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GILIAN EVARISTO FRANÇA SILVA Festas e celebrações em Vila Bela da Santíssima Trindade no século XVIII CUIABÁ/MT 2008

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GILIAN EVARISTO FRANÇA SILVA

Festas e celebrações em Vila Bela da Santíssima Trindade no século XVIII

CUIABÁ/MT

2008

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c

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - ICHS

MESTRADO EM HISTÓRIA

História, Territórios e Fronteiras

GILIAN EVARISTO FRANÇA SILVA

Festas e celebrações em Vila Bela da Santíssima Trindade no século XVIII

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

Mestrado em História, do Instituto de Ciências Humanas e

Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, como

exigência parcial para obtenção do título de Mestre em

História.

Orientação: Profª. Drª. Leny Caselli Anzai

CUIABÁ/MT

2008

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GILIAN EVARISTO FRANÇA SILVA

Festas e celebrações em Vila Bela da Santíssima Trindade no século XVIII

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Profª. Drª. Leny Caselli Anzai

Presidente da Banca Departamento de História/ ICHS/UFMT

___________________________________ Profª. Drª. Maria Cristina Bohn Martins

Examinadora Externa Departamento de História/UNISINOS

_______________________________

Prof. Dr. Oswaldo Machado Filho Examinador Interno

Departamento de História/ICHS/UFMT

Cuiabá/MT, maio de 2008.

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Dedico este trabalho

À Geiza Conceição dos Santos Silva (sempre presente), minha amada

mãe. Nossos laços são eternos, e este trabalho é nossa realização;

Às minhas irmãs, Juliana Marcela Santos Silva, Dayane Marcelle dos

Santos Silva (sempre presente), Nayara Marcely Ferreira Silva, e a

pequena Vitória Maria Santos Silva. A nossa união é reflexo do amor

que sentimos uns pelos outros.

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AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pelo

apoio financeiro para realização da pesquisa como bolsista, permitindo dedicação integral às

atividades desenvolvidas no Mestrado em História, no âmbito da nossa UFMT.

Dirijo especial agradecimento à professora Leny Caselli Anzai, que sempre me

apoiou e contribuiu nessa pesquisa enquanto orientadora nesse percurso difícil até aqui. Não

sei como expressar toda minha gratidão pela sua dedicação e orientação segura, paciente e

eficaz. Obrigado pelo seu lado sereno, centrado e amigo. Descobri com você que nos

momentos de dificuldades é possível sempre apreender algo de construtivo, fortalecer-me e

dar mais valor à vida.

Aos professores Oswaldo Machado Filho, Marcus da Silva Cruz, João Carlos

Barrozo e João Antônio Botelho Lucídio agradeço as valiosas sugestões feitas durante o

exame de qualificação.

Aos professores do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação

Mestrado em História por mais uma etapa acadêmica. Registro especial agradecimento às

professoras Regina Beatriz Guimarães Neto, Maria Adenir Peraro, Maria de Fátima Costa, e

aos professores Pio Penna Filho, Carlos Alberto Rosa e Otávio Canavarros, pelas indicações

de leituras, orientações nas análises dos textos, pelos incentivos e motivações positivas.

No Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos – NERU sou grato a todos os professores,

pela simpatia e dedicação ofertadas a todos os alunos. Em especial, com muito carinho,

registro os professores João Carlos Barrozo, Carlos Alberto Castro e Sueli Pereira Castro pela

iniciação à pesquisa, pela preocupação e ajuda que tive nos momentos mais críticos de minha

vida. Sueli, obrigado por lembrar-me sempre que é possível superar os obstáculos e avistar

um belo caminho. A todos os bolsistas do NERU, os “neruanos” de ontem e de hoje, pelos

momentos de descontração e de aprendizado nas discussões teórico-metodológicas, em

especial às amigas Regiane, Daniela, Elizaneth, Paula e Greice.

Aos colegas do Mestrado de maneira geral, pelas sociabilidades estabelecidas ao

longo do curso, meus agradecimentos, em especial a Regiane Custódio, Nathália, Masília,

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Ana Carolina, Tiago Kramer, Maria Auxiliadora, Vanda da Silva, Carlos, pessoas próximas

do meu cotidiano e da minha trajetória.

Às minhas grandes amigas e companheiras nesse percurso, Itamara dos Anjos

Oliveira, Cátia Cristina de Almeida Silva, Leonice Maria Meira e Roberta Moraes Simione,

agradeço a solidariedade nos momentos em que eu mais precisei e sei que nossa amizade é

concreta, sincera, e não só na academia; nossa história não acaba aqui.

À Mônica Acendino sou grato pelas motivações, incentivos e amizade, e pelo

carinho que imprime às suas atividades, no atendimento aos professores e mestrandos.

A José Ferraz de Araújo, agradeço o companheirismo afetuoso e apoio incondicional

na continuidade de minha formação acadêmica.

Aos colegas de minha nova casa, o Centro Federal de Educação Tecnológica de

Mato Grosso -CEFET/MT sou grato pela compreensão e incentivo.

A toda minha família, pelo apoio necessário à finalização desta etapa acadêmica,

sobretudo nos momentos de dificuldades. Muito obrigado.

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SILVA, Gilian Evaristo França. Festas e celebrações em Vila Bela da Santíssima Trindade no

século XVIII. 2008, 155f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e

Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.

RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar as festas e celebrações promovidas pela Câmara de

Vila Bela da Santíssima Trindade, na repartição do Mato Grosso, tanto as solenidades ligadas

às ocasiões religiosas, quanto àquelas realizadas em razão de eventos associados à família real

portuguesa. Considerando tais manifestações práticas constitutivas das representações

políticas e culturais vigentes no Império português, problematizamos a produção de

representações de poder no Guaporé, na segunda metade do século XVIII, com vista a

perceber sua utilização tanto por parte da Coroa lusa, como por parte dos poderes locais. As

principais fontes pesquisadas para a análise do tema constituem-se nos “Anais de Vila Bela

(1734-1789)” e nos “Annaes do Sennado da Câmara do Cuyabá (1719-1830)”, juntamente

com fontes iconográficas e os outros acervos manuscritos pertencentes ao Arquivo Público do

Estado de Mato Grosso – APMT, e ao Núcleo de Documentação e Informação Histórica

Regional – NDIHR/UFMT. Nos acervos do APMT e do NDIHR analisamos ofícios, cartas e

mapas de receitas e despesas de Vila Bela. Na análise, evidenciamos que nos momentos

festivos, as hierarquias sociais eram reafirmadas, e cada segmento social possuía seu lugar

próprio nos espaços celebrativos e nas etapas rituais. Ao mesmo tempo, os laços de

pertencimento a Portugal eram reforçados nos colonos, participando os mesmos de todas as

etapas de vida de seus soberanos, o que contribuía para assegurar a conquista do território a

Oeste, reocupando materialmente e simbolicamente o espaço. Por intermédio de práticas

celebrativas, a monarquia portuguesa estendia sua autoridade ao seu vasto Império colonial

nos quatro cantos do mundo, juntamente com o aparato político, administrativo e religioso

que a representava no Reino e no Ultramar.

Palavras-chave: festas, celebrações, representações, poder.

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SILVA, Gilian Evaristo França. Festas e celebrações em Vila Bela da Santíssima Trindade no

século XVIII. 2008, 155f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e

Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.

ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the festivities and celebrations promoted by

the Board of Vila Bela da Santíssima Trindade in the distribution of Mato Grosso, both the

ceremonies connected with religious occasions, as those made by reason of events associated

with the Portuguese royal family. Considering such practices constitute expressions of

representations and cultural policies in force in the Portuguese Empire, we can find the

problem in the production of representations of power in Guaporé in the second half of the

eighteenth century, in order to understand its use by both the Crown lusa, as on the part of the

locations. The sources searched for the analysis of the issue are in the "Annals of Vila Bela

(1734-1789)" and "Annaes Sennado the Chamber of Cuyabá (1719-1830)", with sources of

iconography and manuscripts belonging to the collections Public Archive of the State of Mato

Grosso - APMT, and the Center for Documentation and Information Historical Regional -

NDIHR / UFMT. In these, we analyze letters and statements of revenue and expenditure of

Vila Bela. In festive moments, the social hierarchies were reaffirmed, and each segment had

its place in social spaces in the stages of celebration and rituals. At the same time, the ties of

belonging to Portugal were strengthened in the settlers, joined them in all stages of life of

their sovereign, ensuring the conquest of territory to the west, reoccuping materially and

symbolically the space. Through practices of the monarchy of celebrations Portugueses

extended their authority to its vast colonial empire in the four corners of the world, together

with the political apparatus, administrative and religious that represented the Kingdon and

Overseas.

Keywords: festivals, celebrations, representations, power.

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LISTA DE ABREVIATURAS

NERU - Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos

NDIHR - Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional

AHU - Arquivo Histórico Ultramarino

APMT - Arquivo Público de Mato Grosso

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LISTA DE TABELAS

Tabela nº 01 - Dias santos fixos no calendário litúrgico – página 56.

Tabela nº 02 - Dias santos móveis – página 57.

Tabela nº 03 - Igrejas registradas nos “Anais de Vila Bela da Santíssima Trindade (1734-

1789)” – página 67.

Tabela nº 04- Festas religiosas - Repartição do Mato Grosso (1734-1789) – página 70.

Tabela nº 05 - Festas extraordinárias e cerimônias políticas registradas nos “Anais de Vila

Bela (1734-1789)” – página 86.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem nº 01 - Mapa da Capitania de Mato Grosso (1748) – página 42.

Imagem nº 02 – Mapa da Repartição ou Termo do Mato Grosso – página 44.

Imagem nº 03 – Mapa do arraial do Pilar – página 63.

Imagem nº 04 – Mapa do arraial de Santa Ana – página 64.

Imagem nº 05 – Mapa do arraial de São Francisco Xavier da Chapada – página 65.

Imagem nº 06 – Mapa do arraial de São Vicente - página 65.

Imagem nº 07 – Mausoléu da Capitania de Minas Gerais – página 117.

Imagem nº 08 – Mausoléu construído em Lisboa – página 118.

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Sumário

Introdução 13

Capítulo I

Um Império de festas e celebrações: culturas e sociabilidades 31

1. Na fronteira Oeste da América portuguesa - a Capitania de Mato Grosso 39

2. A imagem do rei, presença de um ausente 45

3. As Câmaras ultramarinas: etiqueta, honra e prestígio 48

Capítulo II

A fronteira Oeste em santas festas 54

1. Entre o sagrado e o profano: espaço de múltiplos sentidos 61

2. As santas festas 68

Capítulo III

Festas, celebrações e cultura política no Guaporé 84

1. A realeza no espelho: representações políticas e culturais 88

a) Nascimentos e aniversários reais 89

b) Casamentos reais 96

2. Em cena: o desfile de governadores e capitães generais 98

Capítulo IV

Da encenação da morte ao vôo da fênix. O rei morreu, viva o rei! 109

1. Portugal na morte de um rei: exéquias de D. Pedro II 110

2. Exéquias reais na América portuguesa 114

3. A fênix não morre, ressurge das próprias cinzas 131

Considerações finais 139

Fontes e Bibliografia 144

Anexos 152

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INTRODUÇÃO

Alguns curiosos há das [festas] de cavalo e começaram desde a minha chegada a

estas Minas a correrem suas cavalhadas pelo Santo Antônio. Já tenho feito

diligência para lhes evitar essa despesa, porém, vendo que nisso lhes causava pena,

as tenho consentido, como também alguns anos comédias ou bailes. Mas sempre

tenho mostrado aprovar mais as cavalhadas pelas mesmas razões que Vossa

Excelência me aponta ser o exercício de cavalo próprio para desembaraçar os

homens. Além de que, os mineiros assistem distantes da Vila, lidando e trabalhando

continuamente com seus negros, e assim estas festas que vêem uma vez no ano não

deixam de ser úteis, não só como refrigério ao trabalho de todo o ano, mas ainda

para conciliar as amizades e polir os homens por meio da comunicação e da

assistência na Capital. Estas são as causas por que consisto nelas; pois,

sinceramente, confesso a Vossa Excelência que me custa muito despender cousa

alguma fora do preciso, nem concorrer para que outros a despendam, sem que seja

com utilidade do serviço de Sua Majestade ou do Bem Comum.1

O documento em epígrafe evidencia o olhar do governador e capitão general

Antônio Rolim de Moura sobre a festa de Santo Antônio no ano de 1759, realizada em Vila

Bela da Santíssima Trindade, fundada no vale do rio Guaporé, e nos convida a adentrar um

universo de práticas culturais explicitadoras de múltiplos sentidos. O cenário desenhado pelo

capitão general compõe-se de relações sociais diversas, suas sociabilidades e seus espaços, de

atividades administrativas, do registro de práticas comuns aos anos iniciais da fundação da

vila capital da capitania de Mato Grosso - Vila Bela da Santíssima Trindade.

Outros sentidos são exibidos em outros aspectos; nesse palco, a vida social era

teatralizada em cenários imponentes e disfarçados, visualizados nas igrejas com seus

espetáculos audiovisuais, que envolviam a população num confronto constante entre o bem e

o mal. Já os disfarces aparecem nos silêncios, nos indícios sobre as práticas do urbano, como

festas e celebrações, recorrentemente registradas como harmoniosas e desprovidas de

oposições e revoltas. Os personagens criam e recriam o urbano colonial, oferecendo

tonalidades diferenciadas ao dia-a-dia perpassado por trabalho, violência, sons, sabores,

1 AHU- NDIHR – Carta do Governador e Capitão-General D. Antônio Rolim de Moura a Tomé Joaquim da Costa Corte Real. Vila Bela da Santíssima Trindade, 29 de novembro de 1759.

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cheiros, alegrias, tristezas, solidariedades, tensões, e cada um destes aspectos do social

explicitava essa pluralidade.

Esses indícios ressaltam na documentação levantada para este estudo, desse modo

nos permitindo identificar e analisar as festas e as celebrações promovidas pela Câmara de

Vila Bela da Santíssima Trindade, ao longo da segunda metade do século XVIII, tanto as

solenidades ligadas às ocasiões religiosas quanto àquelas realizadas em razão de eventos

associados à família real, considerando essas manifestações práticas constitutivas das

representações políticas e culturais vigentes do Império português. Problematizamos,

portanto, a produção de representações do poder por intermédio de práticas culturais

manifestadas na vila capital da capitania de Mato Grosso.

Nessa pesquisa tratamos de festas em uma região de fronteira, eventos que foram

pensados e geridos para serem explicitados em diferentes localidades do Império luso, fossem

na Europa, na América, na África ou na Ásia, manifestações que ativaram uma memória

social que agregava os colonos em torno de práticas comuns nos domínios portugueses,

administradas e vigiadas pelos poderes instituídos. No entanto, mesmo diante do controle

oficial, não havia como impor um único padrão cultural, já que havia um cenário de

heterogeneidade social engendrado por europeus, indígenas, negros e mestiços, que

imprimiam em suas ações tonalidades de sentidos diversos2. Interessa-nos analisar as formas

pelas quais a Câmara de Vila Bela se apropriava dessas ocasiões cerimoniais, como se

evidenciavam as hierarquias sociais em suas etapas constituintes, analisando representações

de poder que funcionaram como produtoras de imagens do monarca e da centralidade do

império e dos poderes locais.

Todavia, desenhar todo um cenário de festas e celebrações no Guaporé no período

proposto não é tarefa fácil. Nesse exercício são muitos os borrões, as rasuras e as imprecisões,

presentes nos vestígios dessas práticas. Não foi possível, por exemplo, acompanhar toda a

trajetória de uma única festa ocorrida em determinado ano, possivelmente pelo fato de serem

tão comuns no cotidiano daquelas pessoas, que não encontramos relatos detalhados na

documentação consultada. Outro motivo desta descontinuidade é o fato das fontes principais

serem oficiais, muitas vezes constituindo-se de dados pouco prolixos e sem detalhamento,

embora pequenos indícios e fragmentos sobre aquele universo, desde que criteriosamente

2 SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 31.

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apoiados em um percurso metodológico, possam evidenciar representações sociais que

explicitem poderes e façam emergir as sociabilidades engendradas pelos que viviam na

capitania de Mato Grosso no século XVIII.

Neste sentido, uma primeira estratégia de análise da documentação que permitisse

ampliar e não reduzir o campo de observação foi a de nos aproximarmos das contribuições à

história, da sociologia, da antropologia e da literatura, visto que foram os pesquisadores

dessas áreas os que mais se dedicaram aos estudos sobre festas e celebrações públicas. Desta

forma, foi preciso procurar agir como um antropólogo diante de costumes ou ritos “exóticos”,

ou seja, abandonar uma postura etnocêntrica e procurar observá-las de perto, em seu próprio

contexto, pois se as práticas existiram é porque possuíam um significado3. Era preciso nos

instrumentalizar para a análise de fontes levantadas nos arquivos, por entender que a pesquisa

é o motor que move qualquer tipo de renovação na produção historiográfica. Com a realização

do levantamento bibliográfico foi possível percorrer a historiografia sobre o tema e participar

do debate historiográfico atual, e esse exercício metodológico permitiu que conceitos fossem

desnaturalizados e categorias analisadas, na compreensão dos muitos significados que foram

conferidos a palavras, gestos e práticas no transcorrer do tempo. Além disso, compreendemos

que a teoria é ferramenta, instrumento que deve ser utilizado conforme as questões são

levantadas na análise da documentação e da literatura consultadas.

Elegemos algumas das principais obras de suporte teórico-metodológico para o

desenvolvimento da pesquisa. Michel de Certeau, em “A escrita da história”4 contribuiu para

a compreensão de nossa atividade historiadora, sobretudo quanto à percepção da produção dos

sentidos nos textos conforme o lugar social que o seu autor ocupa. Não há menção, nos

registros documentais, sobre as leituras feitas por segmentos sociais compostos por pobres,

escravos negros e indígenas que participavam das festas e cerimônias públicas, sobre

possíveis revoltas ou protestos, o que pode passar a impressão de uma participação passiva,

guiada, controlada. Em “A invenção do cotidiano”5 Certeau nos chama a atenção

principalmente sobre o silêncio presente nos relatos documentais sobre esses desfavorecidos

da sociedade colonial. Baseados em Certeau passamos a refletir sobre os lugares sociais de

produção, e sobre os sentidos dados pelos grupos sociais às orientações gerais de conduta e de 3 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2003. 4 CERTEAU, Michel de. A escrita da História. 2. ed. Tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. 5 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1994.

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uso do espaço lançadas sobre eles. Desse modo, as festas e as cerimônias emergiram como

representações políticas e culturais vigentes no Império luso, envolvendo todo um conjunto de

práticas sociais que possuíam como referências “lugares de produção” ─ Portugal─, na

construção de pertencimentos.

Roger Chartier, principalmente com “A história cultural: entre práticas e

representações”6, e “À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude”7 contribuiu para

o avanço da pesquisa; dele recortamos a noção de representação vinculada à de apropriação

como chave explicativa fundamental na construção do objeto de estudo. É importante destacar

nas discussões empreendidas por Chartier, que os eventos, acontecimentos, não possuem um

sentido universal e fixo, pois estão investidos de significações plurais e móveis, construídas

na negociação entre uma intenção e uma recepção. Portanto, torna-se prudente pensarmos nas

expectativas dos grupos, nas diferenciadas formas de apropriações, impressões, percepções.

A idéia que nos norteou na construção da narrativa é a de que os símbolos, as

imagens e os objetos não são passíveis de uma única leitura, interpretação ou transmissão de

apenas um único sentido; apesar de objetivar tornar uma ausência presente, a representação

exibe múltiplas facetas na produção de presença. Desse modo, são muitas as imagens e

significados em cena, apresentando construções do mundo social que ainda passam pelas

leituras, impressões dos receptores das imagens, símbolos expostos em cerimônias, rituais,

festas.

Fica evidente, que esse conjunto de elementos simbólicos registra, em tonalidades de

sentidos diferenciados, uma dada memória social. A produção de memória parte do que fica

visível, aparente e até palpável, embora seja produzida em decorrência do recorte que cada

indivíduo faz daquilo que acompanha, assiste, participa e experimenta na sociedade8. A

representação, neste sentido, é apropriada de diferentes formas e maneiras, estabelecendo

inclusive a possibilidade de registros múltiplos, que são constituidores de memórias

particulares, que lançam uma explicação geral sobre a sociedade, formando uma memória

social. Para os representantes políticos do Estado luso no Novo Mundo, essas construções

diferenciadas do mundo social deixariam impressas, em cada indivíduo, componentes da

6 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. 7 CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: EDUFRGS, 2002. 8 DIEHL, Astor Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 111-136.

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extensão territorial imperial, memórias, registros significativos dos acontecimentos em

Lisboa, estabelecendo elos entre rei e súditos, importantes investimentos material e simbólico

para o alcance dos objetivos da Coroa, na defesa e exploração das potencialidades de suas

terras coloniais.

Roger Chartier ainda contribui para nosso objeto de estudo quando discute sobre as

lutas de representações e violências simbólicas. Para Chartier, os historiadores perceberam

que não só da força física, material, se valeram os governos; para ele, as lutas materiais são

também lutas simbólicas, durante as quais se criaram diversas formas de crença, ou seja,

princípios a serem inculcados para assegurar e perpetuar dominação. Isto não quer dizer que

não foram também assumidas pelos grupos sociais diferenciadas estratégias a sistemas

normatizadores da vida social, discussão esta bem próxima daquelas levantadas também por

Michel de Certeau.

Dois autores clássicos analisados foram Norbert Elias e Ernst H. Kantorowicz. Elias,

preocupado em refletir acerca dos sistemas normativos coletivos presentes nas práticas

culturais e sociais, orientados por mecanismos e relações desconhecidas pelos sujeitos, insere-

se nas discussões empreendidas por Durkheim, Mauss e Halbwachs, quando se propõem a

analisar as estruturas sociais organizadoras do viver em sociedade. Desse modo, a

contribuição teórica e metodológica de Elias reside em sua afirmação de que é preciso

construir cada objeto de pesquisa no interior do sistema de relações que lhe conferem

fisionomia e perfil próprio, e não do nosso sistema de relações, não no interior do nosso

universo cultural e social, com suas especificidades espaciais e temporais. Isso fica evidente

em “A sociedade de corte”9, quando Norbert Elias discute questões importantes, tais como: a

estrutura do contexto social no seio do qual pôde surgir esta formação, a de “corte”; em

conseqüência de que partilha de oportunidades de poder, de que necessidades criadas

artificialmente pela configuração da sociedade, de que relações de dependência, puderam

homens e mulheres reunir-se, durante gerações sucessivas, sob o signo dessa formação social

da corte, da sociedade de corte; que exigências decorriam da estrutura da sociedade de corte

para com aqueles que nela desejavam triunfar ou simplesmente manter-se. Elias convida o

leitor a adentrar um universo cultural de corte observando que é necessário não permitirmos

que nossos valores culturais nos impeçam de apreender elementos de formações sociais que

hoje nos pareçam secundários, pois o que hoje soa como irrelevante poderia ser elemento

9 ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.

