central, entretanto, não diz respeito apenas à difícil escolha e implementação de um modelo de distribuição de funções e orçamento (impositivo-autori-zativo) que aumente a estabilidade política, impõe-se, no mundo atual, que seja contemplada, ao mesmo tempo, a ampla e transparente participação da sociedade no processo e que se reduza ao máximo a possibilidade de desvios.

Importante destacar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ex-pressa na ADI 1.050-MC165, quanto ao poder de emenda parlamentar — no contexto do modelo constitucional híbrido atual, de natureza presidencialis-ta, compreendendo a possibilidade de o parlamento apresentar emendas aos projetos das leis orçamentárias, ao lado da natureza híbrida fixada pela LDO para 2014 no que se refere ao orçamento anual relativamente às despesas-:

O poder de emendar projetos de lei — que se reveste de natureza eminentemente constitucional — qualifica-se como prerrogativa de or-dem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 — RTJ 37/113 — RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitu-cionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min. Celso de Mello), desde que — respeitadas as limitações esta-belecidas na Constituição da República — as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º da Carta

165. BRASIL. Poder Judiciário. Supre-mo Tribunal Federal. aDi 1.050-Mc. Julgamento em 21.09.2004. Bra-sília. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Acesso em 26.05.2008.

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FGV DIREITO RIO 71

Política.” (ADI 1.050-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-9-94, DJ de 23-4-04)

Fixados esses conceitos fundamentais, quanto à iniciativa, elaboração, emendas e votação das três leis orçamentárias, cumpre agora analisar os pra-zos de apresentação e de vigência das mesmas, o que auxiliará a compreensão das funções e dos objetivos de cada qual.

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FGV DIREITO RIO 72

166 De acordo com o artigo 34 da Lei n° 4320/1964: “O exercício financeiro coincidirá com o ano civil”. Período distinto é a sessão legislativa, de que trata o artigo o artigo 57 da CR-88, dis-positivo que estabelece que “o Congres-so Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1 de agosto a 22 de dezembro”. Assim, a legislatura de cada parlamentar do Congresso Nacional é composta de sessões legislativas — quatro sessões para os deputados e oito para os senadores — que se decom-põem cada qual em dois períodos de trabalhos ordinários: até 17 de julho o primeiro período e até 22 de dezembro o segundo período, respectivamente, não coincidindo, dessa forma, como o exercício financeiro de que trata a Lei n° 4.320/1964.

4.3 PrAzos de APresentAção e A vigênciA dAs leis orçAmentáriAs

Estabelece o artigo 165, §9°, I da CR-88, que cabe à lei complementar — norma até hoje não editada — “dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual”. Tendo em vista a inexistência do referido diploma complementar para disciplinar a questão, aplica-se a regra prevista no artigo 35, §2°, do ADCT, que dispõe:

§ 2º — Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:

I — o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do pri-meiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;

II — o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;

III — o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvi-do para sanção até o encerramento da sessão legislativa.

4.3.1 o Plano Plurianual (PPa)

Relativamente ao PPA, disciplinado no inciso I do transcrito §2° artigo 35 do ADCT, dois aspectos devem ser salientados para a definição do prazo de vigência da lei e do encaminhamento do Projeto do PPA pelo Executivo: (1) o mandato presidencial; e (2) o encerramento da sessão legislativa.

O artigo 82 da CR-88, com a sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997, estabelece que “o mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua elei-ção”. Assim, o mandato presidencial coincide com o exercício financeiro.166

Já a sessão legislativa, nos termos do artigo 57 da CR-88, com a sua reda-ção conferida pela Emenda Constitucional nº50 de 2006, se encerra em 22 de dezembro.

Desta forma, visando à continuidade das ações estatais no médio prazo (período de quatro anos), a lei do plano plurianual possui vigência por quatro anos, os quais englobam os três últimos do governo de determinado Chefe do

166. De acordo com o artigo 34 da Lei n° 4320/1964: “O exercício financeiro coincidirá com o ano civil”. Período distinto é a sessão legislativa, de que trata o artigo o artigo 57 da CR-88, dispositivo que estabelece que “o Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1 de agosto a 22 de dezembro”. As-sim, a legislatura de cada parlamentar do Congresso Nacional é composta de sessões legislativas - quatro sessões para os deputados e oito para os sena-dores - que se decompõem cada qual em dois períodos de trabalhos ordiná-rios: até 17 de julho o primeiro período e até 22 de dezembro o segundo perí-odo, respectivamente, não coincidindo, dessa forma, como o exercício financei-ro de que trata a Lei n° 4.320/1964.

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FGV DIREITO RIO 73

Poder Executivo e o primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, período dentro do qual, até 31 de agosto, deve o presidente seguinte encaminhar o seu projeto de PPA para ter vigência nos três anos restantes de seu governo e no primeiro ano do mandato presidencial subse-qüente e assim sucessivamente.

A ilustração a seguir apresentada auxilia a compreensão da questão:

Mandato Presidencial inicial Mandato Presidencial seguinte Mandato subseqüente

Quadriênio 2003-2006 Quadriênio 2007-2010 Quadriênio 2011-2014

Vigência do PPA 2004 – 2007 Vigência do PPA 2008-2011 Vigência do PPA 2012-2015 Lei 10.933, de 11 de agosto de

2004 Lei nº 11.653, de 07 de abril de

2008 Lei nº 12.593, de 18 de janeiro

de 2012

22 de dezembro

31 de agosto p/ envio do Projeto de PPA

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

31 de agosto p/ envio do Projeto de PPA

22 de dezembro

2012 2013 2014 2015

31 de agosto p/ envio do Projeto de PPA

22 de dezembro

No dia 20.12.2011 o Plenário do Congresso Nacional aprovou o projeto de lei (PLN 29/11), que contém o Plano Plurianual para o período de 2012 a 2015, tendo sido a Lei nº 12.593, de 18 de janeiro de 2012, sancionada e publicada no dia 19.01.2012.

Saliente-se que a data da sanção presidencial à Lei n° 10.933 e à Lei nº 11.653 — as quais aprovaram o PPA para o quadriênio 2004-2007 e 2008-2011, dia 11 de agosto e dia 07 de abril, respectivamente — revelam que, na prática, nenhum desses dois projetos retornou ao Chefe do Executivo antes de encerrada a sessão legislativa (22 de dezembro), consoante requisito fixado na parte final do transcrito inciso I do §2° do artigo 35 do ADCT, tendo em vista o prazo constitucional de quinze dias que o Presidente da República possui para sancionar ou vetar projeto de lei, a teor do artigo 66 da CR-88 combinado com o artigo 166, §7° da CR-88. Em face da complexidade que envolve o PPA, e tendo em vista as peculiaridades quanto à sua eficácia, conforme será visto a seguir, a Constituição não estabeleceu conseqüências práticas à sua não aprovação e devolução ao Poder Executivo fora do prazo determinado, ao contrário do que ocorre com a LDO, consoante o disposto no artigo 57, §2° da CR-88, o qual dispõe que a “sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias.”

No que se refere à aplicabilidade da regra do transcrito artigo 35, §2° do ADCT aos Estados, Distrito Federal e Municípios, é importante destacar que, por meio da Mensagem nº 627/2000, o Poder Executivo da União ve-tou a integralidade do artigo 3º e o §7° do artigo 5º da Lei Complementar nº 101/2000, nos termos aprovados pelo Congresso Nacional, os quais dis-punham sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a

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FGV DIREITO RIO 74

organização do plano plurianual e da lei orçamentária anual, regras que vin-culariam todos os entes da Federação. O exame das razões de veto permite o entendimento das especificidades e complexidade da vinculação absoluta dos Estados, Distrito Federal e Municípios às regras adotas em âmbito federal:

Razões do veto“Art. 3o

Art. 3o O projeto de lei do plano plurianual de cada ente abrangerá os respectivos Poderes e será devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa.

§ 1o Integrará o projeto Anexo de Política Fiscal, em que serão es-tabelecidos os objetivos e metas plurianuais de política fiscal a serem alcançados durante o período de vigência do plano, demonstrando a compatibilidade deles com as premissas e objetivos das políticas econô-mica nacional e de desenvolvimento social.

§ 2o O projeto de que trata o caput será encaminhado ao Poder Le-gislativo até o dia trinta de abril do primeiro ano do mandato do Chefe do Poder Executivo.

Razões do vetoO caput deste artigo estabelece que o projeto de lei do plano pluria-

nual deverá ser devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa, enquanto o § 2º obriga o seu envio, ao Poder Legislativo, até o dia 30 de abril do primeiro ano do mandato do Chefe do Poder Executivo. Isso representará não só um reduzido perí-odo para a elaboração dessa peça, por parte do Poder Executivo, como também para a sua apreciação pelo Poder Legislativo, inviabilizando o aperfeiçoamento metodológico e a seleção criteriosa de programas e ações prioritárias de governo.

Ressalte-se que a elaboração do plano plurianual é uma tarefa que se estende muito além dos limites do órgão de planejamento do governo, visto que mobiliza todos os órgãos e unidades do Executivo, do Legis-lativo e do Judiciário. Além disso, o novo modelo de planejamento e gestão das ações, pelo qual se busca a melhoria de qualidade dos servi-ços públicos, exige uma estreita integração do plano plurianual com o Orçamento da União e os planos das unidades da Federação.

Acrescente-se, ainda, que todo esse trabalho deve ser executado justamente no primeiro ano de mandato do Presidente da República, quando a Administração Pública sofre as naturais dificuldades decor-rentes da mudança de governo e a necessidade de formação de equipes com pessoal nem sempre familiarizado com os serviços e sistemas que devem fornecer os elementos essenciais para a elaboração do plano.

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FGV DIREITO RIO 75

Ademais, a fixação de mesma data para que a União, os Estados e os Municípios encaminhem, ao Poder Legislativo, o referido projeto de lei complementar não leva em consideração a complexidade, as pe-culiaridades e as necessidades de cada ente da Federação, inclusive os pequenos municípios.

Por outro lado, o veto dos prazos constantes do dispositivo traz con-sigo a supressão do Anexo de Política Fiscal, a qual não ocasiona pre-juízo aos objetivos da Lei Complementar, considerando-se que a lei de diretrizes orçamentárias já prevê a apresentação de Anexo de Metas Fiscais, contendo, de forma mais precisa, metas para cinco variáveis — receitas, despesas, resultados nominal e primário e dívida pública —, para três anos, especificadas em valores correntes e constantes.

Diante do exposto, propõe-se veto ao art. 3o, e respectivos parágra-fos, por contrariar o interesse público.

§ 7o do art. 5o § 7o O projeto de lei orçamentária anual será encaminhado ao Poder

Legislativo até o dia quinze de agosto de cada ano.Razões do vetoA Constituição Federal, no § 2º do art. 35 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, determina que, até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, o projeto de lei orçamentária da União seja encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro. Estados e Municípios possuem prazos de encaminhamento que são determinados, respectivamen-te, pelas Constituições Estaduais e pelas Leis Orgânicas Munici-pais.

A fixação de uma mesma data para que a União, os Estados e os Municípios encaminhem, ao Poder Legislativo, o projeto de lei orçamentária anual contraria o interesse público, na medida em que não leva em consideração a complexidade, as particularidades e as necessidades de cada ente da Federação, inclusive os pequenos municípios.

Além disso, a fixação de uma mesma data não considera a depen-dência de informações entre esses entes, principalmente quanto à esti-mativa de receita, que historicamente tem sido responsável pela prece-dência da União na elaboração do projeto de lei orçamentária.

Por esse motivo, sugere-se oposição de veto ao referido parágrafo.”

Nesse contexto, pode-se concluir que os entes federados subnacionais podem estabelecer sistemáticas distintas quanto ao prazo de apresenta-ção dos projetos de leis orçamentárias.

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FGV DIREITO RIO 76

167 artigo 4 º, III, f, da Lei nº 10.257/2001.

168 HARADA. Op.cit. p.59.

169 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo. Atlas, 2005.p.623.

No que se refere aos Municípios é importante destacar, ainda, com base no artigo 44 da Lei nº 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, a existência da gestão orçamentária participativa, instrumento de planejamen-to municipal, o qual inclui:167

a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as pro-postas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do or-çamento anual, como condição obrigatória para a sua aprovação pela Câmara Municipal. (grifo nosso)

Já no âmbito federal e estadual não é obrigatória a adoção do princípio da gestão orçamentária participativa, especialmente em razão “da notória difi-culdade de os membros da comunidade dirigirem-se às Casas Legislativas estaduais e ao Parlamento Nacional”, conforme pontua Harada.168

4.3.2 a lei de diretrizes orçamentárias (ldo)

De volta à análise dos prazos para a apresentação, aprovação e devolução da lei de diretrizes orçamentárias, disciplinada no supratranscrito inciso II do §2° do artigo 35 do ADCT, constata-se que o projeto da lei de diretrizes orçamentárias (LDO) deve ser encaminhado até 15 de abril de cada ano (oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro) e devolvido para a sanção do Chefe do Poder Executivo até o dia 17 de julho, termo de encerramento do primeiro período da sessão legislativa, consoante o dis-posto no citado artigo 57 da CR-88.

Nos termos já destacados, em sentido diverso da inexistência de disciplina quanto à hipótese de não aprovação e devolução do PPA no prazo fixado, conforme ensina Alexandre de Moraes169, “não há possibilidade de o Con-gresso Nacional rejeitar o projeto de lei de diretrizes orçamentárias, uma vez que a Constituição Federal determina em seu art. 57, §2°, que “a sessão legis-lativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias”.

A ilustração abaixo facilita o entendimento da questão:

167. artigo 4 º, III, f, da Lei nº 10.257/2001.

168. HARADA. Op.cit. p.59.

169. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo. Atlas, 2005.p.623.

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FGV DIREITO RIO 77

170 “Em tese, a LDO deveria ter sido aprovada até julho, sob pena de os parlamentares não poderem entrar em recesso no meio de ano. No en-tanto, como não havia acordo para a sua aprovação, deputados e senadores acabaram tendo um recesso “branco”, quando a Casa continua oficialmente em atividade, mas, na prática, com os trabalhos suspensos.”, segundo notícia disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/congresso--nacional-aprova-lei-de-diretrizes--orcamentarias-de-2015.html.

171 TORRES. . Op.cit. p.85.

172 PASCOAL. Op.cit.p.41.

Mandato Presidencial Quadriênio 2007-2010

Vigência do PPA 2004 – 2007

em 2007

Vigência do PPA 2008-2011 Vigência do PPA 2002 – 2015

em 2012 Lei 10.933/ 2004 Lei nº 11.653/2008 Lei nº 12.593/2012

Sanção da LDO em 13.08.07

Devolução da LDO até 17.07

15 abril p/ envio do Projeto de LDO

2007 2008 2009 2010 2011

Sanção da LDO em 14.08.08

Devolução da LDO até 17.07

15 abril p/ envio do Projeto de LDO

LDO para LOA de 2009 Lei 11.768/08

LDO para LOA de 2008 Lei 11.514/07

LDO para LOA de 2010 Lei 12.017/09

Sanção da LDO em 12.08.09

Devolução da LDO até 17.07

15 abril p/ envio do Projeto de LDO

15 abril p/ envio do Projeto de LDO

LDO para LOA de 2011 Lei 12.309/10

Sanção da LDO em 09.08.10

Devolução da LDO até 17.07

LDO para LOA de 2012 Lei 12.465/11

15 abril p/ envio do Projeto de LDO

Sanção da LDO em 12.08.11

Devolução da LDO até 17.07

2012

15 abril p/ envio do Projeto de LDO

Devolução da LDO até 17.07

LDO para LOA de 2013 Lei 12.708/12

Sanção da LDO em 17.08.12

No que se refere à LDO para LOA de 2015, a sanção presidencial ocorreu somente em 02.01.2015, já tendo iniciado o exercício financeiro, quando o Projeto de Lei nº 03/2014-CN foi convertido na Lei nº 13.080/2015.

Por sua vez, a LDO para a LOA de somente foi sancionada em 26.12.2013, quando o Projeto de Lei nº 02/2013-CN foi convertido na Lei nº 12.919/2013.

Conforme pode ser observado através da comparação com os anos ante-riores, tanto em 2013 como em 2014 os projetos de LDO para a LOA dos exercícios subsequentes (2014 e 2015), encaminhados sempre em abril pelo governo, não foram votados antes do envio do projeto de orçamento, apre-sentado sempre em agosto. Dessa forma, as sessões legislativas não foram in-terrompidas170, já que não tinha ocorrido “a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias”. Ou seja, o Congresso Nacional somente aprovou a proposta para a LDO de 2015 em 17 de dezembro de 2014, quando o orça-mento do ano seguinte já estava em fase avançada de tramitação, apesar de ainda não ter sido aprovado.. A regra do orçamento impositivo, abordada no item 3.2 da aula anterior foi mantida nos mesmos moldes da regra constante da LDO de 2014 (art. 56 da Lei 13.080/2015).

Importante frisar que a vigência da LDO é matéria controvertida, poden-do-se sustentar que a sua vigência é de um ano, pois se trata de mera “orien-tação ou sinalização, de caráter anual, para a feitura do orçamento”, confor-me entende Ricardo Lobo Torres.171 Em sentido diverso, assevera Valdecir Pascoal172 que:

170. “ Em tese, a LDO deveria ter sido aprovada até julho, sob pena de os parlamentares não poderem entrar em recesso no meio de ano. No en-tanto, como não havia acordo para a sua aprovação, deputados e senadores acabaram tendo um recesso “branco”, quando a Casa continua oficialmente em atividade, mas, na prática, com os trabalhos suspensos.”, segundo notícia disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/congresso--nacional-aprova-lei-de-diretrizes--orcamentarias-de-2015.html.

171. TORRES. . Op.cit. p.85.

172. PASCOAL. Op.cit.p.41.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 78

173 DALLARI, Adilson Abreu. Lei Orça-mentária: processo legislativo. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado, nº 129. p. 159.

Mesmo que alguns autores falem de vigência anual da LDO, isso, a rigor, não é correto. Valendo-nos do conceito jurídico de vigência, há que se concluir que a LDO vigora por mais de um ano. Normalmente é aprovada em meados do exercício financeiro, orientando a elabora-ção da LOA no segundo semestre e continuando em vigor até o final do exercício financeiro subseqüente. Diga-se, contudo, que, embora a vigência formal seja maior que um ano, a LDO traça as metas e as prio-ridades da Administração apenas para o exercício subseqüente.

4.3.3 o ProJeto de lei orçamentária anual (loa)

O projeto da lei orçamentária anual (LOA) da União, por sua vez, nos termos do inciso III do artigo 35, §2° do ADCT, deve ser encaminhado até o dia 31 de agosto (até quatro meses antes do encerramento do exercício fi-nanceiro) e devolvido para sanção até 22 de dezembro, data do encerramento da sessão legislativa. Assim, o prazo para o envio do projeto da LOA pelo Chefe do Poder Executivo e de devolução pelo Poder Legislativo para o Poder Executivo são iguais àqueles determinados para o PPA, com a diferença de que o prazo de vigência deste é quadrienal, ou seja, até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, enquanto a lei do orçamento tem vigência anual.

O que ocorre se o projeto da LOA não for votado pelo Poder Legislativo no prazo consignado ou o mesmo for rejeitado?

A possibilidade de (1) rejeição do projeto de lei orçamentária, bem como a possibilidade de (2) não devolução do projeto de LOA pelo Poder Legisla-tivo serão analisadas a seguir.

A interpretação do artigo 166, §8° da CR-88, consoante sustenta Ale-xandre de Moraes, “permite concluir pela possibilidade de rejeição total ou parcial do projeto” de lei do orçamento anual, tendo em vista a literalidade do dispositivo, o qual declara que:

§ 8º — Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou re-jeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa. (grifo nosso)

Em sentido diverso, adverte Adilson Abreu Dallari173, sob pena de parali-sação da máquina estatal, não ser possível rejeição total do projeto da lei or-çamentária anual, pois:

173. DALLARI, Adilson Abreu. Lei Orçamentária: processo legislativo. Revista de informação le-gislativa. Brasília: Senado, nº 129. p. 159.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 79

174 PASCOAL. Op.cit.p.52-53.

175 DE OLIVEIRA. Op.cit.p.83.

176 DA SILVA, José Afonso. Curso de Di-reito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo. Malheiros, 2000. p.722.

se a Constituição restringe o poder de emenda, que somente pode ser exercido dentro de certos limites, evidentemente proíbe, implicita-mente, a emenda total, radical modificadora absoluta do texto inicial-mente proposto. (...) Em resumo, ao dever imposto pela Constituição ao Chefe do Poder Executivo de elaborar e enviar o projeto de lei or-çamentária corresponde o dever imposto ao Legislativo de examiná-lo, alterá-lo (se for o caso) e aprová-lo, sem possibilidade de rejeição total.

Valdecir Pascoal174, por outro lado, esclarece que:

Há quase um consenso na doutrina acerca da impossibilidade ju-rídica de o Poder Legislativo rejeitar o PPA e a LDO. Primeiro, por-que a CF não previu essa possibilidade, uma vez que estabeleceu, no artigo 35 do ADCT, que ambas as leis devem ser devolvidas ao Poder Executivo para SANÇÃO. Se o legislador mencionou apenas a possibi-lidade de sanção fica afastada a possibilidade de rejeição, uma vez que não cabe sancionar o que foi rejeitado. O segundo argumento toma por base o disposto no artigo 57, § 2º segundo o qual a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação da LDO. Não obstante, o mes-mo raciocínio — no sentido de impossibilidade de rejeição — não pode ser empregado em relação ao projeto de LOA. É que neste caso, a própria CF/88 previu tal possibilidade ao assinalar em seu artigo 166, §8°, que: (...) (grifo nosso)

Importante destacar que o artigo 66 da Constituição de 1967/69 discipli-nava, expressamente, a hipótese da não devolução do projeto de lei do orça-mento anual pelo Congresso Nacional, para a sanção do Presidente da Repú-blica, determinando que “se, até trinta dias antes do encerramento do exercício financeiro, o Poder Legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei”. Conforme ensina Regis Fernandes de Oliveira175, à época “enten-dia-se que a disposição valia tanto para a hipótese de não devolução, como para a de rejeição”. Aduz ainda Regis Fernandes sobre o tema que:

a Constituição do Estado de São Paulo de 1969 dispôs que ‘rejeita-do o projeto subsistirá a lei orçamentária anterior’. Houve julgamento que assim determinou (RF 207/211). O problema foi levado ao Su-premo Tribunal Federal que entendeu inconstitucional o dispositivo (RDA 112/263). Afirmou-se que a solução seria a de se entender não devolvido o projeto enviado ao Congresso Nacional.

José Afonso da Silva176 apresenta a solução que entende determinada na própria Carta Magna atual para o problema:

174. PASCOAL. Op.cit.p.52-53.

175. DE OLIVEIRA. Op.cit.p.83.

176. DA SILVA, José Afonso. curso de Direito constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo. Malhei-ros, 2000. p.722.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 80

177 Considerando a inexistência de regramento expresso, qual seria a solução para a cobrança dos tributos caso vigente no sistema constitucional brasileiro o princípio da anualidade tributária?

178 Dois modelos são possíveis para re-solver a questão: (1) a prorrogação do orçamento em vigor, solução adotada no Brasil nas Constituições de 1934 (artigo 50, § 5°) e 1946 (artigo 74); ou (2) considerar aprovado o projeto de orçamento, hipótese agasalhada pelas Constituições de 1937 (artigo 72, d) e 1967/69 (artigo 66).

A conseqüência mais séria da rejeição do projeto de lei orçamen-tária anual é que a Administração fica sem orçamento, pois não pode ser aprovado outro. Não é possível elaborar orçamento para o mes-mo exercício financeiro. A Constituição dá solução possível e plausível dentro da técnica do direito orçamentário: as despesas, que não podem efetivar-se senão devidamente autorizadas pelo Legislativo, terão que ser autorizadas prévia e especificamente, caso a caso, mediante leis de abertura de créditos especiais.

Assim, na hipótese de rejeitada a LOA pelo Poder Legislativo, a aplicação dos recursos públicos e a realização de despesas somente será possível por meio de créditos adicionais, nos termos disciplinados pela própria Consti-tuição (artigo 167, V), isto é: créditos suplementares, caso a rejeição parla-mentar seja parcial, ou créditos especiais, na hipótese de rejeição parcial ou total, toda elas, entretanto, a exigir autorização legislativa, conforme será estudado na próxima aula.

Por fim, impõe-se destacar que não é disciplinada177 pela atual Constituição178, ao contrário da Constituição de 1967/69, a hipótese de o Poder Legislativo não devolver o projeto de lei orçamentária anual para a apreciação pelo Poder Exe-cutivo — sanção ou veto — no prazo determinado, até 22 de dezembro, confor-me estatuído no citado inciso III do artigo 35, §2° do ADCT, nos termos já sa-lientados. É possível, portanto, a anomia orçamentária, isto é, o início do exercício financeiro sem a aprovação formal da lei orçamentária anual pelo Con-gresso Nacional, tendo em vista não haver regra aplicável à LOA análoga àquela disciplinadora da hipótese para a LDO — caso no qual a sessão legislativa não é interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes — conforme já sa-lientado. A questão chegou a ser disciplinada no artigo 6° da Lei Complementar n° 101/2000, no entanto, o dispositivo foi vetado, como se constata pelas escla-recedoras razões a seguir aduzidas por meio da Mensagem nº 627/2000:

Razões do vetoParcela significativa da despesa orçamentária não tem sua exe-

cução sob a forma de duodécimos ao longo do exercício financeiro. Assim, a autorização para a execução, sem exceção, de apenas dois doze avos do total de cada dotação, constante do projeto de lei orçamentá-ria, caso não seja ele sancionado até o final do exercício de seu enca-minhamento ao Poder Legislativo, poderá trazer sérios transtornos à Administração Pública, principalmente no que tange ao pagamento de salários, aposentadorias, ao serviço da dívida e as transferências consti-tucionais a Estados e Municípios.

177. Considerando a inexistência de regramento expresso, qual seria a so-lução para a cobrança dos tributos caso vigente no sistema constitucional bra-sileiro o princípio da anualidade tributária?

178. Dois modelos são possíveis para resolver a questão: (1) a prorrogação do orçamento em vigor, solução adotada no Brasil nas Constituições de 1934 (artigo 50, § 5°) e 1946 (artigo 74); ou (2) considerar aprovado o projeto de orçamento, hipótese agasalhada pelas Constituições de 1937 (artigo 72, d) e 1967/69 (artigo 66).

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 81

Por outro lado, tal comando tem sido regulamentado pela lei de diretrizes orçamentárias, que proporciona maior dinamismo e fle-xibilidade em suas disposições.

Na ausência de excepcionalidade, o dispositivo é contrário ao inte-resse público, razão pela qual sugere-se oposição de veto, no propósito de que o assunto possa ser tratado de forma adequada na lei de diretri-zes orçamentárias.

Realmente, a matéria tem sido disciplinada, ano após ano, nas leis de dire-trizes orçamentárias – LDO, conforme destacado nas razões de veto em face da constante omissão do próprio Poder Legislativo, relativamente à devolu-ção do projeto da LOA até 22 de dezembro nos termos constitucionalmente determinados. Nesse sentido, tendo em vista que a LOA para o exercício de 2015 não foi aprovada até o final do exercício financeiro de 2014, aplica-se o disposto no artigo 53 da Lei nº 13.080/2015 (LDO), norma que estabelece as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015 e disciplina in verbis:

Art. 53. Se o Projeto de Lei Orçamentária de 2015 não for sancio-nado pelo Presidente da República até 31 de dezembro de 2014, a pro-gramação dele constante poderá ser executada para o atendimento de:

I — despesas com obrigações constitucionais ou legais da União relacionadas na Seção I do Anexo III;

II — bolsas de estudo no âmbito do Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico — CNPq, da Fundação Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, bolsas de residência médica e do Programa de Educação Tutorial — PET, bolsas e auxílios educacionais dos programas de formação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação — FNDE, bolsas para ações de saú-de da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares — EBSERH e Hos-pital de Clínicas de Porto Alegre — HCPA, bem como Bolsa-Atleta e bolsas do Programa Segundo Tempo;

III — pagamento de estagiários e de contratações temporárias por excepcional interesse público na forma da Lei no 8.745, de 9 de de-zembro de 1993;

IV — ações de prevenção a desastres classificadas na subfunção De-fesa Civil;

V — formação de estoques públicos vinculados ao programa de ga-rantia dos preços mínimos;

VI — realização de eleições e continuidade da implantação do sistema de automação de identificação biométrica de eleitores pela Justiça Eleitoral;

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 82

VII — importação de bens destinados à pesquisa científica e tec-nológica, no valor da cota fixada no exercício financeiro anterior pelo Ministério da Fazenda;

VIII — concessão de financiamento ao estudante;IX — ações em andamento decorrentes de acordo de cooperação

internacional com transferência de tecnologia;X — dotações destinadas à aplicação mínima em ações e serviços

públicos de saúde, classificadas com o Identificador de Uso 6 (IU 6);XI — despesas a que se refere o anexo previsto no art. 93 desta Lei,

a partir da eficácia das respectivas leis; eXII — outras despesas correntes de caráter inadiável, até o limite de

um doze avos do valor previsto, multiplicado pelo número de meses decorridos até a publicação da respectiva Lei.

§ 1o Considerar-se-á antecipação de crédito à conta da Lei Orça-mentária de 2015 a utilização dos recursos autorizada neste artigo.

§ 2o Os saldos negativos eventualmente apurados entre o Projeto de Lei Orçamentária de 2015 enviado ao Congresso Nacional e a respecti-va lei serão ajustados, considerando-se a execução prevista neste artigo, por decreto do Poder Executivo, após a sanção da Lei Orçamentária de 2015, por intermédio da abertura de créditos suplementares ou espe-ciais, mediante remanejamento de dotações, até o limite de 20% (vinte por cento) da programação objeto de cancelamento, desde que não seja possível a reapropriação das despesas executadas.

§ 3o Aplica-se, no que couber, o disposto no art. 38 aos recursos liberados na forma deste artigo.

O Decreto nº 8.389/2015, expedido em 07 de janeiro de 2015, dispõe acerca da execução orçamentária no âmbito do Poder Executivo até a pu-blicação da LOA de 2015, a qual tem previsão de votação para fevereiro de 2015. Tal decreto promoveu, no âmbito do Executivo, uma limitação ainda maior para as despesas previstas no aritgo 53, inciso XII, da LDO 2015, vez que, embora haja permissão para despesas até 1/12 (um doze avos) do valor previsto, os órgãos, fundos e entidades do Poder Executivo só poderão empe-nhar 1/18 (um dezoito avos) deste valor.

Destaque-se que, diferentemente do orçamento do exercício de 2008, 2010, 2011,2012, 2014 e 2015, a LOA do exercício de 2009 foi aprovada, sancionada e publicada ainda no exercício de 2008 (Lei nº 11.897, de 30 de dezembro de 2008).

O quadro abaixo apresenta resumo do que foi até aqui exposto quanto aos prazos de envio das leis orçamentárias pelo Poder Executivo e devolução pelo Poder Legislativo:

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 83

Projeto de lei

(1)Prazo de envio pelo Poder Exe-

cutivo ao Poder legislativo

(2)Prazo de devolução pelo

Poder legislativo ao Poder Executivo

Fundamento normativo

(1.1)Termo final

(1.2) se não cumprido o

prazo

(2.1)Termo final

(2.2) se não cumprido o

prazo

PPa

31 deagosto

“encaminhado até quatro

meses antes do encerra-

mento do pri-meiro exercí-

cio financeiro”

Crime de res-ponsabilidade

22 deDezembro

“devolvido para sanção até o encerramen-to da sessão legislativa”

Sem previsão

(1.1 e 2.1) artigo 35, §2°, I, do ADCT

(1.2) artigo 84, XXIII, caput do artigo 165 e artigo 166, §6°, c/c art. 85, VI da CR-88,

art. 10, 1, da Lei 1.079/50 ou Decre-

to-lei 201/67

lDO

15 deabril

“encaminha-do até oito

meses e meio antes do

encerramento do exercício financeiro”

Crime de res-ponsabilidade

17 deJulho

“devolvido para sanção até o

encerramento do primeiro período da

sessão legisla-tiva”

Sessão legis-lativa não se interrompe

(1.1 e 2.1) artigo 35, §2°, II, do ADCT

(1.2) artigo 84, XXIII, caput do artigo 165 e artigo 166, §6°, c/c art. 85, VI da CR-88,

art. 10, 1, da Lei 1.079/50

(2.2) artigo 57, §2°, da CR-88,

lOa

31 deagosto

“encaminhado até quatro me-

ses antes do encerramento

do exercício financeiro”

Crime de res-ponsabilidadee será consi-derada como

“proposta a Lei de Orçamento

vigente”

22 de dezem-bro

“devolvido para sanção até o encerramen-to da sessão legislativa”

Sem previsão expressa.

Na prática a matéria

vem sendo disciplinada

na LDO, todos os anos.

(1.1 e 2.1) artigo 35, §2°, II, do ADCT

(1.2) artigo 84, XXIII, caput do artigo 165 e artigo 166, §6°, c/c art. 85, VI da CR-88,

art. 10, 1, da Lei 1.079/50 ou Decre-

to-lei 201/67 c/c Art. 32 da Lei 4.320/64

(2.2) artigo 72 da Lei 11.514/2007 (LDO

para 2008)

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 84

179 O artigo 2º consagra expressamente os princípios orçamentários da “unida-de, universalidade e anualidade”

180 Dispões o art. 56, verbis: “O reco-lhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio da unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.”

AulA 5 — os PrincíPios orçAmentários

Os princípios, ao lado das regras, consubstanciam normas jurídicas, os quais, a despeito de seu alto grau de abstração e generalidade, direcionam os diversos sistemas normativos (Constitucional, Civil, Penal, Tributário, Fi-nanceiro etc.). O Direito Financeiro, como ramo autônomo do Direito, tam-bém é regido por um conjunto de princípios e regras. A Constituição da República de 1988 em conjunto com a Lei n° 4.320/64179 estabelecem vários princípios, os quais se vinculam e formam também um conjunto. Apenas a título de exemplo estudaremos alguns, vez que o rol não é taxativo, sendo, pois, numerus apertus:

1. Princípio da Unidade: consiste na proibição de mais de uma lei orça-mentária em cada ente da Federação em dado exercício financeiro, haja vista a unicidade finalística do orçamento. Nesse sentido, ainda que a CR/88 em seu art. 165,§5º, conforme já destacado, disponha que a lei orçamentária compreenderá o orçamento fiscal, o orçamento de investimento e o orçamen-to da Seguridade Social, todas as receitas e despesas, ainda que constantes de três peças orçamentárias distintas, devem constar de uma única (unidade) lei orçamentária, sendo possível, dessa forma, uma visão global e consolida-da do desempenho das finanças públicas do ente federado como um todo, o que facilita a sua fiscalização e controle. Portanto, pressupõe e introduz o princípio geral da unidade de caixa ou de tesouraria, previsto no artigo 56 da Lei n° 4.320/64180, o qual será objeto de estudo na aula pertinente às re-ceitas públicas.

2. Princípio da Universalidade: O princípio da universalidade prescreve que a Lei orçamentária única (princípio da unidade) deve incorporar todas as receitas e despesas, ou seja, nenhuma instituição pública do ente federado, compreendendo todas as entradas e saídas de recursos financeiros, deve ficar de fora do orçamento da unidade política respectiva (União, Estados, Distri-to Federal e Municípios). Nesse sentido os artigos 3° e 4° da Lei n° 4.320/64 estabelecem que: “A Lei do Orçamento compreenderá todas as receitas, in-clusive as operações de crédito autorizadas em lei” e “A Lei do Orçamento compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo (...)”

3. Princípio do Orçamento bruto: Segundo essa norma-princípio, todas (princípio da universalidade) as receitas e despesas constantes da lei orçamen-tária única (princípio da unidade) devem ser consignadas pelos seus valores brutos, qualquer que seja sua natureza ou o seu destino, isto é, independen-temente de sua origem e de qual será a sua aplicação efetiva. Esse princípio encontra positivado no art. 6º, da Lei n° 4.320/64, o qual estabelece: “todas

179. O artigo 2º consagra expressa-mente os princípios orçamentários da “unidade, universalidade e anualidade”

180. Dispões o art. 56, verbis: “O recolhimento de todas as receitas far--se-á em estrita observância ao prin-cípio da unidade de tesou-raria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.”

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 85

181 Veja em nota de rodapé da Aula 2 quanto à possibilidade de utilização da déficits públicos eventuais, como política anticíclica em função de con-junturas econômicas recessivas ou de crise sistêmica.

182 TORRES, Ricado Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: o orçamento da Constitui-ção. Vol. V. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007. p. 173-174.

as receitas e despesas devem constar de lei orçamentária e de créditos adicio-nais pelos valores brutos, vedadas as deduções”.

4. Princípio da Exclusividade: está contemplado no art. 165, §8º, da Carta de 1988, e prescreve que a lei orçamentária deve conter apenas ma-téria de direito financeiro e orçametária, permitindo, a título de exceção, a abertura de créditos suplementares, a serem estudados na próxima aula, e a contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receitas, matérias a serem apresentadas na Aula 7. Não cabe, portanto, as denomina-das caudas orçamentárias, assim intituladas pelas inúmeras tentativas de se incluir nos orçamentos matérias não relacionadas às questões exclusivamente orçamentárias (art. 165, §8º).

5. Princípio da Especificação (discriminação, especialização): consiste na proibição de dotações globais e genéricas, impondo, com isso, que a lei orçamentária discrimine a despesa por elementos. Tal princípio encontra-se positivado nos artigos 5º e 15 da Lei n° 4.320/64. Dessa forma, é possível saber, pormenorizadamente as origens e as aplicações dos recursos, o que fa-cilita o controle e a gestão dos recursos públicos e limita a flexibilidade e arbí-trio dos executores do orçamento, em especial o Poder Executivo, responsável pela execução da maior parcela, o que confe maior segurança à sociedade e ao Poder Legislativo. Há, no entanto, algumas exceções, como, por exemplo, as reservas de contingência (disciplinada nos termos do artigo 5º, III, da LRF e nas respectivas leis de diretrizes orçamentárias) e programas especiais de tra-balho (art. 20, parágrafo único c/c art. 22, IV, da Lei n° 4.320/64).

6. Princípio da Programação: é um enunciado normativo decorrente do processo natural de planejamento das ações e dos planos de governo, segundo o qual, a elaboração e a aprovação do orçamento devem observar o PPA e a LDO.

7. Princípio do Equilíbrio Orçamentário: Vincula-se ao fato de que a fixação de despesas deve observar as receitas estimadas, visando evitar déficit público estrutural181 (despesas maiores do que as receitas). Preceitua Ricardo Lobo Torres182:

Equilíbrio orçamentário é a equalização de receitas e gastos, har-monia entre capacidade contributiva e legalidade e entre distribuição de rendas e desenvolvimento econômico (...). O orçamento não se de-sequilibra pela falta de dinheiro, mas pelo desencontro entre valores e princípios jurídicos.

181. Veja em nota de rodapé da Aula 2 quanto à possibilidade de utilização da déficits públicos eventuais, como política anticíclica em função de con-junturas econômicas recessivas ou de crise sistêmica.

182. TORRES, Ricado Lobo. Tratado de Direito constitucional Financeiro e Tributário: o orçamento da Constituição. Vol. V. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007. p. 173-174.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 86

183 Idem. Ibidem. p. 175-176.

184 MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Co-mentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.21.

Embora a CR/88 não contemple expressamente o referido princípio, algu-mas normas determinam a indispensabilidade do controle de gastos, confor-me abaixo explicitado. Quanto à falta de expressa previsão constitucional, Ricardo Lobo Torres183 entende que o princípio do equilíbrio orçamentário:

ainda quando inscrito no texto constitucional, é meramente formal, aberto e destituído de eficácia vinculante: será respeitado pelo legis-lador se enquanto o permitir a conjuntura econômica, mas não está sujeito ao controle jurisdicional. Não pode a Constituição determinar obrigatoriamente o equilíbrio orçamentário, eis que este depende de circunstâncias econômicas aleatórias.

O §1º do artigo 7º da Lei n° 4.320/64 determina que “em casos de déficit, a Lei do Orçamento indicará as fontes de recursos que o Poder Executivo fica autorizado a utilizar para atender à sua cobertura”. Em complemento, o artigo 98 do mesmo diploma legal preceitua que “a dívida fundada compreende os compromissos de exigibilidade superior a doze meses, contraídos para atender”: (1) “a desequilíbrio orçamentário”; “ou” (2) “a financiamento de obras e serviços públicos”. Assim, pela lei, o déficit apurado, pela diferença entre as despesas e receitas, exclui as operações de crédito, pois estas constituem os meios aptos para financiar os déficits orçamentários, consoante o disposto no artigo 98. No entanto, conforme lecionam José Teixeira Machado184 e Heraldo Costa Reis:

é bom que se diga que, por princípio, as leis orçamentárias não de-vem aprovar orçamentos deficitários. Vale a pena lembrar que um dos meios de se evitar os déficits é atualizar anualmente as bases de cálculo das receitas e estabelecer prioridades para os gastos com base em uma programação trimestral, conforme dispõem os art. 47 e 50 desta Lei.

Na prática, as leis orçamentárias, que tratam apenas das estimativas de re-ceitas e da fixação de despesas, têm respeitado aludido princípio, ao prever o total da receita estimada em montante equivalente à despesa fixada, como é o caso, por exemplo, do artigo 1º da Lei nº 12.214, de 26 de janeiro de 2010, (LOA 2010) que dispõe:

Art. 1º Esta Lei estima a receita da União para o exercício financeiro de 2010 no montante de R$ 1.860.428.516.577,00 (um trilhão, oito-centos e sessenta bilhões, quatrocentos e vinte e oito milhões, quinhen-tos e dezesseis mil e quinhentos e setenta e sete reais) e fixa a despesa em igual valor, compreendendo, nos termos do art. 165, § 5o, da Constituição, e dos arts. 6o, 7o e 54 da Lei no 12.017, de 12 de agosto de 2009, Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2010:

183. Idem. Ibidem. p. 175-176.

184. MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. a lei 4.320 co-mentada: e a Lei de Responsabili-dade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.21.

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FGV DIREITO RIO 87

I — o Orçamento Fiscal referente aos Poderes da União, seus fun-dos, órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e in-direta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II — o Orçamento da Seguridade Social, abrangendo todas as enti-dades e órgãos a ela vinculados, da Administração Pública Federal dire-ta e indireta, bem como os fundos e fundações, instituídos e mantidos pelo Poder Público; e

III — o Orçamento de Investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detém a maioria do capital social com direito a voto.

Entretanto, embutido nesses valores encontra-se uma substancial neces-sidade de financiamento por meio das denominadas operações de crédito, compreendendo tanto os financiamentos de longo prazo contratados para obras e investimentos como para a rolagem da dívida pública mobiliária (dí-vida pré-existente — o estoque da dívida) etc., assim como as operações de curto prazo visando recomposição de caixa, e que podem eventualmente se transformar em passivos de longo prazo, ante a possível carência de outras fontes de receitas permanentes, o que suscita a constante colocação de títulos e obrigações emitidas pelo Tesouro no mercado para captação de recursos.

No mesmo sentido do equilíbrio do orçamento, o artigo 4, I, a, da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece que a lei de diretrizes orçamentárias, além de atender ao disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e outras condições de boa gestão da coisa pública prescritos em outros dispositivos da LRF, dis-porá também sobre “equilíbrio entre receitas e despesas”. O já citado artigo 9º da LRF complementa o objetivo, ao estender e prever a operacionalização do princípio do equilíbrio à execução orçamentária, e não apenas quando do estabelecimento das estimativas, haja vista que:

se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primá-rio ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e mo-vimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

Assim, a Lei Complementar 101/2000 estabelece o equilíbrio entre recei-tas e despesas públicas como princípio fundamental a ser perseguido também na execução do orçamento, podendo, ainda, ser fixada uma meta de superá-vit (receitas superiores às despesas), conceito que pode ser adotado levando-se em consideração ou não os pagamentos com juros (superávit primário exclui

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FGV DIREITO RIO 88

185 O superávit primário consiste na di-ferença entre as receitas e as despesas do governo, excluídos os encargos da dívida, isto é, dinheiro que o governo economiza para pagar juros da dívida pública.

186 A Lei nº 12.377, de 30 de dezembro de 2010, alterou a redação deste artigo 2º dispositivo para reduzir a meta para 3,1% do PIB. Ou seja, constatado no final do exercício de 2010 que não seria cumprida a meta, a saída foi a alteração da LDO.

187 Idem. Ibidem. p. 186-187.

os juros e o superávit nominal inclui o pagamento de juros da dívida). A re-dação original185 do artigo 2º da Lei nº 12.017, de 12 de agosto de 2009, definia a meta de superávit primário para o exercício de 2010 nos seguintes termos:

Art. 2o A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2010, bem como a execução da respectiva Lei deverão ser compatí-veis com a obtenção da meta de superávit primário, para o setor pú-blico consolidado, equivalente a 3,30%186 (três inteiros e trinta cen-tésimos por cento) do Produto Interno Bruto — PIB, sendo 2,15% (dois inteiros e quinze centésimos por cento) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e 0,20% (vinte centésimos por cento) para o Programa de Dispêndios Globais, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV desta Lei.

De forma diversa, a LDO para o exercício de 2013, Lei nº 12.708, de 17 de agosto de 2012, estabelece no art. 2º um superávit primário em valores nomi-nais e não em percentual do Produto Interno Bruto (PIB), da seguinte forma:

Art. 2o A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2013, bem como a execução da respectiva Lei, deverão ser com-patíveis com a obtenção da meta de superávit primário, para o setor público consolidado não financeiro de R$ 155.851.000.000,00 (cento e cinquenta e cinco bilhões e oitocentos e cinquenta e um milhões de reais), sendo R$ 108.090.000.000,00 (cento e oito bilhões e noventa milhões de reais) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e R$ 0,00 (zero real) para o Programa de Dispêndios Globais, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV.

8. Princípio da Igualdade: deve o orçamento contemplar a redistribuição de rendas, a economicidade, o desenvolvimento econômico sustentável, a legalidade e a impessoalidade. No dizer de Ricardo Lobo Torres187: “o princí-pio da igualdade tem aspectos de rara dificuldade no plano orçamentário: conduz às ‘escolhas trágicas’, pois as opções de despesa se fundam sobretudo no desigual tratamento dos desiguais”.

9. Princípio da Publicidade: princípio basilar da Administração Pública que impõe ao administrador o dever de tornar público a lei orçamentária, o que ocorre por meio de sua publicação em órgão de imprensa oficial (art. 37 caput da CR-88).

185. O superávit primário consiste na diferença entre as receitas e as despe-sas do governo, excluídos os encargos da dívida, isto é, dinheiro que o go-verno economiza para pagar juros da dívida pública.

186. A Lei nº 12.377, de 30 de dezem-bro de 2010, alterou a redação deste ar-tigo 2º dispositivo para reduzir a meta para 3,1% do PIB. Ou seja, constatado no final do exercício de 2010 que não seria cumprida a meta, a saída foi a alteração da LDO.

187. Idem. Ibidem. p. 186-187.

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FGV DIREITO RIO 89

188 São exceções a essa regra, nos ter-mos a serem estudados na próxima aula, os créditos especiais e extraordi-nários autorizados nos últimos quatro meses do exercício, os quais, reabertos nos limites de seus saldos, serão in-corporados ao orçamento do exercício subsequente.

189 O artigo 34 da Lei n° 4320/1964 prevê: “O exercício financeiro coincidirá com o ano civil”.

10. Princípio da Clareza: estabelece que o orçamento deve ser expresso de forma clara e objetiva a fim de que todos possam entender o seu conteúdo.

11. Princípio da Uniformidade (da consistência): significa que orça-mento, em razão de seu caráter formal, deve conservar uma estrutura uni-forme.

12. Princípio da Não-afetação das Receitas (não-vinculação de recei-tas): As vinculações, em regra, reduzem o grau de liberdade do gestor e en-gessa o planejamento. O princípio está positivado no art. 167, inciso IV, da CR/88 e aplica-se somente aos impostos, espécie do gênero tributo, o qual compreende, ainda, as taxas, as contribuições, especiais, de melhoria, de ilu-minação pública e os empréstimos compulsórios, exações afetadas aos fins que lhe deram fundamento. A regra-princípio veda a vinculação da receita de impostos órgão, fundo ou despesa da Administração Pública, havendo, no entanto, diversas exceções a serem examinadas na aula pertinente às receitas públicas.

13. Princípio Participativo: aplicado, em regra, no âmbito dos Entes municipais, sendo condição sine qua non para legitimar as leis orçamentárias, a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as suas propos-tas, conforme de depreende do art. 44, da Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades).

14. Legalidade: Princípio fundamental do Estado de Direito, em que o Poder Público se subordina e vincula às regras que somente o Parlamento expede e que informa toda a atividade da Administração Pública. Quanto aos orçamentos, o artigo 166 suscita a aprovação parlamentar e, em relação ao orçamento anual, conforme já destacado, preceitua que toda e qualquer despesa pública deve estar qualitativa e quantitativamente especificada em lei formal, sob pena de absoluta nulidade, nos termos do artigo 167, I e II, da CR-88.

15. Princípio da Anualidade Orçamentária ou Periodicidade: Segundo este princípio, ainda hoje vigente, a teor do artigo 165, III, e §5º, da CR-88, conforme já apresentado na Aula 2, o Orçamento deve ser ela borado para ser realizado no período de um ano188, o qual, no Brasil, coincide com o ano ci-vil, conforme já salientado189. Dessa forma, é princípio que expressa o con-trole do Parlamento sobre os demais Poderes relativamente ao Orçamento, ao prever a necessidade de renovação da autorização legislativa anualmente. A periodicidade pode coincidir ou não com o ano civil, como é o caso brasilei-ro. Na Itália e na Suécia, por exemplo, o exercício financeiro começa em

188. São exceções a essa regra, nos termos a serem estudados na próxima aula, os créditos especiais e ex-traordinários autorizados nos últimos quatro meses do exercício, os quais, reabertos nos limites de seus sal-dos, serão incorporados ao orçamento do exercício subsequente.

189. O artigo 34 da Lei n° 4320/1964 prevê: “O exercício financeiro coincidirá com o ano civil”.

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FGV DIREITO RIO 90

190 O princípio Anualidade Tributária não mais se aplica no Brasil, conforme já estudado, e o princípio da Anterio-ridade Tributária (clássica e nonagesi-mal) por sua vez, por se consubstanciar mais uma importante limitação cons-titucional ao Poder de Tributar será estudado de forma detalhada quando do exame dessas limitações.

191

01/07 e termina em 30/06. Na Inglaterra, no Japão e na Alemanha o exercí-cio financeiro vai de 01/4 a 31/03. Nos Estados Unidos começa em 01/10, prolongando-se até 30/09.

16. Anterioridade Orçamentária190: prevê que o orçamento deve ser aprovado antes do início do exercício financeiro ao qual se aplica. Nos ter-mos já salientados, a LDO tem disciplinado a hipótese de não aprovação antes do início do exercício financeiro, como é o caso da LDO para o exercí-cio de 2010, Lei n° 12.017/2009, que fixa disciplina em seu artigo 68.

17. Princípio da Transparência: Segundo o professor Ricardo Lobo Torres191:

“A transparência fiscal é um princípio constitucional implícito. Si-naliza no sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver se-gundo os ditames da clareza, abertura e simplicidade. Dirige-se assim ao Estado como à Sociedade, tanto aos organismos financeiros supra-nacionais quanto às entidades não-governamentais. Baliza e modula a problemática da elaboração do orçamento e da sua gestão responsável, da criação de normas antielisivas, da abertura do sigilo bancário e do combate à corrupção.”

18. Princípio da Melhor Estimativa ou da Exatidão possível: As es-timativas devem ser tão exatas quanto possíveis, de forma a garantir à peça orçamentária razoável grau de consistência e utilidade, isto é, a fim de que possa ser utilizada como instrumento de programação, gestão e fiscalização. Têm sido apontados os artigos 7º e 16 do Decreto-lei nº 200/67 como fun-damento.

19. Economicidade: Segundo o princípio estampado no caput do artigo 70 da CR-88, o orçamento deve prever a máxima satisfação das necessida-des públicas com a aplicação do menor montante de receita possível, isto é, refere-se à otimização na utilização dos recursos públicos.

190. O princípio anualidade Tri-butária não mais se aplica no Brasil, conforme já estudado, e o princípio da anterioridade Tributária (clássica e nonagesimal) por sua vez, por se consubstanciar mais uma impor-tante limitação constitucional ao Poder de Tributar será estudado de forma detalhada quando do exame dessas limitações.

191.

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FGV DIREITO RIO 91

192 Art. 167 da CR-88. Nesse sentido, é crime ordenar despesa não autorizada por lei a teor do artigo 359-D do Código Penal.

193 Apesar das controvérsias doutriná-rias, que serão explicitadas no momen-to próprio, dispõe o artigo 3º da Lei n° 4320/64 que: “A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, in-clusive as de operações de crédito autorizadas em lei”. Nesse passo com-plementa o artigo 11, §2°, que: “São Receitas de Capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; (...).” Na mesma linha, define o artigo 29, III, da LRF: “operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento an-tecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, ar-rendamento mercantil e outras opera-ções assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros”. O artigo 12, §2°, da LRF, dispositivo inserido no Ca-pítulo III – Da Receita Pública, estabe-lece que “§ 2o O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei or-çamentária.” Este último dispositivo foi impugnado pela ADI 2238.

194 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurí-dico. Rio de Janeiro, 2002. Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 230.

AulA 6 — os créditos orçAmentários e AdicionAis

Após a apresentação das principais questões relacionadas à vigência das leis orçamentárias, bem como da elaboração, iniciativa, apreciação, votação e sanção dos seus projetos, além dos principais princípios orçamentários, cum-pre agora examinar os denominados Créditos Orçamentários e Adicionais em sua interação com a Despesa e o Orçamento público, elementos neces-sários para o estudo da Execução Orçamentária que, ao lado do Controle, formam os grandes tópicos do já referido Ciclo Orçamentário.

Conforme já enfatizado na Aula 4, são vedados192 o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual bem como a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamen-tários ou adicionais. Nessa mesma linha, complementa o artigo 165, §8° da CR-88, no sentido de que a “lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proi-bição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.”

Preliminarmente, entretanto, cumpre explicitar a inter-relação entre esses créditos e as despesas, bem como definir alguns conceitos que permitam tra-çar as diferenças entre os denominados: (1) créditos orçamentários; (2) créditos adicionais, que podem ser suplementares, especiais ou extraordinários; e (3) as operações de crédito — tendo em vista que todos possuem a palavra crédito inserida nas respectivas expressões, o que pode ocasionar dúvidas quanto ao âmbito de aplicação de cada qual.

As chamadas operações de crédito, as quais podem, também, ser realizadas por antecipação de receita, serão examinadas nas aulas referentes ao Financia-mento dos Gastos, à Dívida Pública e às Operações de Crédito, e bem assim das Receitas Públicas, especificamente quando analisadas aquelas de Capital, haja vista que, pela classificação legal193, as operações de crédito correspondem a ingressos públicos e, ao mesmo tempo, à constituição da dívida pública. Nesse sentido, a operação de crédito se vincula à Receita Pública, por ser uma das formas de financiar o gasto público, assim como ao denominado Crédito Público, o qual, por sua vez, constitui a Dívida Pública.

Em sentido diverso, os créditos orçamentários e adicionais dizem respei-to às autorizações parlamentares que visam à realização de despesas, o que revela a equivocidade da palavra utilizada nas supra mencionadas expressões. De fato, conforme apontado no Dicionário De Plácido e Silva 194, crédito é derivado do latim creditum e possui uma “ampla significação econômica e um estreito sentido jurídico”, a saber:

192. Art. 167 da CR-88. Nesse sentido, é crime ordenar despesa não autori-zada por lei a teor do artigo 359-D do Código Penal.

193. Apesar das controvérsias doutri-nárias, que serão explicitadas no mo-mento próprio, dispõe o artigo 3º da Lei n° 4320/64 que: “A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei”. Nesse passo complementa o artigo 11, §2°, que: “São Receitas de Capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; (...).” Na mesma linha, define o artigo 29, III, da LRF: “operação de crédito: compromisso financeiro assu-mido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aqui-sição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, ar-rendamento mercantil e outras opera-ções assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros”. O artigo 12, §2°, da LRF, dispositivo inserido no Ca-pítulo III — Da Receita Públi-ca, estabelece que “§ 2o O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária.” Este último dispositivo foi impugnado pela ADI 2238.

194. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002. Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 230.

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FGV DIREITO RIO 92

195 MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Co-mentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.21.

Crédito. Em sua acepção econômica significa confiança que uma pessoa deposita em outra, a quem entrega coisa sua, para que, em futu-ro, receba dela coisa equivalente. (...)

Crédito. Juridicamente, significa o direito que tem a pessoa de exi-gir de outra o cumprimento da obrigação contraída. Neste sentido, no entanto, tem-se o vocábulo em acepção mais ampliada, pois que abrange as obrigações de dar, fazer ou não fazer. Mas, em Direito ainda possui sentido mais restrito, desde que pode indicar o direito de cobrar uma dívida ativa, como pode significar o próprio título dessa dívida. (...)

Crédito. Na técnica da escrituração mercantil, compreende o lan-çamento de haver feito em qualquer conta de uma escrita comercial ou a soma líquida (resultado balanceado) anotada no haver da mesma conta. Nesse último sentido crédito significa o montante da própria dívida ou de haver registrado. (...)

Crédito. Na terminologia do Direito Administrativo, assim se diz para as somas consignadas nos orçamentos (verbas orçamentárias), des-tinadas a fazerem face às despesas públicas. Por essa forma, crédito, no sentido do Direito Administrativo, é indicado pela verba regularmente autorizada, dentro da qual, e sob títulos ou consignações próprias, se pagam as despesas empenhadas. (grifo nosso)

Destaque-se que a nomenclatura verba, utilizada no Dicionário para defi-nir o conceito de crédito no âmbito Administrativo, foi abolida da Lei n° 4.320/64, que passou a adotar, conforme pontuam José Teixeira Machado195 e Heraldo Costa Reis, mais apropriadamente:

dotação e créditos orçamentários (art. 90). Na verdade, podemos notar uma vacilação de conceito entre os termos: dotação, crédito orça-mentário e verba. Como a última está sendo eliminada, ou já o foi, da terminologia orçamentária brasileira, fixemo-nos das duas primeiras.

Dotação deve ser a medida, ou quantificação monetária do recurso aportado a um programa, atividade, projeto, categoria econômica ou objeto de despesa. Este é o seu sentido. Apenas a prática, com sua capa-cidade de simplificação, toma o conteúdo (dotação igual a quantidade de recurso financeiro) pelo continente: programa, atividade, projeto, categoria econômica ou objeto de despesa.

O crédito orçamentário seria, então, a autorização através da lei de orçamento ou de créditos, adicionais, para a execução de programa, projeto ou atividade ou para o desembolso de quantia aportada a obje-to de despesa, vinculado a uma categoria econômica, e, pois, a um pro-

195. MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. a lei 4.320 co-mentada: e a Lei de Responsabili-dade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.21.

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FGV DIREITO RIO 93

196 O Manual de Despesa Nacional, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretá-rio do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, disponibilizado no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br, qualifica como crédito orçamentário inicial “aquele aprovado pela lei orçamentária anual, constante dos orçamentos fiscal, da se-guridade social e de investimentos das empresas estatais”.

grama. Assim, o crédito orçamentário seria portador de uma dotação e esta o limite autorizado, quantificado monetariamente.

Nessa linha de pensamento, em que pese o §5º do artigo 100 da CR-88 continuar a utilizar a expressão verba ao disciplinar os precatórios, a dotação é o limite do crédito conferido em lei para que os executores do orçamento rea-lizem as despesas previamente especificadas e quantificadas monetariamente.

6.1 créditos suPlementares, esPeciais e extraordinários

O crédito pode ser previsto: (1) na lei do orçamento, hipótese em que se qualifica como crédito orçamentário196, já que consignado desde o início na própria LOA; ou, ainda, (2) na norma que autoriza o crédito adicional (suple-mentar, especial ou extraordinário) durante a execução do orçamento, nos casos em que os gastos a que se vinculam não tenham sido previstos ou foram insuficientemente dotados na lei orçamentária, considerando, ainda, a possi-bilidade de haver recursos disponíveis sem vinculação à dotação específi-ca. A última hipótese — recursos disponíveis sem vinculação à dotação específica — pode ocorrer: (2.1) em razão de imprecisões ou erros de planeja-mento, ou (2.2) em função da ocorrência de fatos supervenientes imprevisíveis e urgentes ou de desempenho da arrecadação acima do esperado. Os créditos especiais e suplementares podem, também, com prévia e específica autorização legislativa, nos termos do artigo 166, §8° da CR-88, ser os instrumentos uti-lizados para alocar os recursos que ficaram sem despesas correspondentes em decorrência de veto, emenda ou rejeição parcial do projeto de lei orçamentá-ria anual, isto é, se a despesa inicialmente prevista no projeto sofreu redução ou supressão. Essa hipótese pode ocorrer se, após a aprovação da LOA, ocor-reram sobras em relação à dotação inicialmente consignada, por força de veto do Chefe do Poder Executivo, por emenda parlamentar ou rejeição parcial do projeto de lei que atribuía determinada dotação para despesa específica. Esse montante, agora sem destino, pode ser utilizado por meio de créditos suple-mentares e especiais.

