filosofias da hora e filosofia perene - emílio silva de castro(2)

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O homem, ser finito, contigente, precário, não tem em si a razão de sua existência. Procede de outra causa para existir e a ela deve subordinar-se para seu aperfeiçoamento. Acredite ou não, quer queira, quer não, o homem tem um destino, foi cria- do e ordenado para uma superior felicidade. Não é na vida temporal que há de achar a dita. E está nisto a tragédia do homem atual. Sente sede insa- ciável de ser feliz e em vez de ir a desalterar essa sede nas fontes de água viva que manam para a vida eterna, seduzido pelo próprio orgulho quer em seu pequeno mundo satisfazer sua indigência. Emílio Silva de Castro

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Page 1: Filosofias da Hora e Filosofia Perene - Emílio Silva de Castro(2)

O homem, ser finito, contigente, precário, não tem em si a razão de sua existência. Procede de outra causa para existir e a ela deve subordinar-se para seu aperfeiçoamento. Acredite ou não, quer queira, quer não, o homem tem um destino, foi cria­do e ordenado para uma superior felicidade. Não é na vida temporal que há de achar a dita. E está nisto a tragédia do homem atual. Sente sede insa­ciável de ser feliz e em vez de ir a desalterar essa sede nas fontes de água viva que manam para a vida eterna, seduzido pelo próprio orgulho quer em seu pequeno mundo satisfazer sua indigência.

Emílio Silva de Castro

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EMÍLIO SILVA DE CASTRO Decano da Faculdade de Direito da Universidade Gama Fi-lho — Catedrático da Universidade do Estado da Guana-bara — Catedrático da PUC do Rio de Janeiro — Professor visitante da Universidade Autônoma de Guadalajara (Mé-xico), etc.

Filosofias da hora e

Filosofia perene

Edições GRD São Paulo

1990

BIBLIOTECA SÃO MIGUEL http://saomiguel.webng.com/

Page 3: Filosofias da Hora e Filosofia Perene - Emílio Silva de Castro(2)

Capa: Traço de Roberto R. Rocha

Castro, Emílio Silva de, 1902-Filosofias da hora e filosofia perene / Emílio Silva Castro.

— São Paulo : GRD, 1990.

Bibliografia.

1. Filosofia I. Título.

90-0353 CDD-100

índices para catálogo sistemático:

1. Filosofia 100

Reservados os direitos de tradução, reprodução e adaptação. Copyright by Emílio Silva de Castro. Direitos da presente edição reservados por G. R. DOREA, rua Topázio, 478/41 (Aclimação), CEP 04105, São Paulo, SP.

ÍNDICE

Apresentação — Antônio Paim 9 Prefácio ................................... 15 O mundo e a necessária renovação e reforma do pensar

filosófico ............................ 21 A noção de filosofia .................................. 25 A atualidade filosófica 39 Classificação sistemática 45 Pervivência de velhos sistemas 49 O relativismo e seus variados aspectos 59

A) relatividade do conhecimento .......................... 60 B) o relativismo fenomênico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

a) psicologismo ........................................ 66 b) fenomenismo .......................... 69 c) evolucionismo...................................................... 71 d) outras correntes relativistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 e) evolucionismo histórico-biológico de Spengler 78 f) o idealismo 80 g) resumo e conclusões 82

Filosofias da crença e pragmatismo 87 Historicismo 105 O existencialismo multiforme ." 115

primeiras tentativas existencialistas 125 para uma definição do existencialismo 127 apreciação e crítica do movimento existencialista 137

Alonso-Fueyo ........................................ 139 Theodoro Háecker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

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Comélio Fabro 147 Jaeques Maritain . . . 149 Jean-Paul Sartre 154 Visões cristãs .. 157 J. Hessen 161 Martin Heidegger .. 163

Recapitulação 169 Philosophia perennis ,. 179

1. A. Steuco cria a denominação "Philosophia perennis" 179

2. Que se entende por filosofia perene? 185 3. As formas históricas da filosofia perene 187 4. Equivalência de filosofia perene e filosofia cristã? 192 5. Princípios primários do conhecimento em Aris-

tóteles e em São Tomás 205 6. Conhecimento de natureza e conhecimento de

pessoa em Amor Ruibal 206 7. Aspectos negativos das filosofias da hora . . . . 208 8. Conclusões 216

Bibliografia selecionada , 219

APRESENTAÇÃO

Monsenhor Emílio Silva nasceu em Sarria, Espanha, a 24 de março de 1902. Lúcido e plenamente ativo, está pres­tes a completar 88 anos.

A família destinou-o à carreira sacerdotal. Iniciada na Espanha — em Poio-Pontevedra, ordenando-se sacerdote em 1925 —, sua formação concluiu-a em Roma, na Academia Tomás de Aquino, onde defendeu tese de doutorado. A tese estudava a dedução e a indução (De demonstratione tum deduetiva tum inductiva). Estávamos em 1930 e o jovem padre tinha então 28 anos de idade.

Foi mandado ao Brasil em 1935, inicialmente para diri­gir o Patronato de São Raimundo Nonato, no Piauí, sendo posteriormente transferido para a Bahia e, em 1946, para o Rio de Janeiro, onde se radicou em definitivo. Monsenhor Emílio tem portanto 55 anos de permanência no Brasil. Em­bora revele grande orgulho de sua condição de espanhol, nossa terra tornou-se, por adoção, sua segunda pátria.

Em sua longa e fecunda existência, Monsenhor Emílio produziu uma obra significativa, versando tanto matéria reli­giosa como filosófica. Entre os primeiros destacam-se: A prova ideológica da existência de Deus (1931); São Pedro Pascual, modelo para os nossos tempos (1937); O pão nosso de cada dia (1955); Manual da piedade cristã (1949) e Magis-tério espiritual de Santa Teresa (1973). No que se refere à filosofia, mantém duas grandes fidelidades: ao filósofo espa-nhol Angel Amor Ruibal (1869/1930) e ao tema da filoso-

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fia perene, como veremos mais detidamente adiante. Ocupou-se de alguns temas políticos como a questão da pena de morte e o conceito de democracia.

Monsenhor Emílio Silva exerceu ainda atividade do­cente. Regeu cursos na antiga Faculdade Nacional de Filo­sofia, da Universidade do Brasil (1948-1950) e, durante mui­tos anos, lecionou na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tornou-se professor emérito e decano da Faculdade de Direito da Universidade Gama Filho e cate-drático de Filosofia Geral na Universidade do Estado da Gua­nabara (atual UERJ). Nesta apresentou duas teses para con­curso: Filosofias da hora e filosofia perene (livre docência, 1962) e Nova fundamentação metafísica da ordem moral (cátedra, 1963). Viajou muito para pronunciar conferências em universidades do México, Itália, França e Estados Unidos.

Revelou-se também um grande estudioso da cultura es­panhola, tendo dedicado estudos a Menendez Pelayo, Una-muno, ao senequismo ibérico, à cultura medieval galego-portuguesa, etc. Graças a isto foi nomeado membro titular do Instituto de Cultura Hispânica, de Madrid, e recebeu a comenda da "Ordem de Isabel, Ia Católica". Integra também o Instituto Brasileiro de Cultura Hispânica, sediado no Rio de Janeiro.

Sua paixão pelos livros levou-o a constituir uma biblio­teca com cerca de 70 mil volumes, entre os quais muitas raridades bibliográficas.

No período de sua formação, o jovem padre Emílio en­contrava-se em grande perplexidade diante da falta de uni­dade e da dispersão vigente nas filosofias moderna e contem­porânea. Na biografia intelectual que elaborou a pedido do Padre Stanislavs Ladusans — por este incluído em sua obra Rumos da filosofia atual no Brasil, em auto-retratos, São Paulo, Loyola, 1976, Emílio Silva, auto-retrato filosófico, págs. 171-220 — diz que então se colocava a seguinte ques­tão: "Como vencer essa crise e adentrar-se, com ânimo deci­dido e sereno, pelos arraiais de uma disciplina que, mesmo exercendo um fascinante atrativo, só se apresentava ao meu

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olhar inquiridor como um campo de Agramante, onde im­perava a luta de todos sem possibilidade de encontro nem de diálogo?

Nesse instante é que toma contato com a obra de Angel Amor Ruibal: Los problemas fundamentales de Ia filosofia y dei dogma (1914) e Los problemas fundamentales de Ia Filologia Comparada (1904-1906). Ruibal aponta-lhe um ca­minho, o da filosofia perene, e sugere alguns marcos do pro­cesso de sua constituição.

A idéia de que haveria um critério segundo o qual poder-se-ia incorporar novas verdades ao legado da filosofia grega, preservado e reestruturado pela Escolástica, tinha sido sugerido por Agostino Steuco (1497/1548), também conhe­cido como Steuchus Augubinus, pela referência à sua cidade de origem (Gubbio), numa obra publicada em 1540. Popu­larizada mais tarde por Leibniz (1646/1716), essa idéia aca­bou perdendo o seu vigor pela tendência da neoescolástica, iniciada no século passado e florescente no presente, de iden-tificá-la pura e simplesmente com o tomismo.

O contato com essa problemática deixa entusiasmado ao jovem prelado. Amor Ruibal mostrava-lhe que nem tudo esta­va perdido. Eis como descreve o novo estado de espírito:

"Foi sobretudo sua criteriologia filosófica o que mais me impressionou. Descontente com as tediosas e fáceis expo­sições e análises dos sistemas que mais agitaram a mentali­dade moderna, topava de repente com um robustíssimo pen­sador que, possuidor de assombrosa e universal cultura e conhecendo as grandes criações do pensamento segue-as em seus meandros e descobre-lhes a filiação e recíprocas cone­xões. Amor capta em sua gênese e segue a trajetória de cada sistema, percorrendo com os próprios pensadores o caminho mental por eles trilhado, a fim de descobrir-lhes a índole e estrutura nos menores matizes e poder assim apreender, com justeza, o que de positivo ou de inconsistente encerra cada um. Que prazer mental, que satisfação para qualquer espí­rito sequioso da verdade ver como o grande Mestre, defron-tando-se com o positivismo e com o idealismo romântico

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penetra por assim dizer no interior de ambos os sistemas e vai direto aos seus pontos de vista capitais. Mas não pára aí, pois, servindo-se logo dos mesmos pressupostos lógicos e metafísicos dos autores estudados, coloca-os em constante contradição interna e os conduz com inflexível dialética ao aniquilamento do próprio sistema.

Subjugado pelo amplo panorama de sua concepção cien­tífica e pela mágica de sua dialética, adentrei-me logo no estudo de toda a sua obra.

Amor Ruibal, antes da formulação de suas doutrinas pessoais, estuda e torna objeto de sua acertada crítica todos os grandes sistemas filosóficos, assestando rudes golpes tanto no platonismo como no aristotelismo, no idealismo em suas variadas modalidades como no empirismo, não saindo nin­guém ileso de suas investidas.

De modo particular, submete a severo exame o esquema metafísico aristotélico-escolástico; peça por peça o vai des­montando e fazendo ver quanto de artificioso e inconsistente encerra na grande maioria de suas afirmações capitais.

A conclusão que era mister deduzir parecia-me óbvia e veio-me sem tardar à mente: a Metafísica tradicional ne­cessita, não apenas de uma revisão, mas sim de uma com­pleta reformulação; partindo de método mais apropriado, cumpre reedificá-la sobre novas bases.

A idéia empolgou-me e, sem reparar na pequenez e na desproporção de minhas forças para um tal empreendimento, comecei a tomar apontamentos e orientar minhas pesquisas no intuito de escrever uma Ontologia em novos moldes, na qual aproveitasse todas as sugestões do pensamento reno­vador e originalíssimo do Mestre de Compostela".

O jovem padre Emílio freqüentou o mestre e dispôs-se a completar a sua obra, levando em conta, como diz, "que a parte construtiva do seu sistema correlacionista não che­gou o autor a publicá-la". Ruibal morreria logo depois. A par disto, informa Monsenhor Emílio: "Não cheguei então a redi­gir a por mim suspirada e planejada ontologia. Exigências da vida, viagens ao exterior e circunstâncias diversas, alheias

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à minha vontade, orientaram as minhas atividades noutras direções. Todavia, nunca desisti de meu propósito e muito tenho meditado o problema metafísico, dentro da esfera filo­sófica."

Nos sessenta anos desde então transcorridos, Monsenhor Emílio jamais perdeu de vista o seu projeto original. Averi­guou detidamente o significado metafísico do existencialismo e do neopositivismo, a fim de avaliar se não atenderiam à pretendida restauração metafísica. Sua conclusão seria nega­tiva e, no que respeita à primeira das correntes, a apresen­taria no II Congresso Nacional de Filosofia, realizado em Curitiba em 1953, na comunicação intitulada "Para uma de­finição do existencialismo".

Muito escreveu sobre Angel Amor Ruibal, entregando à publicação os seguintes ensaios: "Amor Ruibal, metafísico" (Pontevedra, 1931); "En torno a unos inéditos de Amor Ruibal" (Salamanca, 1969); "Recordando ei Maestro" (Ma-drid, 1969) "No centenário de um sábio, Amor Ruibal" (São Paulo, 1969); e recentemente "Amor Ruibal, genial renovador de Ia filosofia cristiana", Homenaje a Mons. O. N. Derisi, Buenos Aires, 1988.

O tema da filosofia perene aparece na mencionada tese de livre docência, concluída em 1962 (Filosofias da hora e filosofia perene). Igualmente no referido autoretrato, apa-recido em 1976, traça um amplo painel do caminho a se-guir para alcançar o que denomina de "unidade orgânica objetiva dos ramos do saber filosófico". Acredita sobretu-do ter solucionado satisfatoriamente a complexa relação entre a condição de católico e a de filósofo. Resumindo-a, teria oportunidade de afirmar: "Enfim, acho que se, por um lado, o pensador cristão há de sentir-se plenamente livre no vasto campo das ciências e da especulação racional, sem que a sua fé religiosa obste esta liberdade, desde que se mova sempre com amor puro e irrestrito à verdade; por outro, o pensador cristão, no que sob alguns aspectos oferece como prolongamento das aquisições da razão filosófica, poderá

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prestar inestimáveis benefícios — como já se verificou em épocas passadas — ao edifício comum da sabedoria humana."

De sorte que o livro que ora se entrega ao público — graças ao empenho de Gumercindo Rocha Dorea, outra per-sonalidade movida por uma grande vocação, neste caso a vocação editorial — representa meditação de muitas déca-das. Trata-se da obra de um erudito mas sobre a qual o leitor se debruçará com prazer. Monsenhor Emílio Silva está longe de ser um erudito seco, tratando-se na verdade de alma bondosa, capaz de cultivar enormes afeições. Expressando aqui o voto de seus inúmeros amigos e admiradores, espera-mos tê-lo ainda por muitos anos em nosso convívio.

Vitória, janeiro de 1990.

Antônio Paim

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PREFÁCIO *

"A nova edição deste livro saúda o novo século". Assim começava Frederico Paulsen o prólogo da quinta edição de sua Ética, mas, em seguida a tão eufórico cumprimento, estampa, melancólico, este testemunho: "O começo do século XIX assinalou-se pelo império das idéias, o começo do século XX assinala-se pelo império da força".1

Paulsen escrevia nos anos mais prósperos que desfrutou a Europa e quando a mais irrestrita liberdade política, tanto de palavra como acadêmica, imperava em quase todas as nações. Qual teria sido sua reação se sobrevivera e presen­ciara as grandes guerras européias e as tremendas convulsões sociais que hoje agitam a tantos povos?

O que mais surpreende no caso, porém, é a surpresa de Paulsen. Que outra coisa podia ele esperar do magistério que a maioria dos filósofos do século XIX, ele mesmo inclu­sive, vinha exercendo? Eles abdicaram da verdade. Nosso século chegou ao rompimento definitivo com o caráter dog­mático da Revelação e com a filosofia escolástica que se aferrava à existência de verdades absolutas. "A mentalidade histórico-genética do "saeculum historicum" tomou o lugar

* Este livro, com alguns retoques e aditamentos, é constituído à base da Tese para Livre Docente na Faculdade de Filosofia da Universidade da Guanabara.

1. Friedrich Paulsen, System der Ethik, 5." ed., Berlin, 1900, p. IX.

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daquelas instâncias, renunciou à posse de verdades absolutas: "só se dão verdades relativas, não há verdades eternas".2

Não querendo admitir nem mesmo a certeza das verdades da fé, afirma que esta "não se apoia em provas ou demons­trações racionais, não vem do entendimento, senão do cora­ção e da vontade".3

Na própria obra de cujo prólogo copiamos as primeiras palavras deste escrito, insurge-se Paulsen contra a; manuten­ção de um sistema educativo que, nascido há séculos num meio intelectual inteiramente diferente, "se acha em muitos pontos em aberta contradição com as realidades e doutrinas mais aceitas em nosso tempo".4 O que ele visava era a refor­ma do ensino, precisamente no terreno doutrinário, revisão das doutrinas básicas do Cristianismo: fora o sobrenatural, a Bíblia, os dogmas religiosos e tudo mais estranho ao homem hodierno!

Essas idéias e princípios não eram algo peculiar a Paul-sen. Se, de início, escolhi seu nome, foi porque ele, melhor que qualquer outro, excetuando talvez a Eucken5, reflete a mentalidade reinante na Europa em começos do presente século. À vista de tais princípios e doutrinas, não admira

2. Em Immanuel Kant, cit. por Josef Donat, em Die Freiheií der Wissenschaft, Ein Gang durch das moderne Geistesleben, 2." ed., Innsbruck, 1912, p. 57-58.

3. Paulsen, Einleitung in die Philosophie, 32.ª ed., Stuttgart und Berlin, 1920, p. 269.

4. Paulsen, System der Ethik, p* 228. 5. Rodolfo Eucken, vítima também do agnosticismo e deso­

rientação filosófica e religiosa do seu século, não esconde o desa­lento que essa situação lhe produz: "Wir sind am Grundstock unseres Lebems und Wessens kre geworden, es hat sich uns inmitten aller Aufhellung nach aussen hin der Sintí unseres Daseins verdunkelt, wir treiben wehrlos dahin, ohne zu wissen wohin" (o grifo é meu). Geistesprobleme und Lebensfragen, Leipzig, 1918, p. 145. Para tais dubiedades e angústias Eucken, também como Paulsen e tantos outros, não divisa mais remédio que a substituição dos valores tra­dicionais de nossa cultura e a «forma completa do Cristianismo. Seus inveterados preconceitos racionalistas anuviavam-lhe a vista e lhe impediam verificar que é precisamente o Cristianismo que nos oferece perfeita e natural solução para os tremendos problemas da nossa origem, natureza e destino eterno.

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que o Ocidente desorientado derivasse e ainda continue por caminhos de arbitrariedade e violência. Com efeito, se o ho­mem está convicto de que a verdade das coisas é um pro­duto de sua vontade ou do seu entendimento, se não admite que este há de se submeter a uma ordem objetiva do ser, independente da vontade humana, nestas condições sua cos-movisão será apenas imagem, projeção, imaginação subjetiva do mundo, sem a menor garantia de verdade objetiva. Tal subjetivismo é, no fundo, um perfeito ceticismo, ruína de toda verdade. Como poderá edificar-se sobre tal alicerce mo­vediço uma forma de vida estável?

As nações do Ocidente, e já agora, após as duas grandes Guerras Mundiais, o mundo todo, está passando momentos de trágica ansiedade, os povos vivem desde há bastantes anos em perpétua soçobra, na mais angustiosa incerteza, pois as filosofias dominantes não são de molde a gerar e manter a solidez das instituições e das-relações sociais e contribuir eficazmente para estabelecer a paz na ordem das nações.

Neste nosso trabalho, que intitulamos: FILOSOFIAS DA HORA e FILOSOFIA PERENE, pretendemos, após uma sucinta exposição das filosofias vigentes em nossos dias, demonstrar a radical ineficácia ou insuficiência da maior parte delas, para responder às autênticas exigências da consciên­cia contemporânea, e dilucidar as possibilidades que se abrem para o bem-estar do mundo nos princípios e doutri­nas que integram a chamada filosofia perene.

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PE. GÜÍLLERMÔ VÁZQÜEZ NÜ5ÍEZ Mestre benemérito que iniciou

e encorajou o Autor em seus estudos filosóficos, é autor de notáveis trabalhos sobre a Teologia espanhola no sec. XVI.

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Capítulo I

O MUNDO E A NECESSÁRIA RENOVAÇÃO E REFORMA DO PENSAR FILOSÓFICO

Sob a égide da filosofia moderna, num ambiente agnós­tico e materialista, processaram-se as formas de vida e de civilização em que vivemos, desprezando em sua estruturação os princípios da velha sabedoria e ainda a noção mesma da verdade. Destarte o homem hodierno foi perdendo o sentido mesmo da sua existência, e passou a viver no mais lamen­tável desnorteamento. Só a filosofia perene que, de mãos da­das com a teologia, proporcionou séculos de sossegado viver à sociedade ocidental, poderá trazê-la de novo ao caminho real. Não o filosofismo racionalista e agnóstico que, sob os mais variados disfarces e sob os nomes de sensualismo, enciclope-dismo, criticismo kantiano, positivismo, evolucionismo, prag­matismo, etc. etc, destruiu a crença em Deus e, com ela, os princípios eternos da justiça e da moral e os fundamentos de toda a sociedade. Esse agnosticismo, como já frisamos antes, assumiu um caráter de extrema virulência durante o século XIX, mas, em virtude da lei da inércia, que também no cam­po dos valores tem vigência, a sociedade cristã ocidental pôde subsistir, posto que não sem graves sobressaltos, até a I Gran­de Guerra. Mas numa sociedade assim minada, numa socie­dade em cujo bojo jaziam latentes os princípios mais deleté­rios, uma guerra, das proporções daquela, só podia desenca­dear essas forças e acarretar o desespero, o ceticismo total.

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E então as massas desiludidas, sem roteiro, desvairadas, pro­curavam sofregamente guias ou condutores que as levassem a um destino seguro. É este um caso patente de como a filo­sofia, de par com a religião, se faz sentir na marcha da humanidade.

Os acontecimentos posteriores, e de modo particular as últimas conflagrações mundiais, longe de minorar, agravaram estas condições do mundo.

Em tais circunstâncias torna-se mais urgente a restaura­ção duma autêntica filosofia: restabelecer a vigência dos va­lores do espírito e formar individualidades que possam con­duzir os povos à paz e à prosperidade. Hoje é patente a falência dos elementos dirigentes em todos os domínios e a causa está "na deformação dos espíritos pelo ensino da filo­sofia em curso".1 Eis porque, com toda a razão, não podia Unamuno compreender que houvesse um bom condutor de povos e forjador de nações que não meditasse na origem e no fim último de todas as coisas.2

E Nef, o arguto analista e intérprete ianque, julga indis­pensável dar o máximo valor à religião, à filosofia e às belas artes se quisermos que a nação se eleve ao alto grau de cul­tura de que é capaz.3 Ainda mais longe vai outro filósofo ianque contemporâneo: "Abandonar hoje, diz, o cultivo da filosofia, seria tão insensato como jogar ao mar o capitão do navio porque se tscupa de estudar a carta marítima, e não vai padejar o carvão da caldeira".4

Por outra parte, diminuir o valor da filosofia na direção da vida dos povos, seria, além de contradizer a história, ne­gar ainda a dinamogenia das idéias. É de toda evidência que

1. Larivière, La Reforme de 1'enseignement de Ia Philosophie, Paris. Desclé, 1943, p. 13. O título primitivo da obra citada era bem significativo: "La Reforme de 1'enseignement de Ia philosophie, ou Ia mort de Ia France". Ver ibid., p. 9.

2. M. de Unamuno, La ciudad de Henoc, México, 1933, p. 60. 3. John U. Nef, The United States and Civilization, Chicago

Univ. Press, 1942, p. 127. 4. Edgar S. Brigtman, An Introduction to Philosophy, N. York,

1940, p. 15.

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não houve revolução no mundo que não fosse precedida du­ma propagação de idéias que a tornaram possível. Na ordem psicológica William James atualizou a doutrina de Carpenter sobre a assim chamada "ação ideó-motriz", assentando este princípio: "toda idéia de movimento provoca em nós o movimento efetivo que representa".5 As idéias motrizes são em nossa mente como as aduelas do arco, forças sempre vi­vas até encontrarem o equilíbrio na ação. Daí a enorme im­portância que reveste, para o bem ou para o mal, a difusão das idéias filosóficas: se as semearmos boas transformaremos um povo, se ruins, pervertê-lo-emos. Dizia o profeta Oseas que aqueles que semeiam ventos colhem tempestades.6 Três armas são necessárias, na opinião de Carr, para manter o domínio político na esfera internacional: "o poder militar, o poder econômico, e o poder sobre a opinião pública".7 Eis a razão do colossal esforço da propaganda que hoje fazem todas as nações para conquistar esta última.

Graves são, na atualidade, os perigos que ameaçam a civilização ocidental, pois a filosofia agnóstica criou e ali­mentou a revolução em cujos arraiais entrou sem escrúpulos, com armas e bagagens, a revolução que possui em suas mãos os meios mais eficazes para a difusão das idéias. Daí o inte­resse que oferece o estudo aprofundado e comparativo da filosofia, para "limpar, fixar e dar esplendor" àquela que leva o apelido de perene e cujos princípios, se retornarem a infor­mar o campo do direito, da sociologia, da política e das outras ciências do espírito, poderão satisfazer plenamente as exigências autênticas da humanidade. Tenhamos presente que, se no transcurso deste meio século já se travaram duas gran­des conflagrações mundiais, e se alguns povos se debatem ainda hoje em guerras revolucionárias intestinas, a tudo precedeu uma longa preparação ideológica. Prévia à dos campos de batalha, deu-se a luta nos acampamentos das

5. William James, Príncipi di Psicologia, trad. ital. de G. C. Ferrari, Milano, 1901, p. 794.

6. Ose. VIII, 7. 7. E. H. Carr, The Twenty YeariCrisis 1919-1939, London,

1940, cap. VIII.

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idéias. Os povos tinham sido espiritualmente desarmados e armaram-se materialmente; cumpre rearmá-los no espírito pa­ra desarmá-los no corpo.

É esta a peleja em que hoje se acha empenhada, em vá­rios países, uma legião de espíritos nobres e lúcidos, que não se resignam em ver sucumbir a magnífica cultura do Oci­dente e se aprestaram à sua defesa. Aliás, a luta é inerente à natureza humana caída, e recusar-se a lutar seria já como ser de antemão vencidos. "Viver, meu caro Lucílio, é com-bater", repetia Sêneca, como um eco longínquo do livro de Jó, e S. Jerônimo enunciava o mesmo pensamento naquele dístico: "Quandiu enin vivimus, in certamine sumus"8. Gus-tavo Le Bon fecha sua obra sobre as conseqüências da I Guerra Européia com esta frase: "O destino dos povos de-pende das idéias que os vão dirigir"9.

Suposta pois a indiscutível necessidade do cultivo da filosofia e a ânsia dos povos por uma direção que os deixe a coberto de tanta perturbação e instabilidade, surgem logo no espírito várias questões: Qual é a natureza da filosofia? Qual de seus aspectos oferece mais interesse na hora atual? Quais os sistemas ou orientações que dominam o pensamento contemporâneo? Por que motivo as filosofias da hora não trouxeram a paz e a felicidade ao homem? Qual é a autên-tica filosofia que chamamos de filosofia perene? Possui ela resposta adequada e vitoriosa para as agudas exigências da hora presente?

8. Adversus pelag. II, 5, col. 47. 9. Gustavo Le Bon, Premières conséquences de Ia Guerre, Pa­

ris, 1917, p. 330.

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Capítulo II

A NOÇÃO DE FILOSOFIA

Para proceder ordenadamente à questão da natureza da filosofia, procuraremos responder às três perguntas que, com objetivo diferente, formulava Schopenfyauer: "Was Einer ist? Was Einer hat? Was Einer vorstell"?10. Ou: Que é filoso-fia? Qual é o seu conteúdo? Que representa em relação com as outras ciências?

A definição nominal ou etimológica de filosofia é sem dúvida a mais bela e significativa de todas. "Sofistas" ou "sábios" chamavam-se os antigos que se consagravam à sa-bedoria. Pitágoras, mais modesto em suas aspirações, disse: "homem nenhum é sábio, somente Deus o é", e começou a chamar-se de "filósofo", sapientiae studiosus, etc, e a deno-minar "filosofia" ao gênero de saber racional que ele culti-vava. Fez fortuna a palavra e Platão e Aristóteles empre-gam-se para significar a ciência das coisas pelas suas razões últimas. "Amor da sabedoria", eis um nome bem expressivo, que por si já assinala o sentido de tendência e aspiração, pe-culiar do pensar filosófico. Em rigor, que outra coisa é a filosofia senão um intento de compreensão e explicação dos problemas do ser e do saber, problemas que se apresentam aos homens em todos os tempos e lugares e sob as mais di-versas formas, e que deles recebem também variadíssimas

10. A. Schopenhauer, Aphorismen zur Lebensweisheit, cap. I. Sammtliche Werke. Hrsg J. Frauenstadt, Leipzig, 1908, t. V. p. 333.

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soluções? Realmente, não há conceito mais estimulante e dinâmico que o expresso pelo nome de "amante da sabedo­ria", pois o filósofo não dá nunca por concluso o edifício do saber, nem mesmo descansa nas soluções já propostas para os angustiosos problemas que a realidade apresenta. Por esta razão, ainda sendo a filosofia enquanto ciência, pelo seu objeto, uma só, dela falamos amiúde em função de épo­cas, lugares e escolas, v.g., filosofia medieval, filosofia mo­derna, filosofia grega, filosofia alemã, filosofia estóica, filo­sofia tomista, etc. Impressionados por esta variedade de con­cepções, alguns filósofos incidiram no relativismo, negando a existência e a possibilidade duma filosofia verdadeira. Para Hegel a filosofia era o "espírito de cada época reduzido a conceitos"11, e para F. de Sarlo, "Ia filosofia é soprattuto espressione, esponente e valorizazzione di tutta Ia cultura e di tutta Ia vita spirituale di un determinato período".12

Para melhor compreender este caráter dinâmico da defini­ção etimológica, repare-se que Cícero e em geral os autores latinos traduzem a palavra por cultor, studiosus, que em português eqüivalem a aplicado, dado a, que busca, pois o verdadeiro filósofo não se aquieta na contemplação e amor da sabedoria possuída, mas procura repensar e des­cobrir, por si mesmo, a solução dos problemas que o enigma da existência lhe oferece.

Que deleitoso se torna para os espíritos elevados este estudo da sabedoria! Aristóteles antepunha-o a todas as outras ciências, Santo Tomás, de resto tão sisudo, prorrompe nesta exclamação: "Dentre todas as ciências humanas, nenhuma mais perfeita, mais sublime, mais útil e mais deleitável que a do estudo da sabedoria".13 E o doutor Sabuco dizia: "Si Ia sapiência tuviera forma visible, no hubiera cosa más ama­da de los hombres".14.

11. Ap. Gustavo E. Müller, Amerikanische Philosophie, Stutt-gart, Frommans Verlag, 1936, p. 287.

12. F. de Sarlo, II pensiero moderno, Firenze, 1919, p. 1. 13. S. Thomas, C. Gent. 1, 2. 14. Ap. Benjamin Marcos, Miguel Sabuco, Los grandes filó­

sofos espanoles, Madrid, 1923, p. 299.

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No que concerne à definição real da filosofia reina entre os seus cultores a maior dissenção. Os antigos, carentes duma revelação que impusesse um sentido infalível e patente à vida humana, refugiaram-se na Ética como norma das ações. Xenofonte afirma que Sócrates reduzia toda a filosofia à moral. A Escola estóica acentuou ainda mais este caráter. Para Sêneca, a filosofia não passava de "ciência da vida honesta". A tendência a fazer da filosofia uma ciência pre­dominantemente moral, surge também na filosofia moderna como fenômeno concomitante da negação duma moral divina. A filosofia inglesa do último século é sobretudo moral.

Para o Estagirita a filosofia deve ocupar-se "das pri­meiras causas e princípios"

(Met. I, 1 (981b 28). A definição mais bela é, sem dúvida, a que deu Cícero: "rerum divinarum et humanarum causarumque, quibus hae res continentur, scientia" — isto é, a ciência das coisas divinas e humanas e das causas que as governam.15

Este conceito manteve-se substancialmente até a idade moderna. Mas no limiar desta começa logo a anarquia. Para Bacon de Verulam a filosofia helênica não é mais que "Verba otiosorum, fenum ad imperitos juvenes"}6 Não iria mais longe um positivista convicto. No século XIX o cientificismo, empolgado e enfatuado com os assombrosos progressos do saber empírico, julga poder dispensar a filosofia e chega a qualificá-la de obsoleta e fenecida: "Ora, diremos com Fa­rias Brito, nós sabemos que a ciência é filha da filosofia. Costuma-se mesmo dizer que a filosofia é como uma árvore de que resulta como fruto a ciência, é um fato que se prova não só pela história do pensamento, como igualmente pelo exame direto do espírito. Mas aqui acontece que a filha matou a própria mãe. Ê como se o fruto, desenvolvendo-se em excesso, terminasse por matar a árvore de que foi gerado, por lhe absorver toda a seiva e vigor".17 Alguns, porém, sau-

15. Cicero, De Officiis II, 2. 16. F. Bacon, Novum Organum Scientiarum. AfOr. LXXI. 17. F. Brito, A Base Física do Espírito, Rio, 1912, p. 20.

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dosos da filosofia e não se resignando a dá-la por morta, excogitaram um sucedâneo com o pomposo nome de "filo­sofia científica". Mas esta, se nos atermos como é obrigado, às exposições feitas pelos seus adeptos, como: Spencer, Büchner, íyndal, Strauss, Huxley, Mach, Avenarius, Le Dantec, Renan e "outros contrabandistas do pensamento mo­derno", como os denomina o grande filósofo brasileiro18, é antes que filosofia a negação mesmo da filosofia. De modo geral, as escolas de tipo positivista são incapazes de formu­lar uma definição aceitável da filosofia, pois a base de tais sistemas e escolas está em aberta contradição com o que desde a Antigüidade entendemos por autêntica sabedoria. Após o descrédito do positivismo e do neo-criticismo os sis­temas e escolas sucederam-se numa celeridade vertiginosa. A filosofia moderna parece estar possuída, como atinada-mente observa o filósofo cearense, "pela ânsia de ignorar, não de conhecer a verdade, ávida de paradoxos, insaciável de escândalos".19 Em tais condições o desconcerto foi em crescendo.

"Não há mais remédio, diz Külpe, que renunciar de todo a uma definição unânime da filosofia"20 visto que, como frisa Windelband, "não há nenhuma definição de filosofia que goze de consentimento unânime" (Es gibt keine allge-mein anerkannte Begriffsbestimung der Philosophie).21 Por esta razão Luiz Riehl dizia que na atualidade "o principal problema filosófico era a própria filosofia como pro­blema".22

A influência de Brentano, manifesta sobretudo na feno-menologia de Husserl e na filosofia dos valores de Max Schel-ler, produziu em diversos setores um marcado acercamento às fórmulas da philosophia perennis.

18. F. Brito, op. cit., p. 24. 19. F. Brito, op. cit., p. 24. 20. Oswald Külpe, Einleitung in die Philosophie, 7.a, Leipzig,

1915, p. 365. 21. Wilhelm Windelband, Einleitung in die Philosofhie, 1923,

p. 10. 22. Alois Riehl, Einfürung in die Philosophie der Gegenwart,

5.% Leipzig, 1923, p. 5.

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Heidegger, que foi grandemente influenciado pela filo­sofia de Husserl, desprendendo-se do empirismo define a filosofia como sendo: "Ia puesta em marcha de Ia meta­física: en esta adquiere aquella su ser actual y sus explí­citos temas".23. Em análogo sentido se exprime Deussen, muito embora este assinale horizonte mais dilatado à meta­física.24 Realmente, se entendermos a metafísica no sen­tido aristotélico tradicional, a definição citada encerra boa porção de verdade.

Respondendo agora, de nossa parte, à pergunta for­mulada no começo sobre a natureza do pensar filosófico, diremos que filosofia é a investigação, pelas causas supre­mas, da gênese, natureza e destino de todos os seres e do modo de os conhecermos.

É hoje freqüente em muitos autores identificar-se a filosofia com a história da filosofia. Segundo Ortega y Gasset: "El concepto de Ia filosofia se realiza em su pró­pria historia".25 O filósofo argentino Vassalo exprime-se no mesmo sentido: "Casi podria decirse, apurando Ia ex-pressión, que Ia história de Ia filosofia es Ia filosofia misma".26 E Marias, discípulo de Ortega, proclama de for­ma irrestrita que: "La filosofia es Ia historia de Ia filoso­fia".27 Este foi o pensamento de Hegel. Benedetto Croce, porém, mais radical que o mestre, identifica toda história, e não apenas a da filosofia, com a filosofia mesma: "Filo­sofia e storia sono, non giá due forme, si bene una forma sola: non si condizionano a vicenda; s'identificano".28. "Né Ia storia, acrescenta, precede Ia filosofia ne Ia filosofia Ia

23. Martin Heidegger i Quê es Metafísica ?, trad. de X. Zu-biri, México, 1941, p. 58.

24. Paul Deussen, Die Elemerite der Metaphysik, 7.*, Leipzig, 1921, p. 5.

25. Ver A. Diez Blanco, Historia de Ia philosophia contempo­rânea, Valadolid, 1946, p. 266.

26. Angel Vassalo, i Qué es filosofia ? B. Ayres, Losada, 1945, p. 23.

27. Juliári Marias, Introdución a Ia Filosofia, Madrid, 1947, cit. por Zaragüeta en Revista de Filosofia. Madrid IV, 1947, p. 308.

28. Benedetto Croce, Lógica come scienza dei conceito puro, Bari Laterza, 1909, p. 224.

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JAYME BALMES Um dos grandes expositores dos princípios

que constituem a filosofia perene

storia: 1'una e 1'altra nascono a un parto".29 Da mesma opinião é Gentile segundo o sul africano Bew.30

Importa, pois, determinar com precisão as idéias neste particular e assinalar o sentido que daremos a esta dis­ciplina. Reduzir a filosofia a ser apenas o relato dos sonhos e visões humanas, "é una maniera, frisa F. de Sarlo, come un'altra di negare 1'existenza delia filosofia quale forma peculiare dei sapere".31

Diez Blanco, querendo sem dúvida justificar o pensa­mento de Ortega, escreve: "Mientras que Ia ciência es im-personal, hasta cierto punto, Ia filosofia depende muy prin­cipalmente dei indivíduo que Ia hace y dei ambiente social e histórico que Io envuelve. Por eso se puede hablar de filosofia, pero no de ciência, inglesa o alemana. Y mientras los científicos prescinden, ai estudiar su ciência, dela his­toria de Ia misma, los filósofos no pueden prescindir de Ia historia de Ia filosofia".32 Por sem dúvida que a filo­sofia é, em larga proporção, filha do ambiente em que surge e vincada pelas condições peculiares do autor. A razão disto, porém, não se funda em nenhum determinismo histórico, senão em que, versando pela maior parte a filo­sofia sobre os valores, ressente-se, naturalmente, das varia-díssimas apreciações que destes fizeram os homens nas di­versas quadras do tempo e do espaço. Deduzir, porém, des­tas diferenças, a absoluta relatividade do saber filosófico, eqüivaleria a negar caráter objetivo aos valores, o que nos levaria ao ceticismo absoluto.

"La historia de Ia filosofia, escreve Balmes, es Ia his­toria de Ias evoluciones dei espirito humano en su porción más activa, más agitada, más libre".33 Considerada sob este prisma e limitada a expor as opiniões dos filósofos e as diversas soluções que deram aos problemas da sabedoria, é

29. Ibid. Ver ainda as págs. 338-341. 30. J. W. Bews, Life as a Whole, London, 1937, p. 216. 31. F. de Sarlo, II pensiero moderno, Firenze, 1915, p. 80. 32. Op. cit., p. 266. 33. Balmes, Historia de Ia Filosofia, Prol.

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de sumo interesse para o estudioso, não apenas por satis­fazer uma legítima curiosidade humana, senão, sobretudo, porque tal estudo nos auxilia grandemente a analisar e apro­fundar os aspectos de cada questão e, com freqüência, nos sugere as soluções mais convenientes. Importa, sem embar­go, quando se escreve sobre esta matéria, não deixar-se levar por uma mal entendida imparcialidade, até o extremo de não oferecer a crítica dos sistemas e deixar no leitor a impressão de que todas as opiniões possam ser igualmente verdadeiras. Nossa imparcialidade deve ser absoluta no que concerne à lealdade na exposição das doutrinas, mas a mes­ma lealdade nos dita a obrigação de dizer o que achamos destoante da verdade.

Passemos agora a indagar sucintamente quais são os assuntos sobre os quais versa a filosofia e o modo como podemos chegar a eles.

Antecedendo a toda determinação objetiva e a toda discriminação de subjetivo e objetivo, ideal ou real, con­tingente ou necessário, distinções estas que são já resultan­tes de posteriores elaborações de nossas faculdades cognos-citivas, devemos partir dos dados primitivos de nossa cons­ciência. Entendemos aqui, por consciência, não a moral mas a psicológica, ou seja, as noções primárias, diretas, intuiti­vas, mais ou menos distintas, dadas em nosso espírito no ato de conhecer.

Com efeito, pela consciência estabelecemos nosso pri­meiro contato com a realidade — seja de que natureza for — e só pela consciência é possível essa abordagem do ser, pois anteriormente ao exercício desta intuição cognoscitiva nada existe para nós, nem sujeito cognoscente, nem objeto cognoscível, nem realidade alguma determinável em cate­gorias.

Ora, pressupostos os dados empíricos de que a cons­ciência direta nos prove, duas atitudes pode tomar o sujeito cognoscente: ou bem limita-se a estudar as coisas tal como se lhe apresentam, investigando as condições em que os fenômenos se produzem e as relações mútuas das coisas,

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sem cuidar de sua natureza última nem do seu destino, e neste caso não sai do campo das ciências da natureza, ou o espírito intenta logo examinar de que forma nos são dados os elementos da experiência, qual a sua natureza e valor, que são as coisas em si ( dos gregos) de cuja existência nos dá testemunho a própria consciên­cia psicológica, e neste caso entra nos domínios da inves­tigação autenticamente filosófica e metafísica.

Não se confunda, porém, essa análise da coisa em si, de que falamos, com o chamado método transcendental kan-tiano pois, apesar da aparente semelhança, são inteiramente diversos.

Kant começa por separar originariamente os FENÔME­NOS dos NÓUMENOS. Os FENÔMENOS abrangem todo nosso saber empírico que não é, em última análise, mais do que uma série de representações de nossa consciência sem outro valor transcendental. Os NÓUMENOS, que devemos conceber, não como objetos do sentido, senão como COISAS EM SI, são "objetos puros do entendimento (bloss Gegens-tande des Verstandes) e que como tais poderiam dar-se numa intuição que não fosse a intuição sensível".34 Na base destas noções Kant pergunta que podem ser tais COISAS EM SI, abstração feita da forma que podem revestir em nosso conhe­cimento? Pergunta irrespondível e absurda porque, para res­pondê-la, necessariamente teremos de nos valer de noções e conceitos lógicos e estes já são excluídos pela pergunta. Por isso o próprio Kant responde logicamente com a negativa.35

Instituída a reflexão filosófica sobre a interpretação do conteúdo e valor dos dados que nos subministra a consciên­cia, assinalaremos, seguindo Amor Ruibal, três orientações gerais, que na história da filosofia se nos oferecem na solu­ção deste problema:

a) "La posición dei dogmatismo empírico que traduce toda realidad por Ia percepción sensible, haciendo de esta per-cepción ei objeto adequado dei ideal humano en ei conocer.

34. Kant, Kritik der reinem Vernunft, Ed. Reclam, págs. 254, 248.

35. Ibid., p. 255 et álibi.

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b) La posición dei dogmatismo ideológico que halla en Ia idea toda realidad, o todo ei valor real dei ser objetivo.

c) La posición intermedia de un nexo real-ideal con oscilaciones multiples en determinar Ia realidad y ei conteni-do de Io real respecto de Ia realidad, y ei contenido de Io real respecto de Ia idea, cuyo estúdio haremos oportunamente".36

Esta última orientação dualista ideal-real, seguida por Platão e Aristóteles e por todas as escolas posteriores, que em linhas gerais os acompanharam, funda-se no testemunho irrefragável da consciência e é logicamente irrecusável.

Prosseguindo em nossa análise do dado consciente, admi­tido seu valor objetivo, ao refletirmos sobre a sua natureza e existência defrontamo-nos fogo com dois modos de ser: CONTINGENTE e NECESSÁRIO. O primeiro modo impõe-se ao nosso entendimento com a evidência do imediatamente percebido, visto como a mesma consciência ao nos apresen­tar os dados da intuição empírica neles nos manifesta o co­meço ou termo de existências concretas, fato que, de per si, encerra o conceito da contingência.

O modo necessário de existência, embora sua noção não nos seja dada como intuição empírica direta e imediata — isto repugna intrinsecamente — não é, porém, menos evidente de maneira reflexa e deduzida, pois, suposta a existência real do ente contingente, este inclui a existência real do necessá­rio, no qual ele acha razão adequada de existir e sem o qual seria totalmente incompreensível. Ontologicamente Deus é o ente primeiro, mas não o é cronologicamente, na ordem cog-noscitiva humana, a menos que admitamos o ontologismo, hipótese absolutamente gratuita e, por muitos conceitos, absur­da. Nós não intuímos, em nossa condição carnal, o ser divino. Precisamos chegar a ele através de conceitos lógicos, analó­gicos, que haurimos da contemplação de nossa experiência interna e externa, tal como nô-la oferece a consciência indi­vidual.

36. A. Amor Ruibal, Problemas fundamentales de Ia Filosofia y dei Dogma, I, Madrid, sxl., p. 3.

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Nos seres contingentes podemos ainda distinguir duas categorias: uma, a dos seres capazes de conhecer sua origem e destino e aptos, portanto, para se dirigirem ao fim. Outra, a dos seres incapazes de conhecer sua origem e seu destino e que, por conseguinte, não podem dirigir-se. O fim destes seres é lei constitutiva do seu ser e eles o alcançam, indepen­dente de seu conhecimento. A causa final preside a confor­mação do universo inteiro, por isso nada escapa à sua orde­nação transcendente que tem sua origem na causa primeira de todos os seres.

Do que fica exposto podemos já deduzir qual é o objeto do pensar filosófico. A filosofia estuda o ser necessário que é Deus e os seres contingentes que são o homem e as coisas exteriores; noutras palavras, são objeto formal e adequado da filosofia as três ordens de realidades: divina, humana e cósmica, consideradas em suas razões ou princípios últimos.

Quando se toma em sua amplitude, sem as mutilações absurdas dos sistemas agnósticos, ou neo-kantianos, consti-tue este estudo um empreendimento grandioso, digno de espí­ritos imortais, estudo que, se por vezes nos desalenta e de­sespera, com mais freqüência nos proporciona horas de ine­fável deleite, capazes de fazer inveja aos deuses do Olimpo homérico.

O lugar da filosofia no conjunto das disciplinas huma­nas é o mais central e principal. O Estagirita outorgava à filosofia o papel de reitora e guia

de todas as ciências.

