filosofia africana

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Filosofia africana 1- Thomas Aquinas àti òrò-àdánidá àwon èdè Bàntú àti Tupi. Tomás de Aquino e a Metafísica das líguas Bantu e Tupi. Ìwé gbédègbéyò ( vocabulário). Thomas Aquinas = Tomás de Aquino. Àti, conj. E. Usada entre dois nomes, mas não liga verbos. Òrò-àdánidá = metafísica. Àwon, won, pron. Eles, elas. É também usado como partícula para formar o plural do substantivo; neste caso, é posicionado antes do substantivo. Èdè = idioma, língua, dialeto. Bàntú = bantu. Tupi = tupi. Tomás de Aquino e a Metafísica das Línguas Bantu e Tupi Luiz Jean Lauand [email protected] Fac. Educ. Univ. São Paulo Metafísica Bantu Em diversas outras ocasiões temos feito referência ao conceito lohmanniano de sistema língua/pensamento, aplicado ao caso das línguas semitas e

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Filosofia africana1- Thomas Aquinas àti òrò-àdánidá àwon èdè Bàntú àti Tupi.

Tomás de Aquino e a Metafísica das líguas Bantu e Tupi.Ìwé gbédègbéyò ( vocabulário).

Thomas Aquinas = Tomás de Aquino.

Àti, conj. E. Usada entre dois nomes, mas não liga verbos.

Òrò-àdánidá = metafísica.

Àwon, won, pron. Eles, elas. É também usado como partícula para formar o plural do substantivo; neste caso, é posicionado antes do substantivo.

Èdè = idioma, língua, dialeto.

Bàntú = bantu.

Tupi = tupi.

Tomás de Aquino e a Metafísica das Línguas Bantu e Tupi

Luiz Jean [email protected]. Educ. Univ. São Paulo

Metafísica Bantu Em diversas outras ocasiões temos feito referência ao conceito lohmanniano de sistema língua/pensamento, aplicado ao caso das línguas semitas e às indo-européias. Neste estudo, consideraremos as classes gramaticais/metafísicas, um fato peculiar às dezenas de línguas bantu, línguas da África subsaariana (dando particular destaque ao kimbundo[1], a língua africana que mais influenciou o português do Brasil). Se toda língua traz consigo uma visão de mundo, no caso das línguas bantu, com suas classes, este fato é ainda mais acentuado. E a filosofia bantu (uma filosofia não escrita, "uma filosofia sem filósofos", no dizer de Tempels), a língua e os provérbios aparecem como elementos especialmente privilegiados: a língua, como a própria base sobre a qual se edifica o pensamento; os provérbios, como sua primeira elaboração.

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Assim, após apresentar alguns aspectos da língua/pensamento bantu - relativos, sobretudo, à nona classe e aos conceitos de Deus (Nzambi) e de Criação -, iremos estabelecendo (a partir de sugestivos provérbios africanos) um confronto com os mesmos temas na tradição filosófico-teológica clássica ocidental[2], aqui representada por Tomás de Aquino. Precisamente a acentuada diversidade dessas perspectivas torna ainda mais interessantes as coincidências.As classes bantu Há um traço marcante nas línguas bantu, que imediatamente desperta a atenção do filósofo: a divisão dos substantivos em classes nominais, geralmente dez, que, ao contrário das declinações latinas (por exemplo), não se limitam a agrupar gramaticalmente as palavras. Transcendendo a gramática, as classes estabelecem uma autêntica divisão metafísica: a primeira sílaba de cada palavra é um classificador: indica em que setor da realidade[3] (ser humano, animal, rio, categoria abstrata, instrumento, etc.) situa-se[4] o ente designado[5]. Exemplificaremos, a seguir, com o kimbundo. No kimbundo - como em geral nas línguas bantu - encontramos dez classes nominais[6]. Os classificadores de singular e plural são:Classe Classificador (sílaba inicial) singular plural1a. mu a2a. mu mi3a. ki i4a. ri ma5a. u mau8a ku maku9a. variado ji10a. ka tu Alguns exemplos sobre esse sistema de classes. A primeira classe - cujo classificador é mu/a - é a dos entes racionais, as pessoas. A palavra-chave desta classe é mutu ou muntu, pessoa (daí o plural: bantu), da qual, evidentemente, derivou o classificador mu. Assim, as palavras desta classe são, na verdade, contrações: mukongo, caçador = mu (tu), pessoa + (ku) kongo, caçar. Desta classe, passaram para nossa língua, palavras como mukama e muleke[7]. Já a oitava classe, ku/maku, é a dos termos verbais: ku é semelhante ao to do infinitivo verbal do inglês[8]. Penetraram no português do Brasil: Kuxila, dormitar (Mendonça); Kufundu, penetrar, enterrar (Mendonça). Já em Cannecattim (196, 207), encontramos nfundu, escondido, secreto. Daí kafundó e kafuné (ação carinhosa dos dedos no cabelo). Xinga, insultar (Quintão, 35); sunga, puxar (Quintão, 35). Samba é rezar (Cannecattim, 206). Quando Vinicius de Moraes diz que "o bom samba é uma forma de oração", está afirmando algo estritamente rigoroso do ponto de vista etimológico. De especial interesse para as comparações que faremos com o pensamento clássico ocidental é a nona classe: seu classificador plural é ji e apresenta singular

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variado, mas freqüentemente iniciado por n (ng, nd, nz) ou m (mb) . A consoante que se segue ao n da classe "é eufônica, a fim de evitar que o n entre em contato direto com a vogal do radical" (Kagame, 136). É de decisiva importância a observação de Ntite Mukendi (Mukendi, 103): o classificador n é um indicador de ser. N, no caso, indicaria "o que...", "aquele que..." por excelência, ostensiva ou tipicamente, exerce tal ação. Assim, da ação de nadar (zoua), procede a palavra para pato (nzoue, aquele que, por excelência, nada); de longa (carregar), ndongo (canoa, a que carrega); de lula (ser amargo), ndululu (fel, o que, tipicamente, é amargo); de enda (andar), ngenji(viajante) etc. (Quintão, 109,110). Dessa classe é-nos familiar Ngambi, o linguarudo (de amba, falar). É interessante observar que o sufixo verbal -ela (Quintão, 83; Valente, 207) indica finalidade, motivação; daí deriva ngambela, engambelar, falatório para obter algo; falar e falar a fim de...Deus, criação e falar no pensamento de Tomás de Aquino[9] As teses de Tomás sobre o falar e a Criação permitir-nos-ão estabelecer interessantes relações com as concepções de Deus e da Criação na filosofia bantu. Locutio est proprium opus rationis (I, 91, 3 ad 3); "falar -diz Tomás- é operação própria da inteligência". Ora, entre a realidade designada pela linguagem e o som da palavra proferida, há um terceiro elemento, essencial na linguagem, que é o conceptus, o conceito, a palavra interior (verbum interius, verbum mentis, verbum cordis), que se forma no espírito de quem fala e que se exterioriza pela linguagem, que constitui seu signo audível (o conceito, por sua vez, tem sua origem na realidade). Mas, se a palavra sonora é um signo convencional (a água pode chamar-se água, water, eau etc.), o conceito, pelo contrário, é um signo necessário da coisa designada: nossos conceitos se formam por adequação com a realidade. E a realidade, cada coisa real, tem um conteúdo, um significado, "um quê", uma verdade que, por um lado, faz com que a coisa seja aquilo que é e, por outro, torna-a cognoscível para a inteligência humana. É precisamente isto o que Tomás designa por ratio. Assim, indagar "O que é isto?" ("O que é uma árvore?", "O que é o homem?") significa, afinal das contas, perguntar pelo ser, pelo "quê" (quid-ditas, whatness, qüididade), pelaratio, pela estruturação interna de um ente que faz com que ele seja aquilo que é. Daí a sugestiva forma interrogativa do francês: Qu'est-ce que..., "que é este quê?", "que quê é isto?". Esta ratio que estrutura, que plasma um ente é a mesma que se oferece à inteligência humana para formar o conceito, que será tanto mais adequado, quanto maior for a objetividade com que se abrir à realidade contida no objeto. Dentre as muitas e variadas formas de interpretação da expressão "Deus fala"[10], há uma especialmente importante nas relações entre Deus e o homem: não é por acaso que João emprega o vocábulo grego Logos (Verbum, razão, palavra) para designar a segunda Pessoa da Ssma. Trindade que "se fez carne" em Jesus Cristo: o Verbumnão só é imagem do Pai, mas também princípio da Criação (cfr. Jo 1,3). E a Criação deve ser entendida precisamente como projeto, design feito por Deus através do Verbo. Numa comparação imprecisa[11] com o ato criador divino, considero o isqueiro que tenho diante de mim. Este objeto é produto de uma inteligência, há uma racionalidade[12]que o estrutura por dentro. É precisamente essa ratio que, se por um

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lado, estrutura por dentro qualquer ente, por outro, permite, como dizíamos, acesso intelectual humano a esse ente[13]. No caso do isqueiro, a ratio que o constitui, enquanto isqueiro, é o que me permite conhecê-lo e, uma vez conhecido, consertá-lo, trocar uma peça etc. Guardadas as devidas distâncias[14], é nesse sentido que o cristianismo fala da "Criação pelo Verbo"; e é por isso também que a Teologia - na feliz formulação do teólogo alemão Romano Guardini - afirma o "caráter verbal" (Wort-charakter) de cada ser. Ou, em sentença de Tomás: "Assim como a palavra audível manifesta a palavra interior[15], assim também a criatura manifesta a concepção divina (...); as criaturas são como palavras que manifestam o Verbo de Deus" (I d. 27, 2.2 ad 3). Assim, para Tomás, não só Deus é, por excelência, Aquele que fala, mas as próprias criaturas são "palavras" proferidas por Deus. Essa concepção de Criação como fala de Deus, a Criação como ato inteligente de Deus, foi muito bem expressa numa aguda sentença de Sartre, que intenta negá-la: "Não há natureza humana, porque não há Deus para concebê-la". De um modo positivo, poder-se-ia enunciar o mesmo desta forma: só se pode falar em essência, em natureza, em "verdade das coisas", na medida em que há um projeto divino incorporado a elas, ou melhor, constituindo-as. A "natureza", especialmente no caso da natureza humana, não é entendida pela Teologia como algo rígido, como uma camisa de força metafísica, mas como um projeto vivo, um impulso ontológico inicial[16], um "lançamento no ser", cujas diretrizes fundamentais são dadas precisamente pelo ato criador, que, no entanto, requer a complementação pelo agir livre e responsável do homem. Nesse sentido, Tomás fala da moral como ultimum potentiae, como um processo de auto-realização do homem; corresponde-lhe continuar, levar a cabo aquilo que principiou com o ato criador de Deus. Assim, todo o agir humano (o trabalho, a educação, o amor etc.) constitui uma colaboração do homem com o agir divino, precisamente porque Deus quis contar com essa cooperação. Essas considerações servirão para analisar algumas convicções da visão de mundo, expressa por provérbios bantu que, surpreendentemente, coincidem de modo profundo com o conceito cristão de criação.Tomás de Aquino e a metafísica dos provérbios bantu Nas línguas bantu, encontraremos diversas designações de Deus (cfr. Kagame, 135 e ss.), como: Kalunga: aquele-que-por-excelência-junta[17]; Leza: o todo-poderoso; Molimo: o Espírito; Ruhanga: O Criador; etc. Mas é Nzambi (ou zambi), da nona classe, a forma mais freqüente e também a mais sugestiva de nomear a Deus.Nzambi é um derivado do verbo amba[18], que significa falar. E chamar a Deus de Nzambi[19], é chamá-lo literalmente de "aquele que, por excelência, fala"[20]. Há cerca de duzentos anos, numa das primeiras gramáticas de kimbundo, Cannecattim indica que, em "língua congueza", Deus, o Criador, não só se diz Nzambi(aquele a quem compete falar) mas Nzambi-Mpungu (p. 176), forma encontrada ainda hoje em certas regiões (Kagame, 132, 145 etc.). Segundo Marie-Bernard (cit. Kagame, 145), mpungu significa "aquele que voa muito alto". Tal significado é derivado por analogia: mpungu é originalmente uma espécie de águia que voa tão alto, a

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ponto de tornar-se invisível a olho nu. Daí também os significados derivados de mpungu como adjetivo: o maior, o mais elevado, o supremo, o excelente (Kagame, 145). "Mpungu- segundo Laman (cit. Kagame, 145) - acompanha Nzambi ou outras palavras para expressar as qualidades mais altas". Donde Nzambi-Mpungu: aquele que eminentemente, por excelência, fala. Essa forma de designar a Deus, como Aquele-que-Profere, aproxima a concepção bantu do Logos (Verbum) de Jo 1,1 e da idéia de criação de Tomás de Aquino. Uma confirmação desse sentido da Criação como "falar criador de Deus" é encontrada em dois interessantíssimos provérbios kiuoio (Vaz, 178).A kilamba não tem raízes. Mas não foi Deus quem a fez?Chi lambu ka kambua li sina. - Bati Nzambi ku chi vanga kó? O provérbio - muito tradicional entre os Cabindas - refere-se à surpreendente planta kilamba, que (ao menos, aparentemente) não tem raízes. Ora, isto (que diabos: uma planta sem raiz!?!) contraria a natureza das coisas, não condiz com a Criação, que é sempre ratio. Daí a dúvida (retórica) expressa na pergunta final. Em outra versão, o mesmo provérbio é assim apresentado (JM, 61 e 429):A kilamba, a que não tem raiz, não foi Deus quem a fez.Kilamba kikambua lisina: Nzambi ka sa kivanga ko. Em Ciscato (p. 307), encontramos:A serpente, por dom de Muluku[21], pode correr, mesmo não tendo patas.Enowa evahiwé ti Muluku wi enátchimaka ehirí ni Mechó. Um outro provérbio, ainda mais significativo, fala da criatura como "palavra proferida por Deus"[22]:Palavra proferida por Deus, compete ao homem completá-la.Kambua kikamba Nzambi; muntu limonho uisesula (JM, 431). Do conceito de criação como pensamento de Deus, decorre o conceito de mistério para a tradição filosófico-teológica do Ocidente (e para as tribos africanas). Mistério não significa apenas não-conhecimento (fático), mas um determinado tipo de não-conhecimento: aquele que decorre do excesso (e não da falta) de luz. Se o mundo foi criado por Deus, isto é, projetado, concebido, falado, pensado pelo Verbo-Nzambi, então cada ente é mistério, e a realidade criada transcende a capacidade de compreensão de uma criatura como o homem. Precisamente esta é a razão pela qual Tomás de Aquino afirmou que nenhum filósofo jamais esgotaria sequer a essência de uma mosca. A essa transcendência, referem-se alguns provérbios:Coração de Deus: guarda todas as coisas.Ntima Nzambi: lunda mamonso (JM, 432). Esta sentença aplica-se como convite à paciência ("Deus é quem sabe"). Note-se o conceito de ntima (ou mutima ou murima), coração, o íntimo de cada um. Trata-se de um conceito importante na visão de mundo bantu. Embora haja variações regionais, recolhamos aqui o conceito que Laman[23] apresenta em seu dicionário kikongo: "ntima: coração, sentimento, consciência, o interior". Ao se afirmar que o ntima Nzambi (coração de Deus) guarda todas as coisas, afirma-se também o ato criador: só Deus conhece o ntima de cada criatura:O que está no coração de outro, ninguém o sabe.

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Make mu ntima ngana: ka mazábi ko (JM, 410)O coração humano não se contenta com pouco... nem com muito.Murima ohinamwéla ni ekhani, ni etókwenetho (EC, 261).Se o coração fosse um cadeado, certamente eu o abriria.Monti ntima nkandau: Nkanu mazibula (JM, 411)Ah! se o coração fosse nariz...(Que bom seria se pudéssemos, pelo "faro", saber como são as pessoas).Murima wári ephulá... (EC, 135).Comemos juntos e rimos juntos... O que está no coração, porém, não o sabemos (Vaz, 203).Liá, tu seva... Ma ké mu ntima ku podi ku ma zaba kó.Os corações diferem: há gente boa e gente má ([24]).Ntima viakene: ike muntu mbote ike muntu mbi (JM, 411). E, assim, cada um é como é, como Deus o fez (o que, do ponto de vista da ética da convivência, é um chamado à compreensão).Quando, cerrando os dentes, bates no cão: sabes o que está no coração dele?Abu uibula mbuá ui kanga meno; ngeie zabizi ma ke mu ntima mbuá? (JM, 208)O papagaio não pode pôr ovos em outra parte: foi Deus quem o fez assim... (JM, 360)Nkusu kibuta longo bangana ko: naveka Nzambi uvanga buauFenômeno admirável o do ovo: carne por dentro; osso, por fora!Bunkúlu bukió! Nsunha, mukati; mvese, kunganda (JM, 137). Aplicam-se estes dois últimos provérbios ao que está fora da regra geral. Pois, o que a inteligência de Deus cria, nem sempre a mente humana alcança (e, em qualquer caso, nunca esgota):Embrulho que Deus amarrou, só Deus pode desamarrar.Kifunda kikanga Nzambi: Uala lukútula Nzambi to (JM, 57).Nó que Deus amarra, o homem não pode desamarrar.Likova likanga Nzambi; muntu limonho podi kútula ko (JM, 139).Questões do coração, a cabeça do homem não comporta.Mambu manata ntima: Ntu muntu limonho kapódi ku manata ko (JM, 412). Mas, no geral, a Criação, enquanto fala de Deus, é "audível" pelo homem, pois as leis da Criação são fala de Deus.Voz da terra: voz de Deus (Vaz, 17).Mbembu nsi: mbembu NzambiMetafísica tupi-I: Abaeté"Uma coisa é buriti (...a palmeira de Deus);outra é buritirana" (Guimarães Rosa) Coincidência, coincidir nem sempre indicam casualidade. Pois pode ocorrer que dois (ou mais) venham a dar com o mesmo, e, portanto, co-incidam, não por obra do acaso ("Que coincidência, você por aqui?"), mas até deliberadamente, como quem, por exemplo, dissesse: "Já que há coincidência de interesses, podemos fazer uma sociedade".

