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A POLÍTICA DA Para Thomas Piketty, saída é radicalizar a democracia EU & Sexta-feira, 6 de outubro de 2017 - Ano 18 - Nº 881 FIM DE SEMANA DESIGUALDADE

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Page 1: FIM DE SEMANA - Fronteiras do Pensamento · 2017. 11. 26. · A POLÍTICA DA Para Thomas Piketty, saída é radicalizar a democracia EUSexta-feira, 6 de outubro de 2017 - Ano 18 -

A POLÍTICA DAPara Thomas Piketty, saídaé radicalizar a democracia

EU&Sexta-feira, 6 de outubro de 2017 - Ano 18 - Nº 881

FIM DE SEMANA

D E SIG UA L DA D E

Page 2: FIM DE SEMANA - Fronteiras do Pensamento · 2017. 11. 26. · A POLÍTICA DA Para Thomas Piketty, saída é radicalizar a democracia EUSexta-feira, 6 de outubro de 2017 - Ano 18 -

4 | Valor | Sexta-feira, 6 de outubro de 2017 Sexta-feira, 6 de outubro de 2017 | Valor | 5

Opresidente Emmanuel Macron ti-

nha acabado de fazer seu primei-ro discurso sobre o futuro daUnião Europeia, 24 horas depois

de conhecidos os resultados da eleição ale-mã, quando o economista Thomas Pikettypegou um avião para São Paulo. Participa-ria, pela primeira vez, do fórum de pales-tras Fronteiras do Pensamento.

Ao receber o Va l o r , na tarde de seu de-sembarque, em hotel na zona Oeste de SãoPaulo, Piketty já tinha sua crítica na pontada língua. O discurso não incorporara assugestões do economista, no segundo tur-no da eleição francesa, como passaportepara seu apoio ao candidato do Em Mar-cha. A proposta, transformada em livro(“Por uma Europa Democrática”, Intrínse-ca, 2017), é a de que a única saída para aUnião Europeia é radicalizar a democracia.

A aposta de Piketty, cujo candidato (BenoîtHamon, do Partido Socialista), ficou emquinto lugar, é de que a UE não encontraráseu rumo enquanto suas decisões derivaremdo embate de seus ministros de Finanças enão dos eleitos pelos parlamentos nacionais.

De posse de novosdados sobre o Brasil,ausentes de seubest-seller, Piketty écategórico sobre ofuturo: “Os paísesmais ricos do mundoenriqueceram porqueaceitaram distribuir”

CA PA

Arauto da desigualdade, Thomas Piketty diz que a rendanão poderá ser melhor redistribuída sem reequilíbrio depoderes. Por Maria Cristina Fernandes, de São Paulo

d e m o c ra c i aFoi sua segunda passagem pelo Brasil. Na

primeira, em 2014, cumpria o circuito delançamento de “O Capital no Século XXI”. Olivro fez do economista de 46 anos, nascidode um casal de militantes de esquerda dageração de 1968, um best-seller mundial,com mais de 2 milhões de cópias vendidasem todo o mundo e 150 mil no Brasil.

O compêndio ficou desfalcado de informa-ções mais precisas sobre o Brasil, que só se-riam liberadas pela Receita no ano passado.Os dados sobre imposto de renda foram pio-neiramente processados pelos economistasMarcelo Medeiros e Pedro Ferreira de Souza,mas são os estudos de seu orientado, o irlan-dês Marc Morgan, que levaram Piketty a sermais assertivo: “Os países mais ricos do mun-do adotam, há mais de um século, uma políti-ca de progressividade fiscal cujo desconheci-mento no Brasil bloqueia seu desenvolvimen-t o”, disse, ao Va l o r , antes de rechaçar a resi-liente percepção da elite nacional de que épreciso crescer para distribuir: “Os países maisricos se desenvolveram porque distribuíram”.

O economista fala como escreve. Explora amesma ideia por vários caminhos até que es-

teja seguro de que foi bem assimilada. Res-tringiu o número de entrevistas desde que seubest-seller lhe impôs uma agenda de arautoda desigualdade, mas preservou o tom daofensiva. Agora investe em estudos sobre osobstáculos políticos à redução da desigualda-de e em ampliar seus contatos com pesquisa-dores do tema mundo afora. Traz no seu tableta fotografia da capa do livro “Tributação e De-s i g u a l d a d e”, organizado pelo economista JoséRoberto Afonso, que está para ser lançadocom um artigo de sua autoria.

