fichamento capitulo 3 serviço social capital fetiche

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Iamamoto, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2010. Capítulo III- A produção teórica brasileira sobre os fundamentos do trabalho do assistente social 1. Rumos da análise “ É, também, reconhecida a hegemonia que as interpretações de caráter histórico-crítico foram assumindo progressivamente na liderança do debate acadêmico-profissional brasileiro, a partir da década de 80.” (p. 212) “ [...] certamente, a concepção de profissão elaborada pela autora na década de 80, aqui submetida a um balanço crítico ante as novas condições sócio-históricas no trânsito do século XX para o XXI. A Hipótese é que essa análise da profissão na divisão social e técnica do trabalho foi largamente incorporada pela categoria profissional, tornando-se de domínio público, o mesmo não ocorrendo com os seus fundamentos referentes ao processo de produção e reprodução das relações sociais, o que justifica a necessidade de sua retomada e aprofundamento, com foco privilegiado no trabalho e sociabilidade na ordem do capital, como subsídio para se pensar o exercício da profissão na atualidade.” (p. 213) “ Assim, a novidade está no fato de que os interlocutores são parceiros – e não opositores – inscritos em um universo teórico soldado pela teoria social crítica – ou em áreas fronteiriças que se aproximam no campo político -, ainda que abordados sob diversas inspirações teóricas que vão desde o hegelianismo, ao amplo campo da tradição marxista: Marx, Lukács e Gramsci.” (p. 213) “ No lapso das duas últimas décadas, a restrita mas fecundaliteratura profissional no âmbito da renovação crítica do Serviço Social voltada aos fundamentos do Serviço Social – em suas dimensões históricas, teórico-metodológicas e éticas – tratou, sob diferentes ângulos, da natureza particular da

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capitulo 3 serviço social em tempo de capital fetiche

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Page 1: Fichamento Capitulo 3 Serviço Social Capital Fetiche

Iamamoto, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2010.

Capítulo III- A produção teórica brasileira sobre os fundamentos do trabalho do assistente social

1. Rumos da análise

“ É, também, reconhecida a hegemonia que as interpretações de caráter histórico-crítico foram assumindo progressivamente na liderança do debate acadêmico-profissional brasileiro, a partir da década de 80.” (p. 212)

“ [...] certamente, a concepção de profissão elaborada pela autora na década de 80, aqui submetida a um balanço crítico ante as novas condições sócio-históricas no trânsito do século XX para o XXI. A Hipótese é que essa análise da profissão na divisão social e técnica do trabalho foi largamente incorporada pela categoria profissional, tornando-se de domínio público, o mesmo não ocorrendo com os seus fundamentos referentes ao processo de produção e reprodução das relações sociais, o que justifica a necessidade de sua retomada e aprofundamento, com foco privilegiado no trabalho e sociabilidade na ordem do capital, como subsídio para se pensar o exercício da profissão na atualidade.” (p. 213)

“ Assim, a novidade está no fato de que os interlocutores são parceiros – e não opositores – inscritos em um universo teórico soldado pela teoria social crítica – ou em áreas fronteiriças que se aproximam no campo político -, ainda que abordados sob diversas inspirações teóricas que vão desde o hegelianismo, ao amplo campo da tradição marxista: Marx, Lukács e Gramsci.” (p. 213)

“ No lapso das duas últimas décadas, a restrita mas fecundaliteratura profissional no âmbito da renovação crítica do Serviço Social voltada aos fundamentos do Serviço Social – em suas dimensões históricas, teórico-metodológicas e éticas – tratou, sob diferentes ângulos, da natureza particular da profissão na divisão social e técnica do trabalho e sua dimensão ética.”(p. 213)

“ A hipótese que conduz a presente análise é a de que essa literatura centrou-se predominantemente nas particularidades do Serviço Social, enquanto trabalho concreto, segundo focos distintos: as origens da profissão na expansão monopolista e o sincretismo (Netto, 1991b, 1992, 1996); a identidade e a alienação (Martinelli, 1989); as políticas sociais, as relações de força, poder e exploração (Faleiros, 1987a, 1987b, 1999a); a proteção e a assistência social ( Costa, S. G. 2000; Yasbek, 1993, 1998); a hegemonia e a organização da cultura (Simionato, 1995; Abreu, 2002). Entretanto, a análise do processamento do trabalho do assistente social não adquiriu centralidade e nem foi totalizado nas suas múltiplas determinações, estabelecendo-se uma frágil associação entre os fundamentos do Serviço Social e o trabalho profissional cotidiano ”(p. 213 e 214)

