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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO FILOSOFIA DA HISTÓRIA EM FREDRIC JAMESON: UMA CRÍTICA ÀS APORIAS DO PÓS-MODERNISMO Goiânia 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO

FILOSOFIA DA HISTÓRIA EM FREDRIC JAMESON:

UMA CRÍTICA ÀS APORIAS DO PÓS-MODERNISMO

Goiânia

2010

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ANA BEATRIZ CARVALHO BAIOCCHI

FILOSOFIA DA HISTÓRIA EM FREDRIC JAMESON:

UMA CRÍTICA ÀS APORIAS DO PÓS-MODERNISMO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós -

Graduação em História da Universidade Federal de

Goiás como requisito para obtenção do grau de

Mestre em História.

Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e

Identidades

Linha de Pesquisa: Identidades, Fronteiras e

Culturas de migração.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Oiti Berbet Júnior

Goiânia

2010

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)

GPT/BC/UFG

B162f

Baiocchi, Ana Beatriz Carvalho.

Filosofia da história em Fredric Jameson [manuscrito] : uma

crítica às aporias do pós-modernismo / Ana Beatriz Carvalho

Baiocchi. - 2010.

xv, 139 f.

Orientador: Profº. Drº. Carlos Oiti Berbet Júnior.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,

Faculdade de História, 2010.

Bibliografia.

1. Jameson, Fredric, 1934- 2. Pós-modernismo 3. Metanar-

rativa 4. Economia marxista 5. Comunismo 6. Socialismo I.

Título.

CDU: 330.85

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ANA BEATRIZ CARVALHO BAIOCCHI

Filosofia da história em Fredric Jameson:

Uma crítica às aporias do pós-modernismo.

Dissertação defendida pelo Programa de Pós-Graduação em História, nível Mestrado,

da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, aprovada em ____ de

_____ de _______ pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

___________________________________________________

Professor Doutor Carlos Oiti Berbert Júnior

Presidente

___________________________________________

Professor Doutor Luiz Sérgio Duarte da Silva

Membro

___________________________________________

Professor Doutor Eliezer Cardoso de Oliveira

Membro

_____________________________________________

Professor Cristiano Pereira Alencar Arrais

Suplente

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de em poucas palavras agradecer sinceramente a algumas pessoas que

num momento bem peculiar da minha vida foram fundamentais para que este trabalho

fosse iniciado e hoje, devidamente concluído. Não só as pessoas, mas a instituição que

desde o início da minha formação me acolheu, e na qual tenho um vínculo eterno de

gratidão e respeito, cujo apoio e amparo foram imprescindíveis para a realização dessa

dissertação.

Primeiramente a três professores em especial, que já naquela época da graduação

foram fundamentais para a minha formação e para a escolha do objeto dessa

dissertação. Ao meu professor e orientador – doutor Carlos Oiti Berbert Júnior pelas

aulas incríveis de Introdução aos Estudos Históricos e por despertar em mim a paixão

que tenho hoje pela História. Por sua paciência e compreensão infindas sem as quais

com certeza não sei se teria sido possível concluirmos esse trabalho. Ao professor Luiz

Sérgio Duarte da Silva pela atenção dispensada, pelas horas de conversa sobre os temas

aqui abordados, por sua co-orientação e colaboração que de fato foram bastante

significativos. E principalmente por sempre ter apostado e acreditado em mim. E por

último, o professor João Alberto da Costa Pinto a quem devo minhas sinceras gratidões,

já que foi meu orientador na graduação e quem de fato, me apresentou o referente objeto

dessa dissertação. Em relação ao programa de pós-graduação da Faculdade de História

deixo meus sinceros agradecimentos a Neuza Lima pelo carinho e pela prontidão em

ajudar nas horas mais complicadas do processo em questão. Alguns amigos que durante

todo o Mestrado acompanharam minha aflição, se tornando essenciais nesse processo de

amadurecimento intelectual e pessoal: George Leonardo Seabra Coelho, Dominique

Vieira dos Santos e Fernanda Pereira Cavalcante. E em especial a minha família: aos

meus pais, Ivam Baiocchi Filho e Willene Carvalho Baiocchi, a quem devo tudo o que

sou hoje, e a minha irmã Marcela Baiocchi pelas colocações pontuais e objetivas em

relação ao meu estilo de escrita. Por fim, a Universidade Federal de Goiás e a CAPES,

pelo apoio financeiro em parte desta pesquisa.

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RESUMO

FILOSOFIA DA HISTÓRIA EM FREDRIC JAMESON:

UMA CRÍTICA ÀS APORIAS DO PÓS-MODERNISMO

O objetivo central deste trabalho passa pela tentativa de retomar o problema do

discurso filosófico marxista, qual seja, da realização de uma filosofia da história dentro

de uma discussão pós-moderna de crise dessas metanarrativas. Nesse sentido a escolha

do autor Fredric Jameson está intimamente relacionada com seu posicionamento em

relação ao debate sobre o pós-moderno. Contrariando todas as expectativas em relação

às teorias pós-modernas de crise das metanarrativas, o autor procura pensar o pós-

moderno de modo menos pessimista numa tentativa de refletir sobre o discurso marxista

e sua relação com a história. Assim sendo, a apreciação em relação ao conceito de

“totalidade” perpassa antes uma crítica às categorias teóricas do modernismo (sua

ideologia e utopia intrínsecas), mais do que ao processo de “totalização” do próprio

sistema. Diante disso, os questionamentos de Fredric Jameson em relação às teorias

pós-modernas reconduzem a análise da “superestrutura” dos fenômenos artísticos e

textuais, o que lhe permite dispor de uma visão panorâmica de toda a esfera cultural

contemporânea. Dessa perspectiva e pressupondo o pós-modernismo como aliado

“cultural” do capitalismo avançado, ou tardio, procura-se empreender uma reavaliação

do marxismo a partir da crítica pós-moderna da ideologia e da utopia próprias do alto-

modernismo.

Palavras chave: Pós-modernismo; Metanarrativa; Marxismo; Cultura; Fredric

Jameson.

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ABSTRACT

PHILOSOPHY OF HISTORY IN FREDRIC JAMESON:

A CRITIQUE OF THE APORIA OF POST-MODERNISM

The aim of this study is the attempt to retake the problem of Marxist

philosophical discourse, that is, to implement a philosophy of history in a postmodern

discussion of these metanarrativas crisis. In this sense the choise of the author Fredric

Jameson is closely related to their position regarding the debate on postmodern. Against

all expectations in relation to post-modern theories of crisis metanarrativas, the author

think the postmodern in a less pessimistic in a narrative reflect on what Marxist

discussion and its relationship with history. However, the assessment in relation to the

concept of “totality” before running through a critical theoretical categories of

modernism (its ideology and utopia intrinsic) rather than the process of “aggregation” of

the system. Thus, the questions of Fredric Jameson in relation to post-modern theories

renewing him examining the “superstructure” of artistic and textual phenomena, which

allows you to have a panoramic view over the contemporary cultural sphere. From this

perspective, and assuming postmodernism as an ally “cultural” of advanced capitalism,

or late, we seek to undertake a reassessment of Marxism from the postmodern critique

of ideology and utopia‟s own high-modernism.

Keywords: Post-modernism; Metanarrative; Marxism; Cultures; Fredric Jameson.

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SUMÁRIO

Introdução..................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I A CONSTITUIÇÃO NARRATIVA DAS FILOSOFIAS DA

HISTÓRIA.................................................................................................................... 17

Teoria da História e Filosofia da História: Jörn Rüsen e a dialética da narrativa

histórica.......................................................................................................................... 18

O significado “na” História: intenção e poética da narrativa histórica......................... 31

Filosofia da História: a narrativa enquanto sentido do “télos” histórico, em Hegel e

Marx .............................................................................................................................. 39

Tempos modernos: triunfo e “crise” do sentido da História......................................... 51

CAPÍTULO II FREDRIC JAMESON E O MARXISMO OCIDENTAL: OS

FUNDAMENTOS NARRATIVOS DE UMA PRÉ-HISTÓRIA DO PÓS-

MODERNISMO........................................................................................................... 72

Cultura e Crítica da dialética negativa: o sentido do pós-moderno em Adorno, Benjamin

e Schiller......................................................................................................................... 87

Cultura e teoria na modernidade: do alto modernismo ao pós-modernismo................ 110

O pós-modernismo como a metanarrativa do modo de produção do capitalismo

tardio............................................................................................................................ 124

Considerações finais................................................................................................... 135

Bibliografia................................................................................................................. 138

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Introdução

Esta pesquisa surgiu a partir da indagação sobre a pertinência de uma filosofia

da história dentro do contexto da chamada “crise das metanarrativas”. Neste sentido, o

papel de Fredric Jameson se torna fundamental na medida em que busca uma reflexão

crítica do momento cultural, pós-moderno, no campo da própria filosofia da História.

Ao analisar a obra de Fredric Jameson, e de colocá-lo como um dos principais

autores que propõe uma reflexão crítica do pós-modernismo, a intenção é identificar em

seu discurso uma filosofia da história, que ao apresentar características escatológicas e

teleológicas, busca uma renovação do marxismo em sua crítica aos determinismos

vigentes, tanto ao pós-modernismo quanto ao próprio marxismo. Desse modo, como

pretender uma análise da metanarrativa (marxista), num ambiente cultural pós-moderno

que é reflexo da crise dessas mesmas metanarrativas?

Assim, urge a necessidade de se pensar o que é a narrativa da história de acordo

com uma perspectiva “racional”. A introdução que segue se resume a falar sobre os

capítulos que compõem esta dissertação, e questões que norteiam esta pesquisa: no

primeiro capítulo, procuraremos identificar o conceito de narrativa que permeou o

discurso das filosofias da história modernas e que serviram de base a uma concepção do

processo histórico, de teor escatológico e teológico.

O mapeamento sobre o surgimento dessa inquietação teórica de sua própria

prática passa pelas considerações de autores que serão apresentados ao longo do

trabalho. O diálogo com os referidos autores será essencial para pontuarmos os

principais aspectos sobre o conceito de filosofia da história, e da relação deste com uma

concepção de narrativa/metanarrativa histórica, escatológica e teleológica. Sem

incorrermos na confusão que distingue as teorias da história das filosofias da história e

seu suposto teor escatológico e teológico, perceber de que modo as categorias do pós-

moderno passam a questionar uma filosofia da história, pretensamente universal.

A princípio buscamos identificar, a partir das considerações de Jörn Rüsen

(2001), uma concepção de narrativa, e de sua unidade inerente como constituinte do

conhecimento histórico. A partir daí, elencar àqueles elementos que são comuns, tanto

as filosofias, bem como as teorias da história, e perceber, de acordo com as

considerações feitas por Arthur Danto (1989), como essas três categorias de tempo:

passado, presente e futuro se arrolam dialeticamente numa filosofia da história.

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Em seguida, passamos à análise das questões que envolvem as concepções de

uma filosofia da história, principalmente as filosofias da história caracteristicamente

escatológicas e teológicas, a partir das considerações de Karl Löwith (1977), que

identifica as metanarrativas da modernidade com uma perda inerente do sentido

histórico, qual seja o da ideia da salvação. Esta ideia se vinculava a uma concepção da

narrativa que buscava a unidade temporal dos acontecimentos, de modo a enfrentar uma

dura realidade, da história como sofrimento, no intuito de nos garantir a salvação eterna

ao seu final.

Com o advento da modernidade, do pensamento racional, da laicização do

Estado, essa salvação se desloca de uma concepção divina, para uma concepção humana

de salvação, mediada pelas ideias de progresso e razão, e pelas promessas de um futuro

promissor calcado na revolução tecnológica. De acordo com Karl Löwith, é exatamente

este processo que acarreta num prejuízo metafísico às concepções modernas e pós-

modernas de narrativa. Sendo assim, identificamos como precursoras dessas

concepções, as filosofias da história de Hegel, e as interpretações simplistas de certo

tipo de marxismo.

A partir dessas considerações, procuramos já delinear os primeiros aspectos de

uma concepção de filosofia da história em Fredric Jameson, que busca fugir às

concepções deterministas das mesmas. Para tanto, começamos por caracterizar alguns

aspectos do moderno e do pós-moderno, e a crítica que este direciona àquele, ou seja, a

concepção de uma história narrativa, escatológica e teleológica.

Nesse sentido, o pós-moderno ressalta o caráter vil e opressor que uma ideia

deste tipo de metanarrativa provocou com a conseqüente falácia de seus ideais de

progresso, que naquele exato momento não respondiam as angústias do indivíduo

interior, mas que se realizariam como promessas futuras. A experiência histórica

mostrou o quão distante estas promessas ficaram longe da realidade concreta do

indivíduo. Com a crise das experiências social-democráticas marxistas, este quadro se

agravou culminando na revolução cultural dos anos sessenta. Como bem coloca David

Harvey (2005), o pós-modernismo é uma legitima reação à “monotonia” da visão de

mundo do modernismo universal, geralmente percebido como “positivista”,

“tecnocêntrico” e “racionalista”.

Enquanto a narrativa/metanarrativa do modernismo universal tem sido

identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento

racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção,

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o pós-moderno privilegia a “heterogeneidade e a diferença” como forças libertadoras na

redefinição do discurso cultural. “A fragmentação, a indeterminação e a intensa

desconfiança de todos os discursos universais ou “totalizantes” é o marco fundamental

do pós-moderno” (HARVEY, 2005, p.19).

Neste caso, sem nos determos sobre as implicações inerentes às discussões que

regem uma abordagem interdisciplinar entre história e narrativa, ambientadas na relação

da história com a literatura, envolvendo questões sobre epistemologia e cientificidade

bem como aspectos literários da escrita objetiva/subjetiva de um texto que, de certa

forma, fundamenta as filosofias da história, no nosso caso, a ideia é perceber que tipo de

filosofia da história perpassa a teoria de Fredric Jameson.

Nossa hipótese de uma metanarrativa em Fredric Jameson (1992), e da defesa de

uma filosofia da história, que foge aos determinismos vigentes, perpassa um tipo de

hegelianismo que vai além da sua experiência marxista e de suas considerações

ortodoxas e objetivistas, as quais obliteraram a realidade histórica e sua componente

subjetiva. Desse modo, Fredric Jameson atualiza e coloca a chamada “crise das

metanarrativas” sobre novas bases. Não se trata, contudo, de apoiar essas posições, mas

destacar o seu papel específico neste debate que, certamente, ainda não está esgotado.

De fato, um retorno às considerações hegelianas para Jameson, é um retorno a

uma compreensão da realidade, em seu sentido dual, sem, no entanto, ser meramente

unilateral, ou seja, pressupor uma realidade como existente por si mesma, mas sim, em

consonância com o já existente, numa relação de construção. O que os pós-modernos

compartilham enquanto fragmentos, a despeito da dispersão de seu material em estado

bruto1, é a própria historicidade comum, aquele momento da história que marca e

deforma, de um modo ou de outro, todos os fenômenos culturais que nele se produzem e

se incluem, e que serve de estrutura dentro da qual compreendemos aqueles fenômenos.

Desse modo temos o que caracteriza Fredric Jameson como relevante para a

pesquisa histórica e sua crítica em relação à cultura pós-moderna: uma maneira de

dialogar com todas as correntes filosóficas sem necessariamente, recair num

dogmatismo que as enquadre em determinismos estanques e vulgares. Um diálogo que

seja capaz de demonstrar o valor da teoria e da prática renovadas.

Assim, o primeiro capítulo sugere uma análise crítica sobre o que se entende por

filosofias da história, e o conceito de modernidade que a constituiu enquanto ciência

1 Da situação histórica concreta, a modernidade.

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teórica e prática pautada em ideais racionais de objetividade e universalidade. Desta

forma, procuramos identificar o momento em que essa concepção de metanarrativa da

história, determinante das formas de pensar e agir históricos demonstrou sua fragilidade

e ineficácia enquanto ideal a ser atingido. Em meio a essas considerações, inserir o

debate em relação ao conceito, ou ideia2, de pós-modernismo, e de como ele se insere

dentro das perspectivas teóricas, metodológicas e práticas de uma ciência da história.

No segundo capítulo, procuramos definir uma concepção de narratividade que

perpassa uma primeira análise das obras de Fredric Jameson, sobre a relação das obras

de arte com a escrita da história, e sua constituição dialética intrínsecas. Para tanto,

partimos da análise de algumas obras que foram sendo selecionadas durante o processo

da pesquisa e que deram início ao debate em torno do conceito de pós-modernidade,

bem como do seu desdobramento ulterior: Marxismo e Forma, O Inconsciente Político:

a Narrativa como ato socialmente simbólico e Pós-modernismo: a lógica cultural do

capitalismo tardio. Com isso, pensamos na hipótese de que a defesa de uma filosofia da

história em Fredric Jameson percorre a ideia a ser defendida de que, se toda narrativa é

constituída socialmente, as metanarrativas sugerem atos políticos simbolicamente

constituídos, que dão forma e conteúdo aos períodos históricos.

Nesse sentido, se o pós-modernismo se identifica com um discurso histórico, em

que as metanarrativas não encontram mais sustentação, que o discurso hoje é o da

fragmentação e pluralidade dos mesmos, onde se encaixa uma teoria que ao mesmo

tempo integra elementos tanto do pós-moderno, quanto do moderno, em relação à

categoria dos “universais” e da própria utopia? Identificar em seu discurso uma filosofia

da história que se pretenda universal e totalizadora é se arvorar em um caminho um

tanto perigoso em meio ao debate, mas com certeza, imprescindível para se colocar em

pauta a própria inevitabilidade em História, da ideia de uma universalidade.

Assim sendo, a ideia escatológica (sobre o fim último de todas as coisas) e

teleológica (onde pára tudo isto? Que busca o “para que” de todas as coisas) não

determinista de uma filosofia da história segundo Fredric Jameson, se insere na

perspectiva de recuperação do marxismo. Recuperação da sua função histórica, ou seja,

2 Aqui se verifica a variabilidade do próprio conceito de pós-modernismo, e de sua aceitação, enquanto

categoria de análise histórica. Senão de uma análise da história, ao menos de seu método e prática de

análise. Mas ainda não há um consenso sobre se existe um conceito de pós-modernismo, ou se é, somente

uma ideia para caracterizarmos o momento em que vivemos. Se se leva em conta, como ideia, há que

considerar o aspecto inerente do próprio conceito de ideia, que é o dualismo do conceito: modernismo x

pós-modernismo, por exemplo.

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da realização da própria dialética, que se encontra mediada por todos os campos do

saber. E ai, ele recupera seu sentido histórico.

Em Marxismo e Forma, procuramos identificar as categorias do pensamento

cultural de Adorno, Benjamin e Schiller. A partir desses autores, expomos as categorias

da narrativa, segundo uma definição da dialética inerente aos processos que são

mediados pela própria cultura. Então, é na cultura, vista como superestrutura que

percebemos a nova historicidade sendo construída, o evento (Adorno), a reconciliação

ética no próprio indivíduo (passado e presente, em Benjamin) e a questão da liberdade

como uma nova hermenêutica política em Schiller.

Uma relação que está relativamente ligada ao que é individualmente ou

coletivamente constituído, desde sua concepção metafísica e epistemológica, até suas

mais variadas formas de “cultura”. Isto incluirá uma analogia com o macrocosmo sócio-

econômico ou infra-estrutura, como uma comparação implícita em sua própria estrutura,

permitindo-nos transferir a terminologia deste último para aquele, em maneiras que são

sempre muito reveladoras. A tarefa do crítico literário marxista é exatamente em

demonstrar este funcionamento do conteúdo dentro da própria forma, e não como algo

que o transcende, ou que existe “fora” dele.

Já no Inconsciente Político:a Narrativa como ato socialmente simbólico, o autor

é bem claro quanto a realização de seu projeto: a interpretação política dos textos

literários, irá partir do pressuposto de que “apenas uma genuína filosofia da história é

capaz de respeitar a especificidade e a diferença radical do passado sociocultural,

revelando a solidariedade de suas polêmicas e paixões, de suas formas, estruturas,

experiências e lutas para com as do presente” (JAMESON, 1992, p. 16). E retoma-se

isso para pensar que, em Jameson, a filosofia da história passa pela forma operável e

utilizável no mundo contemporâneo consumista e do sistema multinacional; e desse

modo,

[...] a filosofia cristã da história, que surge com força total na Cidade

de Deus de Santo Agostinho, (413-426 d.C), não mais pode se

vincular de maneira particular a nós. Quanto à filosofia da história de

uma burguesia heróica, suas duas principais variantes – a visão do

progresso que surge a partir das lutas ideológicas do Iluminismo

francês e aquele populismo ou nacionalismo orgânico que articulou a

historicidade bastante distinta dos povos da Europa Central e Oriental,

e que geralmente se associa ao nome de Herder – certamente não estão

extintas, mas, no mínimo, estão ambas desacreditadas, devido às suas

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materializações hegemônicas, respectivamente no positivismo, no

liberalismo clássico e no nacionalismo (JAMESON, 1992, p. 17).

Sobre esse historicismo, o marxismo também busca oferecer uma resolução

filosoficamente coerente e ideologicamente premente a este dilema. Nesse sentido, ele

se insere nas tendências que procuram dar um relato plausível do “mistério” essencial

do passado cultural. Mistério que é restabelecido se a aventura humana for única.

Assim, o autor recai numa filosofia da história metanarrativa da experiência

comum à espécie humana, que é o próprio instinto de sobrevivência. E, neste sentido,

ela não é mais nem menos determinista, mas definitivamente dialética recontada dentro

da unidade de uma única e grande história coletiva, qual seja, da luta para se alcançar

um reino de liberdade a partir de um reino de necessidade. Segundo Jameson, “é quando

detectamos os traços dessa narrativa ininterrupta, quando trazemos para a superfície do

texto a realidade reprimida e oculta dessa história fundamental, que a doutrina de um

inconsciente político encontra sua função e sua necessidade” (JAMESON, 1992, p. 18).

Então, também Jameson está pensando na busca de um projeto de salvação, que

é individual e psicológico, e não universal, em que a única libertação efetiva desse

controle (da tendenciosa lei da vida social capitalista, que mutila nossa existência

enquanto sujeitos individuais e paralisa nosso pensamento com relação ao tempo e à

mudança da mesma forma que, certamente, nos aliena da própria fala), começa com o

reconhecimento de que nada existe que não seja social e histórico – na verdade, de que

tudo é, “em última análise”, político.

Cabe ressaltar o caráter multidisciplinar da sua teoria do pós-moderno, que

implica num exame de uma grande variedade de expressões da cultura contemporânea,

passando por manifestações das artes visuais, das articulações do tempo e de uma nova

concepção do espaço, e uma tentativa de articular sua lógica subjacente. Para Jameson,

“no mundo fragmentado, é preciso fazer como os bancos e bolsas de valores, isto é,

aprender a totalizar.” (JAMESON, 2000, p. 6).

Neste sentido, a tarefa básica hoje é discernir as formas de nossa inserção como

indivíduos em um conjunto multidimensional de realidades percebidas como

radicalmente descontínuas. De modo que, o autor parece identificar um pós-

modernismo pernicioso, em que a verdade da nossa vida social como um todo é cada

vez mais irreconciliável com nossos modos de representação. E é pernicioso exatamente

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por isto, por implicar uma proliferação de teorias do fragmentário, que acabam

simplesmente por duplicar a alienação e reificação do presente.

Em “Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio”, Fredric

Jameson desenvolve com mais acuidade as várias formas de arte que, sob a rubrica do

pós-modernismo, tem por objetivo mapear o presente e “nomear o sistema” que

organiza nossas vidas, nossas manifestações culturais e nossos esforços de compreendê-

lo. Sua tarefa neste livro é a de chegar a “um conceito mediador que cumpra a dupla

agenda de fornecer um princípio para a análise de textos da cultura e apresentar um

modelo do funcionamento ideológico geral de todas essas características tomadas

conjuntamente” (JAMESON, 2000, p. 6).

A pretensão aqui é analisar os dois conceitos fundamentais que são trabalhados

em Fredric Jameson: a interpretação e a utopia e investigar as suas manifestações

culturais pós-modernas como uma ideologia funcional para o novo estágio do capital

globalizado, assim como suas configurações, permitindo ao crítico da cultura

destrinchar os germes de “novas formas do coletivo, até hoje quase impensáveis”. A

interpretação, sendo colocada pela própria natureza da nova textualidade: quando esta é

predominantemente visual (vídeo texto e o “noveau roman”), parece não deixar espaço

para uma interpretação à moda antiga e, quando é predominantemente temporal, em seu

“fluxo total” tampouco sobra tempo para a interpretação.

A utopia, sendo uma questão espacial, deveria ser o teste crucial do que restou

de nossa capacidade de imaginar qualquer tipo de mudança. Daí a necessidade de

pensar na totalidade, de modo a destrinchar as amarras do pensamento teórico

historicizante. De que a própria fragmentação do discurso só é percebida de acordo com

um pano de fundo que a coloque sob seus devidos termos.

Com isso, as análises a respeito de Fredric Jameson, e de suas obras, nos

servirão para mapear a emergência do conceito de pós-modernismo que melhor

particulariza a nossa intenção: de esclarecer que o pós-modernismo enquanto teoria e

prática historiográfica é pertinente ao momento em que nos encontramos, denominado

pelo autor de terceiro estágio do capital. Dessa forma, na sua prática de crítico de

cultura, evidencia-se a atualização da vocação histórica do marxismo: estudar o

funcionamento do capital desmistificando o seu movimento continuado de

obscurecimento da consciência.

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CAPÍTULO I

A constituição narrativa das Filosofias da História

Muito embora o sentido histórico em sua universalidade seja pensado sobre o

que envolve o conceito de humanidade e do seu futuro, este aspecto geral evidencia as

limitações e delimitações da própria história enquanto portadora de sentido. Ao longo

dos séculos, as experiências demonstraram que para além dos horizontes que

enquadram as particularidades do processo histórico, sempre foi patente o desejo de

unidade, de dar sentido ao que parecia não ter sentido.

De modo que pensá-las como pertencente a algum plano superior sempre

pareceu algo muito alentador. Assim, a questão que perpassa a nossa pesquisa é saber

como a concepção de uma filosofia da história em Fredric Jameson se constitui e retoma

o debate em torno do determinismo histórico. No entanto, longe de se identificar com as

experiências históricas do século XIX e XX, suas teses buscam compreender as

vicissitudes do tempo e a imprevisibilidade histórica, cuja categoria do “universal” é

inserida novamente no âmbito do debate.

Sendo assim, a busca por sentido, de um modo geral e por sentido histórico em

particular, é uma característica própria das culturas, tanto no passado quanto no

presente. Desde o momento em que o homem se percebeu como integrante de algo

maior, desconhecido, procurou formas de entendimento da realidade que pudessem lhe

garantir ordem e sentido sobre o caminho a ser seguido. Estas formas não eram

escolhidas aleatoriamente, obedeciam a regras e critérios de seleção e relevância que

dessem sentido ao acontecimento na sua forma geral. Em certo momento, coube à

História a atribuição da narrativa dos acontecimentos, conforme uma sequência objetiva

de simultaneidade ou de sucessão dos contextos, e como portadora de sentido, que

encontrava explicações globais e coerentes em relação aos fatos escolhidos.

Se, no entanto, a vontade de sentido histórico acompanha o homem desde sua

antiguidade, pode-se dizer que as filosofias da história acompanham o homem desde o

momento em que ele dá valor aos fatos que ele escolhe como relevantes para o contexto

ao qual está inserido. Portanto, o que distingue as concepções de filosofia da história de

um período a outro, é a mudança de valores que se opera no âmbito da própria

historicidade do homem e da história.

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Assim, a questão que se coloca sobre as filosofias da história, se relaciona com

os métodos da própria teoria da história, e dessas em relação à ciência histórica, cujos

fundamentos dão valor a uma elaboração sistemática das definições genéricas do que é

história. De modo que à atribuição de sentido em relação ao conceito de história, remete

a relação desta com as concepções de filosofia e teoria do modo narrativo de conceber a

ciência histórica.

Não obstante é esse caráter científico da narrativa histórica, que aqui queremos

desenvolver, com o intuito de estabelecermos criticamente às diferenças entre um modo

de narrativa peculiar ao conhecimento histórico e as “intenções” metanarrativas do

mesmo. Em suma, nosso propósito é estabelecer semelhanças e diferenças entre a

narrativa histórica e as metanarrativas para, daí por diante, explicitar o papel de Fredric

Jameson nesse debate.

Teoria da História e Filosofia da História: Jörn Rüsen e a dialética da

narrativa histórica

De uma interpretação da história, formal e substantiva dos fenômenos, em que se

procurava relacionar os acontecimentos segundo uma descrição lógica interna a própria

narrativa, tem-se uma produção de várias histórias paralelas, delimitadas no tempo e no

espaço. Não obstante, o cruzamento muitas vezes inevitável dessas narrativas, levava a

uma ideia de unidade, ou de sentido do todo em que viviam.

Mas o desejo de totalidade que elevasse o conceito em busca de um ideal único,

que pudesse ao mesmo tempo descrever e explicar os acontecimentos segundo uma

lógica causal, foi prefigurado pelas novas filosofias da história, de sentido moderno. Da

pluralidade de narrativas históricas, seguiu-se a ambição de uma filosofia da história

que unisse todas essas narrativas a um objetivo comum. Desse modo, a questão que se

colocava, e que ainda se coloca para a História é a seguinte: como submeter à

multiplicidade dos fenômenos históricos à unidade, a um método sistemático, da

universalidade dos fenômenos?

Remo Bodei (2001) identifica algumas dessas formas universais que, ao longo

desse processo, foi se constituindo na unidade das filosofias da história. Primeiramente,

a unidade política, expresso pela experiência do Império Romano. “O cânon que ordena

os acontecimentos e personagens é, portanto, de natureza política: gira em torno da

missão de um império universal terreno que unifica os diversos povos sob uma única

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civilização”. (BODEI, 2001, p. 18) A segunda é a concepção cristã desenvolvida por

Santo Agostinho. A história tem um sentido porque Deus e a Providência dirigem a sua

realização. É exatamente esta visão escatológica do processo histórico e de sua projeção

bíblica, de um cataclismo final, que passa a ser questionado pela razão iluminista, o

terceiro momento do desejo de unidade das filosofias da história. No entanto, o

Iluminismo ainda conservará uma ideia cristã que se encontra por detrás da “mão

invisível” da economia e da história3.

Tais mudanças ganham projeção durante os acontecimentos que se arrolam entre

os séculos XVI, XVII e XVIII. De acordo com Bodei (2001), o Iluminismo mesmo

conservando a ideia cristã, por detrás do conceito de razão universal, alterou

significativamente as formas do conhecimento humano sobre o ser e a história. De fato,

o Iluminismo propôs uma nova maneira de pensar, um pensar sobre si mesmo, uma

consciência histórica que deslocou o pensamento de Deus e do mundo, para uma

concepção de Deus e do indivíduo. A razão e o espírito unidos para o alcance de um

ideal comum, cujo futuro histórico aparece como meta e fim a serem realizados. É como

se as categorias de “universal” e “particular” se unissem no indivíduo, e dessa

contradição conciliadora, expressasse a totalidade do real sentido da história.

Esta ideia cristã para além do cataclismo final remete a uma superação das

fatalidades humanas, cujo progresso é o modelo propulsor de salvação, pautado nas

perspectivas de previsão seguramente garantida pelo modelo de

racionalidade/objetividade também nas ciências humanas. Assim como nas ciências

positivas, o método da busca por leis gerais causais, também se reflete nas ciências do

espírito. Deste modo, é a vontade das ações humanas que se encontram determinadas

por leis universais naturais. Transferidas para uma história universal, essa prerrogativa

pode determinar uma marcha regular dos acontecimentos e seus movimentos, como um

desenvolvimento continuamente progressivo, mesmo que lento, de suas potencialidades.

O surgimento da física newtoniana e do método positivo nas ciências naturais

permitiu a análise dos fenômenos históricos segundo leis gerais. Da ideia da

universalidade da vontade humana como sendo determinante das ações, buscou-se um

padrão que pudesse predizer e explicar todos os acontecimentos da história futura.

Outro fator foi o conhecimento de novos horizontes do mundo, para além da cristandade

3 “(...) em plena idade das Luzes, quando a „mão invisível‟ da economia e da história tendem a substituir

a intervenção divina – ainda dirá que os homens escrevem os números do seu destino no quadro-negro,

mas a soma, o sentido dos acontecimentos humanos, a efetua sempre Deus”. (BODEI, 2001, p.18).

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européia. Como afirma Bodei (2001, p.24) tal fato geográfico foi fundamental para a

descoberta de outras culturas, que não a européia, pondo em evidência a própria questão

do modo de ser europeu e sua relação frente a essas novas realidades históricas. Relação

de justificação do próprio método científico e da sua pretensa universalidade.

O século XX foi marcado por uma época de crise do paradigma moderno, tanto

no campo da ciência de modo geral, como na teoria da história em particular. Suas

pretensões de universalidade, expressas pela física newtoniana e pelas metanarrativas

das filosofias da história de Comte, de Hegel e as do marxismo (referente à suas

interpretações mais simplistas), entraram em colapso à medida que as experiências

históricas não correspondiam às promessas do discurso da modernidade. Desse modo,

nossa intenção é identificar como as filosofias da história constituíram um discurso que

corroborasse com as experiências históricas, a partir da defesa de uma “razão

universal”, que identificava o processo histórico em sua totalidade.

A questão assim colocada nos leva a indagar sobre as filosofias da história. Em

que sentido elas nos servem como guias, ou formas de organização que garantem a

universalidade dos fenômenos? E como a pretensão de uma universalidade pode ser

garantida, se a própria fundamentação de uma filosofia da história, passa por um lugar

“de onde se fala”? O ponto que nós queremos chegar é de que, independente de como se

coloca o problema, não é a pretensão de uma “universalidade”4 que procuraremos

defender, mas a ideia de “totalidade” como pressuposto intrínseco para uma definição

de filosofia da história, que procura através da prática dialética, a análise crítica das

formas internas e externas do conteúdo historicamente dado.

Primeiramente procuramos desenvolver um dos aspectos inerentes ao debate,

que é o conceito de narrativa e do modo como ele está inserido dentro de uma discussão

da pretensão da “validade científica” do discurso histórico. Esse modo específico se

refere a uma filosofia substantiva da história.

No entanto, a caracterização do que constitui a narrativa histórica e por ela é

constituída, permaneceu fora do ambiente da teoria, pelo menos aparentemente, por se

manifestar como caráter ficcional. Outros métodos deveriam constituir a ciência da

história, que permitissem um sentido de causalidade lógica e dedutível próprios das

ciências positivas. Não que a isso não se incorresse no uso da narrativa como forma de

4 Sobre a relação entre “universalidade” e “totalidade” a reflexão se refere às considerações mais políticas

do que propriamente filosóficas em relação ao sentido da História. No entanto, entendemos por sentido

filosófico da História, e seu caráter de “totalidade” o aspecto inerente a todo ser, de dar sentido e objetivo

às suas ações no presente em relação ao futuro.

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escrita da História. Nesse aspecto, a crítica se dirige a uma metanarrativa que por ter um

caráter eminentemente metafísico (no sentido da filosofia idealista de Hegel), deu

sentido e objetivo para as finalidades dos usos da História.

Sobre esta relação da narrativa histórica com o elemento ficcional a questão a ser

destacada é a do deslocamento do conceito de indivíduo e acontecimento na história,

que muda o sentido da própria narrativa enquanto estatuto do conhecimento histórico.

Com isso a crítica à metanarrativa recai sobre o sentido do indivíduo e do

acontecimento em termos “absolutos”, escapando a própria história enquanto uma

realidade mais complexa, entrecruzada, a realidade do social5. Aqui, o sentido desta

apreciação se dirige a certa concepção de história tradicional, história-narração, que

sempre teve a pretensão de dizer “as coisas como elas se passaram realmente”

(BRAUDEL, 1992, p.24)6. Por isso a narrativa é ficção porque dissimulada, portanto,

uma autêntica filosofia da história. No entanto, mais que uma crítica a própria filosofia

da história e seu sentido teleológico, é um combate metodológico contra a tradição

positivista na França, que o autor direciona suas reflexões7.

Enquanto teoria, a filosofia substantiva da história, procurou se ocupar com todo

o conjunto da história. Esse conjunto, constituído pela unidade narrativa entre passado,

presente e futuro, dado pela tradição, permitia uma consciência histórica, cujas

intenções do presente deveriam ser revistas. Essa revisão, no entanto, pressupôs certa

continuidade da narrativa histórica, cujo futuro era percebido como realização finita do

télos histórico. Nossa crítica, portanto, se dirige a essa concepção de continuidade

histórica, que pressuposta por essa metanarrativa coloca o problema da intencionalidade

da ação no presente, sob outras perspectivas, determinantes da ação no futuro.

Convém partir das considerações em relação aos usos da pragmática do

pensamento histórico, segundo a análise da obra Razão Histórica: Teoria da história, os

fundamentos da ciência histórica, de Jörn Rüsen. Para este autor, os fundamentos da

ciência da história, que assumem o papel de uma teoria da história, perpassam

considerações de caráter geral e sistemático próprios do pensamento histórico. O

5 Ver BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 1992.

6 Para uma diferenciação entre teoria da história e filosofia da história, a partir das considerações de

Fernand Braudel. Não é nosso interesse aprofundarmos sobre essas questões em Braudel, apenas para

situarmos as duas concepções no contexto do debate historiográfico. 7 Para uma reflexão sobre o eclipse da narrativa na historiografia francesa ver RICOUER, Paul. Tempo e

Narrativa (Tomo 1). Campinas, SP: Papirus, 1994, p. 148.

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pensamento histórico se constitui a partir da sua naturalidade, e a história é entendida

como objeto próprio daquele, em seu modo especificamente científico. Portanto,

São as situações genéricas e elementares da vida prática dos homens

(experiências e interpretações do tempo) que constituem o que

conhecemos como consciência histórica. Elas são fenômenos comuns

ao pensamento histórico tanto no modo científico quanto em geral, tal

como operado por todo e qualquer homem, e geram determinados

resultados cognitivos. Esses pontos em comum têm de ser

investigados como genéricos e elementares, isto é, como processos

fundamentais e característicos do pensamento histórico. Esses

processos representam a naturalidade corriqueira que se deve sempre

pressupor, quando se tenciona conhecer a história cientificamente.

(RÜSEN, 2001, p. 54, grifo nosso)

Rüsen (2001) assim define a constituição específica da ciência da história, como

um modo particular do processo genérico e elementar da consciência histórica. Não

obstante, se a consciência histórica se constitui como fundamento da ciência da história,

sua análise tem como premissa que nenhuma concepção particular da história, que

esteja vinculada a alguma cultura em sua especificidade, seja pressuposta como

fundamento da ciência da história. A consciência histórica é “fenômeno do mundo

vital”, e, portanto, se relaciona com a vida prática em sua imediaticidade.