Aos 23 anos, o matemático, doutor emeconomia, cruzou o Atlântico para dar au-las no MIT, o Instituto de Tecnologia de Mas-sachusetts. Hoje permanece na EHESS, Esco-la de Altos Estudos em Ciências Sociais, emParis, e se limita a cruzar a Mancha para darquatro dias de aula por ano na LSE (Escolade Economia de Londres).

Espera voltar ao Brasil para conhecer aspraias do Ceará com a mulher, a economistaJulia Cagé, e as filhas Juliette, Deborah e Hé-lène, agora que o pai casou-se novamentecom uma cearense residente na França. Aseguir, a entrevista:

Radicalizar a

SILVIA COSTANTI/VALOR

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Valor: O presidente Emmanuel Macronacaba de fazer um discurso ambicioso sobreUnião Europeia. Foi no rumo certo?

Thomas Piketty: O mais importante para aEuropa hoje é que um conjunto de países quetêm a mesma moeda constituam também umaverdadeiro bloco político e parlamentar paraque passem a gerir um orçamento comum euma mesma política fiscal. Não podemos ficarsó na moeda. É a grande lição da crise de 2008.Não podemos continuar com 19 taxas de jurose 19 diferentes estruturas fiscais na abordagemde multinacionais, pequenas e médias empre-sas. É preciso mudar a organização política daEuropa. Atualmente, para todas as questões fis-cais, prevalece a regra da unanimidade. Se umpaís se coloca contra uma determinado ponto,bloqueia qualquer mudança. A única maneirade mudar isso é dar poder a um Parlamento ver-dadeiramente representativo.

Valor: A questão levantada pelo senhor du-rante a campanha, de radicalização da democra-cia no bloco, parece ter sido ignorada...

Pi ket ty : Completamente. Há dois proble-mas nas colocações de Macron. Ele não é mui-to claro sobre como desbloquear os entravescolocados por aqueles países que não que-rem avançar contra aqueles que o querem. E,em segundo lugar, é preciso rever a composi-ção do Parlamento europeu de maneira queaqueles países que queiram avançar na dire-ção de um imposto comum, como a França, aAlemanha, a Bélgica, a Itália e a Espanha, pos-sam seguir adiante para dar conta de suas ur-gências fiscais e sociais. Até agora temosconstruído um Parlamento europeu que con-torna os parlamentos nacionais e, de fato,não funciona porque o verdadeiro poder naEuropa está nos conselhos dos chefes de Esta-do e dos ministros de Finanças. Para sair des-sa lógica intergovernamental é preciso terum Parlamento que se reúna para votar mu-danças reais com um certo número de depu-tados da Assembleia francesa, do Bundestagalemão e dos demais parlamentos.

Valor: O senhor viu algum avanço no dis-curso em relação à mutualização da dívidapública na zona do euro?

Pi ket ty Não. As propostas de Macron sãomuito frouxas e correm o risco de nada avan-çar. O que está em questão não é a resistênciaalemã, mas a falta de precisão das propostas.É importante que os países sejam precisos ediretos sobre o que pretendem e parem decolocar sobre a Alemanha uma responsabili-dade que é sua. Há de fato atitudes políticasda Alemanha em relação à Europa que sãocansativas, mas a França tem grande respon-sabilidade na proposição de uma nova orga-nização democrática da zona do euro.

Valor: Mas não há algum avanço no que se re-

As propostas dopresidente francês,Emmanuel Macron,sobre a mutualizaçãoda dívida pública nazona do euro, dizPiketty, são “m u i tofrouxas e correm orisco de nada avançar”

fere à taxação sobre a emissão de carbono e à ta-xação sobre transações financeiras?

Pi ket ty : São propostas insuficientes. Umadeclaração de boas intenções sobre transa-ções financeiras ou sobre a taxa de carbononão basta, nem diz porque funcionaria ago-ra se não funcionou no passado. Então, seele não disser claramente como uma assem-bleia democrática poderia se compor compoderes para tomar decisões em benefícioda sociedade, não vai avançar.

Valor: Os governos nacionais são o maior en-trave a essa mudança na representação políticada Europa que o senhor propôs?