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“ Os restritos investimentos no acervo das determinações atinentes à mercantilização dessa força de trabalho especializada, inscrita na organização do trabalho coletivo nas organizações empregadoras, dificultam a elucidação de seu significado social – enquanto trabalho concreto e abstrato – no processo de produção e reprodução das relações sociais, no cenário da sociedade brasileira contemporânea . “ (p. 214)

“ […] a analise do trabalho profissional supõe considerar as tensões entre projetoprofissional e alienação do trabalho social no marco da luta da coletividade dos trabalhadores enquanto classe. “ (p. 214)

1.1. A condição de trabalho assalariado

“ Sendo o Serviço social regulamentado como uma profissão liberal e dispondo o assistente social de relativa autonomia na condução do exercício profissional, tornam-se necessários estatutos legais e éticos que regulamentem socialmente essa atividade. Entretanto essa autonomia é tensionada pela compra e venda dessa força de trabalho especializada a diferentes empregadores: O Estado […], o empresariado, as organizações de trabalhadores e de outros segmentos organizados da sociedade civil.” (p.214 e 215)

“ A força de trabalho do assistente social contém as contradições típicas de toda mercadoria entre trabalho concreto e trabalho abstrato, que preside a sociedade capitalista.” (p. 215)

“ […] a divisão do trabalho não é apenas a divisão de trabalhos úteis de determinadas qualidades; mas uma divisão que supõe relações capitalistas de propriedade – posse ou não de meios de produção – e, portando, a existência de classes sociais.” (p. 216)

“ O assistente social, ao ingressar no mercado de trabalho – condição para que possa exercer a sua profissão como trabalhador assalariado – vende a sua força de trabalho: uma mercadoria que tem um valor de uso, porque responde a uma necessidade social e um valor de troca expresso no trabalho.” (p. 217)

“ Ainda que os profissionais disponham, no mercado de trabalho, de uma relativa autonomia na condução de suas atividades, empregadores articulam um conjunto de condições que informam o processamento da ação e condicionam a possibilidade da realizaçãodos resultados projetados, estabelecendo as condições sociais em que ocorre a materialização do projeto profissional em espaços ocupacionais específicos.” (p. 220)

“ […] se a profissão dispõe de condicionantes sociais, que ultrapassam a vontade e a consciência de seus agentes individuais, ela é também fruto dos sujeitos que a constroem coletivamente, forjado respostas profissionais.” (p. 221)

“ O projeto do Serviços Social brasileiro é historicamente datado, fruto e expressão de um amplo movimento de lutas pela democratização da sociedade e do Estado no País, com forte presença das lutas operárias que impulsionaram a crise da ditadura do grande capital.” (p.223)

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“ A legislação profissional representa uma defesa da autonomia profissional, porque codifica princípios e valores éticos, competências e atribuições, além de conhecimentos essenciais, que tem força de lei, sendo judicialmente reclamáveis.” (p. 224)

“ […] o projeto profissional […] é histórico e dotado de caráter ético-político, que eleva esse projeto a uma dimensão de universalidade, a qual subordinada, ainda que não embace a dimensão técnico-profissional. Isto porque estabelece um norte, quanto a forma de operar o trabalho cotidiano, impregnando-o a interesses da coletividade ou da “grande política”, como momento de afirmação da teologia e da liberdade na práxis social.” (p. 227)

“ [...] A operacionalização do projeto profissional supõe o reconhecimento da arena sócio-histórica que circunscreve o trabalho do assistente social na atualidade, estabelecendo limites e possibilidades à plena realização daquele projeto.” (p. 230)

“ São muitos os desafios atuais. O maior deles étornar esse projeto um guia efetivo para o exercício profissional e consolidá-lo por meio da sua implementação efetiva, ainda que na contramão da maré neoliberal, a partir de suas próprias contradições e das forças políticas que possam somar na direção por ele apontada.” (p. 233)