O crédito suplementar, como o próprio nome revela, reforça e supre a do-tação de despesas já previstas no orçamento, as quais, entretanto, ao longo do exercício financeiro, revelam-se insuficientemente dotadas financeiramente. Já os créditos especiais visam atender as despesas não previstas na LOA, mas que durante a execução do orçamento, mostram-se necessárias, razão pela qual se impõe a abertura de crédito novo, especial, com dotação específica a autorizar a despesa que surge. Os créditos suplementares e especiais, consoante o disposto no artigo 42 da Lei n° 4.320/64, “serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo”, ou seja, o dispositivo diferencia o ato legis-

196. O Manual de Despesa Nacional, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretá-rio do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, disponibilizado no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br, qualifica como crédito orçamentário inicial “aquele aprovado pela lei orçamentária anual, constante dos orçamentos fiscal, da se-guridade social e de investimentos das empresas estatais”.

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FGV DIREITO RIO 94

197 BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI 822. Julgamen-to em 05.04.1996. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pesquisa realizada em 26.05.2008.

198 O Supremo Tribunal Federal já firmou jurisprudência no sentido da possibilidade e facultatividade de os Estados-membros adotarem medidas provisórias, assim como os Municípios. Nesse sentido, ADI 425, cuja parte rele-vante da ementa estabelece: “1. Podem os Estados-membros editar medidas provisórias em face do princípio da simetria, obedecidas as regras básicas do processo legislativo no âmbito da União (CF, artigo 62). 2. Constitui forma de restrição não prevista no vigente sis-tema constitucional pátrio (CF, § 1º do artigo 25) qualquer limitação imposta às unidades federadas para a edição de medidas provisórias. Legitimidade e facultatividade de sua adoção pelos Estados-membros, a exemplo da União Federal. (...)”. BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI 425. Julgamento em 04.09.2002. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pes-quisa realizada em 27.05.2008.

199 Problemas de ordem prática po-dem surgir se a realização da despesa já foi efetivada quando ocorrer a não aprovação legislativa ou, ainda, se o Poder Judiciário suspender ou declarar inconstitucional o ato que permitiu a abertura do crédito extraordinário. Cabe, então, a indagação sobre o que ocorrerá com os créditos já repassa-dos e empenhados pelos respectivos órgãos se o Poder Legislativo rejeitar a autorização para abertura do crédito ou o Judiciário considerá-lo incompatível com a ordem jurídica? No julgamento da medida cautelar na ADI 4048, a qual será adiante analisada, o Supremo Tri-bunal Federal suspendeu a eficácia da Medida Provisória 405/07, convertida na Lei n 11.658/08, mas, conforme in-formado nas “Notícias STF”, de quarta feira, 14 de maio de 2008, “A decisão vale a partir de hoje, não atingindo os créditos já repassados e empenhados pelos órgãos”. BRASIL. Poder Judici-ário. Supremo Tribunal Federal. ADI 4048. Julgamento da cautelar em 14.05.2008. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pesquisa realizada em 16.05.2008.

200 AGUIAR, Afonso Gomes. Direito Financeiro. Lei 4.230. Comentada ao Alcance de todos. 3a edição. Belo Hori-zonte: Ed. Fórum, 2005. p. 307.

lativo de autorização do ato administrativo que o integra para a produção de efeitos concretos. Por fim, os extraordinários visam a suprir as despesas impre-visíveis e urgentes que ocorram durante o exercício financeiro. Relativamente à abertura do crédito extraordinário, duas observações devem ser feitas: a pri-meira, conforme será analisado detidamente a seguir: (1) que a Constituição faculta a abertura de crédito extraordinário por meio de Medida Provisória; e, (2) a segunda, que nos interessa no momento, refere-se ao fato de que o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firme no sentido de que as re-gras básicas de processo legislativo previstas na Constituição Federal servem de modelo obrigatório a ser seguido pelas Constituições Estaduais, conforme se infere do seguinte trecho da ADI 822.197

Assim, se a Constituição faculta a autorização de crédito extraordinário por meio de Medida Provisória (artigo 167, §3°), mas o Estado ou o Muni-cípio não possui aludida espécie normativa198, é permitida a sua criação e abertura por Decreto. Essa hipótese, no entanto, nos parece estar condiciona-da a ulterior ratificação legislativa pelas Assembléia Legislativa Estaduais, em cumprimento ao princípio da simetria. Nesses termos, dispõe o artigo 44 da Lei n° 4.320/64 que “os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que deles dará imediato conhecimento ao Poder Legis-lativo”. Saliente-se que o termo conhecimento utilizado no dispositivo deve ser interpretado não apenas como simples anuência, mas sim como pedido for-mal de autorização ratificadora superveniente e vinculativa.199 Nessa direção aponta Afonso Gomes Aguiar:200

Ocorre porém, que os Créditos Extraordinários, por serem créditos adicionais, alteram o Orçamento Anual que, sendo uma lei, só pode sofrer alterações por força de autorização legislativa, isto é, por força de outra lei. Para pôr em harmonia a urgência no atendimento das despe-sas que devem ser socorridas por essa espécie de crédito adicional e a exigência do art. 2°, do Decreto-Lei n° 4.657/42 — Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro o legislador encontrou a saída disposta na verba da lei em questão. Destarte, o Chefe do Poder Executivo, ao abrir

197. BRASIL. Poder Judiciário. Su-premo Tribunal Federal. aDi 822. Julgamento em 05.04.1996. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pes-quisa realizada em 26.05.2008.

198. O Supremo Tribunal Federal já firmou jurisprudência no sentido da possibilidade e facultatividade de os Estados-membros adotarem medidas provisórias, assim como os Municípios. Nesse sentido, ADI 425, cuja parte rele-vante da ementa estabelece: “1. Podem os Estados-membros editar medidas provisórias em face do princípio da simetria, obedecidas as regras básicas do processo legislativo no âmbito da União (CF, artigo 62). 2. Constitui forma de restrição não prevista no vigente sis-tema constitucional pátrio (CF, § 1º do artigo 25) qualquer limitação imposta às unidades federadas para a edição de medidas provisórias. Legitimidade e facultatividade de sua adoção pelos Estados-membros, a exemplo da União Federal. (...)”. BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. aDi 425. Julgamento em 04.09.2002. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pes-quisa realizada em 27.05.2008.

199. Problemas de ordem prática po-dem surgir se a realização da despesa já foi efetivada quando ocorrer a não aprovação legislativa ou, ainda, se o Poder Judiciário suspender ou declarar inconstitucional o ato que permitiu a abertura do crédito extraordinário. Cabe, então, a indagação sobre o que ocorrerá com os créditos já repassa-dos e empenhados pelos respectivos órgãos se o Poder Legislativo rejeitar a autorização para abertura do crédito ou o Judiciário considerá-lo incompatível com a ordem jurídica? No julgamento da medida cautelar na ADI 4048, a qual será adiante analisada, o Supremo Tri-bunal Federal suspendeu a eficácia da Medida Provisória 405/07, convertida na Lei n 11.658/08, mas, conforme in-formado nas “Notícias STF”, de quarta feira, 14 de maio de 2008, “A decisão vale a partir de hoje, não atingindo os créditos já repassados e empenhados pelos órgãos”. BRASIL. Poder Judiciá-rio. Supremo Tribunal Federal. aDi 4048. Julgamento da cautelar em 14.05.2008. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pesquisa realizada em 16.05.2008.

200. AGUIAR, Afonso Gomes. Direi-to Financeiro. Lei 4.230. Comen-tada ao Alcance de todos. 3a edição. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2005. p. 307.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 95

201 A Seção I, do Capítulo IV — Da Despesa Pública, da Lei Complementar n° 101/2000 (LRF), é intitulado “Da Geração de Despesa” e compreende os artigos 15 a 24 da LRF.

202 Dispõe o artigo 1°, III, da CR-88 “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Cons-tituição”.

203 Nos termos do artigo 38 da Lei n° 4320/64: “Reverte à dotação a impor-tância de despesa anulada no exercício, quando a anulação ocorrer após o en-cerramento do mesmo considerar-se-á receita do ano em que se efetivar.”

204 O chamado QDD (quadro de deta-lhamento de despesas) especifica os projetos e atividades por elementos de despesa a cargo da unidade orçamen-tária, conforme previsto no artigo 17 do Decreto n° 93.872/1986. A abertura ou reabertura de crédito adicional importa automática modificação do QDD.

205 Saliente-se que a Lei de Responsabi-lidade Fiscal considera “adequada com a lei orçamentária anual” (1) “a despesa objeto de dotação específica e sufi-ciente”, “ou” (2) que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabe-lecidos para o exercício”. Nesse termos, a LRF veda o crédito com “finalidade imprecisa” ou “com dotação ilimitada”, mas permite o denominado “crédito genérico”.

um crédito Extraordinário, através de Decreto, deverá encaminhar, de imediato, o texto do seu ato ao Poder Legislativo que, após examiná-lo, se for o caso, o aprovará, acontecendo, assim, posteriormente, a necessária autorização legislativa que, na espécie, o Poder Legislativo se externa através de Resolução, com força de lei.” (grifo nosso)

O elemento comum às aludidas modalidades de crédito é o objetivo de possibilitar a geração201 e realização de despesas, o que pressupõe autorização legislativa em qualquer caso, ou seja, os créditos orçamentários e os adicionais corporificam, na norma que os autoriza, especifica e limita em termos mone-tários, por meio da dotação, a permissão do povo202 para que o governante possa gastar os recursos públicos, ainda que sejam distintas: (1) a forma como a abertura do crédito é autorizada e realizada, e bem assim, (2) o momento em que essas autorizações legislativas são efetivadas, podendo ser prévia ou não.

Em suma, a LOA fixa os gastos203, determinando as despesas qualitativa e quantitativamente, por meio de dotações específicas, consignadas nas respec-tivas rubricas orçamentárias a serem detalhadas no quadro de detalhamento das despesas204 de cada unidade orçamentária, sendo classificadas sob diversos critérios, mas sempre visando à realização dos projetos e programas previa-mente determinados pelo legislador, compatibilizados com as diretrizes, ob-jetivos, metas e prioridades expressos na lei de diretrizes e no plano pluria-nual, os quais norteiam a ação governamental. Na hipótese de não estar prevista na LOA ou, se prevista, não for dotada suficientemente para atender determinado gasto a ser realizado durante o exercício financeiro, somente por meio dos créditos adicionais será possível a sua realização. Um outro exemplo pode facilitar a compreensão da questão: imaginemos, hipoteticamente, que em relação à estimativa do orçamento ocorra excesso de arrecadação durante a execução orçamentária de determinado exercício financeiro. Enquanto não houver a abertura de crédito adicional, suplementar ou especial, os recursos arrecadados acima do previsto, ainda não utilizados para dotar determinada despesa específica, por meio do ato próprio, não poderão ser gastos! Nesses termos, sob o ponto de vista da autorização, os créditos dizem-se orçamentá-rios ou adicionais, a requerer, nas duas hipóteses, autorização parlamentar, a qual, como visto, pode ser prévia ou não.

Os créditos orçamentários são disciplinados nos §§ 4° e 5° do artigo 5° da LRF, dispositivos que determinam ser vedado consignar, na lei orçamentária, crédito com finalidade imprecisa205 ou com dotação ilimitada, em sintonia com o disposto no artigo 167, VII, da CR-88, bem como dotação para inves-timento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja pre-visto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, sob pena crime de responsabilidade, conforme disposto no § 1° do art. 167 da Consti-tuição. Nesse sentido, o artigo 10, IX, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de

201. A Seção I, do Capítulo IV - Da Des-pesa Pública, da Lei Complementar n° 101/2000 (LRF), é intitulado “Da Ge-ração de Despesa” e compreende os artigos 15 a 24 da LRF.

202. Dispõe o artigo 1°, III, da CR-88 “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes elei-tos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

203. Nos termos do artigo 38 da Lei n° 4320/64: “Reverte à dotação a impor-tância de despesa anulada no exercício, quando a anulação ocorrer após o en-cerramento do mesmo considerar-se-á receita do ano em que se efetivar.”

204. O chamado QDD (quadro de de-talhamento de despesas) especifica os projetos e atividades por elementos de despesa a cargo da unidade orçamen-tária, conforme previsto no artigo 17 do Decreto n° 93.872/1986. A abertura ou reabertura de crédito adicional importa automática modificação do QDD.

205. Saliente-se que a Lei de Respon-sabilidade Fiscal considera “adequada com a lei orçamentária anual” (1) “a despesa objeto de dotação específica e suficiente”, “ou” (2) que esteja abrangi-da por crédito genérico, de for-ma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabe-lecidos para o exercício”. Nesse termos, a LRF veda o crédito com “finalidade imprecisa” ou “com dotação ilimitada”, mas permite o denominado “crédito genérico”.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 96

206 Por esse motivo, exigência de auto-rização parlamentar prévia, os Partidos de oposição ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF), conforme noti-ciado no site da Suprema Corte, “uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4179) contra os artigos 1º e 4º da Medida Provisória 452/08. A intenção dos autores – o Democratas, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido Popular Socialista (PPS) – é impedir o Tesouro de emitir títulos da dívida pública mobiliária federal a se-rem empregados no Fundo Soberano do Brasil (FSB). Os três partidos argu-mentam, na ADI, que a Constituição Federal proíbe o presidente da Repú-blica de editar MP sobre créditos suple-mentares ou especiais (artigo 167, V) e restringe os extraordinários aos casos urgentes. Além disso, defendem que o repasse ao Fundo deve ser previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e feito por meio do Orçamento federal, e não por MP, uma vez que o artigo 62 veda edição de MPs para créditos suplemen-tares. De fato, a lei de criação do Fundo (11.887/08), aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da Repú-blica, prevê que os recursos do Tesouro serão repassados caso sejam “consig-nados no orçamento anual, inclusive aqueles decorrentes da emissão de títulos da dívida pública” (artigo 4º). Ela, inclusive, prevê que as fontes e re-cursos que o formarão serão provenien-tes das dotações do orçamento anual (aprovado pelo Congresso), ações de sociedades de economia mista federais e resultados de aplicações financeiras.”

207 O princípio da exclusividade, estam-pado no artigo 165, §8° da CR-88, pres-creve que a lei orçamentária deve conter apenas a previsão da receita e a fixação da despesa. Tendo em vista não se tratar de matéria estranha à lei orçamentária, ele permite a abertura de créditos su-plementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receitas. A autorização legislativa na LOA é usualmente fixada em percentuais da dotação, podendo haver outros limites e parâmetro, como é o caso da delegação legislativa constante no artigo 4° da Lei n° 11.647/2008, a LOA da União para o exercício de 2008, conforme já salien-tado, dispositivo cujo caput estabelece: “Art. 4o Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos va-lores constantes desta Lei, observado o disposto no parágrafo único do art. 8o da Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2008, desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida no Ane-xo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2008, respeitados os limites e condições estabelecidos neste artigo, para suplementação de dotações consignadas:”

1992, estabelece que constitui ato de improbidade administrativa ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento. A menção deste (o regulamento) se restringe às hipóteses em que há delegação legislativa constitucionalmente autorizada, como é o caso do crédito suple-mentar, que será analisado a seguir. Destaque-se ainda que o artigo 359-D, do Código Penal, dispositivo incluído pela Lei nº 10.028/2000, tipifica como crime “Ordenar despesa não autorizada por lei”, submetendo o ordenador da despesa que comete o ilícito à pena de reclusão de 1(um) a 4(quatro) anos. Cabe mencionar, ainda, que o artigo 42 da LRF veda, ao titular de Poder, assim qualificado pelo artigo 20 da Lei Complementar, como aquele do Exe-cutivo, Legislativo, neste incluído os Tribunais de Contas, Judiciário e do Ministério Público, “nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, con-trair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.” O descumprimento des-ta determinação é tipificado como crime pelo artigo 359-C do Código Penal, dispositivo incluído pela Lei nº 10.028/2000.

Nos termos já enfatizados, a abertura de crédito suplementar e especial so-mente são compatíveis com a Carta Magna, consoante o disposto no artigo 167, inciso V, e 62, §1º, I, d, da CR-88, caso haja autorização legislativa anterior206 e com a “indicação dos recursos correspondentes”, isto é, se ocor-reu erro, descuido ou imprecisão no planejamento (o que ocasiona a existên-cia de dotação inferior ao necessário) a ensejar crédito suplementar, ou omissão quanto à despesa que se revele necessária durante a execução orça-mentária, a suscitar crédito especial, ou, ainda, na hipótese de existirem re-cursos em excesso, acima do previsto, tendo em vista o desempenho positivo da arrecadação relativamente ao previsto no orçamento, em qualquer dos casos, é constitucionalmente vedada a abertura de crédito (1)“sem prévia autorização legislativa” e (2) “sem indicação dos recursos corresponden-tes”. Repise-se, entretanto, que a autorização parlamentar ao crédito suple-mentar, mas não ao especial, pode ser efetivada diretamente na lei orçamen-tária anual — consubstanciando-se, assim, em delegação legislativa a priori, a teor do já citado artigo 165, §8° da CR-88-. Com efeito, tal dispositivo consagra o princípio geral da exclusividade207, assim como as suas exceções. Relativamente à indicação dos recursos disponíveis, cumpre destacar que são seis os recursos possíveis para cobrir a abertura de crédito suplemen-tar e especial, desde que já não estejam comprometidos, sendo os mesmos disciplinados no artigo 43, §1°, I, II e III, da Lei n° 4.320/64, artigo 91 do Decreto-lei n 200/67 e no artigo 166, §8° da CR-88, nos seguintes termos:

1) o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior, assim entendido como a diferença positiva entre o ativo e

206. Por esse motivo, exigência de au-torização parlamentar prévia, os Parti-dos de oposição ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF), conforme noti-ciado no site da Suprema Corte, “uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4179) contra os artigos 1º e 4º da Medida Provisória 452/08. A intenção dos autores — o Democratas, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido Popular Socialista (PPS) — é impedir o Tesouro de emitir títulos da dívida pública mobiliária federal a serem empregados no Fundo Soberano do Brasil (FSB). Os três partidos argu-mentam, na ADI, que a Constituição Federal proíbe o presidente da Repú-blica de editar MP sobre créditos suple-mentares ou especiais (artigo 167, V) e restringe os extraordinários aos casos urgentes. Além disso, defendem que o repasse ao Fundo deve ser previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e feito por meio do Orçamento federal, e não por MP, uma vez que o artigo 62 veda edição de MPs para créditos suplemen-tares. De fato, a lei de criação do Fundo (11.887/08), aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da Repú-blica, prevê que os recursos do Tesouro serão repassados caso sejam “consig-nados no orçamento anual, inclusive aqueles decorrentes da emissão de títulos da dívida pública” (artigo 4º). Ela, inclusive, prevê que as fontes e re-cursos que o formarão serão provenien-tes das dotações do orçamento anual (aprovado pelo Congresso), ações de sociedades de economia mista federais e resultados de aplicações financeiras.”207. O princípio da exclusividade, es-tampado no artigo 165, §8° da CR-88, prescreve que a lei orçamentária deve conter apenas a previsão da receita e a fixação da despesa. Tendo em vista não se tratar de matéria estranha à lei orçamentária, ele permite a abertura de créditos suplementares e contrata-ção de operações de crédito, ainda que por antecipação de receitas. A autori-zação legislativa na LOA é usualmente fixada em percentuais da dotação, podendo haver outros limites e pa-râmetro, como é o caso da delegação legislativa constante no artigo 4° da Lei n° 11.647/2008, a LOA da União para o exercício de 2008, conforme já salienta-do, dispositivo cujo caput estabelece: “Art. 4o Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, observado o disposto no parágrafo único do art. 8o da Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2008, desde que as alterações promo-vidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabele-cida no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2008, respeitados os limites e condições esta-belecidos neste artigo, para suplemen-tação de dotações consignadas:”

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 97

o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos dos créditos adicionais transferidos e as operações de credito a eles vinculadas, conforme apurado no balanço patrimonial (artigo 43, §1°, I, da Lei n° 4.320/64);

2) os provenientes de excesso de arrecadação, assim entendida para esse fim o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês entre a ar-recadação prevista e a realizada, considerando-se, ainda, a tendência do exercício, observada a necessidade de deduzir a importância dos créditos extraordinários abertos no exercício para o fim de apurar os recursos utilizáveis provenientes de excesso de arrecadação; (artigo 43, §1°, II, da Lei n° 4.320/64);

3) os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentá-rias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei (artigo 43, §1°, III, da Lei n° 4.320/64);

4) o produto de operações de crédito autorizadas, em forma que juri-dicamente possibilite ao poder executivo realizá-las (artigo 43, §1°, IV, da Lei n° 4.320/64);

5) da reserva de contingência, prevista no artigo 91, do Decreto-lei n° 200/67, regra que determina que o orçamento incluirá verba global para constituição de um Fundo de Reserva Orçamentária, destinando-se os recursos a despesas correntes quando se evidenciar deficiências nas respectivas dotações e se fizer indispensável atender a encargo legal ou a necessidade imperiosa do serviço;

6) os já citados recursos que em decorrência de veto, emenda ou re-jeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autori-zação legislativa (artigo 166, §8°, da CR-88).

Por sua vez, a abertura de crédito extraordinário, consoante o disposto no artigo 167, §3° da CR-88, somente será admitida para atender às despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62. Ou seja, o parâmetro constitucional, que permite a abertura do crédito extraordinário, espécie de crédito adicional, por meio de Medida Provisória (MP), conforme já salien-tado, restringe-se aos casos em que há relevância e urgência. Assim, a criação de crédito extraordinário por MP possui três requisitos necessários e cumula-

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 98

208 Destaque-se que, em 16/4/2008, a Comissão Especial, destinada a pro-ferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 511-A, de 2006, do Senado Federal, que “altera o art. 62 da Constituição Federal para discipli-nar a edição de medidas provisórias”, estabelecendo que a Medida Provisória só terá força de lei depois de aprovada a sua admissibilidade pelo Congresso Nacional, sendo o início da apreciação alternado entre a Câmara e o Senado (PEC51106)”, aprovou o Parecer do relator, por unanimidade. A PEC mo-difica a redação dos artigos 62 e 167 da CR-88, o que afeta diretamente a matéria orçamentária ora sob exame. Os dispositivos, com a redação propos-ta na PEC, estão assim redigido: “Art. 62.(...) § 1º (...), I — (...) d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais, res-salvado o previsto no art. 167, §§ 3º e 5º”; e “Art. 167. São vedados (...) § 3º — A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes de-correntes de guerra, comoção interna ou calamidade pública,observado o disposto no art. 62. (...) § 5º O projeto de lei de crédito suplementar e especial que, após decorrido o prazo de setenta e cinco dias de seu envio pelo Poder Executivo, não tenha sua votação con-cluída no Congresso Nacional, poderá ser objeto de medida provisória, obser-vado o art. 62, com o mesmo conteúdo do projeto original, cuja tramitação permanecerá suspensa até deliberação final da medida provisória. § 6º O prazo a que se refere o § 5º suspender-se-á durante os períodos de recesso do Con-gresso Nacional.” Assim, nos termos da redação proposta para o § 3º o elenco apresentado pela Constituição passa de exemplificativo para taxativo, o que restringirá a possibilidade de aplicação do crédito extraordinário. Por outro lado, o novel § 5º combinado com o disposto no artigo 62, § 1º, I, d, esta-belece a possibilidade de abertura de créditos suplementares e especiais por intermédio de Medida Provisória, caso “decorrido o prazo de setenta e cinco dias de seu envio pelo Poder Executi-vo, não tenha sua votação concluída no Congresso Nacional”. BRASIL. Poder Legislativo. Câmara dos Deputados. PEC nº 511-A, de 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br >. Pes-quisa realizada em 27.05.2008.

tivos, haja vista que a causa de sua abertura, o fato subjacente a ensejar a medida temporária, tem que ser (1) urgente, (2) relevante e (3) imprevisível, configurando-se essa imprevisibilidade à época da elaboração do orça-mento. De fato, o artigo 62, § 1º, I, d, da CR-88, dispositivo incluído pela Emenda Constitucional nº32, de 2001, estatui ser vedada a edição de medi-da provisória sobre matéria relativa a “planos plurianuais, diretrizes orçamen-tárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares,” excepcionada a hi-pótese do crédito extraordinário, nos termos do citado art. 167, § 3º. Saliente-se que, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 do artigo 62, as medidas provisórias, ainda que relevantes e urgentes, “perderão eficácia, desde a edi-ção, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do §7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacio-nal disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes”. Nesses termos, repise-se que a requerida autorização legislativa para a aber-tura de crédito extraordinário ocorre posteriormente e não previamente, como é a regra geral dos demais créditos adicionais — o suplementar e o espe-cial.208 Cabe ressaltar, entretanto, que se a causa a ensejar a edição da Medida Provisória não for, realmente, (1) urgente, (2) relevante e (3) imprevisível pode o Poder Judiciário considerar inválida a autorização, como foi o caso da deci-são em medida cautelar na ADI 4048, ainda na hipótese em que já tenha havido a conversão da MP quando do julgamento, haja vista que “lei de con-versão não convalida os vícios formais porventura existentes na medida pro-visória, que poderão ser objeto de análise do Tribunal, no âmbito do contro-le de constitucionalidade”, conforme jurisprudência firmada no STF nas ADIs n°s 3.090 e 3.100. A leitura da parte inicial e da parte final do voto do relator na ADI 4048 é esclarecedora em relação à matéria:

“MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIO-NALIDADE 4.048-1 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Relator): No ato de distribuição do Relatório e apresentação em mesa para o jul-gamento desta Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.048/DF, em 31 de março de 2008, estava em tramitação a Medida Provisória n° 405/2007, a qual teve sua vigência prorrogada por sessenta dias, a partir de 30 de março, tendo em vista que sua votação não havia sido encerrada no Congresso Nacional (Ato do presidente da Mesa do Congresso Nacional n° 7, de 2008). No dia 16 de abril, o Congresso Nacional aprovou a conversão em lei da referida medida provisória. A promulgação da Lei n° 11.658, lei de conversão da MP n° 405/2007, ocorreu no dia 18 de abril de 2008, e sua publicação no dia 22 de abril do mesmo ano. É preciso esclarecer, portanto, que no dia 17 de abril, quando o Tribunal iniciou o julgamento da medida cautelar nesta ADI

208. Destaque-se que, em 16/4/2008, a Comissão Especial, destinada a pro-ferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 511-A, de 2006, do Senado Federal, que “altera o art. 62 da Constituição Federal para discipli-nar a edição de medidas provisórias”, estabelecendo que a Medida Provi-sória só terá força de lei depois de aprovada a sua admissibilidade pelo Congresso Nacional, sendo o início da apreciação alternado entre a Câmara e o Senado  (PEC51106)”, aprovou o Parecer do relator, por unanimidade. A PEC modifica a redação dos artigos 62 e 167 da CR-88, o que afeta direta-mente a matéria orçamentária ora sob exame. Os dispositivos, com a redação proposta na PEC, estão assim redigido: “Art. 62.(...) § 1º (...), I � (...) d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais, res-salvado o previsto no art. 167, §§ 3º e 5º”; e “Art. 167. São vedados (...) § 3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes de-correntes de guerra, comoção interna ou calamidade pública,observado o disposto no art. 62. (...) § 5º O projeto de lei de crédito suplementar e especial que, após decorrido o prazo de setenta e cinco dias de seu envio pelo Poder Executivo, não tenha sua votação con-cluída no Congresso Nacional, poderá ser objeto de medida provisória, obser-vado o art. 62, com o mesmo conteúdo do projeto original, cuja tramitação permanecerá suspensa até deliberação final da medida provisória. § 6º O prazo a que se refere o § 5º suspender-se-á durante os períodos de recesso do Con-gresso Nacional.” Assim, nos termos da redação proposta para o § 3º o elenco apresentado pela Constituição passa de exemplificativo para taxativo, o que restringirá a possibilidade de aplicação do crédito extraordinário. Por outro lado, o novel § 5º combinado com o disposto no artigo 62, § 1º, I, d, esta-belece a possibilidade de abertura de créditos suplementares e especiais por intermédio de Medida Provisória, caso “decorrido o prazo de setenta e cinco dias de seu envio pelo Poder Executi-vo, não tenha sua votação concluída no Congresso Nacional”. BRASIL. Poder Legislativo. Câmara dos Deputados. PEc nº 511-A, de 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br >. Pesquisa realizada em 27.05.2008.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 99

n° 4.048/DF, ainda não existia formalmente a lei de conversão (não havia sido promulgada nem publicada), mas apenas sua aprovação pelo Congresso Nacional, fato que não foi comunicado oficialmente nos autos, tendo sido objeto de considerações tecidas pelo Advogado-Geral da União em sua sustentação oral. Após os votos dos Ministros Eros Grau, Cármen Lúcia, Carlos Britto e Marco Aurélio, além do voto por mim proferido na qualidade de Relator, no sentido da concessão da medida cautelar, o julgamento foi suspenso para esperar os votos dos Ministros Menezes Direito, Ellen Gracie e Celso de Mello, ausentes na ocasião, justificadamente. No dia 22 de abril, data da publicação da lei de conversão (Lei n° 11.658/2008), o requerente, Partido da Social Democracia Brasileira — PSDB, aditou o pedido inicial para incluir no objeto desta ação a referida lei. Argumentou o partido político que não houve qualquer alteração no texto original da MP n° 405/2007. Eis o teor da Lei n° 11.658/2008:

“Art. 1o Fica aberto crédito extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do Poder Executivo, no valor global de R$ 5.455.677.660,00 (cinco bilhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco milhões, seiscentos e setenta e sete mil, seiscentos e sessenta reais), para atender à programação constante dos Anexos I e III des-ta Lei. Art. 2o Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1o decorrem de:

I — superávit financeiro apurado no Balanço Patrimonial da União do exercício de 2006, no valor de R$ 3.995.542.240,00 (três bilhões, novecentos e noventa e cinco milhões, quinhentos e qua-renta e dois mil, duzentos e quarenta reais);

II — excesso de arrecadação no valor de R$ 670.252.213,00 (seiscentos e setenta milhões, duzentos e cinqüenta e dois mil, du-zentos e treze reais);

III — anulação parcial de dotações orçamentárias, no valor de R$ 370.837.862,00 (trezentos e setenta milhões, oitocentos e trinta e sete mil, oitocentos e sessenta e dois reais), conforme indicado no Anexo II desta Lei;

IV — ingresso de operação de crédito relativa ao lançamento de Títulos da Dívida Agrária, no valor de R$ 417.115.345,00 (quatro-centos e dezessete milhões, cento e quinze mil, trezentos e quarenta e cinco reais); e

V — repasse da União sob a forma de participação no capital de empresas estatais, no valor de R$ 1.930.000,00 (um milhão, nove-centos e trinta mil reais).

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

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FGV DIREITO RIO 100

Tendo em vista que não houve qualquer alteração substancial no texto original da MP n° 405/2008, não vejo qualquer obstáculo pro-cessual ao prosseguimento do julgamento. O Tribunal tem entendido que a lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória, como se pode observar nos precedentes das ADI n°s 3.090 e 3.100, cujo acórdão está assim ementado:

“EMENTA: Medida cautelar em ação direta de inconstituciona-lidade. Medida Provisória nº 144, de 10 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, altera as Leis nºs 5.655, de 1971, 8.631, de 1993, 9.074, de 1995, 9.427, de 1996, 9.478, de 1997, 9.648, de 1998, 9.991, de 2000, 10.438, de 2002, e dá outras providências. 2. Medida Provisória convertida na Lei n° 10.848, de 2004. Questão de ordem quanto à possibilidade de se analisar o alegado vício formal da medida provisória após a sua con-versão em lei. A lei de conversão não convalida os vícios formais porventura existentes na medida provisória, que poderão ser ob-jeto de análise do Tribunal, no âmbito do controle de constitu-cionalidade. Questão de ordem rejeitada, por maioria de votos. Vencida a tese de que a promulgação da lei de conversão preju-dica a análise dos eventuais vícios formais da medida provisória. 3. Prosseguimento do julgamento quanto à análise das alegações de vícios formais presentes na Medida Provisória n° 144/2003, por violação ao art. 246 da Constituição: “É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”. Em princípio, a medida provisória impugnada não viola o art. 246 da Constituição, tendo em vista que a Emenda Constitucional n° 6/95 não promoveu alteração substancial na disciplina constitucional do setor elétrico, mas restringiu-se, em razão da revogação do art. 171 da Constitui-ção, a substituir a expressão “empresa brasileira de capital nacional” pela expressão “empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país”, incluída no § 1º do art. 176 da Constituição. Em verdade, a Medida Provisória n° 144/2003 não está destinada a dar eficácia às modificações introduzidas pela EC n° 6/95, eis que versa sobre a matéria tratada no art. 175 da Consti-tuição, ou seja, sobre o regime de prestação de serviços públicos no setor elétrico. Vencida a tese que vislumbrava a afronta ao art. 246 da Constituição, propugnando pela interpretação conforme a Cons-tituição para afastar a aplicação da medida provisória, assim como da lei de conversão, a qualquer atividade relacionada à exploração

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 101

do potencial hidráulico para fins de produção de energia. 4. Medida cautelar indeferida, por maioria de votos.”Assim, recebido o pedido de aditamento formulado pelo partido re-

querente, reformulo a parte dispositiva do voto para, deferindo o pedi-do de medida cautelar, suspender a vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008.

(...)Como se pode constatar, pela leitura atenta da exposição de motivos

da MP n° 405/2007, os créditos abertos são destinados a prover despe-sas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. É bem verdade que, em alguns casos, é possível identificar situações específicas caracterizadas pela relevância dos temas. São os casos, por exemplo, dos créditos destinados à redução dos riscos de in-trodução da gripe aviária e de outras doenças exóticas na cadeia avícola brasileira; aqueles destinados às operações de policiamento nas rodovias federais e de investigação, repressão e combate ao crime organizado e para evitar a invasão de terras indígenas, assim como para solver a grave situação dos sistemas penitenciários com superpopulação carcerária; os créditos destinados ao aporte imediato de recursos extras para o paga-mento de benefícios aos agricultores familiares do semi-árido que tive-ram perdas na última safra; e, enfim, os créditos destinados a evitar a ocorrência de crise aérea, para impedir o risco de acidentes com as aero-naves da Força Aérea Brasileira, assim como para evitar a suspensão dos serviços de vigilância territorial. Não é possível negar que, nesses casos, existem fatos relevantes que necessitam, impreterivelmente, de recursos suficientes para evitar o desencadeamento de uma situação de crise. É preciso bem observar, porém, que são aportes financeiros destinados à adoção de mecanismos de prevenção em relação a situações de risco previsíveis. A situação de crise ainda não está configurada, de modo que faltam os elementos da imprevisibilidade e da urgência para carac-terizar a necessidade da abertura do crédito extraordinário. Assim, por exemplo, se, por um lado, não se pode negar a relevância da abertura de créditos para a prevenção contra a denominada gripe aviária, por outro lado pode-se constatar que, nessa hipótese, os recursos são destinados à prevenção de uma possível calamidade pública ainda não ocorrida. Não há calamidade pública configurada e oficialmente decretada, mas apenas uma situação de risco previamente conhecida. Também as áre-as de segurança, agricultura e aviação civil apresentam problemas que indubitavelmente carecem do aporte de recursos financeiros com certa urgência, mas todos são decorrentes de fatos plenamente previsíveis. Nenhuma das hipóteses previstas pela medida provisória configuram situações de crise imprevisíveis e urgentes, suficientes para a abertura de

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FGV DIREITO RIO 102

209 BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI 4048-MC. Julga-mento em 14.05.2008. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pesquisa realizada em 26.05.2008. Nas “Notícias do STF”, disponíveis no mesmo sítio, do dia 14 de Maio de 2008, é apresentado o seguinte informe: “Supremo suspen-de lei que abriu créditos extraordiná-rios no orçamento “O chefe do poder Executivo da União transformou-se em verdadeiro legislador solitário da Repú-blica”, disse o ministro Celso de Mello, ao salientar que, na edição de medidas provisórias, o presidente da República deve observar os requisitos constitu-cionais da urgência e da relevância.” Em que pese a decisão, no mesmo dia em que o STF concedeu a liminar na ADI, o Poder Executivo publicou em Diário Oficial de edição extra, a Medida Pro-visória nº 430, de 14 de maio de 2008, cujos artigo 1° e 2° estabelecem: “Art. 1° Fica aberto, em favor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, crédito extraordinário no valor de R$ 7.560.000.000,00 (sete bilhões, qui-nhentos e sessenta milhões de reais), para atender à programação constante do Anexo desta Medida Provisória. Art. 2° Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1o decor-rem de superávit financeiro apurado no Balanço Patrimonial da União do exercício de 2007, relativo a Recursos Ordinários.”

210 Em novembro de 2008, seguindo a mesma linha de entendimento, conforme noticiado no site do STF, “O Supremo Tribunal Federal declarou, em caráter liminar, a inconstitucionalidade da Medida Provisória 402 (convertida na Lei 11.656/08), que abriu crédito extraordinário de R$ 1,65 bilhão no orçamento federal para uso em obras, rodoviárias ou transposição de rios, entre outros. O argumento da maioria – seis ministros – é de que os eventos que justificariam esses gastos não po-dem ser considerados imprevisíveis, de calamidade pública e comoção interna” (ADI 4049).

créditos extraordinários. Há, aqui, um patente desvirtuamento dos pa-râmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. E esse não é um caso raro. Impressiona a quantidade elevada de medidas provisórias editadas, no último ano, pelo Presidente da República, para abertura de créditos su-plementares ou especiais travestidos de créditos extraordinários. Desde o início do ano de 2007, já se podem contar mais de 20 medidas provi-sórias destinadas à abertura de créditos de duvidosa natureza extraordi-nária (MP n°s 343, 344, 346, 354, 356, 364, 365, 367, 370, 376, 381, 383, 395, 399, 400, 402, 405, 406, 408, 409, 420 e 423).

É papel desta Corte assegurar a força normativa da Constituição e es-tabelecer limites aos eventuais excessos legislativos dos demais Poderes. Com essas considerações, voto pela concessão da medida cautelar, para suspender a vigência da Medida Provisória n° 405, de 18.12.2007.”

O Tribunal209, por maioria (6 votos contra 5), concedeu a liminar, nos termos do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes (Presidente), vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gra-cie e Menezes Direito.

Essa decisão, além de sua importância em função das razões de decidir — primeiramente, no que se refere à eficácia do controle concentrado sobre as leis de conversão, confirmando a jurisprudência das citadas ADI n°s 3.090 e 3.100, e bem assim por ser paradigmática no delineamento dos requisitos necessários à abertura de créditos extraordinários210, os quais pressupõem, cumulativamente (1) urgência, (2) relevância e (3) imprevisibilidade — tam-bém é emblemática por consolidar a mudança de posição do STF relativa-mente ao cabimento do controle de constitucionalidade das leis orçamentá-rias pela via da ação direta. De fato, conforme já apontado anteriormente, a jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal era no sentido de considerar a lei de efeito concreto como inidônea para o controle abstrato de normas, razão pela qual considerava, majoritariamente, inadmissível a ação direta de inconstitucionalidade contra lei orçamentária que destinasse deter-minada soma pecuniária ou percentagem de receita fixada para finalidade/despesa específica, posto não serem as normas dotadas de abstração e genera-lidade. Nesse sentido, entre outras, deve-se mencionar a ADI 1640, ADI 2057 e ADI 2484. Essa jurisprudência, conforme acima ressaltado, tem sido mitigada nos últimos anos, em especial no julgamento da ADI 2.925, que marcou uma nova etapa na posição do Tribunal, que já havia, é verdade, de-cidido pela possibilidade do exame do mérito do controle em outras ocasiões, como na ADI 2108 e ADPF 63. Assim, o juízo de admissibilidade da ADI-MC 4048 reafirma a posição do Tribunal no mesmo sentido da ADI 2.925, a qual possui a seguinte ementa:

209. BRASIL. Poder Judiciário. Supre-mo Tribunal Federal. aDi 4048-Mc. Julgamento em 14.05.2008. Dis-ponível em: < http://www.stf.gov.br >. Pesquisa realizada em 26.05.2008. Nas “Notícias do STF”, disponíveis no mesmo sítio, do dia 14 de Maio de 2008, é apresentado o seguinte infor-me: “Supremo suspende lei que abriu créditos extraordinários no orçamento “o chefe do poder executivo da união transformou-se  em verdadeiro legislador solitário da república”, disse o ministro Celso de Mello, ao salientar que, na edição de medidas provisórias, o pre-sidente da República deve observar os requisitos constitucionais da urgência e da relevância.” Em que pese a decisão, no mesmo dia em que o STF concedeu a liminar na ADI, o Poder Executivo pu-blicou em Diário Oficial de edição extra, a Medida Provisória nº 430, de 14 de maio de 2008, cujos artigo 1° e 2° esta-belecem: “Art. 1° Fica aberto, em favor do Ministério do Planejamento, Orça-mento e Gestão, crédito extraordinário no valor de R$ 7.560.000.000,00 (sete bilhões, quinhentos e sessenta milhões de reais), para atender à programação constante do Anexo desta Medida Pro-visória. Art. 2° Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1o decorrem de superávit fi-nanceiro apurado no Balanço Patri-monial da União do exercício de 2007, relativo a Recursos Ordinários.”

210. Em novembro de 2008, seguindo a mesma linha de entendimento, con-forme noticiado no site do STF, “O  Su-premo Tribunal Federal declarou, em caráter liminar, a inconstitucionalidade da Medida Provisória 402 (convertida na Lei 11.656/08), que abriu crédito extraordinário de R$ 1,65 bilhão no or-çamento federal para uso em obras, ro-doviárias ou transposição de rios, entre outros. O argumento da maioria — seis ministros — é de que os eventos que justificariam  esses gastos  não podem ser considerados imprevisíveis, de ca-lamidade pública e comoção interna” (ADI 4049).

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 103

6.2 a viGência dos créditos orçamentários

No que se refere à vigência dos créditos adicionais, duas regras são apli-cáveis: (1) a primeira, no sentido de que os créditos suplementares somen-te são vigentes no exercício financeiro em que forem abertos, vedada a sua prorrogação, nos termos do artigo 45 da Lei n º 4.320/64 (“Art. 45. Os cré-ditos adicionais terão vigência adstrita ao exercício financeiro em que forem abertos, salvo expressa disposição legal em contrário, quanto aos especiais e extraordinários.”); e (2) aos créditos especiais e extraordinários, exceções ao princípio da Anualidade Orçamentária, conforme já mencionado na aula passada, aplica-se o disposto no artigo 167, § 2º, da CR-88 que dispõe, in verbis:

§ 2º — Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for pro-mulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício fi-nanceiro subseqüente.

A aplicabilidade desses dispositivos pode ser melhor explicitada por meio do gráfico a seguir:

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 104

O quadro abaixo consolida o que foi até aqui exposto relativamente às características e especificidades das três espécies de Créditos Adicionais:

créditos suplementares créditos Especiais créditos Extraordinários

Objetivo

reforça e supre a dotação de despesa já prevista no orçamento, a qual, entre-tanto, ao longo do exer-

cício financeiro, revela-se insuficientemente dotada

Permitir a realização de programa e despesa não contemplada no

orçamento.

Atendimento das despesas urgentes e imprevisíveis.

autorização legislativa

Prévia, em lei especial, ou na própria LOA que pode delegar competência ao

Poder Executivo (art. 165, § 8º, e 167, V, da CR-88)

Prévia, somente por meio de lei específica.

(art. 167, V, da CR-88)

Posterior, tendo em vista a possibilidade de abertura

do crédito por Medida Pro-visória ou Decreto Estadual.

(art. 167, §3º, CR-88)

Forma de abertura

Decreto do Poder Executivo

Decreto do Poder Executivo

Medida Provisória ou Decreto do Executivo

indicação de Recurso

Obrigatória, devendo estar expressa na lei autorizado-ra e no Decreto que efetiva

a abertura do crédito.

Obrigatória, devendo estar expressa na lei autorizadora e no Decreto que efetiva a

abertura do crédito.

Independe de Indicação

indicação de limite

Obrigatória, devendo estar expressa na lei autorizado-ra e no Decreto que efetiva

a abertura do crédito.

Obrigatória, devendo estar expresso na lei autorizadora e no Decreto que efetiva a

abertura do crédito.

Obrigatória, devendo estar expresso no ato que efetiva a abertura do crédito (MP ou Decreto do Executivo).

Vigência e possibilidade de prorroga-

ção

Restrita ao exercício finan-ceiro em que foi aberto,

sem possibilidade de prorrogação.

Em regra no exercício financeiro em que foi

aberto, mas permitida para o exercício seguinte. na

hipótese de previsão na lei autorizadora e, também,

ter sido autorizado durante os últimos quatro meses do exercício financeiro.

Em regra no exercício financeiro em que foi

aberto, mas permitida para o exercício seguinte. na hipótese de previsão no

ato autorizador e, ainda, ter sido autorizado durante os últimos quatro meses do

exercício financeiro.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 105

211 Dispõe a atual redação da CR-88 que “recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os cré-ditos suplementares e especiais, desti-nados aos órgãos dos Poderes Legisla-tivo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei comple-mentar a que se refere o art. 165, § 9º”.

212 Nos termos do § 2º do artigo 134 da CR-88, com as sua redação con-ferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, “Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de dire-trizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”.

Por fim, cumpre destacar que, visando garantir a autonomia e indepen-dência dos Poderes, o artigo 168 da CR-88 estabelecia em sua redação origi-nal que os “recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreen-didos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º”. No mesmo sentido, a Emenda Constitucional nº 45/2004211 alterou a redação do dispositivo, para incluir a Defensoria Pública212 no rol dos desti-natários, bem como para determinar que a entrega será efetivada “em duodé-cimos”. Destaque-se que, para os fins dessa entrega de recursos financeiros, fixada constitucionalmente, relativamente à despesa total com pessoal, o Po-der Executivo considerará, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, a resultante da aplicação dos percentuais limites definidos na lei, ou aqueles fixados na lei de diretrizes orçamentárias por Poder e órgão. Conforme será salientado na próxima aula, a LRF, disciplinando o disposto no artigo 169 da Constituição, estabeleceu limites de despesa total com pessoal, em cada perí-odo de apuração e em cada ente da Federação, em relação aos percentuais da receita corrente líquida. Assim, quando do repasse dos recursos mensais aos demais Poderes e à Defensoria Pública, o Poder Executivo deve observar os limites de despesa com pessoal de que tratam os artigos 169 da CR-88 com-binado com os artigos 18 a 20 da LRF.

211. Dispõe a atual redação da CR-88 que “recursos correspondentes às do-tações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pú-blica, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodéci-mos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º”.

212. Nos termos do § 2º do artigo 134 da CR-88, com as sua redação conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, “Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de dire-trizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”.

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FGV DIREITO RIO 106

213 O artigo 167 da CR-88 estabelece que: “São vedados: I — o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II – a realiza-ção de despesas ou assunção de obriga-ções diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; (...)”, ao passo que o §8°, do art. 165, determina que a lei orçamentária anual (LOA) fixa as despesas.

214 A antecedência, conforme já estuda-do, é dispensada na hipótese de edição de Medida Provisória ou de Decreto para a abertura de créditos extraordi-nários.

215 BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 73.

216 HARADA, Hiyoshi. Direito Finan-ceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.20.

AulA 7 — A desPesA PúblicA, A execução do orçAmento e A resPonsAbilidAde FiscAl.

Após o estudo dos aspectos mais relevantes dos orçamentos e dos créditos orçamentários iniciais e adicionais, requisitos essenciais à realização das despe-sas públicas, impõe-se agora examinar este componente da atividade financeira do Estado de forma individualizada, assim como alguns mecanismos para o seu controle. Antes, porém, importante salientar que a interação da Despesa com a Receita Pública pode ser analisada em dois planos distintos: o primeiro, no momento da elaboração do orçamento anual, e, o segundo, quando da execu-ção orçamentária. Nos termos já exaustivamente enfatizados, desde a edição da Emenda Constitucional nº 1/69, as Receitas Públicas cogentes ou não, ao con-trário da Despesas, não têm como requisito necessário prévia autorização orça-mentária para a sua realização, isto é, o exercício da competência tributária e a arrecadação das demais receitas não dependem de autorização legislativa anual. A Despesa, em sentido oposto, conforme já repetidamente salientado nas aulas anteriores, pressupõe autorização legislativa213 (prévia214 ou não), renovada anualmente, a qual fixe, monetariamente, o limite de crédito conferido aos executores do orçamento, por meio da denominada dotação orçamentária. A definição da despesa e do montante de gastos, portanto, decorrem de uma de-cisão política, a qual, considerando diversos fatores de natureza econômica, social, cultural e histórica, delineia as funções e determina o modelo de atuação estatal. De fato, a despesa pública é o instrumento de que se vale o Poder Pú-blico moderno para realizar os serviços públicos tendentes a satisfazer as neces-sidades coletivas, fixadas pelo processo político como finalidades do Estado (ex: saúde, segurança, educação etc). Corresponde à aplicação de certa quantia em dinheiro por parte da autoridade ou agente público competente215.

Salienta Kiyoshi Harada216, entretanto, que:

ainda sobrevivem alguns processos de funcionamento de serviços públicos, sem despesa pública, na área de prestação de serviços espo-rádicos: presidentes e membros de mesas receptoras e apuradoras de eleições; membros do Conselho Penitenciário; júri; outras funções gra-tuitas existem, compensadas com as honrarias mediante atribuição, por lei, de nota de ‘relevante serviço público prestado’. É certo, porém, que a gratuidade da função é exceção, restrita a algumas esferas onde não se exigem a assiduidade, a regularidade e a continuidade do serviço público (para quem presta o serviço), dado o seu caráter temporário.

Ressalvadas essas exceções, importante frisar que a realização da despesa requer, em regra, a adoção de diversos outros procedimentos, além da aquies-cência parlamentar, tais como a licitação, o empenho, a liquidação até que

213. O artigo 167 da CR-88 estabelece que: “São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II — a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adi-cionais; (...)”, ao passo que o §8°, do art. 165, determina que a lei orçamen-tária anual (LOA) fixa as despesas.

214. A antecedência, conforme já estudado, é dispensada na hipótese de edição de Medida Provisória ou de Decreto para a abertura de créditos extraordinários.

215. BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 73.

216. HARADA, Hiyoshi. Direito Fi-nanceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.20.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 107

217 GIAMBIAGI e ALÉM. Op. Cit. p. 10.

218 REZENDE, Fernando. Finanças Pú-blicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.27-41.

219 GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláu-dia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 4.

ocorra o efetivo pagamento. Ainda, nos mesmos termos da receita, a despesa comporta variadas classificações, dependendo do interesse envolvido. Des-taca-se entre elas a classificação legal com base em fundamento econômico que as subdivide em despesas correntes e de capital. O Manual de Despesa Nacional, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges-tão, disponibilizada no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br, fixa importante classificação da despesa quanto à dependência da execu-ção orçamentária (Despesa resultante da execução orçamentária — aquela que depende de autorização orçamentária para acontecer. Exemplo: despesa com salário, despesa com serviço, etc.e Despesa independente da execução orçamen-tária — aquela que independe de autorização orçamentária para acontecer. Exemplo: constituição de provisão, despesa com depreciação, etc.), conforme será examinado adiante. Importante mencionar, ainda, a relevância da já ci-tada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a qual, ao lado da lei de licitações públicas, visa o controle e a transparência dos gastos públicos.

Preliminarmente, entretanto, cumpre salientar que Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além217, analisando os dados indicativos das despesas desde o final do século XIX, em uma perspectiva de longo prazo concluem que:

(...) a crescente complexidade dos sistemas econômicos no mundo como um todo tem levado a um aumento da atuação do governo, que tem se refletido no aumento da participação dos gastos do setor público ao longo do tempo. A percentagem dos gastos públicos sobre o PIB passou de uma média internacional, no grupo de países mais desenvolvidos do mundo, de cerca de 11% no final do século XIX, para algo em torno de 46% em 1996. (grifo nosso)

Os economistas apontam em geral razões de ordens distintas para a atua-ção estatal, as denominadas “determinantes das despesas públicas”:218 as fa-lhas de mercado, envolvendo a existência de bens públicos, caracterizados pela impossibilidade de exclusão do seu consumo e por ser “não-rival”, isto é, “o consumo por parte de um indivíduo ou de um grupo social não prejudica o consumo do mesmo bem pelos demais integrantes da sociedade”219, bem como as externalidades, o poder de mercado, e as informações assimétricas.

Independentemente da teoria econômica que lhe dê sustentação, o que se verifica no Brasil, bem como nos países mais ricos do mundo ocidental, é o crescimento ou o elevado volume de despesas governamentais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Antes da apresentação das diversas classi-ficações da despesa pública orçamentária, proceder-se-á a explicitação das diversas etapas necessárias à sua efetivação.

217. GIAMBIAGI e ALÉM. Op. Cit. p. 10.

218. REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.27-41.

219. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 4.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 108

220 O artigo 37, XXI, da CR-88 prevê que: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados me-diante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de paga-mento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indis-pensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A Lei n° 8.666/93, por sua vez, com fundamento no disposto no citado ar-tigo 37, XXI, da CR-88, no seu artigo 7°, § 2°, e 14, aplicáveis subsidiariamente também à modalidade de pregão, disciplinada pela Lei n° 10.520/02, estabelece que as compras, as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorren-tes, a serem executadas no exercício financeiro, sob pena de nulidade do ato ou do contrato e de responsabili-dade de quem lhe tiver dado causa. Assim, ressalvadas as hipóteses de inexigibilidade, de dispensa ou de sua inaplicabilidade, em face da natureza do desembolso, tal como as diárias para atender as despesas de viagens pagas aos seus servidores, a realização da despesa pressupõe o procedimento licitatório. Estabelece, ainda, a lei das licitações e contratos, em seu artigo 5°, §§ 1° e 2°, que o pagamento de correção, sobre os valores contratados, por critérios previstos no próprio ato convocatório, visando à preservação do respectivo valor, será feito junto com o principal e será efetivado à conta das mesmas dotações orçamentárias que atenderam aos créditos a que se referem. A lei determina ainda, no parágrafo único do artigo 8° que: “É proibido o retardamento imotivado da execução de obra ou serviço, ou de suas parcelas, se existente previsão orça-mentária para sua execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem técnica, justificados em despacho circunstanciado da auto-ridade a que se refere o art. 26 desta Lei”. Devem ser observados, ainda, os artigos 57 e 65, § 8°.

221 Conforme foi examinado na aula passada, a dotação orçamentária é a medida, valor ou quantificação mone-tária do recurso aportado no orçamen-to a determinado programa, atividade, projeto, categoria econômica ou objeto de despesa pública, conforme decidido pelo parlamento.

222 As dotações correspondentes a cré-ditos contingenciados não podem ser objeto de empenho, já que não são disponíveis.

7.1 as diversas etaPas Para a realização da desPesa orçamentária

A realização da despesa orçamentária perpassa e se estende, em termos gerais, pelas seguintes fases: (1) planejamento da despesa e a previsão no or-çamento ou em créditos adicionais, consignado dotação orçamentária pró-pria; (2) a realização do procedimento licitatório220 nas hipóteses determina-das em lei, ressalvados os casos de sua inexigibilidade, dispensa ou inaplicabilidade (matéria pertinente ao estudo da disciplina dos atos admi-nistrativos); (3) o empenho; (4) a liquidação; (5) o pagamento e o (6) contro-le e a avaliação.

Assim, considerando o escopo desta disciplina e tendo em vista que a fi-xação dos créditos orçamentários e adicionais já foi objeto de exame na aula anterior e o controle e a avaliação das despesas será estudado na Aula 12, se-rão analisados, no momento, apenas os três estágios da despesa referidos nos artigo 58 a 70 da Lei n° 4.320/64, na ordem em que os mesmos ocorrem no mundo real: (1) o empenho; (2) a liquidação e (3) o pagamento.

7.1.1 o empenho da despesa

O empenho consiste na reserva de dotação221 orçamentária para um fim específico, ou seja, é o “ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado a obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de con-dição” (artigo 58 da Lei n° 4.320/64).

Consoante o disposto no artigo 60 da Lei n° 4.320/64, é vedada a realiza-ção de despesa sem prévio empenho, o qual não pode exceder o limite dos créditos concedidos e as dotações disponíveis.222 Ressalte-se, entretanto, a possibilidade do empenho ser contemporâneo à realização de despesa, e não prévio, na hipótese de urgência, conforme previsto no parágrafo único do artigo 24 do Decreto Federal n° 93.872/86.

Do empenho extrai-se a denominada Nota de Empenho223, a qual indica-rá o nome do credor, a representação e a importância da despesa, simbolizan-do, também, o ato que formaliza a dedução do gasto do saldo existente da respectiva dotação. Ou seja, ao realizar o empenho já é abatido o montante da despesa da dotação orçamentária própria (prevista no orçamento), tornan-do-o indisponível à nova utilização. Saliente-se, entretanto, ser possível o re-forço de empenho já realizado, em face de sua eventual insuficiência. Ele pode ainda ser anulado, total ou parcialmente, hipótese em que o montante respectivo é revertido à dotação disponível.224 Conforme será analisado abai-xo, a despesa pode ser ou não liquidada e paga no mesmo exercício financei-ro no qual ocorre o empenho a ela relacionado.

220. O artigo 37, XXI, da CR-88 prevê que: “ressalvados os casos especifica-dos na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de paga-mento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indis-pensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

<nota3>A Lei n° 8.666/93, por sua vez, com fundamento no disposto no citado artigo 37, XXI, da CR-88, no seu artigo 7°, §  2°, e 14, aplicáveis subsidiariamente também à modali-dade de pregão, disciplinada pela Lei n° 10.520/02, estabelece que as compras, as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorren-tes, a serem executadas no exercício financeiro, sob pena de nulidade do ato ou do contrato e de responsabili-dade de quem lhe tiver dado causa. Assim, ressalvadas as hipóteses de inexigibilidade, de dispensa ou de sua inaplicabilidade, em face da natureza do desembolso, tal como as diárias para atender as despesas de viagens pagas aos seus servidores, a realização da despesa pressupõe o procedimento licitatório. Estabelece, ainda, a lei das licitações e contratos, em seu artigo 5°, §§  1° e 2°, que o pagamento de correção, sobre os valores contratados, por critérios previstos no próprio ato convocatório, visando à preservação do respectivo valor, será feito junto com o principal e será efetivado à conta das mesmas dotações or-çamentárias que atende-ram aos créditos a que se referem. A lei determina ainda, no parágrafo  único do artigo  8° que:  “É proibido o retardamento imotivado da execução de obra ou serviço, ou de suas parcelas, se existente previsão orça-mentária para sua execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem técnica, justificados em despacho circunstanciado da auto-ridade a que se refere o art. 26 desta Lei”. Devem ser observados, ainda, os artigos 57 e 65, § 8°.

221. Conforme foi examinado na aula passada, a dotação orçamentária é a medida, valor ou quantificação mone-tária do recurso aportado no orçamen-to a determinado programa, atividade, projeto, categoria econômica ou objeto de despesa pública, conforme decidido pelo parlamento.

222. As dotações correspondentes a créditos contingenciados não podem ser objeto de empenho, já que não são disponíveis.

223. MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.93. “Segundo a Sú-mula 279 do STJ, ‘é cabível execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública’. Assim, embora se processe sob procedimento específico (arts. 730 e 731 do CPC, e art. 100 da CF), admite-se a execução contra a Fazen-da Pública não só quando fundada em título judicial, mas, também, em título extrajudicial. Dentre outros, tem sido considerados títulos hábeis à execução contra a Fazenda Pública a nota de empenho e a autorização de despesas, pois tais declara-ções constituem documentos públicos, que são títulos executivos ex vi do art. 585, II, do CPC” (grifo nosso). Em nota de rodapé o autor esclarece: “Assim, considera-se documento público o ‘pro-duzido por autoridade, ou em sua pre-sença, com a respectiva chancela, des-de que tenha competência para tanto’ (STJ, 5.ª T., REsp 599.634/MA, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 07.11.2006, DJ 27.11.2006, p. 310), tal como ocorre, por exemplo, com a Câmara Municipal, que ‘tem competência para emitir tí-tulo executivo extrajudicial em relação aos pagamentos de seus membros e de seus funcionários’ (STJ, 2.ª T., REsp 594.874/MA, rel. Min. Castro Meira, j. 06.12.2005, DJ 19.12.2005, p. 322), contrato de prestação de serviço firma-do com a administração pública (STJ, 1.ª T., REsp 487.913/MG, rel. Min. José Delgado, j. 08.04.2003, DJ 09.06.2003, p. 188). Não foi considerado docu-mento público, no entanto, ‘o contrato firmado entre empresa privada e entidade da administração pública indireta, dotada de personalidade jurí-dica de direito privado — sociedade de economia mista’”.