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significativo e alicerce daquele tecido social. Somente as problematizações de determinados

aspectos nos permitirão entender lógicas diferenciadas do viver em sociedade, que precisam

ser “estranhadas” em nossa prática historiadora.

Ernst H. Kantorowicz, em “Os dois corpos do rei”10 analisa aspectos políticos da

monarquia inglesa e francesa desde o período medieval até a Época Moderna, sobretudo as

diversas inter-relações entre a Igreja e o Estado, que produziram híbridos em ambos os

campos, a partir de empréstimos e trocas mútuas de insígnias, símbolos políticos,

prerrogativas e honrarias. Destaque-se a discussão elaborada por Kantorowicz com relação ao

duplo significado conferido ao rei, importante para a análise das representações construídas

no espaço da capitania de Mato Grosso sobre o poder régio. Segundo Kantorowicz, o rei

representava a cabeça do reino, e nunca morria. A perpetuidade da cabeça do reino dependia

principalmente da interação de três fatores: a perpetuidade da Dinastia, o caráter corporativo

da Coroa e a imortalidade da Dignidade Real. Esses três fatores coincidiam vagamente com a

linhagem ininterrupta de corpos reais naturais, com a permanência do corpo político

representado por cabeça e membros em conjunto, e com a imortalidade do cargo, isto é, da

cabeça isoladamente.

Desse modo, norteado por essas contribuições, lançamos um olhar para os lugares de

destaque na festa de modo a perceber as hierarquias de poder. Ao apresentar um evento

espetacular, os funcionários da câmara e as demais autoridades, militares e religiosas

poderiam ser reconhecidos enquanto autoridades a serviço do rei, possibilitando a eles a

administração dos domínios da coroa segundo a vontade régia.

Por se constituírem em espaço fecundo para a análise dos processos de mudanças

sociais e até da construção de tradições11, a análise das festas, rituais e tradições populares

tem ocupado lugar importante na historiografia atual. No entanto, a preocupação de

estudiosos que tradicionalmente ocuparam esta área, denominados muitas vezes de

“folcloristas” era “descobrir” festas, lendas, folguedos e objetos de antigo uso com o intuito

de preservar sua “autenticidade”, e denunciar as contaminações a que estavam sujeitos,

considerando toda mudança como deturpação de uma forma já fixada em sua pureza

10 KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei: um estudo sobre teologia política medieval. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 11 Sobre essa discussão, consultar: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Trad. Celina Cardim Cavalcanti. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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original12. Isso remete a uma idéia de “origem”, ao entendimento de que no começo tudo se

apresentava em estado de perfeição, quando tudo saiu brilhante das mãos do criador. A

“origem” soa como o lugar da “verdade”, tornando inacessíveis todos os episódios da

complexa história, isto é, o próprio corpo do devir e não do imutável13.

As pesquisas atuais no campo historiográfico e nas demais ciências humanas e

sociais sobre festas, rituais e cerimônias já não se esforçam por recolher a “essência” exata

das coisas ou sua mais pura possibilidade, identidade cuidadosamente recolhida, sua forma

imóvel; isso leva a buscar o que “era imediatamente” ou “aquilo mesmo” de uma imagem

exatamente adequada de si. O olhar agora passa a ser lançado para todas as minúcias do

acontecimento, do evento; as astúcias, os disfarces são percebidos nos “disparates”, e não em

uma “essência verdadeira” e pronta das trajetórias sociais14.

O campo de estudos das festas perpassa a trajetória da historiografia contemporânea,

na proliferação de objetos de estudo voltados para aspectos do social. A partir de 1929/30,

com a escola dos Annales, sob a direção de Lucien Febvre e Marc Bloch, ampliaram-se os

domínios historiográficos. A história passou a ser o estudo de mulheres e homens no tempo,

ou a totalidade social, redefinindo-se os conceitos de documento, fato histórico e tempo, e

críticas foram feitas à excessiva valorização de eventos políticos, aos grandes feitos heróicos

de governantes, a uma história política definida como “tradicional”15. Essa renovação resultou

da interdisciplinaridade promovida pelos Annales, e posteriormente pela Nova História. O

poder e a política passaram a ser analisados segundo outras abordagens, como o domínio das

representações sociais conectadas com as práticas sociais, do campo do simbólico, dos

imaginários sociais, das mentalidades, da memória. Todas essas perspectivas da nova história

política marcaram a produção historiográfica dos anos 1970 e 1980, que buscou a articulação

do acontecimento com as exigências de possíveis paradigmas e modelos teóricos 16. Houve

também uma proliferação de temas voltados às práticas culturais, ligados a uma chamada

12 Ver: FILHO, Mello Moraes. Festas e tradições populares do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1979; CARNEIRO, Edison. Folguedos tradicionais. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1982; AMARAL, Amadeu. Tradições populares. 3. ed. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, 1982. p. 26 13 FOUCAULT, Michel de. Nietzsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 18. 14 FOUCAULT, 1979, p. 20. 15 FALCON, Francisco. História e Poder, in: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de janeiro: Campus, 1997, p. 68. 16 FALCON, 1997, p. 7-77.

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“história cultural e das mentalidades”, com destaque a problemáticas ligadas ao cotidiano, às

representações, ao amor, à morte, à família, às bruxas, aos loucos, às festas17.

Com o advento da história cultural, os fenômenos festivos apareceram como um

campo específico de interesse, com diversas abordagens e pressupostos teóricos, numa

proximidade com um viés antropológico, que mais se detinha a essas análises. No Brasil, a

partir da década de 1930, nas pesquisas de Antônio Cândido18 e Maria Isaura Pereira de

Queiroz19, as manifestações festivas foram abordadas como estratégias para também se

entender as relações desenvolvidas na sociedade20. Outras obras foram marcantes por

contemplarem aspectos ligados a uma história cultural brasileira, aparecendo como expoentes

desse tipo de produção Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Freyre, com “Casa

grande & senzala” tratou de aspectos relacionados à religiosidade popular e sexualidade no

cotidiano da escravidão brasileira21; Holanda22, em “Raízes do Brasil”, “Visão do paraíso” e

“Monções” abordou o pioneirismo no imaginário dos descobrimentos ibéricos, além de

introduzir Max Weber na historiografia brasileira.

Trabalhos realizados ao longo das décadas de 1980 e 1990 ampliaram o campo da

história cultural brasileira, onde se inserem os estudos sobre festas e celebrações,

influenciados por produções de autores estrangeiros23, dentre os quais Michel Foucault, Carlo

Ginzburg, Roger Chartier, Jean Delumeau, Georges Duby, e Philippe Ariès. A historiografia

brasileira avançou na investigação de temáticas até então pouco exploradas no universo

acadêmico pelos historiadores. Laura de Mello e Souza aparece nesse quadro como produtora

de estudos que seguem nessa direção, ao refletir sobre práticas mágicas e feitiçaria no período

17 VAINFAS, Ronaldo. História Cultural e das Mentalidades, in: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de janeiro: Campus, 1997. p. 137. 18 CÂNDIDO, Antônio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira e a transformação dos seus meios de vida. 9. ed. São Paulo: Editora 34, 2001. 19 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Cultura, sociedade rural e sociedade urbana no Brasil. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos/EDUSP, 1978; QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Bairros rurais paulistas: dinâmica das relações bairro rural/cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1973. 20JANCSÓ, István e KANTOR, Iris. Falando de Festas. In: Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec, 2001, p. 03. 21FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 16. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. 22 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. São Paulo: Brasiliense, 1989. 23 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; ARIÈS Philippe. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Trad. Priscila Viana de Siqueira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003; CHARTIER, 1990, 2002; DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1991; DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982.

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colonial, trabalho este influenciado pelos textos de Carlo Ginzburg e de seu modelo de

história cultural. Pesquisas direcionadas à história da sexualidade e das moralidades

cotidianas e da condição feminina também foram exploradas por Mary Del Priore e

Emmanuel Araújo, bem como a temática da homossexualidade e da prostituição, por Luiz

Mott, Magali Engel e Margareth Rago. Sobre a escravidão, nessa mesma linha de história

cultural, podemos citar produções de Kátia Mattoso, Sílvia Lara e Sidney Chalhoub, que

pensaram as muitas possíveis relações entre senhores e escravos. Tudo isso se deu

principalmente devido à proliferação dos programas de pós-graduação pelo Brasil, sobretudo

nas últimas décadas do século XX, colocando em ação diferentes metodologias e

abordagens24.

No percurso da historiografia brasileira voltada para a história cultural, percebemos

que não existe uma única e exclusiva definição da categoria “festa”. Diferentes autores, dentre

eles historiadores e demais cientistas sociais têm discutido essas definições, ressaltando a

necessidade de se pensar a festa em suas próprias formações sociais, levando-se em

consideração as características culturais locais, mesmo diante de referências gerais sobre sua

organização. As festas e demais práticas culturais não são entendidas apenas a partir de

estruturas e mecanismos reguladores, independentemente de qualquer influência objetiva as

relações sociais.

Nenhum sistema normativo serve de explicação única para as trajetórias das

sociedades humanas, não eliminam as possibilidades de escolhas conscientes e de resistências

ou apropriações diferenciadas dos códigos de conduta gerais que orientam a vida social25.

Além disso, atualmente os historiadores pensam com mais cuidado sobre o fato de que seu

discurso é sempre uma narrativa, ou seja, ele não abarca em sua prática o passado tal como

ocorreu, mas apresenta em seu texto uma das possibilidades explicativas de seu recorte sobre

uma dada espacialidade e temporalidade26.

Nessa linha de interpretação contamos com o trabalho de Mary Del Priore, que em

“Festas e utopias no Brasil Colonial”, juntando as peças de um verdadeiro quebra-cabeça

24 VAINFAS, 1997, p. 160-162. 25 CHARTIER, Roger. A história entre narrativa e conhecimento. In: À beira da falésia. A História entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002. p. 84. 26 CHARTIER, 2002, p. 85.

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compõe um quadro amplo das muitas festas realizadas na América portuguesa27. A autora, ao

mesmo tempo em que descreve diferentes festas promovidas em pontos distintos da colônia

luso-americana, também expõe em sua análise conceitos operatórios, ferramentas de análise

das práticas culturais, considerando o tempo da festa como de fantasias e de liberdades, e até

como um tempo de utopias, manifestações inseridas no interior de um território lúdico, no

qual se experimentam igualmente frustrações, revanches e reivindicações dos grupos que

compõem uma sociedade28. O tempo da festa, para Del Priore eclipsa também o calendário da

rotina e do trabalho dos homens, substituindo-o por um feixe de funções: ora ela é suporte

para a criatividade de uma comunidade, ora afirma a perenidade das instituições do poder29.

Expressão teatral de uma organização social, com suas dimensões política, religiosa

ou simbólica, a festa permite aos seus espectadores e atores a introjeção de valores e normas

de vida coletiva, o partilhar de sentimentos coletivos e conhecimentos comunitários30. Serve

ainda de exutória à violência contida e às paixões, enquanto queima o excesso de energia das

comunidades. A alegria da festa ajuda ainda as populações a suportarem o trabalho, o perigo e

a exploração, mas reafirma, igualmente, laços de solidariedade ou permite aos indivíduos

marcarem suas especificidades e diferenças31.

Maria Cristina Bohn Martins ao analisar as festas celebradas nas reduções jesuítico-

guaranis na província jesuítica do Paraguai, no período compreendido entre os inícios do

século XVII e os meados do século XVIII, as entende como um conjunto de rituais coletivos e

não rotineiros da sociedade, celebrações que envolvem todo um grupo ou comunidade num

determinado tempo, cíclico ou excepcional. Elas ainda serviram no mundo colonial como um

27 DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.14 – (O caminho das utopias) 28A esse respeito, ver: CASTRO, Sueli Pereira. A festa santa na terra da parentalha: festeiros, herdeiros e parentes. Sesmaria na Baixada Cuiabana. Tese de Doutorado (Antropologia Social). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001; ANZAI, Leny Caselli. Vida cotidiana na zona rural do município de Goiás (1889-1930). Dissertação (Mestrado em História). Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 1985; MOURA, Marília da Conceição Reis de. Construções culturais nas práticas alimentares da festança em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT). Dissertação (Mestrado em História). Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2005. 29 DEL PRIORE, 2000, p. 09. 30 Ver alguns estudos que analisam essas dimensões na análise de festas, tais como: PANIAGO, Maria do Carmo Tafuri. Viçosa: tradições e folclore. Viçosa: Imprensa Universitária - Universidade Federal de Viçosa, 1977; BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O divino, o santo e a senhora. Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1978; RIBEIRO JUNIOR, Jorge Cláudio Ivoel. A festa do povo: pedagogia de resistência. Petrópolis: Vozes, 1982; TEIXEIRA, Sérgio Alves. Os recados das festas: representações e poder no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1988; SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: História da festa de coroação de rei congo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002. 31 DEL PRIORE, 2000, p. 10.

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excelente veículo para sustentar, reforçar, e mesmo impor normas e valores vigentes na

sociedade metropolitana32.

Nesse mesmo caminho, José Ramos Tinhorão acrescenta que, mais do que como

aproveitamento coletivo do lazer na colônia americana de Portugal, as festas eram momentos

de sociabilidades, propiciados ora por efemérides ligadas ao poder do Estado, ora pelo

calendário religioso estabelecido pela Igreja33. Para Camila Fernanda Guimarães Santiago

existiam muitas formas de apropriações dessas práticas culturais, valendo-se, inclusive, os

poderes locais, dessas ocasiões para representarem seu status e seu poder, para melhor exercê-

lo, como ocorriam com as próprias câmaras coloniais e seus representantes políticos34.

A proximidade da História com as discussões empreendidas por outras áreas das

ciências humanas e sociais produziu muitos híbridos, circulações de idéias e conceitos, que

mobilizaram diferentes abordagens. Nos estudos coloniais, isso se fez refletir na polêmica

atual sobre a idéia de “Império” e de “Antigo Regime”. No primeiro caso, as experiências

coloniais que tradicionalmente foram abordadas na visão dual de “metrópole-colônia”,

influenciadas pelo viés marxista35, apareceriam relacionadas com os diferentes contextos

sociais tecidos em todas as territorialidades de dominação colonial portuguesa, numa rede

imperial, fazendo emergir as singularidades. Quanto à idéia de “Antigo Regime”, cabe a

percepção de códigos sociais ordenadores e produtores de distinção, presentes na Europa

moderna e refletidos no Novo Mundo, questão geradora de uma reflexão sobre a reprodução

de padrões normatizadores nos contextos coloniais.

Alguns estudos aguçaram esse debate, como aqueles contidos na coletânea “O

Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI - XVIII)”

organizada por João Fragoso, Maria Fernanda Baptista Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa,

que apresenta o Império português como uma rede de relações que abrangia vários aspectos

sociais, passando do econômico ao político, até o cultural. Ganham evidência nessa

publicação as diferentes partes do império, com suas nuanças, particularidades, e

32 MARTINS, Maria Cristina Bohn. Sobre festas e celebrações: as reduções do Paraguai (séculos XVII e XVIII). Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo; Porto Alegre: ANPUH, 2006. 33 TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil colonial. São Paulo: Ed. 34, 2000. 34 SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. A Vila em ricas festas: celebrações promovidas pela Câmara de Vila Rica (1711-1744). Belo Horizonte: C/Arte, FACE-FUMEC, 2003. 35 Aqui destacamos alguns estudos dentro dessa orientação teórico-metodológica: NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial. São Paulo: Hucitec, 1979; PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Colônia. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942.

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problematiza as características sociais do “Antigo Regime” europeu presente nos espaços

ultramarinos, impressas pelas tonalidades sociais locais36.

Outra publicação importante é “Modos de governar: idéias e práticas políticas no

Império português (séculos XVI a XIX)”, coletânea organizada por Maria Fernanda Baptista

Bicalho e Vera Lúcia Amaral Ferlini, cujos estudos discutem as redes de poder, parentesco e

clientela e negócios, que forneceram vida e dinâmica ao Império português. Nela é possível

encontrar estudos voltados para os diferentes níveis de administração imperial e local, as

biografias de seus agentes e governantes, as representações, os discursos políticos formadores

de governabilidade37.

Em “O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século

XVIII”, Laura de Mello e Souza, ao analisar a política e a administração lusas afirma que

foram muitas as diretrizes metropolitanas levadas ao ultramar, aspecto significativo para o

processo de colonização e exploração dos territórios coloniais. Ressalta a autora, que a

distância entre a sede do Império - o sol - e as possessões ultramarinas - as sombras -,

somadas às situações específicas de cada localidade colonial matizavam essas diretrizes com

tons locais. Nessas “zonas de sombra”, muitos dos interesses metropolitanos se combinavam

aos regionais, e acabavam produzindo alternativas peculiares. Para Laura Mello, não é

possível adotar uma postura mecânica e funcionalista na análise da administração lusitana na

América portuguesa, pois política e administração caminharam juntas38.

Nosso estudo segue na direção da idéia de “Império”, por entender que todas as

festas e celebrações praticadas na espacialidade da repartição do Mato Grosso e na vila capital

Vila Bela foram experiências culturais comuns aos demais súditos portugueses espalhados

pelos quatro cantos do mundo, como um padrão cultural ordenador das vivências coloniais,

mas que variavam em sua execução diante das condições sociais das localidades ocupadas por

Portugal. As particularidades saltam aos olhos a partir dessas conexões e, em nosso caso,

exibem as características de região de fronteira e de mineração da capitania de Mato Grosso.

36 FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda Baptista, GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 37 BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral (orgs.). Modos de governar: idéias e práticas políticas no império português (Séculos – XVI – XIX). São Paulo: Alameda, 2005. 38 SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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No processo de construção do corpus documental percorremos documentação

manuscrita e impressa, que guardam indícios, sinais da realização de festas e celebrações

realizadas em Vila Bela da Santíssima Trindade, bem como na espacialidade de toda a

capitania de Mato Grosso e de outros domínios portugueses. Nossa narrativa foi elaborada

seguindo, principalmente, os registros históricos contidos nos “Anais de Vila Bela (1734 –

1789)”39, destacando deles informações sobre cerimônias promovidas pela Câmara de Vila

Bela, voltadas a demonstrações de regozijo e contentamento, de tristeza e luto, e de

homenagens religiosas a santos católicos. Partimos dos momentos iniciais da fundação de

Vila Bela da Santíssima Trindade, no ano de 1752, destacando os relatos sobre festejos e

celebrações nessa vila capital e no termo do Mato Grosso até o final do Setecentos.

Os “Anais de Vila Bela (1734-1789)” - a principal fonte deste estudo -, abre uma

vertente de pesquisas direcionadas à região do Guaporé. Essa importante fonte documental até

então não estava disponível em arquivos brasileiros, encontrando-se situada na Newberry

Library, biblioteca localizada na cidade de Chicago, nos Estados Unidos. Só no ano de 2000,

com o desenvolvimento de pesquisas nos acervos dessa instituição de pesquisa que a

professora Janaína Amado, da Universidade de Brasília, e a professora Leny Caselli Anzai, da

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, possibilitaram a reprodução desse material

para os demais pesquisadores. Os registros manuscritos contêm um total de 165 páginas, das

quais 117 foram preenchidas, com diferentes letras, por vereadores da Câmara de Vila Bela da

Santíssima Trindade, desde a fundação da capitania, em 1748, até 1789, ano do retorno a

Lisboa, após quase dezoito anos no governo da capitania, do capitão general Luís de

Albuquerque. Muitos dos aspectos sociais próprios de uma vila de fronteira, importantes para

o presente estudo, estão explicitados nos “Anais de Vila Bela”. Além dos aspectos sobre o

cotidiano dos moradores do termo do Mato Grosso, há também registros sobre

acontecimentos políticos que demonstram as visões dos oficiais camarários sobre a

monarquia, seu rei e sobre a posição que cada um ocupava na administração da capitania. Por

conta disso, as narrativas estão repletas de representações sobre as relações de poderes em

ação nessa espacialidade fronteiriça e mineradora.

39 AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli (orgs.). Anais de Vila Bela (1734-1789). Cuiabá: EdUFMT, 2006. - (Coleção Documentos Preciosos).

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Outra publicação importante, que complementa as informações contidas nos “Anais

de Vila Bela” é “Annaes do Sennado da Câmara do Cuyabá (1719-1830)”40, recentemente

publicados. Embora os manuscritos estivessem disponibilizados no Arquivo Público do

Estado de Mato Grosso, sua transcrição, organização e publicação facilitaram a consulta. Os

“Anais do Cuiabá” abrangem uma periodização mais alargada que os “Anais de Vila Bela, e

da mesma maneira que os “Anais de Vila Bela”, as narrativas foram escritas por muitas mãos,

ou seja, pelos vereadores da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá. Até 1765 destacam-

se, na composição dos relatos, os escritos de José Barbosa de Sá, Pedro Taques de Almeida

Paes Leme, Joaquim da Costa Siqueira, e Diogo de Toledo Lara Ordonhes. A partir de 1766,

Joaquim da Costa Siqueira foi narrador exclusivo, e nos anos subseqüentes, escreveram outros

segundos vereadores, que eram os encarregados dessa função41. Ao incorporar à narrativa

descrições dos festejos realizados na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá,

demonstramos que os espaços urbanos da Capitania de Mato Grosso faziam parte de uma

mesma continuidade ritual, pois as diretrizes para a realização desses eventos eram repassadas

pelos governadores e capitães-generais para as duas repartições, a do Cuiabá e a do Mato

Grosso.

A documentação de apoio teve grande relevância. No Arquivo Público do Estado de

Mato Grosso – APMT, e no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional –

NDIHR levantamos fontes manuscritas em diversos fundos, tais como “Governadoria”,

“Câmara de Vila Bela da Santíssima Trindade” e “Câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus

do Cuiabá”. A leitura e transcrição de cartas, ofícios, representações e relatórios de receitas e

despesas dessas vilas auxiliaram na composição de algumas das cerimônias públicas. Essa

documentação não constituiu relato único e completo de um ou outro festejo; pelo contrário,

deparamo-nos com registros fragmentados e dispersos, que só foram ganhando sentido na

medida em que eram reunidos e cruzados com outras fontes documentais.

Cabe destacar, no interior desse conjunto de fontes apropriadas por nossa narrativa,

as “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”42, legislação eclesiástica orientadora da

liturgia católica, que serviu de referência importante para montarmos um calendário de festas

e celebrações religiosas que deveriam ser organizadas e promovidas pela câmara de Vila Bela, 40 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.). Annaes do Sennado da Câmara do Cuyabá: 1719-1830. Cuiabá: Entrelinhas; Arquivo Público de Mato Grosso, 2007. 41 ROSA, Carlos Alberto. Mínima história dos Anais. In: Annaes do Sennado da Câmara do Cuyabá: 1719-1830. Cuiabá: Entrelinhas; Arquivo Público de Mato Grosso, 2007, p. 21-31. 42 NDIHR-UFMT. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Coimbra, Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1720.