2. Conquistas e desafios da herança recente

“ […] o Serviço Social ao se colocar como objeto de sua própria pesquisa encontrou-se, concomitantemente, com uma ampla gama de preocupações que envolvem, mas também o exploram concernentes às relações entre o estado e a sociedade civil nos quados da expansão monopolista sob a hegemonia das finanças.” (p. 237)

“ É essa dimensão de universalidade que, acoplada à pesquisa das particularidades históricas do tempo presente, permite incorporar sugestões contidas naquelas fontes para iluminar a analise dos processos sociais em curso e vislumbrar as possibilidades de ação nela inscritas, transformando-as em projetos sociais e/ou profissionais.” (p. 238)

“ O Serviço Social construiu, ao longo de sua existência, uma história de sua prática e uma história do ideário que encorporou para se explicar na sociedade e para nela projetar o seu fazer. Impôs-se, pois, como compulsório, o diálogo com o pensamento social clássico e contemporâneo, que hoje vem sendo aprofundado no debate teórico-metodológico presente no meio acadêmico.” (p. 239)

“ Apeender as múltiplas determinações societárias incidentes no trabalho profissional é de fundamental relevo, mas faz também necessária a vigam de volta que permita um rica releitura desse trabalho saturado daquelas determinações.” (p. 244)

3. O debate sobre as particularidades do trabalho doassistente social

3.1. Um balanço crítico de Relações Sociais e Serviço Social no Brasil

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“ A reprodução ampliada do capital, apreendida no seu movimento, envolve tanto produções de valor novo e de mais-valia quanto reprodução do valor anteriormente existente.” (p. 248)

“ […] “ Os fundamentos do debate sobre o processo capitalista de trabalho”, em seus elementos materiais e subjetivos(objetivos, meios e força viva de trabalho) que são universais, e nas características particulares que assumem sob a órbita do capital.”(p. 248)

“ […] a afirmação do carácter contraditório do exercício profissional foi uma das principais contribuições desta obra no debate sobre o Serviço Social brasileiro. Expressa uma ruptura com as analises uniláteras que situavam o Serviço Social exclusivamente na órbita ora dos interesses do capital, ora dos trabalhadores.” (p. 253)

“ O foco no significado social da profissão na sociedade capitalista rompe com o padrão endógeno, então predominante nas interpretações da profissão. Indagada sobre a sua necessidade social, seus efeitos na sociedade e as mediações sociais por meio das quais se realizam. Em outros termos, procura identificar as particularidades dessa especialização do trabalho abordando-a nas suas dimensões de trabalho concreto e trabalho abstrato.” (p. 254)

“ A possibilidade de imprimir uma direção social ao exercício – como refrações no seu conteúdo e no modo de operá-lo – decorre da relativa autonomia que dispõe o assistente social, respaldada juridicamente na regulamentação da profissão, da formação universitária especializada e no código de ética.” (p.254 e 255)

“ […] o debate atual volta-se àconsideração das específicas condições e relações sociais por maio das quais se realiza o exercício profissional no mercado, no marco de uma organização coletiva do trabalho – e suas implicações, enquanto trabalho concreto e abstrato – no novo cenário nacional e internacional.” (p. 255)

“ Regulamentado como uma profissão liberal, ela dispõe de certos traços típicos, como a reivindicação de uma deontologia, o caráter não rotineiro da intervenção, uma relação singular no contato direto com os usuários dos serviços prestados, com possibilidades de definir a conduta da ação profissional. Todavia o assistente social afirma-se como um trabalhador assalariado, na sociedade brasileira, tendo o Estado como principal empregador, além do empresario.” (p. 255 e 256)

“ O desafio é incorporar e ir além da abordagem do trabalho do assistente social, enquanto trabalho concreto, isto é, de uma qualidade determinada, que satisfaz necessidades sociais, o que foi o foco central do debate profissional sobre as particularidades do Serviço Social nas décadas de 80-2000.” (p. 257)

“ […] é necessário extrapolar o foco corrente centrado na prática profissional, visto que esta se restringe a um dos elementos do exercício profissional historicamente situado: o próprio trabalho, como atividade do sujeito que age, componente subjetivo do processo de trabalho.” (p. 258)