224. O artigo 28 do Decreto Federal n° 93.872/86 disciplina a hipótese da anulação do empenho em função da redução ou do cancelamento no exer-cício financeiro do compromisso que o ensejou. Já o artigo 35 do mesmo diploma normativo trata do caso em que a anulação do empenho decorre da não liquidação da despesa até o final do exercício, salvo as exceções que aponta.

FINANÇAS PúBLICAS

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223 MEDINA, José Miguel Garcia. Execu-ção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.93. “Segundo a Súmula 279 do STJ, ‘é cabível execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública’. Assim, embora se processe sob pro-cedimento específico (arts. 730 e 731 do CPC, e art. 100 da CF), admite-se a execução contra a Fazenda Pública não só quando fundada em título judicial, mas, também, em título extrajudicial. Dentre outros, tem sido considerados títulos hábeis à execução contra a Fa-zenda Pública a nota de empenho e a autorização de despesas, pois tais declarações constituem documentos públicos, que são títulos executivos ex vi do art. 585, II, do CPC” (grifo nosso). Em nota de rodapé o autor esclarece: “Assim, considera-se documento públi-co o ‘produzido por autoridade, ou em sua presença, com a respectiva chan-cela, desde que tenha competência para tanto’ (STJ, 5.ª T., REsp 599.634/MA, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 07.11.2006, DJ 27.11.2006, p. 310), tal como ocorre, por exemplo, com a Câ-mara Municipal, que ‘tem competência para emitir título executivo extrajudi-cial em relação aos pagamentos de seus membros e de seus funcionários’ (STJ, 2.ª T., REsp 594.874/MA, rel. Min. Castro Meira, j. 06.12.2005, DJ 19.12.2005, p. 322), contrato de prestação de serviço firmado com a administração públi-ca (STJ, 1.ª T., REsp 487.913/MG, rel. Min. José Delgado, j. 08.04.2003, DJ 09.06.2003, p. 188). Não foi conside-rado documento público, no entanto, ‘o contrato firmado entre empresa priva-da e entidade da administração pública indireta, dotada de personalidade jurí-dica de direito privado – sociedade de economia mista’”.

224 O artigo 28 do Decreto Federal n° 93.872/86 disciplina a hipótese da anulação do empenho em função da redução ou do cancelamento no exer-cício financeiro do compromisso que o ensejou. Já o artigo 35 do mesmo diploma normativo trata do caso em que a anulação do empenho decorre da não liquidação da despesa até o final do exercício, salvo as exceções que aponta.

225 O Manual de Despesa Nacional (item 6.2.1) reconhece que: “Embora o artigo 61 da Lei nº 4.320/1964 estabeleça a obrigatoriedade do nome do credor no documento Nota de Empenho, em alguns casos, como na Folha de Paga-mento, torna-se impraticável a emissão de um empenho para cada credor, tendo em vista o número excessivo de credores (servidores). Caso não seja necessária a impressão do documento “Nota de Empenho”, o empenho ficará arquivado em banco de dados, em tela com formatação própria e mo-delo oficial, a ser elaborado por cada ente da federação em atendimento às suas peculiaridades. Ressalta-se que o

A legislação, em casos especiais, pode dispensar a emissão da nota de em-penho225 — mas não o empenho em si —, como no caso das despesas de caráter continuado, o que ocorre com as despesas de pessoal, encargos sociais e, ainda, de sentenças judiciais, juros e encargos da dívida, etc.

Esse estágio da despesa pode ser subdividido em três etapas: (1) a autoriza-ção, na qual o ordenador226 manifesta a aquiescência com a despesa, ou seja, é o ato formal da autoridade competente que permite a realização do gasto, em função do reconhecimento de dívida, do suprimento de fundo ou da autori-zação de pagamento; (2) a indicação da modalidade de licitação, sua inaplica-bilidade, dispensa ou inexigibilidade; e (3) a emissão da nota de empenho, ato pelo qual é formalizada a sua realização e comprovada a dedução do valor da despesa do saldo disponível na dotação orçamentária respectiva, nos termos já salientados. Considerando, ainda, a adoção do sistema informatizado de ad-ministração financeira pela União e diversas unidades federadas (SIAFI e o SIAFEM), pode-se apontar em algumas circunstâncias, também, uma fase antecedente ao próprio empenho, momento no qual é extraído um documen-to designado de pré-empenho, por meio do qual o gestor público reserva de-terminada dotação e registra o compromisso assumido227.

Diversos dispositivos da citada Lei de Responsabilidade Fiscal tratam do empenho e da sua limitação, tais como: (a) o artigo 4°, o qual estabelece que lei de diretrizes orçamentárias deve dispor, também, sobre critérios e forma de limitação de empenho; (b) o já citado artigo 9°, que trata da hi-pótese da realização da receita não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, caso em que os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira; (c) o artigo 42, que veda ao titular de Poder ou órgão referidos na lei, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, con-trair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito; (d) o artigo 65, que esta-belece a dispensa de limitação de empenho e do atingimento dos resultados fiscais, no caso de ocorrência de calamidade pública, enquanto perdurar a situação, assim reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Casas Legislativas, na hipótese dos Estados (Assembléias Legislativas) e Municípios (Câmaras Municipais). Saliente-se, ainda, que o empenho e a li-citação de serviços, o fornecimento de bens ou a execução de obras têm como requisito necessário, na hipótese da criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental, que acarrete aumento da despesa: (1) a apresentação da estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes; e (2) de declaração do ordenador da despesa no sentido de que o aumento tem adequação orçamentária e finan-

225. O Manual de Despesa Nacional (item 6.2.1) reconhece que: “Embora o artigo 61 da Lei nº 4.320/1964 esta-beleça a obrigatoriedade do nome do credor no documento Nota de Empe-nho, em alguns casos, como na Folha de Pagamento, torna-se impraticável a emissão de um empenho para cada cre-dor, tendo em vista o número excessivo de credores (servidores). Caso não seja necessária a impressão do documento “Nota de Empenho”, o empenho ficará arquivado em banco de dados, em tela com formatação própria e mo-delo oficial, a ser elaborado por cada ente da federação em atendimento às suas peculiaridades. Ressalta-se que o artigo 60 da Lei nº 4.320/1964 veda a realização da despesa sem prévio em-penho. Entretanto, o § 1º do referido artigo estabelece que, em casos espe-ciais, pode ser dispensada a emissão do documento “nota de empenho”. Ou seja, o empenho, propriamente dito, é indispensável.”

226. Em geral, são competentes para autorizar as despesas nas respectivas esferas de governo: o Presidente, o Governador e o Prefeito, as autoridades do Poder Judiciário, conforme determi-nado em lei ou no regimento interno, as autoridades do Poder Legislativo, nos termos do regimento interno, o Presi-dente dos Tribunais e Cortes de Contas; os Ministros de Estado, os Secretários Estaduais e Municipais, bem como aqueles que exercem os cargos de dire-ção e gestão das autarquias, empresas públicas, de sociedades de economia mista e de fundações, nos termos da lei, decreto ou estatuto da sociedade.

227. O Manual de Despesa Nacional (item 6.2.1) recomenda: “constar no instrumento contratual o número da nota de empenho, visto que represen-ta a garantia ao credor de que existe crédito orçamentário disponível e su-ficiente para atender a despesa objeto do contrato. Nos casos em que o instru-mento de contrato é facultativo, a Lei nº 8.666/1993 admite a possibilidade de substituí-lo pela nota de empenho de despesa, hipótese em que o empenho representa o próprio contrato.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 110

artigo 60 da Lei nº 4.320/1964 veda a realização da despesa sem prévio em-penho. Entretanto, o § 1º do referido artigo estabelece que, em casos espe-ciais, pode ser dispensada a emissão do documento “nota de empenho”. Ou seja, o empenho, propriamente dito, é indispensável.”

226 Em geral, são competentes para autorizar as despesas nas respectivas esferas de governo: o Presidente, o Governador e o Prefeito, as autoridades do Poder Judiciário, conforme determi-nado em lei ou no regimento interno, as autoridades do Poder Legislativo, nos termos do regimento interno, o Presi-dente dos Tribunais e Cortes de Contas; os Ministros de Estado, os Secretários Estaduais e Municipais, bem como aqueles que exercem os cargos de dire-ção e gestão das autarquias, empresas públicas, de sociedades de economia mista e de fundações, nos termos da lei, decreto ou estatuto da sociedade.

227 O Manual de Despesa Nacional (item 6.2.1) recomenda: “constar no instru-mento contratual o número da nota de empenho, visto que representa a garantia ao credor de que existe crédito orçamentário disponível e suficiente para atender a despesa objeto do con-trato. Nos casos em que o instrumen-to de contrato é facultativo, a Lei nº 8.666/1993 admite a possibilidade de substituí-lo pela nota de empenho de despesa, hipótese em que o empenho representa o próprio contrato.

228 MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Co-mentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.149.

ceira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias (artigo da 16 LRF). Também se sub-mete à limitação de empenho o ente da Federação que possuir dívida conso-lidada maior do que o respectivo limite nos termos fixados na Resolução n° 40/2001 do Senado Federal e no artigo 31 da LRF, matéria que será estudada na aula pertinente ao Crédito e a Dívida Pública.

Em suma, efetivado o empenho da despesa, por meio do qual é reservado e deduzido o montante necessário da dotação orçamentária, é assumida a obrigação por parte do Estado.

7.1.2 a liquidação

Realizada a entrega do bem, ou prestado o serviço pelo contratado, pro-cessa-se a denominada liquidação, aqui qualificada como a segunda etapa da realização da despesa, a qual consiste na verificação do direito adquirido, ou não, pelo credor junto ao Estado, tendo por base os títulos e os documentos comprobatórios do respectivo crédito. Ou seja, é a etapa em que a autoridade pública deve comparar o que foi contratado e o que foi efetivamente entregue ou realizado, o que pode tornar líquido e certo o direito do credor em face da Fazenda Pública. A regular liquidação é fase necessária à realização do paga-mento da despesa, nos termos artigo 62 da Lei n° 4.320/64, e que possui diversos elementos de aferição, tais como: o contrato, o ajuste ou acordo res-pectivo, a nota de empenho, os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço, isto é, os títulos e documentos comprobatórios dos respectivos créditos. Cabe mencionar, entretanto, que o cumprimento dos requisitos de natureza formal não é suficiente à comprovação do direito do credor, vez que os princípios da economicidade e da legitimidade, estam-pados no artigo 70 da CR-88, exigem mais do que a simples verificação do atendimento formal por parte do contratado. De fato, impõe-se que a auto-ridade responsável pela liquidação ateste que o objeto do contrato foi realiza-do nos termos da especificação acordada, podendo fazer, se necessário, a ve-rificação in loco de obra, de prestação de serviço ou mesmo fornecimento de bens, ou seja, é dever daquele que realiza e afere a liquidação identificar se houve, ou não, o implemento das condições previamente fixadas, o que determina se o credor realmente faz jus ao pagamento. Nesse sentido apon-tam José Teixeira Machado e Heraldo Costa Reis228 sobre a matéria:

Trata-se de verificar o direito do credor ao pagamento, isto é, verifi-car se o implemento de condição foi cumprido. Isto se faz com base em títulos e documentos. Muito bem, mas há um ponto central a conside-rar: é a verificação objetiva do cumprimento contratual. O documento

228. MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. a lei 4.320 co-mentada: e a Lei de Responsabili-dade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.149.

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229 O artigo 74, caput, do Decreto-lei 200/67 prevê que na realização da receita e da despesa pública, será utili-zada a via bancária. O §2º estabelece que “o pagamento de despesa, obede-cidas as normas que regem a execução orçamentária (lei nº 4.320, de 17 de março de 1964), far-se-á mediante or-dem bancária ou cheque nominativo, contabilizado pelo órgão competente e obrigatòriamente assinado pelo orde-nador da despesa e pelo encarregado do setor financeiro”. O §4°, do mesmo dispositivo, entretanto, ressalva que “em casos excepcionais, quando houver despesa não atendível pela via bancá-ria, as autoridades ordenadoras pode-rão autorizar suprimentos de fundos, de preferência a agentes afiançados, fazendo-se os lançamentos contábeis necessários e fixando-se prazo para comprovação dos gastos”. Nesse senti-do, estabelece o artigo 45 do Decreto Federal n° 93.872/86 que, “excepcio-nalmente, a critério do ordenador de despesa e sob sua inteira responsabi-lidade, poderá ser concedido supri-mento de fundos a servidor, sempre precedido do empenho na dotação própria às despesas a realizar, e que não possam subordinar-se ao processo nor-mal de aplicação”: “para atender des-pesas eventuais, inclusive em viagens e com serviços especiais, que exijam pronto pagamento”; “quando a despesa deva ser feita em caráter sigiloso, con-forme se classificar em regulamento”; e “para atender despesas de pequeno vulto, assim entendidas aquelas cujo valor, em cada caso, não ultrapassar limite estabelecido em Portaria do Mi-nistro da Fazenda”. De acordo com o § 5º, ressalvadas as limitações fixadas do § 6º, do mesmo artigo 45, incluído pelo Decreto 6.370/2008, “as despesas com suprimento de fundos serão efetiva-das por meio do Cartão de Pagamento do Governo Federal — CPGF” — o denominado Cartão Corporativo, por meio do qual é permitido hoje o saque, em dinheiro, até o limite do cartão. De acordo com o Portal da Transparência (www.portaldatransparencia.gov.br), criado pela Presidência da República, as despesas com cartões corporativos em 2007 totalizaram cerca de R$ 75,8 mi-lhões, mais que o dobro do montante gasto em 2006. O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos cartões corporativos, em seu relatório final, apresentado em 03.06.2008, conforme noticiado no sítio do câmara (www.camara.gov.br), recomendou ao Poder Executivo “que seja estabelecido um limite de saque, com percentual máximo de 30% do limite do cartão. Também defende que os ministros de Estado voltem a receber diárias em viagens, em vez de receberem cartões corporativos, cujo uso passaria a ser vedado aos ministros. De acordo com dados do relatório, os saques represen-

é apenas o aspecto formal da processualística. A fase de liquidação deve comportar a verificação in loco do cumprimento da obrigação por parte do contratante. Foi a obra, por exemplo, construída dentro das especi-ficações contratadas? Foi o material entregue dentro das especificações estabelecidas no edital de concorrência ou de outra forma de licitação? Foi o serviço executado dentro das especificações? O móvel entregue corresponde ao pedido? E assim por diante. Trata-se de uma espécie de auditoria de obras e serviços, a fim de evitar obras e serviços fantasmas. Este aspecto da liquidação é da mais transcendente importância no caso das subvenções, exatamente para evitar o pagamento de subven-ções e auxílios a entidades inexistentes. O documento de liquidação, portanto, deve refletir uma realidade objetiva.

De fato, seriam reduzidas as chances de desperdício de recursos público, em função desta fase da realização da despesa, caso fossem sempre atendidos os requisitos apontados.

7.1.3 o pagamento

Nesse passo chega-se ao pagamento, que é o terceiro estágio da despesa e consiste na entrega dos valores referentes à dívida líquida e certa ao credor, mediante a devida quitação, podendo ser efetuado por tesouraria ou pagadoria regularmente instituídos por estabelecimentos bancários credenciados e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento.229 No mesmo sentido estabelece o Manual de Despesa Nacional que o “pagamento consiste na entrega de nu-merário ao credor por meio de cheque nominativo, ordens de pagamentos ou crédito em conta, e só pode ser efetuado após a regular liquidação da despesa”.

A ordem de pagamento, que pode ser efetivada por meio de ordem bancá-ria230, cheque nominativo ou pelo regime de adiantamento, também denomi-nado de suprimento de fundos ou suprimento individual, é o despacho exa-rado pelo ordenador determinando que a despesa seja paga, ato sempre realizado por meio de documentos processados pela contabilidade.

O pagamento aos credores pode ser efetivado durante a execução orça-mentária na qual a despesa foi prevista231 e realizada, mas também pode ocorrer o encerramento do exercício financeiro com despesas já empe-nhadas, porém ainda não pagas.

As despesas empenhadas e não pagas no exercício, intituladas de Restos a Pa-gar232, consubstanciam parte da denominada dívida flutuante233 e podem ser segmentadas em dois grupos, consoante o disposto no artigo 36 da Lei n° 4.320/64:

229. O artigo 74, caput, do Decreto--lei 200/67 prevê que na realização da receita e da despesa pública, será utilizada a via bancária. O §2º estabelece que “o pagamento de des-pesa, obedecidas as normas que regem a execução orçamentária (lei nº 4.320, de 17 de março de 1964), far-se-á mediante ordem bancária ou cheque nominativo, contabili-zado pelo órgão competente e obriga-tòriamente assinado pelo ordenador da despesa e pelo encarregado do setor financeiro”. O §4°, do mesmo disposi-tivo, entretanto, ressalva que “em casos excepcionais, quando houver despesa não atendível pela via bancária, as au-toridades ordenadoras poderão autori-zar suprimentos de fundos, de preferência a agentes afiançados, fazendo-se os lançamentos contábeis necessários e fixando-se prazo para comprovação dos gastos”. Nesse senti-do, estabelece o artigo 45 do Decreto Federal n° 93.872/86 que, “excepcio-nalmente, a critério do ordenador de despesa e sob sua inteira responsabili-dade, poderá ser concedido su-primento de fundos a ser-vidor, sempre precedido do empenho na dotação própria às despesas a realizar, e que não pos-sam subordinar-se ao processo normal de aplicação”: “para atender despesas eventuais, inclusive em viagens e com serviços especiais, que exijam pronto pagamento”; “quando a despesa deva ser feita em caráter sigiloso, conforme se classificar em regulamento”; e “para atender despesas de pequeno vulto, assim entendidas aquelas cujo valor, em cada caso, não ultrapassar limite estabelecido em Portaria do Ministro da Fazenda”. De acordo com o §  5º, ressalvadas as limitações fixadas do § 6º, do mesmo artigo 45, incluído pelo Decreto 6.370/2008, “as despesas com suprimento de fundos serão efetivadas por meio do Cartão de Pagamento do Governo Federal - CPGF” � o deno-minado Cartão Corporativo, por meio do qual é permitido hoje o saque, em dinheiro, até o limite do cartão. De acordo com o Portal da Transparência (www.portaldatransparencia.gov.br), criado pela Presidência da República, as despesas com cartões corporativos em 2007 totalizaram cerca de R$ 75,8 mi-lhões, mais que o dobro do montante gasto em 2006. O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos cartões corporativos, em seu relatório final, apresentado em 03.06.2008, conforme noticiado no sítio do câmara (www.camara.gov.br), recomendou ao Poder Executivo “que seja estabelecido um limite de saque, com percentual máximo de 30% do limite do cartão. Também defende que os ministros de Estado voltem a receber diárias em viagens, em vez de receberem cartões corporativos, cujo uso passaria a ser vedado aos ministros. De acordo com dados do relatório, os saques represen-taram 75% do gasto total dos cartões em 2007. O texto prevê, ainda, que os extratos dos gastos sigilosos da Presi-dência da República sejam divulgados um ano depois do fim do mandato do Presidente”. A oposição, por sua vez, quer proibir os saques em dinheiro com o cartão corporativo.

230. A Instrução Normativa da Secre-taria do Tesouro Nacional nº 4/98, que dispõe sobre a consolidação das instru-ções para movimentação dos recursos financeiros da Conta única do Tesouro Nacional, estabelece que a movimen-tação de recursos da Conta única será efetuada através de Ordem Bancária - OB, DARF-Eletrônico - DF, GRPS — Ele-trônica, Nota de Sistema - NS ou Nota de Lançamento - NL, de acordo com as respectivas finalidades.

231. Na LOA ou em créditos adicionais. De fato, a execução orçamentária coin-cide com o exercício financeiro e com o ano civil, nos termos do já citado artigo 63 da Lei nº 4.320/64.

232. “Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de de-zembro distinguindo-se as proces-sadas das não processadas. Parágrafo único. Os empenhos que sorvem a conta de créditos com vi-gência plurienal, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigên-cia do crédito.”

233. Dispõe a alínea a do § 1º do artigo 115 do Decreto nº 93.872/86 que a dívida flutuante, a qual, ao lado da dívida fundada, forma a dívida pú-blica, compreende os compromissos exigíveis, cujo pagamento independe de autorização orçamentária, assim compreendidos: “a) os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida; b) os serviços da dívida; c) os depósitos, inclusive consignações em folha; d) as operações de crédito por antecipação de receita; e) o papel-moeda ou moeda fiduciária.”

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taram 75% do gasto total dos cartões em 2007. O texto prevê, ainda, que os extratos dos gastos sigilosos da Presi-dência da República sejam divulgados um ano depois do fim do mandato do Presidente”. A oposição, por sua vez, quer proibir os saques em dinheiro com o cartão corporativo.

230 A Instrução Normativa da Secreta-ria do Tesouro Nacional nº 4/98, que dispõe sobre a consolidação das instru-ções para movimentação dos recursos financeiros da Conta única do Tesouro Nacional, estabelece que a movimen-tação de recursos da Conta única será efetuada através de Ordem Bancária — OB, DARF-Eletrônico — DF, GRPS – Eletrônica, Nota de Sistema — NS ou Nota de Lançamento — NL, de acordo com as respectivas finalidades.

231 Na LOA ou em créditos adicionais. De fato, a execução orçamentária coincide com o exercício financeiro e com o ano civil, nos termos do já citado artigo 63 da Lei nº 4.320/64.

232 “Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas. Parágrafo único. Os empenhos que sorvem a conta de cré-ditos com vigência plurienal, que não tenham sido liquidados, só serão com-putados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito.”

233 Dispõe a alínea a do § 1º do artigo 115 do Decreto nº 93.872/86 que a dí-vida flutuante, a qual, ao lado da dívida fundada, forma a dívida pública, com-preende os compromissos exigíveis, cujo pagamento independe de autori-zação orçamentária, assim compreen-didos: “a) os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida; b) os serviços da dívida; c) os depósitos, inclusive con-signações em folha; d) as operações de crédito por antecipação de receita; e) o papel-moeda ou moeda fiduciária.”

234 Dispõe o artigo 9º, § 2º, do Decreto nº 93.872/86, que “Serão considerados, na execução da programação financei-ra de que trata este artigo, os créditos adicionais, as restituições de receitas e o ressarcimento em espécie a título de incentivo ou benefício fiscal e os Restos a Pagar, além das despesas autorizadas na Lei de Orçamento anual.” Nesse sen-tido os restos a pagar constituem item específico da programação financeira, devendo o seu pagamento efetuar-se dentro do limite de saques fixado.

235 Art. 37 da Lei 4.320/64.

236 Limita-se o empenho, por exemplo, no caso de a receita não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal ou se a dívida consolidada do ente for maior do que o respectivo limite.

(1) aquelas não liquidadas, assim denominadas de “não-processadas”, as quais darão ensejo aos denominados “Restos a Pagar não-processa-dos”, caracterizados pelo não adimplemento da obrigação assumi-da pelo credor e/ou o não reconhecimento pelo poder público do cumprimento das condições acordadas (a prestação do serviço, a entrega da coisa, etc.) e

(2) as despesas empenhadas e liquidadas, qualificadas como “processa-das”, ou seja, aquelas em que se verifica o cumprimento da obriga-ção por parte do credor, as quais serão inscritas ao final do exercício como “Restos a Pagar processados”.

A relevância desta subdivisão está relacionada à necessidade de a Adminis-tração realizar a previsão dos recursos a serem destinados ao pagamento du-rante o exercício, a já mencionada programação financeira de desembolso.234 De fato, considerando que os Restos a Pagar processados passaram por todo o rito da liquidação devem ter prioridade quando da realização da programa-ção de desembolso, posto já estar configurado o direito do credor. Cabe sa-lientar, ainda, que existe a possibilidade de determinada despesa de um exer-cício somente ser reconhecida posteriormente, quando já encerrado o ano, não tendo havido o empenho na época própria. Neste caso, ao contrário dos Restos a Pagar, processados ou não processados, não há empenho no exercí-cio financeiro pertinente, razão pela qual será, no futuro, denominada de “despesa de exercícios anteriores”235.

Cabe agora fazer uma breve recapitulação do que foi apresentado até esse momento, a fim de que se possa avançar na análise dos Restos a Pagar.

Fixada a despesa no orçamento, esta pode ser empenhada até o limite da dotação orçamentária correspondente ou dos créditos adicionais, salvo as li-mitações de empenho já mencionadas.236 Uma vez realizado o empenho, pode ocorrer: (1) o reforço de sua dotação, caso demonstre-se insuficiente à realização da despesa; (2) a anulação237 do empenho durante o exercício, na hipótese de configurada a desnecessidade do gasto (total) ou o seu excesso (parcial), ou, ainda, caso a despesa não seja liquidada até o final do exercício, salvo as exceções previstas no artigo 35 do Decreto Federal n° 93.872/86;

(3) a liquidação da despesa, caso verificado o implemento de todas as condições previamente fixadas no ato que estabelece o vínculo jurídico e a obrigação do credor, podendo ocorrer ainda durante o transcurso do mesmo exercício financeiro o pagamento, ou não; (4) o encerramento do exercício sem que a despesa empenhada tenha sido liquidada. Na hipótese de ser efe-tuado o pagamento no próprio exercício financeiro do empenho e da liqui-dação não há qualquer impacto para o exercício financeiro subseqüente. Em sentido diverso, a despesa empenhada e não paga no exercício financeiro,

234. Dispõe o artigo 9º, § 2º, do De-creto nº 93.872/86, que “Serão consi-derados, na execução da programação financeira de que trata este artigo, os créditos adicionais, as restituições de receitas e o ressarcimento em espé-cie a título de incentivo ou benefício fiscal e os Restos a Pagar, além das despesas autorizadas na Lei de Orça-mento anual.” Nesse sentido os restos a pagar constituem item específico da programação financeira, devendo o seu pagamento efetuar-se dentro do limite de saques fixado.

235. Art. 37 da Lei 4.320/64.

236. Limita-se o empenho, por exem-plo, no caso de a receita não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal ou se a dívida consolidada do ente for maior do que o respectivo limite.

237. Nos termo do Manual de Despe-sas (item 9.2): “A inscrição de despesa em Restos a Pagar não-processados é procedida após a depuração das des-pesas pela anulação de empenhos, no exercício financeiro de sua emissão, ou seja, verificam-se quais despesas devem ser inscritas em Restos a Pagar, anulam-se as demais e inscrevem-se os Restos a Pagar não-processados do exercício.”

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237 Nos termo do Manual de Despesas (item 9.2): “A inscrição de despesa em Restos a Pagar não-processados é pro-cedida após a depuração das despesas pela anulação de empenhos, no exercí-cio financeiro de sua emissão, ou seja, verificam-se quais despesas devem ser inscritas em Restos a Pagar, anulam-se as demais e inscrevem-se os Restos a Pagar não-processados do exercício.”

238 LEONARDO, Marcelo. Crimes de responsabilidade fiscal: crimes con-tra as finanças públicas; crimes nas licitações; crimes de responsabilidade dos prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 26.

liquidada ou não, será inscrita em Restos a Pagar para o período seguinte, sendo designada como “processada” caso já liquidada e “não processada” na hipótese contrária.

A ilustração abaixo sumariza e auxilia a compreensão do que foi até aqui exposto:

Importante salientar que ordenar ou autorizar a inscrição de despesas não empenhadas em Restos a Pagar consubstancia crime, tipificado no artigo 359-B do Código Penal, submetendo o infrator à pena de detenção de seis meses a dois anos. Conforme ensina Marcelo Leonardo:238

Neste tipo penal, o objetivo do legislador era transformar em crime o desrespeito ao art. 41 do projeto da LRF que pretendia dar nova disciplina à inscrição em “Restos a Pagar”. Ocorre que este artigo 41 foi vetado pelo Presidente da República. Entretanto, o crime subsiste, pois as normas de contabilidade pública disciplinadoras dos “Restos a Pagar” contidas no artigo 36 da Lei n 4.320/64 continuam em vigor. Restos a Pagar são despesas empenhadas mas não pagas até 31 de de-zembro.

238. LEONARDO, Marcelo. Crimes de responsabilidade fiscal: crimes con-tra as finanças públicas; crimes nas licitações; crimes de responsabilidade dos prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 26.

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239 Disponível no sítio http://www.tesouro.fazenda.gov.br. Acesso em 09/06/2008.

240 Nesse sentido dispunha a redação do artigo 68 do Decreto 95872/1986, vigente até dezembro de 2011.

241 Ao longo dos anos houve diversas exceções a essa regra geral, o que era objeto de barganha política e ensejava a edição de ato específico por parte do Poder Executivo.

242 O §7º do artigo 68, também introdu-zido em dezembro de 2011, estabelece: “Os Ministros de Estado, os titulares de órgãos da Presidência da República, os dirigentes de órgãos setoriais dos Sistemas Federais de Planejamento, de Orçamento e de Administração Finan-ceira e os ordenadores de despesas são responsáveis, no que lhes couber, pelo cumprimento do disposto neste artigo”

Ainda, importante destacar que “deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de Restos a Pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei” é enquadrado como crime pelo artigo 359-F do Código Penal.

No que se refere à possibilidade de cancelamento dos Restos a Pagar não liquidados no exercício (Exercício financeiro X2), merece destaque a posição definida no já citado Manual de Despesas Públicas — Minuta para discussão pública239, quanto:

Para os Restos a Pagar processados, ou seja, aqueles que já passaram pela fase da liquidação, quando já foi entregue o bem ou mercadoria pelo fornecedor, não há que se falar em cancelamento do resto a pagar, pois já houve a verificação do direito adquirido pelo credor, podendo ocorrer somente a baixa da obrigação pelo pagamento ou prescrição do direito do credor.

Assim, somente o Resto a Pagar não processado no exercício, assim defi-nido como aquele não liquidado, pode ser objeto de cancelamento.

Até 2011, se o Resto a Pagar (não processado) não fosse liquidado até 31 de dezembro do ano subsequente ao da sua inscrição (o final do Exercício Financeiro 2), como regra geral, o mesmo deveria ser cancelado240 automati-camente241. Em dezembro de 2011, o Decreto nº 7.654 alterou a redação do artigo 68 do Decreto nº 93.872/1986, para determinar novas regras quanto aos restos a pagar não processados. A partir de 2012, a inscrição prevista como restos a pagar não processados é condicionada à indicação pelo orde-nador de despesas242 e, se não liquidados posteriormente, terão validade, como regra geral, até 30 de junho do segundo ano subsequente ao de sua inscrição. Entretanto, há exceções a essa regra, pois, de acordo com a nova sistemática, não perdem a validade em 30 de junho os restos a pagar não processados que referentes às despesas executadas diretamente pelos órgãos e entidades da União ou mediante transferência ou descentralização aos Esta-dos, Distrito Federal e Municípios, com execução iniciada até aquela data (30 de junho) ou sejam relativos às despesas do Programa de Aceleração do Cres-cimento — PAC, do Ministério da Saúde ou do Ministério da Educação fi-nanciadas com recursos da Manutenção e Desenvolvimento do Ensino. Pro-curou-se, dessa forma, fixar parâmetros objetivos para a validade dos restos a pagar não processados. Segundo notícia publicada no Jornal Valor de 27.12.2011 (p. A5), em matéria intitulada “Portaria compartilha responsabi-lidade com ministros para livrar Planalto das pressões parlamentares” a partir de agora:

239. Disponível no sítio http://www.tesouro.fazenda.gov.br. Acesso em 09/06/2008.

240. Nesse sentido dispunha a redação do artigo 68 do Decreto 95872/1986, vigente até dezembro de 2011.

241. Ao longo dos anos houve diversas exceções a essa regra geral, o que era objeto de barganha política e ensejava a edição de ato específico por parte do Poder Executivo.

242. O §7º do artigo 68, também introduzido em dezembro de 2011, estabelece: “Os Ministros de Estado, os titulares de órgãos da Presidência da República, os dirigentes de órgãos setoriais dos Sistemas Federais de Pla-nejamento, de Orçamento e de Admi-nistração Financeira e os ordenadores de despesas são responsáveis, no que lhes couber, pelo cumprimento do dis-posto neste artigo”

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(...) caberá aos ministros indicar quais serão os restos a pagar não processados a serem inscritos para o Orçamento no ano seguinte (...) Quando a inscrição era feita automaticamente, não havia uma seleção prévia por parte dos ministérios. Tudo que tinha sido empenhado pas-sava para ser pago no exercício seguinte. Isso gerava uma forte pressão política no decorrer do ano para que as despesas fossem executadas e pagas, tendo em vista que boa parte é oriunda de emendas parlamenta-res. Dilma, desse modo, mais uma vez atua para compartilhar respon-sabilidades com seus ministros.

7.2 as diversas classiFicações da desPesa Pública

A despesa pública também pode ser examinada sob diversas perspectivas e classificada por critérios diversos. A execução da despesa orçamentária nem sempre causa um impacto patrimonial simultâneo, razão pela qual também se pode falar em enfoque patrimonial distinto do ponto de vista orçamen-tário da despesa. O Manual de Despesa Nacional estabelece a codificação das despesas sob variados critérios e contempla, ainda, os conceitos a serem observados em sua contabilização bem como a correlação da destinação da receita com a fonte de financiamento da despesa.

No mesmo sentido, serão examinadas neste tópico apenas aquelas mais relevantes e que sejam importantes para o que será estudado a seguir.

Entre outras, as despesas podem ser classificadas quanto: (1) à sua natureza em face do orçamento; (2) à sua categorização sob o ponto de vista econômico-orçamentário, geralmente denominada de classificação “por natureza”; (3) à sua vinculação aos programas e ações governamentais, designada como “pro-gramática”; (4) às funções de governo, denominada de funcional; (5) aos efeitos sobre o patrimônio líquido do ente público; (6) ao ente federado que efetiva a despesa ou ao qual a entidade responsável pelo dispêndio está vinculada; e (7) à instituição que a realiza. Repise-se, que a execução dos gastos nem sempre tem repercussão patrimonial concomitante, motivo pelo qual é possível examinar as despesas tanto sob o ponto de vista orçamentário como pela perspectiva pa-trimonial, conforme disciplina o Manual de Despesa Nacional, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, disponibilizada no endere-ço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br. O Manual, que deve ser ob-servados por todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Muni-cípios) estabelece a codificação das despesas sob variados critérios e contempla, ainda, os conceitos a serem observados em sua contabilização bem como a correlação da destinação da receita com a fonte de financiamento da despesa.

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243 Segundo o Manual de Despesa Nacional, as Despesas Orçamentárias: “são aqueles que dependem de auto-rização legislativa para sua efetivação. As despesas de caráter orçamentário necessitam de recurso público para sua realização e constituem instrumento para alcançar os fins dos programas governamentais. È exemplo de despesa de natureza orçamentária a contrata-ção de serviços de terceiros, pois se faz necessária a emissão de empenho para suportar os contratos com prestação de serviços de terceiros”.

244 O Manual de Despesa apresenta dois outros grupos, a saber: (1) Recolhimen-to de Consignações/Retenções – são recolhimentos de valores anterior-mente retidos na folha de salários de pessoal ou nos pagamentos de serviços de terceiros; e (2) dos Pagamentos de Salário-Família, Salário-Maternidade e Auxílio-Natalidade – os benefícios da Previdência Social adiantados pelo em-pregador, por força de lei, têm natureza extra-orçamentária e, posteriormente, serão objeto de compensação ou res-tituição.

245 A ARO visa a suprir insuficiências de caixa que ocorram durante a execução orçamentária e devem ser liquidadas com juros, até o dia dez de dezembro de cada ano, nos termos do artigo 38 da LRF, razão pela qual a sua efetivação requer apenas a sua autorização prévia, sem haver, contudo, a determinação de sua efetiva realização ou do seu montante, devendo ser observados, entretanto, os limites e as condições estabelecidas na Resolução 43/01 do Senado, bem como aquelas fixadas na própria LRF, conforme será examinado na próxima aula.

246 A Portaria Interministerial n 163/2001 estabelece que na lei orça-mentária a discriminação da despesa, quanto à sua natureza, será, “(...) no mínimo, por categoria econômica, gru-po de natureza de despesa e modalida-de de aplicação”.

247 O artigo 12 da Lei n° 4.320/64 prevê que as despesas correntes se desdobram em despesas de custeio e transferências correntes. Elas não enri-quecem o patrimônio público, mas são necessárias à execução dos servi ços pú-blicos e à vida do Estado, sendo, assim, despesas operacionais. Sob o ponto de vista econômico, não aumentam a capacidade do Estado prestar serviços públicos, posto não incrementar o seu patrimônio.

Impõe-se, nesses termos, o exame individualizado de algumas classifica-ções, ainda que de forma breve:

(1) A despesa quanto à sua natureza em face do orçamento subdivide-se em: (1.1) despesas orçamentárias e (1.2) despesas de caráter extra-orçamentário.(1.1) As despesas orçamentárias são aquelas previstas expressamente

na LOA ou em créditos adicionais e se referem, em regra, àque-les gastos incorridos243 no exercício;

(1.2) As despesas de caráter extra-orçamentário do exercício finan-ceiro são aquelas que não constam expressamente no orçamen-to inicial e podem ser subdivididas em três grupos244:(a) as saídas de recursos que ingressaram transitoriamente nos

cofres públicos sem que o desembolso suscite a necessida-de de autorização orçamentária, como as devoluções dos designados ingressos extra-orçamentários, assim denomi-nados posto não pertencerem ao órgão público, como é o caso dos depósitos e cauções — matéria a ser examinada na aula sobre as receitas públicas;

(b) pagamentos que não necessitam de autorização orçamentá-ria para serem realizados, como aqueles autorizados de for-ma genérica na lei orçamentária, na lei de crédito adicional ou lei específica, mas sem a previsão do montante ou mes-mo de sua efetiva realização, como o resgate de operações de crédito por antecipação de receita245 (ARO), questão a ser estudada na aula pertinente ao Crédito e a Dívida Pública;

(b) os denominados Restos a Pagar, já analisados no tópico an-terior desta aula e correspondem às despesas incorridas em determinado exercício e somente paga, em geral, no ano subseqüente, isto é, são aquelas empenhadas mas não pagas no próprio exercício em que se realiza o empenho da des-pesa, constituindo-se em dívida flutuante a ser objeto de desembolso, em regra, no exercício seguinte.

(2) A despesa orçamentária quanto à sua categorização sob o ponto de vista econômico246, denominada de classificação “por natureza”, segmenta o gasto em despesa (2.1) corrente e (2.2) de capital:(2.1) despesas correntes247, que se referem àquelas despesas orça-

mentárias destinadas ao funcionamento e manutenção dos ser-viços públicos, prestados direta ou indiretamente pela Admi-nistração, e que não geram qualquer aumento do patrimônio público posto estarem vinculadas às:

243. Segundo o Manual de Despesa Nacional, as Despesas Orçamentárias: “são aqueles que dependem de auto-rização legislativa para sua efetivação. As despesas de caráter orçamentário necessitam de recurso público para sua realização e constituem instrumento para alcançar os fins dos programas governamentais. È exemplo de despesa de natureza orçamentária a contrata-ção de serviços de terceiros, pois se faz necessária a emissão de empenho para suportar os contratos com prestação de serviços de terceiros”.

244. O Manual de Despesa apresenta dois outros grupos, a saber: (1) Recolhi-mento de Consignações/Retenções — são recolhimentos de valores anterior-mente retidos na folha de salários de pessoal ou nos pagamentos de serviços de terceiros; e (2) dos Pagamentos de Salário-Família, Salário-Maternidade e Auxílio-Natalidade — os benefícios da Previdência Social adiantados pelo em-pregador, por força de lei, têm natureza extra-orçamentária e, posteriormente, serão objeto de compensação ou res-tituição.

245. A ARO visa a suprir insuficiên-cias de caixa que ocorram durante a execução orçamentária e devem ser liquidadas com juros, até o dia dez de dezembro de cada ano, nos termos do artigo 38 da LRF, razão pela qual a sua efetivação requer apenas a sua autorização prévia, sem haver, contudo, a determinação de sua efetiva realiza-ção ou do seu montante, devendo ser observados, entretanto, os limites e as condições estabelecidas na Resolução 43/01 do Senado, bem como aquelas fixadas na própria LRF, conforme será examinado na próxima aula.

246. A Portaria Interministerial n 163/2001 estabelece que na lei orça-mentária a discriminação da despesa, quanto à sua natureza, será, “(...) no mínimo, por categoria econômica, gru-po de natureza de despesa e modalida-de de aplicação”.

247. O artigo 12 da Lei n° 4.320/64 prevê que as despesas correntes se desdobram em despesas de custeio e transferências correntes. Elas não enri-quecem o patrimônio público, mas são necessárias à execução dos servi ços pú-blicos e à vida do Estado, sendo, assim, despesas operacionais. Sob o ponto de vista econômico, não aumentam a capacidade do Estado prestar serviços públicos, posto não incrementar o seu patrimônio.

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248 Artigo 12, § 1º, da Lei n° 4.320/64.

(a) despesas de custeio da máquina administrativa248, assim qualificadas as dotações para manutenção de serviços ante-riormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis, nelas se in-cluem despesas com pessoal, material etc, as quais se carac-terizam por haver contraprestação direta em razão da des-pesa realizada; ou

(b) transferências correntes, que equivalem às dotações des-tinadas ao pagamento de despesas para as quais não há contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à mani-festação de outras entidades de direito público ou privado. Nelas se incluem as subvenções (transferências destinadas a cobrir despesas de custeio de outras entidades) sociais e econômicas, despesas com inativos, pensões, transferências intergovernamentais e os juros da dívida contratada.

(2.2) despesas de capital, que se conecta ao conceito de investi-mento do setor público, uma vez que constituem gastos para aquisição ou constituição de bens de capital, que contribuirão para a produção de novos bens e serviços, gerando apenas uma mutação patrimonial, pois essa despesa não reduz a situação líquida do patrimônio. São divididas em (I) Investimentos, (II) Inversões Financeiras e (III) Transferências de capital de acordo com o artigo 12, § 4º, § 5º e § 6º, da Lei n° 4.320/64.(I) Os investimentos são as dotações para o planejamento e a

execução de obras, in clusive aquelas destinadas à aquisição de imóveis necessários à sua realização, como, por exem-plo, as obras pú blicas, serviços em regime de programação especial, equipamentos e instalações, material permanente e participação em constituição ou aumento de capital de empresas que não seja de caráter comercial ou financeiro.

(II) As inversões financeiras são despesas de capital capazes de produzir renda para o Estado. São subdivididas em: (a) aquisições de imóveis ou bens de capital já em utilização; (b) aquisições de títulos represen tativos do capital de em-presas ou entidades de qualquer espécie; e (c) constituição ou aumento do capital de empresas que visem objetivos comerciais ou financeiros.

(III) As transferências de capital são as dotações orçamentá-rias para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado realizarão, inde-pendentemente de contraprestação direta em bens ou

248. Artigo 12, § 1º, da Lei n° 4.320/64.

FINANÇAS PúBLICAS

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serviços. Essas transferências constituem auxílios ou con-tribuições, caso derivem diretamente da lei do orçamento ou de lei específica anterior, assim como as dotações para amortiza ção da dívida pública.

No anexo a esta aula podem ser examinadas as demais classificações apre-sentadas no Manual de Despesas, tais como a despesa:

a) orçamentária segundo a estrutura de programa, ação (projeto, ativi-dade ou operação especial) e subtítulo (localizador do gasto);

b) orçamentária, segundo a estrutura de funções e subfunções, objeti-va indicar as áreas de atuação do governo a que o gasto se vincula, como saúde, educação, transporte, entre outras;

c) quanto aos efeitos sobre o patrimônio líquido do ente público;

d) segundo a competência do ente federado que a realiza ou ao qual a entidade está vinculada (federal, estadual, distrital ou muni cipal); e

e) sob o ponto de vista da instituição que a realiza, também denomi-nada de “classificação institucional”, reflete a estrutura organizacio-nal, administrativa e governamental, estando estruturada em dois níveis hierárquicos: órgão orçamentário e unidade orçamentária.

7.3 as desPesas Públicas e a lei de resPonsabilidade Fiscal

A já mencionada Lei Complementar 101/2000, normalmente designada como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com o objetivo de garantir o controle das re ceitas e dos gastos públicos pela sociedade, dedica um capí-tulo inteiro (artigo 48 a 59) sobre a transparência, controle e fiscalização da atividade financeira da Administração Pública. Ainda, no que se refere espe-cificamente às despesas públicas, estabelece, no Capítulo IV (art. 15 a 24), importantes limitações à sua realização e reconhece a nulida de daquelas que não prestarem observância às suas disposições (art. 15). Destacam-se, além daquelas já especificadas no que se refere à limitação do empenho (art. 9º, por exemplo), as suas disposições sobre a Lei Or çamentária Anual (LOA): (1) que exigem um planejamento prévio de todas as receitas e as despesas referen-tes ao ano seguinte (artigo 5º); (2) a exigência de uma estimativa de impacto financeiro para os três primeiros anos da implementação de atividades gover-namentais que acarretem o aumento de despesa (artigo 16, I); (3) a proibição

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FGV DIREITO RIO 119

que o titular de Poder ou órgão referido no art. 20 da lei, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, venha a contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito (artigo 42), (4) os limites da dívida pública (artigos 30 e 31), a serem estudados na próxima aula e, ainda, (5) as limitações das despe-sas com pessoal (artigo 19), matéria a ser estudada a seguir.

As despesas com pessoal e encargos sociais são disciplinadas pela Consti-tuição e legislação complementar, normas que prevêem como regra geral a es-tabilidade dos servidores públicos, regime de vinculação estatutário que visa à proteção da própria sociedade. Apesar de justificativas poderáveis no sentido da existência desse regime jurídico diferenciado, essa característica estabelece baixíssimo grau de discricionariedade dessa despesa, como ocorre também com os encargos da dívida. A contenção dos gastos públicos nesta área tem sido uma das grandes preocupações nacionais. Nesse sentido, o artigo 169 da CR-88 dispõe sobre a despesa com pessoal ativo e inativo dos entes públicos, prevendo que lei complementar determinará limites para os gastos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A Lei Complementar nº 101/00 disciplina a matéria, definindo o con-ceito de despesa de pessoal, estabelecendo como parâmetro dos limites dos gastos a denominada receita corrente líquida, fixando, no seu artigo 19, os percentuais por ente federado, e, no artigo 20, determinando a discriminação do limite entre o Poder Executivo, Legislativo, (neste incluído o Tribunal de Contas), Judiciário e o Ministério Público. No artigo 2º, IV e §§ § 1º 2º e 3º a LRF estabelece o conceito da receita corrente líquida, para os efeitos da lei, nos seguinte termos:

IV — receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:

a) na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, e as contribuições mencionadas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195, e no art. 239 da Cons-tituição;

b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determina-ção constitucional;

c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos ser-vidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9o do art. 201 da Constituição.

§ 1o Serão computados no cálculo da receita corrente líquida os va-lores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar no 87, de

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FGV DIREITO RIO 120

249 A previsão está contida no caput do artigo 23. O artigo 22 da LRF, por sua vez, estabelece limitações ao Poder ou ao órgão que exceder a 95% do limite de gastos com pessoal. Nesse caso a restrição é aplicada ao próprio Poder ou órgão que ultrapassou o teto fixado na lei, ao contrário do que ocorre na hipó-tese do artigo 23,§ 3º, que fixa restri-ção ao ente como um todo, ainda que o excesso seja de apenas um órgão ou de um Poder do ente federado.

250 Em questão relativamente análoga, alguns entes federativos recorreram ao Supremo Tribunal Federal em função de suas inscrições no Cadastro único de Convênios (CAUC), o que limita a recep-ção de transferências voluntárias pelo ente político, por força da aplicação da Instrução Normativa nº 1 da Secretaria do Tesouro Nacional. O STF, julgando a Ação Cautelar nº 1.033, entendeu, com fulcro no postulado da intrans-cendência, que sanções e restrições de ordem jurídica não podem superar a dimensão estritamente pessoal do infrator. Considerando essa decisão, o STF (Secretaria do Tesouro Nacional) expediu a Instrução Normativa nº 2, de 24 de abril de 2007, regulando as transferências voluntárias, a fim de que a adimplência do ente seja observada exclusivamente por meio do CNPJ do tomador principal e o órgão be-neficiário da transferência, junto ao Cadastro Único de Convênio.

13 de setembro de 1996, e do fundo previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

§ 2o Não serão considerados na receita corrente líquida do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e de Roraima os recursos recebidos da União para atendimento das despesas de que trata o inciso V do § 1o do art. 19.

§ 3o A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades.

Cabe salientar que o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade (342 votos favoráveis), em 28/05/2008, o Projeto de Lei Com-plementar nº 132/07, do Poder Executivo, que altera a LRF, para evitar que um ente federado seja penalizado pelo descumprimento dos limites de despe-sas de pessoal por parte de algum órgão ou Poder de sua estrutura política. Hoje, a LRF determina que, caso o limite seja excedido, isso deverá ser corri-gido em dois quadrimestres.249 Não alcançada a redução, o ente federativo não poderá receber transferências voluntárias e obter garantia, direta ou indi-reta, de outro ente ou contratar operações de crédito, ressalvadas as destina-das ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. De acordo com a justificativa do governo, a atual reda-ção da lei estende essas restrições a todos os poderes e órgãos de determinado ente da Federação, ainda que somente um único órgão ou Poder não esteja observando os limites máximos de despesa de pessoal. Assim, os impedimen-tos são aplicados mesmo que, no conjunto, o limite total da despesa com pessoal esteja sendo observado. De fato, as sanções do art. 23, § 3º, da Lei Complementar nº 101 de 2000 são aplicadas ao ente federativo250, ainda que, agregadamente, o limite de despesa com pessoal esteja sendo observado. A matéria agora está sob o crivo do Senado Federal. Saliente-se, ainda quanto à matéria, que o plenário do Supremo Tribunal Federal, em 13/11/2008, con-forme noticiado no Informativo n°528:

referendou decisão proferida pelo Min. Celso de Mello, que deferira medida liminar, em ação cautelar, da qual era relator, para suspender as limitações impostas ao Distrito Federal, em especial ao seu Poder Exe-cutivo, quanto à obtenção de garantias diretas, indiretas e aval de ou-tros entes e à contratação de operações de crédito em geral (Lei Com-plementar 101/2000, art. 23, § 3º, I, II e III). Na espécie, o Distrito Federal solicitara à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda autorização para realizar operação de crédito com organizações internacionais e bancárias, a qual fora indeferida ao fundamento de ter sido descumprida a Lei de Responsabilidade Fiscal no que se refere ao

249. A previsão está contida no caput do artigo 23. O artigo 22 da LRF, por sua vez, estabelece limitações ao Poder ou ao órgão que exceder a 95% do limite de gastos com pessoal. Nesse caso a restrição é aplicada ao próprio Poder ou órgão que ultrapassou o teto fixado na lei, ao contrário do que ocorre na hipó-tese do artigo 23,§ 3º, que fixa restri-ção ao ente como um todo, ainda que o excesso seja de apenas um órgão ou de um Poder do ente federado.

250. Em questão relativamente análo-ga, alguns entes federativos recorreram ao Supremo Tribunal Federal em função de suas inscrições no Cadastro único de Convênios (CAUC), o que limita a recep-ção de transferências voluntárias pelo ente político, por força da aplicação da Instrução Normativa nº 1 da Secretaria do Tesouro Nacional. O STF, julgando a Ação Cautelar nº 1.033, entendeu, com fulcro no postulado da intrans-cendência, que sanções e restrições de ordem jurídica não podem superar a dimensão estritamente pessoal do infrator. Considerando essa decisão, o STF (Secretaria do Tesouro Nacional) expediu a Instrução Normativa nº 2, de 24 de abril de 2007, regulando as transferências voluntárias, a fim de que a adimplência do ente seja observada exclusivamente por meio do cnPJ do tomador prin-cipal e o órgão beneficiário da transferência, junto ao cadastro único de convê-nio.

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limite percentual de gastos do Poder Legislativo local. Entendeu-se que estariam presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar pleiteada. Considerou-se que a plausibilidade jurídica da pre-tensão encontraria fundamento em precedentes do Supremo, nos quais fixada a orientação de que o postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estri-tamente pessoal do infrator. Por sua vez, o periculum in mora estaria configurado porque a negativa da autorização inviabilizaria a iminen-te obtenção do crédito internacional que vem sendo negociado entre o BIRD e o Distrito Federal, que não disporia, em razão disso, dos necessários recursos para implementação dos programas pretendidos, o que se daria em prejuízo manifesto a sua população. Observou-se, ademais, que, no caso, o Distrito Federal teria se adstrito aos limites global e individuais estabelecidos nos artigos 19 e 20 da LC 101/2000, dispositivos declarados constitucionais pela Corte, e que, na verdade, haveria um conflito interno entre a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas do Distrito Federal.

No mesmo sentido se posicionou o relator da Ação Cautelar 2650, con-forme revela a notícia apresentada no sítio do STF:

Terça-feira, 06 de julho de 2010STF livra Executivo gaúcho de sanção por suposto descumpri-

mento de limite de gastos com pessoal do JudiciárioLiminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal

(STF) Ricardo Lewandowski na Ação Cautelar (AC) 2650 suspen-deu restrição imposta pela União ao estado do Rio Grande do Sul por suposto descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), abrindo espaço para o estado contratar dois empréstimos no valor de, respectivamente, US$ 60 milhões e R$ 15 milhões.

A restrição foi aplicada pela União por alegada extrapolação dos li-mites legais para despesa com pessoal do Poder Judiciário e do Minis-tério Público estaduais nos quatro últimos quadrimestres (exercícios de 2008, 2009 e primeiro quadrimestre de 2010).

Na AC, o governo gaúcho alega que o Poder Executivo vem aten-dendo aos limites previstos na LRF para as despesas com pessoal. Por outro lado, alega que a restrição imposta atinge diretamente o Poder Executivo e seus cidadãos, vez que o estado fica impossibilitado de implementar programas e projetos destinados ao aprimoramento da gestão administrativa e tributária, bem como do contencioso fiscal e da administração financeira, fundamentais para o desenvolvimento do estado.

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251 Vide <http://www.psdb.org.br/nota-imprensa-11/> e <http://www.psdb.org.br/dilma-gastou-demais--nao-cumpriu-meta-fiscal-e-agora--quer-mudar-legislacao/>

252 Art. 85. São crimes de responsabi-lidade os atos do Presidente da Repú-blica que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...)

VI — a lei orçamentária; (...)”

253 Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orça-mentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pe-las duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. (...)

§ 3º — As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

I — sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orça-mentárias; (...)

§ 4º — As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incom-patíveis com o plano plurianual.

254 Art. 4o A lei de diretrizes orçamentá-rias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e:

I — disporá também sobre: a) equilíbrio entre receitas e despe-

sas; (...)

255 Art. 10. São crimes de responsabili-dade contra a lei orçamentária: (...)

4 — Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orça-mentária.

5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (...)

Alega, também, perigo na demora da decisão, pois o prazo para con-tratar o primeiro empréstimo mencionado estaria quase esgotado.

DecisãoEm sua decisão, o ministro Ricardo Lewandowski observou que o

caso é semelhante ao contido na Ação Civil Ordinária (ACO) 1431, que envolvia a suspensão de empréstimos em vias de contratação pelo estado do Maranhão, pela extrapolação do limite de gastos pelo Minis-tério Público e pelo Poder Legislativo daquele estado.

Naquele caso, o Plenário do STF entendeu que havia potencialidade de ofensa ao pacto federativo, ressaltando que o governo estadual não tem competência para intervir nas esferas do Poder Legislativo e do Ministério Público, por se tratarem de órgãos com autonomia institu-cional por determinação expressa da Constituição Federal (CF).

“Assim, parece-me também que não pode o Poder Executivo sofrer sanções em decorrência de descumprimento dos limites de gastos com pessoal pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski.

Assim, ele concedeu o pedido de liminar, determinando à União que “se abstenha de impedir a contratação de operações de crédito por parte do estado do Rio Grande do Sul, no que se refere tão somente à restrição de extrapolação dos limites legais fixados na LRF para despe-sas de pessoal por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público”.

Os temas da execução do orçamento e da responsabilidade fiscal pautaram intensas discussões no final do exercício de 2014. Tendo em vista a impossi-bilidade de cumprir com a meta fiscal prevista na LDO de 2014 e bem assim com o superávit primário, a presidenta Dilma Rousseff propôs ao Congresso Nacional alteração na metodologia de cálculo do superávit primário, através do PLN 36/2014. Para a oposição do governo251, tal proposta visava eximir a presidenta de incorrer em crime de responsabilidade fiscal pelo não cumpri-mento da meta prevista na LDO, a qual não poderia sofrer as alterações propostas, vez que seriam incompatíveis com o Plano Plurianual, com funda-mento nos artigos 85252 e 166253 da Constituição Federal, artigo 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal254 e artigo 10 da Lei nº 1.079/1950255. A controvér-sia foi acentuada com o Decreto nº 8.367/2014, o qual previa a ampliação dos limites de movimentação e empenho para as emendas parlamentares in-dividuais, cujas distribuição e utilização estavam condicionadas à aprovação do PLN 36/2014. Diversos mandados de segurança foram impetrados no STF combatendo tais atos da presidenta, conforme se depreende da notícia a seguir:

251. Vide <http://www.psdb.org.br/nota-imprensa-11/> e <http://www.psdb.org.br/dilma-gastou-demais--nao-cumpriu-meta-fiscal-e-agora--quer-mudar-legislacao/>

252. Art. 85. São crimes de responsa-bilidade os atos do Presidente da Repú-blica que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...)

<nota3>VI - a lei orçamentária;

253. Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orça-mentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pe-las duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. (...)

<nota3>§ 3º - As emendas ao pro-jeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

<nota3>I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de dire-trizes orçamentárias; (...)

<nota3>§ 4º - As emendas ao pro-jeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.

254. Art. 4o A lei de diretrizes orçamen-tárias atenderá o disposto no  § 2o  do art. 165 da Constituição e:

<nota3>I - disporá também sobre:<nota3>a) equilíbrio entre receitas

e despesas; (...)

255. Art. 10. São crimes de responsabili-dade contra a lei orçamentária: (...)

<nota3>4 - Infringir , patentemen-te, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.

<nota3>5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida conso-lidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máxi-mo fixado pelo Senado Federal; (...)  

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“Deputados federais questionam projeto de lei sobre alteração da LDO

Dois Mandados de Segurança (MSs 33345 e 33351) foram impetra-dos no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de liminar, por deputados federais para que seja determinada a suspensão da tramita-ção do Projeto de Lei (PLN) 36/2014, em andamento no Congresso Nacional. A proposta, encaminhada pela Presidência da República para alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, consiste em ampliar a possibilidade de redução do resultado primário no mon-tante dos gastos relativos às desonerações de tributos e ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Conforme os autos, no projeto de lei em questão, a Presidência da República propõe a alteração da Lei 12.919/2013 (LDO-2014), que estabelece no caput do artigo 3º que a meta de superávit primário po-derá ser reduzida em até R$ 67 bilhões. De acordo com os parlamen-tares, o objetivo da alteração legislativa é adequar as contas do gover-no federal à realidade orçamentária, de forma a evitar que o resultado financeiro do exercício fiscal de 2014 aponte o descumprimento das metas fiscais estabelecidas pela LDO e, consequentemente, a caracteri-zação do crime de responsabilidade, nos termos do artigo 10, itens 4 e 5, da Lei 1.079/1950.

No entanto, conforme a petição do MS 33345, a modificação na norma pretendida pelo Executivo não estabeleceu qualquer limite e tem como objetivo adaptar o orçamento à realidade econômico-financeira do ano fiscal, o que contraria a Constituição Federal (artigos 165, ca-put, e seus parágrafos 2º e 4º, bem como o artigo 166, parágrafo 4º). “Não é a LDO que determina o cumprimento da meta de superávit fiscal. Pelo contrário, é o plano plurianual (PPA) 2012-2015. O que faz a lei de diretrizes orçamentárias é, apenas, fixar os limites a serem cumpridos, atendendo ao comando do plano plurianual”, explica o pe-dido ao lembrar que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 307, o Supremo reconheceu, por unanimidade, que os limites estabelecidos pela lei de diretrizes orça-mentárias vinculam o chefe do Executivo na consolidação do projeto de lei orçamentária anual.

Já no MS 33351 se sustenta que a presidente da República, após en-viar mensagem que deu origem ao PLN 36/2014, encaminhou relató-rio bimestral de avalição de receitas e despesas ao Congresso Nacional, “já feito nos termos do PLN 36, que não está, até hoje, transformado em lei”. Entendem os parlamentares que a apresentação de tal propo-sição legislativa, “casada” com a apresentação de ato a ele vinculado, configura uma “tentativa de obter, por vias transversas, aquilo que a

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256 Conforme notícia disponí-vel em: <http://www.stf.jus.br/p o r t a l / c m s / v e r N o t i c i a D e t a l h e .asp?idConteudo=282367>

257 idem

Constituição veda expressamente: o poder de editar medida provisória sobre matéria orçamentária”. Assim, o ato da presidente afrontaria o artigo 62, I, “d”, da Constituição Federal.

Dessa forma, os autores ressaltam a necessidade de concessão da li-minar para suspender a tramitação do PLN até o julgamento dos man-dados de segurança, uma vez que o referido projeto está em vias de ser votado no Congresso. No mérito, solicitam a concessão da seguran-ça a fim de que seja reconhecida a ilegalidade da tramitação do PLN 36/2014. O ministro Luiz Fux é o relator desses processos.”