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Uma dessas coincidências não-casuais é a que se dá entre duas antigas sabedorias: a da milenar tradição ocidental - representada aqui por Tomás de Aquino - e a tupi. "Sabedoria" tupi que deve ser procurada não em tratados filosóficos, mas - como, certa vez, disse João Guimarães Rosa, referindo-se a uma tribo do Mato Grosso - na língua: "Toda língua são rastros de velho mistério". A língua tupi, no seu modo singelo e transparente de olhar para a realidade, vem dar com uma das mais fundamentais convicções da doutrina clássica do Ocidente a respeito da Moral. Moral, entendida no sentido que lhe dá Tomás: o ser do homem, o máximo (ultimum potentiae) do que se pode ser enquanto homem, um processo de realização pessoal, em que se caminha para a plena realização das próprias potencialidades ontológicas. A moral é concebida, pois, como uma questão de ser ou não ser plenamente homem. É nessa mesma linha que se situa a pergunta fundamental de Shakespeare, por todos conhecida, mas que só nesse enquadramento pode ser compreendida, pois, à primeira vista, surpreende que Hamlet, indeciso sobre o que vai fazer (ou não fazer), não se indague: "To do or not to do?". E é que, como dizíamos, na concepção tradicional do Ocidente, o agir remete a algo de mais profundo: o ser. O que eu fizer, ou deixar de fazer, implicará o que serei ou não serei enquanto homem e, portanto, "to be or not to be?" é que é a questão. Na cultura tupi, evidentemente, não podemos esperar encontrar uma elaborada doutrina metafísica dos transcendentais ou fundamentos ontológicos da Moral. Mas, na língua, encontramos interessante coincidência. Ensinam as gramáticas que o superlativo (portanto o ultimum, o máximo), em tupi, constrói-se pela justaposição de -eté ao termo: assim, por exemplo, catu (bom) tem o comparativo catupiri (melhor) e o superlativo caturité (o melhor). Note-se que -eté pode significar não só o superlativo, mas também "verdadeiro e bom" (no sentido ontológico dos transcendentais, como quando se diz: "Amélia é que era mulher de verdade", ou que tal cheque "é bom para dia tal", isto é, vale, é em ato, a partir do dia tal). Em tupi, uma mesma palavra yaguar, designa de cachorro a onça. Mas yaguareté não significa cãozinho qualquer, mas somente a onça que é o yaguar-máximo, para valer, de verdade, eté. Já o contrário de -eté far-se-á com o sufixo -ran (ou rana). Ajuntar -ran pode significar - em primeiro lugar - mera semelhança, e é natural que uma língua primitiva como o tupi, construa muitos conceitos com base na parecença: cajarana (parece cajá), tatarana (parece fogo) etc. Mais interessante, porém, para este nosso estudo, é o significado derivado do sufixo -ran: parecido no sentido de falhado, fracassado, o que parece mas não é. Precisamente o oposto de -eté[25]. Um exemplo nos ajudará a comparar esse sentido de -ran com seu contrário, -eté. Terra é ibi; uma terra boa, fértil, onde basta lançar a semente e logo, sem maiores cuidados, ela germina, floresce e dá abundantes frutos é, naturalmente, ibi-eté. Já uma terra (mesmo trabalhada e adubada) em que a semente não

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vinga, é ibi-ran: parece terra, tem cor de terra, cheiro de terra, consistência de terra mas, na realidade, não é terra. Que tem tudo isto que ver com a moral clássica? Homem, em tupi, é aba. Um homem moralmente bom, honrado, digno é aba-eté (homem ao máximo, de verdade, ao superlativo, ultimum); já o canalha, o imoral é aba-ran: parece homem, mas não é. Tal como na concepção de Tomás.Como explicar a coincidência? Talvez pelo fato de ambos incidirem sobre um terceiro fator: a realidade!Metafísica tupi-2: Güera, Puera, Qüera. O filósofo ideal, diz T. S. Eliot, deveria estar familiarizado com todas as línguas. Não se trata aqui, naturalmente, da possibilidade - sem dúvida, do mais alto interesse para qualquer pesquisador - de ler as publicações estrangeiras da especialidade no original. Nesse sentido, o tupi não teria o menor relevo para o estudioso de filosofia. Mas, se aceitamos que o filosofar é um resgate das grandes experiências humanas que se condensam em linguagem comum, então não nos parecerá exagerada a sentença de Eliot. E, para nós, o tupi oferece um interesse adicional, na medida em que influenciou o português falado no Brasil. Na singeleza e transparência do tupi, encontram-se, como dizíamos, sugestivas peculiaridades filosóficas estranhas ao falante de línguas européias: é o caso da composição com güera. Ao ajuntar, a um substantivo x, a terminação -güera (qüera ou puera, de acordo com a eufonia), obtemos uma curiosa alteração semântica: x-güera é o que foi x, já não é mais (ao menos, em sentido próprio e rigoroso), mas preserva algo daquele x que um dia foi. Assim, anhangá é diabo, espírito com poderes; já anhangüera[26] é alguém que sem ser (mais) diabo, preserva algo do diabólico poder que um dia teve em plenitude. Ibirapuera é o que resta daquilo que um dia foi mata (Ibirá)[27]; Itaqüera, o mesmo para pedreira (ita, como se sabe, é pedra); e Piaçagüera é porto em ruínas, que já não se usa mais. A composição com -güera é freqüentíssima no tupi e está continuamente a recordar-nos - algo, hoje, tão esquecido - que há uma conexão entre o presente e o passado, entre o futuro e o presente; que há leis naturais regendo o desenvolvimento das coisas e que as ações têm conseqüências: projetam-se, deixam um rastro, um güera. Cutucagüera (cicatriz), por exemplo, faz lembrar, imediatamente, que aquele sinal no corpo é o que ficou como resíduo de uma espetada (cutuc é ferir com ponta);capuera, roça abandonada; tapuera (taba-puera), os escombros que lembram que aquilo um dia foi taba. De pay (como o índio chamava o padre), procede paycuera (o que deixou de ser padre) etc.[28]. O português não distingue a carne integrada no vivente, da que se vende no açougue; nem a pele do animal vivo da que está na bolsa ou artefato. Porém, para a sensibilidade, em face da natureza, que há no tupi: soó é a carne viva do animal, mas a que está na panela ou churrasqueira é algo diferente: é soóqüera; a pele, no corpo do animal vivo, é pi; uma vez extraída, porém, é pipera[29]. E peruca é abagüera (aba é

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cabelo vivo); enquanto de canga (osso), forma-se cangüera, ossada, esqueleto de animal e pepocoera é a pena (pepó), uma vez arrancada do pássaro. Interessante é observar que güera não se aplica só a realidades físicas (como aquelas com que, até aqui, temos exemplificado), mas também à realidade propriamente humana e até moral. Assim, mbaé tem o sentido amplo de coisa; já mbaépuera é somente intriga, fofoca, mexerico... Nheen é falar, a fala viva da voz - forma originária de toda comunicação -, nheengüera é o recado, o escrito. Dizíamos que esta articulação x-güera do tupi pode ser de grande alcance moral. A ética clássica ocidental apóia-se na constatação de que o ato humano não se esgota no momento em que a ação foi praticada; projeta-se, criando na alma, uma pré-disposição (um güera) para o vício ou para a virtude. Precisamente este é um dos sentidos de güera: o hábito, a disposição para praticar novos atos no sentido dos anteriores. Assim, o viciado em aguardente (kauim) é kaugüera; o metido a falar éjurugüera (juru é boca); o risonho, pukagüera etc.[30]. E também o conceito filosófico-teológico de reato de culpa poderia ser - se S. Tomás tivesse conhecido o tupi - facilmente caracterizado como pecado-güera.Metafísica tupi-3: Putári / cy No clássico pensamento ocidental, há, por assim dizer, dois níveis de querer, naquele sentido de que fala Platão no Górgias: o homem injusto que faz o que "quer", mas não faz o que quer. Assim, uma conduta egoísta, interesseira, motivada pelo afã de poder, injusta, por muito que possa favorecer as realizações periféricas do ser humano, necessariamente não conduz à realização fundamental: a do ser. Com isto se diz que não somos senhores daquele querer mais profundamente enraizado no coração humano: querer ser feliz. E que, pela criação, já estão previamente traçadas as diretrizes fundamentais dessa nossa realização. Em outras palavras, por natureza, isto é, por nascença, o homem já conta com uma dinâmica apetitiva fundamental que o move em busca de sua plenitude. Nossa liberdade só atua no outro nível: o das decisões aqui e agora que - mais ou menos acertadamente - traduzem em ação, aquela inclinação natural[31]. Evidentemente, cada passo neste nível pode ser um passo que nos aproxime ou nos afaste (conforme a ação seja boa ou má) daquela realização definitiva e profunda, à qual, por natureza, estamos chamados. No que se refere ao nível fundamental, Tomás afirma: "querer ser feliz não é objeto de livre escolha" e "o homem, por natureza e necessariamente, quer a felicidade"[32]. Não é, pois, de estranhar que classicamente se compare a busca da felicidade às necessidades naturais de beber e comer[33]. Precisamente essa não-possibilidade de escolha sobre o fim último da existência, essa anterioridade (o homem já está lançado em busca do seu bem objetivo), é um dos pontos chaves da cosmovisão de S. Tomás. Porém, ao traduzir a realidade em linguagem, não encontramos nas línguas européias, reflexos nítidos dessa dualidade de níveis: dizemos indiscriminadamente: "eu quero isto", "eu quero aquilo", "eu quero um sorvete de creme" ou "eu quero ser feliz".

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Uma vez mais, como faz notar Couto de Magalhães[34], encontramos agudas intuições metafísicas na língua tupi. O tupi vale-se, muito freqüentemente, do verboputári (querer, desejar): Xa u putári pirá, eu quero comer peixe; ou Xa u putári soóqüera, eu quero comer carne. E putári percorre um mais amplo espectro de desejos[35], sendo mesmo levado a extremos semânticos e inclusive ao superlativo putári-reté: quero muito mesmo, preciso disto. Quando, porém, se trata de desejo que é fruto não de escolha, mas de imposição da natureza, então não dizem putári mas cy ou cey, palavras que indicam dor, desestruturação do ser[36], se a necessidade não for satisfeita: Xa iumacy, quero comer (não já comer isto ou aquilo, peixe ou carne, mas a necessidade natural de alimentar-me). Igualmente, ter sede é y cey e não putári. Com esta distinção do tupi, é-nos muito mais fácil conceber e expressar a bem-aventurança humana que, como se sabe, já foi descrita como coroamento da fome e sede... de verdade e justiça.Metafísica tupi-4: Poranga/Catu - O transcendental belo Bom, em tupi, é catu; belo, poranga (ou porã, em guarani). Duas palavras que aos brasileiros são familiares, especialmente a última, pelos topônimos, como por exemplo, Botucatu (vento bom, bons ares); Ponta-Porã (híbrida: ponta bonita). E há, pelo menos, oito estados[37] com cidade chamada Itaporanga. No tupi descrito por Couto Magalhães, há uma interessante peculiaridade, assim descrita por esse autor: "Em vez de dizerem alguma coisa boa, eles dizem alguma coisa bonita (poranga). Bondade física para eles é o mesmo que boniteza e vice-versa. A palavra catu, bom, exprime ou qualidades morais ou bondade que não se veja, como a de uma planta eficaz para uma moléstia"[38]. E, assim, uma vez mais, a língua indígena vem ao encontro da filosofia de S. Tomás. O belo é um transcendental do ser, algo idêntico (na coisa) ao ente (e ao bem), e com ele conversível[39], embora tenha uma razão de definição diferente: "O belo é idêntico ao bem, só dele difere pelo aspecto que enfatiza"[40]. E este algo, que o belo acrescenta ao bem, é uma certa relação com o conhecimento: neste ponto, S. Tomás faz notar (sempre a linguagem comum!) que dentre as coisas sensíveis, chamamos belo ao que vemos e ouvimos (um quadro belo, uma melodia bela), mas não aos aromas ou sabores. E conclui: "Chama-se bem ao que absolutamente (simpliciter) apraz ao apetite; belo àquilo cuja apreensão nos apraz"[41]. Essa intuição metafísica do tupi, curiosamente ocorre também - embora seja menos evidente - nas línguas latinas e, especialmente, no português: "bonito" e "belo" são ambos derivados de "bom" (e acabaram por suplantar "pulcher", cuja forma portuguesa, "pulcro", também caiu em desuso na linguagem corrente). Ensinam Ernout e Meillet[42] que bellus nada mais é do que um diminutivo familiar de bom, empregado em todas as épocas (inicialmente aplicado somente a mulheres e crianças - algo assim como o pretty inglês) e, por seu caráter afetivo, acabou por superar pulcher na língua do povo. Se, no tupi, "bonito" ocupa parte do espaço semântico de "bom", no português, são formas originariamente afetivas e derivadas de "bom" que expressam o bonito.

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Nos dois casos, o fundamento é o mesmo: que, na realidade, bom e belo são idênticos[43], diferenciando-se apenas no apelo que o belo faz ao conhecimento de formas[44], daquilo que, portanto, é formoso.BibliografiaCANNECATTIM, Fr. Bernardo M. Língua Bunda ou Angolense e Diccionário Abbreviado da língua Congueza, Lisboa, Impressão Régia, 1805.CISCATO, Elia Masiposhipo, proverbi, detti, espressioni idiomatiche del popolo lomwe, Milano, Segr. Missioni.JAHN, Janheinz Muntu: Las culturas neoafricanas, México-Buenos Aires, F. de Cult. Econ., 1963.KAGAME, Alexis La philosophie Bantu comparée, Paris, Présence Africaine, 1976.KUKANDA, Vatomene Esquisse Grammaticale du Kimbundu, (diss.) Univ. Nationale du Zaire, 1974.MARTINS VAZ, J. Filosofia Tradicional dos Cabindas (volume II), Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1970.MARTINS, Joaquim Sabedoria Cabinda. Símbolos e Provérbios, Lisboa, Junta de Investigações de Ultramar,1968.MENDONÇA, Renato A influência africana no Português do Brasil, 4a. ed. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1973.MUKENDI, Ntite "Langues Africaines et vision du monde" art. publ. em Présence Africaine, 103, 3o. trim., 1977.QUINTÃO, José Luiz Gramática de Kimbundo, Lisboa, Descobrimento, 1936.TEMPELS, Placide La philosophie bantoue, Paris, Présence Africaine, 1965, (orig. holand. 1948).VALENTE, José Francisco Gramática Umbundu, Lisboa, Junta de Investigações de Ultramar, 1964.

[1]. Falado em certas regiões de Angola. Referir-nos-emos também a duas outras línguas angolanas: o umbundu e o kiuoio. A coletânea de provérbios de Elia Ciscato refere-se ao povo lomwe, de Moçambique.[2]. Esse confronto com o pensamento europeu é tema tratado por autores como Kagame, Tempels e Jahn. Todos os autores e lexicógrafos citados neste estudo, encontram-se na Bibliografia apresentada ao final. Citaremos pelo sobrenome, seguido da página (quando não indicarmos a página, trata-se de referência a dicionários ou listas em ordem alfabética). O livro de Joaquim Martins será abreviado por JM.[3]. Este fato é independente das diversas interpretações sobre o verdadeiro modo bantu de compreender a realidade. Como se sabe, há diversas teorias a esse respeito. A realidade, para os bantus, na interpretação pioneira de Tempels (cap. II), está centrada não no ser, mas na força, na força vital: "Para o bantu, a força não é um acidente; é muito mais até do que um acidente necessário, é a própria essência do ser em si". Já Kagame (pp. 210 e ss.) faz sérias críticas à teoria da "força vital".4. Advirta-se, desde logo, que o observador europeu ou americano encontrará nessas classes muitas "exceções", intromissões e permeabilidades inter-classes, imprevistas

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para quem supõe que uma lógica fria devesse prevalecer sobre o dinamismo da língua e, principalmente, para quem ignora o fenômeno da formação de palavras por extensão de sentido, ou ainda o particular ângulo de observação do homem africano.[5]. Para além desta primeira divisão em dez classes, há o que Kagame designa por "quatro noções unificadoras últimas" que, por sua vez, remetem a uma única raiz transcendental: -ntu, ser (Kagame, 121 e ss.). Em Jahn (136-142) pode-se encontrar um resumo das interpretações da filosofia subjacente à linguagem bantu (suas classes e categorias). Jahn segue as teses de Kagame procurando compatibilizá-las com Tempels. As quatro "noções unificadoras últimas" - misto de ser, força e substância - são assim apresentadas por Jahn: "Muntu = homem, Kintu = coisa, Hantu = lugar e tempo, Kuntu = modalidade. São as quatro categorias da filosofia africana. Tudo o que é, todo ente, qualquer que seja a forma sob a qual se apresente, pode se incluir numa destas quatro categorias. Fora delas, nào há nada de imaginável. Ntu é a força universal em si, mas que jamais aparece separada de suas formas fenomênicas: Muntu, Kintu, Hantu e Kuntu" (Jahn, 136-137).[6]. Palavras da 6a. e da 7a. classes são muito raras. Já a nona classe interessar-nos-á particularmente. Apresentamos um estudo um pouco mais detalhado, do ponto de vista da língua, em "Linguagem-Filosofia Bantu e Tomás de Aquino", Cadernos de História e Filosofia da Educação, EDF- FEUSP vol I, No.1. 1993, pp. 15-28.[7]. Em kimbundo, kuamua (Quintão 34, 77), ou em umbundu, kamwa (Valente, 396) é a forma passiva de mamar, chupar. Muleke - menino (Cannecattim, 193).[8]. Ku (ao contrário de ki, 3a. classe, que aponta para ação intermitente) indica ação contínua. Nesses termos verbais, o classificador ku não é conjugado. Da 8a. classe procedem diversas palavras. Nos exemplos que seguem, omitiremos, por vezes, o ku.[9]. Boa parte dos conceitos apresentados neste tópico recolhem idéias do excelente capítulo de Josef Pieper "Was heisst Gott Spricht?" in Über die Schwierigkeit heute zu Glauben, München, Kösel, 1974, que deve ser consultado para uma exposição mais ampla do assunto.[10]. Deus fala, gerando eternamente o Verbo; fala também na inspiração ou na iluminação mística do homem, hagiógrafo ou profeta; fala ainda, pela luz da fé que nos faz reconhecer na Sagrada Escritura e na Tradição, a palavra do Senhor, verbum Domini. Fala de Deus, em um outro sentido, é a Encarnação do Verbo, com que a Palavra de Deus aos homens encontra sua máxima realização (cfr. Hbr I, 1).[11]. Imprecisa, pois num caso trata-se de realidade natural projetada pela Inteligência divina, e no outro, de um objeto artificial projetado pelo homem.[12]. Inteligentemente o designer articulou a pedra, a mola, o gás etc.[13]. Não por acaso, Tomás considera que inteligência é intus-legere ("ler dentro"): a ratio do conceito na mente é a ratio "lida" no íntimo da realidade.[14]. Infinitas, no caso do ato criador de Deus.[15]. O conceito, a idéia.[16]. Ou melhor, "principial".[17]. À primeira vista, surpreende que Kalunga, Deus, seja da 10a. clas-se (a dos diminutivos, ka). Na verdade, o africano, muitas vezes, vale-se do diminutivo para aumentar.

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[18]. Forma muito comum às línguas bantu. Como já vimos em tópico anterior, ngambi é o linguarudo; e samba é orar: oração, também em latim, procede de os, oris: boca.[19]. O N, como dizíamos, é o prefixo da 9a. classe que significa: aquele que, por excelência,...[20]. A transformação do a final de amba no i de Nzambi é absolutamente exigida pela fonética[21]. Muluku (cfr. EC, p. 86) é transcendente (e, ao mesmo tempo, imanente) livre e soberano, eixo profundo da moral e da religião, presidindo a vida, a consciência e a natureza.[22]. Note-se, no original, que o radical amb se repete por três vezes.[23]. Cit. por Kagame, p. 245[24]. Dentre as expressões idiomáticas dos lomwe, destacamos: Orú-wana etchekú (EC, 1625), girar o coração ("mudar de atitude"). É interessante observar que também na tradição bíblica e oriental, o coração é um girador. Em árabe, esta concepção verifica-se até etimologicamente: qalb, coração procede do verbo qalaba: virar, girar, oscilar. Daí que o ser humano, girando em seu centro volitivo e existencial, seja inconstante: ora volta-se para uma coisa; ora, para outra... Também a nossa canção popular registra o verso: "Ai, gira, girou, meu coração navegador...".[25]. Contou-me Dito Quevedo, futebolista matogrossense (que também jogou no Paraguai), que quando um jogador perde um "gol feito" por querer "enfeitar", a torcida de seu time (entre muitas outras coisas...) o chama de Peré-ran: um Pelé que não deu certo, um pseudo-Pelé, que parece Pelé mas não é, um Pelé falhado.[26]. Salvo quando explicitamente citarmos outra fonte, os termos tupis a que referimos, podem ser encontrados em Silveira Bueno Vocabulário tupi-guarani-português, S. Paulo, Brasilivros, 3a. ed., 1984.[27]. Ibirá ou Ubirá (lembre-se que o U tupi -ü- é grafado i ou u em português), como por exemplo em Ubirajara - senhor da mata).[28]. Nem sempre güera indica decomposição ou corrupção, como até aqui indicam os exemplos; pode-se deixar de ser o que foi, preservan-do algo, em outro estado transformado: por exemplo ypuera é suco de fruta; manipuera, suco de mandioca.[29]. Estes exemplos encontram-se no curso de Tupi que se apresenta em Couto de Magalhães O Selvagem, ed. fac-sim. Edusp-Itatiaia, 1976, p. 12.[30]. Edelweiss, F. Estudos tupis e guaranis. Rio, Brasiliana, 1969, pp. 258-259.[31]. Há, portanto, uma dúplice voluntariedade: a necessária, no primeiro nível; a de escolha, no segundo.[32]. I, 18, 10 e I, 94, 1 resp.[33]. Cfr. por exemplo Pieper Glück und Kontemplation. cap. VI.[34]. Op. cit. pp. 81, 84-85.[35]. Nas lendas indígenas recolhidas por Couto de Magalhães, mesmo o ardente desejo de relações sexuais é expresso por putári.[36]. No inglês, encontramos o sugestivo advérbio badly, para necessidades prementes.[37]. BA, GO, MS, PB, SP, SE, MG, CE; ocorrendo por vezes as variantes: Itapurã ou Itapuranga.[38]. Op. cit. p. 65-66.