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“ […] ancorada nos dados coligidos na pesquisa histórica (1930-1960). o assistente social é visto como “ profissional da coerção e do consenso.”.” (p. 260)

3.2. A tese do sincretismo e da prática indiferenciada

“ Uma das mais expressivas contribuições para a renovação crítica do Serviço Social brasileiro é deautoria de Netto (1991b, 1992, 1996) […] Elaborada com fina sustentação teórico-metodológica e profundamente enraizada na história do país, na dinâmica da expansão monopolista mundial, ela é responsável por uma culta interlocução da profissão com o pensamento social na modernidade e, especialmente, com representantes clássicos e contemporâneos da tradição crítico-dialética. Poder-se-ia afirmar que, animada por uma vocação histórica exemplar, a tônica que singulariza essa análise é o privilégio da esfera da cultura ou, mais especificamente, da crítica ideocultural, como dimensão constitutiva da luta política pela ruptura da ordem burguesa. “ (p. 264)

“ […] tema que condensa maior polêmica entre os interlocutores – o sincretismo da prática – privilegiando em decorrência do recorte do tema se pretende adensar: o trabalho do assistente social. ( Netto, 1992). A crítica, sem concessões em torno dessa formulação historicamente datada, é acompanhada do reconhecimento da ultrapassagem, na produção subseqüente do autor, da maior parte dos impasses identificados.” (p. 265)

“ […] as demandas sociais e a reserva de forças teóricas e prático-sociais acumuladas pelas assistentes sociais, capazes ou não de responder às requisições externas. Esse percurso tem como centro o sincretismo, traço transversal da natureza do Serviço Social, desbordando-se na caracterização da prática profissional e dos seus parâmetros científicos e ideológicos.” (p. 265)

“ O autor considera a natureza socioprofissional “medularmente sincrética”, “posta a carência do referencial crítico-dialético” (Netto, 1992:88). Esse pressuposto merece atenção, pois condiciona toda a análise daprofissão enfeixada na problemática da “reificação”, terreno em que os processos sociais se mostram na sua fenomenalidade, o que justifica o sincretismo, enquanto princípio constitutivo da natureza da profissão.” (p. 265)

“ Pressupondo a ausência de uma abordagem histórico-crítica, a estrutura sincrética do Serviço Social tem seus fundamentos na: a) questão social, núcleo das demandas histórico-sociais que se apresentam à profissão; b) no cotidiano, como horizonte do exercício profissional; e c) na manipulação de variáveis empíricas, enquanto modalidade específica da intervenção.” (p. 265)

“ Como o sincretismo figura como a face aparente da totalidade do ser social, a natureza da profissão na sociedade burguesa madura é estabelecida a partir da sua fenomenalidade – aprisionada em sua indissociável reificação -, pressupondo a “ausência de referencial crítico dialético”. (p. 267)

“ […] restringir o universo da análise do Serviço Social às formas reificadas de manifestação dos processos sociais, ainda que esse procedimento possa prevalecer no universo profissional,

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denuncia a mistificação, mas não elucida a natureza sócio-histórica dessa especialização do trabalho para além do universo alienado, em que se realiza e se mostra encoberta no sincretismo. Em outros termos, o esforço de desvendamento, ainda que essencial, torna-se parcial e inconcluso.” (p. 267 e 268)

“ Esse estranho silêncio sobre a política, como instância de mediação da relação do homem com sua genericidade na análise de Netto (a qual sempre teve centralidade em sua vida pública), torna opaca, neste texto, a luta de classes na resistência à sociedade do capital. Isso deriva em umavisão cerrada da reificação – forma assumida pela alienação na “idade do monopólio” – e a alienação tende a ser apreendida como um estado e menos como um processo que comporta contratendências, porque as contradições das relações sociais são obscurecidas na lógica de sua exposição.”(p. 269)