Em adição aos citados mandados de segurança, o partido Democratas ajuizou a ADPF 329 sob o argumento de que “o decreto presidencial teria como finalidade pressionar o Congresso a aprovar o PLN/36, que altera a Lei 12.919/2013 (LDO de 2014) na parte referente à metodologia de cálculo do superávit primário. O partido alegou que o decreto incorre em desvio de fi-nalidade, fraude constitucional, além de ser contrário à moralidade adminis-trativa, pois condicionaria a liberação das emendas parlamentares à aprova-ção do projeto.”256 O ministro Celso de Mello negou seguimento à ADPF 329, pois esta não atendia ao critério de subsidiariedade, segundo o qual o ajuizamento da ADPF é cabível na ausência de qualquer outro meio proces-sual apto a sanar, de modo eficaz, a situação de lesividade indicada pelo au-tor”.257 O PLN 36/2014 foi aprovado e publicado sob a Lei nº 13.053/2014, em 15 de dezembro de 2014, permitindo a redução da meta de superávit primário pela dedução dos gastos com o PAC e do montante decorrente das desonerações de tributos.

256. Conforme notícia disponí-vel em: <http://www.stf.jus.br/p o r t a l / c m s / v e r N o t i c i a D e t a l h e .asp?idConteudo=282367>

257. idem.

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258 A expressão está neste momento sendo utilizada em seu sentido lato, isto é, refere-se à necessidade de obtenção e criação dos recursos finan-ceiros como um todo para fazer face às despesas. Diferencia-se, dessa forma, conforme será examinado a seguir, do denominado public sector borro-wing requirements, o qual expressa o resultado da diferença entre despesas e receitas sem considerar os ingressos decorrentes chamadas operações de crédito. Na Aula 10 serão aprofundados e detalhados os diversos conceitos das receitas públicas.

259 GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláu-dia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 16. Apontam os autores que “o governo pode se financiar ‘de gra-ça’ – sem assumir o ônus associado ao pagamento de juros de sua dívida -, de duas formas. A primeira é emitin-do moeda para acompanhar a maior demanda por esta, em termos reais. A segunda é através da corrosão do valor real da base monetária existente, o que lhe permite imprimir moeda, apenas para conservar o valor real da moeda previamente impressa.”

260 A “senhoriagem” é definida pelos economistas como a possível receita decorrente do “fluxo nominal da base monetária”, pois, em uma economia com o Produto Interno Bruto constante, se de um lado a demanda por moeda cai quando a inflação aumenta – é um ativo financeiro não indexado que per-de valor com o aumento dos preços dos ativos reais -, reduzindo a demanda por base monetária, por outro, aumenta o denominado imposto inflacionário. Assim, conforme destacam Giambiagi e Ana Cláudia, “a receita de senhoriagem vai variar para mais ou para menos em função da importância relativa de cada um desses dois fenômenos”. GIAMBIA-GI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Op. Cit. p.16-17.

261 MELLO, Gustavo Miguez de. O Tri-buto: Finalidades Econômica, Jurídica, Política e Administrativa. In: MAR-TINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007. p. 425.

AulA 8 — o FinAnciAmento dos gAstos, As oPerAções de crédito e A dívidA PúblicA em FAce do equilíbrio FiscAl.

A atividade financeira do Estado é desenvolvida para satisfazer as neces-sidades públicas, o que se efetiva, predominantemente, conforme já exami-nado, por meio das despesas, tendo em vista que as outras modalidades de realização dos serviços públicos são esporádicas e excepcionais, conforme des-tacado no item 1.2 da Aula 1.

Por sua vez, os gastos público realizados para implementar as diversas ações estatais pressupõem o seu financiamento258, o que pode ocorrer de diversas formas. O Estado pode arcar com as despesas por meio: (1) da emis-são de moeda, hipótese em que não assume qualquer ônus ou comprometi-mento de pagar qualquer encargo (ex: juros), (2) da exploração do próprio patrimônio estatal para auferir renda, como, por exemplo, locando ou ceden-do a título oneroso as suas propriedades ou explorando a atividade econômi-ca por intermédio de empresas por ele controladas, (3) contraindo emprésti-mos, voluntários ou não, (4) exigindo o pagamento de tributos, (5) cobrando multas, e etc.

Se o único objetivo do Estado nessa vertente — de cobrir os gastos — fos-se, exclusivamente, a obtenção de recursos para financiar as despesas públicas, bastaria imprimir moeda259 de forma gratuita, sem a necessidade de organizar o dispendioso e complexo aparato burocrático para administrar a arrecadação de tributos ou de suas receitas patrimoniais. No entanto, o estudo dos efeitos líquidos260 decorrentes da simples emissão do papel moeda, matéria cujo exa-me detalhado foge ao escopo desta aula, indicam no sentido de que as pesso-as com menor nível de renda tenderiam a sofrer mais pesadamente com o denominado imposto inflacionário, haja vista a dificuldade de se protegerem contra a desvalorização dos ativos monetários não indexados. Nesse sentido, aponta Gustavo Miguez de Mello261 que:

Habitualmente entende-se que os tributos são cobrados para arre-cadação pelo Estado de recursos financeiros. Este entendimento é, en-tretanto, equivocado. Para obter recursos financeiros seria muito mais barato imprimi-los, emitir moeda, do que arcar com complexos e so-fisticados departamentos de administração de tributos. A emissão de moeda expandiria a demanda doméstica, criando a inflação que fun-cionaria como um encargo econômico gravemente injusto que tenderia a ser relativamente mais suportável pelos contribuintes de renda mais baixa. Podemos assim antecipar uma conclusão de que os tributos são cobrados para restringir a demanda doméstica contrapondo-se à ex-pansão dela decorrente de gastos governamentais, evitando a inflação e, principalmente para realizar a equidade ou justiça fiscal, impedindo

258. A expressão está neste momen-to sendo utilizada em seu sentido lato, isto é, refere-se à necessidade de obtenção e criação dos recursos financeiros como um todo para fazer face às despesas. Diferencia-se, dessa forma, conforme será examinado a seguir, do denominado public sec-tor borrowing requirements, o qual expressa o resultado da diferença entre despesas e receitas sem conside-rar os ingressos decorrentes chamadas operações de crédito. Na Aula 10 serão aprofundados e detalhados os diversos conceitos das receitas públicas.

259. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª Rio de Ja-neiro: Elsevier, 2008. p. 16. Apontam os autores que “o governo pode se finan-ciar ‘de graça’ — sem assumir o ônus associado ao pagamento de juros de sua dívida -, de duas formas. A primeira é emitindo moeda para acompanhar a maior demanda por esta, em termos reais. A segunda é através da corro-são do valor real da base monetária existente, o que lhe permite imprimir moeda, apenas para conservar o valor real da moeda previamente impressa.”

260. A “senhoriagem” é definida pelos economistas como a possível receita decorrente do “fluxo nominal da base monetária”, pois, em uma economia com o Produto Interno Bruto constante, se de um lado a demanda por moeda cai quando a inflação aumenta — é um ativo financeiro não indexado que perde valor com o aumento dos preços dos ativos reais -, reduzindo a demanda por base monetária, por outro, aumen-ta o denominado imposto inflacionário. Assim, conforme destacam Giambiagi e Ana Cláudia, “a receita de senhoriagem vai variar para mais ou para menos em função da importância relativa de cada um desses dois fenômenos”. GIAMBIA-GI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Op. Cit. p.16-17.

261. MELLO, Gustavo Miguez de. O Tri-buto: Finalidades Econômica, Jurídica, Política e Administrativa. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007. p. 425.

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262 Essa parece ser a ratio da CR-88 ao apontar no sentido do equilíbrio entre as operações de crédito e as despesas de capital. O artigo 167, III, veda “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital (...)”. A mensagem evidente desse dispositivo é que o endividamen-to somente pode ser admitido para a realização de investimento ou abati-mento da dívida, ou seja, não deveria ser possível contrair empréstimos para gastar os recursos obtidos com despe-sas correntes, salvo exceções tratadas em créditos suplementares e especiais de finalidade precisa e aprovados por maioria absoluta (vide art. 167 II c/c art. 27 do ADCT). Portanto, o Poder Público pode cobrir despesa de capital por meio de operações de crédito. Essa regra, denominada de regra de ouro, é reforçada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que em seu artigo 12, §2º, esta-belece que o “montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária.” No mesmo sentido, sig-nifica que a receita corrente deve cobrir as despesas correntes, não devendo haver déficit corrente. Essa correlação será examinada na aula pertinente às receitas públicas.

263 GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláu-dia. Op. Cit. p.16-17. p. 46. Apontam os autores que “o resultado fiscal por excelência — ou seja, o que todos os analistas interpretam como sendo o resultado fiscal — é apurado pelo BC e corresponde às denominadas ‘ne-cessidades de financiamento do setor público’ (NFSP), versão em português de ‘public sector borrowing require-mennts’ (PSBR) (...) A NFSP represen-tam apenas o resultado da diferença entre despesas e receitas, sem que o dado divulgado pelo BC permita saber o que está causando o desequilíbrio entre essas variáveis.(...) “No Brasil, as necessidades de financiamento são apuradas pelo conceito de caixa, ex-ceto pela despesa de juros, apuradas pelo conceito de competência contábil. De um lado, isso visa evitar que, se o governo emite títulos de prazo mais longo, com pagamentos concentrados no tempo, o déficit seja artificialmente baixo durante algum tempo e depois estoure” no momento do vencimento. Ao apropriar os juros pelo conceito de competência, o BC torna a despesa de juros mais regular ao longo do tempo a não ser que a taxa de juros mude muito de um mês para o outro. De outro, o cri-tério de competência para o cálculo dos juros é consistente com a apuração da dívida do setor público junto ao sistema financeiro”.

que o contribuintes de renda mais baixa suportem encargos tributários relativamente mais elevados do que os de renda mais alta.

Ainda que seja complexa e controvertida correlação objetiva entre a emis-são de moeda e a inflação independentemente das circunstâncias, bem como intrincada a definição quanto às reais funções dos tributos, matéria a ser abordada ao longo do curso, uma conclusão parece inequívoca: a obtenção do maior volume de recursos ou disponibilidades com o menor custo possí-vel — eficiência econômica em sentido estrito — não parece ser o único pa-râmetro norteador da escolha entre as possíveis fontes de financiamento a serem utilizadas pelo Poder Público, isto é, o valor justiça distributiva é ine-rente e faz parte do próprio processo de determinação de como as despesas públicas devem ser financiadas e não apenas da estruturação e opção do dis-pêndio em si. Assim, pode-se constatar que a eficiência econômica, de um lado, e a justiça como igualdade material, por outro, são valores que devem ser sopesados não apenas quando da efetivação dos gastos públicos, mas tam-bém durante todo o processo de escolha entre as diversas formas possíveis de obtenção de recursos financeiros, o que se reflete e influência, também, na interpretação e aplicação da legislação tributária, conforme será examinado ao final deste semestre. No mesmo sentido, importante destacar que as dife-rentes formas de arcar com o ônus das despesas em determinado momento impactam de maneiras distintas não apenas as pessoas que vivem em uma mesma época, pois o endividamento de longo prazo, por exemplo, tem como característica marcante o fato de que os benefícios e sacrifícios não são usual-mente suportados e usufruídos pela mesma geração, o que pode ocasionar distorções acentuadas no processo de repartição de encargos governamentais ao longo do tempo. De fato, enquanto a tributação onera os contribuintes no momento da exação os empréstimos públicos de longo prazo262 oneram gera-ções futuras, por despesas ocorridas antes do seu tempo, daí a relevância de se perquirir o tipo de gasto a ser realizado com recursos obtidos em determinada época a serem suportados no futuro.

As inevitáveis desconexões em determinado momento histórico entre o volume de recursos para satisfazer as necessidades públicas, de um lado, e aqueles disponíveis para a realização da atividade financeira do Estado, do outro, ensejam escolhas dramáticas. De fato, se as receitas tributárias e patri-moniais próprias, adicionadas daquelas recebidas de terceiros em transferên-cia, não são suficientes para fazer face às despesas fixadas em certo período, consubstancia-se o denominado public sector borrowing requirements, corres-pondente em português às necessidades de financiamento do setor público263, aqui sendo utilizada a expressão em seu sentido estrito, isto é, circunscreven-do-se aos ingressos decorrentes das operações de crédito. Na realidade, três soluções plausíveis se apresentariam para fazer face à divergência entre as de-

262. Essa parece ser a ratio da CR-88 ao apontar no sentido do equilíbrio entre as operações de crédito e as des-pesas de capital. O artigo 167, III, veda “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital (...)”. A mensagem evidente desse dispositivo é que o endividamen-to somente pode ser admitido para a realização de investimento ou abati-mento da dívida, ou seja, não deveria ser possível contrair empréstimos para gastar os recursos obtidos com despe-sas correntes, salvo exceções tratadas em créditos suplementares e especiais de finalidade precisa e aprovados por maioria absoluta (vide art. 167 II c/c art. 27 do ADCT). Portanto, o Poder Público pode cobrir despesa de capital por meio de operações de crédito. Essa regra, denominada de regra de ouro, é reforçada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que em seu artigo 12, §2º, esta-belece que o “montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária.” No mesmo sentido, sig-nifica que a receita corrente deve cobrir as despesas correntes, não devendo haver déficit corrente. Essa correlação será examinada na aula pertinente às receitas públicas.263. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana

Cláudia. Op. Cit. p.16-17. p. 46. Apon-tam os autores que “o resultado fiscal por excelência � ou seja, o que todos os analistas interpretam como sendo o resultado fiscal � é apurado pelo BC e corresponde às denominadas ‘ne-cessidades de financiamento do setor público’ (NFSP), versão em português de ‘public sector borrowing require-mennts’ (PSBR) (...) A NFSP represen-tam apenas o resultado da diferença entre despesas e receitas, sem que o dado divulgado pelo BC permita saber o que está causando o desequilíbrio entre essas variáveis.(...) “No Brasil, as necessidades de financiamento são apuradas pelo conceito de caixa, ex-ceto pela despesa de juros, apuradas pelo conceito de competência contábil. De um lado, isso visa evitar que, se o governo emite títulos de prazo mais longo, com pagamentos concentrados no tempo, o déficit seja artificialmente baixo durante algum tempo e depois estoure” no momento do vencimento. Ao apropriar os juros pelo conceito de competência, o BC torna a despesa de juros mais regular ao longo do tempo a não ser que a taxa de juros mude muito de um mês para o outro. De outro, o cri-tério de competência para o cálculo dos juros é consistente com a apuração da dívida do setor público junto ao sistema financeiro”.

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264 A doutrina utiliza indistintamente das expressões crédito público, em-préstimo público e dívida pública para designar o instituto.

265 Na aula pertinente às receitas pú-blicas será examinado se os ingressos decorrentes de operações de crédito subsumem-se — ou não — no con-ceito de receita pública.

266 No Direito Financeiro o conceito de Dívida Pública vincula-se às obrigações cujo pagamento decorra de emprésti-mos assumidos pelo Estado, mas não aquelas obrigações da Administração decorrentes, por exemplo, de aluguéis a serem pagos, da aquisição de bens, da prestação de serviços, de condenações judiciais etc, salvo se forem inscritas as despesas como restos a pagar, hipóte-se em que serão consideradas dívidas flutuante.

267 HARADA, Kiyoshi. Direito Financei-ro e Tributário. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 99-134.

268 Idem. Ibidem. p. 100-101. Traçando uma analogia com a teoria geral dos contratos, o empréstimo público se equivaleria ao mútuo, embora com este não se confunda, posto existirem pe-culiaridades nos empréstimos públicos que os diferenciam dos empréstimos privados, a começar pelo interesse público, princípio norteador da Admi-nistração.

269 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-reito Financeiro e Tributário. 11ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004. p. 216-225.

270 Empréstimo perpétuo e em-préstimo temporário: quanto a esta classificação, ensina Kiyoshi Harada: “o perpétuo será remível ou irremível, conforme haja ou não a faculdade de o Estado efetuar a restituição do capital quando quiser. Na realidade, emprés-timo público sem a possibilidade de exigir a restituição do capital perde a característica de receita creditícia”; Dívida Voluntária e Dívida Forçada ( involuntária ): Segundo a doutrina de Ricardo Lobo Torres a dívida forçada “é a assumida em razão de ato de império do Estado. Pode ter diversas formas: a) empréstimos compulsórios, que hoje se classificam melhor como tributo ( art. 148 CF ); Pode ter diversas for-mas: b) depósitos compulsórios feitos pelos bancos junto ao Banco Central; c) títulos de curso forçado emitidos pelo Governo, como os Certificados de Privatização” (...). A dívida voluntária, a seu turno, complementa o autor, “é a assumida espontaneamente pelos investidores e instituições financeiras. Dela diz-se que é: a) flutuante, quando, sendo dívida de curto prazo, deva ser paga no mesmo exercício financeiro; b) fundada ou consolidada, quando

mandas sociais e as disponibilidades: (1) diminuir os gastos para alcançar o desejável equilíbrio, reduzindo, inevitavelmente, o escopo das necessidades coletivas qualificadas como públicas; (2) aumentar tributos, efetivar esforços no sentido de elevar as receitas patrimoniais ou incrementar as transferências recebidas de terceiros; ou, ainda, (3) realizar as chamadas operações de crédi-to264 e obter financiamento junto ao mercado interno ou internacional por meio da emissão de títulos da dívida pública, de empréstimos de longo prazo etc. Assim, o crédito público é uma das formas pelas quais o Estado obtém recursos265 e, como conseqüência, surge a dívida pública266 haja vista a criação de obrigações para o Estado, conforme será explicitado no decorrer desta aula.

Kiyoshi Harada267 aponta que parte da doutrina tem uma concepção mais ampla de crédito público, o qual abarcaria dúplice perspectiva, “envolvendo tanto as operações em que o Estado toma dinheiro como aquelas em que fornece pecúnia”, o que será tratado aqui de forma apenas tangencial.

A natureza jurídica do crédito público é tema de difícil consenso entre os doutrinadores. Apenas à guisa de exemplo cabe trazer três correntes sobre o assunto: 1. considera o crédito público um ato legislativo, ou seja, as regras já estariam estabelecidas; 2. ato de soberania por meio do qual o Estado contrai empréstimo público como resultado natural de seu “poder de autode-terminação e de auto-obrigação” (...); 3. o crédito público seria um contrato (corrente majoritária) “que objetiva a transferência de certo valor em dinhei-ro de uma pessoa, física ou jurídica, a uma entidade pública para ser restitu-ído, acrescido de juros, dentro de determinado prazo ajustado”, ensina, ain-da, Kiyoshi Harada.268

Ao se debruçar sobre o tema em tela, Ricardo Lobo Torres269 apresenta duas teorias contratuais acerca da natureza jurídica dos empréstimos públicos (crédito público); a primeira defende a posição de que o empréstimo público tem natureza de contrato de direito privado, seguindo, portanto, as regras do contrato de mútuo, e a segunda corrente segue a linha de pensamento de que o crédito público assenta-se como contrato de direito administrativo, uma vez que o Estado não pode, por razões óbvias de interesse público, se igualar de forma absoluta ao particular. Na opinião do mencionado jurista, esta é a melhor teoria.

A doutrina270 e o sistema normativo apresentam variadas classificações de crédito público, em especial quanto à sua forma (voluntária ou compulsória), prazo (flutuante/de curto prazo ou fundada/consolidada), origem (interna ou internacional) e de sua competência no regime federativo (federal, estadual, distrital ou municipal). No decorrer da aula buscar-se-á analisar aspectos da-quelas mais citadas no plano normativo.

Para Aliomar Baleeiro271:

264. A doutrina utiliza indistintamen-te das expressões crédito público, em-préstimo público e dívida pública para designar o instituto.

265. Na aula pertinente às receitas pú-blicas será examinado se os ingressos decorrentes de operações de crédito subsumem-se - ou não - no conceito de receita pública.

266. No Direito Financeiro o conceito de Dívida Pública vincula-se às obri-gações cujo pagamento decorra de empréstimos assumidos pelo Estado, mas não aquelas obrigações da Administração decorrentes, por exemplo, de aluguéis a serem pagos, da aquisição de bens, da prestação de serviços, de condenações judiciais etc, salvo se forem inscritas as despesas como restos a pagar, hipótese em que serão consideradas dívidas flutuante.

267. HARADA, Kiyoshi. Direito Fi-nanceiro e Tributário. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 99-134.

268. Idem. Ibidem. p. 100-101. Tra-çando uma analogia com a teoria geral dos contratos, o empréstimo público se equivaleria ao mútuo, embora com este não se confunda, posto existirem pe-culiaridades nos empréstimos públicos que os diferenciam dos empréstimos privados, a começar pelo interesse público, princípio norteador da Admi-nistração.

269. TORRES, Ricardo Lobo. curso de Direito Financeiro e Tri-butário. 11ª ed. atual. Rio de Janei-ro: Editora Renovar, 2004. p. 216-225.

270. Empréstimo perpétuo e empréstimo temporário: quanto a esta classificação, ensina Kiyoshi Harada: “o perpétuo será re-mível ou irremível, conforme haja ou não a faculdade de o Estado efetuar a restituição do capital quando quiser. Na realidade, empréstimo público sem a possibilidade de exigir a restituição do capital perde a característica de receita creditícia”; Dívida Voluntária e Dívida Forçada ( invo-luntária ): Segundo a doutrina de Ricardo Lobo Torres a dívida forçada “é a assumida em razão de ato de império do Estado. Pode ter diversas formas: a) empréstimos compulsórios, que hoje se classificam melhor como tributo ( art. 148 CF ); Pode ter diversas for-mas: b) depósitos compulsórios feitos pelos bancos junto ao Banco Central; c) títulos de curso forçado emitidos pelo Governo, como os Certificados de Privatização” (...). A dívida voluntária, a seu turno, complementa o autor, “é a assumida espontaneamente pelos investidores e instituições financeiras. Dela diz-se que é: a) flutuante, quando, sendo dívida de curto prazo, deva ser paga no mesmo exercício financeiro; b) fundada ou consolidada, quando seja inscrita nos livros da Fazenda Pública para pagamento em data pre-viamente determinada (empréstimo amortizável) ou sem prazo fixado para amortização (empréstimo perpétuo)”; Empréstimos internos e empréstimos externos: Kiyoshi Harada aponta que o “crédito interno como aquele que o Estado ob-tém no âmbito de seu espaço territorial. Caracteriza-se o crédito externo quan-do o Estado celebra o contrato de mú-tuo, em moeda estrangeira, com uma pessoa não nacional”. Nesse contexto, ensina Regis Fernandes de Oliveira que o crédito externo “não tem caracteri-zação pela moeda de pagamento, mas pela transferência de divisas ao exterior e, pois, o que importa é o local ou a pra-ça em que o pagamento deva ser feito”. Ver HARADA, op. cit.; TORRES, op. cit. e OLIVEIRA, op. cit.

271. BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 488-490. Segundo o autor “receita pública é a entrada que, in tegrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acres-cer o seu vulto como elemento novo e positivo”. Assim, estariam excluídos do conceito de receita para o eminente au-tor os simples movimentos de fundos ou de caixa, assim compreendidos os ingressos que refletissem, ao mesmo tempo, criação de uma obrigação ou passivo correspondente.

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FGV DIREITO RIO 128

seja inscrita nos livros da Fazenda Pública para pagamento em data pre-viamente determinada (empréstimo amortizável) ou sem prazo fixado para amortização (empréstimo perpétuo)”; Empréstimos internos e emprésti-mos externos: Kiyoshi Harada aponta que o “crédito interno como aquele que o Estado obtém no âmbito de seu espaço territorial. Caracteriza-se o cré-dito externo quando o Estado celebra o contrato de mútuo, em moeda estran-geira, com uma pessoa não nacional”. Nesse contexto, ensina Regis Fernandes de Oliveira que o crédito externo “não tem caracterização pela moeda de pagamento, mas pela transferência de divisas ao exterior e, pois, o que impor-ta é o local ou a praça em que o paga-mento deva ser feito”. Ver HARADA, op. cit.; TORRES, op. cit. e OLIVEIRA, op. cit.

271 BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 488-490. Segundo o autor “receita pública é a entrada que, in tegrando-se no patri-mônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passi-vo, vem acrescer o seu vulto como ele-mento novo e positivo”. Assim, estariam excluídos do conceito de receita para o eminente autor os simples movimentos de fundos ou de caixa, assim compre-endidos os ingressos que refletissem, ao mesmo tempo, criação de uma obri-gação ou passivo correspondente.

272 Vide artigo 148 da atual CR-88.

273 Ver também o Decreto Federal n° 93.872/86, que trata dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, o qual, no capítulo IV, traz regras disciplinadoras da dívida pública. Nesse sentido cabe transcrever o dispositivo que traz o conceito de dívida pública: “Art. 115. A dívida pública abrange a dívida flutu-ante e a dívida fundada ou consolidada. §1o. A dívida flutuante compreende os compromissos exigíveis, cujo pa-gamento independe de autorização orçamentária, assim entendidos: a) os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida; b) os serviços da dívida; c) os depósitos,inclusive consignações em folha; d) as operações de crédito por antecipação de receita; e) o papel mo-eda ou moeda fiduciária. §2o. A dívida fundada ou consolidada compreende os compromissos de exigibilidade su-perior a 12 meses contraídos mediante emissão de títulos ou celebração de contratos para atender a desequilíbrio orçamentário, ou a financiamento de obras e serviços públicos, e que dependam de autorização legislativa para amortização ou resgate”. Frise-se que a LRF, conforme se extrai do dis-positivo transcrito, ampliou o escopo tanto da dívida consolidada como da dívida flutuante ( ver arts. 92 e 98 da Lei 4.320/64 ).

a caracterização jurídica do empréstimo público exige a prévia dis-criminação dos vários tipos de operações de crédito estatal, pois há profundas diferenças entre o emprés timo voluntário e o forçado, ou entre uma dívida assumida para com um indivíduo e os negócios típi-cos do Tesouro, à base de subscrição oferecida aos prestamistas.(...) Os autores, em geral, assinalam que o empréstimo forçado participa da natureza do tributo. Jèze, reconhecendo que ele não é contrato, consi-dera-o requisição de dinheiro. Amilcar Falcão, em exaustiva monogra-fia demonstrou o caráter tributário dos empréstimos compulsórios, hoje consagrados pelo272 art. 18, §3º, da Constituição de 1969, como medida excepcional da União.

Os empréstimos compulsórios, previstos no artigo 148 da CR-88, são usualmente qualificados como dívidas forçadas no âmbito do estudo das Fi-nanças Públicas, em contraposição às dívidas voluntárias contraídas pelo Po-der Público, já que decorrem de obrigação legal. Não são receitas definitivas tendo em vista que seus valores devem ser restituídos. Por outro lado, na seara tributária, isto é, para os efeitos do Direito Tributário, os mesmos emprés-timos compulsórios também são classificados como tributos pelo Supremo Tribunal Federal (RE 138.284), matéria que será objeto de análise nas aulas 12 e 13 e reexame detalhado no curso do próximo semestre intitulado Siste-ma Tributário Nacional.

A Lei Complementar n° 101/00 (LRF), em seu art. 29, traz algumas clas-sificações de dívida pública273, como a dívida consolidada ou fundada, a qual representa o montante total das obrigações financeiras do ente político, assumidas em razão de preceito legal, contratos, convênios, tratados e da re-alização de operação de crédito, para amortização em prazo superior a 12 meses. Tal quantitativo é apurado sem duplicidade, ou seja, são excluídas do cômputo geral as obrigações entre o ente político e seus fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes ou entre estes.274 Ainda, conceitua o mencionado diploma legal, a dívida mobiliária, isto é, aquela decorrente da emissão de títulos da União, dos Estados (inclui-se o DF), dos Municí-pios, bem como do Banco Central do Brasil; e as operações de créditos, estas abarcam os compromissos financeiros do Estado assumidos “em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros”, nos termos do inciso III do art. 29 da LC 101/00. Com feito, equipara à operação de crédito, ainda, o referido diploma legal, “a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívi-das pelo ente da Federação”, nos termos do art. 29, § 1°.

272. Vide artigo 148 da atual CR-88.

273. Ver também o Decreto Federal n° 93.872/86, que trata dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, o qual, no capítulo IV, traz regras disciplinadoras da dívida pública. Nesse sentido cabe transcrever o dispositivo que traz o conceito de dívida pública: “Art. 115. A dívida pública abrange a dívida flutu-ante e a dívida fundada ou consolidada. §1o. A dívida flutuante compreende os compromissos exigíveis, cujo pa-gamento independe de autorização orçamentária, assim entendidos: a) os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida; b) os serviços da dívida; c) os depósitos,inclusive consignações em folha; d) as operações de crédito por antecipação de receita; e) o papel mo-eda ou moeda fiduciária. §2o. A dívida fundada ou consolidada compreende os compromissos de exigibilidade su-perior a 12 meses contraídos mediante emissão de títulos ou celebração de contratos para atender a desequilíbrio orçamentário, ou a financiamento de obras e serviços públicos, e que dependam de autorização legislativa para amortização ou resgate”. Frise-se que a LRF, conforme se extrai do dis-positivo transcrito, ampliou o escopo tanto da dívida consolidada como da dívida flutuante ( ver arts. 92 e 98 da Lei 4.320/64 ).

274. NASCIMENTO, Leonardo do. E CHERMAN, Bernardo. contabili-dade Pública. Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2007. p. 438-439.

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274 NASCIMENTO, Leonardo do. E CHER-MAN, Bernardo. Contabilidade Pú-blica. Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2007. p. 438-439.

275 CONTI, José Maurício Conti. Comen-tários aos artigos 32 a 39. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 229-231.

276 AFONSO, José Roberto e BARRO-SO, Rafael. Uma Reforma Esquecida. In:Boletim de Desenvolvimento Fiscal. 5. IPEA. Junho, 2007. p.11.

277 Vide LRF art. 30: “Art. 30. No prazo de noventa dias após a publicação desta Lei Complementar, o Presidente da República submeterá ao: I — Senado Federal: proposta de limites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados e Municípios, cum-prindo o que estabelece o inciso VI do art. 52 da Constituição, bem como de limites e condições relativos aos incisos VII, VIII e IX do mesmo artigo; II — Congresso Nacional: projeto de lei que estabeleça limites para o montante da dívida mobiliária federal a que se refere o inciso XIV do art. 48 da Constituição, acompanhado da demonstração de sua adequação aos limites fixados para a dívida consolidada da União, atendi-do o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.”

278 Artigo 52, VI, da CR-88.

279 Vide Resolução nº 1 de 2001 do Con-gresso Nacional.

Sobre o tema operações de crédito, preciosa é a contribuição do financista José Maurício Conti275, que ao analisar a normas insertas nos artigos 32 a 39 da Lei de responsabilidade fiscal (LC 101/00) aponta três critérios básicos utilizados para a fixação de limites às operações de crédito:

O primeiro método é o estabelecimento de limites por meio de um processo de negociação entre o governo central e os governos subna-cionais (cooperative approach), que pode ser observado em alguns países europeus (...). Outro método é a fixação por meio de normas jurídicas preestabelecidas na Constituição ou na legislação infraconstitucional (ruled-based approaches). E o terceiro método é o controle feito direta-mente pelo governo central, que fixa os limites do endividamento das entidades subnacionais (direct control of the Central Government). Este último método é mais usual nos Estados unitários e pode ser observado no Reino Unido e no Japão.

No Brasil, conforme preleciona o mencionado autor, o sistema adotado para fixar os limites de endividamento segue o método ruled-based appro-aches, visto que a Constituição de 1988 e a normativa infraconstitucional tratam minuciosamente da matéria.

Sobre o tema apontam José Roberto Afonso e Rafael Barroso276:

A questão da dívida pública federal e da fixação de metas para esta e para o resultado nominal constitui também uma debilidade. A dívida pública seria a priori aspecto de maior sucesso da LRF, mas, de fato, e de direito, é em que mais falhou sua regulamentação posterior. A LRF, seguindo a Constituição Federal, prevê limites para o endividamento público: consolidado e mobiliário277. No primeiro caso, deveriam ser fixados pelo Senado278 para cada uma das três esferas de governo. Ao final de 2001, o Senado aprovou a nova resolução279 para regular o en-dividamento estadual e municipal, disciplinando tanto os fluxos, quan-to limitando os estoques, mas até hoje sequer iniciou a tramitação do mesmo projeto aplicado à União. Nada justifica que o ente mais im-portante da Federação, o que sempre teve a maior dívida, não esteja sujeito a nenhum limite. De início, havia o temor de questionarem a fixação de um limite para o governo federal acima do limite aplicado aos governos subnacionais, mas ninguém questiona essa diferença, que é facilmente explicada pelo fato de aquele governo ter estoque de dívida superior ao dos demais entes e também por ser o responsável pela polí-tica monetária.

275. CONTI, José Maurício Conti. Co-mentários aos artigos 32 a 39. In: MAR-TINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMEN-TO, Carlos Valder do. comentários à lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 229-231.

276. AFONSO, José Roberto e BARRO-SO, Rafael. Uma Reforma Esquecida. In:Boletim de Desenvolvimento Fiscal. 5. IPEA. Junho, 2007. p.11.

277. Vide LRF art. 30: “Art. 30. No pra-zo de noventa dias após a publicação desta Lei Complementar, o Presidente da República submeterá ao: I - Senado Federal: proposta de limites globais para o montante da dívida consoli-dada da União, Estados e Municípios, cumprindo o que estabelece o inciso VI do art. 52 da Constituição, bem como de limites e condições relativos aos incisos VII, VIII e IX do mesmo artigo; II - Congresso Nacional: projeto de lei que estabeleça limites para o montante da dívida mobiliária federal a que se refere o inciso XIV do art. 48 da Constituição, acompanhado da demonstração de sua adequação aos limites fixados para a dívida consolidada da União, atendi-do o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.”

278. Artigo 52, VI, da CR-88.

279. Vide Resolução nº 1 de 2001 do Congresso Nacional.

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280 Idem. Ibidem. p. 230-236.

281 Faz-se mister salientar que os refe-ridos limites estão delineados na Reso-lução do Senado Federal n° 43/2001, como forma de regulamentar o dispos-to no art. 52, inciso VII, da CR/88.

282 Vale ressaltar que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu art. 99, inciso XXXII, contempla a compe-tência da Assembléia Legislativa para autorizar previamente, por maioria absoluta de seus membros, proposta de empréstimo externo a ser encami-nhada pelo Chefe do Poder Executivo ao Senado Federal.

283 Cumpre fazer menção à exceção prevista no art. 167, inciso III, da CR/88, que dispõe, in verbis: “art. 167. são ve-dados: III- a realização de operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suple-mentares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legisla-tivo por maioria absoluta”.

284 Conforme determina o inciso X, do art. 167, CR/88, in verbis: “Art. 167. São vedados. (...)X – a transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos federal e Estadual e suas instituições financei-ras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Nessa toada, a LC 101/00, em seu art. 32, estabelece a competência do Ministério da Fazenda para verificar o cumprimento dos limites e condições referentes à realização de operação de crédito pelos entes da federação. Con-soante dispõe o referido dispositivo legal, a realização de operação de crédito pressupõe o preenchimento de alguns requisitos por parte do ente contratan-te. Sobre eles debruçou-se José Maurício Conti:280

a. adequada relação custo-benefício da operação: o interessado em contratar uma operação de crédito deverá instruir o seu pedido com os argumentos e provas que demonstrem a necessidade da operação e a compatibilidade entre recursos pleiteados e o benefício as ser obtido pela aplicação na finalidade proposta (é possível extrair dessa premissa os princípios da proporcionalidade e o da economicidade).

b. o interesse econômico e social da operação: (...) as operações de crédito somente poderão ser aceitas caso sejam destinadas a atender o interesse público, ou seja, tenham por objetivo atingir uma fina-lidade socialmente relevante.

c. existência de prévia e expressa autorização para a contratação com a inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação: A contratação de operação de crédito precisa estar previamente autorizada por lei da entidade que pleiteia realizá-la. Um município, por exemplo, antes de contratar a opera-ção de crédito, deve ter previsão desse ato na legislação pertinente.

d. a observância dos limites e condições fixados pelo Senado Fede-ral: O Ministério da Fazenda deve analisar a observância, pelo ente da federação que pretende consumar a operação, dos limites a que fica sujeito (...)281.

e. a existência de autorização específica do Senado Federal quando se tratar de operação de crédito externo: (...) toda vez que o ente necessitar realizar operação de crédito externo deverá submeter o pedido à apreciação do Senado Federal282, ex vi do art. 52, inciso V, da CR/88, a quem caberá expedir resolução autorizando o negócio.

f. o atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constitui-ção: essa é uma das mais importantes disposições da Lei de Respon-sabilidade Fiscal, por regulamentar a chamada ‘regra de ouro’, ao estabelecer o principal limite para o endividamento do setor públi-co, qual seja, impedir que a dívida ultrapasse o montante das despe-sas de capital283. O objetivo desse princípio de gestão fiscal respon-sável é a proibição de se financiarem despesas correntes284, indício claro de descontrole das contas públicas.

g. a observância das demais restrições estabelecidas na LRF: (...) 1. vedação às operações de crédito entre entes da Federação, ainda

280. Idem. Ibidem. p. 230-236.

281. Faz-se mister salientar que os re-feridos limites estão delineados na Re-solução do Senado Federal n° 43/2001, como forma de regulamentar o dispos-to no art. 52, inciso VII, da CR/88.

282. Vale ressaltar que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu art. 99, inciso XXXII, contempla a compe-tência da Assembléia Legislativa para autorizar previamente, por maioria absoluta de seus membros, proposta de empréstimo externo a ser encami-nhada pelo Chefe do Poder Executivo ao Senado Federal.

283. Cumpre fazer menção à exceção prevista no art. 167, inciso III, da CR/88, que dispõe, in verbis: “art. 167. são vedados: III- a realização de operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital, ressalva-das as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com fina-lidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.

284. Conforme determina o inciso X, do art. 167, CR/88, in verbis: “Art. 167. São vedados. (...)X — a transfe-rência voluntária de recursos e a con-cessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos federal e Estadual e suas instituições financeiras, para pagamento de despe-sas com pessoal ativo, inativo e pensio-nista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 131

285 CONTI. Op. Cit. p. 237.

que por meio da respectiva Administração indireta (art. 35); 2) ve-dação às operações de crédito entre instituição financeira estatal e outro ente da Federação destinadas a financiar despesas correntes ou a refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição concedente (art. 35, § 1o); 3. vedação às operações de crédito entre instituição financeira estatal e o ente que a controle (art. 36 c/c art. 2o, II); e 4. vedação às operações de crédito com o Banco Central do Brasil (art. 39).” (grifo nosso).

Cumpre, ainda, mencionar outros requisitos previstos na Resolução do Senado Federal n° 43/2001, art. 21, como, por exemplo, a competência dos Tribunais de Contas, nos termos do inciso IV, para expedir certidão atestan-do a regularidade das contas do último exercício do ente interessado, bem como o cumprimento das normas esculpidas na LRF.

Não há como refutar a importância da LRF em sede de controle fiscal das finanças públicas, o que, de fato, precisa ocorrer é a sua plena eficácia tanto no plano jurídico como na esfera social.

A Lei de Responsabilidade Fiscal exige comprometimento com a coisa pública não apenas dos administradores públicos, mas também das entidades privadas. Nesse sentido, oportuno trazer à luz a regra inserta no art. 33 do mencionado diploma normativo, a qual dispõe, in verbis: “Art. 33. A insti-tuição financeira que contratar operação de crédito com ente da Federação, exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir com-provação de que a condição atende às condições e limites estabelecidos”.

Dispõe, ainda, em seu § 1o, que, se houver violação às normas da LRF, a operação de crédito realizada será considerada nula, devendo o negócio ser cancelado, com a devolução da quantia recebida, sem o pagamento de juros ou de qualquer outro encargo.

A LRF atribui às instituições financeiras a tarefa de verificar se os entes contratantes estão observando os limites e as condições impostas pela legisla-ção para a contratação de operações de crédito. Conforme aponta José Mau-rício Conti:285 “estabeleceu-se a co-responsabilidade do setor privado pela fiscalização no cumprimento das disposições da LRF”. É, sem, dúvida, mais um exemplo concreto da interpenetração das finanças públicas nas finanças privadas (corporativas).

Algumas sanções imputadas em razão do descumprimento dos preceitos normativos para a realização de operações de crédito merecem ser destacadas: no âmbito da Administração Pública, os arts. 23, § 3o, e o 33, §§ 1o e 2o da LRF, apresentam um elenco delas, apenas a título de exemplo: 1. fica o ente proibido de receber transferências voluntárias; 2. obter garantia, direta ou in-direta, de outro ente; 3. contratar operações de crédito, com exceção daquelas destinadas a refinanciar a dívida mobiliária e as que visem à redução das des-

285. CONTI. Op. Cit. p. 237.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 132

286 Cf. determina o art. 38, § 2o, da LC 101/OO, “as operações de crédito por antecipação de receitas realizadas por Estados ou Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico pro-movido pelo Banco Central do Brasil”.

287 Art. 167 - São vedados: (...)IV - a vinculação de receita de impos-

tos a órgão, fundo ou despesa, ressalva-das a repartição do produto da arreca-dação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recur-sos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvi-mento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

288 Ensina Ricardo Lobo Torres que o art. 167, inciso III, da CR/88, — que esta-belece a denominada “regra de ouro”, isto é, a regra segunda a qual as ope-rações de crédito não podem exceder o montante das despesas de capital, sal-vo aquelas autorizadas mediante crédi-tos suplementares e especiais para fins específicos — teve como fundamento a Constituição Alemã ( art. 115 ), a qual também veda a existência de créditos superiores aos gastos de investimen-tos. In: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. atual. Rio de Janei-ro: Editora Renovar, 2008. p. 183.

289 CONTI. Op. Cit. p. 252.

290 A Taxa Básica Financeira foi insti-tuída pela Medida Provisória n° 1.875 (art. 5o), sendo, depois de sucessiva re-edições, convertida na Lei 10.192 de 14 de fevereiro de 2001, cujo art. 5o assim dispõe, in verbis: “Art. 5o Fica instituída Taxa Básica Financeira — TBF, para ser utilizada exclusivamente como base de remuneração de operações realizadas no mercado financeiro, de prazo de du-ração igual ou superior a sessenta dias. Parágrafo único. O Conselho Monetário Nacional expedirá as instruções ne-cessárias ao cumprimento do disposto neste artigo, podendo, inclusive, am-pliar o prazo mínimo previsto no caput”.

pesas com pessoal; 4. nulidade do contrato; 5. devolução do valor recebido; sem prejuízo de outras sanções de natureza política, civil e penal, nos termos do art. 73 da LRF.

i. operações de crédito por antecipação de receita (aro).286

Este tipo de operação tem natureza extra orçamentária, posto tratar-se de operação de crédito não prevista a priori na lei orçamentária. Ela visa a aten-der insuficiência de caixa durante o exercício financeiro, podendo ser utiliza-da, inclusive, para suprir despesas com o custeio da máquina pública. O art. 38 da LRF disciplina algumas condições que, somadas àquelas já menciona-das do art. 32 para operação de crédito em geral, devem ser observadas para a realização desta operação. Assim dispõe o caput do referido dispositivo: “Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes (...)”.

Importante ter em mente que a ratio da imposição das condições, de que trata o artigo supra transcrito, está diretamente relacionada ao princípio da não afetação da receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas, positivado no art. 167, inciso IV, da CR/88, cujas exceções, entre elas a operação de crédito por antecipação de receita, estão ali elencadas.287

As exigências de que trata o art. 38 da LRF podem ser detalhadas da se-guinte maneira:

“a. o caput do artigo prevê o cumprimento das condições estabeleci-das pelo art. 32 da LRF, dentre elas estão, conforme já visto alhures: a existência de prévia e expressa autorização para a contratação; a sujeição aos limites fixados pelo Senado Federal etc.;

b. o inciso I determina o dies a quo para contrair obrigação decor-rente de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, que é 10 de janeiro;

c. o termo final da operação deverá ser dia 10 de dezembro do mes-mo ano em que foi contraída a obrigação. Com efeito, essa exigência está diretamente relacionada ao princípio do equilíbrio orçamentário, que traz subjacente a finalidade de conter o endividamento público288;

d. a previsão e pagamento de juros com observância dos limites le-gais. Sobre tal regra, preleciona José Maurício Conti289 “que esses acrés-cimos restringem-se apenas à taxa de juros, que deverá ser obrigatoria-mente prefixada ou indexada a TBF (taxa básica financeira290)”;

e. vedação à realização de operação enquanto existir operação da mesma natureza ainda não adimplida;

286. Cf. determina o art. 38, § 2o, da LC 101/OO, “as operações de crédito por antecipação de receitas realizadas por Estados ou Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico pro-movido pelo Banco Central do Brasil”.

287. art. 167 - São vedados:

<nota3>(...)<nota3>iV  - a vinculação de re-

ceita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manu-tenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da admi-nistração tributária, como determina-do, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

288. Ensina Ricardo Lobo Torres que o art. 167, inciso III, da CR/88, - que es-tabelece a denominada “regra de ouro”, isto é, a regra segunda a qual as ope-rações de crédito não podem exceder o montante das despesas de capital, sal-vo aquelas autorizadas mediante crédi-tos suplementares e especiais para fins específicos - teve como fundamento a Constituição Alemã ( art. 115 ), a qual também veda a existência de créditos superiores aos gastos de investimentos. In: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito constitucional Financeiro e Tributário. Vol. V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2008. p. 183.

289. CONTI. Op. Cit. p. 252.

290. A Taxa Básica Financeira foi insti-tuída pela Medida Provisória n° 1.875 (art. 5o), sendo, depois de sucessiva reedições, convertida na Lei 10.192 de 14 de fevereiro de 2001, cujo art. 5o assim dispõe, in verbis: “Art. 5o Fica instituída Taxa Básica Financeira - TBF, para ser utilizada exclusivamente como base de remuneração de operações rea-lizadas no mercado financeiro, de prazo de duração igual ou superior a sessenta dias. Parágrafo único. O Conselho Mo-netário Nacional expedirá as instruções necessárias ao cumprimento do dispos-to neste artigo, podendo, inclusive, am-pliar o prazo mínimo previsto no caput”.

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FGV DIREITO RIO 133

291 O art. 21, § único, da LRF veda qual-quer operação que resulte em aumento de despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato. Ainda dispõe o art. 42 da LRF acerca da proi-bição de contratação de despesas nos últimos dois quadrimestres que não possam ser integralmente pagas no período.

292 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Insti-tuições de Direito Civil. Vol. III. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p.327-335.

f. impossibilidade de realização de ARO no último ano de mandato do Chefe do Poder Executivo. Tal regra tem como ratio subjacente evitar que o governante deixe excessivo encargo financeiro decorrente de ope-ração de crédito por antecipação de receita para o que lhe suceder291;

g. dispõe o § 2o do artigo em tela acerca da competência do Banco Central do Brasil para organizar e promover o processo licitatório, de-nominado de “ processo competitivo eletrônico”, para escolher a ins-tituição financeira que irá negociar com os Estados, DF e Municípios, com fulcro no art. 36 da Resolução do Senado n° 43/2001. As propos-tas oriundas das instituições licitantes só poderão prever cobrança de juros da operação, sendo vedado qualquer outro encargo, conforme determina o art. 38, inciso III, da LRF e o art. 37, § 3o da Resolução do Senado n° 43/2001. Tal restrição está expressa na exigência de entrega de declaração ao Ministério da Fazenda por parte da Instituição vence-dora de que não há qualquer custo adicional à operação além da taxa de juros. Tal documento deve ser assinado pelo contratante (Chefe do poder Executivo) e pela contratada (Instituição Financeira). O resulta-do do concurso será divulgado pelo Banco Central do Brasil a todas a instituições financeiras, ao Senado, ao Tribunal de Contas e ao Poder Legislativo respectivos, ex vi do art. 39 da referida Resolução”.

Compete, ainda, ao Banco Central a função fiscalizadora do saldo do cré-dito aberto, nos termos do art. 38, § 3o da LRF. O eventual descumprimento dos limites impostos, responderá a contratada instituição financeira, nos ter-mos da legislação pertinente, conforme expressa o art. 73 da LRF.

iii. da Garantia e da contra-Garantia.

Outro tema relevante para o objeto deste curso diz respeito às garantias e contra-garantias que os Entes Políticos podem lançar mão ao realizarem operações de crédito internas ou externas.

A garantia, conforme ensina a doutrina civilista, é uma espécie do gênero caução e vincula-se à tutela do patrimônio, posto servir de instrumento para preservação deste face às obrigações assumidas pelo devedor. No sistema nor-mativo pátrio as garantias se subdividem em reais e pessoais (fidejussórias). A garantia decorre da necessidade de o credor sentir-se seguro de que vai receber o pagamento da obrigação assumida pelo devedor. Nesse contexto, ensina o civilista Caio Mário da Silva Pereira292 que a garantia ou caução estrito senso:

“(...) pode efetivar-se mediante a separação de um bem determina-do, móvel ou imóvel, com o encargo de responder o bem gravado ou

291. O art. 21, § único, da LRF veda qualquer operação que resulte em au-mento de despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato. Ainda dispõe o art. 42 da LRF acerca da proibição de contratação de despesas nos últimos dois quadrimestres que não possam ser integralmente pagas no período.

292. PEREIRA, Caio Mário da Silva. instituições de Direito ci-vil. Vol. III. 10ª ed. Rio de Janeiro: Edi-tora Forense, 2000. p.327-335.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 134

293 Também cuida da matéria a Resolu-ção do Senado Federal n° 43/2001. De-ve-se destacar que nos termos do §1º do art. 40 da LRF não se exige contraga-rantia de órgãos e entidades do próprio ente e a contragarantia exigida pela União a Estado ou Município, ou pelos Estados aos Municípios, pode consistir na vinculação de receitas tributárias di-retamente arrecadadas e provenientes de transferências constitucionais, com outorga de poderes ao garantidor para retê-las e empregar o respectivo valor na liquidação da dívida vencida.

294 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Comentários aos arts. 40 a 47. In: MAR-TINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMEN-TO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 258-344.

295 Cabe salientar que, para Misabel de Abreu Machado Derzi, a vinculação de receitas tributárias de que trata o art. 40 da LRF amplia a regra inserta no art. 167, § 4o da CR/88, que prevê a utilização dos referidos recursos à pres-tação de garantia ou contra-garantia à União. Segundo a mencionada estudio-sa, o texto do referido art. 40 amplia o escopo da norma constitucional, uma vez que estabelece a retenção e ex-propriação da receita do ente devedor pelo garantidor, o que enseja vício de constitucionalidade. In: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Comentários aos arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsa-bilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 258-344.

seu rendimento pela solução da obrigação (penhor, hipoteca, anticre-se), casos em que fica estabelecido um ônus sobre a própria coisa, cons-tituindo espécie de garantia real (...). Mas pode realizar-se, também, mediante a segurança de pagamento oferecida por um terceiro estranho à relação obrigatória, o qual se compromete a solver pro debitore, e desta sorte nasce a garantia pessoal ou fidejussória.”

A despeito de serem aplicáveis as referidas formas de garantia na seara pública, é preciso ressaltar certas peculiaridades que as distanciam da sua aplicação nas relações privadas, visto que o administrador público tem como vetor axiológico de sua conduta o interesse público, valor indisponível. Desta sorte, deve o ente político, ao utilizar instrumentos de garantia ou contra-garantia, observar os ditames constitucionais e a legislação infraconstitucio-nal. O art. 40 da LRF disciplina a concessão de garantia em operações de crédito internas e externas pelos entes federados, e subordina a sua realização ao oferecimento de contragarantia, em valor igual ou superior ao da garantia a ser concedida, e à adimplência da entidade que a pleitear relativamente a suas obrigações junto ao garantidor e às entidades por este controladas.293 Nesse passo, merece relevo a contribuição de Misabel de Abreu Machado Derzi294 que, ao comentar o referido artigo 40, fez a seguinte análise:

“As garantias e contra-garantias podem ser reais ou pessoais. Median-te autorização legal, o ente federativo pode oferecer em garantia bens dominicais, móveis ou imóveis, disponíveis. Não se pode impedir, em-bora a regra seja a inalienabilidade dos bens públicos, que certos bens de propriedade do Estado sejam vendidos ou doados para fins de interesse coletivo, mediante lei. Se puderem ser objeto de alienação, poderão ser onerados com garantia real. Entretanto, essa relatividade inexiste em relação à receita pública ou à renda pública. Em se tratando, pois, de garantia ou contra-garantia prestada mediante vinculação de receita de impostos, estar-se-á diante de caução fidejussória, jamais real, pois a receita arrecadada, existente nos cofres públicos, é absolutamente inalie-nável, imprescritível e impenhorável.” (grifo da autora).

Embora seja pertinente a visão da mencionada estudiosa, há que se reco-nhecer que a Constituição de 1988, em seu art. 167, IV, no qual está positi-vado o princípio da não-afetação da receita, contempla a possibilidade de vinculação de recursos oriundos de receitas de impostos para a concessão de garantias às operações de crédito por antecipação de receita.295 É possível in-ferir da referida exceção ao princípio da vedação à vinculação da receita de impostos a órgãos e fundos, que o objetivo do Constituinte de 1988 é o de garantir o equilíbrio financeiro-orçamentário do Estado e, como conseqüên-

293. Também cuida da matéria a Re-solução do Senado Federal n° 43/2001. Deve-se destacar que nos termos do §1º do art. 40 da LRF não se exige contragarantia de órgãos e entidades do próprio ente e a contragarantia exigida pela União a Estado ou Muni-cípio, ou pelos Estados aos Municípios, pode consistir na vinculação de receitas tributárias diretamente arrecadadas e provenientes de transferências consti-tucionais, com outorga de poderes ao garantidor para retê-las e empregar o respectivo valor na liquidação da dívida vencida.

294. DERZI, Misabel de Abreu Macha-do. Comentários aos arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCI-MENTO, Carlos Valder do. comentá-rios à lei de Responsabili-dade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 258-344.

295. Cabe salientar que, para Misabel de Abreu Machado Derzi, a vinculação de receitas tributárias de que trata o art. 40 da LRF amplia a regra inserta no art. 167, § 4o da CR/88, que prevê a utilização dos referidos recursos à pres-tação de garantia ou contra-garantia à União. Segundo a mencionada estudio-sa, o texto do referido art. 40 amplia o escopo da norma constitucional, uma vez que estabelece a retenção e expro-priação da receita do ente devedor pelo garantidor, o que enseja vício de cons-titucionalidade. In: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Comentários aos arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. comentários à lei de Res-ponsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 258-344.

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FGV DIREITO RIO 135

cia, a concretização dos direitos humanos fundamentais, os quais dependem dos serviços públicos, como assistência à saúde e melhor estrutura da educa-ção básica e do ensino médio.

equilíbrio Fiscal

Por fim, cumpre destacar que, no caso brasileiro, além do aumento da despesa como proporção do PIB ao longo dos anos o resultado primário do Governo Central (total das Receitas menos total das Despesas antes do paga-mento dos Juros) vinha sendo positivo e crescente ao longo dos últimos anos, o que confirma o aumento da arrecadação da União em ritmo mais forte do que o crescimento dos gastos e do PIB, sem considerar os encargos da dívida.

O tema relacionado ao equilíbrio fiscal encontra-se bastante em voga no Brasil e no mundo, notadamente por conta da crise vivida por diversos Es-tados estrangeiros. Em tese, é importante que o Estado não permita que o montate de suas despesas sopbrepuje o valor total de sua receita, a fim de evitar déficit fiscal e consequentemente qualquer crise financeira oriunda de tal endividamente desmensurado. Não raro, contudo, muitos Estados vêm acumulando déficit fiscais ao longo dos últimos anos, aumentando em muito o nível de endividamento. Como resultado, pode haver quebra de contratos, calotes, por parte do governo, enorme crise financeira e política. O exemplo dos Estados Unidos é sintomático, que vive o famigerado “abismo fiscal”. Veja abaixo a matéria do Globo:

/12/2012 07h12 — Atualizado em 16/12/2012 07h12À beira do ‘abismo fiscal’, EUA precisam de acordo para evitar crisePaís precisa de acordo para evitar corte automático de gastos; entenda.EUA podem entrar em recessão e afetar economia mundial, inclusive

Brasil.

Para não enfrentar um arrocho automático e caírem no “abismo fis-cal”, os Estados Unidostêm até 31 de dezembro para decidir como cortar US$ 2,1 trilhões em gastos nos próximos dez anos e se vão man-ter as reduções de impostos definidas pelo governo Bush.

Seja “aos 45 minutos do segundo tempo” (entre o Natal e o Ano Novo) ou já na prorrogação (nos primeiros meses do ano que vem), os especialistas acreditam que vai haver um acordo para definir o que vai ser cortado e de que forma. Ou seja, o país não vai descer muito fundo.

“Ninguém quer que o país entre no ‘abismo fiscal’, não é bom para a economia, é muita austeridade. Queremos reduzir gasto, mas da forma

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certa”, diz a economista Nela Richardson, da Bloomberg Government, especializada em análises de assuntos ligados ao governo americano. Se-gundo ela, há consenso também quanto à necessidade de uma reforma tributária.

Esse “abismo” é resultado da aprovação pelo Congresso, em 2011, da ampliação do déficit fiscal do país em US$ 2,1 trilhões. À época, o endividamento chegara ao limite de US$ 14,3 trilhões, e o país corria o risco de dar “calote” caso o limite da dívida não fosse elevado. Mas, em troca, a medida exigia chegar a um acordo até o fim de 2012 para cortar US$ 1,2 trilhão em dez anos. Sem isso, o tal “sequestro automático” de gastos que vão impactar programas sociais e de defesa seria ativado. É o que está prestes a ocorrer.

“O que estamos vendo agora é um mecanismo de segurança para forçar os congressistas a trabalharem juntos”, diz a economista da Bloomberg.

Há duas questões diferentes que vão diminuir o dinheiro em cir-culação nos EUA: 1) corte automático de US$ 1,2 trilhão em gastos do governo nos próximos dez anos, já que o limite máximo de endi-vidamento (US$ 16,4 trilhões) está prestes a ser alcançado e 2) fim de medidas de redução de impostos que vêm desde o governo Bush, sem as quais os americanos vão pagar mais impostos e receber menos benefícios.

Para o ano que vem, calcula-se que o corte será de cerca de US$ 500 bilhões, somados benefícios que vão expirar e os cortes de gastos do governo. Esse dinheiro a menos deve fazer a economia frear já em 2013, segundo os analistas.

Tamanho do possível corte de gastos e aumento de impostos em 2013, em Us$ bilhões

Total de aumento nos impostos 427

Total dos cortes de gastos 127

TOTal RETiRaDO Da EcOnOMia 554

Acordo

Barrar o ‘abismo’ (esse corte grande e todo de uma vez) depende de os líderes do Congresso dos EUA definirem juntos o que cortar. Ha-vendo um consenso para reduzir os tais US$ 1,2 trilhão nos próximos dez anos, o abismo some e os cortes passam a ser escalonados. É aí que está o problema.

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As tentativas de negociação vêm pelo menos desde agosto, mas as discussões não têm sido muito frutíferas. Obama quer elevar os im-postos dos americanos mais ricos e os republicanos, liderados por John Boehner, discordam por achar que isso irá impedir o crescimento das empresas, resume a revista americana “Forbes”.

Consequências

Enquanto não se sabe que lado vai perder na definição dos cortes, a economia perde como um todo, já que a indefinição gera prejuízo à eco-nomia, diz a economista Nela Richardson. “É como no Brasil, em que investimentos estão sendo retidos por conta da insegurança. Essa inde-finição é ruim para o país e é o que vai prejudicar nossa economia”, diz, apontando como possível consequência a alta do desemprego pré-abismo.

A indefinição é ruim para o país e é o que vai prejudicar nossa eco-nomia”

Nela Richardson, economista da Bloomberg GovernmentOs desdobramentos da queda no abismo, por outro lado, podem

ser catastróficos ou apenas ruins, dependendo da análise. Os mais pes-simistas acreditam que o corte fará a economia dos EUA escorregar no início da escalada de recuperação, levando abismo abaixo a fraca economia mundial.

Para o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), o desemprego deve subir de 7,7% em novembro para 9% e o país deve entrar em recessão, encolhendo 0,5% até o fim de 2013.

Entre os principais cortes estão o de verbas para o programa de saú-de do governo, o Medicare; do auxílio-desemprego; e do orçamento de defesa. No total, mais de US$ 100 bilhões devem ser enxugados, segundo o CBO e a MB Associados.

O fim dos descontos em impostos a empresas e cidadãos deve retirar aproximadamente outros US$ 400 bilhões da economia — via tribu-tos mais altos e menos benefícios sociais. Estão à beira de expirar, por exemplo, a redução de alíquotas de imposto de renda e as desonerações sobre contratações.

A consequência deve ser a redução de consumo principalmente nas classes médias e baixas. “Qual a conta dos economistas e do merca-do? Se não for negociada a extensão da redução de impostos, eles vão subir para as pessoas físicas e empresas e isso vai significar retirada de dinheiro da economia: famílias vão ter de pagar ao governo e não vão consumir com esse dinheiro”, diz o professor do curso de relações inter-nacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Geraldo Zahran.