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[39]. S. Tomás S. Theol. I-II, 27, 1, ad 3.[40]. Ibidem, loc. cit.[41]. Ibidem, loc. cit.[42]. Verbete bonus. Dictionnaire Etynologique de la Langue Latine, Paris, Klinksieck, 1951, 3éme ed..[43]. Na linguagem que se dirige às crianças, é freqüente designar o mal (sobretudo o mal moral, real embora invisível) pela sua versão sensível: "Não mente que é feio", ou ironicamente "Muito bonito! Foi assim que a mamãe ensinou?"[44]. Formas que, por sua vez, remetem, em última instância, ao ser.

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2- Ìmòye ubuntu ( Filosofia ubuntu)

Ubuntu, uma “alternativa ecopolítica” à globalização econômica neoliberalA ética do ubuntu se pronuncia contra uma interpretação ideológica capitalista da realidade. Sua filosofia nativa espiritual está em maior consonância com a Terra, suas criaturas e suas formas vivas, afirma a educadora sul-africana Dalene Swanson

Por: Por Moisés Sbardelotto | Tradução Luís Marcos Sander

Página 1 de 2Reconhecido como “um sistema de crenças, uma epistemologia, uma ética coletiva e uma filosofia humanista espiritual do sul da África”, o ubuntu é, em suma, “uma forma ética de conhecer e de ser em comunidade”. Essa é a opinião da doutora em Educação nascida na África do Sul e hoje residente no Canadá, Dalene Swanson.

Professora adjunta da University of British Columbia, em Vancouver, e de Alberta, em Edmonton, ambas no Canadá,Dalene encontra no ubuntu uma das formas de

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“humanismo africano”. Mas, diferentemente da filosofia ocidentalderivada do racionalismo iluminista, “o ubuntu não coloca o indivíduo no centro de uma concepção de ser humano”: “A pessoa só é humana – explica – por meio de sua pertença a um coletivo humano; a humanidade de uma pessoa é definida por meio de sua humanidade para com os outros”.

O ubuntu, afirma Dalene, “é uma expressão viva de uma alternativa ecopolítica” e também “a antítese do materialismo capitalista”. Mas hoje, diz, a industrialização, a urbanização e a globalização crescentes ameaçam corromper esse modo de ser africano tradicional, pois o ubuntu se posiciona “contra essa interpretação ideológica da realidade por meio de uma filosofia nativa espiritual que está em maior consonância com a Terra, suas criaturas e suas formas vivas, e isso diz respeito a toda a humanidade em toda parte”.

Dalene Swanson é professora adjunta da Faculdade de Educação das University of British Columbia, em Vancouver, e de Alberta, em Edmonton, Canadá. Nascida na África do Sul, é membro associada do Centre for Culture, Identity and Education da University of British Columbia. É doutora em Educação pela University of British Columbia, com a pesquisa Voices in the Silence: Narratives of disadvantage, social context and school mathematics in post-apartheid South Africa. Sua tese lhe garantiu diversos prêmios de excelência, dentre eles o Canadian Association of Curriculum Studies Award de 2005; o prêmio Ted T. Aoki, do mesmo ano; e o American Educational Research Association Award de 2006. Dentre outras publicações, é autora do capítulo Where have all the fishes gone?: Living ubuntu as an ethics of research and pedagogical engagement, do livro In the Spirit of ubuntu: Stories of Teaching and Research [No espírito do ubuntu: Histórias de ensino e pesquisa] (Sense Publications, 2009).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Fala-se do ubuntu como uma noção filosófica, um conceito abstrato, um fundamento ético ou uma ideologia nacionalista africana. Afinal, o que é ubuntu?

Dalene Swanson – Ubuntu é um sistema de crenças, uma epistemologia, uma ética coletiva e uma filosofia humanista espiritual do sul da África. Dentre as quatro categorias que você menciona na pergunta, o ubuntu é mais um fundamento ético coletivo (ou um sistema de crenças) do que qualquer outra coisa, embora também seja considerado uma forma de filosofia e epistemologia africanas nativas. É uma forma ética de conhecer e de ser em comunidade. Nesse sentido, é uma forma de humanismo africano. É muito menos um conceito abstrato do que uma expressão coletiva cotidiana de experiências vividas, centradas em uma ética comunitária do que significa ser humano.

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Em Swanson (2007) , eu o descrevi da seguinte maneira: “Ubuntu é uma abreviação de um provérbio isiXhosa da África do Sul, proveniente de Umuntu ngumuntu ngabantu: uma pessoa é uma pessoa por meio de seu relacionamento com outros. O ubuntu é reconhecido como a filosofia africana do humanismo, ligando o indivíduo ao coletivo através da ‘fraternidade’ ou da ‘sororidade’. Ele dá uma contribuição fundamental às ‘formas nativas de conhecer e ser’. Com ênfases históricas diversificadas e (re) contextualizações ao longo do tempo e do espaço, é considerado uma forma espiritual de ser no contexto sociopolítico mais amplo do sul da África. Essa abordagem não é apenas uma expressão de uma filosofia espiritual em seu sentido teológico e teórico, mas uma expressão da vivência cotidiana. Isto é, uma forma de conhecimento que fomenta uma jornada rumo a ‘tornar-se humano’ (VANIER, 1998) ou ‘que nos torna humanos’ (TUTU, 1999) , ou, em seu sentido coletivo, uma maior humanidade que transcende a alteridade de todas as formas” (p. 55).

IHU On-Line – Sendo o ubuntu, portanto, uma filosofia do humanismo africano, qual o significado e o valor do ser humano dentro desse contexto?

Dalene Swanson – Diferentemente da filosofia ocidental derivada do racionalismo iluminista, o ubuntu não coloca o indivíduo no centro de uma concepção de ser humano. Este é todo o sentido do ubuntu e do humanismo africano. A pessoa só é humana por meio de sua pertença a um coletivo humano; a humanidade de uma pessoa é definida por meio de sua humanidade para com os outros; uma pessoa existe por meio da existência dos outros em relação inextricável consigo mesma, mas o valor de sua humanidade está diretamente relacionado à forma como ela apoia ativamente a humanidade e a dignidade dos outros; a humanidade de uma pessoa é definida por seu compromisso ético com sua irmã e seu irmão.

IHU On-Line – Quais são as origens culturais e históricas do ubuntu?

Dalene Swanson – O ubuntu tem sido uma expressão vivida de uma filosofia coletiva ética entre os povos sul-africanos há séculos. Ele também tem expressões linguísticas e vividas em outros povos africanos mais ao norte. Nesse sentido, é uma das normas culturais mais poderosas e universais que vinculam as pessoas em todo o continente e transcende línguas, tribos e locais como uma ética humana coletiva.Em Swanson (2007), afirmei: “Da forma como cheguei a entender o conceito, o ubuntu nasce da filosofia de que a força da comunidade vem do apoio comunitário e de que a dignidade e a identidade são alcançadas por meio do mutualismo, da empatia, da generosidade e do compromisso comunitário. O adágio de que “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança” está alinhado com o espírito e a intenção do ubuntu. Assim como o apartheid ameaçava corroer esse modo de ser africano tradicional – embora, em alguns casos, ele ironicamente o fortaleceu ao galvanizar o apoio coletivo e ao criar solidariedade entre os oprimidos –, da mesma forma a industrialização, a urbanização e a globalização crescentes ameaçam fazer o mesmo (p. 53-54)”.

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IHU On-Line – Quais aspectos o ubuntu pode ajudar a aprofundar na ética ocidental? O que ele pode ensinar a outras tradições e culturas?

Dalene Swanson – Este é um ponto crucial. Vivemos em uma era de globalização econômica neoliberal profundamente perturbadora. Nossas pautas de desenvolvimento foram sequestradas por esse modelo econômico que se apresenta como a forma “certa” ou única de promover o desenvolvimento. Moldado por relações capitalistas de produção, esse modelo é subscrito pelo materialismo, pelo individualismo e pela competição, e normaliza uma elite rica sobre os pobres privados de direitos (em que a raça, a classe, a nacionalidade, o gênero, a etnia e o credo estão, na maioria das vezes, envolvidos diferencialmente). Para maximizar os lucros, pensa-se que algo tem de ser explorado. Em termos geopolíticos, isso assume a forma de uma subclasse humana, mas, em termos ecológicos, também inclui a devastação do meio ambiente em sua esteira. O discurso prevalecente apoiaria isso como um direito e uma exigência necessária da segurança econômica nacional.

Uma ética do ubuntu se pronunciaria contra essa interpretação ideológica da realidade por meio de uma filosofia nativa espiritual que está em maior consonância com a Terra, suas criaturas e suas formas vivas, e isso diz respeito a toda a humanidade em toda parte. Visto que o princípio central do ubuntu é o respeito mútuo, ele está em consonância com a epistemologia africana de modo mais geral, que é circular em sua compreensão e, consequentemente, está mais em harmonia ecológica com a Terra do que a epistemologia do racionalismo ocidental, que é linear, exploradora e insustentável. Portanto, o ubuntu tem uma contribuição crítica a dar não só para uma filosofia nativa interconectada globalmente, mas como uma abordagem contra-hegemônica a uma cosmovisão globalizante que exalta a riqueza material às custas da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica.

Discursivamente, a globalização econômica torna as alternativas não existentes. O ubuntu, como contribuição para uma filosofia nativa, é uma expressão viva de uma alternativa ecopolítica. Em um mundo crescentemente movido a vigilância, o futuro dos direitos humanos (e ecológicos), da dignidade humana e da sobrevivência de nosso planeta em termos amplos dependem de noções filosóficas e ideológicas nativas como o ubuntu.IHU On-Line – Como a ética do ubuntu se relaciona com a noção africana de comunidade, autonomia e descolonização?

Dalene Swanson – O ubuntu é central para uma noção de comunidade, não em um sentido simplista de “comunitarismo primitivo”, mas comunidade em termos de solidariedade com os estão sendo oprimidos e cuidado e preocupação sinceros pelo próximo, independentemente de classe, casta, credo ou circunstância. Essa é uma ética de responsabilidade pelo “Outro” em termos de ubuntu, e testemunhar ou participar da diminuição da humanidade do outro equivale à diminuição de sua própria humanidade.

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Você menciona a palavra “autonomia”. Não creio que este seja um critério crucial do ubuntu. A autonomia sugere uma separação de alguma outra coisa. Se nós respeitamos a humanidade do outro, de qualquer outro, não podemos estar separados de sua humanidade. O ubuntu sugere que nós estamos sempre inextricavelmente conectados com outro ser humano – todos os outros seres humanos, que definem a nossa própria humanidade. Suponho que você considere que a “autonomia” entre em jogo no sentido de sugerir solidariedade. Sim, o ubuntu teve certa importância na solidariedade antiapartheid na África do Sul. Ser solidário com outro ser oprimido, nesse sentido, constituiria um envolvimento com o ubuntu. E, como extrapolação disso, ele tem muito a ver com a descolonização. Dessa forma, sua importância para com a descolonização não tem tanto a ver com a resistência a um poder colonial em uma frente nacional, como tem sido o legado da África, mas agora também a novas formas de colonialismo através da globalização econômica neoliberal e uma agenda de desenvolvimento cuja estrutura ideológica é definida dentro dos moldes político-econômicos dos poderes imperiais.

Creio que é preciso ser cuidadoso para não homogeneizar “a sociedade africana” e falar dela inteiramente em termos de “déficit”. Nem toda a sociedade africana é marcada por “violência e pobreza”. Essa terminologia também sugere que as sociedades não africanas talvez não sejam marcadas por violência e pobreza, ou o sejam menos. Há muita violência na América do Norte, por exemplo. A natureza e a extensão podem ser diferentes, mas o capitalismo pode ser uma ideologia muito violenta. Embora uma parte dessa violência talvez seja simbólica, ela é, não obstante, altamente destrutiva e cúmplice na negação da dignidade e dos direitos de muitos.

A África também tem muito a se orgulhar em termos de sua beleza e presença, mas também da beleza, resiliência, compaixão e humanidade de muitos de seus povos. Além disso, há muitas profundas contribuições e inovações epistemológicas históricas e contemporâneas que vieram e que estão vindo da África. Em muitos casos, ela também ostenta sofisticação e criatividade industrial e tecnológica, embora isso raramente seja reconhecido através das lentes dos poderes dominantes e dos discursos hegemônicos.

Não obstante, voltando à sua pergunta, segue-se o que escrevi em Swanson (2007), a respeito do papel do ubuntu na Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul pós-apartheid: “O ganhador do prêmio Nobel, o arcebispo Desmond Mpilo Tutu , que, em 1995, tornou-se o presidente da Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul pós-apartheid, era um vigoroso defensor da filosofia e do poder espiritual do ubuntu na recuperação da ‘verdade’ por meio de narrativas das atrocidades da era do apartheid. Ele também o viu como necessário nos processos mais importantes e subsequentes de perdão, reconciliação, transcendência e cura que surgem por meio do processo catártico de dizer a verdade. Nesse sentido, o alcance das noções de ‘verdade’ com relação ao mandato da Comissão de Verdade e Reconciliação superava uma noção forense de ‘descoberta da verdade’ para incluir três outras noções de busca da verdade que abrangiam a verdade pessoal ou narrativa, a verdade social ou dialógica e a verdade curativa ou restauradora (MARX, 2002, p. 51) . Uma percepção da epistemologia

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africana ressoa por essas postulações da ‘verdade’ em sua formulação e exposição. Como linha filosófica da epistemologia africana, o ubuntu foca as relações humanas, atentando para a consciência moral e espiritual do que significa ser humano e estar em relação com um Outro. Isso se expressa no anúncio da Comissão de que ele ‘desloca o foco primordial do crime, passando da violação das leis ou infrações contra um Estado sem rosto para uma percepção do crime como violações contra seres humanos, como dano ou mal feito a outra pessoa’ (apud Marx, 2002, p. 51). Mais uma vez, o imperativo da busca da verdade por parte da Comissão é sustentado por uma concepção da epistemologia africana e do ubuntu em sua incorporação da verdade pessoal ou narrativa, da verdade social ou dialógica e da verdade curativa ou restauradora (p. 53)”.

3- Origem africana da filosofia: mito ou realidade?

A Filosofia é uma origem Africana - Dr Molefi Kete Asant

postando em 1º de março de 2010Um Origem Africano de Filosofia: Mito ou Realidade?por Dr. Molefi Kete Asante pelo Dr. Molefi Kete Asante(First Published in City Press, July, 2004) (First published in City Press, julho de 2004)Existe uma crença comum entre os brancos que a filosofia tem origem com os gregos. A idéia é tão comum que quase todos os livros sobre filosofia começa com os gregos, como se os gregos pré-datado de todas as outras pessoas quando se tratava de discussão de conceitos de beleza, arte, números, a escultura, a medicina de organização social. Na verdade, esse dogma ocupa a posição principal nas academias do mundo ocidental, incluindo as universidades e academias da África. É algo como isto:A filosofia é a maior disciplina. Todas as outras disciplinas são derivadas da filosofia. A filosofia é a criação dos gregos. Os gregos são brancos, Portanto, os brancos são os criadores da filosofia.Na opinião deste dogma, outras pessoas e culturas podem contribuir pensamentos, como o chinês, Confúcio, mas os pensamentos não são filosofia, só os gregos podem contribuir para a filosofia. O Africano as pessoas podem ter a religião e os mitos, mas

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não filosofia, de acordo com este raciocínio. Assim, esta noção de privilégios que os gregos como os autores da filosofia, a mais alta das ciências.Há um problema sério com esta linha de raciocínio. A informação é falsa. No que diz respeito bolsa pode revelar a origem da palavra filosofia não está no idioma grego, embora o Inglês vem do grego. De acordo com dicionários de etimologia grega a origem da palavra é desconhecida. Mas isso é se você estiver procurando a origem na Europa. A maioria dos europeus que escrevem livros sobre a etimologia não consideram Zulu, xhosa, ioruba, ou amárico, quando chegar a uma conclusão sobre o que é conhecido ou desconhecido. Eles nunca acham que um termo usado por uma língua europeiapode ter vindo da África. Existem duas partes para a palavra filosofia que nos vem do grego, "Philo irmão significado" ou amante e "Sophia significa sabedoria" ou sábios. Assim, um filósofo é chamado de um "amante da sabedoria." A origem de "Sophia" é claramente na língua Africano, MDU Ntr, a língua do antigo Egito, onde a palavra "Seba", que significa "o sábio" aparece em primeiro lugar em 2052 aC, no túmulo de Antef eu, muito antes da existência da Grécia ou grego. A palavra tornou-se "Sebo" em copta e "Sophia", em grego. Como o filósofo, o amante da sabedoria, que é precisamente o que se entende por "Seba", o Sábio, nos escritos tumba antiga dos egípcios. Diodoro da Sicília, o escritor grego, na sua Em Egito, escrito no século I antes de Cristo, diz que muitos que estão "celebrada entre os gregos para a inteligência e aprendizagem, arriscou para o Egito nos tempos antigos, que eles possam participar dos costumes, amostra e os ensinamentos ali. Para os sacerdotes do Egito citar em seus registros nos livros sagrados que nos tempos antigos eles foram visitados por Orfeu e Musaeus, Melampos, Dédalos, além do poeta Homero, Licurgo de Esparta, Sólon de Atenas, e Platão o filósofo Pitágoras de Samos e Eudoxos matemático, bem como Demócrito de Abdera e Oenopides de Chios, também chegou lá. "Obviamente, muitos gregos que aprendeu filosofia aventurou-se a África para estudar. Eles vieram para muitas razões intelectual. Pode-se ver que os gregos apreciaram o fato de que no Egito eram homens e mulheres de grande habilidade e conhecimento assim como os egípcios apreciaram o fato de que havia homens e mulheres de maior conhecimento na Etiópia.Segundo Heródoto, escrito no século 5 aC, no Livro II da História, os etíopes, disse que os egípcios não eram nada, mas uma colônia dos etíopes. Claro, hoje ainda há todo um sistema de descrença sobre a história, experiências e conhecimentos dos povos da África, criado durante os últimos quinhentos anos da conquista européia. A retórica de negação da capacidade da África foi desenvolvida para acompanhar a desapropriação da África. Isto foi feito para ir junto com a conquista européia da África, Ásia e América. A colonização não foi apenas uma questão de terra, era uma questão da colonização informações sobre a terra. Mas eu sou da opinião que os antigos sabiam melhor do que os estudiosos contemporâneos sobre a importância da não-africanos que estudam na África.Não havia nenhuma Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Estados Unidos, Espanha ou a falar de quando os gregos começaram a viajar para a África para seus estudos. Na verdade, eles foram para a África e depois eles voltaram para a Grécia criou o grego Golden Era. Não era antes, mas depois de terem estudado no Egito que essas pessoas

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fizeram algum treinamento avançado. O que estou dizendo é que eles tiveram que vir para a África e estudar com os sábios do antigo Egito, que eram negros, a fim de ser capaz de aprender medicina, matemática, geometria, arte, e assim por diante. Isso foi muito antes de existir qualquer civilização européia.Por que o estudo de filósofos gregos na África? Thales, o primeiro filósofo grego e o primeiro que é gravado ter estudado na África, diz que aprendeu a filosofia dos egípcios. Eles estudaram no Egito, porque foi a capital educacional do mundo antigo. Pitágoras é conhecido por ter gasto, no mínimo, vinte e dois anos na África. Pode-se obter uma educação bastante boa em vinte e dois anos, talvez até ganhar um doutorado! Os gregos buscavam a informação filosófica que os africanos possuíam. Quando Isócrates escreveu sobre os seus estudos no Busirus livro, ele disse que "Estudei filosofia e medicina no Egito." Ele não estudou estes assuntos na Grécia, na Europa, mas no Egito, na África. Não só é a filosofia grega da palavra não, a prática da filosofia existia muito antes dos gregos. Imhotep, Ptahhotep, Amenemhat, Merikare, Duauf, Amenhotep, filho de Hapu, Akhenaton, eo sábio de Khunanup, são apenas alguns dos filósofos Africano, que viveu muito antes de existir uma Grécia ou um filósofo grego.Quando os africanos terminaram de construir as pirâmides em 2500 aC se fosse mil setecentos anos antes de Homero, o primeiro escritor grego, aparece! E quando ele aparece e começa a escrever A Ilíada ele não passar muito tempo antes que ele está escrevendo sobre o que aconteceu em África, ou o que estava acontecendo na África. Os deuses gregos estavam reunidos na Etiópia. Homero é dito que passou sete anos na África. O que ele poderia ter aprendido nas aulas com os professores sábios? Ele poderia ter aprendido direito, filosofia, religião, astronomia, literatura, política e medicina.Os africanos não esperou para os gregos, para descobrir como construir as pirâmides. Você pode ver os egípcios em pé em volta das pedreiras ou nas margens do Nilo, no ano 2500 aC especulando sobre quando alguns europeus viriam sozinhos e ajudá-los a medida da terra, calcular largura, largura e profundidade, determinar a exata helicoidal crescente de Serpet (Sirius) e as inundações do Nilo, ou diagnosticar as doenças do corpo humano.Segundo Heródoto, nas Histórias, Livro II, o Colchians eram egípcios "porque como os egípcios tinham a pele negra e cabelo lanoso." Aristóteles diz em Physiognomonica que "os egípcios e os etíopes são muito negro".Liderado pelo Faraó de História Africano, Cheikh Anta Diop, um novo quadro de estudiosos surgiu para desafiar todas as mentiras que foram ditas sobre a África e sobre os africanos. Eles são os que, como o poeta Haki Madhubuti diz, andar em direção ao medo, não longe dele. They are the real standards for courage and commitment. Eles são os padrões reais de coragem e compromisso.Numa conferência de 1974 patrocinado pela UNESCO importantes sobre o povoamento "do Egito", no Cairo, dois negros, Diop e Théophile Obenga, caminhou em direção a medo e, quando acabou de entregar seus documentos haviam quebrado todas as mentiras que foram ditas sobre os africanos. Usando a ciência, lingüística, antropologia e história, estes dois gigantes intelectuais demonstrou que os antigos egípcios eram