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cerimônias nas quais os vereadores deveriam se fazer presente “em corpo de câmara”,

produzindo a presença do rei em festejos nos quais a população colonial da Capitania

participava. Observamos, nessa documentação, quais eram os “dias santos fixos” e os “dias

santos móveis”, conforme o calendário litúrgico. A vida católica da Capitania e de seus

termos era pautada por essa orientação clerical, que definia quando, como, e onde se

realizariam os festejos aos santos católicos.

Outra importante fonte impressa foi a “Relação das faustíssimas festas”43, relatos dos

festejos praticados na Bahia em 1761, em homenagem ao casamento da princesa D. Maria

com o infante D. Pedro ocorrido em 1760, cuja descrição exibe as etapas dos festejos públicos

executados, e a repercussão da notícia do casamento real na Bahia. Essa narrativa

encomiástica sobre esses festejos reais na Bahia foi escrita por Francisco Calmon, publicada

em Lisboa no ano de 1762, na oficina de Miguel Menescal da Costa: um opúsculo de 16

páginas, que constitui a mais detalhada fonte sobre acontecimentos festivos da Vila de Santo

Amaro. Esse documento foi elaborado como homenagem à Casa reinante, sendo dedicado por

Sebastião Borges de Barros, capitão-mor das ordenanças daquela vila, que possuía títulos de

distinção e nobreza.

As fontes icnográficas auxiliaram na elaboração visual de ambientes produtores de

práticas culturais espelhadas na Europa, e que foram re-produzidas nos domínios portugueses.

Utilizamos mapas, do próprio período colonial e recentes, para compor os cenários

cerimoniais. As imagens de santos barrocos (Anexos), acompanham a descrição de algumas

das santas festas, relacionadas com a narrativa dos eventos religiosos. Aliadas às fontes

manuscritas e impressas, as imagens auxiliaram a compor a tessitura da trama, apresentando o

mundo religioso colonial da repartição do Mato Grosso.

A partir dos “Anais de Vila Bela” elaboramos tabelas, das quais constam: as igrejas

da vila capital e de toda a repartição do Mato Grosso, com sua respectiva entidade religiosa

nomeadora, e o período de suas construções; as festas religiosas praticadas em cada localidade

do termo do Mato Grosso, com a identificação dos santos homenageados e o período de

realização; as festas “extraordiárias” e cerimônias políticas. Essas tabelas oferecem um

quadro geral possível dos festejos e celebrações, realizados em honra de santos do panteão

43 CALMON, Francisco. Relação das faustíssimas festas. Rio de Janeiro: MEC - SEC: FUNARTE: Instituto Nacional do Folclore, 1982 (Etnografia e Folclore/Memória 1).

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católico, em homenagem aos acontecimentos da vida dos soberanos lusitanos e da família real

portuguesa, além de cerimônias de posse de autoridades políticas.

Na elaboração das tabelas não escapou a percepção das redundâncias, dos silêncios,

do não dito, do gesto que acompanha e modifica aquilo que é expresso discursivamente.

Numa atitude necessária à prática do historiador procuramos manter uma postura

questionadora sobre o universo simbólico que permeava as manifestações festivas na antiga

vila capital da Capitania de Mato Grosso, sobre as muitas classificações do festejar, celebrar,

congregar, ligadas a sentimentos de alegrias, tristezas, crenças. Essa etapa metodológica

permitiu o acompanhamento da dinâmica da vida da vila capital e das localidades de seu

entorno em ocasiões celebrativas.

Todas as fontes levantadas e analisadas aparecem como peças de um grande quebra-

cabeça, pois isoladamente não completavam todas as etapas das festas e celebrações públicas,

embora desvelassem aspectos importantes de sua organização e do movimento de sua

promoção pelas Câmaras. Desse modo, as diferentes pistas identificadas na documentação

auxiliaram no processo de construção de sentidos ao preencher lacunas e fazer emergir

detalhes fundamentais não explicitados por um ou outro documento, oferecendo a dimensão

geral dos festejos. Embora nosso olhar esteja focado nas manifestações ocorridas em Vila

Bela e no termo do Mato Grosso, os registros contidos nos Anais do Cuiabá complementaram

informações sobre práticas cerimoniais nem sempre explicitadas nos Anais de Vila Bela.

Desse modo, em um movimento de idas e vindas entre um documento e o outro, os registros

dos dois Anais, com o auxílio da demais documentação analisada, permitiram a construção da

narrativa que apresentamos.

Para a análise das fontes documentais e desenvolvimento da temática sobre festas e

celebrações públicas, entendemos que a história cultural nos fornece o aporte teórico-

metodológico necessário, uma vez que nos permite “identificar o modo como em diferentes

lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”44.

Neste sentido, o conceito de cultura denota em nosso estudo um conjunto de significados

corporizados em símbolos transmitidos historicamente – um sistema de concepções herdadas

44 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 89.

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expressas em formas simbólicas das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem

o seu conhecimento e atividade perante a vida45.

Para elaborar uma narrativa que nos possibilitasse refletir sobre os significados das

manifestações culturais organizadas pela Câmara de Vila Bela da Santíssima Trindade, no

século XVIII, compostas por festas e celebrações públicas, organizamos o estudo em quatro

capítulos.

No primeiro capítulo, “Um Império de festas e celebrações: culturas e

sociabilidades” traçamos um quadro geral das manifestações representativas de uma

linguagem política e cultural da monarquia lusitana na Época Moderna. A Capitania de Mato

Grosso emerge no interior dessa orientação de governabilidade, em que a figura do rei –

presença ausente –, deveria se fazer presente por meio das instituições que o representavam na

colônia, como os Senados das Câmaras coloniais, em situações de festas e celebrações

públicas.

O segundo capítulo, “A fronteira Oeste em santas festas” desenha o cenário das festas

religiosas em homenagem aos santos católicos em Vila Bela. Essas festas eram consideradas

“ordinárias”, por possuírem suas datas fixadas no calendário litúrgico, e por serem em grande

parte organizadas pelo Senado da Câmara, e se constituíram em momentos propícios para a

exibição dos poderes religioso e terreno. Em meio a um recital de ladainhas e cânticos, os

santos desfilavam em seus andores, conduzidos nas procissões por membros das irmandades e

autoridades políticas, que circulavam pelas ruas iluminadas e enfeitadas, acompanhados de

música, salvas de tiros, e representações teatrais.

No terceiro capítulo, “Festas, celebrações e cultura política no Guaporé” abordamos

as celebrações realizadas em datas móveis, ligadas aos eventos de vida da família real

portuguesa ou por ocasião da chegada de alguma autoridade política ou religiosa, classificadas

como “extraordinárias”. Estarão em cena também as celebrações e festividades dedicadas aos

representantes do poder metropolitano quando chegavam à Capitania de Mato Grosso, com

destaque para as recepções feitas aos governadores e capitães generais, ocasiões significativas

para a exibição do poder camarário, pois produziam distinção social nas principais cerimônias

ou atos públicos na vila capital.

45 CHARTIER, 1990, p. 89.

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No quarto e último capítulo, “Da encenação da morte ao vôo da fênix. O rei morreu.

Viva o rei!”, continuamos a discutir aspectos político-culturais das celebrações

“extraordinárias”, contudo com outra conotação, diferenciada das anteriores por estar ligada à

demonstração de tristeza. Neste capítulo analisamos as cerimônias fúnebres públicas

constitutivas das exéquias reais, que também foram promovidas e organizadas pela Câmara de

Vila Bela da Santíssima Trindade. Essas cerimônias faziam parte do conjunto dos demais

rituais públicos do império luso, e privilegiamos seus aspectos culturais, focando as faces e

interfaces da cultura política da época moderna, bem como dos momentos de aclamação dos

sucessores reais. Esta etapa ligada à sucessão ao trono real constitui significativo fator a

legitimar a noção de corpo imortal contido na figura do rei.

As festas e celebrações exibem, em nosso estudo, sua função política e cultural,

enquanto legitimadoras, tanto do poder régio como do local, possibilitando a melhor

administração e atendimento dos interesses da metrópole, bem como a afirmação dos poderes

locais e a inserção de valores necessários à ordenação e domínio sobre a sociedade mineira e

fronteiriça da Capitania de Mato Grosso.

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Capítulo I

Um Império de festas e celebrações: culturas e sociabilidades

A compreensão sobre a estruturação dos territórios luso-americanos deve levar em

consideração também todo um conjunto de manifestações culturais que serviram de

linguagem política e cultural ao Império luso. Os rituais públicos adotados pelos Estados

Modernos europeus revelam aos historiadores práticas integrantes de representações culturais

e políticas que, como nos informa Roger Chartier, “não são discursos neutros; são reveladoras

da construção de realidades sociais que foram pensadas, dadas a ler”46.

O processo de transformações sociais do qual a Europa Moderna foi palco é

importante para a compreensão do significado dos ritos cerimoniais praticados nas diversas

partes do mundo conquistadas pelos portugueses. Com o movimento dos avanços marítimos e

das conquistas de territórios na América, África e Ásia, os europeus depararam-se com

sociedades distintas das suas, com experiências culturais complexas, e foi comum o

extermínio de grupos sociais durante as conquistas ultramarinas; quando isso não ocorria,

grupos sofreram a imposição de uma cultura de matriz cristã visando a normatização do viver

em colônias.

No entanto, essa característica não se restringe ao período moderno europeu. Na

trajetória humana, em tempos e espaços diferenciados, eram recorrentes práticas de agressões

físicas, de extermínio das diferenças, sobretudo nos movimentos de avanços territoriais, seja

objetivando a exploração das riquezas naturais desses espaços em busca de uma possível

acumulação de capitais, ou até mesmo nos embates pela memória, como fica claro no

exemplo das Cruzadas, que marcaram o período Medieval. Diante do exposto, muita violência

física foi utilizada, até mesmo com o processo de centralização das monarquias européias,

sobretudo no uso de guerras em defesa do território, na expulsão dos mulçumanos, que

ocuparam a Península Ibérica.

46 CHARTIER, Roger. História cultural. Entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

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Os discursos, as práticas sociais e culturais, como as festas propagandeadoras dos

reinos europeus na Época Moderna estão repletos de intencionalidades que demonstram as

características sócio-institucionais de suas produções. Torna-se prudente, então, verificar a

maneira pela qual os atores sociais deram sentido às suas práticas e a seus discursos, assim

como as pressões, normas e convenções que limitam aquilo que é possível pensar47.

As práticas culturais reproduzidas pelos agentes colonizadores nos territórios que

ocupavam não possuíam um sentido único, cabe destacar; estavam investidas de significações

plurais e móveis, construídas na negociação entre uma intenção e uma recepção. Devemos

pensar na expectativa dos grupos, nas diferenciadas formas de apropriação, impressões e

percepções, mesmo diante de uma gama de manifestações culturais ordenadoras, como as

festas.

Não apenas do emprego da força física, material, se valeram os diversos governos,

sobretudo no período Moderno, com a centralização das monarquias absolutistas. Considere-

se que as lutas materiais são também lutas simbólicas48, território onde são criadas diversas

formas de crença, como na própria figura das divindades terrena e celestial cristã ─ o rei e

Deus ─, princípios a serem inculcados para assegurar e perpetuar dominação. Foi também

significativa entre os séculos XV e XVIII, a presença de uma linguagem política e cultural

que representava as monarquias49. Com a centralização precoce de jovens Estados

absolutistas, como Portugal, manifestações culturais como as festas e cerimônias públicas

serviram à cristalização de idéias absolutistas, por meio da aclamação dos oficiantes mais

próximos do poder50. Todo um repertório de cerimônias públicas foi traçado, planejado e

executado pelas monarquias européias em seus respectivos territórios, tanto no Velho como

no Novo Mundo, agregando os súditos em torno da figura de seus soberanos, legitimando

esses regimes políticos, garantindo a soberania, dando sentido de coesão, suporte fundamental

da organização social dos reinos.

47 CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, p. 81-100. 48 CHARTIER, 2002, p.81-100. 49 PAIVA, João Pedro. Etiqueta e cerimônias públicas na esfera da Igreja (séculos XVII e XVIII). In: JANCSÓ, István e KANTOR, Íris (orgs.). Festa. Cultura e sociabilidade na América portuguesa. Vol. I. São Paulo: EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001. p.89. 50 DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.14 – (O caminho das utopias)

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No contexto do Império português, dadas as precárias condições de manutenção de

controle militar e burocrático, o domínio da Coroa contaria, em larga medida, com uma série

de símbolos e rituais importantes para a transmissão de valores culturais a serem considerados

comuns a todos que faziam parte do Império. Assim, com a ocupação do espaço público, as

festividades, sem aparente uso da coerção, constituíam-se em um sofisticado instrumento

persuasivo.

Com o movimento das grandes navegações, das conquistas ultramarinas, com o

processo de formação das colônias, as cerimônias públicas ganharam papel importante na

construção de laços de pertencimento às metrópoles. As cerimônias públicas, explicitadas em

diversos tipos de festejos, sagrados e profanos, estiveram presentes na formação dos núcleos

de povoamento, tanto em arraiais quanto em vilas. Um exemplo interessante dessas

cerimônias do Império luso pode ser visualizado em Macau, onde as cerimônias públicas

seguiam o mesmo repertório daquelas realizadas em Lisboa, mas apresentando uma

particularidade: os mandarins eram recepcionados com todas as honras militares dispensadas

aos portugueses, e nos aniversários imperiais, as fortalezas os saudavam com as mesmas

pompas utilizadas por ocasião das datas correspondentes às da família real lusa51.

Outro exemplo interessante foi a comemoração, em 1760, do casamento da princesa

do Brasil, a futura rainha D. Maria I, de Portugal, com seu tio, o infante D. Pedro, na Vila de

Santo Amaro, na Bahia. Para celebrar os “augustíssimos desponsórios” houve festas na Vila

de Santo Amaro de 1º a 22 de dezembro de 1760, divulgadas por “bandos” ou “pregões

públicos”, no primeiro dia, e nas seis noites consecutivas houve “luminárias”, com cada casa e

os principais largos da vila iluminados52. Nessas comemorações encarregaram-se diversas

corporações de ofício ou associações profissionais de artesãos, junto com a câmara, e danças

foram exibidas em homenagem às pessoas reais. Escravos e negros livres participaram

também das funções dessas festividades, e os “homens bons” da vila encarregaram-se das

“cavalarias ou cavalhadas”53, divertindo as famílias abastadas da localidade.

51 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda Baptista, GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 196. 52 CALMON, Francisco. Relação das faustíssimas festas. Rio de Janeiro: MEC - SEC: FUNARTE: Instituto Nacional do Folclore, 1982 (Etnografia e Folclore/Memória 1). 53 Sobre as cavalhadas realizadas na América portuguesa, ver: MEYER, Marlyse. A propósito de cavalhadas. In: JANCSÓ, István e KANTOR, Íris (orgs.). Festa. Cultura e Sociabilidade na América portuguesa. Vol. I. São Paulo: EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001, p. 227-247.

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Todas as etapas da vida dos soberanos portugueses e dos membros da realeza eram

acompanhadas pelos colonos, na medida do possível, a partir da chegada da notícia, fossem

momentos alegres ─ como os avisos de nascimentos, casamentos, aniversários reais ─ ou de

tristeza, em virtude de falecimentos. Os comunicados eram acompanhados de ordens para a

realização de manifestações públicas, e desembocavam em festas e cerimônias que envolviam

todos os segmentos sociais. O sentido implícito dessas cerimônias públicas era a de que os

colonos demonstrassem sua ligação com Portugal, interpretando os espaços coloniais como

extensões do Império português.

Observa-se, pois, que a América lusa não ficava distanciada dos acontecimentos que

envolviam a figura de seu soberano nem de todo o Império do qual fazia parte. Nos momentos

de celebração da monarquia eram destacados o poder real e a burocracia que o representava

na colônia. Nos eventos festivos, o rei era evocado por meio de imagens e palavras, criando-

se laços ilusórios de intimidade, de aproximação com o povo. A participação da população

nas etapas da vida de seu rei salientava o culto à sua personalidade, uma característica da

época de centralização dos Estados Modernos europeus54. É possível delinear alguns dos

elementos presentes nas realizações dessas festas, a exemplo de luminárias, arcos, andores, da

construção de tablados públicos para encenações teatrais, que davam forma, concretude,

movimento ao cenário festivo na promoção de sensações.

Após receber a notícia vinda do reino sobre o rei ou sua família, os moradores das

vilas ─ de acordo com o que decidia a Câmara ─ eram levados a participar dos rituais

públicos pertinentes. As datas dos eventos eram anunciadas publicamente, com ênfase em sua

importância. Os anúncios das cerimônias e festividades eram feitos nos lugares de maior

movimentação da vila, em geral, o largo da igreja matriz. Os anunciantes usavam, quando

possível, e de acordo com a ocasião, vestimentas luxuosas, e instrumentos musicais e

máscaras para chamar a atenção dos moradores para o evento55.

Não eram poupados esforços para atrair público para esses eventos. No dia marcado

para a festa ou celebração pública, logo em seguida às procissões e ao desfile de máscaras que

abriam as festas levantava-se um mastro comemorativo, sobretudo quando a ocasião era

relacionada a santos católicos, momentos em que eram evidenciados os oragos das vilas

coloniais. As temporalidades históricas se misturavam em muitas dessas funções festivas;

54 DEL PRIORE, 2000, p. 14. 55 Idem, p. 30.

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outras tradições faziam-se igualmente presentes, conforme descrição de Mary Del Priore

sobre o soerguimento de mastros em eventos festivos brasileiros:

Junto ao hasteamento da bandeira com a efígie do patrono, plantava-se uma

árvore, à qual penduravam-se frutos, flores e enfeites, ao som de cantos. Aos

seus pés, lançavam-se ovos, para proteger os animais de penas, de pestes. Os

frutos da terra, sobretudo o milho, a ela amarrados, deviam estar o mais

expostos possível, representando a passagem da vegetação que morre para

aquela que desabrochava. Em outras partes, o mastro recebia as mesmas

honras votivas. Depois da festa era queimado, e guardados os tições,

acreditava-se que era possível controlar com eles as forças das tempestades.

Aliás, acreditava-se que o mastro ou a árvore tinham poderes para

neutralizar os trovões.56

O mastro possuía também função lúdica, servindo ainda como “pau-de-sebo” para as

brincadeiras que se seguiam às cerimônias oficiais, na praça em que estava plantado. O

cenário das festas era o próprio espaço urbano das vilas onde elas se realizavam, e a

iluminação profusa deixava as ruas mais claras do que o costume. As “luminárias” eram

preparadas em panelinhas que continham azeite de mamona, e uma mecha de algodão, que era

acesa como uma lamparina. Cascas de laranja também eram utilizadas com o mesmo azeite e

mecha de algodão. A luz representava o contraponto com as noites escuras, perpassadas pelo

repouso ou medo.

Além das luminárias, as ruas eram decoradas com muitas armações efêmeras,

construídas somente para a ocasião, como arcos iluminados por velas, tochas, palcos para

encenações teatrais públicas, andores para o desfile das imagens dos santos, e coberturas para

abrigar as autoridades políticas e religiosas. Somado a tudo isso, destaca-se a queima de

fogos, alegrando as romarias e as procissões, comuns às solenidades sagradas e também às

profanas; os fogos anunciavam a partida dos cortejos e procissões, assim como seu retorno à

igreja ou à praça, onde se davam os principais eventos da festa57.

As danças, “óperas” e demais encenações públicas faziam parte das mesmas

intencionalidades, e apresentavam, além de seu significado lúdico, aspecto político importante

para a governabilidade, da qual a Câmara era protagonista. Nesses momentos, ficava claro

para os moradores coloniais, quais eram os cargos de maior prestígio, e quem eram os seus

56 DEL PRIORE, 2000. p. 34. 57 Idem, p.38.

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ocupantes, ou seja, aqueles que tinham acesso à administração pública, grupos detentores de

prestígio na comunidade, por pertencerem a uma linhagem nobiliárquica ou a grupos

economicamente importantes da própria Capitania.

Mas, não apenas pelos poderes locais foram apropriadas as festas e cerimônias

públicas. A Igreja Católica imprimiu nas festas realizadas na Europa e no ultramar as

diretrizes tomadas diante do cenário da Reforma Protestante e da Contra Reforma Católica,

ocasiões de reafirmação da fé e do controle papal. Esses e outros fatos políticos atravessaram

o oceano e chegaram ao Novo Mundo, participando da dinâmica de colonização da América

portuguesa58. A arte religiosa presente nas festividades na colônia americana nasceu sob o

signo do barroco, estilo emergente durante a Contra-Reforma ─ reação ao avanço do

Protestantismo, efetuada objetivamente pela Igreja Católica ─, que associava os interesses

reais e religiosos nos eventos públicos, e formatava uma encenação espetacular do poder59.

A Contra-Reforma e as mudanças de cunho político-religioso instauradas após o

Concílio de Trento tiveram implicações sociais, políticas e culturais. Reis, rainhas, nobres,

burgueses, papas, bispos e clérigos, todos pretenderam exaltar a dignidade de Roma ─ a

cidade ─, a espiritual e a material60. Os padres e frades que vieram para as Américas, e

aqueles que partiram para a Índia, o Japão e a África, não conseguiram fugir de seus

antecedentes europeus. Dificilmente impediriam a imposição de seus princípios, sua cultura,

sua superioridade; ensinavam a cultura européia junto com as lições do catolicismo61.

A Reforma tridentina colocou em realce a piedade eucarística, convertendo-a em um

dos fenômenos mais característicos da religiosidade barroca. A liturgia, especialmente, passou

por profundas transformações, que foram desde a mudança do sacrário gótico da parede

lateral do coro para o centro da igreja, sobre o altar, até a concepção das novas alegorias, para

ilustrar os textos verbais e os pictóricos ou plásticos62.

Algumas das características básicas da estética barroca, de acordo com Biancardi

foram: o “gosto pelo monumental”, que se opunha à sobriedade das construções protestantes,

que propunha exibir, com a eloqüência do esforço humano e terrestre, a busca do divino, do

58 TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil Colonial. São Paulo: Ed. 34, 2000, p. 105. 59 TINHORÃO, 2000, p.105. 60 BIANCARDI, Cleide Santos Costa. Liturgia, arte e beleza: o patrimônio móvel das sacristias barrocas no Brasil. In: TIRAPELI, Percival (org.). Arte sacra: barroco memória viva. 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: editora UNESP, 2005, p. 44. 61 BIANCARDI, 2005, p. 46. 62 Idem, p. 46.

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eterno, do celestial; a “vontade de impressionar”, agindo sobre os sentidos, perturbando os

hábitos, com apelos à afetividade e à imaginação, por meio da criação de santuários

espetacularmente decorados, com uso de motivos nos quais os êxtases e as visões

modificassem os sentidos dos observadores, fazendo com que ninguém ficasse impassível

diante de uma obra sacra; a “exibição de poder material”, relacionada diretamente com a

riqueza, oferecendo à contemplação, materiais ricos como ouro, prata e pedras preciosas,

utilizados não somente como elemento decorativo, mas também como meio de produzir

estupefação e assombro, como símbolo de poder; “a importância da superposição decorativa”

- reafirmação dos sentidos conferidos aos objetos e símbolos como representativos das

potencialidades sagradas, a exemplo da presença real do Senhor na Eucaristia, na figura dos

santos e da Imaculada Conceição; e “o gosto pelo insólito e pelo singular”, tomada de posição

do gosto maneirista pela variação e pela diferença, mas que se manifestará também na

exaltação dos heróis e das individualidades fortes, ou seja, no culto da personalidade. O

edifício religioso deveria retomar e hiperbolizar a glorificação do santo patrono, com

ambiente rico, que glorificasse ao destinatário63.