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cOnsEQUÊncias DO abisMO Fiscal

Alta do desemprego: de 7,7% (em novembro) para 9% em 2013

Recessão: encolhimento de 0,5% no PIB em 2013

Principais cortes de verbas: programa de saúde do governo, o Medicare; auxí-lio-desemprego; e orçamento de defesa.

Incentivos tributários à beira de expirar: redução de alíquotas de imposto de renda e desonerações sobre contratações.

Para o Brasil: redução de exportações para os EUA, queda da Bovespa e desva-lorização do dólar.

A queda pode chegar ao Brasil trazendo a redução de exportações para os EUA, queda da Bovespa e desvalorização do dólar, segundo analistas. Um encolhimento da economia norte-americana reduziria nossas vendas tanto para os EUA quanto para outros países que co-mercializem com ele como a China — nosso principal parceiro comer-cial. A recessão nos EUA “pode limitar as medidas recentes realizadas no câmbio pelo governo no intuito de aumentar a competitividade da nossa indústria”, diz o economista da MB Associados, Antônio Louro.

Já os menos pessimistas lembram que o corte de US$ 1,2 trilhão não atingirá a economia de forma instantânea — ou seja, haveria mais tempo para o acordo. “Se as leis entrarem em vigor, a economia pode começar um declínio que pode levar a uma recessão em 2013, mas isso é bem distante de cair num abismo, diretamente numa recessão”, diz Chad Stone, economista-chefe do Centro de Orçamento e Políticas Prioritárias (CBPP, na sigla em inlgês), no artigo “Medo equivocado do ‘abismo fiscal’ impõe desafios a negociações do orçamento”.

Stone e o CBO apontam que o impacto imediato na renda da maio-ria das famílias será limitado a um aumento nos impostos proporcional ao salário. Isso trará impactos negativos, mas não uma crise como a Depressão de 1929, só uma leve recessão.

Limite de gasto

O tal gatilho de corte de gastos existe porque o endividamento do governo americano é

limitado pelo Congresso, uma forma de proteger a economia e os cidadãos de gastos excessivos.

No governo Clinton (entre 1993 e 2001), o limite de endividamen-to era de US$ 5,5 trilhões. Foi na era Bush e Obama que ele subiu tanto, até chegar aos atuais US$ 16,4 trilhões”

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Geraldo Zahran, professor do curso de relações internacionais da PUC-SP

”A razão entre a dívida e o PIB não pode aumentar eternamente. Se isso acontece, as reservas nacionais disponíveis para investimento privado encolhem e, em uma situação extrema, reduzem o crescimento e, como consequência, o nível de vida da população”, escreve Richard Kogan, do CBPP, no artigo “Economia de US$ 2 trilhões no déficit alcançaria alvo chave: estabilizar a dívida na próxima década”. No caso de uma futura crise, ficaria mais difícil conseguir investimentos e o preço, maior.

“Para se ter uma ideia, no governo Clinton (entre 1993 e 2001), o limite de endividamento era de US$ 5,5 trilhões. Foi na era Bush e Obama que ele subiu tanto, até chegar aos atuais US$ 16,4 trilhões”, explica Zahran, do curso de relações internacionais PUC-SP. Atual-mente, diz a revista “Forbes”, o endividamento dos EUA é de 70% do PIB, a taxa mais alta em mais de 70 anos.

Para o cenário de crescimento seria importante a manutenção de alíquotas mais baixas, mas do ponto de vista do endividamento público o aumento de impostos é mais do que providencial (cortá-las)”

Antonio Louro, economista da MB Associados

O que e como cortar

Mas se há consenso de que é preciso cortar gastos e fazer uma pro-funda reforma tributária para reduzir os impostos, além de ser perceptí-vel que a demora em decidir aumenta o prejuízo, por que o Congresso não toma uma decisão?

“A culpa é do Congresso”, diz a economista da Bloomberg Govern-ment, bem-humorada. “Há mais consenso entre os partidos que diver-gências, mas as que existem são realmente centrais.”

Cada partido defende os interesses de sua base eleitoral, democratas e republicanos não abrem de minimizar o peso dos gastos para uma parte específica da população. “O que está entravando as discussões é menos técnico e mais político. Eles relacionam o pagamento de impos-tos com cidadania, tanto que na campanha eleitoral se fala em ‘pagador de impostos’”, diz o coordenador do curso de economia internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antonio Carlos Alves dos Santos.

As alíquotas sobre a renda, hoje entre 10% a 35%, vão voltar para o patamar entre 15% e 39,6% se não houver acordo. “Barack Obama quer permitir o aumento dessas alíquotas, mas somente para a faixa mais rica da população. Para o cenário de crescimento seria importante

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296 http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/12/beira-do-abismo--fiscal-eua-precisam-de-acordo-para--evitar-crise.html

a manutenção dessas alíquotas, mas do ponto de vista do endividamen-to público o aumento de impostos é mais do que providencial (cortá-las), diz o economista Antônio Louro.

Quando cortar

Os mais otimistas apostam que um acordo será fechado entre o Na-tal e o Ano Novo, a exemplo do que ocorreu em 2011. A decisão só veio em 31 de julho, último dia, mesmo com a nota de risco do país tendo sido reduzida e a emissão de títulos para financiar mais gastos bloqueada.

“Seria ótimo que houvesse um acordo entre Natal e Ano Novo. Acho que ele vai ocorrer, mas talvez só em fevereiro. Ate lá, a economia não está fazendo muitos avanços nem fará”, prevê Nela. Na análise de Chad Stone, do CBPP, a decisão pode sair só em abril.296

No Brasil, o resultado superavitário no ano de 2012 tem sido alvo de críti-cas por parte de diversos economistas e jornalistas que afirmam ter o governo maquiado o balnço para evitar a divulgação de déficit fiscal para o exercício. Veja mais outra nocítica que ilustra o tema:

04/01/2013 09h41 — Atualizado em 04/01/2013 11h53Governo manobra para aumentar superávit primário de 2012Medidas foram publicadas no ‘Diário Oficial da União’ desta quin-

ta-feira.BNDES comprou ações da Petrobras e pagou ao governo com títu-

los.Do G1, em Brasília13 comentáriosO governo federal executou, no fim do ano passado, manobras con-

tábeis para aumentar o chamado “superávit primário”, que é a econo-mia feita para pagar juros da dívida pública e tentar manter sua trajetó-ria de queda, relativo ao ano de 2012.

Segundo medida publicada no “Diário Oficial da União” desta quinta-feira (3), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) comprou ações da Petrobras que estavam no Fun-do Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), que concentra as aplicações do fundo soberano brasileiro — formado com a “sobra” do superávit primário de 2008 — e as repassou ao Tesouro Nacional.

saiba mais• Meta cheia de superávit primário não deve ser cumprida, ad-

mite Mantega

296. http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/12/beira-do-abismo--fiscal-eua-precisam-de-acordo-para--evitar-crise.html

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• Governo prevê abater R$ 25,6 bilhões da meta de superávit primário

Em posse dos títulos públicos, o Tesouro transformou esses papéis em recursos em espécie, no total de R$ 8,84 bilhões, recursos que en-gordaram o chamado superávit primário no fmal de 2012. Também houve antecipação de dividendos da Caixa Econômica Federal, e do BNDES ao governo federal, este último no valor de R$ 2,3 bilhões. O BNDES, por sua vez, recebeu uma parcela de R$ 15 bilhões de emprés-timo do Tesouro Nacional.

Manobras contábeis em 2009 e 2010A utilização de manobras contábeis para inflar o superávit primá-

rio não é um expediente novo no Tesouro Nacional. Em 2009, por exemplo, a União obteve um incremento de R$ 13 bilhões somente com medidas heterodoxas (não usuais), como o recebimento de R$ 8,9 bilhões a mais em depósitos judiciais antigos.

O governo também engordou o caixa, em 2009, com R$ 3,5 bilhões de uma operação de compra, pelo BNDES, de dividendos que a União teria direito a receber da Eletrobras. Mesmo assim, teve de abater os gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prerrogativa autorizada pelo Congresso Nacional, para atingir o resultado primário estabelecido.

Em 2010, a manobra contábil foi maior ainda. A explicação é que o governo emitiu, em setembro daquele ano, R$ 42,92 bilhões em títulos públicos para pagar a sua parte da capitalização da Petrobras, e recebeu de volta, por conta do pagamento da cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo, R$ 74,8 bilhões da empresa estatal.

Deste modo, sobraram R$ 31,9 bilhões para o superávit primário unicamente por conta da capitalização da Petrobras. Sem a “ajuda” da Petrobras, as contas do governo teriam registrado um superávit primá-rio de R$ 47 bilhões em 2010, bem abaixo da meta estabelecida para todo ano passado.

Contas do governoNo acumulado dos onze primeiros meses de 2012, o superávit pri-

mário do governo (União, Previdência Social e BC) somou R$ 60,38 bilhões, o que representa uma queda de 34%, ou R$ 31 bilhões, frente a igual período do ano passado — quando o saldo positivo somou R$ 91,5 bilhões.

A forte queda no superávit primário aconteceu em um ano marcado pelos efeitos da crise financeira internacional — que impacta a arreca-dação, que também veio mais baixa neste ano por conta das reduções de tributos anunciadas pelo governo.

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297 http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/01/governo-manobra--para-aumentar-superavit-primario--de-2012.html

O governo já admitiu, em outubro, que a meta “cheia” de superávit primário do Governo Central, isto é, sem abatimento dos gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que é de R$ 97 bi-lhões, não será atingida neste ano.

De acordo com relatório do orçamento divulgado no último mês, será realizado um abatimento R$ 25,6 bilhões em gastos com investi-mentos. Com isso, a meta passa a ser de R$ 71,4 bilhões para o ano de 2012 fechado.

”O resultado de novembro está dentro da expectativa. Mas está den-tro da ideia geral de um resultado menos forte em novembro e mais significativo em dezembro. O resultado de dezembro será forte, de dois dígitos [superávit acima de R$ 10 bilhões]. ainda faltam valores signi-ficativos de dividendos [de estatais para ingressar em dezembro]. O resultado será acima de dois dígitos com muita folga”, declarou o secre-tário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, no mês passado.”297

297. http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/01/governo-manobra--para-aumentar-superavit-primario--de-2012.html

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298 Matéria a ser examinada nas próxi-mas aulas.

AulA 9 — As trAnsFerênciAs constitucionAis e A PArtilhA de receitA tributáriA no FederAlismo FiscAl brAsileiro

Conforme já explicitado na Aula 2, os recursos disponíveis para cada ente político realizar as suas funções em uma federação como a brasileira não cor-respondem apenas às receitas auferidas individualmente, patrimoniais e ex-trapatrimoniais, isto é, as fontes de financiamento orçamentárias dos gastos em sentido lato, de cada ente federado, correspondem ao conjunto:

(A) das receitas próprias de cada unidade política, obtidas, principal-mente, por meio do exercício de suas competências tributárias298, de suas receitas patrimoniais, da atividade econômica exercida por suas empresas, bem como das operações de crédito; e

(B) da parcela decorrente do sistema de repartição de receitas tributárias e de transferências intergovernamentais, que podem ser voluntárias ou obrigatórias, correntes ou de capital;

Preliminarmente, entretanto, cumpre destacar a distinção entre transfe-rências intergovernamentais e intragovernamentais.

As despesas realizadas para transferir recursos financeiros a entidades per-tencentes à Administração Pública, dentro da mesma esfera de governo, de-nomina-se transferências intragovernamentais. Em sentido diverso, as trans-ferências entre os diversos entes federados, qualificam-se como transferências intergovernamentais, as quais podem ter por fundamento:

(1) determinação constitucional ou legal, o que a caracteriza como par-ticipação obrigatória e

(2) o processo de descentralização orçamentário voluntário, que se efe-tiva pelas transferências discricionárias.

Acerca das transferências voluntárias, estabelece o artigo 25 da Lei Com-plementar nº 101/2000 (LRF) que:

Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por trans-ferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a ou-tro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde. (grifo nosso)

298. Matéria a ser examinada nas pró-ximas aulas.

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299 Saliente-se, ainda, a existência das subvenções sociais e econômicas, disciplinadas, respectivamente, nos artigos 16 e 18 da Lei n º 4.320/64. As subvenções sociais são destinadas às instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, que visam suple-mentar as ações da iniciativa privada na área social. Já as subvenções econô-micas destinam-se a cobrir os déficits de manutenção das empresas públicas, compreendendo aqueles decorrentes do montante em que as despesas de custeio superam as receitas correntes. Destaque-se que a artigo 32, da Lei nº12.017, de 12 de agosto de 2009, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamen-tária de 2010,da União, estabelece que “A transferência de recursos a título de subvenções sociais, nos termos do art. 16 da Lei no 4.320, de 1964, atenderá as entidades privadas sem fins lucrativos que exerçam atividades de natureza continuada nas áreas de cultura, as-sistência social, saúde e educação e preencham” as condições fixadas no dispositivo.

Saliente-se, ainda, que, consoante o disposto no artigo 167, X, da CR-88 — inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98 — é vedada “a transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estadual e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inati-vo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Os instrumentos de repasse das transferências discricionárias são múltiplos, destacando-se entre eles os convênios, os contratos de repasse, ajustes, a trans-ferência automática e a transferência fundo a fundo. Os fundamentos para as transferências voluntárias299 também são vários, podendo ser, por exemplo, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, conforme estatui o cita-do artigo 25 da LRF, visando, especialmente, à realização de obras e/ou servi-ços de interesse comum e coincidente às três esferas de Governo.

As transferências voluntárias, por se tratarem de despesa para o ente go-vernamental transferidor, devem ter previsão na lei do orçamento anual, nos termos do artigo 167, II da CR-88, bem como obedecer às condições fixadas no já citado inciso X do mesmo dispositivo constitucional, na Lei de Diretri-zes Orçamentárias, do ente federado concedente, e na Lei de Responsabilida-de Fiscal, a qual estabelece diversas condições e requisitos para que a União realize transferências a título voluntário, destacando-se entre eles os fixados nos artigos 11, 23, 25, 51, 52, 54 e 55. Se o Município, por exemplo, não encaminhar o balanço do exercício anterior à Secretaria do Tesouro Nacional no prazo determinado, fica impedido de receber transferências voluntárias.

O Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007, regulamenta os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e enti-dades da administração pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e ativida-des de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.

As informações sobre transferências voluntárias obtidas no Sistema Inte-grado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) podem ser consultadas no sítio da Secretaria do Tesouro Nacional no seguinte endereço eletrônico: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/transfe-rencias_voluntarias.asp.

Com isso, só conseguirão receber transferências não-obrigatórias do Te-souro Nacional entes públicos e entidades privadas que se credenciarem e fir-marem contrato por intermédio do Portal de Convênios do governo federal.”

As transferências obrigatórias, por sua vez, podem ter fundamento cons-titucional ou legal. Destaque-se, inicialmente, conforme será examinado na Aula 9, que o princípio geral, consoante o disposto no artigo 167, IV, da CR-88, é o da impossibilidade de vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Entretanto, o mesmo dispositivo estabelece diversas exce-

299. Saliente-se, ainda, a existência das subvenções sociais e econômicas, disciplinadas, respectivamente, nos artigos 16 e 18 da Lei n º 4.320/64. As subvenções sociais são destinadas às instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, que visam suple-mentar as ações da iniciativa privada na área social. Já as subvenções econô-micas destinam-se a cobrir os déficits de manutenção das empresas públicas, compreendendo aqueles decorrentes do montante em que as despesas de custeio superam as receitas correntes. Destaque-se que a artigo 32, da Lei nº12.017, de  12 de agosto de 2009, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamen-tária de 2010,da União, estabelece que “A transferência de recursos a título de subvenções sociais, nos termos do art. 16 da Lei no 4.320, de 1964, atenderá as entidades privadas sem fins lucrativos que exerçam atividades de natureza continuada nas áreas de cultura, as-sistência social, saúde e educação e preencham” as condições fixadas no dispositivo.  

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300 O artigo 198, §3º, inciso II, da CR-88, prevê que Lei Complementar, até hoje não editada, estabelecerá: “os critérios de rateio dos recursos da União vin-culados à saúde destinados aos Esta-dos, ao Distrito Federal e aos Municí-pios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais” (inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000).

301 A Lei nº 9.604/1998, que dispõe sobre a prestação de contas de aplica-ção de recursos a que se refere a Lei nº 8.742/1993, estabelece que os recursos recebidos pelos fundos dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios devem ser aplicados de acordo com as prioridades fixadas nos planos de assistência social, aprovados pelos respectivos conselhos, devendo ser ob-servada a necessária compatibilidade com o plano estadual na hipótese de transferência aos fundos municipais (parágrafo único do artigo 2º).

302 O FUNDEB é um fundo de natureza contábil criado no âmbito de cada Es-tado e do Distrito Federal (art. 60, I do ADCT), sendo o mesmo financiado com recursos desses entes federados e, tam-bém, com recursos dos Municípios (art. 60, II do ADCT). A União apenas com-plementa os recursos dos Fundos sem-pre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por aluno não alcançar o mínimo fixado nacionalmente (art. 60, V do ADCT). Segundo o artigo 212 da CR-88 a União aplicará, anualmente, no mínimo 18% e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25%, da recei-ta resultante de impostos, incluindo a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. A Lei nº 11.738/2008, por sua vez, entre outras medidas, fixou piso nacional de remuneração para os pro-fessores em R$ 950,00. A lei foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4167) no Supremo Tribunal Fede-ral (STF), proposta por Governadores de cinco estados. Para os governadores, a lei extrapolou a idéia inicial de uma fi-xação do piso da carreira e criou “regras desproporcionais” ao regular o venci-mento básico (não o piso) e dar jornada menor de trabalho dos professores dentro das salas de aula. Segundo eles, a lei federal causará despesas exage-radas e sem amparo orçamentário nos estados. O Plenário do STF concluiu, no dia 17.12.2008, no julgamento da liminar, que: (1) o termo “piso” a que se refere a norma em seu artigo 2º deve ser entendido como a remuneração mínima a ser recebida pelos professo-res. Assim, até que o Supremo analise a constitucionalidade da norma, na decisão de mérito, os professores das escolas públicas terão a garantia de não ganhar abaixo de R$ 950,00, somados aí o vencimento básico (salário) e as

ções, entre as quais aquelas determinadas nos artigos 157 e 159, 198, §2º, 212 e artigo 37, XXII, a serem apresentadas a seguir, bem como a prestação de garantias previstas no artigo 165, §8º, e no §4º do próprio artigo 167, hipóteses já analisadas na aula passada.

As transferências determinadas na Constituição, de caráter obrigatório, podem ser segmentadas em seis grandes grupos, possuindo, cada qual, finali-dade e natureza distinta, destacando-se:

(1) aquelas determinadas pela Carta Magna visando a realização de ações governamentais descentralizadas em que há participação de múltiplos entes federados, como é o caso dos recursos financeiros destinados:i. ao Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pelo artigo 198

da CR-88, disciplinado pela Lei n° 8.080/90 e Lei n° 8.142/90, e financiado, nos termos do artigo 195 da CR-88, com recursos do orçamento da seguridade social, da União300, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outros recursos (§1°do artigo 198);

ii. ao Fundo de Assistência Social (FNAS), que são transferidos301 de acordo com os critérios aprovados pelo Conselho Nacional de Assistência Social, o qual deve considerar “para tanto, indi-cadores que informem sua regionalização mais eqüitativa, tais como: população, renda per capita, mortalidade infantil e con-centração de renda, além de disciplinar os procedimentos de repasse de recursos para as entidades e organizações de assistên-cia social, sem prejuízo das disposições da Lei de Diretrizes Or-çamentárias”, nos termos do art. 18, IX da Lei nº 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, prevista nos artigos 203 e 204 da CR-88;

iii. ao Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), de que trata o artigo 60 do ADCT da CR-88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 53, de 19 de dezembro de 2006 e regulamentado pela Lei n° 11.494/2007302;

(2) a quota dos Estados e dos Municípios, correspondente a dois terços dos recursos arrecadados pela União com a contribuição social do salário-educação de que trata o §6°do artigo 212 da CR-88, as quais serão creditadas mensal e automaticamente em favor das Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e em favor dos Muni-cípios, para financiamento de programas, projetos e ações voltadas para a educação básica, nos termos do Decreto Federal nº 6.003 de 28 de dezembro de 2006;

300. O artigo 198, §3º, inciso II, da CR-88, prevê que Lei Complementar, até hoje não editada, estabelecerá: “os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respec-tivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais” (inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000).

301. A Lei nº 9.604/1998, que dispõe sobre a prestação de contas de aplica-ção de recursos a que se refere a Lei nº 8.742/1993, estabelece que os recursos recebidos pelos fundos dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios devem ser aplicados de acordo com as prioridades fixadas nos planos de assistência social, aprovados pelos respectivos conselhos, devendo ser ob-servada a necessária compatibilidade com o plano estadual na hipótese de transferência aos fundos municipais (parágrafo único do artigo 2º).

302. O FUNDEB é um fundo de natu-reza contábil criado no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal (art. 60, I do ADCT), sendo o mesmo financiado com recursos desses entes federados e, tam-bém, com recursos dos Municípios (art. 60, II do ADCT). A União apenas com-plementa os recursos dos Fundos sem-pre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por aluno não alcançar o mínimo fixado nacionalmente (art. 60, V do ADCT). Segundo o artigo 212 da CR-88 a União aplicará, anualmente, no mínimo 18% e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25%, da recei-ta resultante de impostos, incluindo a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. A Lei nº 11.738/2008, por sua vez, entre outras medidas, fixou piso nacional de remuneração para os pro-fessores em R$ 950,00. A lei foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4167) no Supremo Tribunal Fede-ral (STF), proposta por Governadores de cinco estados. Para os governadores, a lei extrapolou a idéia inicial de uma fi-xação do piso da carreira e criou “regras desproporcionais” ao regular o venci-mento básico (não o piso) e dar jornada menor de trabalho dos professores dentro das salas de aula. Segundo eles, a lei federal causará despesas exage-radas e sem amparo orçamentário nos estados. O Plenário do STF concluiu, no dia 17.12.2008, no julgamento da liminar, que: (1) o termo “piso” a que se refere a norma em seu artigo 2º deve ser entendido como a remuneração mínima a ser recebida pelos professo-res. Assim, até que o Supremo analise a constitucionalidade da norma, na decisão de mérito, os professores das escolas públicas terão a garantia de não ganhar abaixo de R$ 950,00, somados aí o vencimento básico (salário) e as gratificações e vantagens; e (2) pela suspensão do  parágrafo 4º do artigo 2º da lei, que determina o cumpri-mento de, no máximo, 2/3 da carga dos professores para desempenho de atividades em sala de aula. No entanto, continua valendo a jornada de 40 horas semanais de trabalho, prevista no pará-grafo 1º do mesmo artigo. A suspensão vale, também, até o julgamento final da ação pelo STF. Ao decidir a ADI 4102 o STF referendou liminar concedida em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro para suspender a vigência do § 1º do art. 309 e do art. 314, caput, e § 5º, bem como da expressão “e garantirá um per-centual mínimo de 10% (dez por cento) para a educação especial” contida na parte final do § 2º do art. 314, todos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Entendeu-se que as normas impugnadas elidem a competência do Executivo na elabora-ção da lei orçamentária, retirando-lhe a iniciativa dessa lei, obrigando-o a destinar dotações orçamentárias a fins pré-estabelecidos e a entidades pré--determinadas. Alguns precedentes ci-tados: ADI 780 MC/RJ (DJU de 16.4.93); ADI 1689/PE (DJU de 19.3.2003); ADI 820/RS (DJE de 29.2.2008).

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gratificações e vantagens; e (2) pela suspensão do parágrafo 4º do artigo 2º da lei, que determina o cumpri-mento de, no máximo, 2/3 da carga dos professores para desempenho de atividades em sala de aula. No entanto, continua valendo a jornada de 40 horas semanais de trabalho, prevista no pará-grafo 1º do mesmo artigo. A suspensão vale, também, até o julgamento final da ação pelo STF. Ao decidir a ADI 4102 o STF referendou liminar concedida em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro para suspender a vi-gência do § 1º do art. 309 e do art. 314, caput, e § 5º, bem como da expressão “e garantirá um percentual mínimo de 10% (dez por cento) para a educação especial” contida na parte final do § 2º do art. 314, todos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Entendeu-se que as normas impugnadas elidem a competência do Executivo na elabora-ção da lei orçamentária, retirando-lhe a iniciativa dessa lei, obrigando-o a destinar dotações orçamentárias a fins pré-estabelecidos e a entidades pré--determinadas. Alguns precedentes ci-tados: ADI 780 MC/RJ (DJU de 16.4.93); ADI 1689/PE (DJU de 19.3.2003); ADI 820/RS (DJE de 29.2.2008).

303 Esse terceiro grupo, relativo às com-pensações e participações especiais, pode, em sentido diverso ao aqui en-quadrado, não ser classificado como transferência obrigatória, tendo em vista a possibilidade de se sustentar a tese de que esses recursos deveriam ser pagos diretamente aos Estados, Distrito Federal e Municípios titulares destes, nos termos do artigo 20, §1º, da CR-88, não sendo submetidos, portanto, ao regime jurídico das transferências obrigatórias. Sobre o assunto ver MS 24.312-1/DF, Tribunal Pleno do STF, a ser estudado na Aula 11.

304 Esse dispositivo do ADCT, cujo objeti-vo é substituir o sistema de compensa-ção e transferência de recursos defini-dos no artigo 33, da Lei Complementar nº 87/1996, que disciplina o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mer-cadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermu-nicipal e de comunicação (ICMS), não foi até hoje regulamentado, razão pela qual, tendo em vista o disposto no § 3º do mesmo artigo 91 do ADCT (“Enquan-to não for editada a lei complementar de que trata o caput, em substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente o siste-ma de entrega de recursos previsto no artigo 31 e Anexo da Lei Complementar nº 87/96, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Comple-mentar nº 115/02, de 26 de dezembro de 2002) continua, portanto, em pleno vigor a sistemática disciplinada no cita-

(3) os recursos financeiros transferidos à título de compensação e parti-cipação no resultado da exploração de petróleo e gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no território, plataforma continental, mar territo-rial ou zona econômica exclusiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do §1º do artigo 20 da CR-88303;

(4) a transferência da arrecadação do imposto sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliá-rios (IOF), incidente sobre o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, cabendo, de acordo com a sua origem, trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, e setenta por cento para o Município, nos termos do artigo 153, V, e § 5º da CR-88;

(5) os valores entregues pela União aos Estados e ao Distrito Federal, de acordo com critérios, prazos e condições a serem definidos em lei complementar, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as expor-tações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições desti-nadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamen-to do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a, nos termos do artigo 91304 do ADCT da CR-88, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003 e

(6) as transferências decorrentes da denominada “Repartição das Re-ceitas Tributárias”, disciplinadas nos artigos 157 a 162 da CR-88, Seção VI do Capítulo I — Do Sistema Tributário Nacional, o qual está inserido no Título VI — Da Tributação e do Orçamento.

Relativamente a este último grupo (número 6), disciplinado nos artigos 157 a 162 da CR-88, cumpre apontar a sua estreita conexão com o disposto no já citado artigo 3º, III, da mesma Carta, que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “erradicar a pobre-za e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (grifo nosso). Dessa forma, pode-se concluir que a Constituição elegeu e consagrou o sistema de repartição de receitas tributárias e de transferências entre os en-tes federados como o principal305 instrumento financeiro para alcançar o ob-jetivo fundamental de reduzir as denominadas desigualdades regionais e pro-mover o equilíbrio econômico entre Estados e Municípios (artigo 161, II, da CR-88). Visando garantir a efetividade desses repasses, o artigo 160 da CR-88 estabelece a vedação da retenção ou qualquer restrição à entrega e ao empre go dos recursos atribuídos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Muni-cípios, sendo ressalvada, entretanto, a possibilidade de condicionamento do repasse das receitas “ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autar-

303. Esse terceiro grupo, relativo às compensações e participações es-peciais, pode, em sentido diverso ao aqui enquadrado, não ser classificado como transferência obrigatória, tendo em vista a possibilidade de se sustentar a tese de que esses recursos deveriam ser pagos diretamente aos Estados, Distrito Federal e Municípios titulares destes, nos termos do artigo 20, §1º, da CR-88, não sendo subme-tidos, portanto, ao regime jurídico das transferências obrigatórias. Sobre o assunto ver MS 24.312-1/DF, Tribunal Pleno do STF, a ser estudado na Aula 9.

304. Esse dispositivo do ADCT, cujo objetivo é substituir o sistema de compensação e transferência de recursos definidos no artigo 33, da Lei Complementar nº 87/1996, que disciplina o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações re-lativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de trans-porte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), não foi até hoje regulamentado, razão pela qual, tendo em vista o disposto no § 3º do mesmo artigo 91 do ADCT (“Enquanto não for editada a lei complementar de que trata o caput, em substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente o siste-ma de entrega de recursos previsto no artigo 31 e Anexo da Lei Complementar nº 87/96, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Comple-mentar nº 115/02, de 26 de dezembro de 2002) continua, portanto, em pleno vigor a sistemática disciplinada no cita-do artigo 31 da LC nº 87/1996, apesar deste dispositivo fixar o ano de 2006 como termo final para aplicabilidade da sistemática ali determinada. Este é o denominado “seguro receita”, pois visa garantir recursos financeiros aos Estados e Distrito Federal em compen-sação à desoneração dos produtos semi manufaturados e às aquisições de bens do ativo permanente introduzidos pela LC nº 87/1996, daí sua natureza com-pensatória. Tanto no sistema previsto no ADCT (§ 1º do artigo 91) como no regime da lei complementar (§ 1º do artigo 31) é estabelecido que 25% da compensação será repassada aos Mu-nicípios e 75% aos Estados.305. Outros instrumentos podem ser identificados no próprio sistema tribu-tário, como, por exemplo, aquele pre-visto no artigo 151, I da CR-88, o qual estabelece ser possível à União, em atendimento ao princípio da igualdade material, instituir tributo não unifor-me em todo o território nacional, que implique distinção ou preferência em relação ao Estado, DF ou ao Município, em detrimento de outro, na hipótese de “incentivos fiscais destinados a pro-mover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país”.

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do artigo 31 da LC nº 87/1996, apesar deste dispositivo fixar o ano de 2006 como termo final para aplicabilidade da sistemática ali determinada. Este é o denominado “seguro receita”, pois visa garantir recursos financeiros aos Estados e Distrito Federal em compen-sação à desoneração dos produtos semi manufaturados e às aquisições de bens do ativo permanente introduzidos pela LC nº 87/1996, daí sua natureza com-pensatória. Tanto no sistema previsto no ADCT (§ 1º do artigo 91) como no regime da lei complementar (§ 1º do artigo 31) é estabelecido que 25% da compensação será repassada aos Mu-nicípios e 75% aos Estados.

305 Outros instrumentos podem ser identificados no próprio sistema tribu-tário, como, por exemplo, aquele pre-visto no artigo 151, I da CR-88, o qual estabelece ser possível à União, em atendimento ao princípio da igualdade material, instituir tributo não unifor-me em todo o território nacional, que implique distinção ou preferência em relação ao Estado, DF ou ao Município, em detrimento de outro, na hipótese de “incentivos fiscais destinados a pro-mover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país”.

306 HARADA, Hiyoshi. Direito Finan-ceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 45.

307 DI PIETRO, Juliano. Repartição de Re-ceitas Tributárias: A repartição do pro-duto da arrecadação. As Transferências Intergovernamentais. In: CONTI, José Maurício (Organizador). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004. p. 71.

308 CONTI, José Mauricio. Federalismo fiscal e fundos de participação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 39.

309 Dispõe ainda a Constituição, no arti-go 165, §9º, II, que cabe à lei comple-mentar “estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administra-ção direta e indireta bem como condi-ções para a instituição e funcionamento de fundos.”

quias” e “ao cumprimento” das “ações e serviços públicos de saúde”, nos ter-mos do artigo 198 da CR-88.

Apesar da CR-88 ter conferido a prerrogativa a cada um dos entes da federação para instituir e exigir os seus próprios tributos, o que pode ensejar o nascimento da relação jurídica-tributária entre o sujeito ativo credor e o sujeito passivo devedor, conforme será estudado na próxima aula, os recursos financeiros decorrentes dessa competência não se afiguram suficientes para garantir a autonomia financeira de todos os Esta dos e Municípios do país. De fato, a grande maioria dos Municípios e muitos Estados brasileiros são dependentes da relação jurídica-financeira criada pela Constituição entre os entes políticos visando o equilíbrio federativo, prevendo as citadas reparti-ções das receitas tributárias a que alude.

Destaque-se que a doutrina estabelece diversas classificações no que con-cerne ao sistema de repartição das receitas tributárias, objetivando auxiliar a diferenciação entre as diversas espécies e formas de alocação de recursos disciplinadas nos artigos 157 a 162 da CR-88.

Segundo Kiyoshi Harada306, a Constituição de 1988 estabeleceu “três mo-dalidades diferentes de participação dos Estados, DF e Municípios na receita tributária da União e dos Estados: (a) participação direta dos Estados, DF e Municípios no produto de arrecadação de imposto de competência impositi-va da União; (b) participação no produto de impostos de receita partilhada; (c) participação em fundos”. Outros autores307 qualificam-nas, quanto à for-ma, em transferências “diretas, ou seja, sem qualquer intermediação, e indi-retas, efetuadas por meio de fundos”. José Maurício Conti308 aponta que as transferências obrigatórias podem ser qualificadas como automáticas, “quan-do estejam previstas no ordenamento jurídico de determinado Estado de for-ma que devam ser operacionalizadas por ocasião do recebimento dos recur-sos, independentemente de decisão de autoridades”, ou realizadas por um sistema misto, quando a “transferência se opera em duas etapas, com critérios diversos: há a transferência automática e obrigatória do recurso da unidade a um determinado fundo, que, por sua vez, discricionariamente, repassa os valores recebidos para as outras unidades, seguindo determinações que po-dem variar conforme circunstâncias”.

A transferência e a apropriação dos recursos tributários partilhados podem ocorrer por meio de Fundo ou sem a utilização desse instrumento, o qual tem como requisito necessário a autorização legislativa, consoante o disposto no artigo 167, IX, da CR-88.309

A Constituição, em duas hipóteses, determina a retenção dos valores pelos próprios beneficiários da receita partilhada, consoante se extrai do disposto no inciso I do artigo 157 e do inciso I do artigo 158. Tais dispositivos prevê-em que pertencem aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

306. HARADA, Hiyoshi. Direito Fi-nanceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 45.

307. DI PIETRO, Juliano. Repartição de Receitas Tributárias: A repartição do produto da arrecadação. As Transferên-cias Intergovernamentais. In: CONTI, José Maurício (Organizador). Fede-ralismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004. p. 71.

308. CONTI, José Mauricio. Fede-ralismo fiscal e fundos de participação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 39.

309. Dispõe ainda a Constituição, no artigo 165, §9º, II, que cabe à lei complementar “estabelecer nor-mas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.”

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o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e pro-ventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.

Nesses termos, quando os Estados, o Distrito Federal e os Municípios realizam pagamentos (ex: pagamento aos seus servidores etc.), os quais con-substanciem renda para o destinatário, devem executar, por mandamento constitucional, a retenção do imposto de renda (IR), na hipótese incidente na própria fonte pagadora. Portanto, o ente federado substitui aquele que aufere a renda no que se refere à obrigação de pagar o imposto devido, isto é, os entes públicos subnacionais passam a ser substitutos tributários e, ao mesmo tempo, titulares da arrecadação do IR retido, imposto cuja competência pri-vativa para instituição é da União, nos termos do artigo 153, III, da CR-88. Portanto, não há, conforme já salientado, qualquer sistema ou mecanismo para repassar esses recursos aos entes beneficiários (Estados, Distrito Federal e Municípios) nem desembolso de caixa no montante partilhado por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Dessa forma, a receita tributária é repartida sem que haja o efetivo repasse financeiro dos recursos pelo Tesouro Nacional por intermédio do Banco do Brasil.

Assim, quando os Estados, o Distrito Federal e os Municípios efetivam o pagamento mensal aos seus servidores, por exemplo, desembolsam apenas o montante líquido a ser recebido a título de remuneração ou de subsídio, sendo o ente público subnacional responsável, no entanto, pela denominada retenção na fonte. No Estado do Rio de Janeiro, a matéria está disciplinada no Decreto n.º 12.716, de 28 de fevereiro de 1989, no que se refere aos pa-gamentos realizados fora do âmbito do Poder Executivo, hipótese em que o “produto da arrecadação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza retido na fonte sobre os rendimentos pagos, a qualquer título, pelos órgãos componentes do Poderes Legislativo e Judiciário, bem como pelas autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Estado do Rio de Janeiro, será recolhido em DARJ, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, na forma a ser indicada pelo Secretário de Estado de Fazenda”. Apesar de não mencio-nado o Ministério Público estadual, a mesma regra deveria ser aplicada, haja vista a autonomia orçamentária e financeira assegurada pela Constituição ao parquet.

Por sua vez, a União, titular da competência tributária para instituir o IR, certamente acompanha e controla os valores envolvidos, tendo em vista a ne-cessidade de contabilização dos montantes pertinentes: (1) em sua execução orçamentária; (2) para a fiscalização das declarações anuais de imposto de renda daqueles destinatários dos pagamentos a ensejar a retenção, efetuados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios; e bem assim, (3) para a efeti-

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vação da exclusão dessa parcela do IR retido na fonte dos montantes a serem transferidos a título de Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Fe-deral (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM) aos programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO), nos termos do artigo 159, §1º da CR-88.

Também pertencem aos Estados e Municípios vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que lhe é atribuída pelo art. 154, I, a denominada competência residual da União, a ser examinada no próximo semestre na disciplina intitulada Sistema Tributário Nacional.

Existe ainda a previsão da repartição das receitas de dois impostos de com-petência dos Estados: (a) do imposto incidente sobre a propriedade de veí-culos automotores licenciados em seus territórios (IPVA); e (b) do imposto incidente sobre a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), disci-plinados, respectivamente, nos incisos III e IV do artigo 158 da CR-88.

Aludida sistemática, relativamente ao ICMS, está prevista nos artigos 4º e 5 º da Lei Complementar nº 63/1990, que dispõe:

“Art. 4º Do produto da arrecadação do imposto de que trata o artigo anterior, 25% (vinte e cinco por cento) serão depositados ou remetidos no momento em que a arrecadação estiver sendo realizada à “conta de participação dos Municípios no Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações”, aberta em estabe-lecimento oficial de crédito e de que são titulares, conjuntos, todos os Municípios do Estado.

§ 1º............................................................................................§ 2º Os agentes arrecadadores farão os depósitos e remessas a que

alude este artigo independentemente de ordem das autoridades supe-riores, sob pena de responsabilidade pessoal.

Art. 5º Até o segundo dia útil de cada semana, o estabelecimento oficial de crédito entregará, a cada Município, mediante crédito em conta individual ou pagamento em dinheiro, à conveniência do benefi-ciário, a parcela que a este pertencer, do valor dos depósitos ou remessas feitos, na semana imediatamente anterior, na conta a que se refere o artigo anterior.”

Dessa forma, o recurso não transita, de fato, pelo caixa do Estado, ente competente para instituir o IPVA e o ICMS.

Saliente-se, entretanto, que sob a perspectiva da execução do orçamento, as receitas do ICMS e do IPVA são registradas e contabilizadas de forma in-

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310 O princípio do orçamento bruto está positivado no art. 6º, da Lei 4.320/64, e estabelece que todas as receitas e des-pesas devem constar de lei orçamentá-ria e de créditos adicionais pelos valores totais, vedadas quaisquer deduções. No entanto, conforme será estudado na Aula 10, Manual de Receita Nacional, de utilização obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretá-rio do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, disponibilizada no endereço eletrônico http://www.te-souro.fazenda.gov.br, estabelece dois procedimentos possíveis: 1) “No caso em que se configure em orçamento apenas o valor pertencen-te ao ente arrecadador, deverá ser registrado o valor total arrecadado, incluindo os recursos de terceiros. Após isso, estes últimos serão registrados como dedução da receita e será reconhecida uma obrigação para com o “beneficiário” desses valores. A adoção desse procedimento está fundamentada no fato de que não há necessidade de aprovação parlamentar para transferência de recursos de acor-do com o que determina a legislação. As transferências constitucionais ou legais constituem valores que não são passíveis de alocação em despesas pelo ente público, desse modo, não há desobediência ao Princípio do Orça-mento Bruto, segundo o qual recei-tas e despesas devem ser incluídas no orçamento em sua totalidade, sem deduções”; e 2) “No caso em que se consigne em orçamento o valor total a ser arrecadado, incluindo os recursos de terceiros, em que o ente seja apenas arrecadador, o recebimento será inte-gralmente computado como receita, sendo efetuada uma despesa quando da entrega ao beneficiário. Exemplo: FPM – Fundo de Participação dos Mu-nicípios. Tais observações são aplicadas apenas para recursos que não perten-çam ao ente, ou seja, cuja transferência seja intergovernamental, de acordo com a legislação em vigor.”

311 Conforme já salientado, as diversas classificações das receitas e despesas serão apresentadas na aula 10.

312 art. 153, §4°, inciso III, da CR-88, com a sua redação conferida pela Emenda Constitucional 42/2003.

313 O artigo 4°, da Lei Complementar n° 65/1991, determina que, para o cálculo da participação de cada Estado ou do Distrito Federal nesta reparti-ção da receita tributária: “somente será considerado o valor dos produtos industrializados exportados para o exterior na proporção do ICMS que deixou de ser exigido em razão da não-

tegral nos demonstrativos financeiros do Estado, como decorrência e reflexo do já apresentado princípio do orçamento bruto310, ainda que as parcelas pertencentes aos municípios sejam direcionadas pelo agente arrecadador di-retamente para a conta dos Municípios.

No mesmo sentido, quando da elaboração do orçamento e da estimativa de receita, os montantes relativos ao IPVA e ao ICMS devem constar do or-çamento do Estado como receita corrente311 pelo seu valor estimado bruto, sem abatimento da participação dos Municípios. Esses valores, constitucio-nalmente atribuídos, devem ser contabilizados como despesa para o Estado, enquadrada a hipótese como transferência corrente, nos termos do artigo 12 da Lei nº 4.320/1964. Por outro lado, no orçamento municipal devem ser registrados os montantes que, por estimativa, serão repassados pelo Estado no exercício como receita corrente, sendo categorizada economicamente como receita de transferência corrente.

Apresentados esses exemplos do Imposto de Renda retido na fonte pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como do IPVA e ICMS, hipóte-ses em que não há efetivo envio ou fluxo financeiro entre os entes federados, cumpre agora analisar as outras hipóteses de que tratam a citada Seção VI, relativamente à repartição de receitas tributárias.

No que se refere ao imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), malgrado tratar-se de imposto da competência privativa da União (art. 153, inciso VI), a Constituição permite a sua fiscalização e cobrança pelos Muni-cípios, que assim optarem, nos termos da lei, desde que não ocorra redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.312 O artigo 158, II, com a sua redação dada pela Emenda Constitucional 42/2003, por sua vez, estabelece pertencer aos Municípios cinqüenta por cento do produto da arre-cadação do ITR, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo, no en-tanto, a totalidade do imposto na hipótese de o Município exercer a opção de que trata o citado art. 153, §4°, inciso III, isto é, passarem a fiscalizar e cobrar o ITR. A Lei nº 11.250, de 27 de dezembro de 2005, disciplina essa opção e dispõe que a União, por meio da Secretaria da Receita Federal, “poderá cele-brar convênios com o Distrito Federal e os Municípios que assim optarem, visando a delegar as atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos créditos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, de que trata o inciso VI do art. 153 da Constituição Federal, sem pre-juízo da competência supletiva da Secretaria da Receita Federal”. Tendo em vista as dificuldades práticas para operacionalizar o aludido sistema, foi edi-tado o Decreto nº 6.433, de 15 de abril de 2008, por meio do qual foi “ins-tituído o Comitê Gestor do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural —CGITR com a atribuição de dispor sobre matérias relativas à opção pelos Municípios e pelo Distrito Federal para fins de fiscalização, inclusive a de lançamento de créditos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Pro-

310. O princípio do orçamento bru-to está positivado no art. 6º, da Lei 4.320/64, e estabelece que todas as receitas e despesas devem constar de lei orçamentária e de créditos adicio-nais pelos valores totais, vedadas quaisquer deduções. No entanto, conforme será estudado na Aula 10, Manual de Receita nacional, de utilização obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretá-ria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, disponibilizada no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br, estabelece dois procedi-mentos possíveis: 1) “No caso em que se configure em orçamento apenas o valor pertencen-te ao ente arrecadador, deverá ser registrado o valor total arrecadado, incluindo os recursos de terceiros. Após isso, estes últimos serão registrados como dedução da receita e será reconhecida uma obrigação para com o “beneficiário” desses valores. A adoção desse procedimento está fundamentada no fato de que não há necessidade de aprovação parlamentar para transferência de recursos de acor-do com o que determina a legislação. As transferências constitucionais ou legais constituem valores que não são passíveis de alocação em despesas pelo ente público, desse modo, não há desobediência ao Prin-cípio do Orçamento bruto, segundo o qual receitas e despesas devem ser inclu-ídas no orçamento em sua totalidade, sem deduções”; e 2) “No caso em que se consigne em orçamento o valor total a ser arrecada-do, incluindo os recursos de terceiros, em que o ente seja apenas arrecadador, o recebimento será integralmente com-putado como receita, sendo efetuada uma despesa quando da entrega ao beneficiário. Exemplo: FPM — Fundo de Participação dos Municípios. Tais observações são aplicadas apenas para recursos que não pertençam ao ente, ou seja, cuja transferência seja intergovernamental, de acordo com a legislação em vigor.”

311. Conforme já salientado, as diver-sas classificações das receitas e despe-sas serão apresentadas na aula 10.

312. art. 153, §4°, inciso III, da CR-88, com a sua redação conferida pela Emenda Constitucional 42/2003.

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-incidência prevista no item a do inciso X e da desoneração prevista no item f do inciso XII, ambos do § 2° do art. 155 da Constituição”.

priedade Territorial Rural — ITR, de que trata o inciso III do § 4o do art. 153 da Constituição, bem assim com competência para administrar a opera-cionalização da opção”. O artigo 13 do Decreto estabelece que “o CGITR definirá o sistema de repasse do total arrecadado, inclusive encargos legais, para o Município optante”, e prevê, ainda, que “enquanto o CGITR não re-gulamentar o prazo para o repasse” o mesmo “será efetuado nas mesmas condições e datas em que são transferidos decendialmente os recursos do Fundo de Participação dos Municípios, vedada qualquer forma de reten-ção ou condição suspensiva da transferência”. Em 15.04.2008 foi publica-da no Diário Oficial da União a Resolução nº 1, de 13.05.2008 do CGITR, que aprova o Regimento Interno do Comitê Gestor do Imposto sobre a Pro-priedade Territorial Rural.

Portanto, independentemente da opção a que alude o artigo 153, §4°, inciso III, a União deve repassar o montante próprio do produto da arreca-dação do ITR, cem por cento no caso de Município optante e cinqüenta por cento na hipótese de ser mantida a fiscalização pela União.

Existem, ainda, duas outras hipóteses de repartição de receita nas quais há transferência de recursos financeiros dos cofres da União aos Estados e ao Distrito Federal sem que a Constituição suscite a realização do repasse por meio de Fundos. São aquelas disciplinadas nos incisos II e III do artigo 159 da CR-88.

O artigo 159, II, da CR-88, dispõe que a União entregará aos Estados e ao Distrito Federal 10% (dez por cento) do produto da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados, sem mencionar a instituição de Fundo para tanto. A parcela individual de cada unidade federada não poderá, nos termos do § 2° do artigo 159, ser superior a vinte por cento do montan-te total a ser repassado pela União a este título. A Lei Complementar n° 61/1989 regulamenta a matéria313 e estabelece que os coeficientes individuais de participação de cada Estado e do Distrito Federal “deverão ser apurados e publicados no Diário Oficial da União pelo Tribunal de Contas da União até o último dia útil do mês de julho de cada ano”, sem mencionar também a constituição de Fundo. A Lei n° 8.016/1990, por sua vez, disciplina que as quotas de participação dos Estados e do Distrito Federal no produto da arre-cadação do IPI: “serão creditadas em contas especiais abertas pelas Unida-des da Federação, em seus respectivos bancos oficiais ou, na falta destes, em estabelecimentos por elas indicados, nos mesmos prazos de repasse das quo-tas do Fundo de Participação dos Estados e Municípios”. Não há menção, repise-se, à necessidade de constituição de Fundo para a sua operacionaliza-ção. Ressalte-se, ainda, que, analogamente ao que ocorre com o citado siste-ma de natureza compensatória de que trata o artigo 31, da Lei Complemen-tar n° 87/1996, relacionado ao ICMS, vinte e cinco por cento do que cabe a

313. O artigo 4°, da Lei Complemen-tar n° 65/1991, determina que, para o cálculo da participação de cada Estado ou do Distrito Federal nesta reparti-ção da receita tributária: “somente será considerado o valor dos produtos industrializados exportados para o exterior na proporção do ICMS que deixou de ser exigido em razão da não--incidência prevista no item a do inciso X e da desoneração prevista no item f do inciso XII, ambos do § 2° do art. 155 da Constituição”.

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314 O artigo 93 do ADCT, dispositivo in-serido pela Emenda Constitucional n° 42/2003, estabeleceu que a vigência do disposto no artigo 159, III, e § 4º, que fixa participação dos Estados na arre-cadação da CIDE, somente se iniciaria após a edição de lei a que se refere o artigo, o que ocorreu com a edição da Lei no 10.866/2004 .

cada Estado, a título de transferência de IPI-exportação, são destinados aos seus Municípios, observando-se o mesmo critério de rateio adotado para a distribuição da cota parte do ICMS que cabe aos Municípios (25%), conso-ante os termos do § 3° do artigo 159 combinado com o artigo 158, parágra-fo único, incisos I e II da CR-88. Nesse sentido, o artigo 5° da Lei Comple-mentar 61/1989 estabelece que devem ser observados “os mesmos critérios, forma e prazos estabelecidos para o repasse da parcela do ICMS que a Cons-tituição Federal assegura às municipalidades”. Complementa a disciplina dessa matéria o artigo 7° da Lei Complementar n° 63/1990, que dispõe in verbis:

Art. 7º Dos recursos recebidos na forma do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, os Estados entregarão, imediatamente, 25% (vinte e cinco por cento) aos respectivos Municípios, observados os cri-térios e a forma estabelecidos nos arts. 3º e 4º desta Lei Complementar.

Assim sendo, ao realizar o repasse desse recurso aos Estados, o Banco do Brasil já realiza a separação da cota pertinente aos Municípios (25%) e a cre-dita em sua conta, ou seja, o montante bruto da transferência contabilizado no orçamento não é integralmente depositado na conta do tesouro dos Esta-dos, razão pela qual não chega a ter a disponibilidade jurídica ou econômica do recurso, em termos análogos ao que ocorre com a partilha do ICMS e do IPVA.

Por fim, saliente-se que a citada Lei nº 11.494/2007, que regulamenta o FUNDEB, estabelece que 20% do que for repassado ao Estado a título de ressarcimento de IPI-exportação deve ser direcionado ao Fundo de Educação estadual. Esta parcela também já é segmentada e depositada em contas sepa-radas pelo próprio Banco do Brasil, que realiza o repasse tanto da parcela do Estado como o percentual do Município no FUNDEB.

A outra hipótese de transferência, sem a previsão constitucional de Fundo para a sua efetivação, está disciplinada no inciso III314 do artigo 159 da CR-88, com a sua redação conferida pela Emenda nº 44, de 2004, o qual se consubstancia no primeiro caso previsto na Constituição de partilha de con-tribuição. O dispositivo estabelece, in verbis:

do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domí-nio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, ob-servada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.

O artigo 177, § 4º, prevê a contribuição de intervenção no domínio eco-nômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo,

314. O artigo 93 do ADCT, dispositivo inserido pela Emenda Constitucional n° 42/2003, estabeleceu que a vigência do disposto no artigo 159, III, e § 4º, que fixa participação dos Estados na arre-cadação da CIDE, somente se iniciaria após a edição de lei a que se refere o artigo, o que ocorreu com a edição da Lei no 10.866/2004 .

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FGV DIREITO RIO 153

315 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurí-dico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 374.

gás natural e seus derivados, assim como de álcool combustível, a denomi-nada CIDE-Petróleo ou Combustíveis-, sendo estabelecido no citado inciso II, c, do parágrafo, que os recursos arrecadados serão destinados ao finan-ciamento de programas de infra-estrutura de transportes. Vale dizer que da parcela pertinente a cada Estado, vinte e cinco por cento é repassado aos seus Municípios, conforme determina o§ 4º do artigo 159 da CR-88.

Em observância ao disposto nos artigos 159, III, da CR-88 e 93 do ADCT, a Lei no 10.866/2004 acrescentou os artigos 1o-A e 1o-B à Lei no 10.336/2001, que institui a Cide-Petróleo. Os dispositivos adicionados re-gulamentam a partilha da arrecadação da contribuição e estabelecem que: “os recursos serão distribuídos pela União aos Estados e ao Distrito Federal, trimestralmente, até o 8o (oitavo) dia útil do mês subseqüente ao do encer-ramento de cada trimestre, mediante crédito em conta vinculada aberta para essa finalidade no Banco do Brasil S.A. ou em outra instituição financeira que venha a ser indicada pelo Poder Executivo federal.” A lei determina ainda que os percentuais individuais de participação dos Estados e do Distrito Federal, para o rateio dos 29%, “serão calculados pelo Tribunal de Contas da União” de acordo com os critérios fixados no § 2º do artigo 1o-A. Nos mesmos ter-mos do IPI— exportação, ressalvada a inexistência de qualquer vinculação ao FUNDEB, o Banco do Brasil, agente financeiro repassador dos recursos, já segmenta o montante transferido em duas parcelas, ou seja, cota Estado e cota Municípios. Assim, o valor bruto total não é disponibilizado em conta de titularidade do Estado, havendo, entretanto, nos termos já repisados a sua contabilização orçamentária pelo seu montante bruto.

Conforme já enfatizado, a característica comum entre essas modalidades de repartição de receitas tributárias, analisadas até o momento, refere-se ao fato de que a Constituição não menciona a necessidade de constituição de Fundo para a respectiva operacionalização, isto é, o artigo 157, I e II; o artigo 158, I, II, III, IV, e o artigo 159, II e III, prevêem a partilha de receitas tribu-tárias e a sua apropriação pelos entes beneficiados sem a necessidade de sua realização por meio de Fundo.

Em sentido diverso, as hipóteses de repartição dos quarenta e oito por cento das receitas tributárias do produto da arrecadação dos impostos sobre (1) renda e proventos de qualquer natureza e (2) sobre produtos industriali-zados, de que trata o artigo 159, I, da CR-88, pressupõe a operacionalização da partilha e a transferência dos recursos financeiros por meio de Fundos.

Derivado do latim fundus315 (fundo, base, bens de raiz), possui na termino-logia jurídica várias significações. No plural, fundos, ainda segundo De Pláci-do Silva, é “aplicado como haveres, recursos financeiros, de que se podem dispor de momento ou postos para determinado fim, feita abstração a outras espécie de bens. Neste sentido, temos, os fundos disponíveis ou os fundos de reservas sociais.” A doutrina diverge quanto à natureza jurídica dos fundos,

315. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 374.

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FGV DIREITO RIO 154

316 Conti. Op.Cit.p.78.

havendo autores que entendem não possuir personalidade jurídica, no entan-to, nos mesmos termos do condomínio possuem capacidade processual. Al-guns fundos, como é o caso do FUNDEB, por determinação constitucional, possuem natureza meramente contábil. No contexto constitucional brasileiro da repartição de receita, sustenta Maurício Conti316 que “não há porque atri-buir personalidade jurídica — ou capacidade postulacional, ou processual — a parte de uma fórmula matemática de transferência intergovernamental des-pida de qualquer grau de autonomia”. O artigo 165, §9°, II, da CR-88 prevê que cabe à lei complementar “estabelecer normas de gestão financeira e patri-monial da administração direta e indireta, bem como condições para a insti-tuição e funcionamento de fundos”. Por sua vez, a Lei 4.320/64, dispõe no seu artigo 71 que “Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.

O artigo 159, I, da CR-88, com a sua redação dada pela Emenda Consti-tucional nº 55, de 2007, dispõe que:

“Art. 159. A União entregará:I — do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proven-

tos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:

a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Par-ticipação dos Estados e do Distrito Federal;

b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Par-ticipação dos Municípios;

c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;

d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007)

Objetivando delinear as regras essenciais para a operacionalização desses dispositivos, o parágrafo único do artigo 161 da CR-88 confere competência ao Tribunal de Contas da União (TCU) para efetuar o cálculo das quotas referentes aos fundos previstos nas alíneas a, b e c do inciso I do transcrito artigo 159.

Nesse contexto, visando a promover o equilíbrio sócio-econômico entre os Estados e entre os Municípios, a Constituição estabelece, ainda, no inciso

316. Conti. Op.Cit.p.78.

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FGV DIREITO RIO 155

317 Saliente-se, entretanto, conforme noticiado na Revista do TCU, ANO 35, NúMERO 109, MAIO/AGOSTO 2007, pg. 113. Disponível em: <http://www2.tcu.gov.br/portal>. Acesso em 18.05.2008, que: “muitos municípios não se conformam com o cálculo efeti-vado pelo tribunal e recorrem ao Poder Judiciário para o incremento de seus coeficientes. São ajuizadas ações ordi-nárias com pedido de tutela antecipada inaudita altera pars com esse objetivo. O deferimento dessas tutelas antecipa-tórias acarreta a alteração do coeficien-te do município e repercute no valor a ser percebido por outros municípios do interior do mesmo Estado. Quando essa decisão interlocutória do juízo singular lhes é desfavorável, há a interposição de agravo de instrumento perante o Tri-bunal Regional Federal respectivo, com pedido liminar de efeito suspensivo, o denominado efeito suspensivo ativo. Deferida essa liminar, o resultado é análogo, ou seja, é alterado o coeficien-te de FPM do município. Essas decisões, em sede de cognição sumária, repre-sentam transtorno ao TCU e ao Banco do Brasil, responsável pela entrega do montante devido a cada município. Com o intuito de preservar a compe-tência constitucional do TCU de fixar os coeficientes de FPM, a Consultoria Jurí-dica do órgão, alegando grave ofensa à ordem econômica e jurídica (arts. 4º da Lei 8.437/1992 e 25 da Lei 8.038/1990) ajuizou, diretamente no Superior Tribu-nal de Justiça (STJ), suspensão de limi-nar contra decisão de desembargador federal da 4ª Região, que, em agravo de instrumento, deferira o efeito suspen-sivo ativo. O vice-presidente (STJ), no exercício da Presidência, ministro Fran-cisco Peçanha Martins, em 11/6/2007, acolheu a pretensão do TCU, ou seja, deferiu o pedido de suspensão da limi-nar. Dessa forma, o coeficiente de FPM do município interessado retorna ao valor fixado pela Decisão Normativa/TCU nº 79/2006.”

318 Disponível no sítio: <www.stf.jus.br>. Pesquisa realizada em 29/02/2010.

II, do mesmo artigo 161, que cabe à lei complementar fixar normas e crité-rios de rateio entre as diversas unidades federadas subnacionais dos aludidos fundos: Fundo de Participação dos Municípios — FPM, do Fundo de Parti-cipação dos Estados e do Distrito Federal — FPE, do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte — FNO, do Fundo Constitucional de Financia-mento do Nordeste — FNE e o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste — FCO.

Com fundamento nos supracitados dispositivos constitucionais, e com base no inciso VI, da Lei nº 8.443 de 16 de julho de 1992 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União), no art. 6º, parágrafo único, da Lei nº 7.827 de 27 de setembro de 1989, nos artigos 88 a 92 da Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), com as alterações introduzi-das pelo Ato Complementar nº 35 de 28 de fevereiro de 1967, e pelo Decre-to-lei nº 1.881 de 27 de agosto de 1981; e nas Leis Complementares nºs 62 de 28 de dezembro de 1989 e 91 de 22 de dezembro de 1997, que fixam normas e critérios de rateio dos Fundos, o Tribunal de Contas da União (TCU) publica todos os anos os coeficientes destinados ao cálculo das quotas referentes ao FPE317, FPM, FNO, FNE e FCO de cada unidade federada.

Ocorre, entretanto, que o artigo 2º da mencionada Lei Complementar nº 62, de 28 de dezembro de 1989, o qual especifica os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em 23/02/2010 (ADI 875, 1987, 2727 e 3243), tendo sido mantida a sua aplicabilidade, no entanto, até 31/12/2012. De acordo com a decisão do STF, partir dessa data deveria en-trar em vigor uma nova lei complementar para disciplinar a matéria. A ques-tão está assim noticiada no sítio do STF318:

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de todo o artigo 2º da Lei Complementar 62/89, que define os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do DF (FPE). Ele só terá efeitos até 31 de dezembro de 2012. A partir dessa data, deverá entrar em vigor uma nova norma sobre o mesmo assunto.