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negros Eles usaram um teste de melanina na pele de uma múmia, a arte das paredes dos túmulos, correspondências para outras línguas Africano, e os testemunhos de os antigos.É tão interessante para mim que os antigos gregos sabiam muito melhor do que a safra atual de europeus que pontificar sobre o assunto que os antigos egípcios, muito antes da chegada dos gregos, romanos, árabes e turcos para o Egito, eram africanos, de fato , africanos de pele negra.Aristóteles, o filósofo, escreveu em seu livro, Physiognomonica, que "os etíopes um egípcios são muito negro". Heródoto acrescenta que os antigos egípcios tinham "pele negra e cabelos wooly".A cor dos antigos egípcios não se importa, que só surge porque uma pessoa sempre encontra alguns brancos que se dedica à proposição de que os africanos não poderiam ter construído as pirâmides e, especialmente, negros africanos. Claro, todo mundo deve saber que os egípcios foram os africanos, mas o fato é que eles não eram apenas os africanos, os egípcios eram negros de pele particular com cabelo lanoso.começa primeiro com as pessoas de pele negra do vale do Nilo, cerca de 2800 aC, isto é, 2200 anos antes do aparecimento da Thales de Mileto, considerado a primeira filosofia ocidental. 30.000 anos atrás, nossos antepassados foram separando ocre vermelho de ferro em uma caverna Suazilândia. Eles tinham que ter alguma idéia sobre o que estavam fazendo. Tinha de haver alguma reflexão, algum processo pelo qual os anciãos determinou o que deveria ser usado para o que e em que ocasião. Assim, mesmo antes de escrever, temos provas de que os africanos estavam envolvidos em discussões significativas sobre a natureza do seu ambiente.Molefi Kete Asante é um dos estudiosos mais publicado contemporânea, tendo escrito mais de sessenta livros e trezentos artigos.Biografia Contato

A origem africana da filosofia

A tese da origem egípcia da Filosofia, das ciências e da arte em geral é confirmada pelos próprios autores gregos, sejam eles historiadores ou filósofos, alguns dos quais nunca fizeram mistério em volta das suas fontes e do lugar de sua formação filosófica. Cheikh Anta Diop, o fundador da egiptologia africana, foi sem duvida quem dedicou maior parte do seu tempo a essa questão histórica e filosófica fundamental e sua pesquisa foi continuada pelo seu discípulo Théophile Obenga. Obenga, na sua recente obra O Egito, a Grécia e a Escola de Alexandria, demonstrou, para além da origem egípcia da filosofia grega e, portanto, falando dela como um pensamento intercultural, trata também de maneira exaustiva a questão da estada por parte de muitos filósofos e homens de ciência grega no Egito, onde foram instruídos pelos sacerdotes dos Templos da Vida nas diversas escolas do Pensamento filosófico egípcio-faraônico. Trata-se de

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Tales, Sólon, Platão e, sobretudo, Pitágoras que, segundo os historiadores, estudou cerca de 23 anos no Egito.

Obenga demonstrou ainda a influência do pensamento egípcio nas reflexões de muitos filósofos e pensadores do mundo grego, tais como Anaximandro, Anaxímenes, Aristóteles, Demócrito, Empédocles, Anaxágora, Heráclito, Xenófones de Colofon e tantos outros. Crantor, primeiro crítico de Platão, narrava que os contemporânea de Platão riam dele por ter copiado sua República das instituições egípcias. Poder-se-ia também citar Aristóteles que, alem de discípulo de Platão, estudou com Eudosso de Cnido, o qual, por sua vez passou seis meses estudando Matemática e Astronomia com os sacerdotes egípcios. As descobertas egípcias não se restringiam somente aos números ou aos astros, mas formularam hoje aquilo que se tornou uma das conquistas mais significativas da humanidade, ou seja, o método científico chamado tep-hesed (o método correto e as regras para estudar a natureza).Esse método do tep-heseb no Egito faraônico se tornou logos (razão) na antiga Grécia, razão teorética (teórica), discursiva e experimental na Europa depois de Galileu Galilei e, com Descartes, a lógica das ideias claras e distintas. O Egito faraônico foi ainda o precursor de muitas idéias que os gregos desenvolveram, como, por exemplo, a imortalidade da alma.

Imhotep (2655-2600 a.C.)

[A relação intelectual entre o Egito e a Grécia]

“As possibilidades das relações intelectuais entre o Egito e a Grécia é um fato histórico [...] São os próprios gregos que reivindicam para os egípcios a invenção da matemática, da astronomia, do direito, das instituições políticas, da medicina, da teologia, das artes plásticas, da sabedoria, da filosofia, dos jogos sociais. O entusiasmo dos gregos para com o saber do Vale do Nilo transformou-se até numa legenda: todos os sábios gregos ainda que não tinha isso até lá acreditavam na obrigação de passar algum tempo de estudo no país dos Faraós. Isso demonstra a força de atração que o Egito representava para os intelectuais gregos. [...] Antes dos seus contatos com os egípcios, os gregos não tinham praticamente não tinham contribuído em nada no antigo mundo Mediterrâneo. Trata-se de uma evidência histórica. [...] A Grécia deve ao Egito os seus primeiros filósofos. O pensamento egípcio exerceu uma certa influencia sobre o pensamento grego da mesma forma com hoje as ciências e as tecnologias norte-americanas dominam o mundo inteiro. Na antiguidade a supremacia cientifica do Egito não tinha equivalente na Grécia. Mas a escritura da história da humanidade segundo as temáticas indo-europeias exclusivas obscureceu voluntariamente os fatos que, no entanto são tão evidentes.” (Théophile Obenga. O Egito, a Grécia e a Escola de Alexandria).

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Períodos da Filosofia Africana

1) Filosofia etíope e núbia caracterizada essencialmente por uma reflexão filosófica sobre grandes questões éticas2) Filosofia egípcia faraônica, período em que se destacam quatro escolas: a Escola de Menfis, a Escola de Heliópolis a Escola de Hermópolis, a Escola de Tebes. Nesta escola se destacam grandes filósofos como Imhotep, Kagamnes, Merikare, Amenemhat, Amenhotep, Dualf, Anemope Akhenatem, que deixaram grandes sobras que influenciam o patrimônio filosófico atual.3) Filosofia de Alexandria, de Cirene, de Cartago e de Hipona. Um dos mais famosos filósofos deste período é Santo Agostinho.4) Filosofia Magrebina.5) Filosofias das escolas medievais de Tombouctu.6) Filosofia africana moderna e contemporânea.

Fonte: Revista de Filosofia. Editora Escala. São Paulo, Ano II, Nº14, páginas 58-59.

4- Matumona propõe ‘Filosofia da Reconstrução’ para ÁfricaO padre Muanamosi Matumona defende a existência de uma filosofia africana, contrariamente ao que muitos investigadores ocidentais e angolanos afirmam. Na sua obra “Filosofia Africana, na linha do tempo”, publicada este mês em Portugal, pela editora Esfera do Caos, o prelado católico define a filosofia africana como “interpretação das realidades africanas.Uma forma própria de filosofar sobre os factos locais num sistema comparado ao da filosofia ocidental”.Muanamosi Matumona escreve que no contexto actual a filosofia africana é convidada a reflectir seriamente sobre os problemas concretos dos povos, propondo linhas para a sua solução, que consistirá, essencialmente, na reconstrução do continente.Propõe uma “Filosofia Africana da Reconstrução”, que deve ser leccionada como uma disciplina autónoma nos estabelecimentos de ensino, obedecendo aos princípios pedagógicos, de modo a que os africanos reconheçam a sua dignidade e a sua missão neste século XXI. “… é de admitir que a África não pode ser condenada à morte. A pressão do afropessimismo deve ser questionada ou até refutada com objectividade”, sugere.Padre Matumona, docente da Universidade Agostinho Neto e do Seminário Maior de Luanda, entende que a filosofias africana recebeu uma herança que merece ser considerada, uma vez que foi nela que ganhou e vai ganhando forma, enquadrandose no espaço e no tempo.

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“Se a reflexão africana pode ser aceite como filha da cultura, é também justo encará-la como filha da história do mesmo continente, já que a história é também uma experiência válida, uma escola e testemunha de tudo o que o homem pensa, projecta e pratica. O homem africano soube aproveitar tudo o que viu e que viveu

ao longo da sua história para erguer o que hoje se chama, com toda a razão, a filosofia africana”, concluiu.Muanamosi Matumona sustenta, ainda na defesa da existência da filosofia africana, que um dos elementos ao qual se pode recorrer para realçar a capacidade racional e a legitimidade de considerar o seu esquema mental como uma filosofia é o seu mundo cultural, cuja complexidade representa um conjunto de valores que só é possível estruturar mediante o uso da razão: “ o negro-africano tem a sua visão própria sobre o mundo, o homem e Deus. Trata-se de um sistema real e eficaz muito diferente da realidade ocidental, mas também antigo e vai se actualizando consoante o evoluir do tempo”. Ressalta a tradição oral como uma marca forte da cultura tradicional africana, pois representa um património, um elemento que influencia o modo de ser, de estar e de pensar do negro-africano. Dela (a tradição oral) depende muito a sobrevivência do passado que é transmitido de geração em geração.Considera, assim que, os mais-velhos são detentores de uma memória e de uma sabedoria que asseguram esta tradição. “Numa sociedade em que a escrita se manteve durante muito tempo ao abandono, é normal dizer que em África, quando morre um velho, desaparece uma biblioteca. Pois a tradição oral é a biblioteca, o arquivo, o ritual, a enciclopédia, o tratado, o código, a ontologia poética e proverbial, as danças, os jogos, a música”, disse ressalvando que se a “tradição oral ocupa um lugar de destaque na cultura bantu, o mesmo não significa que este universo nunca conheceu a escritura”. O padre Muanamosi Matumona recorda que durante muito tempo se pensou que o negro-africano é um povo sem escrita, e o povo sem escrita não tem cultura. Na verdade, diz o prelado que é também professor de filosofia, que a África Negras conheceu a escrita já em meados dos séculos IX-X, especialmente no Sudão, Ghana, Mali e etc.Certas tribos, cita, usaram expressões gráficas escritas, supondo que tenham tido algum parentesco com os hieróglifos egípcios. Com esta proeza, pode afirmar-se que os negros transcreveram as suas línguas, também possuidoras de um valor a considerar, na medida em que expressam um esquema de pensamento, sendo reflexo da sua identidade, da sua cultura e do seu pensar. “…Isto tem uma justificação, pois a língua ultrapassa o seu campo para levantar um problema predominate antropológico. Um povo com uma língua é sinal da existência de uma filosofia.Nesta sequência, estamos perante um dado que a estrutura a antropologia e a filosofia africana muito antes da invasão da modernidade. Aceitase deste modo que as escritas são o espelho da cultura e do esquema do pensamento negro-africano”.Essa reflexão do padre Muanamosi Matumona é uma critica a tese de Hegel e os seus discípulos. Segundo esses, “no interior de África, a consciência ainda não chegou à intuição de um elemento objectivo fixo, de uma objectividade (…) Mas os africanos ainda não chegaram ao reconhecimento do universal, a sua natureza é o

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constrangimento em si: o que chamamos religião, Estado, o ente em si e para si, o que tem validade absoluta, tudo isto ainda ali não existe (…) Nos negros, o característico é que a sua consciência ainda não chegou à intuição de qualquer objectividade firme como, por exemplo, Deus, lei na qual o homem estaria com a sua vontade e teria assim a intuição da sua essência. O negro representa o homem natural em toda a sua selvajaria e barbárie”.Padre Matumona concluiu, questionado se o “ocidentalismo” esquecia que a África é o berço da humanidade; e que durante muitos séculos contou com os seus intelectuais que participaram na realização do progresso universal. Esquecia, ainda, que os negros africanos desempenharam um papel importante no florescimento e na promoção de uma das primeiras civilizações do mundo: a civilização egípcia. “O ocidentalismo de então não levava em consideração a tese que se preocupa em fazer notar o mundo dito civilizado que os negros foram os grandes “motores” da civilização egípcia.

5- FILOSOFIA AFRICANA: O ETONISMOPor: Belarmino Van-Dúnem

O Etonismo autodefine-se como uma filosofia da arte sobre a Razão Tolerante, é a apreciação da arte como pedagogia. Me parece uma proposta aliciante num mundo onde o humanismo parece estar a perder terreno e porque seria a continuidade de outras correntes filosóficas, desde a Grécia antiga, passando pela idade média com o domínio da igreja que embora o homem tenha elevado o pensamento para o Ser em Si, o objecto de toda a acção concreta continuava a ser o Homem. Até a filosofia humanista que surge no século XIX, contrapondo-se ao iluminismo que tinha algumas nuances da patrística que dominou o período medievo. O próprio humanismo marxista, indo até as filosofias mais elaboradas e extremas que dominaram o século XX, como Immanel Kant e Hegel, uma espécie de comparação moderna entre Platão e Aristóteles na Filosofia Antiga ou Santo Agostinho e São Tomás da Aquino na filosofia do período medievo.O Etonismo ao se apresentar como uma filosofia de raiz bantu angolana é também africana e universal, seguindo a lógica silogística:Angola é um Estado africano;O Etonismo é uma filosofia com base na raiz bantu angolana;Logo, o Etonismo é uma filosofia africana.Esta preposição é irrefutável, por isso traz consigo um conjunto de interrogações cujas respostas só poderão ser alcançadas através de uma sistematização do pensamento abstracto universalista e tolerante. Partindo do pressuposto cientifico de que um paradigma pode ser refutado sempre que não satisfaça as exigências do presente, é possível que o Etonismo se afirme como uma corrente filosófica universal se alargarmos a lógica silogística para o facto de África ser um continente inserido no concerto das nações.

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Mas estaríamos aqui a fazer sofismas se não analisarmos os fundamentos desta proposta filosófica de raiz nacional dentro da sistematização necessária para que possamos reclamar um lugar no pensamento filosófico pós-moderno.

No espírito positivista os povos africanos não teriam uma filosofia, tomando erradamente a filosofia ou os pressupostos da dialéctica hegeliana, inclusive se fala dos povos sem história, mas com a luta pioneira travada de forma heróica pelo Professor Joseph Ki-Zerbo hoje podemos considerar heresia afirmar que um determinado povo não tem história. Assim acreditamos que existem grandes possibilidades de sistematizarmos cada vez mais a corrente etoniana como filosofia universal. Tendo em atenção a natureza epistemológica do tema e da proposta, neste artigo vou ensaiar a origem da corrente etoniana para compreender as premissas dessa corrente filosófica nacional.Mas antes de mais, devo afirmar que estamos perante uma filosofia! Quem discorre sobre o texto e aprecia a arte etoniana não precisa de muita abstracção para encontrar o diálogo mantido entre o filosofo e a natureza que, por sua vez evade a imaginação transcendental, corporalizando o ideal bizarro no desejo intimo do autor de uma espécie de comunitarismo em oposição ao societário que é mais urbano, individual e anónimo.O chamamento da arte etoniana é real. Existe uma relação directa entre os frescos da natureza morta e o dinamismo na escultura pan-africana. A primeira expressando o marasmo e a angustia social do continente e a segunda o dinamismo e o presente que circunscrevem a mudividência do filosofo. Existe uma espécie de grito, de apelo desesperado para que o Homem se encontre a si próprio, fugindo o Eu, indo ao encontro do Tu, no sentido de encontrar o Nós, que segundo o autor é a essência da sua filosofia, “o Nós Coerente” no qual “deve basear-se todo o direito”.Patrício Batsîkama (2009) no seu livro intitulado Etonismo vai buscar o étimo da palavra etona nas línguas nacionais Kikôngo; Umbûndu e na Nyaneka para justificar a tolerância enquanto essência do etonismo. Mas aqui aparece a primeira dúvida metódica já que o autor do etonismo responde pelo mesmo nome. Nesse caso, há necessidade de esclarecer como surge esta convergência da expressão filosófica com o nome do seu autor. Por exemplo, nós conhecemos a filosofia hegeliana, vem de Hegel, o platonismo, Platão ou mesmo a filosofia socrática, analisando Sócrates. Mas ninguém compreende essas correntes filosóficas indo a procura da análise do étimo nomes dos seus autores, Platão significa costas largas, nome atribuído a Platão pelo seu professor porque possuía um porte atlético considerável, essa alcunha “Platão” não tem nenhuma relação com os fundamentos da filosofia platónica. Mas conhecemos outras correntes filosóficas como o Positivismo cujo termo não está directamente ligada ao nome do seu fundador Auguste Comte, por exemplo.

O texto não é claro sobre quem terá surgido primeiro, se foi o Etona sujeito fundador da corrente ou a obra filosofica que passou a ser designada de Etona pelo seu artífice com base no conhece da língua nacional Kikôngo, encontrando respaldo noutras línguas como acima foi descrito.

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A primeira hipótese cria uma grande dificuldade porque entraríamos numa espécie de predestinação, ou seja, mesmo sem saber do seu destino, o espírito Etona encarna a pessoa exacta, neste caso todas as mulheres com o nome de Sofia seriam sábias em potência. Já a segunda hipótese nos permite ultrapassar o dilema existente entre o autor e a corrente, acreditando que a alcunha de “Etona” surge como consequência da arte etonista que acabou por absorver o seu próprio autor.Uma outra interrogação que surge durante a análise do livro é o facto de não existir uma introdução clara sobre o método utilizado pelo autor do livro “Etonismo” para apresentar os aforismos que compõem a essência da filosofia etoniana. Por exemplo, o pensamento socrático nos foi dado a conhecer pelos apontamentos do seu discípulo Platão recolhidos durante as aulas. A filosofia hegeliana também é conhecida pelos apontamentos dos estudantes que frequentaram as aulas daquele filósofo.O Etonismo e sua lógica advêm de algumas lições do “Etona” filósofo, ou são interpretações do autor do livro etonismo a partir da sua visão da arte etoniana?Há necessidade de aprofundarmos mais o nosso conhecimento sobre o etonismo. É uma responsabilidade de todos nós, angolanos, africanos e cidadãos cosmopolitas. Os Ministérios da Cultura, Educação e do Ensino Superior Ciência e Tecnologia deveriam criar as condições necessárias para que se realizasse um simpósio internacional sobre o etonismo. Penso que valerá a pena, é nosso e só nós sairemos a ganhar com essa proposta.A sistematização do etonismo fará de Angola um país mais forte culturalmente e estaremos no cerne do debate de algo que nasceu em Angola e poderá entrar na história da filosofia universal como referência seja de que forma for. E com certeza que é menos oneroso que muitos colóquios cujos prelectores cobram rios de dinheiro para dizer que é necessário mais ajuda para África. Isso não é filosofia, nem tentativa de filosofar e constatação. Eu já entrei no etonismo e vou aprofundar os meus conhecimentos sobre esta corrente filosófica porque acho que é uma forma de afirmar a nossa angolanidade sem complexos e mostrar a profundeza do espírito nacional que está muito alem do estar e do ter, muitos já encontraram o ser e o saber estar.Publicada por Belarmino Van-Dúnemà(s) 13:02

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Belarmino Van-DúnemLuanda, Luanda, Angola- Lincenciado em Filosofia; - Pós-Graduado em Relações Internacionais Africanas; - Mestre em Estudos Africanos - Desenvolvimento Social e Economico em África: Análise e Gestão; - Professor de Politica Externa do Estado e Diplomacia. - Publicou 2008: Prevençãoo de Conflitos em África - Da OUA a União Africana; - 201o: Poesia "A Dor que Pari"; 2011: "Globalização e Integração Regional em África". - Foi Conselheiro Diplomatico do Ministro da Defesa Nacional - "2010/2011; - Coodernador do Curso de Relações Internacionais da Universidade Lusíada de Angola - 2009/2010; - Técnico Superior do Ministério do Planeamento de Angola; - Actualmente desempenha as Funções de Director do Centro de Estudos Pós-Graduação da Universidade Lusíada de Angola; Analista de Politica Internacional na Televisão Pública de Angola; Rádio Nacional de Angola e LAC antena Comércial; - Articulista do Jornal de Angola; - Várias Conferências no país e internacionais com especial destaque para as questões internacionais intra-africanas.