A esta imediaticidade relaciona-se a questão da intencionalidade da ação, tese

desenvolvida pelo autor. A intencionalidade como forma de ação remete à própria

particularidade da ciência da história, já que o homem deve interpretar suas ações e sua

presença no mundo segundo suas intenções. São elas que fazem a mediação do homem

com o seu tempo, daquilo que Rüsen (2001) denomina de superávit de

intencionalidade. São estas intenções, enraizadas nas operações práticas do agir humano

que são pesquisadas. Assim, ele adquire uma relevância temporal, na medida em que

constitui a consciência histórica, que se manifesta sempre que os homens têm de dar

conta das mudanças temporais de si mesmo e do mundo, mediante seu agir e sofrer.

Segue que a explicação de Rüsen (2001) sobre o que constitui a consciência

histórica perpassa essas considerações, de intenção no tempo e experiência do tempo.

Segundo o autor, ambos os momentos mesclam-se, e se distinguem na medida em que

formam dois tipos de consciência do tempo, “experiência” e “intenção”. Para Rüsen,

“nessa distinção funda-se uma dinâmica da consciência humana do tempo na qual se

realiza o superávit de intencionalidade do agir (e do sofrer) humano...” (RÜSEN, 2001,

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p. 58). Nesse sentido, a consciência histórica é a própria dinâmica dessa relação, que se

realiza no processo da vida humana.

Destarte, é esta orientação da vida prática humana, articulada entre

“experiência” e “intenção” e desta com aquela, que os homens constituem e dão sentido

a experiência do tempo. A descrição de Rüsen sobre essa fundamentação é categórica:

Pode-se descrever a operação mental com que a consciência histórica

se constitui também como constituição do sentido da experiência do

tempo. Trata-se de um processo da consciência em que as experiências

do tempo são interpretadas com relação às intenções do agir e,

enquanto interpretadas, inserem-se na determinação do sentido do

mundo e na auto-interpretação do homem, parâmetros de sua

orientação no agir e no sofrer. O termo “sentido” explicita que a

dimensão da orientação do agir está presente na consciência histórica,

pois “sentido” é a suma dos pontos de vista que estão na base da

decisão sobre objetivos. A consciência histórica não se constitui [...],

pois, na racionalidade teleológica do agir humano, mas sim por

contraste com o que poderíamos chamar de “racionalidade de

sentido”. Trata-se de uma racionalidade, não da atribuição de meios a

fins ou de fins a meios, mas do estabelecimento de intenções e da

determinação de objetivos. (RÜSEN, 2001, p. 59)

Portanto, as questões genéricas em relação ao que fundamenta a teoria da

história se referem à relação do sentido que se constitui de acordo com o grau de

intenção inferido pelo indivíduo, a fim de se orientar no tempo. E esta orientação,

enquanto unidade de sentido constituidora da consciência histórica acaba indo sempre

além daquilo que o homem experimenta como mudança temporal, como fluxo ou

processo, projetando o tempo como algo que não lhe é dado na experiência. Seja de

forma a aceitar sua condição de finitude, ou de condicioná-la a um sentido de salvação

eterno. Logo, projeta o sentido do tempo como algo que não lhe é dado na experiência.

O propósito a que se apega o homem no tempo supera a contingência imediata, a partir

de um esforço próprio de interpretação, levando a experiência além da própria realidade

concreta.

Desse modo, distinguem-se dois tipos de tempos que, de forma contrária, porém,

numa relação de interação, constituem a experiência do tempo e as intenções que se

dirigem em relação ao mesmo. São eles: o tempo natural e o tempo humano. O

primeiro, visto como obstáculo da própria ação é percebido como oposto às intenções

humanas, e de certa forma ignorada pelo homem, já que este segue querendo realizá-las.

O segundo, o tempo humano, em oposição ao primeiro, é o tempo organizado, cujos

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planos e diretrizes constituem um fluxo temporal determinante das condições vitais, que

faz projeções, onde afirmam a si mesmos mediante o agir e o reconhecimento.

O homem está constantemente transformando o tempo natural em tempo

humano. Isso acarreta no próprio ato constitutivo da consciência histórica, que consiste

na interpretação da experiência do tempo com respeito à intenção quanto ao tempo.

Trata-se de evitar que o homem, nessa transformação, não se perca nas mudanças de si

mesmo e do mundo, e de “encontrar-se” no tratamento das mudanças experimentadas

(sofridas) do mundo e de si próprio.

No entanto, coloca-se a questão do uso de uma estrutura particular que dê conta

dessa unidade da consciência, como um processo coerente de pensamento. Rüsen

(2001) o identifica como um ato de fala8, que se constitui de modo determinante da

especificidade do pensamento histórico, da própria peculiaridade do pensamento

histórico-científico. Segundo Rüsen,

Em um ato de fala desse tipo, no qual se sintetizam, em uma unidade

estrutural, as operações mentais constitutivas da consciência histórica,

no qual a consciência histórica se realiza, com efeito existe: a

narrativa (histórica). Com essa expressão, designa-se o resultado

intelectual mediante o qual e no qual a consciência histórica se forma

e, por conseguinte, fundamenta decisivamente todo pensamento-

histórico e todo conhecimento histórico científico9. (RÜSEN, 2001, p.

61)

Tem-se então uma definição do conceito de narrativa histórica. Contudo, a esta

definição devem ser satisfeitas as condições pelas quais a consciência histórica se

realiza mediante a narrativa. Em função da própria multiplicidade de interpretações da

experiência do tempo, há que se identificar a relevância da distinção tradicional entre

narrativa ficcional e não-ficional, e como esta compõe a narrativa historiográfica.

Em A Aguarrás do tempo: estudos sobre a narrativa, o autor, Luiz Costa Lima,

faz uma digressão sobre o conceito de narrativa. Sua proposta insere-se dentro do que

8 Sobre este aspecto não é nosso propósito aqui, desenvolver as questões que envolvem a filosofia da

linguagem e a filosofia analítica. As referências a elas ao longo do texto irão perpassá-lo à medida que

iremos definir um conceito de narrativa da história, que se identifica com uma filosofia da história em

Jameson ao colocar a problemática da linguagem e do conceito de significado, sob outros parâmetros.

A respeito do conceito de ato de fala, ver a filosofia da linguagem em AUSTIN, J. L. Quando dizer é

fazer. Trad. De Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas: 1990. “Minha palavra é

meu penhor”, “o que faz com que se considere o ato de fala, a interação comunicativa propriamente dita,

como tendo um caráter contratual ou de compromisso entre as partes” (AUSTIN, 1990, p. 9) 9 Grifo do autor.

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fundamenta a ciência da história como “ciência”. Nesse sentido, o autor vai delineando

os meandros pelos quais a narrativa se confunde com o problema da cientificidade do

discurso historiográfico, e ao mesmo tempo, permeia o próprio relato das ciências

positivas, que constitui e fundamenta suas leis gerais. Por narrativa, entende-se, “o

estabelecimento de uma organização temporal, através de que o diverso, o irregular e

acidental entram em uma ordem; ordem que não é anterior ao ato da escrita mas

coincidente com ela; que é pois constitutiva de seu objeto”. (LIMA, 1989, p. 17)

O problema da narrativa na historiografia passa pelas intenções do próprio

historiador, e, portanto, do grau de intencionalidade que este coloca sobre o fato

narrado. Sendo a narrativa o método “par excellence” do historiador, as questões que

envolvem a problemática da narrativa, perpassam os critérios do método positivista, e

deste com a relação sobre o que se propõe a respeito da causalidade na história. Além da

confusão, com relação ao trabalhado do historiador e o trabalho do literato. Mesmo que

o primeiro apresente elementos ficcionais em sua estrutura, estes não se confundem com

os elementos ficcionais de uma obra literária. Por isso, ser imprescindível esta

diferenciação a que se refere Rüsen,

Para a questão da especificação buscada da narrativa como

constituição de sentido sobre a experiência do tempo, é relevante a

distinção tradicional entre narrativa ficcional e não-ficcional, distinção

essa que bem deve corresponder à autocompreensão da maioria dos

historiadores. Com ela obscurece-se, no entanto, o fato de que na

historiografia também existem elementos ficcionais. Além do mais,

essa distinção é problemática porque o “sentido” que é constituído

sobre a experiência do tempo mediante a interpretação narrativa está

além da distinção entre ficção e facticidade. Nesse “sentido”, como já

se indicou, mesclam-se tempo natural e tempo humano em uma

unidade abrangente. (RÜSEN, 2001, pp. 61-62)

Assim também, Luiz Costa Lima (1989) se refere sobre a questão da narrativa

histórica. A busca por leis gerais na ciência da história tira da narrativa seu caráter

eminentemente geral, qual seja, o da explicação, que segundo Luiz Costa Lima, acaba

por limitá-la naquilo que supostamente a toma por negativo,

O esforço de determinar-se a peculiaridade da explicação presente na

narrativa face à questão da incidência das leis gerais ainda não é o

bastante porque se limita a caracterizá-la pela negação do que não é

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(não é uma explicação geral que valesse para todos os casos

„semelhantes‟). A ênfase nesta caracterização negativa resulta de que,

implicitamente, estamos governados pela hierarquia entre „geral‟

(universal) e „particular‟, em que o segundo termo é considerado

cognoscitivamente inferior. A tal ponto a lei, encarnação do geral, é

tomada por superior à explicação particularizada que, para o resgate

da especificidade desta, nos esforçamos em mostrar sua resistência à

lei. (LIMA, 1989, p. 49)

Se o particular resiste à lei, ou à norma, é porque sempre se apresenta como

contingencial, diverso, irregular. Nesse sentido, se pode falar em lei que abrange a

ciência da história, quando esta se constitui numa relação de especificação própria da

operação intelectual da narrativa no mundo da vida concreta, de modo que, por lei em

história, entende-se sempre uma mudança relativa à forma com que a consciência

histórica se constitui mediante o entendimento da “realidade”. Entendimento que se

refaz sempre em função da transformação que se dá à medida que se difundem novos

sinais de crise, ou resistência, seja no modo de compreender um objeto ou em lidar com

o próprio objeto dentro de um paradigma.

Desse modo, distinguimos uma narrativa ficcional e não-ficcional, dentro

daquilo que impreterivelmente determinará o discurso historiográfico de acordo com

suas intenções no tempo. O que podemos identificar como o que configura o discurso

historiográfico segundo essas intenções, perpassa aquilo que forma a consciência

histórica, ou seja, os critérios determinantes das representações de continuidade.

Para Rüsen (2001), essas representações de continuidade são veiculadas dentro

da narrativa histórica, sob o critério de identidade, que produzem um sentido da

narrativa (histórica), a fim de poderem orientar-se no tempo. Esta orientação é mediada

pela lembrança e pela memória, que define aquele tipo de identidade a ser referida de

modo que os indivíduos não se percam e se mantenham firmes no fluxo do tempo.

Temos assim, uma definição daquilo que compõem a narrativa historiográfica, segundo

Rüsen,

a consciência histórica constitui-se mediante a operação, genérica e

elementar da vida prática, do narrar, com a qual os homens orientam

seu agir e sofrer no tempo. Mediante a narrativa histórica são

formuladas representações da continuidade da evolução temporal dos

homens e de seu mundo, instituidoras de identidade, por meio da

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memória, e inseridas, como determinação de sentido, no quadro de

orientação da vida prática humana. (RÜSEN, 2001, pp. 66-67)

Mas, dentro dessa configuração do narrar, o problema do que definimos como

constitutivo de uma narrativa histórica emerge da própria consideração que damos em

relação ao que a define empiricamente, ou seja, seus feitos. E ai, identifica-se onde a

ciência da história oscila quanto à busca da sua pretensa cientificidade. Entre um

subjetivismo das intenções humanas presentes e destas em relação ao futuro, e um

objetivismo reflexo de estruturas temporais do agir humano na consciência dos

agentes10

.

É a um sentido pluralista da história que Rüsen (2001) se refere, e que aqui nos

servirá para indicar o caminho da narrativa histórica. Como potencial interpretativo da

consciência histórica, ela foge ao que a constitui de modo arbitrário (tendências do

positivismo lógico dedutivo) e estabelece uma relação equilibrada entre memória e

experiência. Relação essa que encontra no passado a matéria bruta de histórias

produzidas para fazer sentido, e que é em si, já dotado de sentido, na medida em que a

ela (memória e experiência) se refere diretamente e lhe dá continuação.

No entanto, essa relação não é suficiente para determinar o que constitui a

narrativa como fundamento da consciência histórica. O próprio Rüsen (2001) argumenta

sobre essa questão, quando diz que a consciência histórica não se refere, sobretudo ou

exclusivamente ao passado, mas uma interdependência entre passado, presente e futuro,

de modo que só nessa interdependência os homens conseguem orientar sua vida, no

tempo. Podemos dizer então, que a narrativa do ponto de vista da história enquanto

conhecimento, só diz respeito ao passado e ao presente. O futuro está relacionado à

ação.

Tem-se que, o problema da História, concebida como um conjunto, ordenada

temporalmente, não reside na orientação das metanarrativas da concretização de um fim

na História, mas sim, na direção de nossas ações no presente a fim de vislumbrar um

futuro com mais possibilidades de ações positivas (colocando nesses termos).

Mas, nesse vislumbrar um futuro de possibilidades (positivas), a orientação do

agir antes mesmo do ato de narrar, pressupõe uma ideia que já está inserida na própria

10

Idem, p. 70.

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ação, de que fala Rüsen (2001). Assim, para cada elemento de partida de uma ação,

encontram-se elementos outros, de outras ações, anteriores, de tal modo que cada ação

se articula com os efeitos de ações já realizadas. É a tradição que garante um sentido de

proximidade entre o passado e as intenções determinantes do agir presente.

A tradição é o passado presente nos referenciais de orientação da vida humana

prática, sem, contudo, ter a consciência de que é passado, senão como presente puro e

simples, na atemporalidade manifesta. A tradição resume até aqui, tudo o que vimos em

relação à experiência do tempo e as intenções no tempo, da transformação do tempo

natural em tempo humano. De tudo o que envolve a lembrança e a memória em relação

ao modo como nos orientamos em nossas vidas práticas. De modo que, é ela que

constitui a unidade imediata entre essas polaridades, é a recuperação do tempo ainda

antes de quaisquer resgates do tempo realizados pela consciência histórica.

Mas entre aquilo que determina a tradição, e a necessidade de consciência

histórica, existe uma relação de superação. A necessidade de consciência histórica

supera a tradição, à medida que sua orientação temporal não é mais suficiente. Quando

esse passado, inferido pela tradição enquanto presente, já não basta para que se possa

agir com segurança.

Assim sendo, é sempre a intencionalidade da vida prática dos homens, que

constitui a consciência histórica como algo universalmente humano, cuja historicidade

vai sempre além do que é o caso, por exemplo, da tradição. O que constitui a

consciência histórica como universal é essencialmente as mudanças do homem e do

mundo, determinadas pelo agir, que não obstante, não podem ser redutíveis a leis

universais, com as quais poderia ser tecnicamente controlado. O superávit de

intencionalidade11

característico da ação, que constitui a consciência histórica, escaparia

sempre à dominação, ao âmbito do controle.

Ora, se a consciência histórica em sua universalidade é determinada por aquilo

que escapa ao controle, o superávit de intencionalidade, é porque o homem, em sua

imediaticidade concreta, sempre está transformando o tempo natural em tempo humano.

Então, é por tudo isso que a consciência histórica se torna essencial e nesse sentido

universal: “justamente porque as experiências do tempo e as intenções no tempo são

superadas nos processos da vida humana prática, e a orientação no tempo por meio dos

11

Grifo nosso.

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conteúdos prévios da tradição não basta, é que a consciência histórica se faz

necessária”. (RÜSEN, 2001, p. 80).

No entanto, qual a relação entre a consciência histórica e narrativa, que

procuramos estabelecer aqui, com a universalidade do conceito de História? Se ao

caracterizarmos a consciência histórica em sua universalidade, dada pelo superávit de

intencionalidade, a narrativa enquanto método da teoria da história é também universal

no sentido de que é através dela que conhecemos e interpretamos a consciência

histórica.

Ao prefixo “meta” se relaciona o sentido atribuído a esse superávit de

intencionalidade, cujo direcionamento produzido pela consciência histórica está na

representação de continuidade entre as ações do passado e as do presente, de forma que

se abram perspectivas de futuro. No que se refere às perspectivas de futuro, é onde se

insere nossa crítica, já que enquanto discurso “metanarrativo” não é o futuro que se abre

como perspectiva final, mas sim a possibilidade de direcionar nossas ações para um

futuro mediado por elas.

A consciência histórica, como metanarrativa, é o pressuposto da própria

tradição, unidade temporal, que diante das mudanças relativas à experiência do tempo e

a intenção no tempo, num dado momento tendem a desagregar essa mesma unidade.

Entretanto, é a própria consciência histórica, enquanto “crítica” da unidade temporal,

que em função de novas carências, ocasionam visões novas do futuro e,

consequentemente, um novo recuo ao passado. Desse modo, o passado como passado

torna-se enfim possível, e à narrativa preserva-se sua função histórica. Ela se torna

“meta”, à medida que o tempo passado assume a função interpretativa que a tradição

não tem como exercer, abrindo novos leques de interpretação para o futuro, e de

orientação da vida prática humana.

A essa versão “meta” da História, temos o objeto do conhecimento histórico-

científico. Isto porque, a história em sua versão científica, também recorre a pretensões

de validade, que tornam seu discurso, objeto válido da narrativa histórica. Resta-nos

saber, no entanto, que tipo de validade científica é pretendido pelo pensamento

histórico, já que este pode e deve por princípio, ser hipostasiado a todo pensamento

histórico. É a sua condição de hipóstase que define o caráter universal da ciência da

história, que pode parecer supor uma contradição em relação à validade assumida pelas

ciências ditas “positivas”, mas que se resolve à medida que é à narrativa que se recorre

enquanto pretensão de validade de todo discurso científico. De acordo com Rüsen,

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Não fosse assim, tampouco se poderia falar de validade “universal”

do conhecimento histórico da ciência da história, pois esta valeria

então somente para os que fizessem ciência e que, por certas razões,

estivessem em condições de aceitar a pretensão de validade específica

da ciência como coincidente com sua própria pretensão. O pathos todo

da ciência e, com ele, o que torna compreensível, faz valer a pena e

justifica toda a mobilização científica, residem na circunstância de

ambos produzirem resultados sob a forma de um conhecimento

histórico cuja pretensão de validade tem de ser partilhada por todos

que exigem, das histórias, que elas valham. Justamente por isso se

impõe, ao se tencionar o que é a história como ciência, que se vá além

dela ou para seus bastidores, perguntando-se pelas pretensões de

validade do pensamento histórico que se encontram em seus

fundamentos existenciais. (RÜSEN, 2001, pp. 85-86)

O que fundamenta todo o discurso científico em Rüsen (2001), e junto a este a

ciência da história, é justamente que a narrativa em si, enquanto constructo da

consciência histórica abrange em toda sua extensão, as pretensões de validade de todas

as ciências em geral. Luiz Costa Lima (1989) também se aproxima dessa abordagem, ao

apontar a necessidade nos dias de hoje, do cientista repensar a relação de seu campo

com a própria narrativa. Assim, de acordo com este autor,

Sumariamente a narrativa consiste no estabelecimento de uma

organização temporal que afeta e ordena o diverso, acidental e

singular. (...). Se a categoria do tempo é pois fundamental na

narrativa, se ela, ademais, implica uma ordem sobre o que se mantém

acidental e não incorporável à formulação genérica de uma lei, que

então pode significar a quebra da lua-de-mel da ciência com o

determinismo senão que, em algum momento, o cientista

contemporâneo terá de repensar a relação de seu campo com a

narrativa? (LIMA, 1989, p. 114).

Assim o autor identifica o momento de urgência da narrativa que enquanto

produção de sentido, as ciências em geral organizam o que é particular e acidental.

Nesse sentido, Lima já aponta o caminho que essa extensão da narrativa pode acarretar

e que acaba por resumir toda exposição até aqui:

Que vantagens e/ou desvantagens essa extensão da categoria da

narrativa apresenta? São claras as desvantagens: à medida que a

narrativa já não se confunde com um único campo discursivo – o da

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literatura, na visão corriqueira – ou não se restringe a campos

contíguos mas distintos – os da historiografia e da ficção -, torna-se

maior o risco de não se distinguirem suas incidências legítimas. (Isso

para não falar do problema então iminente de não se saber distinguir

entre legítimo e normativo). Quanto às vantagens, restringimo-nos a

duas: (a) a extensão dos limites da narrativa, a sua incidência, como

produção de sentido onde leis não se firmem, no campo da própria

ciência “dura”, potencialmente ajuda ao ultrapasse da visão piramidal

acerca dos diferentes discursos. Essa visão piramidal, tendo as

ciências exatas em seu ápice, prejudica uma visão crítica, desde logo

dos limites da própria ciência. Seus efeitos não são desprezíveis no

território da própria política; (b) ao passo que a ratio moderna, pelo

casamento da ciência clássica com a filosofia kantiana, concebe o

tempo como mensurável e abstrato, o reconhecimento da extensão da

narrativa pode funcionar como estímulo para a valorização do que se

enraíza no particular, do que se dá no interior de um tempo concreto,

que é a própria vida. (LIMA, 1989, pp. 115-116)

Nesse aspecto, chega-se no intuito dessa exposição sobre o que vem a ser

narrativa e seu sentido “meta” nas filosofias da história. De modo que, não é a uma

crítica negativa que se pretende chegar sobre o sentido constituído das metanarrativas,

mas o caráter da intencionalidade da ação no futuro à que elas foram subordinadas.

O significado “na” História: intenção e poética da narrativa histórica12

.

Assim é a filosofia substantiva da história, que aqui nos interessa como objeto da

crítica. Isto porque, fundamentalmente constituída segundo critérios de validade

científica pretensamente universal, ultrapassou os próprios limites da realidade empírica

e cognitiva lógica da história. Para uma explanação da crítica, partimos da análise feita

por Arthur Danto (1989), para quem uma filosofia da história assim, é uma explicação

de todo o conjunto da história, o que envolve todo o seu passado e todo seu futuro.

Seguindo a sugestão do autor, identificam-se dois tipos de teorias a partir dessas

considerações: as descritivas e as explicativas. Ambas, sendo constituídas pela narrativa

12

Distinguem-se, dentro da filosofia da história, dois tipos de investigação do pensamento histórico. São

elas a filosofia substantiva da história e a filosofia analítica da história. A primeira se vincula a própria

tarefa dos historiadores, que em sua prática procura dar conta dos fatos ocorridos no passado e daí, sugere

uma explicação de todo o conjunto da história. A filosofia analítica da história é o modo de análise dos

problemas conceituais referente à filosofia substantiva da história, que surgem tanto da prática historicista

a ela subjacente, bem como do discurso por ela evocado.

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acabam por incorporar aquela mescla de elementos tanto ficcionais como não-

ficcionais, citados por Rüsen (2001). Contudo, isto não desconsidera o fato da narrativa

ser constituinte do pensamento histórico, mas predispõe a uma concepção de

metanarrativa capaz de esclarecer todo o mistério e sentido do devir histórico. Àquilo a

que Rüsen se referia, da transformação do tempo natural em tempo humano13

.

Enquanto a teoria descritiva dos acontecimentos históricos parte daquilo que

constitui todo o passado, e remete a um padrão que se projeta no futuro, o que desse

passado conhecemos, a teoria explicativa, procura dar conta desse padrão em termos

causais. Por isso, é que, uma teoria explicativa não se faz sem estar conectada com uma

teoria descritiva14

. De maneira que, constitui-se enquanto uma filosofia da história15

,

porque a esta se encontra ligada uma teoria explicativa causal, que segue um padrão

determinado por um processo de descrição, relacionado ao conjunto de todo o passado,

e de todo o futuro histórico.

Chegamos ao ponto em que a filosofia substantiva da história torna-se ciência da

história. Isto porque a ela, agregam-se os valores da observação científica e do caráter

da ciência teórica, constituída segundo a compreensão científica de Kepler e de Newton.

A ambos os autores creditou-se o aspecto revolucionário do pensamento científico, da

busca de leis gerais e causalidades internas específicas a essas leis. De modo que, esse

critério científico também foi concebido pelos filósofos da história, como tendência a

buscar leis gerais do processo histórico como um todo, segundo explicações causais

internas refletidas no seu aspecto exterior. Assim, mais do que reunir dados históricos e

reduzi-los a um padrão determinado, se intencionava predizer e explicar todos os

acontecimentos históricos futuro.

13

“A consciência histórica é, pois, guiada pela intenção de dominar o tempo que é experimentado pelo

homem como ameaça de perder-se na transformação do mundo e dele mesmo. O pensamento histórico é,

por conseguinte, ganho de tempo, e o conhecimento histórico é o tempo ganho.” (RÜSEN, 2001, p. 60). 14

Arthur Danto cita o exemplo do Marxismo como sendo uma filosofia da história, por apresentar tanto

elementos descritivos quanto explicativos. No entanto, é apenas uma teoria da história, já que o padrão

que descreve o sentido de causalidade na história, a luta de classes, não ser suficientemente capaz de

explicar e prever o futuro enquanto “fim” da história. No sentido de filosofia da história que estamos

elucidando aqui, a questão abarca tanto todo o passado, como todo o futuro histórico enquanto fim

idealmente atingido. E ao Marxismo, atribuiu-se tal idealização. 15

“El marxismo es una filosofía de la historia y exhibe ciertamente ambos tipos de teorías, la descriptiva

y la explicativa. Considerada desde el punto de vista de la teoria descriptiva, la pauta es la del conflicto de

clases, en que una clase genera sua antagonista a partir de las condiciones de su propria existencia y es

superada por ella: „toda la historia es la historia de la lucha de clases‟, y la forma de la historia es

dialéctica. Esta pauta perdurará en la medida en que sigan operando ciertas fuerzas causales con

diferentes factores económicos es lo que constituye la teoría explicativa del marxismo. Marx predijo que

la pauta llegaría a su fin en un momento futuro, porque los factores causales responsables de su

permanencia dejarían de ser operativos.” (DANTO, 1989, p. 31)

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No entanto, Arthur Danto (1989) já caracteriza a tarefa do filósofo da história como

“mesquinha” para com a história mesma. O historiador lida com os fatos do passado, e

do futuro, quando este se converte em passado. E, contudo, não se pode reunir dados

acerca do futuro, porque de fato, a ele não se tem “dados” sobre. Para Arthur Danto,

isto fica muito claro quando ele aponta a que tipo de programa, pretendem as filosofias

da história responder,

Las filosofías explicativas de la historia, incluso las que han sido más

influyentes, son poco más que programas para teorías aún por

formular, no digamos comprobar. Por otro lado, si pensamos em las

explicaciones históricas comunes (y no sólo en las mejores de ellas),

parecen ejemplares muy desarrollados de su proprio género, que

satisfacen criterios aplicables a ese género y que resaltan la forma en

que las filosofías de la historia fracasan miserablemente em satisfacer

los criterios de uma teoría científica. (DANTO, 1989, p. 36)

Não obstante, é fato que na história exista algo similar à classe de atividade com a

qual se compara a história em seu conjunto na concepção que estamos considerando.

Assim, subjacente a ela existe a intenção de organizar os fatos conhecidos em padrões

coerentes, de modo que apresentam elementos comuns tanto das teorias científicas, bem

como das filosofias da história.

Nesse sentido é que as narrativas históricas correspondem aos critérios de

cientificidade dessa organização dos fatos, na medida em que impõem certa cronologia

de modo a produzir padrões coerentes de interpretação. É esta a crítica que

identificamos no autor em relação à metanarrativa enquanto portadora de sentido

histórico, de que a ela não se pode atribuir de modo exato uma projeção sobre o futuro,

mas no mínimo, certa capacidade preditiva. Portanto,

la distinción entre observación y teoría tiene un correlato em la

historia. Pueden existir amplias diferencias entre las explicaciones

históricas y las teorías científicas, pero no más amplias, se siente uno

inclinado a pensar, que las diferencias entre las filosofías de la historia

y las teorias científicas. (DANTO, 1989, p. 37).

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À filosofia substantiva da história, concebemos o caráter “meta” da narrativa

histórica. E isto é o que diferencia as filosofias da história e as teorias científicas.

Enquanto a teoria pertence a uma categoria que satisfaz critérios diferentes das relações

históricas comuns, as filosofias da história parecem ter mais em comum com essas

relações paradigmáticas da história. Daí, essas relações nas filosofias da história, nos

sugerir, uma predição e previsão, que a própria história, enquanto teoria científica é

incapaz de estabelecer.

Já aqui, identificamos um dos propósitos deste trabalho: da diferença entre a

atividade prática do historiador e a atividade filosófica do filósofo da história. Portanto,

do significado atribuído pela narrativa histórica tanto do historiador como do filósofo da

história, relações diferentes, porém constituídas dentro de uma mesma estrutura: a

narrativa. Tratando-se das filosofias da história, a questão da narrativa reside no fato de

que, elas,

Tienden, de forma típica, a proporcionar interpretaciones de

secuencias de acontecimientos que son muy parecidas a las que se

encuentran en la historia y muy poco parecidas a las que uno

encuentra em la ciencia. Las filosofías de la historia hacen uso de un

concepto de interpretación, que, me parece a mí, no sería muy

apropiado en la ciencia, esto es, un cierto concepto de “significado”.

Es decir, pretenden descubrir lo que, en un sentido del término

especial e históricamente apropiado, es el “significado” de este o

aquel acontecimiento. (DANTO, 1989, p. 39)

O problema está, portanto, no sentido do significado que atribuímos em relação ao

próprio acontecimento. Até que ponto, tal acontecimento é significativo para a

consciência histórica? Qual o sentido do significado de algum acontecimento para o

pensamento histórico, para a consciência histórica? Terá ele sentido, no final do

movimento histórico? Ou será ele parte constituinte desse movimento? Ou

simplesmente, não terá significado nenhum?

A diferença essencial em relação ao que entendemos como “significado” da

história, da sua unidade e sentido remete à diferença entre o significado “último” da

história, e do significado de um simples enunciado, palavra, frase ou mesmo uma

oração. Para concebermos um acontecimento como dotado de significação, pressupõe-

se uma estrutura temporal mais ampla, da qual fazem parte. Para Rüsen (2001) esta

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estrutura é a narrativa histórica, que articula o passado em função do presente, a fim de

compreendê-lo, e para, através dele, projetarmos a ação no futuro.

Para Danto (1989), um acontecimento só tem sentido de forma retrospectiva. De

modo que é no presente que o acontecimento adquire sentido e significado para nós,

pois inserido nesta continuidade dada e mediada pela narrativa histórica. Assim, ele

pode significar algo ou não significar nada, à medida que a ele não é atribuído

significado dentro dessa mesma continuidade, já que não faz progredir a ação. Ou então,

como coloca Danto (1989), o acontecimento adquire significado específico e

determinado somente com respeito à obra em seu conjunto, ou seja, em sua

continuidade.

Mas aqui, chegamos a um impasse: porque é exatamente esta visão da obra em seu

conjunto, do fato em sua totalidade, que escapa à visão do historiador e do próprio

filósofo da história. De modo que, qualquer acontecimento fica à margem da análise que

corrobora sua existência diante da totalidade, sempre esperando pra confirmar ou não

suas razões de ser.

Assim, a tarefa do historiador é uma constante revisão de suas afirmações,

referentes a tal ou qual acontecimento histórico, à luz do que sucede posteriormente,

diferentemente do filósofo da história: tendo diante de si, o fragmento de todo o

passado, o relaciona a uma concepção de totalidade “da história”, de todo o passado e

futuro. E, nesses termos, de acordo com Danto, o filósofo da história,

Piensa en términos del conjunto de la historia, y trata de descubrir a

qué se podría parecer la estructura de esta totalidad basándose solo en

el fragmento que ya tiene, y al mismo tiempo, trata de decir cuál es el

significado de las partes de ese fragmento a la luz de la estrutuctura

total que ha proyectado. (DANTO, 1989, p. 41)

Essa forma de conceber a história é segundo Danto, profundamente teológica16

. E de

fato, é essa caracterização teológica das filosofias substantivas da história, e daquilo que

fundamenta suas asserções e predições sobre o futuro, o superávit de intencionalidade, o

que determina a diferença dos seus enunciados. Neste aspecto, o enunciado acaba por

16

“Estoy completamente de acuerdo con la afirmación del profesor Löwith de que esta forma de concebir

el conjunto de la historia es esencialmente teológica o que, en cualquier caso, tiene propriedades

estructurales en común con las concepciones teológicas de la historia, a la cual se considera in toto, como

correspondiente a algún plan divino.” (DANTO, 1989, pp. 41-42)

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definir ações no futuro, ações esperadas, muitas vezes conhecidas como “profecias”. É o

significado que as contém que definem uma concepção acerca da totalidade da história

no mínimo equivocada e ambiciosa da escrita da história. Assim, a semelhança de suas

narrativas consiste no uso do significado dos acontecimentos, que segundo Danto

(1989) é injustificado nas filosofias da história.

Neste caso, injustificadas porque pretensiosas. Mas as filosofias da história

modernas mostraram que à grandiosidade segue-se por trás, um discurso de poder que

procurou abarcar todas as civilizações da história, numa só totalidade, num só objetivo

final. Com isso, especificidades históricas, foram deixadas de lado, e da unicidade dos

fatos narrados, seguiu-se à universalidade da narrativa histórica.

Até aqui, torna-se indubitável o fato de que a narrativa histórica, ou o relato como

denomina Danto (1989), constitui o contexto natural, no qual os acontecimentos

adquirem significação histórica. Se aos critérios de validade da narrativa é preciso que

os acontecimentos passados adquiram significado no presente, é devido ao fato de que,

no presente, tem-se uma relação de posteridade com os fatos passados correlacionados.

O presente relaciona-se com o passado de forma correta, pois a ele encontra-se

ligado, e determinado. Daí tem-se uma relação presente-passado no mínimo pré-

determinada, e não alusões a acontecimentos que não se realizaram em função da

própria situação do relato. E é este sentido, que segundo Danto, é violado de alguma

forma pelas filosofias substantivas da história,

Utilizando el mismo sentido de significación que los historiadores

usan, presuponiendo que los acontecimientos se sitúan en un relato,

los filósofos de la historia buscan la significación de acontecimientos

antes de que hayan sucedido los acontecimientos posteriores, en

conexión con los cuales los primeros adquieren significación. El

modelo que proyectan sobre el futuro es una estructura narrativa. En

suma, tratan de contar el relato antes de que el relato pueda ser

propiamente contado. (DANTO, 1989, p. 46)

O filósofo da história pressupõe acontecimentos ainda não realizados, pela própria

condição do relato, que é toda a história. Assim, dentro dessa estrutura narrativa, o

acontecimento tem significado já determinado, porque inserido no relato. A descrição

tem como referência os acontecimentos dados como posteriores, ou seja, descritos num

momento futuro, sem, no entanto, terem ocorrido. Por isso o futuro pertencer a certa

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classe de afirmações, porque definitivo no contexto do relato, ou seja, pressupõe a

realização do seu fim absoluto. De modo que, mesmo não tendo significado imediato o

acontecimento, aquele já está dado, à medida que a ele, pressupõe-se um futuro já

determinado pelo relato da narrativa histórica.

Mas o que diferencia uma filosofia substantiva da história é a posição entre o

significado da história, e na história. Quanto ao primeiro, já está dado no próprio relato

como colocado acima. Em relação ao significado na história, admite-se que o

acontecimento esteja preparado para aceitar um contexto no qual ele se torna

significativo. Frequentemente, o contexto em que o acontecimento se torna

significativo, é em realidade limitado, ou seja, pressupõe um contexto ainda que amplo,

particular, pois se refere a uma realidade da qual o acontecimento é apenas uma parte.

No entanto, a questão está na compreensão que se tem da totalidade da história.

Porque se um contexto amplo, mesmo que particular pode constituir uma totalidade,

esta, contudo, não constitui a totalidade da história17

¸ como pensada pelos filósofos da

história. Pois o acontecimento, como colocado acima pode ser apenas parte desta

totalidade, e não a totalidade da história. Isto gera um equívoco, segundo Danto, no

modo de lidar com esta concepção da totalidade da história:

Existen contextos más o menos amplios, pero la historia, considerada

como totalidad, es sin más el contexto más amplio posible, y

preguntar por el significado de la totalidad de la historia equivale a

privarse del marco contextual en el cual son inteligibles esos

requerimientos. Porque no existe un contexto más amplio que la

totalidad de la historia en el que se pueda situar la totalidad de la

historia. (DANTO, 1989, p. 48)

Assim, a totalidade da história é a própria história. Não há um plano divino, um

significado não-histórico, atemporal, que possa reivindicar o significado da totalidade

da história. No entanto, é o mistério subjacente a ideia de um plano divino que envolve

a própria concepção de história, que aqueles tomam para si, como constituidora de sua

totalidade. É a autoconsciência do mistério, que se resolve enquanto sentido do absoluto

17

Grifo nosso. No sentido de estabelecer a diferença entre o que entendemos como totalidade da história,

no caso, os variados contextos históricos em sua totalidade peculiar e específica, e uma totalidade da

história que engloba todos os contextos num só.

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na história, cuja compreensão está dada na própria filosofia da história que lhe subjaz, e

que projeta no futuro, o sentido de felicidade eterna, portanto, do fim da história.

Por trás desta concepção temos a ideia da secularização cristã da filosofia

substantiva da história. Os acontecimentos se inserem dentro de uma narrativa de

significado único, que predispõem a descrever algo, baseado em previsões futuras

acerca do passado. No entanto, é esta atividade da descrição dos acontecimentos

futuros, ou seja, daquilo que pode acontecer, mesmo não tendo acontecido, ou no

mínimo prevê-los, que parece confusa na filosofia substantiva da história.

Destarte, é em relação a intencionalidade do modo como os filósofos substantivos

da história a concebem que Danto (1989) direciona sua crítica. Para o autor é um erro

descrever um acontecimento antes mesmo de ele ter acontecido. De modo que a

descrição, refletida nas afirmações sobre o futuro que fazem os filósofos da história, não

são as mesmas que fazem os historiadores. Para estes, o passado se refere ao futuro,

enquanto passado, de maneira a orientar a ação no presente para uma melhor

compreensão dela no futuro. Enquanto o filósofo da história faz referências a

acontecimentos passados de modo a prever e descrever acontecimentos futuros, sem que

estes tenham ocorrido.

A questão do significado na história segue, portanto, critérios que fogem a narrativa

única da totalidade da história, já que se baseiam em fatores de convenção e

arbitrariedade que escapam a uma única localização temporal, além dos interesses que

regem o que é e o que não é histórico segundo as intenções humanas. De fato, a

pretensão de cientificidade das humanidades em geral, e da história em particular, levou

a filosofia, por seu discurso metafísico e universal, a incorporar a história dentro de uma

metanarrativa que garantisse o sentido dos acontecimentos.

E assim, do sentido de universalidade das metanarrativas tem-se uma

descaracterização de outras temporalidades e do sentido histórico a elas relacionado.

