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CIDADE OCA Por que ruas e terrenos cedem, dando origem a crateras Página 3 DIÁRIO DE SANTA MARIA SÁBADO/DOMINGO, 30/31 DE JULHO DE 2011 M I X [email protected]

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Reportagem publicada na revista MIX do Diário de Santa Maria sobre o real motivo do aparecimento constante de buracos nas ruas da cidade.

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Page 1: Cidade oca

CIDADE OCA

Por que ruas e terrenos cedem,

dando origem a crateras

Página 3

DIÁRIO DE SANTA MARIASÁBADO/DOMINGO, 30/31 DE JULHO DE 2011

[email protected]

Page 2: Cidade oca

Reportagem

O problema é mais

Construída sobre cursos d’água, Santa Maria sofre com o surgimento de crateras,

que assustam moradores e o poder público

embaixoMarilice [email protected]

ão há um levantamento sobre o núme-ro exato de cursos d’água que passam pela área urbana de Santa Maria. Mas a prefeitura estima que são cerca de 200. Agora, pare e pense quantos deles você

consegue ver ou, pelo menos, tem ideia de onde ficam. Se deduzir que são poucos, é porque você chegou à mesma conclusão que a Secretaria de Município de Infraestrutura e Serviços. Como as canalizações que escondiam as sangas e arroios – a exemplo do que foi feito no Parque Itaimbé – eram permitidas no passado, até aí, tudo bem. Mas, de alguns anos para cá, têm acontecido problemas que estão colocando a prefeitura e a Defesa Civil em alerta e tirando o sono de muitos moradores de Santa Maria. De uma hora para ou-tra, em locais que estão sobre esses cursos d’água ou perto deles, estão surgindo buracos que, com o passar do tempo, acabam se transformando em crateras e, não raro, engolem partes de casas e carros ou, ao menos, deixam temerosos muitos donos e locatários de imóveis.

Assim como os cursos d’água estão espalhados pela cidade, esses problemas não estão concen-trados em um único ponto.

– As redes de canalização de boa parte da cida-de são antigas. Algumas tubulações estão se des-locando, outras estão cedendo à força da água. A terra está sendo remexida e, em alguns lugares, o asfalto está ficando oco. Da noite para o dia, apa-rece um buraco e, quando vamos ver, ele já está engolindo o que há em volta – afirma o secretário de Infraestrutura e Serviços, Tubias Calil.

Segundo Tubias, é por isso que estão surgido tantos buracos no asfalto da cidade e que fazer os consertos é difícil, pois não basta substituir a

camada asfáltica. É necessário mexer com o solo que está abaixo dela para evitar novas erosões.

O problema se tornou tão sério que em alguns locais os buracos estão engolindo o asfalto. Que o digam moradores como os da Rua Motorista Ma-riano, no bairro Nossa Senhora das Dores. Por lá, crateras estão se abrindo no asfalto. No dia 21, um carro chegou a cair dentro de uma delas.

– O buraco está ao lado do portão do prédio. Mais um pouco e não entraremos na garagem – diz o administrador Manfred Rech, 29 anos.

Motivo pode ser histórico

Para o coordenador da Defesa Civil, Cladmir Cordeiro do Nascimento, o que está acontecendo na cidade é o resultado de um problema histórico: a ocupação desordenada do espaço.

– A cidade foi construída por cima das sangas. Mesmo com a canalização, não deveriam ter sido construídos imóveis nesses locais, mas a urbani-zação foi tomando conta, e surgiu esse problema. E fica difícil fazer um trabalho de prevenção por-que, para sabermos exatamente qual é o risco, te-ríamos de saber o estado de cada uma dessas ga-lerias (construções pelas quais passam os canos com água da chuva e dos córregos) e sequer sabe-mos onde estão todas elas – afirma Nascimento.

A revista MIX deste fim de semana ouviu mora-dores, imobiliárias, construtoras, geólogos, Defesa Civil e prefeitura para saber o que, afinal de con-tas, está acontecendo sobre os nossos pés. Todos concordam que não há motivo para pânico, mas que providências precisam começar a ser pen-sadas, antes que seja tarde. Entre elas, há desde grandes obras de engenharia até questões como não jogar lixo na rua, algo muito simples, mas que pode evitar o entupimento das galerias e diminuir os riscos de problemas futuros.