“ Após caracterizar o sincretismo no Serviço Social nos termos antes assinalados, Netto (1992) desdobra-o nos níveis da “prática indiferenciada”, do “sincretismo científico” e do “sincretismo ideológico” [...] as análises de Netto (1992) acerca do “sincretismo ideológico” – focando a trajetória da influência conservadora européia e norte-americana na cultura profissional – e acerca do “sincretismo científico” – abordando o embate teórico-metodológico entre as ciências sociais e a teoria social – são, sem sombra de dúvidas, as mais ricas e consistente, que nos foram legadas nas últimas décadas.” (p. 273)

“ Entretanto, a propositora referente ao “sincretismo da prática indiferenciada” [...] Mantida a ausência de uma concepção teórica crítico-dialética, a estrutura sincrética tem sido debitada à “peculiaridade operacional do Serviço Social enquanto prática”, cuja profissionalização alterou a “inserção sócio-ocupacional do assistente social (e o próprio significado social do seu trabalho), mas pouco feriu a estrutura da prática profissional interventiva, em comparação com a prática filantrópica” [...] Ainda que tenha surgido um ator novo cuja prática passa a ser referenciada a um sistema de saber e enquadrada numa rede institucional, de fato, a intervenção não se alterou: mantém-se “pouco discriminada”, com “referencial nebuloso” e “inserção institucionalaleatória”. (p. 273)

“ O que o autor vai acentuar e colocar como centro de sua análise é a “aparência indiferenciada que se reveste a prática profissional”, isto é, a manutenção de uma mesma estrutura da prática interventiva no tocante à sua operacionalidade, similar às suas protoformas. Ainda que reconheça que há um novo significado social para o trabalho profissional, uma vez que opera o corte com a filantropia, à medida que o Estado, na expansão monopolista, passa a centralizar e administrar as respostas às refrações da questão social, via políticas públicas.” (p. 273 e 274)

“ O primeiro aspecto, que justifica a tese da manutenção da prática indiferenciada, diz respeito ao fato de que sua eficácia permaneceu circunscrita “a manipulação de variáveis empíricas no rearranjo da organização do cotidiano”, não rompendo com a imediaticidade e a positividade que o impregna.” (p. 274)

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“ Outro vetor que contribui para o sincretismo da prática refere-se às políticas sociais estatais, incapazes de resolver a questão social, visto que só podem repor, em bases ampliadas, suas manifestações, cronificando-as. Sendo o desempenho profissional indissociável das políticas sociais, o máximo que consegue é a “racionalização de recursos e esforços para o enfrentamento das refrações da questão social”. Esse é o “anel de ferro” que aprisiona a profissão, não lhe permitindo ir além de suas protoformas.” (p. 274)

“ […] as políticas sociais não têm o poder de fazer a eversão da questão social erradicando-a, também é certo que elas viabilizam direitos sociais, frutos de longo processo de lutas históricas dos trabalhadores pelo seu reconhecimento político.” (p.275)

“ Acentralidade assumida pelas respostas profissionais, de caráter teórico-prático, às demandas emergentes – expressão das transformações vividas pela sociedade nas últimas décadas – mostra um estatuto profissional aberto a novas possibilidades, o que contrasta com o circuito fechado que informava a análise da fenomenalidade da prática no debate sobre o sincretismo.” (p.280)

“ A hipótese é de que há, de fato, nesse segundo momento, uma revisão do “sincretismo da prática indiferenciada”, ainda que não explicitada pelo autor. Ela é tributária da análise do processo de reprodução social saturado de contratendências, tal como expresso na lógica da construção do texto, inteiramente permeado pelos dilemas contraditórios da história do tempo presente.” (p.281)

“ É por meio do estatuto assalariado que se abre às organizações patronais o poder de ingerência nos objetivos, conteúdos, princípios e instrumentos técnico-operativos do trabalho profissional, subsumindo dimensões importantes em relação ao conteúdo da atividade e da cultura profissional aos seus propósitos e funções, em tensão com a autonomia profissional, legalmente resguardada. ” (p.282)

“ O efeito da atividade profissional no processo de reprodução das relações sociais não decorre apenas do seu “modo de operar”, que, segundo o autor, historicamente pouco se diferenciou das atividades similares que antecederam essa profissionalização; mas sim de sua funcionalidade social, indecifrável se pensada como atividade do indivíduo isolado, porque depende dos organismos aos quais se vincula e das relações sociais que lhe dão vida.” (p. 283)