Assim, quando Rüsen (2001, p. 61) considera a narrativa como o fundamento da ciência

da história, é porque é nela que os acontecimentos históricos ganham sentido para nós

no presente, ao realizar uma mediação entre passado e futuro, de forma a orientar

melhor nossas ações. Ela pode ser uma metanarrativa quando a consciência histórica

através da tradição, pautadas na lembrança e na memória, cria uma identidade que une

essas narrativas, que coordenadas entre si, orientam a ação para o futuro, o que não é o

mesmo que prevê-los.

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Esse é o papel da filosofia analítica da história. Que enquanto filosofia deve ser

crítica e argumentar de como na história essas narrativas são coordenadas de acordo

com os interesses, que regem nossas escolhas dentro de uma estrutura temporal comum

tanto ao discurso historiográfico quanto à narrativa de ficção. E neste sentido,

compreendemos como pressuposto básico para o que constitui uma metanarrativa, ou

Filosofia da História que põe à “prova” a si mesma, o próprio movimento dialético que

é o pensamento crítico. E assim, complementa,

Por eso, al discutir nuestro conocimiento del pasado, no puedo dejar

de estar interesado en discutir nuestro conocimiento del futuro, se es

que podemos hablar de conocimiento en ese caso. Por eso, en un

cierto sentido, estaré tan interesado en la filosofía substantiva de la

historia, como en la historia misma. Mantendré que nuestro

conocimiento del pasado se encuentra significativamente limitado por

nuestra ignorancia del futuro. La identificación de los limites es el

asunto general de la filosofía, la identificación de ese limite la

cuestion particular de la filosofia analítica de la historia (...).

(DANTO, 1989, p. 52)

Desse modo é a narrativa e seu poder de explicação que está em evidência tanto em

relação a uma filosofia substantiva da história como na filosofia analítica da história.

Enquanto a primeira envolve uma explicação lógico-causal dos acontecimentos dentro

de uma unidade científica que é tradicional, portanto, de mestra vitae, a segunda

compõe a crítica desta mesma “unidade científica” e do caráter nomológico das ciências

históricas, pensando a narrativa como elemento constitutivo da consciência histórica, ou

do tempo histórico.

Filosofia da História: a narrativa enquanto sentido do “télos” histórico,

em Hegel e Marx.

As concepções de filosofia da história, na intenção de servir à teoria da história

segundo os mesmos moldes científicos das ciências naturais, cuja premissa encerra-se

na busca de leis gerais que possam determinar o curso dos fenômenos históricos,

encontraram na tradição dela mesma (do Ocidente), a unidade do sentido histórico.

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Enquanto sentido e significado atribuído em relação a um determinado período

histórico, elas também devem ser historicizadas na medida em que envolvem certa

concepção de narrativa da história bem particular. Assim ao falarmos sobre as filosofias

da história modernas, levamos em consideração o aspecto de continuidade inerente as

narrativas históricas (do Ocidente), como constituinte da consciência histórica e desta

em relação à própria metanarrativa que deu forma e conteúdo à modernidade.

De acordo com Karl Löwith (1977), as filosofias da história são empregues

“com o sentido de uma interpretação sistemática da história universal de acordo com um

princípio segundo o qual os acontecimentos e sucessões históricos se unificam e

dirigem para um sentido final” (LÖWITH, 1977, p. 15). Este princípio por si só já

encerra uma acepção de um conceito teleológico, em que o processo histórico, se dá por

meio de uma história de realização e salvação. E sobre esse aspecto, Karl Löwith indica

um dos primeiros problemas enfrentados pela história enquanto ciência já que, como

poderia ser possível verificar uma crença na salvação, com base em razões de ordem

científica?

Sobre esta questão, Löwith (1977) parte do próprio esquema de secularização

escatológico das filosofias da história com o Iluminismo, que terá implicações no modo

de conceber a história e seu desenvolvimento, não mais baseado numa fé cristã, mas

concebido por uma fé na razão. Portanto, é o princípio de objetividade científica, a

Razão, enquanto lei geral, que fundamenta e determina os fenômenos históricos, e

permite certa concepção de ciência da história capaz de unificar passado, presente e

futuro, como único devir. José Carlos Reis assim define esta concepção do Iluminismo,

A história é a marcha do espírito em busca da liberdade; é uma

construção de um sujeito singular-coletivo e consciente – a

humanidade -, em busca da liberdade, isto é, do seu centro, da

coincidência consigo mesmo. O projeto moderno iluminista é

profundamente otimista: crê na Razão e em seu poder de sempre ver

claro e de construir um mundo histórico-social segundo seus

parâmetros. A história é considerada construção e realização da

subjetividade universal, um processo racional, inteligível. Seu

desfecho é previsível: a vitória da Razão que governa o mundo.

(REIS, 2003, p. 68)

Desse modo, a unidade do processo histórico se reflete num futuro, que através

da razão e do autoconhecimento do espírito, libertará toda a humanidade do mal e do

sofrimento. No entanto, esta concepção, segundo Löwith (1977), acarretou na perda da

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metafísica das filosofias da história hodiernas, e no total descrédito das metanarrativas.

Isto devido ao fato de que, as novas tecnologias e o ideal positivista que permeou às

concepções de história, não se tornaram suficientemente eficazes. O critério de

racionalidade que elevasse a História a um fim de emancipação e libertação do homem,

não se realizou, acarretando uma profunda desconfiança em relação às filosofias da

história. Isto porque, como afirma Bodei,

Em primeiro lugar, visivelmente faltam os “espíritos guias” dos

acontecimentos. Enumerando: não existe mais nem um império

unificador, como em Políbio; nem uma credível civitas peregrinans,

como em Agostinho; a “procissão do espírtio santo” na história, como

em da Fiore; os Volksgeister, como em Herder; a “educação do gênero

humano”, como em Lessing; os saltos de época, como em Condorcet;

o proletariado na qualidade de protagonista da revolução que deveria

terminar com todas as revoluções, como em Marx. Em segundo lugar,

esvaiu-se a confiança no progresso e no futuro, garantida pelo avançar

para uma meta única e satisfatória, e com ela a crença de que o

negativo e o mal na história possam tornar-se o “fermento” do bem e

que as fases de extremo sofrimento dos povos sejam simples

parênteses do desenvolvimento. (BODEI, 2001, p. 71)

É a ideia de totalidade histórica, que permeia o aspecto teórico e metodológico

das filosofias da história. O sentido de progresso, do Espírito Absoluto (Hegel) ou do

comunismo (Marx) remete à realização da dialética hegeliana como um processo de

conciliação histórico. A humanidade, guiada pela fé na razão e com autoconhecimento

de sua função, caminha em direção ao fim absoluto. E é esta ideia que define as

concepções das Filosofias da História modernas em Hegel e em Marx.

Nesse sentido, de acordo com Karl Löwith (1977) é o futuro que pré-determina

esse fim, tornando-se o elemento predominante das filosofias da história, a partir do

qual a interpretação da história tida como experiência básica do mal e do sofrimento,

torna-se racional e legítima, pois mais perfeita e livre. “O Iluminismo levou a uma

revolução permanente do vivido, à subordinação do passado-presente a uma teleologia”.

(REIS, 2003, p. 69).

Assim a crença no futuro está baseada na responsabilidade do homem em

relação à história através da decisão e da vontade. Mas uma “decisão” e “vontade” já

pré-determinada, descaracterizando assim o sentido das filosofias da história enquanto

descritivas e explicativas do processo histórico em que o teor das ações já está dado a

princípio pelo sentido de futuro. Essa crença remete a ideia de escatologia e teleologia

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pressupostas nas filosofias de Hegel e Marx, cujo teor do fim histórico assume um

caráter mais profético do que explicativo.

Sendo a história movimento no tempo, sua finalidade é o que dá forma e sentido,

telos, ao próprio processo histórico vigente, o que não exclui outros sistemas de

significação, mas os insere dentro da totalidade das filosofias da história. Assim, a

concepção de um horizonte temporal em Karl Löwith (1977) perpassa uma meta final

que surge, no entanto, como um futuro escatológico, em que o futuro só existe para nós

enquanto esperança e salvação. O sentido fundamental de um objetivo transcendente

converge para um futuro esperado.

O aspecto definidor do futuro reside no próprio caráter específico de cada

cultura, de cada “alma”, que mesmo sendo particular estão todas sujeitas ao mesmo

destino inexorável aos mesmos ciclos de vida: todas são “mortais” e todas se destinam a

prosseguir um curso essencialmente semelhante. Portanto, o futuro se confunde com

aquele elemento do pensamento cristão, de um fim inexorável que unifica e define as

filosofias da história modernas, mesmo que secularizado pelo advento das “Luzes” e da

razão, como método absoluto e positivo das Ciências Humanas.

Há que se considerar as diferentes nuances que uma concepção de filosofia da

história, atingiu, nos diferentes pensadores que a ela se dedicaram. A prerrogativa para

se estabelecer um discurso sobre a História, o que a constitui e por ela é constituído

recai sempre sobre o discurso científico da objetividade ou não das ciências históricas.

De fato, todas essas filosofias da história foram de certa forma, uma tentativa de

explicação sobre a questão metafísica no caso do sistema de Hegel, ou empírica, no

caso das interpretações lineares (Kant, Comte). No entanto, deve-se identificar o tipo de

causalidade e explicação histórica inerente a cada uma dessas concepções, que de uma

forma ou de outra estão sempre tratando sobre a mesma questão: a totalidade dos

fenômenos históricos.

Sendo assim, a busca da regularidade do processo histórico, remete ao próprio

processo de conhecimento da natureza, que partindo de leis gerais, ratifica a existência e

verificabilidade dos fenômenos históricos. Não obstante, esta busca não presume que a

ciência histórica tenha que ser de fato regida por alguma generalidade, alguma

presunção universal, que a conecta a algum plano maior de realização. Mas, através

dessa “suposta” generalização perceber os traços em comum, o que se repete o que é

regular para identificar exatamente aquele elemento que importa à ciência histórica: a

diferença, o que é particularmente constituinte daquela especificidade histórica.

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No entanto é certo profetismo histórico religioso das filosofias da história

modernas aqui desenvolvidas, que permeiam o seu discurso. De forma que, o sentido de

totalidade longe de identificar a diferença torna equivalente todas às culturas eliminando

as particularidades inerentes a cada uma delas. Desse modo, o profetismo do conceito

da história, faz com que o tempo se torne principalmente futuro, e o futuro o principal

objetivo do sentido histórico. Para este novo futuro, o “criador do céu e da terra” não é

suficiente. “Ele tem de criar um novo céu e uma nova terra” (1977, p. 30) estando

implícita nesta transformação a ideia de progresso.

O futuro é o “verdadeiro” foco da história, desde que a verdade resida na base

religiosa do Ocidente cristão cuja consciência histórica é determinada por uma

motivação escatológica (Marx, Hegel). O significado desta visão de um fim verdadeiro

como simultaneamente “finis” e “telos” é o fato de constituir um esquema de ordem e

sentidos progressivos. O processo escatológico delimita o processo da história através

de um fim, como o articula e preenche também com um objetivo definido. A influência

de tal pensamento sobre a consciência histórica do Ocidente situa-se ao nível da

conquista do tempo histórico, que tornou a história “universal” retirando o pressuposto

de sua universalidade na crença de Deus para a crença na unidade da história da

“humanidade”, orientada para um objetivo final.

É o sentido de “Humanidade” que dá ao futuro a importância de uma meta final

a ser cumprida. A história como fim e realização do “télos”. As filosofias da história

pressupõem a História como ciência em sua totalidade, uma grande narrativa cuja

origem mesmo que dispersa desemboca num fim universal para toda humanidade: a

superação do sofrimento. Desse modo, ela legitima o futuro a partir de uma

continuidade entre um passado mitológico e um presente secularizado do mundo cristão

e sua aplicação nos fatos empíricos, guiados pela presença de um espírito absoluto

através do autoconhecimento e do sentido de evolução e progresso.

A questão a ser posta aqui é a da compreensão das filosofias da história tanto em

Hegel quanto em Marx, como visão teológica e escatológica da História. Enquanto que

para o primeiro é a filosofia como realização do plano divino na terra que justifica o

processo e a ação históricos, o segundo realiza a própria filosofia na História.

Assim, a concepção de filosofia da história em Hegel (2001) remete à realização

de algum plano superior na terra, cujas ações humanas só são compreendidas e

superadas, dentro dessa totalidade que é a História. De modo que é no passado visto

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como totalidade que Hegel recupera todo o sentido da História, como a realização do

Espírito:

A História, para Hegel, „é o desenvolvimento do Espírito no Tempo,

assim como a Natureza é o desenvolvimento da Idéia no Espaço‟. [...]

Todo o sistema de Hegel é construído em cima da grande tríade: Ideia

– Natureza – Espírito. A Ideia-em-si é o que se desenvolve, a

realidade dinâmica do depois – ou antes – do mundo. Sua antítese, a

Ideia-fora-de-si, ou seja, o Espaço é a Natureza. A Natureza, depois de

passar pelas fases dos reinos mineral e vegetal, se desenvolve no

homem, em cuja consciência a Ideia se torna consciente de si. Esta

autoconsciência da Ideia é o Espírito, a antítese de Ideia e Natureza, e

o desenvolvimento desta consciência é a História. Assim, a História e

a Ideia estão inter-relacionadas. A Ideia é a natureza da vontade de

Deus e como esta Ideia só se torna verdadeiramente ela mesma na/e

através da História, a História, como a caracterizou muito bem um

escritor moderno, é „a autobiografia de Deus‟. [...] A História, para

Hegel, não é a aparência, ela é a realidade de Deus. (HEGEL, 2001, p.

21)

Sendo a partir do passado que Hegel entende a totalidade histórica, segundo

Löwith esta concepção não é exclusivamente “ocidental”. E explica:

É essencialmente um pressuposto hebraico e cristão de que a história

caminha para um propósito derradeiro, norteada pela providência de

um conhecimento e uma vontade supremos – nos termos de Hegel,

pelo espírito ou pela razão como a “essência absolutamente poderosa”.

Refere Hegel que o único pensamento que a filosofia sujeita à

contemplação da história é “o simples conceito da razão” como

“soberana do mundo”; e esta afirmação [...] é na verdade simples se,

como em Hegel, o processo histórico for entendido segundo o

esquema de concepção do Reino de Deus, e a filosofia como o culto

intelectual de um Deus filosófico. (LÖWITH, 1977, p. 61)

A importância de Hegel (2001) para a História é o conceito simples de Razão, a

lei que rege o mundo, onde as coisas acontecem racionalmente. Desse modo, a história

não é simples acaso, muito menos acúmulo de fatos. Ela é compreensão racional,

conhecimento pressuposto da Razão, já que substância e poder infinito de Deus. Sendo

assim,

Apenas o estudo da história do mundo em si pode mostrar que ela

continuou racionalmente, que ela representa a trajetória racionalmente

necessária do Espírito do Mundo, Espírito este cuja natureza é sempre

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a mesma, mas cuja natureza única se desdobra no curso do mundo.

Este, como eu disse, deve ser o resultado da história. A história em si

deve ser tomada como é, temos de seguir adiante histórica e

empiricamente. (HEGEL, 2001, p. 54)

Ora, essa tomada da consciência histórica já pressuposta numa Razão que se

autodetermina na e pela História, é dada pela forma da verdade religiosa: a Providência.

É ela que permeia uma concepção de filosofia da história em Hegel, princípio

fundamentador do objetivo final, racional e absoluto do mundo. Por isso identificamos

sua filosofia da história com uma escatologia e teleologia que encerra o processo

histórico segundo princípios religiosos e literários, de uma metanarrativa.

A tese de Hegel (2001) é que a Razão é conhecimento de Deus, e se ele governa

a História a Razão é a sua vontade realizando-se na História. Portanto, independente da

ação. Mas da ação individual. Esta segue o plano definido pela Providência, o qual nós

desconhecemos, mas que se revela por meio das paixões, do caráter e das forças ativas

dos homens. Mas mesmo esta revelação, limitada muitas vezes aos propósitos

particulares dos indivíduos, não é suficiente para tornar efetivo o princípio da Razão

como conhecimento da História do Mundo. Assim é na unidade constitutiva dos

indivíduos enquanto “povos”, que temos totalidades que são Estados. Portanto,

“devemos tentar seriamente reconhecer os caminhos da Providência, os seus

significados e as suas manifestações na história, e seu relacionamento com o nosso

princípio universal” (HEGEL, 2001, p. 57).

Está clara a influência da teologia cristã na filosofia da história de Hegel. De

fato, é esta metanarrativa que permeia grande parte das concepções das filosofias

modernas da história. O que parece ser uma antinomia da sua concepção, é que em

pleno momento do Iluminismo, Hegel (2001) queira discutir o papel da Razão enquanto

princípio ativo de Deus na História. Mas é este princípio transposto para uma concepção

secularizada da ciência e da religião, que norteará um plano de ação futuro,

determinante das ações no presente.

A crítica da filosofia da história de Hegel recai sobre a pretensão de prever e

determinar ações futuras, de modo a direcioná-las no presente, restando ao passado

apenas a contingência necessária para a evolução do Espírito Absoluto. Pois o

contingente ainda não está acessível ao pensamento enquanto Ideia, apenas dentro do

processo de evolução do Espírito é que seu sentido será revelado. O passado é tido

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então na sua contingência constituinte de uma Razão que evolui juntamente com a

História dos homens e da natureza.

O problema do argumento está no sentido das determinações futuras de nossas

ações, antes mesmo dos acontecimentos ocorrerem. No entanto, se sua filosofia da

história é uma justificação de Deus, “o mal no mundo seria compreendido e a mente

pensante estaria reconciliada com ele” (HEGEL, 2001, p. 60). O desconhecimento do

fato presente não desqualifica minha ação no futuro, já que ela se destina a um objetivo

final do mundo, da reconciliação com Deus. Assim é que a Razão é determinada em si e

em sua relação para com o mundo, quando o seu objetivo é realizado e compreendido.

Nas palavras de Hegel,

Ao contemplar a história do mundo, devemos considerar seu objetivo

final. Este objetivo final é aquilo que é determinado no mundo em si.

De Deus sabemos que é o mais perfeito, Ele pode controlar apenas a si

mesmo e ao que é como Ele. Deus e a natureza de sua vontade são a

mesma coisa; a isto chamamos, filosoficamente, a Ideia. Por isso

temos de contemplar à Ideia em geral, em sua manifestação como

espírito humano. Mais precisamente, a ideia de liberdade humana. A

mais pura forma em que a Ideia se manifesta é o Pensamento em si.

Neste aspecto a Ideia é tratada na Lógica. Uma outra forma é a de

natureza física. Finalmente, a terceira forma é a de Espírito em geral.

O Espírito apresenta em sua realidade mais concreta na fase em que o

observamos, a de história do mundo. (HEGEL, 2001, p. 62)

A forma da liberdade do Espírito na História é o Estado. O Espírito ou a Ideia

é a união da vontade universal (Estado) com a vontade subjetiva (paixão), e como tal,

ela é moral. O Estado é a moral, e o indivíduo que vive dentro dessa moralidade, vive

em liberdade. É esta metanarrativa que caracteriza sua filosofia da história como

especulativa e idealista sobre o fim da história.

Se em Hegel (2001) a filosofia da história se define através de um plano divino,

porém racional, que orienta e direcionam as ações humanas para o verdadeiro desígnio,

do autoconhecimento do Espírito Absoluto, em Marx, a filosofia da história torna-se sua

própria prática. Ela se realiza através da prática histórica do homem, e da consciência de

si dentro desse processo. Assim, nas palavras de Löwith, “enquanto com Hegel o

mundo se tornou filosófico, um domínio do espírito, agora, com Marx, a filosofia

tornou-se uma economia política material – o marxismo”. (LÖWITH, 1977, p. 45)

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De fato, as condições materiais do desenvolvimento do capitalismo, fizeram com

que sua visão do processo histórico se realizasse através da práxis. Assim, “a história de

todas as sociedades que já existiram é a história de luta de classes” (MARX, 1998, p. 7).

Uma substituição dos velhos antagonismos por novos, talvez mais simplificados, mas

não menos opressores.

A questão da totalidade da história, como um processo de desenvolvimento

único, permeia suas concepções de filosofia da história. Nesse sentido, o pressuposto

escatológico é representado pelo crescimento da força do proletariado frente uma

burguesia que explora e que é plena de autoridade política. Em o Manifesto

Comunista18

, Marx (1998) já prenuncia o comunismo, como reflexo dos interesses

comuns de todo o proletariado, independente de nacionalidade, representando sempre o

movimento como um todo. O comunismo como o momento em que o proletariado se

fortalece enquanto classe, com a derrubada da supremacia burguesa e a consequente

tomada de seu poder político.

Desse modo, assim como a sociedade burguesa moderna brotou das ruínas da

sociedade feudal, assim também o proletariado brotou sobre o esfacelamento da

sociedade burguesa. O desenvolvimento do proletariado é paralelo com o

desenvolvimento da burguesia e de seus meios de produção. O proletariado se

desenvolve enquanto encontra trabalho e na medida em que o seu trabalho aumenta o

capital. Daí que sua força de trabalho é reduzida pelas vicissitudes de um mercado

altamente competidor e de inevitáveis flutuações.

O ímpeto dessa união do proletariado surge concomitante com o

desenvolvimento da indústria. A melhora significativa da maquinaria tira das mãos do

trabalhador sua força de trabalho, tornando seu meio de vida mais precário gerando uma

coalizão entre as duas classes. Surge daí os sindicatos (proletariado).

São os sindicatos que dão forma e conteúdo a essa união cada vez mais

abrangente dos trabalhadores, a nível nacional. Favorecida pelos meios de comunicação

por sua vez mais desenvolvidos e criados pela própria indústria moderna, os

trabalhadores de diferentes localidades entram em contato uns com os outros, e se

centralizam em uma luta nacional entre classes.

A filosofia da história em Marx tem um sentido de emancipação do homem pela

sua ação prática autoconsciente na História. Assim, a dialética é inerente ao processo

18

MARX, K. O Manifesto Comunista. Tradução: Maria Lucia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

– (Coleção Leitura)

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histórico como um todo, e atinge sua autoconsciência pelo autoconhecimento do

homem como agente da ação. Ela que dá sentido à formação de uma classe, o

proletariado, que traz uma característica escatológica e teológica de sua filosofia da

história: de que é um movimento autoconsciente, independente da grande maioria, mas

que age no interesse dela.

Característico da sua filosofia é a prática do processo histórico em si, que

segundo ele encontra-se nas mãos do proletariado que “salva toda a sociedade humana

realçando os interesses comuns de todo o proletariado, isto é, o caráter comunista das

classes trabalhadoras nos diferentes países” (LÖWITH, 1977, p. 50). Nesse sentido a

História é um processo de conscientização que culminaria na abolição de sua própria

supremacia como classe19

, um reino de liberdade cujo homem seria consciente de si e de

seu sentido na terra.

Mas é o comunismo, num sentido quase metafísico ou mesmo em termos

ideológicos, que antevê a ação futura, já que teoricamente tem a vantagem de entrever a

linha da marcha, as condições e os resultados gerais do movimento proletário20

. Nesta

passagem fica bem nítido este sentido em Marx,

A meta imediata dos comunistas é a mesma de todos os outros

partidos proletários: a formação do proletariado em uma classe, a

derrubada da supremacia burguesa e a conquista do poder político

pelo proletariado. Suas conclusões teóricas não estão baseadas de

modo algum em ideias ou princípios que foram inventados, ou

descobertos, por este ou aquele futuro reformador universal. Mas são

apenas expressões generalizadas das condições de uma luta de classes

que existe de fato, de um movimento histórico que se passa diante de

nossos olhos. (MARX, 1998, p. 32)

A história é o sofrer humano como exploração. Sendo que, tal identificação do

sofrer com a exploração, no esquema de Marx sobre a história universal, “não é senão o

mal radical da „pré-história‟ ou, em termos bíblicos, o pecado original” (LÖWITH, K.,

19

“E em vez da velha sociedade burguesa e do seu antagonismo de classes, teremos uma „associação‟ em

que o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos. Mais tarde, o

domínio das necessidades vitais será substituído por um „domínio de liberdade‟ numa comunidade melhor

de caráter comunista: um Reino de Deus, sem Deus e na terra, que é o objetivo e o ideal primeiro do

messianismo histórico de Marx.” (LÖWITH, 1977, pp. 50-51) 20

Ver MARX, K. O Manifesto Comunista. Tradução: Maria Lucia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1998. – (Coleção Leitura)

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1977: 52). De modo que é sua própria condição histórica que lhe permite emitir juízos

da relação dicotômica e necessária de subordinação e insubordinação, e foi só através da

formação de uma sociedade burguesa e emancipada que essa relação pôde ser sentida e

pensada como exploração, por entre o desejo de emancipação. No entanto, segundo

Löwith,

Nem os conceitos de burguesia e proletariado, nem a concepção geral

de história como um conflito cada vez mais intenso entre dois campos

hostis, nem, muito menos ainda, a antecipação do seu clímax

dramático, se podem verificar de “uma maneira puramente empírica”.

Unicamente na consciência “ideológica” de Marx é que toda a história

surge como uma história de luta de classes, enquanto a verdadeira

força motriz subjacente a esta concepção é um transparente

messianismo cujas raízes inconscientes se encontram na própria

existência de Marx, inclusivamente na sua raça. [...] São o antigo

messianismo e profetismo judaico – inalterado por dois mil anos de

história econômica do artesanato à indústria em grande escala – e a

insistência judaica na absoluta retidão que explicam a base idealista do

materialismo de Marx. Apesar de afetado pela prognosticação secular,

o Manifesto Comunista preserva ainda as características básicas de

uma fé messiânica: “a garantia de que as coisas hão-de melhorar”.

(LÖWITH, 1977, pp. 52-53).

E ainda,

O materialismo histórico é essencialmente, apesar do seu caráter

secreto, uma história de realização e salvação em termos de economia

social. O que se apresenta como uma descoberta científica a partir da

qual se poderia deduzir, a guisa dos “revisionistas” marxistas, o

aspecto filosófico e a relíquia de uma atitude religiosa é, pelo

contrário, da primeira à última frase, inspirado por uma fé

escatológica, que por sua vez “determina” toda a dimensão e âmbito

do conjunto das afirmações particulares. Teria sido quase impossível

elaborar a visão da vocação messiânica de proletariado numa base

puramente científica e inspirar milhões de seguidores por uma simples

afirmação dos fatos. (LÔWITH, 1977, p. 53).

É esta fé escatológica que configura o sentido do objetivo a ser seguido e

conquistado pelo proletariado, a realização última em o Manifesto Comunista da própria

história. “O comunismo proletário quer a glória, mas não o sofrimento; quer triunfar

através da felicidade terrena” (LÖWITH, 1977, p. 54). No entanto, mesmo por trás de

um discurso religioso, quer seja em termos ideológicos ou não, sua filosofia da história

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é pragmaticamente uma profecia, já que seu sentido está voltado para a ação no futuro, a

partir do presente, é o presente que domina o passado.

No entanto, existe essa relação entre a concepção de filosofia da história em

Marx, principalmente as mais ortodoxas, entre o progresso com a providência divina,

pressuposta também em Hegel, segundo Löwith (1977), para produzir o princípio

religioso “sob a forma de razão humana e liberdade secular”. Não obstante, a colocação

de Hegel se distingue das demais na medida em que nega parte do movimento do

Iluminismo de secularização do saber pela razão, sendo reinterpretado mais uma vez

pela tradição teológica de acordo com a qual o tempo já se encontra preenchido21

.

Em Marx há uma inversão da concepção da dialética hegeliana, para a

materialidade do processo histórico, em que o proletariado é a verdadeira força motriz

da história. Daí, que esse preenchimento é dado pela fé no progresso e no seu alcance

universal. Assim, a própria doutrina do progresso acaba por ter de assumir a função de

providência, ou seja, de prever e prover o futuro.

Uma das nossas hipóteses é a ideia de que Fredric Jameson propõe uma

metanarrativa, que procura resgatar e renovar o que a teoria marxista trouxe como

contribuição para a teoria da história. Desse modo, pretendemos demonstrar como nosso

autor foge aos determinismos imanentes que permeiam o marxismo e sua concepção do

processo histórico. Nossa intenção é identificar que uma teoria da economia social

proposta por Marx e do seu desenvolvimento histórico longe dos seus determinismos

vulgares, perpassa todos os campos do saber e que a relação base/superestrutura sugere

um processo dialético interdisciplinar, em que as narrativas que o constituem se

encontram mediadas por esses diversos campos do saber.

Nesse sentido, as metanarrativas são discursos que contém em seu interior certo

“poder” que as unifica dando um sentido formal e estético às mesmas garantindo-lhes a

objetividade pretendida pela ciência que as constituem. É o reconhecimento de que,

além de elementos retóricos também encontramos elementos poéticos na narrativa, e

longe de representar um detrimento em relação à capacidade referencial da narrativa

histórica se viu sendo realizada seguindo um princípio narrativo comum (cristão?): a

ideia da realização de um bem maior, de atingir sua meta final, do progresso como

sentido absoluto da felicidade. O que constitui a crítica pós-moderna em relação a esse

21

“A sua aplicação do princípio racional do progresso não é revolucionária, mas conservadora. Segundo

ele, o progresso encaminha-se para uma elaboração e uma consumação do princípio estabelecido de todo

o curso da história” (LÖWITH, 1977, p. 67).

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ideal de progresso é a ruptura entre a atribuição de significado e sua relação com o real.

Assim, não é o passado que se torna o referente definidor das narrativas, mas a própria

interpretação que é dada aos fatos sobre o significado dessas mesmas narrativas.

Até o momento, demonstramos de que forma o elemento escatológico e

teológico se configurou a partir de uma relação entre passado-presente, de modo a

creditar no futuro, o ideal de absolutização quase “divina” do progresso, e da realização

do conceito de Humanidade. A crítica desenvolvida neste trabalho se relaciona à

filosofia da história hegeliana, e das categorias que dirigiram o conhecimento histórico,

bem como sua relação com o problema do marxismo e suas interpretações “vulgares”.

No entanto, longe de jogar na “lata de lixo” da história a importância de Hegel

para os estudos históricos, e da dialética em Marx, é perceber como Fredric Jameson

resgata essa tradição sem, no entanto, cometer os mesmos erros de uma filosofia da

história determinista. Entender o pós-modernismo como uma crítica direcionada a esta

metanarrativa que tem como elemento definidor do processo histórico a ideia de

progresso, em detrimento das particularidades e especificidades inerentes ao mesmo.

Portanto, a crítica que direcionamos não remete às filosofias da história em si, da sua

função teórica e prática da História. A crítica surge da pretensão universal de

racionalidade e logicidade do próprio sentido histórico, da ideia de um fim já

determinado.

Tempos modernos: triunfo e “crise” do sentido da História

Em O Discurso Filosófico da Modernidade, Jünger Habermas já identifica a

filosofia da história da modernidade como efetivamente própria do Ocidente. Nesse

sentido, seu argumento passa pelas considerações de Max Weber (2000, p. 3) sobre o

“problema da história universal” e do desenvolvimento das sociedades modernas

(Européias). De acordo com Habermas o problema se coloca num momento “fora” da

Europa, isto por que

[...] „nem o desenvolvimento científico, nem o artístico, nem o

político, nem o econômico seguem a mesma via de racionalização que

é própria do Ocidente‟. Para Max Weber ainda era evidente a relação

interna, e não a meramente contingente, entre a modernidade e aquilo

que designou como racionalismo ocidental. Descreveu como racional

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aquele processo de desencantamento ocorrido na Europa que, ao

destruir as imagens religiosas do mundo, criou uma cultura profana.

As ciências empíricas modernas, as artes tornadas autônomas e as

teorias morais e jurídicas fundamentadas em princípios formaram

esferas culturais de valor que possibilitaram processos de aprendizado

de problemas teóricos, estéticos ou prático-morais, segundo suas

respectivas legalidades internas. (HABERMAS, 2000, pp. 3-4).

A questão aqui é da diferenciação do sentido dos conceitos de modernidade e

modernização. Enquanto filosofia da história a modernidade opera uma mudança radical

de valores no que tange as novas estruturas sociais, cristalizada em torno do capitalismo

e do aparelho burocrático do Estado. Nesse sentido, a modernidade diz respeito a fins e

a filosofia da história do Ocidente que lhe é subjacente, tende a descrever a história

universal segundo os mesmos preceitos.

Por outro lado, o conceito de modernização é o que se tem quando o processo

de secularização do Estado está completo. Nesse sentido, a modernidade torna-se um

padrão, uma filosofia da história neutralizada no tempo e no espaço, de processos de

desenvolvimento social em geral (2000, p. 5). Assim, o conceito de modernização

operado por esta filosofia da história não é mais visto como um estado final dela, mas

como algo que se move por si próprio, que se autonomiza em sua evolução deslocando

o sentido do horizonte conceitual do racionalismo ocidental em que surgiu a

modernidade.

Desse modo o sentido do conceito de pós-moderno está mais relacionado a uma

ruptura com os impulsos de uma modernidade cultural que se tornou obsoleta do que

propriamente com sua modernização social auto-suficiente. Nesse sentido o pós-

moderno seria a realização do processo de modernização no âmbito da cultura, como

propõe Jameson.

Mas tem também, segundo Habermas (2000) o outro lado da questão sobre o

pós-moderno. De fato, ele também é entendido como uma ruptura em relação à

modernidade como um todo, não apenas no aspecto cultural, mas no social também.

Assim, “dessa perspectiva, a modernização social não poderá sobreviver ao fim da

modernidade cultural de que derivou, não poderá resistir ao anarquismo „imemorial‟,

sob cujo signo anuncia a pós-modernidade.” (HABERMAS, 2000, p. 8)

Pode-se dizer que o sentido de pós-moderno atribuído por Habermas se

aproxima ao de Jameson, quando aquele propõe um retorno a Hegel e do seu significado

sobre a relação interna entre modernidade e racionalidade. Para Habermas,

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Temos de reexaminar o conceito hegeliano de modernidade para

podermos julgar se é legítima a pretensão daqueles que estabelecem

suas análises sobre outras premissas. Em todo caso, não podemos

descartar a priori a suspeita de que o pensamento pós-moderno se

arroga meramente uma posição transcendental, quando, de fato,

permanece preso aos pressupostos da autocompreensão da

modernidade, os quais foram validados por Hegel. Não podemos

excluir de antemão que o neoconservadorismo ou o anarquismo de

inspiração estética está apenas tentando mais uma vez, em nome de

uma despedida da modernidade, rebelar-se contra ela. Pode ser que

estejam simplesmente encobrindo com o pós-esclarecimento sua

cumplicidade com uma venerável tradição do contra-esclarecimento.

(HABERMAS, 2000, p. 8)

A modernidade para Hegel (op. cit., p. 9), portanto, é entendida como conceito

de época. Ela indica o surgimento dos “novos tempos”, ou “tempos modernos”.

Acontecimentos como a descoberta do “Novo Mundo”, o Renascimento e a Reforma

constituem os três grandes momentos que por volta de 1500 irão configurar o limiar

histórico entre duas épocas bem distintas: a moderna e a medieval.

É a experiência de distanciamento do presente em relação ao passado que se abre

para um futuro sentido como uma época histórica presente, o qual gera o novo a partir

de si mesmo. Um presente que segundo Habermas (2000) se compreende a partir desse

horizonte dos “novos tempos”, como a sua atualidade, que reconstitui uma ruptura com

o passado como uma “renovação contínua”.

Por isso que por modernidade entendemos uma periodização histórica cujo

sentido do seu movimento é válido até hoje: revolução, progresso, emancipação,

desenvolvimento, crise, espírito do tempo, etc, (2000, p. 12). São palavras que lançam

luz sobre o problema da modernidade e seus critérios de orientação, que não mais se

encontram fora dela, mas que devem ser extraídos de si mesma sua própria

normatividade como resultado da sua autoconsciência. “A modernidade vê-se referida a

si mesma, sem a possibilidade de apelar para subterfúgios. Isso explica a suscetibilidade

da sua autocompreensão, a dinâmica das tentativas de „afirmar-se‟ a si mesma, que

prosseguem sem descanso até os nossos dias”. (HABERMAS, 2000, p. 12)

Também José Carlos Reis (2003) identifica nos acontecimentos do

Renascimento, da Reforma e das grandes navegações momentos que irão pluralizar a

concepção de tempo moderno. É a ocasião da contestação: as diferentes esferas mantêm

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entre si e com a religião relações tensas; coexistem, mas sob forte tensão. Essa tensão de

valores diferentes constitui o espírito do mundo moderno: descentrado, secularizado,

racional, imanente, autolegitimado, sujeito de si, tenso e contraditório.

Essa mudança operada entre o plano da fé absoluta (interna) para uma fé no

Estado Absolutista (externa) seria resolvida pelo próprio conceito de Razão num

processo de “reencantamento do mundo”, em que a razão traria a reunificação da

humanidade, através de uma sociedade moral, baseadas na harmonia e estabilidade,

entre a subjetividade humana e a moral do Estado.

A partir do século XVIII, a Europa passa a pensar filosoficamente a história

universal da humanidade, a elaborar os direitos universais do homem atribuindo-lhes o

sentido da realização de uma finalidade moral. Uma elaboração da história da

humanidade universal em que o estabelecimento do princípio racional procura

reunificar a sucessão dos acontecimentos em um sentido fundamental.

É nesse ensejo que surgem as filosofias da história dos novíssimos tempos

modernos, um “sentido histórico” universal, fraterno, unido em busca de um futuro

comum e feliz. É a “Fé na razão” que alimenta essas filosofias da história expondo a

fratura da identidade ocidental. De fato, para elas a história é representada como

transparente e acessível ao conhecimento e à consciência, de modo que o processo

histórico real coincide com a marcha do espírito em busca da liberdade. São “grandes

narrativas” que constituem a própria história, pois a ação executa a narrativa que é a

própria consciência da ação. Elas são o próprio devir e acontecer históricos em seus

conceitos de razão, consciência, sujeito, verdade e universal.

É no século XIX que as filosofias da história ganham força e sentido histórico:

“a Razão governa o mundo e todos os eventos são a sua expressão” (REIS, 2003, p. 38).

A história científica é vista e entendida como desenvolvimento progressivo, racional e

contínuo do povo e do espírito em busca da liberdade. Nesse momento elas perdem seu

caráter metafísico para tornarem-se a própria lógica científica da dinâmica histórica real.

As filosofias da história é a “verdade” dos eventos.

Desse modo, as filosofias da história se tornam narrativas que legitimam a

verdade européia como a civilização mais desenvolvida cujo projeto político se baseia

em uma razão que governa o mundo em busca da autoconsciência e da liberdade.

Segundo José Carlos Reis,

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A história científica prossegue, reinventando o projeto moderno

europeu de conquista da história universal e de controle do sentido

histórico, adaptando-o às novas circunstâncias do século XIX e

radicalizando-o. Para a história científica, a Europa continua sendo o

centro e a vanguarda da história universal. Ela é a guardiã e a

executora do “sentido histórico científico” contra o qual não há

apelação nem religiosa, nem especulativa. As nações européias são

apresentadas como a incontestável expressão superior do Espírito

universal. [...] Baseada nas filosofias da história, no discurso da

modernidade, agora tido como o segredo revelado da história, a

história dita científica do século XIX se pôs a serviço do

eurocentrismo, oferecendo argumentos, documentos, informações e

legitimação éticas. (REIS, 2003, p. 39-40).