As cerimônias públicas e festividades deveriam provocar emoções fortes,

manifestadas através de elementos do barroco que a compunham. O poder e o prestígio do

poder do rei e da Igreja deveriam ser evidentes, visíveis, em uma sociedade de poucos

letrados64, na qual os sinais externos estabeleciam os lugares sociais de cada um. As emoções

formalizadas, convertidas em espetáculo, eram estratégias que auxiliavam no processo de

equilíbrio da sociedade.

Nessas celebrações, os elementos de caráter litúrgico confundiam-se com o profano,

em um espetáculo de intenso colorido rítmico, cujas características estão contidas nas

insígnias do poder, nas cerimônias de coroação, nos funerais ou nas sucessões, plenos de

explicações simbólicas65. Sensações e recursos visuais integravam a rede de fiéis em torno da

figura do monarca, nas celebrações públicas reais.

Para Affonso Ávila, as festas barrocas reiteravam a ordem política metropolitana,

mas também promoviam novas possibilidades, como por exemplo, no caso da Capitania de

63 Ibidem, p. 46-48. 64 RIBEIRO, Renato Janine. A etiqueta no Antigo Regime. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 12. 65 FERNANDES, Dirce Lorimie. Liturgias barrocas. In: Territórios e Fronteiras – PPGHIS – UFMT, vol. 3, n°1, jan/jun. 2002. p. 94.

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Minas Gerais, a integração dos mulatos66. Nesse sentido, torna-se significativo avaliar o lugar

das festas, das encenações públicas, dos ritos da vida coletiva na formação da sociedade

colonial, envolvendo as diferenciadas condições econômicas e sociais luso-americanas.

As festas barrocas e cerimônias luso-americanas públicas permitiram o enraizamento

das estruturas de poder local na América. A nível local, os Senados das Câmaras, os bispados,

as ordens religiosas, as irmandades e santas casas de misericórdia impeliam os moradores à

vida festiva. Inseridas na lógica da cultura política da Época Moderna, as pessoas recebiam,

davam e retribuíam nas ocasiões festivas, colocando em circulação solidariedades e

mercadorias, os costumes e as regras que orientavam a vida social. Seja no financiamento das

armações efêmeras, na iluminação pública, nos fogos de artifício e divertimentos públicos ou

mesmo diante da prática da etiqueta ou a exibição da pompa, a festa luso-americana procurava

impor uma ordenação formal a um mundo aparentemente instável67.

O rei e a religião, numa aliança colonizadora, estendiam o seu manto protetor e

repressor sobre as comunidades, que nas ocasiões festivas coloria-se com exuberância. Neste

sentido, o barroco forjou um conjunto de instrumentos articulados para preservar o sistema

absolutista. Para José Antônio Maravall, a festa barroca é uma “prática de poder”68, por deixar

o cotidiano, o trabalho e as penalidades impostas aos que se submetiam ao Estado

metropolitano em suspenso nesses momentos de celebração. As festas e celebrações públicas

eram também meios de fixação e manifestação do poder da Coroa portuguesa. Esses eventos

diminuíam tensões inerentes à diversidade étnica e às distinções sociais coloniais.

A colônia americana realizava, por meio de rituais e festas públicas, exemplares

manifestações de seu amor, “fidelidade e devoção” 69 confessa aos seus soberanos e demais

membros da realeza. Por isso, não podemos interpretar rituais públicos apenas como

mecanismos de dominação ideológica, como à primeira vista pode parecer. Não negamos a

66 ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980, p.187-197 (Debates; n°35). 67 JANCSÓ, István e KANTOR, Íris. Falando de festas, in: JANCSÓ, István e KANTOR, Íris (orgs.) Vol. I. 2001, p.11. 68 MARAVALL, José Antônio. A cultura do Barroco. São Paulo: Edusp, 1997.

69 APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Correspondência de Diogo de Mendonça Corte Real, Lisboa, 27 de agosto de 1750; APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1770-1779. Oficiais da Câmara de Vila Bela a Luis de Albuquerque. Vila Bela, 30 de dezembro de 1777; AHU – NDHIR – Doc. 1383. Carta dos oficiais da Câmara à rainha D. Maria, em que pedem restituição dos gastos com as exéquias de D. Maria Vitória, mãe da rainha. Vila do Cuiabá, 12 de novembro de 1782.

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intencionalidade política contida nesses momentos; contudo, torna-se necessário considerar as

sociabilidades estabelecidas entre os que participavam das festas e celebrações. Além disso,

esses rituais públicos conferiam sentido ao viver nos espaços urbanos que agregavam os

representantes do poder metropolitano, sendo um dos momentos demonstrativos desse

significado aos demais colonos.

1. Na fronteira Oeste da América portuguesa - a Capitania de Mato Grosso

As terras constituintes da Capitania de Mato Grosso, criada por desmembramento da

Capitania paulista em 1748, situadas a Oeste, eram espacialidades pluriétnicas, assim como

todas as que Portugal conquistou na extensão de seu Império colonial, nas quais se

movimentavam diferenciados atores sociais, muitos deles advindos da repercussão das

notícias de achados auríferos. Isto significou importante elemento motivador dos

deslocamentos populacionais no território da América portuguesa. Esse movimento deu-se

também em outras Capitanias mineiras, como em Minas Gerais e Goiás.

Era preciso garantir a efetiva ocupação desses territórios mineiros situados em

territorialidade espanhola, estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas de 1494, sendo que esse

processo de avanço territorial ocorreu principalmente pela busca de riquezas minerais, como

ouro e diamante, e também na busca de indígenas para escravização. Nesse contexto, os

paulistas foram protagonistas dessas ações, fundamentais para a conquista desses territórios

para Portugal. Os achados auríferos deram visibilidade a essas investidas da Coroa lusa, que

logo tratou de providenciar maior controle no Cuiabá, e também, posteriormente, no vale do

Guaporé.

O povoamento de Cuiabá, no começo do século XVIII, representou a instalação de

grupos sociais reprodutores de modos de vida espelhados na Europa, observamos isso porque

viviam sob a autoridade de uma monarquia, a portuguesa, e de seu rei. Isso não quer dizer que

só existisse a reprodução de práticas sociais de orientação européia, pois a Capitania possuía,

como integrantes de sua população, grupos sociais provenientes de outras experiências

culturais, como os muitos povos indígenas, bem como dos africanos e seus descendentes,

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deslocados para servirem como mão-de-obra escrava nas regiões mineradoras da Capitania de

Mato Grosso, além dos mestiços70.

Os avanços sobre as terras pertencentes à Espanha envolveram embates entre os que

para lá se dirigiam com os que ali já estavam. Os diversos grupos étnico-culturais produziam

e reproduziam seus modos de vida nessas espacialidades, com suas lógicas próprias de uso do

espaço, perpassadas pelas representações que orientavam suas práticas sociais; muito antes da

chegada dos primeiros conquistadores ao interior da América do Sul, sociedades ameríndias já

ocupavam essas terras:

[...] antes da chegada do europeu eram ocupadas por milhares de índios

agrupados em nações, com culturas e línguas diferenciadas, tais como os

Guaicuru, Paiaguá, Guató, Pareci, Kayapó, Umutina, Guarani, entre outras.

Estes grupos, que tinham entre si uma demarcação natural dos seus

territórios, eram nômades, fabricavam cerâmica, alguns cultivavam milho,

algodão e estabeleciam laços de amizade ou lutavam entre si. Por terem

adquirido, ao longo de gerações, conhecimentos empíricos dos seus

ecossistemas, mantinham relações harmoniosas com seu meio circundante. 71

Nesse sentido, existia uma pluralidade de características culturais com as quais se

depararam os conquistadores portugueses. Resistentes ao avanço luso-paulista, grupos

indígenas como os Paiaguá e os Guaicurú promoveram diversas investidas contra as monções

que transportavam pessoas e mercadorias para os núcleos populacionais e mineradores da

Capitania de Mato Grosso.

Com esse processo de avanço territorial sobre terras já habitadas, iniciou-se o

povoamento de Cuiabá, tendo Pascoal Moreira Cabral explorado ouro nas margens do rio

Coxipó, em 1719. A descoberta de novas jazidas junto ao córrego da Prainha, por Miguel

Sutil, em 1722, fez com que o povoamento fosse transferido para as proximidades do morro

70Não foi possível encontrar detalhes sobre as festas e cerimônias praticadas por esses grupos sociais, que são silenciadas na documentação oficial consultada. Isso nos leva a analisar práticas sociais autorizadas pelas autoridades governamentais estabelecidas nesse período. 71 COSTA, Maria de Fátima. História de um país inexistente: o Pantanal entre os séculos XVI e XVIII. São Paulo: Estação Liberdade/Kosmos, 1999.

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do Rosário, e aquela localidade foi elevada à categoria de vila – a Vila Real do Senhor Bom

Jesus do Cuiabá – , em 1727, por ato de Rodrigo César de Meneses72.

Desde os primeiros relatos sobre o cotidiano na Vila Real do Senhor Bom Jesus do

Cuiabá que já é possível perceber a realização de festas e celebrações, em homenagem à

monarquia lusitana e aos santos. No ano de 1726, na chegada a Cuiabá do governador e

capitão-general Rodrigo César de Meneses houve diversas festas em sua homenagem, o que

aconteceu sempre quando da chegada de outros governadores e capitães-generais, em anos

posteriores. Em 1732, a população da Vila Real, em comemoração ao casamento dos

príncipes do Brasil e Astúrias com os infantes de Portugal e Castela, contribuiu com

donativos para as despesas dos desponsórios, comemorou e ofertou missas de ação de graças

pelo acontecimento.

A fundação da Vila Real, num primeiro momento, pode ser entendida como

manobra fiscal da Coroa portuguesa, o que é válido. No entanto, não foi o único fator

motivador dessa iniciativa, pois desde anos anteriores já eram cobrados tributos sobre sua

população. A criação da vila deve ser compreendida como criadora de condições básicas de

governabilidade, no interior de um sistema comum a outros domínios portugueses nos quatro

cantos do mundo73. Por outro lado, a categoria de vila estabelecia uma ligação maior do

núcleo com a sede da Capitania de São Paulo, da qual o arraial do Cuiabá fazia parte. Na

medida em que o arraial assumia a condição de vila eram transmitidas, aos seus habitantes,

perspectivas de estabilidade, de durabilidade do povoado, tanto assim que já havia merecido a

atenção das autoridades coloniais, que a haviam transformado em município74. No momento

de fundação de uma vila se explicitavam os elementos dessa governabilidade, tais como

levantar pelourinho, criar Câmara municipal e cadeia, com eleições, estatutos e posturas

municipais, normatização da edificação, da higienização, da saúde, da alimentação e das

manifestações públicas75.

72 VOLPATO, Luiza Rios Ricci. A conquista da terra no universo da pobreza: formação da fronteira oeste do Brasil, 1719-1819. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, 1987. p. 30-31. 73 ROSA, Carlos Alberto. O urbano colonial na terra da conquista. In: ROSA, Carlos Alberto, JESUS, Nauk Maria de (orgs.).A terra da conquista: história de Mato Grosso colonial. Cuiabá: Adriana, 2003, p.16. 74 VOLPATO, 1987, p.31. 75 ROSA, 2003, p. 16.

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Além dos veios auríferos setecentistas cuiabanos, outros importantes foram sendo

encontrados na repartição do Mato Grosso, no vale do rio Guaporé76. No entanto, mesmo

sendo uma importante prática impulsionadora dos deslocamentos populacionais no século

XVIII, a mineração não foi a única atividade econômica desenvolvida na Capitania de Mato

Grosso. Não podemos deixar de evidenciar também as rotas comerciais de abastecimento da

região com produtos vindos pelo sul e pelo norte, além, é claro, das práticas agrícolas e da

atividade criatória interna. A Capitania de Mato Grosso, por outro lado, também era uma

Capitania “fronteira”, caracterizada pelas estratégias político-administrativas portuguesas de

posse desse território, como o estabelecimento de povoações em pontos divisórios, de fortes e

guarnições militares, entre outros aspectos.

Imagem nº 01 - Mapa da Capitania de Mato Grosso (1748)

Fonte: ROSA & JESUS, 2003, p. 62.

A preocupação em efetivar as conquistas obtidas durante um século de entradas

sobre as terras espanholas fez com que a Coroa lusa se preocupasse em estabelecer um núcleo

do governo colonial na região fronteiriça. Era preciso ainda deter o avanço das missões

jesuíticas espanholas, em sua tentativa de estabelecimento na margem direita do rio

76 Idem, p. 31. Ver também, neste sentido: AMADO & ANZAI, 2006.

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Guaporé77. As fronteiras geopolíticas entre as colônias ibéricas na América ainda estavam

sendo definidas ao longo do século XVIII, levando-nos a perceber práticas políticas em ação,

cujo intuito era assegurar a ocupação lusa, como a instalação de vilas, fortes e povoados78.

Foi intenso o fluxo de pessoas para as lavras situadas no vale do Guaporé,

formando-se nesses espaços muitos arraiais e povoações, a exemplo de São Francisco Xavier,

Santana, Pilar, Ouro Fino, São Vicente, Casalvasco. A ocupação do vale do rio Guaporé é

tributária do Cuiabá; foi a partir do Cuiabá que se descobriu o ouro nas mediações do

Guaporé, e se deu início aos núcleos de povoamento em seu derredor79. Entre essas

espacialidades foi criada outra vila, a Vila Bela da Santíssima Trindade, em 19 de março de

1752, vila capital da então recém criada Capitania de Mato Grosso (1748), anteriormente

parte constituinte da Capitania de São Paulo. Com esse processo, a Coroa portuguesa

assegurava a posse das terras antes pertencentes à Espanha, ampliando assim seu domínio

colonial80. Desse modo, Vila Bela da Santíssima Trindade serviu de ponto referencial,

juntamente com a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, para a consolidação do domínio

de Portugal sobre as terras luso-americanas situadas a Oeste81. Observa-se, pois, que as duas

vilas foram edificações urbanas fundamentais na conquista territorial lusa.

77 ROSA, 2003, p.33. Sobre as missões espanholas ver também: ANZAI, Leny Caselli. Missões religiosas de Chiquitos e a capitania de Mato Grosso. In: SILVA, Joana Fernandes (org.). Estudos sobre os chiquitanos no Brasil e na Bolívia: história, língua, cultura e territorialidade. Goiânia: Editora da UCG/CNPq, 2008. p. 135-165. 78 Sobre o assunto, ver: OLIVEIRA, Edevamilton de Lima. A Povoação Regular de Cazal Vasco e a fronteira Oeste do Brasil Colônia (1783-1802). Dissertação de Mestrado. Cuiabá, UFMT, 2003; MORAES, Maria de Fátima Mendes Lima de. Vila Maria do Paraguai: um espaço planejado para consolidar a fronteira oeste (1778-1801). Dissertação de Mestrado, Cuiabá, UFMT, 2003; COSTA, Maurim Rodrigues. Vila Bela da Santíssima Trindade: um planejamento urbano no interior da América portuguesa (1734-1765). Dissertação de Mestrado, Cuiabá, UFMT, 2003. 79 LUCÍDIO, João Antônio Botelho. A Vila Bela e a ocupação portuguesa do Guaporé no século XVIII. Relatório final de pesquisa do Projeto Fronteira ocidental - Arqueologia e História: Vila Bela da Santíssima Trindade. Cuiabá: SEDUC-MT, 2004, p. 03. 80 VOLPATO, 1987, p. 36. 81 ROSA, 2003, p.41.

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Imagem nº 02 – Mapa da Repartição ou Termo do Mato Grosso

Fonte: ROSA & JESUS, 2003, p. 64.

Do tempo de descobertas e instalação das lavras auríferas no Guaporé, década de

1730, até a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade, ano de 1752 ─ considerando-se

também a fundação de arraiais, instalação de aparato burocrático e administrativo,

reconhecimento do espaço físico de parte do vale do Guaporé, e a criação do termo do Mato

Grosso ─, o Estado português tomou medidas e elaborou estratégias e argumentos para

justificar, perante as outras cortes européias, a reivindicação para si da faixa de terras desde as

cabeceiras do Jauru/Paraguai e Guaporé e, a partir do rio Galera, à margem direita do

Guaporé82. Nesse contexto de definição de fronteiras geopolíticas muitos tratados foram

firmados após a reocupação portuguesa das terras pertencentes à Espanha, conforme o

Tratado de Tordesilhas de 1494, ao Tratado de Madri de 1750 e o Tratado Preliminar de Santo

Ildefonso, de 1777. Além disso, essas terras eram asseguradas pelo uti possidetis, pela

ocupação humana e uso do espaço, seja através da concessão de sesmarias na localidade, pela

edificação de espaços urbanos ou no emprego de outras atividades econômicas.

Avanço territorial, instalação de aparato político-administrativo lusitano, reprodução

de práticas políticas e culturais orientadas pelos modos de vida europeus. É nesse espaço que 82 LUCÍDIO, 2004, p. 22-23.

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buscamos a realização de “funções” e festas reais. A Vila Bela da Santíssima Trindade será

palco de muitas delas, juntamente com outras vilas, nas extensões dos domínios lusos. Será

preciso discutir, antes de mostrar os ambientes festivos urbanos vilabelenses, aspectos das

imagens construídas pela Câmara dessa vila capital durante esses eventos, ou seja, as facetas

do poder régio e local, construtores de hierarquias sociais na fronteira com os domínios

espanhóis na América do Sul.

2. A imagem do rei, presença de um ausente

A grandiosidade das festas atestavam a majestade do rei. Instaurava-se, a partir do

momento da chegada das notícias referentes às etapas de vida dos soberanos uma

simultaneidade festiva que reverenciava a figura real, tornando-a presente, ao explicitar seu

corpo místico. Era uma prática constituidora de uma representação da persona real, com a

intencionalidade política de unificar o Império por meio da figura do monarca. Buscava-se

reforçar os elos de pertencimento dos súditos ao corpo político do Império, sobretudo nos

espaços ultramarinos que vinham sendo conquistados, como a Capitania de Mato Grosso,

considerada antemural da colônia na fronteira Oeste83.

Na documentação consultada essas “funções” aparecem como “deveres da saudade e

fidelidade portuguesa”84. Essas manifestações representavam a fidelidade a uma Coroa, a um

rei, e evocavam uma origem, a Europa; explicitavam que os territórios americanos

conquistados eram uma extensão das terras portuguesas, pois não deixavam de participar,

mesmo que de longe, dos acontecimentos que dinamizavam Lisboa e todo o reino.

83 Sobre essa discussão, ver: VOLPATO, Luiza Rios Ricci. A conquista da terra no universo da pobreza: formação da fronteira oeste do Brasil, 1719-1819. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, 1987. 84 Cf. AHU-NDIHR - Doc. 1795. Ofício de Caetano Pinto de Miranda Montenegro ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Rodrigo de Sousa Coutinho informando que recebeu a notícia do nascimento da infanta. Vila Bela, 04 de julho de 1798; AHU-NDIHR - Doc. 1863. Ofício de Caetano Pinto de Miranda Montenegro ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Rodrigo de Sousa Coutinho apresentando os cumprimentos pelo nascimento de mais um infante. Vila Bela, 24 de junho de 1799; AHU-NDIHR - Doc. 1973. Ofício de Caetano Pinto de Miranda Montenegro ao secretário de estado da Marinha e Ultramar João Rodrigues de Sá e Melo com que responde a carta régia com a notícia do nascimento de um infante. Vila Bela, 17 de maio de 1802.

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Aos súditos cabia assegurar a plena realização dos interesses portugueses de

reocupar e explorar economicamente a região da capitania, e além desse caráter prático,

ligado aos objetivos econômicos sobre a região, não podemos deixar de evidenciar também

essas manifestações como a vivência da religião por parte dos colonos, pois era mais uma

oportunidade de participação nos rituais litúrgicos presididos pelos religiosos.

Na realização das festas e celebrações a imagem do rei adquiria significado

importante, pois traduzia o poder, ou seja, a exibição da pessoa ocupante do cargo real e da

importância de seu papel enquanto cabeça do reino e gestor do bem comum. O que mais

importava era a homenagem, sinal de reconhecimento da superioridade do rei, assim como de

submissão da população de súditos, garantindo a rede de fiéis.

Os festejos e cerimônias públicas foram mecanismos institucionais, compondo uma

das obrigações dos funcionários administrativos, com vistas ao controle. No caso do Império

português, desempenharam a tarefa de estender metaforicamente a presença do rei aos confins

das possessões ultramarinas. As etapas festivas acentuavam símbolos, alegorias, imagens

referentes ao soberano, presentificando-o na cerimônia. Nas comemorações, os festejos

visavam construir, por meio de suposto regozijo comum, uma identidade entre a Coroa e os

súditos dos diversos pontos do império85.

Os atos públicos praticados em memória da pessoa real deveriam ficar marcados na

memória da população, por meio da visualização dos adornos, dos símbolos representativos

da monarquia portuguesa, das representações metafóricas de alegria e de luto, bem como dos

seus representantes na Capitania de Mato Grosso. Essa memória deveria ser ativada sempre

que os moradores das vilas adentrassem a matriz, local das cerimônias, que envolviam as

etapas de vida do soberano, o que reforçaria o papel que cada súdito desempenhava no espaço

em que vivia. Com tais representações, grupos sociais como o dos oficiais camarários exibia

sua própria imagem e visão acerca do mundo social e o seu domínio, teatralizando a vida

social presente nos atos cerimoniais.

A noção de representação tem uma pertinência operatória fundamental em nosso

estudo, por ocupar lugar central nas sociedades da Época Moderna, como a lusa. Um dos seus

atributos é o de dar a ver uma coisa ausente, exibindo uma presença. A representação é um

instrumento que faz ver um objeto ausente através da sua substituição por uma imagem capaz 85 SANTIAGO, Camila F. Guimarães. A vila em ricas festas: celebrações promovidas pela câmara de Vila Rica (1711-1744). Belo Horizonte: C/Arte, FACE-FUMEC, 2003, p. 41.

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de reconstituí-lo em memória, e de figurá-lo tal como ele é86. Algumas dessas imagens são

bem materiais, como os símbolos, pessoas e cargos representativos da figura real e da própria

monarquia portuguesa. A noção de representação nos leva a perceber as várias facetas da

colonização e estruturação da sociedade colonial. Os súditos passariam a ver o monarca da

maneira como era exibido nas festas e cerimônias públicas, ou seja, como um bom soberano,

pai presente a defender os interesses da Coroa portuguesa e, conseqüentemente, de todos seus

súditos vassalos. Da mesma forma, as cerimônias exibiam a imagem de uma monarquia ao

alcance de todos, pois todos os colonos participavam das etapas de vida de seus soberanos, e

aclamavam a imortalidade de um cargo que não morria. A figura do rei era a de uma sombra

onipresente, que era a do pai, do senhor, do sacerdote, quase um deus, cabeça da sociedade87.