“ […] Tem-se ainda a considerar a mercadoria força de trabalhodo assistente social, como unidade de valor de uso e valor, o que não cabe no universo da produção em tela. Ela considera a profissão de natureza “ideo-política” (Netto, 1991a, 1991b, 1992, 1996), não incorporando de forma transversal na análise a categoria trabalho tal como se expressa na sociedade capitalista (o que supõe atribuir historicidade à dimensão antológica), ainda que o “trabalho do assistente social” seja citado em inúmeras ocasiões ao longo dos textos referidos.” (p.283)

3.3. A Tese da Identidade Alienada

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“ […] burguesia assume progressivamente o controle dessa prática profissional, “transformando-a em uma estratégia de domínio de classes”. A “identidade dos agentes é consumida pela burguesia”, plasmada artificialmente como uma “identidade atribuída do capitalismo”. Esta, como fetiche, é fixada como identidade da profissão e incorporada pelos seus agentes.” (p.284)

“ A ruptura da alienação por parte dos profissionais aparece, no texto, como uma função do “pensamento crítico reflexivo”, “através do qual criações fetichizadas do mundo reificado se dissolvem e perdem sua enganosa fixidez, permitindo que se revele o mundo real, ocultado pela representação aparente”. (Martinelli, 1989:125). Nos momentos de crise, se expande a “base crítica da consciência social dos agentes, através da ruptura com a alienação”, e eles tomam consciência do caráter conservador de suas práticas.” (p.287)

“ […] a profissão teria “uma missão”, que lhe foi “roubada” pelo poder dominante, visto que “o capitalismo” lhe impôs uma “identidade atribuída de fora”. A historicidade da profissão é metamorfoseada em “perversidade do capital”, que produz umadeformação de origem: a incorporação da prática profissional ao projeto hegemônico da burguesia.” (p.290)

“ [...] o trabalho, como dimensão ontológica central da constituição do ser social – um ser prático-social – não adquire centralidade na construção e demonstração da hipótese norteadora da análise. Nela, a centralidade é deslocada para a esfera da consciência.” (p.291)

“ O caráter contraditório das relações sociais, ainda que reiterativamente declarado, não impregna a análise da identidade.” (p.291)

“ […] a ruptura com a identidade alienada, alienante e alienadora de parte dos agentes profissionais é, fundamentalmente, uma atividade da consciência crítica e não da prática política. Inexiste qualquer referência ao partido, enquanto intelectual coletivo, nos termos de Gramsci.” (p.291)

“ A afirmação da consciência como motor de transformação consagra uma inversão da crítica de Marx e Engels à filosofia neo-hegeliana alemã: “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”.” (p.292)

3.4. A Tese da Correlação de Forças

“ Seu traço distintivo é a preocupação com as relações de poder, que se desborda em uma importante e pioneira contribuição na temática da política social (Faleiros, 1980b, 1986, 1992), considerado o campo em que se situa a profissão. É por meio da questão do poder que se pode encaminhar a análise da prática do Serviço Social. “ (p.293 e 294)

“ […] O autor estabelece divisor de águas com o “paradigma das relações interpessoais”, que prevaleceu das origens do Serviço Social até a reconceituação.” (p.294)

“ [...] Faleiros preconiza uma “visão política da intervenção”, que articule o geral e oparticular,

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parte da luta por novas relações sociais em todas as dimensões da vida em sociedade. As relações entre a clientela dos serviços sociais, a instituição e o profissional são abordadas como parte das relações de classe.” (p.294)

“ O assistente social é concebido como “um intelectual orgânico”, podendo contribuir para uma nova correlação de forças, uma “nova hegemonia”: como “conquista do consenso das classes dominadas e capacidade que a classe operária tem de conquistar a consciência de seus aliados na formação do novo bloco histórico”. (Faleiros, 1981:103). “ (p.295)

“ [...] o objeto do trabalho do assistente social é uma questão disputada, um objeto de luta formado pelas relações de força, de poder e de saber para a conquista pelas classes subalternas de lugares, recursos, normas e espaços ocupados pelas classes dominantes.” (p.295)