Assim, o discurso histórico estaria dominado pela tese moderna da tendência à

liberdade absoluta no futuro. Essa concepção da história teve uma consequência política

fundamental: o evento. Eventos que se acreditava serem possíveis de se controlar, pois

se supunha que o seu sentido era antecipado e aprioristicamente conhecido.

Sob a influência moderna das filosofias da história, a história buscou

uma explicação racional para os processos humanos e voltou-se para a

produção da utopia. Essa utopia seria a realização histórica da razão

em uma sociedade em que todos os “desvios irracionais” teriam sido

dissolvidos. Uma sociedade dominada absolutamente pela Razão seria

moral, justa, igualitária e livre. (REIS, 2003, p. 42).

Para além das discussões acerca das terminologias que enquadram o moderno e

o pós-moderno, se um é mera ruptura do outro ou apenas uma continuidade crítica do

mesmo a questão é que o termo “pós” remete a uma crítica do próprio conceito de razão

na história calcado na ideia de totalidade. A pós-modernidade procura deslegitimar o

governo da história pela Razão. Desacelera a história e desinteressa-se pelo futuro de

modo que ele não pode mais ser produzido com segurança.

Assim, o século XX se deu conta, historicamente, da crise da Razão. Em meio às

tragédias que acompanharam a derrota da Europa, pós 1945 toda metafísica humanista

da subjetividade moderna passa a ser desconstruída pela pós-modernidade. Ela quer

esquecer o discurso da Razão que levara ao totalitarismo, ao holocausto, às guerras

mundiais, de modo que tudo que ela havia reprimido, ou seja, o homem selvagem, a

loucura, a criança, a mulher, o delinqüente, o doente, o analfabeto passa a ser

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valorizado. A pluralidade cultural e o debate acerca da alteridade passam a ser um

problema histórico mais importante do que a questão da identidade universal.

Dessa forma, o futuro deixa de ser a única realidade histórica legítima em que a

ideia do progresso contínuo da liberdade e da lucidez humana revelam-se ingênua e

perigosa. A pós-modernidade põe em xeque o sentido moderno da história a

identificação da história com a marcha do “Espírito Absoluto” (Europa) em busca da

liberdade (potência). Ela recusa as filosofias da história, pois a fragmentação torna

indiscernível o fio condutor que leva à utopia. A narrativa pós-moderna visa à eficácia,

a performatividade, isto é, uma racionalidade técnica, local, parcial, sem realizar valores

universais.

Esse novo ambiente cultural, segundo José Carlos Reis (2003) é complexo. O

presente é de globalização e individualismo ou ruptura com o futuro e o passado e de

satisfação com o presente, de aceleração da mudança e de consolidação do presente, de

intensa comunicação e sofisticação dos equipamentos e de desmobilização da discussão

das questões humanísticas e filosóficas. O presente na temporalidade pós-moderna

existe por si só: o futuro não mais orienta a ação e o passado não é mais “mestre da

vida”.

No século XX, percebeu-se que os eventos produzidos aceleradamente não eram

controláveis, pois não se conhecia de fato seu sentido. O sentido dos eventos não se dá a

um conhecimento especulativo, e os conceitos criados pelas filosofias da história, hoje

não interessam mais a história: necessidade, totalização, finalidade, sentido histórico,

história universal. A prática historiográfica perdeu a ambição de uma história global e

passou a pensar em termos de descontinuidade e estrutura, de ruptura e fragmentação.

Nesse sentido, também José Carlos Reis (2003) nos apresenta o que seria essa

lógica cultural no pós-moderno:

O conhecimento histórico mais próximo das mudanças pós-modernas

atuais prioriza a esfera cultural. A cultura pode ser talvez definida

como o mundo das ideias, interpretações, valores, regras,

comportamentos, linguagens, representações, sentidos, projetos,

lembranças, desejos e sonhos de uma sociedade. Aquilo que até há

pouco era nomeado como “mundo superestrutural”. Hoje não se

percebe mais esse mundo cultural como super ou supra-estrutural em

oposição ou como mero reflexo de um mundo material infra-

estrutural. O mundo da cultura é “interior”. Ele aparece no interior de

todas as outras esferas: a economia é uma forma histórica e particular

de representar a produção da riqueza; a política é uma forma histórica

e particular de representar o poder etc. não existe o poder, o trabalho,

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a riqueza, a ideia, o prazer, a educação, o gênero enquanto tais, em si,

mas formas de construí-los e representá-los. (REIS, 2003, p. 59).

Não obstante, o autor também já faz uma crítica a essa mesma ideia de cultura

que o pós-moderno remete em sua historiografia:

Se a esfera cultural é “interior” a todas as outras, se está em toda parte,

não seria a versão pós-moderna da Fé e da Razão? Afinal, mesmo

reconhecendo a multiplicidade e heterogeneidade das esferas sociais, a

cultura, presente em todas elas, as reúne, as reintegra, centralizando-

as, estruturando-as, assim como se fosse a face pós-moderna de Deus

ou do Espírito Universal. (REIS, 2003, p. 59).

Esta posição assumida por Reis (2003) é comum entre a maioria dos críticos

marxistas sobre à teoria do pós-moderno. Nossa intenção é demonstrar que esta posição

assumida por Fredric Jameson, está longe de determinar o pós-moderno como a

realização do “Espírito Universal”, mas de repensar o papel da interpretação e da utopia

como “espaço de experiência” e “horizontes de expectativa” 22

da própria constituição

histórica.

Esses conceitos trabalhados por Koselleck (2006) de “espaço de experiência” e

“horizonte de expectativa” remetem as categorias generalizantes de espaço e tempo que

aqui serão utilizadas como formas de se pensar o conceito de pós-modernismo e sua

relação com a modernidade. Nesse sentido é ao aspecto meta-histórico desses conceitos

que norteará parte da análise que se segue e da relação do pós-moderno com o passado

futuro da experiência moderna.

Koselleck (2006) assim define a experiência: a elaboração racional do

comportamento bem como suas formas inconscientes que não estão ou não precisam

estar presentes no conhecimento. A experiência pode ser coletiva como individual e a

história é desde sempre também conhecimento dessas experiências “alheias”. Por

expectativa entende-se uma ligação que pode ser pessoal ou interpessoal, ela se realiza

no agora, é futuro presente, voltado para o que ainda-não foi, para o não experimentado,

22

“Trata-se de categorias do conhecimento capazes de fundamentar a possibilidade de uma história. Em

outras palavras: todas as histórias foram constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das

pessoas que atuam ou que sofrem. Com isso, porém, ainda nada dissemos sobre uma história concreta –

passada, presente ou futura.” (KOSELLECK, 2006, p. 306).

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para o que foi apenas previsto. Segundo Koselleck é “esperança e medo, desejo e

vontade, a inquietude, mas também a análise racional, a visão receptiva ou a curiosidade

fazem parte da expectativa que a constituem”. (KOSELLECK, 2006, p. 310).

Sua crítica em relação à experiência e a expectativa referem-se ao sentido de

futuro que atribuímos às metanarrativas constitutivas da modernidade. Assim podemos

descobrir o futuro mediante alguns prognósticos, mas não podemos de fato

experimentá-lo. Esta é a diferença entre uma metanarrativa que determina a história a

partir da visão geral do passado em relação ao futuro, de uma metanarrativa que procura

pensar o passado como constitutivo de um modo de se pensar o futuro sem, no entanto,

pretender predizê-lo. Desse modo, segundo Koselleck,

Quem acredita poder deduzir suas expectativas apenas da experiência,

está errado. Quando as coisas acontecem diferentemente do que se

espera, recebe-se uma lição. Mas quem não baseia suas expectativas

na experiência também se equivoca. Poderia ter-se informado melhor.

Estamos diante de uma aporia que só pode ser resolvida com o passar

do tempo. Assim, a diferença entre as duas categorias nos remete a

uma característica estrutural da história. Na história sempre ocorre um

pouco mais ou um pouco menos do que está contido nas premissas.

Este resultado nada tem de surpreendente. Sempre as coisas podem

acontecer diferentemente do que se espera: esta é apenas uma

formulação subjetiva daquele resultado objetivo, de que o futuro

histórico nunca é o resultado puro e simples do passado histórico.

(KOSELLECK, 2006, p. 312).

Assim a modernidade se viu em crise quando seus ideias da fé na razão e no

progresso futuros não se concretizaram como profetizados por alguns pensadores do

Iluminismo. De fato, prognósticos são realizados à medida que são determinados pela

necessidade em se esperar alguma coisa. E a modernidade transmitia um sentimento de

fé no futuro segundo o qual a humanidade chegaria a um estado de liberdade absoluto,

por meio do progresso espiritual e material. No entanto,

As condições alternativas têm que ser levadas em conta, pois sempre

entram em jogo possibilidades que contêm mais do que a realidade

futura é capaz de cumprir. Assim, um prognóstico abre expectativas

que não decorrem apenas da experiência. Fazer um prognóstico já

significa modificar a situação de onde ele surge. Noutras palavras: o

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espaço de experiência anterior nunca chega a determinar o horizonte

de expectativa. (KOSELLECK, 2006, p. 313)

Nesse sentido a experiência e a expectativa em relação à modernidade são

percebidas segundo o autor à medida que a diferença entre as duas aumentava

progressivamente, por isso a modernidade ser entendida como um tempo novo já que

suas expectativas se distanciavam cada vez mais das experiências do passado até então.

É o conceito de progresso e seu sentido histórico que na modernidade se

distancia cada vez mais do espaço de experiência do passado. De uma interpretação

teleológica da história enquanto profecia apocalíptica do fim do mundo tem-se com o

conceito de progresso uma mudança profunda no horizonte de expectativa.

Essa mudança também se fez presente no espaço da experiência. O conceito de

progresso efetivou-se tão logo reunia em si as novas experiências dos três séculos

precedentes. Esse novo espaço da experiência tornava-se visível no âmbito do próprio

cotidiano dos indivíduos. Entre elas o autor menciona,

[...] a revolução copernicana, o lento desenvolvimento da técnica, o

descobrimento do globo terrestre e de suas populações vivendo em

diferentes fases de desenvolvimento, e por último a dissolução do

mundo feudal pela indústria e o capital. Todas essas experiências

remetiam à contemporaneidade do não-contemporâneo, ou,

inversamente, ao não-contemporâneo no contemporâneo.

(KOSELLECK, 2006, p. 317)

A grande mudança relativa à inserção do conceito de progresso e sua relação

espaço temporal está exatamente na concepção de tempo mais que de espaço, apesar de

que este também foi fundamental para a constituição da filosofia da história da

modernidade. Nas palavras de Koselleck,

[...] o progresso estava voltado para uma transformação ativa deste

mundo, e não do além, por mais numerosas que possam ser, do ponto

de vista intelectual, as conexões entre o progresso e uma expectativa

cristã do futuro. A novidade era a seguinte: as expectativas para se

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desvincularam de tudo quanto as antigas experiências haviam sido

capazes de oferecer. (KOSELLECK, 2006, p. 318)

A questão sobre o pós-moderno está relacionada à crise desse ideal de progresso.

Nesse sentido as análises feitas por David Harvey (2005) sobre as questões que

envolvem uma concepção do pós-modernismo pode nos ajudar a identificar o espaço

dessa experiência e o horizonte que envolve as perspectivas em relação ao debate sobre

o que constitui o pós-moderno, e suas diferenciações semânticas.

Nesse sentido, procuraremos definir o conceito de pós-modernismo em contraste

ao conceito de pós-modernidade. De fato, um acaba intermediando o debate em relação

ao outro, mas enquanto o pós-modernismo surgiu como uma reação à cultura de arte

denominada “alto-modernismo”, a pós-modernidade se caracteriza por processos que

envolvem uma mudança no próprio modo de produção capitalista.

Esse desenvolvimento será elucidativo na medida em que definiremos o

ambiente em que o próprio conceito de pós-modernismo surge não alicerçado como

uma reação às filosofias da história em si, mas sendo mediadas por um debate que

envolve as vanguardas artísticas do início do século XX e que impreterivelmente

recairão no âmbito das filosofias da história e das metanarrativas que a constituíram.

Uma das primeiras percepções dessa mudança do foco do que constituiu o

modernismo e o que viria a ser o pós-modernismo, se expressa primeiramente no

aspecto urbano, na arquitetura. Muitos autores identificam o surgimento do conceito

como categoria estética, antes mesmo de se tornar categoria de época. Em “As origens

da pós-modernidade”, Perry Anderson perfaz o caminho do que eventualmente

poderíamos considerar como os primórdios do que viria a ser o pós-modernismo.

Segundo o autor,

“Pós-modernismo”, como termo e ideia, supõe o uso corrente de

“modernismo”. Ao contrário da expectativa convencional, ambos

nasceram numa periferia distante e não no centro do sistema cultura

da época: não vêm da Europa ou dos Estados Unidos, mas da América

hispânica. Devemos a criação do termo „modernismo‟ para designar

um movimento estético a um poeta nicaragüense que escrevia um

periódico guatemalteco sobre um embate literário no Peru. O início

por Rubén Darío, em 1890, de uma tímida corrente que levou o nome

de modernismo inspirou-se em várias escolas francesas – romântica,

parnasiana, simbolista – para fazer „uma declaração de independência

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cultural‟ face à Espanha, que desencadeou naquela década um

movimento de emancipação das próprias letras espanholas em relação

ao passado. [...] Assim, também a ideia de um „pós-modernismo‟

surgiu pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma

geração antes do seu aparecimento na Inglaterra ou nos Estados

Unidos. Foi um amigo de Unamuno e Ortega, Federico de Onís quem

imprimiu o termo postmodernismo. Usou-o para descrever um refluxo

conservador dentro do próprio modernismo: a busca de refúgio contra

o seu formidável desafio lírico num perfeccionismo de detalhe e do

humor irônico, em surdina, cuja principal característica foi a nova

expressão autêntica que concedeu às mulheres. (ANDERSON, 1999,

pp. 9-10).

No entanto, só uns vinte anos depois é que o termo passou a ser interpretado

como categoria de época. De fato, podemos perceber segundo as análises desses dois

autores, tanto David Harvey e Perry Anderson, que o termo pós-modernismo, surge

como categoria em ambientes diferenciados e ganham forma e conteúdo à medida que

incorporam aspectos de cada contexto ao qual estão inseridos, de modo a assumirem

perspectivas diferenciadas mesmo que convergentes.

Em David Harvey (2005), o marco histórico considerado por ele como

inaugurador desse momento, em que segundo o autor, “se pode detectar certa mudança

na maneira como os problemas da vida urbana eram tratados nos círculos populares e

acadêmicos” (HARVEY, 2005, p. 15) é o livro publicado pelo autor Jonathan Raban

(2005), Soft city. Aqui, podemos perceber que a apreensão do conceito de pós-

modernismo perpassa questões relativas aos problemas da vida urbana entendida como

estética cultural.

Esta transformação, menos que uma mudança geral do paradigma perpassa as

mais variadas formas da cultura. Em relação à vida urbana tal questionamento refere-se

às formas de arquitetura e planejamento das cidades. Como no caso de Learning from

Las Veja (2005) de Venturi, Scott Brown e Izenour, a intenção dos autores era insistir

que os arquitetos tinham mais a “aprender com o estudo de paisagens populares e

comerciais (...) do que com a busca de ideais abstratos, teóricos e doutrinários.”

(HARVEY, 2005, p. 45). Tal aspecto urbano ligava-se a questão do planejamento em

que se percebe uma evolução semelhante. A norma naquele momento era procurar

estratégias “pluralistas” e “orgânicas” para “o desenvolvimento urbano como uma

“colagem” de espaços e misturas altamente diferenciadas, em vez de perseguir planos

grandiosos baseado no zoneamento funcional de atividades diferentes”. (HARVEY,

2005, p. 46).

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Corroborando essas perspectivas apresentadas por David Harvey (2005), Perry

Anderson (1999) também identifica a apreensão do pós-modernismo em relação à arte

que projetou o termo para o domínio público em geral. Segundo o autor, “a apreensão

arquitetônica do emblema pós-moderno, que pode ser datada de 1977-78, mostrou-se

duradoura. A ligação primordial do termo foi desde então com as formas mais novas do

espaço construído.” (ANDERSON, 1999, p. 30).

No entanto, é na filosofia que essa mudança nos interessa mais prioritariamente.

Também Fredric Jameson identifica essa mudança nas formas da cultura como um todo

como preponderante pra determinar a lógica do pós-modernismo, falaremos sobre isso

mais adiante. Mas é no âmbito filosófico que nos interessa a discussão a ser estabelecida

aqui, ou seja, a da crise das metanarrativas e ao mesmo tempo de sua defesa. Assim, de

acordo com Harvey,

Na filosofia, a mescla de um pragmatismo americano revivido com a

onda pós-marxista e pós-estruturalista que abalou Paris depois de

1968 produziu o que Bernstein (1985, 25) chama de „raiva do

humanismo e do legado do Iluminismo‟. Isso desembocou numa

vigorosa denúncia da razão abstrata e numa profunda aversão a todo

projeto que buscasse a emancipação humana universal pela

mobilização das forças da tecnologia, da ciência e da razão. [...] A

crise moral do nosso tempo é uma crise do pensamento iluminista.

Porque, embora esse possa de fato ter permitido que o homem se

emancipasse „da comunidade e da tradição da Idade Média em que sua

liberdade individual estava submersa‟, sua afirmação do „eu sem

Deus‟ no final negou a si mesmo, já que a razão, um meio, foi

deixada, na ausência da verdade de Deus, sem nenhuma meta

espiritual ou moral. [...] O projeto teológico pós-moderno é reafirmar

a verdade de Deus sem abandonar os poderes da razão. (HARVEY,

2005, p. 47).

De acordo com Perry Anderson, essa evolução do termo para o aspecto

filosófico e epistemológico ligado as questões impostas pelo pós-modernismo, foi “A

condição pós-moderna” de Jean-François Lyotard, publicada em Paris em 1979. Para

este autor, o traço definidor da condição pós-moderna é, de fato, a perda total da

credibilidade das metanarrativas. Como bem coloca Perry Anderson,

Para Lyotard, a chegada da pós-modernidade ligava-se ao surgimento

de uma sociedade pós-industrial – teorizada por Daniel Bell e Alain

Touraine – na qual o conhecimento tornara-se a principal força

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econômica de produção numa corrente desviada dos Estados

nacionais, embora ao mesmo tempo tendo perdido suas legitimações

tradicionais. Porque, se a sociedade era agora melhor concebida, não

como um todo orgânico nem como um campo de conflito dualista

(Parsons ou Marx) mas como uma rede de comunicações lingüísticas,

a própria linguagem – „todo o vínculo social‟ – compunha-se de uma

multiplicidade de jogos diferentes, cujas regras não se podem medir, e

inter-relações agonísticas. Nessas condições, a ciência virou apenas

um jogo de linguagem dentre outros: já não podia reivindicar o

privilégio imperial sobre outras formas de conhecimento, que

pretendera nos tempos modernos. (ANDERSON, 1999, p. 32)

Sobre essas questões, podemos perceber que a obra de Lyotard, segundo Perry

Anderson (1999), levou o conceito de pós-modernismo para o âmbito do estatuto do

saber nas ciências naturais, estendendo-o para o que ele considera como a crise das

metanarrativas fundadoras e justificadoras da modernidade, abordando-o de acordo com

categorias de época que integravam o conceito de pós-modernidade, deixando-o de fora

das artes e da política.

Para Lyotard (2003), a questão que perpassa o que vem a constituir o pós-

moderno, ou a condição pós-moderna, se refere a mudança de estatuto do próprio saber.

Desse modo, o que caracteriza nosso objeto, o saber historicamente constituído seja

narrativo ou científico, é a própria ideia de discurso em si, que pressupõe uma

competição mundial pelo poder. Assim, o atual cenário da informatização das

sociedades mais desenvolvidas nos permite realçar vivamente alguns dos aspectos da

transformação do saber e dos seus efeitos sobre as autoridades públicas e sobre as

instituições civis.

O que para nós será importante ressaltar das análises feitas por Lyotard (2003)

sobre o estatuto do saber na pós-modernidade é o conflito existente entre o saber

científico e o saber narrativo. Este está ligado às ideias de equilíbrio interior e de

convivialidade em comparação com os quais o saber científico contemporâneo faz

“pálida” figura, sobretudo por ser obrigado a sofrer uma exteriorização relativa ao

“sabedor” e do mesmo modo, uma alienação em relação aos seus utilizadores mais forte

ainda que anteriormente.

A pós-modernidade se caracteriza pelo seu aspecto agonístico. Os indivíduos

situados em encruzilhadas de relações pragmáticas são também deslocados pelos

mesmos que os atravessam, num movimento perpétuo. É a “atomização” do social em

redes flexíveis de jogos de linguagem que se afasta fundamentalmente da realidade

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moderna. A crítica pós-moderna em relação ao saber é que este não se constituiu uma

ciência, sobretudo na sua forma contemporânea e está bem longe de poder ocultar o

problema da sua legitimidade que não é menos sociopolítica do que epistemológica.

O saber, enquanto narrativa, não se reduz à ciência nem mesmo ao

conhecimento. A ciência seria um subconjunto do conhecimento. Ela tem de impor duas

condições suplementares para a sua aceitabilidade: que os objetos a que se referem

sejam acessíveis recursivamente, portanto, em condições de observação explícitas; que

se possa decidir se cada um destes enunciados pertence ou não à linguagem considerada

como pertinente pelos peritos. O saber é aquilo que torna qualquer pessoa capaz de

proferir bons enunciados denotativos acerca de vários objetos de discurso: para

conhecer, decidir, avaliar, transformar, coincidindo com uma formação extensiva das

competências sendo a forma única encarnada num sujeito composto pelos diversos

gêneros de competência que o constituem.

Em suma, a forma narrativa é preeminente na formulação do saber seja

tradicional ou um novo discurso. As narrativas permitem definir por um lado os

critérios de competência próprios da sociedade em que são contados e, por outro, avaliar

as performances que neles se realizam ou se podem realizar. Ela admite em si uma

pluralidade de jogos de linguagem que se entrecruzam e se definem fugindo da forma

linear e absoluta das metanarrativas pretensamente científicas. Assim, “as

competências cujos critérios a narrativa produz ou aplica acham-se nela misturadas

umas com as outras num tecido apertado, o da narrativa, e ordenadas numa perspectiva

de conjunto, que caracteriza esta espécie de saber”. (LYOTARD, 2003, p. 50).

Desse modo, as narrativas obedecem às regras fixadas pela pragmática. Ela

fornece um índice de uma propriedade geralmente reconhecida, ou seja, o saber

tradicional: os “lugares” narrativos (destinador, destinatário, herói) são de tal forma

distribuídos que o direito de ocupar um deles, o de destinador, se funda no duplo fato de

ter ocupado o outro, o de destinatário, e de ter sido já contado por uma narrativa, ou

seja, situado em posição de referente diegético de outras ocorrências narrativas. O que

se transmite com as narrativas é o grupo de regras pragmáticas que constituí o vínculo

social.

Outro aspecto é a incidência no tempo dessas narrativas. De fato, elas obedecem

a um ritmo que é a síntese de uma métrica que compassa o tempo em períodos regulares

e de uma acentuação que modifica o comprimento ou a amplitude de alguns deles. O

importante nessa pragmática do saber narrativo é que ela marque a identidade de

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princípio de todas as ocorrências da narrativa, sendo sua importância atribuída ao

compasso métrico e não a diferença de acento de cada performance. É assim que se

pode dizer que esta temporalidade pós-moderna, é ao mesmo tempo evanescente e

imemorial.

Não obstante, é essa incomensurabilidade entre a pragmática narrativa popular

que é imediatamente legitimante e esse jogo de linguagem conhecido do Ocidente que é

a questão da legitimidade como referente do jogo interrogativo. As narrativas

determinam os critérios de competência e/ou ilustram a sua aplicação definindo o

direito de dizer e de fazer na cultura e, como elas são também uma parte desta,

encontram-se assim legitimadas.

Duas versões da narrativa concorrem ou mesmo se conjugam na constituição da

história moderna e da legitimação do saber e das suas instituições, uma mais política e a

outra mais filosófica sendo ambas de grande importância. Uma é a que tem a

humanidade como sujeito (narrativa da liberdade); neste caso, o direito à ciência deve

ser reconquistado. A outra estabelece uma relação de aplicação e prática entre ciência,

nação e estado na formação espiritual e moral da nação. A unificação destes dois

discursos é conteúdo indispensável não apenas para a aquisição de conhecimento por

parte dos indivíduos, mas na formação de um sujeito do saber e da sociedade

plenamente legitimados.

Assim, a ideia de uma unificação dos discursos que corrobora com a legitimação

do sujeito perpassa uma concepção que assegura que a investigação das verdadeiras

causas da ciência não pode deixar de coincidir com a procura das finalidades justas na

vida moral e política. Sobre este aspecto, a questão que se coloca para nós é a seguinte:

afinal, quem (pensando sobre a questão do “lugar onde se fala”), pode, ou tem o direito

de determinar sobre o que é justo ou não, dentro de uma sociedade? E de que modo, o

discurso do pós-modernismo, e dos fins das metanarrativas não prescreve novas formas

de saber e poder? De modo que, a crítica de Jameson apontada em Marxismo e Forma

faz-se pertinente nesse momento, sobre como direcionamos o discurso teórico a favor

ou não das classes que o compõem:

[...] é um erro pensar que o marxismo é simplesmente um tipo de

interpretação que toma a „sequência‟ econômica como o código

privilegiado final para o qual as outras seqüências devem ser

traduzidas. Ao contrário, para o marxismo, a emergência do

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econômico, a aparição da própria infra-estrutura, é simplesmente o

sinal da aproximação do concreto. [...] Entretanto, perceber que

compartilhamos todos um objeto comum é confrontarmo-nos

brutalmente com a mais penosa consciência das próprias fontes do

julgamento de classe e da escolha ideológica, e achar-se

inextricavelmente „engajado‟ e, por assim dizer, ontologicamente

envolvido na situação sócio-econômica cujo mascaramento era uma

das funções mais profundas da “ideologia”. (JAMESON, 1985, pp.

246-247).

É uma narrativa de concessão à ideia de que o sujeito do saber é o povo. Mas

esta ideia está longe de estar em conformidade com a narrativa da legitimação do saber

proposta pelo idealismo alemão. O sujeito do saber não é o povo, mas o espírito

absoluto, especulativo. Ele não se encarna num Estado, mas num sistema. O jogo da

linguagem de legitimação não é político-estatal, mas filosófico. Nesse sentido, a

filosofia especulativa só o pode fazer num jogo de linguagem que ligue as ciências

particulares umas às outras enquanto momentos do devir do espírito, portanto, numa

narração, ou metanarração racional.

Dessa forma é no dispositivo de desenvolvimento de uma Vida que é ao mesmo

tempo sujeito, que se observa o retorno do saber narrativo. Há uma história universal do

espírito, o espírito é Vida, e esta Vida é a apresentação e a formulação do que ela é em

si mesma servindo-lhe de mediação o conhecimento ordenado de todas as suas formas

nas ciências empíricas. A enciclopédia do idealismo alemão é a narração da “história”

deste sujeito-vida.

O conhecimento sobre todos os referentes possíveis são aí tomados, não com o

seu valor de verdade imediata, mas com o valor que eles assumem pelo fato de ocupar

um determinado lugar no percurso do Espírito ou da vida, ou, certa posição na

Enciclopédia contada pelo discurso especulativo. O verdadeiro saber nesta perspectiva é

sempre um saber indireto, feito de enunciados relacionados e incorporados na

metanarrativa de um sujeito que assegura a sua legitimidade.

Esse sujeito é a humanidade. É ela que assegura a legitimidade do indivíduo

pertencente a um ideal comum, que é a realização da Vida por meio do Espírito

Absoluto. Essa é a filosofia da história que como pano de fundo da perspectiva

jamesoniana procura-se destrinchar e perceber não como determinista de um fim último

da história, do Estado de liberdade, mas no desenvolvimento de um sujeito prático que

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tem no princípio de liberdade sua autofundação, ou, sua autogestão. De acordo com

Lyotard,

O sujeito é um sujeito concreto ou suposto como tal, a sua epopéia é a

da sua emancipação relativamente a tudo o que o impede de se

governar a si mesmo. Supõe-se que as leis que a si mesmo atribui são

justas, não porque estejam em conformidade com qualquer natureza

exterior, mas porque, por constituição, os legisladores não são outros

senão os cidadãos submetidos às leis e, em consequência, a vontade de

que a lei seja justa, que é a do legislador, coincide com a vontade do

cidadão, que é a de querer a lei, e, portanto respeitá-la. (LYOTARD,

2003, p. 75).

Logo, a função crítica do saber e sua legitimidade estão em servir os fins visados

pelo sujeito prático que é a coletividade autônoma. Não obstante, para Lyotard,

Esta distribuição dos papéis no empreendimento de legitimação é

interessante, do nosso ponto de vista, porque supõe, ao contrário da

teoria do sistema-sujeito, que não há unificação nem totalização

possíveis dos jogos de linguagem num metadiscurso. Aqui, pelo

contrário, o privilégio concedido aos enunciados prescritivos, que são

os que profere o sujeito prático, torna-os independentes, em princípio,

dos enunciados da ciência, cuja única função é a da informação para o

dito sujeito. (LYOTARD, 2003, pp. 76-77).

Em relação à teoria da história marxista, Lyotard (2003) faz uma observação

pertinente às considerações que procuraremos abordar em Fredric Jameson. Segundo

Lyotard,

Seria fácil mostrar que o marxismo oscilou entre os dois modos de

legitimação narrativa que acabamos de descrever. (...) daí pode

resultar o estalinismo e a sua relação específica com as ciências, que

não passam aqui da citação da metanarrativa da marcha rumo ao

socialismo, que é equivalente da vida do espírito. Mas pode, pelo

contrário, em conformidade com a segunda versão, desenvolver-se

como saber crítico, defendendo que o socialismo não é mais do que a

constituição do sujeito autônomo e que qualquer justificação das

ciências está em dar ao sujeito empírico (o proletariado) os meios da

sua emancipação relativamente à alienação e a repressão: esta foi

sumariamente a posição da Escola de Frankfurt. (LYOTARD, 2003, p.

77).

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É esta posição que em Fredric Jameson assume uma defesa premente do

marxismo, principalmente do marxismo ocidental característico da Escola de Frankfurt

buscando integrar, numa nova perspectiva teórica elementos de ambos os modelos,

moderno e pós-moderno. Nesse sentido, isso reforça nossa hipótese de que para Fredric

Jameson é apenas a unidade entre contingente e universal que é capaz de repor diante da

crise dos paradigmas o caráter referencial indireto da narrativa.

A mudança que se opera no paradigma pós-moderno refere-se à narrativa e a

linguagem como componente que faz parte da história e produto cultural desta, que

refletindo a realidade sugere uma ruptura entre o significado dado a esse referente. Sob

esse aspecto a questão colocada por Lyotard sobre as crises das metanarrativas, diz

respeito à relação constituída entre o referente e o significado eurocêntrico a ele

atribuído. Nesse sentido, a crítica se dirige ao próprio significado do discurso sendo este

concedido pelo historiador ou legitimador do processo, e não o passado “em si”.

Por isso, na sociedade e na cultura contemporânea pós-industrial e pós-moderna,

a questão da legitimação do saber põe-se nos termos apontados acima. A grande

narrativa (eurocêntrica) perdeu sua credibilidade. Mas Lyotard (2003) identifica esse

declínio, como citamos anteriormente com as análises de Perry Anderson (1999) com o

efeito do progresso das técnicas e tecnologias a partir da Segunda Guerra Mundial, que

deslocou o acento para os meios de ação em detrimento dos seus fins. No entanto,

reconhece que o problema da legitimação do saber encontra-se na própria estrutura

interna que legitima esse mesmo saber. Para Lyotard,

A „crise‟ do saber cientifico, cujos sinais se multiplicam desde o fim

do século XIX, não provém de uma proliferação fortuita das ciências,

que, por sua vez, seria o efeito do progresso das técnicas e da

expansão do capitalismo. Ela advém da erosão interna do princípio de

legitimidade do saber. Esta erosão acha-se em ato no jogo

especulativo e é ela que, ao desmanchar a trama enciclopédica na qual

cada ciência deveria encontrar o seu lugar, as deixa emancipar.

(LYOTARD, 2003, p. 82).

Para o autor José Antônio Vasconcelos (2005), o que se impõe com evidência

para todos os campos da ciência é o fato de que existe uma ruptura facilmente

perceptível entre um discurso que se utiliza de metáforas de verticalidade e outro, que

envia tais metáforas para um “limbo conceitual”. De acordo com o autor,

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Tais metáforas de verticalidade, porém, esfacelam-se frente à crítica

empreendida pelos teóricos do pós-modernismo. Não existe uma

realidade primordial, subjacente ao mundo dos fenômenos. O que

existe é o simulacro, a construção de uma realidade outra. Não a

descoberta de um nível mais profundo de explicação do real, mas a

invenção de um outro real. Não se trata simplesmente de negar o valor

das teorias modernistas, mas de perceber seu verdadeiro alcance.

(VASCONCELOS, 2005, p. 17).

O que gostaríamos de apresentar com essas concepções vistas até o momento é a

ideia de História e de suas interpretações que longe de cair nos relativismos inerentes a

uma concepção “vulgar” do termo pós-modernismo, remete-nos a uma reflexão sobre o

papel dos discursos narrativos para a sua compreensão. A questão passa pelo ideal de

objetividade e cientificidade sobre o papel do historiador e de sua relação com o

passado. Por isso, alguns considerarem o pós-moderno como a supressão da

objetividade constituindo-se numa pluralidade de discursos já que a história não pode

ser apreendida em sua integralidade. De acordo com Vasconcelos,

Numa abordagem pós-modernista, porém, não se trataria de inserir a

História em uma nova perspectiva científica, mas sim de abandonar

toda pretensão de cientificidade. De fato, não se trata mais de

descobrir uma verdade histórica fundamental subjacente ao universo

das aparências, mas aceitar a investigação do passado como uma

construção intelectual de valor primordialmente estético.

(VASCONCELOS, 2005, p. 19).

No entanto, essa tão almejada integralidade histórica longe de pertencer a um

ideal de humanidade e de realização do espírito absoluto, na crítica proposta por Fredric

Jameson sugere ser a tarefa estética e política do intelectual proceder a um mapeamento

cognitivo capaz de trazer o passado e suas tradições de volta ao campo historiográfico e

a própria História, em uma escala social e espacial. Não obstante a posição de

Vasconcelos (2005), de que para Fredric Jameson a História é irrelevante, perigosa, ou

que se encontra em vias de desaparecimento para Jameson é exatamente a prática de um

mapeamento cognitivo que será capaz de “dotar a cultura pós-moderna de qualquer

originalidade histórica” o que equivale a afirmar, “que há uma diferença estrutural entre

o que se chama muitas vezes, de sociedade de consumo e momentos anteriores do

capitalismo de que esta emergiu”. (JAMESON, 2000, p. 80).

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Mas, segundo Vasconcelos (2005), a questão entre a relação do pós-modernismo

com a História é muito mais complexa do que possa parecer. Porque de fato o pós-

modernismo e sua relação com a história remetem ao questionamento da noção de

conhecimento histórico (da narrativa histórica) e de sua reinserção na cultura pós-

moderna de modo a problematizar toda essa mesma noção do conhecimento histórico.

Assim, nossa hipótese é a de que longe de negar ou depreciar o papel da História na arte

e na cultura pós-moderna, Fredric Jameson enfrenta e procura resolver esse paradoxo.

E, complementamos tal hipótese com umas das afirmações de Vasconcelos, a respeito

do pós-modernismo que vão de encontro com as análises auferidas em Fredric Jameson,

O que há de original no pós-modernismo, portanto, não é a suspeita do

valor – moral ou epistemológico – do conhecimento histórico, mas

uma incorporação crítica da História na crítica à modernidade. Em sua

cruzada contra a afirmação de verdades universais e atemporais –

herança do Iluminismo – o pós-modernismo invoca a História para

denunciar o caráter contingente de qualquer valor, de qualquer

verdade, e para nos lembrar, uma vez mais, que toda representação é

historicamente construída. (VASCONCELOS, 2005, pp. 89-90, grifos

do autor).

E, corroborando com esta posição,

Mas esse retorno imprevisível da narrativa como a narrativa sobre o

fim das na rrativas, esse retorno da história em meio aos prognósticos

do desaparecimento do télos histórico, sugere uma segunda

característica relevante da teoria do pós-modernismo: o modo pelo

qual qualquer observador virtual sobre o presente pode ser mobilizado

para se investigar o próprio presente, e pode ser utilizada como

sintoma e índice da lógica mais profunda do pós-moderno, que assim

se torna, imperceptivelmente, sua própria teoria e a teoria de si

mesmo. (JAMESON, 2000, p. 16, grifo do autor).

De modo que nosso autor empreende uma crítica a própria designação do pós-

modernismo como fim das metanarrativas,

Em primeiro lugar, essa teoria parece ser necessariamente imperfeita

ou impura; no caso, devido à contradição implícita no fato de que

Oliva (ou Lyotard) tenha que apresentar sua percepção de todos os

aspectos significativos do desaparecimento das narrativas mestras em

forma de narrativa. (...) A resposta empírica é que nenhuma teoria

com essas características apareceu até agora – todas replicam, já no

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próprio título, uma mimésis do modo como são parasitárias de outro

sistema (no mais das vezes do próprio modernismo), cujos traços

residuais, assim como valores e atitudes inconscientemente

reproduzidos, tornam-se, então, indicações preciosas da

impossibilidade de emergência de uma cultura totalmente nova.

(JAMESON, 2000, p. 16).

Assim, no intuito de dar seguimento às proposições sobre uma concepção do

pós-modernismo que permita compreender o momento atual em que estamos inseridos

menos como uma ruptura em relação ao modernismo, e sim, como uma posição crítica e

totalizadora que possa mediar dialeticamente à relação entre os conceitos, passamos a

análise de umas das primeiras obras de Fredric Jameson, Marxismo e Forma, de modo a

perceber a estrutura narrativa como inerente ao processo histórico que a constitui e a sua

forma segundo critérios estéticos, políticos e sociais.

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CAPÍTULO II

Fredric Jameson e o marxismo teórico ocidental: os fundamentos

narrativos de uma pré-história do pós-modernismo.

De fato, o marxismo é tido entre os mais ardilosos intelectuais como algo que

deve ser superado, não mais aceito como teoria da sociedade, quase demonizado. Há

aqueles que pensam que a questão é de superação desse marxismo “dominante”, ou seja,

da própria experiência da derrota política da história do pensamento burguês, da social-

democracia, e do liberalismo subjacente. Quando os ideais, da Revolução Francesa,

quase depois de um século, não se concretizaram como havia sido “profetizado”. Pelo

contrário, acreditamos que o problema é de como entender e perceber o marxismo para

além dessas barreiras dogmáticas, dessas categorias que encerram e enclausuram os

conceitos, e o discurso de poder.