N■ Solo – O solo de Santa Maria é composto, principalmente, por ro-chas sedimentares, um dos três prin-cipais grupos de rochas (os outros dois são as rochas ígneas e as meta-mórficas). Esse tipo de solo é friável (se fragmenta facilmente). Devido a processos erosivos, o solo pode ce-der porque não é muito resistente

■ Interferências – Existem muitas interferências do homem abaixo do solo, como tubulações de água da chuva (esgoto pluvial), canalização de cursos d’água, tubulações do esgoto cloacal (dejetos), cabos de telefonia, Internet e eletricidade (em pequena quantidade) ■ Urbanização – O asfalto reduz a área de absorção da água da chuva. Essa água vai em direção aos ca-nais, e, quando eles não suportam a vazão ou estão entupidos, provocam alagamentos ou erosão ao lado dos dutos

■ Legislação – A lei complemen-tar 072, de novembro de 2009, que institui a Lei de Uso e Ocupação do Solo, Parcelamento, Perímetro Urba-no e Sistema Viário do Município de Santa Maria, determina que é proibi-da a canalização fechada de qual-quer curso d’água

O que não se vê

Fontes: geólogos Ari Cechella e Luiz Eduardo de Souza Robaina e engenheiro

José Antônio de Azevedo Gomes

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Reportagem

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O medo como vizinho

m setembro de 2008, uma cratera de nove metros de profundidade e sete metros de diâmetro formou-se em frente ao Edifício Júpiter, localizado na Rua Daudt, qua-

se esquina com a Dona Luíza, vizinho a uma sanga canali-zada. A cratera foi fechada por uma equipe da prefeitura, mas, em abril deste ano, o solo voltou a ceder e, ainda que não haja um buraco visível, qualquer um percebe que a calçada está afundando.

– A gente sabe de tantas tragédias por aí. Não há como não sentir medo. O meu apartamento é alugado, mas tudo o que eu tenho está dentro dele, isso sem contar a vida da gente – diz a professora Zélia de Fátima dos Reis, 40 anos, moradora do edifício há nove anos.

A autônoma Rejane Brum, 56 anos, dona de um apar-tamento do primeiro andar chegou a procurar um enge-nheiro, devido às rachaduras que apareceram na parede. Segundo ela, o profissional afastou qualquer risco.

– Mas não afastou o medo da gente – ressalta Rejane. No prédio Netuno, vizinho ao local, parte do piso da ga-

ragem afundou. – Não estamos com receio de que o prédio caia, porque

sabemos que ele foi bem construído. Mas há um risco de prejuízo com os automóveis – diz o morador Cláudio Rosa, 59 anos, corretor de imóveis.

Rosa comunicou a Secretaria de Infraestrutura e Servi-ços e a Defesa Civil sobre o problema em abril e aguarda uma solução para o caso.

Eá cerca de 20 dias, a garagem, a churrasqueira, uma parede e parte do pátio de uma casa

na Rua Carlos Baron, no bairro Itararé, foram engolidas por uma cratera. Ela se formou junto à tu-bulação que canalizava a água de uma sanga. Detalhe: os donos da casa garantem que não sabiam que, sob o seu terreno, havia água corrente. Segundo eles, quando a casa foi comprada, no final de 2009, a informação era de que o córrego era apenas vizinho.

A professora de Enfermagem Lidiana Silveira, 32 anos, e o ma-rido dela, o empresário Vladimir

Silveira, 46, compraram a casa e usavam o aluguel como comple-mento de renda.

– Agora, o imóvel está conde-nado. Mas podia ser ainda pior. Uma inquilina estava chegando de carro, com os dois filhos no banco de trás e, quando foi esta-cionar na garagem, percebeu que o chão estava cedendo. Só deu tempo de ela sair de ré – conta Lidiana.

O terreno da casa está tão ins-tável que, enquanto a equipe do Diário estava no local, no dia 13 deste mês, mais uma parte do pátio desbarrancou.