“ [...] Faleiros defende a tese que o Serviço Social, como produto da sociedade, consiste na “mediação entre a produção material e a reprodução do sujeito para essa produção e na mediação entre a representação do sujeito nessa relação”.” (p.298)

“ O resgate da identidade implica considerar manifestações da cultura e da ideologia, a mediação com o poder, processos sócio-afetivos, mitos, valores e sentimentos. Supõe, portanto, a relação entre o sentir e o compreender numa determinada situação histórica, nas palavras de Gramsci, o que envolve o intelectual e o povo.” (p.298)

“ O assistente social é visto como o intelectual que opera a mediação entre a representação e a reprodução, embora nesse processo intervenham inúmeras outras forças sociais, as quais não têm a devida visibilidade, como os partidos,as igrejas, os sindicatos, as escolas, além dos aparatos de coerção estatal.” (p.299)

“ Para o autor, a relação do assistente social com a população se processa no “campo da política do cotidiano”, isto é, nas relações entre mudanças societárias e aquelas que têm lugar na vida cotidiana. “ (p.299)

“ [...] Faleiros é um dos estudiosos que privilegia as mediações envolvidas no exercício profissional: seus determinantes institucionais, as estratégias e táticas na ação profissional, a relação entre profissionais e usuários dos serviços, efeitos dessa intervenção especializada, entre outros aspectos.” (p.301)

3.5. A Tese da Assistência Social

“ A política pública de assistência no marco da seguridade social tem sido um dos âmbitos privilegiados de atuação profissional e um dos temas de destaque no Serviço Social brasileiro recente.” (p.301 e 302)

“ [...] A profissão é vista como uma intervenção mediadora na “relação do Estado com os setores excluídos e subalternizados da sociedade”, situada no campo das políticas sociais e

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assistenciais na concretização da função reguladora do Estado na vida social.” (p.304)

“ […] Essas políticas “reproduzem a luta mais geral da sociedade e as contradições e ambigüidades que permeiam os diversos interesses em contraposição”.” (p.305)

A população-alvo das políticas de assistência social (e, consequentemente do Serviço Social) é lida a partir da categoria de “subalterno”. A subalternidade é parte do “ universo dos dominados, dos submetidos à exploração à exclusão social, econômica e politica” e tem na contraface, o ” exercício do domínio ou direção através de relações politico-sociais em que predominamos interesses dos que detêm poder econômico e a decisão politica”.” (p.306)

“ […] a posição secundária que a assistência social vem tradicionalmente ocupando nas políticas públicas, com ações tangenciais às demais políticas e terreno fértil ao clientelismo. “ (p.308)

“ A aparência de efetuar uma concessão de benefícios – e não de viabilização de direitos – aliada às estratégias discriminatórias, seletivas e meritocráticas no atendimento às necessidades dos segmentos subalternos tem resultado predominantemente em “reiteração da subalternidade”. “ (p.309)

“ O assistente social, reconhecido como “profissional da assistência”, insere-se no interior dos equipamentos sócio-assistenciais como mediador entre Estado, instituição e classes subalternas no atendimento aos segmentos empobrecidos e subalternizados da sociedade”. (p.309 e 310)

3.6. A Tese da Proteção Social

“ [...] o Serviço Social, desde os seus primórdios, é “parte de processos civilizadores que incluem experiências e estados de consciência voltados para a proteção social”. Sendo esta uma “regularidade histórica de longa duração”, em seu processo de continuidades e rupturas, revela muitos significados na vida humana. E foi da proteção social que os assistentes sociais sempre se ocuparam, o que demarca seu campo profissional. (p.311)

“ Segundo Costa (1985), a proteção social envolve múltiplas dimensões dos processos históricos, pois a vida humana não se move apenas por tensões interclassistas, sendo, a lutas de classes, um dentre muitos processos que a impulsionam. Essa concepção exige mudanças dos “paradigmas envelhecidos”, de que “parecem tudo explicar”.” (p.311)

“ Atribuiridentidade entre Marx e o economicismo – entre a densidade histórica que impregna a formação das classes sociais e as determinações da economia em última instância que desbordam em dualidades simplistas e genéricas – é adensar a fogueira do antimarxismo, ainda que em nome do resgate das particularidades culturais.” (p.314)