A esses ideais correspondem perspectivas diferenciadas de pensamentos e

pensadores, correntes ideológicas, cuja “onda” era ocupada por uma intelectualidade

ávida pelo saber (poder?). De um lado, uma burguesia incipiente, mas já detentora de

grande “status” econômico e social, e do outro uma aristocracia que aos poucos se

submetia a languidez de um mercado pré-capitalista, sendo sobrepujada quase que

inconscientemente pela ideia do Novo, do que se trata de uma grande revolução da

história.

Mas mais do que apenas esta submissão a um “mercado pré-capitalista”, foi uma

mudança de valores no âmbito da moral e da política que suplantaram a antiga

concepção dicotômica de mundo, da redenção e do pecado. O surgimento dessa nova

classe, a burguesia, coincidiu com àquela série de acontecimentos e novos fatores que

vinham sendo operadas no interior da sociedade. Dentre elas as transformações no

âmbito do imaginário e do material, com o súbito desenvolvimento do comércio, da

descoberta das Américas, e do processo de colonização. A transmutação dos valores

cristãos para o dualismo moral do indivíduo, também é expressão dessas

transformações. O Iluminismo e o discurso do progresso, pautados na racionalização e

objetivação de todas as ciências, em todos os campos, deu o veredicto final para a

radicalidade do processo revolucionário iminente.

Essa radicalidade se insere dentro de um contexto maior, que é a própria ideia de

transcendência e universalização do conceito de razão. Desse modo, uma determinada

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concepção de filosofia da história legitimou-se a partir do discurso da modernidade e da

sociedade burguesa que a constituiu. Assim, a filosofia da história que consideraremos

aqui é a do acontecimento da burguesia enquanto fenômeno histórico, que se viu

realizando a si mesma, dentro de um processo único e inigualável. Como nos descreve

Koselleck23

,

A sociedade burguesa que se desenvolveu no século XVIII entendia-

se como um mundo novo: reclamava intelectualmente o mundo inteiro

e negava o mundo antigo. Cresceu a partir do espaço político europeu

e, na medida em que se desligava dele, desenvolveu uma filosofia do

progresso que correspondia a esse processo. O sujeito desta filosofia

era a humanidade inteira que, unificada e pacificada pelo centro

europeu, deveria ser conduzida em direção a um futuro melhor. [...]

Em nome de uma humanidade única, a burguesia europeia abarcava

externamente o mundo inteiro e, ao mesmo tempo, em nome deste

mesmo argumento, minava internamente a ordem do sistema

absolutista. A filosofia da história forneceu os conceitos que

justificaram a ascensão e o papel da burguesia. (KOSELLECK, 1999,

pp. 9-10)

Nesse sentido, o marxismo foi se constituindo como uma metanarrativa à

medida que a ela correspondia uma realidade imediata e objetiva da consolidação dos

valores dessa burguesia emergente e do capitalismo. No entanto, para além dos

problemas teóricos e metodológicos sobre esta questão, o que perpassava uma filosofia

da história segundo uma concepção marxista, era a prática historicista do materialismo

dialético e da realização do fim último da história: liberdade do homem e das suas

forças produtivas, o comunismo.

No entanto, o que se viu foi um processo de desencantamento do mundo a partir

das derrotas das experiências social-democráticas, e das filosofias da história que

àquelas se submetiam, o marxismo, por exemplo. À medida que o marxismo não

conseguia suportar o peso da sua contingência, das incertezas intrínsecas do próprio ato

hipotético, de submissão da causalidade dos fenômenos históricos a leis gerais, ele foi

sendo desacreditado enquanto teoria e filosofia da história.

23

Ver, KOSELLECK, R. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de

Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 1999.

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Sendo assim, o problema que tentaremos resolver encontra-se no mínimo,

depreciado no âmbito acadêmico e intelectual geral. Marxismo hoje em dia, sugere

certo remorso nostálgico, por um passado não realizado, porém conformado com o que

dele restou, e uma aversão quase esquizofrênica de pura renúncia e desprezo pela teoria

marxista e sua filosofia da história. Destarte, o problema do marxismo é um problema

da narrativa histórica da prática socialista, portanto político e histórico. O fim das

metanarrativas associa-se à crise dos socialismos e de suas experiências fracassadas. O

argumento de Perry Anderson24

, nesse sentido, é revelador dessa experiência,

Pois essa é uma visão, (...), que deve ser entendida como uma inversão

das teorias otimistas de história dos séculos XVIII e XIX, as quais

tinham certa vez alimentado a expectativa de paz ou liberdade ou

fraternidade universal como objetivo final do progresso humano, em

versões secularizadas da teleologia da história sacra. Aquela serena

confiança do Iluminismo – compartilhada por Holbach e Kant, Comte

e Marx – no curso objetivo do desenvolvimento social tinha caído em

descrédito perto do final do último século. O que lhe sucedeu foram

tensas diligências voluntaristas para realizar fins milenares pela força

da vontade subjetiva, nas doutrinas de Nietzsche, Sorel ou Lênin. (...)

O otimismo do progresso evolutivo ou vontade coletiva cedeu lugar a

um pessimismo cultural elitista que só viu petrificação e massificação

nas democracias ocidentais estabilizadas depois da Segunda Guerra

Mundial. (ANDERSON, 1992, p. 2-3)

Assim a filosofia da história burguesa, tornou-se o alicerce de uma nova

identidade histórica, moderna e universal. A modernidade lançou as bases teóricas e

práticas, providenciais para a execução do seu grande plano. O avanço tecnológico

aliado aos idealismos teóricos das filosofias da história de Hegel e depois,

invertidamente, de Marx, se constituíram como princípios fundamentais, senão único,

de uma metanarrativa da modernidade.

De acordo com François Cusset (2008), é a esfera cultural que em Jameson sofre

uma metamorfose radical desde o pós-guerra, distinguindo as relações burguesas em

função das suas dualidades, (significante e significado), para o populismo estético da

pop culture, em que ocorre uma indistinção generalizada dessas categorias. Nesse

sentido, em termos gerais assim manifesta François Cusset a atualidade de um autor

como Fredric Jameson,

24

Ver, ANDERSON, Perry. O fim da história: de Hegel a Fukuyama. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.

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É por isso que Jameson reúne sob a mesma rubrica de „pós-moderno‟

as duas expressões mais importantes, segundo ele, desse novo papel

da cultura a serviço da dominação mercantil, que seriam seus sintomas

mais agudos e igualmente suas formas superiores: a arte pop, que ele

identifica não somente em Warhol, mas também nos videomakers ou

nos arquitetos pós-modernos, e a teoria pós-dialética, em outras

palavras, segundo ele (que foi um dos primeiros nos Estados Unidos a

ler esses autores) a French Theory.(CUSSET, 2008, p. 196)

Este ambiente teórico bem peculiar à cultura norte-americana faz com que

Fredric Jameson, incorpore a discussão do pós-modernismo com a French Theory e da

renovação do marxismo. Por isso, é ao contexto das décadas de 30 e 50 do século XX

nos Estados Unidos, que remeteremos como pano de fundo para uma compreensão das

ideias que permeiam a atividade intelectual de Fredric Jameson.

Essa contextualização da realidade intelectual e histórica nos Estados Unidos

configura a singularidade da forma do pensamento teórico desse momento: primeiro a

do exílio artístico e intelectual francês nos Estados Unidos entre 1940 e 1945, que

segundo Cusset, “vão marcar de fato o fim do isolacionismo cultural dos Estados

Unidos” (2008, p. 28), prefigurando todo o aparato intelectual norte-americano e

europeu. Segundo é a exportação dos três grandes produtos intelectuais em França (o

surrealismo de escola, o existencialismo sartriano e a história dos Anais). E em terceiro,

o momento em que desse encontro surge um espaço para discussão e reapropriação

dessas teorias com os paradigmas25

em crise durante a década de sessenta nos Estados

Unidos, o simpósio da Universidade Johns Hopkins em outubro de 196626

.

Assim é a questão da receptividade dessa produção teórica do estruturalismo

francês principalmente em solo norte-americano que irá configurar um novo debate,

25

“Crise do funcionalismo, o dos sociólogos e dos estudos de mercado (...). Crise do legalismo,

invalidado pelas marchas por direitos civis que obtêm aquilo que ele não pôde garantir e pelos belicistas

do Vietnã que impõem a mera lei do mais forte. Crise da legitimidade tecnocrática, (...), submetida à

máquina, privada de qualquer autonomia de decisão. Crise do utopismo pioneiro, à medida que as

ladainhas do messianismo liberal e dos Papas fundadores não convencem mais as jovens gerações. Crise

da razão administrativa, em face da corrupção latente de equipes de direção inchadas. Crise política,

enfim, diante da inanição da classe política – o presidente Nixon à frente – revelada pelo caso Watergate.”

(CUSSET, 2008, p. 35). 26

“Esta será a oportunidade de evocar aqui alguns grandes paradigmas americanos em crise nos anos de

1960 para compreender em que aspectos a leitura dos autores franceses pode ter representado uma

alternativa providencial, o único meio de reconciliar atitude de oposição e fé no futuro, de reatar com uma

certa tradição de liberdade americana – (...).” (CUSSET, 2008, p. 27)

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próprio desta crise manifesta dos regimes democráticos capitalistas do “bloco

ocidental”, nos finais dos anos de 1960. Mais do que produto de importação a teoria

francesa é composição inédita nas universidades norte-americanas, e por isso seu

impacto é mais profundo e duradouro, como faz notar François Cusset,

[...] essa lógica das convergências desempenhará, por sua vez, um

papel precioso nos primeiros sucessos da teoria francesa. Um papel

que exigiria que essas convergências fossem por si mesmas objeto de

um registro sistemático, mais que de uma evocação fragmentada,

simples coleta de traços. Mais de dez anos antes de suas traduções

inglesas, no momento em que Foucault e Deleuze redigiam suas obras

fundamentais, e sem que tivessem conhecimento dele (ou o tenham

utilizado), o tema da “pluralização do ego” contra as “políticas da

representação” e os controles da psicanálise já estava presente na obra

de Norman Brown; as questões da terapia alternativa e da resistência à

instituição manicomial mobilizavam o movimento antipsiquiátrico de

David Cooper, e Ronal Laing; e os trabalhos pioneiros de Gregory

Bateson e Frieda Fromm-Reichmann lançavam uma definição

ampliada da esquizofrenia como “modo de vida” que atravessa

“plataformas de intensidade” sem limites. [...] Mas o importante não é

isso. Para além das facilidades do motivo da convergência, o que está

em questão nesses autores é a mesma busca de ferramentas teóricas,

contra os impasses políticos e os bloqueios disciplinares de campos

intelectuais muito diferentes, porém ambos confrontados, seja em

Berkeley ou em Paris, com a urgência de um mundo prestes a eclodir,

de certezas que desmoronam, de reflexos políticos logo obsoletos.

(CUSSET, 2008, p. 34)

Nesse sentido o estruturalismo é reapropriado para o campo intelectual norte-

americano segundo outros parâmetros que caracterizam a French Theory. De forma que

também Jameson procura incorporar essa nova onda teórica nos Estados Unidos,

abrindo ao estruturalismo francês à crítica pós-estruturalista que denuncia um

“textualismo” 27

de uma luta de classes “puramente verbal” (2008, p. 38). Sua política

sempre foi realista. E é este realismo que permite entender a questão do utópico em

Jameson, como algo não tão facilmente reprimido, podendo ser reaceso com os mais

27

Sobre esta questão Jameson empreende uma crítica em relação à Barthes e sua concepção de

textualidade. Pois se o momento era registrado a partir de uma divisão profunda e fundamental entre o

presente e a época do modernismo, agora declarado findo, como é que poderia um dos sintomas dessa

mudança, a própria ideia de textualidade, ser pouco mais que uma ideologia do que a precedeu? A este

respeito ver ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Tradução de Marcus Penchel, Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1999, pp. 61-62.

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imprevisíveis pretextos28

. E este reencontro, genuinamente histórico, do sujeito com o

objeto, pode nos proporcionar caminhos outros, não determináveis em si mesmos, para

se pensar os novos rumos tomados pela pesquisa e conhecimento científico em História.

Fredric Jameson nasceu a 14 de abril de 1934 em Cleveland, Ohio, EUA. É de

fato, um dos críticos culturais da época presente mais avançado e desafiador no âmbito

dos trabalhos que definem os parâmetros do debate teórico contemporâneo. Proponente

da teoria crítica na esfera do “marxismo ocidental” buscou exaustivamente disseminar

dentro do meio acadêmico norte-americano, os estudos culturais marxistas, como um dos

movimentos radicais da crítica. E é um dos poucos críticos literário marxista que mais

contribuiu para a compreensão das inúmeras manifestações da cultura contemporânea.

Já em 1982 Fredric Jameson dava sua primeira conferência sobre o pós-

modernismo. Mas o que o consolidou como o maior crítico literário marxista do mundo

foi sua obra Marxism and Form, publicada em 1971 (ANDERSON, 1999). Esta obra

constituirá uma primeira prévia dos estudos culturais marxistas e da dialética, a partir de

uma estética contemporânea fiel ao legado último do marxismo ocidental. Um rigoroso

estudo de Lukács, Bloch, Adorno, Benjamin e Sartre, o cânone intelectual dessa tradição.

Seus primeiros estudos sobre o pós-modernismo, no entanto, coincidem com a

circulação dessas noções nos departamentos de literatura das universidades norte-

americanas. Nesse sentido, o que estava em jogo segundo Jameson, era “o conflito

estético entre realismo e modernismo, cuja navegação e renegociação é ainda inevitável

para nós hoje” (ANDERSON, 1999, p. 59). No entanto, o capitalismo de consumo do

pós-guerra pôs fim à possibilidade de qualquer uma das duas, um presente em que essas

alternativas são praticamente intoleráveis.

A grande novidade de Jameson foi pensar uma estética da novidade capaz de

renovar-se girando sobre o próprio eixo, em que modernismo vira pós-modernismo sem

deixar de ser moderno. Em Jameson é a ideia de uma estética da “revolução permanente”

padronizada pelo consumo cultural, que caracteriza uma concepção do realismo nos dias

de hoje, cujo “hábito da fragmentação” precisava agora ser isolado em alguma arte

recém-totalizante29

. É o sentido de uma arte “recém totalizante” que constitui a lógica

invertida do próprio pós-moderno em Fredric Jameson.

28

ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Tradução de Marcus Penchel, Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editora, 1999. 29

Idem, p. 60.

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De acordo com Perry Anderson (1999), outras duas influências irão caracterizar o

pós-modernismo em Fredric Jameson: a primeira é a obra publicada de Ernest Mandel,

Capitalismo avançado, cuja teoria da história do capital surgida desde a guerra, forneceu

a base empírica e conceitual para compreender o presente como uma configuração

completamente nova na trajetória desse modo de produção.

A segunda talvez menos importante quanto a primeira, mas sem dúvida também

significativa foi o texto de Baudrillard sobre o papel do simulacro no imaginário cultural

do capitalismo contemporâneo30

. De fato, o tempo que Baudrillard passou em San Diego

durante o período em que Jameson lecionava ali certamente exerceu uma influência

significativa sobre ele, não obstante o repúdio por Baudrillard, do legado marxista que

Mandel se propusera a desenvolver.

Outro catalisador do desenvolvimento da sua teoria do pós-moderno foi o período

em que Jameson lecionou em Yale no final dos anos 70. Esta era de fato, a universidade

cujo prédio de arte e arquitetura já apontava os sinais da decadência do movimento

modernista e onde ensinavam Venturi, Scully e Moore (1999, p. 64). Assim, Jameson se

viu lançado no redemoinho dos conflitos arquitetônicos entre o moderno e o pós-

moderno.

Foi nesse momento que sua concepção do pós-moderno, antes direcionada

principalmente para a literatura, volta-se para as outras artes, a maioria delas. Em relação

à arquitetura, por exemplo, encontrou em Henri Lefebvre, outro visitante na Califórnia,

um recurso importante para se trabalhar o legado do marxismo ocidental, fazendo bom

uso do atraente corpo teórico de Lefebvre sobre as dimensões urbanas e espaciais do

capitalismo de pós-guerra.

E por fim, sua resposta direta à François Lyotard e sua obra Condição Pós-

moderna, em que este ataca quase frontalmente a posição jamesoniana do marxismo

como uma grande narrativa, argumento central de sua obra o Inconsciente Político. No

entanto, mesmo apresentada como um desafio a Jameson, a obra de Lyotard apresentava

um elemento em comum, como bem situa Perry Anderson,

Pois a premissa dos dois pensadores – exposta, quando nada, de

maneira ainda mais enfática por Lyotard – era que a narrativa é uma

30

Para o reconhecimento dessa fonte por Jameson, ver sua conclusão, em “Pós-modernismo: a lógica

cultural do capitalismo tardio, 2000, p. 392. “Simulacra and simulations”, Jean Baudrillard, Selected

writings, (Polity, 1988).

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instância fundamental da mente humana. A provocação da abordagem

da pós-modernidade por Lyotard deve portanto ter em certa medida

agido sobre Jameson de forma ambivalente, apressando suas próprias

reflexões sobre o assunto. Ele desincumbiu-se com graça e argúcia da

difícil tarefa de introduzir uma obra por cuja posição geral pode ter tido

tão pouca simpatia. A argumentação de Lyotard era certamente

notável. Mas, com sua concentração nas ciências, pouco dizia acerca

das manifestações culturais e políticas ou sua influência nas mudanças

socioeconômicas. E foi para esses tópicos que Jameson então se voltou.

(ANDERSON, 1999, p. 65)

De fato, segundo Perry Anderson (1999) a problemática do pós-moderno em

Jameson chegou relativamente tarde. Mas a questão já estava lá se desdobrando a partir

de seus primeiros trabalhos, de forma sucessiva e contínua. Assim foi com a sua

monografia sobre Sartre, The Origins of a Style31

(1961), em que argumentava sobre

“uma sociedade sem futuro visível, deslumbrada com a permanência em massa de suas

próprias instituições, na qual nenhuma mudança é possível e onde a ideia de progresso

está morta” (ANDERSON, 1999, p. 79 apud JAMESON, 1984, p. 8).

Foi com a publicação em 1984 de seu texto básico “Postmodernism – the cultural

logic of late capitalism”, publicado na New Left Review, e que posteriormente tornou-se

um dos livros ícones do pós-modernismo enquanto variante lógica da dominante cultural

do capitalismo tardio, que Jameson redesenhou todo o mapa do pós-moderno. Nela o

autor explora o pós-modernismo no sentido das alterações econômicas do próprio

capital, tornando-se o sinal de um novo estágio na história do modo de produção

reinante; das consequências dessa experiência no mundo objetivo para a experiência do

sujeito (abordando o tema da “morte do sujeito”); da expansão do pós-moderno a todo

espectro das artes e grande parte do discurso sobre elas; das bases sociais e do padrão

geopolítico do pós-modernismo; e, por último, da compreensão dessa dominante cultural

com um novo estágio do capitalismo, entendido segundo os clássicos termos marxistas.

Nesse sentido, operando a um mapeamento cognitivo de sua trajetória intelectual

observa-se o seguimento de uma linha bem específica. Nos anos seguintes à Primeira

Guerra Mundial, houve um retrocesso da grande agitação revolucionária na Europa

Central e o Estado Soviético já se encontrava burocratizado e isolado, desenvolvendo-se

uma clara tradição teórica que seria conhecida como “marxismo ocidental”. Nascido da

derrota política – o esmagamento das insurreições proletárias na Alemanha, Áustria,

31

Idem, p. 79.

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Hungria e Itália – vivida pelos primeiros pensadores, Lukács, Korsch e Gramsci, esse

marxismo foi separado do corpo clássico do materialismo histórico por uma ruptura. E

na ausência de uma prática revolucionária popular, a estratégia política para a derrubada

do capital declinou. Quando da grande depressão à Segunda Guerra Mundial, a análise

econômica das suas transformações também tendeu a migrar (1999, p. 82).

Mas foi no âmbito da filosofia que o marxismo ocidental ganhou outro tipo de

projeção, com a contribuição de uma série de pensadores de uma segunda geração

marxista – Adorno, Horkheimer, Sartre, Lefebvre, Marcuse, Benjamin. Construíram um

notável campo de teoria crítica, que não se isolou das correntes circundantes de

pensamento não marxistas, estando em tensão criativa com elas. Essa tradição ocupou-se

profundamente com questões de método – a epistemologia de uma compreensão crítica

da sociedade – sobre as quais o marxismo clássico deixou poucos indicadores. Daí a

importância de Jameson dentro deste cenário, por ter sido o primeiro teórico marxista a

pensar o momento de emergência do pós-modernismo com as preocupações estéticas

desses autores.

Não obstante o pessimismo profundo desses autores em relação ao novo

momento cultural, Fredric Jameson assume um timbre diferente sobre esse presente

implacável. Segundo Anderson, “embora seu tópico não tenha sido certamente

confortável para a esquerda, o tratamento que lhe deu nunca foi amargo ou melancólico.

Ao contrário, a mágica do estilo de Jameson é tornar real o que pode parecer impossível

– um lúcido encantamento do mundo”. (ANDERSON, 1999, p. 89).

Devido a isso, a importância de Fredric Jameson para o debate do pós-moderno

não se encerra naquilo que determina o pós-moderno enquanto crise das metanarrativas,

mas é reveladora de uma concepção da História que coloca o debate das ideologias e do

utópico sob outros termos. O argumento de Anderson é revelador da experiência teórica

deste autor,

Jameson pode evocar a experiência física de forma tão memorável

quanto Sartre, mas o tom da sensibilidade é em geral o oposto – mais

de júbilo que de aversão. Os prazeres do intelecto e da imaginação são

traduzidos de forma tão viva quanto os dos sentidos. O brilho que

Jameson consegue dar a objetos, conceitos e ficções é o mesmo. As

fontes biográficas desse ardor são uma coisa. Suas premissas

filosóficas, outra. Por trás dessa simpatia pelo mundo está o caráter

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profundamente hegeliano do marxismo de Jameson, notado por muitos

críticos, e que lhe permitiu enfrentar as adversidades da época e

atravessar suas confusões com uma intrépida equanimidade toda

própria. Categorias como otimismo ou pessimismo não tem lugar no

pensamento de Hegel. A obra de Jameson não pode ser definida como

otimista no sentido em que dizem que a tradição marxista ocidental foi

pessimista. Sua política sempre foi realista. (ANDERSON, 1999, pp.

89-90)

É o aspecto cultural das nuances marxistas que Jameson se preocupa em captar

nesse novo ambiente pós-moderno. Sua análise coincide com o movimento dos Culture

Studies nos Estados Unidos, da abordagem estruturalista em torno da narrativa e do

exame pós-estruturalista da crítica cultural marxista.

Assim partiremos da análise das concepções de teoria e filosofia da história

identificando sua relevância para os estudos históricos, do sentido dessas metanarrativas

a um fim absoluto (modernidade), da sua crise eminente identificada por certa corrente

ideológica do pós-modernismo e da dubiedade do próprio conceito.

A escolha das obras de Jameson a serem analisadas aqui passa pela importância

intrínseca de cada uma delas em relação à contextualização do pós-modernismo, ou

“alto-modernismo” como o autor prefere denominar com o momento de crise das

metanarrativas. Nesse sentido, a definição do que seria o pós-modernismo para Fredric

Jameson vai além da mera suposição de uma ruptura entre dois mundos, duas visões

diferenciadas, senão como o próprio processo dialético de diferenciação dos sistemas

constituídos. A esta diferenciação o autor identifica a própria categoria de periodização,

que articula um processo de distanciamento entre aquilo que constitui a realidade dada,

imediata, e aquilo que contradiz essa mesma realidade.

O que de fato está sendo problematizado é um sistema de representação. Um

sistema de representação, que em Jameson assume uma concepção de modo de

produção, e o pós-modernismo seria sua variante cultural. Assim, os acontecimentos

relativos a essa nova mudança de ordem cultural, refletem uma questão formal própria

do modernismo ao mesmo tempo em que a interroga e questiona sob seus próprios

termos.

Primeiro seguimos por um momento bem específico da produção intelectual de

Fredric Jameson, e suas considerações sobre o que constitui, ou a ideia de pós-

modernismo, segundo um realismo profundamente cultural e estético. Um realismo

moderno, sendo menos uma ruptura consigo mesmo, do que propriamente um retorno

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do “olhar” sobre si mesmo e o “em si” da realidade. No entanto, o retorno desse olhar se

dirige para o alto modernismo, que posteriormente, ou que agora, é percebido como

pós-moderno.

À crise da razão, tem-se a crise dos ideais sociais de objetividade científica,

incapaz de exercer uma consciência crítica que levasse ao questionamento da própria

alienação do sujeito, e do fim da história, assuntos tão em voga no discurso político do

pós-modernismo.

O pós-modernismo se identifica com um discurso de desconstrução da dialética.

De desconstrução do que ela tem de específico: seu movimento absoluto. Não

reconhecendo mais esse movimento como absoluto, se desconhece o significado da

história, e com ele, todo o seu sentido. O reflexo disso é o mundo que vivemos nos dias

de hoje. A completa falta de aproximação entre os seres e a exagerada exarcebação da

individualidade. A pretensão de um absoluto, não requer aqui, a aceitação de um

modelo único de paradigma como definidor das demais culturas, e totalizador naquele

elemento mais radical e essencial, ou seja, da concepção ontológica do “eu”, mas, pelo

contrário, o reconhecimento de seu horizonte como elemento fundamental da nossa

própria existência.

A análise se refere à crise de uma metanarrativa histórica bem específica e que

atingiu principalmente, as teorias dialéticas e materialistas do século XVIII, XIX e XX.

O marxismo no meio acadêmico praticamente se extinguiu. Sua experiência histórica

stalinista-leninista, ortodoxa, não foi de fato aquilo que realmente se esperavam e os

horrores das duas grandes guerras são testemunhas deste relato. E aqui, reconhece-se o

grau e o nível em que diferentes interpretações de um mesmo objeto podem atingir.

O marxismo nos Estados Unidos teve influências principalmente da Europa

Ocidental, da Escola de Frankfurt, dos estudos estruturalistas e culturais da França, da

filosofia analítica inglesa, que revolucionou os estudos culturais, concentrando-se

principalmente nos meios acadêmicos32

. Nunca existiu nos Estados Unidos uma

corrente marxista expressiva. Influenciado pela filosofia analítica, sua perspectiva foi

fundamentalmente acadêmica, um tipo de marxismo onde a política do próprio projeto

está excluída, onde o dado revolucionário já não se faz mais presente nem atual.

32

Sobre esta questão, ver Russel Jacob, Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da

academia. São Paulo, Trajetória Cultural, Ed. Da USP, 1990. Nesta obra o autor faz uma análise do

panorama geral sobre a situação dos intelectuais nas décadas de cinqüenta e sessenta, nos Estados Unidos,

e a crescente profissionalização do mesmo.

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Dessa forma, é esta articulação entre marxismo e pós-modernismo proposta por

Jameson e já pressuposta em alguns autores antes dele, como os filósofos da Escola de

Frankfurt, que é relevante para os estudos culturais na América do Norte.

De fato a influência desses autores correspondeu a um momento de

efervescência dos estudos culturais, onde o que passa a ser questionado é o próprio

sentido de cultura e suas relações de poder, além das críticas as suas metanarrativas

constituintes. É neste ambiente que Fredric Jameson se insere e trabalha por uma

reconstrução e revalorização da teoria marxista para os estudos culturais. É aqui que ele

identifica o pós-modernismo com a narrativa histórica do marxismo, de plena realização

do sistema, a globalização, como mediadora das novas formas culturais do capitalismo,

o multiculturalismo.

O pós-modernismo em si não significa propriamente uma ruptura com o que é

moderno, mas pode pretendê-la sob outros pontos de vistas. Acreditamos que podem ser

ambas as coisas, como num movimento dialético. A questão é que, o conceito pós-

modernismo não pretende definir um sentido enquanto unidade de conceito, ou mesmo

de diferenciação de um momento para outro. No que se refere às discussões do pós-

moderno sobre a questão da história, envolve o debate sobre a falácia da própria

narrativa moderna, ou metanarrativa que sob o pano de fundo de determinadas filosofias

da história33

garantiram objetividade científica para uma concepção sistemática e

classificatória, característica do próprio método narrativo da história.

No âmbito da pesquisa histórica, sua reflexão se estende as formas de

interpretação e compreensão das narrativas históricas, sendo que estas reflexões inferem

diretamente sobre a problemática de uma filosofia da história marxista. Não tem

pretensões universais de resolver o debate da cientificidade da História como tal, mas

nos abre horizontes que colocam o debate sob outros termos, em que se considera a

História como arte e ciência ao mesmo tempo, e tal legado rankeano34

, deve ser revisto

e trazido à laia novamente.

O historiador não deve se esquivar do debate. E talvez, tomar uma posição sobre

o que é o pós-modernismo, se somos ou não, pós-modernos, envolve exatamente “tomar

uma posição” sobre o modos operandi da História, da possibilidade de uma regularidade

em História, de conceitos universais, que garantam sua finalidade. Aqui, não me refiro a

33

Aqui me refiro às filosofias da história que procuraram delimitar o âmbito da experiência histórica

possível aos limites de um esquema da evolução histórica determinado por critérios racionais universais. 34

Sobre aquela famosa citação de Ranke, em que coloca a História e a Arte como ciências afins.

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uma finalidade comum, da humanidade, da concretização de um espírito absoluto, mas

de uma finalidade que possa garantir determinadas conquistas e melhorias humanas.

Uma forma de explicação que possa refletir a prática histórica e historiográfica, das

coisas humanas em questão.

O pensamento de Jameson está inserido dentro da problemática estabelecida, que

é a da pertinência do discurso teórico marxista, ou neo-marxista em que o autor se

impõe de forma categórica dentro do discurso pós-moderno, defendendo a

fundamentação das metanarrativas como algo imanente ao processo histórico,

necessária à própria dialética do movimento e que garante o discurso da fragmentação

enquanto identidades absolutas. Assim o autor destrona o conceito de pós-modernismo

ao mesmo tempo em que o usa para identificar um tipo de periodização diferenciado

dos demais.

Sobre a constituição das metanarrativas, e de sua análise, seu método crítico

apoia-se nas abordagens políticas dos textos literários, a partir de um marxismo

renovado, onde se privilegia o discurso multiculturalista e interdisciplinar.

Essa tradição identificada por Jameson em sua obra inicial, Marxismo e Forma,

publicado pela primeira vez no ano de 1971, o autor propõe uma revisão ou reflexão,

das práticas historiográficas das teorias dialéticas da literatura do século XX, nas obras

de Adorno e Benjamin, de Marcuse e Ernst Bloch, de Lukács e Sartre. Nela o autor

busca uma forma de resgatar a teoria marxista, e reconciliá-la novamente com a

modernidade, a partir de uma análise formal do conceito de mercadoria, que o próprio

momento histórico sugere como mediação para se pensar a obra contemporânea como

resistência à instrumentação, como recusa do jogo de transparências que caracteriza o

discurso fluente da produção cultural adequada às exigências do consumo fácil.

Também discute a hipertrofia da crítica atual não como fato isolado, nem como

fruto exclusivo de livres vontades, mas como um traço de época. Tal hipertrofia não

deve ser apenas motivo de constatação e lamento, é antes um dado a ser explicado: a

crítica somente realiza sua tarefa de modo pleno na medida em que inclui em sua

atividade de “especificação do concreto” a própria compreensão das condições

históricas dentro das quais se exerce. E o pós-modernismo deve ser entendido nesse

sentido.

Em Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, publicado em

1991, tem-se um resumo de todo trabalho de Jameson no intuito de compreender e

definir aquilo que depreende dessa nova realidade. No prefácio a sua obra, as autoras

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Iná Camargo Costa e Maria Elisa Cevasco assim definem o sentido do pós-modernismo

em Jameson, marcado pela

Apoteose do sistema e a expansão global da forma mercadoria,

colonizando áreas tributárias de tal forma que não se pode mais falar

de algum lugar „fora do sistema‟, como a Natureza (...) ou o

Inconsciente, constantemente bombardeado pela mídia e pela

propaganda. (JAMESON, 2000, p. 5)

O pós-modernismo se funde como a última fase do capitalismo, sendo, portanto

a lógica desse novo estágio. A cultura contemporânea e suas expressões nas artes

visuais, das novas formas de articulações do tempo e de uma nova concepção do

espaço, são articuladas como essa nova lógica subjacente ao sistema como um todo. Por

isso para Jameson, é preciso aprender a totalizar, segundo o autor, “uma das tarefas

básicas hoje é discernir as formas de nossa inserção como indivíduos em um conjunto

multidimensional de realidades percebidas como radicalmente descontínuas”.

(JAMESON, 2000, p. 6).

Nesse sentido, o pós-modernismo é tido como nossa capacidade de totalizar, em

termos culturais, todo o sistema capitalista e as formas de representação do mesmo. E

longe de representar uma degradação do alto modernismo, de uma degradação da

própria capacidade de totalizar, a questão para Jameson é

[...] enfrentar o pós-modernismo como um componente do estágio

atual da história, e investigar suas manifestações culturais – como o

vídeo, o cinema, a literatura, a arquitetura, a retórica sobre o mercado

– não só como veículos para um novo tipo de hegemonia ideológica, a

que é funcional para o novo estágio do capital globalizado, mas

também como configurações que permitem ao crítico da cultura

destrinchar os germes de „novas formas do coletivo, até hoje quase

impensáveis‟. (JAMESON, 2000, p. 7)

Desse modo, o pós-modernismo visto como um discurso do fragmentário e da

impossibilidade do pensamento totalizante, simplesmente acaba por duplicar a alienação e

reificação do presente. Deve ele ser compreendido de forma a identificar essa duplicação e

reificação do presente, a partir da estrutura geral da própria cultura, o pós-moderno, que realiza

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essa mediação entre o que é cultural com as formas de representação do capitalismo tardio.

Nesta passagem fica bem claro tal posicionamento,

A afirmação inequívoca da possibilidade de se elevar nossa época do

fragmentário, do espacial e do diferente a uma formulação

“totalizante”, que leia no geral o específico e nas manifestações

artísticas figurações da estrutura sócio-econômica que nos descentra,

já coloca este estudo como um ato radical de pensamento

oposicionista, como uma superação dos termos em que a dominante

cultural – (...) – articula as condições de possibilidade do pensamento

teórico. (JAMESON, 2000, pp. 6-7).

A dominante cultural é o pós-modernismo.

Em o Inconsciente Político, publicado em 1981, o autor identifica a narrativa

como um ato socialmente simbólico, e sua abordagem materialista da literatura bem

como da história, leva à concepção de “metaficção historiográfica” 35

, como método da

historiografia do próprio pós-modernismo. Nesse sentido, a própria reescritura política

dos textos históricos e literários

Restaura a multivalência dinâmica da produção estética, a um só

tempo complexo de aspirações e desejos e registro das contradições

determinadas e de limitações impostas pela ideologia e pela História.

Esses “fechamentos” acabam reprimindo o político e constituindo o

“inconsciente” que é tarefa do crítico interpretar. (JAMESON, 2001,

p. 10)

A partir dessa perspectiva totalizante, o que Jameson pretende demonstrar é que

segundo o modelo das ideologias do diferente definida por certo tipo de discurso do

pós-modernismo, visto como algo excepcional ou exótico é parte na divisão

internacional da produção, até mesmo a cultural. A questão então é enfrentar o modo

como nossa particularidade se insere no conjunto.

Desse modo, partiremos da análise dessas obras citadas como eixo principal do

desenrolar da discussão para a argumentação em defesa de um sentido de totalidade do

conceito de pós-modernismo. A intenção é demonstrar que o discurso da fragmentação

e relativização da própria teoria, compõe um sentido de totalidade que escapa à

35

Para maiores esclarecimentos ver HUTCHEON, Linda. Poética do Pós – modernismo: história, ficção

e teoria. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991.

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compreensão do indivíduo inserido no mito do capitalismo moderno e das “benesses”

do consumo.

Cultura e Crítica da dialética negativa: o sentido do pós-moderno em

Adorno, Benjamin e Schiller.

O que Fredric Jameson entende por pós-modernismo passa pela crítica da

cultura empreendida pelo Marxismo Ocidental. Nesse sentido mais do que

simplesmente uma crítica às metanarrativas constitutivas dos regimes totalitários, de

suas designações apocalípticas como o “fim da história”, o “fim da arte”, o fim disto ou

daquilo, refere-se a um revigoramento da prática política do historicismo e do

Marxismo nos estudos culturais.

Sair em defesa do marxismo, principalmente no que se refere aos estudos

culturais, de fato não é tarefa fácil. Tal empreitada defendida pelo nosso autor é o que o

torna mais instigante e precursor de um sentido de pós-moderno que totaliza o momento

passado com o momento presente, numa completa homogeneização do sistema. Nesse

sentido o pós-modernismo age como um sintoma, uma lógica particular que configura

esse estágio atual do capital, ou do que ele chama, da lógica do capitalismo tardio.

Sua atitude já constitui por si só um ato político radical de oposição em relação

ao pós-modernismo visto como o fim da História. Nesse sentido, o pós-modernismo é

entendido como uma estrutura interna ao modernismo, à modernidade ainda. Por isso,

mais do que ser um momento de ruptura, é o momento para se racionalizar a própria

estrutura da cultura do capital. Em Marxismo e Forma36

, Jameson elenca alguns autores

que identificam esses elementos no movimento da estética em geral, relacionando-os

com o modo de produção em toda sua totalidade estrutural.

De fato, ele questiona mesmo se toda essa mudança na estrutura do capitalismo

como um todo, nas suas formas de representação expressas no cinema e no vídeo, bem

como no fotorrealismo, na música, mas também na síntese dos estilos clássicos e

“popular” que se vê em alguns compositores, não passa de mudanças periódicas de

36

JAMESON, F. Marxismo e forma: teorias dialéticas da literatura no século XX. São Paulo, Ed.

Hucitec, 1985.

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estilo, ou de moda, determinadas pelo velho imperativo de mudanças estilísticas do alto

modernismo.

Em seu estudo “Adorno: ou tropos histórico”, Jameson de início já reconhece a

complexidade e veemente posição crítica e pessimista de Adorno, na tentativa de

despertar o próprio fenômeno sócio-econômico que ele denuncia. Por isso, sua crítica

não deve ser tomada como uma tese isolada de natureza geral. Assim é aos fenômenos

culturais – como estilos musicais, e sistemas filosóficos, que Adorno empreende sua

crítica dentro do contexto do que o marxismo chama de superestrutura.

Nesse sentido, a obrigação de reconhecer a transcendência dos limites da análise

especializada, ao mesmo tempo em que respeita a integridade do objeto como uma

entidade independente, corresponde a uma atitude de teorização anterior de unidade do

campo cultural. Nas palavras de Fredric Jameson, “o próprio termo superestrutura já

carrega dentro de si o seu oposto, como uma comparação implícita, e por sua própria

construção coloca o problema da relação com a base sócio-econômica ou infra-estrutura

como precondição para sua completude enquanto pensamento.” (JAMESON, 1985, p.