Pi ket ty : Sim, no sistema atual você tem oembate entre os ministros das Finanças, cadaum protegendo o interesse de seu país, semchegar a lugar algum. Por isso digo que é pre-ciso substituir essa lógica por uma assem-bleia democrática em que os países enviemuma cota de representantes de seus parla-mentos nacionais para compor uma assem-bleia em proporção de sua população e emproporção dos diferentes grupos políticos,que teria o poder de votar um imposto co-mum, um orçamento comum que fugiria dalógica de país contra país. Que se formemmaiorias políticas e não maiorias de paísescontra países. Não importa que seja umamaioria política de direita, de esquerda ou decentro. O que importa é sair do bloqueio.

Valor: De que maneira o avanço da extremadireita na Alemanha e a necessidade de AngelaMerkel fazer concessões aos eurocéticos dificul-taria o avanço da União Europeia nessa direção?

Pi ket ty : Fico inquieto que Angela Merkel,que já não é muito aberta nem dinâmica emrelação a esse tipo de proposição, use a aliançacom os liberais como desculpa para nada fa-zer. O importante agora é colocar propostas

reais sobre a mesa. Se a França colocar umaproposta real de democratização, é possívelque o SPD (social-democracia alemã) e os ver-des, que são mais europeus e mais abertos aessa questão, se decidam a enfrentar essa res-ponsabilidade. É possível que o SPD aceitemudar de opinião. Será muito complicadauma aliança CDU (democracia cristã alemã),liberais e verdes. Ninguém sabe exatamentecomo vai ficar e se essa aliança será durável. Adireita é um pouco mais conservadora em re-lação a essas questões financeiras, mas a de-mocratização da Europa é algo que passa aolargo das clivagens politicas. O ponto é dotaruma assembleia europeia do poder de tomardecisões. Quem tiver a maioria comanda.

Valor: E se o resultado for uma assembleia do-minada por uma direita eurocética?

Pi ket ty : Não acredito que uma assembleiacomo essa estaria ainda mais à direita do queo que temos hoje. A direita alemã hoje não émajoritária na Europa. Mas, em todo caso, se adireita de todos os países da zona do euro for-marem maioria, que se aceite. É essa a regra dademocracia. É esta também a responsabilida-de da Europa hoje. O bloco apenas continuaráservindo de inspiração para o resto do mundose for capaz de se democratizar para ir alémdos tratados monetários e comerciais e possaadotar políticas comuns de desenvolvimento,de administração orçamentária e fiscal e dejustiça social e climática. É muito importanteque a Europa avance para evitar que o espiritodo Brexit se espalhe mundo afora.

Valor: A França acabou de adotar uma re-forma trabalhista que, em muitos pontos, seassemelha àquela aprovada neste ano noBrasil. O que mudará nas relações do traba-lho com essas novas regras?

Pi ket ty : Lamento que Macron tenha optadopor uma reforma que dribla a necessidade demelhorar a representação dos sindicatos e dosassalariados na gestão das empresas. Macronfala bastante da flexibilidade do modelo ale-mão e sueco, mas esquece que, nesses modelos,há forte presença dos sindicatos e dos assalaria-dos desde os anos 1950 nos conselhos de admi-nistração das empresas. São representantes quenão se limitam a uma presença consultiva. Elestêm poder deliberativo. Na Suécia, um terço dosassentos dos conselhos de administração dasempresas é composto por representantes dosempregados. Na Alemanha, eles ocupam meta-de dos assentos e participam das decisões estra-tégicas das empresas. A França, como tambémo Reino Unido e os EUA, sempre se recusaram aisso com o argumento de que todo o poder édos acionistas. Em 2014, aprovou-se uma leique introduziu uma única cadeira no conselhode administração, mas isso não é suficiente pa-ra influenciar os rumos das empresas. Na Ale-