“ A autora propõe como estratégia de um novo sistema de proteção social “recompor o aparato assistencial com as redes de solidariedade e os grupos de auto-ajuda admitidos como

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capazes de conduzir as ações de defesa dos interesses coletivos”.” (p.315)

“ Em tempos orquestrados pelas políticas neoliberais, pensar as práticas de proteção social exclusivamente nas chamadas “relações intra-sociais”, adstritas às convivências de “indivíduos e grupos em situação de não-autonomia quanto a sua sobrevivência”, pode servir aos interesses no poder: um alento ao discurso que faz ode à restrição da responsabilidade do Estado no campo das políticas públicas em resposta à questão social, em nome das iniciativas solidárias da sociedade civil, para as quais têm sido transferidas funções típicas de Estado.” (p.315)

3.7. A Tese da Função Pedagógica do Assistente Social

“ […] a função pedagógica do assistente social mediada pelas políticas públicas – em especial a assistência social – e pelos processos organizativos e lutas das classes subalternas, inscrita nos processos de organização da cultura por parte das classes sociais. O Serviço Social, ao inscrever-se entre as “necessidades sociais” (Mezáros, 1987) e os “sistemas de controle social”, constitui-se integrado “à afirmação da cultura dominante no campo das estratégias político-culturais desubalternização das classes detentoras da força de trabalho” (Abreu, 2002:34). Ele apresenta perfis pedagógicos diferenciados ao longo da trajetória profissional: a “pedagogia da ajuda”, “a pedagogia da participação” e a “pedagogia emancipatória das classes subalternas”, que coexistem, refuncionalizadas, em disputa no cenário profissional contemporâneo.” (p.316)

“ O foco nos processos de organização da cultura desdobra-se na afirmação de que o assistente social emerge na sociedade capitalista como um “intelectual profissional do tipo tradicional”, a partir do argumento de que a profissão se enraíza em práticas de assistência social, que antecedem a sociedade capitalista. “ (p.320)

“ [...] a profissionalização do Serviço Social ocorre, exatamente, quando ele rompe com a tradicional filantropia e dela se distingue – passando com ela a coexistir – ao ser absorvido pelo aparato de Estado e segmentos patronais industriais na implementação de políticas voltadas à reprodução da força de trabalho e ao controle social das classes subalternas, o que viabiliza a constituição de um mercado de trabalho crescente para o assistente social.” (p.320)

“ […] a função pedagógica do assistente social é polarizada por dois processos distintos, que nutrem a “crise profissional”: de um lado, o “de formação do trabalhador 'fordiano' no processo de organização do americanismo” a que se acopla, posteriormente, “o padrão cultural instaurado pelo Welfare State, tendo por base o 'conformismo mecanicista' como princípio educativo”, que se traduz no âmbito do Serviço Social na “pedagogia da participação”.” (p.322)

“[...] a função pedagógica do assistente social voltada àemancipação das classes subalternas, na análise efetuada, tem sua sustentação sócio-histórica apoiada em um estreito arco de forças sociais organizadas.” (p.329)

Page 12: Fichamento Capitulo 3 Serviço Social Capital Fetiche

“[...] a hipótese é que o núcleo do impasse da elaboração comentada está na leitura da profissão na história da sociedade – tratada na sua necessária dimensão político-ideológica – que desconsidera as implicações envolvidas na mercantilização dessa força de trabalho especializada.” (p.330)

4. Fundamentos do Serviço Social: percurso de duas décadas

“ Ainda que a totalidade dos autores reconheça que o exercício profissional realiza-se pela mediação do trabalho assalariado, mediante um contrato de trabalho no circuito do Estado ou de empregadores privados, nenhum deles atribui centralidade à outra dimensão deste mesmo trabalho: sua condição de trabalho abstrato envolvida na compra e venda dessa força e trabalho especializada, porque suas elaborações não são presididas centralmente pela teoria do valor, tal como proposta por Marx.” (p.332)

“ No tempo do capital fetiche, é impensável tratar o processamento de qualquer trabalho especializado passando por fora dos dilemas decorrentes da produção e distribuição do valor e da mais-valia – móvel essencial da sociedade do capital – e das lutas político-ideológicas dalas indissociáveis.” (p. 333)