6- ÁFRICA/TUNÍSIA - Africanidade e Universalidade de Santo Agostinho: em Túnis, uma grande mostra sobre o Bispo de Hipona

Túnis (Agência Fides) - A Basílica de S. Luis em Túnis vai hospedar a partir de 15 de dezembro de 2004 a 10 de janeiro de 2005 uma Mostra sobre Santo Agostinho, por ocasião dos 1650 anos do seu nascimento. Trata-se de um evento histórico, o primeiro do gênero na Tunísia. Santo Agostinho proclamou-se “africano”, adquirindo ao mesmo tempo uma dimensão universal. Justamente este é o tema da exposição “Africanidade e Universalidade”, cuja parte didática foi preparada pela Universidade de Friburgo, enquanto a parte artística ficou a cargo do Ministério da Cultura tunisino, que colocou à disposição magníficas peças arqueológicos. Para a montagem da Mostra concorreram seja a Arquidiocese de Túnis como a Embaixada Suíça. A inauguração oficial terá lugar em 15 de dezembro às 18h30, já no dia seguinte, 16 de dezembro, às 17h, está programada a conferência de inauguração do prof. Serge Lancel, sobre o tema “Santo

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Agostinho e Cartago”, seguida por uma mesa-redonda com diversos especialistas, tunisinos e de outras nações.Cartago exerceu uma enorme influência sobre Santo Agostinho: ele estudou na cidade de 370 a 374, em seguida foi professor de 375 a 383, antes de partir para Roma e Milão. Durante o seu episcopado em Hipona, de 395 a 430, realizou numerosas viagens, participou dos Concílios de Cartago, pronunciou inúmeros sermões. Filósofo, teólogo, escritor, moralista, Bispo: a figura de Santo Agostinho, sem dúvida, impregnou sob diversos aspectos o norte da África cristão.“A Mostra sobre Santo Agostinho revela um redescobrimento do passado cristão da Tunísia, no qual Santo Agostinho desempenhou um importante papel, entre a época romana e a invasão bárbara, na qual se sucederam os bizantinos e depois os árabes”, afirma à Agência Fides o Vigário-geral da Arquidiocese de Túnis, Dom Dominique Rézeau. “Cartago era então a metrópole cristã da África, a segunda sede depois de Roma, com suas numerosas dioceses, seus santos e pastores, seus teólogos, seus cristãos que ainda sentiam a tentação em alguns casos do paganismo e em outros de heresias nascentes, em particular o donatismo e o pelagianismo. Os escritos de Tertuliano, de São Cipriano, bispo de Cartago martirizado em 258, e de Santo Agostinho, guiaram e guiam ainda a fé e a vida da Igreja em nossa diocese e muito além de suas fronteiras. Esperamos que esta exposição faça descobrir aos visitantes tunisianos e estrangeiros a grande figura do «doutor da graça», que pode ser chamado, como o seria mais tarde São Tomás Moro, ‘um homem para todas as estações’.” (S.L.) (Agência Fides 14/12/20

Santo Agostinho

A Vida e as ObrasAurélio Agostinho destaca-se entre os Padres como Tomás de Aquino se destaca entre os Escolásticos. E como Tomás de Aquino se inspira na filosofia de Aristóteles, e será o maior vulto da filosofia metafísica cristã, Agostinho inspira-se em Platão, ou melhor, no neoplatonismo. Agostinho, pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio compreensivo, fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega com o caráter prático da patrística latina, ainda que os problemas que fundamentalmente o preocupam sejam sempre os problemas práticos e morais: o mal, a liberdade, a graça, a predestinação.Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, de uma família burguesa, a 13 de novembro do ano 354. Seu pai, Patrício, era pagão, recebido o batismo pouco antes de morrer; sua mãe, Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa, e exercia sobre o filho uma notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus estudos, começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda sensualidade, que, segundo ele, é uma das maiores conseqüências do pecado original;

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dominou-o longamente, moral e intelectualmente, fazendo com que aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema do mal e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo terminado os estudos, abriu uma escola em Cartago, donde partiu para Roma e, em seguida, para Milão. Afastou-se definitivamente do ensino em 386, aos trinta e dois anos, por razões de saúde e, mais ainda, por razões de ordem espiritual.Entrementes - depois de maduro exame crítico - abandonara o maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida - no começo do ano 386. Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Finalmente, como por uma fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386. Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retira-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e dalguns discípulos, perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio, cuja doutrina e eloqüência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de idade.Depois da conversão, Agostinho abandona Milão, e, falecida a mãe em Óstia, volta para Tagasta. Aí vendeu todos os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, funda um mosteiro numa das suas propriedades alienadas. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em 395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.Após a sua conversão, Agostinho dedicou-se inteiramente ao estudo da Sagrada Escritura, da teologia revelada, e à redação de suas obras, entre as quais têm lugar de destaque as filosóficas. As obras de Agostinho que apresentam interesse filosófico são, sobretudo, os diálogos filosóficos: Contra os acadêmicos, Da vida beata, Os solilóquios, Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre, Sobre a música . Interessam também à filosofia os escritos contra os maniqueus: Sobre os costumes, Do livre arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem .Dada, porém, a mentalidade agostiniana, em que a filosofia e a teologia andam juntas, compreende-se que interessam à filosofia também as obras teológicas e religiosas, especialmente: Da Verdadeira Religião, As Confissões, A Cidade de Deus, Da Trindade, Da Mentira.O Pensamento: A GnosiologiaAgostinho considera a filosofia praticamente, platonicamente, como solucionadora do problema da vida, ao qual só o cristianismo pode dar uma solução integral. Todo o seu interesse central está portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma, visto serem os mais importantes e os mais imediatos para a solução integral do problema da vida.O problema gnosiológico é profundamente sentido por Agostinho, que o resolve, superando o ceticismo acadêmico mediante o iluminismo platônico. Inicialmente, ele conquista uma certeza: a certeza da própria existência espiritual; daí tira uma verdade superior, imutável, condição e origem de toda verdade particular. Embora

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desvalorizando, platonicamente, o conhecimento sensível em relação ao conhecimento intelectual, admite Agostinho que os sentidos, como o intelecto, são fontes de conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da coisa, é necessária a luz física, do mesmo modo, para o conhecimento intelectual, seria necessária uma luz espiritual. Esta vem de Deus, é a Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias platônicas. No Verbo de Deus existem as verdades eternas, as idéias, as espécies, os princípios formais das coisas, e são os modelos dos seres criados; e conhecemos as verdades eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz intelectual a nós participada pelo Verbo de Deus. Como se vê, é a transformação do inatismo, da reminiscência platônica, em sentido teísta e cristão. Permanece, porém, a característica fundamental, que distingue a gnosiologia platônica da aristotélica e tomista, pois, segundo a gnosiologia platônica-agostiniana, não bastam, para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças naturais do espírito, mas é mister uma particular e direta iluminação de Deus.A MetafísicaEm relação com esta gnosiologia, e dependente dela, a existência de Deus é provada, fundamentalmente, a priori , enquanto no espírito humano haveria uma presença particular de Deus. Ao lado desta prova a priori , não nega Agostinho as provas a posteriori da existência de Deus, em especial a que se afirma sobre a mudança e a imperfeição de todas as coisas. Quanto à natureza de Deus, Agostinho possui uma noção exata, ortodoxa, cristã: Deus é poder racional infinito, eterno, imutável, simples, espírito, pessoa, consciência, o que era excluído pelo platonismo. Deus é ainda ser, saber, amor. Quanto, enfim, às relações com o mundo, Deus é concebido exatamente como livre criador. No pensamento clássico grego, tínhamos um dualismo metafísico; no pensamento cristão - agostiniano - temos ainda um dualismo, porém moral, pelo pecado dos espíritos livres, insurgidos orgulhosamente contra Deus e, portanto, preferindo o mundo a Deus. No cristianismo, o mal é, metafisicamente, negação, privação; moralmente, porém, tem uma realidade na vontade má, aberrante de Deus. O problema que Agostinho tratou, em especial, é o das relações entre Deus e o tempo. Deus não é no tempo, o qual é umacriatura de Deus: o tempo começa com a criação. Antes da criação não há tempo, dependendo o tempo da existência de coisas que vem-a-ser e são, portanto, criadas.Também a psicologia agostiniana harmonizou-se com o seu platonismo cristão. Por certo, o corpo não é mau por natureza, porquanto a matéria não pode ser essencialmente má, sendo criada por Deus, que fez boas todas as coisas. Mas a união do corpo com a alma é, de certo modo, extrínseca, acidental: alma e corpo não formam aquela unidade metafísica, substancial, como na concepção aristotélico-tomista, em virtude da doutrina da forma e da matéria. A alma nasce com o indivíduo humano e, absolutamente, é uma específica criatura divina, como todas as demais. Entretanto, Agostinho fica indeciso entre o criacionismo e o traducionismo, isto é, se a alma é criada diretamente por Deus, ou provém da alma dos pais. Certo é que a alma é imortal, pela sua simplicidade. Agostinho, pois, distingue, platonicamente, a alma em vegetativa, sensitiva e intelectiva, mas afirma que elas são fundidas em uma substância humana. A inteligência é divina

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em intelecto intuitivo e razão discursiva; e é atribuída a primazia à vontade. No homem a vontade é amor, no animal é instinto, nos seres inferiores cego apetite.Quanto à cosmologia, pouco temos a dizer. Como já mais acima se salientou, a natureza não entra nos interesses filosóficos de Agostinho, preso pelos problemas éticos, religiosos, Deus e a alma. Mencionaremos a sua famosa doutrina dos germes específicos dos seres - rationes seminales . Deus, a princípio, criou alguns seres já completamente realizados; de outros criou as causas que, mais tarde, desenvolvendo-se, deram origem às existências dos seres específicos. Esta concepção nada tem que ver com o modernoevolucionismo , como alguns erroneamente pensaram, porquanto Agostinho admite a imutabilidade das espécies, negada pelo moderno evolucionismo.A MoralEvidentemente, a moral agostiniana é teísta e cristã e, logo, transcendente e ascética. Nota característica da sua moral é o voluntarismo, a saber, a primazia do prático, da ação - própria do pensamento latino - , contrariamente ao primado do teorético, do conhecimento - próprio do pensamento grego. A vontade não é determinada pelo intelecto, mas precede-o. Não obstante, Agostinho tem também atitudes teoréticas como, por exemplo, quando afirma que Deus, fim último das criaturas, é possuído por um ato de inteligência. A virtude não é uma ordem de razão, hábito conforme à razão, como diziaAristóteles, mas uma ordem do amor.Entretanto a vontade é livre, e pode querer o mal, pois é um ser limitado, podendo agir desordenadamente, imoralmente, contra a vontade de Deus. E deve-se considerar não causa eficiente, mas deficiente da sua ação viciosa, porquanto o mal não tem realidade metafísica. O pecado, pois, tem em si mesmo imanente a pena da sua desordem, porquanto a criatura, não podendo lesar a Deus, prejudica a si mesma, determinando a dilaceração da sua natureza. A fórmula agostiniana em torno da liberdade em Adão - antes do pecado original - é: poder não pecar ; depois do pecado original é: não poder não pecar; nos bem-aventurados será: não poder pecar . A vontade humana, portanto, já é impotente sem a graça. O problema da graça - que tanto preocupa Agostinho - tem, além de um interesse teológico, também um interesse filosófico, porquanto se trata de conciliar a causalidade absoluta de Deus com o livre arbítrio do homem. Como é sabido, Agostinho, para salvar o primeiro elemento, tende a descurar o segundo.Quanto à família , Agostinho, como Paulo apóstolo, considera o celibato superior ao matrimônio; se o mundo terminasse por causa do celibato, ele alegrar-se-ia, como da passagem do tempo para a eternidade. Quanto à política , ele tem uma concepção negativa da função estatal; se não houvesse pecado e os homens fossem todos justos, o Estado seria inútil. Consoante Agostinho, a propriedade seria de direito positivo, e não natural. Nem a escravidão é de direito natural, mas conseqüência do pecado original, que perturbou a natureza humana, individual e social. Ela não pode ser superada naturalmente, racionalmente, porquanto a natureza humana já é corrompida; pode ser superada sobrenaturalmente, asceticamente, mediante a conformação cristã de quem é escravo e a caridade de quem é amo.O MalAgostinho foi profundamente impressionado pelo problema do mal - de que dá uma vasta e viva fenomenologia. Foi também longamente desviado pela solução dualista dos

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maniqueus, que lhe impediu o conhecimento do justo conceito de Deus e da possibilidade da vida moral. A solução deste problema por ele achada foi a sua libertação e a sua grande descoberta filosófico-teológica, e marca uma diferença fundamental entre o pensamento grego e o pensamento cristão. Antes de tudo, nega a realidade metafísica do mal. O mal não é ser, mas privação de ser, como a obscuridade é ausência de luz. Tal privação é imprescindível em todo ser que não seja Deus, enquanto criado, limitado. Destarte é explicado o assim chamado mal metafísico , que não é verdadeiro mal, porquanto não tira aos seres o lhes é devido por natureza. Quanto ao mal físico , que atinge também a perfeição natural dos seres, Agostinho procura justificá-lo mediante um velho argumento, digamos assim, estético: o contraste dos seres contribuiria para a harmonia do conjunto. Mas é esta a parte menos afortunada da doutrina agostiniana do mal.Quanto ao mal moral, finalmente existe realmente a má vontade que livremente faz o mal; ela, porém, não é causa eficiente, mas deficiente, sendo o mal não-ser. Este não-ser pode unicamente provir do homem, livre e limitado, e não de Deus, que é puro ser e produz unicamente o ser. O mal moral entrou no mundo humano pelo pecado original e atual; por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento, físico e moral, além de o ter sido com a perda dos dons gratuitos de Deus. Como se vê, o mal físico tem, deste modo, uma outra explicação mais profunda. Remediou este mal moral a redenção de Cristo, Homem-Deus, que restituiu à humanidade os dons sobrenaturais e a possibilidade do bem moral; mas deixou permanecer o sofrimento, conseqüência do pecado, como meio de purificação e expiação. E a explicação última de tudo isso - do mal moral e de suas conseqüências - estaria no fato de que é mais glorioso para Deus tirar o bem do mal, do que não permitir o mal. Resumindo a doutrina agostiniana a respeito do mal, diremos: o mal é, fundamentalmente, privação de bem (de ser); este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido (mal físico e moral) a uma determinada natureza; se o bem é devido nasce o verdadeiro problema do mal; a solução deste problema é estética para o mal físico, moral (pecado original e Redenção) para o mal moral (e físico).A HistóriaComo é notório, Agostinho trata do problema da história na Cidade de Deus , e resolve-o ainda com os conceitos de criação, de pecado original e de Redenção. A Cidade de Deusrepresenta, talvez, o maior monumento da antigüidade cristã e, certamente, a obra prima de Agostinho. Nesta obra é contida a metafísica original do cristianismo, que é uma visão orgânica e inteligível da história humana. O conceito de criação é indispensável para o conceito de providência, que é o governo divino do mundo; este conceito de providência é, por sua vez, necessário, a fim de que a história seja suscetível de racionalidade. O conceito de providência era impossível no pensamento clássico, por causa do basilar dualismo metafísico. Entretanto, para entender realmente, plenamente, o plano da história, é mister a Redenção, graças aos quais é explicado o enigma da existência do mal no mundo e a sua função. Cristo tornara-se o centro sobrenatural da história: o seu reino, a cidade de Deus , é representada pelo povo de Israel antes da sua vinda sobre a terra, e pela Igreja depois de seu advento. Contra este cidade se ergue a cidade terrena , mundana, satânica, que será absolutamente separada e eternamente punida nos fins dos tempos.

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Agostinho distingue em três grandes seções a história antes de Cristo. A primeira concerne à história das duas cidades , após o pecado original, até que ficaram confundidas em um único caos humano, e chega até a Abraão, época em que começou a separação. Na Segunda descreve Agostinho a história da cidade de Deus , recolhida e configurada em Israel, de Abraão até Cristo. A terceira retoma, em separado, a narrativa do ponto em que começa a história da Cidade de Deus separada, isto é, desde Abraão, para tratar paralela e separadamente da Cidade do mundo, que culmina no império romano. Esta história, pois, fragmentária e dividida, onde parece que Satanás e o mal têm o seu reino, representa, no fundo, uma unidade e um progresso. É o progresso para Cristo, sempre mais claramente, conscientemente e divinamente esperado e profetizado em Israel; e profetizado também, a seu modo, pelos povos pagãos, que, consciente ou inconscientemente, lhe preparavam diretamente o caminho. Depois de Cristo cessa a divisão política entre as duas cidades ; elas se confundem como nos primeiros tempos da humanidade, com a diferença, porém, de que já não é mais união caótica, mas configurada na unidade da Igreja. Esta não é limitada por nenhuma divisão política, mas supera todas as sociedades políticas na universal unidade dos homens e na unidade dos homens com Deus. A Igreja, pois, é acessível, invisivelmente, também às almas de boa vontade que, exteriormente, dela não podem participar. A Igreja transcende, ainda, os confins do mundo terreno, além do qual está a pátria verdadeira. Entretanto, visto que todos, predestinados e ímpios, se encontram empiricamente confundidos na Igreja - ainda que só na unidade dialética das duas cidades , para o triunfo da Cidade de Deus - a divisão definitiva, eterna, absoluta, justíssima, realizar-se-á nos fins dos tempos, depois da morte, depois do juízo universal, no paraíso e no inferno. É uma grande visão unitária da história, não é uma visão filosófica, mas teológica: é uma teologia, não uma filosofia da história.

7- NEGRITUDE (Jean-Paul Satre)

A condição do negro está ligada ao racismo e à miséria [1]. A miséria causado pelo racismo e pelas políticas de Estado pós-libertação dos escravos e a despreocupação das autoridades geram um contingente de excluídos ou marginalizados, que são reconhecidos pela mesma cor de pele, cabelo, lábios e cultura de raízes africanas - os negros.A falta do mínimo necessário para a vida gerou e fera duas orientações: a revolta e a acomodação.a) a revolta: pode ser política, isto é, negros e negras se encontram para discutir o que lhes faz sofrer e cobrar das autoridades a igualdade;b) a acomodação: pode ser entendida como uma alienação. Muitos negros e negras simplesmente aceitam o papel que as elites lhes impuseram durante séculos - a de que eram trabalhadores braçais em situação precária. Por outro lado, a alienação pode gerar a vitimização: o indivíduo se vê sempre perseguido e incapaz de agir, o que resulta em baixa autoestima. Emconsequência, os negros valorizam outras culturas, como a da hegemonia branca europeia.