12).

Assim, no domínio da crítica literária que aqui se estende à própria

historiografia, é o enfoque sociológico que se justapõe a obra de arte individual como

uma forma mais vasta de realidade social. Esta é vista de um modo ou de outro como

sua fonte ou fundamento ontológico, e da qual a própria obra é concebida como um

reflexo ou um sintoma, uma conscientização ou uma resolução imaginária ou simbólica

como uma das maneiras em que esta relação central e problemática tem sido concebida.

O estudo das superestruturas pressupõe uma transcendência da natureza

atomística do termo cultural: é essencialmente a diferença entre a justaposição de um

romance individual com seu contexto sócio-econômico, e a história do romance vista

contra esse mesmo contexto. Com efeito, uma relação que era de forma-fundo, ponto-

campo, cede lugar à superposição de dois campos, duas séries, dois contínuos; a

linguagem da causalidade é substituída pela da analogia ou homologia, do paralelismo.

O continuum cultural, ou o que Fredric Jameson (1985) chama de microcosmo,

ou seja, tudo o que está relativamente ligado ao que é individualmente ou coletivamente

constituído, desde sua concepção metafísica e epistemológica, até suas mais variadas

formas de “cultura”, incluirá uma analogia com o macrocosmo sócio-econômico ou

infra-estrutura, como uma comparação implícita em sua própria estrutura, permitindo-

nos transferir a terminologia deste último para aquele, em maneiras que são sempre

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muito reveladoras. A tarefa do crítico literário marxista é exatamente em demonstrar

este funcionamento do conteúdo dentro da própria forma, e não como algo que o

transcende, ou que existe “fora” dele.

Segundo Fredric Jameson (1985), a originalidade da visão histórica de Adorno

está na sua concepção de evento. Mas o evento aqui é o evento musical, consistindo

precisamente na atenção àquele fluxo de sons penetrando pelos ouvidos, à sucessão

organizada e significativa de um sistema de signos não verbais, como se fosse um

discurso puramente instrumental. Seu objeto de análise, a concepção de um evento

musical, e a música polifônica ocidental é “não natural” precisamente na medida em

que não tem equivalente institucional em qualquer outra cultura.

Fredric Jameson (1985) parece identificar aquilo que é histórico, a tudo o que é

culturalmente constituído. E reserva ao que não é histórico, tudo aquilo que se remete

ao que é natural nas sociedades. Sua concepção de uma teoria da história perpassa

assim, por uma ideia de que a regularidade histórica está fora do seu domínio. Este

domínio é a sua natureza que não depende da história para se fazer onipresente,

reservando ao que é de domínio da história, exatamente as irregularidades daquilo que é

humanamente constituído, ou seja, cultura. É esta forma nova que Fredric Jameson quer

ressaltar.

Há uma diferença absoluta em espécie, entre a música funcional mais antiga e a

moderna, que desenvolveu sua autonomia própria adquiriu o status de um evento em si

mesmo e requer que seus participantes suspendam suas outras atividades, para que, nas

palavras de Jameson,

No exercício de alguma capacidade mental atenta mas não verbal que

nunca tinha sido usada antes, com a convicção de que algo real está

acontecendo durante quinze ou vinte minutos de imobilidade. É como

se um novo sentido tivesse sido inventado (pois a concentração ativa

que marca tal audição é tão distinta da audição ordinária como a

linguagem matemática o é do discurso ordinário), como se um novo

órgão tivesse se desenvolvido, um novo tipo de percepção tivesse se

formado. O que é particularmente digno de nota é a pobreza dos

materiais que moldaram esse novo tipo de percepção; pois o ouvido é

o mais arcaico dos sentidos, e os sons instrumentais são muito mais

abstratos e inexpressivos do que as palavras ou os símbolos visuais.

Contudo, numa dessas inversões paradoxais que caracterizam o

processo dialético, é precisamente esse ponto de partida primitivo,

regressivo, que determina o desenvolvimento da mais complexa das

artes. (JAMESON, 1985, p. 18).

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O elemento musical é o diferenciador de uma forma nova de historicidade.

Vista entre uma significativa coletividade que executava música e a conhecia por dentro

de um modo qualitativamente diferente da maneira passiva dos consumidores dos dias

de hoje. A música ocidental moderna, já de início destaca-se da cultura como um todo37

,

e se desenvolve a parte, em paralelo a esse “todo”. Neste sentido, a música adquire uma

história interna própria, como também começa a duplicar, em escala menor, todas as

estruturas e níveis do macrocosmo social e econômico e exibe sua própria dialética

interna, seus produtores e consumidores, sua própria infra-estrutura.

Fredric Jameson (1985) parece ter um sentimento saudosista e nostálgico em

relação à instrumentalização musical mais antiga, elemento de sua vivacidade, e que, na

modernidade, se constitui num simples simulacro. Existe um leitmotif 38

, que deve ser

entendido em termos da dialética autônoma da própria tradição musical com suas leis e

possibilidades próprias. Como consta de seu próprio argumento,

Se há para a música algo assim como a “heresia da paráfrase” –

arrancando brutalmente a melodia ou tema de uma textura na qual só

ali encontra sua razão de ser – deve-se então acrescentar que tal

prática encontra seu estímulo inicial não tanto no capricho ou

ignorância formal do ouvinte individual como na equivalência – ou

ruptura – mais profunda entre forma e conteúdo na própria estrutura

da obra. (JAMESON, 1985, p. 21)

Esta mudança no meio da música serve de ilustração e exemplificação de como

o historicamente novo é gerado a partir das contradições de uma situação e momento

particulares. Da função, em análises dialéticas, de termos como progressivo e

regressivo, mediante os quais os elementos de certo complexos distinguem-se tão-

somente para ser re-identificados mais firmemente em sua inseparabilidade e para tornar

possível uma percepção diferencial da posição de um determinado momento no

continuum histórico.

De fato, é a novidade, o sentido do novo não mais como um subproduto

relativamente secundário e natural, que passa a ser considerado como um fim em si

37

O todo a que Jameson se refere está relacionado a vida social cotidiana do período, século XIX, ao que

era constituído culturalmente naquele momento. 38

Conceito usado pelo nosso autor, a fim de designar de que a forma evolui em resposta a um tipo de

público, e são, portanto, influenciadas também pelas funções sociais cambiantes de seus executantes.

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mesmo. Neste sentido, as manifestações artísticas em geral, no entender de Fredric

Jameson (1985) estão imbuídas de uma historicidade nova, no sentido do que elas

pensam sobre si, e sobre sua própria prática. Na tentativa de pensar um trajeto através

da pura invenção formal, tendo em vista o próprio futuro da história.

Assim o é também a obra literária: mas o progresso aqui identificado é menos

uma questão de inovação estilística do que de hábitos do público leitor, o qual deve ser

medido em relação à pura quantidade de palavras com que um dado contexto histórico é

saturado. Aqui, o autor identifica a obra literária na modernidade, saturada de tudo o

que é histórico, como se tudo que tinha pra ser conhecido, já se conheceu, não existe

mais nada a acrescentar ao devir histórico, tudo na obra agora é saturado. É esta atitude

em relação à obra em questão, de consumidor do que de mero apreciador da obra de arte

em geral, que constitui o elemento diferenciador dessas duas atitudes,

É claro, por exemplo, que uns poucos nomes e simples substantivos,

um mínimo de descrição, tinham para os leitores de séculos anteriores,

um valor sugestivo que não mais possuem nessa superexposição à

linguagem que é característica de nossa época. Assim, o estilo se

parece com a Rainha Vermelha, desenvolvendo mecanismos cada vez

mais complicados a fim de manter o poder para dizer a mesma coisa;

e, no universo comercial do capitalismo avançado, o escritor sério é

obrigado a despertar o senso do concreto, entorpecido no leitor,

através da administração de choques linguísticos, reestruturando o

demasiado familiar ou apelando às camadas mais profundas do

fisiológico, as únicas que retêm uma espécie de intensidade disponível

não nomeada. (JAMESON, 1985, p. 24).

No domínio da música, a questão é da dissonância e consonância com o

fenômeno em si, podendo ser descrito em termos negativos ou positivos, já que o valor

renovado de um determinado sistema de consonância coaduna com os efeitos das

dissonâncias que obtém dentro desse sistema. De fato, a música e seus efeitos, na

modernidade, transcendem ao esquema musical das coisas, a ponto de a dissonância

como tal ter valor social simbólico, comparável ao papel que o conceito do inconsciente

representa no decorrer da história da ratio burguesa.

Toda energia é agora investida na dissonância; em comparação, as

resoluções individuais se tornam cada vez mais tênues, mero cenário

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facultativo ou afirmação restauradora. A tensão se torna o princípio

fundamental de organização, a ponto de a negação da negação, o total

cancelamento do débito de cada dissonância ser como num gigantesco

sistema de crédito, indefinidamente adiado. (JAMESON, 1985, p. 25).

Com efeito, a novidade reside na própria contradição do sistema, que se

dinamiza e efetua pelo e através desta contradição. No caso da música, uma absoluta

liberdade de um lado, e do outro, a ordem renovada de uma rigidez auto-imposta do

sistema, que no final das contas é entendido no contexto da situação histórica concreta

de regressão da audição como sintoma da própria modernidade. Nossa percepção da

música em particular e da obra de arte em geral, se ajusta à percepção do seu objeto com

a consequente deterioração da capacidade de escutar (e ver), com a qual o compositor e

o artista, precisam trabalhar.

A composição musical torna-se mero estímulo ou condicionante psicológico,

como nos aeroportos ou supermercados onde o freguês é acusticamente tranquilizado.

Também se encontra intimamente ligada em nossa mente à propaganda de produtos e

continua tanto na música “popular” como na “clássica”, a funcionar como tal muito

depois de terminado o comercial: neste ponto os sons anunciam o compositor ou

executante e representam signos do prazer a ser derivado do produto, de tal modo que a

obra de arte desce ao nível dos bens de consumo em geral. A arte neste sentido sofre

uma mudança radical por uma nova exploração comercial de técnicas artísticas em todas

as facetas de nossa cultura.

O conteúdo também sofre esta transformação nas suas estruturas mais internas,

particulares, do tipo neurose “fin de siècle” aparentado a certo freudismo39

. Com efeito,

tais fenômenos caracteristicamente freudianos não são mais considerados como funções

mentais permanentes, mas sim como eventos novos. Eles marcam a gradual alienação

das relações sociais e sua consequente transformação em mecanismos autônomos e

auto-reguladores, em que a personalidade individual ou independente, aos poucos vem

sendo reduzida a uma mera parte componente, um locus de pressões e tabus, um

aparelho receptor de injunções provenientes de todos os níveis do próprio sistema.

Desse modo para Jameson (1985) não existe mais essa correspondência entre

uma experiência monádica interior e a rede puramente externa de circunstâncias, sejam

econômicas, históricas e sociais. Mesmo que ainda reste um ego, que sobreviva à ilusão

39

Nesse sentido é a própria estrutura do inconsciente que se apresenta como o local a ser perscrutado pelo

pós-modernismo enquanto manifestação desse novo estágio do capital.

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de sua própria “centralidade não interrompida” 40

, o fato é que a experiência individual

cessou de coincidir com a realidade social, assim como o romance, ameaçado por

contingências idênticas.

Destarte, a forma do romance enquanto experiência social e contingente ao se

prender demais ao puramente existencial, à verdade da subjetividade arrisca a tornar-se

observação psicológica não generalizável, com toda a validade de mera história de caso.

E, ao tentar dominar a estrutura objetiva da esfera social, tende a cada vez mais ser

governado por categorias de conhecimento abstrato em lugar da experiência concreta e,

consequentemente, a descer ao nível da tese e da ilustração, da hipótese e do exemplo.

No entanto é este tipo de “atonalidade” que segundo Jameson “não importa

quanto possa testemunhar a perda do controle racional na sociedade moderna” 41

, é

testemunha de uma nova ordem até então apenas latentes no momento histórico.

Mas esta nova ordem que se questiona no sentido atribuído pela teoria da pós-

modernidade que para Jameson de fato não constitui nenhum fim absoluto da História,

ou da teoria, de fato é a realização da própria teoria. E é esta totalidade sugerida da obra

de arte em si do período moderno enquanto realização da forma, a modernidade, a

própria contextualização histórica do momento. Dessa forma, é a própria música que

eleva toda

Ar te moderna para uma espécie de sobredeterminação absoluta de

todos os seus elementos, para uma abolição do acaso, uma espécie de

total absorção dos últimos remanescentes de pura contingência

presentes no material em estado bruto, os quais são doravante

arduamente assimilados na estrutura própria da obra. (JAMESON,

1985, p. 31)

Essa organização total da obra é sintomática de uma tendência objetiva na

estrutura sócio-econômica do próprio mundo moderno, onde os regimes políticos

totalitários são apenas um sintoma. Assim, a organização total da economia termina por

alienar a própria linguagem e o pensamento humano, dissipando o que deste último

remanescente sujeito ou ego autônomo pode ter ficado. Os mecanismos de

comunicação, a pesquisa de mercado, a testagem psicológica e uma multidão de outras

40

Termo utilizado por Fredric Jameson, cuja conotação recai sobre a concepção do fim da forma como

um todo, do seu valor organizacional. 41

Ver JAMESON, F. Marxismo e forma: teorias dialéticas da literatura no século XX. São Paulo, Ed.

Hucitec, 1985, pág. 29.

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técnicas sofisticadas, completam aquilo que Jameson entende como o pós-modernismo

capaz de desmistificar: uma planificação total do público, a ilusão de um estilo de vida

que insiste em disfarçar o desaparecimento da subjetividade e da vida privada no

sentido antigo.

A ideia de totalidade não deve estar fora de uma concepção histórica que se

faça pertinente a uma pretensão de objetividade científica. De fato, pensar no que é

culturalmente constituído por nós, parte dos fundamentos ontológicos e axiomáticos da

ciência histórica, do passado é sempre uma tarefa “de dois gumes”. Pensamos o passado

a partir de referenciais do presente. E isto em Fredric Jameson (1985) se reflete sobre a

conexão entre tal visão dialética da transformação histórica, na qual os diversos

momentos são articulados de acordo com as várias relações possíveis entre sujeito e

objeto, e alguma hipótese de um momento histórico de plenitude ou completude contra

o qual os outros estágios históricos são julgados e medidos.

O autor parece aceitar bem esta limitação da prática do historiador, que não é

uma limitação no sentido de incapacidade da prática historiográfica, mas no

reconhecimento de sua essencialidade específica (o que é particularmente humano), e ao

mesmo tempo naturalmente lógica: o conceito do que Adorno chama de Versoehnung42

,

entre sujeito e a objetividade, entre a existência e o mundo, a consciência individual e a

rede externa de coisas e instituições na qual ela emerge.

E assim, as chamadas “teorias da história”, tendem a organizar-se em torno

desta hipótese dissimulada dum momento de plenitude. No entanto, no domínio

cultural, pelo menos podemos avaliar a adequação da forma e do conteúdo em seus

monumentos culturais, sendo capazes de avaliar a reconciliação entre intenção e mediu,

e o grau em que toda matéria visível é forma, e todo significado ou expressão é

encarnação concreta.

Nesse sentido, essa dialética da possibilidade de reconciliação entre sujeito e

objeto, do Eu e do Não-eu, do espírito e da matéria, do ego e do mundo é o princípio da

própria metanarrativa em Fredric Jameson que se baseia na premissa do sistema

hegeliano podendo ser reivindicado como sendo “virtualmente” o próprio método

dialético.

Em Adorno, segundo Jameson (1985) esta totalidade se evidencia pelas novas

formas dadas pela música em Schoenberg e Beethoven, em que, o estilo musical de

42

Que em inglês quer dizer, “reconciliation” ou, reconciliação.

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ambos em função de um único sistema de mercado é agora duplicado pela planificação

da própria obra de arte, sendo que o primeiro teria um resultado distorcido de uma

tentativa de imaginar a totalidade numa época em que não se tem nenhuma experiência

dela, e o segundo, vislumbra uma totalidade concreta, completamente presente em cada

instante de seu desdobramento.

Assim, a reconciliação feita por Beethoven entre o subjetivo e o

objetivo fielmente registra os horizontes alargados do próprio período

de transição revolucionária, no qual o pensamento positivo e

universalista da burguesia durante sua luta pelo poder não cede lugar

ainda ao “esprit sérieux” do dinheiro, dos negócios e da Realpolitik;

[...] e o que é verdade para a música vale também para o pensamento:

a filosofia, liberta da longa coerção da teologia, não sofreu ainda a

redução positivista ao empirismo científico, ainda não abdicou de seus

direitos em favor das disciplinas acadêmicas recentemente inventadas,

tais como a sociologia e a psicologia, e muito menos começou a

questionar sua própria validade no estilo do positivismo lógico do

século XX. Neste ponto da história, o pensamento ainda está à procura

de matérias mais amplas, e é de tal momento de possibilidade, um

momento de suspensão entre dois mundos, que a filosofia de Hegel é

o mais ambicioso e profundamente característico monumento.

(JAMESON, 1985, p. 40)

Sua defesa de um método dialético se insere dentro de uma perspectiva

hermenêutica marxista, cuja expressão desta totalidade é o próprio método de

comparação dialético do pensamento em si e sobre si mesmo. Este é o seu resgate, o seu

projeto.

Toda a totalidade já está dada, de um ponto de vista objetivo e subjetivo, que

dialeticamente na forma de espírito absoluto, que segundo Jameson não se encerra

definitivamente e completamente num período histórico, aprende que, em última

instância inclui dentro de si toda a abundância e multiplicidade do universo exterior e

objetivo. E é no momento da experiência, no momento em que ainda não há esta

separação entre sujeito e objeto que esta reconciliação ocorre, em que o sujeito ainda em

acordo com seu objeto, não atingiu a autoconsciência, não aprendeu a se distinguir

como entidade separada e abstratamente independente, não é capaz de se retrair e olhar

através de um vazio para a entidade igualmente abstrata das coisas em si mesmas.

De fato a questão é saber de que forma hoje a experiência deixou de se realizar,

ou deixou de se reconciliar, causando um abismo profundo entre o interior e o exterior,

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entre sujeito e objeto. E por isso o autor pensar a experiência de uma totalidade, daquela

genuinamente moderna43

, como impossível nos dias de hoje, a não ser nas partes que

compõem o próprio processo de totalização global, o multiculturalismo. Por que aqui, a

autoconsciência do sujeito, se dá no exato momento de reconciliação com o objeto, e a

totalidade ganha um sentido diferente dentro deste novo contexto: a de ser um método

dialético que privilegia a totalidade concreta em lugar das partes separadas, abstratas.

A proposta de uma análise cultural contemporânea, denominada de pós-

modernismo, passa pela explicitação da análise empreendida por Jameson sobre autores

como Adorno, Benjamin, Marcuse, Schiller, Marc Bloch, percebendo a relevância dos

mesmos para uma base hermenêutica do marxismo, ou de um método de dialética

hermenêutica. É interessante perceber no nosso autor, a defesa de um hegelianismo

muito mais amplo do que a pura especialização do mesmo, da qual é difícil de reemergir

para as possibilidades mais amplas abertas por Hegel. E,

Deste modo, não é de admirar que o sistema de Hegel falhe, assim

como não é de estranhar que as vastas sínteses artísticas que são seu

equivalente no século XX rachem-se todas sob a pressão de sua

elaborada pretensão universalizante. Entretanto, elas já ocorrem num

plano inferior de linguagem, não mais no nível do entendimento mas,

antes, no das percepções físicas e emocionais mais elementares e

imediatas: e o espanto real não é tanto que o sistema hegeliano falhe,

mas que ele pudesse ter sido concebido e executado até aquele grau de

concretude que ainda possui. (JAMESON, 1985, p. 44)

A questão para Adorno, e que permeia as considerações dos demais autores

analisados por Fredric Jameson é exatamente pensar sobre a dificuldade de

sistematização num universo fragmentado, e ainda assim permanecer fiel ao espírito

hegeliano. Para isto, precisamos ser resolutamente não-sistemáticos, e num sentido

holístico44

, genuinamente hegeliano, enfrentar ai seu principal problema formal: a da

impossibilidade do todo num mundo fragmentado.

Jameson sai em defesa de um tipo de hegelianismo que vai além da sua

experiência marxista e de suas considerações ortodoxas e objetivistas, as quais

43

Em que a experiência é dada como a realização do próprio Espírito Absoluto, do encontro do Eu e do

Não-eu, que nos dias de hoje é escamoteada pelo processo geral de globalização. 44

Holismo no sentido pensado por Karl Popper. O de que os grupos sociais, nunca se vêem inteiramente

explicados em termos de mera junção de seus elementos, mas num processo de interação entre eles.

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obliteraram a realidade histórica e sua componente subjetiva. De fato, um retorno às

considerações hegelianas para Jameson é um retorno a uma compreensão da realidade

em seu sentido dual, sem, no entanto, ser meramente unilateral, ou seja, pressupor uma

realidade como existente por si mesma, mas sim, em consonância com o já existente

numa relação de construção.

O que eles compartilham enquanto fragmentos a despeito da dispersão de seu

material em estado bruto45

é a própria historicidade comum, aquele momento da história

que marca e deforma de um modo ou de outro, todos os fenômenos culturais que nele se

produzem e se incluem, e que serve de estrutura dentro da qual compreendemos aqueles

fenômenos.

Para Jameson é uma motivação profundamente estilística que está por trás deste

modo indireto, e, neste sentido, o estilo que governa às obras de arte é análogo à própria

forma das frases (de um texto histórico), que transcendente a toda reflexão, determina a

escolha da matéria-prima. E dessa forma,

Na medida em que o pensar dialético é pensamento sobre pensamento,

pensamento ao quadrado, pensamento concreto sobre um objeto, que

simultaneamente permanece cônscio de suas próprias operações

intelectuais no próprio ato de pensar, esta autoconsciência deve ser

inscrita na própria frase. E, na medida em que o pensamento dialético

caracteristicamente envolve uma conjunção de fenômenos opostos ou

pelo menos conceitualmente díspares, pode-se propriamente dizer da

frase dialética aquilo que os surrealistas disseram da imagem, a saber,

que sua força cresce proporcionalmente à medida que as realidades

ligadas são distantes e distintas uma das outras. (JAMESON, 1985, p.

47).

As contribuições de Adorno46

neste sentido propõem a oferecer uma teoria do

não teorizável; a mostrar porque o pensamento dialético é a um só tempo indispensável

e impossível, mantendo viva a própria ideia de sistema, enquanto intransigentemente

descarta as pretensões à validade e mesmo à existência dos sistemas já realizados. O

argumento essencial de Adorno (1985, p. 48) infere-se sobre o conteúdo da obra de arte

que é julgado pela sua forma, e que é a forma realizada da obra que oferece a chave

mais segura para as possibilidades vitais do momento social determinado do qual ela

45

Da situação histórica concreta, a modernidade. 46

Aqui Fredric Jameson se refere ao argumento essencial da Dialética Negativa, cuja metodologia

procuramos expor aqui.

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surge. Esta mesma descoberta metodológica mostra ser válida no domínio do

pensamento filosófico; e a prática da dialética negativa envolve um movimento

constante, distanciando-se do conteúdo oficial duma ideia – como, por exemplo, a

natureza “real” da liberdade ou da sociedade como coisas em si mesmas – e em direção

às várias formas determinadas e contraditórias que tais ideias tomaram, cujos limites

conceituais e cujas inadequações representam figuras ou sintomas dos limites da própria

situação social concreta.

Isto, no entanto, não quer dizer nas palavras de Fredric Jameson que “qualquer

dos dois opostos conceituais que são o sujeito e o objeto, seja necessariamente mais

satisfatório isoladamente.” (JAMESON, 1985, p. 49) Pensar sobre os dois isoladamente,

o objeto compreendido em si mesmo o mundo realizado e interpretado como conteúdo

diretamente acessível, resulta nas ilusões do empirismo positivista simplista, ou num

pensamento acadêmico que erroneamente toma suas próprias categorias conceituais por

partes sólidas e pedaços do mundo real. Do mesmo jeito, sobre o sujeito, resulta no que

é considerado por Adorno o idealismo subjetivo do existencialismo heideggeriano47

,

uma espécie de historicidade a-histórica, uma mística da ansiedade, da morte e do

destino individual sem nenhum conteúdo genuíno.

Aqui, ao invés de um formalismo vazio a dialética negativa resulta numa crítica

abrangente das formas numa laboriosa e quase permanente destruição de toda a

hipóstase possível dos vários momentos do próprio pensamento. Pois é inevitável que

qualquer teoria sobre o mundo no seu momento de formação, tende a tornar-se um

objeto para a mente e a investir-se de todo o prestígio e permanência duma coisa real

por si mesma, apagando assim, o próprio processo dialético do qual emergiu: e é esta

ilusão ótica da substancialidade do pensamento que a dialética negativa se propõe a

dissipar.

Para Jameson (1985) a dialética negativa constitui uma espécie de abstração

hiperconsciente da totalidade genuína de pensamento, que as obras de Adorno como um

todo encarna. Sua ênfase no método e na teoria mais do que na prática da dialética

negativa, explica, para o nosso autor, a ausência de compromisso político em Adorno o

que remete para uma concepção atual sobre o pensamento político pós-moderno: a falta

ou ausência de uma prática política que supere o profundo comodismo contemporâneo.

No entanto, a leitura jamesoniana sobre o mesmo nos apresenta a dialética

47

De uma interpretação da subjetividade como uma presença radical imanente.

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negativa como o método próprio do pensamento histórico atual, nos quais pretexto e

consciência se encontram para formar a mais luminosa e transitória figura ou tropo da

inteligência histórica: “como seu objeto, o conhecimento permanece agrilhoado à

contradição determinada”. (JAMESON, 1985, p. 51)

Pois então, se em Adorno a dialética negativa é a forma geral, o “tropos

histórico”, Walter Benjamin (1985, p. 53) representa a nostalgia ligada a um passado

cujo objeto adequado, um emblema ou imagem, são percebidos e incorporados como na

meditação religiosa em que a mente possa se mirar, na qual possa encontrar alívio

momentâneo ainda que apenas estético.

Benjamin é para Fredric Jameson o teórico da alegoria. Sua teoria concentra-se

no esforço em direção a uma integridade psíquica ou unidade de experiência que a

situação histórica ameaça estilhaçar a cada passo. O impulso para a unidade assume a

forma de uma obsessão com o passado e a memória. Como coloca Jameson,

Benjamin é único entre estes pensadores porque ele quer salvar sua

própria vida também: daí o fascínio peculiar de seus escritos,

incomparáveis não apenas por sua inteligência dialética, ou pela

sensibilidade poética que expressam, mas acima de tudo, talvez, pelo

modo que a parte autobiográfica de sua mente encontra satisfação

simbólica na forma das ideias expressas abstratamente, sob disfarces

objetivos. (JAMESON, 1985, p. 54)

Neste sentido, Jameson (1985) estabelece uma comparação entre consciência e

memória. Em Freud48

a consciência tem a função de defesa do organismo contra

choques do ambiente externo. Em Benjamin a consciência em oposição à memória

torna-se um instrumento de descrição histórica, um modo de mostrar como na sociedade

moderna estes mecanismos de defesa da consciência deixa de ser pessoais. Toda uma

série de substitutos mecânicos intervém entre a consciência e seus objetos, privando-nos

de qualquer maneira de assimilar o que nos acontece, ou de transformar nossas

sensações em experiência genuinamente pessoal.

48

“[...] fascinado, por exemplo, pela distinção que Freud fez entre memória inconsciente e o ato

consciente de recordar, o segundo sendo para Freud, basicamente um modo de destruir ou erradicar o que

o primeiro se propusera a preservar: „a consciência aparece no sistema de percepção em lugar dos traços

da memória....a consciência e a retenção de memória são mutuamente incompatíveis dentro de um mesmo

sistema‟”. (JAMESON, 1985, p. 55).

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Para Jameson (1985) esta descrição psicológica em Benjamin passa por uma

reconciliação de passado e presente que é de algum modo ético. Esta sabedoria ética é

de fato uma espécie de meio-termo entre a ideia clássica de uma natureza humana fixa,

com sua psicologia dos humores, paixões, pecados ou tipos de caráter e a ideia moderna

da historicidade pura, da influência determinante da situação ou do ambiente.

Como solução de compromisso no domínio da personalidade individual não é

diferente daquela de Hegel no domínio da História. Onde, para este, um sentido geral

era imanente ao momento particular da história, o objetivo global da personalidade e de

seu desenvolvimento é de algum modo incorporado na emoção particular em questão,

ou latente no estágio particular do desenvolvimento do indivíduo49

. A experiência

psicológica individual é vista como algo que inclui em si mesma as sementes de seu

próprio desenvolvimento, algo no qual o desenvolvimento ético é inerente, como uma

espécie de “Providência interiorizada” 50

.

Em Afinidades Eletivas51

Benjamin realiza a crítica da própria forma com que a

Alemanha faz uso dessa psicologia ética de Goethe, operando com um conceito de mito,

que é ao mesmo tempo um ataque às ideologias obscurantistas que fizeram da noção de

mito seu grito de incitação. Com isto, Afinidades Eletivas pode ser considerada uma

obra mítica, contanto que entendamos mito como aquele elemento do qual a obra

procura se libertar: expressão disfarçada dos pensamentos de Benjamin sobre o passado

e o presente, o ensaio é uma maneira de recuperar o passado desmistificando esse

mesmo passado cultural, entregue às tenebrosas forças míticas de uma tradição

protofascista52

.

Está claro para Jameson (1985) que a originalidade de Benjamin consiste em ter

contornado a oposição estéril entre as interpretações arbitrárias do símbolo, de um lado,

e do outro a falha absoluta em perceber o que ele significa. Neste sentido os objetos de

natureza simbólica que permeiam sua obra ganham importância à medida que o

verdadeiro assunto subjacente é exatamente a rendição ao poder dos símbolos daqueles

49

Foi Goethe quem, segundo Jameson, incorporou esta psicologia ética, sendo codificada por toda esta

dimensão da obra de Benjamin, tornando-a tradicional na Alemanha e enraizando-se profundamente na

língua alemã. 50

O que não quer dizer, no meu entender, que o processo histórico em si, seja inerentemente providencial

no sentido dado pelo autor, qual seja, o de ser algo já determinado e orientado por Deus. Penso que seu

sentido pode ser retirado de forma mais dicionarizada, de um acontecimento feliz. 51

Ensaio de Benjamin, analisado por Jameson, em que ele expõe sua mais completa expressão desta ética

goethiana. 52

Protofascista no sentido de um sintoma do ressurgimento de um irracionalismo tradicionalista, voltado

para uma interpretação das origens, mitificadas pela aversão aos diferentes, fundamentados na

intolerancia aos seus modos de ser, de pensar e agir.

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que perderam sua autonomia como seres humanos. Assim Jameson identifica a rendição

ao poder dos símbolos, como a coisidade na vida humana, um dos sintomas do pós-

modernismo em que a própria intrusão daquela na vida humana é o critério deste

universo mítico.

É a aparência enquanto essa nova caracterização da realidade que Jameson

identifica em Benjamin, estando ela implícita na própria natureza e no próprio modo de

apresentação. Como bem coloca Jameson,

Esta dimensão moral da obra de Benjamin, (...), claramente representa

um equilíbrio precário, um momento de transição entre o psicológico,

de um lado, e o estético ou o histórico, de outro. A mente não pode

por muito tempo satisfazer-se com esta descrição puramente ética dos

acontecimentos do livro como triunfo de forças míticas e fatídicas; ela

solicita explicação histórica e social e, finalmente, o próprio Benjamin

é forçado a expressar a conclusão de “que o escritor envolve-se em

silêncio: a saber, que a paixão perde seus direitos, sob as leis da

genuína moralidade humana, quando procura fazer um pacto com a

segurança da burguesia endinheirada. (JAMESON, 1985, p. 59)

No entanto este deslizamento inevitável da moralidade para a história e a

política, característico de todo o pensamento moderno é mediado pela estética, revelado

mediante a atenção às qualidades da obra de arte, exatamente do modo pelo qual a

conclusão foi articulada pela análise daqueles aspectos de Afinidades Eletivas melhores

descritas como alegóricos, mais do que simbólicos.

A sensibilidade de Benjamin volta-se para aqueles momentos em que

os seres humanos se acham entregues ao poder das coisas; e o

conteúdo familiar da tragédia barroca (aquela melancolia que

reconhecemos em Hamlet, aqueles vícios da melancolia – lascívia,

traição, sadismo – tão preponderantes nos elisabetanos menores, em

Webster, por exemplo) passa a ser uma questão de forma, do

problema dos objetos, o que equivale dizer da alegoria ela mesma.

Pois a alegoria é precisamente o modo predominante de expressão de

um mundo no qual as coisas, não importa por que motivo,

divorciaram-se completamente dos significados, do espírito, da

genuína existência humana. (JAMESON, 1985, p. 61)

“As alegorias são, no domínio dos pensamentos, o que as ruínas são no domínio

das coisas” (JAMESON, 1985, p. 61). E é claro que Benjamin é ele mesmo o mais

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notável entre estes visionários deprimidos e hiperconscientes que povoam suas páginas.

Pois a alegoria da modernidade é ela mesma, melancólica, insuportável, barroca, ou

seja,

De um mundo no qual a crença estava totalmente divorciada das

obras, no qual nem mesmo a pré-ordenada harmonia calvinista

intervém para restaurar um pouco de sentido na sucessão dos atos

vazios que constitui a vida humana, o mundo reduzindo-se então a um

corpo sem alma, como a casca de um objeto despojado de qualquer

função visível. (JAMESON, 1985, p. 60)

O alegórico é visto como uma patologia por demais familiar a nós no mundo

moderno. Sendo tendência da própria crítica em exaltar o símbolo em detrimento da

alegoria, a preferência pelo simbolismo é talvez mais expressão de um valor do que uma

descrição de fenômenos poéticos existentes: pois a distinção entre símbolo e alegoria é a

que existe entre uma total reconciliação entre objeto e espírito e um mero desejo de tal

reconciliação.

Para Jameson (1985) a análise de Benjamin é útil neste sentido, ao contrapor

símbolo e alegoria. O primeiro visto como o momento no tempo, instantâneo, lírico,

único; o momento da reconciliação. Um momento limitado no tempo, em que a genuína

reconciliação é impossibilitada no mundo moderno, sendo algo mais do que um

presente lírico acidental. Em contraposição à alegoria como uma penosa decifração de

significado de momento em momento, na tentativa de restaurar uma continuidade em

instantes heterogêneos e desconexos.

Sobre os ensaios posteriores de Benjamin53

, Fredric Jameson (1985) assinala

uma nova preocupação do autor passando do que é predominantemente estético para

uma dimensão histórica e política. Aqui, trata-se de seu interesse pela máquina e

invenções mecânicas, aparecendo pela primeira vez no domínio da estética, no estudo

do cinema, sendo posteriormente estendido ao estudo da história em geral. E neste

ponto, Jameson já faz uma crítica àquelas interpretações marxistas tendenciosas, pois

mesmo que o enfoque pareça ser bem materialista, salienta o quão distante é o

marxismo, dessa ênfase na invenção e na técnica como a causa primária da mudança

53

Respectivamente citados “A Obra de Arte na Era da Reprodução”, e no ensaio “Paris – Capital do

Século Dezenove”. (JAMESON, 1985, p. 63)

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histórica, que simultaneamente negligenciam toda consideração dos fatores humanos de

classes e de organização social da produção.

Este tão fascinado momento histórico, do papel das invenções mecânicas é

segundo Jameson o elemento de compreensão da própria modernidade que em

Benjamin se dá em termos psicológicos e estéticos. E toda lógica de sentido dessas

novidades propriamente ditas, da materialidade histórica que Benjamin consegue

representar internamente através das reflexões que faz das obras de Baudelaire, leva-o

às próprias invenções mecânicas: neste sentido, o “conforto isola” 54

.

Esta análise do efeito psicológico da máquina tem outro fator secundário o de

satisfazer um requisito psicológico que é talvez em certo sentido, ainda mais profundo e

mais importante do que o declarado requisito intelectual. Todos os fenômenos são para

Benjamin, de algum modo, familiar, mas, parece senti-los como inadequadamente

expresso: ele não consegue expressá-los de modo adequado até que encontre alguma

imagem mais exata e mais concreta, cuja fisicalidade os encarne.

A máquina, a lista de invenções é precisamente essa imagem; e este trecho,

segundo Jameson (1985) tem de ser considerado na aparência uma análise histórica,

como o próprio exercício de meditação alegórica, na realidade um exercício para

localizar um emblema adequado no qual ancorar o nervoso e peculiar estado de espírito

moderno que era o assunto de Benjamin.

Por isto, sua teoria não leva a uma teoria da causalidade histórica; antes,

completa-se numa teoria do objeto moderno, na noção de “aura”. A aura sendo o

equivalente no mundo moderno àquilo que os antropólogos chamam de “sagrado” nas

sociedades primitivas; é para o mundo das coisas, o que o “mistério” é para o mundo

dos acontecimentos humanos, ou mesmo o que o “carisma” é para o mundo dos seres

humanos. E ai, num universo secularizado é mais fácil percebê-la e mesmo localizá-la

no momento de sua desaparição, cuja causa está na invenção técnica em geral, na

substituição da percepção humana por suas extensões mecânicas, as máquinas.

Assim é fácil de se perceber como nos filmes, „na obra de arte

reprodutível‟, aquela aura que emanava originalmente da presença

54

Aqui, Fredric Jameson cita Benjamin, sobre o que este escreveu a respeito desta caracterização, “o

conforto isola”. Benjamin detecta essas mudanças já no momento da invenção dos fósforos, operando

uma série de novidades, que têm em comum a substituição de um complicado conjunto de operações por

um simples movimento da mão. Este desenvolvimento, efetuando-se em diferentes esferas ao mesmo

tempo.

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física dos atores no aqui e agora do teatro entre em curto-circuito em

virtude do advento de novas técnicas (e por conseguinte substituída,

num genuíno processo freudiano, pela tentativa de conferir aos

artistas, fora da tela, uma nova espécie de aura pessoal). (JAMESON,

1985, p. 65)

Mas também no mundo dos objetos esta intensidade da presença física que

constitui a aura de alguma coisa pode ser talvez mais bem expressa mediante a imagem

do olhar, do entendimento retribuído. E neste momento, ela se constitui como

experiência única, não repetida da distância não importa quão próxima esteja.

Nesse sentido a aura é o oposto da percepção alegórica, na medida em que nela,

uma misteriosa inteireza dos objetos se torna visível. Enquanto os fragmentos

estilhaçados da alegoria representam um mundo-coisa de forças destrutivas no qual a

autonomia humana soçobra, os objetos da aura representam, talvez, o cenário de uma

espécie de Utopia55

. Uma utopia presente não desvestida do passado, mas tendo-o

absorvido, uma espécie de plenitude da existência no mundo das coisas mesmo que por

um breve instante.