Era duplo o significado contido na figura real88. O rei possuía um corpo natural e um

corpo místico. Um corpo igual ao de qualquer homem, e outro corpo, o místico, invisível e

imortal, incapaz de qualquer imperfeição, pois significava a cabeça que direcionava um

governo, contendo em si a legitimidade de sua função e toda a territorialidade do reino,

função que seria repassada para outro corpo mortal. O rei era humano por natureza, e divino

pela graça. Esse rei imitador de Jesus Cristo era concebido e interpretado também como o

“mediador” entre o céu e a terra, um conceito de importância neste estudo, porque toda

mediação, de um modo ou de outro, implicava na existência de um ser de natureza gêmea.

A noção de corpo místico significava a totalidade da sociedade cristã, um corpo

constituído de cabeça e membros, permanecendo essa interpretação por toda a Baixa Idade

Média até os tempos Modernos e, além disso, corpo místico adquiriu um caráter corporativo,

significando uma pessoa “fictícia” ou “jurídica”, a exemplo do príncipe, que era a cabeça do

corpo místico do Estado. O Estado era uma entidade por si mesma, independente do rei, e

dotado de propriedade que não era a do rei. O rei era a cabeça do reino; sendo assim, quem

atacava o reino atacava a cabeça, ou seja, seu rei. Desta forma, os que prestavam homenagens

86 CHARTIER, 1990, p. 13-28. 87 FERNANDES, 2002, p. 96-97. 88 Valemos-nos das discussões empreendidas por KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei: um estudo sobre teologia política medieval. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Ainda sobre essa discussão, ver: BERCÈ, Yves-Marie. O rei oculto: salvadores e impostores. Mitos políticos populares na Europa moderna. Trad. Maria Leonor Loureiro. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003 – (Coleção Ciências Sociais); MEGIANE, Ana Paula Torres. O rei ausente: festa e cultura política nas visitas dos Filipes a Portugal (1581 e 1619). São Paulo: Alameda, 2004; BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994; BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. Trad. Julia Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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ao rei manifestavam suas homenagens ao reino, reafirmando ligações com o Estado secular, e

se reconhecendo como parte do corpo social do Império.

A relação estabelecida pelos colonos com seu soberano nos momentos de celebração

de sua presença nas terras ultramarinas era de fidelidade e de reafirmação de pertencimentos.

Eles deveriam acompanhar a família real portuguesa nos sentimentos de alegria e de tristeza,

de devoção à memória do rei. E esta memória deveria permanecer ativada nos colonos, que

passariam a demonstrar sua importância com suas participações nos diversos rituais públicos

que acompanhavam89.

3. As Câmaras ultramarinas: etiqueta, honra e prestígio

Com a expansão ultramarina e conquista de territórios coloniais, era preciso

reproduzir uma instância político-administrativa que servisse de modelo geral e relativamente

uniforme de organização local. Este acabou sendo o papel das Câmaras ultramarinas, que

reuniam em si os poderes legislativo, judiciário e executivo90. As Câmaras eram os pilares

sustentadores do Império português em seus domínios pelos quatro cantos do mundo,

significando uma continuidade que governadores, bispos e magistrados, autoridades

passageiras, não podiam assegurar. Os territórios conquistados necessitavam de controle,

normas, que garantisse a presença do Estado nesse processo. Além disso, as colônias

ultramarinas precisavam suprir o Estado português de suas necessidades, possibilitando ao

mesmo o acúmulo de capitais decorrentes da exploração econômica de seus territórios.

Os ambientes urbanos ganhavam forma com a instalação das Câmaras, pois elas

levavam o padrão ordenador que era extraído das “Ordenações do Reino” e das normas

eclesiásticas, fazendo das vilas lugares de política. A Câmara ultramarina eram composta, de

maneira geral, por um juiz-presidente - que tanto podia ser um juiz ordinário, caso eleito

89 APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Carta do rei D. José ao governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso comunicando a morte de D. João V. Lisboa, 05 de agosto de 1750. 90 Cf. BICALHO, 2001, p. 191; JESUS, Nauk Maria de. Na trama dos conflitos: a administração na fronteira oeste da América portuguesa (1719-1778). Tese (Doutorado em História). Niterói, UFF, 2006.

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localmente, quanto juiz-de-fora, nomeado pelo rei -, dois vereadores, e um procurador91. Sua

ação era formalizada nas posturas municipais, legislação importante na orientação das

condutas sociais92. Cabia a essa instância político-administrativa gerenciar as rendas

provenientes de naturezas diversas, como tributos e donativos, cabendo-lhe ainda: arrecadar

contribuições voluntárias dos moradores; arcar com os custos da defesa; pagar

obrigatoriamente os soldos das tropas e guarnições; construir e reparar as fortalezas; manter

armadas em situações de perigo; ser responsável pelas obras públicas e outros melhoramentos

urbanos.

Também era responsável por organizar o comércio, proibindo as transações daqueles

que não obtivessem sua licença, fiscalizando os preços e a qualidade dos produtos. O Senado

da Câmara era quem concedia licença para o exercício de qualquer ofício, autorizações

obtidas conforme análise da capacidade do requerente. Isto se referia aos artesãos, sapateiros,

ferreiros, carpinteiros, pintores, entalhadores, cirurgiões e muitos outros. O Senado da Câmara

geria espaços e vias públicas, como a abertura de ruas, calçamento e construção de pontes e

chafarizes. Zelava, ainda, pelo correto alinhamento das casas e pela largura das ruas e,

principalmente, tinha a atribuição de garantir a obediência às leis do reino, prendendo e

punindo os contraventores93.

As Câmaras ultramarinas experimentaram, a partir de finais do século XVII e início

do XVIII, progressivo cerceamento de sua atuação por parte do poder régio. Os poderes locais

tiveram seu poder econômico e político enquadrados, controlados pela Coroa portuguesa.

Uma das primeiras medidas, e que serve de exemplo a essa ação, foi a criação do cargo de

juiz-de-fora nas principais cidades ao longo de todo o Império, aumentando o poder de

interferência dos funcionários régios no governo local94. O juiz-de-fora era nomeado pelo rei,

e a ele cabia a presidência da Câmara, em substituição ao antigo juiz ordinário, eleito pela

comunidade. O juiz-de-fora era um oficial letrado, que deveria fomentar a aplicação do direito

oficial, sendo um elemento de desagregação da autonomia do sistema jurídico-político local,

fundado em práticas consuetudinárias95. Com essa e outras medidas, a coroa portuguesa

satisfazia a necessidade de intervir nas funções administrativas e financeiras, sobretudo

91 BICALHO, 2001, p. 191-192. 92 ROSA, 2003, p. 16-17. 93 SANTIAGO, 2003, p. 43. 94 Idem, p. 199-200. 95 Idem, ibidem.

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tributárias das Câmaras, objetivando controlar os descaminhos e os possíveis prejuízos da

Fazenda Real96.

Os homens eleitos para o Senado da Câmara gozavam o direito de serem tratados

como nobres, por ocuparem cargos de juiz ordinário, vereador, procurador e almotacé. Esse

processo de formação de uma Câmara municipal constituía-se com o reconhecimento dos

poderes locais presentes nas localidades de sua instalação. Na eleição do corpo governativo da

maioria das municipalidades ultramarinas, os cargos concelhios deveriam ser preenchidos

pela “nobreza da terra”. Isso não significava que todos fossem nobres, na concepção

estamental vigente no Antigo Regime, ou seja, nobreza de sangue, derivada de uma linhagem

nobiliárquica.

É importante compreender o que significava essa “nobreza da terra” das localidades

coloniais. Quando das conquistas e instalações dos núcleos populacionais foram surgindo

grupos sociais detentores de poderio político, por serem considerados primeiros

conquistadores e vassalos fiéis, defensores dos interesses da Coroa. Esses grupos

enriqueceram com a exploração de jazidas auríferas, no comércio e na produção agro-criatória

e em outras atividades econômicas.

A condição de conquistas ou de colônias, aliada à distância em relação à Corte e à

sede da monarquia e ao monarca, subtraíam as elites ultramarinas dos mecanismos de

nobilitação presentes no reino, tais como aquisição de títulos, de foros de fidalgo da casa real

e das cartas e brasão de armas. Restava às elites locais procurarem, como formas de obtenção

de elementos considerados símbolos de distinção, ser familiares do Santo Ofício, cavaleiro

das ordens militares e, sobretudo, ocupar algum cargo junto à administração local por

intermédio das Câmaras, das ordenanças e das misericórdias. Esses cargos serviram de espaço

de distinção e de hierarquização social e, principalmente, de negociação com a Coroa97.

O exercício das vereações era uma das formas de alcançar maior prestígio social,

pois os ofícios nas vereações e os cargos nas milícias e ordenanças deveriam ser ocupados

pelos “principais da terra”. A ocupação de cargos na administração concelhia era também a

96 Ibidem, p.200-201. 97 Ibid., p.206-207.

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principal via de exercício da cidadania. Ser cidadão era, por eleição, desempenhar ou já ter

desempenhado cargos administrativos nas Câmaras98.

A concessão de honras e privilégios pelo rei denotava igualmente o esforço da

monarquia em controlar a representação dos indivíduos e das ordens na sociedade,

delimitando as hierarquias, estruturando uma configuração peculiar da sociabilidade ─ assim

cortesã como concelhia ─ definida pela institucionalização das distinções, consagradas em

títulos, tratamentos, honra e prestígio. Com essa iniciativa, decidiam-se tensões, conflitos e a

competitividade entre os súditos. Essa “interdependência social” permitia à Coroa evidenciar

e legitimar o monopólio que possuía enquanto instância de estruturação social e institucional,

não apenas do reino, mas igualmente no ultramar99. Campos concorrentes, visões construídas

do mundo social que explicitavam interesses locais e centralizadores estavam em cena,

ajudando a compreender a multifacetada noção de “nobreza da terra”.

Para Portugal interessava governar a monarquia com seu grupo de letrados, que

tinham em si as características do que significava ser um nobre na Europa, sem tantas

variações em suas características definidoras, que eram baseadas, sobretudo, na “pureza de

sangue”, na linhagem nobiliárquica, no prestígio militar e religioso. Porém, era impossível

manter unido um Império sem pactos, reclassificações de grupos detentores de prestígio e

honra, e alianças políticas com as elites locais, detentoras de poderio econômico e social,

principalmente quando estas operavam, em seu favor, com a memória social de

conquistadores das terras coloniais nos “sertões incultos”.

Tanto o ideário da conquista quanto a norma de prestação de serviços apareciam

como mecanismos de afirmação do vínculo político entre vassalos ultramarinos e o soberano

português. Essa “economia política de privilégios” deve ser pensada como uma forma de

interlocução entre poder local e poder central. Nela, as cadeias de negociação e redes pessoais

e institucionais de poder viabilizavam o acesso dos “descendentes dos primeiros

conquistadores”, dos “homens principais”, e da “nobreza da terra” a cargos administrativos na

defesa da coesão política e o governo do Império100.

98 Ibid., p.204-205. 99 Ibid., p.206. 100 Ibid., p.220-221. Ainda sobre o assunto, ver os artigos de João Fragoso: “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII)”, e de Maria de Fátima Silva Gouvêa “Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808)”, in: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria F. Baptista, GOUVÊA, Maria de Fátima S. (orgs.). 2001.

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Segundo Laura de Mello e Souza, no conjunto das possessões lusitanas, a sociedade

mantinha os princípios estamentais, a posição dos indivíduos como sinais exteriores

indicativos da graduação, formas de tratamento, das insígnias, privilégios e obrigações.

Contudo, é preciso não perder de vista a relativização com relação às localidades onde eram

reproduzidos esses princípios, pois existiam diferentes formas de reordenações e

reelaborações dessas normas de conduta social que levam sempre em consideração as

particularidades das sociedades que as praticam101.

Foram muitas as atribuições das Câmaras coloniais, e dentre elas a que lhes dava

maior prestígio e que as transformavam em verdadeiros agentes mediadores entre as

localidades e o centro da monarquia, eram as promoções das festas “ordinárias” e

“extraordinárias”, vistas como momentos de celebração do corpo místico sobre o qual se

fundava o Império102. Nessas ocasiões, as Câmaras editavam bandos, marcavam datas,

definiam os locais, convocavam o povo, a “nobreza da terra” e o clero, limpavam as ruas das

vilas e arcavam ou dividiam as despesas, ações que garantiam o sucesso dos festejos que

estavam inseridos nos rituais políticos da Época Moderna. Nas solenidades, os oficiais

camarários reforçavam a hierarquia política e social manifesta nos adornos, nos gestos, na

precedência dos cortejos, nos trajes e na escolha das principais ruas da vila que seriam

percorridas pelas procissões.

Além de promoverem e organizarem os festejos religiosos e reais, os oficiais

camarários precisavam atuar como protagonistas locais desses eventos, ou seja, eles eram os

representantes da monarquia nesses momentos, reconhecidos como forças político-

econômicas locais. Desse modo, os oficiais camarários não podiam se descuidar da sua

aparência em público, pois representavam o poder régio nas vilas coloniais. A distinção era

explicitada aos demais segmentos sociais das localidades coloniais por meio dos gestos,

comportamentos, falas, posições nos cortejos e procissões, e trajes. Eram esses os momentos

de afirmação de suas posições de prestígio e poder.

Nos dias de cerimônias públicas os vereadores da Câmara municipal carregavam

uma vara branca, e os almotacés uma vermelha, objetos símbolos de distinção, representativos

do poder. Os vereadores trajavam capas de seda branca, véstias, meias, e plumas. Nos dias de

cortejo fúnebre, usavam capas compridas, bandeira negra e faixas de tecidos negro nos

101 SOUZA, Laura de Mello e. 2006, p. 148-183. 102 JESUS, 2003, p. 106.

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braços103. Em diferentes ocasiões celebrativas, tanto nas demonstrativas de alegria como de

tristeza, ações, gestos e discursos construíam um mundo social que era dado à leitura a todos

os segmentos da sociedade, objetivando a reafirmação da hierarquia social e política.

Desta forma, quando do recebimento de notícias que envolviam a pessoa do rei ou

da própria família real lusa ─ que chegavam, muitas vezes, um ano após o ocorrido ─, o

capitão-general avisava às Câmaras municipais sobre o acontecimento, para que as mesmas

pudessem estabelecer as datas para a realização de festas ou cerimônias demonstrativas de

alegria ou tristeza nas vilas. Os Senados das Câmaras tinham a incumbência de organizar

essas manifestações demonstrativas da “fidelidade portuguesa”, convocando todos os

segmentos sociais, estabelecendo as datas das cerimônias públicas104. Também deveriam

informar à corte, em cumprimento à Real Provisão, sobre as práticas relativas a essas

celebrações, sobretudo quanto às despesas feitas.

Esses eventos festivos, juntamente com a própria instalação do poder metropolitano

com seu aparato jurídico, político e fazendário, disciplinando a política fiscal da região

mineradora da Capitania de Mato Grosso, interiorizava o Estado metropolitano nas regiões a

Oeste da América portuguesa, onde o ouro fora descoberto, e que, legalmente, pertencia à

Espanha105. Todo esse aparato administrativo levava a um maior controle por parte do Estado

português e à estabilidade do povoamento. As Câmaras foram palco da atuação dos poderes

locais e do próprio poder metropolitano, que se valia de seu corpo de funcionários para

estender sua presença e a de seu rei a todo o corpo social do Império luso.

As Câmaras ultramarinas eram obrigadas a promover anualmente as celebrações

mais importantes do calendário religioso, chamadas festas anuais ou “ordinárias”.

Eventualmente, outras festividades lhes eram incumbidas para comemorar nascimentos,

casamentos e exéquias de membros da realeza lusa, denominadas “festas reais” ou

“extraordinárias”. Acompanharemos essas práticas culturais nos próximos capítulos.

103 Idem, p.120-123. 104 AHU-NDIHR - Doc. 62. Ofício de Antônio Rolim de Moura ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre a notícia do casamento da princesa do Brasil com o infante D. Pedro. Vila Bela, 06 de junho de 1761. APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Ofício comunicando à câmara de Vila Bela a morte da infanta D. Maria Francisca Dorothea. Vila Bela, setembro de 1771; AHU – NDHIR - Doc. 1781. Carta de Caetano Pinto de Miranda Montenegro à rainha D. Maria, sobre o cumprimento da provisão régia que ordena que as Câmaras pratiquem as formalidades de funerais e exéquias das pessoas reais. Vila Bela, 10 de junho de 1798; APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1770 a 1779 – Alteração dos capítulos 5°, 6°, 7°, 9°, 12°, 13°, 14º, 15°, 16° do livro das Correições e Audiências Gerais que serve na Ouvidoria. Vila Bela, 21 de agosto de 1762. 105 CANAVARROS, Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá (1727-1752). Cuiabá: EdUFMT, 2004, p.108.

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Capítulo II

A fronteira Oeste em santas festas

A religiosidade dos grupos sociais coloniais pode ser apreendida de diversas formas,

e elegemos neste capítulo as festas em homenagem aos santos votivos. Essas manifestações,

dedicadas aos oragos católicos tinham sua data fixada segundo o calendário litúrgico, e por

isso eram denominadas “festas ordinárias”, e muitas delas marcaram o cenário vilabelense.

Essas manifestações religiosas proporcionavam momentos de pausa ao movimento regular e

tenso do trabalho diário. Nas vilas coloniais, o centro das festividades eram as igrejas, locais

onde se realizavam os ofícios litúrgicos, se recitavam ladainhas e se entoavam cânticos.

Essas manifestações de fé contavam com a atuação das irmandades religiosas,

responsáveis que eram também por sua promoção e organização, juntamente com a Câmara,

que aproveitava esses momentos para exibir as insígnias do poder metropolitano e dos

poderes locais. Essas oportunidades agregavam os fiéis e a todos os grupos dessa sociedade

colonial, reunida em torno da montagem e enfeites dos andores, ricamente adornados com as

cores de cada entidade religiosa homenageada. Festas como essas se apresentam como lugares

privilegiados para a observação da religiosidade, pois tornavam visíveis os signos da

religiosidade dos grupos, que estavam presentes em todas as esferas da vida cotidiana, mas

que nos festejos eram evidenciados. Nesses eventos, as relações, tanto entre o santo com o

devoto e deste com seus semelhantes eram manifestadas de forma pública, que reforçava a

tradição do povo e reafirmava as sociabilidades dos grupos para com as vizinhanças.

Os espaços onde aconteciam as festas tornavam-se o epicentro de toda a região nos

dias dos festejos, tornando-se local de congraçamento efervescente e de devoção. Ali se

ordenava o cotidiano das pessoas que habitavam o lugar ou que mantinham relações com

ele106.

Essas festas estavam também ligadas ao calendário agrícola, preparadas após uma

colheita ou como pagamento de promessas, acordo do devoto com o santo, em troca de graça

106 COELHO, Geraldo Mártires. Catolicismo devocional, festa e sociabilidade: o culto da virgem de Nazaré no Pará colonial. In: JANCSÓ, István, KANTOR, Íris (org.). 2001, p. 920; SANCHIS, Pierre. Arraial: festa de um povo – romarias portuguesas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992, p. 40.

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recebida ou ainda a ser alcançada. Nas festas dedicadas aos oragos de uma vila ou arraial, as

pessoas eram deslocadas da relação santo-devoto para uma esfera coletiva de religiosidade, e

do mesmo modo o fiel era retirado de seu cotidiano de trabalho. Festas como essas marcam

um período de utopia, tempo de fantasia, de liberdade e de reivindicações dos grupos que

compõem a sociedade e dela fazem parte, onde o homem encontra-se consigo mesmo107. Uma

expressão da organização social, um fato político, religioso e simbólico. Os jogos, danças,

músicas, recreações, não só divertiam e alegravam como também desempenhavam uma

importante função social, que era promover a ligação dos membros da comunidade.

Assim também o era no Guaporé. Todos os anos, ao renovar-se o ciclo agrícola,

havia congraçamento festivo em torno de cerimônias de agradecimento e pedidos de proteção.

A festa apresenta-se, dessa forma, como comemoração pelo ano vivido, agradecimento

geralmente dirigido a um santo protetor. Em Vila Bela da Santíssima Trindade foram diversas

as manifestações de ordem religiosa em honra de santos e santas, de agradecimento ou

pedido108. Como exemplo, as preces oferecidas a São Sebastião e a Nossa Senhora Monte do

Carmo, pedindo chuvas, no ano de 1787:

A Irmandade do Santíssimo e mais moradores desta Capital, depois de pedir

ao Reverendo Vigário preces públicas, levou em procissão a imagem do

mártir São Sebastião para a capelinha do Carmo, de onde trouxeram para a

igreja matriz a imagem de Nossa Senhora do Carmo. Continuando essas

preces e rogativas foi Nosso Senhor servido mandar chuva. A mesma

irmandade e povo conduziram, em procissão solene, para a sua capela a

mesma imagem de Nossa Senhora do Carmo, depois de lhe haver rendido

graças com missa cantada. 109

As festas de Vila Bela seguiam o previsto nas “Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia”, legislação eclesiástica que era referência às ações religiosas e laicas

na Capitania de Mato Grosso, e eram as seguintes, conforme tabela abaixo:

107 DEL PRIORE, Mary, 2000, p.10. 108 Ver, a respeito: CORBALAN, Kleber Roberto Lopes. A Igreja Católica na Cuiabá Colonial: da primeira capela à chegada do primeiro bispo (1722-1808). Dissertação (Mestrado em História). Cuiabá, UFMT, 2006. 109 AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli, 2006, p. 271.

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Tabela 01. Dias santos fixos no calendário litúrgico

MESES DATAS COMEMORATIVAS

JANEIRO

01 Circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo 06 Epifania (Dia de Reis)

FEVEREIRO

02 Purificação de Nossa Senhora. 24 São Matias Apóstolo, e no ano bissexto, 25

MARÇO

19 São José, esposo da Virgem Nossa Senhora 25 Anunciação de Nossa Senhora

MAIO

01 São Felipe e Santiago Apóstolos 03 Invenção da Santa Cruz

JUNHO

13 Santo Antônio, “por ser natural do nosso Reino” 24 Nascimento de São João Batista. 29 São Pedro e São Paulo Apóstolos

JULHO

25 Santiago Apóstolo 26 Santa Ana, Mãe da Virgem Nossa Senhora

AGOSTO

10 São Lourenço Mártir 15 Assunção da Virgem Nossa Senhora 24 São Bartolomeu Apóstolo

SETEMBRO

08 Nascimento da Virgem Nossa Senhora 21 São Mateus Apóstolo 29 Dedicação de São Miguel Arcanjo

OUTUBRO

28 São Simão e São Judas Apóstolos.

NOVEMBRO

01 Festa de todos os Santos. 30 São André Apóstolo

DEZEMBRO

08 Conceição da Virgem Nossa Senhora, “Padroeira do nosso Reino” 03 São Francisco Xavier 21 São Thomé Apóstolo 25 Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo 26 Santo Estevão Protomártir 27 São João Apóstolo e Evangelista 28 Santos Inocentes 31 São Silvestre Papa

Fonte: NDIHR-UFMT. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 1720.