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O negro precisa encontrar a sua 'negritude', que é a maneira dialética, ou a negação da injustiça, causada pelo capitalismo. A condição negra de miséria, de humilhação e exclusão social, foi gerada pelo capitalismo, em processos de escravização de um povo sobre outro povo.Do ponto de vista cultural, diferentemente do proletário europeu, formado pelas fábricas, o negro tece um espaço para desenvolver sua cultura, que só podia ser uma cultura de resistência. Cada vez que o negro coloca uma roupa que expressa sua identidade, compõe uma música que fala de sua vida, não tenta moldar o seu corpo para ser igual aos outros, ele produz a 'negritude', a resistência cultural dentro do capitalismo racial e cristão. A negação do ato colonizador.O capitalismo colocou o burguês e o trabalhador em oposição por meio de uma situação de exploração. Mas o capitalismo também colocou o branco europeu em oposição ao negro escravo e ao negro pós-libertação, o que também resultou em formas de exploração. O capitalista oprime o trabalhador enquanto, em certa medida, o trabalhador branco oprime o negro. Por isso, o negro deve assumir a consciência de que a sua raça é explorada por uma questão social de dominação do homem branco e não por sua natureza biológica.Em Sartre, há uma diferença entre o trabalhador branco e o trabalhador negro, pois apesar de ambos sofrerem as dificuldade da pobreza, o negro sofre como negro, isto é, além da pobreza, ele encontra a discriminação junto àqueles que também são pobres e oprimidos, e até os trabalhadores brancos discriminam o trabalhador negro.É preciso que cada um tome consciência de sua condição; que o trabalhador tome consciência de sua exploração e perceba que os problemas advêm de sua posição no mundo capitalista; que o negro identifique sua condição de submetido pelo racismo. Sob esta inspiração, pode-se pensar que a consciência de que é submetido ao racismo deve favorecer o entendimento por parte dos negros de que é preciso assumir-se como negro, sem negar origens africanas e história cultural, mas negando a condição de exclusão e inferioridade de que foram vítimas. Assim, o negro deve orgulhar-se de sua negritude, atribuindo significados positivos ao fato de ser negro.Sartre inspira um pensamento de valorização do negro. Um olhar sobre o mundo. Uma compreensão de que o negro não poder ser conjugado como o mal [2].A ideia de negritude entendida como valorização do negro e crítica à visão negativa do mesmo impõe outra opção à ordem da cultura excludente. Sendo chamados de negros ouafrodescendentes, essas pessoas se encontraram pela negritude, que significa valorização do negro, da história dos povos africanos, da cultura negra e de uma nova visão sobre os negros, bem como sobre a impressão de superação da exclusão social a que foram submetidos.A negritude seria o desenvolvimento da cultura negra após a colonização. Nela, estaria uma inversão em oposição ao sistema eurocêntrico capitalista e branco. A negritude revela o racismo.___________1. Considerando a população brasileira em geral, pode-se afirmar que raros sãos os casos nos quais os negros supram condição de pobreza ou mesmo de miséria e recebem notoriedade social.

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2. A cultura brasileira associa palavras negro, negra, preto ou preta e crítica a ideia pejorativas. Por exemplo, o que significam as expressões "mercado negro", "o lado negro", "magia negra", " a coisa está preta"?.______________Fontes: (SÃO PAULO-SEE, Caderno do professor: filosofia, EM, 2ª S., V.3, pp.18-1

8- O que é pesquisar – Entre Deleuze-Guattari e o candomblé, pensando mito, ciência, arte eculturas de resistência

Jacques Gauthier*

RESUMO: A ciência atual é uma ciência do evento e do acontecimento. Explorando, após Deleuze, a diferença entreevento e acontecimento na filosofia estóica, o autor caracteriza vários modos de "fazer ciência": a dupla captura, referida, numa visão transcultural, à divindade Ogum do candomblé; a maturação escura, referida à divindade Ossãe etc. Daí são discutidos, com base em Spinoza, a questão do local e do universal na construção do conhecimento, e com base em Michel Serres, o problema da articulação entre mito e ciência. A pesquisa de Graziela Rodrigues, "Bailarino-pesquisador-intérprete: Processo de formação", é tomada como exemplo de abordagem inovadora, transcultural e sociopoética. Uma pergunta conclui este artigo: será que a descolonização dos espíritos (e dos corpos) passa pela criação de uma episteme transcultural?Palavras-chave: Teoria da pesquisa, sociopoética, transculturalidade, mito, ciência

Algumas duplas capturasAo refletir sobre a ciência atual, Gilles Deleuze, numa obra que pode ser considerada como uma explicação (ex-plicação, desdobramento) dos grandes conceitos criados em parceria com Félix Guattari: Diálogos (Deleuze e Parnet 1996), aponta que a física, a matemática, a biologia e as ciências sociais trabalham cada vez mais sobre "estados de corpos", sobre "agenciamentos heterogêneos", sobre "inter-reinos" (animal, vegetal, mineral). O exemplo que Deleuze gosta de tomar é o da abelha e da orquídea, agenciamento de corpos que cria uma máquina única, através de uma dupla captura, do bicho pela flor e da flor pelo bicho. O modelo de cientificidade não é mais a axiomática nem a estrutura (na busca de formas que tornem homogêneos e homólogos os elementos variáveis), mas sim o acontecimento ou evento, singular, incorporal, que tem sua efetuação em corpos ou estados de corpos: "Não tira-se mais uma estrutura comum de elementos quaisquer, espalha-se um evento, contra-efetua-se um acontecimento que corta diferentes corpos e efetua-se em diversas estruturas" (Deleuze e Parnet 1996, p. 82).

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Pesquisar é criar devires, exprimir o virtual incluído em uma situação, lançar multiplicidades que não podem ser presas nas grandes máquinas estatais, geralmente binárias (tais como homem-mulher, branco-negro, adulto-criança etc.). Nas ciências humanas e da sociedade desenvolvem-se pesquisas estudando o singular, tais como as pesquisas etnometodológicas e interacionistas, socioanalíticas e sociopoéticas, etnocenológicas e ritualísticas. Uma área do conhecimento é criada, aos poucos, na qual são teorizados os dados produzidos pelos grupos-sujeitos das pesquisas, sendo estes dados criaçõessingulares, quase artísticas, inesperadas e imprevisíveis, dos sujeitos pesquisados. Muitas vezes, os pesquisados tornam-se pesquisadores ao participar da leitura, da análise, da experimentação e da teorização dos dados que produziram.É interessante, aí, lembrar que o grande teórico da singularidade, Spinoza (e seria bom ler Leibniz também com esta preocupação), pensava o objeto de conhecimento segundo dois eixos: a integração na unidade do ser e a disseminação. A integração foi glorificada pelas narrativas racionalistas e estruturalistas, pois ela relaciona a complexidade caótica do que ocorre com a substância universal, Deus, isto é, a Natureza. Os cientistas encontravam, nessa leitura homogeneizante, as suas próprias preocupações em submeter a variedade à lei geral, as variações ao tema, a flexão ao radical. Por manter o caráter irredutível da diferença na singularidade, o segundo eixo foi desprezado: poucos cientistas reconheciam seu fazer científico na filosofia da diferença. Só a partir dos desenvolvimentos científicos do século XX tornou-se possível uma leitura que começasse pela descrição das dimensões da singularidade, e seguisse, passo a passo, seu devir imprevisível pela razão humana – nem sempre "suficiente"! Um exemplo é a Teoria das Catástrofes do matemático René Thom (1977), bem como a Transformação do Padeiro e as Teorias do Caos (ver Prigogine e Stengers 1988). Ao pensar numa vertente bem diferente do pensamento, não é por acaso que se reavalia hoje o empirismo, tão desprezado pela tradição racionalista: os empiristas exercitam sua consciência crítica sobre as teorias, consideradas como narrativas, cujo sentido se encontra, também, nas encruzilhadas entre o imaginário humano e os objetos sensíveis. O racionalismo clássico não foi suficientemente atento à dimensão imaginária da experiência e da prática científica, nem à singularidade dos objetos que ele pretendia transformar em objetos de conhecimento. As singularidades nos obrigam, por causa dos seus devires nunca contemplados nos discursos instituídos, a ser atentos à poiesis da natureza e da vida social, a seu poder de autocriação e às implicações do nosso olhar chamado de científico, nesse processo de criação.Por exemplo, criar um devir, na linguagem, é criar um estilo singular, falar a sua própria língua como um estrangeiro. Essa produção realiza-se, segundo Deleuze e Guattari (1980), por uma máquina de guerra nômade, totalmente diferente dos exércitos estatais. A máquina de guerra procede por duplas capturas. Na área da educação, sem a captura recíproca dos procedimentos acadêmicos de pesquisa e de práticas e conhecimentos de pais, alunos, comunidades, nenhum conhecimento novo pode acontecer. A captura não é pacífica. Não é uma síntese. É a criação, difícil, de "outra coisa", onde estão conectados corpos, idéias, energias habitualmente soltas. É a criação de novas intensidades, que geram novos conceitos. Esse processo é chamado de "desterritorialização". No exemplo tomado são desterritorializados tanto a pesquisa acadêmica (o "saber" em educação)

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como os pais, os alunos e as comunidades. Isto é o que Deleuze e Guattari (op. cit., p. 34) chamam fazer rizoma:Existem linhas que não podem ser resumidas em trajetórias de um ponto e que fogem da estrutura, linhas de fuga, devires, sem futuro nem passado, sem memória, que resistem à máquina binária, devir-mulher que nem é homem nem é mulher, devir-animal que nem é bicho nem homem. Evoluções não paralelas, que não procedem por diferenciações, mas que pulam de uma linha para outra, entre seres totalmente heterogêneos; fissuras, rupturas imperceptíveis, que quebram as linhas, mesmo se retomam em outro lugar, pulando por cima dos cortes significantes… é tudo isso o rizoma.Para tomar um outro exemplo, bem conhecido: a etnometodologia teve um dos seus inícios no encontro entre o pesquisador Garfinkel e Agnes, pessoa que queria mudar de sexo anatômico. Do encontro entre os dois nasceram linhas de fuga altamente criadoras em termos de conhecimento. A dupla captura Agnes-Garfinkel produziu um saber instituinte sobre os métodos utilizados pelos médicos, pelo pessoal de enfermagem, pela comunidade acadêmica, pelas famílias… por vários territórios – inclusive o corpo de Agnes, que escolheu consertar o erro da natureza que colocou para ela, mulher, um órgão viril – para dar uma existência social e significação ao gênero.1A máquina de guerra nômade cria uma nova circulação de afetos, expõe o virtual presente no atual, gera saberes inesperados. A dificuldade é que esses saberes passam como fluxos, não são identificáveis segundo os hábitos acadêmicos de pensamento. Eles não têm uma identidade. Não se trata, aí, da produção de uma nova identidade, muito pelo contrário. São criadas novas intensidades, sim, às vezes evanescentes (como os quarks na física atômica), às vezes duráveis. Uma conseqüência muito importante é que a pesquisa em ciências humanas e sociais desenhará mapas de intensidades, e de jeito nenhum, mapas, carteiras de identidades.

O acontecimento, o evento e alguns orixásEm coerência com Deleuze e Guattari vou experimentar a seguinte máquina de dupla captura: de um lado, a própria intensidade Deleuze-Guattari, intensidade múltipla, sobretudo, não dual. De outro lado, o candomblé, agenciamento complexo de corpos e discursos. No centro, ou melhor, em todos os lugares, o conceito filosófico expresso por Deleuze e Guattari através da palavra francesa évènement. Ora, a língua portuguesa tem duas palavras quando a francesa tem somente uma: "evento" e "acontecimento". Reflitamos sobre a diferença entre "evento" e "acontecimento": Acontecimento vem de "acontecer", do que está tecido junto. Evento vem do que "e-veio", do que está indo para fora; do que está surgindo, como o vento.Em referência à filosofia estóica, apesar da dificuldade da língua francesa que ignora essas diferenças, Gilles Deleuze (1969) caminhou rumo a uma compreensão da polissemia da palavra évènement. O estoicismo coloca do lado do acontecimento o que exprime, aqui e agora, a necessidade universal, o destino. O acontecimento é sempre necessário (daí, lamentar-se e esperar não têm nenhum sentido); ele é sempre singular, diferente de um acontecimento outro ("comer" não é "nadar" nem "falar"); ele é sempre complexo ("comer" aqui e agora não é comer amanhã, ontem ou em outro lugar: o gosto é diferente, a luz, o ambiente, os outros…). O atual, o estado ou fazer atual, é o ponto

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para onde convergem todas as características necessárias da situação: eu estou comendo tal comida em tal companhia e tal ambiente…O evento é o incorporal que intensifica e contra-efetua o acontecimento. Podemos exprimi-lo assim: "o comer". O evento é o infinitivo. Existe, aqui e agora, "o comer". Você veio até esta comida, pouco importa se foi de ônibus, a pé, voando, você veio: "o vir". Destaca-se uma linha abstrata, "o vir", "o comer", "o falar", "o nadar", "o cair", "o estar". Nunca o Ser, nunca o Eu. Nem maiúsculos, nem substâncias, nem sujeitos. Processos, estados, devires. O evento liga diretamente o atual com o virtual. Você passou por um "vir"? Você está atravessado por um "comer". Aí existe um "falar" virtual, ou um "cair" da sua cadeira, ou um "sambar". O evento abre para uma multiplicidade de devires outros. É só falar.O desejo vai e vem entre evento e acontecimento. É só isso, o desejo. Desculpe, uma intuição passou.Ao ler Deleuze e Guattari surgiu a imagem de Dionísio. O evento Deleuze-Guattari, a filosofia do desmembramento. Mas esquecemos que Dionísio significa: "Aquele que nasceu duas vezes". Sim, depois do seu desmembramento, seu coração foi comido por Perséfone, filha de Deméter (a Deusa-terra) e esposa de Hades (o Deus dos Infernos), aquela moça bonita e misteriosa que passa seis meses com a mãe, no verão, e seis meses com o marido, no inverno nosso. E Dionísio nasceu uma segunda vez, de Perséfone. Daí surgiu uma idéia: falta à filosofia francesa contemporânea a figura feminina da fecundidade da escuridão, do lento trabalho de maturação, do segredo da lama em que começaram as coisas, figura mítica que o candomblé conhece sob o nome de Nanã Buruku.2Relendo Deleuze e Guattari pareceu-me relevante a captura dessa intensidade pelo candomblé. Na terra baiana que escolhi como território, na nação Angola que foi escolhida através de mim, os orixás do candomblé são miticamente mais relevantes para pensar que os deuses da antigüidade grega. Assumindo essa dupla escolha, aponto que o desmembramento é um efeito da singularidade-Exu,3 assim como as ligações novas, instituintes.Gilles Deleuze, provavelmente, era filho de Ogum, orixá guerreiro, patrono do ferro e da tecnologia ("tem a função de assiwaju, aquele que toma a frente" – acrescentam Sodré e Lima 1996). Oxóssi, irmão dos dois precedentes (ou filho de Ogum em algumas versões), orixá caçador, habitante das matas, patrono da nação nagô-kêtu, rege igualmente a intensidade-Deleuze. Exu, Ogum e Oxóssi estão mais do lado do acontecimento. Pelo menos a guerra e a caça exigem decisões rápidas, preparações atentas, conhecimentos finos de como as coisas são tecidas entre elas, intuições das necessidades vivenciadas pelo inimigo ou pela presa.Félix Guattari parece ser filho de Oiá, orixá ligada aos raios e tempestades, à água e à floresta.4 Mais praticante de guerrilhas que de guerras, por ser apaixonada, caracterizada por deslocamentos bruscos. Oiá está do lado do evento, pelo afeto que puxa um fio e corre, e queima: ela é a superfície do vento no evento. Félix de Oiá, dos devires imprevisíveis, das virtualidades assumidas desde que anunciadas, da velocidade quase absoluta no pensamento.

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E nas importantes colocações de Deleuze e Guattari, em Mil Platôs, sobre o devir-bruxo, sobre as ligações por conexão entre elementos heterogêneos, aparece a intensidade-Ossãe, orixá patrono de toda a vegetação, das folhas e seus derivados mágicos e medicinais. Oiá, Ossãe e uma parte de Exu estão mais do lado do evento. O que em Exu é o "estilo", a geração do que é totalmente individual, singular. O terço incluído em todo evento, a relação que sempre pode ser prolongada em várias direções. No indivíduo singular, o estilo aparece como uma vibração do ar quando anda, uma diferença sutil no ambiente quando está presente, mesmo calado e invisível. Evento-Exu, que os cristãos assimilaram ao Diabo!!!Reparemos que se trata bem de uma dupla-captura: não estamos propondo apenas uma experimentação (não uma interpretação – "Sobretudo não interpretem mas experimentem!", disse Deleuze) da filosofia de Deleuze-Guattari pelo candomblé; experimentamos, também, o candomblé por meio da máquina elementar acontecimento/evento, colocando Ogum e Oxóssi de um lado, Oiá e Ossãe de outro, Exu entre os dois.Em Ossãe, todavia, quero dizer, no devir-bruxo, os nossos filósofos viram só a bruxaria, mas sabe-se, no candomblé, que se deve cuidar do mistério nos devires, proposta inconciliável com o projeto da ciência ocidental. Uma preparação invisível é necessária para que nasçam intensidades novas. Esta outra concepção da ciência, diferente, não foi "vista" por Deleuze e Guattari nos seus livros. Oxóssi não a revelou. Nesta, o segredo, a química que permite obter os sumos potentes, a paciência, a imaginação atenta, o uso cauteloso do tempo são necessários. As máquinas de guerra não servem de nada. A máquina-maga ("maga", mulher do mago, como diria uma criança), na ciência, não somente conecta elementos heterogêneos, como nossos filósofos apontaram; ela é uma qualidade de uso do tempo. A ciência-Ossãe é uma "ciência sensível", como dizem as pesquisadoras em enfermagem que tomaram por modelo epistemológico o cuidar na sua verdade prática. Conhecendo pelos seus sentidos, sua emoção, sua intuição e sua razão, a pesquisadora afirma o seu direito de conhecer com todo seu corpo, inclusive nos territórios da ciência "nobre". O evento, aí, é um "concreto", no sentido dos perfumadores, isto é, o produto de base, o concentrado oriundo das flores: o mais evanescente e o mais sensível e sensitivo narra toda uma história, exprime um dia, uma terra, um canto de sol e sombra. Lembro a cultura da minha terra, cultura de vinho, queijo e perfume. Os franceses são bruxos (Serres 1985 expôs com muita leveza alguns segredos que fazem com que os sentidos pensem: este filho de Hermes-Exu, grande navegador do claro-escuro, foi iniciado pelos donos da floresta).Misteriosa, a ciência-Tempo. Do lado do evento, o orixá-Tempo,5 a intensidade-Tempo, patrono da nação Angola, que liga os ancestrais que moram na terra com os vivos, nós humanos, morando no ar. De paciência infinita ou muito brusco, terrível guardião do esperado e do inesperado, do previsível e do imprevisível, o Tempo. Aí, o evento é feito de fluxos que atravessam os ancestrais e o presente, os mortos e os vivos. Algo fica fora da compreensão, no mistério. O evento é momento que afasta o que atrapalha a obra, ele é como cavado, tirando o inútil. Daí fica uma linha, como na escrita dos haïkaï japoneses. Um método, não uma organização. O tempo faz a máquina, dá a forma, não a substância. O tempo "maquina" o evento. Cuidado: não se trata de passado, nem de

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instituído. Não são necessários a dimensão temporal na poesia, os tempos do verbo, as preposições, os advérbios, para o tempo-evento: a noite, um barco, o fremir de um pássaro. Eis o charme do tempo que não acontece, mas "eventa". Vapores de uma emoção-intuição: o segredo do Tempo, diferente do segredo de Ossãe, das folhas. Com o tempo encontramos a raiz do evento, a base que passou, transpassou a prova da duração. Por exemplo, apesar das suas irredutíveis diferenças, há algo que "faz evento", eternamente, em Weber, em Marx, na Escola de Chicago. Uma base que questiona sem cessar os pesquisadores. O evento-tempo abre o que estava arrebatado. Michel Serres encontrou uma expressão interessante desse fenômeno: o tempo está como uma folha dobrada e machucada. Assim, um lugar que acreditamos ser muito distante segundo a concepção ingênua do tempo linear, como por exemplo o Pórtico dos próprios Estóicos que inspiraram estas páginas, está ao nosso lado. Aqui está o Aiôn, o tempo infinito, no qual caminhamos sempre pelo meio, tão diferente do Cronos acostumado. Deleuze apontou alguns aspectos do Aiôn estóico, mas ficou distante daquele tempo africano que liga os mortos com os vivos, daquele tempo-árvore-Iroko, cujas raízes mergulham no mundo dos antepassados e cuja folhagem abraça os vivos. Na sua obra, Nietzsche foi o pensador do evento-tempo, marcando tanto o aspecto cortante e arriscado do orixá-Tempo como as lentas maturações que, da Aurora até o Crepúsculo, lhe permitiram mastigar e destacar o essencial.