Era uma vez uma casa

H

Vladimir olha os escombros sobre a canalização do terreno

Fique atento!■ De acordo com o coordenador do Procon de Santa Maria, Vitor Hugo do Amaral Ferreira, quem comprar apartamentos ou casas construídos em áreas sobre cór-regos que apresentarem defeitos tem de seguir alguns passos:1) Formalizar a reclamação junto à construtora, via e-mail ou ofí-cio. No caso do e-mail, é preciso pedir uma confirmação de re-cebimento e, no do ofício, é ne-cessário fazer duas vias e pedir que quem recebê-lo assine uma delas, que fica guardada com quem está reclamando 2) Se a reclamação não adian-tou, é hora de procurar o Procon, levando o comprovante de recla-mação junto à construtora3) O Procon formaliza uma re-clamação. Um ofício é encami-nhado pelo órgão ao fornecedor do imóvel, notificando-o sobre a reclamação. A contar do rece-bimento, a construtora ou o for-necedor do imóvel tem 10 dias para encaminhar suas alegações e, se tiver interesse, apresentar uma proposta de acordo4) Diante da resposta, o consu-midor tem 30 dias para aceitar o acordo ou, se estiver desconten-te, procurar o Judiciário em bus-ca de ressarcimento■ O Procon fica na Avenida Rio Branco, 639, fone (55) 3217-1286. Mais informações pelo [email protected]

Um susto e tantooradora da Rua General Neto, a dona de casa Maria Elenir Kuster, 64 anos, guar-

dava lenha em uma peça nos fun-dos de sua casa. Em 2009, quando ela foi pegar uma tora, percebeu que o chão tinha rachaduras:

– Quando vi, afundou tudo.A esperança da família é que

a prefeitura resolva o problema. Porém, segundo o secretário de Infraestrutura e Serviços, Tubias Calil, como a casa é cercada de imóveis e não há espaço para ca-

minhões entrarem no pátio, pelo menos por enquanto, não há como recuperar a canalização. De acor-do com Tubias, há outras casas na General Neto que enfrentam pro-blema semelhante.

– Já moramos aqui há uns 40 anos. Quando viemos para cá, quase não havia prédios e ruas. Ti-nha muito mato e banhado. Nossa casa foi construída sob uma sanga, mas, como estava tudo canalizado, nunca imaginamos que teríamos problemas – afirma dona Maria.

M

Em 2008, Zélia via a cratera da sacada(acima). Rejane mostra o quanto a calçada afundou

Maria escapou, mas uma peça da casa caiu na sanga

Veja no site do Diário a galeria de fotos de problemas em locais construídos

sobre sangas canalizadascom.br

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CLAUDIO VAZ – 20/07/11

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risco de ocorrer uma cedência de terrenos em pleno centro de Santa Maria, por onde passam córregos canalizados, existe, mas é remoto, segundo o professor do Departamento de Geociências da Universi-

dade Federal de Santa Maria Luiz Eduardo de Souza Robaina. De acordo com ele, provavelmente, as obras já realizadas levaram em conta o cresci-mento da cidade.

– O problema é que, em geral, não se leva em conta toda a área influen-ciada pelo córrego e acaba-se por causar erosão e alagamentos ao longo do curso d’água – explica Robaina.

Para o professor, a canalização dos córregos precisa ser vista como uma obra importante de drenagem e não como o ato de esconder um valão que não se quer mais enxergar.

– Construir a cidade sobre os arroios foi um erro, mas não se pode voltar atrás. Agora é hora de se olhar para o futuro e pensar na preservação da natureza – diz Robaina.

O geólogo Ari Cechella afirma que em seu trabalho, relacionado a son-dagens geotécnicas, nunca encontrou problemas de cedência de terrenos em áreas canalizadas de Santa Maria, mas que qualquer solo, se estiver desprotegido de suas características naturais ou for agredido de alguma maneira, pode se tornar instável.

À procura de soluções

Para o superintendente de Fiscalização de Contratos de Obras da Se-cretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços, José Antônio de Azevedo Gomes, é hora de adotar providências.

– Esse é um problema que acontece não só em Santa Maria, mas tam-bém em cidades que têm uma ocupação desordenada.