A orientação eclesiástica era para que em cada igreja paroquial da jurisdição do

Arcebispado baiano se guardasse o dia da festa principal do orago que dava nome à

localidade, e acrescentava que nenhum pároco ou prelado poderia conceder outros dias santos

de guarda que não constassem da relação do calendário litúrgico ou da relação das datas

cristãs móveis. Os párocos deveriam também divulgar, durante as celebrações litúrgicas

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dominicais, os dias santos do dia e da semana que entrava, anunciando a todos que deveriam

abster-se de trabalho, dedicando-se a orações e missas.

A prática era a de que nos domingos e dias santos houvesse obrigação do cristão de

honrar a Deus sem perturbações profanas. Insurgir-se contra estas orientações seria cair em

pecado. Guardar dias santificados em memória das mercês recebidas de Deus, como os

domingos, significava ato representativo da criação do mundo e da ressurreição de Cristo, e os

outros dias eleitos pela Igreja deveriam ser guardados em homenagem às figuras ou

personalidades relacionadas à fé cristã, como os santos e santas110. No calendário litúrgico

além dos dias santos fixos havia os móveis, que deveriam, igualmente, serem considerados

pelos fiéis, conforme tabela abaixo:

Tabela 02. Dias santos móveis

Todos os Domingos do ano Domingo de Páscoa da Ressurreição, e a segunda-feira e terça-feira seguintes Quinta-feira da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo Dia do Espírito Santo, com os dois dias imediatamente seguintes Quinta-feira em que a Igreja universal celebra a festa do Corpo de Deus

Fonte: NDIHR-UFMT. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 1720.

Desse modo, diversos elementos da religião oficial do Império lusitano começaram a

fazer parte do cotidiano dos moradores do território a Oeste da América portuguesa, que vinha

sendo esquadrinhado e reconfigurado ao longo de todo o século XVIII. Isso pode ser

observado nos registros sobre algumas imagens religiosas e nas igrejas construídas na

repartição do Mato Grosso, como o registro de que no ano de 1753 chegava a Vila Bela da

Santíssima Trindade uma imagem de Nossa Senhora do Rosário trazida nas canoas de

negócios do Pará, ancoradas no porto geral da vila. Trazida por João de Souza Azevedo,

comerciante, em 12 de julho, essa imagem foi recepcionada com a “solenidade possível”, na

capela de Santo Antônio111. No ano seguinte, 1754, o mesmo João de Sousa Azevedo chegou

a Vila Bela com “negócios” do Pará, entre os quais outra imagem de Nossa Senhora do

Rosário, que a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Mulatos e Pretos havia mandado

110 NDIHR-UFMT. Constituições Primeiras do Arcebispado Da Bahia. Coimbra, Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1720. 111 AMADO & ANZAI, 2006, p. 54.

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fazer no Maranhão. No dia 17 de dezembro desse mesmo ano, a imagem foi entronizada na

capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens112.

Grande parte das imagens sacras chegavam à vila capital pelas monções, muitas

oriundas de Portugal, como a imagem de Nossa Senhora Monte do Carmo, que veio sob

encomenda de Lisboa, e que chegou no dia 26 de dezembro do ano de 1782, trazida do Pará

pelo furriel Antônio Francisco de Aguiar. Essa imagem foi trazida em “vulto”, ou seja, de

corpo inteiro, a pedido do governador e capitão general Luís de Albuquerque de Melo Pereira

e Cáceres, que a doou para a capela localizada na Rua de Santo Antonio, em Vila Bela, que a

tinha como orago principal. Havia nessa capela apenas um painel representativo da referida

santa, que foi substituído quando da chegada da imagem, por se considerar que “as imagens

de vulto promovem nos povos a maior devoção”113.

Além dos registros da circulação de imagens, chamam a nossa atenção, relatos sobre

fatos fantásticos e “sobrenaturais” relacionados a algumas imagens, o que demonstra muito do

“mundo de vida” dos moradores dos arraiais do Mato Grosso. Os Anais de Vila Bela

registraram um fato acontecido em julho de 1755, na capela de Santa Ana, no arraial de

mesmo nome, segundo o relato do padre Manoel Antunes de Araújo. O padre, que era o

responsável pela capela havia quinze anos, certo dia, ao abrir a porta da capela, afirmava ter

visto a imagem de Santa Ana, feita de barro,

... caída sobre o altar, com a face para baixo, quebrada a mão direita debaixo

da mesma imagem, coberta com o seu próprio manto, estando essa imagem

alta sobre peanha de madeira e outra de barro, na qual estava embutido o

tufo de pau que segurava a imagem. Coisa natural, parece que, caindo esta,

caísse no mesmo lugar a peanha de barro. Mas nada aconteceu assim, porque

a imagem ficou sobre o altar, com a cabeça para a porta principal; e a peanha

se fez em pedaços, ao pé da credência que fica distante do altar, sem que, no

cair, desconcertassem de seu lugar as imagens de Nossa Senhora da

Conceição e São Joaquim, que estavam aconchegadas à dita peanha; nem os

castiçais, velas e ramalhetes saíssem. Vi, também, caída a santa imagem de

Cristo, Senhor Nosso Crucificado [ilegível]..., a cruz do calvário, e de

bruços, sobre o altar, com a cabeça para a parte da epístola, que corresponde

112 Idem, p. 56. 113 Ibidem, p. 235.

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ao norte. Não obstante ser o calvário pequeno e mais leviano, não teve

movimento algum do lugar que sempre esteve sobre a banqueta.114

O acontecimento considerado milagroso, conforme o relato do padre continuou.

Registrou que no dia 24 de julho de 1755, antes do início das festividades em honra da santa,

voou da capela um pássaro branco, que parecia ser coruja, e que ele creditou ao acontecido

com a imagem, pois considerava impossível que o pássaro tivesse entrado na capela, já que

todas as frestas haviam sido tapadas. O estranhamento continuou no mês de agosto, e segundo

padre Manuel, ao abrir a porta e olhar para o altar, viu ele

... o Santo Cristo com o calvário caído de bruços sobre o altar, da mesma

parte em que esteve da primeira vez. E a imagem de São Joaquim, que

estava atualmente sobre a banqueta da parte da epístola, à beira da parte do

evangelho, deitada de ilharga, com a cabeça para a parte de epístola, sem

quebradeira alguma. E [o] tapete que estava sobre o estrado do altar, achei-o

estendido no plano da capela-mor. No dia seguinte, que foi segunda-feira,

não abri a capela, por ir a uma confissão. Na terça-feira disse missa, sem

achar novidade. Mas na quarta-feira, que foram 20 de agosto, abrindo

pessoalmente a porta, vi, com tão grande susto que fiquei quase sem sangue,

o santo crucifixo com as costas para a porta principal, mas o calvário não

estava virado; e somente a cruz encaixada no mesmo calvário, e os

ramalhetes do altar, que são chatos, virados com o avesso para a mesma

porta principal. O tapete, que estava estendido no estrado junto ao altar

achei-o estendido no plano da capela-mor, atravessado ao correr dos

degraus, em tanta distância deles quanta tinha até ao [ilegível]... e os dois

bancos dos confessionários, entre o arco e o tapete.115

Esses registros nos contam um pouco do universo cultural em ação em Vila Bela,

fazendo-nos acompanhar aspectos do cotidiano, do ritmo da vivência religiosa que ficam

evidentes também por ocasião das procissões promovidas pelas irmandades religiosas ou nas

próprias festas votivas que homenageavam os santos.

Além dos relatos sobre imagens, chama atenção a narrativa sobre um roubo de

hóstia, praticado por um desertor, José Joaquim Ribeiro, ato considerado extremamente

114 Ibid., p. 58-59. 115 Idem.

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ofensivo ao principal símbolo do catolicismo e que representava o corpo de Jesus Cristo.

Morto durante a fuga, com o desertor foi encontrada

... uma bolinha ao pescoço, pendente em uma fita. Tirando-a, um pedestre a

queria atar ao seu braço, mas que o desertor José Severino, na presença do

outro também preso Jerônimo de Oliveira, e toda a escolta disseram que não

aconselhavam, porque naquela bolsa se achava uma partícula sagrada.

Porquanto o dito José Joaquim Ribeiro, pouco depois que saíram desta Vila,

lhe participara e levava nela, tendo para isso, muito de propósito, ido à igreja

matriz desta Vila confessar e comungar na véspera da sua deserção, tirando a

sagrada partícula da boca em um lenço, depois a guardara; porque, levando-a

consigo, não temia pessoa alguma, porque nenhuma arma pegaria fogo, nem

no seu corpo entraria bala, chumbo, nem outra coisa alguma que fosse

ofendê-lo nem causar-lhe perigo. Ouvindo isso, o sobredito ajudante, com

toda a reverência abrira a bolsa na presença de todos e nela achara a sagrada

partícula, envolta em um papel e panos. Cheio ele e todos os mais de horror

e respeitosa veneração, se prostraram, adorando-a profundamente; e que ele,

ajudante, a passara para um caixilho de ouro, com que a trazia.116

Este relato refere-se ao ano de 1787, e causou tanta comoção, que o próprio

governador e capitão general Luís de Albuquerque mandou, em sinal de respeito e veneração,

depositar o caixilho no lugar mais importante do seu palácio. O ato sacrílego provocou o

temor de que algo de mau pudesse acontecer aos moradores da vila:

Penetrado da maior dor, por um tão grande desacato e ofensa à divina

majestade, se persuadiu que aquele malvado e sacrílego monstro não só

cometeu um tão detestável roubo da sagrada partícula, mas que se

encaminhara com ela a outras grandíssimas ofensas, sacrilégios e injúrias,

quais eram haver pegado na sagrada partícula com as suas malditas mãos,

levando-a exposta a grandes [ilegível]... da viagem, e até a poder ser

enterrada com ele. [...] Logo mandou Sua Excelência participar esse caso ao

vigário da vara e [ilegível]... desta Vila, o qual, acudindo logo, e com todos

os sacerdotes e irmandades do Santíssimo Sacramento, e o geral concurso da

nobreza e povo, todos cheios de horror e penetrados do mais vivo

sentimento, por tão temerária e suprema ofensa, levou a sagrada partícula

116 Ibid., p. 268-269.

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debaixo de pálio para a igreja matriz, em numerosa procissão, acompanhada

de Sua Excelência, de seu ajudante-de-ordens e do doutor provedor da

Fazenda Real, o secretário do governo e oficiais militares, que todos

antecipadamente tinham concorrido ao palácio.117

Não satisfeito, o governador ordenou à Câmara que fizesse anunciar luto geral por

três dias, que deveria ser cumprido também pelos oficiais militares, durante os quais, na igreja

matriz os moradores fizeram orações, pedindo perdão pelo acontecimento. No quarto dia foi

realizada uma procissão solene, em ação de graças pela recuperação da partícula da hóstia

roubada pelo desertor, e seu retorno ao sacrário da igreja. O vigário da matriz de Vila Bela

considerou a ação crime de lesa-majestade divina, e logo passou a realizar uma devassa sobre

o acontecimento, com o intuito de descobrir se mais alguma partícula havia sido subtraída da

igreja118.

1. Entre o sagrado e o profano: espaço de múltiplos sentidos

Na dinâmica colonizadora colonial, quando da instalação dos povoados, fossem

arraiais, vilas, roças, sítios ou fortificações, construíam-se também igrejas e capelas, que

marcavam e nomeavam territórios, colocando-os sob a invocação de um santo ou santa, que

passaram a exercer a função de guardiões nomeadores dos novos agrupamentos. Esses santos

e santas desempenharam um significativo papel na vida desses grupos colonizadores, servindo

a eles de protetores, por meio das potencialidades que cada um trazia consigo, fosse proteção

contra doenças ou contra males provocados por fenômenos naturais, a exemplo dos trovões e

ventanias.

As igrejas eram centros irradiadores da cultura européia no Novo Mundo, pois

congregavam os moradores dos povoados na promoção de eventos religiosos ou políticos, em

que era comum o uso do seu espaço, por parte das autoridades políticas metropolitanas e do

poder local, como durante a posse de novos governadores. Isso ocorria pela dificuldade de

estabelecer uma fronteira rígida e bem delimitada entre o político e o cultural, ou ainda entre o

sagrado e o profano, pois ambas as esferas estavam inseridas em um mesmo movimento de

117 Ibid., p. 269. 118 Ibid., idem.

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apropriações diversas, estabelecendo empréstimos culturais mútuos em seus campos de ação.

Dessa forma, a utilização do espaço da igreja exemplificaria muito bem, nesse período, o

intenso intercâmbio e conexões estabelecidas entre as diferenciadas esferas do poder.

A relação entre a religião e a fundação de vilas, arraiais e demais povoados não se

limitava aos patrimônios: Igreja e Estado, no período colonial, estavam intimamente ligados,

tendo o rei autoridade concedida pelo papa, mediante um conjunto de disposições entre a

Igreja e a Monarquia denominado “Padroado”, de instituir bispos, padres e demais membros

do clero secular. Ao rei de Portugal, e unicamente a ele, cabia conceder licença para a

fundação de vilas e de igrejas, necessárias para a salvação das almas de seus vassalos119. A

formação dos núcleos urbanos na repartição do Mato Grosso, entre os arraiais e povoados,

como São Francisco Xavier da Chapada, Santa Ana, Pilar, Casalvasco, Lamego e Leomil,

bem como a própria vila capital, Vila Bela da Santíssima Trindade, orientava-se por essa rede

de poder, mescla do divino com o temporal.

Esses núcleos consolidavam-se com o levantamento de uma capela, que seria

responsável pela animação da vida colonial, ritmada pelas fases da vida, marcada pelo

batismo, pelos casamentos e funerais, mas também pelas festas religiosas, sempre

apadrinhadas pelas pessoas de maiores posses dessas localidades, os chamados “homens

bons”. Os proprietários de terras, fazendas e roças, os religiosos e o povo em geral, todos

tinham os seus oragos, e aqueles que podiam homenagear o santo de sua devoção faziam-no,

denominando suas propriedades, capelas e vilas.

Na repartição do Mato Grosso a presença do sagrado estava presente nos modos de

vida de seus moradores. Os ritos litúrgicos eram praticados e dirigidos por religiosos que se

estabeleciam nas diversas localidades que surgiam, e que levavam os sacramentos católicos a

todos os moradores, principalmente durante as desobrigas120, quando então eram oferecidos o

batismo, a crisma, o casamento, e a extrema-unção121.

A trama urbana continha diversos edifícios ligados à religiosidade. As igrejas mais

importantes eram chamadas de “sé” ou apenas “matriz”. Chamavam-se “capelas” as

119 TIRAPELI, Percival. Patrimônio religioso na formação das cidades do vale do Paraíba, São Paulo. In: TIRAPELI, Percival (org.). Arte sacra: barroco memória viva. 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: editora UNESP, 2005, p. 16. 120 A chamada “desobriga” era a ocasião em que eram ministrados aos moradores os sacramentos cristãos, ocorrendo em poucos momentos ao longo do ano. 121 TIRAPELI, 2005, p. 18.

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edificações religiosas pertencentes às irmandades religiosas ou de devoção de santos

específicos. Interligando cidade e igreja, havia os “passos” ou “passinhos”, pequenas

construções abertas nas ruas para a passagem de procissões. Por fim, “oratórios e nichos”,

incrustados nas paredes e muros122. Nos arraiais da repartição do Mato Grosso diversas igrejas

e capelas foram edificadas, visualizadas nos mapas elaborados à época, como o do arraial do

Pilar, de Santa Ana, de São Francisco Xavier da Chapada e São Vicente, conforme

observamos nos destaques dos mapas abaixo:

Imagem nº 03 – Mapa do arraial do Pilar

Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Fonte: GARCIA, 2000, p. 197.

O primeiro agrupamento de pessoas no arraial de Nossa Senhora do Pilar (Imagem nº

03) ocorreu no ano de 1735, derivado da descoberta aurífera nessa região montanhosa situada

entre o arraial de Santa Ana e as lavras do córrego Monjolo. A capela edificada nesse

agrupamento de pessoas, dedicada a Nossa Senhora do Pilar, nomeia o arraial, que teve

122 Idem, p. 22.

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existência bastante duradoura; sua população teria sido reduzida com a decadência aurífera no

início do século XIX123.

Imagem nº 04 – Mapa do arraial de Santa Ana

Igreja de Santa Ana. Fonte: GARCIA, 2000, p. 197.

Em 1735 teve início o arraial de Santa Ana (Imagem nº04), perto do rio Sararé, que

é afluente do rio Guaporé, formador da Bacia Amazônica. Aos poucos esse arraial foi

crescendo, contando em 1739 com capela dedicada a Santa Ana de palha e pau-a-pique que

foi reedificada e coberta de telhas, numa região considerada de clima quente, provida de boa

lenha e madeiras e campos para o gado124.

123 LUCÍDIO, João Antônio Botelho. A Vila Bela e a ocupação portuguesa do Guaporé no século XVIII. Relatório final de pesquisa do Projeto Fronteira ocidental - Arqueologia e História: Vila Bela da Santíssima Trindade. Cuiabá: SEDUC-MT, 2004, p. 16. 124 LUCÍDIO, 2004, p.17.

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Imagem nº 05 – Mapa do arraial de São Francisco Xavier da Chapada

Igreja de São Francisco Xavier. Fonte: GARCIA, 2000, p. 197.

Imagem nº 06 – Mapa do arraial de São Vicente

Igreja de São Vicente. Fonte: GARCIA, 2000, p. 197.

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Com a descoberta de ouro em região serrana, banhada por vários rios e córregos, no

ano de 1736 lançaram-se editais e se repartiram datas auríferas, era o início da formação do

arraial de São Francisco Xavier da Chapada (Imagem nº05). Em 1737 edificou os mineiros

uma capela de pau e coberta de palha dedicada a São Francisco Xavier, a segunda construída

nas localidades de descobertas auríferas do Mato Grosso. Esse arraial cresceu tanto que em

1739 congregava a maior parte dos moradores das minas. Já o arraial de São Vicente (Imagem

nº06), juntamente com outros arraiais de Ouro Fino, Boa Vista, teriam surgido após 1751125.

Essas representações cartográficas de arraiais da repartição do Mato Grosso

mostram igrejas, que estabeleciam uma rede explicitadora da presença religiosa na fronteira

Oeste da América portuguesa, espaços importantes que eram para a realização de rituais e

cerimônias reafirmadoras dos laços de crença no cristianismo e no poder monárquico

português. Eram as igrejas locais de concentração das pessoas nas ocasiões festivas e

religiosas, além das cerimônias estabelecidas pela liturgia católica das quais os fiéis não

podiam deixar de comparecer.

Na Tabela 03 constam as igrejas destacadas dos registros dos Anais de Vila Bela, no

período de 1734 a 1789, com suas denominações, localizações e datas de fundação.

125 Idem, p.15-19.

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Tabela 03 – Igrejas registradas nos “Anais de Vila Bela da Santíssima Trindade (1734-1789)”

Localidade Entidade religiosa nomeadora Período Vila Bela – porto

Santo Antônio

Anterior à fundação da vila até fins de 1752

Vila Bela - praça

Santo Antônio

1752 - 1753

Arraial de S. Francisco Xavier

São Francisco Xavier da Chapada

Ant. fundação de Vila Bela

Vila Bela

Capela Nossa Senhora Mãe dos Homens

1753/1754

Arraial de Santa Ana

Capela de Santa Ana

Ant. fundação de Vila Bela

Arraial do Pilar

Capela Nossa Senhora do Pilar

Ant. fundação de Vila Bela

Vila Bela

Matriz da Santíssima Trindade

1755

Vila Bela

Nossa Senhora Mãe dos Homens

1755

Vila Bela

Pedra fundamental da igreja Santo Antônio de Lisboa

1779

Vila Bela

Início da construção da capelinha dedicada a Nossa Senhora do Monte do Carmo

1781

Casalvasco

Nossa Senhora da Esperança

1785

Fonte: AMADO & ANZAI, 2006.

Segundo Tirapeli, outros espaços ainda se abriam numa vila ou cidade do mundo

colonial brasileiro, interligando os edifícios religiosos à trama urbana: os adros, terreiros,

largos e circuitos de procissões, nos quais uma mistura sócio-cultural se expressava em

danças religiosas diante do cruzeiro do adro, nos terreiros as congadas, reisados e cavalhadas,

na apresentação de autos e encenações bíblicas, romarias que tomavam as ruas. Pode-se

incluir também o trajeto para o cemitério, o “campo santo”, que passou por momentos

distintos, referentes à sua localização: sob as tábuas dos assoalhos das igrejas, contíguos às

capelas das ordens terceiras e, por fim, já dentro da trama urbana, geralmente retirado da

cidade126.

No interior e ao redor das igrejas ocorriam as manifestações culturais mais

representativas do mundo colonial. Sob sua sombra o sagrado se restabelecia em rituais, nos

quais as artes ofereciam um banquete aos sentidos. Embora submissa ao poder ilimitado do

rei, a Igreja colonial cumpriu papel preponderante na formação da cultura brasileira como o

126 Ibidem, idem.

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maior centro irradiador de arte e cultura, marco visual das cidades e vilas de colonização

portuguesa127.

2. As santas festas

Na festa, o sagrado e o profano caminhavam juntos, "como se dentro de cada festa

religiosa existisse uma profana e vice-versa"128. Repleta de rituais que não se encerravam nos

atos, no próprio ritual, mas do que eles sinalizavam, ou seja, a festa tornava-se espaço de

manifestação pública para diversos setores sociais129. Nesse sentido, ela organizava espaços

de sociabilidades dos grupos em questão130, a exemplo da chegada da imagem do Senhor

Bom Jesus do Cuiabá, em 1729, quando ocorreram muitos festejos organizados pelos

moradores da Vila Real. A imagem foi trazida em procissão do Porto Geral, e em seguida

levada à igreja matriz, onde ficou alojada em um altar. Houve missa cantada e sermão

pregado pelo padre José Angola, religioso franciscano. As manifestações profanas foram

compostas por representações de duas comédias, banquetes e fogos de artifício, que duraram

quatro dias, por conta das “pessoas principais” da vila131.

Já em 1753, houve uma festa concorrida em Vila Bela, em homenagem a Nossa

Senhora do Rosário, registrada nos “Anais de Vila Bela”, quando da chegada da imagem em

um barco vindo das monções do norte, e que provocou muita alegria e devoção. A imagem de

Nossa Senhora do Rosário foi colocada na capela de Santo Antônio, que servia

provisoriamente de matriz da vila capital.