Pode dizer-se que da filosofia dependem, para seu acer­tado encaminhamento, todas as atividades sociais, artísticas e políticas humanas. Com efeito, dela são os princípios redo­res das disciplinas que estudam: a possibilidade e condições de nosso conhecimento; a origem e destino do homem; a necessidade da religião; os princípios supremos da ética e do direito; a existência e a imortalidade da alma; a liberdade humana; a origem da autoridade política; a natureza e con­dições de beleza, etc, etc. Se estes princípios forem bem for­mulados e aplicados, o progresso será um fato; mas se não o

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ARISTÓTELES SANTO ANSELMO Quem primeiro formulou Precursor original da filosofia cristã,

os problemas da filosofia perene que escreve com a beleza e o fervor de um filósofo existencial

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forem, o desastre pode ter conseqüências incalculáveis. Seria, porém, exorbitar a questão, deduzir que a filosofia é como um resumo e compêndio de todas as ciências. A verdade pura é que a filosofia estuda apenas os princípios últimos do sa­ber humano que transcendem e em parte servem de norma a todas as ciências do espírito.

Com respeito à teologia, cumpre à filosofia viver em perfeita harmonia e acordo com ela. Para isto deve partir do princípio de que a verdade não pode contradizer a verdade, por conseguinte, sendo a verdade revelada certíssima (como se deduz dos motivos de credibilidade de que trata a apolo-gética), em muitos casos servirá ao filósofo, embora que de modo indireto, para não se afastar da mesma verdade eterna. O que acontece é que o homem moderno, possuído de orgu­lho desmesurado, sacudiu o jugo de toda autoridade e pre­fere caminhar às cegas topando a cada instante nos calhaus da estrada, antes que ser dirigido por autoridade nenhuma, sequer seja a de Deus.

Não foi este o exemplo que nos legaram nossos grandes mestres do passado: Orígenes, Clemente de Alexandria, os Nazianzenos, Sto. Agostinho, Sto. Anselmo, Sto. Tomás, Des­cartes, Leibniz, Suárez, Balmes, Amor Ruibal e tantos e tan­tos outros gigantes do pensamento, possuidores de inteligên­cia pujantíssima e perspicaz, bem superior à de tantos pig­meus do racionalismo e do empirismo que se querem arvorar em mestres e guias do pensamento.

Os que, porém, tiverem aptidões e pendores para a espe­culação filosófica, saibam que, indo guiados por um sincero amor à verdade podem navegar pelo dilatado mar da sabe­doria sem temor de tropeçar nunca com dogmas em oposição formal com os princípios do intelecto humano.

A verdade é que a fé e a ciência se prestam mútua aju­da, como bem o compreendeu Clemente Alexandrino quando dizia: Sífcíão conheço sabedoria sem fé nem fé sem sabedo­ria"37.

37. Clemente Alexandrino, Stromata, L.V. 1, Migne, P.G.t.9., ?. 10.

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Agora indagamos: com a enorme difusão, posto que não em profundeza, que atingiram nos tempos modernos os estu­dos filosóficos, tornou-se a vida do homem mais satisfeita e feliz? Estão as filosofias da hora presente fadadas com auspi­ciosos sinais a devolver ao mundo, pacíficas, venturosas for­mas de humana convivência? Ou pelo contrário, se prosse­guirmos no mesmo rumo até tirarmos as derradeiras conse­qüências que encerram os sistemas imperantes na hora, não estaremos correndo o risco de uma derrocada abissal que arra­saria esta civilização cristã-ocidental de que legitimamente nos orgulhamos? Acostumados a contemplar o mundo e a história pelo prisma de nossa cultura, reduzindo assim con­sideravelmente o ângulo de visão e ainda envolvendo o Cris­tianismo como elemento inseparável desta civilização que em alto grau o assimilara, custa-nos hoje compreender, pensar sequer, num mundo em que o Ocidente não ocupasse mais o lugar hegemônico que vem desfrutando desde muitas cen­túrias.

Não nos iludamos, porém. Para Deus isto nada conta, e menos ainda Lhe custará suscitar na Ásia, berço da huma­nidade e assento de culturas milenárias, ou noutra qualquer parte do universo, novas e magníficas cristandades que de­senvolvam um tipo de civilização mais humana, mais im­pregnada do sobrenatural e mais leal a Cristo do que esta nossa fementida, crepuscular, civilização do Ocidente.

E agora, outra pergunta: não devemos retornar à filoso­fia perene, à procura de mais sólidos alicerces para funda­mentação de formas de viver mais apropriadas, a fim de sairmos ao encontro da ameaça catastrófica que paira sobre o mundo ocidental?

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Capítulo III

A ATUALIDADE FILOSÓFICA

Ortega y Gasset, finíssimo observador, sensível às mais leves pulsações da vida intelectual, confessava paladinamente que "todo en Europa se há vuélto cuestionable". De pouco serve que logo, com um otimismo ainda mais questionável, nos diga: "El que nuestra civilización se nos haya vuelto problemática, ei sernos custionables todos sus princípios sin excepción — o grifo é de Ortega — no es, por fuerza, nada triste, ni lamentable".38 Registremos apenas o fato: tudo, sem exceção, é problemático e questionável. È este o lado interno da chamada "anarquia de sistemas".39 Quem mergulha na imensa floresta bibliográfica atual da temática filosófica, para logo fica atônito perante o incessante pulular de variados sistemas e nomenclaturas filosóficas.

Ferrater Mora, em seu recente livro sobre a filosofia atual, após breves páginas sobre a "discórdia filosófica con­temporânea", não sem certo humorismo, oferece-nos "alguns exemplos" das novas concepções que, data venia, transcre­vemos aqui, pois, melhor que longas explicações, nos dará

38. José Ortega y Gasset, Meditación de Europa, Obras inédi­tas, Madrid, Rev. de Occidente, 1960, p. 26.

39. Esta frase é hoje comum para exprimir a atual atomização e confusão reinantes no mundo filosófico. Dela se serviu, no próprio título de sua Comunicação ao XI Cong. Intern. de Filosofia, A. P. Carpio. The Anarchy of Systems and The Theory of Truth, Actes du Xlème C. Int. de Philosophie, Bruxelles, 1958, t. I, p. 13.

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idéia da "anarquia de sistemas" reinante: "De un modo o de otro he mencionado Ias tendências siguientes: idealismo, actualismo, personalismo, realismo, neo-realismo, realismo crítico, filosofia realista, inmanentismo, neutralismo, evolu-cionismo, emergentismo, pragmatismo, intelectuaíismo, ope-racionismo, intuicionismo, irracionalismo, racionalismo, feno-menologia, existencialismo, positivismo lógico, empirismo ló­gico, empirismo científico, filosofia analítica, filosofia dei espiritu, marxismo y neoescolasticismo. En modo alguno pre­tendo que estos ejemplos agoten ei repertório. Muchas otras concepciones podrían figurar en él. Por ejemplo: behavio-rismo, convencionalismo, empiriocríticismo, espiritualismo, fenomenismo, formalismo, historicismo, modernismo, panca-lismo, solipsismo, vitalismo — por no decir nada de tendên­cias de índole más tradicional convenientemente acomodadas a Ia usan?a contemporânea, como ocurre con ei atomísmo, conceptualismo, criticismo, determinismo, dogmatismo, dua­lismo, eclecticismo, escepticismo, humanismo, individualismo, nominalismo, optimismo, pesimismo, pluralismo, sensualis­mo, subjetivismo, trascendentalismo, voluntarismo —. $1 re­pertório podría, además, enriquecerse con Ia mención de nombres de escuelas albergadas en lugares específicos — co­mo Ias escuelas de Baden, Cambrigde, Gallarate, Lovaina, Marburgo, Milán, Oxford, Upsala, Varsovia, Viena y Zürich — o con Ia referencia a orientaciones características de cier-tos países, como ei actualismo y ei problematismo italianos, ei perspectivismo y ei raciovitalismo espanoles, ei experimen­talismo francês, ei idoneísmo suizo y ei reísmo polaco. Pa­rece, pues, que en filosofia contemporânea todo es posible".40

A que se deve, porém, este fenômeno? Várias e mui di­versas são as causas. Com a generalização, quase diríamos democratização, dos estudos filosóficos e o relaxamento si­multâneo que se verifica para com toda autoridade — tanto religiosa como social ou doutrinária —, as antigas escolas e sistemas perderam sua coesão e sucedeu-lhes um desorbitado sincretismo que, pela sua própria índole, carece de coerência

40. José Ferrater Mora, La filosofia en ei mundo de hoy, Ma-drid, Rev, de Occidente, 1959, p. 38-39.

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lógica e leva, por conseguinte, à constante divisão, subdivi­são e amálgama das mais variadas doutrinas. A causa prin­cipal, porém, da anarquia, devemo-la buscar originariamente na tendência sempre crescente a um subjetivismo filosófico e religioso sem limitações. Famosa se tornou aquela expressão fichteana: "Was für eine Philosophie man wãhle, hángt da-von ab, was für ein Mensch sei".41 "A classe de filosofia que se elege, depende da classe de homem que se é", e dá a razão, pois "um sistema filosófico não é um utensílio morto de que se pode botar mão ou não, quando nos apraza, senão que está animado pela alma do homem que o tem". Claro está que literalmente entendida, como parece que a entendeu Fichte, esta sentença, que fez tanta fortuna, é a consagração plena do subjetivismo em filosofia. Argüe-se: o pensar filo­sófico não é algo impessoal, como os descobrimentos ou in­venções técnicas, ou como as leis físicas e matemáticas? A filosofia envolve toda a pessoa do pensador; sua obra não é uma descoberta, porém uma criação, em tudo análoga aos produtos do poeta ou do artista. Por esta razão o historiador da filosofia não se há de limitar a estudar os sistemas em si mesmos e em suas relações recíprocas. Ele deve, se quiser obter resultados autênticos, olhar os sistemas como fruto do espírito do tempo e dos homens cujos dotes refletem a vida, história e modos de um determinado povo.

Harold Hõffding pergunta-se também pelos fatores que mais influem no trato e soluções dos grandes problemas filo­sóficos, e responde que "Ia personalitá dei filosofo si deve porre in primo luogo"42 porque, se esses problemas têm em comum acharem-se nos limites do conhecimento humano, onde os métodos das ciências exatas são perfeitamente inú­teis, segue-se, de modo inevitável, que a personalidade do pensador determine a direção do pensamento.

Sem dúvida, as condições de vida e do meio ambiente em que vive o pensador influem e às vezes condicionam sua

41. J. G. Fichte, S&mtliche Werke, Berlim, 1845, I, 434. Cit. por Eisler, Wôrtebuch der philosophischen Begriffe, 4.", Berlim, 1929 verbete Philosophie, II, 441.

42. Harold Hõffding, Storia delia filosofia moderna, trad. ita­liana por Martinetti, Turin, 1913, vol. I, p. X.

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filosofia. "Ê a tragédia da própria filosofia que toda deter­minada fixação da verdade só tenha vital interesse para o tipo humano que lhe corresponda".43

Isto, bem entendido, é aceitável. Coisa, porém, inteira­mente diferente é afirmar, na linha do pensamento fichteano e de outros, que a especulação filosófica representa o fruto da imaginação criadora; que o "homem é a medida de todas as coisas" e à sua ação se subordina assim a ordem da reali­dade como a dos valores.

Legitimado por esse subjetivismo, prolifera em nossa época o mais desenfreado individualismo de pensadores que assim procuram, não propriamente aumentar e reelaborar o cabedal de verdades adquiridas, porém assinalarem-se por alguma originalidade, quando não nas idéias, coisa tão difí­cil, pelo menos nalgum bizantismo verbal, Referindo-se à anarquia e à falta de profundidade que reinam no campo da especulação filosófica contemporânea, o gênio filosófico que foi Amor Ruibal assim se exprimia numa carta: "El deseo desorientado de novedades y Ia incapacidad para una labor constructiva que imponga en ei campo heterodoxo su jefa-tura ocasiona ese universal desconcierto entre sus filósofos, empequeneciéndolos cada vez más" (Esta carta, junto com outras cinco a nós dirigidas pelo sábio Mestre foram insertas por Gómez Ledo em sua bela obra: Amor Ruibal 6 La sabi-duría con sencillez, Madrid, 1949, 317-326). Esquecem mui­tos que o progresso histórico da filosofia não consiste em adquirir de um modo contínuo e sistemático fatos novos, mas em aprofundar e perfilar aquelas grandes questões que inte­gram seu conteúdo, à medida que a experiência humana se enriquece no decorrer dos séculos.

Sem embargo, a anarquia dos sistemas filosóficos, con­quanto, como diz Ferrater Mora, "haya alcanzado a Ia hora

43. "Es ist die Tragik der Philosophie selbst, dass jede bes-timmte Wahrheitssicherung auch nur für einen entsprechenden Typ lebensbestímmend ist". Alois Dempf, Selbstkritik der Philosophie uhd vergleichende Philosophiegeschichte im Umriss, Viena, Herder, 1947, p. 126.

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actual su nivel máximo",44 veio se processando desde o início e simultaneamente com a filosofia moderna. "Estamos nave­gando, vários siglos ya, diz com exação Ortúzar, en un hervi-dero de filosofias divergentes y en ciertos aspectos contradi­tórias, pero coincidentes todas en no dejar via libre a nin-guna concepción, que sea de Ia natureza o de Dios, si no lleva Ia impronta subjetivista".45 E Cousin receiava que a prodigiosa quantidade de sistemas, "formant une masse con-fuse, un chãos, un vrai labyrinthe ou mille routes se croisant en tous sens, ne permettent pas de s'orienter", a muitos desen­corajasse do estudo filosófico.46

Muito embora a multiplicidade de sistemas venha se pro­cessando, com ritmo acelerado, nos três últimos séculos, o objeto de nosso trabalho são apenas as correntes de pensa­mento que denominamos de FILOSOFIAS DA HORA. Qual é porém, o horizonte temporal destas filosofias? Posto que nos referimos à atualidade, de que ponto ou data devemos partir? É um fato que todas essas filosofias, isto é, as que têm vigência na atualidade, são continuação ou têm sua fonte próxima de inspiração, nas filosofias imediatamente anterio­res, razão pela qual afirma justamente Ferrater Mora que, na exposição ou exame de qualquer filosofia, não se pode pres­cindir "de una cierta dimensión histórica".47 Por esta razão e havendo de assinalar uma data, que nestas matérias há de ser inevitavelmente um tanto arbitrária (do mesmo modo que no ensaio de Ferrater, cujo título, La filosofia en ei mundo de hoy, é análogo ao de nosso tema), abrangeremos o espaço que compreende nosso século, dando preferência e mais am­plidão, está claro, às correntes ou derivações que mantêm maior atualidade.48

44. Op. cit., p. 23. 45. Martin Ortúzar, El ser y Ia acción en Ia dimensión humana,

Madrid, revista Estúdios, 1961, p. 4. 46. Victor Cousin, Histoire générale de Ia Philosophie, Paris,

1864, p. 4. 47. Op. cit., p. 13. 48. Julian Marias, sob a epígrafe La fitosofia de nuestro tiempo,

"compreende os filósofos e sistemas vindos à luz no último quartel do século XIX", Historia de Ia filosofia, 4." ed., Madrid, Revista de Occidente, 1948, p. 352 ss.

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Capítulo IV

CLASSIFICAÇÃO SISTEMÁTICA

O sincretismo é a nota dominante na filosofia contem­porânea. Na maioria dos países a iniciação filosófica dos alu­nos e os estudos superiores de filosofia não obedecem a ne­nhuma linha sistemática e unitária. Todos os grandes siste­mas, ainda os mais contraditórios, deverão ser apresentados e discutidos pelos alunos desde as aulas do ginásio até as da universidade, recebendo, de cada um dos mestres, uma orien­tação filosófica diferente. Resultado? A desaparição comple­ta de toda disciplina sistemática ou de escola e o predomínio, na bibliografia filosófica, de autores e livros em que se amal-gamam doutrinas ou elementos dos sistemas mais heterogê­neos e amiúde contraditórios.

Gustavo Teodoro Fechner, em seu livro de confissões A visão diurna em face da visão noturna, compara a moder­na filosofia com a Penélope angustiada, em primeiro lugar porque continuamente desfaz o tecido que tecera e, em se­guida, porque tem muitos pretendentes, e não esposa nenhum deles.49 É o que ocorre na atualidade: os filósofos fazem e desfazem, combinam ou dissolvem e, por via de regra, não esposam definitivamente nenhum sistema.

Compreende-se, pois, a dificuldade que oferece a classi­ficação de pensadores e de sistemas para emoldurá-los em

49. Cit. por Max Ettlinger, Philos. Fragen der Gegenwart, Kempten u. München, 1911, p. 279.

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caixilhos perfeitamente definidos. Fogem a todo ensaio lógi­co de enquadramento, ou melhor, comportam logicamente inúmeras classificações, dependendo apenas do ponto de vista ou da perspectiva escolhida; daí a grande diversidade e mes­mo perplexidade que provocam em todos os tratadistas e modernos historiadores da filosofia de passadas centúrias, em que a coincidência na divisão e classificação de escolas e pensadores é quase a mesma em historiadores das mais opos­tas tendências.

Já em começos do século, Frischeisen-Kõhler,50 no em­penho de classificar a filosofia moderna, manifestava-se im­pressionado com o doloroso espetáculo de confusão e de de-soladora anarquia que reinava no mundo dos filósofos. Não de modo diferente se exprime também Riehí.51 Essas perple­xidades e hesitações no delineamento do quadro da filosofia atual, acham-se com freqüência em muitos expositores, v.g. González Alvarez,52 E. Breton,53 Hans Pfeil54 e Johanes Hes-sen.55 Baumann optou por dar-nos um catálogo enumerativo das doutrinas segundo os autores;56 bem como a clássica his­tória de Überweg-Heinze faz a exposição seguindo uma ordem geográfica de países. Gómez Izquierdo, em sua excelente ex­posição da filosofia do século XIX, sem pretender realizar uma sistematização rigorosa de filósofos e escolas, intenta um esboço de classificação "agrupando-os pela razão da afi­nidade das doutrinas".57

50. Moderne Philosophie, Stuttgart, 1903, p. S. 51. Alois Riehl, Zur Einfürung in die Philosophie der Gegen-

wart, Leipzig, 1903, p. 236. 52. Historia de Ia filosofia en cuadros sinópticos, 4.*, Madrid,

EPESA, 1958, p. 120, 121. 53. Situation de Ia philosophie cõntemporaine, Paris, E. Vitte,

1959, p. 9-18. 54. Grundfragen der Philosophie in Denken der Gegenwart, Pa-

derborn, F. Shõning, 1949, p. 9-15. 55. Die Philosophie des 20 Jahrhunderts, Rottenburg, 1951,

p. 11-17. 56. Julius Baumann, Deutsche und ausserdeutsche Philosophie. 57. Alberto Gómez Izquierdo, Historia de Ia filosofia en ei

siglo XIX, Zaragoza, 1903, p. 7.

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Nossa tese não é um trabalho de história da filosofia, senão de análise, comparação e crítica de idéias; não inten­tamos ser exaustivos na enumeração e exposição de sistemas. Limitamo-nos, de acordo com nosso objetivo, àqueles siste­mas ou correntes doutrinárias que, a nosso juízo, exercem maior influência nos espíritos de nossos contemporâneos e por conseguinte, sem pretender a rigor sistemático, agrupa­remos as doutrinas em torno das correntes de maior signifi­cação no momento.

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MENENDEZ PELAYO Para quem a Filosofia Perene

constituiu o substrato de suas idéias estéticas e de seus ensaios histórico-filosóficos

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Capítulo V

PERVIVÊNCIA DE VELHOS SISTEMAS58

A) CRITICISMO KANTIANO — A filosofia de Kant passou, através de largo século e meio de vida, por várias vicissitudes e alternativas. O seu impacto, na vida filosófica do ocidente, foi enorme e pôde assim manter, posto que não sem várias metamorfoses, sua vigência continuada. Não são menos verdadeiras, hoje, que em 1891, quando foram escri­tas, as palavras de Menéndez Pelayo: "Apréciese como se quiera Ia obra de este memorable pensador, a nadie es lícito hoy filosofar sin proponerse antes que todo los problemas que él planteó, y tratar de darles salida. Grande fué su in­fluencia histórica, manifestada por todo ei desarrollo de Ia filosofia moderna".59

O dualismo radical do criticismo kantiano, em si mes­mo insustentável, conduzia necessariamente ao idealismo abso-

58. Usamos o neologismo "pervivência" e sabemos que não fi­gura nos léxicos. Entretanto é de formação morfologicamente impe­cável e, no aspecto semântico, não achamos outro que o possa subs­tituir, sem recorrer a um circunlóquio. A partícula PER, em com­posição, assim no latim como nas línguas românicas, acresce a signi­ficação de CONTINUIDADE, DURAÇÃO, v.g.: PERDURAR = manter-se, subsistir, PERSEVERAR = durar por longo tempo, PE-RORAR = seguir falando. A idéia expressa na epígrafe deste pará­grafo é a da continuação de vida dalgumas filosofias: PERVIVER = seguir vivendo.

59. M. Menéndez Pelayo, Ensayos de crítica filosófica, Edición Nacional de Ias obras completas, XLIII, Madri, 1958, p. 139.

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luto ou ao agnosticismo. Com efeito: todo o conhecimento deriva da experiência, mas esta só pode ter lugar na síntese do dado experimental com as formas a priori. Acontece, po­rém, que as formas a priori, tanto da sensibilidade como do entendimento, são inteiramente subjetivas e por conseguinte nada nos dizem das essências das coisas, da COISA EM SI, que Kant declara absolutamente incognoscível. Deste modo, nosso conhecimento fica confinado no mundo dos fenôme­nos, A conclusão é obvia; se nada conhecemos da COISA EM SI, como afirmar a sua existência? Portanto, assim racio­cinaram seus discípulos mais imediatos: fora com todas as realidades assim físicas como metafísicas; nada existe afora o sujeito pensante, autor único das mesmas impressões que atribuímos ao mundo exterior.

Por outra parte, se não conhecemos ou mesmo se não existem as COISAS EM SI; se o entendimento especulativo não pode atingir as essências das coisas, que constituem pre­cisamente o objeto da metafísica, fora com esta, a ciência humana ficará fatalmente limitada aos objetos da experiência sensível; sobre as entidades espirituais ou meramente ultra-experimentais pesará o eterno ignorabimus; as coisas e ope­rações cuja existência nos testemunha a consciência não se­rão mais que ilusões vãs.

Este último será o partido do positivismo como o ante­rior o foi do idealismo absoluto do romanticismo germânico.

Esta dupla orientação do pensamento seguirá em dire­ções cada vez mais opostas até meiados do século XIX. O idealismo, desprezando os dados sensíveis e o caminho se­guro das aquisições científicas, constrói belas e grandiosas estruturas, sem base nenhuma na realidade. Kant, que ainda admitira o dualismo fenômeno-coisa-em-si e os postulados da razão prática, é quase de todo esquecido; Hegel passa a do­minar sem competidor; durante vários anos, e para deses­pero de Schopenhauer, sua filosofia é oficial nas universida­des germânicas. O idealismo subjetivo e fantasioso reina soberano. Isto levou ao maior descrédito e metafísica e ainda toda a filosofia identificada, na opinião geral, com aqueles poemas filosóficos do idealismo.

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Por sua vez, em contraste com a máxima esterilidade científica do idealismo, as ciências naturais alcançavam enor­mes êxitos, utilizando-se dos métodos experimentais cada vez mais aperfeiçoados. A comparação era inevitável e a eleição estava feita: a filosofia com suas fantásticas construções, nada valia e de nada servia; era preciso que desse lugar à ciência, única digna do homem moderno. Além disto, en­quanto na Alemanha dominava despótico o idealismo abso­luto, cresciam na Inglaterra e na França sistemas de sinal oposto, isto é, materialistas. Estas direções demoram em se fazer sentir na Alemanha, mas à medida que o idealismo ia perdendo crédito foi também aparecendo lá, como numa fu­são do materialismo darwiniano e do positivismo de Comte, o materialismo germano.

Assim sendo, vários pensadores, enfastiados daquela si­tuação, julgam achar um fundamento filosófico seguro, para fugir ao materialismo e ao idealismo reinantes, no retorno a Kant. Para expressar-nos com Lange: "Do mesmo modo que um exército derrotado busca em redor um ponto seguro onde espera reunir-se e pôr-se novamente em ordem, assim tam­bém em todos os círculos filosóficos ouvia-se o brado: 'auf Kant zurückgehen!', voltemos a Kant".60 O próprio Lange deu grande impulso a esse retorno com a enérgica refutação que fez do materialismo em sua famosa História do materia­lismo. Em termos precisos descreve esta reação kantiana Delgado Varela: "Como una doble reación se produjo en ei panorama filosófico de Europa Ia 'vuelta a Kant': primero, contra los epígonos kantianos, Fichte, Schelling y Hegel, que habían llevado ei kantismo precipitadamente a zonas de pura idealidad, ai idealismo transcendental o absoluto; segundo, contra Ia comente positivista que había llegado ai craso y multitudinario materialismo. Europa sueria con ei sistema uni-

i tário que todo lo explique, que venza, de una vez para siem-pre, todas Ias dificuldades que Ia humanidad encontro en su lento peregrinar, y de ahí dos sistemas unitários opuestos,

60. Fr. A. Lange, Geschichte des Materialismus, 2." ed., Leipzig, Reclam, 187S, v. II, p. 2.

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dos monismos: ei ideal forjado por ei continuo bullir de cate­gorias a priori, y ei real o material, inmerso en Ia experiência sensible".61

Ao lado de Lange, e de Hemholtz, teve considerável influência na reabilitação de Kant o jovem e fogoso kantia-no Otto Liebmann. Em sua obra, Kant e os epígonos (1865), assinala o caminho errado que na interpretação de Kant se­guiram seus adeptos e aos quais culpa do funesto divórcio a que chegaram a filosofia e as ciências da natureza. Lieb-.mann terminava todos os capítulos do seu livro com o estri-bilho: "es muss auf Kant zurückgegangen werden", "portan­to, é indispensável voltar a Kant".62

Qual foi pois o ensino de Kant? Qual o sentido geral de sua filosofia e de seu método de filosofar? As respostas a estas interrogações agruparam-se em duas escolas, que por sua vez atraíram grande número de filósofos notáveis: a escola de Marburgo e a de Baden. A influência posterior des­sas escolas, não apenas na Alemanha, mas no mundo inteiro, foi considerável, e ainda se faz sentir de modo especial no campo ético e jurídico.

Se todos os neokantianos ou neocriticistas, como são mais comumente chamados, coincidem na exigência de voltar a Kant, já não se acha a mesma coincidência na interpreta­ção da filosofia do mestre de Kõnigsberg.

A escola de Marburgo teve por seu chefe indiscutível, durante muitos anos, a Hermann Cohen e a ela pertenceram também Natorp, Cassirer, N. Hartmann, Paulsen, Vorlander e o notável jurista Rodolfo Stammler.

Mais que seguir ^literalmente a Kant, a escola de Mar­burgo procura interpretar o genuíno espírito do filósofo, des-

61. José M. Delgado Varela, La Gracia divina en ei Correla-tivismo (Publicaciones dei Monasterio de Poyo — 2, Madrid, re­vista Estúdios, 1961), p. 10 — A palavra correlativismo é perfilhada pelo mesmo Delgado Varela como a mais apta para exprimir a natureza do sistema filosófico originalíssimo de A. Amor Ruibal.

62. Ernst v. Aster, Geshichte der Philosophie, Leipzig, 1932, p. 344.

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prezando formas ou expressões mais ou menos condicionadas pelo tempo em que escreveu. "Não insistiríamos, assevera Natorp, em sepultar o corpo desta filosofia contanto que vivesse seu espírito".63

Com Kant negam os neocriticistas a possibilidade de metafísica e reduzem toda a filosofia à gnoseologia. O mundo da cultura está demarcado em sua integridade pelas três ciências, lógica, ética e estética. Segundo o mestre de Kõnigs­berg todo conhecimento é resultado de dois fatores: as intui-ções fenomênicas e as formas a priori. A escola de Marburgo rejeita esse dualismo. Segundo eles, a sensação não é fator do conhecimento, antes se parece com o X duma equação matemática, é a incógnita que o entendimento por si há de descobrir. Ê mediante as categorias, que são pura criação do pensar, que o pensamento lógico resolve a incógnita, mas com dependência da sensação no sentido kantiano, isto é, como síntese do elemento material com as formas a priori. "Rechazada Ia experiência como factor de conocimiento, re­sume González Alvarez, queda en pie Ia sola razón discursi­va. La filosofia se identifica con ei despliegue progresivo de los juicios, versando sobre ei producto mismo de Ia actividad cognoscitiva, esto es, de Ias puras relaciones lógicas, inma-nentes a los conceptos mismos. La filosofia queda, de esta manera, reducida a los limites de Ia lógica".64

Assim, a escola de Marburgo dissolve toda realidade em puro logicismo ou panlogismo, desde a metafísica até a ética e ao próprio Deus. Nada mais pobre do que a filosofia da religião de Cohen e de Natorp. Eles nem ante a existência de Deus se detiveram e negaram validade aos postulados kantianos, negando a demonstrabilidade e existência de Deus. Para Cohen, Deus é simplesmente a idéia moral e a religião fica dissolvida na ética e na cultura. Natorp, mais radical ainda, substitui a idéia de Deus pela idéia da Humanidade em sentido comtista e confina totalmente a religião na cul-

63. Cit. por J. Hessen, Die Philosophie des 20 Jahrhundert, Rottenburg, 1951, p. 42.

64. A. González Álvarez, Historia de Ia Filosofia en cuadros esquemáticos, 4." ed., Madrid, EPESA, 1957, p. 42.

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tura, privando-a de toda transcendência. Diz Delgado Varela: "Los filósofos de Ia 'vuelta a Kant', los neokantistas y neo-criticistas, coinciden con ei materialismo y cientifismo deci-monónicos en negar a Dios y todo orden real transubjetiva superior ai hombre. Dios y Io sobrenatural no existen. Tam-poco Ia ciência que preside ei estúdio de estas realidades: Ia ontologia. Nos encontramos con ei punto álgido dei agnos-ticismo religioso, ya de orden idealista, como en ei neocriti-cismo kantiano, ya de signo positivista o pragmatista, como en los filósofos de Ia experiência, de Ia acción y de Ia vida".65

Simultânea com a de Marburgo floresceu também a escola de Baden, cujas figuras principais eram Windelband, Rickert e Emilio Lask. Também eles procuraram antes de tudo desenvolver o kantismo, sem sujeitar-se muito à inter­pretação literal. Como os pensadores de Marburgo, acentuam o caráter criador do nosso pensamento; rejeitam a COISA EM SI kantiana e toda realidade independente da consciência. Entretanto não coincidem com aqueles na redução da filo­sofia à pura gnoseologia. Para a escola badense a filosofia deve considerar-se como filosofia da cultura universal e estu­do dos valores. Talvez constitua o maior mérito desta escola a ênfase que deram seus representantes aos valores e os magní­ficos estudos que origindu sobre esse aspecto da filosofia.

Os neo-kantianos absorveram durante muitos anos a atenção filosófica do mundo. Hoje, se excetuarmos a filosofia do direito, é muito menos perceptível sua influência, muito embora alguns daqueles autores achem ainda leitores para várias de suas obras, não as puramente filosóficas mas as críticas ou históricas.

Carreras afirmava já em 1934 que "ei criticismo neo-kantiano retrocede hoy en sus posiciones y a juzgar por una multitud de sintomas, ha entrado en Ia agonia".66

B) O IDEALISMO ABSOLUTO ANGLO-AMERICA­NO — O idealismo anglo-americano é um fruto seródio do

65. Op. cit., p. 11. 66. J. Carreras Artau, Filosofia, in Enciclopédia Esposa, Suple­

mento de 1934, Barcelona, 1934, p. 347.

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idealismo romântico alemão. Quando este se encontrava em franco declínio na sua pátria e as vozes de "retorno a Kant" se faziam ouvir insistentes, surge vigoroso o culto e admira­ção por Kant e sobretudo por Hegel — razão por que o mo­vimento anglo-americano é também chamado de neohegelis-mo — naqueles dois países saxônicos.

Com efeito, na Inglaterra e nos Estados Unidos só na segunda metade do século XIX foi dada atenção e importân­cia ao idealismo transcendental germânico, especialmente em sua versão hegeliana. Introduzido na Inglaterra por James H. Stirling, Thomas H. Green, Hohn Caird, Bernard Bosanquet e nos Estados Unidos pelo grupo de St. Louis, com a revista The Journal of Speculative Philosophy, sob a direção de William T. Harris e com Josiah Royce e James E. Creigton, gozou desde o último quartel do século passado, até a Se­gunda Grande Guerra, enorme predomínio no pensamento anglo-americano, principalmente sob o magistério indiscutí­vel de Francis H. Bradley (1846-1924).67

Bertrand Russel que, segundo ele próprio afirma, come­çava a estudar seriamente a filosofia no ano (1893) em que Bradley publicava sua obra mais importante, Appearance and Reality, declara que este livro produziu nele e em seus contemporâneos grande entusiasmo e encarece os esforços de Bradley para a aclimatação da filosofia alemã na Inglaterra.68

Pelo que se refere aos Estados Unidos, observa W. Riley que, por aqueles anos, a influência alemã no pensamento norte-americano "have been the most significant".69

A filosofia desse grupo de pensadores sentia verdadeira predileção por Hegel. Harris, servindo-se da revista antes mencionada, envidou todo o esforço por "fazer a Hegel falar

67. G. Watts Cunningham, English and American Absolute Idea-lisme, in A History of Philosophical Systems, edt. by Vergüus Ferm, New York, s.d., p. 315-327.

68. Bertrand Russel, Philosophy of the Twentieth Cenfury, Twentieth Century-Philosophy, edit. by Dagobert Runnes, New York, 1943.

69. W. Riley, American Thought from Puritanisme to Pragma-tisme and Beyond, New York, H. Holt, 1923, p. 229.

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em inglês". Neste pensador, ou melhor, no hegelianismo, esperavam achar armas com que aplastar o monstro de três cabeças: anarquia em política, tradicionalismo em religião e naturalismo na ciência. Este movimento representou — na opinião de Muirhead — uma verdadeira "ressurreição da metafísica" na Inglaterra.70 Não se pode, entretanto, identi­ficar o idealismo de Bradley, Bosanquet ou Royce com o idealismo transcendental de Hegel, e eles mesmos fazem ques­tão de distingui-lo.71

Bradley denomina seu sistema de idealismo absoluto. Para ele, a Natureza é o que resta de existência, quando abstraímos na experiência tudo que é psíquico. A natureza é pura aparência e é fora que temos de procurar a realidade: "O mundo físico é para cada um de nós uma abstração da realidade total".72

Que coisa é, porém, a realidade? É o Absoluto tomado "como única experiência total que abarca e põe de acordo todas as diferenças parciais". O Absoluto é a experiência concreta e absolutamente completa de modo que nossos con­ceitos de espaço e tempo, alma e corpo, a natureza, o eu e até o bem e o mal nada mais são que abstrações do todo Absoluto e, enquanto abstrações, não são realidades, e se por tais as tomarmos, tornar-se-ão ilusões. Assim, pois, é esse Absoluto que, como a idéia hegeliana, jaz no fundo do ser, a um tempo universal e concreto, e que nós alcançamos nu­ma "intuição imediata" por cima de toda a experiência.

Bradley e os outros neo-hegelianos, embora mantendo entre si certas desinteligências, coincidiram em combater acerrimamente o empirismo e o dogmatismo. Tirando, porém, este valor positivo, é bem pouco o que do seu pensamento se pode aproveitar e diríamos melhor que seu labor foi radi-

70. James E. Creighton, Two Types of Idealisme, in Philoso-fical Review, XXVI, Sep. 1917, p. 514-536.

71. J. H. Muirhead, Contemporary British Philosophy, 2." ed., London, 1953, p. 303.

72. "The phisical world is for each of us an abstraction from the entire reality", Appearence and Reality, Oxford, 1930, p. 232.

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calmente negativo. Creio, pois, que não serão muitos os que com Muirhead lamentem que "não chegasse ainda o tempo em que seja possível uma apreciação de conjunto da obra do pensador mais original (?) de nossos tempos".73

O historiador Guido de Ruggiero, nada suspeito, pois é ele também idealista, indaga: "Que queda hoy de aquel idealismo neo-hegeliano anglo-americano? Sus más grandes corifeos han muerto y no Se hallan ya casi rastros de su ensenanza".74 Por sua parte, Evans afirma que "muito em­bora reconheçamos a poderosa influência daqueles pensado­res idealistas em nossa herança cultural, este reconhecimento não passa de um respeitoso tributo aos mortos".75

73. Op. cit., p. 316. 74. Guido de Ruggiero, Filosofias dei siglo XX, Trad. Adriana

T. Bo, Buenos Ayres, Ed. Abril, 1947, p. 11-12. 75. D. Luther Evans, The Ego-Centric Prerogative, in Perspec­

tives in Philosophy, Essays by the Ohio State University, p. 31.

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AMOR RUIBAL Gênio renovador da filosofia cristã

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Capítulo VI

0 RELATIVISMO E SEUS VARIADOS ASPECTOS

Em nossa época já não se podem sustentar os princípios válidos outrora; é preciso compreender que os termos mu­dam e com eles as coisas todas, o que para uns é verdade, é para outros erro, o que uns têm por bom, outros o têm por mau. Como, pois, poderemos estar certos de coisa alguma? Com o tempo e as condições de vida transformam-se tam­bém a moral e o direito; veritas filis temporis, diziam os antigos, a verdade é filha do tempo e com ele muda também de forma; como abrigar a pretensão de fazer valer hoje a moral de tempos pretéritos?

Tais expressões, e outras análogas, ouvimo-las hoje com a máxima freqüência, da boca de pessoas pertencentes a to­das as classes sociais. É que o relativismo epistemológico, como o jurídico ou o moral, penetrou intimamente em todos os ambientes e de tal modo se difundiu que arrebatou dos corações toda a certeza.

Em nossa exposição não englobamos o relativismo e o historicismo num único capítulo, pois muito embora tenham grande afinidade e partam de princípios substancialmente idênticos, todavia não os podemos identificar, visto como o relativismo apresenta no pensamento moderno uma extensa gama de direções filosóficas diferentes, ao passo que o histo­ricismo demarca apenas uma parcela do território relativista.

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O historicismo é hoje a forma de relativismo de mais vigência e atualidade, uma vez incursos em completo des­crédito o positivismo e o evolucionismo spenceriano. Por esta razão trataremos principalmente do relativismo em geral e dedicaremos logo outro capítulo ao historicismo.

A) RELATIVIDADE DO CONHECIMENTO

Às formas do antigo ceticismo, que como tal já nenhum filósofo tinha coragem de defender, sucedeu o relativismo que, com nome diferente, conota o mesmo conteúdo filosó­fico do ceticismo. O relativismo é mesmo a forma moderna do ceticismo: "Se vi è un motivo che resulti dominante nella filosofia e nella scienza di oggi, fruto di tutto il travaglio gnoseológico ed epistemologico degli ultimi cinqüenta anni, é quello dell'insuperabile e costitutiva relativitá delia conos-cenza, e peró anche delia conoscenza scientífica".76

Os teóricos do relativismo não vêem nas normas supe­riores de conduta humana e nos princípios lógicos e meta­físicos, necessários a todo conhecimento certo, mais que pro­dutos naturais da sociedade humana. O surpreendente, po­rém, é que não se limitam a propor sua teoria como uma simples opinião, mas pretendem demonstrá-la como certa e segura. Entretanto, que outra coisa significa neste caso de­monstrar, senão dar por suposto que, por sobre o fluir das representações singulares, há uma instância necessária, supe­rior, que todos devem admitir? "Quem demonstra o relati­vismo, diz em frase concisa Windelband, o aniquila".77

O relativismo não é propriamente um sistema, ele vem a ser como o substrato, o resultado ou derivação de vários sistemas mais ou menos agnósticos, coincidentes na negação da metafísica realística e na afirmação de que não existem verdades imutáveis e sim apenas verdades temporais, mutá­veis e relativas. Para o moderno relativismo não há verda-

76. Franco Amerio, Epistemologia, Brescia, Mordelliana, 1948, p. 388.

77. Wilhelm Windelband: "Wer den Relativismus beweist, ver-nichtet ihn", Praludien, 6.", Tubinga, 1919, I, p. 44.

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des absolutas bem como tampouco religião nem philosophia perennis. Para cada tempo e categoria de pessoas não só se justificam, como ainda se tornam necessários novos princí­pios e novas opiniões e perspectivas.

Do relativismo em sua forma temporalista deu-nos a fórmula precisa um de seus modernos defensores: "È vero che ogni tempo ha Ia sua filosofia, e che solo pel tempo di cui è il prodotto questa rapresenta Ia veritá definitiva".78

Mas nem todo relativismo é errôneo. No campo do pen­samento e da verdade, na constituição do ideal da ciência há uma certa evolução e relativismo cuja aceitação é inevi­tável. Por esta razão, antes de entrarmos na exposição do relativismo em suas várias formas que julgamos inadmissí­veis, seja-me permitido fazer algumas indicações sobre os diversos sentidos que revestem a palavra relativismo ou rela­tividade em filosofia.

As palavras relativo e seu derivado relativismo têm múl­tiplas acepções: "Casi pudiera decirse que apenas existem dos personas que, ai emplearlas coincidan exactamente, dando-les Ia misma amplitud de significado".79

O conhecimento humano é essencialmente relativo: a) Por conhecimento em geral entendemos aquele ato primitivo e indefinível pelo qual o ser ou as coisas se fazem de algum modo presentes ao sujeito que conhece. Ou, como o define Zaragüeta, "a assimilação ou projeção intencional de um objeto conhecido de caráter físico ou mental e de ordem real ou ideal, por um sujeito cognoscente".80 Temos pois que em todo ato de conhecimento há três elementos: Um sujeito que conhece, um objeto conhecido e a relação de presença de um no outro que constitui o conhecimento. Esta relação é peculiar e diferente de toda outra relação. Por ela o sujeito

78. Giuseppe Rensi, Leneamerifi de Filosofia Scetica, 2." ed., Bologna, 1921, p. 241.

79. Alejandro Roldán, Fundamentos dei relativismo filosófico moderno — in Pensamiento I, 1945, p. 181.

80. Juan Zaragüeta, Vocabulário filosófico, Madrid, Espasa-Cal-pe, 1955, p. 115.

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não é meramente passivo, ele entra em atividade vital para assimilar e trazer a si o objeto e fazê-lo assim algo de pró­prio; entretanto, sob outro aspecto é passivo pois não age de modo nenhum sobre o objeto, antes dele recebe toda de­terminação. Não é porque eu capte ou apreenda o trem em movimento que sou causa de que ele se mova, nem tam­pouco porque escute cantar o sabiá que minha audição exerça qualquer influência nos seus gorgeios. O objeto permanece invariável em si, porém age ativamente como determinante do sujeito no ato cognoscitivo: o objeto é o correlato do sujeito no ato de conhecer e constitui precisamente nesse ato o término conhecido. O sujeito só é tal em ordem ao objeto, bem como o objeto só é objeto em ordem ao sujeito. Vemos como a relação de sujeito a objeto é absolutamente insepa­rável, imanente ao ato cognoscitivo e ela constitui justamente o conhecimento que sem essa relação é mesmo impensável. Na relação tem seu assento também a veracidade ou falsi­dade do conhecimento. Quando a assimilação ou imagem obtida reproduz o objeto fielmente, temos a verdade e, em caso oposto, o erro.

Se agora analisarmos cada um dos três elementos, per­cebemos o grau ou medida em que podemos falar de rela­tividade do conhecimento.

Com efeito, os relativistas partem desta relação consti­tutiva do conhecimento, que todos os filósofos aceitam, sem por isso prejudicar a realidade extramental do objeto, — que para os idealistas não seria admissível — para deduzir a absoluta relatividade do conhecimento. Isto porém excede os dados do problema.

Dupla forma de conhecimento há em nós: o sensível e o intelectual. Se considerarmos o objeto em cada uma des­tas formas de conhecer aparece indubitável sua relatividade: 1." — porque nas sensações as qualidades, que percebemos, em nós se acham formalmente, nos objetos porém só virtual­mente ou com real existência mesmo, como ensina a Escola, fora dos sentidos. Em qualquer das hipóteses nossa apreen­são dos objetos é sempre relativa e parcial, como convém à

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natureza limitada de nossa sensibilidade. Ê, principalmente, no conhecimento sensível onde cabe justamente o perspecti-vismo: nossa apreensão dos objetos será sempre limitada e determinada pela faculdade sensitiva, lugar, tempo, etc, de nossa atuação cognoscitiva. O resultado será de modo inevi­tável uma visão parcial do objeto e nunca a percepção total e absoluta do mesmo.

Quanto ao conhecimento intelectivo, nele distinguimos dois elementos: de uma parte os primeiros princípios, inde-monstráveis e ao próprio tempo fundamento de toda demons­tração, objeto de intuição racional, ou virtualmente inatos, como queria Leibniz, implícita e necessariamente presentes em todo ato intelectivo e sem os quais estes não se concebem.

De outra parte o mundo todo de nossos conceitos ou idéias, formas comuns da realidade e da inteligência pelas quais aquela se torna inteligível e esta, inteligente da reali­dade. Às idéias são de formação abstrativa, daí sua essen­cial limitação e a impossibilidade de que um conhecimento que se verifica na base de separações e análises possa cons­tituir um conhecimento absoluto.

Ademais, o relativismo do conhecimento intelectual de­riva sobretudo da impossibilidade de esgotarmos a completa ihteligibilidade dos seres, fenômeno que não precisa demons­tração, pois a consciência nos dá testemunho irrecusável desta limitação. Efetivamente, à nossa vista está o progresso e desenvolvimento da civilização na base de novos, constantes e portentosos avanços das ciências naturais, isto é, do conhe­cimento de novos aspectos e relações da natureza, antes des­conhecidos. Nas próprias verdades eternas da religião obser­vamos também um perpétuo progresso e aperfeiçoamento; bem como os fatos históricos, ainda os melhor estabelecidos, recebem novas iluminações, esclarecimentos e correções.

Outra fonte considerável do relativismo cognoscitivo ra­dica no juízo, ou relação que o entendimento estabelece entre dois objetos mentais chamados respectivamente sujeito e pre­dicado do juízo. O sujeito ocupa no juízo o lugar da reali­dade e o predicado exprime os conceitos ou categorias do

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entendimento. Daí a noção escolástica da verdade: adaequatio rei et intelectus, uma conformidade dos conceitos com que pensamos as coisas e a realidade das coisas pensadas. Ora, esse pronunciamento sobre a relação dos extremos do juízo verifica-se através da comparação do seu conteúdo e exten­são respectivos, na base de análise e síntese ou, como diziam os antigos, pela composição ou divisão, afirmando ou negan­do a conveniência da existência ou de atributos no sujeito; mas como essa conveniência não nos é dada na imediata intuição das relações todas dos seres conhecidos, só laborio­samente e por graus as descobrimos; donde neste aspecto o conhecimento só poder ser relativo.

Se do objeto do conhecimento passarmos à análise do sujeito da relação cognoscitiva, descobrimos também por esse lado a relatividade do conhecimento.

De um modo geral, aparece isto evidente ao considerar­mos simplesmente a finitude e essencial limitação do intelecto humano pois é evidente logo que nessas condições o produto de sua atividade não poderá ser absoluta.

Ademais, é claro que o conhecer se realiza em função das condições individuais do sujeito cognoscente.

No conhecimento sensível entram em jogo as condições físicas e fisiológicas do sujeito; o estado e condições dos sen­tidos condicionam seguramente todas as funções sensórias.

Na ordem intelectual é bem sabida e experimentada por todos a influência considerável que em nossos juízos exercem as convicções prévias, os sentimentos, paixões, nacionalismos, religiões, etc. Balmes escreveu aquele livro imortal de higie­ne da alma, intitulado El Critério, que encaminha o homem no bom uso de suas faculdades para a obtenção da verdade. Em nossas operações cognoscitivas, para a formação de juí­zos, devemos levar em consideração a diferença entre juízos puramente teoréticos ou científicos e existenciais e juízos de valor. Nos primeiros não interferem os motivos emocionais ou interessados; entretanto, nos juízos de valor estamos sem­pre na iminência de deixar-nos influir por elementos emoti-

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vos que com facilidade torcem a retidão de nossa faculdade judicativa.