A Lei Complementar 62/89 foi editada em 1989 em obediência ao artigo 159 da Constituição sobre a repartição das receitas tributárias, mas deveria ter vigorado apenas nos exercícios fiscais de 1990 e 1992. Após esse ano, a previsão era de que o censo do IBGE reorientaria a distribuição, mas isso nunca foi feito e a Lei Complementar continua em vigor com os mesmos coeficientes de rateio vinte anos depois.

A decisão do Supremo foi provocada por quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizadas pelo Rio Grande do Sul (ADI 875), Mato Grosso e Goiás (ADI 1987), Mato Grosso (ADI 3243) e Mato Grosso do Sul (ADI 2727). O fundamento das ações é o de

317. Saliente-se, entretanto, con-forme noticiado na Revista do TCU, ANO 35, NúMERO 109, MAIO/AGOSTO 2007, pg. 113. Disponível em: <http://www2.tcu.gov.br/portal>. Acesso em 18.05.2008, que: “muitos municípios não se conformam com o cálculo efeti-vado pelo tribunal e recorrem ao Poder Judiciário para o incremento de seus coeficientes. São ajuizadas ações ordi-nárias com pedido de tutela antecipada inaudita altera pars com esse objetivo. O deferimento dessas tutelas antecipatórias acarreta a alteração do coeficiente do município e repercute no valor a ser percebido por outros mu-nicípios do interior do mesmo Estado. Quando essa decisão interlocutória do juízo singular lhes é desfavorável, há a interposição de agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal respectivo, com pedido liminar de efeito suspensivo, o denominado efeito suspensivo ativo. Deferida essa liminar, o resultado é análogo, ou seja, é altera-do o coeficiente de FPM do município. Essas decisões, em sede de cognição sumária, representam transtorno ao TCU e ao Banco do Brasil, responsável pela entrega do montante devido a cada município. Com o intuito de pre-servar a competência constitucional do TCU de fixar os coeficientes de FPM, a Consultoria Jurídica do órgão, alegando grave ofensa à ordem econômica e jurí-dica (arts. 4º da Lei 8.437/1992 e 25 da Lei 8.038/1990) ajuizou, diretamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspensão de liminar contra decisão de desembargador federal da 4ª Re-gião, que, em agravo de instrumento, deferira o efeito suspensivo ativo. O vice-presidente (STJ), no exercício da Presidência, ministro Francisco Peça-nha Martins, em 11/6/2007, acolheu a pretensão do TCU, ou seja, deferiu o pedido de suspensão da liminar. Dessa forma, o coeficiente de FPM do município interessado retorna ao valor fixado pela Decisão Normativa/TCU nº 79/2006.”

318. Disponível no sítio:< www.stf.jus.br >. Pesquisa realizada em 29/02/2010.

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FGV DIREITO RIO 156

que a lei complementar, na época da edição, teve por base o contexto socioeconômico do Brasil daquele tempo, que não é necessariamente o mesmo hoje. Além disso, os coeficientes teriam sido estabelecidos de maneira arbitrária por acordos políticos costurados à época.

Os ministros do STF demonstraram preocupação com o tempo que levará para que o Congresso Nacional criar nova lei de distribuição do Fundo de Participação dos Estados e do DF, uma vez que a atividade legislativa fica prejudicada por ser este um ano de eleições. Por isso, a Corte estabeleceu o ano fiscal de 2012 como prazo máximo para a vi-gência do artigo 2º da lei complementar 62/89.

O julgamento foi unânime apenas em relação à ADI 1987, que na verdade é uma Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, no tocante à declaração de que há um vácuo de lei complementar a partir do ano de 1992. Nas demais ações, o ministro Marco Aurélio foi vencido pela maioria, que julgou as ações de inconstitucionalidade procedentes.

RelatorO relator das ADIs, ministro Gilmar Mendes votou pela procedên-

cia das ações. Segundo ele, tudo indica que a lei complementar foi editada num contexto de circunstâncias muito especiais, “marcado por um consenso político premido pelo princípio da necessidade”.

O ministro lembrou que naquela época era preciso rever os critérios anteriores não se sabendo quais seriam os mais adequados para um prazo médio de duração. Como haveria o censo de 1990, a lei foi pro-duzida em 1989 tendo sido estabelecido o prazo de dois anos para sua aplicação. Seria feita, posteriormente, a revisão do sistema.

Ele ressaltou que os critérios de rateio dos fundos de participação deve-riam promover o equilíbrio socioeconômico entre estados e municípios. “É evidente, portanto, que o FPE tem esse caráter nitidamente redistri-butivo, ou seja, a transferência de um recurso pesa, proporcionalmente mais nas regiões e estados menos desenvolvidos”, afirmou o relator.

De acordo com ele, deve haver a possibilidade de revisões periódi-cas dos coeficientes, “de modo a se avaliar criticamente se os até então adotados ainda estão em consonância com a realidade econômica dos entes federativos e se a política empregada na distribuição dos recursos produziu o efeito desejado”.

HistóricoA ADI 2727 foi ajuizada pelo governo de Mato Grosso do Sul con-

tra os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 2º da Lei Complementar Fede-ral nº 62/98 e parte da Decisão Normativa nº 44/01 do Tribunal de Contas da União. Os dispositivos contestados da Lei Complementar

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FGV DIREITO RIO 157

definem a forma de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE).

O parágrafo 1º define os coeficientes individuais de participação dos estados e do DF; o 2º diz que os critérios de rateio em vigor a partir de 1992 serão fixados em lei específica e o 3º prevê que, até que sejam definidos os critérios do parágrafo anterior, permanecerão em vigor os fixados nesta Lei Complementar. O ato normativo do TCU é contes-tado na parte em que aprova e fixa os coeficientes a serem utilizados no cálculo das quotas para distribuição dos recursos do FPE.

Conforme a ação, a aplicação dos coeficientes da Lei impõe perdas financeiras ao estado no repasse dos recursos do FPE. Afirma que há prejuízo na distribuição da receita aos programas vinculados, ameaça de que o estado fique “sem argumentos” contra pedidos de Intervenção Federal pelo não pagamento de precatórios e risco de atraso no paga-mento de vencimentos aos servidores.

Já ADI 3243 foi proposta pelo governo de Mato Grosso contra a mesma lei complementar, sob alegação de que o fundo não cumpre sua função social de promover o equilíbrio sócio-econômico entre as unidades da federação.

De acordo com o estado, a lei contraria o artigo 159, inciso II, da Constituição Federal, que determina a distribuição da arrecadação so-bre produtos industrializados aos estados e ao DF, bem como o artigo 161, inciso II. Esse dispositivo atribui à lei complementar o estabele-cimento de normas sobre a entrega dos recursos e o critério de rateio utilizado pela União.

Na ação, os procuradores do estado ressaltam que os índices de par-ticipação foram fixados arbitrariamente para o exercício de 1990 e se repetiram no período de 1991 a 1995, “em prejuízo de várias unidades da Federação”.

O governo do Rio Grande do Sul, na ADI 875, também questionou o artigo 2º da Lei Complementar Federal 62/89, ao sustentar ofensa ao princípio da igualdade assegurado pela Constituição Federal, em seu art. 5º. O estado ressalta que a ideia de nacionalidade não convive com o fato de que uma ou outra região seja menos beneficiada que outra. Sustenta, ainda, o desconhecimento do destino a ser dado aos referidos recursos e, em consequência, frustrando o objetivo dessas transferências.

Por fim, o quarto processo (ADI 1987) refere-se a uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada pelos estados de Mato Grosso e de Goiás contra a Lei Complementar 62/89, por entenderem que tal norma não proporcionou critérios de rateio justos e objetivos a fim de efetivar a promoção do equilíbrio sócio-econômico entre os estado da Federação.

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FGV DIREITO RIO 158

319 BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribei-ro. Fundos Constitucionais como Instru-mentos de Redução das Desigualdades Regionais na Federação In: CONTI, José Maurício (Organizador). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004. p. 118.

Em que pese a decisão do STF, o Congresso Nacional não editou norma específica até a referida data, isto é, 31.12.2012 o que gerou muita contro-vérsia quanto aos efeitos jurídicos da omissão legislativa ante a necessidade dos repasses financeiros.

De fato, somente em 2013 foi editada a Lei Complementar nº 143, de 17 de julho de 2013, a qual conferiu nova redação ao citado art. 2º da Lei Complementar n° 62/1989.

Cabe ressaltar, ainda quanto ao FPE e FPM, que nos termos do artigo 4° da Lei Complementar n° 62/1989, a União deve creditar às “contas indivi-duais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação nos seguintes prazos máximos: I — recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês: até o vigésimo dia; II — recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia; III — recursos ar-recadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do mês subseqüente”. Assim, são mensais os repasses do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, de que tratam as alíneas a e b do inciso I, no montante de vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e de vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios.

A parcela de um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, disciplinada na alínea d, do inciso I, do art. 159, da CR-88, dispositivo acres-centado pela Emenda Constitucional 55/2007, por sua vez, será entregue uma vez ao ano no primeiro decêndio do mês de dezembro sem que haja qualquer vinculação constitucional em relação à sua utilização.

De fato, até o advento da Emenda Constitucional n° 53/2006, que insti-tuiu o já citado FUNDEB, não havia previsão constitucional de qualquer contrapartida, vinculação, destinação específica ou finalidade pré-determina-da para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios relativamente aos re-cursos repassados no âmbito do FPE e FPM, razão pela qual Ezequiel Anto-nio Ribeiro Balthazar319 apontava que: “esses recursos podem ser utilizados pelas unidades beneficiárias com quaisquer fins de interesse público, servem para compor suas receitas e não possuem destinação específica”. Entretanto, com a inclusão do inciso II ao artigo 60 do ADCT, ficam vinculados à com-posição financeira do FUNDEB Estadual 20% dos recursos do: (1) ICMS, IPVA e ITD que cabe aos Estados e do Distrito Federal; (2) da participação do Estado no imposto que a União vier a instituir no exercício da sua com-petência residual (art. 154, I); (3) da parcela que pertence aos Municípios no ITR, no IPVA e no ICMS; e (4) os recursos das “alíneas a e b do inciso I e o inciso II do caput do art. 159”, isto é, a parcela dos Estados e dos Municípios

319. BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribeiro. Fundos Constitucionais como Instrumentos de Redução das Desi-gualdades Regionais na Federação In: CONTI, José Maurício (Organizador). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004. p. 118.

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FGV DIREITO RIO 159

relativamente ao IPI proporcional ao valor das suas exportações bem como das respectivas parcelas no FPE e no FPM, entregues mensalmente.

De forma diversa, um por cento do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializa-dos, que compõe o FPM de que trata a alínea d, dispositivo acrescentado pela Emenda Constitucional 55/2007 ao inciso I do artigo 159, a ser entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano, não é destinado à composição financeira do FUNDEB, diferentemente da parte do FPM de que trata a alínea b do inciso I.

Por fim, a alínea c do inciso I do art. 159 da CR-88 estabelece que do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados três por cento serão aplicados em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à ele na forma que a lei estabelecer. A Lei nº 7.827/1989 cria o Fundo Constitucional de Finan-ciamento do Norte — FNO, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste — FNE e o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste — FCO e regulamenta a aplicação dos citados três por cento. Desse montante, 0,6% são para o FNO; 1,8% para o FNE e 0,6% para o FCO. A norma federal disciplina ainda no artigo 7º que a:

“Art. 7o A Secretaria do Tesouro Nacional liberará ao Ministério da Integração Nacional, nas mesmas datas e, no que couber, segundo a mesma sistemática adotada na transferência dos recursos dos Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os valores destinados aos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, cabendo ao Ministério da Inte-gração Nacional, observada essa mesma sistemática, repassar os recursos diretamente em favor das instituições federais de caráter regional e do Banco do Brasil S.A. (Redação dada pela Lei nº 10.177, de 12.1.2001)

Parágrafo único. O Ministério da Fazenda informará, mensalmente, ao Ministério da Integração Nacional, às respectivas superintendências regionais de desenvolvimento e aos bancos administradores dos Fundos Constitucionais de Financiamento a soma da arrecadação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados, o valor das liberações efetuadas para cada Fundo, bem como a previsão de datas e valores das 3 (três) liberações imediatamente subseqüentes.” (Redação dada pela Lei Complementar nº 125, de 2007)

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FGV DIREITO RIO 160

320 Alterando, dessa forma, o seu critério de validação constitucional, que é a “fi-nalidade” ensejadora de sua criação. v. GRECCO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Ed Dialética, 2000.

321 Exemplo dessa política, que afronta o pacto federativo estabelecido na CR-88, é a concessão de crédito presumido do IPI para ressarcir PIS, PASEP e COFINS contidos nos produtos exportados, nos termos da Lei nº 9.363/96 e da Lei nº 10.276/01, o que reduz a parcela das transferências constitucionais destina-das ao FPE, FPM, Fundos Regionais de Desenvolvimento –FNO, FNE e FCO e o repasse do IPI-Exportação.

Nesse contexto, é possível constatar a complexidade do sistema brasileiro de transferências intergovernamentais, o qual visa à redução das denomi-nadas desigualdades regionais e a promoção do equilíbrio econômico entre Estados e Municípios (artigo 3º III c/c 161, II, da CR-88).

Outrossim, a compreensão das políticas fiscais adotadas desde 1988 e das relações internas do Sistema Tributário Nacional, no contexto do federalismo fiscal brasileiro, pressupõe o correto entendimento do sistema de partilha de receitas tributárias e de transferência. De fato, após a análise do sistema de re-partição dos tributos, verifica-se que as contribuições especiais ou parafiscais, à exceção da citada CIDE — Combustíveis, não são divididas entre os Estados e Municípios, razão pela qual a União passou a utilizar as mesmas como ins-trumento de política arrecadatória320, ao contrário do IPI e do IR, que se cons-tituíram, em algumas circunstâncias, simples instrumentos para amortizar o impacto de renúncia de receita federal das receitas não repartidas.321

No devir dos fatos, iniciou-se forte movimento no sentido do retorno à centralização do modelo de tributação do país, o que consubstancia grave con-tradição do nosso atual regime federativo vis a vi o sistema idealizado e esta-belecido na Carta Magna de 1988. Nesse sentido, a análise dos números da arrecadação e da participação relativa dos diversos entes federados no “bolo tri-butário” reflete o substancial aumento da receita disponível nas mãos da União como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), apesar do grande esforço do Constituinte originário em descentralizar as finanças públicas do país.

A combinação desses elementos enseja e fomenta os conhecidos conflitos federativos não apenas no plano vertical (União-Estados, União-Municípios e Estados-Municípios), mas também no plano horizontal (Estado-Estado e Município-Município), tendo em vista a competição por maior espaço na busca pelos investimentos privados, da qual decorre,em muitas circunstân-cias, uma verdadeira guerra fiscal predatória que repercute nas relações priva-das e, especialmente, naquelas de natureza concorrencial.

320. Alterando, dessa forma, o seu critério de validação constitucional, que é a “finalidade” ensejadora de sua criação. v. GRECCO, Marco Aurélio. contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Ed Dia-lética, 2000.

321. Exemplo dessa política, que afronta o pacto federativo estabelecido na CR-88, é a concessão de crédito pre-sumido do IPI para ressarcir PIS, PASEP e COFINS contidos nos produtos expor-tados, nos termos da Lei nº 9.363/96 e da Lei nº 10.276/01, o que reduz a par-cela das transferências constitucionais destinadas ao FPE, FPM, Fundos Regio-nais de Desenvolvimento —FNO, FNE e FCO e o repasse do IPI-Exportação.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 161

322 Notícia obtida no sítio: http://globoesporte.globo.com/Esportes/No-ticias/Times/Atletico_MG, acesso em 19/03/2010.

AulA 10 — A receitA PúblicA no âmbito dA teoriA gerAl dos ingressos Públicos.

estudo de caso322

Leia a seguinte notícia veiculada no sítio do Globo Esporte.com

19/03/10 — 19h53 — Atualizado em 19/03/10 — 19h55 — Obi-na fala sobre apreensão de seu carro: ‘Eu estava com pressa’— Ata-cante do Atlético-MG evita explicação sobre falta de pagamento do IPVA e diz que regularização do veículo está em andamento. Marcelo Machado Belo Horizonte. O atacante Obina preferiu não entrar em detalhes sobre o episódio da apreensão de sua picape pela polícia minei-ra. Em entrevista coletiva nesta sexta-feira, na Cidade do Galo, ele disse que a regularização do automóvel já está sendo providenciada.

Eu estava com pressa, mas não tem nenhum problema. Meu amigo já está olhando isso, e logo, logo o carro estará comigo novamente — limitou-se a dizer Obina.

A Hilux do atacante foi apreendida na noite de quinta-feira, no Ae-roporto de Confins, no qual a delegação atleticana desembarcou após retornar de Chapecó-SC, onde a equipe perdeu na última quarta-feira por 1 a 0 para o Chapecoense, pela Copa do Brasil.

O veículo de Obina estava parado em fila dupla e em local proibido. Abordado por um policial, o atacante não apresentou os documentos de 2009 e 2010, mostrando apenas o Certificado de Registro e Licen-ciamento de Veículo (CRLV) de 2008.

Dentro do procedimento previsto na legislação do trânsito, a polícia apreendeu a picape do atacante, que foi rebocada e levada ao pátio da prefeitura de Pedro Leopoldo, Grande Belo Horizonte. O carro só po-derá ser retirado do local após o pagamento das multas e a regularização dos documentos. Estacionar em local proibido gera uma multa de R$ 191,54 e perda de sete pontos na carteira. Já a documentação atrasada resulta R$ 53,20 de multa, além de três pontos na carteira.

Suponha, ainda, que ao estacionar o veículo em área pública o proprie-tário e condutor do carro tenha errado a manobra e destruído a placa de sinalização de trânsito existente ao lado da vaga administrada pelo Municí-pio, razão pela qual teria sido posteriormente acionado por danos materiais em função da destruição do bem público municipal. Imagine, ainda, que antes de chegar ao local houvesse ultrapassado um sinal vermelho, motivo

322. Notícia obtida no sítio: http://globoesporte.globo.com/Esportes/No-ticias/Times/Atletico_MG, acesso em 19/03/2010.

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323 Dependendo do regime jurídico apli-cável pode ser necessária a edição de lei em caráter formal, ato com força de lei ou simplesmente ato administrativo editado pela autoridade competente da Administração Pública.

pelo qual tivesse sido multado pelo servidor público municipal responsável pela fiscalização de trânsito no local. Para resolver todos esses problemas o proprietário resolveu fazer uma retirada no banco e efetuar o pagamento de todo o montante devido. Essas situações têm algo em comum? Todas elas representam receitas públicas? De que espécies e de titularidade de que ente político? Justifique!

10.1 introdução, obJetivos e obJeto da aula

Nas aulas anteriores foram examinados os aspectos gerais da matéria, es-pecificado o conceito de atividade financeira do Estado, assim como o que se entende por necessidades públicas, tendo sido, ainda, abordadas as linhas gerais da evolução histórica dos tributos e das Finanças Públicas, delineado os contornos essenciais da distribuição de funções entre os Poderes e bem assim e os fundamentos do Federalismo Fiscal, das Despesas e do seu Controle, do Financiamento dos Gastos em geral, do Crédito e da Dívida Pública.

A aula de hoje, dando continuidade ao que já foi apresentado na Aula 7, visa aprofundar os estudos quanto às diferentes formas de financiamento dos gastos públicos, merecendo destaque aquelas de natureza tributária.

As receitas públicas em geral, sem as quais não seria possível a realização das despesas e a efetivação da atividade financeira do Estado, podem ser ana-lisadas e classificadas por variados critérios e perspectivas, destacando-se as formuladas pela doutrina jurídica, as adotadas em função da visão econômica ou contábil do fenômeno bem como aquelas definidas pela lei e pelos atos ad-ministrativos das autoridades gestoras do orçamento e das finanças públicas, isto é, do ponto de vista normativo.

A relevância dessas diferentes classificações decorre da necessidade de se identificar e classificar as entradas de recursos nos cofres públicos em suas múltiplas particularidades, pois somente assim é possível compreender os va-riados e diferentes impactos de cada espécie de receita nas contas públicas, sob o ponto de vista: (1) patrimonial; (2) financeiro e (3) orçamentário. Ainda, as diversas classificações a serem estudadas permitirão identificar o regime jurídico a ser aplicado a cada tipo de receita, isto é, se uma espécie específica deve ser disciplinada pelas normas tributárias, de natureza eminentemente pública, ou pelas normas cíveis, de natureza privada, o que tem relevância determinante para definir, por exemplo, os prazos para ajuizamento de ações de cobrança, a natureza do ato323 adequado para aumentar o seu valor etc.

Nesse sentido, importante destacar a clássica diferenciação entre (1) a entra-da, o ingresso e a receita pública, bem como as diferentes classificações de receita pública oferecidas pela doutrina jurídica e econômica, destacando-se entre elas a distinção entre (2) receita pública ordinária e extraordinária; e (3)

323. Dependendo do regime jurídico aplicável pode ser necessária a edição de lei em caráter formal, ato com força de lei ou simplesmente ato administra-tivo editado pela autoridade compe-tente da Administração Pública.

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324 Essa lei estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal e continua até hoje em vigor, isto é, foi recepcionada pela Constituição da República de 1988.

325 Considerando, por exemplo, que a crise econômica mundial iniciada nos Estados Unidos já apresentou impacto sobre a atividade econômica e a arre-cadação da União no final do próprio exercício de 2008, tendo sido consta-tado que em novembro de 2008, pela primeira vez após 4 anos, houve queda da arrecadação da União em relação ao exercício de 2007, conforme noticiado pelo Jornal Valor da sexta-feira e fim de semana, 12, 13 e 14 de dezembro de 2008, A10, “a Comissão Mista de Orçamento do Congresso (CMO), apro-vou ontem, a revisão do relatório de arrecadação do projeto de Orçamento da União para 2009 (...). Fica referen-dada, assim, a redução de R$ 15,34 bilhões no volume esperado de re-ceitas primárias brutas no âmbito do orçamento fiscal e da seguridade so-cial (que exclui empresas estatais não--dependentes do Tesouro Nacional). Em conseqüência disso, cerca de R$ 10 bilhões do volume que iria para despesa de custeio e investimento dos órgãos federais terão que ser cortados pelo relator geral (...)”.

326 Nesse sentido, importante destacar, conforme noticiado no site do STF que o “Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu a liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3949 proposta pelo partido Democratas (DEM). Na ADI, foi questionado o arti-go 100, da Lei 11.514/07, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2008. O DEM afirmava que o artigo 100 da Lei 11.514/07 concede às instâncias responsáveis pela elaboração da lei orçamentária o poder de estimar re-ceita que não tem base na legislação e, sobretudo, na própria Constituição Federal. De acordo com a ação, o artigo atacado autoriza o Executivo e o Le-gislativo, na elaboração do orçamento de 2008, considerarem “os efeitos das propostas de alterações na legislação tributária e das contribuições, inclusive quando se tratar de desvinculação de receitas, que sejam objeto de propostas de emenda constitucional, de projeto de lei ou de medida provisória que esteja em tramitação no Congresso Na-cional”. Para o partido político, essa au-torização, com base em “esperança no futuro da legislação”, constitui abuso, pois a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o projeto de lei orçamentária devem observar necessariamente a ordem constitucional vigente, “e não pressupor uma Constituição futura, hipotética e inexistente”. A controvérsia

receita pública originária e derivada. Será ainda objeto de análise a classifica-ção econômica de receita pública adotada pela Lei nº 4.320/64324, (4) receita corrente e de capital, bem como as definições do Manual de Receita Nacio-nal, de utilização obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municí-pios, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, dis-ponibilizada no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br.

Preliminarmente, no entanto, cumpre destacar que a previsão de receita325 exerce papel fundamental na fixação326 das despesas públicas, conforme ana-lisado na aula sobre o orçamento. No mesmo sentido, a realização efetiva da receita determina o ritmo da realização dos gastos e da execução da programa-ção financeira, razão pela qual a receita pública possui, também, papel central na consecução dos demais componentes da atividade financeira do Estado durante a denominada execução orçamentária. De fato, a sua conexão com o orçamento se dá pela via da despesa, uma vez que o exercício da competência tributária e a prerrogativa de arrecadar as receitas não tributárias independem de autorização anual orçamentária, conforme já estudado na Aula 2.

10.2 as entradas, os inGressos e a receita Pública

A doutrina diverge quanto aos conceitos de entrada, ingresso e receita pública, conforme aponta Regis Fernandes de Oliveira327:

Todo e qualquer dinheiro que ingressa nos cofres públicos, seja a que título for, denomina-se entrada. Alguns autores falam de ingresso (en-trada provisória), distinguindo-o da entrada. Utilizaremos as expressões como sinônimas. Nem todo ingresso, todavia, constitui receita. Há entra-das que ingressam provisoriamente nos cofres públicos podendo perma-necer ou não. Destinam-se a ser devolvidas. Daí as entradas provisórias.

A relevância do tema é centrada na possibilidade de enquadramento dos denominados ingressos de caráter devolutivo como receitas públicas, isto é, se aquelas entradas não definitivas de recursos nos cofres do Tesouro (para serem posteriormente restituídas, também chamadas de movimentos de fun-dos ou de caixa) devem ser — ou não — qualificadas como receitas. Neste rol de entradas provisórias são incluídos, por exemplo, os depósitos328, as cauções329, os empréstimos compulsórios330 e os empréstimos voluntários contraídos pelo Estado em geral.

O professor Ricardo Lobo Torres331, na esteira de Aliomar Baleeiro332, pro-põe a diferenciação entre o ingresso e a receita pública, nos seguintes termos:

324. Essa lei estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal e continua até hoje em vigor, isto é, foi recepcionada pela Constituição da República de 1988.

325. Considerando, por exemplo, que a crise econômica mundial iniciada nos Estados Unidos já apresentou impacto sobre a atividade econômica e a arre-cadação da União no final do próprio exercício de 2008, tendo sido consta-tado que em novembro de 2008, pela primeira vez após 4 anos, houve queda da arrecadação da União em relação ao exercício de 2007, conforme noticiado pelo Jornal Valor da sexta-feira e fim de semana, 12, 13 e 14 de dezembro de 2008, A10, “a Comissão Mista de Or-çamento do Congresso (CMO), aprovou ontem, a revisão do relatório de arre-cadação do projeto de Orçamento da União para 2009 (...). Fica referendada, assim, a redução de R$ 15,34 bilhões no volume espe-rado de receitas primárias brutas no âmbito do orça-mento fiscal e da seguri-dade social (que exclui empresas estatais não-dependentes do Tesouro Nacional). Em conseqüência disso, cerca de R$ 10 bi-lhões do volume que iria para despesa de custeio e investimento dos órgãos federais terão que ser cor-tados pelo relator geral (...)”.

326. Nesse sentido, importante desta-car, conforme noticiado no site do STF que o “Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu a liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3949 proposta pelo partido  De-mocratas (DEM). Na ADI, foi questio-nado o artigo 100, da Lei 11.514/07, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orça-mentária de 2008. O DEM afirmava que o artigo 100 da Lei 11.514/07 concede às instâncias responsáveis pela elaboração da lei orçamentária o poder de estimar receita que não tem base na legislação e, sobre-tudo, na própria Constituição Federal. De acordo com a ação, o artigo atacado autoriza o Executivo e o Legislativo, na elaboração do orçamento de 2008, considerarem “os efeitos das propostas de alterações na legislação tributária e das contribuições, inclusive quando se tratar de desvinculação de receitas, que sejam objeto de propostas de emenda constitucional, de projeto de lei ou de medida provisória que esteja em tra-mitação no Congresso Nacional”. Para o partido político, essa autorização, com base em “esperança no futuro da legislação”, constitui abuso, pois a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o projeto de lei orçamentária devem ob-servar necessariamente a ordem cons-titucional vigente, “e não pressupor uma Constituição futura, hipotética e inexistente”. A controvérsia existia pois a então vigente CPMF possuía prazo de vigência somente até 31 de dezembro de 2007, razão pela qual a oposição en-tendia não ser possível a inclusão da es-timativa de receita da contribuição no projeto da LOA. De fato, a contribuição não prorrogada.

327. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. curso de Direito Finan-ceiro. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 101. Nos mesmos termos do eminente autor, ingresso e entrada serão aqui utilizados como sinônimos.

328. O depósito do montante integral do crédito tributário, que permite a discussão administrativa ou judicial quanto à legitimidade da cobrança do tributo, é uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, matéria a ser estudada nos cursos de Direito Tributário e Finanças Públicas II e III.

329. A Lei 8.666/93, que disciplina as licitações e os contratos públicos, em atendimento ao disposto no artigo 37, XXI, da CR-88, prevê a possibilidade de a autoridade administrativa exigir do contratado em processo licitatório a prestação de garantia, como a caução, o seguro-garantia e a fiança bancá-ria (art. 56). A caução em dinheiro (alternativamente também pode ser prestada por título da dívida pública) é garantia que enseja entrada ou ingres-so nos cofres públicos, mas a quantia deve ser “liberada ou restituída após a execução do contrato”, “atualizada monetariamente” (art. 56, §4°, da Lei 8.666/93), ou seja, adimplido o con-trato o valor caucionado é devolvido ao proponente-adjudicatário e regis-trado como despesa de caráter extra-orçamentária (Ma-nual de Despesa nacional – item 4.4.2). Em sentido contrá-rio, se forem inadimplidos os termos do contrato pode ser aplicada sanção com a decretação da perda do depósito, momento no qual haverá receita pública definitiva.

330. Os empréstimos compulsórios, previstos no artigo 148 da CR-88, são qualificados como dívidas forçadas, em contraposição às dívidas voluntárias contraídas pelo Poder Público, já que decorrem de obrigação legal, e como tal foram objeto de exame na Aula 7. Não são receitas definitivas tendo em vista que seus valores devem ser resti-tuídos. Os empréstimos compulsórios também são classificados como tri-butos pelo Supremo Tribunal Federal (RE 138.284), matéria que será objeto de exame detalhado no curso de Direito Tributário e Finanças Públicas II.

331. TORRES, Ricardo Lobo. curso de Direito Financeiro e Tri-butário. 11ª ed. atual. Rio de Janei-ro: Editora Renovar, 2004. p. 183.

332. BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 126. .Segundo o autor “receita pública é a entrada que, in tegrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acres-cer o seu vulto como elemento novo e positivo”. Assim, estariam excluídos do conceito de receita para o eminente au-tor os simples movimentos de fundos ou de caixa, assim compreendidos os ingressos que refletissem, ao mesmo tempo, criação de uma obrigação ou passivo correspondente.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 164

existia pois a então vigente CPMF pos-suía prazo de vigência somente até 31 de dezembro de 2007, razão pela qual a oposição entendia não ser possível a inclusão da estimativa de receita da contribuição no projeto da LOA. De fato, a contribuição não prorrogada.

327 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 2ª ed. ver. e atu-al. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-nais, 2008. p. 101. Nos mesmos termos do eminente autor, ingresso e entrada serão aqui utilizados como sinônimos.

328 O depósito do montante integral do crédito tributário, que permite a discus-são administrativa ou judicial quanto à legitimidade da cobrança do tributo, é uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ma-téria a ser estudada nos cursos de Direi-to Tributário e Finanças Públicas II e III.

329 A Lei 8.666/93, que disciplina as licitações e os contratos públicos, em atendimento ao disposto no artigo 37, XXI, da CR-88, prevê a possibilidade de a autoridade administrativa exigir do contratado em processo licitatório a prestação de garantia, como a caução, o seguro-garantia e a fiança bancá-ria (art. 56). A caução em dinheiro (alternativamente também pode ser prestada por título da dívida pública) é garantia que enseja entrada ou ingres-so nos cofres públicos, mas a quantia deve ser “liberada ou restituída após a execução do contrato”, “atualizada monetariamente” (art. 56, §4°, da Lei 8.666/93), ou seja, adimplido o con-trato o valor caucionado é devolvido ao proponente-adjudicatário e registrado como despesa de caráter extra-orça-mentária (Manual de Despesa Nacio-nal – item 4.4.2). Em sentido contrá-rio, se forem inadimplidos os termos do contrato pode ser aplicada sanção com a decretação da perda do depósito, mo-mento no qual haverá receita pública definitiva.

330 Os empréstimos compulsórios, previstos no artigo 148 da CR-88, são qualificados como dívidas forçadas, em contraposição às dívidas voluntárias contraídas pelo Poder Público, já que decorrem de obrigação legal, e como tal foram objeto de exame na Aula 7. Não são receitas definitivas tendo em vista que seus valores devem ser resti-tuídos. Os empréstimos compulsórios também são classificados como tribu-tos pelo Supremo Tribunal Federal (RE 138.284), matéria que será objeto de exame detalhado no curso de Direito Tributário e Finanças Públicas II.

331 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004. p. 183.

332 BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de

Assim sendo, o conceito de receita, embora fundamentalmente ba-seado no de ingresso, dela se extrema, pois o ingresso corresponde também à entrada de dinheiro que ulteriormente será restituído, como ocorre no empréstimo e nos depósitos. (grifo nosso)

Os eminentes autores, portanto, não qualificam as entradas ou ingressos provisórios como receitas públicas. Ocorre, entretanto, que a Lei n° 4.320/64 não incorporou a conceituação dessa doutrina, ao estabelecer em seus artigos 3º, 11, §2°, e 57 a inclusão de diversas receitas que não ingressam nos cofres públicos em caráter definitivo:

Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclu-sive as de operações de crédito autorizadas em lei.

............................................................................................Art.11..................................................................................§2° São Receitas de Capital as provenientes da realização de recur-

sos financeiros oriundos da constituição de dívidas; (...).............................................................................................Art. 57. Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 3° desta

lei serão classificadas como receita orçamentária, sob as rubricas pró-prias, todas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de opera-ções de crédito, ainda que não previstas no Orçamento.

Na mesma linha, define o 12, §2°, da Lei Complementar n° 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, dispositivo inserido no Capítulo III — Da Receita Pública, que “o montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orça-mentária.”. Infere-se desses dispositivos que as normas federais incluem no con-ceito de receita pública, também os ingressos de recursos financeiros decorrentes das operações de crédito333, dentre as quais se destacam os empréstimos públi-cos voluntários. Ou seja, a lei federal que disciplina as normas gerais de Direito Financeiro em âmbito nacional não adotou a conceituação da doutrina financis-ta supramencionada, na medida em que não fixou como requisito necessário à configuração da receita pública a entrada de dinheiro sem que houvesse a respec-tiva contrapartida no passivo ou o acréscimo patrimonial do ente beneficiado. De fato, conforme assevera o professor Kioshi Harada334, apesar de não ter definido expressamente o conceito de receita pública, o exame do artigo 11 e os seus pará-grafos da Lei n° 4.320/64, “permite identificá-la como tal todo ingresso de recur-sos financeiros ao tesouro público, com ou sem contrapartida no passivo e in-dependentemente de aumento patrimonial” (grifo nosso). Na mesma linha estabelece o mencionado Manual de Receita Nacional que:

333. As operações de crédi-to também já foram examinadas na Aula 7.

334. HARADA, Hiyoshi. Direito Fi-nanceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.32.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 165

Janeiro: Forense, 2006. p. 126. .Segun-do o autor “receita pública é a entrada que, in tegrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, con-dições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto como elemen-to novo e positivo”. Assim, estariam excluídos do conceito de receita para o eminente autor os simples movimentos de fundos ou de caixa, assim compre-endidos os ingressos que refletissem, ao mesmo tempo, criação de uma obri-gação ou passivo correspondente.

333 As operações de crédito também já foram examinadas na Aula 7.

334 HARADA, Hiyoshi. Direito Finan-ceiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.32.

335 Complementa o Manual acerca dos registros contábeis da receita: “Porém, ao classificar a receita orçamentária deverá haver um registro de uma obrigação patrimonial correspondente, em contrapartida com uma variação passiva, o que manterá a adequação do resultado contábil. Com a conversão do depósito judicial em receita orçamen-tária ele deixa de se caracterizar como ingresso extra-orçamentário.”

336 Nesse sentido apontava a 4ª edição do Manual de Procedimentos das Re-ceitas Públicas, aprovado pela Portaria Conjunta n° 2, de 8 de Agosto de 2007, do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e a da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: “Na Administração Pública, o fluxo econômico é compreendido por dois conceitos distintos, porém integrados. O primeiro é o conceito financeiro, fundamentado na tradição cameralis-ta (gestão financeira) do ingresso de disponibilidade, na qual se baseou o orçamento e se estabeleceu o regime de caixa para a Receita Orçamentária. O segundo é o conceito patrimonial, fun-damentado na tradição patrimonialis-ta, que por muito tempo não vem sen-do observado tanto pela Administração Pública quanto pela contabilidade pública aplicada ao setor público e que, com o advento da Lei de Responsabili-dade Fiscal, vem demandando esforços para que seja cumprido, necessitando de uma mudança cultural.” Este Ma-nual foi substituído pelo mencionado Manual de Receita Nacional aprovado pela Portaria Conjunta n° 3 , de 14 de Outubro de 2008.

A Lei nº 9.703, de 17 de novembro de 1998 estabelece que os depó-sitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tri-butos e contribuições federais, inclusive seus acessórios serão efetuados na Caixa Econômica Federal e repassados para a Conta Única do Te-souro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mes-mo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais. Após o encerramento da lide ou do processo litigioso, o valor do depósito será devolvido ao depositante ou transformado em pa-gamento definitivo do tributo ou contribuição. De forma análoga, a Lei nº 10.819, de 16 de dezembro de 2003, estabelece, no âmbito dos municípios, que os depósitos judiciais, em dinheiro, referentes a tribu-tos e seus acessórios, de competência dos Municípios, inclusive os ins-critos em dívida ativa, serão efetuados, a partir da data da publicação dessa Lei, em instituição financeira oficial da União ou do Estado a que pertença o Município, mediante a utilização de instrumento que iden-tifique sua natureza tributária. A citada lei também dispõe que os mu-nicípios poderão instituir fundo de reserva, destinado a garantir a resti-tuição da parcela dos depósitos que lhes seja repassada. Ao município que instituir o fundo de reserva será repassada pela instituição financei-ra a parcela correspondente a setenta por cento do valor dos depósitos de natureza tributária nela realizados a partir da vigência da lei. Em virtude da legislação acima citada, a parte dos depósitos judiciais transferidos ao Tesouro do ente serão registrados como receita or-çamentária, já que podem ser utilizados para suportar despesas or-çamentárias335. (grifo nosso).

Nesse cenário, a disciplina normativa da matéria é no sentido de incluir como receita pública parte dos depósitos judiciais (aqueles já transferidos), além das operações de crédito, conforme preceitua a Lei n° 4.320/64, apesar de não corresponderem a hipóteses de entrada que, “in tegrando-se no pa-trimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto como elemento novo e positivo”, conforme condiciona Aliomar Baleeiro.

A compreensão dessa questão bem como dos diversos conceitos de receita pública pressupõe o entendimento prévio dos três enfoques distintos já men-cionados, pelos quais as entradas de recursos nos cofres do Tesouro podem ser examinadas e operacionalizadas: (1) o enfoque financeiro, acima aludido por Kioshi Harada; (2) a perspectiva patrimonial e (3) a visão orçamentária.

Sob o ponto de vista financeiro336, o simples ingresso, consoante já expli-citado, ainda que corresponda à receita apenas transitória, seria o suficiente para a sua configuração e o registro da receita. Já pela perspectiva patrimo-

335. Complementa o Manual acerca dos registros contábeis da receita: “Po-rém, ao classificar a receita orçamen-tária deverá haver um registro de uma obrigação patrimonial correspondente, em contrapartida com uma variação passiva, o que manterá a adequação do resultado contábil. Com a conversão do depósito judicial em receita orçamen-tária ele deixa de se caracterizar como ingresso extra-orçamentário.”

336. Nesse sentido apontava a 4ª edição do Manual de Procedimentos das Receitas Públicas, aprovado pela Portaria Conjunta n° 2, de 8 de Agosto de 2007, do Secretário do Tesouro Na-cional do Ministério da Fazenda e a da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamen-to e Gestão: “Na Administração Pública, o fluxo econômico é compreendido por dois conceitos distintos, porém integra-dos. O primeiro é o conceito financeiro, fundamentado na tradição cameralista (gestão financeira) do ingresso de disponibilidade, na qual se baseou o orçamento e se estabeleceu o regime de caixa para a Receita Orçamentária. O segundo é o conceito patrimonial, fun-damentado na tradição patrimonialis-ta, que por muito tempo não vem sen-do observado tanto pela Administração Pública quanto pela contabilidade pública aplicada ao setor público e que, com o advento da Lei de Responsabili-dade Fiscal, vem demandando esforços para que seja cumprido, necessitando de uma mudança cultural.” Este Ma-nual foi substituído pelo mencionado Manual de Receita Nacional aprovado pela Portaria Conjunta n° 3 , de 14 de Outubro de 2008.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 166

337 O artigo 103, parágrafo único, da Lei n° 4.320/64 dispõe: “Os Restos a Pagar do exercício serão computados na receita extra-orçamentária para compensar sua inclusão na despesa orçamentária”. Essa questão foi objeto de estudo na aula pertinente ao Orça-mento.

nial, a receita vincula-se à entrada de recursos que implicam variação positiva da situação patrimonial líquida, em decorrência de aumento de ativos ou de diminuição do passivo da entidade. Por fim, a visão orçamentária da receita, segundo a sistemática adotada pela Lei n° 4.320/64, engloba todas as receitas disponíveis para fazer face às despesas públicas, sendo as mesmas (as receitas) segmentadas em orçamentárias e não orçamentárias337.

Assim, além das denominadas entradas provisórias, qualificadas ou não como receita, dependendo do enfoque (financeiro, patrimonial ou orçamentá-rio), bem como da doutrina e da disciplina jurídica aplicável, existem, também, os ingressos definitivos. As entradas definitivas, sempre enquadradas como re-ceita pública, podem ter diversas origens e classificadas por variados critérios.

10.3 classiFicação quanto à entidade que se aProPria da receita

A receita pode ser pública ou privada. A receita pública é aquela auferida por entidade pública ao passo que a privada corresponde àquela auferida por entidade privada.

Nem toda receita pública, entretanto, permanece, para ser utilizada pelo ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) responsável ou competente para a sua arrecadação, como ocorre nas hipóteses de transferên-cias, matéria examinada, conforme já salientado, na Aula 8. Nesse sentido, as receitas são consideradas próprias ou de transferências.

10.4 as receitas seGundo a sua reGularidade, Freqüência ou Periodicidade.

Sob a perspectiva da regularidade ou habitualidade, as receitas classificam-se como extraordinária ou ordinária.

A receita ordinária decorre de fontes de riqueza previsíveis e contínuas, caracterizando-se por constar de forma permanente no orçamento do Estado, como é o caso de diversas auferidas pela exploração do patrimônio do Estado assim como pela arrecadação de diversas espécies tributárias, tais como: (1) os impostos (art. 145, I, da CR-88); (2) taxas (art. 145, II, da CR-88); (3) con-tribuições de melhoria (art. 145, III, da CR-88); (4) contribuições especiais (149 e 195 da CR-88) e (5) contribuição de iluminação pública (art.149-A).

A receita extraordinária, por sua vez, como o próprio nome revela, decor-re de circunstâncias esporádicas, excepcionais ou de caráter transitório, como ocorre, por exemplo, com os empréstimos compulsórios decorrentes de cala-midades (art. 148, I, da CR-88) e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (art. 148, II, da CR-88), o im posto

337. O artigo 103, parágrafo único, da Lei n° 4.320/64 dispõe: “Os Restos a Pa-gar do exercício serão computados na receita extra-orçamentária para compensar sua inclusão na des-pesa orçamentária”. Essa questão foi objeto de estudo na aula pertinente ao Orçamento.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 167

338 Vide art. 538 a 564 do Código Civil

339 O legado é a coisa certa deixada pelo testador a título singular em su-cessão causa mortis, ou seja, a posição jurídica do legatário não se confunde com aquela do herdeiro, legítimo ou testamentário, os quais recebem a to-talidade dos bens do de cujus ou uma quota-parte ideal deles, isto é, enquan-to o legatário adquire cifra em dinheiro ou bem individualizado e certo, o her-deiro recebe um conjunto de direitos e obrigações, incluindo os débitos por ventura existentes, até o limite e forças da própria herança. (Código Civil “Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva”).

340 Vide artigos 1819 e 1882 do Código Civil, os quais estabelecem, in verbis: (a) “Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legí-timo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacân-cia”; e (b) “Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não pre-judicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arre-cadados passarão ao domínio do Mu-nicípio ou do Distrito Federal, se loca-lizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal. Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão” (grifo nosso). Nesse sentido, a herança jacen-te, uma vez declarada a sua vacância e transcorridos 5 (cinco) anos sem que herdeiros se habilitem, enquadra-se como receita pública.

341 OLIVEIRA, Op. Cit., p.111.

342 BALEEIRO, Op. Cit., p.127.

343 Regis Fernandes Oliveira ressalta que nas receitas originárias encontram-se os “interessados em nível horizontal de interesses, apenas ocorrendo relação entre eles caso haja bilateralidadede intenções. Não falamos em contrato, porque nem sempre haverá comutati-vidade de obrigações. Mas em bilate-ralidade pode-se falar, uma vez que os comportamentos são confluentes para a formação de um vínculo” (grifo nos-so). Cf. OLIVEIRA, Op. Cit., p.109.

extraordinário de guerra (art. 154, II, da CR-88), as doações338, os legados339 e as heranças jacentes340 recebidas pelo Estado.

Cumpre salientar que, ao contrário da perspectiva eminentemente finan-ceira em sentido estrito, sob o ponto de vista patrimonial, compõem as recei-tas públicas as doações, os legados e as heranças jacentes transmitidas ao Es-tado, em dinheiro ou em bens. Nesse sentido aponta Regis Fernandes341 que “a doação é receita originária de bens ou valores que ingressam no patrimô-nio público”. Essa questão é exemplificada no Manual de Receitas Públicas nos seguintes termos:

Receita independente da execução orçamentária — são fatos que resultam em aumento do patrimônio líquido, que ocorrem indepen-dentemente da execução orçamentária. Exemplos: inscrição em dívida ativa, incorporação de bens (doação), etc.

Importante destacar, ainda, que não se deve confundir essas receitas pú-blicas, assim enquadradas sob o enfoque patrimonial, decorrente da incor-poração de bens por força de doações, legados e heranças jacentes, com as receitas provenientes da exploração dos bens dominiais já pertencentes ao próprio Estado, matéria a ser examinada no tópico subseqüente, intitulado As Receitas segundo a sua origem patrimonial, as quais podem ser originárias ou derivadas.

10.5 as receitas seGundo a sua oriGem Patrimonial.

Aliomar Baleeiro342 designa como “alemã” a classificação por meio da qual a receita é categorizada de acordo com a origem do patrimônio do qual deri-va, que pode ser público ou privado.

Aquela decorrente da exploração do patrimônio (bens e serviços) do pró-prio Estado é denominada receita originária, haja vista que a perspectiva sob a qual se analisa a receita pública é a do ente beneficiário dos ingressos. Essa receita é também designada como receita de economia privada, tendo em vista que o Estado, nos mesmos termos do particular, explora os seus bens e as suas empresas para auferir receita, sem se valer de seu poder soberano ou qualquer meio coercitivo para exigir o pagamento pela utilização dos seus serviços ou do seu patrimônio. Nesse sentido, é receita (A) voluntária ou não coativa, pois decorre primariamente da manifestação de vontade do particu-lar; (B) pactuada de forma bilateral343, pois o particular aceita e anui com os termos em que se efetiva a relação e o pagamento pela utilização dos bens e serviços estatais, daí ser também denominada de (C) patrimonial. Embora até hoje importante, essa modalidade de receita perdeu relevância após o ad-

338. Vide art. 538 a 564 do Código Civil

339. O legado é a coisa certa deixa-da pelo testador a título singular em sucessão causa mortis, ou seja, a posição jurídica do legatário não se confunde com aquela do herdeiro, legítimo ou testamentário, os quais recebem a totalidade dos bens do de cujus ou uma quota-parte ideal deles, isto é, enquanto o legatário adquire ci-fra em dinheiro ou bem individualizado e certo, o herdeiro recebe um conjunto de direitos e obrigações, incluindo os débitos por ventura existentes, até o limite e forças da própria herança. (Có-digo Civil “Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva”).

340. Vide artigos 1819 e 1882 do Códi-go Civil, os quais estabelecem, in ver-bis: (a) “Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecada-dos, ficarão sob a guarda e administra-ção de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacân-cia”; e (b) “Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não pre-judicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arre-cadados passarão ao domínio do Mu-nicípio ou do Distrito Federal, se loca-lizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal. Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão” (grifo nosso). Nesse sentido, a herança jacen-te, uma vez declarada a sua vacância e transcorridos 5 (cinco) anos sem que herdeiros se habilitem, enquadra-se como receita pública.

341. OLIVEIRA, Op. Cit., p.111.

342. BALEEIRO, Op. Cit., p.127.

343. Regis Fernandes Oliveira ressalta que nas receitas originárias encontram--se os “interessados em nível horizontal de interesses, apenas ocorrendo relação entre eles caso haja bilateralida-dede intenções. Não falamos em contrato, porque nem sempre haverá comutatividade de obrigações. Mas em bilateralidade pode-se falar, uma vez que os comportamentos são confluentes para a formação de um vínculo” (grifo nosso). Cf. OLIVEIRA, Op. Cit., p.109.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 168

344 TORRES, Op. Cit, p. 186 a 191.

345 OLIVEIRA, Op. Cit., p.111.

vento do denominado Estado Fiscal, época em que passaram a preponderar as receitas tributárias, de natureza cogente.

As receitas originárias ou patrimoniais, caracterizadas por expressar uma relação de direito privado, compreendem, de acordo com a doutrina de Ri-cardo Lobo Torres344:

a. os ingres sos comerciais, os quais decorrem da exploração da eco-nomia pelo Estado, por meio de suas em presas, em regime de mo-nopólio ou não (ex: as sociedades de economia mista em geral, os correios e telégrafos, as casas lotéricas, etc.);

b. os preços públicos, também denominados de tarifa, que são ingres-sos não-tributários devidos como contraprestação pelo benefício recebido, e

c. as compensações financeiras, as quais compreendem os royalties e as participações especiais (artigo 20, § 1º, da CR-88).

A Receita derivada, por outro lado, representada pelos tributos e pelas multas aplicadas e exigidas do particular — em função do descumprimento de norma de natureza tributária ou não: ex: multas de trânsito, multas admi-nistrativas em geral e também aquelas aplicadas em função do descumpri-mento de obrigação tributária etc,-, tem como características centrais: (A) decorrem do patrimônio privado e (B) são coercitivamente obtidas. Regis Fernandes345 aponta que se incluem no conjunto das receitas derivadas “a cobrança de sanções e também o perdimento decorrente de contrabando, apreensão de armas de criminosos etc.”

Pelo exposto acerca das receitas derivadas, obtidas de forma coercitiva, conclui-se que os particulares têm que dispor de parcela do seu patrimônio para fazer face à atividade financeira do Estado. A origem e o fundamento desse poder, se decorre da soberania do próprio Estado ou se nasce delimi-tado no espaço aberto pelos direitos humanos fundamentais, serão exami-nados, introdutoriamente, na Aula 13 e na disciplina denominada Sistema Tributário Nacional

10.6 as receitas sob o enFoque orçamentário

O orçamento, conforme já destacado na Aula 1, é um importante ins-trumento de planejamento de qualquer entidade, seja pública ou privada, e consubstancia a previsão do conjunto: (1) de receitas orçamentárias; e (2) de aplicação e gastos de recursos em determinado intervalo de tempo.

Diversas são as classificações dos ingressos e das receitas sob o ponto de vista orçamentário.

344. TORRES, Op. Cit, p. 186 a 191.

345. OLIVEIRA, Op. Cit., p.111.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 169

346 Vide art. 165, §5°, I da CR-88.

347 Vide art. 165, §5°, III da CR-88.

A receita orçamentária quanto às entidades destinatárias do orçamento pode ser classificada como Receita Orçamentária Pública, na hipótese em que for executada por entidades públicas, ou Receita Orçamentária Privada, no caso em que executada por entidades privadas e que consta na previsão or-çamentária aprovada por ato de conselho superior ou outros procedimentos internos necessário à sua consecução.

Na seara pública representa todas as entradas disponíveis para a cobertura das despesas orçamentárias e de operações que, mesmo não havendo ingresso de recursos, financiam despesas orçamentárias, isto é, aquelas previstas no orçamento desde a sua aprovação.

Relativamente ao orçamento a que se vinculam, as receitas podem ser clas-sificadas como do orçamento fiscal346 ou do orçamento da seguridade so-cial347. As receitas que compõem o orçamento fiscal compreendem princi-palmente as receitas dos impostos, de contribuições de intervenção no domínio econômico e as outras receitas não vinculadas à seguridade social (que são fundamentalmente aquelas contribuições securitárias definidas nos incisos do artigo 195 da CR-88). De fato, o financiamento da segurança so-cial, que compreende a saúde, a assistência e a previdência (art. 194 da CR-88), é realizado, além das contribuições discriminadas nos incisos do artigo 195, pelos demais recursos orçamentários disponibilizados pelo ente político. Destaque-se que aquelas receitas securitárias previstas no inciso I, alínea “a”, incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, e no inciso II, cobrada do trabalhador e demais segurados da previdência social, ambos do citado artigo 195, não podem ser utilizadas para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdên-cia, consoante determinação do inciso XI do artigo 167 da CR-88. Já no caso dos impostos, o princípio geral é que não podem ser vinculados a órgão, fun-do ou despesa. De fato, a Carta Magna de 1988, em seu artigo 167, IV, com a sua redação conferida pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, veda a vinculação de receita dos impostos a órgão, fundo ou despesa, mas prevê exceções, entre outras, relativamente:

1) à repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os artigos 158 e 159, matéria detalhadamente examinada na aula sobre as Transferências constitucionais e as repartição de receitas tributárias (Aula 8);

2) à destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino, consoante o disposto nos artigos 198, § 2º, e 212, matéria também abordada na Aula 8;

3) para a realização de atividades da administração tributária, como determinado pelo artigo 37, XXII;

346. Vide art. 165, §5°, I da CR-88.

347. Vide art. 165, §5°, III da CR-88.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 170

348 BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.759-MC. Rel. Min. Gilmar Mendes Julgamento em 14.04.2010. Unanimidade. Brasília. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Acesso em 15.05.2010. Preceden-tes citados: ADI 103/RO (DJU de 8.9.95); ADI 1848/RO (DJU de 25.10.2002); ADI 1750 MC/DF (DJU de 14.6.2002).

349 MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Co-mentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.21.

4) à prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, matéria já estudada na aula per-tinente ao Crédito e a Dívida Pública (Aula 7);

5) às receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a prestação de garantia ou contra-garantia à União e para pagamento de débitos, matéria também já analisada na Aula 7.

Assim, a regra geral é a vedação de vinculação de receita dos impostos, ha-vendo, no entanto, diversas exceções constitucionalmente fixadas, conforme será detalhado abaixo. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a inexistência de previsão na Constitucional Federal, proceden-te o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Santa Catarina, ADI 1759/SC348, para declarar a inconstitucionalidade do inciso V do § 3º do art. 120 da Constituição daquele Estado, com a redação dada pela Emenda Constitucional 14/97 estadual, que destinava 10% da re-ceita corrente daquela unidade federada, por dotação orçamentária específica, aos programas de desenvolvimento da agricultura, pecuária e abastecimento.

Segundo o Manual de Receita Nacional o ingresso é gênero, podendo ser (1) orçamentário ou (2) extra-orçamentário. Apenas os ingressos orça-mentários qualificam-se como receita. Já os ingressos extra-orçamentários são enquadrados como recursos de terceiros, em contrapartida com as obri-gações correspondentes. Na medida em que o recurso se desqualifica como recurso de terceiro convola-se em receita orçamentária. Exemplo concreto dessa classificação é a hipótese já mencionada em que tenha havido depósito judicial e o Poder Judiciário decide favoravelmente ao Estado. Nesse caso, o depósito judicial é convertido em renda e passa a ser qualificado como receita orçamentária, descaracterizando-se, a partir desse momento, como ingresso extra-orçamentário.

Já o artigo 11 da Lei nº 4.320/64 classifica a receita orçamentária em duas categorias econômicas: receitas correntes e receitas de capital. Essa segmenta-ção, conforme ensinam José Teixeira Machado e Heraldo Costa Reis349:

“visa possibilitar uma perfeita identificação da origem dos recursos financeiros, bem como estabelecer coerência entre as rubricas utilizadas nos orçamentos públicos e nas contas nacionais, permanecendo, no entanto, a dicotomia básica inicial: operações correntes e operações de capital, como se vê no esquema seguinte:

• OperaçõesCorrentes 1. Receitas Correntes 3. Despesas Correntes• OperaçõesdeCapital 2. Receita de Capital 4. Despesa de Capital”

348. BRASIL. Poder Judiciário. Supre-mo Tribunal Federal. ADI 1.759-MC. Rel. Min. Gilmar Mendes Julgamento em 14.04.2010. Unanimidade. Brasília. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Acesso em 15.05.2010. Preceden-tes citados: ADI 103/RO (DJU de 8.9.95); ADI 1848/RO (DJU de 25.10.2002); ADI 1750 MC/DF (DJU de 14.6.2002).

349. MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. a lei 4.320 co-mentada: e a Lei de Responsabili-dade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.21.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 171

350 REZENDE, Fernando. Finanças Pú-blicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.153. “Note-se que não existe (nem deve existir) uma associação perfeita entre receitas e despesas correntes e despesas de capital. Na verdade, o saldo em conta corrente, ou seja, a dife-rença entre receitas e despesas corren-tes, que constitui a poupança do gover-no, é uma das fontes de financiamento das despesas de capital. Por outro lado, operações de crédito não se restringem, obrigatoriamente, ao financiamento de despesas da mesma categoria”.

351 Apesar da separação das receitas tributárias em relação às contribuições pela Lei n° 4.320/64 e em que pese a literalidade do artigo 145 da CR-88, o Supremo Tribunal Federal, especial-mente no RE 138.284-8, RE 146.733 e ADC-1/DF, adotou a tese qüinqüipar-tide dos tributos, para definir que são cinco as espécies tributárias no atual sistema constitucional brasileiro: (1) os impostos (artigo 145, I, da CR-88); (2) as taxas (artigo 145, II, da CR-88); (3) as contribuições de melhoria (artigo 145, III, da CR-88); (4) os empréstimos com-pulsórios (artigo 148 da CR-88) e (5) as contribuições especiais (artigo 149 da CR-88), sendo estas últimas subdividi-das em três grupos: (5.1) sociais; (5.2) de intervenção no domínio econômico e (5.4) de interesse das categorias pro-fissionais e econômicas. As contribui-ções sociais, por sua vez, desdobram-se em: (5.1.1) sociais gerais; (5.1.2) de seguridade social e (5.1.3) outras de seguridade social. Ressalte-se que após essas decisões do STF foi introduzido o artigo 149-A estabelecendo a compe-tência dos Municípios para instituírem as denominadas Contribuições de Ilu-minação Pública.

Nesses termos, as receitas correntes seriam aqueles recursos disponíveis ao ente político federado: (1) de natureza tributária e (2) provenientes de recur-sos financeiros recebidos de outras pes soas, de direito público ou privado, destinados a atender as denominadas despesas correntes, qualificadas como aquelas destinadas ao funcionamento e manutenção dos serviços públicos, prestados direta ou indiretamente pela Administração, e que não geram qual-quer aumento do patrimônio público, conforme já examinado na Aula 7. Por outro lado, as receitas de capital seriam aquelas disponibilidades provenientes de constituição de dívidas e de recursos financeiros, também recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados a cobrir as despesas classificáveis como despesa de capital, inclusive as outras receitas de capital.

Saliente-se, entretanto, que não há correspondência absoluta350 entre (1) as receitas e despesas correntes, de um lado, nem entre (2) as receitas e as despesas de capital, de outro. De fato, o saldo positivo em conta corrente, isto é, a diferença a maior das receitas em relação às despesas correntes em deter-minado período, constitui a poupança do governo, e serve para financiar as denominadas despesas de capital, conforme já examinado. As operações de crédito (empréstimos contraídos e outras operações de contração de dívidas, etc.), por outro lado, não se prestam a financiar exclusivamente as despesas de capital, conforme se extrai da parte final do artigo 167, III, da CR-88, que prevê exceções mediante créditos suplementares e especiais de finalidade pre-cisa e aprovados por maioria absoluta.

Já os parágrafos do citado artigo 11 da Lei n° 4.320/64 estabelecem que são:• ReceitasCorrentes:

A) as receitas tributárias;B) de contribuições351;C) patrimonial;D) agropecuária;E) industrial;F) de serviços e outras e, ainda,G) as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pes-

soas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes.

• ReceitasdeCapitalasprovenientesdarealizaçãoderecursosfinancei-ros oriundos:

A) de constituição de dívidas;B) da conversão, em espécie, de bens e direitos;C) os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou pri-

vado, destinados a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital e, ainda,

D) o superávit do Orçamento Corrente.

350. REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.153. “Note-se que não existe (nem deve existir) uma associação per-feita entre receitas e despesas correntes e despesas de capital. Na verdade, o saldo em conta corrente, ou seja, a dife-rença entre receitas e despesas corren-tes, que constitui a poupança do gover-no, é uma das fontes de financiamento das despesas de capital. Por outro lado, operações de crédito não se restringem, obrigatoriamente, ao financiamento de despesas da mesma categoria”.

351. Apesar da separação das receitas tributárias em relação às contribuições pela Lei n° 4.320/64 e em que pese a literalidade do artigo 145 da CR-88, o Supremo Tribunal Federal, especial-mente no RE 138.284-8, RE 146.733 e ADC-1/DF, adotou a tese qüinqüipar-tide dos tributos, para definir que são cinco as espécies tributárias no atual sistema constitucional brasileiro: (1) os impostos (artigo 145, I, da CR-88); (2) as taxas (artigo 145, II, da CR-88); (3) as contribuições de melhoria (artigo 145, III, da CR-88); (4) os empréstimos com-pulsórios (artigo 148 da CR-88) e (5) as contribuições especiais (artigo 149 da CR-88), sendo estas últimas subdividi-das em três grupos: (5.1) sociais; (5.2) de intervenção no domínio econômico e (5.4) de interesse das categorias pro-fissionais e econômicas. As contribui-ções sociais, por sua vez, desdobram-se em: (5.1.1) sociais gerais; (5.1.2) de seguridade social e (5.1.3) outras de seguridade social. Ressalte-se que após essas decisões do STF foi introduzido o artigo 149-A estabelecendo a compe-tência dos Municípios para instituírem as denominadas Contribuições de Ilu-minação Pública.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 172

352 ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tribu-tário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.56.

Segundo o Manual de Receita Nacional a receita sob o enfoque orçamen-tário pode também ser classificada como efetiva ou não efetiva, em função do seu impacto sobre o patrimônio. Dessa forma, vincula-se a perspectiva orçamentária e patrimonial da receita. A questão está assim descrita:

“Receita Orçamentária Efetiva — aquela que, no momento do seu reconhecimento, aumenta a situação líquida patrimonial da entidade. Constitui fato contábil modificativo aumentativo.

Receita Orçamentária Não-Efetiva — aquela que não altera a situação lí-quida patrimonial no momento do seu reconhecimento, constituindo fato contábil permutativo. Neste caso, além da receita orçamentária, registra-se concomitantemente conta de variação passiva para anular o efeito dessa re-ceita sobre o patrimônio líquido da entidade.”

10.7 outras classiFicações das receitas Públicas

Edwin Seligman, economista norte-americano, classificou as espécies de receita de acordo com a preponderância do interesse envolvido na atividade a suscitar a cobrança, isto é, se há maior ou menor interesse público ou priva-do. Dessa forma, a receita pública seria categorizada como:

1) preços quase-privados: quando a atividade financeira do Estado a ensejar a cobrança seja de interesse exclusivamente privado, haven-do interesse público acidental e tão somente pelo fato de a atividade estar sendo desenvolvida pelo Estado;

2) preços públicos: tem vantagem particular inferior ao do preços qua-se-privados mas ainda assim predomina o interesse particular, apesar de a exploração da atividade possuir algum interesse público,;

3) taxa: decorre de atividade em que o interesse público é preponde-rante e o interesse particular é mensurável para cada indivíduo;

4) con tribuição de melhoria: algum tipo de vantagem para um in-divíduo ou conjunto de pessoas, mas o interesse público também prepondera como na taxa; e

5) impos tos: ainda que possa haver eventual ou acidental vantagem para o particular, o interesse e consideração é exclusivamente público.

Já o italiano Luigi Einau di, suprimindo as taxas, que inclui entre os pre-ços públicos e acrescendo a categoria dos “preços políticos”, conforme alerta Luiz Emygdio352, classifica as receitas públicas de acordo com fixação do valor

352. ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Ma-nual de Direito Financeiro e Direito Tri-butário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.56.

FINANÇAS PúBLICAS

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353 ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tribu-tário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.56.

354 BALEEIRO, Op. Cit., p.131.

a ser exigido, o que tem como parâmetro e referência as di versas possibilida-des por meio das quais se realizam e satisfazem as necessidades públicas. Des-sa forma, as receitas seriam categorizadas com base nos valores exigidos, os quais se alteram em função:

1) das leis de mercado, o que os classificaria como preços quase-privados;2) da impossibilidade ou inviabilidade de serem prestados pelo parti-

cular, o que enseja a cobrança de valor mais baixo do que aqueles de economia privada,

3) qualificado como preço público;4) da insuficiência de sua remuneração para o custeio dos serviços que

ensejam a sua cobrança, designados como preços políticos; e5) da vantagem obtida pelo particular proprietário de bens imóveis em

compensação à execução de obra pública, qualificada com contri-buição;

6) de elementos estranhos a qualquer atividade estatal específica, isto é, não há qualquer contraprestação estatal para servir de parâmetro, classificados como impostos.

Luiz Emygdio353 aponta as seguintes diferenças entre as classificações de Seligman e de Einaudi:

“a) enquanto Seligman baseia sua classificação no conflito entre o interesse público e o interesse privado, que está presente em toda a ati-vidade financeira desempenhada pelo Estado, Einaudi leva em conta os diversos processos pelos quais se providenciam as satisfações das neces-sidades públicas; adota, ainda, como um dos critérios nucleares para a sua classificação o custo do serviço público, que quando é inteiramente coberto pela receita, esta se denominará preço público, mas quando a receita for insuficiente para cobrir tal custo a mesma corresponderá a preço político, sendo a diferença coberta pelo imposto;

b) a utilização de vocábulos diferentes — taxa para Seligman e preço político para Einaudi, para caracterizar a receita pública auferida pelo Estado do exercício exclusivo de determinada atividade, visando o Es-tado prestar à coletividade um serviço público por um preço inferior ao que seria cobrado pela empresa privada.”

Apesar de autores como Regis Fernandes apontarem no sentido do aban-dono de “qualquer estudo sobre as classificações de E.R Sligman, de Gastón Jèze e de Einaudi, uma vez que nada acrescentam de útil na apreciação do fenômeno jurídico financeiro”, Aliomar Baleeiro354 procurou conciliar a de-nominada classificação “alemã”, que subdivide as receitas em originárias e

353. ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Ma-nual de Direito Financeiro e Direito Tri-butário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.56.

354. BALEEIRO, Op. Cit., p.131.

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FGV DIREITO RIO 174

355 Essa questão será examinada na Aula 13, quando serão apresentadas as distinções entre o denominado Poder de Tributar, a Competência Tributária e a Capacidade Tributária Ativa.

356 A Parafiscalidade e a Extrafiscalidade serão objeto de duas aulas específicas, após o exame do sistema constitucional de discriminação de rendas e de repar-tição de competências e bem assim dos três substratos econômicos de incidên-cia de tributos.

derivadas, com aquelas categorizações de Seligman e Einaudi, e construiu o seguinte quadro, intitulado Classificação dos ingressos públicos:

1º) MOVIMENTOSde fundos ou de

Caixa

a) Empréstimos ao Tesouro;b) Restituição de Empréstimo do Tesouro;

c) Cauções, fianças, depósitos, indenizações de direito civil etc.

2º) RECEITAS

I. Originárias, ou de Economia Privada, ou de Direito priva-do, ou Voluntárias

a) a título gratuito— doações puras e simples;— bens vacantes, prescrição aquisitiva

etc.

b) a título oneroso

— doações e legados sob condição;— preços quase-privados;— preços públicos;— preços políticos

II. Derivadas, de Economia Pública de Direito Público

ou Coativas

a) tributos

— taxas;— contribuições de melhoria;— impostos;— contribuições parafiscais

b) multas, penalidades e confisco;

c) reparações de guerra

10.8 PrinciPais classiFicações das receitas tributárias

A receita tributária, que tem sido a principal fonte de recursos públicos, pode ser classificada de acordo com múltiplos critérios, destacando-se entre eles as distinções quanto:

(1) ao ente político competente para instituir o tributo específico, estabe-lecer a disciplina jurídica, cobrar, fiscalizar e decidir o contencioso adminis-trativo e judicial355;

(2) à tríplice função356 que o tributo pode exercer: (2.1) a função fiscal, segundo a qual a sua instituição visa à arrecadação para fazer face à atividade financeira do Estado; (2.2) a função parafiscal, cuja designação, apesar de controvertida no campo doutrinário, denota a cobrança e a utilização de al-guns tributos por entidades paraestatais de natureza privada ou pública, com personalidade jurídica própria, que, ao exercerem as suas tarefas ao lado da administração direta, ampliam o alcance das múltipas atividades de interesse público e a efetividade da intervenção do Estado na ordem social; e (2.3) a função extrafiscal de algumas espécies tributárias, de acordo com a qual pre-pondera a sua utilização como instrumento de intervenção no domínio eco-nômico ou social, direcionando-os à redistribuição de renda e riqueza ou à

355. Essa questão será examinada na Aula 13, quando serão apresentadas as distinções entre o denominado Poder de Tributar, a Competência Tributária e a Capacidade Tributária Ativa.

356. A Parafiscalidade e a Extrafiscali-dade serão objeto de duas aulas espe-cíficas, após o exame do sistema cons-titucional de discriminação de rendas e de repartição de competências e bem assim dos três substratos econômicos de incidência de tributos.

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FGV DIREITO RIO 175

indução de comportamento das pessoas (naturais ou jurídicas), estimulando ou desestimulando o consumo de determinados bens e serviços, a poupança ou o investimento e etc;

(3) ao substrato ou base econômica de incidência do tributo, podendo ser a renda, o patrimônio ou o consumo, matéria a ser examinada na Aula13 e mais detidamente na disciplina Sistema Tributário Nacional;

(4) à possibilidade de transferência do ônus ou do encargo financeiro do tributo a terceira pessoa, questão que também será analisada na Aula 13 e mais detidamente na disciplina Sistema Tributário Nacional;

(5) ao regime jurídico aplicável ao produto da arrecadação tributária, podendo assumir três modelos distintos: (a) no primeiro, somente há liber-dade do ente político para determinar o destino do produto da arrecadação a cada exercício financeiro, no bojo do processo orçamentário, sendo vedada pela Constituição a prévia vinculação da receita do tributo a uma despesa específica pelo legislador ordinário, o que afastaria a possibilidade de altera-ções futuras do destino dos recursos arrecadados de acordo com as mutantes condições econômicas e as decisões políticas durante cada ciclo orçamentá-rio; (b) no segundo conjunto, ocorre a sua vinculação constitucional, ou seja, o constituinte determina que a receita deve ser necessariamente utilizada em uma dotação de despesa orçamentária específica, não havendo qualquer mar-gem para a sua alteração a cada exercício financeiro durante a elaboração do orçamento; e (c) aqueles tributos em que não há vinculação constitucional obrigatória em relação ao produto da arrecadação, mas o legislador infracons-titucional, ao instituir o tributo ou discipliná-lo posteriormente, possui mar-gem de liberdade para fixar e vincular em lei o destino da receita, o que deve ser observado durante a elaboração e a execução das peças orçamentárias. Portanto, esta classificação diz respeito à discricionariedade que o ente políti-co possui para decidir o destino dos recursos arrecadados com os tributos. Nessa perspectiva, os tributos são geralmente subdivididos em dois grupos: (a) aqueles de arrecadação não vinculada pela Constituição (podendo haver nesse grupo duas modalidades distintas: (a.1) aqueles que a Constituição veda expressamente a vinculação da arrecadação, não deixando margem ao legislador ordinário; e (a.2) aqueles em que o constituinte é silente quanto à possibilidade de o legislador infraconstitucional vincular ou não a receita tributária a uma despesa específica) e (b) os tributos cuja receita deve ser ne-cessariamente aplicada, exclusivamente, em determinada atividade ou finali-dade específica, não sendo possível a sua alteração no plano infraconstitucio-nal. A explicitação de exemplos concretos facilitará a compreensão do exposto. O imposto é o exemplo típico do chamado tributo de receita não vinculada, em que é constitucionalmente vedada, como regra geral, a des-tinação de sua receita para órgão, fundo ou despesa. Portanto, o imposto é espécie de tributo que deve ter a sua utilização ou a destinação de sua recei-

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357 Nesse sentido, a lei do ente político que cria uma taxa, como regra geral, pode ou não vincular o produto de sua arrecadação a uma destinação específica. No entanto, conforme será examinado detalhadamente na aula 13o STF considera as custas e os emo-lumentos judiciais de que trata o §2º do artigo 98 da CR-88 como espécie de taxas. Dessa forma, considerando que a própria Constituição determina que “as custas e emolumentos serão desti-nados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça”, trata-se de espé-cie tributária na modali-dade de taxa cuja receita é vinculada, ao contrário da regra geral.

358 Algumas contribuições sociais de caráter geral também possuem vin-culação específica do produto de sua arrecadação, apesar de não servirem ao financiamento da seguridade social, como é o caso do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), o qual tem natureza tributária de acordo com o STF.

359 A estrutura jurídica da norma de incidência tributária será examinada e detalhada na disciplina Sistema Tribu-tário Nacional..

ta livremente determinada no bojo do processo orçamentário. De fato, ressal-vadas as exeções fixadas no próprio inciso IV do artigo 167 da CR-88, con-forme já destacado, quando do exame da receita pública de acordo com o orçamento a que se vincula, a regra geral é que as receitas dos impostos não podem ser previamente vinculadas. Como regra geral, as receitas arrecada-das com a exigência das contribuições de melhoria e de taxas357 também não são vinculadas, inexistindo, entretanto, diferentemente dos impostos, vedação constitucional para que o legislador ordinário, ao instituir essas duas exações, vincule o produto de suas arrecadações para serem utilizadas emdes-pesas específicas. Em sentido diverso, são constitucionalmente vinculadas as receitas dos empréstimos compulsórios, tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 148 da CR-88 (“A aplicação dos recursos prove-nientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamen-tou sua instituição”). Nessa mesma linha, de associação e conexão entre a instituição e arrecadação do tributo e o gasto relacionado à causa que justifica aexigência da exação, as receitas das contribuições de seguridade social358 são vinculadas às despesas coma própria seguridade social, podendo ser des-tinados aos dispêndios com a saúde, a assistência ou a previdência social. Nos termos já salientados, algumas espécies de exações securitárias possuem grau ainda mais específico de vinculação, como ocorre, por exemplo, com as receitas decorrentes das contribuições previstas no inciso I, alínea “a”, inci-dente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, e no inciso II, cobrada do trabalhador e demais segurados da previdência social, ambos do já citado artigo 195 da CR-88, que não podem ser utilizadas para a reali-zação de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência, consoante determinação do inciso XI do artigo 167 da CR-88, espécie do gênero seguridade social. As contribuições sociais gerais, apesar de não se vincularem ao financiamento da Seguridade Social, têm os seus recursos arrecadados também vinculados, como é o caso do salário educação (art. 212, §5º, da CR-88) e etc.. No mesmo passo, os recursos arrecadados com a contribuição de intervenção sobre o domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus deri-vados, gás natural e seus derivados e álcool combustível de que trata o artigo 177, §4º, da CR-88 (CIDE petróleo) devem ser necessariamente des-tinados: (1) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool com-bustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; (2) ao financia-mento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; ou (3) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes;

(6) às características da hipótese de incidência359 a ensejar a instituição, cobrança e arrecadação do tributo, isto é, diz respeito aos elementos e contor-nos dos atos, fatos, negócios e situações jurídicas e bem assim aos eventos e situações de fato eleitas pelo constituinte para fundamentar a instituição do

357. Nesse sentido, a lei do ente po-lítico que cria uma taxa, como regra geral, pode ou não vincular o produto de sua arrecadação a uma destinação específica. No entanto, conforme será examinado detalhadamente na aula 13o STF considera as custas e os emo-lumentos judiciais de que trata o §2º do artigo 98 da CR-88 como espécie de taxas. Dessa forma, considerando que a própria Constituição determina que “as custas e emolumentos serão desti-nados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça”, trata-se de espé-cie tributária na modali-dade de taxa cuja receita é vinculada, ao contrário da regra geral.

358. Algumas contribuições sociais de caráter geral tam-bém possuem vinculação específica do produto de sua arrecadação, apesar de não servirem ao financiamento da seguridade social, como é o caso do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), o qual tem natureza tributária de acordo com o STF.

359. A estrutura jurídica da norma de incidência tributária será examinada e detalhada na disciplina Sistema Tribu-tário Nacional..

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tributo pelo legislador infraconstitucional. Nessa perspectiva as hipóteses de incidência podem se referir a duas espécies de tributos: (a) aqueles cujo fato gerador independe de qualquer atuação estatal específica para fundamentar a exação, como é o caso dos impostos, que são exigidos sem haver qualquer ação estatal pressuposta; e (b) os tributos cuja hipótese de incidência vincula-se a uma atividade estatal determinada, isto é, a exação pressupõe uma atua-ção contraprestacional do ente político, como é o caso das taxas, a exigir o exercício do poder de políciaa ou a prestação de serviço público específico e divisível ou a sua colocação à disposição do contribuinte. Na mesma linha, a cobrança da contribuição melhoria também pressupõe uma atuação estatal específica, ou seja, depende da realização de obra pública da qual decorra valorização imobiliária. Já as denominadas contribuições especiais de que tra-ta o art. 149 da CR-88 (sociais, de intervenção no domínio econômico ou de interesse das categorias profissionais ou econômicas) podem ou não ter as respectivas hipóteses de incidência vinculadas diretamente a uma ação estatal prévia. Por outro lado, essas contribuições interventivas deveriam ter sempre como pressuposto subjacente o alcance de determinados fins na ordem eco-nômica ou social, não havendo justificativa de natureza constitucional para a sua adoção apenas com objetivos arrecadatórios para fazer face aos gastos gerais ou para a produção de superávits fiscais;

(7) às espécies tributárias existentes. Apesar da separação das receitas tri-butárias em relação às contribuições pela Lei n° 4.320/64 e em que pese a literalidade do artigo 145 da CR-88 e do artigo 5º do CTN, o Supremo-Tribunal Federal, especialmente no RE 138.284-8, RE 146.733 e ADC-1/DF, adotou a tese qüinqüipartide dos tributos, para definir que são cinco as espécies tributárias no atual sistema constitucional brasileiro conforme será examinado ao longo do curso:

(1) os impostos (artigo 145, I, da CR-88);(2) as taxas (artigo 145, II, da CR-88);(3) as contribuições de melhoria (artigo 145, III, da CR-88);(4) os empréstimos compulsórios (artigo 148 da CR-88) e(5) as contribuições especiais (artigo 149 da CR-88), sendo essas subdi-

vididas em três grupos:(5.1) sociais as quais se desdobram, por sua vez, em: (5.1.1) so-

ciais gerais; (5.1.2) de seguridade social e (5.1.3) outras de se-guridade social. As contribuições de seguridade social listadas nos incisos do artigo 195 e aquelas criadas pela União com fundamento no §4º do mesmo artigo tem por objetivo o fi-nanciamento da Saúde, Assistência e Previdência Social. Por outro lado, as denominadas contribuições sociais gerais (5.1.1) são destinadas a custear a atuação do Estado em outras áreas

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sóciais. O salário-educação (art. 212, § 5º, da CF/88) é um exemplo de contribuição social geral.

(5.2) de intervenção no domínio econômico (CIDE), que tem como exemplo constitucionalmente previsto a denominada CIDE petróleo e combustíveis de que trata o art. 177, §4º, da CR-88, além daquelas criadas por meio de lei com fundamento no art. 149 da CR-88; e

(5.4) de interesse das categorias profissionais e econômicas. São exemplos dessa modalidade as contribuições destinadas às en-tidades privadas de serviços sociais autônomos e de formação profissional, vinculadas ao sistema sindical (SESC, SENAI, SE-NAC, SEBRAE), conforme preconiza o artigo 240 da Consti-tuição, etc.

Ressalte-se que após essas decisões do STF foi introduzido o artigo 149-A à Constituição, estabelecendo a competência dos Municípios para instituí-rem as denominadas Contribuições de Iluminação Pública, razão pela qual na atualidade seriam 6 espécies tributárias de acordo com a jurisprudência do tribunal.

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360 Há violação a este dispositivo da LRF caso a Constituição confira competên-cia tributária a determinado ente polí-tico e o mesmo não institua e arrecade o tributo? Examine o artigo 153, VII, da CR88! Importante mencionar, entretan-to, que a Constituição, conforme será examinado no momento oportuno, não cria o tributo, apenas confere com-petência tributária ao ente federado, razão pela qual a norma constitucional tem como destinatário primário o Po-der legislativo do ente político!

361 O §1º do artigo 14 estabelece o conceito de renúncia de receita para os efeitos da LRF nos seguintes ter-mos: “A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modifi-cação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferen-ciado”.

362 SURREY, Stanley. Tax Expenditures. Cambridge: Harvard University Press, 1985.

AulA 11 — A receitA PúblicA e A lei de resPonsAbilidAde FiscAl

A Lei Complementar 101/2000, comumente denominada de Lei de Res-ponsabilidade Fiscal (LRF), tendo em vista estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade e transparência na gestão fiscal, pre-vê que “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação360 de todos os tributos da compe-tência constitucional do ente da Federação” (art. 11). Dessa forma, não ado-tar as medidas necessárias à arrecadação das receitas tributárias cuja compe-tência tenha sido constitucionalmente conferida ao ente político (União, Estados, Distrito Federal e Município) consubstanciaria a primeira vista omissão passível de responsabilização de acordo com a LRF. No mesmo sen-tido, o artigo 14 da lei complementar estabelece que:

a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tri-butária da qual decorra renúncia de receita361 deverá estar acompanha-da de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I — demonstração pelo proponente de que a renúncia foi conside-rada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II — estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

De fato, é a própria Constituição que estabelece em seu artigo 165, § 6º, que o “projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”.

Esses dispositivos normativos foram inspirados e adotaram o que o espe-cialista em finanças públicas americano Stanley Surrey362 denominou de “tax expenditure”, ao equiparar o incentivo fiscal implementado pela via da recei-ta ao gasto fiscal, isto é, passou a qualificar e registrar os benefícios fiscais (renúncia de receita) como despesas públicas, o que eleva o grau de transpa-rência da política fiscal realizada com os recursos públicos.

360. Há violação a este dispositivo da LRF caso a Constituição confira competência tributária a determinado ente político e o mesmo não institua e arrecade o tributo? Examine o artigo 153, VII, da CR88! Importante men-cionar, entretanto, que a Constituição, conforme será examinado no momento oportuno, não cria o tributo, apenas confere competência tributária ao ente federado, razão pela qual a norma constitucional tem como destinatário primário o Poder legislativo do ente político!

361. O §1º do artigo 14 estabelece o conceito de renúncia de receita para os efeitos da LRF nos seguintes termos: “A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, altera-ção de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discri-minada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”.

362. SURREY, Stanley. Tax Expen-ditures. Cambridge: Harvard Univer-sity Press, 1985.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 180

363 O artigo 12 da Lei Complementar 101/2000 estabelece que: “As previsões de receita observarão as normas técni-cas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se refe-rirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas”.

11.1 a cronoloGia das etaPas da receita Pública orçamentária

O Manual de Receita Nacional subdivide a gestão da receita orçamentária em 3 etapas: (1) o planejamento; (2) a execução e (3) o controle e avaliação.

O planejamento engloba a previsão da arrecadação da receita orçamentá-ria constante da Lei Orçamentária Anual — LOA, o que varia de acordo com a espécie e o tipo de receita. A estimativa é resultante de metodologias esta-tísticas e econômicas de projeção usualmente adotadas, considerando, em geral, as séries históricas de arrecadação, as possíveis mudanças da legislação tributária e o provável cenário econômico futuro (inflação projetada, taxa de câmbio, crescimento do produto interno bruto esperado etc.) observadas, ainda, as limitações e condições normativas fixadas pela Lei de Responsabili-dade Fiscal — LRF363, o que será examinado no tópico seguinte. Conforme já salientado na Aula 3, a projeção das receitas é essencial para a determinação das despesas, pois é com base na arrecadação estimada que as despesas são fixadas na Lei Orçamentária Anual. Ademais, a estimativa de receita também é fundamental para a execução do orçamento, nos termos já estudados na Aula 3. De fato, pode haver impacto sobre a determinação das necessidades de financiamento do Governo de outras fontes, como a emissão de títulos públicos ou contração de empréstimos etc., de acordo com o desempenho da receita efetivamente arrecadada vis a vis o que fora projetado. No mesmo sentido, a estimativa de receita contraposta ao que for de fato arrecadado impacta diretamente a possibilidade de concessão de créditos suplementares e especiais por excesso de arrecadação, matéria também abordada nas aulas sobre o Orçamento (Aulas 3 e 4).

A execução da receita orçamentária, por sua vez, consoante a Lei nº 4.320/1964 e o Manual de Receita Nacional, compreende três estágios: (1) o lançamento, (2) a arrecadação e (3) o recolhimento.

O lançamento para constituir o crédito tributário, no entanto, se encon-tra disciplinado no Código Tributário Nacional (artigos 142 seguintes da Lei nº 5.172/66), e compreende a realização de todos os atos preparatórios ao pagamento do tributo, tais como a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, a determinação da matéria tributável, o cálculo do montante devido, podendo englobar, também, a necessidade de identificação do sujeito passivo quando o lançamento, em função das características do tributo, for realizado pela própria administração tributária ou, ainda, quando for o caso, a aplicação da penalidade cabível (o denominado lançamento de ofício). Os aspectos gerais desse tema — o lançamento e as diferentes fases do crédito tributário — serão examinados nos próximos semestres (Siste-ma Tributário Nacional e Tributos em Espécie). Por outro lado, a constitui-ção do crédito das outras receitas orçamentárias não tributárias, de natureza contratual e que possuem regime jurídico próprio e tratamento operacional

363. O artigo 12 da Lei Complementar 101/2000 estabelece que: “As previsões de receita observarão as normas técni-cas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se refe-rirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas”.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 181

364 O sujeito passivo da obrigação tri-butária é a pessoa que possui vínculo jurídico com o sujeito ativo da relação (o Estado lato sensu), e pode ser — ou não — a mesma pessoa que arca ou suporta com o encargo financeiro do tributo, matéria que será exami-nada na aula pertinente à capacidade contributiva, momento em que serão apresentados, também, os diferentes substratos econômicos de incidência de tributos, bem como examinado o fenômeno da repercussão, por meio do qual o sujeito passivo da relação jurídica pode- ou não — transferir o ônus do tributo para outra pessoa, que possua — ou não — relação jurídico--tributária com a Fazenda Pública.

365 Dispões o art. 56, verbis: “ O recolhi-mento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio da uni-dade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.”

específico, dependem tanto da espécie como do que consta nos pactos firma-dos pelos particulares com o Poder Público. Assim, por exemplo, a receita auferida pelo Estado em contrato de locação com o particular ou, ainda, as participações e compensações financeiras de tratam o artigo 20, § 1º, da CR-88, em função do resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais, são regidas e disciplinadas nos termos dos atos, contratos e demais princípios de direito privado bem como da Administração, tendo em vista o inafastável interesse público envolvido.

Já a arrecadação, que também abrange as receitas tributárias e não tribu-tárias, sob o ponto de vista das Finanças Públicas do Estado, representa, con-forme disciplina o Manual da Receita Nacional, a “entrega realizada pelos contribuintes ou devedores, aos agentes arrecadadores ou bancos autoriza-dos pelo ente, dos recursos devidos ao Tesouro”. Cumpre destacar, no entan-to, que sob a perspectiva tributária, tecnicamente, o pagamento é uma das formas de extinção do crédito, nos termos do artigo 156, I, do CTN, e deve ser efetivado juridicamente364 pelo sujeito passivo da obrigação tributária, conceito que compreende, de acordo como o parágrafo único do artigo 121 do CTN, tanto o contribuinte como o responsável, matéria a ser examinada ao longo do curso.

O recolhimento, por sua vez, definido pelo Manual como o terceiro está-gio da execução da receita, é “a transferência dos valores arrecadados à conta específica do Tesouro, responsável pela administração e controle da arrecada-ção e programação financeira, observando-se o Princípio da Unidade de Cai-xa, representado pelo controle centralizado dos recursos arrecadados em cada ente”. A unidade de tesouraria, isto é, o recolhimento de todas as receitas públicas de forma centralizada está prevista no artigo 56 da Lei n° 4.320/64365 e é usualmente denominado de Caixa Único.

Por fim, a última etapa da gestão da receita orçamentária é o controle e avaliação, a qual, segundo o Manual de Receita Nacional:

“compreende a fiscalização realizada pela própria administração, pe-los órgãos de controle e pela sociedade. O controle do desempenho da arrecadação deve ser realizado em consonância com a previsão da receita, destacando as providências adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à sonegação, as ações de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as demais medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições.”

O Manual apresenta esquema didático sobre as diversas etapas da receita nos seguintes termos:

364. O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa que possui vínculo jurídico com o sujeito ativo da relação (o Estado lato sensu), e pode ser - ou não - a mesma pessoa que arca ou suporta com o encargo financeiro do tributo, matéria que será exami-nada na aula pertinente à capacidade contributiva, momento em que serão apresentados, também, os diferentes substratos econômicos de incidência de tributos, bem como examinado o fenômeno da repercussão, por meio do qual o sujeito passivo da relação jurídi-ca pode- ou não - transferir o ônus do tributo para outra pessoa, que possua - ou não - relação jurídico-tributária com a Fazenda Pública.

365. Dispões o art. 56, verbis: “ O recolhimento de todas as receitas far--se-á em estrita observância ao prin-cípio da unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.”

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 182

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 183

366 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Ma-lheiros, 2004. p. 827.

367 GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. p. 20-23.

368 DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS 2.O.

AulA 12 — o tribunAl de contAs e o controle dA execução orçAmentáriA.

estudo de caso (mandado de seGurança nº 24.312-1/dF — stF)

Irresignado com o ato praticado pelo Tribunal de Contas da União Federal (TCU), o qual havia determinado ser de sua competência a fiscalização da aplicação dos recursos recebidos a título de royalties e participações especiais decorrentes da extração de petróleo e gás natural pelos Estados e Municí-pios, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) impetrou Mandado de Segurança para afastar a aplicabilidade da norma federal e evitar a usurpação do que alega ser de sua competência. Considerando o disposto no artigo 20, § 1º e artigo 71, VI, da CRFB-88, você como juiz concederia a segurança? Justifique (Mandado de Segurança nº 24.312-1/DF, Tribunal Pleno do STF).

os controles

A Administração Pública, compreendida em sua dúplice face, direta e in-direta, está sujeita ao controle interno e externo. O interno, “é o controle exercido por órgãos da própria Administração, isto é, integrantes do aparelho do Poder Executivo”, preleciona Celso Antonio Bandeira de Mello.366 Na realidade, o controle interno é inerente à gestão da coisa pública, sendo, por-tanto, poder-dever de todos os órgãos da Administração Publica, sejam do Executivo, Legislativo ou do Judiciário, no tocante à sua própria estrutura funcional e operacional.

O controle externo, a seu turno, é realizado por órgãos exógenos, ou seja, aqueles que atuam fora da esfera controlada.

A expressão controle encontra sua origem remota no latim fiscal medieval, como ensina Eduardo Lobo Botelho Gualazzi367, e “indica o exemplar do catálogo (dos contribuintes, dos censos, dos foros anuais) com base em que se verifica a operação do exator”. O dicionário Houaiss368 da língua portu-guesa, por exemplo, discrimina uma série de significados para o termo con-trole, o qual pode representar: “monitoração; fiscalização ou exame minucio-so de normas, fatos, ou situações; dispositivo ou mecanismo interno destinado a comandar; painel; domínio da própria vontade; função que esta-belece o curso de operações e sistemas, etc.”

De fato, a denominação controle tem significado multívoco, ou seja, evo-ca mais de um sentido semântico. No Direito Administrativo, o termo con-

366. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antô-nio. curso de Direito admi-nistrativo. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2004. p. 827.

367. GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribu-nais de contas. São Paulo: Edito-ra Revista dos Tribunais, 1992. p. 20-23.

368. DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOU-AISS 2.O.

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369 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Ad-ministrativo Brasileiro. 26ª ed. Atua-lizada por Eurico de Andrade Azevedo, Destro Balestero Aleixo e José Emma-nuel Burle Filho. São Paulo: Editora Malheiros, 2001. p. 624.

370 A expressão “mundo da vida” empre-gada no texto, com inspiração em Jür-gen Habermas, tem o sentido de “fatos reais da vida”. Ver HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: Estudos Filosóficos. 2. ed. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2002. p. 88- 100.

371 Hely Lopes Meirelles menciona como manifestação do controle social, que ele denomina de “controle externo po-pular”, a disposição prevista no art. 31, § 3o, da CR/88, segundo a qual poderão os contribuintes examinar as contas do município em que são domiciliados, no período de 60 dias, podendo questionar a legalidade e a legitimidade das mes-mas. In: MEIRELLES. Op. Cit. p. 626.

372 Cabe destacar, ainda, a contribuição do indivíduo no processo de elaboração e de discussão das leis orçamentárias, tendo por fundamento o princípio da transparência, consagrado no art. 48, par. único, da Lei Complementar 101/2000 ( LRF ).

373 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil. Juris-dição e Competência. 2ª ed. Belo Hori-zonte: Editora Fórum, 2005. p. 50-52. Aponta o autor que o sistema social se subdivide em interno e externo. “o interno, constituído pelo conjunto de ações adotadas pela sociedade para mentalizar nos indivíduos as normas, os valores e os objetivos da ordem social, é enfatizado pela comunidade durante a fase da socialização primá-ria (...). (...), no externo, os meios ( sanções, punições e ações reativas) são empregados contra os indivíduos, cujo comportamento não guarda uni-formidade com as norma dos sistema dominante”.

374 LOCKE, John. Segundo Tratado So-bre o Governo Civil e Outros Escritos. Tradução Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ªed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. p. 156 et seq. Para Locke, os homens necessitavam de leis para disciplinar suas condutas e de juizes im-parciais para dirimir possíveis conflitos.

trole adquire um conceito jurídico, conforme propõe o administrativista clás-sico Hely Lopes Meirelles:369 “controle, em tema de Administração Pública, é a faculdade de vigilância, orientação e correção de um Poder, órgão ou auto-ridade exerce sobre a conduta funcional de outro”.

O controle dos atos da Administração Pública pode se dar em quatro âm-bitos: político-legislativo, administrativo, jurisdicional e social.

Na presente aula buscar-se-á delinear os aspectos que norteiam o controle político-legislativo, sem descuidar, obviamente, de mencionar, ainda que de forma sucinta, a relevância dos controles administrativo, judicial e social.

Com relação ao controle social, cabe, de pronto, ressaltar que a Constitui-ção de 1988 e alguns diplomas normativos infraconstitucionais consagram instrumentos que viabilizam a participação da sociedade no desenvolvimento do processo democrático de gestão da coisa pública: é a concretização no “mundo da vida”370 dos fundamentos da forma republicana de governo (art. 2º do ADCT) e da democracia participativa.371

Nesse sentido, observa-se que os cidadãos e as associações também podem provocar o controle do Poder Público quando se depararem com situações caracterizadoras de abuso de autoridade, por força do art. 5º, inciso XXXIV, da Carta Magna, e da Lei 4.898/65, que disciplina o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nas hipóteses de abuso de autoridade. O indivíduo ainda pode fazer uso da ação popular com vistas a tutelar qualquer ato lesivo ao patrimônio e a moralidade pública, com base no art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição, e na Lei 4.717/65, bem como denunciar irregularidades ao Tribunal de Contas, amparado na norma constitucional insculpida no art. 74, § 2º.372 No tocante ao acesso à Corte de Contas, as associações, igualmente, podem denunciar ilegalidades, assim como ajuizar ação civil pública, com o objetivo de defender, dentre outras causas, o meio ambiente, a ordem econômica e a economia popular, nos ter-mos do art. 1º c/c art. 5º da Lei 7.347/85. Cumpre lembrar também a possi-bilidade de qualquer pessoa, natural ou jurídica, comunicar à autoridade competente fato caracterizador de improbidade, consoante disciplina o art. 14 da Lei 8.429/92.

Na opinião de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes373, o controle social talvez seja o mais importante dos sistemas, uma vez que permite a participação de todo o corpo social na manutenção e reconstrução contínua do Estado, aliás, nada mais natural se entendermos, assim como John Locke374, que a razão precípua da existência deste Ente é a de estruturar e proteger a esfera dos di-reitos humanos fundamentais.

Objetivando alcançar esses objetivos, foi editada a Lei Complementar nº 131/2009, a qual alterou diversos dispositivos da Lei Complementar nº 101/2000 e incluiu, entre outros, o art. 73-A, para dispor expressamente que “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legíti-

369. MEIRELLES, Hely Lopes. Direi-to administrativo brasilei-ro. 26ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Destro Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Editora Malheiros, 2001. p. 624.

370. A expressão “mundo da vida” empregada no texto, com inspiração em Jürgen Habermas, tem o sentido de “fatos reais da vida”. Ver HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Me-tafísico: Estudos Filosóficos. 2. ed. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2002. p. 88- 100.

371. Hely Lopes Meirelles menciona como manifestação do controle social, que ele denomina de “controle externo popular”, a disposição prevista no art. 31, § 3o, da CR/88, segundo a qual poderão os contribuintes examinar as contas do município em que são domiciliados, no período de 60 dias, podendo questionar a legalidade e a le-gitimidade das mesmas. In: MEIRELLES. Op. Cit. p. 626.

372. Cabe destacar, ainda, a contri-buição do indivíduo no processo de elaboração e de discussão das leis or-çamentárias, tendo por fundamento o princípio da transparência, consagrado no art. 48, par. único, da Lei Comple-mentar 101/2000 ( LRF ).

373. FERNANDES, Jorge Ulisses Jaco-by. Tribunais de contas do brasil. Jurisdição e Competência. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005. p. 50-52. Aponta o autor que o sistema social se subdivide em interno e externo. “o interno, constituído pelo conjunto de ações adotadas pela so-ciedade para mentalizar nos indivíduos as normas, os valores e os objetivos da ordem social, é enfatizado pela comu-nidade durante a fase da socialização primária (...). (...), no externo, os meios ( sanções, punições e ações reativas) são empregados contra os indivíduos, cujo comportamento não guarda uni-formidade com as norma dos sistema dominante”.

374. LOCKE, John. segundo Tra-tado sobre o Governo civil e Outros Escritos. Tradução Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ªed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. p. 156 et seq. Para Locke, os homens necessitavam de leis para disciplinar suas condutas e de juizes imparciais para dirimir possíveis conflitos.

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375 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. rev. e ampl. atual. Rio de Ja-neiro: Editora Lúmen Júris, 2007. p. 807-961.

376 MONTESQUIEU. De l´Esprit des lois, I. Éditions. Gallimard, 1995. p. 328-329.

377 Cabe realçar a doutrina de Vitor Rolf Laubé, para quem o “poder” é uno e inerente ao Estado, ou seja, o que existe na realidade é uma distribuição de fun-ções de acordo com a competência de cada órgão. In: LAUBÉ,Vitor Rolf. Consi-derações acerca da conformação consti-tucional do Tribunal de Contas. Revista de Informação Legislativa. Brasília. 29, 113, jan./mar. 1992, p. 308-309.

ma para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão competen-te do Ministério Público o descumprimento das prescrições estabelecidas” na LRF. A mesma lei complementar também incluiu incisos ao parágrafo único do artigo 48 e acrescentou o artigo 48-A, com o fulcro de reforçar a concretização do ideal de transparência fiscal, entre outras formas, por meio da liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público. Foi conferido, para tanto, o prazo de um ano para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de 100.000 (cem mil) habitantes disponibilizassem por meio da internet acesso a informações referentes às despesa e receitas pú-blicas. Nesse sentido, deve a população ser cientificada de todos os atos pra-ticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no mo-mento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço pres-tado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado. Por outro, lado, no que se refere às receitas públicas, também deve ser dada ampla divulgação ao lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários. Para garantir o cumprimento dessa determinação a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro — SEFAZ-RJ, por exem-plo, consolidou em um site as informações exigidas, tornando-a acessível no endereço http://www.fazenda.rj.gov.br/portal/instituicao/tesouro.portal.

i. controle Político lato sensu

Segundo o administrativista José dos Santos Carvalho Filho375, o controle político tem como ratio subjacente a harmonia entre os “Poderes estruturais da República”, consubstanciando o princípio de freios e contrapesos (checks and balances), aplicado nos Estados Unidos e ínsito a visão de Montesquieu376, que já no século XVIII defendia a tese da existência de mecanismos hábeis a controlar as ações de um Poder sobre o outro, a fim de se evitar qualquer intervenção abusiva.

O poder político no Brasil é exercido, conforme a normativa constitucional de 1988, pelos três poderes377 do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário).

Desta forma, à guisa de exemplo, constata-se o controle do Poder Executi-vo sobre o Poder Legislativo, quando aquele exerce seu poder de veto sobre os projetos de lei oriundos deste, nos termos do art. 66, § 1o, da CR/88. Quanto ao Poder Judiciário, é possível visualizar a ingerência do Poder Executivo nas nomeações dos integrantes dos Tribunais Superiores, como ocorre com a no-meação dos Ministros do STF.

375. CARVALHO FILHO, José dos San-tos. Manual de Direito ad-ministrativo. 17ª ed. rev. e ampl. atual. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007. p. 807-961.

376. MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I. Éditions. Gallimard, 1995. p. 328-329.

377. Cabe realçar a doutrina de Vitor Rolf Laubé, para quem o “poder” é uno e inerente ao Estado, ou seja, o que existe na realidade é uma distribuição de funções de acordo com a competên-cia de cada órgão. In: LAUBÉ,Vitor Rolf. Considerações acerca da conformação constitucional do Tribunal de Contas. Revista de informação le-gislativa. Brasília. 29, 113, jan./mar. 1992, p. 308-309.

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378 CARVALHO FILHO. Op. Cit. p. 807.

379 Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 600-608.

380 O STF esposa o entendimento segun-do o qual a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios de ilegalidade, consoante se constata nas súmulas 346 e 473.

381 O Controle Interno é amplamente realizado por cada servidor público e, em especial, pelo sistema de auditoria.

O Poder Legislativo, a seu turno, controla o Poder Executivo quando, por exemplo, com base no art. 167, V e VI, da CR/88, exerce a competência de autorizar a abertura de créditos suplementares ou especiais, bem como o remanejamento de recursos de um determinado segmento para outro, con-trolando as finanças e o orçamento do Poder Judiciário, com fulcro no art. 70 da Carta de 1988.

Por fim, o Poder Judiciário exerce o controle político sobre os outros po-deres, por meio do controle da legalidade, legitimidade e constitucionalidade dos seus atos.

Ressalte-se que, como muito bem pontua José dos Santos Carvalho Fi-lho378, as hipóteses de exercício do Poder de Controle, por parte dos três po-deres mencionados, tem como principal objetivo “a preservação e o equilí-brio das instituições democráticas”.

ii. controle administrativo

O controle administrativo, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro379, consubstancia “o poder de fiscalização e correção que a Administração Públi-ca (em sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação”, e bipar-te-se em interno e externo.

O interno, conforme já mencionado alhures, diz respeito ao controle exerci-do pela Administração sobre os seus próprios órgãos, tendo como corolário o poder de autotutela.380 Nesse sentido, a Constituição prevê diversos instrumen-tos à verificação da legalidade e legitimidade dos atos praticados pela Adminis-tração, inclusive, mas não exclusivamente381, por meio dos órgãos de consultoria e assessoramento jurídico internos, como é o caso, por exemplo, da Advocacia-Geral da União (art. 131 da CR-88), das Procuradorias das Casas Legislativas estaduais etc. No que se refere especificamente ao controle interno da matéria financeira, orçamentária e patrimonial, o artigo 74 da Constituição prevê:

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I — avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II — comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à efi-cácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III — exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

378. CARVALHO FILHO. Op. Cit. p. 807.

379. Direito administrativo. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 600-608.

380. O STF esposa o entendimento segundo o qual a Administração pode anular seus próprios atos quando eiva-dos de vícios de ilegalidade, consoante se constata nas súmulas 346 e 473.

381. O Controle Interno é amplamente realizado por cada servidor público e, em especial, pelo sistema de auditoria.

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IV — apoiar o controle externo no exercício de sua missão institu-cional.

§ 1º — Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conheci-mento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.”

Exemplo de controle interno híbrido ou atípico, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, é exercido pelo Conselho Nacional de Justiça. O CNJ, apesar de ser órgão do Poder Judiciário, a teor do artigo 92 da CR-88, com a sua redação conferida pela citada emenda, possui alguns integrantes não vinculados do Poder Judiciário, como é o caso dos dois representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e dos dois cidadãos, de notável saber jurí-dico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal, sem mencionar os membros do Ministério Público da União e dos Estados (artigo 103-B, XI, XII e XIII). A Constituição, no §4º do mesmo artigo 103-B, confere ao CNJ as seguintes atribuições:

Art. 103-B (...)............................................................................................§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e

financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcio-nais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I — zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II — zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou me-diante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituílos, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III — receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competên-cia disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV — representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

FINANÇAS PúBLICAS

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382 Vide nota de rodapé inicial da aula 9.

383 No âmbito federal esse tipo de controle é denominado de supervisão ministerial, por força do Decreto-Lei 200/67.

384 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p.556-561.

V — rever, de ofício ou mediante provocação, os processos discipli-nares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI — elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII — elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supre-mo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

A mesma Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou §2º ao artigo 130-A, o qual estabeleceu, entre outras, competência ao Conselho Nacional do Ministério Público para realizar “o controle da atuação administrativa e financeira” do Ministério Público.

Por sua vez, o controle exercido sobre a denominada Administração Indi-reta, a qual compreende entidades dotadas de personalidade jurídica própria, distinta do ente político382 a que se vincula, é externo, também denominado de tutela ou de supervisão ministerial.383 Saliente-se, no entanto, que, mal-grado ser comumente denominado de externo, esse controle se dá no âmbito do próprio Poder Executivo (Controle Administrativo externo), razão pela qual não deve ser confundido com o controle externo exercido pelo Poder Legislativo (Controle Legislativo ou Parlamentar), com o auxílio do Tribunal de Contas, conforme será explicitado adiante.

O controle administrativo pode ser, ainda, qualificado como preventivo ou repressivo, nesse sentido ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto:384

“o controle administrativo preventivo é o exercitado antes de o ato ser praticado, ou mesmo durante sua prática, para que sejam evitados defeitos de legalidade ou de mérito. (...), por exemplo, em procedimen-tos preparatórios, como os licitatórios (...). O controle administrativo repressivo é o que se emprega para reconduzir a ação administrativa à legalidade e à legitimidade (...).”

Vale, ainda, destacar alguns instrumentos idôneos para realização do controle administrativo, tais como: o direito de petição (art. 5º, XXXIV, a, CR/88); reclamação referente à prestação de serviços públicos (art. 37, § 3º, I, da CR/88); e os recursos administrativos (art. 5º, LV, da CR/88).

É importante frisar que a relação de cooperação sistêmica entre o controle interno da Administração e o controle externo exercido pelo Poder Legislati-vo, com o auxílio do Tribunal de Contas, é essencial para a eficiência da apli-

382. Vide nota de rodapé inicial da aula 9.

383. No âmbito federal esse tipo de controle é denominado de supervisão ministerial, por força do Decreto-Lei 200/67.

384. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. curso de Direito ad-ministrativo. 12ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p.556-561.

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385 GHISI 1999 apud FERNANDES, 2005. Op. Cit. p.53.

386 RIBEIRO, Renato Jorge Brown. Con-trole externo da Administração Pú-blica federal no Brasil: o Tribunal de Contas da União – uma análise jurídi-co-administrativa. Rio de Janeiro: Edi-tora América Jurídica, 2002, p.95-100.

387 MOREIRA NETO. Op. Cit. p.562. O autor adota tal terminologia e aponta como a principal característica deste controle a legitimidade, uma vez que decorre do poder de fiscalização dos representantes eleitos pelo povo.

388 GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrati-va. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2006. p.138-140. Prelecionam os autores que, enquanto o controle político “visa à fiscalização de atos relacionados à função admi-nistrativa e à própria organização dos Poderes Executivo e Judiciário, o con-trole financeiro, a seu turno, “é exercido pelo Legislativo sobre todos os Poderes, inclusive sobre os atos que praticar, com o necessário auxílio do Tribunal de Contas, importando na realização do controle externo da administração pública”. Conforme se depreende do art. 70 da CR/88, o controle financeiro, em sentido lato, abrange “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, ope-racional e patrimonial”das entidades da Administração Direta e Indireta.

cação dos recursos públicos e da realização das atividades afetas ao interesse público realizadas pelo Estado.

Do referido sistema de ajuda mútua poderiam exsurgir aspectos positivos, conforme pontua Adhemar Paladini Ghisi:385

1) redução do escopo de trabalhos do controle externo, como decor-rência da verificação de efetividade dos exames levados a termo pelo controle interno;

2) fornecimento, por parte do controle interno, de informações vitais para o melhor conhecimento dos setores a serem auditados. Por esse motivo, uma das funções do controle externo é aferir o grau de confiabilidade dos trabalhos realizados pelo controle interno;

3) eliminação da duplicidade de esforços, na medida do possível.

Parece, no entanto, que, na realidade concreta, o ideal de cooperação entre os sistemas de controle, traçado pelo mencionado autor, ainda requer um longo caminho de conscientização por parte das próprias instituições públi-cas. Nesse sentido, Renato Jorge Brown Ribeiro386, ao analisar estudo realiza-do pelo próprio Tribunal de Contas, aponta que, dentre as opiniões colhidas no âmbito do controle interno, está a constatação de que não há efetiva “tro-ca substancial de informações, nem um trabalho efetivamente sistêmico entre o Controle Interno e Externo”.

iii. controle legislativo ou Parlamentar:387

O controle legislativo divide-se em político e financeiro388, sendo exercido diretamente pelo Poder Legislativo ou com o auxílio do Tribunal de Contas: trata-se de um controle externo à estrutura do órgão fiscalizado.

A Carta de 1988 aumentou significativamente o rol de atribuições do Poder Legislativo no que concerne ao controle dos atos do Poder Público, aqui englo-badas a Administração Direta (entes da federação) e a Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, etc), nos termos do art. 49, inciso X. Também incumbe ao Parlamento (Câmara e Senado conjuntamente) o julgamento das contas do Presidente da República, ex vi do art. 49, inciso IX, e a fiscalização financeira e orçamentária da União, com o auxílio do Tribunal de Contas, consoante o disposto nos arts. 70 e 71, todos do mencionado diploma constitucional. O artigo 70 dispõe verbis:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacio-nal e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação

385. GHISI 1999 apud FERNANDES, 2005. Op. Cit. p.53.

386. RIBEIRO, Renato Jorge Brown. controle externo da admi-nistração Pública federal no brasil: o Tribunal de Contas da União — uma análise jurídico--administrativa. Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2002, p.95-100.

387. MOREIRA NETO. Op. Cit. p.562. O autor adota tal terminologia e aponta como a principal característica deste controle a legitimidade, uma vez que decorre do poder de fiscalização dos representantes eleitos pelo povo.

388. GARCIA, Emerson e ALVES, Ro-gério Pacheco. improbidade administrativa. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2006. p.138-140. Prelecionam os autores que, enquanto o controle político “visa à fiscalização de atos relacionados à função administrativa e à própria organização dos Poderes Executivo e Judiciário, o controle fi-nanceiro, a seu turno, “é exercido pelo Legislativo sobre todos os Poderes, inclusive sobre os atos que praticar, com o necessário auxílio do Tribunal de Contas, importando na realização do controle externo da administração pública”. Conforme se depreende do art. 70 da CR/88, o controle financeiro, em sentido lato, abrange “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, ope-racional e patrimonial”das entidades da Administração Direta e Indireta.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 190

389 MEDAUAR, Odete. Direito Adminis-trativo Moderno. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-nais, 2004, p. 459-464.

390 Ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho que: “tradicionalmente o Legis-lativo é o poder financeiro. De fato, às câmaras, ditas legislativas, por tradição ou data do medievo, compete autorizar a cobrança de tributos, consentir nos gastos públicos, tomar contas dos que usam do patrimônio geral. Na verdade, o poder financeiro das câmaras é his-toricamente anterior ao exercício, por elas, da função legislativa”. In: FERREI-RA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed., 1980, p. 138, apud MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas. Revista de Informação Le-gislativa. Brasília, a.27, 108, out./dez. 1990, p. 101.

391 MARTINS 1995 apud FERNANDES, 2005. Op. Cit. p. 100-101.

das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo e pelo sistema de controle inter-no de cada Poder.

Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98:Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pú-

blica ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (grifo nosso)

Nesse contexto, Odete Medauar389 professa que esse tipo de controle sobre a Administração Pública encontra eco em todos os regimes de governo no ocidente, malgrado “se registra descrença genérica quanto à eficácia e mesmo operacionalização da fiscalização parlamentar”, ou seja, a despeito de se des-tacar a importância da atividade controladora do Poder Legislativo, a mesma ainda não encontrou seu grau ideal de efetividade.

Como é cediço, cada um dos Poderes do Estado exerce uma função precí-pua, e no caso do Poder Legislativo390 é a de legislar. Porém, o espectro de sua atuação é bem mais amplo, uma vez que, por força de imperativos constitu-cionais, o referido Poder também exerce o controle externo sobre os Poderes Executivo e Judiciário, o que se apresenta como uma decorrência natural do regime democrático representativo. Nesse sentido merecem relevo as palavras de José Roberto de Paiva Martins:391

A missão primitiva dos Parlamentos que, como se sabe, teve início no que hoje chamamos Inglaterra, não foi legislar. Na Inglaterra, os Parlamentorum eram porta-vozes das reclamações dos cidadãos junto ao Soberano. Levavam-lhe as aspirações do povo sobre as necessida-des públicas e, em especial, sobre os excessos de imposição tributária. Como levavam tais pleitos sob a forma de projetos, que eram sanciona-dos (ou não) pelo Soberano, a prática foi adquirindo foros de atividade específica, dando origem à atividade parlamentar tal qual, mutatis mu-tandis, a conhecemos hoje (...).

Interessante observar, consoante à contribuição do mencionado estudioso, que o controle social já era, na fase primária do parlamento, o elemento pro-pulsor do controle parlamentar.

No Brasil, o controle parlamentar vem, cuidadosamente, esmiuçado na Constituição, e, no tocante à fiscalização orçamentária e financeira, pode-se destacar a sua competência, por meio de comissão mista permanente de senadores e deputados, para emitir pareceres acerca de programas nacionais, regionais e setoriais, além de fiscalizar e acompanhar o cumprimento do or-çamento, ex vi do art. 166, § 1o, da CR/88.

389. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo Moderno. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 459-464.

390. Ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho que: “tradicionalmente o Legis-lativo é o poder financeiro. De fato, às câmaras, ditas legislativas, por tradição ou data do medievo, compete autorizar a cobrança de tributos, consentir nos gastos públicos, tomar contas dos que usam do patrimônio geral. Na verdade, o poder financeiro das câmaras é his-toricamente anterior ao exercício, por elas, da função legislativa”. In: FERREI-RA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed., 1980, p. 138, apud MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas. Revista de informa-ção legislativa. Brasília, a.27, 108, out./dez. 1990, p. 101.

391. MARTINS 1995 apud FERNANDES, 2005. Op. Cit. p. 100-101.

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FGV DIREITO RIO 191

392 Apenas à guisa de ilustração cabe destacar: a Lei 9.452/97, que disciplina a possibilidade de as Câmaras Munici-pais representarem ao TCU quando não forem notificadas da liberação de re-cursos federais; a Lei 11.494/07, a qual regula o FUNDEB, outorga às Cortes de Contas o poder-dever de fiscalizar a aplicação das verbas e o cumprimento da norma inserta no art. 212 da CR/88; a Lei 8.666/93, que trata de licitações e contratos, prevê o direito de represen-tação ao Tribunal de Contas, na hipó-tese de existência de irregularidades nos procedimentos nela previstos; a Lei 8.730/93 permite a análise da evolução patrimonial por parte das Cortes de Contas; a Lei Complementar 101/00, denominada lei de responsabilidade fiscal, atribui ao Tribunal de Contas a tarefa de fiscalizar a eficiência da ges-tão fiscal.

393 FERNANDES. Op. Cit. p. 140-153.

394 Nesse sentido, ver MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-nais, 1993, p. 140-142, e STJ. RO em MS nº 12.580, relator Min. José Arnaldo da Fonseca. Brasília, 15.02.2001. Diário de Justiça, DF, 02.04.2001, seção 1.

395 TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O Controle das Aposentadorias pelos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p. 46.

396 MEIRELLES. Op. Cit. p. 662-663.

iii. 1. tribunal de contas: poder-dever de fiscalizar, controlar e julgar as contas públicas.

A Carta de 1988 incumbe ao Tribunal de Contas a função de auxiliar o Poder Legislativo, para tanto consagra um rol de atribuições inerentes ao seu papel no quadro social e político do Estado. Também disciplinam a compe-tência das Cortes de Contas, as Constituições estaduais e a normativa infra-constitucional.392

Cumpre, de pronto, destacar que a natureza jurídica das atribuições da Corte de Contas bem como a sua posição institucional são questões contro-vertidas. Pode-se dizer que há, basicamente, duas correntes.

De um lado há aqueles, como os clássicos Pontes de Miranda e Rui Bar-bosa, que sustentam ser a Corte de Contas um Tribunal sui generis e indepen-dente393, ou seja, não vinculado a qualquer um dos Poderes.394 Na contempo-raneidade, tem-se, por exemplo, Roberto Rosas e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes que também defendem a independência dos Tribunais de Contas, cujas funções adotam ora natureza administrativa, ora de jurisdição (anôma-la), neste último caso quando, em decorrência de imperativo constitucional, consubstanciado no art. 71, inciso II, devem julgar as contas dos administra-dores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.

Em linha de pensamento um pouco diversa, a outra corrente, encabeçada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro395 e Hely Lopes Meirelles396, afirma que as Cortes de Contas não exercem atividade jurisdicional; conforme pontua o mencionado administrativista, as atividades dos Tribunais de Contas brasilei-ros compreendem “funções técnicas opinativas, verificadoras, assessoradoras e jurisdicionais administrativas”.

Consoante se verifica das posições doutrinárias acima referidas, a matéria é controvertida, o que é compreensível, uma vez que no Brasil cabe ao Poder Judiciário exercer a função jurisdicional precipuamente, porém, deve-se res-saltar que não o faz de forma exclusiva, na medida em que a própria Cons-tituição prevê exceções ao exercício da jurisdição pelo mencionado poder, conforme se extrai, por exemplo: 1. do art.52, incisos I e II, nos quais está prevista a competência do Senado Federal para julgar, por crime de respon-sabilidade, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional Ministério Público; e 2. do art. 84, inciso XII, que prevê a concessão de indulto e a comutação de pena pelo Chefe do Poder Executivo Federal.

Cabe, ainda, realçar que a análise da natureza jurídica da jurisdição é ques-tão complexa sobre a qual não se debruçará nesta aula, visto que o tempo e o objeto estão delimitados; porém, não é demais traçar algumas linhas para me-lhor compreensão do que será estudado adiante. Nesse sentido, reconhece-se que a determinação de quais atividades devem ser consideradas como exercício

392. Apenas à guisa de ilustração cabe destacar: a Lei 9.452/97, que disciplina a possibilidade de as Câmaras Munici-pais representarem ao TCU quando não forem notificadas da liberação de re-cursos federais; a Lei 11.494/07, a qual regula o FUNDEB, outorga às Cortes de Contas o poder-dever de fiscalizar a aplicação das verbas e o cumprimento da norma inserta no art. 212 da CR/88; a Lei 8.666/93, que trata de licitações e contratos, prevê o direito de represen-tação ao Tribunal de Contas, na hipó-tese de existência de irregularidades nos procedimentos nela previstos; a Lei 8.730/93 permite a análise da evolução patrimonial por parte das Cortes de Contas; a Lei Complementar 101/00, denominada lei de responsabilidade fiscal, atribui ao Tribunal de Contas a tarefa de fiscalizar a eficiência da ges-tão fiscal.

393. FERNANDES. Op. Cit. p. 140-153.

394. Nesse sentido, ver MEDAUAR, Odete. controle da admi-nistração Pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 140-142, e STJ. RO em Ms nº 12.580, relator Min. José Arnaldo da Fonseca. Brasília, 15.02.2001. Diário de Justiça, DF, 02.04.2001, seção 1.

395. TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O controle das apo-sentadorias pelos Tribu-nais de contas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p. 46.

396. MEIRELLES. Op. Cit. p. 662-663.

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397 Nesse ponto cabe ver: BERMUDES, Sérgio. Introdução ao Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002; CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, e FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Questões Importantes de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Editora DP & A. 1999.

398 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19ª ed. rev. e atual. Por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 466.

399 FERNANDES. Op. Cit. p. 148.

400 Cf. Súmula 347 do STF: “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. Isso não significa dizer que o Tribunal de Contas pode declarar a inconsti-tucionalidade de lei, o que ele pode é deixar de aplicar determinado diploma normativo que esteja em desarmonia com a Constituição. Vale ressaltar que, no tocante às finanças públicas, o con-trole por parte do Tribunal de Contas é um poder-dever que ultrapassa o as-pecto meramente jurídico, enfeixando, igualmente, o aspecto social, vez que inerente a tal controle é a defesa dos direitos humanos fundamentais e do próprio processo democrático.