127 TIRAPELI, Percival. A igreja como centro irradiador de cultura no Brasil colonial. In: TIRAPELI, Percival (org.). Arte sacra: barroco memória viva. 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: editora UNESP, 2005, p. 08. 128 DEL PRIORE, 2000, p. 19. 129 AMARAL, Rita de Cássia de Mello Peixoto. Festa à brasileira: significados do festejar, no país que "não é serio". São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2001. Tese de doutorado, p. 36. 130JANCSÓ, István e KANTOR, Iris. Falando de Festas. In: Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec, 2001, p. 03. 131SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.). Annaes do Sennado da Câmara do Cuyabá: 1719-1830. Cuiabá: Entrelinhas; Arquivo Público de Mato Grosso, 2007, p. 61-62.

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Todas essas manifestações colocavam em movimento pessoas, idéias, objetos,

símbolos, e autoridades políticas e clericais da repartição do Mato Grosso. Contamos também

com descrições de outras festas concorridas, como aquela em louvor a Nossa Senhora Mãe

dos Homens, realizada no dia 21 de novembro de 1754, quando aconteceu a bênção da capela

na qual seria entronizada a santa. Os registros indicam que após a bênção deu-se início ao

tríduo, e em seguida à novena, sempre com festividades que agregavam a população de Vila

Bela e de seu entorno. No dia da bênção houve a exibição de três companhias de milícia: a

dos brancos, capitão Antônio da Silva Fagundes Borges; a dos pardos, capitão Baltazar de

Brito Rocha; e a dos pretos, capitão Henrique Ribeiro Cavaco, “as quais circulando a capela

em roda na função da bênção, a concluíram com as suas três descargas”132. Este ato lembrava

em muito aos rituais pagãos antigos de encanto do mastro votivo, sempre feito em círculo,

como uma etapa feiticeira elaborada pelos homens em prol de alguma graça ou benção133.

Podemos ainda citar os relatos sobre festejos ocorridos na missão de Santa Ana, na

igreja de mesmo nome, na repartição do Cuiabá, no ano de 1779. A igreja havia sido

reconstruída naquele ano, e no último dia do mês de julho, um sábado, houve a bênção do

prédio da nova igreja, em cerimônia solene celebrada pelo reverendo vigário José Correia

Leitão, que presidiu também a celebração da primeira missa após a reconstrução. Pela tarde

realizaram ainda procissão, que partiu da igreja de Santa Ana, com três imagens de santos em

seus andores ricamente ornados. Na frente da procissão seguia o Santíssimo Sacramento em

custódia, carregado pelo vigário, debaixo de pálio. Os andores dos santos foram levados por

pessoas de “melhor distinção”. A procissão deu uma volta ao redor da igreja, e em seguida os

fiéis se recolheram em seu interior134.

132 AMADO & ANZAI, 2006, p. 56. 133 DEL PRIORE, 2000, p. 34. 134 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, p.114-115.

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Tabela 04 - Festas religiosas - Repartição do Mato Grosso (1734-1789)

Localidade Entidade religiosa Período Ano Vila Bela

Santo Antônio

Junho

1752

Vila Bela Santo Antônio Junho 1752/1753 - 1789 Vila Bela Nossa Senhora do Rosário Chegada da imagem

em 12 de julho 1753

Vila Bela Solenidade da Semana Santa Data móvel 1754 Repartição do Mato Grosso

Desobrigas Quaresma e Páscoa do Espírito Santo

Móvel

Vila Bela Nossa Senhora Mãe dos Homens

Benção – lançamento da pedra fundamental 21 de novembro

1754

Arraial de Santa Ana Santa Ana Julho Anterior à fundação de Vila Bela

Vila Bela Santo Antônio com trezenas (restauração dos cultos ao protetor)

Junho 1777

Vila Bela Pedra fundamental da igreja de Santo Antônio de Lisboa

1º de junho 1779

Vila Bela Santo Antônio de Lisboa 13 de junho 1779 Vila Bela Santo Antônio Junho 1781 Vila Bela Santo Antônio ( nova capela) Junho 1782 Vila Bela Chegada da imagem de Nossa

Senhora Monte do Carmo 26 de dezembro 1782

Vila Bela Santo Antônio Junho 1783 Vila Bela Nossa Senhora Monte do

Carmo (primeira vez de sua realização)

16 de julho 1783

Vila Bela Santo Antônio Junho 1784 Vila Bela Santo Antônio Junho 1785 Casalvasco Nossa Senhora da Esperança Setembro Desde a fundação 1785 Vila Bela Santo Antônio de Lisboa Junho 1786 Casalvasco Nossa Senhora da Esperança Setembro 1786 Vila Bela Santo Antônio de Lisboa Junho 1787 Arraial de Santa Ana Santa Ana Julho 1787 Repartição do Mato Grosso - Vila Bela

Sagrada Eucaristia - procissão e luto pelo roubo da partícula

Julho - agosto 1787

Casalvasco Nossa Senhora da Esperança Setembro 1787 Casalvasco São Lourenço 09 de setembro 1787 (indícios de sua

realização em anos anteriores)

Vila Bela Santo Antônio de Lisboa Junho 1788 Vila Bela Santo Antônio de Lisboa Junho 1789 Fonte: AMADO & ANZAI, 2006.

Uma das festas mais prestigiadas no período em estudo era aquela em honra ao

“Glorioso Santo Antônio de Lisboa”135, realizada nas primeiras semanas do mês de junho.

Conhecido como Santo Antônio de Pádua, este santo nasceu em Lisboa no ano de 1195, e foi

canonizado em 1232. Até a idade de vinte e cinco anos, Antônio foi cônego regular em

135 Sobre os festejos dedicados a Santo Antônio de Lisboa, ver também: SILVA, João Bosco da. Vila Bela à época de Luís de Albuquerque (1772-1789). Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2006 (Mestrado em História).

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Portugal, prosseguindo seus estudos em Coimbra. Tornou-se missionário e uniu-se depois aos

frades franciscanos, sendo enviado para trabalhar entre os muçulmanos de Marrocos. Santo

Antônio era um dos principais santos nomeadores das igrejas em Portugal, e recebeu

homenagens de várias vilas e cidades do Império luso, assim como outros santos e santas de

devoção da realeza portuguesa, tais como Nossa Senhora da Esperança, São Pedro, São Paulo,

Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora do Rosário, entre outros.

Durante o tempo de edificação de Vila Bela da Santíssima Trindade, em vários

momentos os ofícios litúrgicos foram efetuados em “altar portátil”, pela falta de lugar único e

fixo para as celebrações litúrgicas. Mas em breve foi construída uma capelinha coberta de

palha, dedicada a Santo Antônio, e já no ano de 1752 há registros de realização de

festividades em homenagem a esse santo em Vila Bela da Santíssima Trindade, como as

cavalhadas136.

Com o aumento da população de Vila Bela, o local de edificação dessa igreja foi

transferido, passando do porto para a praça central, lugar destinado à matriz da Santíssima

Trindade137. Desse modo, a capela de Santo Antônio passou a ser a matriz de Vila Bela, até

que a igreja dedicada à Santíssima Trindade fosse construída e definitivamente ocupasse o

espaço principal e central, temporariamente ocupada pela igreja de Santo Antônio. Como

matriz provisória, a igreja de Santo Antônio agregava a população em torno dos rituais

litúrgicos católicos, de acordo com o calendário cristão vigente. Em 1754 realizou-se pela

primeira vez a solenidade da Semana Santa nessa capela, que servia de matriz, por ordem do

Bispo D. Antônio do Desterro, vinda do Rio de Janeiro138.

No ano de 1755, a capela de Santo Antônio foi demolida por ordem do juiz-de-fora,

para que no local pudesse ser construída de modo definitivo a igreja matriz da Santíssima

Trindade. Durante o tempo dessa construção, ficou a capela de Nossa Senhora Mãe dos

Homens servindo provisoriamente como matriz de Vila Bela139.

As festividades em honra a Santo Antônio de Lisboa eram iniciadas com uma

trezena desde o dia primeiro de junho até o dia 13, dia do santo. Nesse período de orações e

cantos participavam os moradores da vila, arraiais, sítios e fazendas, e conforme os Anais de

136 AMADO & ANZAI, 2006, p. 52. 137 Idem, p. 53. 138 Idem, p. 55. 139 Idem, p. 59-60.

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Vila Bela do ano 1777 “... de forma que em todas as festividades a trezena se encheu de povo

esta Capital, que jamais teve dias tão alegres e cheios de divertimentos, publicados por um

bando de máscaras no dia 22 de maio”140.

Na véspera do dia de Santo Antonio do ano de 1777, os céus de Vila Bela da

Santíssima Trindade ficaram iluminados por fogos de artifício por quase três horas. No dia

seguinte houve cavalhadas, com vinte cavaleiros que formavam duas alas, uma composta por

homens vestidos de azul, e outra de homens vestidos de vermelho. Foi um dia de muito

festejo, durante o qual foram apresentadas também “óperas, comédias”, e que, com as outras

festividades, foram cheios de “farsas, de muitas máscaras”141. O público da festa era

diversificado, com destaque para a participação do governador e das famílias mais abastadas,

vestindo suas melhores roupas. No palácio do capitão-general “houve um grande panegírico”,

e em seguida “deu Sua Excelência jantar com a costumada grandeza, como também ceia,

fazendo-se todo o festejo do dia seis; e repetindo-se, em ambas, várias poesias”142.

Em 1779, quando do lançamento da primeira pedra da capela em honra a Santo

Antônio de Lisboa que contou com o auxílio financeiro da “nobreza da terra” e contribuições

do povo, “no alicerce de um ângulo da capela-mor”, o governador e capitão-general Luís de

Albuquerque lançou “algumas marcas de prata, que mandou lavrar com as armas reais, e uma

esfera com declaração do ano 1779, mandando repartir outras muitas pela nobreza”143.

A capela dedicada a Santo Antonio estava localizada junto ao rio Guaporé,

... no fim da rua que já se denominava de Santo Antônio. Vai principiada

com tanta segurança que se não pode temer que as inundações lhe causem

alguma ruína. Para ela deu Sua Excelência uma grande esmola, seguindo

esse exemplo de devoção os oficiais da provedoria e todo corpo militar, do

qual se presume que o mesmo santo fica sendo protetor e patrono.144

Aos poucos, os lugares passam de pontos de referência, de organização social, para

uma ampla rede de significados, que lhes eram atribuídos no transcorrer da vida cotidiana. Os

agentes metropolitanos, bem como religiosos, luso-brasileiros, reocupavam esse território,

140 Idem, p. 210. 141 Idem, p. 211. 142 Ibidem, idem. 143 Ibid., p.219-220. 144 Ibid., p. 219-220.

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reterritorializando suas devoções, construindo pertencimentos. Construir uma capela em

homenagem a Santo Antonio, protetor de Lisboa, reforçava laços com Portugal e com a

religião. Ao nomear espaços e prestar homenagem aos santos, instaurava-se outra

temporalidade, aquela advinda da interrupção das atividades cotidianas, da celebração

religiosa da memória de um santo, do festejar, do momento de congraçamento, mesmo que

efêmero.

A imagem de Santo Antônio foi entronizada em sua capela apenas em 1781, e houve

trezena em sua homenagem. A imagem foi carregada em procissão pelas principais ruas da

vila, percorrendo e demarcando territórios. Na procissão, a participação dos principais

representantes do poder metropolitano, da capitania de Mato Grosso e da Igreja Católica.

Nesse cortejo, os poderes se explicitavam:

[houve] uma luzida procissão, dando Sua Excelência a mais exemplar

edificação em pegar no andor do mesmo santo, com os ministros e oficiais

militares mais graduados [...] Continuou a festividade com a maior

magnificência e luzimento, mandando Sua Excelência distribuir grande

quantidade de medalhas ou verônicas de ouro e prata por toda a nobreza e

militares, que as puseram muito gostosamente nos peitos, como insígnias da

irmandade, e quase como de uma ordem militar, que tem no santo um grande

general e o mais famoso protetor.145

Além da procissão, fogos de artifício e luminárias clareavam as ruas, e nos dias da

trezena apresentaram-se quatro óperas. No pátio em frente à capela de Santo Antônio de

Lisboa, a guarnição de dragões e auxiliares postou-se solenemente com duas peças de

artilharia, e no pórtico da capela-mor havia elogios escritos ao santo, com mensagens devotas

dos moradores e do governador e capitão general Luís de Albuquerque, principal devoto e

responsável pelo dístico colocado em homenagem ao santo. Em seguida a essas festividades

houve jantar no palácio dos governadores, oferecido às famílias mais abastadas e demais

representantes da Coroa lusa146.

As festas em homenagem a Santo Antonio eram muito concorridas, e para seu brilho

contribuíam o governador, ministros, militares, “nobreza da terra”, sob a coordenação da

Irmandade de Santo Antônio de Lisboa, que congregava em sua maioria homens provenientes

145 Ibid., p. 227. 146 Ibid., p. 227-228.

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das tropas militares. Pelo fato do santo ser patrono dos militares, a tropa ficava sempre

apostada diante da capela, e dava salva real. Logo após os ritos e funções religiosas, como era

comum acontecer, no ano de 1782 foi oferecido “um suntuoso e magnífico jantar, na forma

dos mesmos anos antecedentes, tudo com muito júbilo, alegria e animação”147.

Os registros sobre a festa em homenagem a Santo Antonio variam de acordo com o

escrevente. Nos anos de 1787 e 1788, contamos com detalhes sobre os festejos que são

bastante elucidativos:

No dia 13 de junho celebrou-se, na capela de Santo Antônio, a festividade ao

mesmo santo, com a maior solenidade e grandeza, precedendo a sua trezena,

da mesma sorte. Assim sendo, Sua Excelência saiu do palácio na sua

carruagem, pelas 9 horas da manhã, acompanhado da sua guarda militar. Foi

recebido, apostada na mesma capela, com as conveniências devidas ao

mesmo militar, e de todas as irmandades do mesmo santo, de que é protetor,

e o mais exemplar devoto; também dos ministros, oficiais militares e

nobreza, ministrando água benta o padre vigário, paramentado de capa e

asperge, e a [ilegível]... de todos os mais, havendo na mesma o mais

primoroso concurso de ambos os sexos, uma festa com solene procissão ao

redor da capela. E no ato dela se deu uma salva de artilharia, com as mais

continências devidas. [...] Recebendo Sua Excelência, em seu palácio deu

um magnífico e bem ordenado jantar a todos os ministros, oficiais e nobreza

que para isso tenha feito convidar. [...] Foi juiz nessa festa, no presente ano,

Vitoriano Lopes de Macedo, natural de Vila Bela, que Sua Excelência

nomeou tenente ajudante-de-ordens, sendo servido com boa satisfação os

postos de alferes e de tenente dos dragões e outros, nos corpos de ordenação

a auxiliares do mesmo juiz, tanto na ação de pôr o mastro, como nos dias da

trezena e tarde do dia do santo. Celebrou a festividade com várias danças e

comédias e com vistosa iluminação e fogo de cor, com grande despesa

sua.148

As festas religiosas foram momentos privilegiados para a exibição dos símbolos

sociais de distinção no espaço da vila capital. A procissão aparece como o principal símbolo a

produzir a diferenciação entre os grupos sociais, pois era organizada e fragmentada por

147 AMADO & ANZAI, 2006, p. 232. 148 Idem, p. 266-267.

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situação sócio-econômica, de acordo com a posição que cada indivíduo ocupava naquela

sociedade colonial. Quando do momento de circularem a capela de Santo Antônio, os

ocupantes de cargos político-administrativos seguiam sempre à frente, junto ao governador e

capitão general, que, inclusive, ajudava a carregar o andor do santo. Seguiam-se as

irmandades religiosas, famílias abastadas da vila capital e dos arraiais e povoações próximas

e, nas últimas posições, apareciam livres pobres, alforriados, escravos e indígenas. Este

esquema organizativo era comumente seguido nas demais “santas festas” dos oragos

católicos149.

Outra festa bastante significativa era aquela em homenagem a Nossa Senhora da

Esperança, em Casalvasco. Construída para receber os comissários da Terceira Partida de

Limites, que tinha como intuito reconhecer as terras que serviriam de fronteira entre as

colônias de Portugal e Espanha, Casalvasco foi fundada no extremo Oeste da América

portuguesa. Nesse contexto de definição de fronteiras geopolíticas, a povoação regular foi

concebida tendo como parâmetro o Tratado Preliminar de Santo Ildefonso (1777). Havia o

questionamento por parte dos portugueses da raia proposta por esse tratado, especificamente o

artigo X, que traçava a linha demarcatória desde o Marco do Jauru até o rio Galera. Com a

instalação de Casalvasco, essa linha demarcatória chegaria até o rio dos Barbados, ficando a

povoação distante oito léguas da vila capital, território assegurado aos interesses portugueses.

Mesmo assim, a povoação regular de Casalvasco não serviu exclusivamente de

cenário para as demarcações de limites, tampouco como casa de veraneio dos governadores e

capitães generais da Capitania de Mato Grosso, sobretudo de Luís de Albuquerque, que a

fundou; Casalvasco representava também a defesa das terras onde nasciam alguns dos

principais rios que formam as bacias hidrográficas Amazônica e do Paraguai. Além disso,

essas terras seriam garantidas à Coroa portuguesa pelo uti possidetis, que assegurava o

domínio pela ocupação humana e uso do espaço, fosse através da concessão de sesmarias na

localidade, pela edificação desse espaço urbano ou no emprego de outras atividades

econômicas. Edevamilton de Lima Oliveira discute essas questões150, ressaltando, sobretudo,

o planejamento, a instalação e a fundação dessa povoação regular por Luís de Albuquerque.

Para Oliveira, Luís de Albuquerque teve a sagacidade de perceber uma inteligente forma de

assegurar as terras situadas a Oeste aos portugueses, com a edificação de um espaço urbano

149 Ibidem, passim. 150 Ver: OLIVEIRA, Edevamilton de Lima. A Povoação Regular de Cazal Vasco e a fronteira Oeste do Brasil Colônia (1783-1802). Dissertação de Mestrado. Cuiabá, UFMT, 2003.

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nos limites com os territórios espanhóis, assegurando até mesmo a instalação de Vila Bela,

ameaçada com as linhas demarcadoras determinadas pelo Tratado Preliminar de Santo

Ildefonso, de 1777.

Casalvasco agregou relações significativas com os domínios espanhóis, pela prática

do contrabando controlado e até mesmo pela espionagem relacionada a questões internas da

vizinha colônia ibérica. A povoação está inserida no contexto da atuação política de Luís de

Albuquerque, cujas ações legitimaram a reocupação portuguesa na região, como a instalação

de fortalezas, povoados e vilas. A povoação regular surgia em planta no ano de 1782,

importante projeto geopolítico para a demarcação dos limites coloniais. Oliveira trabalhou

com a hipótese de que o desenho da povoação foi realizado por Luís de Albuquerque, com a

ajuda dos engenheiros demarcadores, em Vila Bela. As primeiras edificações eram de palha, e

os edifícios projetados na planta foram executados com regularidade. Depois de limpo o

terreno, e à medida que as casas eram construídas, o governador Luís de Albuquerque

determinava a introdução de pessoas para habitar a povoação, como ocorreu durante os

primeiros meses de sua fundação. Indígenas das missões jesuíticas espanholas de Moxos

foram enviados para lá, e eram dadas a eles ramas de algodão para cultivarem e tecerem para

os moradores da localidade.

As visitas de Luís de Albuquerque à “povoação regular” eram freqüentes, e são ricas

as descrições das festas que lá eram promovidas. Em 1785, no dia 2 de setembro, Luís de

Albuquerque partiu de Vila Bela rumo a Casalvasco, com o objetivo de regular o novo

destacamento151. Chegou à povoação por volta das seis horas da tarde, e foi recebido pelo

capitão comandante, engenheiro Joaquim José de Morais, juntamente com o corpo militar ali

presente, que deu salva de três descargas, em demonstração de regozijo e contentamento por

sua presença. A partir daquela noite e das duas seguintes, “ficou toda aquela povoação

iluminada em demonstração do caráter festivo e celebrativo de sua chegada”152.

Desde o dia 6 de setembro de 1785 que chegavam pessoas em Casalvasco, como o

Provedor da Fazenda Real, Felipe José Nogueira Coelho, “acompanhado dos oficiais da

provedoria e intendência, mais algumas pessoas”, e o movimento, segundo os registros,

lembrava “as festividades da vizinhança das Cortes de Lisboa”. Em seis canoas pessoas

“saíam, lançando fogo no ar, dando tiros de bacamarte, tocando flautas e outros instrumentos,

151 AMADO & ANZAI, 2006, p. 252. 152 Idem.

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tendo iluminada a canoa em que ia a bandeira da Senhora da Esperança”. Uma vez em terra,

formaram-se alas, que precediam a bandeira “levando todos velas e laços de fita encarnadas

no chapéu, para insígnia de festeiros do círio do ouro, em diferença da prata”. Em seguida,

entraram todos na capela para rezar, “largaram a bandeira e foram depois beijar a mão à Sua

Excelência, em cuja presença se repetiu um poema, e se continuou no fogo de vários

artifícios”153.

Dando continuidade aos festejos, no dia 7 de setembro de 1785, o reverendo Estevão

Ferro, vigário da vara e da igreja, realizou bênção da capela, e aspergiu água benta na igreja e

nas pessoas presentes. Contribuíram financeiramente para a festa o capitão general Luís de

Albuquerque, ministros, ajudantes-de-ordens, secretários do governo, oficiais das

demarcações, militares e a “nobreza da terra”. Nessa ocasião foram distribuídas às autoridades

presentes, a pedido de Luís de Albuquerque, “grandes medalhas ou verônicas de prata, com a

imagem da Senhora da Esperança, que com laços de boa fita puseram todos ao peito”154.

Em 8 de setembro, dia de Nossa Senhora da Esperança, muitos foram cumprimentar

Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, desde militares, religiosos e pessoas

provenientes das famílias abastadas, que estavam em Casalvasco, para participar da festa em

homenagem à santa. Durante a festa houve missa e exposição do Santíssimo Sacramento,

além de procissão. O culto contou com a atuação do mestre da capela e músicos da vila

capital, e “a tropa militar formada diante da capela deu carga de três descargas, continuando

sempre os instrumentos musicais e alegres toques dos sinos, o que tudo infundia um regozijo

e alegria visível”155. Como em todas as ocasiões festivas, o governador ofereceu

...um jantar público com toda a grandeza e magnificência. Houve depois dela

uma boa orquestra de músicos e instrumentos. Nessa noite e na do dia

seguinte se representaram, em teatro, óperas com várias danças e outros

divertimentos festivos.156

Em setembro de 1787, para a festa em homenagem à mesma Nossa Senhora da

Esperança, o capitão general Luís de Albuquerque havia chegado à povoação regular na tarde

do dia 03 de setembro, sendo recepcionado à beira do rio pelo capitão comandante Joaquim

153 Ibidem, p. 252-253. 154 Ibid., p. 253. 155 Ibid., p. 253-254. 156 Ibid., idem.

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José Ferreira e pela companhia de dragões, que lhe fez as devidas continências. Em seguida,

no percurso que fez até o palácio, foram “matizando o caminho com flores as índias

espanholas que ali se acham, caminhando formadas em duas alas, de um e outro lado, diante

de Sua Excelência”157.