Além disto existe também todo um setor de conceitos essencialmente relativos porque sua noção já inclui alguma relação como, v.g., os de tempo, espaço, movimento, criatu­ra, igualdade, etc. Nos juízos e combinações destes conceitos entra em maior escala o elemento relativo.

Se agora, do exame dos elementos por separado, nos elevamos à consideração do ideal da ciência, torna-se forçoso admitir, com Amor Ruibal, que "Ia contingência y relatividad intrínseca dei ideal dei humano conocer" é pura verdade inegável.81

Com sua profundidade costumeira esse genial metafísico que é Amor Ruibal passa em revista os elementos que inte­gram o ideal do conhecer em seu momento dinâmico e veri­fica a relatividade dos meios no conhecimento humano, para concluir categórico: "El ideal de nuestro conocer resulta de un dualismo essencial (ei elemento dinâmico y ei elemento estático) que jamás se reducen en ei hombre a Ia unidad. Este caráter de nuestro conocer hace que sea siempre progressivo y perfectivo, sin entrar nunca en posesión de un conocimiento absoluto".82 E mais adiante prossegue: "La relatividad de los médios en ei conocimiento humano origina que este no puede constituir un ideal absoluto. Por Ia misma razón, un Meai -absoluto no puede tener como factores, médios de co-iiOcimiento relativos. Es decir que ei ideal absoluto dei co-necer que comprende toda verdad, está sobre toda realiza-ción posible dei ideal huniano".83

Amor Ruibal estende seu (sistema de) correlativismo a todas «s esferas do ser e, baseado na finitude intrínseca de todo ente contingente, declara o ideal da ciência também essencial e intrinsecamente relativo e faz da relação uma pro­priedade transcendental do ente.84

81. Angel Amor Ruibal, Los problemas fundameníales de ia filosofia y dei dogma, Madrid-Barcelona-Friburgo, s.d., T. I, p. 1.

82. Op. cit, I, p. 76. 83. Op. cit., I, p. 77. 84. Opxit., vol. IX, p. 253-300.

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Que concluir desta exposição? Se, pois, o conhecimento humano e o ideal da ciência são intrinsecamente relativos, terá razão o relativismo quando afirma que toda verdade é contingente e mutável e que nós nada podemos conhecer com certeza das COISAS EM SI?

B) O RELATIVISMO FENOMÊNICO

Como dizíamos antes, o relativismo não é estritamente um sistema unitário — o que aliás estaria em contradição com sua própria natureza. Em geral, de uma ou de outra forma, quase toda a filosofia moderna é adepta do relativis­mo, cujas formas principais são: psicologismo, evolucionis-mo, fenomenismo, criticismo, neo-criticismo, empirismo, prag­matismo, existencialismo, etc. Alguns destes sistemas ou dou­trinas já foram expostos, outros revestem maior significação noutros aspectos e serão particularmente estudados. Vamos resumir agora mui sucintamente o relativismo de vários des­ses sistemas:

a) PSICOLOGISMO — Define-se o psicologismo, de um modo geral, como uma tendência a fazer derivarem todas as ciências da psicologia, que constituiria assim o centro do saber. Em sentido mais estrito, o psicologismo pretende redu­zir os objetos das ciências normativas, — lógica, gnoseologia, axiologia, ética, etc. — a processos e vivências subjetivas e produtos psicológicos que derivariam de fatores e leis psico­lógicos, emanados apenas do desenvolvimento psíquico.

Eisler diz que, em rigor, o psicologismo é quase sinôni­mo de subjetivismo,85 e neste sentido se toma comumente em filosofia, podendo traduzir-se em fórmula relativista pura: não há verdades absolutas, elas mudam de acordo com os sujeitos que as professam.

Psicologista foi Protágoras, como o foram também os fenomenistas ingleses, Berkeley e Hume. Foi, porém, nos tem­pos do predomínio positivista que o psicologismo obteve

85. R. Eisler, Handworterbuch der Philosophie, Berlin, 1913, p. 520.

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maior difusão e adeptos. Sua penetração em fins do século XIX foi enorme; e ainda nas primeiras décadas do século XX verificava Arnáiz que "ei ambiente actual dei pensamiento estaba saturado de psicologismo".86 Como por influência do neo-criticismo e do positivismo, a filosofia tinha-se reduzido quase à teoria do conhecimento e à classificação das ciências, foi precisamente nesse campo, onde se intentou impor a psi­cologia como ciência única, da qual a lógica e as outras ciências normativas só seriam ramos» Lipps afirma que a lógica não passa de umajlisciplina psicológica, por que "o conhecer só se dá na psique e o pensar que nela se realiza é um fato psicológico".87 'Essa identificação, ou melhor, con­fusão da lógica com a psicologia teve seu grande patrocina­dor em Stuart Mill, que categoricamente afirma: "La lógica no es una ciência distinta de Ia psicologia y coordenada con esta. En cuanto ciência, es una parte y ramo de Ia psicologia, que se distingue de esta a Ia vez como Ia parte dei todo y como ei arte de Ia ciência. La lógica debe sus fundamentos teoréticos. integramente a Ia psicologia, y encierra en si tanto de esta ciência como es necessário para fundar Ias regias dei arte".88

Não faltaram porém adversários decididos desse psico­logismo lóíico. Külpe é taxativo: não pode haver fusão da lógica na psicologia porque "a interpretação que estas ciên­cias dão de um processo mental são duas coisas inteiramente distintas".89 Ao psicologismo se opuseram também, de várias formas: Erdmann, Bolzano, Bergson, Volkelt e com mais vi­gor Husserl, que dedicou boa parte do 1.° volume das Inves­tigações lógicas90 à refutação do psicologismo, fazendo ver como este leva ao empirismo e ao puro relativismo. Ao ilus­tre pensador mexicano Vasconcelos não o convenceram os

86. M. Arnáiz y B. Alcalde, Dicionário Manual de filosofia, Madrid, Ed. Voluntad, 1927, I, p. 524.

87. Teodoro Lipps, Elementos de Lógica, trad. de Ovejero, Madrid, 1925, p. 6.

88. Cit. por E. Husserl, Investigaciones lógicas, tra. Morente-Gaos, Madrid, 1929, t. I, p. 68.

89. Kulpe, Einleitung, etc, p. 54. 90. Husserl, Investigaciones, etc. I, p. 67-197.

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arrazoados de Husserl e continua mantendo a lógica na psi­cologia: "no nos meteremos, diz com gracejo, en Ias discusio-nes inacabables de psicologistas y locigistas (Husserl), sobre si fué primero ei huevo que Ia gallina o viceversa. Si Ia psi­cologia estudia el alma, es claro que cae bajo su dominio Ia estructura mental dei alma que es Ia lógica, y si ai estudiar esta estructura se topa con los axiomas, los princípios, los a prioris que no da Ia experiência, le bastará a Ia psicologia con senalar el hecho y decir sucede que el alma piensa — mediante estructuras que nos da Ia experiência".91

Erdmann, cujo pensamento não estava mui seguro ao princípio, depois, sob os ataques que lhe dirigira Husserl, ratificou na 2.a edição da Lógica, em 1907, sua convicção da irredutibilidade da lógica à psicologia.92 Pfánder, seguindo na trilha de Husserl, combate os psicologistas que confundem ò pensamento com o ato de pensar. É inadmissível fundar o princípio de contradição no fato psicológico comprovável de que o homem não pode ter por veídadeiros dois juízos seme­lhantes, pois a verdade dos juízos é totalmente independente de que estes sejam considerados verdadeiros por um, por vá­rios ou por todos os homens. Pelo contrário, pode até acon­tecer que um juízo determinado seja verdadeiro não obstante a maioria dos homens o considere falso ou vice-versa.93

Além do mais, o psicologismo destrói o valor universal e imutável dos princípios lógicos de nosso conhecimento por­que, ao reduzir as leis lógicas a fenômenos psicológicos, co­mo estes são fatos da história pessoal e carecem de certeza absoluta, não pode neles alicerçar-se à validade da lógica, pois é evidente que o fundamentado não pode pretender mais certeza que a do fundamento em que se apoia. Este argu­mento é igualmente válido contra qualquer forma de empi-rismo.

91. José Vasconcelos, Lógica Orgânica, México, 1945, p. 64. 92. Ver B. Erdmann, Logik, 2.* ed., Halle, 1907, t. I, p. 27. 93. Ver A. Pfánder, Lógica, trad. de Pérez Bances, MadridK

1928, p. 32-37.

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Perante o fato da absorção da lógica pela psicologia, alguns pensadores reagiram em sentido inverso e foram parar no logicismo, considerando a psicologia como uma prepara­ção para a teoria do conhecimento.94

b) FENOMENISMO — Este sistema tem sua mais ade­quada formação na frase de Berkeley, esse est percipi, 'o ser consiste em ser percebido'. Entendemos por fenomenismo em geral a doutrina que reduz a realidade a fenômenos e todo conhecimento ao conhecimento dos mesmos. Nessa doutrina os fenômenos são puramente sensações, fatos ou dados da consciência e o mundo todo não é mais que o conjunto das sensações.

No fenomenismo fica excluída a COISA EM SI e por conseguinte também a substância.

Esta doutrina foi claramente formulada pelos antigos céticos da Grécia e recebeu grande vigor nos empiristas ingle­ses Berkeley e Hume. Foi porém Kant quem lhe deu apa­rência mais científica e assim penetrou mais ampla e profun­damente em toda a filosofia moderna.

Kant distingue os FENÔMENOS e os NÓUMENOS. Fe­nômenos são as aparências das coisas que nós apreendemos pelos sentidos. Nóumenos são aquelas coisas que nós, por ne­cessidade subjetiva pensamos, mas que nem por isso têm rea­lidade objetiva. A natureza física das coisas consiste apenas nos fenômenos, pois tudo o mais que, como COISA EM SI, se acha sob os fenômenos, pertence ao mundo dos nóume-nús, que é inacessível ao nosso entendimento. Há em nós certas formas que por mera necessidade subjetiva nos cons­trangem a admitir alguma causa transcendente para os fenô­menos internos e externos. Esta causa, no entanto, permane­ce totalmente ignota para nós, porque aquelas formas não se preenchem, com as essências ideais de algumas coisas, nem o que manifestam é de nenhum modo abstraído da ordem real dos seres existentes, senão que tudo isso o tiram do

94. Ver R. Eisler, Worterbuch etc, II, p. 551-52.

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entendimento pensante, e isto é o que chamamos nóumenos. Mas os nóumenos carecem de toda realidade objetiva assim exterior como interior à nossa mente. Daqui a desoladora conclusão: os corpos não constituem nenhuma realidade absoluta, senão só fenômenos e só e exclusivamente fenô­menos os que nós conhecemos.

Os sucessores de Kant foram mesmo alijando essas som­bras no mundo inteligível, e os últimos resíduos dogmáticos em favor da tendência crítica. Assim seus imediatos seguido­res não se detiveram até imbicarem no idealismo absoluto; e os neo-kantianos, não contentes com eliminar toda reali­dade extra objetiva, reduziram a filosofia a uma pura teoria do conhecimento de base puramente fenomênica.

O ponto mais grave, porém, de todo o fenomenismo é o referente à substância e à causalidade, pelas enormes reper­cussões que provoca em toda a ciência e vida humanas. Com efeito, a negação da substância leva implícita a da alma humana.

Locke, embora declarasse incognoscível a substância, re­conhecia a necessidade de sua existência, como única expli­cação das sensações e sustentáculo das qualidades primárias de nossos sentidos.

Hume não se deterá nessas dificuldades e disposto a destruir irá até negar a existência da alma humana.

Hume parte do princípio empirista: toda idéia real há de proceder de uma impressão que a origina. Mas acontece que não existe impressão sensível que responda à idéia de substância, portanto nós não conhecemos nenhuma substân­cia, nem tampouco os corpos ou a alma. O eu não é nem simples nem idêntico; é apenas uma série em perpétua mu­tação, um complexo de representações.

Stuart Mill, que nesta doutrina seguiu fielmente a Hu­me, afirma que a noção de espírito é simplesmente a noção de alguma coisa cuja permanência contrasta com o fluir per­pétuo das sensações e de outros sentimentos ou estados de consciência que nós lhe atribuímos. A crença de que meu

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espírito existe, mesmo quando não sente, não pensa nem tem consciência de sua própria existência, fica reduzida à crença numa possibilidade permanente destes estados.

Não escapou a Stuart Mill a grave aporia a que o levava sua doutrina. Se consideramos o espírito como uma série de sentimentos, somos obrigados a completar a proposição, cha­mando-o uma série de sentimentos que se conhece a si mes­ma como passado e como futuro; e então surge a seguinte alternativa: crer que o espírito ou o eu é diferente das séries de sentimentos ou de possibilidades de sentimentos, ou então admitir o paradoxo de que alguma coisa que, ex-hypotesi, não é mais que uma série de sentimentos, pode-se conhecer enquanto série.

Assim, pois, no fenomenismo de Hume, Hamilton, Stuart Mill e outros desaparece a metafísica por impossibilidade intrínseca de sua existência, visto como tudo é condicionado e relativo a nossas sensações, e que, por conseguinte, o espí­rito jamais pode atingir as COISAS EM SI; corpo, alma, eu pessoal, substância, absoluto, etc, não passam de represen­tações subjetivas. Isto é o nihilismo. Em tais condições nada resta ao homem que esperar, nenhum fim a atingir. Sua vida torna-se vazia e carente totalmente de sentido.

c) EVOLUCIONISMO — Constitui o evolucionismo um dos movimentos mais impetuosos e universais que regis­tra a história do pensamento humano.

O que em sua origem não passava de uma hipótese científica de trabalho, adquiriu logo, com os escritos de Spencer e de Haeckel, uma extensão extraordinária, favore­cida, sem dúvida, pelo ambiente positivista dominante na Europa, ao qual ia servir às maravilhas o evolucionismo uni­versal spenceriano, ministrando-lhe um esquema fácil e atraente para a explicação puramente natural do cosmos.

Esse evolucionismo não se deteve apenas nos problemas biológicos e antropológicos como convinha a uma teoria pu­ramente científica. Ele se projetou em todo o campo do pen-

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samento e dele, de uma boa parte dos seus adeptos, partiram violentos ataques contra toda ordem transcendental teológica, ética, jurídica e moral.

O evolucionismo dominante em começos deste século continuava sustentando vivos os postulados mais caracterís­ticos do positivismo, que já noutras zonas do saber tinham sido abandonados. O evolucionismo positivista contrapunha os fatos às causas, as qualidades sensíveis às essências, as sensações às idéias, a estrutura orgânica à percepção, a herança fisiológica fatal à personalidade livre, o determinis­mo absoluto à espontaneidade e vontade pessoais, a cega combinação mecânica de átomos ao princípio vital. Isto tudo, levado até as suas extremas conseqüências lógicas, significava nada menos que eliminar do horizonte humano: Deus, a na­tureza e a vida com seu intrínseco finalismo, a razão humana reitora do pensamento, e a realidade individual e social do homem. Foi através do evolucionismo e do transformismo que o velho materialismo francês do século XVIII, e o germâ­nico de meiados do século XIX, puderam entrar de contra­bando e manter algumas posições até os nossos dias.

É claro que foge à finalidade e objeto de nosso estudo seguir as doutrinas evolucionistas no que respeita ao aspecto científico natural. É sua atitude filosófica e a implicação dou­trinária de seus ensinamentos o que nos interessa.

O evolucionismo é tão antigo como a filosofia. Anaxi-mandro, na Jônia, já introduz o conceito de evolução cós­mica para explicar a origem das coisas desde o Mireipwy à matéria indeterminada. O sistema pluralista-atômico é tam­bém substancialmente evolucionista, e evolucionista pode igualmente ser considerado Leibniz, "pois ele afirma a con­tinuidade ideal e morfológica das espécies, esperando que o filósofo inglês as una com laços genealógicos".95 Não é, po­rém, o mesmo, evolução que evolucionismo. Aquela é um fato que realmente se dá em inúmeras circunstâncias, e cuja

95. Ch. Lahr, Cours de Philosophie, 24." ed., Paris, Beauchesne, 1923, vol. II, p. 424.

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existência é indiscutível; este é um sistema ou teorias — pois se dão diversas no evolucionismo — cujo intento é explicar o ser e devenir do mundo,

Lamarck e Darwin, descontentes com o fixismo dos na­turalistas anteriores, que não lhes subministravam elementos para explicar algumas mutações e variações das espécies, rejeitaram essa imutabilidade específica e propuseram novas hipóteses.

Segundo Lamarck, as espécies viventes se transformam e sob as influências do meio chegam a mudar de tipo. Para Darwin, por causa da exuberante fecundidade dos seres vi­vos, estes entram em concorrência vital ou luta pela vida (strugle for life) na qual sobrevivem os mais aptos para a luta, e sucumbem aqueles cujos caracteres não são tão aptos para a luta.

Estas teorias eram puramente científicas e não tinham maior alcance filosófico, embora alguns dos seus seguidores fizessem aplicação delas ao campo teológico e filosófico.

Estava reservado a Spencer fazer aplicação universal do princípio biológico evolucionista. Já Comte tinha observado que a explicação do superior pelo inferior constituía a nota característica do materialismo. Spencer concebe a evolução como passagem gradual do homogêneo ao heterogêneo, do desordenado ao ordenado, do simples ao composto, por di­ferenciação e integração sucessivas, segundo uma lei rítmica necessária. Ora, se o simples derivasse do composto e o mais saísse do menos, entendendo-se que o menos está potencial­mente no mais ou que o mais o contém virtualmente, nada haveria que objetar. Acontece, porém, que o evolucionismo do século XIX, eliminando a ordenação teleológica do mun­do, exclui a intervenção do Ser Supremo nele, e sustenta que o perfeito deriva do imperfeito e o mais do menos, o que é absurdo, sem sentido e contraditório.

A evolução constitui, na pena de Spencer, o deus ex machina, que tudo explica, e revela todos os segredos. Na origem o universo era u'a massa confusa e homogênea. Len-

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tamente essa nebulosa foi, por sucessivas transformações, modificando-se até produzir a vida e, sucessivamente, a sen­sibilidade e a inteligência com as outras faculdades psíquicas.

Em resumo, tudo evolui: matéria, vida, pensamento; sempre aquele movimento rítmico que constitui a integração das partes solidárias entre si. Porém, nesta evolução tudo parte da matéria e nela termina, embora em diversos está­gios e com diversos nomes. Spencer, sem embargo, não quer parecer ateu, não se atreve a negar a Deus; admite-o, deno-minando-o Incognoscível, porque nosso entendimento, encer­rado nos fenômenos, não pode chegar até Ele.

Nada mais mesquinho do que a explicação de como se originam o sentimento moral e a consciência humana: por evolução chega o homem a alcançar o instinto de sociabili-dade. Sob seu influxo percebe e distingue as ações que são a favor de seus semelhantes e as que são contrárias. Nele se estabelece a colisão; quando a pessoa se comporta em sentido contrário ao do instinto de sociabilidade surge o sen­timento de dor e tristeza que, sob o influxo de novas condi­ções, se converterá em remorso. "Este constitui o primeiro germe de moralidade em que se resolve a luta entre a socia­bilidade e o egoísmo".96

O evolucionismo tem evoluído muito de Spencer para cá. Poucos são hoje os que admitem; como explicação total do universo, a evolução spenceriana. Entretanto, são cada vez mais numerosos os que voltam os olhos e a atenção para os agudos problemas que suscita a evolução antropológica: ori­gem do homem, da vida, linguagem, instintos, sociabilida­de, etc.

É bem verdade o que ainda há pouco verificavam alguns professores da ilustre Universidade de Salamanca: "La pala-bra 'evolución' se ha constituído en una de Ias senales incon-fundibles de nuestro tiempo. Parece responder a una nueva categoria dei pensar contemporâneo, todo él impregnado de

96. Ver José M. Llovera, Tratado de sociologia cristiana, 8.* ed., Barcelona, L. Gili, 1953, p. 30-33.

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temporalidad y de história".97 De modo semelhante se expri­me Klimke: "O evolucionismo domina hoje notadamente não só nas teorias biológicas do conhecimento, senão que a Filo­sofia e as ciências em geral se apoiam mais ou menos nele. Pode se afirmar que dita teoria é considerada como a chave única capaz de abrir todos os segredos, tanto do mundo ma­terial como espiritual, sensível ou intelectual".98 De fato: a quase totalidade dos escritores contemporâneos aceitam co­mo assunto pacífico a evolução, apesar de vários combaterem o evolucionismo enquanto sistema explicativo do universo. Boa parte das publicações atuais estão escritas à luz que à evolução parece derramar em torrentes sobre todos os ramos do saber humano. A despeito de serem já tantos os adeptos da evolução, seu número aumenta sem cessar, com uma cele­ridade que assombra. O espírito evolucionista é universal, seu influxo não se insinua apenas, senão que domina em todas as regiões do pensamento. O espírito de evolução é o espírito da ciência moderna.

Acontece, porém, que o materialismo fez causa comum com os evolucionistas que, explicando mecanicamente a trans­formação das espécies "sem necessidade de recorrer à finali­dade, serviam os intuitos daquele sistema".99 Se excetuar­mos aqueles que militam no campo da filosofia perene, a imensa maioria dos evolucionistas está imbuída de materia­lismo. Esse preconceito materialista — que não passa de um preconceito a atitude materialista —, invalida ou mutila os mais altos ideais do espírito nos sábios evolucionistas. Certa­mente, partindo da matéria como de único elemento da evo­lução cósmica e antropológica, ficam, ipso jacto, demarcados e fora da visual científica: todos os princípios transcenden­tais sobre o homem e o mundo; toda causalidade criadora; todo plano ordenador inteligente; toda finalidade prevista na

97. Pontifícia Universidade de Salamanca, El Evolucionismo en Filosofia y en Teologia, Barcelona, J. Flors, 1956, p. VII.

98. F. Klimke, Hist. de Ia Filosof., trad. espanhola, Barcelona, Labor, 1947, p. 708.

99. Ver Maurice Gex, Einfüírung in die Philosophie, Berna, A. Francke, 1949, p. 48.

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origem e existência dos seres, assim viventes como inorgâ­nicos. A rigor, é a própria pessoa humana que desaparece submergida na torrente evolucionista do universo, na qual não conta mais do que uma gota ou uma das moléculas que o constituem.

Em nossos dias, tem-se consagrado especialíssima aten­ção à hermenêutica dos três primeiros capítulos do Gênese em função dos dados que nos subministram os estudos mais sérios da evolução,100

No atualíssimo comentário da Bíblia por professores de Salamanca, vem resumido em cinco conclusões o que, com mais certeza, se pode deduzir do texto bíblico com respeito às teorias evolucionistas antropológicas. Condensamos: a) Deus criou o primeiro casal humano, b) Quanto ao corpo humano "os textos do Gênese não se opõem nem patrocinam a concepção evolucionista". c) "No relato bíblico insinua-se a intervenção direta de Deus na infusão da alma nas palavras misteriosas 'façamos o homem à nossa imagem e semelhan­ça' ". d) A humanidade procede de um casal primitivo, único.101

Desde logo, que a origem do homem se dá por pura evolução da matéria, sem nenhuma intervenção divina, ja­mais o provaram os evolucionistas e tampouco a filosofia cristã o admitiu. O sábio Pontífice Pio XII, na encíclica Humani Generis, de 12-VI1-1950, referindo-se ao problema antropológico tem estas prudentes palavras: "O magistério da Igreja não proíbe que — segundo o estado atual das ciên­cias e da teologia — nas investigações e disputas, entre os homens mais competentes de ambos os lados, seja objeto de estudo a doutrina do evolucionismo, enquanto busca a ori­gem do corpo humano numa matéria viva preexistente —

100. Ver, entre outros, Luiz Arnaldich, El origen dei mundo y dei hombre segun Ia Bíblia, Biblioteca dei Pensamiento Actual, Madrid, Rialp, 1957, ou M. Gómez-Moreno, Adan y Ia Prehistória, Madrid, Tecnos, 1959.

101. Professores de Salamanca, Bíblia Comentada, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, Ed. Católica, 1959, vol. I, p. 81.

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porém a fé católica manda defender que as almas são criadas imediatamente por Deus".102 Não é a mesma coisa atribuir ao homem uma origem total evolutiva da matéria ou limitar a evolução só à formação do corpo; o primeiro é contra a doutrina católica firmada; o segundo é discutível, embora nos pareça pouco provável, e o Papa deixa aos sábios cató­licos ampla liberdade no estudo da questão.103

Numa palavra: o evolucionismo radical dominou em grande parte da mentalidade européia. Seu materialismo e seu relativismo absoluto ocasionaram imensos desastres e dei­xaram às escuras a humanidade, com a negação da espiritua­lidade e da destinação eterna do homem. Hoje, ainda entre os católicos, são grande maioria os que admitem um limitado evolucionismo. Neste ponto cumpre ao sábio proceder com toda cautela, pois como frisa Aldama: "si nos elevamos aún más en ei pensamiento evolucionista de nuestro tiempo, en ei que Ia evolución se ha designado como ei modo de pensar que se impone, como Ia categoria más característica de Ia época, no es posible ignorar los riesgos inevitables de una filosofia evolucionista".104

Fugindo dos absurdos que encerra o evolucionismo mo* nista materialista ou qualquer outra forma de evolucionismo radical, busquemos nesse grande movimento de doutrinas as parcelas de verdade que encerra para contribuirmos, assim, com nosso quinhão, à libertação do homem pela verdade.

d) OUTRAS CORRENTES RELATIVISTAS — Co­mo já de início frisamos, o relativismo é antes uma atividade do que um sistema. Daí que se ache presente na maioria dos

102. Em Pascual Galindo, Coleción de encíclicas y documen­tos pontifícios, 4." ed., Madrid, 1955, p. 848. — Sobre a Encíclica Humani Generis ver: Comentários a Ia encíclica Humani Generis, Estúdios teológicos de Ia Diócesis de Bilbao, Desclée de Brouwer, 1952, e XI Semana Espanola de Teologia, La encíclica Humani Ge­neris, Madrid C.S.Y.C., 1952.

103. Ver J. A. Aldama, El evolucionismo antropológico ante Ia Iglesia, em El Evolucionismo en Filosofia y Teologia, Barcelona, J. Flors, 1956, p. 237-252.

104. Loc. cit., p. 251.

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sistemas contemporâneos. O criticismo kantiano, intuicionis-mo de Bergson, pragmatismo, historicismo, existencialismo, são também intrinsecamente relativistas, mas pelas suas pe­culiares características e implicações obtêm tratamento se­parado.

Além das correntes relativistas já expostas, psicologismo, fenomenismo e evolucionismo, há outras de menor significa­ção, bastando, apenas, recordá-las brevemente.

e) EVOLUCIONISMO HISTÓRICO-BIOLÓGICO DE SPENGLER. — Após a Primeira Guerra Mundial esteve na moda a filosofia do relativismo filosófico-culturál e histórico, de Oswaldo Spengler, parcialmente seguida também por Th. Lessing e Toynbee. Sua obra principal, A Decadência do Ocidente (1918-1922), muito discutida ao tempo de sua apa­rição é hoje quase esquecida; a crítica científica tem demons­trado o alto grau da artificialidade e fantasia que Spengler pôs a serviço em sua construção.

Segundo Spengler, a história universal não se desenvol­ve como um processo unitário contínuo senão a modo de sucessão biologista das culturas que, como expressões espe­cíficas do espírito, diferem entre si essencialmente. Assim se sucederam na Europa a cultura grega (apolínea), a arábica (mágica) e a ocidental (fáustica).

As diversas culturas não mantêm entre si relações estrei­tas. Antes, cada uma, v.g. a indica, chinesa, pode ser consi­derada como um organismo autônomo, que segue rigorosa­mente as leis do crescimento e ocaso. Cada cultura tem sua primavera, eleva-se até a maioridade cultural e entra logo em declínio, até o país ser invadido por outro povo jovem que, por sua vez, começa novo ciclo cultural. Esta cultura nas­cente não se prende à alta cultura das épocas passadas, senão que se inicia com uma nova primavera de fisionomia própria e percorre logo as mesmas fases das culturas anteriores.

Segundo Spengler, a humanidade não pode esperar ne­nhum fruto duradouro de todas essas culturas, isoladas e transitórias, porque não há entre elas íntima continuidade.

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Em tais condições fica excluído da totalidade o sentido uni­tário; a história universal converte-se numa multiplicidade de culturas descontínuas, cada uma das quais termina, em si, seu ciclo. "Por causa de seu relativismo, diz Sawicki, a con­cepção histórica de Spengler exclui um sentido unitário da História".105

A duração de cada cultura, a modo de um organismo vivente que vai passando pelas três fases, ascensão, apogeu e decadência, é de, aproximadamente, um milênio. Também nos domínios da arte se verificam os mesmos movimentos rítmicos vitais; cada ciclo cultural experimenta a sucessão de períodos arcaico, gótico e barroco. Para Spengler o clímax da história cultural do Ocidente é constituído pela alta Idade Média, na qual desabrocharam as que ele chama flores da humanidade: os dois primitivos estamentos, nobreza e sacer­dócio. Com a ascensão do 'terceiro estado', começa a morte do ocidente.

Por último, a "cultura" converte-se em "civilização". Esta se caracteriza pelo predomínio das grandes urbes. As massas das metrópoles erguem sua cabeça, elas são como uma plebe ignara que só quer panem et circenses.

O pensamento de Spengler está todo embebido de rela­tivismo. Para ele cada novar 'verdade' é só um juízo crítico de outra verdade, ultrapassada, pois não há verdades 'eter­nas'. "As verdades só existem em relação a uma determinada humanidade".106 Por isso "resulta vão o intento da alta espe­culação de descobrir verdades eternas". E do mesmo modo se pode afirmar que cada filosofia é válida apenas nos limi­tes do círculo cultural onde surgiu.

O pensamento histórico de Spengler, apesar de ser o realismo a sua recomendação permanente, é em alto grau

105. Franz Sawicki, Dte Geschichtsphilosophie ais philosophia perennis, in Philosophia perennis, Festgabe Joseph Geyser zum 60, Geburtstag, Regensburg, 1930, I, p. 518.

106. Wahrheiten gibt es nur bezug auf ain bestimmtes Mens-chentum, cit. por Rudolph Tschierpe, Ein Weg in die Philosophie, 2." ed., Hamburg, 1949, p. 476.

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romântico, e pronunciadamente unilateral, em favor dos va­lores estético-culturais. A crítica tem censurado a Spengler sua tendência a estabelecer analogias superficiais e sua par­cialidade na eleição dos grandes materiais em que intenta apoiar suas teorias. Vicente Risco condena sua manifesta hostilidade e por vezes incompreensão e má fé, com respeito ao catolicismo, que o leva em ocasiões a tergiversar a inter­pretação dos fatos.

A obra toda de Spengler — como a de Burckardt —, está sombreada por uma nuvem de pessimismo.

f) O IDEALISMO — Não há porque nos detenhamos a expor o idealismo, sistema de contornos dilatados "a causa, diz Zaragüeta, de Io plural y proteico de su sentido",107 e que abarca praticamente, dentro dos seus limites, toda a filo­sofia moderna.

Para nosso objeto basta esta sumária indicação: o idea­lismo reduz a realidade inteira à idéia e ao sujeito pensante. Nestas condições o conhecimento não pressupõe nada extra-subjetivo de que ele dependa. O quanto nós afirmamos ou negamos não passa de relações puramente subjetivas entre dois estados de consciência de que nós mesmos somos os autores. O que nós conhecemos, ou assim unimos no juízo, não é mais do que fenômenos psicológicos, aparências que para serem conhecidas por nós, não podem existir, cujo ser se reduz ao fato de nós o conhecermos.

Que estes fenômenos correspondem ou não a realidades, a COISAS EM SI exteriores, que jamais serão acessíveis ao nosso entendimento, não podemos saber.

Assim sendo, está claro que não podemos alcançar mais que a verdade fenomenal, isto é, a conveniência do pensa­mento consigo mesmo, com suas representações, e não com as coisas mesmas. Isto é pura e simplesmente o subjetivismo

107. Vocabulário Filos., p. 272^ Ver ainda, do mesmo Zara­güeta, Una Introdución moderna a Ia filosofia escolástica, Univer­sidade de Granada, 1946, 11-70.

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gnoseológico: só conhecemos o que as coisas são para nós e de modo nenhum conhecemos o que elas são em si mesmas.

Há também uma forma de agnosticismo chamada rela-tivismo do tempo e do lugar que sustenta serem mutáveis as verdades de acordo com as circunstâncias do tempo e do lugar; assim, v.g., que dois e dois são quatro, não sempre, nem em todos os planetas, é verdade.

De imediato se constata o absurdo dessa doutrina, essen­cialmente relativista. Quem poderia conter o sorriso se es­cutasse um professor falar para os alunos assim: no Brasil a hipotenusa é maior que qualquer um dos lados do triângulo; ou também: nos tempos de Euclides a hipotenusa era maior que qualquer um dos lados do triângulo?

Tampouco nos detemos na exposição do POSITIVIS­MO VITALISTA de Nietzsche, pois este filósofo-poeta semeou seus livros de doutrinas as mais contraditórias e assistemá-ticas possíveis, e não seria oportuno dilatar este estudo quan--do só alguma parte se refere a nosso objeto.

Se o mencionamos é porque algumas vezes se externou contra a imutabilidade das verdades metafísicas e em sua obra póstuma achamos este ex-abrupto: "A falsidade de um juízo não é para nós uma objeção contra este juízo. É isto talvez o que em nossa nova linguagem parecerá mais estra­nho. Trata-se de saber em que medida este juízo acelera e conserva a vida, mantém e desenvolve a espécie".108 Nestas palavras está em germe o sistema pragmatista essencialmente, este sim, relativista.

Enfim, seja-me permitido terminar a exposição do rela-tivismo com uma alusão ao antigo patriarca de todo o reja-tivismo, Sexto Empírico, que, em sua obra, Instituições pir-rênicas, reuniu ou esboçou quase todos os argumentos que, no decorrer dos tempos, haviam de esgrimir todos os céticos e relativistas posteriores.

108. F. Nietzsche, Más allá dei bien y dei mal, trad. esp., Madrid, 1932, p. 10.

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No capítulo IV define o ceticismo como sendo "aquela faculdade que confronta e acerca entre si as aparências sen­síveis e as percepções da mente e do entendimento", e pros­segue explicando aonde se chega com tal atitude filosófica:

= "do qual (ceticismo) vimos logo, pela igualdade das razões pro e contra; primeiramente à suspensão de juízo ( ) e depois à sereníssima imperturbabilidade" ( ).109

Interpretando em seguida palavra por palavra as ante­riores noções, dá Sexto Empírico a explanação de "paridade no peso das razões", assim chamo a "certa igualdade para assentir ou dissentir, de tal modo que nunca demos prefe­rência, como mais digna de fé, a uma opinião sobre outra", Eis a grande palavra de Sexto Empírico

"equilíbrio ou equiva1ência de razões", a que melhor resume a atitude cética ou relativista do ho­mem. Para cada razão há outra oposta. Quem está certo? Não sabemos. A Verdade absoluta nos foi escamoteada. Cada um seguirá a que mais lhe aprouver e servir melhor aos seus interesses.110

g) RESUMO E CONCLUSÕES — É o relativismo uma forma de ceticismo que só difere deste quanto ao método; conduz, porém, às mesmas conseqüências. Recusam-se, geral­mente, os relativistas a serem chamados de céticos, pois en­quanto o ceticismo nega, pura e simplesmente, que nós pos­samos atingir a verdade, o relativista, por via de regra, reco-

109. Sexti Empirici, Opera graece et latine, cum H. Stephani versione, Leipsig, 1718, p. 3.

110. Isto corresponde, na realidade, ao relativismo individual de Protágoras, para quem "todo pensamento é verdadeiro^ para aque­le que o pensa". Esse relativismo individual ou biológico aparece posteriormente, repetidas vezes, no campo filosófico, em idéias iso­ladas. Em nossos tempos, já como teoria sistemática sob o nome de Pragmatismo, "se fez presente nos Estados Unidos (Royce, Pierce, Dewey, James) e na Inglaterra (F.C.S. Schiller) e, bastante atenuado, também na Alemanha, representado por W. Jerusalém e G. Jacoby" (V"id. Aloys Muller, Welt X und Mensch in ihrem irrealem Aufbau, Leiden, 4.a, 1951, p. 200.) Mas do Pragmatismo nos ocuparemos mais devagar, no capítulo seguinte.

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nhece a necessidade que temos de admitir algumas verdades: as doutrinas kantianas ou afins do kantismo negam a possibi­lidade de conhecermos as COISAS EM SI, mas admitem que conhecemos o relativo, ou seja, que nossos conhecimentos são todos condicionados, e portanto, relativos, pelas formas aprio-rísticas de nossas faculdades cognoscitivas.

O transformismo lógico, o positivismo e o historicismo ensinam que a verdade é relativa ao estado mental de tal homem em tais ou quais circunstâncias, mas que pode tornar-se falsa no decurso do tempo, e com a continuação voltar verdade falsa e verdadeira.

Para o psicologismo a verdade difere segundo as várias inteligências que a concebem; por conseguinte, "a necessi­dade dos juizos categóricos não é absoluta, senão condicio­nada, não é categórica, senão hipotética".111

Numa palavra, para o relativismo não existe verdade em si, ela é sempre e somente verdade em nós.

Salta à vista o absurdo destas doutrinas e os desastrosos efeitos que acarretam.

Noutro parágrafo deixamos exposto em que medida e até que ponto nosso conhecimento é relativo. Não há dúvida que & verdade, pelo lado do objeto conhecido ou do sujeito cognoscente, não é estática senão dinâmica, histórica e evo­lutiva, não porém considerada em seu aspecto de relação cognoscitiva. Nos dois aspectos ditos, no perspectivismo, as relações de dependência do espaço e do tempo são a ela intrínsecas em nossa condição ontológica temporal. E é por esse lado que podemos falar do caráter intrinsecamente rela­tivo do nosso conhecimento e do ideal da ciência.

Parte também desse modo de ser o caráter progressivo do conhecimento, que com marchas e contramarchas, através de muitas vicissitudes e desalentos, vai descobrindo e con-

111. B. Erdmann. "Die Notwendigkeit der apodiktischen Urteile ist demnach keine unbedingte, sondern eine bedingte, keine 'katego-rische', sondern nur eine Hypothetische." Logik, 2.ª ed., Halle, 1907, I, p. 532, n.° 415.

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quistando novas posições nos domínios do saber. Não pode­mos realmente desconhecer que mesmo os caminhos errados do pensamento humano não se revelam de todo vazio de alguns conhecimentos certos e que sua história, apesar das fragmentações e vacilações de sucessivas correntes, "nos dá a conhecer o paulatino crescimento e a conquista segura de uma soma de verdades indiscutíveis".112

Mui outra é a atitude da filosofia moderna que, da veri­ficação das limitações do conhecimento humano, conclui que nada do que é real corresponde ou é conforme com as nossas percepções; que um relativismo radiòal, assim lógico como ontológico, é o apanágio do entendimento humano, o qual jamais poderá atingir alguma coisa em si, isto é, nada abso­luto.

Qual é, porém, a diferença que estabelecemos entre este relativismo radical e o que com Amor Ruibal designamos como relatividade intrínseca do humano conhecer?

Distinguimos entre os elementos estático e dinâmico de nosso conhecimento e a vinculação ou relação cognoscitiva que entre ambos elementos se estabelece.

O elemento estático é todo o mundo do ser que, de qual­quer modo, pode constituir objeto do conhecimento; e o di­nâmico corresponde à atividade cognoscitiva do sujeito que conhece. O vínculo ou nexo entre ambos é o pensamento, pronunciação ou produto da atividade cognoscitiva sobre o elemento objetivo.

O elemento formal, a essência, diríamos, da verdade, é esse pronunciamento, pois ela não se acha no objeto nem na faculdade que com ele entra em relação gnoseológica, senão na mesma relação, isto é, na conformidade do entendimento com seu objeto.

Assim, pois, a verdade considerada em relação com o elemento estático pode ser relativa ou não, de acordo com a natureza respectiva do objeto; pelo que respeita ao conhe-

112. Jos. Ant. Endres, Einleitung in die Philosophie, 3.* ed., Philosophische Handbibliothek, 1. Munique, 1923, p. 37.

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cimento sensível do mundo exterior é evidente que os sentidos não nos apresentam os objetos tais como são em si mesmos. Que semelhança podemos descobrir, v.g., entre os movimen­tos corpusculares ou ondulativos e as sensações luminosas de vermelho, amarelo, etc, dos objetos que percebemos? A luz nos invade, nos envolve, é condição natural de vida; com ela subsistimos desde o nascimento até a morte, tem o misté­rio do impalpável, sua natureza escapa aos meios ordinários de investigação e entretanto é uma realidade tão natural e imediata, tão certa e familiar que não há quem resista ao intenso de decifrar-lhe a constituição. Conhecemos, porém, a natureza da luz? Não, conhecemos somente sua existência e sentimos seus efeitos.

Suárez, como outros escolásticos, reconhecia abertamen­te esta limitação e relatividade de nosso conhecimento do mundo exterior. "Não julgo improcedente conceber que nesta vida não conhecemos a essência de nenhuma substância . . . Quem até agora explicou suficientemente o que vem a ser o som, o cheiro e coisas semelhantes?"113

Já não acontece o mesmo no conhecimento intelectual onde nosso espírito intui imediatamente a própria existência como sujeito a quem se referem todos os fenômenos psicoló­gicos. Nesta captação da própria existência e do eu que pen­sa e quer, o objeto é algo absoluto e não relativo. Do mesmo modo, como já noutro lugar frisamos, o entendimento per­cebe os primeiros princípios diretores da razão especulativa e da razão prática e que de modo nenhum estão submetidos à relatividade que condiciona o conhecimento sensível.

Por parte do elemento dinâmico, já em páginas anterio­res anotamos a enorme influência que as condições do sujeito e sua própria limitação intrínseca exerciam no conhecimento.

Resta-nos examinar a relação cognoscitiva ou nexo entre os elementos estático e dinâmico. Esta relação é capital no problema da realidade do conhecimento. O pronunciamento

113. F. Suárez, Disputationes Meíaphisicae, Disp. XXX, sect. III, n. 5.

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mental afirma ou nega a conveniência do sujeito com o obje­to, em que consiste formalmente a verdade. Ora, este pronun­ciamento exclui toda relatividade, pois baseia-se no princípio de contradição e não admite magis ac minus.

Com efeito, a conveniência entre os extremos do jufizo existe ou não existe, não há meio termo: o triângulo é ou não é uma figura de três lados; se é, não pode não ser, em qual­quer tempo ou lugar que se pense; se não é, não pode ao mesmo tempo ser.

Tinha razão o velho Tales de Mileto quando afirmava que a água era o princípio originário das coisas? Ou Fichte quando entronizava a vontade na origem do ser? Teriam ra­zão os dois? Não é possível. A razão humana resiste a admi­tir tais dislates.

Convenhamos: a verdade em seu aspecto formal, isto é, enquanto afirma a igualdade entre o .conhecimento e seu objeto, é imutável; considerada, porém, material e subjetiva­mente, é relativa. O conhecimento humano nos informa da realidade, todavia, de modo inadequado e relativo, em razão da essencial limitação de nossa inteligência. Nosso conheci­mento é incompleto e limitado, mas nem por isso é inexato, pois embora não alcancemos a essência íntima das coisas, muita coisa delas conhecemos realmente.

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Capítulo VII

FILOSOFIAS DA CRENÇA E PRAGMATISMO

No dédalo infindo de teorias gnoseológicas que, sobretu­do na filosofia moderna, dominam o pensamento filosófico, podemos distinguir três orientações gerais: DOGMATISMO, CETICISMO e RELATIVISMO, anexando a este último a FILOSOFIA DA CRENÇA que, muito embora seja em geral um certo relativismo, de que já tratamos, não se ajusta em todas as suas variedades ao ceticismo relativista.

O DOGMATISMO que admite a capacidade original do nosso entendimento para conhecer com certeza a verdade, pois representa a atitudei inicial da mente perante o problema da verdade, constitui a própria essência da PHILOSOFIA PE-RENNIS, se bem que, na determinação do campo de verdades filosóficas, a que se pode denominar patrimônio comum da inteligência humana, sejam grandes as divergências entre seus seguidores.

Para o CETICISMO, doutrina epistemológica oposta a toda sorte de dogmatismo, a razão humana nada pode conhe­cer com certeza; considera impossível a apreensão real do objeto pelo entendimento humano. O ceticismo é a natural conseqüência de dogmatismos incompatíveis, em face dos quais, ante o impasse por não conseguir compô-los ou resolvê-los, nem deles se desvencilhar, opta a razão pela dúvida ou pela negação de sua própria capacidade para conhecer as coi­sas em si.

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Entre esses dois extremos está o relativismo epistemoló-gico, em suas variadas modalidades que, ao negar que possa­mos conhecer as coisas como são em si, afirma a relatividade de todo conhecimento.

Três são as formas ou tipos mais destacados de relativis­mo, a que já antes nos referimos:

a) PSICOLOGISMO, que pretende dar aos problemas mentais, lógicos, metafísicos e morais uma explicação psicoló­gica: a verdade difere segundo a diversa natureza das inteli­gências que a concebem; de tal modo que, se para meu modo de entender, dois mais dois são quatro, para outra inteligência, v.g. angélica ou divina, poderão ser cinco ou seis.

b) TRANSFORMISMO LÓGICO, segundo o qual a verdade é relativa ao estado mental de tal homem ou de tal povo em certa época, mas, no correr do tempo ou mudando as circunstâncias, pode resultar falsa. Tal solução ou transfor­mação foi exposta por Comte na famosa teoria dos três perío­dos ou estados do espírito humano e desenvolvida amplamente por Stuart Mill, por Spencer, por Paulsen e outros vários. Este último filósofo alemão denomina "categorias históricas" as di­versas formas de pensar que com o tempo evoluem, como toda realidade, de tal modo que jamais poderá dar-se verdade algu­ma absoluta.

c) RELATIVISMO CHAMADO DE LUGAR OU TEMPO, segundo o qual as verdades dependem em cada caso do lugar e do tempo, de tal modo que, por exemplo, o teorema de Pitágoras ou o postulado de Euclides podem não ser certos em outro planeta ou em outra época.

d) Há por fim a forma de relativismo constituída pela FILOSOFIA DA CRENÇA: diante de uma afirmação que não podemos justificar racionalmente, nem por isso a deve­mos declarar ilusória ou sem valor: pode-se, com efeito, nela crer e examinar as conseqüências que dela derivam; assim é que, de fato, procede Kant com os chamados postulados da vida moral: existência de Deus, livre arbítrio e imortali­dade da alma, pois não podendo demonstrá-los racionalmen-

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te nas coordenadas de sua concepção anti-metafísica, todavia os reputa indispensáveis para fundamentar a ordem moral que, sem esses postulados se arruina e desvanece.

Uma das modalidades desta filosofia da crença é a de­nominada PRAGMATISMO, muito em voga nos países an-glo-saxônios, pois, segundo a tese programática de Pierce, que W. James aceitou e difundiu: "Nossas crenças são real­mente as regras para a ação".114

Ainda que no campo da pura filosofia seja o pragmatis­mo de diminuto valor, todavia, por representar a filosofia mais típica dos Estados Unidos e pela enorme difusão e estima de que desfrutou nas primeiras décadas deste século, outorgamos-lhe, também, um breve espaço entre as filosofias da hora.