401 TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O Controle das Aposentadorias pelos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p. 23.

402 GARCIA. Op. Cit. 141-152.

403 Importante frisar que as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas com imputação de multas ou débitos terão eficácia de título executivo ex-trajudicial, nos termos do art. 71, § 3o, da CR/88. Tais multas e débitos serão inscritos na Dívida Pública do respec-tivo ente.

404 A LC 101/00, em seu art. 59, § 1o, estabelece a competência para os Tribunais de Contas alertarem os ad-ministradores públicos sobre possíveis descumprimentos das normas nela previstas. Segundo entendimento de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, “a omissão da Corte de Contas (nesse sentido) permitirá a aferição prática do ato de improbidade previsto no art. 11, II, da Lei 8.429/92 (...), o que exigirá sejam perquiridos os motivos de tal omissão à luz da estrutura organi-zacional do órgão”. In: GARCIA. Op. Cit. p. 148.

da jurisdição depende, particularmente, do conceito que se adota para tal ex-pressão.397 A propósito, De Plácido e Silva398, por exemplo, ao enfrentar o sig-nificado semântico da palavra jurisdição, a definiu como “o poder de julgar que, decorrente do imperium, pertence ao Estado. E este, por delegação, o con-fere às autoridades judiciais (magistrados) e às autoridades administrativas”.

Assim como o magistrado, ao proferir uma decisão num dado proces-so, está aplicando o Direito, também o fazem, por exemplo, os senadores quando julgam o Presidente da República, nos crimes de responsabilidade, o Tribunal de Contas quando julga as contas dos administradores de dinheiro e bens públicos, por força do art. 71, inciso II, da CR/88, e o Presidente da República quando concede indulto.

De fato, não se pode refutar que existe diferença no conteúdo da atividade jurisdicional nos exemplos acima mencionados. Tal atividade desempenhada pelo Poder Legislativo tem escopo de ordem política, decorrência natural do processo democrático representativo e, quando exercida pelo Tribunal de Contas, assume feições de ordem técnica e social, na medida em que, ao exa-minar e julgar as contas dos administradores do patrimônio público, visa a Corte de Contas a analisar se foram respeitados os princípios da legalidade, da legitimidade e da economicidade. Já a jurisdição exercida pelo Poder Judi-ciário, ao enfrentar as questões trazidas pelos jurisdicionados, vincula-se ao princípio da legalidade.399 Frise-se, entretanto, que uma característica elas têm em comum, que é a tutela dos direitos e garantias fundamentais.400

Oportuno pontuar que, a partir da Constituição de 1988, cabe aos Tribu-nais de Contas, ao fiscalizar os gastos públicos, aferir, além da legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos da Administração, conforme deixa claro o texto do art. 70 da Carta Maior. Nessa toada, esclarece Flávio Germa-no de Sena Teixeira:401 “o poder constituinte de 1988 quis sintonizar o Tribu-nal de Contas no Brasil com a tendência do controle externo no mundo, que não é meramente o controle dos atos da Administração, mas da totalidade da gestão administrativa”.

Nessa linha de idéias, Emerson Garcia402 aponta que a atuação do Tribunal de Contas abrange basicamente: 1. a função consultiva, quando profere pa-recer prévio das contas do Chefe do Poder Executivo; 2. a atividade julgado-ra, realizada a partir da análise das contas dos administradores de bens e va-lores públicos; 3. a competência sancionatória, isto é, aptidão para aplicar multas e obrigar os responsáveis por danos ao erário a indenizar na justa medida do prejuízo causado, consoante consagra o art. 71, inciso VIII, da CR/88403; 4. a função fiscalizadora prévia sobre o procedimento licitatório, sendo-lhe admissível analisar editais e até sustar licitações em que haja algu-ma irregularidade, ex vi do art. 71, inciso X, da CR/88; e, ainda, 5. exercer o controle prévio, ao acompanhar o cumprimento das leis orçamentárias, bem como a eficiência da gestão fiscal, conforme exige a LC 101/00.404

397. Nesse ponto cabe ver: BERMUDES, Sérgio. introdução ao Proces-so civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002; CÂMARA, Alexandre Freitas. lições de Direito Pro-cessual civil. Vol. I. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, e FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Questões importantes de Processo civil. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Edi-tora DP & A. 1999.

398. SILVA, De Plácido e. Vocabu-lário Jurídico. 19ª ed. rev. e atual. Por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 466.

399. FERNANDES. Op. Cit. p. 148.

400. Cf. Súmula 347 do STF: “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribui-ções, pode apreciar a constitucionalida-de das leis e dos atos do Poder Público”. Isso não significa dizer que o Tribunal de Contas pode declarar a inconsti-tucionalidade de lei, o que ele pode é deixar de aplicar determinado diploma normativo que esteja em desarmonia com a Constituição. Vale ressaltar que, no tocante às finanças públicas, o con-trole por parte do Tribunal de Contas é um poder-dever que ultrapassa o as-pecto meramente jurídico, enfeixando, igualmente, o aspecto social, vez que inerente a tal controle é a defesa dos direitos humanos fundamentais e do próprio processo democrático.

401. TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O controle das apo-sentadorias pelos Tribu-nais de contas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p. 23.

402. GARCIA. Op. Cit. 141-152.

403. Importante frisar que as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas com imputação de multas ou débitos terão eficácia de título executivo ex-trajudicial, nos termos do art. 71, § 3o, da CR/88. Tais multas e débitos serão inscritos na Dívida Pública do respec-tivo ente.

404. A LC 101/00, em seu art. 59, § 1o, estabelece a competência para os Tribunais de Contas alertarem os ad-ministradores públicos sobre possíveis descumprimentos das normas nela previstas. Segundo entendimento de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, “a omissão da Corte de Contas (nesse sentido) permitirá a aferição prática do ato de improbidade previsto no art. 11, II, da Lei 8.429/92 (...), o que exigirá sejam perquiridos os motivos de tal omissão à luz da estrutura organi-zacional do órgão”. In: GARCIA. Op. Cit. p. 148.

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405 GARCIA. Op. Cit. p. 147-148.

406 Nesse sentido, cabe, por exemplo, a fiscalização da Caixa Econômica Federal pelo Tribunal de Contas, vez que a refe-rida instituição é gestora do FGTS, como muito bem lembrou Emerson Garcia. In: GARCIA. Op. Cit. p. 143.

407 COSTA JúNIOR, Eduardo Carone. As Funções Jurisdicional e Opinativa do Tribunal de Contas – Distinção e Relevância para a Compreensão da Natureza Jurídica do Parecer Prévio Sobre as Contas Anuais dos Prefeitos. Disponível em <www.tce.mg.gov.br/revista >. Acesso em 26.05.2008. p. 1-25.

408 Cumpre ressaltar que, nos termos do art. 71, § 3o, da CR/88, “as decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”.

Conforme já dito anteriormente, o Tribunal de Contas, no seu ofício fis-calizador, deve analisar a conduta do gestor da res publica a partir da perqui-rição dos princípios da legalidade, legitimidade e economicidade.

O princípio da legalidade, como é cediço, é a base fundamental dos atos da Administração Pública, devendo ser o vetor da fiscalização das contas pú-blicas, além de servir de base para o exame dos atos de execução orçamentá-ria. O princípio da legitimidade, por sua vez, encontra sua ratio essendi no “equilíbrio e na harmonia entre os valores sociais, éticos e morais do grupa-mento, ensejando o surgimento de princípios e padrões de conduta de natu-reza consensual, o que permite divisar uma área de nítida superposição entre a moralidade e a legitimidade dos atos dos agentes públicos”, sustenta Emer-son Garcia.405

Por fim, tem-se o princípio da economicidade, corolário do princípio da eficiência, proclamado no art. 37, da Carta de 1988, do qual se extrai a pre-missa de que a gestão da coisa pública deve buscar sempre otimizar os re-cursos de tal forma a atingir o máximo de feitos positivos para a sociedade, destinatária das atividades estatais.

Conforme expressa o art. 71 da CR/88, dentre as atividades do Tribunal Contas estão a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Direta e Indireta. Cumpre indagar, no âmbito da Administração Indireta, até que ponto pode a Corte de Contas fiscalizar as empresas públicas e as sociedades de economia mista? Sobre esta questão, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal que, em sede de Mandado de Segurança n° 23.627, da relatoria do Ministro Ilmar Galvão, definiu que a fiscalização seria possível se jungida aos bens e valores por elas geridos406; o que é vedado é a fiscalização da atividade de caráter privado realizada pelas referidas entidades.

Feitas essas considerações, cabe agora enfrentar o controvertido tema tra-tado no art. 71, inciso II, que prevê a competência de Cortes de Contas, nos seguintes termos:

“Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por di-nheiros, bens e valores públicos da Administração Direta e Indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extra-vio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.” (grifo nosso)

Conforme ensina o especialista em controle externo Eduardo Carone Costa Júnior407, a competência das Cortes de Contas para julgar408 as contas dos administradores de bens públicos passou a ter base constitucional com a Carta de 1934, se mantendo nas Constituições que lhe sucederam até chegar

405. GARCIA. Op. Cit. p. 147-148.

406. Nesse sentido, cabe, por exemplo, a fiscalização da Caixa Econômica Fede-ral pelo Tribunal de Contas, vez que a referida instituição é gestora do FGTS, como muito bem lembrou Emerson Garcia. In: GARCIA. Op. Cit. p. 143.

407. COSTA JúNIOR, Eduardo Carone. as Funções Jurisdicional e Opinativa do Tribunal de contas — Distinção e Relevância para a compre-ensão da natureza Jurídica do Parecer Prévio sobre as contas anuais dos Pre-feitos. Disponível em <www.tce.mg.gov.br/revista >. Acesso em 26.05.2008. p. 1-25.

408. Cumpre ressaltar que, nos termos do art. 71, § 3o, da CR/88, “as decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”.

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409 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. e HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. 3ª ed. rev. e ampl. São Pau-lo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 111-112.

410 COSTA JúNIOR. Op. Cit. p. 10

ao Diploma Constitucional de 1988, que aumentou significativamente o es-copo de atuação desses Tribunais.

iii. 1.1. adequada exegese do termo “julgar” utilizado no inciso ii do art. 70 da cr/88

Como quase tudo em Direito é objeto de controvérsia no plano da herme-nêutica, a expressão “julgar” empregada pelo Constituinte de 1988 também é motivo de dissonância entre os estudiosos.

Autores como Régis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath409, exempli gratia, não aceitam a função jurisdicional como inerente à atividade de julgar as contas dos administradores de bens públicos pelo Tribunal de Contas e, para embasar sua posição, utilizam como argumentos:

“1.o Tribunal de Contas não compõe o Judiciário;2. de acordo como o inciso XXXV do art. 5o da CF, “a lei não exclui-

rá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, além do que não haverá “juízo ou tribunal de exceção” (inciso XXXVII). Significa que o legislador constituinte de 1988 manteve o monopólio da atividade jurisdicional em mãos do Poder Judiciário.

3. ao falar o inc. II do art. 71 em julgar as contas, “significa que as aprecia com o significado de avaliá-las, entendê-las, reputá-las bem ou mal, jamais no sentido de sentenciar, de decidir a respeito delas”. (re-ferência textual de Oswaldo Bandeira de Mello).” (grifo dos autores).

E concluem os doutrinadores: “(...) afirma-se, categoricamente, que o Tribunal de Contas tem função apenas administrativa.”

Nesse sentido, aponta Eduardo Carone Costa Júnior410 que:

“O pretenso monopólio da atividade jurisdicional nas mãos do Po-der Judiciário, conforme o art. 5o, XXXV, da Constituição da Repú-blica de 1988 é a base do raciocínio daqueles que negam às Cortes de Contas o poder de dizer o direito em caráter definitivo. Afirmam que o Brasil aderiu ao sistema inglês de jurisdição única, ao contrário do existente em França, onde há jurisdições especializadas.”

Na linha de entendimento do mencionado estudioso, a norma inserta no art, 5o, inciso XXXV, a qual dispõe, in verbis, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, não afirma a exclu-sividade daquele Poder para o exercício da atividade jurisdicional, podendo a própria Constituição prever hipóteses em que tal função é exercida por outro órgão público, e o fez em várias situações como referido alhures: o Legislativo

409. OLIVEIRA, Régis Fernandes de. e HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 111-112.

410. COSTA JúNIOR. Op. Cit. p. 10

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411 FERNANDES. Op. Cit. p.89.

412 COSTA JúNIOR. Op. Cit. p. 20.

413 Idem. Ibidem. Cf. o autor quando o Tribunal de Contas “imputa débito ao gestor ou lhe aplica multa, com base no art. 71, II e VIII, da Carta Política de 1988, ele está proferindo uma decisão de caráter eminentemente condenató-rio que terá eficácia de título executivo”, ex vi do art. 71, § 3o, da CR/88.

quando julga o Presidente e o Vice-presidente da República por crimes de responsabilidade, o Executivo quando concede indulto, e o Tribunal de Con-tas quando julga as contas dos gestores de valores e bens públicos.

Em sentido contrário à visão de parte da doutrina que não reconhece o caráter de jurisdição à função da Corte de Contas de julgar, consoante o in-ciso II do art. 71 da CR/88, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes411 assevera que “as decisões dos Tribunais de Contas, quando adotadas em decorrência da maté-ria que o Constituinte estabeleceu na competência de julgar, não podem ser revistas quanto ao mérito”, uma vez que se isso fosse admissível estar-se-ía tornando inócua não somente a norma constitucional que atribui competên-cia à Corte Contas para julgar as contas dos administradores de dinheiro e bens públicos, como também a própria atividade desenvolvida pelos servido-res daquele órgão.

Nessa toada, afirma Eduardo Carone Costa Júnior:412

“A revisibilidade judicial das decisões dos Tribunais de Contas so-mente se dará quando estiverem elas contaminadas pelo abuso de po-der, em qualquer de suas espécies, excesso de poder ou manifesta ilega-lidade. A inafastável garantia do devido processo legal ou a decisão contiver manifesta ilegalidade.”413

Conforme se constata, há bons argumentos em ambos os sentidos, não havendo, entretanto, pronunciamento definitivo por parte do Supremo Tri-bunal Federal quanto à matéria.

411. FERNANDES. Op. Cit. p.89.

412. COSTA JúNIOR. Op. Cit. p. 20.

413. Idem. Ibidem. Cf. o autor quando o Tribunal de Contas “imputa débito ao gestor ou lhe aplica multa, com base no art. 71, II e VIII, da Carta Política de 1988, ele está proferindo uma decisão de caráter eminentemente condenató-rio que terá eficácia de título executivo”, ex vi do art. 71, § 3o, da CR/88.

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Anexo — reFerênciAs bibliográFicAs e exercícios

aula 1 — Pré-comPreensão do tema. as necessidades Públicas e a atividade Financeira do estado. breve histórico dos tribu-tos e das Finanças Públicas em Face da evolução social.

questionário:

Conceitue a atividade financeira do Estado, determinando e diferencian-do, ainda, o escopo e o objeto de estudo do Direito Financeiro e do Direito Tributário.

exercício:

No dia 31.12.2007 “X” possuía situação patrimonial nos seguintes termos: (1) R$ 100.000,00 (cem mil reais em caixa); (2) R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em contas a receber de seus clientes — todas com vencimento no ano de 2009; (3) R$ 300.000 (trezentos mil reais contabilizados como ativo permanente imobilizado para a realização de sua atividade); (4) R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) de dívidas com fornecedores. Durante o exercício de 2008, até 31.12.2008, “X” auferiu receitas totais no montante de R$ 700.000,00 (quinhentos mil reais) em dinheiro e realizou pagamentos no montante de R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) entre custos e despesas para realização da sua atividade bem como no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para quitação de parte de sua dívida com fornecedores. Desconsi-derando a existência de impostos e outros encargos, e tendo em vista a exis-tência no final do período dos mesmos R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em contas a receber de seus clientes e o mesmo ativo permanente, apresente a situação patrimonial líquida de “X” em 31.12.2007 e em 31.12.2008. Se não tivesse havido o pagamento no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para quitação de parte de sua dívida com fornecedores haveria alteração na situação patrimonial líquida em 31.12.2008?

referência bibliográfica da aula

ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. 2nd ed. United States: Madison Books, 2001.

FINANÇAS PúBLICAS

FGV DIREITO RIO 197

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005

BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

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FINANÇAS PúBLICAS

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VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCIA, Manuel E. Fundamen-tos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

aula 2 — atividade Financeira do estado na Federação.

questões de concurso

1) A competência para a edição de normas gerais de Direito Financei-ro é:

a) dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em face da inexistência de lei federal correspondente;

b) da União, dos Estados e dos Municípios concorrentemente.c) da União, sem prejuízo da competência suplementar dos Estados.d) da União, cuja legislação não suspende, porém, as normas estaduais

contrárias.e) atribuída excepcionalmente ao Distrito Federal e aos Municípios, de

forma suplementar(AGU — Advogado da União — 1994. gabarito: “c”: §§ 1º e 2º e inciso

I do do art. 24)

questionário

1) Como você qualifica a relação entre o orçamento e a despesa pública (a) no Brasil e (b) nos Estados Unidos? Qual é a relevância do tema?

2) Qual a diferença entre o Princípio da Anualidade Orçamentária e Tri-butária? A renovação da autorização parlamentar para o exercício da compe-tência tributária pelo Poder Executivo deveria ser anual?

3) Em sua opinião quais seriam os reflexos mais relevantes — positivos e negativos — sobre as finanças públicas se o Brasil fosse um Estado unitário ao invés de uma Federação?

4) As disparidades nas realidades econômicas entre as diferentes regiões do país são determinantes para as acentuadas desigualdades de oportunidade e de padrão de renda entre os cidadãos do mesmo país? Qual o papel do Poder Público diante dessa situação?

referência bibliográfica da aula

BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribeiro. Fundos Constitucionais como Instrumentos de Redução das Desigualdades Regionais na Federação In:

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FGV DIREITO RIO 200

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VERSINI, Laurent. Introduction. In: MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I. Folio Essais. Edition Gallimard, 1995.

aula 3 — o estado Financeiro, a rePública e o Federalismo Fiscal. a distribuição de Funções entre os Poderes.

referência bibliográfica da aula

CYSNE, Rubens Penha. O predomínio da agenda fiscal. Conjuntura Eco-nômica. Dez 2007. Vol. 61. nº 12. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

DANTAS, SAN TIAGO. Direito Civil. Parte Geral. Clássicos da Literatura Jurídica. 4ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979.

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414 Texto na íntegra disponível em: <http://jota.info/materias71-distor-coes-marcam-aprovacao-de-auxilio--moradia-para-justica-e-ministerio--publico>

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VERSINI, Laurent. Introduction. In: MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I. Folio Essais. Edition Gallimard, 1995.

aula 4 — o PlaneJamento e as leis orçamentárias (PPa, ldo e loa)

notícia i

Distorções marcam aprovação de auxílio-moradia para Justiça e Mi-nistério Público414

Publicado 8 de Outubro, 2014 — JOTA INFO

Um novo episódio marca a luta corporativa entre Judiciário e Ministério Público — de um lado — e governo federal — de outro. O Conselho Nacio-nal do Ministério Público (CNMP) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovaram ontem, como antecipou o JOTA, resoluções garantindo a todos os juízes (16.429), promotores e procuradores (12.262) o valor de R$ 4.377,73 de auxílio-moradia. Um impacto aproximado para as contas públicas de R$ 1,5 bilhão por ano.

As resoluções se baseiam em liminar concedida no dia 15 de setembro pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (Ação Originária 1.773), que considerou legal o pagamento do auxílio a todos os juízes que não dis-ponham de imóveis funcionais na cidade em que atuam ou em que vivam.

414. Texto na íntegra disponível em: <http://jota.info/materias71-distor-coes-marcam-aprovacao-de-auxilio--moradia-para-justica-e-ministerio--publico>

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415 Texto na íntegra disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noti-cia/2014/10/agu-vai-questionar-no--stf-legalidade-de-resolucoes-sobre--auxilio-moradia.html>

Decisão liminar que é questionada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em processos relatados pela ministra Rosa Weber.

Desde que o governo cortou o orçamento do Judiciário, barrando o au-mento salarial para juízes e de integrantes do MP, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da Re-pública, Rodrigo Janot têm combinado uma resposta. O Ministério Público questionou no STF o corte do orçamento. E CNJ e CNMP, presididos por Lewandowski e Janot, aprovaram no mesmo dia o pagamento do auxílio--moradia.

O governo considera que o auxílio foi uma forma disfarçada de aumento salarial. Dá verossimilhança a esta crítica a decisão discutida a portas fecha-das ontem no CNJ de não escalonar o valor a ser pago a juízes de diferentes instâncias, por exemplo. Todos os magistrados e todos os integrantes do MP receberão os R$ 4.377,73, mesmo que morem em cidades cujo valor médio do aluguel seja mais baixo. (...)

notícia ii

AGU vai questionar no STF legalidade de resoluções sobre auxílio--moradia415

Publicado 13 de Outubro, 2014 — G1

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou nesta segun-da-feira (13) ao G1 que pretende protocolar no Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade (ADI) para tentar derrubar as duas resoluções que regulamentaram o pagamento de auxílio-moradia para todos os juízes e procuradores do país.(...)

Para o AGU, a concessão do auxílio-moradia para todos os magistrados e procuradores é “ilegal”, porque o benefício possui natureza “indenizatória”, devendo ser pago apenas a servidores que estão temporariamente a serviço em determinado estado e que, normalmente, acabam gastando com aluguel enquanto mantêm residência própria em outra localidade. Segundo o ad-vogado-geral, o benefício, da forma como foi aprovado, significa aumento salarial aos magistrados e procuradores.(...)

OrçamentoDe acordo com o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil

(Ajufe), César Bochenek, os tribunais vão realocar recursos do orçamento de 2014 e 2015 para garantir o pagamento do auxílio. (...)

“Cada tribunal vai realocar recursos internamente para garantir o auxílio--moradia. É hipocrisia falar que vai gerar muitos gastos. Temos como retirar

415. Texto na íntegra disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noti-cia/2014/10/agu-vai-questionar-no--stf-legalidade-de-resolucoes-sobre--auxilio-moradia.html>

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416 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=276625>

do próprio montante previsto para gasto com pessoal, como passagens áreas e diárias, para pagar o benefício”, disse Bochenek. No entanto, o advogado--geral da União teme que o Congresso Nacional decida reservar recursos especificamente para pagar o auxílio-moradia, retirando dinheiro de outros ógãos ou ministérios. (...)

notícia iii

União questiona decisão que determinou pagamento de auxílio-mora-dia a juízes federais416

Publicado 02 de outubro, 2014 — Notícias STF

A União impetrou Mandado de Segurança (MS 33245) no Supremo Tri-bunal Federal contra liminar deferida pelo ministro Luiz Fux na Ação Or-dinária (AO) 1773, na qual determinou o pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes federais. Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), a decisão monocrática afrontou o acórdão do STF na Ação de Declaração de Constitucionalidade (ADC) 4, ao conceder antecipação de tutela contra a Fazenda Pública para incluir em folha de pagamento valores pecuniários até então não pagos aos juízes.

Para a AGU, a decisão “é flagrantemente ilegal” e “já está ocasionando dano irreparável para a União”, porque “o montante de despesa mensal, não prevista no orçamento, atinge cifras milionárias e de difícil ressarcimento”. Com base em estudo do Ministério do Planejamento, a petição inicial do MS afirma que, “projetando a decisão de 15 de setembro para até o final do ano, o impacto orçamentário é da ordem de R$ 101,2 milhões”, tendo em vista que atinge cerca de 6.773 magistrados.

A União argumenta que não há previsão legal que regulamente a vanta-gem. “Ainda que o pagamento seja justo, seria necessário que tal vantagem fosse deferida por intermédio de ato normativo, de competência do Poder Legislativo”, sustenta. “O sistema de freios e contrapesos não legitima que o Poder Judiciário, mormente em processo subjetivo como o sub judice, faça as vezes do Poder Legislativo e, a pretexto de julgar a demanda, acabe por impor nova hipótese normativa, ao arrepio da Constituição Federal”.

Invocando a plausibilidade jurídica do pedido e o periculum in mora in-verso, devido à dificuldade de recuperação para o erário dos valores que ve-nham a ser pagos antes do julgamento do mérito da ação, a União pede, liminarmente, a suspensão da decisão questionada ou, subsidiariamente, que seus efeitos se restrinjam aos oito juízes que originariamente apresentaram o

416. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=276625>

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pedido. No mérito, pede a sua cassação definitiva, a fim de que se aguarde a decisão final, por órgão colegiado, da AO 1773.

A relatora do MS 33245 é a ministra Rosa Weber.

questionário

1) Qual a relação entre o planejamento para a realização das Políticas Pú-blicas e os orçamentos?

2) O que é o Ciclo Orçamentário e quais são as suas fases?3) O que deve ocorrer se durante a execução orçamentária se o Poder Exe-

cutivo verificar que as receitas efetivamente arrecadadas não serão suficientes para cobrir as despesas programadas?

questões de concurso

1) Dentre as proposições abaixo algumas são verdadeiras e outras são falsas:

I — A Constituição Federal prevê três planejamentos orçamentários: I — o plano plurianual; II — as diretrizes orçamentárias; e III— o orçamento anual.

II— O plano plurianual deve ser estabelecido em lei complementar. Cons-titui mera orientação que deve ser respeitada pelo Executivo na execução dos orçamentos anuais e pelo Legislativo, na feitura das leis orçamentárias.

III— A lei de diretrizes orçamentárias tem natureza formal. Não cria direi-tos subjetivos para terceiros nem tem eficácia fora da relação entre os Poderes do Estado.

IV— A lei orçamentária compreenderá o orçamento de investimento e o custeio das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.

Das proposições acima:a) ( ) Há duas assertivas verdadeiras.b) ( ) Apenas uma assertiva é verdadeira.c) ( ) Há três assertivas verdadeiras.d) ( ) Todas as assertivas são verdadeiras.(PGR — Procurador da República — 2006.)

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2) A lei orçamentária anual, de acordo com previsão constitucional, deverá conter:

a) o plano plurianualb) as diretrizes orçamentáriasc) o orçamento fiscal, de investimento e da seguridade social relativos à

União, órgãos e entidades da área.d) o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e orçamentos fiscal, de

inves timento e da seguridade social da União e das entidades afins.e) o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais(PGFN — Procurador da Fazenda Nacional — 1998.)

3)Com base na Constituição Federal de 1988, o princípio orçamentá-rio que consiste na não-inserção de matéria estranha à previsão da receita é o:

a) princípio da não-efetação das receitas.b) princípio da discriminação.c) princípio da clareza.d) princípio da exclusividade.e) princípio da unidade.(MPU — Ministério Público da União —técnico em orçamento — 2004.)

referência bibliográfica da aula

CYSNE, Rubens Penha. O Orçamento Público: o caso norte-americano. Conjuntura Econômica. Janeiro 2008. Vol. 62. nº 01. Fundação Ge-túlio Vargas.

DALLARI, Adilson Abreu. Lei Orçamentária: processo legislativo. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado, n 129.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo. Malheiros, 2000.

DE OLIVEIRA, Regis Fernandes e HORVATH, Estevão. Manual de Direi-to Financeiro. 3ª ed. revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais, 1999.

FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando. Política Orça-mentária no Presidencialismo de coalizão. Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2008.

HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo. Atlas, 2005

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002. Forense. Rio de Janeiro, 2002.

PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 4ª ed. revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Impetus, 2004.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro. Renovar, 2008.

aula 6 — os créditos orçamentários e adicionais

questionário

1) O que são os créditos orçamentários?2) Qual a diferença entre créditos orçamentários (iniciais) e adicionais?3) Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quais são as

limitações para a abertura de créditos extraordinários por meio de Medida Provisória?

questões de concurso

1) Quando, no decorrer da execução orçamentária, uma dotação se revela insuficiente, o Poder Executivo lança mão da abertura de:

a) Créditos especiais ou suplementares, por meio de decreto-lei.b) Crédito especial, após aprovação legal.c) Crédito extraordinário, por lei.d) Créditos suplementar, após autorização legislativa.e) Crédito extraordinário, por decreto.(AGU — Advogado da União — 1994.)

referência bibliográfica da aula

AGUIAR, Afonso Gomes. Direito Financeiro. Lei 4.230. Comentada ao Alcance de todos. 3a edição. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2005.

MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Co-mentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002.

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aula 7 — a desPesa Pública, a execução do orçamento e a res-Ponsabilidade Fiscal.

Além da classificação quanto à sua natureza em face do orçamento e sua categorização sob o ponto de vista econômico, conforme já apresentado, a despesa também é usualmente classificada nos seguintes termos:

(1) A classificação da despesa orçamentária segundo a estrutura de pro-grama, ação (projeto, atividade ou operação especial) e subtítulo (localizador do gasto), tem como objetivo identificar a finalidade do gasto, definindo em que e onde serão alocados os recursos, bem como viabilizar o gerenciamento interministerial de programas. As partes “programa” e “ação” desta classificação foram introduzidas pela Portaria nº 42/99 do então Ministério de Estado do Orçamen-to e Gestão. A parte “subtítulo” não está prevista na norma geral, mas sim nas subseqüentes leis de diretrizes orçamentárias. Esta clas-sificação é composta por doze dígitos: 1º ao 4º (programa); 5º ao 8º (ação); 9º ao 12º (subtítulo). Importante destacar o que o Manual de Despesas Nacional dispõe sobre essa classificação: “4.3 ESTRUTURA PROGRAMÁTICA — Toda ação do Go-

verno está estruturada em programas orientados para a realização dos objetivos estratégicos definidos no Plano Plurianual — PPA para o período de quatro anos. Conforme estabelecido no artigo 3º da Portaria MOG nº 42/1999, a União, os Estados, o Distri-to Federal e os Municípios estabelecerão, em atos próprios, suas estruturas de programas, códigos e identificação, respeitados os conceitos e determinações nela contidos. Ou seja, todos os entes devem ter seus trabalhos organizados por programas, mas cada um estabelecerá sua estrutura própria de acordo com a referida Portaria. 4.3.1 Programa — Programa é o instrumento de or-ganização da atuação governamental que articula um conjunto de ações que concorrem para a concretização de um objetivo co-mum preestabelecido, mensurado por indicadores instituídos no plano, visando à solução de um problema ou ao atendimento de determinada necessidade ou demanda da sociedade. O progra-ma é o módulo comum integrador entre o plano e o orçamento. O plano termina no programa e o orçamento começa no pro-grama, o que confere a esses instrumentos uma integração desde a origem. O programa, como módulo integrador, e as ações, como instrumentos de realização dos programas. A organização das ações do governo sob a forma de programas visa proporcio-nar maior racionalidade e eficiência na administração pública e

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ampliar a visibilidade dos resultados e benefícios gerados para a sociedade, bem como elevar a transparência na aplicação dos re-cursos públicos. Cada programa deve conter objetivo, indicador que quantifica a situação que o programa tenha como finalidade modificar e os produtos (bens e serviços) necessários para atingir o objetivo. A partir do programa são identificadas as ações sob a forma de atividades, projetos ou operações especiais, especifi-cando os respectivos valores e metas e as unidades orçamentárias responsáveis pela realização da ação. A cada projeto ou atividade só poderá estar associado um produto, que, quantificado por sua unidade de medida, dará origem à meta. (...) 4.3.2 Ação — As ações são operações das quais resultam produtos (bens ou serviços), que contribuem para atender ao objetivo de um programa. Incluem-se também no conceito de ação as transfe-rências obrigatórias ou voluntárias a outros entes da federação e a pessoas físicas e jurídicas, na forma de subsídios, subven-ções, auxílios, contribuições, doações, entre outros, e os finan-ciamentos. As ações, conforme suas características podem ser classificadas como atividades, projetos ou operações especiais. a) Atividade É um instrumento de programação utilizado para al-cançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações que se realizam de modo contínuo e permanente, das quais resulta um produto ou serviço necessário à manutenção da ação de Governo. Exemplo: “Fiscalização e Monitoramento das Operadoras de Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde”. b) Projeto É um instrumento de programação utilizado para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um con-junto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou o aperfeiçoamento da ação de Governo. Exemplo: “Implantação da rede nacional de bancos de leite humano”. c) Operação Especial Despesas que não contribuem para a manutenção, expansão ou aperfeiçoamento das ações de governo, das quais não resulta um produto, e não gera contraprestação direta sob a forma de bens ou serviços.”

(4) A despesa orçamentária, segundo a estrutura de funções e subfun-ções, objetiva indicar as áreas de atuação do governo a que o gasto se vincula, como saúde, educação, transporte, entre outras. Segundo o Manual de Despesas Nacional, essa classificação: “(...) por funções e subfunções, busca responder basicamente à

indagação “em que” área de ação governamental a despesa será realizada. Cada atividade, projeto e operação especial identifica a função e a subfunção às quais se vinculam. A atual classifica-

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ção funcional foi instituída pela Portaria nº 42, de 14 de abril de 1999, do então Ministério do Orçamento e Gestão, e é com-posta de um rol de funções e subfunções prefixadas, que servem como agregador dos gastos públicos por área de ação governa-mental nas três esferas de Governo. Trata-se de uma classifica-ção independente dos programas, e de aplicação comum e obri-gatória, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o que permite a consolidação nacional dos gastos do setor público. Existem dois campos corresponden-tes à classificação funcional, cujo respeito é obrigatório para União, Estados e Municípios, quais sejam: 4.2.1 Função. A classificação funcional é representada por cinco dígitos. Os dois primeiros referem-se à função, que pode ser traduzida como o maior nível de agregação das diversas áreas de atuação do setor público. A função está relacionada com a missão institucional do órgão, por exemplo, cultura, educação, saúde, defesa, que, na União, guarda relação com os respectivos Ministérios. A função “Encargos Especiais” engloba as despesas em relação às quais não se pode associar um bem ou serviço a ser gerado no processo produtivo corrente, tais como: dívidas, ressarcimen-tos, indenizações e outras afins, representando, portanto, uma agregação neutra. Nesse caso, as ações estarão associadas aos programas do tipo “Operações Especiais” que constarão apenas do orçamento, não integrando o PPA. A dotação global deno-minada “Reserva de Contingência”, permitida para a União no art. 91 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, ou em atos das demais esferas de Governo, a ser utilizada como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais e para o atendimento ao disposto no art. 5º, inciso III, da Lei Comple-mentar nº 101, de 2000, sob coordenação do órgão responsável pela sua destinação, será identificada nos orçamentos de todas as esferas de Governo pelo código “99.999.9999.xxxx.xxxx”, no que se refere às classificações por função e subfunção eestru-tura programática, detalhamento. 4.2.2 Subfunção. A subfun-ção, indicada pelos três últimos dígitos da classificação funcio-nal, representa um nível de agregação imediatamente inferior à função e deve evidenciar cada área da atuação governamen-tal, por intermédio da agregação de determinado subconjunto de despesas e identificação da natureza básica das ações que se aglutinam em torno das funções. As subfunções podem ser combinadas com funções diferentes daquelas às quais estão re-lacionadas na Portaria SOF nº 42, de 1999. As ações devem es-

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417 Nos termos do artigo 21, XIII e XIV, da CR-88, compete à União: “organizar e manter o Poder Judiciário, o Minis-tério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios” e “organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distri-to Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio”. Ao Distrito Federal são atribuídas “as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios” (art. 32, §1º, da CR-88), ressalvadas as exceções pre-vistas na própria Constituição, como, por exemplo, aquela contida no artigo 21, XVII, que confere competência le-gislativa privativa para a União legislar sobre a “organização judiciária, do Mi-nistério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes”.

tar sempre conectadas às subfunções que representam sua área específica. Existe também a possibilidade de matricialidade na conexão entre função e subfunção, ou seja, combinar qualquer função com qualquer subfunção, mas não na relação entre ação e subfunção. Deve-se adotar como função aquela que é típica ou principal do órgão. Assim, a programação de um órgão, via de regra, é classificada em uma única função, ao passo que a subfunção é escolhida de acordo com a especificidade de cada ação. A exceção à matricialidade encontra-se na função 28 — Encargos Especiais e suas subfunções típicas que só podem ser utilizadas conjugadas.”

(5) A classificação da despesa quanto aos efeitos sobre o patrimônio líquido do ente público subdivide-as em:(5.1) despesas públicas efetivas: são aquelas que, no momento da

sua realização, ocasionam uma redução do patrimônio do ente. Constituem fatos contábeis modificativos diminutivos. A reali-zação de despesa de pessoal, por exemplo, representa uma des-pesa efetiva no momento da liquidação. Em geral, as despesas efetivas coincidem com as despesas correntes, exceto aquelas com a aquisição de materiais (despesa corrente que representa um fato permutativo) e as transferências de capital (despesa de capital que causa um decréscimo patrimonial); e

(5.2) despesas públicas não efetivas: as quais, no momento da sua realização, não ocasionam uma redução do patrimônio do ente, pois constituem fatos contábeis permutativos. Em geral, as des-pesas não-efetivas coincidem com as despesas de capital, exce-to as transferências de capital que são despesas de capital, mas causam decréscimo patrimonial, e as despesas com a aquisição de materiais, que são exemplos de despesas correntes que repre-sentam permuta no patrimônio e, por isso, classificam-se como despesas não-efetivas.

(6) A despesa pública pode ser também classificada segundo a compe-tência do ente federado que a realiza ou ao qual a entidade está vinculada (federal, estadual, distrital ou muni cipal). As despesas da União seriam aquelas vinculadas às atribuições referidas no artigo 21 da CR-88, as despesas estaduais concernentes às atribuições con-feridas aos Estados-membros, denominada de competência residual pelo §1º do artigo 25 da CR-88 e os dispêndios dos Municípios referidos no artigo 30 da CR-88. Ao Distrito Federal417 competiria, como regra geral, as despesas concernentes às despesas dos Estados e dos Municípios, ressalvadas as restrições previstas na própria

417. Nos termos do artigo 21, XIII e XIV, da CR-88, compete à União: “or-ganizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Públi-ca do Distrito Federal e dos Territórios” e “organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distri-to Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio”. Ao Distrito Federal são atribuídas “as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios” (art. 32, §1º, da CR-88), ressalvadas as exceções pre-vistas na própria Constituição, como, por exemplo, aquela contida no artigo 21, XVII, que confere competência le-gislativa privativa para a União legislar sobre a “organização judiciária, do Mi-nistério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes”.

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418 HARADA, Op. Cit., p.50.

Constituição, como, por exemplo, aquelas contidas no artigo 21, XIII e XIV. Para Kioshi Harada418: tal critério, pelo menos entre nós, é absolutamente falho, por-

que existem não só matérias de competência comum das três esferas políticas (art. 23 da CF), como também aquelas de com-petência concorrente (art. 24 da CF), além do fato, na prática, reinar, com relativa freqüência, superposição de serviços públi-cos, implicando a duplicação ou triplicação desses serviços para o mesmo fim, independentemente da repartição constitucional de competência. Só para citar, a Guarda Metropolitana da ci-dade de São Paulo, inicialmente criada apenas para a proteção de bens, serviços e instalações municipais, nos termos do §8º do art. 144 da CF, hoje atua ostensivamente no campo da segu-rança pública, constitucionalmente atribuído a órgãos federais e estaduais.

(7) A despesa sob o ponto de vista da instituição que a realiza, também denominada de “classificação institucional”, reflete a estrutura orga-nizacional, administrativa e governamental, estando estruturada em dois níveis hierárquicos: órgão orçamentário e unidade orçamentá-ria. Nos termos do art. 14 da Lei nº 4.320/64, constitui unidade orçamentária o agrupamento de serviços subordinados ao mesmo órgão ou repartição a que serão consignadas dotações próprias. As dotações orçamentárias, especificadas por categoria de programação em seu menor nível, são consignadas às unidades orçamentárias, que são as estruturas administrativas responsáveis pelos recursos financeiros (dotações) e pela realização das ações. No caso do Go-verno Federal, o código da classificação institucional compõe-se de cinco dígitos, sendo os dois primeiros reservados à identificação do órgão e os demais à unidade orçamentária, ou seja, 1º 2º 3º 4º 5º Órgão Orçamentário Unidade Orçamentária. Cabe ressaltar que, consoante o Manual de Despesas uma unidade orçamentária não corresponde necessariamente a uma estrutura administrativa, como ocorre, por exemplo, com alguns fundos especiais e com as Uni-dades Orçamentárias “Transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios”, “Encargos Financeiros da União”, “Operações Ofi-ciais de Crédito”, “Refinanciamento da Dívida Pública Mobiliária Federal” e “Reserva de Contingência”.

418. HARADA, Op. Cit., p.50.

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questionário

1) Quais são as diferentes etapas das despesas públicas?2) Considerando o disposto no artigo 2º, IV e §§ § 1º 2º e 3º da LRF

sobre receita corrente líquida, verifique a despesa total máxima, no âmbito da União, a ser destinada para pagamento de pessoal na seguinte hipótese.

Considere para tanto as seguintes informações:a) o total de transferências constitucionais ou legais a Estados e muni-

cípios equivale a 50% das transferências correntes;b) a contribuição de servidores para o custeio de seu sistema de previdência

e assistência social equivale a 50% das receitas de contribuições.

Receitas Correntes Despesas Correntes

Tributárias —-------------------R$ 120 Custeio —--------------------— R$ 160

Contribuições —-------------— R$ 60 Transferências correntes —--R$ 80

Patrimoniais —----------------R$ 20

De serviços —------------------R$ 15

Transferências correntes----— R$ 15

Receitas de Capital Despesas de Capital

Operações de Crédito —-------R$ 60 Investimentos —-------------------— R$ 10

Alienação de Bens —----------R$ 30 Inversões financeiras —-----------— R$ 20

Transferências de Capital —--R$ 10 Transferências de Capital —------— R$ 60

TOTAL —---------------------— R$ 330 TOTAL —---------------------------— R$ 330

questões de concurso

1) Aliomar Baleeiro define a despesa pública como “sendo a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do governo”. A partir desse entendimento a despesa pública po-derá ser liberada:

a) a vista de recibo ou nota fiscal.b) automaticamente, em se tratando de agente público.c) se antecedida de previsão orçamentária.d) mediante empenho, exclusivamente.e) mediante autorização do Tribunal de Contas.(AGU — Advogado da União 2ª Categoria — 1994.)

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2) As despesas destinadas a manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive para obras de conservação, são denominadas:

a) Transferências correntes.b) Despesas de capital.c) Investimentos.d) Inversões Financeiras.e) Despesas de custeio.(AGU — Advogado da União 2ª Categoria — 1994.)

3) O ato de verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, é:

a) Nota de extinção de obrigação.b) Empenho.c) Liquidação.d) Ordem de Pagamento.e) Verificação objetiva.(AGU — Advogado da União — 1994.)

4) Despesa pública, para Aliomar Baleeiro, é “a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público compe-tente dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do governo”. Na despesa pública será proibida a:

a) realização de despesas que excedam os créditos orçamentários ou adi-cionais

b) realização de programas não incluídos na leic) inclusão de operações de créditos que excedam o montante das despesasd) utilização de créditos ilimitadose) utilização de recursos da seguridade social(Concurso para Procurador da Fazenda Nacional de 1998.)

3— Existem várias causas que justificam o aumento real das Despesas Públicas. Aponte a opção não pertinente.

a) O desenvolvimento de novas necessidades sociais.b) O progresso técnico.c) Alteração do papel do Estado.d) A influência das guerras.e) A redução dos poderes dos governos.(MPU — analista de orçamento de 2004)

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referência bibliográfica da aula

ANGÉLICO, João. Contabilidade Pública. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 1994.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. São

Paulo: Atlas, 2003.FERRAZ, Tércio Sampaio. Apresentação. In: BOBBIO, Norberto. Teoria

do Ordenamento Jurídico. 10ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.

GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

GRAU, Roberto Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

LEONARDO, Marcelo. Crimes de responsabilidade fiscal: crimes contra as finanças públicas; crimes nas licitações; crimes de responsabilidade dos prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Co-mentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003.

MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2ª ed. São Pau-lo: Revista dos Tribunais, rev., atual e ampl, 2003.

NASCIMENTO, Leonardo do e CHERMAN, Bernardo. Contabilidade Pública. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2007.

PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 4ª ed. revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Impetus, 2004.

REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006.SILVA, Lino Martins da.Contabilidade governamental: um enfoque ad-

ministrativo. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro

e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro. Renovar, 2008.

aula 8 — o Financiamento dos Gastos, as oPerações de crédi-to e a dívida Pública em Face do equilíbrio Fiscal.

questionário

1) De acordo com o sistema financeiro orçamentário brasileiro, é possível a existência de algum órgão público que, em razão da sua natureza, não se submeta à Lei de Responsabilidade Fiscal? Responda e indique a base legal.

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2) Qual é a natureza jurídica dos empréstimos compulsórios, isto é, aquela dívida contraída pelo poder público de forma cogente, sem que o particular voluntariamente disponibilize os recursos financeiros?

questões de concurso

1— A dívida pública contraída a longo prazo ou até sem prazo con-ceitua-se como:

a) empréstimo compulsório;b) dívida flutuante;c) dívida fundada;d) operação de crédito por antecipação;(PGR— 19º Concurso para provimento do cargo de procurador da repú-

blica — Procuradoria Geral da República — 2002 —)

2— Considerando-se dívida pública aquela de natureza interna ou externa, con traída pelo Estado, mediante emissão de títulos (Luiz Souza Gomes, “Dicio nário Econômico e Financeiro”), as operações externas de natureza financeira dependem:

a) de prévia autorização do Senado Federal;b) de autorização do Senado Federal as de interesse dos Estados e Municípios;c) apenas, da iniciativa do Executivo;d) de referendo do Congresso Nacional;e) do Executivo e do Senado Federal, as referentes à União.(AGU— Advogado da União de 2ª Categoria — 1998 —)

referência bibliográfica da aula

AFONSO, José Roberto e BARROSO, Rafael. Uma Reforma Esquecida. In:Boletim de Desenvolvimento Fiscal. 5. IPEA. Junho, 2007.

BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

CONTI, José Maurício Conti. Comentários aos artigos 32 a 39. In: MAR-TINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. Co-mentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

DERZI, Misabel de Abreu Machado. Comentários aos arts. 40 a 47. In: In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

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GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

MELLO, Gustavo Miguez de. O Tributo: Finalidades Econômica, Jurídica, Política e Administrativa. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tri-buto. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007.

NASCIMENTO, Leonardo do. E CHERMAN, Bernardo. Contabilidade Pública. Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2007.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de e HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

SILVA, Lino Martins da.Contabilidade Governamental. Um Enfoque Ad-ministrativo. 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004.

Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. V. O Orçamen-to na Constituição. 3ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2008.

aula 9 — as transFerências constitucionais e a Partilha de receita tributária no Federalismo Fiscal brasileiro

questionário

1) A autonomia dos entes federados de que trata a Constituição da Re-pública Federativa do Brasil de 1988 pressupõe que os recursos disponíveis para cada ente político tenham como origem exclusiva receitas de tributos arrecadados no exercício de suas respectivas competências tributárias? Ex-plique, apontando os dispositivos constitucionais que conferem autonomia política aos entes federados e aqueles garantidores da autonomia financeira dos mesmos.

2) De acordo com o artigo 3º do Código Tributário Nacional, tributo é toda prestação pecu niária compulsória instituída em lei e cobrada mediante atividade administra tiva vinculada e nos termos do artigo 167, IV, da CR-88, é vedada a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despe-sa. Assim, seria correto afirmar que os impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados são de competência da União, mas parte de sua arrecadação compõe os fundos de participação dos estados, do DF e dos municípios?

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questões de concurso

1. Assinale o tributo cuja receita não se submete a repartição de natu-reza constitucional:

a) Imposto sobre Operação de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários, incidente em caráter exclusivo, sobre ouro definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial.

b) Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros.c) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.d) Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre

Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal.(OAB-SP — 120 ª —)

2. Segundo a Constituição brasileira de 1988, constitui receita parti-lhada entre os Municípios e a União o produto

(A) do imposto de importação, na forma da lei.(B) do imposto sobre a renda arrecadado no respectivo território municipal.(C) da arrecadação do IPVA, relativo à propriedade dos veículos automo-

tores licenciados no respectivo território municipal.(D) da arrecadação do imposto sobre a propriedade territorial rural,

relativamen te aos imóveis situados no respectivo município.(E) do imposto sobre produtos industrializados, na forma estabelecida em lei.(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região—)

3. Com relação às normas de repartição das receitas tributárias, assi-nale a opção incorreta.

a) No sistema tributário brasileiro, a repartição das receitas tributárias abrange os impostos e a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação e comercialização de petróleo e seus deri-vados, gás natural e seis derivados e álcool combustível (CIDE combustível).

b) Ao Distrito Federal pertence a metade do produto do imposto de renda incidente na fonte sobre os rendimentos pagos, a qualquer título, por ele, por suas fundações públicas e autarquias.

c) Se determinado município optar por fiscalizar e cobrar o imposto so-bre a propriedade territorial rural (ITR), de competência da União, este não poderá implicar redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal, e a integralidade do produto de sua arrecadação caberá ao município.

d) A Constituição Federal determina que metade dos recursos do fundo para os programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que forem destinados à região Nordeste será asse-gurado ao semi-árido nordestino.

(OAB-ES — 2006.1 —)

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419 Resumo de autoria da aluna Louise Portes Dias (2010-1)

4. Os elementos inseridos no conceito de sistema tributário nacional incluem a distribuição da receita entre os diversos entes da Federação. Acerca dessa dis tribuição, julgue os itens seguintes.

I) Se o governo federal, no uso de sua competência tributária residual, instituir novo imposto, terá de destinar aos estados e municípios 20% da arrecadação que dele advier.

II) Além dos 47% do IPI destinados aos fundos de participação e aos programas de financiamento do setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mais 10% desse imposto é distribuído entre os estados, que, por sua vez, repassam um quarto do recebido a seus municípios.

III) As transferências constitucionais aos estados limitam-se às receitas arrecadadas de impostos.

(Juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, 2004)

referência bibliográfica da aula

BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribeiro. Fundos Constitucionais como Instrumentos de Redução das Desigualdades Regionais na Federação In: CONTI, José Maurício (Organizador). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004.

CONTI, José Mauricio. Federalismo fiscal e fundos de participação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.

DI PIETRO, Juliano. Repartição de Receitas Tributárias: A repartição do produto da arrecadação. As Transferências Intergovernamentais. In: CONTI, José Maurício (Organizador). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004.

GRECCO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “suigeneris”). São Paulo: Ed Dialética, 2000.

HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 17ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

aula 10 — a receita Pública no âmbito da teoria Geral dos inGressos Públicos.

resumo419:

Primeiramente esta aula aborda conceitos como Ingresso, Entrada e Re-ceita e as diversas abordagens da doutrina em relação à classificação dos in-gressos provisórios como Receita Pública — pelo fato de ao mesmo tempo

419. Resumo de autoria da aluna Loui-se Portes Dias (2010-1)

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que surge como ativo surge um correspondente passivo — e a visão legal (discordante da maioria da doutrina). Ainda se faz uma análise desse tema por três perspectivas: a financeira, a patrimonial e a orçamentária, conceitos já anteriormente estudados.

Já em relação às entradas definitivas, sempre entendidas como receitas Pú-blicas, são apresentadas diversas classificações a partir de distintos critérios. Por exemplo: (i) acerca da entidade que fica com a Receita, esta pode ser privada ou pública; (ii) em relação à sua regularidade pode ser extraordiná-ria ou ordinária; (iii) segundo a origem do patrimônio explorado, pode ser originária (ou de economia privada) ou derivada; (iv) quanto às entidades destinatárias do orçamento as receitas podem ser orçamentárias públicas ou orçamentárias privadas; (v) em relação ao orçamento a que se vinculam, se dividem em receitas do orçamento fiscal e as do orçamento de seguridade social; e (vi) dividem-se em Receitas correntes e de capital (conforme artigo 11 da Lei 4.320/64) em relação a quais despesas fazem frente (correntes ou de capital).

As Receitas tributárias, que, como observamos, podem ser vistas como espécies de Receitas derivadas, diante de fato de advirem da exploração do patrimônio do particular, são analisadas nessa aula sob vários aspectos. Ana-lisa-se do ponto de vista do ente político que detém a competência para instituir o tributo; as funções que o tributo pode exercer — fiscal, extrafiscal e parafiscal —; os substratos de incidência da tributação (renda, patrimônio e consumo); a possibilidade ou não de transferência do encargo financeiro a terceiro; o regime jurídico aplicável ao produto da arrecadação do tributo; as características da hipótese de incidência a ensejar a tributação (se dependem de atuação estatal específica ou não); e, por último, especifica as atuais espé-cies tributárias existentes.

Atualmente o Sistema Tributário Nacional compõe-se de 6 espécies (o STF havia adotado a teoria quinquipartite, todavia o artigo 149-A introduziu neste Sistema as contribuições de iluminação pública, de competência dos Municípios): impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos com-pulsórios, contribuições especiais — estas divididas em sociais (que podem ser sociais gerais, de seguridade social e as outras de seguridade social), de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas) — e as contribuições de iluminação pública.

questionário

1) Todo ingresso corresponde a uma receita pública? Justifique.

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questões de concurso

1) Uma abordagem dos tributos, em relação à receita pública e à teoria dos ingressos públicos, indica-nos que as receitas tributárias classificam-se como:

a) receitas derivadas.b) receitas originárias.c) receitas de economia privada.d) receitas de direito privado a título oneroso.e) receitas de direito público a título voluntário.(PGFN — Procurador da Fazenda Nacional — 2004.)

2) A compensação financeira de que trata o §1° do artigo 20, da cons-tituição federal classifica-se como:

a) receita corrente.b) imposto.c) receita pública derivada.d) outras receitas de capital.(PGR — Procurador da República — 2004.)

3) A receita pública é a soma dos recursos percebidos pelo Estado. Classicamente, as receitas públicas não podem ser classificadas em:

a) receitas derivadas.b) receitas originárias.c) receitas diretas.d) receitas compulsórias.e) receitas facultativas.(MPU — técnico em orçamento — 2004.)

4) Os preços públicos, ou tarifas, incluem-se entre as receitas classifi-cadas como:

a) Coativas.b) Originárias.c) Derivadas.d) Extrafiscais.e) Tributárias.(AGU — Advogado Geral da União — 1994.)

5) As receitas provenientes de multas e de indenizações são:a) receitas patrimoniais.b) receitas tributárias.c) receitas industriais.

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d) receitas correntes.e) receitas de capital.(AGU — Advogado Geral da União — 1994.)

6) O poder de polícia, conferindo a possibilidade de o Estado limitar o exercício da liberdade ou das faculdades de proprietário, em prol do interesse público

(A) gera a possibilidade de cobrança, como contrapartida, de preço pú-blico.

(B) se instrumentaliza sempre por meio de alvará de autorização.(C) afasta a razoabilidade, para atingir os seus objetivos maiores, em prol

da predominância do interesse público.(D) deve ser exercido nos limites da lei, gerando a possibilidade de cobran-

ça de taxa.(OAB — Exame de Ordem Unificado 2010.2 Questão 14 — Direito

Administrativo Caderno de Prova 01)

referência bibliográfica da aula

BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Co-mentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM, 2002/2003. p.21.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de.Curso de Direito Financeiro. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

SURREY, Stanley. TaxExpenditures. Cambridge: Harvard UniversityPress, 1985.

REZENDE, Fernando e AFONSO, José Roberto, A Federação brasileira: desafios e perspectivas, in Federalismo e Integração Econômica Regio-nal — Desafios para o Mercosul, Fórum das Federações. Konrad Ade-nauerStiftung, 2004,

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004.

aula 12 — o tribunal de contas e o controle da execução orçamentária.

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420 Resumo de autoria da aluna Louise Portes Dias (2010-1)

421 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Ad-ministrativo Brasileiro. 26ª ed. Atua-lizada por Eurico de Andrade Azevedo, Destro Balestero Aleixo e José Emma-nuel Burle Filho. São Paulo: Editora Malheiros, 2001. p. 624.

resumo420:

Para o administrativista Hely Lopes Meirelles o controle é, em tema de Administração Pública “a faculdade de vigilância, orientação e correção de um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”.421 Assim, observa-se que a aula em questão irá abordar os diversos tipos de con-trole que existem sobre os atos da Administração Pública. Esta está sujeita ao controle interno (por órgãos integrantes do próprio Executivo) e ao externo (por órgãos situados fora do âmbito do Poder Executivo).

Desta forma, o controle dos atos da Administração Pública pode ocorrer em quatro esferas: social, político-legislativa, administrativa e jurisdicional. O social busca a participação do corpo social no desenvolvimento do proces-so democrático de gerir a coisa pública, como no caso de denunciar irregu-laridades ao Tribunal de Contas, conforme o disposto no artigo 74, §2º da Constituição de 1988. O político-legislativo ocorre por meio da realização do princípio dos freios e contrapesos, podendo ser exercido diretamente pelo Poder Legislativo ou com o auxílio do Tribunal de Contas (conforme os arti-gos 70 e 71 da CRFB/88).

O controle administrativo, por sua vez, é aquele realizado pela Adminis-tração Pública sobre sua própria atuação, podendo ser de ofício ou mediante provocação. Pode ser interno — exercido pelos seus próprios órgãos, diante de seu poder de autotutela (o caso, p. ex da Advocacia-Geral da União) — ou externo, aquele exercido sobre a Administração Pública Indireta (caracteriza-da por possuir entes que detém personalidade jurídica própria, como é o caso das autarquias). Este pode ser tanto preventivo quanto repressivo.

Por último, em relação à função jurisdicional existe uma divergência na doutrina, pois enquanto existem autores que afirmam que o controle juris-dicional só pode ser exercido pelo Poder Judiciário, diante do disposto no artigo 5º, XXXV da CF/88 e da vedação à existência de Tribunal ou juízo de exceção, outra parte da doutrina afirma que o disposto no artigo supracitado não aduz um monopólio desse Poder no exercícios dessa atividade, tanto que a Constituição previu hipóteses como quando o Legislativo julga o Presiden-te por crimes de responsabilidade.

questionário

1. Poderia o Poder Judiciário rever a decisão proferida por Tribunais de Contas em sede de julgamento das contas dos administradores de bens e valores públicos, na hipótese de admitida a natureza não-jurisdicional da atividade de “julgar” daquelas Cortes?

420. Resumo de autoria da aluna Loui-se Portes Dias (2010-1)

421. MEIRELLES, Hely Lopes. Direi-to administrativo brasilei-ro. 26ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Destro Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Editora Malheiros, 2001. p. 624.

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2. Quem executa o título originário de decisão das Cortes de Contas, que condena o administrador ao pagamento de multa ou qualquer outro débito de natureza pecuniária?

questões de concurso

1 — A fiscalização da execução orçamentária é realizada mediante:a) controle interno de cada Poder, circunscrito à avaliação do cumprimen-

to das metas previstas no plano plurianual.b) controle externo do Poder Legislativo, com auxílio do Tribunal de Con-

tas, cujo parecer vincula a deliberação daquele.c) estrita e exclusiva observância do princípio da legalidaded) nenhuma das alternativas anteriores é verdade.(Concurso para Procurador da República de 2003.)

2 — A fiscalização das renúncias de receitas, no âmbito da União, me-diante controle externo, é exercida pelo:

a) Congresso Nacional, por intermédio do Tribunal de Contas da União.b) Sistema de fiscalização e controle do Poder Executivoc) Tribunal de Contas da União, privativamente.d) Congresso Nacional, diretamente.e) Tesouro Nacional.(Concurso Público para Advogado da União— 1994)

3 — No exercício do controle financeiro externo, incumbe ao Tribu-nal de Contas da União verificar se a despesa realizada ocorreu de modo a atender a uma ade quada relação custo-benefício, entre o seu valor e o respectivo resultado para a população. Este controle denomina-se:

a) fidelidade funcionalb) cumprimento de metasc) legitimidaded) economicidadee) Legalidade(Concurso para Procurador da Fazenda Nacional de 1998.)

4— A regra básica do Estado de Direito é que governantes e governa-dos se su bordinam à lei. Daí a necessidade de exercer, quanto à Adminis-tração Pública, o desempenho de uma função fiscalizadora incluindo a atividade financeira do Estado.

A fiscalização financeira, orçamentária e outras, conexas, será exercida peloa) Congresso Nacional

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b) Congresso Nacional, partidos políticos e sindicatosc) Sistema de controle interno de cada entidaded) Congresso Nacional e pelo sistema de controle interno de cada entidadee) Tribunal de Contas e Tribunais do Poder Judiciário(Concurso Público para Advogado da União de 2ª Categoria — 1998)

referência bibliográfica da aula

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leonArdo costAMestre em Direito Econômico e Financeiro, pela Harvard Law School e USP. Pós-Graduado em Contabilidade pela FGV. Bacharel em Ciências Econômicas, pela Puc-RJ, Bacharel em Direito, pela Puc-RJ. Auditor Fis-cal do Estado do Rio de Janeiro.

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FichA técnicA

Fundação Getulio vargas

carlos ivan Simonsen lealPReSiDente

FGv DiReitO RiO

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Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

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