manha e na Suécia os trabalhadores têm umpoder infinitamente maior de reagir aos rumosda economia e também de influenciá-la. De to-da forma, a flexibilidade foi excessiva. A princi-pal medida foi a de reduzir a indenização parademissões, mesmo aquelas sem justa causa. Sevocê demite alguém que trabalhou por dezanos numa empresa, a indenização será equiva-lente a, no máximo, dez salários. Se o trabalha-dor tem 20 anos de serviço, receberá 15 salários.O problema é que muitas vezes são trabalhado-res que investiram muito numa determinadaespecialização específica para aquela empresae não terão, necessariamente, esse investimen-to aproveitado por outra empresa. É verdadeque a Justiça na França é muito lenta e que a re-forma pode ajudar a acelerar os processos, tan-to para os trabalhadores quanto para as empre-sas. Há mudanças que eram necessárias, mas areforma seria mais equilibrada com uma refor-ma na governança das empresas como existe naAlemanha, que poderia se tornar realmente ummodelo para a Europa. Mas Macron cedeu aopatronato francês, que não quer essa represen-tação, ainda que sua administração não sejamodelo de eficácia.

Valor: Passados quatro anos do lançamentode “O Capital no Século XXI”, é possível dizer queo impacto do livro diminuiu a resistência inter-nacional à taxação dos mais ricos?

Pi ket ty : É difícil de responder, mas achoque não. O sucesso desse livro mostra que háuma quantidade cada vez maior de pessoasem todo o mundo, no Brasil, na China, na Áfri-ca do Sul e em todos os lugares, que têm ne-cessidade de participar do debate sobre os re-sultados do desenvolvimento e rejeitam aideia de que a economia deve ficar restrita aespecialistas. Esse livro acabou atendendo auma necessidade de democratização do co-nhecimento e das pesquisas econômicas. Masnão sou ingênuo. É preciso muito mais queum livro para mudar a relação de forças na so-ciedade. É preciso que os partidos políticos eos cidadãos se engajem. De lá para cá vimosalguns desdobramentos, sobretudo nos Esta-dos Unidos e na Grã-Bretanha, com Trump eBrexit dando vitória ao populismo de direita,uma reação nacionalista e xenófoba. E é esse operigo do crescimento das desigualdades. Sea democracia não combate a desigualdade,sempre aparecerá uma força para explorar asfrustrações e a cólera por ela provocadas.

Valor: No livro o senhor fala que a reduçãodas desigualdades derivou mais das duasgrandes guerras mundiais do que da demo-cracia. A escalada de tensões sociais hoje,com a eleição de Donald Trump e o cresci-mento do nacionalismo europeu, mostra queé esse o rumo que estamos tomando ou aindaé possível acreditar que na democracia como

caminho para a redução das desigualdades?Piketty: É claro que a democracia é um ca-

minho. O que digo no livro é que a democra-cia, historicamente, não tem bastado. Só oschoques violentos é que transformaram o sta-tus quo das elites que rejeitavam a redução dasdesigualdades. Foi o conservadorismo ideoló-gico das elites que provocou as grandes guer-ras. Hoje não estamos na mesma situação. Háinstituições democráticas muito fortes quedão sustentação aos ideais de uma sociedademais igualitária. Mas não se pode descuidardos sinais que eventos como o Brexit podemrepresentar para o desmantelamento de ummodelo que, se não é perfeito, ainda permitebuscar uma coordenação, uma saída estávelpara uma sociedade menos desigual. Desco-brimos que tudo isso pode ser frágil. O queaconteceu nos Estados Unidos é absolutamen-te intrigante. Foi impressionante de ver a capa-cidade de Trump de construir uma identidadecomum com classes populares e médias quefaz com que as políticas sociais tenham umviés racial e xenófobo. Se a gente pega a criseda dívida pública na Europa, por exemplo, épossível imaginar uma saída mais negociada.No pós-guerra, as dívidas públicas foram anu-ladas em 1953 porque decidiu-se fazer um in-vestimento no futuro, nas futuras gerações ezerar os erros do passado. É isso que a Europaprecisa hoje, investir no futuro. A alternativa éo caos, a inflação e a explosão da união mone-

tária. É isso que pode acontecer se determina-das forças políticas na Alemanha, na Catalu-nha, na França, em Portugal prevalecerem. Es-sas tensões podem evoluir rapidamente.

Valor: O nacionalismo de direita que fomen-tou os regimes fascistas do século passado tempoder hoje para repetir a ameaça à democracia,na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil?