"Nota característica do pragmatismo é que dele não é possível dar nunca uma definição formal e precisa". Com estas palavras inicia Barton Perry o capítulo dedicado ao pragmatismo na sua obra sobre as tendências atuais em filo­sofia.113 O próprio William James, arauto do pragmatismo, intitula a segunda das oito conferências que constituem seu livro Pragmatisme, com estas palavras: "Significado do Prag­matismo". No texto, apresenta-nos, com seu estilo brilhante e imaginoso, diversos exemplos do pensar pragmático; afirma com ênfase o lado negativo: "o pragmatismo rompe de uma vez por todas com uma série de hábitos inveterados dos filó­sofos; deixa de lado a abstração e as soluções verbais, as razões mais a priori, os princípios fixos e os sistemas fecha­dos. Volta-se, porém, para o concreto e adequado, para os fatos, para a força onde domina o temperamento empírico". Mas, afinal, que é o pragmatismo? James não o diz, apenas declara que não é um sistema filosófico a mais, senão sim­plesmente "um método de pensar"; "a atitude de quem se liberta das primeiras coisas, das categorias, princípios, su-

114. W. James, Pragmatisme, London, 1907, eonf. II. 115. Ralph Barton perry, Present Philosophical Tendencies, New

York, 1912, p. 197.

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postas necessidades, e se entrega somente às coisas últimas, aos frutos, às conseqüências e aos fatos".116

Do mesmo modo, o notável filósofo inglês Schiller, adep­to fervoroso do pragmatismo, que com algumas modificações ele denominou HUMANISMO, consagra nos Estudos sobre o Humanismo, extenso capítulo à "Definição do pragmatis­mo e do humanismo", no qual, após longa dissertação acaba também escamoteando-nos uma noção adequada do pragma­tismo ou do humanismo.117

Diante da confusão, hesitações e contradições imperan-tes no campo do pragmatismo o prof. A.O. Lovejoy publicou um artigo já em 1908 que, no dizer de G. Boas,118 "logo se tornou clássico", no qual o próprio título: "Os Treze Prag-matismos", irritou muito aos seguidores do sistema.119

Deixando de lado alguns conceitos do empirismo inglês, de Hume e de Locke, que James chamou de "primeiros prag-matistas", é o próprio James que declara formalmente que o pragmatismo foi pela primeira vez introduzido formalmen­te na filosofia por Charles Sanders Pierce, em 1878, Num artigo intitulado "How to make our Ideas Clear" e apare­cido na reyista "Popular Science Monthly", dizia Pierce — após estabelecer que nossas crenças são realmente regras para a ação — que, "para desenvolver o significado de um pensamento só é preciso determinar que conduta é apta para o produzir; tal conduta será para nós sua única significa­ção".120

Charles Sanders Pierce (1839-1914) recebeu do pai, ma­temático notável, uma sólida e precoce educação científica. A seus trabalhos profissionais juntou logo uma dedicação

116. William James, Pragmafisme: a New name for Some Old Ways of Thinking, London, 1907, chap. II et passim.

117. F.C.S. Schiller, Êtudes sur VHumanisme, Paris, 1909, ps. 1-27.

118. George Boas, Dominant Themes of Modem Phil. A His-tory, New York, 1957, p. 592.

119. A. O. Lovejoy, The Thirteen Pragmatismes, in "Journal of Philosophy, Psychology and Scientific Method", V, pp. 5-12.

120. W. James, Pragmatisme, p. 46.

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extraordinária à filosofia, com tal êxito que veio logo a ser "a figura mais importante e a mais original da filosofia nor­te-americana".121 Muito embora seus escritos sejam com fre­qüência obscuros e desordenados, a maestria e brilhantismo filosófico fazem que ele seja, no dizer também de Kurtz, "com probabilidade o filósofo mais profundo e criador que os Es­tados Unidos já produziram".122 Todavia, sua carreira filo­sófica foi desafortunada. Não achou editor para lançar seus livros filosóficos, nem obteve umaícátedra universitária. Ele criticava o conservadorismo e formalismo dos "Colleges", notando com ironia que "onde se der uma ampla classe de professorado acadêmico, com opulentos honorários, junto com o aparato de gente superior, ali, a investigação científica languesce."123 Sua produção filosófica acha-se dispersa, não em livros, senão em muitos artigos de revista e em inúmeras resenhas bibliográficas. Mesmo assim, ainda durante a vida, exerceu notória influência direta nos espíritos mais seletos de língua inglesa, de tal modo que o historiador alemão Gus­tavo Müller pôde afirmar que Pierce "é o pai da filosofia científica nos Estados Unidos e seus artigos contêm em germe o idealismo objetivo de Royce, o método pragmático de Ja­mes e a lógica matemática da filosofia natural do realis­mo".124

Pierce teve o seu nome lançado ao grande público por W. James, numa conferência na Califórnia, em 1898, na qual, explicando o princípio epistemológico já antes aludido: "Para desenvolver o significado de um pensamento só necessitamos determinar que conduta é a mais apta a produzi-lo: tal con­duta será para nós sua única significação", princípio este, de Pierce, que é o verdadeiro princípio do pragmatismo. Passou

121. Jacques Fáuve, La Philosophie aux Êtats-Unis, ín Weber-Huismann, Tableau de Ia Philosophie contemporaine, Paris, 1957, p. 536.

122. Paul Kurtz, American Philosophy in the Tweníieth Century, New York, 1968, p. 45.

123. Collected Papers of Ch. Sanders Pierce, ed. by C. Hart-shorne and P. Weis, Harvard Univ. Press, 1931, vol. I, p. 22,

124. Gustav E. Müller, Amerikanische Philosophie, Stuttgart, 1936, p. 122.

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WILLIAM JAMES Considerado o pai do pragmatismo

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inadvertido completamente durante uns vinte anos, continua William James, "até que eu, em 1898, numa conferência na Universidade da Califórnia, voltei a apresentá-lo, aplicando-o particularmente à Religião. Por aquela data o tempo estava disposto para recebê-lo. A palavra Pragmatismo projetou-se rapidamente".125

De fato é a James a quem mais particularmente se deve a formulação precisa e a difusão mundial do método e teses pragmatistas.

William James (1842-1910) é o mais celebrado dos prag­matistas. Seu pai, Henry James, também filósofo e escritor, era muito dado à leitura do visionário e místico sueco Swe-denborg. William, no aspecto religioso, ressentiu-se sempre desta influência paterna. Seu pai mandou-o estudar na Euro­pa. De regresso graduou-se em Medicina, na Universidade de Harvard e ali lecionou muito tempo anatomia, fisiologia e higiene, mas já em 1881 passou a ensinar Filosofia. A fama de brilhante e original professor grangeou-lhe enorme pres­tígio que chegou ao máximo com a publicação, em 1890, de sua notabilíssima obra Princípios de Psicologia. O brilho, a vivacidade e clareza de estilo, de par com a penetração e agudeza de suas análises produziram impressão profunda e foi logo traduzida para vários idiomas. Com essa obra consa­grou-se já como "o filósofo norte-americano".126

Em anos anteriores a vida intelectual de James foi errá­tica pelos diversos campos do saber e das artes. As correntes evolucionistas de Darwin e de Spencer o impressionaram, sendo precisamente essas inquietudes naturalistas que o de­terminaram a acompanhar ao zoólogo suíço-americano Agas-siz na viagem de exploração pelo Amazonas.

125. James, op. cit. ibid. Já, anteriormente, noutra obra, tinha James declarado a primazia de Pierce sobre o método pragmático, declarando que este havia prestado um bom serviço à filosofia "by singling that principie out as fundamental and giving to it a Greek name, Pragmatisme". The Varietíes of Religious Experience, London, 1903, p. 444.

126. Vid. Dagobert D. Runes, The Dictionary of Philosophy, New York, 1942, p. 152.

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De seu pai, Henry James, "rejeitou ele o monismo e o socialismo, reteve, porém, seu anticlericalismo, antiraciona-lismo e antimoralismo".127 Ainda que nascido e educado no protestantismo viveu sempre num mar de dúvidas religiosas. Em todos os seus escritos faz sempre freqüentes referências á matérias religiosas. Nunca, porém, apareceu uma confissão clara, nem tampouco, uma negação categórica do cristianis­mo. Escrevendo ao psicólogo J. H. Leuba dizia-lhe: "minha posição é simples. Não tenho nenhum vivo sentimento de relação com Deus. Invejo aos que o têm, pois sei que a posse de tal sentimento me auxiliaria muito . . . Contudo, ainda que esteja tão desprovido de consciência de Deus em sentido direto e pleno, há porém, alguma cçisa em mim que respon­de quando ouço falar do assunto. Reconheço uma vôz profunda. Algo que me diz: Thither lies truth — aí reside a verdade, e estou bem seguro que não se trata de velhos pre­juízos teístas da infância".126

Cria James na imortalidade da alma? É evidente, pois, como no caso da crença em Deus, defendeu, desde logo, a legitimidade dessa crença, não por interesse próprio, mas pela humanidade em geral. À medida, sem embargo, que Ja­mes foi envelhecendo, veio a crer na imortalidade. Em carta de 17 de julho de 1904, a seu amigo Stumpf, confessava: "Nunca senti a necessidade racional da imortalidade . . . confesso porém, que à medida que vou ficando velho, sinto com muito maior força do que antes a necessidade prática dessa crença; e isso combina-se com razões que me dão uma fé crescente na sua realidade".129

Em 1898, inspirando-se em Pierce, como já indicamos, abraça com entusiasmo a idéia pragmatista, para cômprome-ter-se logo plenamente no seu significado espiritual e em seu sentido ético e religioso.

127. Vid. Herbert W. Schneider, A History of American Phi-losophy, New York, Columbia Univ. Press, 1947, p. 557.

128. Ap. R. Barton Perry, The Tought and Character of W. James, Cambridge, HUP, 1967, p. 266.

129. Vid. Perry, op. cit, p. 267-268.

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O pragmatismo — tanto quanto a fenomenologia lius-serliana, embora que com resultados diametralmente opostos — representam, na evolução da filosofia moderna, a reação contra as sutilezas ou requintes mórbidos dos intelectualis-mos abstratos e os racionalismos céticos, então dominantes. Primum vivere, o pensamento função da vida. Por isso é característico do pensamento norte-americano, como observa Heinemann, o intento de "limitar à esfera prática a espe­culação filosófica".130

"O ponto sobre o qual gira — the pivotal pari— o meu livro intitulado Pragmatisme, declara o próprio autor, é a explicação da relação chamada verdade, que se pode obter entre uma idéia (opinião, crença, afirmação ou o que for) e seu objeto. A verdade, segundo ali afirmo, é uma proprie­dade de algumas de nossas idéias serem congruentes com a realidade, assim como a falsidade é incongruência com a realidade. Tanto para os pragmatistas como para os intelec-tualistas é questão pacífica esta definição".

"Mas onde nossas idéias não copiam definidamente seu objeto, que significa essa congruência com tal objeto? O progmatismo responde: Verdadeiras serão aquelas idéias que nós podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. Falsas as que não".151

Como a questão pivô da problemática pragmatista é a noção de verdade, a ela consagrou James a sexta das confe­rências que integram seu livro Pragmatisme; é dessa confe­rência132 e de outra obra, O Significado da Verdade, que va­mos extrair as idéias mais significativas.

O pragmatismo propõe assim a questão sobre a verdade: admitida como certa uma idéia ou uma crença, que diferença concreta se deduzirá de sua veracidade para a vida atual de

,v 130. Fritz Heinemann, Die Philosophie in XX Jahrhundert. Eine Eàçyclopedische Darstellung ihrer Geschichte, Stuttgart, 1959, p. 286.

131. W. James, The Meaning of Truth, London, 1909, pgs. V-VII.

132. Vid. James, Pragmatisme and the Conception of Truth, Sixth Lecture on Pragmatisme, London, 1907, passim.

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alguém? Como será realizada a verdade? A isto responde que a verdade de uma idéia não é uma propriedade estagna­da, a ela inerente. A verdade acontece a uma idéia; esta se faz verdade; os acontecimentos fazem a idéia verdadeira. Sua verdade é de fato um evento, um processo, o processo de sua própria verificação ou demonstração; sua validade é o processo de sua validação".

"Mas qual é o significado pragmático dos termos verifi­cação e validação? Insistimos em que não é outro senão o de certas conseqüências práticas da idéia verificada e validada".

Temos pois que o valor de nossas afirmações e convic­ções devem ser apreciados pelas conseqüências práticas, ou seja: se servem para conhecer, e para a vida prática, valem. Todo conhecimento para os pragmatistas é ação e daí que eles definem a verdade em função da ação, isto é, dos resul­tados práticos. "Todo conhecimento empírico que permite obter o resultado que se esperava, nos subministra o conheci­mento de uma verdade; A idéia triunfa quando a experiência comprova".

O pragmatismo, diz James, representa uma atitude com­pletamente familiar em Filosofia: a posição empírica. "O pragmatismo rompe, de uma vez por todas, com uma série de hábitos inveterados dos filósofos". Deixa de lado a abstra­ção e a insuficiência, as soluções verbais, os princípios fixos, os sistemas fechados, os "absolutos" e as "origens". Volta-se para o concreto e adequado, para os fatos, para a ação, para a força, pois em tudo isso domina o temperamento empírico. "Deixa aberta a porta a todas as possibilidades da natureza contra a artificialidade, o dogma e a pretensão de um fina-lismo na verdade. Ao mesmo tempo vai à procura de resul­tados particulares: é só um método".

James, às vezes, afirma que tudo o que pela experiência se demonstra útil é verdadeiro; e outras, que o verdadeiro é o que proporciona êxito à nossa atividade. Nestas condições pode-se afirmar que nunca se dá a verdade, pois o que no momento atual proporciona um êxito, pode não proporcioná-lo no futuro. A verdade seria então mutável com os lugares

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e os tempos. Estamos dentro do mais radical relativismo gnoseológico.

Podemos, assim, perguntar: são verdadeiras as afirma­ções por que dão bom resultado, ou o dão por que são ver­dadeiras? O pragmatismo responde estar de acordo com a primeira proposição; o sentido comum de toda a humani­dade opta pela segunda.

O pragmatismo que se proclama como um novo método de filosofar, é simplesmente a inversão do método racional criteriológico. Em vez de propor como critério de verdade a experiência em sentido retrospectivo, como gênese das idéias e dos conhecimentos, toma-a em sentido prospectivo, como experiência verificadora e atuante. "O conhecimento, escreve Franco Amerio, não é reprodutivo ou revelador do real, senão apenas indicador de uma ação de possível realização em ordem ao real".133

Enfim, para o pragmatismo o que interessa é o valor prático de uma afirmação, em ordem ao desenvolvimento intelectual ou moral do indivíduo ou do grupo social, posto que a verdade mede-se pelo êxito. Em duas expressões de James podemos sintetizar-lhe o pensamento: "Ê verdadeira toda idéia que produz efeitos benéficos em nossa vida". E de modo conclusivo: "Verdadeiro, para dizê-lo brevemente, é só aquilo que convém a nossos interesses profundos; do mes­mo modo que justo não é mais do que o conveniente em nosso modo de nos comportarmos". Sem dúvida, diremos em sentido favorável, que a fecundidade de uma doutrina prá­tica pode, algumas vezes, confirmar a verdade desta, servin-do-lhe no caso de validação experimental; mas isto não deve induzir-nos a generalizar e levar-nos a pensar que o êxito é critério seguro da verdade de uma doutrina. Isto seria con­fundir a bondade com a verdade.

Amor Ruibal„que estudou a fundo o pragmatismo, assim resume e expõe esse pensamento dentro do contexto da filo-

133. Franco Amerio, Epistemologia, Brescia, Marcelianít, 1948, p. 270.

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sofia coetânea: "La base general dei pragmatismo encuèn-trase como en Ias teorias de evolución transcendente y de evolución empírica en ei devenir, en ei continuo movimiento e inestabilidad de Io existente, que solo mediante ei espejis-mo de ia representación sujetiva aparece algo consistente y estable. Lo real en nosotros no es más que ei obrar y Ia acción; lo real fuera de nosotros es ei flujo continuo y amorfo, es Ia simple duración sin sujeto que dure, y ei movimiento incessante y eterno sin objeto móvil. El sujeto de Ia duración, sin sujeto que dure, y ei movimiento inces­sante y eterno sin objeto móvil. El sujeto de Ia duración, como ei objeto movible, son formas representativas dei yo humano donde se cristaliza y solidifica, por decirlo asi, a los fines de Ia acción individual, ei fluir caótico que Ias ideas mismas y los sentidos objetivan.

"Desde ei momento en que lo real es puro devenir, Ia estabilidad que expresan los conceptos responde a una posi-ción falsa o acomodaticia, que solo tiene razón de ser en cuanto es una creación de utilidad sujetiva y personal. Pre­tender reducir ei conjunto móvil o, mejor, ei movimiento que constituye Ia única realidad, a Ia representación imaginativa e ideal, es semejante, en frase de W. James, a querer encer­rar ei água en Ias mallas de una red; comparación que res­ponde ai pensamiento de Bergson y expressa bien Ias defi­ciências de Ia idea, según ei pragmatismo, respecto dei uni­verso em si".134

A citação, embora longa, nos proporciona em compen­sação uma síntese profunda e luminosa das raízes do prag­matismo.

William James, prosseguindo sua especulação filosófica na rota iniciada, e neste caso com perfeita lógica, abocou num empirismo radical, que ele considera como o ponto final do pragmatismo. "Acho-me interessado, escreve, noutra dou­trina filosófica à qual dei o nome de "empirismo radical",

134. Angel Amor Ruibal, Los problemas fundamentales de Ia filosofia y dei dogma, tomo II, cap. II, n.° 23, (ed, dei CSIC. II), p. 64.

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e parece-me que o estabelecimento do pragmatismo constitui um passo de primordial importância para fazer prevalecer esse empirismo radical."

"O empirismo radical consiste em três pontos: primeiro um postulado, logo a afirmação de um fato, e por último, uma conclusão generalizada".135

O postulado exige que as coisas que se hão de debater entre os filósofos sejam definíveis em termos obtidos da expe­riência.

O enunciado ou afirmação de um fato é que as rela­ções entre coisas, tanto as conjuntivas como as disjuntivas, são matéria de experiência particular, nem mais nem menos, que as coisas mesmas.

Por último, "a conclusão generalizada é que, por con­seguinte as partes da experiência se mantêm unidas por rela­ções que são por sua vez partes da experiência".136

Devido, principalmente, à importância e prestígio que, pela sua grande obra Principies of Psychology, já desfrutava James, o pragmatismo, apesar de suas graves incongruências, obteve logo crédito e uma difusão fulminante. Nos anos de 1906 e 1907, pronunciou nas Universidades de Harvard e de Colúmbia as conferências que logo constituíram seu livro Pragmatisme. O êxito foi extraordinário. Nas de Colúmbia teve um auditório de mais de mil pessoas. Poucos dias de­pois, referindo-se a essas conferências e à recepção na Uni­versidade, disse ele próprio que "constituíam certamente o ponto mais alto de minha existência no que se refere ao desdobrar de energias, "so far as energizing" •— e a ser "re­conhecido".137

A satisfação e confiança de James no seu método prag­mático eram ilimitadas. Enviando a seu amigo Teodoro Flour-noy o texto das oito conferências universitárias, dizia-lhe: "Eu quero fazer de todos vós entusiastas conversos ao pragmatis-

135. James, The Meaning of Truth, Preface, XI. 136. Op. cit., p. XII. 137. Vid. Perry, op. cit., p. 296,

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mo . . . Sinto-me totalmente inflamado pela sua idéia, pois considero-a capaz de substituir a todos os sistemas raciona-listas . . . Tenho a esperança de que o pragmatismo seja a filosofia do futuro. Todas as tendências sãs e profundas da vida a ele podem submeter-se".138

E escrevendo a seu irmão Henry, dizia-lhe: "Não me sur­preenderia que dentro de dez anos minha obra Pragmatisme seja considerada como o livro "que fez época", pois não tenho a menor dúvida a respeito do triunfo definitivo desse modo geral de pensar; julgo que é algo muito parecido à reforma protestante".139

O êxito, a celebridade do movimento pragmatista apa­rece manifestada, não só pelo número de seus seguidores em diversas partes do mundo e pelos louvores e aplausos que suscitou, como também, por contraste, na séria oposição e acerbas críticas a que deu ocasião.

Realmente não deixa de ser surpreendente que um mé­todo de filosofia tão pouco filosófico e de tão escasso valor dialético, como o pragmatismo ou o humanismo de Schiller, James, Royce, Dewey, etc. tenha alcançado tamanha popu­laridade.

Para Ortega y Gasset: "es muy escasa Ia estimación que ei pragmatismo merece en cuanto filosofia".140 Como bem fazia notar o filósofo ianque Reinhardt, não se pode aceitar a validade de uma filosofia "que considera a verdade só como um instrumento para o logro do progresso individual e social e que nega explicitamente a possibilidade de alcançar uma verdade absoluta e universalmente válida".141

Com sua costumeira acuidade desvenda Amor Ruibal o grave equívoco do pragmatismo, e que é â causa de sua

138. Perry, op. cit, II p. 199. 139. The Letters of W. James, edited by his son, Henry James,

Boston, 1920, II, p. 279. 140. José Ortega y Gasset, Obras Completas, Madrid, 1947, IV,

p. 97. 141. K. F. Reinhardt, A Realistic Philosophy, Milwaukee, 1944,

p. 251.

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desorientação total: "Es un error fundamental en ei pragma­tismo ei de confundir Ia expresión significativa de Ia idea, que constituye ei símbolo dei concepto, con ei contenido dei concepto mismo. El símbolo de Ia idea, que en ei ordem externo es Ia palabra y en ei interno son los elementos que entran em su definición, es algo inmóvel y estático que cons­tituye una forma en si despojada de Ia vida y movimiento de Ia realidad. Mas ei contenido de Ia idea, o sea, aquello que Ia definición lleva ai fondo de Ia conciencia como corres-pondiente a Io real, no es un símbolo inmóvil, es Ia realidad misma tal como se ofrece y es susceptible de ser conoeida por ei hombre, con su propia vida, con actividad y movi­miento propios. Cuando queremos definir Ia corriente de un rio, o ei movimiento de Ias ruedas de una máquina, o una hora de tiempo en ei reloj, Io hacemos ciertamente con ele­mentos estáticos que nos dan una definición y que, como tal es inalterable y fija; pero esa definición no es ei término de Ia acción intelectual, no es más que ei símbolo de algo más íntimo que alcanzamps mediante ella; y esto más íntimo es Ia realidad de Ia cosa significada tal como ella es o aparece ser; es ei fluir de Ias águas como se realiza, es ei movimiento mismo de Ias ruedas de Ia máquina que se ofrece a nuestro espíritu, es ei correr imperceptible dei tiempo que ei reloj marca y dei cual adquirimos conciencia. En una palabra, es ei símbolo mental de una cosa no es Ia cosa a cuya percep-ción nos conduce. De donde se sigue que dei ser estático e inmóvil de Ia representación, nada se concluye contra Ia per-cepción de Ia realidad dinâmica y móvil que adquirimos y de Ia que tenemos conciencia mediante aquella representa­ción estática, contra Io que pretenden los pragmatistas".142

Ainda que o pragmatismo seja sem dúvida condizente com as características e o temperamento praticista e utilitário dos povos anglo-saxônicos, foi, sem embargo, na própria In­glaterra, que um dos seus filósofos contemporâneos mais con-

142. Amor Ruibal, op. cit., II, cap. II, n.° 39 (ed. dei CSIC, II), p. 80-81-

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ceituados, achou o método pragmatista de uma "incridible complication". Com efeito, explica Russell, tal método dá por suposto que uma crença é verdadeira quando seus efeitos são bons; mas para que esta definição seja útil precisamos saber o que é bom e quais são os efeitos desta ou daquela crença, para poder saber que alguma coisa é verdadeira pois, "só depois de haver decidido que os efeitos de uma crença são bons é que temos direito a chamá-la verdadeira . . . eu acho, conclui, graves dificuldades intelectuais nesta dou­trina".143

No pragmatismo, como disse um historiador mexicano, a verdade é essencialmente relativa: "só cabe falar da ver­dade de cada um ou das verdades no plural". Isto é puro ceticismo.144 Paul Kurtz, ainda que simpático a James, não obstante finaliza a nota biográfica reconhecendo que "sua teoria pragmática da verdade, que de todas suas teorias filo­sóficas foi a que mais atenções lhe grangeou, é repudiada geralmente no presente, e de fato parece absolutamente insus­tentável, is quite untenable",145

Assim, pois, é incontestável que o pragmatismo incorre num grave erro, que invalida seu sistema, ao identificar pura e simplesmente o verdadeiro e o útil; e ao afirmar que uma crença religiosa é verdadeira na medida em que nos propor­ciona consolação; pois é convicção universal do gênero hu­mano que uma idéia não é verdadeira porque é útil, muito pelo contrário, é útil porque é verdadeira.

Entretanto, nem tudo é negativo a respeito do pragma­tismo. Pondera discretamente Gex que talvez não fosse pre­judicial ao pensamento humano passar por uma fase do prag­matismo apesar do incompleto e sumário de sua doutrina, "pois o pragmatismo poderia impedir que a filosofia, levada pelo prurido de novidades, se torne um enganoso e vão arti-

143. Bertrand Russell, History ~of Western Philosophy, London, 4, 1954, p. 845.

144. Antônio Pérez Alcocer, Historia de Ia Filosofia, México, 1948, p. 415.

145. Kurtz, op. cit., p. 105.

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fício, recordando aos homens uma verdade fundamental: somente a verdade concreta, tomada em todos os seus aspec­tos, pode ser o verdadeiro objeto da filosofia".146 Cumpre, sem dúvida, reconhecer que o pragmatismo, mercê de sua parcialidade, teve o mérito de esclarecer vigorosamente um aspecto da verdade: sua eficácia prática.

146. Maurice Gex, Finführung in die Philosophie, Berna, 1960, p. 172.

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Capítulo VIII

HISTORICISMO

Não é possível dar noção unitária de um movimento ideológico tão vário e polifacético como o historicismo. Sob esse neologismo acolhem-se os produtos os mais variados do pensamento histórico e filosófico moderno. A aplicação mais usual desta palavra é geralmente para designar aquela forma de historicismo que se caracteriza pelo predomínio de ele­mentos vitalistas e existencialistas em sua estrutura e que, como a esses sistemas, não é fácil traduzir em conceitos lógicos.

Aliás, esta dificuldade na conceituação do historicismo brota de sua mesma contextura, pois ele próprio se considera como produto da experiência vivida, pessoal e intransferível. Ele parte da evidência de que o fundo radical da realidade é a vida humana "y esta, segundo se exprime um de seus expositores, en todas sus dimensiones artísticas y científi­cas, sociales y religiosas, es temporalidad, limitación y con­tingência. Todo se me dá em mi vida. Pero mi vida misma, es relativa a una época histórica".147 Daí que o vazar sua forma em moldes conceptuais nos daria apenas um perfil artificial e utópico. Por esta razão o historicismo é mais bem explicado e definido como uma tendência do que como um sistema determinado e concluso.

147. J. Sánchez VUlasenor, La crisis dei historicismo, México, Ed. Jus, 1945, p. 10,

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Hoje, entende-se comumente por historicismo a tendên­cia que leva a considerar os produtos ou criações do espírito e da cultura (filosofia, direito, moral, religião, etc.) somente em seu clima histórico, limitando seu valor de verdade, bon­dade e justiça ao tempo e lugar em que apareceram ou esti­veram vigentes e, portanto, nega a esses produtos seu valor intrínseco fora daquele âmbito, ainda que sua pretensão de validade o ultrapasse. Deste modo, v.g., tal doutrina que, tomada em si mesma, é falsa, ou tal ato que, abstratamente considerado, é condenável, aparecem historicamente como momentos necessários, como fases impossíveis de eliminar de uma evolução.

Uma forma menos restrita de historicismo é aquela que na história de uma coisa vê a explanação suficiente da mes­ma, ou a que descobre os valores dos processos históricos no mero exame de sua origem ou faz esses valores inseparáveis da evolução histórica.

Outros històricistas, sem chegarem a um relativismo tão radical, explicam as criações culturais não só em função dos fatores racionais ou lógicos senão também levando em conta os alógicos e circunstanciais, como se verifica, por exem­plo, no historicismo de Savigny.

Já Eisler registra o historicismo como consideração da natureza "e do mundo cultural do ponto de vista do proces­so histórico em sentido hegeliano".148 E Runnes aplica, por sua vez, a denominação de historicismo à evolução histórica de K. Marx.149

O historicismo, enquanto negação do valor intrínseco e intemporal dos princípios, opõe-se ao racionalismo; tomado, porém, no sentido da filosofia de Hegel, segundo a qual o acontecer humano é um processo essencialmente histórico, espiritual, opõe-se ao naturalismo.

148. Eisler, Worterbuch etc, t. II, p. 637. 149. Dagobert D. Runnes, The Dictionaire of Philosophy, 2."

ed., New York, 1942, p. 127.

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Como método sistemático, o historicismo só cabe dentro dos princípios do positivismo ou do pragmatismo. Nietzsche dizia que nós necessitamos da história "para a vida e a ação, não para a renúncia fácil à vida e à ação; queremos servir à história só enquanto ela serve à vida".150

Já em capítulo anterior, salientamos que o relativismo era o apanágio da filosofia moderna. Por ela circula em todas as formas e às vezes, frisa um escritor, "em forma informe"; todavia o cariz predominante de tal filosofia é o histórico; "o historicismo como sistema metafísico está em vigência desde começos do século".151

O homem vem, especialmente desde o século XVIII, pas­sando gradativamente ao primeiro plano no interesse espe­culativo dos filósofos. Nos nossos tempos, em alguns siste­mas, v.g. no existencialismo, o tema do homem tornou-se o único de sua filosofia. Não é, porém, o homem abstrato do racionalismo cartesiano: o homem ahistórico, vagamente hu­manitário, construído de peças justapostas, submetidas em seu funcionamento a um puro mecanicismo; o homem asso­ciai, possuidor de direitos num frio individualismo; não é um homem "que no es de aqui o de allí, ni de esta época o de Ia otra, que no tiene ni sexo ni pátria, una idea, en fin", como disse Unamuno. Não, o homem objeto de tão espe­cial atenção na filosofia contemporânea "es ei hombre con­creto, de carne y hueso; yo, tú, lector mio, aquel otro de más allá, cuantos pesamos sobre Ia tierra"152, é o homem totalmente imerso na temporálidade; sua estrutura fundamen­tal é a historicidade, a atuação variada, inesperada, não sub­metida a leis ou instâncias superiores, apenas influída a cada instante pelo pensamento da finitude e da angústia.

150. Nietzsche, UnZeitgemassé Betrachtungen, II, cit. em Eisler, Handwortebuch, p. 277.

151. José Iturrioz, Tendências Filosóficas modernas (em comen­tários a Ia Ene. Humani Generís, Bilbao, 1952, p. 60-61).

152. M. de Unamuno, Del sentimiento trágico de Ia vida, Ma-drid, s.d., p. 6.

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Esta descrição do historicismo não é, todavia, adequada a todas as formas do mesmo.

Considerando o raio de aplicação da noção da realidade histórica, distingue Ferrater Mora, em seu excelente Dicio­nário, dois tipos de historicismo: o antropológico "que ads-cribe Ia historicidad ai hombre y a sus produciones"; e o cosmológico "que adscribe ia historicidad ai cosmos ente-ro";153 o primeiro tipo está influenciado pelo modelo das ciências históricas, ao passo que o segundo prende-se ao evo-lucionismo cósmico.

Esta classificação dicotômica não abrange a totalidade do historicismo, pois deixa fora o que, seguindo a nomen­clatura de Ferrater, poderíamos chamar de historicismo étni­co, que corresponde à conhecida com o nome de Escola his­tórica ou Historicismo jurídico, cuja influência ainda hoje se faz sentir, através dos remanescentes do positivismo nas doutrinas morais, jurídicas e políticas. É esta a forma de his­toricismo que registra o Vocabulaire de Lalande.

Os grandes clássicos da escola jurídica espanhola dos séculos XVI e XVII prestaram especial atenção à história, sem por isso descerem da concepção metafísica do direito. Surge, porém, especialmente nos arraiais protestantes, a mal chamada escola do direito natural, que alcança no século XVIII sua culminância com o filosofismo racionalista da Ilustração. Esta escola é inteiramente apriorista, chamada tam­bém, justamente, escola racional ou idealista. Ela faz derivar todo o direito da razão natural, absoluta, imutável, universal, igual para todos os povos e para todos os tempos, ou seja, na pura razão havia de buscar-se, exclusivamente, não na experiência ou consentimento dos povos, o critério para dife­renciar o justo do injusto.

Em boa parte, as conclusões desta escola eram coinci­dentes com as do direito natural escolástico; seus princípios,

153. J. Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1938, p. 650.

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porém, eram muito diferentes. Com efeito, essa escola ra­cional e apriorista deificava a razão, erigindo-a em árbitro supremo de toda instituição e de toda moral, daí o divórcio invencível entre o direito naturalista essencialmente racional e o direito positivo surgido da vontade do legislador ou das vicissitudes históricas dos povos. A escola racionalista do direito, considerando o homem em abstrato, pretende elabo­rar um direito para tudo e sempre prescindindo totalmente das instituições e formas de uma determinada civilização. "Despreza a observação dos fatos, diz Lessa, as lições da história e a experiência do presente, supondo possível reor­ganizar uma sociedade por meio de instituições engendradas pela imaginação criadora, que é ao que se reduz a inteligên­cia, quando desajudada do seu imprescindível arrimo no do­mínio da ciência".154

Como sempre acontece em casos similares a esse exage­rado apriorismo racionalista, opunha-se a opinião dos que intentavam buscar na história o fundamento das instituições jurídicas, e de sua evolução. Na medida que ia decrescendo a escola racional ia tomando impulso a histórica.

Esta, porém, não teve desenvolvimento uniforme. Viço sentiu vivamente o valor do histórico, e, alheio a toda polí­tica, guiado somente pela ciência, deixou-nos seu conceito historicista que consistia na descrição das leis e das razões que, em consonância com o tempo e o espaço, lhes haviam dado origem. Viço possuía o fino senso da historicidade do acontecer humano. E é este senso do histórico que o leva a repudiar o individualismo e caracteriza a sua mentalidade: "che noi dobiamo considerara, afirma Cicala, quindi come il vero e grande precursore delia scuola storica".155

Não foi, porém, este sadio historicismo de Viço o que

154. Pedro Lessa, Estudos de Philosophia do Direito, Rio de Janeiro, 1912, p. 309.

155. Bernardino Gicala, Filosofia e Diritto. I sommarii. Parte seconda, Cittá di Castello, 1927, p. 356.

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caracterizou a assim chamada Escola Histórica.156

Esta surge na Alemanha em violenta oposição ao inten­to de Thibaut (em 1814) de dar a toda a Confederação Ger­mânica um só Código unificado, no molde dos códigos pro­piciados pela escola racional.

Os fundadores deste historicismo jurídico foram Gus­tavo Hugo, Jorge R. Puchta e, sobretudo, Frederico Carlos Savigny (1779-1861), que é o mais importante doutrinador da escola histórica. O que propriamente constitui a doutrina desta escola é a pretensão de que o direito é um produto exclusivo do espírito do povo, criação coletiva deste, numa união de todos os elementos culturais e vitais formando um processo orgânico de desenvolvimento.

O direito, para o historicismo jurídico, não é já uma idéia abstrata que emana da razão e por ela exclusivamente elaborada, como pretende a escola do direito natural racio-nalista; é antes a expressão da consciência jurídica de um determinado povo, que evolui e se aperfeiçoa, ao evoluir e aperfeiçoar-se o próprio povo. O sujeito pois, ativo, a causa eficiente do direito, é o mesmo povo, o Volksgeist, instru­mento inconsciente que se traduz na cultura e na história de cada povo. Assim resulta o direito de um produto espontâ­neo do progresso social determinante do que é justo e do que é reto e bom. Na escola histórica "ei Derecho — precisa Luno Pena — es ei resultado inconsciente dei espíritu popu­lar. Su origen es esencialmente consuetudinario. Su funda­mento es ei espíritu dei pueblo, Ia convicción común dei pue-

1S6. O notável jurisconsulto do Séc. XVIII, lovellanos, foi es­clarecido partidário do historicismo jurídico, na linha doutrinai de Viço. Naquela gema literária que é seu Discurso de recepção na Real Academia de História, de Madrid, referindo-se ao Fuero Viejo de Castilla, tem observações como esta: "Llámenlas en buen hora bár­baras y groseras — as leis do Fuero — los que ignorando su origen, son incapaces de penetrar su esencia; pero yo admiraré siempre Ia prodigiosa conformidad que hay entre ellas y Ia constitución coetâ-nea . . . Y a Ia verdad, sefíores, que es Io que falta a Ias leyes para ser sabias cuando son convenientes?" — G. M. de Jovellanos, Discurso sobre Ia necesidad de unir ai estúdio de Ia legislación ei de nuestra historia y antigüedades. Em Obras escogidas, ed. por F. Soldevilla, Paris, 1887, p. 17-18.

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blo, ei puro sentimiento de necesidad íntima que excluye ia posibilidad de un origen accidental y arbitrário".157

O estudo científico, e a defesa, contra a escola racional do Espírito do povo (Volksgeist) induziu a muitos juristas, filósofos e sociólogos, particularmente alemães, a uma con­cepção puramente biológica da sociedade, levando-os a con­siderar a nação como um todo vivo, consciente, ativo, ou seja, um verdadeiro indivíduo. Deploige pergunta-se, qual a origem do Volksgeist, dessa idéia orgânica do Estado? E responde, contra muitos, indicando o nome de Adam Müller como autor dessa idéia e da concepção do Estado como uni­dade biológica, bastante antes de Savigny.158

Partidário foi também desta escola o célebre historiador do direito natural F. J. Stahl, muito embora intente conciliar o relativismo jurídico com a ordem cristã. Como Savigny, ele sustenta a correlação do direito com a formação da nação e com a consciência nacional, a espontaneidade inerente das suas primeiras origens e a lei de continuidade que rege sua evolução. O presente não é mais que um movimento na con­tínua evolução das idéias e das instituições; está, pois, sem­pre determinado pelo passado, do que não pode se separar, incapaz de inovar na ordem das idéias, o mesmo que na das instituições, e dele não podemos ter uma clara inteligência se não à luz do mesmo passado.159

O historicismo jurídico teve entre outros frutos o de corrigir os tremendos exageros da escola racional jusnatura-lista, segundo a qual, somente na razão natural, universal, imutável e absoluta, se acha o critério para discernir o justo do injusto com absoluta independência de sua realização histórica; negando, deste modo, todo valor à autoridade e à experiência em aras de um exagerado e geométrico dogma-

157. Enrique Luno Pena, Historia de Ia filosofia dei derecho, 2.a ed., Barcelona, La Hormiga de Oro, 1955, p. 610.

158. Simon Deploige, Le Conflict de Ia Moral et de Ia Sociolo-gie, 4.* ed., Paris, s.d., p. 157-163.

159. Ver Frederico Júlio Stahl, Historia de Ia Filosofia dei De­recho, trad. de E. Gil y Robles, Madrid, s.d., p. 663-686.

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tismo. A escola histórica representa mesmo a reação antirra-cionalista, um movimento em. favor da espontaneidade, a tradição e continuidade históricas, frente às abstrações e aos princípios apriorísticos da Declaração de direitos e da Re­volução Francesa.

"Significou, frisa Lufio, uma exaltação do individual, do concreto e do histórico, como manifestação do espírito popular nacional, frente ao individualismo racionalista, abs­trato, anti-histórico da Revolução".160

Talvez a mais valiosa aportação do historicismo jurídico fosse a revalorização do direito consuetudinário, muito em­bora "o exaltasse superlativamente" como reação — observa Recaséns Siches — contra o desdém por aquele direito que foi a "tônica racionalista e idealista dei pensamiento mo­derno, desde ei Renacimiento hasta ei siglo XIX".161 Na atualidade, além do Direito Canônico, é muito escasso o valor e respeito que se dá ao direito consuetudinário. E onde a democracia liberal de sufrágio igualitário e univer­sal impera, não só o direito consuetudinário, mas, também, os direitos natural e divino ficam eliminados. Esta é a situa­ção jurídica, após a Revolução Francesa, de muitos povos do Ocidente, outrora católicos.

Apesar das vantagens assinaladas, o historicismo jurídico apresenta falhas gravíssimas que o invalidam.

Já antes sublinhamos que a escola histórica trata de eli­minar o dualismo jurídico: direito natural e direito positivo, pois, em sua doutrina da origem étnico-genética do direito não há mais lugar que para o direito positivo, derivado da "alma popular". Por isso, esse historicismo nega a existência do direito natural clássico pois, se existisse seria anterior ao positivo originado do povo, e por conseguinte anularia o mesmo sistema cujo princípio é a consideração do povo e da história como fatores únicos do direito.

160. Op. cit., p. 612. 161. Luis Recaséns Siches, Tratado general de Filosofia dei

Derecho, Mejico, Porrua, 1959, p. 288.

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Todavia, a falha mais grave do historicismo está no seu ingênito relativismo, cuja lógica interna comporta a negação de todos os valores estáveis de bondade, justiça e verdade; Realmente, embora esse historicismo tenha surgido no campo das ciências jurídicas e especialmente no estudo da jurispru­dência civil, logo estendeu sua influência e suas conseqüên­cias ao campo das outras ciências sociais e econômicas e sobretudo às morais, modificando aquele caráter abstrativo, dogmático e quase geométrico da escola racional jusnatura-lista. Para o historicismo jurídico, já nem os princípios abso­lutos da razão, nem as deduções lógicas que em tais princí­pios se contém, nem mesmo aqueles nobilíssimos ideais que iluminam e enaltecem os sistemas metafísicos e a philosophia perennis, fogem à destruição e ruína.

Lamentavelmente, não faltaram, mesmo no campo cató­lico, como lamenta Cathrein,162 alguns escritores modernos que, pouco esclarecidos, não alcançaram o que de falso se contém no historicismo jurídico e aderiram aos seus postu­lados, chegando até à negação do direito natural.

162. Victor Cathrein, Moralphilosophie, 3." ed., Freiburg, Her-der, 1891, t. I, p. 445.

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Capítulo IX

O EXISTENCIALISMO MULTIFORME

Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, entre as filosofias da hora, ocupou lugar preeminente e até exor­bitante, a chamada filosofia existencial que, embora em sua estrutura se apresente irracional e, por vezes, mesmo absur­da e sempre pessimista, obteve, sem embargo, mercê de di­versas circunstâncias favoráveis, sociais e políticas e não propriamente filosóficas, um grande favor entre o público de após guerra, na Europa, causando no campo filosófico mais transtornos do que benefícios.

Nesta exposição intento apenas esboçar, em linhas ge­rais, os elementos necessários para se chegar a uma noção, o menos vaga e incerta possível, do que seja esse movimento filosófico que recebeu o nome de existencialismo. Todavia, muito embora se trate de problema de caráter filosófico, oca­sionalmente revestiu tais modalidades e sofreu tão variadas influências do meio ambiente que se torna indispensável bosquejar previamente a sua definição, as condições sociais, religiosas e políticas em que surgiu vigoroso esse movimento e qual a gênese de suas orientações.

O MUNDO DE APÔS-GUERRA

Se a filosofia impropriamente chamada existencialista tiver sua gênese, ou ainda sua razão de ser nos desastres ocasionados pelas guerras dos últimos decênios; se esta filo-

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sofia fora apenas uma legítima e eficaz evasão, nos tempos de tormenta, teria, hoje, não menos que em anos passados, ra­zão de vigência, pois estamos vivendo constantemente amea­çados e constrangidos diante dos presságios que nos depara uma paz armada, uma paz ainda não firmada com várias nações — isto se escrevia em 1952 — uma guerra fria, de maneira que, se ainda não caminhamos à luz fatídica dos estampidos atômicos ou das bombas-foguetes, dá para enxer­garmos no fundo do horizonte densas nuvens, prenúncios certos da tempestade.

Entretanto, reconhecendo embora que a angústia co­letiva prepara e dispõe o ambiente e facilita a receptivi­dade de uma tal doutrina, mesmo assim pensamos que nem a gênese nem a explicação adequada desta filosofia se encon­tram nesses fatos de ordem exterior e coletiva, mas na dialé­tica racionalista-empirista dos últimos tempos e, sobretudo em fatores de ordem religiosa, como logo veremos.

Os problemas de índole puramente temporal e filosó-tíca racionalista-empirista dos últimos tempos e, sobretudo deixou à livre discussão dos homens. O existencialismo, po­rém, reveste singular importância pela repercussão que mui­tas de suas doutrinas alcançam nos domínios da fé e da teologia. Eis o motivo porque o Papa se decidiu a alertar reiteradamente o mundo na encíclica Humani Generis, contra as "aberrações de algumas orientações desta nova filosofia". Aliás, não foi esta a primeira vez que Pio XII se referiu à filosofia existencial, pois já o tinha feito, de modo sem dúvida menos solene, no discurso aos membros do "Con­gresso Internacional de Filosofia" celebrado em Roma de 15 a 20 de novembro de 1946.163 Com admirável precisão de conceitos, frisava então o Papa a posição da Igreja católica em face das novas correntes. E um mês após a publicação da Humani Generis (17-IX-50) na visita que lhe fizeram os assistentes ao II Congresso Tomista Internacional, no qual foram especialmente estudadas as relações da fé cató-

163. Vid. Ecclesia, n.° 282, dezembro, 1946.

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lica com a filosofia atual, declara-lhes que o seu cometimento é de inadiável urgência, magni momenti et ingens causa.164,

Não vejamos, contudo, na fala de Roma uma censura aos pensadores que se esforçam seriamente por enriquecer a síntese cristã com novas conquistas do pensamento moderno. A fé e a filosofia constituem duas ordens paralelas, diferen­tes. Para o filósofo, a fé é apenas, e de modo indireto, um guia que lhe assinala os escolhos, sem no entanto tolher sua liberdade de investigação. A ninguém ocorrerá dizer que o farol da ilha Rasa, na baía de Guanabara, dispensa os conhe­cimentos profissionais dos pilotos ou que, por guiá-los, limi­ta-lhes a liberdade; não, apenas lhes presta auxílio para nave­garem com segurança.

Para melhor apreciar, em sua justa significação, o valor de certas intervenções pontifícias no campo filosófico cum­pre salientar que no fundo de grande parte da filosofia mo­derna, "jaz um sub-reptício endeusamento da existência"165

que a leva a sacudir todo jugo ou limitação, seja de caráter divino ou humano, e a induz a entrar, a cada passo, pela seara dogmática. Mais, ainda, como já um arguto teólogo re-ceiou186 "talvez na base da construção heideggeriana esteja latente o desígnio de dar satisfação a toda exigência humana do divino, para lançar-nos numa secularização radical". Isto, bem entendido, sem declarar explicitamente essa intenção, o que tiraria grande parte do valor suasório ao empreendi­mento.

A tão grave ameaça vem responder em nossos dias a Humani Generis. A palavra da Igreja, neste caso como em outros análogos, tem para o pensador cristão algo assim como uma função sinalizadora que lhe aponta a baliza in­transponível, além da qual a inteligência se extravia.

Em todo caso, como se trata de doutrinas humanas que são expostas e defendidas no âmbito dos conhecimentos na-

164. Ap. Ecclesia, n.° 481, 30-IX-1950, p. 367. 165. Zubiri, Naturaleza, historia, Dios, Madrid, 1944, p. 465. 166. Martin Ortúzar, En torno a "Sein und Zeit" de Heidegger,

in rev. Estúdios, 7-8, 1947, p. 176-177.