Daí que esse passado cultural mais simples ser a expressão do reconto, da

própria evocação de uma arte não-alegórica, que garante essa aura esse momento de

reconciliação entre o objeto e o espírito do próprio ato narrativo. Sendo este porém,

sempre construído em torno duma novidade, passa a ser concebido para preservar sua

força, cuja oralidade é característica essencial pelo próprio fato de se apoiar na

memória. Sua reprodutibilidade não é mecânica, mas natural à consciência; na verdade,

aquilo que permite que a estória seja lembrada, pareça “memorável”, é, ao mesmo

tempo, o meio de se assimilar o passado pela experiência pessoal dos ouvintes.

Mas é em sua relação com a morte e a eternidade que esses dois fenômenos o

reconto e o romance56

, opõe-se, além é claro da própria forma em que ambos são

concebidos: o reconto surgindo da vida coletiva, o romance da solidão burguesa.

Segundo Jameson, “concomitante ao desaparecimento da narração genuína é o crescente

disfarçar da morte em nossa sociedade; pois a autoridade da narração deriva em última

55

Segundo Jameson, esse componente utópico em Benjamin, afugentado como é pelo presente

mecanizado da história, está à disposição do pensador somente num passado cultural mais simples, na

própria experiência do reconto, que remete as formas folclóricas alemãs mais antigas. 56

A partir de uma análise comparativa que o autor faz entre Benjamin e Sartre, em que o primeiro

considera a experiência narrativa do reconto, como a apreensão de um destino a toda forma de vida

coletiva, e o segundo, caracteriza o romance, como a própria experiência aberta da consciência no

presente, a experiência da liberdade, em oposição ao destino.

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instância, da autoridade da morte, o que confere a cada evento uma singularidade

absoluta” (JAMESON, 1985, p. 67).

O reconto não é apenas uma modalidade psicológica de narrar o passado, uma

recordação deste. De fato é também um modo de contato com uma forma desaparecida

de existência social e histórica. E é nesta correlação entre a atividade de narrar e a forma

concreta de certo modo de produção historicamente determinado, que poderá nos servir

como um modelo de crítica literária marxista no que ela tem de mais revelador ao

perceber a obra de arte como um todo em seu aspecto politicamente mediador.

O aspecto nostálgico de sua motivação política é associado à consciência de seu

próprio momento histórico, de uma insatisfação com o presente fundamentada em

alguma plenitude relembrada e retomada pela narrativa do reconto, por aquele elemento

arcaico que faz com que a experiência histórica atual ganhe sentido como devir

histórico, como destino. A experiência do tempo histórico em Benjamin é sentida a

partir de “um presente de linguagem no limiar do futuro, honrando-o com os olhos

desviados na meditação do passado.” (JAMESON, 1985, p. 70).

A totalidade histórica está em Benjamin neste olhar desviado e meditativo do

passado, como algo a ser referenciado de modo a nos libertar das alegorias do mundo

moderno e capitalista, e perceber a própria experiência histórica como um destino no

mínimo desejado. Dessa forma, a teoria da dialética negativa de Adorno ganha prestígio

e fundamento, e corrobora com a perspectiva teórica de Benjamin na medida em que

procura desfazer a ilusão ótica da substancialidade do pensamento moderno.

Dentro dessa mesma perspectiva Fredric Jameson (1985) expõe a importância do

pensamento de Schiller em relação à utilidade do conceito de liberdade, como

instrumento privilegiado de uma hermenêutica política, sendo mais bem entendido

como um recurso interpretativo do que uma essência filosófica ou uma ideia. Nesse

sentido o conceito de liberdade toma a forma temporal de uma percepção repentina de

um presente intolerável que é, ao mesmo tempo, mas implicitamente e não importa quão

obscuramente formulado, o vislumbre de outro estado em nome do qual o primeiro é

julgado. E é este caráter formal da liberdade que se presta à obra da hermenêutica

política. Desse modo,

Não é demasiado dizer que o conceito de liberdade permite assim,

transcender uma das contradições fundamentais da existência

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contemporânea: a que existe entre o externo e o interno, entre o

público e o privado, o trabalho e o lazer, o sociológico e o psicológico,

entre o meu-ser-para-os outros e o meu ser-para-mim mesmo, entre o

político e o poético, entre a objetividade e a subjetividade, o coletivo e

o solitário – entre a sociedade e a mônada. É uma oposição que o

confronto entre Marx e Freud dramatiza emblematicamente; e a

persistência desse confronto (...) ressalta a urgência com que o homem

contemporâneo procura superar sua vida dupla, sua existência dispersa

e fragmentária. (JAMESON, 1985, p. 72).

De fato, sua contribuição assinala a aplicação invertida do modelo da lógica

cartesiana – a lógica da introspecção, do cogito – ao organismo social, implicando em

uma identificação entre o interno e o externo. O autor transfere a noção de divisão do

trabalho, de especialização econômica, das classes sociais para o funcionamento interno

da mente na qual assume a aparência de uma hipóstase de uma função mental sobre as

demais, uma deformação espiritual que se torna o equivalente exato da alienação

econômica no mundo social exterior.

No entanto, tais deformações são mais deduzidas do que observadas e de fato o

que deveria vir no final – a visão de uma personalidade humana mais plenamente

desenvolvida – serve como uma espécie de pressuposição ideal, de harmonia ideal, à luz

da qual as diferentes formas de alienação podem ser reconhecidas pelo que são. Essa

harmonia ideal é definida pelo anseio da Natureza, por sua felicidade e por sua

completude, sendo que para se chegar a uma definição da primeira o argumento precisa

ser formulado na linguagem da completude e das funções mentais, que permitem um

jogo recíproco de termos opostos de modo a perceber a inter-relação dos mesmos.

A questão que nos interessa a respeito da leitura que Jameson faz sobre as

considerações de Schiller, é de fato a que constitui a parte hermenêutica de sua doutrina.

A noção de uma realização da liberdade na arte se torna concreta

somente quando, em Sobre a Poesia Ingênua e Sentimental, Schiller

desce ao detalhe da obra de arte ela mesma, ensinando-nos, aí, a ver a

própria construção técnica da obra como uma figura da luta pela

integração psíquica em geral, a perceber nas imagens, na qualidade da

linguagem, no tipo de construção do enredo, as próprias figuras (de

maneira imaginária) da liberdade. (JAMESON, 1985, p. 76).

Tal concepção de liberdade como um momento de reconstrução e integração

psíquica remete a uma busca aleatória daquela subjetividade que foi separada no

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instante em que se tornou o próprio signo dos tempos modernos, qual seja a nossa queda

do estado natural. Digo aleatória pelo fato de que nos dias de hoje buscamos um ideal

de sujeito em meio a tantas abordagens sobre o mesmo, que não conseguimos mais nos

definir como referente a um objeto, sendo, portanto, concebido de acordo com as

variadas permutações possíveis da relação entre eles. Da unidade desejada, passa-se a

forma fragmentária.

Desse modo, Jameson (1985) consegue perceber a contribuição da hermenêutica

de Schiller como suscetível de aplicação a qualquer dimensão da obra de arte, quer seja

ela estilística ou psicológica, histórica ou ideológica. De forma que, o retorno a Schiller,

serve para nos fazer lembrar, da intenção política original que está por detrás do

sistema. E, nesse sentido,

Quando essa intenção é perdida, o pensamento especulativo se torna

fútil e acaba num dos numerosos e bem definidos becos sem saída:

culmina numa „teoria da história‟, ou substitui a hermenêutica política

por uma hermenêutica religiosa, ou – finalmente e de modo mais

característico – acaba por se envolver num movimento estéril e

circular de uma tipologia, pesando os fenômenos com um sistema

estático de classificação. (JAMESON, 1985, pp. 77-78).

O que nos parece como intrínseco a esta discussão é a historicidade do momento

em que estes autores procuram descrever, aquela peculiaridade histórica que tanto lhes

incomodam: ou seja, o instante em que o sujeito, não mais se reconhece naquilo que faz

seu próprio trabalho, não se percebe numa relação sujeito/objeto, se apartando

completamente deste.

Mas a contribuição de Schiller que se realiza com certo romantismo posterior a

ele mesmo, reinventa profeticamente sua visão de liberdade no espírito e na letra, na

poesia como na política. Daí o surrealismo ser o lugar dessa renovação da imaginação

natural ou ingênua, da síntese do espontâneo e do consciente, delineada pelo sistema de

Schiller, embora ausente dele. Seu pensamento é dialético na medida em que, nele, os

fenômenos são definidos uns em contraposição aos outros, contrapostos à sua situação,

suas circunstâncias, os impulsos que são designados a superar.

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Disto decorre que o surrealismo é visto como uma reação contra o

intelectualizado57

, contra a lógica no sentido mais amplo do termo incluindo não só a

racionalidade filosófica como também o “interesse” corrente do mundo burguês dos

negócios e, em última instância, o próprio princípio de realidade. A definição da

imagem dada pelos surrealistas da interconexão arbitrária e violenta de duas realidades

tão distantes e não relacionadas quanto possível, é fiel à concepção de Schiller de que a

liberdade emerge da neutralização de impulsos opressivos. Exceto que, agora, o impulso

para o consumo volta-se sobre si mesmo suas contradições internas transformando-se no

motor de sua autodestruição.

Talvez isso possa soar como profético em Jameson já que essas contradições

internas são vistas como motor da própria autodestruição do mercado, mas é exatamente

essa percepção da realidade do consumo como violenta e arbitrária em si mesma que a

leitura sobre Schiller é extremamente perspicaz, e desse modo profética de uma

concepção da Liberdade (do mercado?) como um novo despertar da realidade. Assim, o

desejo é a forma que a liberdade toma no novo contexto comercial, uma liberdade que

nem mesmo percebemos ter perdido a menos que a concebamos em termos não só do

apaziguamento, mas também do despertar do desejo em geral.

O que é característico na análise que Jameson (1985) faz de Schiller é perceber

como o nosso autor recupera alguns dos elementos artísticos do surrealismo, a ideia do

desejo tomado de forma geral no qual é identificado por detrás de todos os desejos

individuais e limitados a um sistema associativo particular, em que a liberdade é sentida

por instinto sob as liberdades mais limitadas e contingentes da imagem e da linguagem.

Assim, ao falar do surrealismo como uma reflexão sobre as figuras do desejo se

descreve ao mesmo tempo uma técnica para libertar a subjetividade do desejo singular

limitado, o desejo que é “só isso”, sendo, portanto, a renúncia de outros desejos; uma

técnica para a satisfação mediante tal liberação de todo desejo, do desejo como uma

força.

Podemos dizer que o surrealismo e seu investimento psíquico, o desejo, é o

marco histórico característico do pós-modernismo em Fredric Jameson. De fato, o

surrealismo teve influência determinante na constituição de uma teoria da história nas

escolas norte-americanas de modo a identificá-lo com um determinado estágio do

57

Definido por Jameson como um momento, na era comercial, em que a matéria deixa de existir como tal

e dá lugar as mercadorias, formas intelectuais, ou formas de satisfação intelectualizadas. Ligados,

portanto, a uma concepção de mercado e satisfação pessoal do mesmo.

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desenvolvimento sócio-econômico. Mas, mais do que uma identificação de um novo

estágio econômico, “estamos na presença de uma transformação cultural de proporções

extraordinárias, uma ruptura histórica inesperadamente absoluta em sua natureza”

(JAMESON, 1985, p. 86).

Isto parece nos soar algo meio apologético. A questão é que a releitura de

Jameson sobre o hegelianismo sugere tal observação. No entanto, podemos retomar

aqui, o ponto de vista apresentado pelo autor, José Antônio Vasconcelos58

, sobre sua

concepção de que para Fredric Jameson o pós-modernismo é qualquer outra coisa do

que outro período histórico, porque a história tal como a conhecemos com suas

tradições a serem resgatadas não mais existem. Porque a natureza não mais existe.

É o modo como concebemos a história enquanto tal que para Fredric Jameson é

algo novo dentro daquilo já instituído historicamente, ou seja, o capitalismo em si. Não

apresenta nenhuma ruptura menos uma continuidade, mas uma sobrevalorização do

próprio sistema em que vivemos. Daí ser a arte no pós-modernismo a promover essa

reconciliação entre o passado que não mais faz parte da nossa natureza, e um futuro a

ser idealizado59

.

Essa relação entre arte e história está muito ligada ao conceito de utopia e talvez

para Jameson a impossibilidade de realização da utopia em tempos pós-modernos

infere-se da ideia do fim da história. Porque também o surrealismo e sua emblemática

descoberta central das propriedades dos objetos que o rodeavam, com sua inerente

energia psíquica, o desejo, em tempos pós-industriais são totalmente desprovidos de

profundidade: “qualquer investimento da libido em tais objetos é obstruído já de início,

e podemos nos perguntar se é verdadeiro que nosso universo de objetos é doravante

incapaz de fornecer algum símbolo apto a despertar a sensibilidade humana.”

(JAMESON, 1985, p. 86). Assim, segundo Jameson,

Sob essa luz, o romantismo dos surrealistas se torna mais claro, pois a

natureza deles era precisamente a cidade, à qual eles se ligavam com

58

Ver VASCONCELOS, José A. Quem tem medo de teoria? A ameaça do pós-modernismo na

historiografia norte-americana. São Paulo. Annablume; Fapesp, 2005. 59

“Aqui entra em jogo um outro elemento: a arte como poder de reconciliação que aponta para o futuro.

A religião racional deve ser confiada à arte para transformar-se em religião popular. O monoteísmo da

razão e do coração deve unir-se ao politeísmo da imaginação e criar uma mitologia a serviço das ideias.

(...). A totalidade ética, que não oprime nenhuma força e possibilita o igual desenvolvimento de todas

elas, será inspirada por uma religião instituída poeticamente. A sensibilidade dessa mitopoesia poderá

então apoderar-se, em igual medida, do povo e dos filósofos.” (HABERMAS, 2000, pp. 46-47).

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aquele anseio profundo que os românticos satisfaziam mediante a

presença da paisagem; e isso, eles puderam fazer, ironicamente,

apenas porque a economia francesa da época era retrógrada e arcaica,

e se apresentou para eles como vestígio do natural. Doravante,

entretanto, é a própria memória da natureza que parece enfrentar a

obliteração (JAMESON, 1985, p. 86-87).

Portanto, é a memória da história enquanto parte e pertencente a nós que está

sendo obliterada. Mas é interessante notar que essa história obliterada passa pela

experiência histórica alemã e francesa, que em sua universalidade se transfere para

todas as demais experiências históricas. Desse modo, a defesa de uma metanarrativa do

pós-modernismo perpetrada por Fredric Jameson é uma retomada da crítica do

modernismo e de suas vanguardas às teorias absolutizantes do alto modernismo, que

camuflam o sentido de realidade histórica, do papel do sujeito e de sua relação com o

objeto. A narrativa histórica ganha um novo sentido na medida em que dialeticamente,

toma sua relação de texto e contexto, particular e absoluto, como parte integrante do

processo histórico em si e em que as divergências referentes à

objetividade/subjetividade do texto histórico, ganham outra perspectiva.

Cultura e teoria na modernidade: do alto modernismo ao pós-

modernismo.

Empreender uma crítica ao pós-modernismo, sob um direcionamento marxista

enquanto metanarrativa do atual estágio do capitalismo tardio coloca os termos do

debate sob outra perspectiva histórica. Nesse sentido, a metanarrativa a qual nosso autor

se refere é uma narrativa cultural,

[...] estudo das várias formas de arte que articuladas sob a rubrica do

pós-modernismo – a lógica cultural articulada pelas determinações

concretas do que se convencionou chamar eufemisticamente de nova

ordem mundial – tem o objetivo de mapear o presente e “nomear o

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111

sistema” que organiza nossas vidas, nossas manifestações culturais e

nossos esforços de compreendê-lo. (JAMESON, 2000, p. 5)

Em seu abrangente estudo sobre o pós-modernismo, Pós-modernismo: A lógica

cultural do capitalismo Tardio, Jameson propõe os termos sob os quais o tema em

questão deve ser entendido. Quase sempre o pós-modernismo é entendido por uma

ruptura relacionada com o centenário movimento moderno. Este rompimento identifica

o pós-modernismo com o “fim das metanarrativas”, cujo espectro é virtualmente

identificado como o fim disto ou daquilo. Este espectro apóia-se no contexto histórico

dos anos cinqüenta e sessenta, geralmente concebidos por uma quebra radical ou

ruptura.

Desse modo, é sobre este contexto em particular e suas mais variadas

manifestações na arte e na cultura em geral que o pós-modernismo se configura como

aquela dominante cultural identificada pelo nosso autor, cujos atenuantes são de fato,

configurados sobre uma nova perspectiva histórica. Mesmo considerando o pós-

modernismo pouco mais do que um estágio do modernismo, é inegável segundo

Jameson, a mutação visível que se opera na esfera da cultura como um todo, tornando o

modernismo de certo modo, arcaico.

Assim a metanarrativa do pós-modernismo é condizente com uma estrutura

particular do modo de produção capitalista. Por isso identifica o pós-modernismo com a

lógica cultural do terceiro estágio do capital, ou capitalismo tardio para usar o termo de

Ernest Mandel60

. É esta narrativa do pós-modernismo que identifica esse novo modo de

produção como reflexo e aspecto concomitante de mais uma modificação sistêmica do

próprio capitalismo.

A arquitetura, por exemplo, é a que mais expressa esta modificação assinalada

de estilo, ou de moda determinadas pelo velho imperativo de mudanças estilísticas do

alto modernismo. É nela que as primeiras posições pós-modernistas são inseparáveis de

uma crítica implacável ao alto modernismo arquitetônico pela destruição da antiga teia

urbana das cidades tradicionais e da cultura de vizinhança.

Essa nova configuração no âmbito da arquitetura que também trouxe uma

característica fundamental a todos esses pós-modernismos: o apagamento da antiga

60

Ver, JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo. Ed. Ática, 2ª

edição, 2000.

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fronteira entra a alta cultura e a chamada cultura de massa ou comercial, e o

aparecimento dos novos tipos de formas, categorias e conteúdos de uma indústria

cultural tão veementemente denunciada por alguns teóricos do moderno.

Lidamos de fato, com algo novo que não envolve apenas questões culturais, mas

todas aquelas generalizações sociológicas que naquela mesma época nos trazem as

novidades a respeito da chegada e inauguração de um tipo novo de sociedade, a

sociedade “pós-industrial”.

Aqui pós-modernismo é entendido enquanto uma hipótese de periodização. De

fato, periodizar já carrega em si toda uma carga de teorizações polêmicas. Isto porque

tende a ser associado com ideias que compreendem os períodos históricos de forma

homogênea, obliterando as diferenças. Nesse sentido, nosso autor procura demonstrar

que longe de obliterar essas diferenças, o pós-modernismo pode ser um aliado na

tentativa de desobstruir essas narrativas totalizantes.

Essa é, certamente, uma das explicações mais plausíveis para o

aparecimento do pós-modernismo, uma vez que a nova geração dos

anos 60 vai se confrontar com o movimento moderno, que tinha sido

um movimento oposicionista, como um conjunto de velhos clássicos,

que “pesam na cabeça dos vivos como um pesadelo”, como disse

Marx, em um contexto diferente. (JAMESON, 2000, p. 30).

Portanto para Jameson (2000) a repulsa em relação a essa situação pós-moderna,

[...] da obscuridade e do material sexual explícito à esqualidez

psicológica e claras expressões de desafio social e político, que

transcendem qualquer coisa que pudesse ser imaginada nos momentos

mais extremados do alto modernismo, não mais escandalizam

ninguém e não só são recebidas com a maior complacência como são

consoantes com a cultura pública ou oficial da sociedade ocidental.

(JAMESON, 2000, p. 30)

Desse modo, o pós-modernismo é um período dentro da própria modernidade,

não constituindo uma relação de continuidade com o modernismo, mas sendo deste

radicalmente distinto devido ao posicionamento daquele no sistema econômico do

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capitalismo tardio e também, devido à transformação da própria esfera da cultura na

sociedade contemporânea.

Esta transformação no âmbito da cultura é vista agora como uma verdadeira

“segunda natureza”. No pós-modernismo a produção estética está integrada à produção

das mercadorias em geral. A necessidade da economia em produzir de forma desvairada

novas séries de produtos que pareçam novidades, com um ritmo de turn over cada vez

maior, é própria da sua posição e função estrutural cada vez mais essenciais à inovação

estética e ao experimentalismo. Como bem pontua Fredric Jameson,

[...] na cultura pós-moderna, a própria “cultura” se tornou um produto,

o mercado tornou-se seu próprio substituto, um produto exatamente

igual a qualquer um dos itens que o constituem: o modernismo era,

ainda que minimamente e de forma tendencial, uma crítica à

mercadoria e um esforço de forçá-la a se autotranscender. O pós-

modernismo é o consumo da própria produção de mercadorias como

processo. O “estilo de vida” da superpotência tem, então, com o

“fetichismo” da mercadoria de Marx, a mesma relação que os mais

adiantados monoteísmos têm com os animistas primitivos ou com as

mais rudimentares formas de idolatria; na verdade, qualquer teoria

sofisticada do pós-moderno deveria ter com o velho conceito de

“indústria cultural” de Adorno e Horckheimer uma relação semelhante

à que a MTV ou os anúncios fractais têm com os seriados de televisão

dos anos 50. (JAMESON, 2000, p. 14)

Assim o sentido de totalidade do sistema atribuído por Fredric Jameson não é o

mesmo daquele que constitui uma preocupação da esquerda, qual seja, de que esta

totalização possa obliterar a heterogeneidade do sistema. Pelo contrário, como afirma

Fredric Jameson,

Se não chegarmos a uma ideia geral de uma dominante cultural,

teremos que voltar à visão da história do presente como pura

heterogeneidade, como diferença aleatória, como a coexistência de

inúmeras forças distintas cuja efetividade é impossível aferir. De

qualquer modo foi esse o espírito político em que se planejou a análise

que segue: projetar uma certa concepção de uma nova norma cultural

sistemática e de sua reprodução, a fim de poder fazer uma reflexão

mais adequada a respeito das formas mais efetivas de política cultural

radical em nossos dias. (JAMESON, 2000, p. 31-32)

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114

O que se identifica como sendo pós-moderno nesse sentido é reflexo de uma

estrutura cultural nas artes que implica novas formas de expressão e de visão de mundo.

Sua análise está centrada naqueles elementos que identificam uma nova relação da

cultura com as artes e com o mundo: uma nova falta de profundidade, que se vê

prolongada tanto na teoria contemporânea quanto em toda essa cultura da imagem e do

simulacro; um consequente enfraquecimento da historicidade tanto em nossas relações

com a história pública quanto em nossas novas formas de temporalidade privada, cuja

estrutura esquizofrênica (Lacan) vai determinar novos tipos de sintaxe e de relação

sintagmática nas formas mais temporais de arte; um novo tipo de matiz emocional

básico, “intensidades”, como um retorno às mais antigas formas do sublime; a relação

profunda de tudo isso com as novas tecnologias, uma das figuras que de fato sublinham

um novo sistema econômico mundial; e da missão da arte política no novo e

desconcertante espaço mundial do capitalismo tardio ou multinacional.

Nosso interesse concentra-se naquelas características culturais que de fato

definem um novo contexto cultural e político da teoria contemporânea. Desse modo

Jameson (2000) identifica na análise das obras de alguns artistas do alto modernismo, as

condições essenciais em que se configurou uma virada para o pós-modernismo. Do

momento em que economia e cultura não mais se definiam como dois campos distintos,

mas partes conjuntas, intrinsecamente unidas.

Partindo de uma análise comparativa entre as obras de arte de alguns artistas

elencados pelo próprio autor, como Van Gogh e Edvard Munch, e Andy Warhol,

Jameson (2000) identifica às mudanças na própria estrutura da narrativa que envolve a

obra de arte desses artistas com momentos do alto modernismo e do pós-modernismo

respectivamente.

Em Van Gogh é a transposição da obra de arte na mais gloriosa materialização

de pura cor em pintura a óleo que deve ser interpretada como uma desesperada

compensação utópica, já que percebe o momento de fragmentação como emergente das

especializações e divisões da vida capitalista. Nesse sentido, ela completa o gesto

hermenêutico e reintegra essa miscelânea ao contexto vivido, “como uma indicação ou

sintoma de uma realidade mais vasta que se coloca como sua verdade útlima.”

(JAMESON, 2000, p. 35)

Já em Andy Warhol não há nenhum modo de completar o gesto hermenêutico e

reintegrar a miscelânea ao contexto vivido mais amplo. Centrada em torno da

mercantilização deveria ser uma forte crítica política ao fetichismo das mercadorias na

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transição para o capitalismo tardio, mas constitui-se naquilo que Jameson (2000) chama

de achatamento ou de falta de profundidade, um tipo novo de superficialidade no

sentido mais literal, uma das mais importantes características da forma de todos os pós-

modernismos.

Outra característica assinalada por Jameson (2000) é o esmaecimento do afeto na

cultura pós-moderna. E o que foi dito a respeito da transformação dos objetos em

mercadoria aplica-se com a mesma força às figuras humanas: grandes estrelas que se

tornam mercadorias e se transformam em sua própria imagem. E aqui, a obra de Edvard

Munch, “O grito” é emblemática dessa transformação em questão, já identificada no

alto modernismo.

No entanto, são os seus grandes temas modernistas da alienação, da anomia, da

solidão, da fragmentação social e do isolamento, que parecem ter desaparecido do

ambiente pós-moderno. É o caso de repensar o próprio conceito de expressão, que em

tempos pós-modernos não mais corresponde àquele sentido de profundidade ao qual

pressupõe o próprio conceito:

[...] uma separação no interior do sujeito e, também, toda uma

metafísica do dentro e do fora, da dor sem palavras no interior da

mônada, e o momento em que, no mais das vezes de forma catártica,

aquela “emoção” é então projetada e externalizada, como um gesto ou

grito, um ato desesperado de comunicação, a dramatização exterior de

um sentimento interior. (JAMESON, 2000, p. 39)

Esta impossibilidade do pensamento hermenêutico é o que a própria teoria

contemporânea define como pós-moderno à medida que procura desacreditá-lo

estigmatizando-o como sendo ideológico e metafísico. No entanto, essa aporia do

pensamento pós-moderno é parte integrante da crítica em relação ao conceito de

“verdade” que a própria metafísica do pós-moderno procura abandonar.

Nesse sentido o que Jameson (2000) sugere enquanto solução para esta aporia é

pensar que a própria crítica pós-estruturalista/pós-moderna da hermenêutica, do que o

autor chama de modelo de profundidade nos é útil como sintoma significativo da cultura

pós-moderna.

Desse modo há um tipo de deslocamento entre o que se entende por

profundidade no alto modernismo, dessa relação do “dentro” e do “fora” e de certa

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dicotomia da representatividade do indivíduo com o seu mundo, que no pós-

modernismo parece se extinguir. Esta relação já não é mais reconhecível para o sujeito,

tornando sua percepção da antiga teia da cidade arcaica e sem objetivos. Sobre isso a

obra de Edvard Munch, “O grito” é emblemática também dessa situação, ao querer

romper sua própria estética da expressão, mas ao mesmo tempo, mantendo-se preso a

ela. Segundo Jameson,

Seu conteúdo gestual já assinala seu fracasso, uma vez que o domínio

do sonoro, o grito, a pura vibração da garganta humana, é

incompatível com seu meio (algo assinalado no interior da obra pelo

fato de o homúnculo não ter orelhas). Entretanto, o grito ausente como

que retorna em uma dialética de curvas e espirais, aproximando-se

gradualmente da experiência ainda mais ausente da solidão atroz e da

ansiedade que o próprio grito deveria “expressar”. (JAMESON, 2000,

p. 42)

É, portanto a ausência dessa profundidade que identifica esse novo momento

como sendo pós-moderno, levando-nos a um dos temas mais em voga na teoria

contemporânea, a “morte do sujeito”. Destarte, essa “morte do sujeito” liga-se àquilo

que Jameson (2000) identifica como o esmaecimento dos afetos. De fato, este aspecto

esta em consonância com certo tipo de liberação na sociedade contemporânea, do antigo

sujeito centrado.

Este desaparecimento do sujeito individual e de sua crescente inviabilidade de

um estilo pessoal engendra uma prática nova dentro daquilo que podemos chamar de

pós-modernismo: o pastiche. De fato, o pastiche vem indicar aquele novo momento que

podemos chamar de pós-moderno: no lugar da paródia e o que ainda resta de sua

saudável normalidade lingüística, temos “a imitação de estilos mortos, a fala através de

todas as máscaras estocadas no museu imaginário de uma cultura que agora se tornou

global”. (JAMESON, 2000, p. 45)

O pastiche está ligado ao vício e a dependência dos consumidores da era pós-

moderna: ávidos por um mundo transformado em mera imagem de si próprio, por

pseudo-eventos e por “espetáculos”. Nesse sentido é a concepção de passado que se vê

modificada dentro de uma sociedade cuja lógica espacial não é mais a mesma,

transformando-se numa vasta coleção de imagens, um enorme simulacro fotográfico.

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Mas o que poderia evidenciar uma ausência de historicidade é em si mesmo

sintoma tangível de um historicismo onipresente, onívoro e bastante próximo ao

libidinal. O pastiche é aqui aquele elemento que se liga a uma concepção de nostalgia

que está conectada com certa manifestação cultural muito mais generalizada desse

processo no gosto e na arte comercial, o filme de nostalgia. Assim, o filme de nostalgia

recoloca a questão do pastiche projetando-a em um nível coletivo e social, e o passado é

agora recuperado pela lei inexorável da mudança da moda e da emergente ideologia das

gerações.

Esse novo aspecto do historicismo em Jameson (2000) está dado pela própria

prática da cultura cujo pensamento deve-se historicizar a fim de encontrar um sentido

que possa definir o que entende o autor por pós-modernismo: uma situação marcada por

um sentido de universalidade (globalização) cujos sintomas e sinais são dados por essa

nova configuração do mercado e do consumo, tão presentes na cultura como um todo. O

sentido de sua metanarrativa entende a História em sua totalidade à medida que percebe

como inevitáveis e irrevogáveis as transformações históricas no âmbito da cultura do

próprio sistema capitalista, enquanto sintoma do pós-modernismo.

O pastiche constitui, portanto, aquela nova inventividade formal e interessante

abordando o passado através da conotação estilística, apresentando a “anterioridade”

através do brilho falso da imagem, e o “típico” dos anos trinta ou cinqüenta através das

características da moda61

. De acordo com Jameson,

[...] em outras palavras, estamos agora em plena “intertextualidade”

como característica deliberadamente urdida do efeito estético e como

um operador de uma nova conotação de “anterioridade” e de

profundidade pseudo-histórica, na qual a história dos estilos estéticos

desloca a história “real”. (JAMESON, 2000, p. 47)

É a representação desse passado que parece tornar-se problemática, ausente de

uma historicidade que nos torna incapazes de produzir representações de nossa própria

existência corrente. Como pontua Jameson,

61

JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo. Ed. Ática, 2ª

edição, 2000, p. 47.

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Essa abordagem do presente através da linguagem artística do

simulacro, ou do pastiche do passado estereotípico, empresta à

realidade presente, e à abertura da história presente, o encanto e a

distância de uma miragem reluzente. Entretanto essa mesma

modalidade estética hipnótica emerge como a elaboração de um

sintoma do esmaecimento de nossa historicidade, da possibilidade

vivenciada de experimentar a história ativamente. (JAMESON, 2000,

p. 48)

Assim a historicidade nos dias de hoje remete ao reconhecimento de sua

ausência iminente, da impossibilidade de vivenciarmos e experimentarmos a história de

forma ativa, no que o autor chama de crise da historicidade. A crise da historicidade está

concomitantemente ligada à questão da organização do tempo e da temporalidade, que

em uma cultura pós-moderna estão cada vez mais dominados pelo espaço e pela lógica

espacial.

De fato é a experiência do sujeito que não mais se relaciona com a

temporalidade em si, onde a própria relação entre passado e futuro se desvanece. O

espaço é que se constitui como essa nova temporalidade pós-moderna, e é nela que o

sujeito se percebe como um “amontoado de fragmentos” cuja prática está pautada na

heterogeneidade a esmo do fragmentário e do aleatório.

Esta questão do fragmentário, muitas vezes defendida pelos apologistas do pós-

moderno, é para Jameson (2000) carente da própria análise do que vem a ser o pós-

moderno. Nesse sentido, suas formulações devem ser vistas através de nomes como

textualidade, écriture ou escrita esquizofrênica. Assim, é a partir da exposição de

Lacan62

sobre a esquizofrenia que Jameson (2000) pressupõe seu modelo estético como

sugestivo para se entender o pós-modernismo. No entanto, como argumenta nosso

autor,

A questão aqui, não é, tampouco, fazer um diagnóstico do tipo

cultura-e-personalidade de nossa sociedade e de sua arte, como na

crítica cultural psicologizante e moralizante do tipo da do influente A

cultura do narcisismo, de Christopher Lasch, de cujo espírito e

metodologia quero distanciar estas observações: há, é bem provável,

62

Ver, JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo. Ed. Ática, 2ª

edição, 2000, p. 52.

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coisas muito mais fortes a serem dias a respeito de nosso sistema

social do que se pode dizer em termos de categorias psicológicas.

(JAMESON, 2000, p. 52-53)

Sua análise sobre a esquizofrenia em Lacan nos é importante para perceber esse

processo da ruptura na cadeia dos significantes, daquela série de sintagmas que

constituem um enunciado ou um significado. A concepção de Lacan sobre essa cadeia

de significação pressupõe aquela descoberta pelo estruturalismo de Fernand de

Saussure, em que o significado não se pressupõe como uma relação unívoca entre o

significante e o significado, entre a materialidade da língua, uma palavra ou um nome, e

seu referente ou conceito. Ele é gerado no movimento de um para o outro, sendo que o

significado é visto como um efeito-de-significado, como a miragem objetiva da

significação gerada e projetada pela relação interna dos significantes. Portanto, segundo

Jameson,

Quando essa relação se rompe, quando se quebram as cadeias de

significação, então temos a esquizofrenia sob forma de um amontoado

de significantes distintos e não relacionados. A conexão entre esse

tipo de disfunção linguística e a psique do esquizofrênico pode ser

entendida por meio de uma proposição de dois níveis: primeiro, a

identidade pessoal é, em si mesma, efeito de uma certa unificação

temporal entre o presente, o passado e o futuro da pessoa; em segundo

lugar, essa própria unificação temporal ativa é uma função da

linguagem, ou melhor, da sentença, na medida em que esta se move

no tempo, ao redor do seu círculo hermenêutico. Se somos incapazes

de unificar passado, presente e futuro da sentença, então somos

também incapazes de unificar o passado, o presente e o futuro de

nossa própria experiência biográfica, ou de nossa vida psíquica. Com

a ruptura da cadeia de significação, o esquizofrênico se reduz à

experiência dos puros significantes materiais, ou, em outras palavras,

a uma série de puros presentes, não relacionados no tempo.

(JAMESON, 2000, p. 53)

Por isso o autor identificar esse tipo de experiência como ausente de

historicidade, à medida que a ruptura da temporalidade libera esse presente do tempo de

todas as atividades e intenções que possam torná-lo um espaço da práxis. Em termos

positivos, esse presente passa a ser visto como um momento da euforia, do “barato”, de

uma intensidade alucinógena ou intoxicante.

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120

Mas para Jameson (2000) o sentido desta fragmentação esquizofrênica como

uma estética fundamental do pós-moderno também nos traz um aspecto não menos

paradoxal dele, ou seja, da “reemergência” de um sentido global mais unificado das

sentenças desconexas. De modo que, o que nosso autor chama de disjunção

esquizofrênica ou écriture, ao se tornar geral como um novo estilo cultural deixa de ter

uma relação necessária com aquele conteúdo mórbido que se associa quase que

diretamente com termos como esquizofrenia, tornando-se mais disponível para

intensidades mais alegres, para aquele momento de euforia citado acima.

Assim como a historicidade, a obra de arte preocupada em acentuar a

heterogeneidade e as profundas descontinuidades, não é mais unificada ou orgânica,

mas sim, “um saco de gatos ou um quarto de despejo de subsistemas desconexos,

matérias-primas aleatórias e impulsos de todo tipo”. (JAMESON, 2000, p. 57)

Nesse sentido a questão da textualidade se procede por meio da diferenciação,

em vez da unificação, tendendo a uma desintegração passiva e aleatória, cujos

elementos em conjuntos se apartam uns dos outros. No entanto, para Jameson (2000)

podemos detectar uma concepção positiva dessa relação que restaura essa tensão própria

ao conceito de diferença.

O sentido da diferença não remete a uma consciência da mesma. Ela de fato

sugere um esforço extremo do espectador pós-moderno em ver todas as imagens ao

mesmo tempo, elevando sua percepção a um nível da pura diferenciação radical, que é

em si mesma, uma nova maneira de entender o que se costuma chamar de relações. Para

aquilo que segundo Jameson, “a palavra collage é uma designação ainda muito fraca”.

(JAMESON, 2000, p. 57)

Mas a questão da representação desse novo momento cultural pós-modernista do

tempo e do espaço deve passar por uma análise da euforia e das intensidades, suas

características principais. Não obstante o paradoxo inerente a esse novo momento da

representação do espaço e do tempo, expresso pela lividez urbana que aos nossos olhos

se transforma em um deleite ao apresentar essa nova e estranha hilaridade alucinatória

em termos da transformação mercadológica e do salto “quântico” na alienação da vida

cotidiana na cidade, até que ponto essa ilusão de um apanhado de imagens ausentes de

densidade pode se tornar uma experiência hilariante?

A proposta do autor como resposta para essa nova forma de representatividade,

alia os conceitos de Susan Sontag, do camp, com aquele redescoberto nas obras de

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121

Edmund Burke e de Kant63

, qual seja, o do sublime. Nesse sentido, essa junção é

identificada pelo autor como o sublime camp ou histérico da experiência vista como o

momento do eclipse total da natureza. Aqui não é mais a Natureza vista como o “outro”

da sociedade, mas sim, um novo elemento que irá configurar essa nova forma de

representatividade pós-moderna.

De fato a tecnologia pode ser vista como uma dessas novas formas para designar

esse novo “outro” em relação ao propriamente humano, aquele elemento antinatural

presente no trabalho humano descartado que se acumula em nossas máquinas. Mas

apenas uma forma que designa esse outro, não uma instância determinante por si

mesma. Ele é mais resultado do capital e de seus vários estágios de revolução

tecnológica em seu interior.

No entanto é essa periodização identificada por Jameson (2000) no trabalho de

Ernest Mandel, dos três momentos fundamentais do capitalismo e da sua expansão

dialética com relação ao estágio anterior que irá embasar a própria periodização cultural

de Jameson, identificada em cada um desses estágios: ao capitalismo de mercado o

realismo, ao monopólio ou imperialismo o modernismo, e o nosso, mais bem designado

por Jameson como capital multinacional, o pós-modernismo.