De acordo com Gomes, a Secretaria de Infraestrutura e Serviços está ela-borando um projeto para criar divisões da bacia hidrográfica, possibilitan-do um maior controle da vazão da água da chuva e dos córregos. Seriam criados pelo menos cinco divisões da bacia, ao redor da cidade, para que se tenha condições de armazenamento quando houver momentos de pico, como chuva forte, melhorando a drenagem por, pelo menos, 60 anos.

Hora de planejar

s cedências de terrenos têm dado dor de cabeça para o coordenador da Defesa Civil de Santa Maria, Cladmir Cordeiro do Nascimento. Questionado sobre alguns locais com problemas, ele enumerou:

– No Parque Itaimbé, o piso de uma casa se foi. Na Rua General Neto, tivemos o mesmo problema em mais de uma residência. Na Rua Vale Ma-chado, entre a André Marques e Avenida Rio Branco, tem um prédiosobre uma sanga. Perto do Santuário de Schoenstatt, uma garagem caiu dentro da tubulação. No edifício Netuno, um pedaço do piso cedeu.

Porém, esses problemas ainda não estariam afetando a venda e a cons-trução de imóveis na cidade. De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Santa Maria (Sinduscon), Evandro Zamberlan da Silva, antes de comprarem um terreno para fazer obras, as construtoras fazem um levantamento da área, e a existência de sangas é levada em consideração porque as canalizações precisam ser levadas em conta no custo do projeto.

– Alguns colegas construtores desistem de certos locais porque a pre-sença de cursos d’água prejudica o terreno – diz Zamberlan.

O presidente do Sinduscon acredita que as obras feitas em Santa Maria não trazem risco:

– Em uma situação normal, se a obra foi bem executada, não afunda. De acordo com o presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) de San-

ta Maria, Everton Barth dos Santos, nenhuma obra em construção na ci-dade está sofrendo problemas devido a canalizações.

– Sabemos de problemas isolados, como o desmoronamento de uma ga-ragem na Rua Felipe D’ Oliveira, mas não existe um problema coletivo.

Sem desvalorização

Na memóriaO

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■ Em 16 de abril de 2011, dois motoris-tas que estavam em um evento no CTG Piá do Sul, no bairro Patronato, tomaram um grande susto. Os carros deles que estavam na gara-gem do CTG quase foram engolidos por uma cratera de dois metros de profundi-dade que apareceu no piso. Os veículos foram retirados por dois guinchos

■ Em 12 de março de 2011, uma cratera tomou conta das duas pistas da Rua Riachuelo. O buraco, com cerca de oito metros de largura e a mesma metragem de profun-didade, foi aberto pela prefeitura para poder consertar a canalização – que tinha cerca de 80 anos –, e que havia sido construída com pedras. Com o passar do tempo a terra ao redor começou a cair na canalização, desnivelando a pista

■ Em 16 de dezembro de 2009, a Rua Humberto Campos, no bairro Dores, foi engolida por uma cratera de 20 metros de comprimento, 15 de largura e cinco de profundidade. O buraco começou com o conserto de um vazamento

■ Em 7 de setembro de 2009, o piso de uma casa, no Parque Itaimbé, cedeu, e a cozinha caiu dentro de um buraco de dois metros de profundidade

■ Em 2 de março de 2009, durante uma chuvarada, o asfalto cedeu na esquina da Avenida Visconde de Ferreira Pinto com a Rua Samuel Morsi, no bairro Itara-ré. Um carro caiu no buraco

■ Em 26 de outubro de 2008, uma san-ga transbordou na Rua Felipe D’ Olivei-ra, causando o desmoronamento de um barranco. Uma garagem cedeu e uma caminhonete teve de ser içada

■ Em 25 de setembro de 2007, o asfalto ce-deu na Rua General Neto, perto da Aveni-da Fernando Ferrari, abrindo uma grande cratera que deixou à mostra a galeria de canalização de san-gas e fez o trânsito ficar em meia pista

RONALD MENDES – 17/04/11

JEA

N P

IME

NTE

L – 14/03/11

LAURO ALVES – 25/09/07