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turais, nesse campo é que se moverá nosso exame e nossa marcha em busca de uma exata compreensão e definição do existencialismo. E só acidentalmente, e para ilustração ou informação de algumas teses, frisaremos seu alcance dog­mático.

Notemos, também, a conveniência e oportunidade de estarmos atentos aos problemas filosóficos atuais, por causa da inusitada difusão de certas doutrinas, ainda fora da área filosófica, eivadas de gravíssimos erros, que se vão inoculan-do em grandes setores mesmo alheios às especulações filo­sóficas. Eugênio d'Ors, de regresso de um dos congressos de Filosofia de Roma, declarou que nele: "en cada uno de sus dias, se oía, ai menos, un millar de vezes Ia palabra exis­tencialismo".167 Ensaios, romances, dramas, revistas tudo ser­ve para expandir doutrinas que, com freqüência, de existen­cialistas em sentido estrito conservam só o nome.

É este um dos fenômenos sociais mais significativos do após-guerra. Desgraçadamente ainda continua nalguns paí­ses revestindo cada vez um caráter mais amoral e, porque o não dizer?, abjeto.

Registremos aqui os dizeres do professor Maurício de Medeiros, em crônica de Paris, publicada num jornal carioca, que diz: "No conhecimento dos ambientes atuais de Paris, a personagem principal é levada aos chamados clubes exis­tencialistas. E é esse um dos aspectos mais dolorosamente impressionantes do Paris atual, porque, afinal, de clube só o que há é o nome. E "existencialista" é apenas um rótulo com que se designa uma tendência amoral, um relaxamento geral dos costumes, uma livre expansão dos instintos, uma completa negligência nas atitudes tradicionais do homem que vive em sociedade".168. E segue o jornalista descrevendo discretamente a vida de alguns desses clubes.

Nosso ilustre amigo, o Dr. Hermínio de Brito Conde, Presidente da Liga Nacional de Prevenção da Cegueira, como

167. Vid. Revista de Filosofia, 21, 1947, p. 356 168. Ap. Diário Carioca, 24-X-1950.

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delegado do Brasil ao Congresso Internacional de Oftalmo-logia, disse-me, de certa feita, que nada havia de exagero nas descrições jornalísticas dos clubes existencialistas, que realmente constituíam nota degradante para uma sociedade que se diz civilizada. Ele me deu também um exemplar do "Guia de Turismo de 1950", publicado pelo The Sunday Times, onde, com características muito pouco filosóficas, convidam-se os turistas a visitarem tais clubes.

Dir-se-á, sem dúvida, que não é esse o verdadeiro exis­tencialismo filosófico. Concordo, fazendo notar, sem embar­go, que as premissas assentadas por vários existencialistas filósofos são tão radicais e materialistas que não se vê como poderíamos qualificar de incoerentes,os que as levam às últi­mas conseqüências. Sirvam, pelo menos, para nos tornar cau­telosos, não esquecendo que os grandes erros e calamidades sociais tiveram sempre um cérebro que primeiro lhes deu for­ma numa teoria filosófica. Se a árvore se conhece pelos fru­tos . . . aos leitores deixo a inferência no caso.

O existencialismo foi qualificado de filosofia da crise, e de fato, quem lê os autores mais representativos do exis­tencialismo fica logo impressionado pelo ambiente de angús­tia em que se movem.

Para Kierkegaard a ciência, a fé, o homem é presa da angústia, e "é tanto mais homem quanto mais profundamen­te se angustia".169 Para Heidegger a essência do homem, do ser-aí, é a derelição, o estar arrojado no mundo. Para Gabriel Mareei o homem é um ente capaz de desesperar. Karl Jas-pers fala de situações-limites. E para Sartre o homem leva o nada no seu ser. Enfim, a filosofia existencial é essencial­mente pessimista, uma filosofia "da evasão", como foi cha­mada algures.

Perguntamos agora: será esta filosofia um produto das convulsões políticas e sociais modernas, ou será antes o fruto da decomposição de uma cultura que nele nos reflete o der-

169. Vid. Cornelio Fabro, Problemi deWesistenzidlismo, Roma, 1945, p. 21.

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radeiro grau de decadência? Como se explica que uma dou­trina que a si mesma se apresenta como do desespero e da angústia tenha tal aceitação? •

De fato, o existencialismo achou ambiente propício no clima criado pelas duas grandes guerras deste século; toda­via, tanto estes conflitos como a filosofia existencialista deri­vam de causas comuns muito anteriores a seu aparecimento.

A filosofia existencialista não é filha das condições so­ciais do mundo contemporâneo, simplesmente porque Kier-kegaard, de quem traz a certidão de nascimento, é anterior de há quase um século, e então reinavam na Europa vitoriana a paz e a prosperidade. Além disto, não é pessimista em su­mo grau Schopenhauer, que vivia pelos mesmos tempos? E Nietzsche, o homem do nihilismo moral, não escreveu nos gloriosos dias da Alemanha de Bismark?

Qual é pois a causa da atual angústia da humanidade? Ah! eis-nos já em presença da Teologia, tocando com as nos­sas mãos o problema da Divindade. A gravíssima enfermi­dade de que adoece o mundo hodierno é a perda, o aban­dono da fé católica, é a ausência de Deus. Um dia lançava Nietzsche aquele grito insensato e satânico: Gott is tot; num wollen wir, dass der Ubermensch lebe. "Deus morreu, viva pois o Super-homem!" E escreveu logo as páginas mais ex­plosivas, pessimistas e destrutoras de todo valor, que o mundo ainda tenha lido. Viveu no desespero e acabou no manicô­mio.

O mundo moderno foi, gradualmente, se afastando de Deus e na mesma medida foi se tornando violento e triste. Começou por isolar Deus e a razão, prosseguiu exaltando as prerrogativas desta, mesmo por cima das verdades reveladas, e negando ou pondo em dúvida a religião cristã, e até o pró­prio Cristo.

Nos começos, a impiedade ficava apenas nas classes intelectuais; mas pouco a pouco, pela ação persistente e tenaz do racionalismo e da maçonaria, a descrença, o ódio à igreja e por vezes o mais cru ateismo, foram penetrando e domi-

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nando as massas populares. Deste modo, a Europa, que no Medievo correspondia tão bem ao binômio de Hilário Belloc, "Europa é a Fé e a Fé é a Europa", agora fazia saltar em pedaços a fé de seus pais e perseguia a Igreja que a civili­zara, buscando sucedâneos econômicos e materialistas para a satisfação das gentes. Finalmente, abandonado o Catolicis­mo procurava preencher o lugar com a CIÊNCIA, assim escrita em letras capitais.

Deste modo, privado de Deus, despojado de suas cren­ças em que outrora descansara tranqüilo, o homem sentiu um tremendo abalo em toda a sua onticidade. Secaram-lhe a fonte de consolação que é a esperança cristã, sucedida pelo desespero. "Nossa morte, escrevia melancólico Maeterlinck, é a guia de nossa vida, que não tem outro objetivo que nossa morte".170

A CIÊNCIA não cumprira as promessas de um futuro cheio de felicidade onde não caberia mais a questão do des­tino de além-túmulo. Dominada toda pelas escolas positi­vistas e empiristas desembocara numa hipertrofia do tem­poral, que não deixava mais lugar para o eterno. O homem sentiu que a alma se lhe escapava e procurou algo a que se apegar. "E veio o pessimismo — diz Unamuno —. O pro-gressismo tampouco satisfazia. Progredir, para quê? O ho­mem não se conformava com o racional, queria dar finali­dade à vida. E a famosa maladie du siècle, que se anuncia em Rousseau, não era nem é outra coisa senão a perda da fé na imortalidade da alma, na finalidade humana do univer­so".171 Se reduzirmos a vida a um relâmpago entre duas eternidades, então, será a mais detestável, a sorte do vivente.

Com o dito compreende-se que seja tão agudo o senti­mento de solidão e de angústia do homem hodierno. Com que finitude poderá ele encher o vazio que deixa o infinito? Ah! impossível preencher com o humano o vazio que deixa

170. M. Maeterlinck, El tesoro de los humildes, Valentia, s.d., p. 36.

171. Unamuno, Del sentimiento trágico de Ia vida, Madrid, s.d., p. 292.

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MIGUEL DE UNAMUNO Autêntico existencialista

avant Ia lettre

RAIMUNDO FARIAS BRITO Um grande filósofo brasileiro

o divino. Eis aí a verdadeira causa, confessada ou não, da inexprimível angústia que oprime a tantos homens de nossos dias. É esta a angústia que, ao tornar-se consciente na mente de um pensador, toma a feição de existencialismo em suas mais diversas formas.

É interessante notar como o ilustre pensador brasileiro Farias Brito que, muito embora combatesse o positivismo e o materialismo, não teve a felicidade de chegar a integrar-se plenamente na fé católica, sentiu também vivamente a soli­dão, a angústia e o desespero característicos do existencia­lismo. O nada, a aniquilação, constituía para o pensador cearense a suprema libertação. "Pode dizer-se, escreve, que a vida é uma agonia contínua; e o momento em que come­çamos a viver é já, por assim dizer, um começo de morte. É preciso que essa agonia termine. Para vencer pois, o de­sespero e a desgraça irremediável da vida, só há um meio: o completo esquecimento de tudo no nada. O nada, eis pois a suprema libertação".172 Ele sentia também é com extrema gravidade a derelição, o ser arrojado aí, a temporalidade do Dasein heideggeriano e a condição de ser-para-a-morte: "Va­gamos como sombras na noite do mistério, e em vão solta­mos queixas e gemidos em face do impenetrável que nos aterra; incertos do nosso destino; perdidos na imensidade do espaço e no infinito do tempo; certos somente da fragilidade de nossa existência e da morte inflexível que nos aguar­da"."3

Hessen diz que a questão central de toda filosofia exis­tencialista é a de dar resposta à pergunta: tem algum sentido a existência e em que consiste este sentido?174 A deslindar essa questão se dirigem as análises de Heidegger. Esta foi também a preocupação e o que fazer de Farias Brito: "É uma verdade que sofremos, é uma verdade que lutamos na vida e trabalhamos com todas as forças por descobrir a significa­ção real da existência".175

172. Farias Brito, O Mundo Interior, Rio, 1914, p. 45. 173. F. Brito, op. cit., p. 31. 174. J. Hessen, Existenzphilosophie, Basilea, 1948, p. 7. 175. Op. cit., p. 55.

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Realmente, o mundo hodierno adotou esta filosofia pes­simista porque, privado de Deus, da alma e da imortalidade, não lhe ficava outra escolha. "Que caminho pode seguir a filosofia, declarava Pio XII em 1946,176 que não seja o mais agudo desespero se não procura as soluções em Deus, na eternidade e na imortalidade pessoal?" Mas estas condições, repetimos, não surgiram com os conflitos deste século e, sim, com a impiedade e o trabalho profundo de descristianização que se vinha processando desde o século XVIII. De modo que podemos inverter os termos de Michele Sciacca, segun­do o qual o existencialismo elevou a crise duma época repre­sentada pelo drama duma existência desfeita e desgarrada pela guerra, à "crise da existência" em sentido universal. Diremos melhor que a crise da existência em sentido univer­sal, a crise de todo valor humano, foi precisamente a causa­dora principal da pavorosa crise por que atravessa nossa época.177

Sintetizando as considerações precedentes podemos, pois, afirmar: A raiz profunda de onde dimanam os existencialis-mos mergulha na angústia que ao homem ocidental ocasio­nam as tremendas e apocalípticas experiências que lhe coube em sorte viver, de par com a nostalgia da fé católica perdida, em que, outrora, achava sempre refúgio e esperança de liber­tação. Hoje está privado deste conforto, entregou-se deslava-damente à perseguição do prazer em todas as suas formas e ficou, afinal, insatisfeito, sem a tranqüilidade da ordem exte­rior, pois vive em contínuo sobressalto — haja vista a Euro­pa nos últimos quarenta anos —, e sem a paz interior, pois só inquietação lhe produz a vida debruçada para o terrenal. Em tais circunstâncias só uma evasiva se lhe antolha, porém, que trágica evasiva!: A MORTE, acompanhada de todos os agravantes por haver naufragado sua fé na imortalidade.

De quão diverso modo encara o católico autêntico a existência humana e o seu fim, a morte! Sua fé em Deus

176. In Ecclesia, n.° 282, XII-46. 177. Michele Sciacca, La filosofia, hoy, Barcelona, 1947, p. 189.

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nosso Pai, na imortalidade da alma, no valor substantivo da esperança enflora sua vida presente com belezas inefáveis, mesmo em meio das inevitáveis vicissitudes e sofrimentos, abrindo diante dele uma vida de eterna felicidade além-túmulo.

PRIMEIRAS TENTATIVAS EXISTENCIALISTAS

O existencialismo discorre por várias vertentes e não é coisa fácil dar uma definição precisa que corresponda a to­das as suas formas. Há o existencialismo dos precursores: Kierkegaard, Unamuno, Rilke, Dostoiewski, destacando-se, sobretudo, o primeiro. Neles não tinha, ainda, contornos mui definidos. Vêm, depois, formas já mais elaboradas com Karl Jaspers, Heidegger, Mareei, Sartre, Abbagnano e Berdiaef, juntamente com outros de menor significação. Há grandes diferenças, por vezes substanciais, entre estes pensadores, embora possamos também achar em todos eles alguns pontos pelos quais os podemos reduzir ao denominador comum que se convencionou chamar de existencialismo.

Pio XII, ao referir-se a esta filosofia, não nomeia pes­soas, nem especifica escolas. Todavia, seguindo as indicações doutrinais qíie contém o documento pontifício, podemos, com facilidade, determinar as referências. Censura o Papa aqueles para os quais "a filosofia perene não é senão a filosofia das essências imutáveis, ao passo que uma mentalidade moderna se deve interessar pela 'existência' de cada indivíduo e pela vida sempre em movimento". Mais adiante, prossegue: "ne­nhum católico pode pôr em dúvida quanto tudo isto seja falso, especialmente em se tratando de sistemas como o ima-nentismo, o idealismo, o materialismo, seja histórico ou dia­lético, ou ainda como o existencialismo, quando professa o ateismo ou quando nega o valor do raciocínio no campo da metafísica".178 Como se vê, o Papa não condena em bloco tudo quanto se apresenta como doutrina existencialista. Indi-

178. HUMANI GENERIS, N. 16, in Col. completa de EncU clicas Pontifícias, Buenos Aires, Ed. Guadalupe, II, p. 1803.

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ca, apenas, estes três pontos, muito embora não devamos esquecer que neles se fundamenta toda a doutrina: a) o anti-essencialismo ou oposição radical à realidade e permanência das essências; b) O ateismo; e c) O valor do raciocínio no campo da metafísica.

O ateismo é professado só por alguns existencialistas. Mas os outros dois pontos são defendidos por todos eles. E devemos salientar o grave alcance destes dois pontos pois atingem também ao chamado existencialismo cristão de Mar­eei e outros.

Realmente, era de esperar-se isto, pois as conseqüências dos dois pontos indicados alcançam enormes proporções na dialética filosófica. Pelo anti-essencialismo arruína-se toda ciência e por conseguinte também a teológica; e negar o valor do raciocínio no campo metafísico comporta, além de outras conseqüências, a de tornar indemonstrável pela razão a própria existência de Deus; doutrina esta contrária à Sa­grada Escritura e reiteradamente condenada pela Igreja, co­mo se pode ver no Ertchiridion de Denzinger.179 Aí ficam esses esclarecimentos para os que, reconhecendo o inegável valor do pensamento católico, desejam conhecer sua atitude no atinente ao existencialismo. Entretanto, repito, que no pros­seguimento de nossa exposição e refutação da filosofia exis­tencial, servir-nos-emos de elementos de ordem puramente racional, não dogmáticos.180

O Papa, no discurso de 1946, antes mencionado, aludia com palavras precisas ao existencialismo de Heidegger. É esta, sem dúvida, a forma de filosofia existencial de mais aparente solidez estrutural, porém, sob a feição de neutrali­dade ou abstenção em ordem ao campo religioso, encerra em suas premissas maior número de conseqüências das mais

179. Denzinger, Enchiridion symbolorum, N.°s 1670, 1785 e 2145.

180. Vid. I. Bochenski. Europaische Phiiosophie der Gegen-wart, Berna, 1947, sobre as implicações destes princípios existencia­listas no campo da metafísica.

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graves e demolidoras. Por esta razão prestaremos mais aten­ção a esta filosofia.

PARA UMA DEFINIÇÃO DO EXISTENCIALISMO

Dificilmente se achará um expositor da filosofia exis­tencial que não comece encarecendo a extrema dificuldade de interpretação e explicação deste movimento filosófico e por conseguinte também de dar uma definição que convenha a todas as suas direções doutrinárias. Esta dificuldade deriva, principalmente, de cinco causas; l.a A divergência e, não raro, a oposição, existente entre os seus sustentadores; 2.a

A obscuridade de estilo de vários de seus maiores expoentes, dificuldade que sobe de pronto em Heidegger, que não só se exprime em linguagem arrevesada e cheia de neologismos bárbaros e intrincados, como ainda as palavras mais correntes em filosofia são usadas em sentido diferente do tradicional, ocasionando ao leitor pouco advertido mil equívocos e, além disso, como frisa o escritor sueco Günther Anders181 porque "o objeto da especulação filosófica não é para Heidegger a descrição do Cosmo na forma clássica sistemática e, sim, o ser-aí do próprio homem"; 3.a Porque o existencialismo foge a toda disciplina sistemática, tendo surgido em Kierkegaard precisamente como negação e em oposição a todo sistema; 4.a Pela resistência que uma doutrina do invididual e mu­tável oferece para deixar-se traduzir em conceitos lógicos, vazar-se em fórmulas conceituais de valor unívoco e reco­nhecido universalmente, além de qüe, sendo a análise exis­tencial seu principal processo, a existência é absolutamente irredutível a qualquer conceito direto e próprio; 5.a E final­mente pela necessidade de evitar o uso imoderado de termos técnicos e de neologismos, pois em nenhum outro caso é tão oportuno como, ao tratar do existencialismo, o conselho de Arnáiz182 de evitar "as nebulosidades de certos estrangeiris-mos exóticos que, como praga maléfica, invadiram a lingua-

181. In Die Neue Rundschau, I-X-1946, p. 52. 182. M. Arnáiz y B. Alcalde, Dic. Manual de Filosofia, Madríd,

1927, p. 8.

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gem filosófica, convertida, muitas vezes, em logomaquia ininteligível".

Afinal, o que é o existencialismo? Logicamente a defi­nição deveria surgir após a exposição da doutrina, como síntese dos elementos que a análise descobriu no seu estudo. Porém, como auxílio didático e metodológico para mais fácil compreensão doutrinária do que se segue, intentaremos pro­por uma definição. Não desconhecemos a aventura que re­sulta pretender encerrar nos precisos termos de uma defini­ção, por sua natureza esquemática, o essencial de uma forma de pensar tão polifacética e por vezes tão imprecisa nas suas formulações como de fato é esta filosofia. São muito raras as coincidências dos escritores ao definir o existencialismo. Em nossa definição tentamos destacar-lhe, da melhor forma possível, a orientação e os objetivos. Disse orientação, por­que, como é bem sabido, o existencialismo é mais que nada um método, uma tendência filosófica; e objetivos, para assi­nalar o elemento formal desta tendência. Assim pois, enten­demos por existencialismo aquele movimento filosófico que centra seu objetivo na descrição do homem como um exis­tente que projeta sua própria existência.

O desenvolvimento desta definição nos irá dando uma visão geral bastante adequada do existencialismo que, de­pois, completaremos com uma breve exposição das doutrinas de cada um dos seus principais representantes. Expliquemos, por partes, a definição:

O EXISTENCIALISMO É UM MOVIMENTO FILO­SÓFICO — Desde logo não podemos chamá-lo de sistema, não só porque os seus próprios partidários repelem essa de­nominação para a sua filosofia, como sobretudo porque, de fato, carece dos elementos que constituem o sistema. Esta palavra significa o conjunto de idéias e materiais científicos ou filosóficos, entre si relacionados, que se coordenam logi­camente para dar-nos um todo orgânico. O sistema requer subordinação e harmonia e não conhece resíduos. Longe fica deste ideal o existencialismo cujo objetivo é só captar a vida

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e a realidade em sua duração e incessante mudança, isto é, perceber a vivência fundamental que é puro fluir da existên­cia. Por isso chamamos o existencialismo de movimento por­que representa apenas uma forma, uma tendência, um modo todo especial do acontecer habitual no pensamento filosófico.

QUE CENTRA O SEU OBJETIVO NA DESCRIÇÃO DO HOMEM — Detenhamo-nos um momento na palavra descrição. Ela nos ilustrará sobre o método existencialista. Surgiu esta filosofia em oposição aos métodos racionais de­dutivos, que se servem apenas dos dados lógicos e racionais, sem levar em consideração nada que se não contenha nas idéias e na razão, impossibilitando assim todo conhecimento verdadeiro do mundo exterior, como acontece na filosofia de Hegel a quem singularmente combatia Kierkegaard neste particular.

O existencialismo preconiza como só válido o método fenomenológico-intuitivo. Assim como o filósofo-dedutivo vai avançando no conhecimento por aproximações sucessivas, nas quais, de princípios gerais pouco a pouco infere novas rela­ções, o intuitivo procura captar seu próprio ser e tornar-se artífice da verdade. A decifração intelectual há de o homem operar analisando sua existência. Não são, dizem, a inteli­gência e a razão incapazes da compreensão da vida real, que abrem o caminho da realidade, e, sim, a vivência irracional que nos põe em contato direto com o íntimo da existência. Por isto o existencialismo, e aqui está um de seus maiores erros, desdenha as definições, os conceitos precisos, a abstra­ção metafísica, a sistematização lógica do saber, sob pretexto de que, por esse caminho, alguma vez foi induzido a erro. Minguada diferença restará entre o irracional e o homem se a este o despojamos do conhecimento racional abstrativo! Unamuno, prevendo já as possíveis impugnações dessa con­cepção irracional do existencialismo, escreveu: "No faltará a todo esto quien diga que Ia vida debe someterse a Ia razón, a Io que contestaremos que nadie debe Io que no puede y Ia vida no puede someterse a Ia razón. 'Debe, luego puede', replicará algun kantlano. Y le replicaremos: 'no puede, luegp

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SANTO AGOSTINHO Gênio universal

primeiro representante da filosofia perene no pensamento cristão

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no debe'. Y no Io puede porque ei fin de Ia vida es vivir y no Io es compreender".183 Lamentável confusão entre as ordens do ser e do conhecer no sujeito humano.

DESCRIÇÃO DO HOMEM — Sem dúvida, desde que o homem começou a filosofar, foi ele próprio o objeto pre­dileto de suas meditações. Cada um de nós carrega a si pró­prio, sente em si o próprio ser de homem, compenetra-se com ele e nada lhe é mais íntimo. Por isso dizia iá o ve­lho Aristóteles:

." O conhecimento da alma é de todos o mais importante".184 E Sto. Agostinho, em diversas obras, mas de modo especial no De vera religione, nos convida a mergulhar em nós para melhor nos conhecermos: "Noli foras ire; in te ipsum redi; in interiore hominis habitat veritas". Não queiras dissipar-te fora; penetra em ti mesmo, porque no interior do homem reside a verdade.185 Ele porém sabia quão difícil e intrincada é a consciência do homem. Homo abyssus est, disse em frase lapidar: O homem é um abis­mo.186 E referindo-se à natureza humana escreve: "Ecce magis quaeritur quam comprehenditur": "Mais indagamos que compreendemos".187 Dizia Kant que a pergunta "Was ist der Mensch?" "Que é o homem?", resumia todos os pro­blemas filosóficos. O existencialismo proclama também a to­do pulmão que quer conhecer o homem, e só o homem em sua concretização; pois mesmo os que, como Heidegger, pro­curam a solução do problema do ser, ao propô-lo fazem-no desde as dimensões do homem. Querem, porém, o homem em sua íntegra complexidade. Dizia o já mencionado Una-muno: "Este hombre concreto,, de carne y hueso, es ei sujeto y ei supremo objeto de toda filosofia . . . El hombre, dicen, es un animal racional. No sé porquê no se ha dicho que es

183. Unamuno, Del sent. etc, cap. VI. 184. Aristóteles, , A- 402. 185. S. Agustin, De vera religione, cap. 39 (Ed. da BAC, IV)

p. 158. 186. S. Agustin, in Ps. 41, n. 13. Ap. Hessen. Existenzphilo-

sophie, p. 40. 187. Hessen, op. cit., ibidem.

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un animal afectivo o sentimental. Y acaso Io que de los de-más animales le diferencia sea más el sentimiento que no Ia razón. Más veces he visto razonar a un gato que no reir o llorar . . . Y asi, Io que en un filósofo nos debe más importar es el hombre".188

Não nos iludamos, porém, porque muito embora o exis-tencialismo reclame como objeto central a análise da existên­cia humana em sua totalidade, nos fatos se contradiz e não quer reconhecer no homem o que a pura análise fenomeno-lógica lhe não revela, deixando fora, portanto, a Causa Su­prema e quanto de ordem espiritual não possa ser dado nos fenômenos. O filósofo ianque Reinhardt observa atinadamen-te que entre o existente humano de Santo Agostinho e o de Heidegger medeia esta diferença: que "o primeiro tem seu último termo no Ser Divino, e o segundo termina na morte e mais nada".189

DESCRIÇÃO DO HOMEM COMO EXISTENTE — Dizíamos antes que o homem constitui o tema central das descrições existencialistas. Mas o homem, dito assim, é um universal, uma idéia abstrata, um ente puramente lógico, uma essência, assunto principal de quase toda filosofia; entretanto o existencialismo não quer saber de entidades abstratas, de essências; seu objeto é a existência concreta, como constitutiva única do ser humano.

Para bem entender isto, que é essencial à compreensão do existencialismo, será conveniente recordar algumas noções da Ontologia. O ente é a idéia mais universal de todas. En­tretanto, a palavra ente é tomada em duas acepções diferen­tes: ora significa a existência, ou o fato de existir e que cor­responde ao particípio ativo do verbo ser; òrã a essência ou modo de ser duma coisa, quer exista ou não. Por exemplo, a palavra OUVINTE: Enquanto particípio designa qualquer um que agora mesmo me está ouvindo; e enquanto nome

188. Unamuno, Op. cit, c.l. 189. Kurt F. Reinhardt, A Realistic Philosophy, Milwaukee,

Bruce, 1944, p. 242.

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abstrai do ato de ouvir e significa qualquer pessoa que de qualquer modo possa ouvir, esteja ou não ouvindo agora. A diferença dos dois conceitos é considerável, constitui a base da metafísica e é daqui de onde parte, precisamente, a chamada filosofia existencial; de modo que, bem compre­endidas, estas noções nos darão um conceito claro da inova­ção existencialista. Por isso vamos exemplificar um pouco mais ditas noções a fim de que por todos possam ser logo compreendidas estas difíceis matérias.

O OUVINTE, no primeiro sentido dado a esta pala­vra, ou seja, aquele que me está ouvindo, é o que chama­mos um EXISTENTE, quer dizer, um indivíduo que possui a existência, a realidade, aquilo pelo que a essência se rea­liza e que me escuta. No segundo sentido, em que fizemos abstração do fato atual de ouvir, temos a ESSÊNCIA, ou seja a noção daquilo pelo qual ao ouvinte chamamos de ouvinte e não por exemplo dormente ou pedra. Se agora nos servi­mos de termos gramaticais para diferenciar estes conceitos ficará tudo mais claro: OUVINTES, no primeiro caso, repre­sentam os existentes individuais e os designamos com os nomes próprios. No segundo caso, representam as essências em abstrato, os conceitos específicos, e os designamos com os nomes chamados em gramática específicos ou comuns. Assim: Sócrates, que é nome próprio, nome de um ser exis­tente, não meramente possível, significa um existente ou "existência", como dizem os existencialistas, que viveu na Grécia no século V antes de Cristo e foi filósofo notável. En­tretanto a palavra ou nome comum homem, significa a essência do ser humano, exista ou não na realidade das coisas. Zaragüeta em sua Introducción moderna a Ia filosofia Esco> lástica chama ao ser nominal ou em abstrato ser existencial, e ao ser real, existente.190

Se o professor de Matemáticas quer explicar aos alunos um teorema qualquer, v.gr. o de Pitágoras, começa dizendo: "Tracemos no quadro negro um triângulo "assim". E com

190. Vid. Juan Zaragüeta, ob. cit., Univ. de Granada, 1946, pgs. 189-190.

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esse desenho à vista procede logo à demonstração do teore-ma. Se, porém, ao findar a explicação um aluno redargüisse: — Professor, isso está certo quanto a esse triângulo; todavia, como posso eu saber se acontece igualmente com todos.- os triângulos? O Professor explicará, então, como aquela de­monstração não se refere, apenas, ao triângulo desenhado e, sim, a toda e qualquer figura plana formada por três linhas retas que se cortam duas a duas, quer dizer, à essência do triângulo, ao triângulo existencial (quer exista ou não) e não ao triângulo existente ou singular desenhado no quadro negro. Entretanto, o triângulo existente, singular, está necessaria­mente envolto em outras condições que não poderiam ser atribuídas à essência do triângulo, como ser: o tamanho, ma­téria, cor, etc.

Como se vê pelo exemplo dado, a ciência só pode ser da essência, significada pelo nome comum gramatical, neste caso o triângulo, e não daquele triângulo só, pois na natu­reza não se dá um triângulo, nem ser individual absoluta­mente igual a outro, e, portanto, se por exemplo o triângulo o tomássemos como objeto científico na sua concretização singular, que conota infinitas notas individuantes, as defini­ções, leis, relações que dele enunciássemos de nada nos ser­viriam porque não se adaptariam a nenhum outro, e só àquele seriam aplicáveis.

Mais um pequeno esclarecimento e estaremos em con­dições de situar exatamente o existencialismo. Na filosofia tradicional o ente dotado de existência atual e subsistente ou completo na ordem da substancialidade chama-se suposto, e se este suposto é dotado de razão chama-se pessoa, embora suposto e pessoa se usem, hoje, indistintamente. Pessoa é pois uma substância individual completa que goza de inde­pendência no ser e no obrar e é dotada de razão. Desta mes­ma noção depreende-se que ao suposto racional ou pessoa é a quem compete a existência e a atividade. Vejamos, agora; a situação no existencialismo.

Dizíamos que o objetivo do existencialismo era a descri­ção do homem existente. Com efeito, o existencialismo con­trapõe sempre as noções de essência e existência, nada quer

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saber do homem em abstrato; o único que lhe interessa é o sujeito individual, o homem de carne e osso,- que vive, come, dorme e morre; todavia não é um homem qualquer alheio a si que ao existencialista interessa, pois ele não con­testa a alteridade ontológica, não nega, porém nada sabe das outras realidades exteriores ou seres-em-si, que para ele são apenas obstáculos que depara, coisas ininteligíveis e absurdas. Seu objeto é o próprio eu fenomenal tal como ele o capta imediatamente numa intuição introspectiva.

Para evitar confusões e equívocos note-se ainda que o conceito de essência existencialista ou simplesmente "exis­tência" não coincide com as noções que a filosofia tradicio­nal nos dá da essência e da existência. Para esta filosofia, a essência é aquilo pelo que umar coisa é o que é, e se dis­tingue das outras; e a existência é aquilo pelo que a essên­cia se torna real, é a atualização da essência com a qual constitui adequadamente o existente. O existencialismo invó­lucro as duas noções; para ele é o próprio existente que elege sua essência, se determina pessoalmente a realizar seu ser de homem de tal modo que a essência ou o ser não é mais do que a própria existência considerada em sua rea­lidade concreta. Destarte, entendidas a essência atual e a existência no sentido tradicional, não cabe o problema da prioridade temporal de uma ou de outra sem cairmos no absurdo. No existencialismo fala-se de prioridade da existên­cia sobre a essência porque esta, na concepção existencialis­ta, resulta das determinações que a existência se dá livre­mente ao projetar-se na história. A essência existencialista é, pois, o próprio ser do homem, ser primário e fundante da personalidade humana que se acha no centro de todos os pro­blemas, ser entendido como possibilidade ilimitada e ine-xaurível. Balmes intitula um capítulo de sua Filosofia fun­damental desta maneira. "Toda ciência se funda no postu­lado da existência".191 Mas pelas explicações antecedentes logo se alcança a enorme distância que separa os dois con­ceitos da existência.

191. Balmes, op. cit., 1, V, cap. 7.°.

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O existencialismo operou uma nova e grande revolu­ção na concepção do mundo em ordem ao conhecimento. O pensamento do mundo antigo girava todo ele em torno das coisas exteriores. Kant cogitou de efetuar na filosofia uma revolução semelhante à de Copérnico na astronomia: fazer que as coisas girassem em torno do pensamento. Por sua vez, o existencialismo, que na ordem de conhecer só admite a intuição introspectiva, declara: o centro não são as coisas, nem o puro pensamento kantiano e sim o eu existencial no puro e irracional fluir de sua vida. Expliquemos, finalmente as últimas palavras da definição:

QUE PROJETA SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA — Já antes aludimos a este conceito que se baseia na liberdade existencial como fundamento do ser humano. Mas a liber­dade existencialista não corresponde de maneira nenhuma ao conceito comum de liberdade. O mundo é o conjunto dos existentes entre os quais o homem desenvolve suas possibi­lidades e a liberdade é a capacidade desse homem para cons­truir o mundo, para criar-se a si mesmo. Quer dizer, no cons­tante fluir de sua existência escolhe entre as possibilidades que se lhe deparam e vem a ser o que ele próprio faz de si. O existencialismo defende tanto essa liberdade absoluta de projetar seu ser que faz do existente uma descrição pro­motora da liberdade.

Esta liberdade, porém, acha-se por si mesma limitada porque o homem ao achar-se entre infinitas possibilidades de eleição, vê logo a impossibilidade com que tropeça na rea­lização do elegido e experimenta a "essencial deficiência" — diríamos "finitude" — da existência. Isto o lança na angústia que cresce sempre com o pensamento de ser-para-a-morte.

O tema da angústia é caro a muitos existencialistas que acham especial predileção em falar-nos dela. Receio que isto, ao invés de curar do mal a seus semelhantes e de restaurar-lhes o otimismo, só agravará a enfermidade. Lembro, a pro­pósito, um fato que do pintor catalão, Rusinol, nos relatou Tusquets em Ecclesia: "Costumava este senhor, já velho e doente, passar as férias numa pequena localidade, cujo mé-

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dico era muito irreverente. Um dia não se levantou pela manhã, a mulher avisou-o que o médico já fora chamado e vinha visitá-lo. O incurável humorista, que era Rusinol, res­pondeu: — Dizei-lhe, por favor, que volte amanhã porque hoje me sinto muito mal para o receber".192

Em todo caso, não se perca da memória o que antes disse sobre quais eram as verdadeiras causas dessa angústia, desse desespero que os homens sentem ao advertir como foram arremessados na vida, sem nada conhecerem do seu destino. É o terror ocasionado pela idéia da vida de pecado, é a saudade de Deus que traz a humanidade acabrunhada.

APRECIAÇÃO E CRÍTICA DO MOVIMENTO EXISTENCIALISTA

Na primeira metade do século XIX dominou de forma incontrastável o racionalismo, as construções ideais apríorís-ticas, que tudo enquadravam, inclusive o acontecer histórico e vital, em fórmulas racionais.

Contra essa filosofia, de base sobretudo hegeliana, insur­giram-se numerosos escritores em muitas partes. O Positivis­mo e o Evolucionismo, negando todo valor às concepções metafísicas; o Historicismo, supervalorizando em filosofia os dados da história a cuja evolução se reduziriam o direito, a moral e a religião; o Irracionalismo, baseado, principal­mente, nas ciências físicas e exatas, contestando o determi­nismo das leis físicas, até bem pouco universalmente admi­tido; o Fenomenalismo, voltando-se para o exame das vivên-ciais pessoais e referindo-se às suas respectivas essências, puras e objetivas. Alinha-se aqui o movimento chamado Existencialista que, reagindo também contra o racionalismo dominante, intenta resolver o problema do ser partindo da intuição e exame fenomenológico da própria existência.

Como toda filosofia, digna de tal nome, procura o exis­tencialismo descobrir a razão, e os motivos últimos do uni-

192. In Ecclesia, N.° 334, p. 14.

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verso. Entra, assim, esta filosofia na grande corrente histó­rica da metafísica, pelo menos em seu principal representan­te, Heidegger, para quem a filosofia é "uma investigação sobre o sentido do ser".

Mas se pelo escopo o existencialismo se entronca na ár­vore metafísica, diverge logo enquanto se trata do método a seguir.

A metafísica peripatética e com ela, em geral, toda a metafísica tradicional partindo da afirmação de que "não se dá ciência do particular, pois a ciência é só do universal", isto é, da essência abstrata dos seres, deixam fora da órbita do saber científico o particular e o concreto que constitui a individualidade dos seres. A filosofia existencial reage forte­mente contra esta forma de pensar e, deixando de lado a consideração das essências, quer alcançar e explicar o ser a começar da dimensão do ser do homem. "A Filosofia exis­tencial é, no dizer.de Bochenski, uma filosofia personalista no pleno sentido da palavra".193

A filosofia será, pois, uma hermenêutica da pessoa hu­mana. Parte da experiência existencial, pelo método fenome-nológico atinge a existência, e nela descobre logo, o exis­tencialista, os outros seres, pois nos é dado na existência, assim o mundo exterior como o ente transcendente.

Até aqui, e nalguns pontos de somenos importância, coincidem mais ou menos os principais filósofos existencia­listas. Mas ao tirar e interpretar os resultados da análise fenomenológica divergem totó coelo. Por exemplo, em reli­gião Kierkegaard e Mareei são profundamente cristãos, Jas-pers oscila entre o teismo, panteismo ou ateismo, e Heideg­ger é ateu e seu discípulo servil, Sartre, trata de desenvol­ver o ateismo do mestre. — Segundo as mais recentes infor­mações, Heidegger não só rejeita a denominação "existen­cialista", que isto era já notório, como ainda se converteu plenamente ao catolicismo.

193. Europâische PM. der Gegenwart, Berna, 1947, p. 198.

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Dado o caráter polimorfo do movimento existencialista não vamos entrar no exame e crítica de cada uma de suas manifestações. Acho mais eficaz e expeditivo inserir, aco-modando-as ou abreviando-as segundo o caso, algumas rese­nhas de obras de autores notáveis e estudiosos do existencia­lismo que, nos tempos do maior auge do movimento publi­quei em Cultura, do Ministério de Educação e Saúde, do Rio de Janeiro e na revista Vozes de Petrópolis, em 1950.

a) A ANÁLISE DO EXISTENCIALISMO POR ALONSO-FUEYO.194

Professor de Fundamentos de Filosofia da Universida­de de Valência, é o Dr. Alonso-Fueyo um dos jovens avan-tajados dessa nova geração de espanhóis que a história chamará, sem dúvida, de "geração do 36". Estes jovens, à luz dos clarões do terrível incêndio revolucionário que aba­lou a católica Espanha, submeteram a rigorosa revisão os valores culturais que prepararam a catástrofe e que preva­lecem ainda em considerável parte da Europa.

Em Existencialismo e Existencialistas, o autor, voltado para o tnundo atual, para este nosso mundo que, desespe-rançoso e angustiado, "elabora mais uma filosofia, como úni­co caminho de evasão: o existencialismo" (pág. 13), expõe breve e lucidamente as doutrinas dessa nova corrente filo­sófica passando logo a aquilatar, à luz da filosofia perene, os valores relativos daquela filosofia.

Por suas páginas vão desfilando, com breve apresenta­ção, porém, bem perfilhadas e exatas, as mais destacadas figuras do existencialismo mundial. A gênese intrínseca do existencialismo acha-a o autor no esforço por superar a opo­sição realismo-idealismor oposição que domina toda a filo­sofia anterior. Porém, como "no existe exactamente una filo­sofia existencial y si, ciertos temas comunes a unos filósofos llamados existencialistas" (pág. 45) não é possível uma expo-

194. Sabino Alonso-Fueyo, Existencialismo y existencialistas, Valência, 1949, 244 páginas. Os números intercalados em nosso texto referem-se a esta obra, e assim nas que seguem.

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sição única de conjunto, eis a razão por que o autor trata seguidamente do existencialismo alemão, francês, russo, espa­nhol e da problemática de um possível existencialismo cristão.

O iniciador desta filosofia é Kierkegaard, e sua obra apresentase como um reproche contra a concepção român­tica da vida. "Y este reproche se resume en estas palabras: Perdida de Ia existência". Em seus livros acham-se elemen­tos dispersos sobre a existência, a angústia e outros temas existencialistas porém sem conexão sistemática.

Heidegger e Jaspers são os dois mestres do existencia­lismo alemão, com diferenças entre si muito marcantes, pois, enquanto Heidegger chega à Filosofia partindo do método fenomenológico de Husserl e da metafísica clássica, Jaspers o faz partindo da Psicologia. "Martin Heidegger es ei más importante de los filósofos alemanes de Ia actualidad en cuya doctrina se advierte Ia presencia constante de los grandes pen­sadores de todos los tiempos: desde Aristóteles y Platón a Hegel y Kant, pasando por S. Agustin y Descartes" (pág. 60). O autor consagra mais de 20 páginas a expor o pensamento dos dois filósofos germânicos formulando logo muito sérios reparos à sua filosofia.

Mareei e Sartre são os mais notáveis representantes do existencialismo francês. Mareei é o primeiro que, mesmo independentemente dos pensadores alemães, abriu caminho e formulou seu pensamento existencialista, entroncando-o, ao menos na intenção, com o pensamento cristão.

Sartre, bem mais literato que filósofo, alcançou uma popularidade muito maior que Mareei. Unamuno disse algu-res que "todo y sobre todo Ia Filosofia, es, en rigor, novela o leyenda". Isto se realiza plenamente na obra de Sartre, no qual, não acertando a descrever a realidade ontológica vital, "toda descripeión va a tener aspectos más bien literários o sugestivos" (pág. 101). O autor após expor e fazer graves reparos à obra de Sartre, insere alguns juízos recentes sobre ela: "Sus novelas, disse B. Croce, son un centón de horro­res patológicos sin estética alguna" e por sua vez Papini

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acrescenta: "No significan otra cosa que ei regreso a Ia más baja tradición dei naturalismo francês de 1890" (pág. 113). Não surpreende pois que seus escritos tenham sido incluídos no "Índice de livros proibidos".

Sumamente interessantes e sugestivas são as páginas que A.-Fueyo dedica a Ortega y Gasset: "Filósofo militante, que piensa y sabe teorizar como poços: con poderosa inteligência, frase feliz, metáfora justa: con una prosa siempre musical, cargada de relumbres poéticos" (pág. 131). O autor inves­tiga primeiramente se Ortega é ou não filósofo existencia­lista e para responder cita ao próprio Ortega que, em Goethe desde dentro, declara que com dificuldade poderiam assina­lar-se mais de "um ou dois conceitos importantes de Heideg­ger que não preexistam, às vezes, com anterioridade de treze anos, nos meus livros". Certamente que são muitos os con­ceitos esparsos e noções antecipadas que hoje utiliza em gran­de escala o existencialismo, o autor julga porém, que, falando com exatidão, não pode vincular-se o nome de Ortega à filo­sofia existencial, "quizá, disse, representa más bien ei ratio-vitallsmo de Ortega una manifiesta reacción" (pág. 138). Num contraste de admiração e de crítica dá-nos Alonso-Fueyo uma semelhança espiritual de Ortega muito perto, sem dú­vida, da realidade: "Admiramos a Ortega y Gasset por sus dotes intelectuales y de escritor realmente extraordinário, por su don inimitable de sábios encantamientos: es a Ia vez filó­sofo, poeta, historiador y periodista. Vero no conpartimos con ei maestro Ias líneas essenciales de su magistério doctri-nal. Enigmático y altivo, gran equilibrista mental, no se asienta en ei tema hasta agotarlo, hasta captar y transmitir los íntimos temblores dei problema" (pág. 132).

Detém-se logo o autor a examinar em breves páginas o pensamento de Unamuno, o mais antigo seguidor de Kierke­gaard, muito embora o fosse com marcante originalidade.

A Xavier Zubiri qualifica como "uno de los pensado­res espanoles más sutiles y profundos desde Suáréz acá" (pág. 147). Não menciona o autor Zaragüeta, que é hoje um dos valores mais positivos do pensamento espanhol e que em

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JUAN ZARAGÜETA Y BENGOCHEA Um dos grandes mestres da renovação

filosófica

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várias de suas obras tem dedicado muitas páginas, cheias de penetração e equilíbrio, a estes problemas da filosofia no­víssima.

A segunda parte do livro abre-se com um capítulo sobre o existencialismo cristão, no qual expõe o pensamento bas­tante conhecido de Santo Agostinho. A respeito do Doutor Angélico reconhece que sua filosofia "discurre fundamen­talmente por via de Io abstracto y en este sentido se encuen-tra en los antípodas dei existencialismo" (pág. 170).

Ao contrário de São Tomás, acha o autor que Suárez situa-se plenamente na linha do pensamento atual. O doutor Exímio ensina que o objeto formal do conhecimento não é o universal, senão o singular como tal, por isto perguntava o professor Legaz Lacambra: 6"Será que en Ia situaeiõn vital en que se hallaba instalado Suárez comenzaba/a abrise Ia ventana de Ia existência?" (pág. 173). (

Nos últimos capítulos da obra faz o autor algumas refle­xões críticas sobre o existencialismo. Não é muito, certa­mente, o que deixa subsistente do método e das grandes teses existencialistas, porém é difícil escapar de seus raciocínios e geralmente nos leva à plena convicção. "Broto ei existen­cialismo, disse a certa altura o autor, como una filosofia de entre dos guerras, como formulación filosófica de Ia desgar-radora experiência de esta crisis sin ejemplo. Como un re­curso supremo dei que ei hombre echó mano perdida su fe en Dios y en Ia Razón, perdido ei império dei racionalismo y de ese legitimismo dei conocimiento, fundando-se en Ia Gnoseologia. Pero ei hombre no deja por eso de vivir angus­tiado, de ansiar liberarse de Ia própria concoja. Y es que no está ahi, ni mucho menos, ei camino de su salvación. No está en Ia llamada filosofia existencial, sino en Ia sublima-ción de una actitud espiritual de conjunto ante todos los pro­blemas de Ia existência: en ei retorno a Io divino (pág. 189) . . . Es que Ia persona vive, si, en Io temporal, pero no pèr-tenece a Io temporal. Porque estamos constitutivamente for-zados a buscar una instância superior y hallar fuera de no-sotros un centro de gravedad absoluto que nos explique ei último sentido de todas Ias cosas" (pág. 183).

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Perdoe, o leitor, esta longa transcrição literal, que além de mostrar o estilo do autor, explica a deficiência fundamen­tal de toda filosofia existencialista. Com esta obra prestou Alonso-Fueyo um excelente serviço à cultura. Nela não só achará o leitor uma lúcida exposição das principais corren­tes existencialistas, como ainda o que é mais importante e mais difícil de achar: uma sucinta apreciação e valorização das novas conquistas filosóficas, para guiar aos que se em­brenham nas florestas da novíssima filosofia.

b) UMA CRITICA SINGULAR DE KIERKEGAARD.195

Nos dias agônicos do Terceiro Reich falecia o notável escritor Teodoro Haecker, livrando-se, assim, de presenciar os tremendos sofrimentos que os vencedores inflingiram a seu povo, bem mais torturantes em sua frialdade e cálculo, do que os tormentos físicos quei também não lhes faltaram.

Avoluma-se cada dia a literatura sobre Kierkegaard, o famoso escritor dinamarquês a cujo nome se adscreve a pa­ternidade da novíssima filosofia da existência.