É nesse momento que o autor introduz a relação entre o nosso período

denominado por ele como o da Terceira Idade da Máquina e a representação estética do

pós-modernismo. De fato, Jameson se baseia nessa evidência lógica da relação entre o

desenvolvimento da máquina e sua representação que se altera dialeticamente de acordo

com esses estágios de desenvolvimento tecnológico, como pressuposto para sua

definição de pós-modernismo. No nosso momento histórico a questão da sua

representação está conectada a outro tipo de desenvolvimento tecnológico, não mais

aquele momento anterior de excitação do futurismo, mas antes de tudo,

[...] pelo computador, cuja forma exterior não tem nenhum apelo

visual ou emblemático, ou então pelos invólucros das várias mídias,

como o desse eletrodoméstico chamado televisão que não articula

63

“Para Burke, o sublime era uma experiência que bordejava o terror, uma visada espasmódica, cheia de

assombro, estupor e espanto, de algo que era tão enorme a ponto de esmagar completamente a vida

humana: uma descrição depois refinada por Kant, para incluir a própria questão da representação, de tal

forma que o objeto do sublime torna-se não só uma questão de puro poder e de incomensurabilidade

física do organismo humano em relação à natureza, mas também dos limites da figuração e da

incapacidade da mente humana para representar forças tão enormes.” (JAMESON, 2000, p. 59)

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nada, mas implode, levando consigo sua própria superfície achatada

(JAMESON, 2000, p. 63).

Nesse sentido a questão da representabilidade está concomitantemente ligada à

problemática da reprodução, mais que da produção. Como argumenta nosso autor,

[...] as obras parecem de algum modo penetrar na rede dos processos

reprodutivos, e assim nos oferecer um vislumbre do sublime pós-

moderno ou tecnológico, cujo poder ou autenticidade é documentado

pelo sucesso obtido por tais obras ao evocar todo um novo espaço pós-

moderno que emerge a nosso redor. Nesse sentido, a arquitetura

continua sendo, então, a linguagem estética privilegiada; e os reflexos

distorcidos e fragmentados de uma superfície de vidro a outra podem

ser considerados como paradigmáticos do papel central do processo e

da reprodução na cultura pós-moderna. (JAMESON, 2000, p. 63)

Mas o pós-moderno não se resume a tecnologia como a determinação última da

vida social cotidiana dos nossos dias. Ela de fato é apenas um dos sintomas desse todo

que é o sistema mundial do capitalismo multinacional dos nossos dias. A tecnologia em

si, pode nos oferecer sinais dessa nova forma de representação, mas ainda não é

suficientemente compreendida como parte dessa nova rede global descentrada do

terceiro estágio do capital. Desse modo é na literatura da “paranóia high-tech”, ou da

ficção científica, denominada cyberpunk que Jameson (2000) identifica essa nova

narrativa do pós-moderno: é ela que

[...] mobiliza a ligação de circuitos e redes de um computador global

imaginário cuja complexidade está além da capacidade de leitura da

mente humana normal, através de conspirações labirínticas de

agências rivais de informação que são autônomas, mas fatalmente

inter-relacionadas. [...] É apenas nos termos dessa enorme,

ameaçadora, ainda que apenas vagamente perceptível, realidade outra

das instituições econômicas e sociais, que é possível, na minha

opinião, teorizar adequadamente o sublime pós-moderno.

(JAMESON, 2000, p. 64)

Nesse sentido, o pós-modernismo para Jameson tem uma concepção histórica

além da meramente estilística. Sua proposta é identificar o pós-modernismo como

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123

aquela tentativa genuinamente dialética de se pensar nosso tempo presente na história.

Desse modo, o pós-modernismo em Jameson funciona como um projeto político: da

possibilidade de se conceber em nossos dias, uma política cultural eficiente e da

construção de uma cultura genuinamente política.

O pós-moderno é visto pelo autor como uma realidade genuinamente histórica (e

sócio-econômica) porque de fato expressa essa grande transformação e expansão

original do capitalismo pelo mundo. Não obstante os aspectos negativos da crítica pós-

moderna em relação a esse novo estágio do capital, a dialética nos exige uma avaliação

progressiva da sua emergência, à medida que nosso autor identifica esse espaço mais

global e totalizante do atual sistema mundial como demandando uma intervenção e

elaboração de um internacionalismo de tipo novo, como a moldura e a precondição para

se chegar a um socialismo novo e mais abrangente.

O pós-modernismo opera uma nova estética: a estética do mapeamento

cognitivo. É essa estética que irá definir a metanarrativa em Jameson como periodização

do atual estágio do capital, ou capitalismo tardio. Partindo da redefinição proposta por

Althusser e Lacan da ideologia como representação imaginária da relação do sujeito

com sua representação “real” de existência (2000, p. 77), a estética do mapeamento

cognitivo pode permitir a “representação situacional do sujeito individual em relação

àquela totalidade mais vasta e de fato irrepresentável que é o conjunto das estruturas da

sociedade como um todo”. (JAMESON, 2000, p. 77)

O resgate da questão da ideologia para Jameson passa pela distinção marxista

entre a ciência e a ideologia. Nesse sentido há uma diferença latente entre aquele

conhecimento existencial, do sujeito, oposto ao domínio do conhecimento abstrato. O

problema aqui não é que não possamos conhecer o mundo em sua forma abstrata, mas

que ela é apenas irrepresentável, porém cognoscível, uma questão bem diferente. De

acordo com Jameson,

O que uma visão historicista dessa definição teria que acrescentar é

que tal coordenação, a produção de ideologias funcionais e vivenciais,

é distinta em diferentes situações históricas, e, acima de tudo, que

pode haver situações históricas em que isso não é possível de modo

algum – e essa parece ser a nossa situação na crise em que vivemos.

(JAMESON, 2000, p. 79)

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124

Uma estética do mapeamento cognitivo deve concentrar-se sobre a verdade do

pós-modernismo, o espaço mundial do capital multinacional, sendo capaz de realizar a

tarefa de se chegar a uma nova modalidade que possa levar a entender nosso

posicionamento como sujeitos individuais e coletivos recuperando a capacidade que

temos de agir e lutar, que está, hoje, neutralizada pela nossa confusão espacial e social.

“A forma política do pós-modernismo, se houver uma, terá como vocação a invenção e

a projeção do mapeamento cognitivo global, em uma escala social e espacial”.

(JAMESON, 2000, p. 79)

O pós-modernismo como a metanarrativa do modo de produção do

capitalismo tardio.

Começamos este capítulo a partir de uma citação de Fredric Jameson, que causa

entre os teóricos do pós-moderno certo “mal-estar” em se tratando de teorias absolutas

em história:

Historicizar sempre! Este lema – o único imperativo absoluto e,

podemos até mesmo dizer, “trans-histórico” de todo o pensamento

dialético – vai se revelar, o que não é de surpreender, como a moral de

O Inconsciente Político também. Mas, como nos ensina a dialética

tradicional, o processo de historicização pode seguir dois caminhos

distintos, que só em último caso juntam-se no mesmo ponto: o

caminho do objeto e o caminho do sujeito, as origens históricas das

próprias coisas e a historicidade mais intangível dos conceitos e das

categorias por meio das quais tentamos entender essas coisas. Na área

da cultura, (...), vemo-nos assim confrontados com uma opção entre o

estudo da natureza das estruturas “objetivas” de um determinado texto

cultural (a historicidade de suas formas e de seu conteúdo, o momento

histórico da emergência de suas possibilidades lingüísticas, a função

específico-situacional de sua estética) e algo um tanto diferente que,

em vez disso, salientaria as categorias ou códigos interpretativos por

meio dos quais lemos e recebemos o texto em questão. (JAMESON,

1992 p. 9)

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125

No entanto, para além das discussões que convergem sobre o método historicista

tão rechaçado pelos teóricos do pós-moderno64

o que nos interessa realçar é a utilização

do mesmo por Fredric Jameson, e o reconhecimento de que, o historicismo enquanto

método histórico, ao propor generalizações o faz mediante circunstâncias semelhantes

que só se manifestam em um mesmo período histórico. Mesmo que tenhamos

circunstâncias semelhantes em períodos históricos diferentes, não quer dizer que sejam

os mesmos, ou que suas leis são as mesmas, pros períodos diferentes em questão.

Acreditar que essas generalizações, essas uniformidades, sejam duradouras, é gerar uma

concepção metodológica ingênua65

.

Desse modo, em o Inconsciente Político, o que nosso autor pretende ao valorizar

uma concepção historicista da História é ressaltar a importância do método de pesquisa

e do seu valor formativo do conhecimento histórico. Assim, o método pressuposto pelo

nosso autor é o “metacomentário”, cujo objeto de estudo é menos o próprio texto, do

que as interpretações através das quais tentamos abordá-lo e dele nos apropriar.

Portanto, a ideia defendida pelo autor em o Inconsciente Político volta-se para a

dinâmica do ato da interpretação e pressupõe como sua “ficção organizacional” que

nunca realmente abordamos um texto de imediato, como coisa-em-si mesma. Ao

contrário, os textos se nos apresentam como o “sempre-já-lido”. O apreendemos por

meio de camadas sedimentadas de interpretações prévias, ou, considerando o texto ser

absolutamente novo, por meio de hábitos de leitura sedimentados e categorias

desenvolvidas pelas tradições interpretativas de que somos herdeiros. De acordo com

Jameson,

Aqui a interpretação é estabelecida como um ato essencialmente

alegórico, que consiste em reescrever um determinado texto em

termos de um código interpretativo específico. (...) Sua justaposição a

um ideal propriamente marxista de compreensão, dialético ou

totalizador, será empregada para demonstrar as limitações estruturais

desses outros códigos interpretativos e, particularmente, para mostrar

as maneiras “locais” pelas quais estabelecem seus objetos de estudo, e

64

“Os métodos historicistas estão sendo „mal concebidos‟; somente refuta a possibilidade de predizer

sucessos históricos em tanto podem ser influídos pelo crescimento de nossos conhecimentos. Assim,

procura-se demonstrar a persistente e perniciosa influência de alguns acontecimentos da história do

pensamento historicista, sobre a filosofia da sociedade e da política, desde Heráclito e Platão, até Hegel e

Marx”. (POPPER, Karl. A miséria do Historicismo. São Paulo: Cultrix: Ed. da Universidade de São

Paulo, 1980, p.13) 65

POPPER, Karl. A miséria do Historicismo. São Paulo: Cultrix: Ed. da Universidade de São Paulo,

1980.

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as “estratégias de contenção” por meio das quais conseguem oferecer

a ilusão de que suas leituras são, de alguma forma, completas e auto-

suficientes. (JAMESON, F., 1992: 10)

Portanto, o método interpretativo, ou “metacomentário”, permite ao crítico

cultural hoje em dia, avaliar o rendimento e a densidade de um ato interpretativo

realmente marxista, com relação aos outros métodos interpretativos, com os quais ele

compete neste mercado pluralista intelectual dos dias de hoje. De fato, a prioridade de

uma interpretação marxista recai sobre sua riqueza semântica.

Assim a defesa de um método interpretativo marxista em tempos pós-modernos

como um substituto dos outros métodos que circulam nesse mercado intelectual,

considerando a validade de tais métodos no que se refere ao discurso localizado e

fragmentado do mesmo, está em perceber que para Fredric Jameson existe “uma

tradição dialética mais autêntica”, em que o marxismo é aqui concebido como aquele

“horizonte intranscendível” que subsume essas operações críticas “aparentemente

antagônicas ou incomensuráveis, atribuindo-lhes uma indubitável validade setorial para

si mesmo, assim cancelando-as e preservando-as simultaneamente” (JAMESON, 1992,

p. 10).

A miscelânea teórica do nosso autor torna-o peculiar como crítico da cultura e o

insere como um intelectual preeminente nos dias atuais, privilegiando o pós-

modernismo nesse sentido. No que se refere a essa assimilação do que é eminentemente

pluralista, se resume a tarefa crítica e interpretativa de o Inconsciente Político, ou seja,

de reestruturar a problemática da ideologia, do inconsciente e do desejo, da

representação, da História e da produção cultural em torno do processo narrativa, que os

informa a todos, e que é entendida por Jameson como a função básica ou “instância” da

mente humana. Da própria relação dialética do movimento de representação histórico

que é essencialmente narrativo e retórico da linguagem, e da escrita através do tempo.

Desse modo Jameson (1992) propõe como prioridade a interpretação política dos

textos literários. Não como um método suplementar, mas como horizonte absoluto de

toda leitura e de toda interpretação (1992, p. 15). Sua análise tem como pressuposto

apresentar uma genuína filosofia da história capaz de respeitar a especificidade e a

diferença radical do passado sociocultural, revelando a solidariedade de suas polêmicas

e paixões, de suas formas, estruturas, experiências e lutas para com as do presente

(1992, p. 16).

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Segundo Jameson (1992) apenas o marxismo pode oferecer uma resolução

filosoficamente coerente e ideologicamente premente ao problema do historicismo nos

dias de hoje. Da sua não aceitação e inviabilidade em função das experiências da

filosofia cristã da história, que de fato não pode se vincular mais a nós de maneira

particular, nem a filosofia da história burguesa, desacreditada devido às suas

materializações hegemônicas no positivismo, no liberalismo clássico e no nacionalismo.

Nas palavras de Jameson,

Somente o marxismo pode nos oferecer um relato adequado do

mistério essencial do passado cultural, que, como Tirésias bebendo

sangue, volta momentaneamente à vida e pode mais uma vez falar,

revelando sua mensagem há muito esquecida em ambientes que lhe

são totalmente alheios. Esse mistério só pode ser restabelecido se a

aventura humana for única; só assim – e não por meio das divagações

dos anacrônicos ou das projeções dos modernistas – podemos

vislumbrar as exigências vitais que nos são feitas por questões há

muito esquecidas, [...]. Essas questões, com relação a nós, só podem

recuperar sua urgência original se forem recontadas dentro da unidade

de uma única e grande história coletiva; apenas se, mesmo sob uma

forma disfarçada e simbólica, forem vistas como algo que compartilha

de um único tema fundamental – para o marxismo, a luta coletiva para

se alcançar um reino de liberdade a partir de um reino da necessidade;

apenas se forem apreendidas como episódios vitais de uma única

trama vasta e incompleta. (JAMESON, 1992, p. 17)

Nesse sentido o autor vai contra a perspectiva da distinção entre textos culturais

que são sociais e políticos e os que não o são. De fato, tal distinção acaba sendo um

sintoma e reforço da reificação e privatização da vida contemporânea. Ela acaba por

confirmar aquele enorme hiato estrutural, experimental e conceitual entre o público e o

privado, o social e o psicológico, ou o político e o poético, entre a História ou a

sociedade e o “individual”, que acaba com nossa existência enquanto sujeitos

individuais paralisando nosso pensamento com relação ao tempo e à mudança, da

mesma forma que nos aliena da própria linguagem. Imaginar um reino da liberdade que

fuja de todos esses controles da História e do social, só significa fortalecer o controle da

Necessidade sobre as outras zonas cegas em que o sujeito individual procura refúgio, na

busca de um projeto de salvação puramente individual e meramente psicológico. De

acordo com Jameson (1992) a única liberdade efetiva é o reconhecimento de que nada

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existe que não seja social e histórico, e de que tudo é “em última análise” político.

(1992, p. 18)

Sair em defesa de um inconsciente político é empreender uma análise que

conduz a revelação dos artefatos culturais como atos socialmente simbólicos. Assim a

crítica em relação ao modelo interpretativo ou hermenêutico do pós-estruturalismo

contemporâneo na França, tende a identificar essas operações com o historicismo, com

a dialética e da sua defesa da necessidade e da prioridade do pensamento totalizante. No

entanto, mesmo concordando com essas afinidades ideológicas e suas implicações

idealizadoras do ato interpretativo ou hermenêutico, o argumento de Jameson é de que

tal crítica está mal colocada.

A princípio para se estabelecer uma hermenêutica propriamente marxista,

devem-se enfrentar as fortes objeções dos modelos interpretativos tradicionais do

marxismo estrutural ou althusseriano. É a partir das três formas históricas da

causalidade (ou “efetividade”) de Althusser, que Jameson procura argumentar a favor da

interpretação política dos textos culturais.

O primeiro tipo de efetividade identificado por Jameson (1992) em Althusser, o

da causalidade mecanicista, mesmo sendo visto como superado pelo princípio de

indeterminação da física moderna, e da categoria de causalidade enquanto tal, não está

segundo Jameson (1992) totalmente desacreditado nos estudos culturais de hoje. De

fato, a efetividade mecânica retém uma validade puramente local nas análises culturais

em que se pode demonstrar que tal causalidade continua sendo uma das leis (não-

sincrônicas, diga-se de passagem) da nova realidade social decadente. Segundo o autor,

“[...] traz poucos benefícios excluir as categorias “extrínsecas” de nosso pensamento

quando estas continuam a comandar as realidades objetivas a respeito das quais

planejamos pensar”. (JAMESON, 1992, p. 23).

Mas é a chamada “causalidade expressiva” que constitui o aspecto polêmico da

argumentação de Althusser e a questão vital da crítica cultural de hoje. O contra-

argumento da “totalização” não pode ser resposta imediata a crítica de Althusser contra

a “causalidade expressiva”, pelo simples motivo de que o próprio conceito de

totalização está entre as abordagens estigmatizadas por este termo. O que está em jogo

aqui parece estar relacionado aos problemas da periodização cultural em geral, e ao da

categorização de um determinado “período” histórico.

A construção de uma totalidade histórica em Althusser, segundo Jameson (1992)

envolve necessariamente o isolamento e o privilégio de um dos elementos interiores a

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essa totalidade, de modo que ele se torna um código-mestre ou essência interna capaz de

explicar os outros elementos do “todo” em questão. Não está, portanto, reduzido a uma

fácil totalização, cada um deles expressando à sua maneira, um estilo de época ou

conjunto de categorias estruturais que marca de cima a baixo o “período” em questão.

Portanto, para além do problema da periodização e suas categorias, que estão em

crise nos dias de hoje está a questão mais ampla da representação da própria História.

Existem segundo Jameson (1992) duas versões: uma sincrônica, vista como um período

individual em que tudo se torna inter-relacionado que nos defrontamos com um sistema

total, ou “conceito” idealista de um período; e uma diacrônica, talvez esta mais

polêmica que a outra, já que a História é vista aqui de modo linear, como uma sucessão

desses períodos, estágios ou momentos. (1992, p. 25).

Sobre este aspecto, a forma mais acabada da “causalidade expressiva” proposta

por Althusser66

pode tornar-se uma grande alegoria interpretativa em que uma sequência

de eventos históricos é reescrito em termos de uma narrativa-mestra oculta,

constituindo-se o conteúdo figural da primeira sequência de materiais empíricos. Mas

elas são caracterizadas como “teológicas”, de modo que sua elaborada hermenêutica

patrístico e medieval dos quatro níveis da escrita, só podem ser úteis para ilustrar a

estrutura da narrativa mestra, onde sua operação se torna mais visível.

Esses quatro níveis da escrita são o Anagógico, o Moral, o Alegórico e o Literal.

O primeiro, Anagógico, corresponde à leitura política do “significado” coletivo da

História; o segundo, Moral, a leitura psicológica do sujeito individual; o terceiro,

Alegórico, a chave ou código interpretativo, e por último o Literal, referente histórico

ou textual. Assim, segundo Jameson (1992), esse sistema é útil na solução que oferece

sobre aquela incomensurabilidade que paira entre o privado e o público, o psicológico e

o social, o poético e o político, próprio do momento pós-moderno. Não obstante a

relação que o esquema teológico projeta entre o anagógico e o moral não nos ser mais

acessível nos dias de hoje, seu fechamento como um todo é instrutivo no clima

ideológico de um “pluralismo” norte-americano contemporâneo, com sua valorização

irrefletida do aberto (“a liberdade”) versus67

sua inevitável oposição binária, o fechado

(“o totalitarismo”). De acordo com nosso autor,

66

De fato, segundo Jameson essa não é a proposta da causalidade expressiva em Althusser. Como coloca

o autor, “Eu leio a afirmação de Althusser de que „a História é um processo sem telos ou sujeito‟ nesta

chave, ou seja, como um repúdio dessas narrativas mestras e suas categorias congêneres de fechamento

narrativo (telos) e de personagem (sujeito da História)”. (JAMESON, 1992, p. 26) 67

Grifo do autor.

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O pluralismo significa uma coisa quando implica a coexistência de

métodos e interpretações no mercado intelectual e acadêmico, mas

outra coisa muito diferente quando é visto como uma proposição

referente à infinidade de significados e métodos possíveis e sua total

equivalência mútua, e possível substituição de uns pelos outros. Em

termos de crítica prática, fica claro para qualquer um que tenha lidado

com várias abordagens de um determinado texto que a mente só se

satisfaz quando ordena essas descobertas e inventa uma relação

hierárquica entre as diversas interpretações desse texto. Na verdade,

suspeito que só exista um número finito de possibilidades

interpretativas em qualquer situação textual, e que o programa ao qual

as várias ideologias contemporâneas do pluralismo se ligam de

maneira passional seja extremamente negativo: a saber, impedir

aquela articulação sistêmica e totalizadora dos resultados

interpretativos, que só pode levar a embaraçosas perguntas quanto à

relação entre eles e, em particular, ao lugar da História e ao

fundamento último da narrativa e da produção textual. (JAMESON,

1992, pp. 28-29)

Nesse ponto o ataque mais geral a esses códigos alegóricos implica uma crítica

que é específica da teoria dos níveis do marxismo vulgar, em que os conceitos de base e

superestrutura e sua noção correlata como instância última do econômico pode ser

identificado como algo que possui certo parentesco com esses sistemas alegóricos

teológicos acima descritos.

Mas o que a discussão dos quatro níveis medievais sugere é que para se

apreender totalmente até que ponto este esquema projeta uma operação alegórica é

preciso ampliar seu código mestre até se tornar uma narrativa-mestra por si mesma.

Desse modo, pode-se dizer que qualquer modo de produção específico projeta e implica

toda uma sequência desses modos de produção – do comunismo primitivo ao

capitalismo e ao comunismo propriamente dito -, que constituem a narrativa de uma

“filosofia da história” marxista. (1992, p. 30). Uma descoberta paradoxal, segundo

Jameson (1992) à medida que a própria obra da escola althusseriana desacreditou essas

interpretações marxistas da História como narrativas teleológicas, sendo ao mesmo

tempo a responsável em nossa época por restaurar a problemática do modo de produção

como categoria básica de organização do marxismo.

O conceito de inconsciente político procura dar conta deste dilema por meio de

sua reinserção dentro do objeto. Assim o conceito de causalidade expressiva assumirá a

mesma forma da causalidade mecânica: ambas podem ser consideradas como leis locais

dentro de nossa realidade histórica. De fato, a interpretação em termos da causalidade

expressiva ou narrativas mestras alegóricas continua a ser uma tentação, isto porque elas

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se inscrevem tanto nos textos como na nossa maneira de pensá-los. Elas constituem uma

persistente dimensão dos textos literários e culturais porque refletem o nosso

pensamento coletivo e nossas fantasias coletivas referentes à História e à realidade.

Mas a função da causalidade expressiva e sua devastadora negatividade da

História como causa ausente em Althusser é enganosa, pois para Jameson acaba sendo

assimilada por pós-estruturalismos e pós-marxismos contemporâneos para os quais a

História não passa de um texto entre outros, encontrado nos manuais de história e na

apresentação cronológica de sua sequência linear. De fato como coloca Jameson (1992),

nem o próprio Althusser chega a esta conclusão de que a História como um texto é

ausente de “referente”. De acordo com sua formulação revisada, “[...] a História não é

um texto, ou uma narrativa, mestra ou não, mas que, como causa ausente, é-nos

acessível apenas sob a forma textual, e que nossa abordagem dela e do próprio Real

passa necessariamente por sua textualização prévia, sua narrativização no inconsciente

político”. (JAMESON, 1992, p. 32)

A proposta de Jameson é identificar o marxismo de Althusser como

estruturalista. Nesse sentido nosso autor identifica sua estrutura única: o próprio modo

de produção, ou o sistema sincrônico de relações sociais como um todo. Como acentua

Jameson, “tal é o sentido em que esta “estrutura” é uma causa ausente, já que em

nenhum lugar se faz empiricamente presente como elemento, não fazendo assim parte

do todo ou de um dos níveis, mas de todo o sistema de relações entre esses níveis”

(JAMESON, 1992, p. 33)

Outro conceito que propõe uma análise literária ou cultural do estruturalismo

althusseriano é o conceito de mediação. Mediação “é a relação entre os níveis ou

instâncias e a possibilidade de adaptação das análises e descobertas de um nível para

outro”. (JAMESON, 1992, p. 35). De modo que Althusser entende o processo de

mediação como o estabelecimento de identidades simbólicas entre esses vários níveis,

num processo dialético em que cada nível se desdobra no outro perdendo sua autonomia

constitutiva e funcionando como expressão de seus homólogos. Ele tem sido a forma

pela qual a filosofia dialética e o próprio marxismo têm formulado sua vocação para

romper com os compartimentos estanques especializados das disciplinas (burguesas) e

estabelecer ligações entre os mais diferentes fenômenos da vida social em geral.

Desse modo, a prática da causalidade expressiva é também uma das formas de

mediação, não sendo com certeza a única. De acordo com Jameson,

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Descrever a mediação como invenção estratégica e local de um código

que pode ser usado para dois fenômenos distintos não implica

qualquer obrigação de que a mesma mensagem será transmitida nos

dois casos; usando outra formulação, não se pode enumerar as

diferenças entre as coisas a não ser contra o pando de fundo de uma

identidade mais geral. A mediação encarrega-se de estabelecer essa

identidade inicial, em função da qual – e apenas a partir daí – a

identificação local ou a diferenciação pode ser registrada.

(JAMESON, 1992, p. 38)

A proposta de Jameson com relação à causalidade expressiva de Althusser e sua

influência para uma teoria marxista estruturalista é apresentar um método marxista de

interpretação literária e cultural. Contudo, uma apreciação semântica da inteligibilidade

dos textos literários e culturais segundo a perspectiva desse marxismo, marca uma

ampliação do sentido do campo social de um texto por meio das noções de história

política, e seu evento pontual de uma sequência semelhante a uma crônica dos

acontecimentos ao longo do tempo, e, em seguida, da sociedade no sentido menos

diacrônico e sujeito ao tempo de uma tensão constitutiva das classes sociais. E, por fim,

da História concebida em seu mais amplo sentido de sequência de modos de produção e

da sua sucessão a qualquer tipo de História futura que nos aguarde. (1992, p. 68)

A grande questão que envolve a concepção de pós-modernismo em Fredric

Jameson e sua relação com a História é o sentido de uma filosofia da história marxista

que resgata o conceito de totalidade dentro da fragmentação própria da teoria do pós-

moderno. Há uma tendência geral a considerar Marxismo e pós-modernismo como

sendo uma combinação estranha ou paradoxal, o que de fato para Jameson (2006) não

representa nenhuma das duas coisas. Sua contribuição para uma análise marxista do

pós-modernismo é uma tentativa de teorizar a lógica específica da produção cultural

neste terceiro estágio do capitalismo e não como mais uma crítica cultural solta ou um

diagnóstico do espírito da época (2006, p. 49).

Essa tentativa de teorização, portanto da prática de uma teoria da história da

própria constituição de uma narrativa de um pós-modernismo totalizante, é que é

criticada em Jameson. O autor, porém considera essa questão no mínimo interessante:

não o porquê dele adotar tal perspectiva, e sim, o motivo pelo qual as pessoas se

escandalizam com isso68

. De toda forma, objeções nesse sentido, ao conceito global de

68

De fato, esta é a questão primordial do desenvolvimento de uma teoria da história jamesoniana.

Conforme o autor mesmo explica, se nos velhos tempos a própria atividade de abstração era certamente

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pós-modernismo parecem reexaminar em outros termos, as objeções clássicas ao

conceito de capitalismo. No caso da perspectiva atual, isso não é surpresa já que se

afirma consistentemente a identidade do pós-modernismo com o próprio capitalismo em

sua última mutação sistêmica. Segundo Jameson,

“Essas objeções giram em torno de uma ou outra forma do seguinte

paradoxo: embora os vários modos de produção pré-capitalistas

tenham atingido sua capacidade de se reproduzirem através de várias

formas de solidariedade ou coesão coletiva, a lógica do capital é, ao

contrário, dispersiva, atomística e “individualista”, mais uma anti-

sociedade, cuja estrutura sistêmica, isso sem querer mencionar sua

auto-reprodução, permanece um mistério e uma contradição em

termos. (...) o que se pode mencionar é que esse paradoxo constitui a

originalidade do capitalismo e que as fórmulas verbalmente

contraditórias com as quais necessariamente nos deparamos ao tentar

defini-lo remetem além das palavras para a própria coisa (dando

também origem àquela nova invenção peculiar, a dialética)”

(JAMESON, 2006, p. 53).

A questão da totalização em Fredric Jameson é discutida quanto as suas

condições históricas de possibilidade. Da possibilidade de momentos históricos cujo

conceito de totalidade pode parecer necessário e inevitável e, em outros, pernicioso e

mesmo impensável. Para o autor o ponto crucial a se destacar é que podemos

reconhecer a presença de tal conceito, totalidade, desde que se entenda que há apenas

um deles, o “modo de produção” 69

. Mas, para Jameson,

“(...) um modo de produção não é um “sistema total” naquele sentido

proibitivo, e contém em si mesmo uma gama de contraforças e novas

tendências, de forças “residuais” bem como de “emergentes”, que

uma das maneiras estratégicas através das quais os fenômenos, particularmente os históricos, podiam ser

distanciados e desfamiliarizados, não há por que, entretanto, abrirmos mão de tal abstração, que sempre

constitui uma intervenção radical no aqui e agora, bem como a promessa de resistência a suas fatalidades

cegas. E aqui, o autor considera como relevante a própria discussão sobre o problema da representação

em história, para distingui-lo dos outros motivos em atuação na “guerra à totalidade”. O que há de fato é

uma preocupação, ou confusão, com o conceito de abstração histórico e a própria realidade em si, e não

há como caracterizar uma representação como representação tão seguramente que se evitem “ilusões

óticas”. 69

Acredito ser exatamente em relação à esse conceito, e seu modo “totalizante”, que muitos de seus

leitores o criticam como sendo mais um marxista vulgar. No entanto, sua abordagem, mais do que

vulgar, nos faz questionar sobre a própria construção do conceito modo de produção, seu aspecto

totalizador, que relativo a uma abstração, foge às questões colocadas na nota anterior, sobre o debate em

torno do conceito de representação, ou pelo menos, procura não incorrer em seus erros. Não há como

negar, que o marxismo, enquanto uma teoria da história em Fredric Jameson, remete ao questionamento

do próprio capitalismo em si, constituindo este como objeto de sua ciência. Em relação ao pós-

modernismo, este se liga ao marxismo e ao conceito modo de produção, enquanto categoria para se

entender a lógica cultural, que encontra um lugar funcional específico dentro desse terceiro estágio do

capitalismo tardio.

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deve tratar de dirigir ou controlar (...): se essas forças heterogêneas

não tivessem uma carga de efetividade, o projeto hegemônico70

seria

dispensável. (...) Finalmente, (...), torna-se também evidente que há

uma diferença entre o conceito e a coisa, entre esse modelo global e

abstrato e nossa própria experiência social e individual, à qual ele

deve fornecer alguma diferença esclarecedora, mas sem se propor

“substituí-la” (JAMESON, 2006, p. 57).

Mas mesmo essa crítica à totalidade que Jameson propõe também deve ser

ponderada e pragmática em seus termos. O pós-modernismo em Jameson é sintomático

de um momento peculiar do capitalismo tardio. E sua escolha de descrições alternadas,

focalizadas em diferentes níveis de abstração, são mais de ordem prática do que teórica,

um modelo de pós-moderno, “que vale pelo que vale, e tem de se arriscar de forma

independente” (JAMESON, 2006, p. 61). No campo de sua teoria da história, uma

teoria pós-moderna, em que construções alternativas são desejáveis e bem vindas, “pois

abarcar o presente a partir de seu interior constitui a tarefa mais problemática que pode

confrontar o intelecto” (JAMESON, 2006, p. 61).

De modo que o autor tem a impressão de que algo se perde quando insistimos

em pôr ênfase no poder e na dominação que elimina o deslocamento que caracteriza a

originalidade do marxismo em favor do sistema econômico, da estrutura do modo de

produção e da própria exploração.

Pensar sobre uma teoria da história em Fredric Jameson é identificar as

possibilidades de um discurso ou narrativa, que pretenda ser totalizante, no entanto, sem

necessariamente incorrer em experiências catastróficas ou no mínimo escatológicas. A

intenção desta pesquisa é demonstrar que pensar sobre uma totalidade, ou mesmo,

universalidade em história é imprescindível para detectarmos até mesmo o zeitgeist de

uma época, ou a historicidade inerente ao momento histórico em questão, sem

descaracterizar as ontologias e idiossincrasias do período.

70

Aqui o autor utiliza-se do conceito de hegemonia de Gramsci.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fredric Jameson é considerado por muitos autores um crítico cultural marxista

polêmico. Isto porque muitas das vezes seu trabalho no âmbito do próprio marxismo

restringe-se apenas ao espaço da academia, um tipo de marxismo onde a política do

próprio projeto está excluída. A esse respeito, a formação do nosso autor é vista como

sendo institucionalizada, formalizadora e sem conteúdo político71

.

De fato, um dos pontos iniciais dessa pesquisa sempre foi entender o sentido da

modernidade e da pós-modernidade enquanto crítica da razão, do progresso, do sujeito e

da História. Muito se fala sobre a crise dos tempos modernos, do fim da história, que

vivemos em tempos de irracionalidade. No entanto, a questão que passa pelo

pensamento jamesoniano é que não importa sob que condições o termo pós-modernismo

é colocado. Segundo Jameson,

Ocasionalmente o slogan “pós-modernismo” me cansa tanto quanto a

todos os demais, mas quando me sinto tentado a reclamar de minha

cumplicidade com ele, a lamentar seus usos impróprios e a concluir

com alguma relutância que ele resulta em mais problemas que

soluções, paro para pensar que outro conceito seria capaz de

dramatizar a questão de maneira tão eficaz e econômica. “Temos de

dar nome ao sistema”: esse ponto crucial dos anos 1960 ressurge

inesperadamente no debate pós-moderno. (JAMESON, 2006, p. 65)

Sendo assim, um dos problemas preocupantes em relação ao momento pós-

moderno diagnosticado pela maioria dos seus autores, relaciona-se a certa apatia latente,

um desinteresse das pessoas sejam as de convívio ou da sociedade em geral, com

assuntos correlatos a política, economia, entre outros. Essa espécie de apatia, assim

como a dificuldade das pessoas de se mobilizarem em torno de uma causa comum, de

reivindicarem seus direitos mais amplos sejam eles jurídicos ou morais e porque não

dizer, como um elemento novo do pós-moderno, direitos do consumidor, me levou a

questionar sobre o papel social do sujeito na própria sociedade.

71

Para maiores esclarecimentos ver JACOB, R. Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da

academia. São Paulo, Trajetória Cultural, Ed. Da USP, 1990.

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Nesse sentido qual a importância da leitura de um autor como Jameson para o

debate do papel social do sujeito na história? Ou, qual o papel da narrativa histórica em

meio à descrença das metanarrativas e do sentimento de apatia próprio da época pós-

moderna?

Um dos questionamentos que mais me acompanharam durante todo o

desenvolvimento da pesquisa era como defender uma metanarrativa em meio à crise das

mesmas, e como Fredric Jameson se posiciona em relação ao debate pós-moderno.

Sendo norte-americano, o sentido de um marxismo pós-moderno em Fredric Jameson

passa pela defesa de uma política neoliberal e um capitalismo opressor que nunca

deixou de ser imperialista. O argumento resvalava para uma defesa da continuidade do

sistema do capital, da sociedade de consumo e da política econômica dos Estados

Unidos.

No entanto não pretendo com Fredric Jameson sair em defesa de nenhum

sistema político, de levantar bandeiras sobre os aspectos bons ou ruins do capitalismo

norte-americano e sua política intervencionista e imperialista. Pelo contrário, tal análise

prima pelo aspecto do pós-moderno enquanto variante cultural do sistema em que

vivemos, de modo a identificá-lo e reconhecer sua realidade, menos que repudiá-la.

Assim a defesa de uma metanarrativa em Fredric Jameson é uma defesa do

modo de produção. Mas do modo de produção entendido como constituinte de um

sistema capaz de ser periodizado e percebido como parte da nossa realidade intrínseca,

que não é mais aquela dos primórdios do capitalismo. Como o próprio autor argumenta,

[...] a narrativa histórica foi essencial para a própria possibilidade de

se pensar o capitalismo como um sistema, sincrônico ou não; e é nessa

direção que se define minha posição com respeito ao “estágio” ou

momento do capitalismo que projeta a lógica cultural que alguns de

nós agora chamamos de “pós-modernismo”. (JAMESON, 2006, p. 55)

O pós-modernismo enquanto dominante cultural do capitalismo tardio é

entendido pelo autor como aquele aspecto que identifica e narra o atual momento

histórico. De acordo com o autor,

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O que me interessa essencialmente aqui são as condições de

possibilidade do conceito “modo de produção”, ou seja, as

características da situação histórica e social que tornaram possível a

articulação e formulação desse conceito. Quero sugerir que, de modo

geral, pensar esse novo pensamento (ou articular pensamentos antigos

dessa nova maneira) pressupõe um tipo particular de desenvolvimento

“irregular”, de tal forma que modos de produção distintos e

coexistentes sejam registrados no universo vital do pensador em

questão. (JAMESON, 2006, p. 55)

Assim, ao identificarmos a metanarrativa como um discurso histórico da

consciência no tempo, considera-se que qualquer discurso de um modo de produção é

válido à medida que relaciona o sujeito com sua realidade imediata. O processo

ideológico e mesmo utópico de qualquer desses processos é inerente a todo indivíduo

histórico que segundo suas condições de tempo e espaço interpretam a experiência

histórica de acordo com seus anseios, intencionalidades e expectativas. A ação histórica

mediada pela narrativa da materialidade das condições de existência do indivíduo ou

mesmo da sociedade corrobora e dá sentido a um processo de abstração que é próprio da

ação humana.

Nesse sentido, a pesquisa sobre uma filosofia da história em Fredric Jameson

envolve exatamente esse questionamento sobre a própria constituição e presença, e até

mesmo a necessidade de uma idéia de totalização em História. Desse modo a crítica às

aporias do pós-modernismo se resolvem à medida que o autor entende o conceito como

parte de uma crítica ao alto modernismo, mais do que a modernidade em si. Mesmo

porque, o próprio discurso de fragmentação e crise das metanarrativas incorpora um

elemento paradoxal que é a própria universalidade de se entender essa crise como parte

da narrativa da modernidade. Como coloca Jameson, não devemos ficar perplexos ou

mesmo fugir a esse debate, mas aceitar a própria ideia de totalidade como uma estrutura

capaz de identificar um momento histórico e nos fazer sentir parte e pertencente a ele,

com suas idiossincrasias e ontologias que lhe são próprias e devidas.

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