Pi ket ty : Confio na capacidade de nossasinstituições reagirem, na Europa, no Brasil,na China, de encontrarem seus caminhospara se desenvolverem com democracia. Nocaso do Brasil, por exemplo, há de fato umnível de concentração muito excessivo parao país se desenvolver. Pode-se dizer que opaís não passou por choques políticos vio-lentos como aqueles que, na Europa, reduzi-ram as desigualdades, mas a opção demo-crática também pressupõe que as elites dopais aceitem pagar mais impostos e que oEstado faça mais investimentos sociais.

Valor: No seu livro “Às Urnas, Cidadãos”, osenhor disse sobre o Brasil: “O sistema tribu-tário é pesadamente regressivo e, frequente-mente, financia despesas públicas com asmesmas características. As classes popularespagam impostos muito pesados que chegama 30% sobre a eletricidade, ao passo que so-bre a herança é de apenas 4%. As universida-des públicas só beneficiam uma elite de privi-legiados”. O senhor mantém o diagnóstico?

Pi ket ty : Sim, mantenho, e subscrevo os

YORGOS KARAHALIS/BLOOMBERG

“As decisõesnão podem sertomadas porministros deFinanças, mas porre p re s e n t a n te seleitos reunidos emAs s e m b l e i a ”

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achados mais recentes de Marc Morgan quedemonstram que o Brasil é, de fato, um dospaíses mais desiguais do mundo. E uma desi-gualdade que só concorre com a da África doSul, país que saiu do apartheid em 1994. Mor-gan concluiu que os níveis de desigualdadeno Brasil não foram reduzidos de maneirasignificativa. Os mais pobres viram sua parti-cipação na renda nacional crescer muito li-geiramente, os 50% mais pobres aumenta-ram sua fatia na riqueza do país de 11% para13%. Enquanto isso, os 10% mais ricos detêmuma parcela que passou de 55% para 53%. En-tão os governos democráticos do Brasil, se-jam de direita ou de esquerda, não têm sidocapazes de reduzir a desigualdade. Uma dasrazões é que, a despeito das políticas sociaisque beneficiaram os mais pobres, a estruturade impostos no Brasil se mantém intacta. Nãohá reformas significativas na progressividadefiscal e não haverá nenhuma mudança nissose o país não decidir enfrentar questões comoa taxação sobre herança e sobre fortunas.

Valor: Ao se valer do imposto de renda, o tra-balho de Morgan, assim como o de outros estu-diosos brasileiros, não minimiza o fato de 83%dos brasileiros não pagarem imposto de renda?

Pi ket ty : Os estudos de Morgan, na verda-de, são pioneiros no cruzamento dos dadosdo imposto de renda e das pesquisas em do-micílio. É um trabalho de fôlego para colherde diferentes fontes os dados mais fidedig-nos sobre a renda do país. E é um estudo queteve muito cuidado em colher os dados maisadaptados para cada faixa de renda. Então,de fato, o imposto de renda incide apenassobre 17% da população, mas há impostosindiretos extremamente pesados que com-prometem sua renda de maneira muitomais significativa do que o imposto de ren-da o faz sobre a fatia minoritária e mais ricada população, ainda mais se levarmos emconta que uma parte desses contribuintes seevadem com isenções sobre lucros e divi-dendos. Esta é uma tentativa de mensurar aprogressividade do sistema fiscal no Brasil[neste momento mostra, no tablet, o livro aser lançado na próxima terça-feira no Brasilcom um capítulo de sua autoria]. Concluipor mostrar que falta, de fato, a noção deprogressividade é inexistente no país.

Valor: Esse foco na taxação de propriedadee renda não corre o risco de penalizar a clas-se média em vez dos mais ricos, que têm maismeios de escapar do cerco?

Pi ket ty : Não se trata de tributar as pe-quenas propriedades, mas as grandes for-tunas que cairão em mãos de pessoas quenão trabalharam para merecê-la. É umaquestão de justiça social. Os países que sedesenvolveram adotam, há mais de um sé-

culo, uma política de progressividade fis-cal que permanece desconhecida no Bra-sil e que bloqueia seu desenvolvimento.

Valor: O discurso predominante no Brasil é ode que é preciso crescer para depois distribuirporque não há como repartir renda numa econo-mia em recessão. Não tem fundamento?