Após tantos estudos a ele dedicados a gente se pergunta: Quem é, afinal de contas, Kierkegaard? Que denominação lhe corresponde? É um filósofo original, profundo teólogo ou místico sempre inflamado no amor da Divindade? Ê um lou­co genial, tema sugestivo para psiquiatras e psicanalistas? É um cristão que educado no pietismo protestante vive curvado sob o peso da lei moral e do pecado? Ê um espírito ator­mentado por fatores somáticos e psíquicos, dominado pela angústia, que se sente incapaz de debelar?

Estas e outras muitas interrogações poderiam formular-se a propósito da figura quase indefinível do pensador dina­marquês. Dele dizia há pouco um escritor, não é um filó­sofo, sua personalidade é tão complexa que foge a todos os esquemas em que se queira enquadrá-lo. "A um só tempo

195. Theodoro Haecker, La joroba de Kierkegaard, Madrid, Rialp, 204 páginas.

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foi literato, psicólogo, moralista, filósofo, teólogo e mís­tico".196 No que todos coincidem é que se trata dum homem genial, o maior pensador da Dinamarca, escritor polimorfo, temperamento de fogo, cujos escritos faiscam amiúdo lumi­nosos raios e intuições surpreendentes.

Estranho título da obra de Haecker a que resenhamos. Tem, sem embargo, sua razão de ser.

Teodoro Haecker, o famoso autor de Virgílio, pai do Ocidente, que iniciou sua carreira literária com o livro Sobre Kierkegaard e a Filosofia da inferioridade, encerrando-a com outro sobre o mesmo filósofo, A corcunda de Kierkegaard. Entre um e outro estende-se o fecundo labor deste pensa­dor cristão.

Neste seu último livro, de que nos ocupamos, intenta Haecker penetrar mais a fundo na alma de Kierkegaard, achar, se possível, uma chave que nos abra o segredo de muitas de suas idéias e reações.

Lendo o livro de Magnussen, A cruz especial, cuja tese é que "a cruz especial" de que falava muito Kierkegaard, era, precisamente, sua corcunda e que esta deformidade físi­ca imprimiu caráter em sua estrutura psicológica (pág. 44), Haecker ficou surpreendido pelo descobrimento, e determinou examinar, com sua habitual penetração, mais de perto o alcance do fenômeno.

Perguntará, sem dúvida, o leitor: que relação de depen­dência pode ter o externo, um acidente somático, com o acontecer histórico? Responde o autor: "La nariz de Cleo-patra determina ei curso de Ia historia y Ia estructura polí­tica dei mundo. Esto parece un chiste, pero encierra tambien su verdade" (pág. 52).

Nas ciências especulativas e nas matemáticas, em ordem aos princípios básicos, nada, absolutamente nada, poderá alterar qualquer fator externo ou corporal. Os princípios e

196. Vernaux, Vues cavalières sur 1'existencialisme, ap. Lavai, Theol. et Phil, IV, 1948, p. 10.

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as leis lógicas são eternas e coincidentes com a natureza de nossas faculdades cognoscitivas.

Não acontece o mesmo com as verdades especulativo-práticas, aquelas que comportam sempre um modo de agir de­terminado: Deus é bom? Cuida de mim? Por que me deixa sofrer? Terá influência na resposta a estas perguntas a con­dição de saúde ou doença, formosura ou deformidade do corpo? Com certeza, esses fatores facilitam ou enfraquecem muitas vezes a verdadeira fé. Pela deformidade que lhe pro­duz a lepra viu-se Jó tentado a negar a Deus. Por estas razões, considerar-se o corpo de Kierkegaard, e nele surpre­ender as possíveis repercussões que: teve em sua alma não parece que seja inútil.

Como era Kierkegaard visto de fora? Algo infra ordinem porque "era corporalmente anormal, raquítico, contrahecho, jorobado y enclenque, un fenômeno grotesco, para ei que solo mira a Io externo, ai cuerpo" (pág. 112). Ora, Kierkegaard, parece que nunca se resignou a este papel inferior, no físi­co, e lhe arranca fortes expressões de pessimismo: "Escucha ei grito de Ia parturienta, diz, en Ia hora de su alumbra-miento, contempla Ia agonia dei moribundo en sus últimos momentos, y dime luego si Io que de tal manera empieza, y acaba de tal modo, puede estar adecuado ai goce" (pág. 132). O autor esclarece como o pessimismo que resulta de tantas páginas de Kierkegaard não pode identificar-se com o legítimo cristão que, embora reconheça a magnitude do mal neste mundo, nem por isso desespera, tem uma abso­luta e inabalável confiança em Deus que é Amor e o gover­na. Entretanto, Kierkegaard chega a dizer que dar um filho ao mundo é obra de "irresponsáveis". Definitivamente: "Kier­kegaard não acabava de resignarse por completo a este agui-jón de su carne desgarrava también a veces su pensamiento". Após farta argumentação conclui Haecker: "Si estas expli-caciones son justas, resulta que una joroba puede apartar a un grand espíritu dei camino recto y sano dei conocimiento, ai menos durante un trecho dei camino" (pág. 135).

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Haecker pensa que, talvez, este complexo somático tenha influído na orientação pragmática e ética da paixão pela ver­dade que ardia em Kierkegaard, pois, conforme ele próprio declarava não era tanto a verdade em si mesma, "a pureza da doutrina" que o apaixonava, senão o obrar com verdade e com reta intenção. Nunca assim pensaram os grandes ho­mens e na lógica divina antes estão as verdades e os princí­pios doutrinários do que os imperativos éticos deles derivados.

Deixo à perspicácia do leitor avaliar o enorme alcance que em nossa vida e em nossas lutas cotidianas contra os erros modernos e contra exóticas concepções de vida tem esta inversão de valores, dando a primazia à ordem prática e à vantagem imediata sobre os princípios que deveriam sem­pre primar sobre todo o resto.

O livro de Haecker é um bem logrado ensaio de inter­pretação kierkegardiana avaliado por uma esmerada tradução e um magnífico prólogo em que Ramon Roquer estuda a filo­sofia de Kierkegaard.

c) CORNELIO FABRO ANALISA A PROBLEMÁTICA EXISTENCIALISTA.197

A obra de Fabro faz parte da coleção Frontière, que publica a editora, A.V.E. de Roma. Fabro é entusiasta, em­bora não incondicional, do existencialismo e não é a pri­meira vez que este fecundo escritor se ocupa desta matéria. Já em 1943 publicara uma Introduzione alVesistenzialismo (Vita e Pensiero, Milão) mais ampla do que a monografia que nos ocupa.

Nos Problemas do existencialismo o autor, sem dúvida, simpático a esta filosofia, nem por isso deixa de assinalar-lhe os pontos fracos ou mesmo insolúveis que apresenta. Começa dizendo que a "filosofia da existência pode considerar-se como a última forma do pensamento ocidental. E é forma,

197. Cornelio Fabro, Problemi delVEsistenzialismo, Roma, Edi-trice A.V.E., 1948, 144 páginas.

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quer dizer, método, fisionomia ou movimento do pensar e não propriamente sistema" (pág. 7), porque o sistema é cons­trução orgânica, é harmonia, tudo quer explicar e não co­nhece resíduos; basta, porém, olhar ligeiramente para a rea­lidade da vida autêntica para que apareça logo patente a vaidade da ilusão especulativa. "A realidade que se revela na vida não é harmonia, senão ruptura e caos, não obedece a sistema, é anormalidade, exceção, não discorre contínuo entre as aprazíveis ribeiras dos desejos próprios, irrompe a borbotões, abre a estrada com choques e contrastes" (pág. 7). Certamente que há de ser árduo justificar uma doutrina da qual previamente se declara que é inorgânica e desarmôni-ca. Nem se vê muito claro que razão pode assistir a Jaspers para afirmar, segundo Fabro, que "o existencialismo não é irracionalismo".

O autor, ainda que com a melhor boa vontade para com o existencialismo, por força de objetividade, não pode deixar de achar injustificadas e ainda contraditórias mui­tas doutrinas dos existencialistas. Mesmo no que diz respeito ao "núcleo vivo do próprio movimento" (pág. 43), estão em viva contradição, entre si, os autores mais destacados, e Fa­bro concita-os a se porem de acordo, ao menos nos pontos mais radicais: "O existencialismo, que justamente intentava pôr em crise o pensamento e a sociedade contemporânea, vem a sofrer ele mesmo uma crise mortal" (pág. 43).

O que, porém, mais preocupa a Fabro na filosofia no­víssima é a atitude religiosa: "Kierkegaard, escritor religioso e sentinela da Cristandade" (pág. 44), foi nisto suplantado pelos pensadores germânicos que, perfilhando Hegel e Nie-tzsche, monopolizaram a nova forma de pensar. Heidegger, Jaspers, assim como Abbagnano e Sartre, baniram da filoso­fia a noção da Divindade. Fabro acha que isso está mesmo em contradição com os legítimos postulados duma filosofia existencialista e que seria ótimo serviço esclarecer este ponto: "A este fim tendem, sob diversos aspectos, os ensaios deste li­vro". "Se isto lograsse, termina Fabro, a filosofia chegaria a ser "guida spirituale all'uomo nella vita terrestre* (pág. 133).

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d) MARITAIN PROPÕE UMA ANÁLISE CONTRADITÓRIA DO EXISTENCIALISMO.

Na Semana de Estudo sobre as Correntes Existencialis­tas que a Academia Romana de São Tomás de Aquino cele­brou em 1947, Maritain apresentou um trabalho sob o título O Existencialismo de São Tomás, que logo, em forma de livro, ofereceu ao público.198

Maritain é, nos meios cultos, universalmente conheci­do, devendo-se, isto, em parte, além do seu valor obje­tivo que não negamos, às suas atitudes, por vezes de ver­dadeiro escândalo, em face dos acontecimentos políticos mundiais.

Nesta ordem de idéias, digo, em filosofia política cristã, sua obra é efêmera, incoerente e absolutamente inaceitável em nosso modo de pensar. Para formar-se um conceito apro­ximado da índole destes escritos basta dizer ao leitor que as atitudes políticas de Maritain não são com freqüência mais do que as reações das fobias que se aninham em seu cará­ter apaixonado, originadas, talvez, em parte, por inconscien­tes e inconfessáveis complexos étnicos. Daí a forma amiúde imprecisa e ambígua de um estilo cheio de marchas e con­tramarchas, de observações marginais e sutis, de modo a dei­xar sempre lugar à escapatória para quando, premido por boa dialética, se vê na obrigação de escamotear conclusões incômodas. No que, aliás, eram mestres Marc Sangnier e os católicos-liberais franceses, seguidos nestes assuntos por Maritain sem mais originalidade que alguma novidade de linguagem.

Em filosofia, porém, é um apreciável expositor da esco­la tomista, sem grande originalidade, com a vantagem, sem embargo, de repensar a filosofia escolástica em termos da filosofia moderna, na qual Maritain estava bem versado antes de sua conversão ao catolicismo.

198. Jacques Maritain, Court traité de Vexistence et de 1'exis-tent, Paris, 1947, 240 páginas.

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Deste modo, tratando a filosofia clássica em função das exigências e problemáticas do pensador hodierno, conseguiu Maritain levar ao conhecimento de homens e escolas, total­mente divorciados da philosophia perennis, os princípios rege-neradores desta filosofia e trazer vários para o campo de suas crenças.

A esta orientação responde o Breve Tratado sobre a Existência e o Existente. Nele o autor propõe-se demonstrar que o existencialismo de São Tomás, na base da razão e da inteligibilidade, é o único existencialismo autêntico, bem dife­rente das formas de existencialismo contemporâneo que são irracionais e assistemáticas.

Para prová-lo empreende Maritain uma hábil hermenêu­tica dos supostos básicos da ontologia tomista. Para o Aqui-nense "esse est actualitas omnium actuum, et propter hoc est perfectio omnium perfectionum" (pág. 63). Assim, o ato de existir (esse) é o ato por excelência, e vem afirmado impli­citamente pelo juízo que opera sobre a simples apreensão do objeto considerado.

A metafísica tomTsta baseia-se toda ela no primado da existência, diz noutro lugar o Angélico, é a atualidade de toda forma ou natureza.

Em virtude do tipo de abstração que lhe é próprio a metafísica considera as realidades que existem ou podem existir sem a matéria. Faz abstração das condições mate­riais da existência empírica, não faz, porém, abstração da existência" (pág. 54), porque a existência real, seja ela atual ou meramente possível, é o termo em cuja função conhece aquilo que se conhece. O campo imediatamente acessível à investigação metafísica é o ser do mundo empírico; antes de elevar-se aos existentes espirituais o que a metafísica tem ao seu alcance é a existência empírica, a existência das coisas materiais (pág. 55).

Daqui a enorme diferença entre os diversos existencia-lismos, e o que o autor chama de existencialismo tomista. Os existencialistas mostraram-se incapazes, frisa Gilson (Le Tho-

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misme, 5.a ed., p. 511) de superar a fenomenologia da exis­tência. "Reduzem-na, diz Maritain, ao momento de atuali­dade existencial atualmente experimentado" (pág. 55), no qual termina toda sua fenomenologia existencial. Eles afir­mam, sim, o primado da existência, mas a custo de des­truir ou suprimir de certo modo as essências ou naturezas, e levando à quebra a inteligência e o inteligível. "A este, diz o autor, chamo de "existencialismo apócrifo" (pág. 13).

Muito diferente é o existencialismo tomista que ele cha-, ma de existencialismo autêntico, o qual afirma o primado da existência mas incluindo e salvando as essências ou natu­rezas e comporta uma suprema vitória da inteligência e da inteligibilidade. "Suprimi, diz, interpelando aos existencialis­tas, suprimi a essência, ou o que põe o ser, suprimireis com ela a existência e o esse. Estas duas noções são correlativas e inseparáveis, um tal existencialismo a si mesmo se devora".

O livro contém a exposição de vários outros pontos doutrinários do bom tomismo embora algumas vezes as inter­pretações nos pareçam um tanto forçadas.

Sem entrarmos no exame destes pontos que, aliás, fo­ram já mil vezes estudados, queremos apenas formular algu­mas observações marginais sobre o sentido e legitimidade da tese principal de Maritain, — à qual aderiu também o ilus­tre medievalista Gilson, — por julgar de não pequeno inte­resse a precisão doutrinária em matérias hoje tão contro­vertidas.

Já de início, e para evitar possíveis equívocos, Mari­tain afirma que o existencialismo de São Tomás é totalmente diferente do que hoje nos servem com esse nome os filóso­fos. Não se lhe objete, pois, que ele pretende rejuvenescer o tomismo num artifício verbal. O que intenta é pôr às claras como o tomismo autêntico declara e reconhece o pri­mado da existência e da intuição de ser existencial e, por conseguinte, ao declarar-se existencial, outra coisa não faz do que exercer o direito de prioridade que em boa lei lhe pertence.

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Mesmo com estas reservas, será aceitável falar de exis-tencialismo tomista?

Sem julgar das intenções do autor, louváveis sem dú­vida neste caso, parece-nos que tal linguagem servirá para aumentar um pouco mais a balbúrdia já existente na lingua­gem filosófica, como na linguagem política, onde é preciso perguntar, a cada escritor, para interpretá-lo direito, em que sentido usa tais ou tais vocábulos. Por que tornar também equívoco o termo "existencialismo"?

Com efeito, por existencialismo todos entendemos um produto histórico-filosófico determinado que, tendo sua base em Kierkegaard, obteve singular desenvolvimento nos últi­mos decênios, como nova atitude e novo método de pensar em filosofia.

Vir agora, apoiando-se na etimologia do vocábulo, a introduzir com aquele nome outro produto inteiramente dis­tinto, embora possa ser excelente em si mesmo, servirá com certeza para provocar o equívoco onde não existia. Com perfeita razão, pois, escrevia há pouco Gabriel Mareei: "Se incluímos São Tomás, ou outro filósofo da antigüidade entre os existencialistas, a palavra perde no mesmo instante toda a significação precisa".198

Esta pretensão marítaineana de referir a São Tomás o autêntico existencialismo, prende-se também à deficiente e parcial concepção que do existencialismo contemporâneo manifesta possuir o autor.

O nome tem a mesma origem nos dois casos, porém, como frisa J. Ma. Alonso: "Entre existência dei existencia­lismo y existência, como 'actus essendi' dei tomismo gilso-niano — diga-se, maritainiano — apenas hay otra cosa en común que ei nombre y una vaga relación a un cierto obje-tivismo transcendental".200

199. Temoignages, XIII, 1947, p. 158. 200. Ap. Estúdios, 7-8, 1946, p. 107.

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O existencialismo tomista é necessariamente de base me­tafísica. Ele parte da "intuição do ser existencial" percebida no juízo de existência ao qual, por um realismo nativo (não crítico), damos pleno valor na ordem objetiva. Quer dizer, o ponto de partida é o ser exterior. Ora, o existencialis­mo tem seu ponto de partida na categórica rejeição desta base. Para ele as coisas todas e o próprio pensamento nos são dados na existência. O existencialismo é subjetivo — não subjetivista —; na análise fenomenológica da própria existência vai descobrindo todas as mais coisas, o mundo exterior e ainda Deus, embora não haja nisto uniformidade. Mais do que uma filosofia o existencialismo é um método, uma forma de filosofar, que não se detém na análise do rico conteúdo da existência, senão que daí toma pé para entrar logo por todo o campo filosófico, por mais que, nal-guns de seus representantes, não passe os limites duma antro­pologia.

Resumindo em breves palavras a antítese do existencia­lismo tomista e do existencialismo contemporâneo, — em­bora com certas limitações, pois os existencialistas divergem muito na exposição de suas idéias — diríamos que o tomis­mo, de tipo racional e realista, parte da afirmação metafísica da existência das coisas para alcançar o homem e Deus; e o existencialismo, irracional e subjetivo, parte do eu exis­tencial para ir encontrar a metafísica.

Além deste uso equívoco da palavra existencialismo, Maritain utiliza sem discriminação — e isto é mais grave — o termo ens ou esse em seu duplo sentido. É sabido que a palavra ens pode usar-se como particípio ativo do verbo ser ou como substantivo..No primeiro caso significa o mes­mo ato de existir, no segundo significa algo a que convém a existência, já exista ou não.

Como particípio significa o '̂ser da existência", como substantivo o "ser da essência". Mas o objeto da metafísica aristotélico-escolástico é, precisamente, o ente substantivo e não o particípio. Maritain, embora use o termo nos dois

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sentidos, faz força especial no sentido primeiro, da existên­cia. Isto poderá servir melhor ao intento de provar sua tese, não serve, porém, do mesmo modo à verdade e o sábio hones­to deve-se ater à verdade e não às conveniências dialéticas de teses preconcebidas.

Finalmente, Maritain afirma que "o conceito metafísico do ser é uma visualização eidética do ser apreendida no juí­zo" (pág. 51). Em Husserl, a quem pertence a atualização em metafísica do termo "eidético", esta palavra, em contra­posição a "fáctico", representa o elemento formal do conhe­cer, o que é imutável e sempre válido nos seres, o que é próprio das essências. Esta visualização eidética, pois, não achamos como conciliá-la com a "intuição do valor absolu­tamente singular e primacial da existência" (pág. 208), que em rigor deve ser a base da verdadeira filosofia existencial.

São estas, como dizíamos, pequenas observações a este livro cheio de análises a várias questões das mais abstratas da metafísica. O leitor que agüentar até o fim a leitura re­pousada das duras páginas deste livro, não deixará de haurir alguma luz maior sobre vários dos momentosos problemas que se nos deparam na metafísica.

e) EXISTENCIALISMO SARTRIANO

Várias objeções têm sido dirigidas ao existencialismo. J.-P. Sartre intentou dar resposta aos adversários numa con­ferência feita no "Club Maintenant". Publicou-a logo num folheto esmeradamente apresentado, sob o título: VExisten-talisme est un Humanisme. L. F. Lefèbre respondeu a este com outro opúsculo intitulado: Ê filósofo o existencialista? no qual, apesar do equívoco do título, não se refere a qual­quer existencialista mas, apenas, a Jean-Paul Sartre.201 "

O existencialismo, comenta Lefèbre, está em moda, to-

201. Luc J. Lefèbre, UExistencialiste est-il un philosophe?, Paris, 1946, 128 páginas.

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dos o discutem, todos falam dele, porém, todos ainda for­mulam a pergunta: "Que é o existencialismo?"

O autor, um pouco em chiste — julga coisa árdua para um filósofo levar a sério um panfleto tão superficial, dispa­ratado e contraditório como o de Sartre — responde à per­gunta parodiando uma definição do romanticismo: "O Exis­tencialismo, meu caro, é a estrela que chora, o vento que geme, a noite que arrepia, a flor que embalsama e o passa­rinho que adeja; o existencialismo é o lanço inesperado . . . é a filosofia providencial geométrica dos fatos consumados, que se lança no vago das experiências para burilar as fibras secretas" (pág. 7).

Antes de proceder à análise filosófica das idéias sar-trianas, o autor estabelece em breves palavras sua atitude em face da produção pornográfica de Sartre: "Os romances, diz, são o pasto dos ociosos ou de gente rica de lazer. Eu não os leio e declaro francamente que a pornografia não me interessa. A pornografia não se refuta, apenas se varre da rua quando embaraça. Tanto basta" (pág. 3).

O texto de Sartre deixa largos espaços marginais em branco e Lefèbre sugere ao leitor que considere suas glosas como notas à margem. Vai seguindo a Sartre passo a passo, embora com o fim de pôr alguma ordem onde toda ordem faltava, reúne a matéria em torno de vários títulos. Assim, trata sucessivamente de: a existência precede à essência; angústia, abandono e desespero; a subjetividade existencia­lista e o Cogito; a condição humana; à procura duma mo­ral; conclusão. Sob estas alíneas vai o autor submetendo a rigorosa análise as doutrinas de Sartre, a quem refuta e pul­veriza. Aliás, não é coisa difícil, pois, apesar da fama, o trabalho de Sartre não tem valor nenhum filosófico e sur­preende que tais coisas se publiquem com o nome de filo­sofia.

Veja o leitor algumas amostras, para julgar por si mes­mo da superficialidade e incoerência das idéias de Sartre. Utilizamos para estas citações a obra original, pois nem todas

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se acham em Lefèbre: "Entendemos por existencialismo uma doutrina que torna possível a vida humana e que, ademais, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana".202 Antes do existencialismo não terá sido possível a vida humana? Definição vaga, imprecisa e tão genérica que ignoro a que grande sistema filosófico possa não convir. Se os meus alunos fossem tão incompe­tentes para dar uma definição não passariam nas provas de lógica. "O existencialismo ateu ensina que, embora Deus não exista, há quando menos um ser cuja existência precede a essência . . . e este ser é o homem" (ibid., pág. 21). Sem o ente necessário, nem existe, nem mesmo pode compreender-se a existência do ente contingente. "A natureza humana não existe por que falta Deus que a possa conhecer" (ibid., pág. 22). Donosa lógica! Para Sartre, que tudo confunde, não há distinção nenhuma entre a ordem causai e a ordem do conhecer. Com razão diz um crítico203 que: "O existencialis­mo de Sartre é a flor de um dia, e deve-se pensar se é possí­vel continuar a chamar de filosofia, por otimista que se seja, ao que é pouco mais que um conjunto de afirmações arbitrá­rias, falsas, contraditórias e expressivas de uma multidão de erros filosóficos".

Lefèbre vai com acerada crítica esmiuçando e esfacelan-do os parágrafos literários de Sartre, vazios de todo conteú­do filosófico. Embora se dirija de preferência a Sartre, seus raciocínios são aplicáveis, como frisa Riefstahl, "contra o nominalismo, Descartes, Kant, os idealistas germânicos, Kier-kegaard, o pragmatismo e Bergson".204

O autor aproxima muito Sartre de Descartes, isto quer nos parecer que não responde inteiramente à verdade. Sartre é sectário de Heidegger, a quem segue muito de perto, até na nomenclatura filosófica. Podem ver-se em Bochenski205

202. Sartre, UExist. est un Hum., p. 12. 203. Fz. de Viana, Rev. de Fil., VI, 1947, p. 552. 204. Zeitochríft für Phil. Forschung, II, 1948, p. 624. 205. Europãische Phil. der Gegenwart, p. 174-175.

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as profundas semelhanças entre ambos os escritores, e as pequenas discrepâncias.

Uma pergunta final, que, sem dúvida, farão muitos lei­tores: em tais condições, como explicar a grande fama que Sartre desfrutou? Parece-nos que o fato é pouco auspicioso para o porvir da filosofia, a "democratização" desta disci­plina, quer dizer, a nivelação, por baixo, da cultura, faz pulular inúmeros sujeitos que nada compreendem de tais problemas.

A verdadeira filosofia é e será sempre apanágio das inte­ligências de escol e destas só. Uma jovem, detida pela polícia há poucos dias, no Rio de Janeiro, por ofensas públicas ao pudor, disse em sua defesa: "Eu sou uma existencialista ras­gada, senhor guarda". Não é muito mais, o que de existencia­lismo entendem vários dos que dele escrevem, ou que levam ao palco as obras de Sartre. O teatro e o romance contribuí­ram muito para a fama de Sartre. Por isso, Lefèbre resume assim sua crítica a este respeito: "Obra de artista, concedo; de filósofo, nego". Sartre não merece o nome de filósofo.

f) ALGUMAS VISÕES CRISTÃS DO EXISTENCIALISMO

Témoignage é uma publicação trimestral, dirigida pelos beneditinos da Abadia de Pierre-qui-Vire, cujo intuito não é tanto o de subministrar informações e documentação sobre o acontecer hodierno, como o de doutrinar e esclarecer os problemas intelectuais e espirituais tão deturpados em mui­tos espíritos de nossa época. Cada número é dedicado ao estudo de um problema cultural em relação direta com as mais profundas e angustiosas preocupações de nosso tempo. O interesse será momentâneo, porém, o valor perdurável.

O número XIII de Témoignage206 é dedicado ao pro­blema do existencialismo, palavra que bem poucos seriam

206. Témoignages, Cahiers d'Humanisme Chrétien: XIII - Exis-tentialisme, Saint-Léger-Vauban (Yonne), 1947, páginas 155-304.

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capazes de dar razão de seu significado e alcance. Insere três estudos sobre filosofia existencial: Gabriel Mareei ocupa-se de "existencialismo e pensamento cristão"; D.T. Dassance tece diversas "reflexões sobre o homem"; A. Forest, estuda a oposição e as relações recíprocas da "essência e existência".

Comecemos pelo último: "A distinção da essência e da existência, declara Forest, corresponde a uma tese sutil e cheia de sabedoria do pensamento metafísico" (pág. 212). Ela surge do esforço do espírito para captar a íntima estru­tura do ser real. De sua dimensão brota o contraste do essencialismo e existencialismo; divergência esta mais assi­nalada, do que a existente entre o idealismo e realismo ou entre intelectualismo e voluntarismo.

O autor procede à análise dos dois conceitos, procuran­do surpreender a máxima realidade no conceito da essência existente e a existência na suprema abstração da essência.

Do exame das relações entre os dois conceitos Forest conclui que a base duma legítima filosofia da realidade não deverá ser nem a pura essência, nem a pura existência, mas, sim, a relação de uma à outra.

O trabalho de Dassance é o mais extenso. O autor co­meça por delimitar a matéria, declarando que se limitará a fazer breves reflexões acerca da: "origem do homem, sua natureza mista e sua vocação" (pág. 171), tomando pé num reparo feito por Mauriac ao esquema de filosofia "mortal para a humanidade", proposta por Julian Huxley à UNES­CO. Mauriac limitou-se a propor uma pública discussão entre Huxley e Gilson. O autor comenta: "Numa hora em que todo dia algum novo jornalista enfrenta um pelotão de execução pelo delito de haver semeado nas almas venenos menos mor­tíferos do que os que Huxley oferece ao mundo por inter­médio da UNESCO, bem pode um, sem farisaísmo, assôm-brar-se do ingênuo liberalismo de Mauriac . . . Eis que após longos meses ainda assistimos ao doloroso espetáculo dum país, o nosso (a França), que rejeitando toda ortodoxia filo­sófica, em nome da liberdade de pensamento, fusila cada

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dia pobres diabos cujo delito foi o de servir ao público pratos confeccionados consoante às receitas da UNESCO de ontem e de ante-ontem" (pág. 171). Dassance trata de for­mular e fazer ver a conveniência duma concepção exata da natureza humana, porque, felizmente: "Ainda se encontram espíritos persuadidos de que uma filosofia errada é um vi­veiro inesgotável de desgraças para os indivíduos e para o mundo" (pág. 172).

Por esta razão, trata o autor d& determinar, com a pre­cisão doutrinária possível, as origens, natureza e destino do homem salpicando, no texto e em notas, comentários incisi­vos a doutrinas expandidas por muitos escritores franceses, totalmente desorientados, embora se dêem a si mesmos o apelativo de escritores católicos, como os de Esprit, etc.

O trabalho mais interessante, ainda que breve, é o de Mareei, sob o título: Existencialismo e pensamento cristão (págs. 157-169). Ele reitera uma vez mais sua repulsa ao termo "existencialismo" que "pelo menos na França, diz, fez fortuna, se não sempre entre os filósofos, ao menos entre os jornalistas ou entre os escritores que se gabam de possuir uma filosofia, sem que tal pretensão apareça muitas vezes justificada" (pág. 157).

Como podia esperar-se dum verdadeiro filósofo, e Mar­eei tem fibra de tal, a charlatanice de Sartre erigida em magistério arranca-lhe formal protesto: "Carece de sentido, diz, considerar a Sartre, não já como o fundador — ele mes­mo seria o primeiro a desmenti-lo — porém, nem como porta-bandeira do existencialismo contemporâneo. Sua posi­ção é realmente marginal e sua metafísica a antípoda do existencialismo propriamente dito".

Mareei julga que deve restringir-se no tempo o uso e significado do vocábulo "existencialista". Já é muito refe­ri-lo a alguns dos precursores, v.gr. a Pascal, porém, aplicá-lo a São Tomás ou a outro filósofo da antigüidade eqüivale a um puro equívoco. Sendo tão diversas as definições do existencialismo, para não aumentar o número e as diferen-

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ças, Mareei opta por dar uma definição genética do sistema. Para ele o existencialismo é, apenas, uma reação produzida no século XIX contra o sistema hegeliano. Ao menos é isto que se infere de Kierkegaard.

Não pode compreender Mareei que se negue a possibi­lidade dum existencialismo cristão, e, precisamente, "o ponto de partida em Kierkegaard está em conexão imediata com uma concepção especificamente cristã" (pág. 158). E é fato notório que toda a Teologia protestante contemporânea está trabalhada pelo fermento existencialista. Na Teologia ca­tólica, pela sua bem melhor travada contextura, não pode penetrar o existencialismo na mesma medida. Teve nela porém, sobretudo na Alemanha, bastante influência, como nota Maritain no começo do livro, que em páginas anterio­res resenhamos. Mareei está persuadido de que o existen­cialismo é essencialmente cristão e que só se toma ateu ca­sualmente afastando-se de sua própria natureza. Seria pre­ciso neste assunto examinar cada caso em particular, sobre­tudo o de Heidegger: "Por uma parte Heidegger não se reconhece a si mesmo como existencialista, mas, por outra, resulta de declarações formais feitas recentemente a amigos filósofos que de nenhum modo aceita ser arrolado entre os ateus" (pág. 158).

Descreve logo o autor, a grandes traços, seu" itinerário filosófico até chegar à ortodoxia católica e transcreve trechos de páginas que, escreveu há muitos anos nas quais já formu­lava vários problemas dos que mais tarde poria em voga o existencialismo. A angústia, que em Kierkeggard constitui uma categoria absolutamente fundamental, não tem para Mareei esse papel preponderante na filosofia da existência, embora deva esta "manter perpetuamente aberta uma janela para os aspectos trágicos e injustificados da realidade" {pág. 169).

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g) VISÃO ATILADA E CONCISA DO EXISTENCIALISMO, DE UM EMINENTE PROFESSOR DE FILOSOFIA

J. Hessen, autor de um pequeno livro sobre o existen­cialismo,207 é já muito conhecido nos países ibéricos por duas obras traduzidas em espanhol e em portuguêst Teoria do Conhecimento e Filosofia dos Valores.

Apesar dos imensos transtornos da passada tragédia mundial, Hessen não interrompeu suas profundas cogitações e estudos filosóficos. Mal terminado o conflito publicou Der Sinn des Lebens, Von der Aufgabe der Philosophie und des Wesen des Philosophen e uma Religionsphilosophie em dois volumes, além de outros trabalhos de menor significação. Posteriormente, publicou um excelente Lehrbuch der Philo-sophie.20S

Hessen é um pensador católico independente e original. Bochenski coloca-o ao lado de Peter Wust, na escola agos-tiniana, "de tendências intuicionistas atualistas e com fre­qüência até pragmatistas".209

O presente livro sobre a Filosofia existencial é consti­tuído, segundo nos informa a "Zeitchrift für philosophische Forschung",210 por uma série de lições que o autor deu no curso de inverno de 1946-47 na Universidade de Colônia para ouvintes de todas as faculdades. E, por certo deve de ser interessante ouvir as lições de quem escreve com a flui-dez, transparência e amenidade de Hessen.

Já desde as primeiras palavras, chama o autor a aten­ção para a transcedência do tema: "O problema fundamen-

207. Johannes Hessen, Existenz-Philosophie. Thomas Morus Ver-lag, Basilea, 1948.

208. Editado por Federmann Verlag, de Munich, em 1948 e traduzido e reeditado na versão espanhola em Buenos Aires, 1957.

209. J. M. Bochenski, Europaische Philosophie der Gegenwart, Berna, 1947, p. 239>

210. Band III, 1949. p. 622.

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tal da filosofia da existência humana é o problema do sen­tido da existência (Sin des Daseins): Tem algum sentido nossa existência? E em que consiste este sentido? — Eis o problema central da filosofia existencialista. Nenhum outro problema é hoje mais atual. Todas as aberrações que sofre­mos nos últimos anos; toda a perda de vidas e a destruição de valores que consigo acarretou a mais cruel de todas as guerras; todas as necessidades, pobreza, sofrimentos e misé­rias que nos rodeiam, suscitam fortemente o problema do sentido da existência" (pág. 7).

Como porém este problema se prende intimamente ao das diversas concepções da vida, o autor dedica os primei­ros capítulos da obra ao estudo das mais recentes formas de filosofia da vida, para tirar desse estudo os conceitos funda­mentais de uma filosofia da existência humana. Enfrenta-se logo como o nihilismo de Nietzsche e dele faz uma refutação vigorosa e contundente. Ao nihilismo contrapõe os mesmos ensinamentos de Nietzsche sobre a "existência".

No capítulo III, "Existência trágica", ocupa-se já dos inquietantes problemas de filosofia existencial, detendo-se especialmente no exame do pensamento de Heidegger, que constitui filosoficamente a forma mais notável e eficiente da filosofia existencial.

Nos capítulos seguintes trata sucessivamente da essência do homem, do homem e os valores, o homem e a Divindade etc, para finalizar com o mais interessante sobre a "exis­tência cristã", que poderia sintetizar-se nesta expressão: "Da-sein ist Sein aus Gnade". Desta maneira, "uma filosofia existencial que intenta alcançar as primitivas fontes da vida — o que somente será possível sob a égide da fé cristã — acha uma fórmula profunda naquelas palavras de Santo Agostinho: Vita nostra nihil aliud est quam Dei gratia".

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h) FILOSOFIA GERAL E EXISTENCIAL DE MARTIN HEIDEGGER

Heidegger, pelo seu vasto conhecimento, e robusta inte­ligência, ocupa um lugar destacado entre os grandes cultores da Filosofia. O livro de De Waehlens211 vem somar-se à já volumosa bibliografia em torno ao pensamento do professor de Friburgo.

Nas últimas décadas foi sem dúvida a fenomenologia de Husserl o movimento filosófico *le maior extensão e influên­cia. Esta se fez sentir em todas as escolas filosóficas e re­presentou para os idealistas um forte reativo que levou a muitos de seus adeptos a se aproximarem do realismo peri-patético, embora o próprio Husserl não chegasse nunca a desprender-se de todo do lastro idealista; para os defensores do realismo forneceu o método fenomenológico abundantes recursos para firmarem-se em suas teses.

Como era de prever-se, dada a extensão do movimente fenomenológico, veio logo a desinteligência e ainda a cisão dentro da escola de Husserl. O principal dissidente foi Hei­degger, que contrapôs à fenomenologia teórica de Husserl a fenomenologia existencial. O autor das Investigações lógicas dirigira sua atenção para os problemas da essência chegando em sua obra Ideen zu einer Phanomenologie,212 a qualificar a fenomenologia simplesmente como uma "ciência das essên­cias" (Wessenswissenschaft). Nem poderia seguir outro cami­nho quem surgia no campo filosófico em franca oposição ao positivismo, para o qual só o individual empírico pode ser objeto de ciência.

Heidegger, e com ele bom número de filósofos, optou por dirigir as investigações em torno dos problemas do ser existencial.

Entretanto, surge também aqui nova divisão. Ao passo que para Heidegger a análise da existência concreta tem

211. A. de Waehlens, La filosofia de Martin Heidegger. — Nota preliminar y tradueción de Ramón Cefial, Madrid, CSIC, 1945, XXIV.

212. Halle, 1913, págs. 24, 33 e 114.

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MARTIN HEIDEGGER \ Considerado o principal doutrinador

da filosofia existencial

como fim a ulterior elaboração duma teoria geral do ser, para Jaspers, e outros vários, a filosofia tem finalidade ade­quada na descrição e estudo das múltiplas possibilidades concretas oferecidas à humana existência.

Esta discussão entre a filosofia de K. Jaspers, que De Waehlens chama de existentiva, e a existencial de Heidegger, "pone en juego, diz o autor, Ia herencia recibida de Kier-kegaard, y entraria inmediata y fatalmente una revisión de Ia idea misma de filosofia. Por ello se ve cuanto nos puede interesar ei precisar con Ia mayor exectitud posible ei pen-samiento de Heidegger y de Jaspers" (pág. 2). Ao primeiro destes filósofos consagra o livro, sem no entanto perder de vista o pensamento de Jaspers, estabelecendo o devido con­traste entre os dois vigorosos pensadores.

Em quatro partes divide De Waehlens sua obra. A pri­meira constitui uma introdução geral a todo o livro, indis­pensável para a inteligência das outras partes. Nela procura fixar e estabelecer os problemas e o método de filosofar

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empregado por Heidegger. Com reiterada insistência faz no­tar o autor que o intento de Heidegger é achar uma solução autêntica ao problema do ser, fundamentar a Ontologia: "El lector, que abra por vez primera Sein und Zeit fiado ep Ias opiniones ya recibidas acerca de su filosofia, no dejará de experimentar viva extraneza. Desde Ias primeras páginas, en efecto, insiste Heidegger en su intención de reasumir ab ovo ei estúdio de los problemas más clásicos de Ia Metafísica tradicional: ni una palabra por ei contrario, de esas revolu­ciones que ei término Existencialismo sugiere hoy en dia en ei común de Ias gentes". Razão teve o autor em insistir tanto na determinação do caráter e sentido das investigações hei-degerianas, pois é erro comuníssimo e bem difícil de extirpar o de incluir a Heidegger entre os filósofos existencialistas mesmo apesar de suas declarações em contrário. O equívoco continua e há pouco, referindo-se a ele, Bollnow, bom co­nhecedor do existencialismo, frisava também que: "Heideg­ger recusou energicamente ser classificado entre os cultores da filosofia existencial pois que o fim de seu filosofar diri­gia-se à fundamentação duma nova Ontologia".213

Se o objeto das investigações de Heidegger não é tanto a questão da "existência do homem, senão a do ser em seu conjunto e enquanto tal", deve-se primeiro determinar a significação do ser. O conceito de ser é o mais geral e ao mesmo tempo o mais obscuro de todos os conceitos. É ine­vitável filosofar sobre o conceito de ser sem pressupor, ao menos, a noção vaga e imprecisa do ser que possuem natu­ralmente todos os homens: "Toda inquisición sobre ei sen­tido dei ser debe, por Io tanto, necesariamente incoarse a partir de un sentido médio dado, que, a su vez, deberá ser dilucidado y constituirse en objeto de un problema".

Surge aqui uma dificuldade. O estudo do ser há de ini­ciar-se, como é evidente, pelo exame de tal ou tal ser. Ora, são muitos os existentes e muitas as maneiras de ser: por qual

213. Ap. Zeitachrift für philosophische Forschung. B. II, 1948, p. 232.

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dos diversos existentes ou dos vários sentidos da palavra ser devemos começar? A que realidade corresponde melhor a palavra ser? A observação dos fatos nos mostrará logo o caminho. Como entre todos os seres vemos que um só é capaz de interrogar-se a si mesmo e este existente somos nós mes­mos, a opção está feita: é a existência humana (Dasein) a que primeiro deve ser submetida a uma profunda análise.

E com qual método? Heidegger, como dissemos, foi dis­cípulo e adepto do método fenomenológico de Husserl (não o foi, entretanto, do idealismo fenomenológico do mestre) e expressamente declara segui-lo. A famosa fórmula husserlia-na: Zu den Sachen selbst, interpreta-a como o mestre, po­rém, em continuação, rejeita Heidegger as "reduções" que iriam de encontro ao objeto principal de suas investiga­ções: o ser mesmo da existência. Derivado deste, outros pontos ainda o separam notavelmente da escola de Husserl.

A segunda parte da obra de De Waehlens está dedi­cada ao estudo da "Analítica existencial". Sabido é que Heidegger consagrou a maior parte do único volume pu­blicado de Sein und Zeit à analítica existencial. Este o motivo por quê, lida ligeiramente a obra, muitos deduzi­ram que era apenas mais uma existencialista.

Após ligeiras aproximações, trata de determinar as ca­racterísticas do existente humano concreto (Dasein), e adver­te, desde logo, que este Dasein não é uma coisa já fixa e imóvel como uma pedra ou uma mesa. O Dasein não é nunca coisa acabada. "El Dasein es un existente cuyo ser está siempre puesto en juego".

Como primeira determinação do Dasein ou primeiro existencial, examina Heidegger a relação ser-no-mundo e pas­sa logo à análise da heceidade do Dasein examinando a es­trutura que serve de base às suas manifestações imediatas, so­bretudo as duas modalidades fundamentais que ele chama de vida autêntica e de vida inautêntica. O "problema da temporalidade" ocupa longo espaço. Consoante ficou indi­cado o ser do Dasein não é dado por inteiro, mas, sim, gra-

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dativamente, sendo por conseguinte constituído pelo tempo. Termina esta parte da analítica existencial com algumas considerações sobre a historicidade do Dasein.

Com aguçado espírito entra De Waehlens, na terceira parte, na análise das pressuposições que servem de base à filosofia de Heidegger.

Examina as noções de transcendência, liberdade e nada, que são, diz o autor, as que dirigem o desenvolvimento e determinam a significação da análise existencial.

Na quarta e última parte da obra procura De Waehlens esclarecer a ascendência histórica da filosofia de Heidegger. Para isto examina suas relações com a filosofia existentiva de K. Jaspers e com o pensamento de Dilthey, Kierkegaard e Nietzsche.

Finalmente, o autor, na conclusão da obra, ainda reco­nhecendo nobremente alguns serviços prestados à filosofia pelo existencialismo, dá um balanço desconsolador. A filo­sofia de Heidegger é uma filosofia da aceitação, filosofia da finitude, filosofia da existência, porém, a experiência da fini-tude desperta um protesto desesperado como é desesperado o recurso a uma onipotente impotência da terra: "Esta pro­testa, conclui o autor, muestra con fuerza irresistible y en verdad, admirable, que Ia contingência es Io que jamás, a ningun precio podrá ser aceptado por ei hombre. La finitud és insoportable. Deve ser, de ia maneira que sea, superada".

A obra vem precedida duma "Nota preliminar" do tra­dutor. Achamos errado o critério de ambos, autor e tradutor, de não traduzirem do alemão muitos termos e algumas fra­ses peculiares de Heidegger, por motivo da dificuldade de expressões equivalentes. Deveriam, ao menos, valer-se de perífrases para dar-nos uma aproximação do sentido. Pois se eles, especializados em tal filosofia, acham difícil a tradu­ção de suas fórmulas, não será muito mais difícil entendê-las o leigo nesta filosofia e talvez também na língua alemã?

A obra é séria e muito pensada e recomendamos viva­mente sua leitura a todos os que desejam seguir de perto as modernas formas do pensar filosófico.

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Capítulo X

RECAPITULAÇÃO

Quais os resultados práticos das filosofias da hora?

Daquela Germânia maravilhosa e grande de fins do sé­culo, que deslumbrava o mundo com o fulgor de sua ciência e o número de suas invenções, escrevendo Rodolfo Eucken sua obra Die Lebensanschaugen der Grossen Denker chama­va, desde as primeiras páginas, a atenção dos pensadores para este fenômeno singular: os últimos tempos desenvolveram uma atividade industrial ilimitada que modificou profunda­mente o aspecto do mundo e os modos de viver. "Todavia, diz Eucken, a orgulhosa carreira triunfal da civilização indus­trial não satisfez ao mesmo tempo as exigências espirituais do homem, nem com seus êxitos mais brilhantes fez próspera a vida total e interior do ser humano". Essa exuberância de vida mundana tomou-lhe o tempo e as energias todas, fê-lo sair de si e olhar só para o exterior, acontecendo, porém, que "quanto mais (continua Eucken) pelo desuso é tolhida nossa atividade espiritual, mais pobre e vazio se torna o homem em meio dos êxitos materiais e mais se acerca ao ponto de converter-se no puro instrumento duma cultura sem alma que nos arrasta e logo nos abandona, que mar­cha gozando dum poder satânico sobre a vida e a morte dos

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indivíduos, conduzindo-os para o abismo do nada como ter­mo onde já essa cultura tombou".214

Não foi a do pensador germânico uma voz isolada. Outras e outras se alevantaram em diversas partes, formu­lando a mesma preocupação e os mesmos temores, por uma ciência que esquecia o homem e que bem mostrava afastá-lo cada vez mais da felicidade. \

Seja-me permitido alegar mais algumas citações espar­sas que patentearão o ambiente de que venho escrevendo.

Decorridos poucos anos, um solitário pensador brasilei­ro, angustiado pelo mesmo fenômeno que impressionava Eucken, exclamou: "No fim de um século que tem deslum­brado o mundo por seu progresso, uma pergunta se impõe: tornou-se o homem mais feliz? Cada um responda como puder!"215 Unamuno clamava também contra a filosofia desumanizada. Segundo ele, o homem concreto, a pessoa, o eu de cada um: "es ei sujeto y ei supremo objeto a Ia vez de toda filosofia, quiéranlo o no ciertos sedicentes filósofos". Este sujeito é insubstituível porque, "que otro llenaría tan bien o mejor que yo ei papel que lleno? Que otro cumpliria mi función social? Si, pero no yo: Yo, Yo, Yo, siempre yo! dirá algun lector; y quién eres tu? Podria aqui contestarle con Oberman, con ei enorme hombre Oberman, para ei uni­verso nada, para mi todo".216 "Por toda a parte se mostra, diz Heimsoeth, que a última fundamentação da filosofia ê constituída . . . pelos grandes problemas da vida humana e da contapção-do-mundo pelo homem".217

Uma das razões da atualidade do pensamento de Dilthey está no caráter antropocêntrico e vital de sua filosofia que

214. Rudolf Eucken, Die Lebensanschaugen der Grossen Den-ker, 2." ed., Leipzig, 1897, p. I.

215. Farias Brito, Finalidade do Mundo, O mundo como ativi­dade intelectual, Pará, 1905, p. 18.

216. Unamuno, Del sentimento trágico de Ia vida, cap. I, Ed. Austral, p. 9 e 17.

217. Heins Heimsoeth. A filosofia no século XÍX, S. Paulo, 1938, p. 51.

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ORTEGA Y GASSET Grande escritor, teórico da razão vital

e precursor do existencialismo heideggeriano

nos defronta, "diretamente com o sujeito real da experiência, da vivência, da vontade".218

Se o homem, escreve Nef, não consegue dominar a má­quina e fazê-la servir aos fins superiores da existência hu­mana . . . nossa época será o crepúsculo da civilização que corre ao acaso.219 "A atenção da humanidade, adverte por sua vez Carrel, deve volver-se da consideração da máquina e da matéria inorgânica para a do corpo e da alma do ho­mem".220 Para nós, escrevia há pouco Munford, o problema da pessoa ocupa o lugar central . . . a matéria de nosso estudo deve ser a vida humana em todas as suas históricas manifestações".221

218. Eugênio Pucciarelli, Introdución a Ia Filosofia de Dilthey, B. Aires, 1944, p. 15 e Heimsoeth, op. cit., p. 49.

219. J. U. Nef, The U. S. and Civilizalion, Chicago, 1942, p. 41. 220. Alexis Carrel. Man, The Unknown, London, 1937, p. 14. 221. Lewis Munford, Values for Survive, N. York, 1946, p. 213.