Dobrando a espiritualidade na ciênciaQual a significação dessas considerações? É que fazer-ciência, aprender, logo ensinar, cuidar… todas as reações que temos com o saber são plurais: existem muitas entradas no conhecimento. Essas entradas são variadas, às vezes sendo classificadas pela academia em termos de "populares", "práticas", "teóricas". O fazer-ciência é um caminhar: o método (o caminho) cria o tipo de ciência que se possuirá. Não há um método, único, que seja científico. A ciência-Tempo é um tipo de ciência que Nietzsche opôs, na sua época, como "intempestivo", "não-atual", à ciência instituída, pois incompreensível pelos cientistas "normais". Hoje, as enfermeiras lutam pela dignidade epistemológica da ciência-Ossãe na academia. Mas não se trata somente de caminho, método. A ciência é, também, assunto de energias. Todos os cientistas não mexem com os mesmos tipos de energias; energias diferentes são envolvidas em práticas cognitivas diferentes. Por isso se diz que o caminho tomado participa do conhecimento produzido. A maneira de entrar no saber define um tipo de saber específico.Agora devem-se discutir as idéias de universalidade e comunidade, pois a tradição africana é comunitária. Com efeito, o conhecimento não se transmite fora da vivência do iniciado na comunidade; as abstrações construídas (para falar aquela estranha língua acadêmica) são sempre relacionadas a um contexto enunciativo único, por exemplo o mito, com seus arquétipos, é uma narrativa que toma seu sentido somente em uma situação de diálogo, racional, emocional, sensível e intuitivo, com o ouvinte, no momento presente. Mas o mesmo mito está virtualmente grávido de sentidos múltiplos e plurais. Contrariamente à tradição racionalista ocidental, o nagô ou o banto afirma que o sujeito e o objeto, na relação de saber, são sempre dobrados um dentro do outro – o que não impede o surgimento de abstrações, de textos cujo sentido está aberto a

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significações diferentes. Daí, uma ligação original entre o comunitário e o universal: um outro nunca fará exatamente a mesma experiência ao criar as mesmas condições, uma vez que reencontrar as mesmas condições é impossível. Mexe-se com singularidades, conforme as tendências da ciência atual apontadas por Deleuze na primeira citação deste artigo. As abstrações – que são mais o resultado de uma operação de fusão que de construção (muito sólida, dura, a construção, que tem pouco a ver com as energias sutis envolvidas no processo de aprendizagem iniciático) – são aquelas noções universais que Spinoza, na Ética, II, Prop. XL, Escólio 1, definia assim:Tantas imagens – imagens de homens por exemplo – se formam ao mesmo tempo no corpo humano, que ultrapassam a força de imaginar, não completamente de verdade, mas a tal ponto, todavia, que o espírito não possa imaginar nem as pequenas diferenças que existem entre cada um destes homens (tais como a cor, o tamanho etc., de cada um), nem o seu número determinado, e que imagine distintamente apenas aquilo em que todos são convenientes, enquanto o corpo está afetado por eles; pois é por isso que o corpo foi mais afetado, uma vez que foi por cada homem em particular; e isso, o espírito o exprime pelo nome de homem e o afirma de uma infinidade de seres particulares; pois, como já dissemos, ele não pode imaginar o número determinado dos seres particulares.Mas, diferentemente do sábio da tradição ocidental que esqueceu as pequenas diferenças abandonadas no processo de abstração, o sábio nagô ou banto nunca esquece as singularidades que a língua, sem graça, traduz e trai através das noções universais. Ser filho de Xangô6 é ser ligado aos mitos de Xangô. Mas atuando esses mitos de modo, cada vez, único. E de maneira ainda muito especial, uma vez que existem 12 Xangôs diferentes. Isso, por falarmos em relação à singularidade comunitária, que cria confluências rumo ao universal que nunca esquecem suas origens sensíveis no múltiplo, no pipocado do existir. Era como o avesso das coisas, o estar afetado que os nomes sempre escondem e, aos poucos, esquecem. Mais direto, o lado que olha para nós, poder-se-ia receber a seguinte formulação: as várias entradas no conhecimento – e os múltiplos tipos de conhecimento criados por essas entradas – são, epistemicamente, isto é, consideradas em relação às características daquele que conhece, determinadas pelo campo de energias chamadas de "orixás". Pouparemos aos leitores uma relação de todos os orixás e do tipo de ciência que cada um providencia, para nos concentrarmos sobre uma questão difícil: podem-se transferir as características epistêmicas para epistemológicas? Isto é: o fato de que um filho de Xangô (Spinoza, provavelmente) não faz ciência como um filho do Tempo (Nietzsche), apesar dos numerosos pontos de encontro possíveis no conteúdo, significa, também, que as ciências são diferentes? Ou se trata da mesma ciência, considerada a partir de olhares humanos, filosóficos e até psicológicos, diferentes? Metaforicamente falamos de ciência-Tempo, de ciência-Ossãe etc. Ou será a metáfora o desvelamento da verdade? Responder a esta questão supera as nossas forças atuais. Indicamo-la, a fim de abrir o espírito dos cientistas sociais: "O que vocês estão fazendo?" "Com qual energia vocês agem, imaginam e pensam, ao escrever o seu livro ou artigo para uma revista especializada?"Na área das ciências do ser humano e da sociedade, pretendemos experimentar a idéia heurística (hipótese impossível de ser comprovada mas orientadora e necessária para

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produzir o conhecimento) de que há uma policientificidade, um policientismo, como se fala de politeísmo. Isso, pelo menos por razões éticas: enfraquecer o orgulho dos cientistas, ao afirmar: "O seu Deus, a sua Ciência, a sua Sociologia, com tantos maiúsculos, é somente uma ciência entre as sociologias (ou psicologias etc.) possíveis!" A ciência, na sua unidade universal, no caso a sociologia, seria o jogo de diferenças e de semelhanças entre a sociologia-Xangô, a sociologia-Ossãe, a sociologia-Tempo etc., etc. Assim resgatamos a ligação entre sabor, saber e sabedoria (sabor: a diversidade da experiência, antes que esta seja nomeada, recoberta por noções universais; saber: produto de um conjunto de operações, nas quais os diferentes processos de abstração desempenham um papel central; sabedoria: união singular, em um ser humano, de sabores e saberes, que permite relacioná-lo com a Natureza inteira). O equilíbrio entre as energias naturais-espirituais chamadas de orixás, que a tradição africana preservou durante séculos, até em terra brasileira, permitiu vencer na prova sofrida por todas as coisas sob o sol: o tempo. Isso significa que a referida tradição mostrou o seu poder integrador da variedade humana. Daí mostramos o interesse heurístico de referir-se ao candomblé na nossa elaboração da ciência da sociedade e do ser humano. Os leitores que conhecem os mitos de qualquer tradição, grega ou outra, sabem que o olhar-ouvir-sentir que eles proporcionam é mais abrangente que o mero olhar científico. O afastamento da consciência da humanidade dos seus mitos, em nome da ciência, não foi uma boa coisa, pois, queiramos ou não, esses mitos agem. Assim age o mito da ruptura radical, que cada geração de cientistas reproduz em uma área do conhecimento ou outra, acreditando a ruptura ser um dado histórico "objetivo", empiricamente verificável, quando é uma das grandes figuras míticas do nascimento. A atitude reducionista que privilegia apenas um mito, como a psicanálise freudiana, gera do seu lado uma cientificidade parcial, mutilada. Por isso preferimos nos referir a um universo mítico completo, e convocar uma grande variedade de mitos para nos conscientizar e, logo, distanciar da implicação do discurso científico nas narrativas arquetípicas da humanidade.O mito dentro do qual nossa ciência social pensa fica invisível, uma vez que estamos dentro dele; ele é nosso mundo, o ar que respiramos. Por exemplo, um grande cientista, o autor da Crítica da economia política, que estabeleceu as leis do valor e explicou a formação da mais-valia, precisava de mitos implícitos relacionados à energética e ao trabalho do ferro para fazer do "tempo de trabalho médio socialmente necessário" a medida de todo valor, inclusive do valor da força de trabalho. Vivia na época da termodinâmica, da máquina a vapor: sua ciência, até nos seus aspectos considerados como universais, estava implicada, dobrada nos mitos da idade do ferro. Isso não impede os problemas locais desenvolvidos pelos cientistas de estarem freqüentemente longe dos arquétipos míticos e suscetíveis, às vezes, de falsificação. Mas a orientação global da teoria é, pelo menos nas ciências humanas e sociais, baseada em seres lógicos ambíguos, intermediários entre a imagem e o conceito. Vemos assim que a ligação entre racionalidade e imaginário é uma ligação forte, característica do pensamento humano no seu aspecto criador, a imaginação. Mais uma vez citaremos Michel Serres (1994, pp. 229-230):

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Existe mito na ciência, e ciência nos mitos. É ainda preciso narrar esta imensa história ou lenda, não fragmentada […]. A dicotomia está nas cabeças. E nas instituições; nos jornais; no intercâmbio convencional; nas grandes correntes de pensamento, como se diz. Em todos os lugares. Salvo nas ciências inventivas, ativas, e nas histórias de velhinhas. Salvo na ponta extrema, fina e rápida, e na base mais lenta. Salvo no cume da montanha onde se chega após esforços extremos e toda uma vida de treinamento, e entre os idosos, nas ocas do vale. Salvo em ponta e na base. No meio, o intercâmbio usual está cercado de nuvens, nevoeiros e vapores.No lado das ciências experimentais, lembramos que o físico Niels Bohr (1995), cuja obra na área da física atômica marcou o século XX, definia o fenômeno como constituído tanto do objeto que estamos experimentando como do dispositivo experimental que permite a observação do mesmo. Já que o aparelho de medida interfere sobre o objeto a ser medido, ele pertence ao fenômeno. Isso é a grande revolução epistemológica da física quântica: um fenômeno não pressupõe somente um objeto ligado às nossas capacidades de perceber e raciocinar (o que seria um "fenômeno" no sentido de Kant), mas é um fenômeno enquanto estiver ligado ao dispositivo experimental, ao dispositivo que permite o conhecimento.Isso é umas das coisas mais importantes que Bohr trouxe à reflexão epistemológica. É muito estranho que as ciências humanas tenham tantas dificuldades para reconhecer o que a física reconheceu há já mais de 50 anos, o fato de que cada abordagem teórica e cada dispositivo de olhar, da observação, modificam o objeto de estudo... que nunca estudamos um objeto neutro, mas sempre um objeto implicado, caracterizado pela teoria e pelo dispositivo que permite vê-lo, observá-lo, conhecê-lo. A nossa pergunta, logo, tem esta forma: Será que os mitos relacionados com as energias básicas da natureza (chamadas, na cultura afro-brasileira, de orixás) são implicados, queiramos ou não, nos fenômenos que pretendemos observar?Uma resposta negativa conduziria de novo à visão tradicional da ciência, caracterizada pela sua ruptura epistemológica radical com o mundo mítico. Mas neste caso deve-se considerar com muita atenção os críticos radicais das ciências sociais e humanas que afirmam, como Popper (1985), que estas não são ciências, mas somente narrações, discursos de verdade e não discursos verdadeiros: como poderíamos criar um discurso sobre as narrativas sociais que escaparia às implicações características dessas narrativas?Uma resposta afirmativa implicaria que assumíssemos as nossas implicações como partes constituintes do objeto estudado. Daí, uma dobra epistemológica – e não apenas epistêmica – da espiritualidade (no caso, africana) na ciência, o que é o limite que podemos atingir na alteração das posições instituídas, dicotômicas entre mito e ciência. Pode-se sempre reduzir a espiritualidade à ideologia e, logo, as implicações espirituais às ideológicas. O problema não desaparece: com efeito, a ideologia assim entendida contém um "núcleo de verdade" (conforme, por exemplo, o "bom senso" de Gramsci 1985), aspectos universais presos nas contradições históricas etc. que, por seu lado, a referência mítica assume sob o nome de arquétipos. No seu estudo famoso sobre a "imaginação científica", Gerald Holton (1981) parece ter encontrado alguns arquétipos imaginários que o pensamento científico desenvolve mais ou menos conscientemente

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(por exemplo, continuidade x descontinuidade). Queremos encontrar as narrativas (os mitos) pelas quais esses arquétipos receberam sua significação, o que permitirá, talvez, distinguir vários tipos de continuidade e descontinuidade. A nossa crença é que a velha humanidade, na sua experiência global, "sabe" aquelas coisas claro-escuras que desconhece a ciência normal, apesar de usá-las. É a crença inversa da de Bachelard (1972), que evidenciou a qualidade diferente (e superior) do saber dos cientistas que, heroicamente, se afastaram do claro-escuro do conhecimento ordinário, e criaram assim a juventude perpétua dos que souberam dizer "não" ao saber instituído, legitimado pelas melhores tradições. Quem enxerga bem, quando se trata das ciências da sociedade e do ser humano?Com as velhinhas de Michel Serres escolhemos estar aqui, no limiar da loucura, do impensável, do inefável: contemplando a morte de um modelo, clivado, do pensamento. A morte do sol, da luz apoloniana, o nascer do conhecimento escuro, confuso, preto, não óbvio, que talvez será um dos paradigmas do século XXI.

A ciência pode ter o status paradoxal de uma disciplina fundada sobre mitos, que seja capaz de produzir objetos não-míticosAssim pode a ciência-Ogum (a ciência segundo Deleuze-Guattari) produzir objetos não-míticos, isto é, que sejam traduzíveis na língua da ciência-Ossãe (a ciência procurada, por exemplo, pelas enfermeiras a partir da prática do cuidar) etc. A invenção científica, segundo a primeira, necessita da presença de uma máquina de guerra que captura e altera tanto os saberes acadêmicos como as práticas cotidianas do cuidar pelas profissionais; de acordo com a segunda forma de ciência, para inventar são necessários a cautela, o rigor, a precisão, a intuição e a sensibilidade daquelas que desenvolvem uma relação de empatiacom o paciente. Duas episteme, dois problemas, dois tipos de "objetos". Mas sempre a tradução é possível. É só "medir" o custo em traição da tradução – salvo ao considerarmos, fiéis à experiência daquele que está entre as duas línguas, isto é, do tradutor, quetraduzir, em lugar de perder informação, traz mais sentido, mais saber, mais vida ao texto original. Neste caso, "mediremos" o ganho em traição! – apostando numa filosofia positiva e alegre da diferença, da multiplicidade, da proliferação, contra a tristeza das filosofias da pureza, da autenticidade e da identidade.

As candangas, a nomeação e a alteração de Graziela-Adélia, Gradziélia a velada, a escondida, Graça a claro-escura filha que assobia na trovoada e no nevoeiroNo fascinante livro Bailarino-Pesquisador-Intérprete: Processo de formação, Graziela Rodrigues (1997) descreve o caminho e as energias encontradas na formação (ou talvez: no nascimento) do seu corpo sábio, pensador, de bailarina:1) Freqüentou as mulheres candangas de Brasília, compartilhando incógnita, com os sentidos abertos e sem interpretar o que sentia, os ônibus, e em seguida uma agência de empregos domésticos. Ela comenta (idem, p. 18): "Diante da vida do povo sofrido, a gente não fala, só sabe calar: esquece as idéias do povo sabido e fica humilde, começa a pensar…"2) Durante esses três meses de convivência diária, abriu-se um novo espaço. Por exemplo, uma história de grande desilusão contada por uma candanga era concluída por

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frases tais como: "Mas eu tenho a força da Pomba-Gira, ou a noitinha minha sereia penetra a fresta de meu barraco, cheia de luz trazendo um recado" (idem, p. 19).3) De volta ao espaço profissional da sala de dança, a prática do diretor era trabalhar com base nos diários de campo:No início o corpo não respondia, mas aos poucos foram emergindo registros emocionais, somatório do universo vivenciado na pesquisa de campo com a minha própria memória afetiva. O corpo foi assumindo várias sensações e configurações decorrentes das imagens de lugares vividos em campo e das imagens "desconhecidas" situadas em mim mesma. Estas imagens conjugadas apresentavam uma nova configuração de paisagem – espaço onde se desenvolvem experiências de vida, que se instaurava no corpo. (Ibid, p. 19)4) Apresentou-se o nome da personagem, síntese de todas as mulheres da pesquisa, das mulheres candangas. Chamava-se Graça. Daí o nascimento do espetáculo: "Graça bailarina de Jesus ou Sete Linhas de Umbanda, Salvem o Brasil".5) Graziela Rodrigues conclui teoricamente:Vivi na própria pele umas tantas "mulheres obscuras", bem ditas por Cora Coralina, provindas de universos urbanos, suburbanos e rurais do Brasil. Elas me ensinaram a rebojar. O rebojo é a parte do rio onde as águas se agitam, rodando, pela presença de uma parte funda e afunilada de pedras. O perigo é denunciado pela efervescência das águas, cuja agitação atinge a superfície. Quando algum objeto ou pessoa cai no rebojo, vem à tona, rodando, antes de desaparecer. Rebojar é exatamente sair do fundo do rebojo até a veia d'água. (Núbia Gomes e Edimilson Pereira, 1988: Negras raízes mineiras: os Arturos) (Ibid., p. 20)Não se trata da mera procura narcisista de si: é o próprio "corpo brasileiro", constituído na margem da sociedade, em festas e rituais populares (no caso, particularmente a umbanda), que é procurado. Sendo uma personagem-chave, encontrada no processo de pesquisa, uma Pomba-Gira chamada de Maceió, "Exu mensageira, ponte entre Europa e Recife, com desvio por Angola. Pomba-Gira, filha da feiticeira ibérica tradicional, revista pelo Portugal escravista e confirmada pela Colônia, onde tornou a cruzar mandingueiros e ciganos" (ibid., p. 29), é a constituição do povo brasileiro, notadamente através da escravidão e do confronto/troca entre culturas, tais como ela foi internalizada e silenciada dentro do corpo, que é interrogada na experiência singular de pesquisa de Graziela Rodrigues.Os resultados obtidos, relacionados aos bailarinos que vivenciaram o Processo, deram-se principalmente quanto à descoberta de seu potencial e de uma autonomia quanto a sua condução. A consciência de seus preconceitos, o questionamento de valores, a aceitação de seus conflitos e a identificação de que o modelo encontra-se dentro deles produziram um sentimento por eles traduzido como de "estar com o corpo vivo". (ibid., p. 24)Trabalho de empatia com as mulheres reais, que sofrem e resistem, descoberta dos corpos de mulheres conservados vivos nas culturas de resistência, colocação em crise do seu próprio corpo construído pela academia, expressão de um modelo espiritual de corpo popular, entre outros possíveis (virtuais)… para mim, a obra de Graziela Rodrigues situa-se na filosofia da sociopoética, teoria da pesquisa e do ensino-

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aprendizagem que caracterizamos a partir das cinco afirmativas seguintes, tomadas simultaneamente, que permitem transformar poeticamente para conhecer:• pesquisar com todo o corpo, isto é, razão, emoção, intuição e sensação;• não separar a arte da racionalidade na construção do conhecimento;• relacionar-se aos saberes das culturas dominadas e de resistência;• não separar ciência e espiritualidade;• fazer com que os participantes da pesquisa se tornem co-pesquisadores.Nossa proposta desenvolve-se no sentido de instituir um diálogo permanente, dentro da ciência, entre as culturas sobre o que é a ciência (ver Gauthier e Santos 1996). Daí idealizamos várias pesquisas inter e transculturais e criamos os encontros de Pesquisa Artística e Transcultural em Educação (Partranse), associando notadamente povos indígenas, pessoas do candomblé, movimentos sociais e movimentos de mulheres na busca de uma cientificidade co-produzida, e não imposta pela civilização colonizadora.Na experiência de Graziela Rodrigues vejo, obviamente, uma ciência da transformação (pela crise e sua superação), graças à ação de um terço incluído, aos poucos desvelado no seu próprio corpo: Exu em sua forma feminina de Pomba-Gira. Vejo também um método e uma energética que se podem chamar de ciência-Oxalá.7 Em suas duas formas, Oxalá é uma máquina de alteração, pois ele é tão obstinado nas suas intenções que se torna capaz de descumprir as regras que ele mesmo se deu, depois de ter consultado Ifá, o destino. Durante muito tempo procuramos, na sociopoética, uma teoria da alteração do pesquisador, que completasse a teoria da implicação dos socioanalistas. Mas não queríamos uma teoria hegeliana, dialética de tipo: tese-antítese-síntese, que mantivesse a identidade sob a figura da alteridade. Queríamos uma teoria da alteração mesmo. Aí descobrimos a máquina de alteração Oxalá, muito diferente da máquina de guerra nômadeOgum (Deleuze-Guattari). Ela cria uma rede de intensidades que caracteriza um indivíduo, ou melhor, aqui, o rizoma individual Candangas-Graça-Graziela-Diretor-Pomba-Gira. Esse rizoma exprime a confusão – no sentido de Michel Serres – dos mundos que atravessam a pesquisadora. Lembramos que, como criador, Oxalá velho, lento, que anda bem devagar quando se manifesta, gerou Exu-Iangui, o princípio do movimento sem o qual tudo estaria paralisado. Alteração pelo esquecimento, pela sapiência empática, pela oposição a si próprio, mas não existe, nesta poética da formação, nenhuma síntese, a não ser a ampliação do que a pesquisadora-bailarina Graziela chamava de "configurações da paisagem" – simbolizadas por um nome de estranha beleza: Graça bailarina de Jesus ou Sete Linhas de Umbanda, Salvem o Brasil – nas duas direções do Aiôn, nos mundos virtuais da história não escrita (salvo nos corpos das dominadas), das trilhas desconhecidas em que passado e futuro trocam suas apelações. Daí, a Graça, puro evento.