Pi ket ty : Os países mais ricos do mundoenriqueceram porque aceitaram melhorrepartir. Todos os países desenvolvidos, Es-tados Unidos, Alemanha, Japão, França,Grã Bretanha têm impostos sobre herançaque atingem as grandes fortunas e quechegam a 40%. O Japão aprovou, no anopassado, uma taxação sobre a renda dosmais ricos de 50%. Não são números mági-cos, eles têm razão de ser. O que surpreen-de é que o Brasil mantenha seu imposto so-bre herança em 4%. Isso é parte de uma cul-tura egoísta que precisa ser combatida.

Valor: Há muito se debate no Brasil sobreos limites do investimento em educação co-mo meio para se reduzir a desigualdade.Quais são esses limites em sua opinião?

Pi ket ty : A difusão da educação é a politi-ca mais importante para a redução das de-sigualdades. Não tenho nenhuma dúvidaem relação a isso. É nesta difusão que se ob-serva uma redução de desigualdades per-manente. Isso aparece tanto nas análisesdos países quanto nas análises comparati-vas. Exige um grande esforço fiscal por par-te do Estado, mas é preciso que esse investi-mento em educação seja usufruído por to-dos. Esse investimento não pode resultarem mais concentração de renda, em um sis-tema em que os mais pobres paguem maisque os ricos pelo acesso à educação.

Valor: As desigualdades cresceram na Europae nos Estados Unidos à medida em que esses con-

tinentes perderam participação no comérciomundial, sobretudo em relação à Ásia. É possívelreequilibrar a renda na Europa e nos EstadosUnidos sem que uma repartição do comérciomundial ainda mais ampla, com a inclusão daAmérica Latina e da África, esteja ameaçada?

Pi ket ty : É possível, mas sob a condição deque a gente mude o foco dessa globalização. Épreciso ter uma mundialização que não sepreocupe apenas com a liberalização do co-mércio. É preciso introduzir nesses tratados in-ternacionais medidas de justiça fiscal, social ediplomática. Não se pode, de um lado, ter con-ferências internacionais proclamando harmo-nia global e, por outro, a assinatura de tratadoscomerciais como aqueles recentemente assina-dos entre Estados Unidos, Europa e Canadá,que passam completamente ao largo de ques-tões de justiça fiscal e social. Não chegaremos alugar algum enquanto os propósitos redento-res ficarem limitados às declarações e, quandofazemos tratados para valer, estes venham em-butidos com sanções. É um jogo de faz de conta.É preciso liberalizar o comércio, mas, no pri-meiro capítulo desses tratados, é preciso taxar aemissão carbono e fazer justiça fiscal. Concreta-mente, isso significa estabelecer objetivos veri-ficáveis a serem atingidos pelas multinacionaisem todo o mundo, nos EUA, na Europa e no Bra-sil. Há uma grande resistência em relação a isso,alega-se muita complexidade para se colocarem curso o estabelecimento de metas verificá-veis, mas não é nada complicado. Os tratadosde liberalização de comercio também são com-plexos e nem por isso deixam de ser feitos. Sóassim a globalização deixará de ser a simples li-beralização de mercadorias que tem provocadoo recrudescimento de nacionalismos e do pro-t e c i o n i s m o.

Valor: O senhor tem sustentado que a crisede 2008 é, em grande parte, resultado da au-sência de uma boa regulação. Quase dezanos depois, constata-se que, além de umaboa regulação, a crise não puniu os respon-sáveis pela crise. Que papel o senhor achaque o judiciário deve ter nessa regulação?

Pi ket ty : O balanço desses dez anos mostraque o mundo falhou em fazer uma boa regula-ção financeira e econômica mundial. O parado-xo dessa crise é que a instabilidade monetáriaatinge economias importantes no mundo in-teiro. Os verdadeiros responsáveis, de fato, nãopagaram o que deveriam. Perdeu-se a oportu-nidade de mudança. Mas acredito que, ao fim eao cabo, no resto do mundo cresceu a consciên-cia de que não dá mais para esperar pelos Esta-dos Unidos para encontrar soluções para a or-dem mundial. A Europa, a China e o Brasil têmque se pôr em acordo sem esperar pelos EUA.

Leia mais nas páginas de 10 a 13.

“Os países ricosadotam, há maisde um século,progressividade fiscalcujo desconhecimentono Brasil bloqueia seud e s e nvo l v i m e n to

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