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Anos antes Kierkegaard, "en esto de acuerdo con toda Ia filosofia moderna", centrava no homem o objeto de toda a filosofia.222

Não se afasta nisto do mestre o seu discípulo Heideg-ger, para quem a metafísica é o conhecimento que do seu próprio ser possui o homem.223

De igual modo é este o tema central da filosofia de Ortega y Gasset. Com palavras candentes fustiga o ilustre pensador "Ia ciência que no sabe nada . . . no tiene nada preciso que decir sobre ei hombre".224

Enfim, numa alocução do Pontífice Pio XII, dirigida aos membros da Academia de Ciências, do Vaticano, convi­da-os o Papa a contemplar "a grandeza do homem no centro do universo material.225

Todavia, direis, como explicar este universal clamor pe­lo retorno do homem a si mesmo, pela instauração duma filosofia que tenha por objeto central o homem? Não é este, precisamente, o pecado da filosofia moderna e novíssima? Não foi, porventura, o antropocentrismo, a grande aberra­ção que, após Descartes, vem transformando todo o mundo moderno?

Isto é certamente inegável. No século XVI Lutero e seus sequazes apregoaram o livre exame individual e um século mais tarde Descartes operava uma completa revolu­ção no mundo do pensamento, que será sempre e ao mesmo tempo proa e leme da humanidade em sua marcha progres­siva através do tempo e do espaço. A filosofia clássica e a escolástica haviam partido sempre da realidade ontológica para chegar ao "eu", ou seja, suas deduções iam de fora para dentro, do cume da metafísica e da teodicéia ao íntimo da

222. Fr. T. Urdanóz, O.P. Boletim de Filosofia Existencialista, em Ciência Tomista, LXX, 1946, p. 120.

223. A. Diez, Historia de Ia Filosofia contemporânea, Vala-dolid, 1946, p. 234.

224. Ortega y Gasset, Historia como sistema etc, Madrid, 1942, p. 10 e 11.

225. Acta Apost. Sedis, XXX 5, 1943, p. 69-79.

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psicologia. Descartes inverte os dados do problema: parte do sujeito pensante para atingir a realidade ultra-subjetiva. A partir deste instante o pensar filosófico seguirá rumo in­verso, no caminho a percorrer, partirá de dentro para fora e o conhecer científico terá sua base irremovível, posto que aprio-rística, inata nas idéias-princípios.

Embora em ordem diferente o sujeito aparece aqui co­mo no luteranismo, ocupando assinaladamente o centro do pensar, e o que é mais inquietador, o centro da vida moral, pois no futuro submeter-se-á tudo ao critério individual. Não é que pretendamos estabelecer uma relação de conseqüência entre Lutero e Descartes, não, trata-se apenas de coincidência, se bem que, talvez, não inteiramente espontânea, senão oca­sionada em ambos pelos mesmos complexos mentais.

Estes dois fatores estarão presentes, embora amiúde. só em forma latente, em toda a filosofia posterior independente.

Kant e os seus discípulos incumbir-se-ão de levar às extremas conseqüências a sublimação do ego. Já não será, apenas na ordem cognoscitiva, onde o "eu" há de ocupar o centro, a realidade toda não terá mais valor que o que lhe confira o próprio "eu", ainda mesmo na ordem moral e teológica. Kant sente-se tão embriagado com a superioridade do "eu" que não achará mais lei moral para a humanidade que a que o "eu" estabelece com o seu próprio obrar.

Os discípulos imediatos de Kant avançam resolutamen­te na mesma rota. Para Fichte, Schelling e Hegel o "eu" seçá como um Deus que se cria ou toma consciência de si mesmo como Divindade. O monismo, no qual prevalece sempre o eu humano que o cria, será logo o sistema dominante em toda a filosofia posterior revestindo as formas e nomes mais diversos. Ora será o monismo materialista de Büchner e de Tyndal ou o idealístico de Bradley, ora o dinâmico de Ferri, Tõnnies e Katzenhofer, ou o energético de Ostwald, ora o lógico da escola de Marburgo ou o evolucionismo de Spencer e Mach.

Nietzsche tomará também o "eu" em sua independência de toda lei moral e estimulando sua "vontade de poder"

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eleva-lo-á a "super-homem" (übermensch). Destas doutrinas dimanam os mais variados sistemas de moral tais como: o utilitarismo em todas as suas formas, o pessimismo, o hedo­nismo e o liberalismo, que todos eles não são outra coisa senão realização plástica do racionalismo egocentrista e ego-látrico, que diluído tenuemente em estratos superpostos foi absorvido pela sociedade moderna.

E agora é tempo de reiterarmos a pergunta há pouco formulada. Por que esse clamor pela reinstalação do homem no centro da sabedoria? Não se sente ele satisfeito e feliz após haver sido exaltado acima de tudo, emancipado de qual­quer jugo e quase divinizado?

Não, o homem hodierno não se encontra satisfeito. Essa exaltação era falaz, como era fraudulenta a filosofia de onde procedia; e de um fundamento falso só mesmo pode provir uma felicidade enganosa, pois não há de exceder o efeito à causa de onde procede.

A filosofia moderna mutilou temerariamente o homem pois, querendo submeter ao seu domínio absoluto, ou melhor, querendo fazer do "ego "o agente criador de toda realidade, viu-se na contingência inevitável de ter que negar o teste­munho da consciência individual que é e será sempre, sem remédio, o único acesso que possui para se aproximar da realidade, isolou o homem totalmente do mundo e de Deus, deixando-o qual cacto solitário a vegetar numa planície escal-vada e erma.

Não, o homem não é apenas o ser pensante cartesiano, nem o pitecantropo darwiniano, nem menos o demiurgo gnóstico que se dá a existência a si e ao mundo. O pensar e o crescer lhe são igualmente próprios mas estas proprie­dades, para subsistir, coadunam-se, necessariamente, com a realidade extra individual. Se na ordem ontológica nos é dado pensar o homem totalmente isolado dos outros seres, isto não passa, na ordem vital, duma pura abstração, pois tal homem nem existe nem pode existir a menos que dele façamos o ser absoluto, Deus, eternamente feliz no pélago

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infinito de sua absoluta perfeição. O homem é sempre, dire­mos com Ortega: "Ele próprio e a sua circunstância".

Mais grave se torna, ainda, este isolamento do homem quando se leva a afastá-lo, emancipá-lo, de sua destinação ultraterrena. O homem, ser finito, contingente, precário, não tem em si a razão de sua existência. Procede de outra causa para existir e a ela deve subordinar-se para seu aperfeiçoa­mento. Acredite ou não, quer queira, quer não, o homem tem um destino, foi criado e ordenado para uma superior felicidade. Não é na vida temporal que há de achar a dita. E está nisto a tragédia do homem atual. Sente sede insa­ciável de ser feliz e em vez de procurar desalterar essa sede nas fontes de água viva que manam para a vida eterna, sedu­zido pelo próprio orgulho quer, em seu pequeno mundo, satis­fazer sua indigênciá.

Para quebrar a monótona aridez destas páginas, permi­ti-me que, erli breve interrupção, descreva com palavras dum poeta brasileiro, atormentado pela descrença, a desoladora situação de sua alma cética em frente à concepção que do homem lhe dera a filosofia e a religião:

Rei da criação por mim mesmo aclamado, Quis vencendo o Destino ser o Rei De todo esse Universo ilimitado Das idéias que nunca alcançarei ...

Inteligência ... esse anjo rebelado Tombou sem sabido a eterna lei: Pensei demais e, agora, apenas sei Que tudo que eu pensei estava errado . . .

De tudo, então ficou somente em mim O pavor tenebroso de pensar, Porque as idéias nunca tinham fim ...

Que mais resta da fúria malograda? Um bailado de frases a cantar ... A vaidade das formas ... e mais nada .. .226

226. Raul de Leoni, luz Mediterrânea, 3.* ed., Rio, 1940, p. 129.

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Confessemo-lo com amargura e franqueza: a alegria de­sapareceu do nosso mundo. O sofrimento domina soberano. Nunca em verdade faltou a dor no mundo mas nunca como hoje esteve tão ausente a ventura dos povos.

A alegria foi-se e ficaram os prazeres. Paradoxo? Sim, será paradoxal, mas é um fato de evidência que: a mais pra­zeres, menos alegria do viver. Expliquemo-nos. Entendemos comumente por prazeres as transitórias satisfações das três concupiscências de que fala o Apóstolo: "Concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida".227 Mas os prazeres são incapazes de devolver-nos a felicidade perdi­da. Por sua natureza eles são precários, incertos e capricho­sos na eleição das pessoas, idades e condições que os hão de desfrutar e, sobretudo, são efêmeros. Impossível edificar a verdadeira alegria duma felicidade mais ou menos estável e a que podemos aspirar na vida presente, edificá-la, digo, na base dos prazeres temporários. Esta alegria vai sempre anexa à vida familiar, e esta hoje . . . ah! .,. deixo para os leitores o comentário. Digo, sim, como lei social: a mais prazeres, menos felicidade. Nunca o homem, nem no paga­nismo, achou tanta oportunidade e tanta facilidade para en­contrar prazeres como hoje, e nunca também foi mais infeliz.

Eis a razão porque este século, que viu crescer em pro­porções inverossímeis as órbitas do saber, que se aprofundou mais do que nenhum dos anteriores nos mistérios da natu­reza, que viu multiplicarem-se os inventos mais assombrosos, que centuplicou a riqueza de alguns povos, não soube, toda­via, dar-lhes a paz; melhor, arrebatou a que desfrutava a maior parte deles, suscitando em seu seio as mais cruentas lutas e os ódios mais atrozes, com um desequilíbrio e insta­bilidade sociais cujo desenlace final é ainda prematuro pre­dizer.

227. / Jo 1. 16.

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Que diremos pois? Será preciso concluir declarando a, falência total da filosofia? Entendamo-nos: das filosofias no plural, de todos esses sistemas que vêm disputando acura­damente, na mais anárquica confusão o predomínio na opi­nião dos povos, sim, essas filosofias penso que fracassaram.

Assim como São Paulo verbera a filosofia antiga, quali­ficando de insensatos aos filósofos gentios porque não se aproveitaram devidamente das razões para chegar ao conhe­cimento da Divindade, uma vez que "o que de Deus é cog-noscível, é conhecido deles, Deus lho manifestou . . . me­diante as criaturas; de maneira que eles não têm excusa, por quanto conhecendo a Deus não O glorificaram como a Deus . . . e pretendendo ser sábios tornaram-se estultos".238 Por isso, Deus entregou-os "aos desejos do seu coração e à impu­reza" e caíram no abismo de hedionda imoralidade.

Citamos este texto de São Paulo pelo seu valor como depoimento histórico, pois se das mesmas causas derivam os mesmos efeitos, não cabe dúvida que é interessante lembrar aquela terrível pintura do paganismo traçado no cap. I da Epístola aos Romanos. Com efeito, as características do ambiente filosófico na atualidade oferecem uma surpreen­dente similitude com as assimiladas por São Paulo, de modo que não é inexato dizer que estamos presenciando um retor­no ao paganismo.

O próprio Apóstolo, sem embargo, distingue dessa filo­sofia autosuficiente outra autêntica filosofia que outorga os direitos à razão para alcançar a Deus e a lei moral,229 por um conhecimento conatural, certo e expontâneo da Divin­dade.

Aludi com isto à filosofia em singular, à que- chamamos perene e de que vou me ocupar agora.

228. Rom. I, 19-22. Ver Luigi Bogliolo, El problema de Ia Filosofia Cristiana, Barcelona, E.L.E., 1960.

229. Rom. II 14-15.

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A. STENCO Verdadeiro criador

da expressão "Philosophia Perennis", posteriormente tornada universal por Leibniz

Capítulo XI

PHILOSOPHIA PERENNIS

Referindo-se Leibniz às harmoniosas relações que de­vem haver entre a filosofia e a fé, "pois no fundo, diz, uma verdade não poderia ir contra outra verdade, e a luz da razão é um dom de Deus, não menos que a Revelação",230 elogia a obra de Agostinho Steuco (+1549), De perenni philoso­phia libri decem.

Que viu Leibniz de especial no livro De perenni philo­sophia? Ovejero, o tradutor espanhol de Leibniz, diz em nota que Steuco passa em revista os dogmas de quase todas as religiões e seitas para pô-las de acordo com os pensadores cristãos.231 E por sua vez Paul Janet anota: "il prétend re-trouver dans íes philosophes paiens toutes les idées chré-tiennes".232

1. A. STEUCO CRIA A DENOMINAÇÃO "PHILOSOPHIA PERENNIS"

Foi Agostinho Steuco — apelidado Eugubino, gentílico de sua cidade natal Gubbio —, quem, pela primeira vez,

230. Essais de Théodicée. Discours n.° 29. 231. G. M. Leibnitz, La Teodicea, trad. de E. Ovejero, Madrid,

Aguilar, s.d., p. 516. 232. Oeuvres Philosophiques de Leibnitz, ed. P. Janet, Paris,

1866, t. II, p. 58.

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usou a expressão no próprio título de sua obra De perenni philosophia libri decem?33

Nascido em 1497, Steuco faleceu em Veneza em 1548. Foi Cônego lateranense, manteve correspondência e contro­vérsias com Erasmo e com outros humanistas. Paulo III, seu particular amigo e mecenas, nomeou-o bispo de Kisam e bibliotecário da Vaticana. Homem de grande erudição e sa­bedoria, é autor de numerosas obras sobre diversos assun­tos.234

Aquela que, sem dúvida, mais fama lhe deu é a De pe­renni philosophia, escrita em latim elegante e dedicada ao Papa Paulo III. O sub-título (provavelmente aposto pelo editor) reza: "Obra não só referta de imensa erudição e piedade, senão que ainda contém, para assim dizer, a me­dula de todos os filósofos, quer antigos, quer modernos, ra­zão pela qual é digníssima de ser lida e publicada nova­mente".

Nela, com efeito, sistematiza "con vastíssima richezza di erudizione 1'idea di una eterna filosofia".235 São indubi-táveis em Steuco seus amplos conhecimentos, o perfeito do­mínio de vários idiomas antigos, e os dotes àb excelente exegeta; porém, quanto ao aspecto propriamente filosófico, não convence a todos os leitores. Ebert, que fez da obra de Steuco objeto de estudo particular, resume sua crítica di­zendo que "a valoração a que foram submetidos os sistemas

233. Augustini Steuchi Eugubini, Episcopi Kisan, De Perenni philosophia libri X„ Basileae, anno MDXLII, 23 folhas prelimi­nares e 720 páginas. É de notar que a maioria dos historiadores da filosofia, inclusive italianos, ao mencionar esta obra apenas se referem à edição de Lyon de 1540 ou às incluídas em sua Opera omnia, muito posteriores, e não citam esta de Basiléia, de 1542, utilizada aqui.

234. Pode ver-se a lista completa de suas obras em Wetzer und Welte's, Kirchenlexikorfi. Freiburg in Br. 1901, vol. XI, col. 785: também H. Ebert em Philosophischer Jahrbuch (da Gorresgesells-chaft), 1929, tomo 42, pgs. 350-356, com apreciações críticas sobre cada obra.

235. Eugênio Garin, Filosofia, Milano, 1947, t. II, p. 86.

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antigos é inteiramente falho — ganzlich verfehlt ist*.m De modo semelhante, outro filósofo moderno qualifica-o de "mais humanista que teólogo e com escasso conhecimento da Escolástica".237

Em De perenni philosophia propõe-se Steuco o desen­volvimento lento e uniforme, embora com certas inflexões, do pensamento e da piedade humanos, desde nossos primei­ros pais e através das diversas escolas filosóficas da anti­güidade, até a Escolástica.

Já na Dedicatória do livro a Paulo III declara: "Sem­pre tive como sentença filosófica certa que, sendo uma a sabedoria e a piedade, derivadas das mesmas fontes e ten­dentes ao mesmo fim, deverão também ser conformes às razões em que se apoiam." Por isto, observa, os grandes filósofos como Platão e Aristóteles — philosophomm facile príncipes —> propõem-nos como ideal supremo do filosofar a ciência e o culto da Divindade "quod Mis sua lingua dicitur:

"238

Três são no curso da humanidade as etapas ou fases que nos apresenta a filosofia, iluminadas sempre por uma luz perene, ínsita em todas as almas.

a) O saber primitivo outorgado a Adão, que assistiu à criação como primeira testemunha das origens do mundo, e que teve amplos conhecimentos com clareza e sem mescla de erros. Esta ciência original, ele a transmitiu à posteridade — per omnes aetates devoluta est ad posteros.2™

b) Em seguida, a sabedoria sofre certa obnubilação por causa do pecado, da dispersão das gentes e da confusão de línguas; porém, ainda assim, as verdades primeiras, mes-

236. Hermann Ebert, Augustinus Steuchus und seine Philoso­phia perennis, in Philosophischer Jahrbuch, 1930, Ban. 43, p. 96.

237. K. Schottenloher, in Lexikon für Theologie und Kirche^, t. IX.

238. De per. phil., pág. 2 preliminar. A obra inteira é um aglomerado de textos gregos de quantos filósofos escreveram na antigüidade.

239. Ibd. L. I, p. 1.

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mo algo opacas, mantiveram-se, mercê da contemplação das coisas e das parcelas da sabedoria primitiva dispersas e con­servadas em todos os povos.

cj Finalmente, novissimis saeculis, com luz esplendo-rosa — clariore exacta luce — são iluminadas a revelação primitiva e as especulações filosóficas e renasce transparen­te a unidade originária do pensamento humano.240

Garin faz notar a~ afinidade deste último conceito com a idéia de uma "prisca Theologia" que, segundo Marsilio Fi-cino e Pico delia Mirândola, haveria conservado a unidade da revelação primitiva.241

Assim pois, na primeira de ditas fases, a sabedoria ou verdade se comunica aos primeiros homens em plenitude, cla­reza e perfeição, como proveniente imediatamente do Ser Su­premo; porém no transcurso dos anos perde o vigor, torna-se obscura, desfigura-se — temporum atque hominum iniu-riis affectam2i2 —, chega a ser tida por muitos como uma fábula ou sonho, ainda que, sem embargo, a tradição subsis­tisse latente sob os erros.

A segunda das fases ou etapas tem sua origem na con­templação racional que intenta decifrar o cosmo — naturas causas que rerum speculantes — mas que sofre as defi­ciências inerentes à capacidade da mente humana e à sua limitação ante as árduas dificuldades que implica o desco­brimento da verdade.

Na terceira fase da filosofia o brilho da sabedoria dis­sipa e afasta os precedentes erros e obscuridades, e não se fechando em si, estende por todo o orbe seus raios lumino­sos. Esta é a sabedoria necessária ao mundo e a única digna de tal nome.

Destarte, a finalidade do livro é mostrar como existiu sempre a verdadeira sabedoria alimentada, já pela tradição

240. Ibd. L. I, pp. 1-3. 241. Garin, Filosofia II, p. 87. 242. Steuco, op. cit., L. I, c. 2, p. 7.

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recebida, já por suposições e deduções racionais que, em seu conjunto e conveniência, veio constituir a denominada peren-nis philosophia.243

A fim de confirmar sua tese, ao longo de muitas pági­nas e com abundantes citações procura Steuco mostrar as verdades dogmáticas como sobrevivendo e iluminando a vida da humanidade.

"Comum foi entre os filósofos antigos o conhecimento da Divindade e do poder do Pai e do Filho".244 Tomando-a do mítico Hermes Trimegisto, assevera como doutrina de Platão, não só que o Logos é Filho de Deus senão que é Criador diviníssimo e Príncipe do mundo presente e do futuro245, no que foi seguido por muitos.

A crença em um só Deus foi pregada em todas as lín­guas e pela maioria dos povos246, em admirável concordân­cia com as sagradas Letras — prisci philosophi super uno ac singulari Deo mirabiliter cum sacris litteris consen-serunt —.247

Com particular ênfase assinala Steuco, nos principais temas antropológicos, a surpreendente coincidência dos anti­gos filósofos com as doutrinas da filosofia cristã. De modo singular enche-nos de assombro a unanimidade que reina no tocante à imortalidade da alma humana — Magna res est, et nemini non admiranda, tantus omnium saecolorum, atque hominum ex omni genere, late terras incolentium, linguis, mo-ribus, statibusque inter se divisorum, consensus, in eandem rationem, ducente natura, conspirantium.2**

Resumindo: Um só é o princípio de todas as coisas e uma só também a sabedoria e a piedade, as quais já conhe­cidas e ensinadas pela antiga filosofia são recebidas nas esco-

243. Op. cit. p. 5-6. 244. L. I, c. III, p. 8. 245. L. 1. c. XXVII, p. 80. 246. L. III, c. I, p. 150. 247. L. III, c. I, p. 50 e c. IV, p. 162. 248. L. IX, c. XXIII, p. 623.

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Ias cristãs, onde, expurgadas de todo erro, brilham com no­vos resplendores. Tal é a Philosophia perennis no pensamento de Agostinho Steuco.

Estes esclarecimentos nos fazem compreender o verda­deiro sentido em que Leibniz usou a expressão philosophia perennis. Escrevendo a Rémond de Montmort, lhe dizia: "La verité est plus répandue qu'on ne pense, mais elle est três souvent aussi enveloppée, et même affaiblie, mutilée, corrom-pue par des additions que Ia gâtent ou Ia rendent moins utile. En faisant: remarquer ces traces de Ia verité dans les anciens, ou, pour parler plus généralement, dans les ante-rieures, on tirerait 1'or de Ia boue, le diamant de Ia mine et Ia lumière des ténèbres; et ce serait, en effet, perennis quaedam philosophia."2*9

Como se vê pela carta acima citada, a idéia de Steuco de "conciliar os antigos com o Cristianismo" impressionara vivamente a Leibniz e levou-o a conceber a filosofia perene em função da história. "Pensava che occorreva — escreve Olgiati — connettere le veritá scoperte dagli antichi con quelle che trovavano ed avrebbero trovato i moderni, per costituire quella ché egli chiamava perennis quaedam philo­sophia, Ia quale purê — perció — veniva da lui concepita storicamente".250

Temos, pois, que a denominação Philosophia perennis, cunhada por Steuco e com a chancela de Leibniz difundida por todos os âmbitos, significava algo assim como a quinta essência, o mais seguro e aproveitável de todas as filosofias passadas.

A expressão fez imensa fortuna. Hoje é por todo o mun­do usada e até a autoridade pontifícia lhe deu entrada num documento tão solene como é a encíclica Humani Generis. Todavia, esse emprego freqüente da expressão "filosofia pe-

249. Die philosophischen Schriften von G. W. Leibniz, Hrsg. C. J. Gerhardt, Leipzig, 1875-1890, t. III, p. 624-25.

250. Francesco Olgiati, II significato storico^ di Leibniz, Milão, "Vita e Pensiero", 1929, p. 209.

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rene", torna-a muito vaga e imprecisa. Cumpre determinar­mos o que por ela aqui entendemos.

2. QUE SE ENTENDE POR FILOSOFIA PERENE?

Leibniz e outros contemporâneos seus aceitam a nova denominação cunhada por Steuco, e quase não alteram o sen­tido teológico-filosófico que este lhe havia dado. Só de um século a esta parte generaliza-se a expressão e é aplicada em vários sentidos.

"Que se entende, pergunta Hans Meyer, por filosofia perene? Apesar de certa coincidência fundamental, as opi­niões se dividem: alguns fazem dela um sistema mais ou menos definido, fundado em amplo sincretismo; pensam ou­tros na corrente do pensamento que, iniciada por Platão e Aristóteles, e continuada por Santo Agostinho e São Tomás, ainda agora oferece elementos para uma tomada de posição filosófica; identificam-na muitos com a Neo-escolástica Ou mais estreitamente com a Neo^escolástica-tomista; enfim, há os que a equiparam simplesmente com a chamada filosofia cristã."251

Como "sistema filosófico" caracteriza E. Pita a filoso­fia perene252, e também do conceito sistemático é que parte Mazzantini para a partir dele fazer uma "valutazione crí­tica" da filosofia de Heidegger.253

Para o professor iugoslavo Usenicnik a filosofia perene é algo supra-temporal e eterno, mas se ela quer fazer com­preender a realidade viva deve provar sempre sua verda­de.254 Quanto mais sólidos forem os supostos de um sistema,

251. Hans Meyer, Das Wesen der Philosophie und die philo-sophischer Probleme, Bonn, 1936, p. 177; ver também Meyer, Syste-matische Philosophie, Paderborn, 1955, t. I, p. 55-57.

252. Enrique B. Pita, Problemas fundamentales de Filosofia, Bs. As., 1952, p. 141.

253. Cario Mazzantini, Filosofia Perenne e Personalitá Filoso-fiche, Roma, 1942, p. 261 y 285.

254. Alexius Usenicnik, Das Unbewuste bei Thomas von Aquin, in Philosophia perennis, Festgabe J. Geyser, Ratisbona, 1930. I, p. 181.

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afirma Kühle, tanto mais se acercará ele de uma filosofia perene.255 Por esse modo, faz notar Marion, é que a filosofia aristotélica, triunfante no século XVII nas universidades ger­mânicas, com certas ampliações, achava-se próxima da filo­sofia perene ideal.256 Mais radical em sua exigência de sis­tema, Vigano contrapõe à inestabilidade da física moderna "Ia stática immobilitá delia filosofia perenne".257

A atitude destes pensadores, que fazem da filosofia pe­rene um sistema definido e ponto de referência e contraste com outras filosofias, é semelhante à de Grócio, Pufendorf, Thomasius e outros, erroneamente chamada "Escola de Di­reito Natural", pois sendo este, simplesmente, "um conheci­mento inato ao homem pelo qual dirige conscientemente seus atos para agir"258, fazem dele um Jus naturále perenne, um sistema acabado de direito, algo assim como um Código que encerrasse, de modo axiomático, todas as leis, toda a moral e todo o direito.259 Esta concepção apriorística, tanto em filo­sofia como em moral ou em direito, é mais imaginária que real, pois não corresponde a nada objetivo.

Mais bem avisado se mostra O. N. Derisi, para quem a filosofia perene não é nenhum sistema definido, acabado, senão uma filosofia que pode e deve crescer incessan­temente?™

255. Henrich Kühle, Die Lehre Alberts Grossen von den Trans-zendentalien, ap. Phil. per., I, p 131.

256. Xakob Marion, Geschichtliche Formen einer philosophia perennis. ap. Divus Thomas, Friburgo de Br. XIII, 1935, p. 311.

257. Mario Vigano, Filosofia perenne e Física Moderna, ap. Studi Filosofici in torno all'Esistenza, Analecta Gregoriana, Roma, 1954, p. 203-4.

258. José Corts Grau, Curso de Derecho Natural, Madrid, 1953, p. 196-2.

259. Cfr. E. Luna Pena, Derecho Natural, Barcelona, 1950, pp. 22, 29. Henrich Rommen, Die ewige Wiederker des Naturecht, Munich, 1947, p. 76.

260. Otávio N. Derisi, Sto. Tomás de Aquino y Ia filosofia actual, Bs. As., 1975, p. 35.

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3. AS FORMAS HISTÓRICAS DA FILOSOFIA PERENE.

São, sem embargo, maioria os que vêem a filosofia pe­rene não como um sistema filosófico entre outros, mas, sim, como aquele movimento filosófico que em constante evolu­ção e progresso, a partir de Pitágoras, Platão e Aristóteles, continua nos Santos Padres e na Escolástica até desembocar na recente Neo-escolástica.

A continuidade do pensamento humano, e a consciên­cia dessa continuidade nos grandes filósofos é indubitável. Declara-o Aristóteles formalmente no livro I da Metafí­sica: "Já estudamos suficientemente as causas, nos livros de Física; agora porém chamamos também em nosso auxí­lio os que nos precederam na investigação do ser e que dis­correram acerca da verdade, pois é óbvio que suas lucubra-ções podem nos ser proveitosas por que nelas encontramos algum novo gênero de causalidade, ou depois de nosso exa­me nos convencemos da exatidão do que mantínhamos".261

Por sua vez Plotino, que começa as Enéadas manifes­tando que seu objeto é explicar o pensamento de Platão, aduz constantemente as doutrinas dos antigos gregos, até o ponto de, no livro V da obra, sua explicação das Hipóstases não passar de um mostruário de todas as opiniões anteriores .— eine doxographische Darstellung — como diz Marion.226

Clemente de Alexandria tem umas palavras que convém exatamente com o conceito de filosofia perene que vimos expondo: "Por filosofia entendo, não a estóica oü a platôni­ca, nem a epicuréia ou a aristotélica, senão tudo aquilo que foi retamente ensinado por cada uma destas escolas. A esta seleção de todas as escolas é o que chamo filosofia".263

261. Metafísica, L. I, c. 3, 9883b, 1-5. 262. Jakob Marion, Geschichtliche Formen einer philosophia

perennis in Divus Thomas, de Friburgo de Br. XIII, 1935, p. 306. 263. Clemente Alejandrino, Strómata, L. I, c. VII, 37.6.

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JOSEF GEYSER Que, pela sua notável contribuição à renovação filosófica na Alemanha,

foi homenageado, pelo seu 60.° aniversário, por seus discípulos,

com a notável coletânea intitulada Philosophia perennis

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A dezoito séculos de distância, embora com diferentes formulações, é essa a característica da filosofia perene em muitos autores modernos, como, v.gr. Salcedo,264 Dávila,265

Donat, que a denomina "attico-patrístico-escolástica".266 Sa-wicki, segundo o qual a filosofia perene recapitula tudo o que de essencial se encerra em cada sistema.267

Em tais condições tem razão Truyol Serra quando afirma que a filosofia perene não pode conceber-se desligada da his­tória da filosofia, "antes é a quinta-essência dessa histó­ria".268 Ocorre, porém, que isso complica sobremaneira o problema de filosofia perene, pela simples razão de que o conceito de filosofia dista muito de ser unívoco, seu nome atribui-se a fatos da mais diversa índole.269

Xavier Zubiri fez um estudo de cinco filósofos represen­tativos na história do pensamento, e como conclusão de seu ensaio se pergunta: "será possível que a coisas tão distintas se chame assim, sem mais, filosofia?"270

Com efeito, a história da filosofia nos oferece o mosaico mais colorido de doutrinas opostas. A antigüidade helênica viu pulularem em seu seio as mais diversas doutrinas. Nos começos prevalece a filosofia natural e cosmológica; a ela sucede uma filosofia cultural com os sofistas e uma orienta­ção mais humana e ética com Sócrates, a qual é amplamente sobrepujada pelos dois luminares do mundo filosófico: Pla­tão e Aristóteles, cujo prestígio é por sua vez deslocado pelo epicurismo e, sobretudo, pelo estoicismo greco-romano e, mais tarde, pelo neo-platonismo alexandrino.

264. Leovigildo Salcedo, Phil. Scholasticae Summa, BAC, Ma-drid, 1964, I, p. 25-26.

265. Júlio Dávila, Introd. ad Phil. et Lógica, Méjico, 1945, p. 113.

266. Jos. Donat, Lógica, Insbruck, 1931, p. 24. 267. Franz Sawicki. Die Geschichts philosophie ais. Ph. per., ap.

Festgabe Jos. Geyser, I, p. 513. 268. Antônio Truyol Serra, La situación filosófica actual y Ia

idea de Ia Filosofia perenne, Murcia, 1948, p. 22. 269. G. Dilthey, La esencia de Ia Filosofia, Bs. As., 1944, p. 120. 270. Xavier Zubiri. Cinco lecciones de Filosofia, Madrid, 1963,

p. 9.

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Os Santos Padres — se excetuarmos Santo Agostinho — não criaram uma filosofia cristã, tão somente acrescen­taram-lhe materiais, servindo-se especialmente do neo-plato-nismo. A filosofia árabe e a judia renovam as escolas helê-nicas com suas perpétuas divisões. A Idade Média cristã vê multiplicar em suas escolas um sem número de teorias filosóficas, nem sempre ortodoxas na fé cristã.

Nos tempos modernos a anarquia filosófica é a tônica dominante. Vale mencionar a multidão de sistemas e escolas. Se, dos antigos filósofos dizia Leão XIII, na Aeterni Pa-íris,2,71 que "mesmo os mais sábios erraram gravemente em muitas coisas", os modernos aumentaram em incríveis pro­porções os erros dos antigos.

Ora, sob tão diversas e opostas roupagens, como reco­nhecer os princípios essenciais de uma filosofia em evolução ou de uma filosofia perene? "Se a verdade é una e o erro múltiplo, parece incompatível a verdade com a multiplici­dade das filosofias".272

Muitos autores usam indiferentemente: filosofia cristã, filosofia escolástica, filosofia tomista, filosofia platônico-aris-totélica, filosofia clássica, como equivalente à filosofia pere­ne. Outros ainda restringem, ou pelo contrário, usam de um modo ainda mais indeterminado essa denominação: "Nas tra­dições peripatéticas se reconhece o núcleo de cristalização de uma philosophia perennis, abrangendo em sua continuidade unificadora os mais afastados períodos da história".273 Para Urban "the magnificent metaphisical and theological struc-ture, the philosophia perennis which constitutes European phüosophy".2™

271. ASS 12 (1879), 104, Col. completa de Encíclicas Ponti­fícias, Buenos Aires, 1963, I, 236, n.° 8.

272. Manuel Mindán, Filosofia y Verdad, ap. Actas do 1° congr. Nac. de Fil., Braga, 1955, p. 60.

273. J. A. Endres, Einleitung, etc. p. 37. 274. Wilbur M. Urban, Axiology, Twentieth Century Philoso-

phy, N. York, Philosophical Library, 1943, p. 71.

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XAVIER ZUBIRI Depois de Amor Ruibal,

o mais original filosofo da Espanha contemporânea

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Outros muitos identificam a filosofia escolástica, "the best synthesis that man has been able to achieve", com a filo­sofia perene em sua forma mais amadurecida.275 Isto mesmo defendia com ardor, em polêmica com Menéndez Pelayo, Ale­xandre Pidal y Mon, para quem "Ia philosophia perennis, Ia única verdadera e única completa" seria a escolástica, espe­cialmente em sua versão da escola espanhola renascentista iniciada por Francisco de Vitória.276 Menéndez Pelayo retru­ca-lhe, negando que para Leibniz a filosofia perene fosse a escolástica e na ocasião esboça uma noção daquela: "Para Leibniz Ia filosofia perene era tan solo ei conjunto de aquel-los princípios fundamentales e inmutables, leyes comunes a toda inteligência y que más o menos, yacen en ei fondo de todo sistema no panteista".277

Mazzantini alarga o conceito de filosofia perene de modo a não ver nela sistema algum determinado senão quaisquer "motivos eternos de verdade" que em toda filosofia, a mo­derna inclusive, se encontram.278

4. EQUIVALÊNCIA DE FILOSOFIA PERENE E FILOSOFIA CRISTÃ?

Hoje o mais freqüente é identificar filosofia perene e filo­sofia cristã. Talvez, por isso, afora os filósofos cristãos, sejam poucos, muitos poucos, segundo frisa Hirschberger, os que se professam hoje declarados seguidores da filosofia perene.279

Fugindo da antinomia que para a filosofia perene re­presenta -essa multiplicidade secular de filosofias, muitos au-

275. Paul T. Glenn, An Introduction to Philosophy, St, Louis, Herder, 1945, p. 93.

276. Dois artigos de A. Pidal, em M. Menéndez Pelayo, La ciência espanola, Edic. Nacional de Obras completas, Madrid C.S.I. 1953, t. I, p. 294.

277. Cienci. esp., t. I, p. 307-8. 278. Cario Mazzantini, Filosofia perenne e personalitá filoso-

fiche, Padua, Cedam, 1942, p. V. 279. Johannes Hirschberger, Historia de Ia Filosofia, trad. esp.,

Barcelona, Herder, 1956, t. II, p. 334.

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tores modernos renunciam à universalidade no tempo e aco­lhem a "filosofia cristã" como única que corresponderia às exigências de tal filosofia perene.

Ocorre sem embargo que, enquanto para alguns, ne­nhuma filosofia "pourra jamais se qualifier de chrétienne",280

ou para outros como Mercier, Sentroul, Van Steenbergher, Mandonnet, etc, fica reduzida essa qualidade a uma pura denominação extrínseca e negativa, há, pelo contrário, aque­les que, como Blondel, estabelecem tal afinidade e parentes­co entre filosofia e cristianismo que este vem a ser a "chave de abóbada" de toda a filosofia autêntica, coisa a qualquer luz destinada, pois se fosse assim, não haveria filosofia fora dó cristianismo.281 Schwartz fala-nos também da estreita liga­ção do cristianismo com a filosofia perene pois esta se acha "mit dem Christentum in organische Verbindung".282

Não muito distante de Blondel situa-se o pensamento de Maritain,283 para quem a filosofia perene, já antes de Aris­tóteles e de São Tomás, existia em sua raiz, "em estado pré-filosófico, como instinto da inteligência e como conhecimen­to natural". Será que a isto se pode chamar filosofia?

Mas, sem chegar a esses extremos, são muitos hoje os que postulam essa filosofia cristã, que, v.gr. para Willmann, é a chave que nos faz compreender a continuidade da filo­sofia perene.284. Suarez parece haver sido o primeiro a apli­car aquele apelativo quando, no Prefácio da Metafísica, de­clara jamais perder de vista que a filosofia tem que ser cristã — nostram philosophiam debere christianam esse.285

280. Roger Mehl, La Condition du Philosophe Chrétien, Paris, 1947, p. 162.

281. Maurice Blondel, La Philosophie et VEsprit Chrétien, Paris, 1950, II, p. 258.

282. B. Schwartz, Ewige Philosophie, Leipzig, 1937, p. 97. 283. J. Maritain, Introd. general a Ia FiL, Buenos Aires, 1944,

e De Ia Phil. Chrétienne, Paris, 1933. 284. Otto Willmann, Aus der Werkstatt der Phil. per., Friburgo,

1912, p. 50. 285. Fr. Suarez, Disput. Metafisicae, ed. bilingüe, Madrid, Gre-

dos, I, p. 17.

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As controvérsias a que deu lugar e a diversidade de opi­niões mostram-nos "quão equívoco é o conceito de "filoso­fia cristã".286 Nossa conclusão é que, sendo a filosofia uma ciência racional, cujos elementos lhe são subministrados pelo exercício das faculdades humanas naturais, e não pela intro­dução de dados novos de base gnoseológica transcendente, derivados da Revelação; e como, por outra parte, a filosofia existiu antes de Cristo e coexiste com o cristianismo nos povos não cristianizados, em rigor e formalmente, não pode denominar-se "cristã"; tão só é lícito atribuir-lhe esse ape­lativo como denominação extrínseca e adjetiva,287 não pura­mente negativa.

A noção de filosofia cristã, tomada em sua generalidade, é de grande amplidão e, embora seja clara em si mesma, não é fácil precisar-lhe os contornos, pois abarca grande nú­mero de sistemas e correntes doutrinárias as mais diversas.

Num sentido muito restrito, enquanto significasse a coin­cidência do pensamento especulativo com o cristão naquelas questões que se relacionam com o dogma, a identificação com a filosofia perene viria a ser para um cristão uma tautolo-gia, pois para ele é evidente que, o que está em concordância com a fé, goza da mesma perenidade que esta.

Acontece, sem embargo, que em filosofia, por muito im­portantes que elas sejam, é muito reduzido o número das que guardam intrínseca relação com os dogmas. No vasto campo filosófico há inúmeros problemas e explicações siste­máticas puramente racionais de livre discussão humana.

286. Cf. Truyol Serra, op. cit., p. 13. 287. Com rigor e precisão expressa-se sobre isto Ramirez: "Cum

ergo appellativum, christiana, non sit formale neque essentiale, ne­cessário debet esse accidentale in sensu stricto, id est quintum prae-dicabile, quod potest adesse vel abesse salva rei essentia." Jacobús M. Ramirez, De ipsa philosophia in seipsa. Opera omnia, Madrid, C. S. I. C, 1979, t. I, p. 832. Também Roig Gironella observa que o fator "extrínseco" cristão não afeta a essência da filosofia como tal. J. Roig Gironella, Curso de cuestiones filosóficas, Barcelona, 1963, p. VIII.

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Como, porém, a perfeita delimitação de umas e outras seja coisa sumamente árdua e por outra parte o filósofo cris­tão ou não, deva de todas se ocupar, aparece logo a grave dificuldade em definir, com precisão, quais as filosofias que podem com verdade designar-se cristãs. Daí as discussões há vários anos suscitadas sobre o conceito de filosofia cristã.

Na Introdução de sua obra filosófica monumental, define Urráburu o que ele entendia por philosophia christiana: "é aquela que tendo presentes as verdades reveladas, nada de­fende que seja a elas oposto, e que, prescindindo das que são superiores às luzes da razão, trata de todas as outras sob as luzes da reta razão".288 Anos depois, publicava Del Prado uma obra que causou profunda impressão nos meios escolas-ticos e em cujo título já incluía a denominação de cristã: De veritate fundamentali philosophiae christianae. Nesta obra, Del Prado dá com audácia um passo mais para a fren­te: a filosofia de São Tomás é denominada com justiça filo­sofia cristã e ela "est vere philosophia perennis".289 Nas con­trovérsias de anos posteriores, suscitadas na França sobre a possibilidade e conceito de filosofia cristã, Gilson, que no começo a definia, apenas, como norma negativa: "Ia philo-sophie qui accepte Paction régulatrice du dogme chrétien",290

acabou esposando o pensamento de Del Prado. O seu recente libreto Introduction a Ia philosophie chrétienne é, apenas e exclusivamente, uma exposição dos pontos capitais da filo­sofia tomística.

Uma tal limitação do horizonte da filosofia cristã é, evi­dentemente, inaceitável e fora da ordem dominicana são pou-

288. J. J. Urráburu, Institutiones Philosophicae, Valladolid, 1890, vol. I, n.° 51.

289. N. Del Prado, De veritate fundamentali . . . , Friburgo de Suiça, 1911, p. XIX.

290. Em La Philosophie Chrétienne, da Société Thomiste, Le Saulchoir, 1933, p. 64. Ver sobre essas controvérsias: L. Balliolo, El problema de Ia filosofia cristiana (Barcelona, 1961) e J. Iriarte, La controvérsia sobre Ia noción de filosofia cristiana, em Pensamiento I, 1945, p. 7-29.

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cos os que mantêm rigidamente essa orientação. Com toda verdade já afirmava Menéndez Pelayo que "Ia verdad total, no Ia ha alcanzado ei tomismo, ni ninguna filosofia, como tal filosofia".291

Se desse modo restringirmos a filosofia cristã, onde fica­rão tantos autores e filosofias de alma profundamente cristã e que, sem embargo, não pertenceram nunca à escola tomista, nem mesmo ao escolasticismo? Neste caso se acha a patrís-tica e particularmente Santo Agostinho; a escola franciscana que tão variadas formas reveste em seus grandes pensado­res: A. de Hales, São Boaventura, R. Bacon, Escoto, Raimun­do Lúlio, Ockam; a escola carmelitana e a moderna agosti-niana; pensadores independentes como Santo Anselmo, Ar­naldo de Villanova, Luiz Vivas, Nicolás de Cusa, Balmes e, em nossos dias, Zaragüeta, Hessen, etc e o grande, incomen-surável, Amor Ruibal.292

É em vão que homem tão inteligente como Ramirez, exorbitando o alcance das normas disciplinares da Igreja sobre o ensino da filosofia úd mentem Angelici dòctoris, empregue as páginas todas de um livro para tentar levar-nos à convic­ção de que no tomismo se encerra a verdade integral da filo­sofia cristã e deve ser por todos integralmente aceita, assim na doutrina como no método e sistematização.293 Não, a Igreja não canonizou nem canonizará jamais as doutrinas filosóficas de nenhum doutor particular.

Por isso não podemos, sem mais, admitir como certo que filosofia cristã, filosofia tomista e filosofia perene se eqüivalem.

Com a brilhante renovação da filosofia medieval, que se seguiu às incitações de Leão XIII, não faltaram os que intentam equiparar a neoescolástica, ou sua mais perfeita

29L Cienc. esp. I, p. 307. 292. Ver Pelayo Zamayon, La filosofia franciscana, in Estúdios

Franciscanos, 49, 1948, p. 177-178. 293. S. Ramirez, De auctoritate doctrinali S. Thomas Aquinaüs,

Salmanticae, 1952.

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expressão, o tomismo, à filosofia perene. Valha como exem­plo disso, entre muitos outros, o de E. Pita, segundo o qual a filosofia de São Tomás não em vão se chama filosofia perene e por conseguinte poderia ser designada absolutamen­te com o nome de "filosofia". Esta redução da filosofia pe­rene a um só e único sistema multiplica as dificuldades que já de si encerra seu conceito.294

Com efeito, mesmo supostas como inegáveis muitas coin­cidências da que se convencionou em chamar de filosofia perene com o escolasticismo e com sua máxima expressão, o tomismo, não é admissível identificá-la com toda a cons­trução sistemática de uma filosofia determinada. Faz-se ne­cessário distinguir a doutrina em si, considerada objetivamen­te, do esquema ou estrutura sistemática em que se pretende encaixar a filosofia perene e que, evidentemente, destruiria seu próprio conceito ao integrá-la numa sistematização com elementos sem dúvida contingentes e muitos deles sempre submetidos à discussão.

O egrégio filósofo e nos tempos modernos, facile prin-ceps thomistarum, Santiago Ramirez é, nesta matéria, muito mais circunspecto: "Nunca tive Tomás, diz, por infalível nem insuperável, nem muito menos que a revelação filosófica tenha sido definitivamente dose à Ia mort de Saint Thomas" (Ver Steenberghen).295 Essa restrição não diminui em nada a grandeza de São Tomás nem obsta de maneira alguma à sua qualidade de "Príncipe e Mestre de todos os doutores escolásticos, cujos ensinamentos ele "in unum collegit et coagmentavit, miro ordine disgessit et magnis incremen-tis adauxit".206

De todo o exposto podemos inferir logicamente que o núcleo de verdades, patrimônio comum do gênero humano e

294. Enrique B. Pita, Problemas fundamentales de Filosofia, Buenos Aires, 1952.

295. Ramirez, Op. cit., p. 852. 296. Leão XIII, Aet. Patris, AAS XII, 1879, p. 108, (na «dição

de Eneíclicas argentinas, cit. I, p. 238).