ConclusãoTomamos por referência experiências vividas em culturas tipicamente brasileiras, tais como o candomblé e a umbanda, a fim de participar da descolonização dos espíritos (e dos corpos!). Podíamos, com o mesmo rigor, referir-nos à mitologia grega ou taoísta, ou, sempre dentro de uma perspectiva de descolonização, a uma mitologia indígena. Nos parece que o problema da crise do paradigma nas ciências da sociedade e do ser

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humano poderá ser resolvido somente ao consentirmos uma radical revisão das relações entre ciência e mito, entre ciência e arte, entre ciência e culturas de resistência. Por quê? Porque pensamos que as ciências da sociedade e do ser humano não se enraizaram de maneira satisfatória, ao esquecerem que os grupos humanos são criadores de significações e sentidos. A ciência deve reconhecer que ela é, também, uma criação de significações entre outras, que se articula com essas outras, e não pode isolar-se numa torre de marfim. Assim como existem "jogos de linguagem" (Wittgenstein 1953), existem "jogos de significações", com uma problemática complexa de traduções, fusões, ironias, simulações etc. Pesquisar, entender, conhecer, assim, é brincar no jogo das significações virtuais. Pouco importa que as entidades das religiões afro-brasileiras sejam verdadeiras ou não passem de seres ilusórios. O que é significante é que elas pertencem a um sistema organizador da experiência potente (pois muito diferenciado), suscetível de experimentação e negociação. Daí, a nossa ciência não pode fazer como se este chão de significações não existisse e se construir através da assim chamada "pureza" de rupturas epistemológicas que acreditariam se livrar definitivamente desse chão mítico. Não é assim: a posição da pesquisa científica é de interação polifônica com as significações já construídas pela humanidade – o que não impede momentos de franca ruptura, mas nunca "puras". Como apontou Michel Serres em Atlas, podemos estudar essas interações polifônicas COM (problema da comunicação e do contrato), ATRAVÉS DE (problema da tradução), ENTRE(problema das interferências), POR (problema das passagens), AO LADO DE (problema da parasitagem) e FORA (problema do distanciamento). Todas essas posições relativas entre a ciência e os outros sistemas de significações devem ser meticulosamente exploradas, assim como começamos. Às vezes, nossa contribuição foi orgulhosa. Mas foi somente a expressão momentânea do nosso "rebojar". Indicamos um problema, experimentamos uma trilha até seu limite, para tentar resolvê-lo. Se fomos além do razoável, até a vertigem, foi o preço do risco. Este texto já está chamando respostas.

Notas1. Obviamente, o devir-mulher, tanto difícil para a mulher como para o homem, não impõe nenhuma cirurgia! É o devir-político de quem pensa a mulher fora da imposição criada pelo gênero dominante de escolher entre o homem e a mulher. Como apontou Garfinkel (1967), Agnes é muito conservadora: ela quer consertar para conservar, nela, o gênero instituído "mulher". Ela não inventa uma linha de fuga nova: ela quer um território bem conhecido, que a natureza não soube lhe dar. A linha de fuga não é Agnes: ela existe entre Agnes e Garfinkel. É a máquina de guerra Agnes Garfinkel, nova singularidade, nova individualidade, que é o analisador da produção social das categorias de gênero.2. Elogiando o conhecimento claro-escuro, Michel Serres, que se diz profundamente ligado a Hermes, o Deus mensageiro, merece uma menção especial. Ele enxergou alguns mistérios na escuridão da lama. Meditemos, logo, a seguinte citação, de profunda sabedoria: "Nos livros Rome e Státuas é muitas vezes elogiado o gesto latim de enterrar, encobrir, esconder, colocar na sombra para conservar, opondo-o ao gesto grego de colocar na luz. É pronunciado o elogio mesmo da implicação, do dobramento da massa

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pelo padeiro e pela padaria, mais que da explicação: aí se encaram dois tipos de conhecimentos, cujo segundo só praticamos e estimamos […] Ora, tirar da escuridão é muitas vezes como destruir, e colocar na sombra como proteger. Nunca calculamos o preço dos nossos métodos, os acreditando gratuitos. Tudo se paga: até a clareza, pela escuridão ou destruição às vezes. Dever-se-ia inventar uma teoria do conhecimento escura, confusa, preta, não óbvia, uma teoria do conhecimento adélia – este adjetivo bonito, de sonoridades femininas, significa isso: o que se esconde e não se mostra. Muito antes que a ilha apoliniana de Délos se nomeasse assim, ela se chamava de Adelos, a velada; se você já tentou abordá-la, você sabe sem dúvida que, muito freqüentemente, ela se esconde na trovoada e no nevoeiro. A sombra acompanha a clareza como, em outros lugares, a antimatéria avizinha a matéria" (Serres 1994, pp. 214-215).3. Orixá patrono do movimento, da expansão, do desenvolvimento. Diz a tradição nagô que cada ser e cada coisa tem o seu Exu particular; sem ele, todo o sistema de seres e coisas estaria paralisado. Exu constitui o princípio da existência individualizada. É o principal responsável pela integração entre orun e aiê, céu e terra, sendo considerado o mensageiro dos demais orixás. (In: Sodré e Lima 1996). Exu tem o poder de desfazer o que ele fez, logo, desmembrar o indivíduo.4. Sodré e Lima continuam: "Segundo alguns mitos, transforma-se em touro. Segundo outros, em borboleta. Certa qualidade de Oiá é patrona dos espíritos ancestrais. Também conhecida como Iansã."5. Orixá padrão dos candomblés da nação Angola. Materializado nos terreiros por uma árvore sagrada que se enraíza no mundo dos ancestrais e desenvolve sua folhagem no mundo dos vivos, o orixá-Tempo se manifesta através de formas muito firmes, afirmativas que cortam, mudanças inesperadas, e também por regulações visíveis e invisíveis, esperas sem limites…6. Orixá do trovão, ancestral divinizado da dinastia dos Alafin, reis da cidade iorubá de Oió. É associado ao elemento fogo (Sodré e Lima, op. cit.). Zaze pelos Bantos.7. Orixá considerado o pai da criação, relacionado aos elementos água e ar e à cor branca. Simboliza o princípio masculino (Sodré e Lima, op. cit.). Oxalá se realiza em duas formas: Oxaguian, o jovem guerreiro, e Oxalufan, o velho sábio que traz paz, dedicação ao próximo e harmonia.

What is searching? Between Deleuze-Guattari and Candomblé, thinking about myth, science, art and cultures of resistance

ABSTRACT: Actual science is a science of events and occurrences. After Deleuze, studying the difference between event and occurrence in the stoician philosophy, the author characterises several ways to "make science": the double capture which is, in a transcultural vision, related to the god Ogum in the candomblé; the dark maturation, related to the goddess Ossãe etc. After Spinoza, the question of the local and the universal in the construction of knowledges is examined; after Michel Serres, the problem of articulation between myth and science. Graziela Rodrigues' research,

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`Bailarino-pesquisador-intérprete: Processo de formação' is an example of an innovated, transcultural and social poetic approach. There's a question left to conclude this article: does the end of colonisation of spirits (and bodies) pass though the creation of a transculturalepisteme?

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* Doutor em Ciências da Educação; Pesquisador da Universidade de Paris III;(Equipe de Pesquisa Pós-Doutoral ESCOL Education, Socialisation et Collectivités Locales); Pesquisador do Desenvolvimento Científico Regional CNPq / Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Email: [email protected] the contents of www.scielo.br, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License CEDESCaixa Postal 6022 - Unicamp13084-971 Campinas SP - BrazilTel. / Fax: +55 19 3521-6710

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8- Cultura NegraA Casa das Minas (Kwerebentan to Zomadonu) e o Tambor de MinaAbril 23, 2011 por Hùngbónò Charles

A Casa das MinasCasa das Minas é o terreiro de tambor de mina mais antigo de São Luís. Foi fundada em 1840 por escravizadas(os) africanas(os) procedentes de Dahomey, atual República do Benin. As(Os) africanas(os) denominavam a Casa de Querebentã de Zomadonu. A fundadora do terreiro, conhecida como Maria Jesuína, era consagrada ao vodun Zomadonu, o dono da casa. Segundo as pesquisas realizadas por Pierre Verger revelaram que a Casa das Minas foi fundada pela rainha Nà Agontimé, viúva do Rei Agonglô (1789-1797) e mãe do Rei Ghezo do Daomé. Em Colóquio da UNESCO, em São Luís, no ano de 1985, para discutir Sobrevivências das Tradições Religiosas na América Latina e Caribe é assinalado que:“A casa fundada no Brasil pela Rainha Agontimé, mãe do Rei Ghezo, condenada à deportação a seguir a um ajuste de contas no seio da família real, antes que seu filho ascendesse ao trono do Dahomey em 1818 e lançasse uma vasta operação de busca a sua mãe. A comunidade da Casa das Minas, com base na família, continua a tradição religiosa real de Zomadonu [...]” (UNESCO: 1986, p. 34). A Casa das Minas possui uma organização matriarcal, sendo, portanto, chefiada por mulheres. Começando pelas mães: Na Agontimé, Luísa, Hosana, Andresa Maria (uma das mães mais conhecidas da Casa das Minas, que a governou entre 1914 e 1954)e Leocádia (Vodunsi Gonjai). Depois vieram as mães: Anéris Santos, Manoca, Filomena, Amância, Amélia Vieira Pinto até chegar à Mãe Deni. Mãe Deni, vodunsi de Toi Lépon, é a nona dirigente da Casa. Os voduns da Casa são agrupados em quatro famílias principais: Davice (a mais importante); Dambirá; Quevioso; e Savalunu. Tambor de Mina é o nome dado à religião de origem africana no Maranhão. O modelo

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de organização dos terreiros de tambor de mina é muito influenciado pela Casa das Minas que foi tombada pelo IPHAN em 2002.Os Voduns do Tambor de MinaOs voduns cultuados na Casa das Minas são em sua grande maioria vindos da cultura do povo Gen do sul do Benin, e estão sob o comando de Zomadonu, embora a grande comandante da casa seja Nochê Naé.“O panteão da Casa das Minas”“Embora a Casa das Minas não tenha originado outras casas de culto, sua estrutura e panteão tem sido um modelo para outras casas.Os voduns, deuses do povo fon ou jeje são forças da natureza e antepassados humanos divinizados. Os voduns cultuados na Casa das Minas estão agrupados nas famílias de Davice, Dambirá, Savaluno e Queviossô (Ferretti, 1989, 1996).Alguns voduns jovens chamados toqüéns ou toqüenos cumprem a função de guias, mensageiros, ajudantes dos outros voduns. São eles que “vêm” na frente e chamam os outros. Têm cerca de quinze anos de idade, podendo ser masculinos ou femininos, pertencendo a maioria à família de Davice. Nos clãs de Quevioçô e Dambirá são os voduns mais jovens que desempenham esse papel.Além dos voduns, fazem parte do panteão da Casa das Minas as Tobôssis, divindades infantis femininas, consideradas filhas dos voduns, recebidas pelas dançantes com iniciação plena, as chamadas vodúnsi-gonjaí. As princesas meninas não vêm mais na Casa das Minas. Com a morte das últimas vodúnsi-gonjaí, parte do processo de iniciação se perdeu, de modo que as dançantes remanescentes não tiveram iniciação no grau de gonjaí, de senioridade. E as Tobôssis não vieram mais na Casa das Minas. Diferentemente dos voduns, que podem manifestar-se em diferentes adeptos, a Tobôssi, na Casa das Minas, é considerada entidade única, exclusiva de sua vodúnsi-gonjaí, e que desaparece com a morte da dançante que a recebia, não se incorporando depois em mais ninguém.Os voduns e suas famíliasConforme estudos exaustivos de Sérgio Ferretti já citados, assim se configura o panteão dos voduns na Casa das Minas, família por família:Família de DaviceA Família de Davice reúne os voduns da família real do Abomey, no antigo Daomé, atual Benim, e é composta dos seguintes voduns:Nochê Naê, Mãe Naê – a vodum mais velha e ancestral mítica do clã. Chefe das Tobôssis e considerada a Mãe de Todos os VodunsZomadônu – o dono da Casa das Minas e chefe de uma das linhagens da família de Davice. Rei e pai dos toqüéns Toçá e Tocé (gêmeos), Jagoboroçu (Boçu) e Apoji. Zomadônu é filho de Acoicinacaba.Acoicinacaba (Coicinacaba) – pai de Zomadônu e filho de Dadarrô.Dadarrô – chefe da primeira linhagem da família; vodum mais velho da família de Davice. Casado com Naedona e pai de Acoicinacaba, portanto, avô de Zomadônu. É pai de Sepazim, Doçu, Bedigá, Nanim e Apojevó. Representa o governo e é protetor dos homens de dinheiro.

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Naedona (Naiadona ou Naegongom) – esposa de Dadarrô e mãe de Sepazim, Doçu, Bedigá, Nanim e Apojevó.Arronoviçavá – irmão de Naedona, é cambinda (mas considerado jeje por outras casas).Sepazim – princesa casada com Daco-Donu, com quem teve um filho chamado Tói Daco, que é toqüém.Daco-Donu – marido de Sepazim, pai de Daco.Daco – filho de Sepazim e Daco-Donu. Toqüém.Doçu (Doçu-Agajá, Maçon, Huntó ou Bogueçá) – jovem cavaleiro, boêmio, poeta, compositor e tocador. Pai dos três toqüéns Doçupé, Nochê Decé e Nochê Acuevi.Doçupé – filho de Doçu. Toqüém.Nochê Decé – filha de Doçu. Toqüém.Nochê Acuevi – filha de Doçu. Toqüém.Bedigá – também cavaleiro como o irmão Doçu. Aceitou a coroa do pai Dadarrô que Doçu tinha recusado. Protetor dos governantes, advogados e juízes.Apojevó – filho mais novo de Dadarrô. Toqüém.Nochê Nanim (Ananim) – filha adotiva de Dadarrô, criou Daco (neto de Dadarrô) e Apojevó (seu irmão mais novo).Família de SavalunoFamília de Savaluno. É uma família de voduns amigos da família de Davice. Não são jejes e são hóspedes na Casa das Minas.Topa – um vodum solitário, o qual tem mais dois irmãos, Agongono e Zacá.Zacá (Azacá) - vodum caçador.Agongono – vodum que se relaciona com os astros; amigo de Zomadônu e pai de Jotim.Jotim – filho de Agongono. Toqüém.Família de Dambirá (Damballah)Família de Dambirá. Reúne os voduns da terra, ligados às doenças e às curas.Acóssi Sapatá (Acóssi, Acossapatá ou Odan) – curador e cientista, conhece o remédio para todas as doenças. Ficou doente também por tratar os enfermos. Pai de Lepom, Poliboji, Borutoi, Bogono, Alogué, Boça, Boçucó e dos gêmeos Roeju e Aboju.Azile – irmão de Acóssi. Também é doente.Azonce (Azonço, Agonço ou Dambirá-Agonço) – irmão de Acóssi e Azile, o único que não é doente. É velho e é nagô. Pai de Euá.Euá – filha de Azonce, também é nagô.Lepom – filho mais velho de Acóssi. Vodum velho.Poliboji – também vodum velho.Borutoi (Borotoe ou Abatotoe) – vodum velho. Usa bengala.Bogono (Bogon ou Bagolo) – diz-se que se transforma em sapo.Alogué – diz-se que é aleijado.Boça (Boçalabê) – mocinha alegre, está sempre com o irmão Boçucó. Toqüém.Boçucó- outro dos irmãos mais novos. Toqüém.Roeju e Aboju – irmãos gêmeos. Ambos toqüéns.Família de QueviosoFamília de Quevioso. É família de voduns considerados nagôs, embora não sejam orixás (entre eles, apenas Nanã é cultuada nos candomblés de orixá, tendo sido incorporada ao

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panteão iorubá desde a África, assim como seus filhos Omulu e Oxumarê). Quase todos são mudos para evitar que revelem os segredos dos nagôs ao pessoal da Casa das Minas, onde são hóspedes de Zomadônu.Nanã (Nanã Biocã, Nanã Burucu, Nanã Borocô ou Nanã Borotoi) – diz-se que é de Davice mas auxilia Quevioso. É a nagô mais velha, a que trouxe os outros. Alguns dizem, ser ela a mesma Nochê Naé e a mesma Vó Missã dos nagôs.Naité (Anaité ou Deguesina) – mulher velha que representa a lua.Nochê Sobô (Sobô Babadi) – considerada mãe de todos os voduns de Quevioçô (Badé, Lissá, Loco, Ajanutoi, Averequete e Abé). Representa o raio e o trovão.Badé (Nenem Quevioso) – representa o corisco. Equivale a Xangô entre os nagôs. É mudo e se comunica por sinais.Lissá - vodum dos astros. Representa o sol. É vadio e anda muito. Também é mudo.Loco – representa o vento e a tempestade. Também é mudo.Ajanutoi – é surdo-mudo e não gosta de crianças.Abé – vodum dos astros, como Loco. Representa o cometa, uma estrela caída nas águas do mar. Vodum jovem e mulher. Uma dos poucos do clã que falam. É toqüém. Corresponde ao orixá Iemanjá dos nagôs.Averequete (Verequete) – Também fala e é toqüém.Há dois voduns amigos da família de Quevioso que tomam conta dos filhos de Dambirá. São eles:Ajautó de Aladá (Aladanu) – amigo da casa. Pai de Avrejó. É velho e usa bengala. Ajuda Acóssi, que é doente. Mora com o povo de Quevioso. É rei nagô, protetor dos advogados.Avrejó – Filho de Ajautó. Toqüém.Legba ou Legbara, figura comum nas religiões afro-brasileiras, conhecido em outras “nações” pelo nome de Exu, é a divindade que assume a função de trickster ou trapaceiro. Não tem culto organizado na Casa das Minas, onde é identificado com Satanás, o Mal. Não é aceito como mensageiro, mesmo porque quem realiza essa função são os toqüéns. Apesar de não ter culto organizado, verificam-se uns poucos gestos rituais ligados a Legba, como por exemplo, certos cânticos pedindo para que Legba se afaste, que são cantados ao início de todo tambor. Ocupa, entretanto, lugar importante em outros terreiros influentes de São Luís.Há outros voduns do tambor-de-mina que não aparecem nesta classificação por não serem referidos na Casa das Minas, mas que são cultuados em outros terreiros, como Boço Jara, Xadantã e Vondereji presentes na Casa de Nagô.”Nas Pegadas dos Voduns. Um terreiro de tambor-de-mina em São Paulo. Reginaldo Prandi).Existe também o Tambor de Mina Nagô, onde são cultuados alguns Orixás, juntamente com os voduns. A Casa de Nagô (Nagon Abioton), fundada por africanos de tradição yourubá, mais precisamente, de Abeokuta, deu origem a outros terreiros de São Luís, em que são recebidas entidades africanas jeje-nagôs, como: Doçu, Averequete, Ewá, Aziri, Acóssi, Nanã Buruku, Xapanã, Ogum, Xangô, Badé, Locô, Iemanjá (Abê), Lissá, Naeté, Sogbô, Avó Missã.

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No culto do Tambor de Mina, assim como no Batuque do Rio Grande do Sul, ainda existe muito sincretismo, sendo que nas casas de Tambor de Mina há um local destinado exclusivamente para os santos católicos (é erguida uma espécie de capelinha) e é devido a isso a Casa das Minas considerar o Legba um ser do mal, embora outras casas o tenham como um Vodum importantíssimo.