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que denominamos filosofia perene não se acha condicionado a particulares e limitadíssimas estruturas sistemáticas posto que, como diz Menéndez Pelayo: "a verdade total nem a al­cançou o tomismo nem filosofia alguma como tal filosofia".287

Por isso a nosso parecer esta é a melhor maneira de entender o verdadeiro sentido da expressão filosofia perene e sua íntima e evidente relação que se estabelece com a filo­sofia cristã; pois se o cristianismo é autônomo e indepen­dente de toda organização filosófica sistemática; se por con­seguinte a chamada filosofia cristã não encontra seu equi­valente adequado ao agostinismo nem no tomismo nem em nenhuma outra forma de escolasticismo, dela ficaremos tão só com os grandes e vitais pensamentos e orientações, sem a ganga de qualquer sistema, sempre discutível.

Cabe, agora, perguntar: se pois a filosofia perene não é um sistema de filosofia nem tampouco é identificável com nenhum outro existente, que pensar dela? Em que categoria do ser situá-la? É, por ventura, um ente de razão? Sim e não. Se por filosofia perene entendemos uma pura ficção com remoto fundamento na realidade respondemos; não, isso não corresponde ao que se chama filosofia perene. Mas, se por tal entendemos um ente ideal com próximo e imediato funda­mento na realidade, como se dá em qualquer gênero de ente abstrato, então, sim, é possível tal atribuição, pois de fato a filosofia perene pretende ser a quinta-essência da grande tradição filosófica do Ocidente, algo assim como os pronun-ciata maiora da filosofia, em coincidência harmoniosa com as verdades cristãs.

A filosofia perene não corresponde, não tem equivalen­te adequado, a nenhum sistema isolado. Os sistemas filosó­ficos considerados como explicações totais da universalidade do ser, sem lacunas nem resíduos, são o apanágio da filosofia moderna; eles surgem e proliferam nas correntes da filoso­fia imanentista e subjetivista. O pensador isola-se, faz de

297. Ciência espanola, Edic. Nacional, 1963, I, p. 307.

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conta que nada nem ninguém mais existe no mundo para compartilhar sua angústia metafísica. Busca, então, com ânsia, em si mesmo, o fato, a idéia transcendental que intui como mágico descobrimento e dela, constituída eixo central de to­do seu pensamento, vai formando e estruturando um sistema mais ou menos original, em que intenta dar-nos a explicação total do real.

Os grandes pensadores da antigüidade e da Idade Média não construíram sistemas nesse sentido totalitário. Cencillo, num belo estudo recente, salienta o fato de que o próprio sistema aristotélico não foi obra do Estagirita e, sim, dos seus imediatos compiladores.298

São Tomás não elaborou nenhum sistema filosófico. O tomismo como sistema teológico é obra dos tomistas espa­nhóis do século XVI; bem como sua construção arquitetô­nica filosófica, na atualidade, à base da distinção da essên­cia e existência nas criaturas como "verdade fundamental" de todo o edifício, partiu de uma idéia do Card. Zeferino González, desenvolvida por Del Prado na obra citada.299

Nicolás Hartmann estabelece uma divisão dicotômica na história da filosofias história dos sistemas e história dos pro­blemas. Se da história passamos à ordem doutrinária pode­mos, de modo análogo, considerar o orbe especulativo situa­do em dois planos: o dos problemas e o das soluções. Os problemas ou enunciados primários e simples das grandes questões humanas que a experiência natural sensível e a inteligência de cada homem manifestam com certeza,- sem ulterior reflexão,300 e as soluções que ao especular sobre ditos problemas ou verdades formula o pensador na inten-

298. Luiz Cencillo, Experiência profunda dei ser, Biblioteca Hispânica de Filosofia, Madrid. Gredos, 1959. p. 32.

299. Del Prado, op. cit., p. 196. 300. Surpreende a irreflexiva afirmação de Ortega y Gasset,

em sua juventude, "a verdade só pode existir sob a figura de um sistema", Obras completas, Madrid, 1950, t. I, p. 430-440 e p. 114, afirmação que Maeztu então refutou (cfr. Eugênio Vegas Latapie, Semblanza de Ramiro de Maeztu, ap. Verbo 173, 1979, p. 308-9).

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FRANCISCO SUAREZ O maior sistematisador da

metafísica da filosofia perene

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ção de explicá-los e que originam o pluralismo filosófico com suas seqüelas de antinomias, paralogismos e contradições; essa distinção de planos faz possível, como quer Mindãn, manter "o valor absoluto das verdades, mesmo admitindo a diversidade das filosofias".301

•Parece-me, pois, ser perfeitamente aceitável falar de perenidade do tomismo, do platonismo, etc, como faz Mons. Derisi.302 Porém não é igualmente aceitável dizer filosofia PERENE, pois esta denominação é tão só algo convencional e cômodo para designá-la quando com ela queremos, unica­mente, significar "aqueles grandes temas da filosofia cris­tã",303 comuns a todos os sistemas mais importantes, mesmo sabendo-se que entre eles reinam oposições totalmente incon­ciliáveis.

Os escolásticos medievais estudaram as questões filosófi­cas, ora em forma de comentários a obras antigas, ora em fun­ção da exposição de matérias teológicas, sem que nunca lhes ocorresse escrever um tratado sistemático de âmbito completo da filosofia. Assim, eles aproveitaram quantos elementos acha­vam aceitáveis ao seu fim, "rara vez o ninguna, frisa Cen-cillo,304 se encuentra en estos autores excluída por razones sistemáticas alguna orientación o sugerencia valiosa em si! Es Ia suya una filosofia internacional e intemporal, en Ia que se vive y se respira Ia historia con una flexibilidad y un espíritu acogedor que nunca se ha vuelto a repetir".

Suárez inaugura, com sua grande Metafísica, os tratados filosóficos em que se intenta já dar uma contextura sistemá­tica a toda a filosofia, por isso, seu labor, em vez de se concentrar na adaptação e acomodação de elementos, vindos das mais diversas fontes doutrinárias, consistirá no exame

301. Manuel Mindán, Filosofia y Verdad, ap. Actas do 1 Congr. Nac. de Fil., Braga, 1955, p. 63.

302. Octavio N. Derisi. Sto. Tomás y Ia Filosofia actual, Buenos Aires, 1975, p. 19 y s.

303. Alois Dempf, Chriatiiche Philosophie, Bonn, 1938, p. 14. 304. Op. cit., p. 33.

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crítico e no expurgo ou exclusão de muitos materiais que verificava incompatíveis com sua construção sistemática.

Este expurgo, ou diríamos, limpeza de elementos estra­nhos, com freqüência incompatíveis com as linhas mestras de uma philosophia perennis será levado ao máximo rigor e com incomparável e jamais igualada competência e força lógica por Amor Ruibal.305

Claro está que a sistematização escolástica pouco tem a ver com o construtivismo e espírito sistemático dos mo­dernos, tão eficazmente fustigado por N. Hartmann.306 A elaboração suareziana é aberta. Ela veio desenvolvendo-se durante toda a Idade Média e continuou nos pósteros, per­filando e ampliando sempre mais suas linhas.

Deixando, pois, de lado a impossível equiparação de nenhum sistema imenentista dos modernos com a filosofia perene, repito que, nem tampouco corresponde ela integral­mente a nenhuma das correntes do escolasticismo medieval, nem eqüivale à filosofia tomista como pretendem alguns neo-escolásticos.

Não é que neguemos as muitas coincidências do esco­lasticismo com o que entendemos comumente por filosofia perene. Não, essas coincidências entre o escolasticismo ou sua mais perfeita expressão, o tomismo, e a filosofia perene são evidentes e inegáveis.

O que sim, negamos, é que possa tomar-se como expres­são exata da doutrina de uma escola ou pensador, v.g., do tomismo, toda a construção sistemática arquitetada para ex­plicar as doutrinas. Torna-se indispensável distinguir entre

305. Em suas obras principais: Problemas fundamentales de Ia Filologia comparada, 2 vis. e Problemas fundamentales de Ia-Filo­sofia y dei Dogma, 6 vis. publicados pelo autor e outros 4 póstumos. Os seis primeiros estão consagrados ao exame crítico-histórico de quase toda a problemática da filosofia perene; nos quatro póstumos vêm expostas as teorias do autor.

306. Vide: Francisco Romero, Filosofia contemporânea,, 3.a ed., Buenos Aires, 1953, p. 9-24.

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a doutrina em si, considerada objetivamente, e o esquema ou estrutura sistemática em que se trata de encaixá-la, ou com que se intenta explicá-la.

Exemplifiquemos: sem dúvida, pertence ao patrimônio de toda filosofia humana, digna deste nome, a admissão da existência do indivíduo subsistente e incomunicável e, entre­tanto, ninguém se atreveria a afirmar que a explicação do modo como se constituiu a individualidade, o chamado prin­cípio de individualização aristotélico-tomista, seja uma verda­de indiscutível do espírito humano.

Uma coisa é admitir, contra o dualismo ontológico pan-teísta de Aristóteles, o dualismo criacionista cristão; e, outra bem diferente, é sustentar que, para explicar a participação criada e manter a essencial, radical e irredutível distância do Criador à criatura, seja preciso admitir com o tomismo a composição real de ato e potência ou de essência e existência nas criaturas em vez de sustentar com Suárez, que todo ato existente, fora do Ser Divino, é limitado e finito, intrinseca-mente, pela sua própria natureza, como participada que é do Ser por essência. Como tampouco é necessário recorrer ao hilemorfismo para explicar a composição e multiplicação nu­mérica dos seres corpóreos.

É doutrina comumente aceita por todas as escolas rea­listas e que, por conseguinte, podemos incluir no acervo da filosofia perene a objetividade ou seja a correspondência do objeto com o sujeito cognoscitivo; entretanto, que essa rela­ção de correspondência se origine com a interposição do chamado, pela Escola, entendimento agente e as espécies impressas, é discutível e dista muito de ser uma verdade básica da filosofia.

Queremos com estes esclarecimentos pôr de manifesto que o núcleo de verdades, patrimônio comum do gênero hu­mano, que denominamos filosofia perene, não está condicio­nado a particulares e limitadíssimas estruturas sistemáticas.

Eis, pois, a nosso ver, a melhor maneira de atender o verdadeiro sentido da expressão filosofia perene, e sua ínti-

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ma e evidente relação com a filosofia cristã; pois se o cris­tianismo é autônomo e independente de toda organização filosófica sistemática; se, por conseguinte, a chamada filosofia cristã, não acha seu equivalente adequado no agostinismo, nem no tomismo, nem em nenhuma outra forma de escolas-ticismo; dessa filosofia cristã, ficaremos, apenas, com seus grandes e vitais pensamentos e orientações, sem a ganga de sistema nenhum, sempre discutível.

É, assim, que poderemos captar a maravilhosa coinci­dência e harmonia que reina entre as pronunciata maiora da filosofia perene e as verdades cristãs que mais particular­mente se referem e afetam as condições da vida humana.

Acho que nas discussões sobre a legitimidade e signifi­cação da filosofia cristã, entra certa dose de bizantinismo ou de equívoco por não se delimitar precisamente, com exação, o sentido das palavras. É claro que se a palavra filosofia for tomada no sentido formal, isto é, como ciência ou especula­ção puramente racional sobre as realidades todas do universo, não pode existir a filosofia cristã, como analogamente não pode existir filosofia alemã, francesa ou brasileira.

Se, porém, nos trasladarmos aos domínios da história e considerarmos os elementos que entram na filosofia, os moti­vos e causas que influíram no seu desenvolvimento, a assi­milação de problemas e soluções que provocados, suscitados ou vindos de qualquer procedência, a razão humana tomou como objeto de sua especulação, os converteu em substância própria e com eles dilatou, perfilou e firmou mais solida-mente sua segurança nas matérias que lhe são próprias; neste caso, é absolutamente inegável a existência de uma filosofia profundamente influenciada pelo cristianismo, ou melhor, pode-se afirmar que depois de Cristo a filosofia toda sofreu em suas orientações e soluções uma transformação tão pro­funda, que a própria filosofia moderna, tão divorciada que se acha da medieval, no que de mais positivo encerra é de­rivação dalgumas instituições cristãs desgalhadas do seu com­plexo orgânico.

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Podemos concluir, pois, que, no sentido histórico indi­cado a filosofia perene contém mesmo um núcleo importan­tíssimo de verdades racionais, que são também por sua vez, verdades cristãs.

5. PRINCÍPIOS PRIMÁRIOS DO CONHECIMENTO EM ARISTÓTELES E EM SÃO TOMÁS.

Breve mirada retrospectiva esclarecerá o ponto aonde queremos chegar.

Aristóteles estabelece que todo o saber por demonstra­ção deve partir de "princípios verdadeiros, primários, ime­diatos, mais notórios que a conclusão e que em relação a esta sejam como a causa para o efeito";307 tais princípios são simples e de imediata evidência. Para o Estagirita é axiomáti-co que todos os conhecimentos adquiridos racionalmente deri­vam de outros conhecimentos anteriores —

.308 Com as palavras citadas começa sua obra Analíticos posteriores e prosseguindo em seu pensa­mento afirma mais adiante,309 como coisa indubitável, que em nossa função cognoscitiva, ao lado do saber científico, existe sua fonte originária, constituída por essas verdades primárias.

Este conceito dos primeiros princípios simples e inde-monstráveis, ponto de partida do conhecimento racional, fá--lo seu São Tomás e transmite-o ao escolasticismo: "Existem, diz, naturalmente em nosso entendimento certos princípios simples, evidentes para todos — omnibus noti.510 Esses prin­cípios são primae concepciones intellectus511 e seguindo ao Estagirita declara que os termos com que esses conceitos se expressam são a todos per se noti.512

307. Post. Anal. 71b, 21-24. 308. Ibid. 71a. 309. Ibid., 72b, 24. 310. S. Thomas, Quodlibeto VHI, 92a., 2. 311. De veritate, 9, 11 a. 1. 312. In Post. Anca. L. I, lectio V. 7; (na edição Leonina, I. p.

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Mas ao lado desses primeiros conceitos simples, todos eles analíticos, dão-se outros primeiros princípios complexos judicativos, não tão evidentes, que constituem o princípio e o fundamento de toda atuação racional e científica.313

O exposto é doutrina comum aristotético-escolástica, que sintetizamos no seguinte enunciado: Há em nós, naturalmen­te, numa fase pré-filosófica, conceitos primários, simples, evidentes, sobre os quais atua o dinamismo próprio da inte­ligência, para toda ulterior construção científica.

Isto nos leva como pela mão a fazer referência aos prin­cípios e verdades primárias que Amor Ruibal, embora em contexto totalmente diferente, expõe como preliminar de sua construção filosófica.

6. CONHECIMENTO DE NATUREZA E CONHECIMENTO DE PESSOA EM AMOR RUIBAL.

Duas são as fontes gerais e originárias de todo o conhe­cer humano: o conhecimento de natureza e o conhecimento de indivíduo.

"O modo de conhecer por natureza, ou seja por relati­vidade primária do sujeito e do objeto, é absoluto e comum a todos os seres cognoscentes de igual categoria".314 Este modo de conhecer subministra o material e precede sempre ao conhecer individual. "Como indivíduo entra o homem no exercício da atividade própria, sobre a base da natu­reza".315

O conhecimento de natureza "nos dá os fatores primá­rios do sujeito, do objeto e da distinção entre objeto e su­jeito". Porém, esses fundamentos não são idéias, são tão

313. De vert. q. 11, a, 1, Cfr. Ricardo Marimon, El concepto dei ser . . . ap. Estúdios Filosóficos, XXVII, 1978, p. 127-135.

314. Angel Amor Ruibal, Problemas fundamentales de Ia Filo­sofia y dei Dogma, Santiago, 1934, VIII, n.° 332, p. 227.

315. Op. cit. VIII, n.° 327, p, 225.

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somente simples noções.316 Elas "constituem a base de todo humano discurso",317 e o filósofo há de reflexionar e ela­borar suas concepções assimilando essas noções de natureza e convertendo-as em noções da pessoa humana. As verdades primeiras "por seu caráter de necessidade, universalidade e evidência em relação às demais, nós as denominamos prin­cípios em cuja constituição entram as noções"?18

Munoz Delgado, no mais agudo e penetrante trabalho de quantos se hão escrito sobre o genial filósofo composte-lano, dá-nos, à maneira de princípios, algumas conclusões da doutrina do Mestre que se coadunam perfeitamente com nosso próprio pensamento sobre o assunto. "Na história da filosofia temos de distinguir cuidadosamente o conhecer de natureza, comum a toda a humanidade e o conhecer pessoal de elaboração, que deve apoiar-se sempre sobre o de natu­reza sem jamais negá-la ou deformá-la". E adverte em outra conclusão: "Todo sistema deve tomar como ponto de par­tida a zona nocional e nunca deverá confundi-la com as ela­borações construídas sobre essa fase, nem muito menos con-tradizê-la, negá-la ou deformá-la".319

Pois bem, no conhecimento pessoal que sobre a base nocional se elabora, está incluída a variedade infinita de escolas e sistemas que divergem totó coelo em suas ideolo­gias, e que de modo algum podem constituir a filosofia perene.

316. Op. cit. VIII, n.° 333, p. 228. A noção em Amor Ruibal é elemento básico de toda construção filosófica. Importa uma nova concepção da estrutura do universo e do cognoscente e uma nova atitute filosófica: "talvez, diz Ferro Couselo, das mais radicais desde os grandes sistemas filosóficos gregos". Noción y idea según Amor Ruibal, ap. A. Amor Ruibal en Ia actualidad (X sem. Esp. de Fil.), Madrid, C. S. J. C, 1973, p. 99. Ver também ampla explanação em J. L. Rojo Seijas, Diephilosophischen Notionem bei dem spanischen Philosophen Angel Amor Ruibal (1869-1930), Münster, 1972, prin­cipalmente as páginas 11-12, 85-94.

317. Op. cit., IX, n." 3, p. 5. 318. Ibid., IX, n.° 4-5, p. 6. 319. Vicente Munoz Delgado, Interpretación amor-ruibalista de

Ia historia de Ia filosofia, ap. Estúdios, Madrid, XXV, 1969, p. 44 y 49.

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7. ASPECTOS NEGATIVOS DAS FILOSOFIAS DA HORA.

A confusão ora reinante, assim no mundo do pensa­mento como também na esfera política e social, prende-se, substancialmente, ao abandono pela filosofia moderna do complexo doutrinário representado pela filosofia perene.

Com efeito, as filosofias da hora rejeitaram, geralmente, suas relações de fraternidade com a filosofia cristã e se ne­garam a aceitá-la mesmo como norma negativa. Com que resultados?

O mundo atravessa, hoje, uma crise profunda e univer­sal. Leva em seu seio elementos heterogêneos e opostos, que determinam em suas entranhas grandes movimentos de fer­mentação, movimentos que se revelam ao exterior por amea­çadores sintomas e convulsões terríveis. Ao lado do princípio cristão e dos elementos evangélicos que lhe dão força e vida, mas que são agora quase esquecidos, descobrem-se nele idéias materialistas, organizações formidáveis propulsoras do ateís-mo, rebelião completa da ciência e dos homens contra Deus, ao qual pretende-se jogar fora do mundo e da sociedade.

No espaço de uma só geração duas grandes conflagra­ções assolaram nosso mundo e agora o espectro do materia-lismo ateu, negador de todos os valores da civilização oci­dental, ameaça mergulhar o mundo em sangue humano e reduzir a humanidade a formas de escravidão tão cruéis como ainda não conheceu a história.

Não se pense, sem embargo, que é o comunismo o causante das grandes perturbações e da situação caótica do mundo; antes ele é sintoma, ou se se quiser, revulsivo, de uma sociedade que perdeu toda convicção e toda fé nos gran­des valores humanos; que conduzida pelo magistério das filosofias dominantes levou ao extremo o relativismo sola­pando, deste modo, os fundamentos do estado, da família, da religião e de toda sociedade. As guerras e o comunismo não foram causa, senão efeito da prévia ruína- moral e religiosa

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dos povos. O reativo vermelho, ao contato com a situação caótica reinante provoca e "presta dimensiones apocalípti­cas, por nuestro atroz desvalimiento moral, ai atentado co­munista".320

Ortega y Gasset reconhecia paladinamente, em 1949, que na Europa — diga-se, no Ocidente — "faltam princípios de convivência que sean vigentes y a que quepa recurrir".321

São os próprios adeptos das filosofias da hora os que se sentem cada vez mais descrentes da razão humana e que, pe­rante a insegurança e diversidade de opiniões contraditórias, fazem surgir no seio dos povos angustiosas indagações: "para onde nos conduz a filosofia?" 322

1 De tal modo a confusão reina e os costumes se corrom­pem, que o Cristianismo enfrenta, hoje, um mundo que, ainda com a melhor boa vontade, dificilmente, diz um historiador contemporâneo, "se pode mais denominar cristão".323

Não temos por que nos surpreender perante estas con­seqüências pois elas se contêm na mesma lógica interna das filosofias da hora em seu conjunto. Todas elas seguem, mais ou menos de perto, o subjetivismo e relativismo kantiano que constitui o viveiro quase único do pensamento indepen­dente. Se, pois, o kantismo cai, ruem com ele pela base as filosofias da hora. E de fato a filosofia de Kant é falsa e contraditória. Com efeito, o kantismo — como aliás, todas as doutrinas subjetivistas, adoece de flagrante contradição inicial que de tudo o invalida. Por que, se para Kant o pro­blema do saber é o de achar verdades de valor universal e necessário, como poderemos achá-las nas formas a priori que necessariamente hão de ser subjetivas e, portanto, contingen-

320. J. Corts Grau, Estúdios filosóficos y literários, Biblioteca dei Pensamiento actual, Madrid, Rialp, 1945, p. 22.

321. Meditación de Europa, p. 100. 322. Whither philosophy is now leading us? Albert E. Avey,

Whiter Philosophy?, Perspectives in Philosophy, ed. by The Ohio S. University, 1953, p. 20.

323. Wilhelm Schubart, Christentum und Abendland, Munique, 1947, p. 395.

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tes e mutáveis? Ou essas formas têm um valor puramente subjetivo, sem que jamais se possa delas pedir que funda­mentem uma ciência que transcenda também o sujeito que as concebe, tornando-se assim ineficazes para estabelecer as bases de uma construção científica com valor universal; ou essas formas se pretende que sejam comuns a toda a huma­nidade e nesse caso fica negada e aniquilada a mesma base crítica do kantismo por que havendo afirmado que das coi­sas em si nada pode dizer-nos o entendimento, pois a ativi­dade deste só tem valor na ordem fenomênica; vem logo a admitir a existência do nóumeno, alma humana e da humani­dade composta de outros muitos espíritos idênticos, e tudo isto pressupõe também o conhecimento da natureza desses espíritos, cujo conteúdo cognoscitivo manifesta possuir.

Mais ainda; a afirmação dessas formas no espírito hu­mano só se concebe introduzindo sub-repticiamente, e admi­tindo a perfeita validade objetiva do princípio de causalidade, que depois negará, ou melhor, reduzirá a simples forma do entendimento. Esta admissão implícita do princípio de con­tradição é evidente por que senão, de que modo sabe Kant que também nos seus semelhantes há as mesmas formas a priori, se não é pela inferência de que neles se dão os mes­mos fenômenos psíquico-gnoseológicos? A identidade dos

•efeitos postula a identidade da causa;

Por onde aparece que o criticismp kantiano que ab ovo queria examinar o conhecimento, começa por um manifesto, inelutável e gratuito dogmatismo.

Isto mesmo já acontecera com o cartesianismo que, tam­bém, começou por uma completa assepsia de supostos e deu entrada logo sub-repticiamente a tantos elementos que fazem dele o protótipo dos sistemas dogmáticos.

Como é lógico, a falsidade não pode satisfazer e con­tentar o entendimento, daí o perpétuo desassossego das filo­sofias post-kantianas- Se Kant, em presença da confusão e ruínas ocasionadas no mundo do pensamento pelo demolidor relativismo de Hume, sentiu aquele "tédio de pensar" de que

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nos fala nos começos da Crítica da razão pura, maior é sem dúvida o que hoje sente a maioria dos pensadores à vista da anarquia total que reina entre as filosofias da hora.

É um fato que as atitudes dos indivíduos e dos povos são dirigidas pelas idéias que os dominam, ou, como diz Ortega, pelas idéias em vigência; e por isso "o mundo sofre, dizia Renouvier, por falta de fé numa verdade transcendente". Porque as outras verdades, as relativas, as que as filosofias na moda apresentam, são de uma "insuficiência radical" para resolver os problemas do mundo desquiciado em que vivemos.324

A recuperação moral do mundo, o retorno à ordem espiritual tornaram-se, hoje, condições essenciais da sobre­vivência humana, porém, como observa Dawson, somente poderão levar-se a cabo "com uma profunda mudança no espírito da civilização moderna".325

Jaspers não acha que nem com a guerra tenha mudado o espírito da civilização moderna. A conflagração passou, os aliados, após tremendos sacrifícios, venceram aos ditado­res. E depois? "Aquilo nos parece só um episódio e a si­tuação do mundo, em conjunto, parece hoje pior do que ontem".326 Exato.

Por sua parte, Spranger não se sente menos pessimista contemplando a triste situação de uma cultura como a atual em que a ética foi praticamente eliminada: "Uma cultura sem ética não tem sentido e é incapaz de trazer a felicidade . . . O atual progresso ilimitado é, no fundo, um progresso sem rumo".327

324. A. González Álvarez, Hist. de Ia fil., cit., p. 121. 325. Christopher Dawson, Religion and Culture, Londres, Sheed

and Ward, 1948, p. 218. 326. Karl Jaspers, Wo stehen wir heutet Hrsg. H. Walter Bahr,

Gütersloh, 1960, p. 35. 327. Eduard Spranger, Leben wir in einer Kulturkrisis, na pu­

blicação coletiva antes citada: Wo stehen wir heutel, Gütersloh, 1960, p. 17.

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Muito embora Jaspers e Spranger tenham os olhos vol­tados para a situação alemã, o fenômeno não é puramente germânico; de todos os quadrantes do globo se fazem ouvir vozes e clamores semelhantes.

O mundo não se concertou e enquanto os filósofos con­tinuam acrescentando negação a negação, sem a menor con­sideração pelos valores mais sagrados, os povos, ainda cres­cendo em riquezas e instrumentos de bem-estar, vivem cada vez mais infelizes, mais desassossegados, mais desesperados, pois de seus corações foi banida toda esperança. "Nada que­da por negar", dizia D. Esteban Bilbao, aos assistentes ao Congresso Internacional de Filosofia de Barcelona. Por isso, talvez, não coube nunca aos filósofos missão mais elevada da que,, hoje, se se consagrarem a restaurar os ditames da perene filosofia.328 Esta, vivificada pela luz da filosofia do Cristianismo, poderá, sem dúvida, dar muitos dias de paz e progresso para o bem da humanidade.

Entretanto, convençamo-nos de uma vez por todas, que nem o apriorismo kantiano; nem a vontade cega de Scho-penhauer, ou o super-homem de Nietzsche; nem a libido de Freud ou o elan vital de Bergson, serão eficazes para resti-tuir ao homem moderno a paz e satisfação por que anseia. Isto explica que até nos Estados Unidos, atualmente o país da prosperidade, se sinta insatisfação e "desiludidos^ do mundo atual, os homens voltem seus olhares para a Idade Média".329

Que outra coisa é este olhar para a Idade Média, senão procurar os valores contidos na filosofia perene, que, então, tiveram plena vigência? Em páginas anteriores fizemos no­tar que a noção de filosofia perene não podíamos enclau­surá-la, apenas, na filosofia medieval. A filosofia perene há de abarcar, sem dúvida, quaisquer outros pensamentos que

328. Actas dei Congresso Internacional de Filosofia, de Barce­lona, Octubre de 1948, Madrid, C. S. I. C, 1949, vol. III, p. 363,

329. F. S. C. Northrop, The meeting of East and West, New York, Macmillan, 1949, p. 255.

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em determinados tempos ou lugares lograram refletir o espí­rito da época em novas formas e nova problemática, sem­pre dentro, porém, dos grandes princípios racionais. A ex­pressão filosofia perene é aceitável "sempre que — observa atinadamente Zaragüeta — se reconheça a esta perenidade a condição histórica de achar-se em cada época como sus­pensa de um núcleo de preocupações específicas que cons­tituem seu centro de gravidade".330

Sem esquecer, pois, essa restrição, podemos admitir co­mo certo que a Idade Média ou, digamos, a grande escolás-tica do século XIII, refletiu perfeitamente aquele núcleo de verdades que constituíram a parte mais viva e permanente da filosofia platônico-aristotélica, informadas ainda pela mensagem cristã. Só assim entendida a filosofia medieval se justifica a alternativa de Olgiati: "O scolastica dei secolo XIII, o filosofia dei secolo XX".331

É na filosofia perene que, informada pelo Cristianismo, deu estabilidade e paz a passadas centúrias, onde nós acha­remos, também, os fundamentos para restauração duma ordem mais tranqüila e mais humana que a que nos tocou viver.

A filosofia é, essencialmente, uma resposta ao problema da vida. O homem ocupa o lugar central na órbita da cria­ção. Ele, porém, depende intrinsecamente em seu ser de Deus criador, e d'Ele também depende como ser moral.

Não é o homem, apenas, um ser físico; o elemento físico é nele a envoltura corporal de uma alma com destino eterno. Neste destino não está só; sendo criatura e filho de Deus com os demais homens, tem com eles uma comunidade de destino.

A noção de destino é algo essencial para a ordenação da vida humana; privado do seu destino, o homem desinte­gra-se, dissolve-se numa pluralidade de atos, fica apenas co-

330. J. Zaragüeta, Perspectiva actual para una filosofia crítica, Madrid, 1934, p. 2.

331. Apud M. F. Sciacca, 11 secolo XX, Milão, Fr. Bocca, 1947, vol. II, p. 557.

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mo "ser para a morte", na angustiada expressão do existen-cialismo heideggeriano.

O destino, a consciência de sentir-se espiritual e imor­tal, ordenado a outra existência mais valiosa, reduz à unidade todos os atos humanos integrando-os numa síntese superior. É esta idéia que penetra e sustenta ao homem cristão, e é graças a esta consciência do destino que tinge de sentido humano e valoriza até os atos mais humildes; e deles faz atos humanos e meritórios de altíssimo valor. Pelo contrá­rio, quando o homem não ajusta sua vida à moral, afasta-se de seu destino eterno e desaparece aquela ordenação dos seus atos que orientam sua vida.

Perdida a unidade de referência, que só o destino dá, e que unifica os atos do homem, este se desumaniza, se desmoraliza, e esta situação repercute gravemente em suas atitudes para com seus semelhantes.

Mas a imortalidade e o destino do homem só são com­preensíveis dentro da doutrina que, acerca de Deus, trouxe a mensagem cristã.

Os antigos filósofos não lograram um conceito claro de um Deus pessoal, transcendente e criador. Isto é legado do Cristianismo que à idéia de Deus criador acresce a da Pro­vidência — em sentido mui diferente dos estóicos — e ainda ensina que Ele se identifica com o amor. Idéias luminosas que esclarecem toda a vida humana.

Ao patrimônio da filosofia perene pertencem — além das verdades de tão profundo conteúdo religioso, como as antes indicadas — outras várias comumente admitidas: o valor objetivo do conhecimento humano; os princípios me­tafísicos, como o de razão suficiente, causalidade e finali­dade; que podemos alcançar verdades certas e imutáveis; dependência radical do ser humano respeito ao Ser de Deus; espiritualidade e imortalidade da alma humana. Sobretudo são verdades na tradição filosófica perene as que seguem, de altíssimo valor na direção da vida humana: a origem natu­ral e, por conseguinte, divina, da ética, do direito e do poder

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SANTO TOMAS DE AQUINO Teólogo, filósofo genial,

sistematisador incomparável da filosofia perene

214

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do estado, que se acham dependentes de princípios imutá­veis e eternos e a salvo, por conseguinte, do relativismo, aniquilador de valores.

8. CONCLUSÕES.

Em face de todo o exposto nestas páginas, gostaríamos de formular as seguintes conclusões:

a) Parece-nos exageradamente radical e, portanto, ina­ceitável, a opinião de Croce que, à pergunta "Ç'è una filo­sofia perenne?, responde: "non c'è perché Ia filosofia è Ia storia delia filosofia",332 pois, se ocorresse tal identificação, a filosofia perene tomaria o lugar de toda filosofia passada e futura, invalidando-as todas.

b) Não é menos inexato atribuir essa denominação a uma filosofia determinada, qualquer que seja, pois ainda não se excogitou um sistema que contenha a verdade integral de todo o pensar filosófico, sem apresentar graves objeções e mesmo contradições em seu desenvolvimento.

c) Tampouco é aceitável designar como filosofia pe­rene qualquer forma de velado sincretismo que, tomando elementos dos sistemas mais significativos na história, pre­tende oferecer-nos a ficção de uma filosofia coerente, de va­lidade universal e perene. Vãos foram, como é notório, os esforços de alguns renascentistas italianos e de Fox Morcillo para fazer concordar Platão com Aristóteles. Amor Ruibal mostra até à evidência a absoluta incompatibilidade de mui­tos elementos justapostos nas grandes construções cristãs de filosofia, com repercussões também na esfera teológica.

d) A rigor, a função da Filosofia perene há de limi­tar-se a selecionar algumas verdades e doutrinas das mais básicas da humanidade. Aquelas que todo homem descobre com a luz natural do entendimento e que "não somente é

. 332. Benedetto Croce, Discorsi di varia filosofia, Bari, 1945, II, p. 257.

216

necessário que sejam verdadeiras por si mesmas, senão que, também, nos demos conta de que necessariamente são ver­dadeiras",333 e que, portanto, ninguém pode negá-las. Donat e outros, em vista de que estas verdades e princípios são naturais e evidentes, optam por chamá-los "filosofia das verdades naturais",334 sem referi-la a nenhum sistema deter­minado.

e) Enfim, posto que a expressão filosofia perene acha-se muito generalizada e que seu uso é tão cômodo para de­signar aquele núcleo de verdades primárias, patrimônio do gênero humano em sua fase prefilosófica — verdades que uma ulterior especulação desenvolve em várias e contraditó­rias direções, distantes portanto, de toda perenidade — pa­rece convincente manter-lhe o uso: mas, ao designá-la como filosofia, não se há de fazê-lo acentuando, nessa acepção, a conotação especulativo-sistemática que a palavra filosofia inclui. Ou seja, chamaremos filosofia perene ao conjunto de verdades de natureza, prévias ao discurso filosófico, que constituem o princípio germinal e o núcleo sobre o qual se desenrola todo o filosofar.

Não é nosso objeto expor com amplidão um esquema da filosofia perene, e por isso damos fim a este resumo expositivo.

O fim a que nos propusemos foi demonstrar a radical insuficiência das filosofias da hora, para ordenarem a vida humana, ei a eficácia da philosophia perennis, para a re­construção do mundo sobre bases sólidas.

333. S. Thomas, In I post. Anal. lectio 49, ed. Leonina, I, p. 213.

334. I. Donat, Lógica, Insbrück, 1931, p. 25.

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Í N D I C E O N O M Á S T I C O

Abbagnano, 125,148 Agassiz, 93 Agostinho, Santo, 37,131,140,141,

162,185,190,196 Aldama, J.A., 77 Alexandria, Clemente de, 37, 187 Alonso, J. Ma., 152 Alonso-Fueyo, Sabino, 139-144 Amerio, Franco, 60,97 Amor Ruibal, A., 9,10-13,33,34,

37,42,58, Relatividade do co­nhecimento, 65 e 84; 97,98, Crítica do Pragmatismo, 100-101; 196,202,206,207,216

Anselmo, São, 36,37,196 Anders, Günther, 127 Aristóteles, 26,27,36,131,140,181,

184,185,187,189,203,205,216 Arnáiz M. y B. Alcalde, 67, 127 Arnaldich, Luis, 76 Aster, Èrnst von, 52 Avenarius, 28 Avey, A.E., 209

Bacon, Francisco, 27 Bacon, Rogério, 196 Belloc, Hilário, 121 Balliolo, L. 195 Balmes, 30,31,37,64,135,196 Baumann, Julius, 46

Berdiaef, 125 Bergson, 67,78,98,156,212 Berkeley, 66,69 Bews, J.W., 30 Bilbao, Esteban, 212 Blondel, M., 193 Boas, G. 90 Boaventura, São, 196 Bochenski, LM., 126,138,156,161 Bogliolo, L., 177 Bollnow, 165 Bolzano, 67 Bosanquet, Bernard, 55 Bradley, Francis H., 55,57,173 Brentano, F., 28 Breton, E., 46 Brigtmann, Edgard S., 22 Brito, R. Farias, 27,28,122,123,

170 Büchner, 28,173 Burckardt, L, 80

Caird, Hohn, 55 Carpio, A.P., 39 Carr, E.H., 23 Carrel, A., 171 Carreras Artau, J., 54 Cassirer, E., 52 Cathrein, Victor, 113 Cencillo, L., 199

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Cenal, Ramón, 163 CETICISMO, 87 Cicala, Bernardino, 109 Cícero, 26,27 Cohen, Hermann, 52,53 Comte, A., 73,88 Conde, Herminio, 118 CORRELATIVISMO, 52,65 Corts y Grau, J., 186,209 Cousin, Victor, 43 Creigton, James, E., 55,56 Croce, B., 29,140,216 CULTURA, 139 Cunningham, G. Wats, 55 Cusa, N. de, 196

Darwin, 73,93 Dassance, D.T., 158 Dávila, L, 189 Dawson, Chr., 211 Delgado Varela, J. Ma., 51,52,54 Dempf, Alois, 42,201 Del Prado, Norberto, 195,199 Denzinger, 126 Deploige, Simon, 111 Derisi, Octavio N., 186,201 Descartes, 37,140,156,172,173 Deussen, Paul, 29 De Wahelens, 163 Dewey, 82,100 Diez Blanco, Alejandro, 29,30,

172 DIVUS THOMAS, 187 DIE NEUE RUNDSCHAU, 127 Dilthey, G., 167,189 DOGMATISMUS, 87 Donat, Josef, 16,188,217 Dorea, Gumercindo R., 13 Dostoiewski, 125

Ebert, H., 180,181 ECCLESIA, 116,117,124,136,137 Eisler, Rudolf, 41,66,106 EMPIRISMO RADICAL, 98 ENCICLOPÉDIA ESPASA, 54 Endres, J.A., 190 Erasmo, 180 Erdmann, 67,68,83 ESCOLA HISTÓRICA, 110 ESCOLA DE MARBURGO, 40,

52,53,54,173 ESCOLA DE BADEN, 40,52,54

ESCOLA DE GALLARATE, 40 Escoto, D., 196 ESTADOS UNIDOS DA AMÉ­

RICA DO NORTE, 54-57 ESTÚDIOS, 43,52,117 Ettlinger, Max, 45 Eucken, Rodolfo, 16,169 Euclides, 88 Evans, D. Luther, 57 EVOLUÇÃO ANTROPOLÓGI­

CA, 74 EVOLUCIONISMO, 76

Fabro, Cornelio, 119,147,148 Fauve, L, 91 Fechner, G.T., 45 Ferrater Mora, L, 39,40,42,43,

108 Ferri, 173 Ferro Couselo, 207 Fichte, 41,51,86,173 Ficino, Marcilio, 182 Flournoy, T., 99 Forest, A., 158 Fox Morcillo, 216 Freud, 212 Frischeisen-Kõhler, 46

Galindo, Pascual, 77 Garin, Eugênio, 180,182 Gentile, G., 30 Gerhardt, C.J., 184 Gex, Maurice, 75,102,103 Glenn, P.J., 192 Gilson, É., 150,151,195 Gonzáíez Álvarez, A., 46,53,211 González, Zeferino, 199 Gómez Izquierdo, A., 46 Gómez Ledo, A., 42 Gómez Moreno, M., 76 Green, Thomas, 55

Haeckel, 71 Heacker, Theodoro, 144-147 Hales, Alexandre de, 196 Harris, William, T., 55 . Hartmann, N., 52,202 Hegel, 26,29,51,55,106,129,148,173 Heidegger, M., 29,123,125,126,

127,133,138,156,160,162,163-168, 172,185

Heimsoeth, H., 170 Heinemann, Fritz, 95

Hemholtz, 52 Hessen, Johannes, 46,53,123,131,

161-162,196 Hirschberger, J., 192 Hõffding, Harold, 41 HUMANI GENERIS, ene, 76,

77,107,116-117, 125, 184 Hugo, Gustavo, 110 Hume, D., 66,69,70,90,210 Husserl, Edmundo, 28,67,68,140,

154,163,166 Huxley, J., 28,158

IDEALISMO ANGLO-AMERI­CANO, 54-57

INGLATERRA, 54-57 Iriarte, Joaquin, 195 Iturrioz, José, 107

Jacoby, G., 82 James, Henry, 93-94 James, William, 23,82,89-103 Janet, Paul, 179 Jaspers, Karl, 119,125,138,140,

148,164,167,211,212 Jerônimo, São, 24 Jerusalém, W., 82 JÓ, 24 João Evangelista, São, 176 JOURNAL OF SPECULATIVE

PHILOSOPHY, THE, 55 Jovellanos, Gaspar M. de, 110

Kant, 33,49-55,69,70,88,132,136, 156, Fenômenos y nóumenos; 173, 209, 210

Katzenhofer, 173 Kierkegaard, Sõren, 119,120,127,

129,138,140,144,147,148,152,156, 160,164,172

Klimke, Federico, 75 Külpe, Oswald, 28,67 Kurtz, Paul, 91,102 Kühle, H., 186

Ladusafís, Stanislavs, 10 Lahr, Charles, 72 Lalande, A., 108 Lamarck, 73 Lange, Fr. A., 51,52 Larivière, 22 Lask, Emilio, 54

Leão XIII, 190,196 Le Bon, Gustavo, 24 Le Dantec, 28 Lefèbre, Luc J., 154-157 Legaz y Lacambra, 142 Leibniz, 11,37,72,179,184,192 Leoni, Raul de, 175 Lessa, Pedro, 109 Lessing, Th., 78 Leuba, J.H., 94 Liebmann, Otto, 52 Lipps, Teodoro, 67 Locke, John, 90 LOGICISMO, 69 Lovejoy, A.O., 90 Lúlio, Raimundo, 196 Luno Pena, E., 110,111,112,186 Lutero, Martin, 172,173

Llovera, José Ma., 74

Mach, E., 28,173 Maeterling, M., 121 MaeztU, Ramiro de, 199 Magnussen, 145 Mandonnet, 193 Mareei, G., 119,125,138,140,152,

158,159,160 Marcos, Benjamin, 26 Marías, Julián, 29,43 Marimón, Ricardo, 206 Mariún, J., 186,187 Maritain, Jacobo, 149-154,160,193 Marx, Karl, 106 Mauriac, Fr., 158 Mazzantini, C. 185,192 Medeiros, Maurício de, 118 Menéndez Pelayo, 0,48,49,192,

196,198 Mercier, Card., 193 Meyer, Hans, 185 Mindán, M., 190,191 Mirandola, Pico delia, 182 Montmort, R., 184 Müller, Gustav E., 26,91 Muller, Aloys, 82 Munford, L., 171 Munoz Delgado, Vicente, 207 Muirheard, J.H., 56,57

Natorp, P., 52,53 Nazianzenos, 37

Page 114: Filosofias da Hora e Filosofia Perene - Emílio Silva de Castro(2)

Nef, John U., 22,171 Nietzsche, 81,107,120,162,212 Northrop, F.S.C., 212

Ockam, Guilherme de, 196 Olgiati, Fr., 184,213 Orígenes, 37 d'Ors, Eugênio, 118 Ortega y Gasset, 29,30,39,100,

141,172,175,199,209,211 Ortúzar, Martin, 43,117 Oseas, Profeta, 23 Ostwald, 173 Ovejero, E., 179

Pascal, 159 Paulo Apóstolo, São, 177 Paulo III, 180,181 Paulsen, Friederich, 15,16,52,88 Pérez Alcocer, A., 102 Perry, R. Barton, 89,99,100 Pfander, A., 68 Pfeil, Hans. 46 PHILOSOPHISCHER JAHRBU-

CH, 180,181 Pidal y Mon, Alejandro, 192 Pierce. Charles S., 82, 89-91, 94 Pio XII, 76,116,124,125,172 Pita, E.B., 185,197 Pitágoras, 88,133,187 Platão, 140,181,183,185,187,189,

216 Plotino, 187 PRAGMATISMO, 82 Protágoras, 66, 82 Pucciarelli, E., 71 Puchta, Jorge R., 110

Ramírez, Santiago, 194,196,197 Recasens Siches, L., 112 Reinhardt, K.F., 100,132 Renan, Ernesto, 28 Rénouvier, 211 Rensi, G., 61 REVISTA DE OCCIDENTE, 43 Rickert, E., 54 Riefstahl, 156 Riehl, Alois, 28,46 Riley, W., 55 Rilke, 125 Risco, Vicente, 80

Roig Gironella, J., 194 Rojo Seijas, J.L., 207 Roldán, Alejandro, 61 Romero, Francisco, 202 Rommen, H., 186 Rousseau, 121 Royce, Josiah, 55,82,91,100 Ruggiero, Guido de, 57 Runnes, Dagobert D., 93,106 Rusinol, 136,137 Russel, Bertrand, 55,102

Sabuco, Miguel, 26 Salcedo, L., 189 Sánchez Villasenor, J., 105 Sangnier, Marc, 149 Sarlo, Francesco de, 26,30 Sartre, J. - Paul, 119,125,138,140,

148,154-156,159 Savigny, 106,110 Sawicki, Franz, 79,189 Scheler, Max, 28 Schelling, 51,173 Schiller, F.C.S., 82,90,100 Schopenhauer, A., 25,120 Schottenloher, K., 181 Sciacca, Michele, 124,213 Schubart, W., 209 Schwartz, b., 193 Sêneca, 24,27 Sentroul, 193 Sexto Empírico, 81,82 Sócrates, 27, 133,189 SOFISTAS, 25 Soldevilla, F., 110 Spencer, Herbert, 28,71, Evolução

em S., 73-74; 88,93,173 Spengler, Oswaldo, 78-80 Spranger, E., 211,212 Stahl, F.J., 111 Stammler, Rudolfo, 52 Steenbergen, 193,197 Steuco, Agostinho, 11, 179-185 Stirling, James H., 55 Strauss, 28 Stuart Mill, 67,70,71,88 . Stumpf, 94 Suárez, Francisco, 37,85,142,193

Tales de Mileto, 86 TEMOIGNAGE, 157-161 T H E SUNDAY TIMES, 119

Thibaut, 110 Tomás de Aquino, São, 26,37,

142,150,152,159,185,193,195, 197,199,205,217

Tõnnies, 173 Toynbee, Amoldo, 78 Trismegisto, Hermes, 183 Truyol Serra, A., 189,194 Tschierpe, R., 79 Tusquets, J., 136 Tyndal, 28,173

Überweg-Heinze, 46 Unamuno, 22,107,121,122,125,

129,131,132,140,141,170 Urban, W.M., 190 Urdánoz, Teófilo, 172 Urráburu, J.J., 195 Usenicnik, A., 185

Vasconcelos, José, 67,68 Vassalo, Angel, 29 Vázquez, Pe. Guilherme, 19 Vegas Latapié, Eugênio, 199

Vernaux, Roger, 196 Viana, F. de, 156 Viço, J. B., 109,110 Vigano, M., 186 Villanova, Arnaldo de, 196 Vitória, Francisco de, 192 Vives, Luis, 196 Volkelt, 67 Vorlander, C. 52

Wetzer und Welte, 180 Willmann, O., 193 Windelband, Wilhelm, 28,54,60 Wust, Peter, 161

Xenofonte, 27

Zamayon, Pelayo, 196 Zaragüeta, Juan, 13,29,61,80,133,

141,196,213 ZEITSCHRIFT FÜR PHILOSO-

PHISCHE FORSCHUNG, 156, 161,165

Zubiri, Xavier, 117,141,189