Os Anais de Vila Bela descrevem esses festejos também nos anos de 1786 e 1787,

sempre seguindo as mesmas etapas rituais. Contudo, chama atenção um relato sobre a festa de

1787, por relacionar, além dos nomes dos organizadores, também as etapas do evento:

No dia 8 de setembro celebrou-se, na capela real de Casalvasco, a

festividade de Nossa Senhora da Esperança, sua padroeira, ornada a capela

com a magnificência possível. Foi a missa cantada pelo Reverendo Vigário

da vila, assistindo à mesma festividade e procissão, Sua Excelência, o doutor

Ouvidor-Geral e sua mulher, Dona Ana Isabel da Purificação, muitas

pessoas da nobreza e grande concurso de gente. No ato da procissão se

deram 21 tiros de [ilegível]... e deu Sua Excelência às pessoas que o

acompanharam um jantar, com todo o asseio e grandeza. Na noite desse dia

se representou a ópera “O Alecrim e Mangerona”. Houve luminárias, por

conta da festividade de São Lourenço, que no dia seguinte se celebrou, por

estar transferida do dia próprio em que os moradores desta povoação há

muitos anos festejam esse santo, e, à mesma festividade assistiu Sua

Excelência, com as mais pessoas que o costumam acompanhar.158

Observe-se, no registro, a presença de peças teatrais, clara demonstração da

circulação de produções culturais da Europa para a América portuguesa. As canoas que

chegavam à Capitania de Mato Grosso traziam, além de “fazendas” diversas, também as

gazetas e almanaques que registravam a vida cultural do reino. Essas encenações públicas

eram relatadas em variadas ocasiões festivas, com grande aceitação do público pelas

representações de tragédias, óperas e comédias. É possível percebê-las desde 1729 nos Anais

do Senado da Câmara do Cuiabá, que registrou, durante as festividades em homenagem à

chegada da imagem do Senhor Bom Jesus a Cuiabá, duas comédias. Outros registros ainda

aparecem sobre as peças teatrais, como as ocorridas no ano de 1763, em homenagem ao

nascimento do Príncipe da Beira em festas que duraram um mês, “com comédias, cavalhadas,

danças e outras mostras de alegria”; também em 1769, nas cerimônias de posse do governador

157 AMADO & ANZAI, 2006, p.209. 158 Idem, p. 270.

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Luís Pinto de Souza Coutinho houve “cinco comédias, e duas óperas”, apresentações feitas

“em tablado público na rua”, além de “outras danças e folguedos”159.

Ainda conforme os Anais do Cuiabá, no dia 12 de fevereiro “se representou em

tablado público, com toda a magnificência e maior ostentação que permitiu o país, a comédia

intitulada “O capitão Belizário”. Consta ainda, nos mesmos Anais, que nos dias que se

seguiram foram apresentadas “outras comédias e óperas, cujos títulos foram: Os triunfos de

São Francisco; Demofonte em Pracia; Artaxerxes; Dido abandonada; Filinto perseguido e

exaltado”160.

A partir da análise dos relatos dos cronistas José Barboza de Sá e de Joaquim da

Costa Siqueira, registrou-se a informação de que na Vila Real do Senhor Bom Jesus do

Cuiabá, durante as festividades em homenagem ao nascimento do neto de D. José, no ano de

1775, houve apresentações de comédias, óperas, danças, carros triunfantes, cavalhadas, com

muitos fogos de artifício na praça principal, nos tablados públicos. Também no ano de 1794,

em homenagem ao nascimento da Princesa da Beira, o governador João de Albuquerque

ordenou a realização de algumas óperas, comédias e danças, em sinal de alegria pelo

acontecido. Ainda nesse ano, os comerciantes de Cuiabá concordaram em mandar construir

dois navios de madeira, “pintados e bem armados”, dentro dos quais haveria danças e

representações de duas óperas, cuja despesa seria dividida por todos, e seriam representadas

no teatro que o senado da câmara montaria em praça pública. Nesse mesmo evento, os

alfaiates ofereceriam uma comédia e os sapateiros outra, juntamente com o professor de

gramática latina, José Zeferino Monteiro de Mendonça que ofereceu três161. Carlos Francisco

Moura levantou documentação sobre apresentações teatrais em Cuiabá no século XVIII, e

destacou as seguintes peças:

Aspásia na Síria; Eurene perseguida e triunfante; Saloio cidadão; Zenóbia no

oriente; Tragédia de dona Inês de Castro; Amor e obrigação; O conde de

Alarcos; Tamerlão na Pérsia; Zaíra; O tutor namorado ou a indústria das

mulheres; Ézio em Roma; Tragédia de focas; Esganarelo ou o casamento por

159 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, passim. 160 Idem. 161 ANZAI, Leny Caselli Anzai. O teatro na Capitania de Mato Grosso no século XVIII. Enciclopédia da Amazônia, 2007 (prelo).

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força; Emira em Susa, e fugir à tirania para imitar a clemência; Sesóstris no

Egito.162

As representações teatrais foram significativas na vida dos moradores da Capitania

de Mato Grosso, no século XVIII, ao ocupar o espaço público, transmitindo códigos de

conduta e no reforço da socialização, aspectos importantes para garantir a governabilidade e a

manutenção dessas terras conquistadas por Portugal.

Em 16 de julho de 1783 aconteceu em Vila Bela, pela primeira vez, a festa em

homenagem a Nossa Senhora do Carmo, na capela construída em homenagem à santa. Houve

missa cantada e sermão, “assistindo Sua Excelência, doutor provedor, nobreza e grande

concurso de povo, que assistiu debaixo de toldos, como em tabernáculos ordenados no campo

nas primitivas festividades”163. Santa Ana também mereceu concorridas manifestações,

principalmente no arraial que levava seu nome, para cuja festa participaram as principais

autoridades políticas da repartição do Mato Grosso e de outros locais da Capitania, conforme

o relato sobre a festa de julho de 1787:

No dia 20 partiu Sua Excelência para o arraial de Santa Ana, a visitar e

assistir à festividade da mesma Senhora, na capela no mesmo arraial, sendo

acompanhado do ajudante-de-ordens, secretários do governo e capitães

engenheiros, doutor astrônomo e outros oficiais de sua guarda militar, de

dragões e pessoas de sua família. [...] Foram juízes da dita festividade o

capitão José Ferreira de Araújo e Dona Ana Isabel da Purificação e Morais,

mulher do doutor ouvidor-geral. E se fez a festa com toda a grandeza e

solenidade, havendo, nas noites antecedentes ao dia da festa, duas óperas e

duas comédias, havendo também, na mesma noite da festa, um baile em casa

do ministro, em que dançou Sua Excelência [ilegível]... e outras senhoras e

pessoas que ali se achavam. 164

Espaços de múltiplos usos, as festas religiosas em homenagem aos santos do

catolicismo foram mostradas aqui apenas em frestas, em fragmentos das apropriações

operadas, sobretudo pelas autoridades políticas e religiosas. Todavia, é preciso ressaltar, que

os ritos que começavam nos altares terminavam, na maioria das vezes, nas praças, onde os

162 MOURA, Carlos Francisco. O teatro em Mato Grosso no século XVIII. Cuiabá: Edições UFMT, 1976, passim. 163 AMADO & ANZAI, 2006, p. 239-240. 164 Idem, p. 267.

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homens representavam seus diversos papéis. No papel festivo estiveram presentes em sua

organização as Irmandades das Ordens Terceiras, constituídas por leigos devotos responsáveis

pela assistência material e espiritual da população165, de cada igreja presente nesses espaços

coloniais, somada à Câmara municipal, representando a poder da Coroa lusitana, juntamente

com a figura do governador e capitão general.

Além das festas religiosas mais freqüentes, registradas nos Anais de Vila Bela havia

outras comemorações votivas na repartição do Mato Grosso, conforme indícios existentes na

documentação a respeito de outros festejos, sobretudo ao tomarmos como referência os

diferentes e numerosos santos nomeadores de localidades ao longo da fronteira com os

domínios espanhóis, bem como aquelas fixadas nos Estatutos Municipais ou Posturas da

câmara de Vila Bela.

Quando a Câmara comparecia nesses festejos religiosos com as insígnias do poder

metropolitano, encontrava-se em “corpo de câmara”, sinal demonstrativo da presença das

autoridades políticas, locais e metropolitanas, pois cada um dos que ocupavam cargos

públicos, sobretudo os mais importantes, posicionavam-se em lugares distintos durante as

procissões, segurando andores, bem como nos lugares mais próximos ao altar mor da igreja

matriz da vila.

Segundo os Estatutos Municipais166 de Vila Bela da Santíssima Trindade, a Câmara

deveria assistir com o “Real estandarte” às festas “ordinárias” do mártir São Sebastião, à

ladainha de São Marcos, às três ladainhas de maio, à Festa do Corpo de Deus, a do Santo

Custódio, da Visitação de Nossa Senhora à Santa Isabel, à Festa de Nossa Senhora Monte do

Carmo, à Festa de Nossa Senhora da Conceição, do Te Deum Laudamus, em dia de São

Silvestre, e à publicação da Bula da Santa Cruzada, além da festa da Santíssima Trindade,

padroeira da vila capital. E sobre os gastos com essas festividades, apontam os Estatutos

Municipais:

165 TIRAPELI, 2005, p.10; SILVA, Cristiane dos Santos. Irmãos de fé, Irmãos no poder: a irmandadade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (1751-1819). Dissertação de Mestrado. Cuiabá, UFMT, 2001. 166 ROSA, Carlos A.; JESUS, Nauk M. de. Estatutos Municipais ou Posturas da Câmara da Vila Bela da Santíssima Trindade para o Regimento da República nos casos em que não há lei expressa segundo o Estado do País. In: ROSA, Carlos Alberto e JESUS, Nauk Maria de (orgs.). A terra da conquista: história de Mato Grosso Colonial. Cuiabá: Adriana, 2003, p. 195-212.

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[...] deve a Câmara fazer à custa dos bens do Concelho, as festividades da

visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel, a do Anjo da Guarda e a

Solenidade do Corpo de Deus, pelo que: Acordaram seria a Cera do altar e a

que se desse ao corpo da Câmara de meia libra, como também se daria aos

cavalheiros da ordem de Cristo que no dia de Corpo de Deus assistissem e

acompanhassem a procissão com Mantos, e aos sacerdotes nesse mesmo dia

e ato, se daria vela de 4° e da mesma qualidade seria a do Trono do

Santíssimo exposto, seguindo-se a Constituição, assim no número de Luzes,

como em ficar ao Reverendo vigário a que lhe tocar ou pertencer por direito,

e se não daria Cera a pessoa mais alguma, sob pena de a pagarem os

camaristas pelos seus bens. E que para a festividade do Mártir São Sebastião,

bem necessário nestas Minas do Mato Grosso por advogado da Peste, que

por isso pertence a todos, obrigaria a Câmara aos mercadores, oficiais

mecânicos, vendas, cortes de carne e Boticas a pagar Cera, música,

sacerdotes e mais despesas que houvesse rateada por eles , e o mesmo se

observaria na festividade de N. Sra. da Conceição, como Padroeira do

Reino.167

Para a festa da Santíssima Trindade, padroeira e nomeadora da vila capital, deveria a

Câmara nomear, um ano antes, na véspera do dia festivo, três festeiros dos “homens bons”,

que possuíssem sangue, linhagem, ocupação e privilégio que o fizessem pertencer a um

estrato social distinto o bastante, dentre os que possuíam mais posses. Os festeiros ficariam

responsáveis pelos gastos: o mais velho com a cera, o segundo com a música e sacerdotes, e o

terceiro com o pregador. Ao pregador cabia explicar o mistério da Santíssima Trindade168.

Contudo, muitas das vezes as condições sócio-econômicas da vila não permitiram que essas

determinações fossem seguidas à risca. Requereram os oficiais da câmara e mais “nobreza da

terra e povo”, a revogação do parágrafo sexto do capítulo primeiro dos Estatutos, que

determinava:

[...] que fizessem a festa da Santíssima Trindade, padroeira da igreja matriz

desta vila três homens bons e de mais posses dos da terra, que seriam

nomeados para fazer a dita festa, a sua custa, por eleição que esta câmara

faria em cada um ano; por quanto ainda que a dita festividade seja muito do

agrado de Deus e por ela se assinala esta terra no zelo da religião que

167 ROSA & JESUS, 2003, p.196-197. 168 Idem, p. 197.

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fervorosamente tem a este respeito, contudo, suposta a pobreza da terra e

impossibilidade de se acharem em cada ano três festeiros para fazerem a dita

festa, se fazia o dito Estatuto inobservável, e que por tal se devia declarar,

pelo prejuízo grave que dele resultava.169

Apesar de formalizada a declaração de impossibilidade de realização dos festejos

conforme orientavam os Estatutos ou Posturas municipais vilabelenses, ordenou o ouvidor

geral e corregedor, Manoel José Soares, que os oficiais camarários observassem os mesmos

estatutos para realização dos festejos em que a Câmara de Vila Bela deveria comparecer em

“Corpo de Câmara”. Ressaltou Manoel José Soares que essa era uma determinação real,

cabendo a todos cumprir o que desejava Sua Majestade, até segunda ordem. Outra saída

apontada por Manoel José Soares foi a de que os oficiais camarários procurassem dividir as

despesas desses festejos com os oficiais mecânicos e artesãos de Vila Bela da Santíssima

Trindade, e da própria repartição do Mato Grosso, a exemplo do que já faziam os que

moravam na repartição do Cuiabá170.

Procuramos delinear, neste capítulo, os cenários festivos da vila capital, elaborados a

partir de relatos colhidos na documentação sobre o período, em especial nos “Anais de Vila

Bela”. Essas festas esboçaram um cotidiano fronteiriço marcado pela crença nos elementos

católicos trazidos junto com a ação colonizadora portuguesa na América. Elas significaram

espaços de circulação de símbolos, alegorias, pessoas. Além disso, as festas ocultaram

conflitos entre os grupos sociais nos espaços por onde os santos e santas desfilaram em seus

andores, levados pelos representantes do poder metropolitano e religioso na repartição do

Mato Grosso, denunciando os silêncios presentes nos registros documentais acerca dessas

festividades.

As festas votivas aqui apresentadas constituíram-se em uma das formas de trocas

culturais presentes na sociedade colonial da Capitania de Mato Grosso. Outros aspectos da

dinâmica urbana expõem outras sociabilidades que se formaram nesse período, montando o

tecido social multicolorido de práticas e representações sociais, que reforçam os vínculos

entre os grupos de uma dada sociedade.

169 APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1770 a 1779 – Alteração dos capítulos 5°, 6°, 7°, 9°, 12°, 13°, 14º, 15°, 16° do livro das Correições e Audiências Gerais que serve na Ouvidoria. Vila Bela, 21 de agosto de 1762. 170 Idem.

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Capítulo III

Festas, celebrações e cultura política no Guaporé

As celebrações realizadas na Capitania de Mato Grosso podiam seguir ou não um

calendário fixo, conforme já visto. Geralmente, as festas com datas fixas estavam ligadas à

religiosidade e às festas de homenagens a santos e santas, embora também fizessem parte do

calendário litúrgico algumas celebrações móveis. Aconteciam também eventos celebrativos

realizados em diferentes datas, como aquelas ligadas à vida da família real portuguesa ou por

ocasião da chegada de alguma autoridade política ou religiosa; estas eram as celebrações

“extraordinárias”.

Neste capítulo apresentamos algumas das principais festas e celebrações

extraordinárias reais ocorridas em Vila Bela da Santíssima Trindade, ao longo do século

XVIII. Além dessas comemorações reais, levantamos na documentação as celebrações e

festividades dedicadas aos representantes do poder metropolitano, quando chegavam à

Capitania de Mato Grosso, com destaque para as recepções aos governadores e capitães

generais. Essas ocasiões eram significativas para a exibição do poder camarário e da própria

Igreja, pois seus representantes organizavam e presidiam as principais cerimônias ou atos

públicos na vila capital.

O cotidiano na fronteira com os domínios espanhóis tinha seu ritmo alterado quando

chegava a notícia de algum acontecimento relativo à família real ou sobre a vinda de

representantes políticos. A vila capital, fundada e edificada no início da segunda metade do

século XVIII, foi espaço de movimentação constante de muitos personagens. Vila Bela da

Santíssima Trindade era o local oficial, na repartição do Mato Grosso, da realização de

festejos oficiais, ocasiões durante as quais suas ruas eram preparadas para receber as

procissões, das quais participariam os representantes da Coroa lusitana e os demais segmentos

componentes da sociedade local.

Vila Bela entrava em efervescência nas ocasiões festivas, pois não apenas seus

moradores faziam-se presentes, mas toda a população do seu entorno, como as dos arraiais e

povoados próximos, como São Francisco Xavier, Santa Ana, Pilar e São Vicente, que

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acompanhavam as procissões, assistiam as funções da festa, a exemplo das encenações

teatrais e cavalhadas, e participavam ativamente dos ritos litúrgicos nas igrejas.

Os avisos sobre a realização das festas eram dados assim que a Câmara definia as

datas e locais, juntamente com a notificação do motivo a ser celebrado. Pessoas percorriam os

principais pontos de movimentação de Vila Bela divulgando o programa dos festejos, muitas

das vezes trajadas de acordo com a ocasião a ser celebrada, colocando máscaras, quando o

motivo era alegre, como os nascimentos, casamentos e aniversários dos componentes da

família real portuguesa. Depois, cabia aos moradores socializarem as informações que

recebiam, divulgando ao maior número de pessoas possível o programa elaborado para os

festejos171.

Aos poucos, na documentação, surgem lugares recortados, esquadrinhados,

configurados e reconfigurados, de acordo com cada rito a ser praticado em cada ocasião. Na

vila capital, práticas sociais autorizadas construíam mundos sociais que mobilizavam

sentimentos, gestos e atitudes. Os “Anais de Vila Bela” nos permitem visualizar muitas dessas

festas e celebrações “extraordinárias”, bem como outros festejos que reverenciavam figuras

políticas representativas do poder metropolitano, como podemos observar na tabela abaixo:

171 AHU-NDIHR - Doc. 646. Ofício de Antônio Rolim de Moura ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre a notícia do casamento da princesa do Brasil com o infante D. Pedro. Vila Bela, 06 de julho de 1761; AHU-NDIHR - Doc. 1176. Ofício de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro com que congratula o casamento do príncipe com a infanta Maria Francisca Benedita. Vila Bela, 22 de dezembro de 1777; AHU-NDIHR - Doc. 1497. Ofício de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres sobre a notícia dos casamentos dos infantes de Portugal D. João e D. Mariana Vitória com os infantes de Espanha D. Carlota e D. Gabriel. Vila Bela, 25 de março de 1787; AHU-NDIHR - Doc. 816. Ofício de João Pedro da Câmara ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado em que diz ter recebido a notícia do nascimento do neto do rei e que o fará festejar em toda a capitania com extraordinária pompa. Nossa Senhora da Conceição, 28 de julho de 1768; AHU-NDIHR - Doc. 1721. Ofício de João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Luís Pinto de Sousa Coutinho informando sobre ter recebido notícia do nascimento do príncipe D. Antônio. Vila Bela, 05 de fevereiro de 1796; AHU-NDIHR - Doc. 882. Ofício de Luís Pinto de Sousa Coutinho ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado em que felicita o rei pelo nascimento da infanta. Vila Bela, 28 de fevereiro de 1770.

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Tabela 05 - Festas extraordinárias e cerimônias políticas registradas nos

“Anais de Vila Bela (1734-1789)”

Localidade Autoridade homenageada Período Ano Vila Bela Ação de Graças ao Rei 29 de setembro 1757 Vila Bela Ação de Graças ao Rei - 1760 Vila Bela Recepção ao mestre-de-campo, D. José

Nunes, cônego de Santa Cruz de la Sierra, terra de Espanha, com cartas de seus superiores para o governador da capitania.

Novembro 1760

Vila Bela Recepção ao mestre-de-campo castelhano Dom José Nunes Cornejo

Novembro 1760

Vila Bela Recepção a oficiais castelhanos 20 de novembro 1761 Vila Bela Recepção ao novo governador e capitão-

general João Pedro da Câmara e ao cabo - de - esquadra Manoel Caetano

Dezembro de 1764 a janeiro de 1765

1764 e 1765

Vila Bela Recepção ao novo governador e capitão general Luís Pinto de Sousa Coutinho

1° de janeiro 1769

Vila Bela Cerimônias de despedidas ao antigo governador e capitão general João Pedro da Câmara

18 de janeiro 1769

Vila Real do Senhor Bom

Jesus do Cuiabá

Aclamações e festejos a Luís Pinto de Sousa Coutinho.

20 de julho, estendendo-se por um

mês.

1769

Vila Bela Recepção a Luís Pinto de Sousa Coutinho que retornava da Vila Real

12 de dezembro 1769

Vila Bela Ritos fúnebres reais em virtude do falecimento da infanta de Portugal e da mãe de Luís Pinto de Sousa Coutinho

Setembro 1771

Vila Bela Recepção ao novo governador e capitão general Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres

Dezembro 1772

Forte Príncipe da Beira

Fundação do Forte Príncipe da Beira Outubro 1776

Vila Bela Recepção a Luís Albuquerque em seu regresso do Forte Príncipe da Beira. Concurso de poetas ou literatos.

14 de outubro 1776

Vila Bela Aclamações reais de D. Maria e D. Pedro III e desponsórios do Príncipe da Beira com sua tia D. Maria Francisca Benedita.

- 1777

Vila Bela Falecimento de D. José I - 1777 Vila Bela Aniversário de Sua Majestade 6 de junho (funções

integrantes da festa de Santo Antônio?)

1777

Vila Bela Exposição do retrato de Luís de Albuquerque em procissão

16 de junho 1777

Vila Bela Ação de Graças na igreja Matriz pelos desponsórios dos Príncipes da Beira

26 de dezembro 1777

Vila Bela Exéquias reais de D. José I Dezembro de 1777 e janeiro de 1778

1777 e 1778

Vila Bela Recepção a Luís Albuquerque em seu regresso do Forte Príncipe da Beira.

24 de maio 1778

Vila Bela Celebração do aniversário de El -rei 05 de junho 1779 Vila Bela Ação de graças pelo aniversário da rainha

de Portugal 17 de junho 1779

Vila Bela Ação de graças, festejos pelo aniversário de Sua Majestade

17 de dezembro 1781

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87

Localidade Autoridade homenageada Período Ano Vila Bela Chegada da notícia de falecimento

(15/01/1781) da rainha Mariana Vitória 20 de dezembro 1781

Vila Bela Aniversário da Rainha 17 de dezembro 1782 Vila Bela Exéquias do Senhor Conde de Azambuja

(D. Antônio Rolim de Moura) oferecidas pelo senado da câmara

12 de julho 1783

Vila Bela Exéquias do Senhor Conde de Azambuja (D. Antônio Rolim de Moura) oferecidas pelo Reverendo Vigário Estevão Ferreira Ferro

14 de julho 1783

Vila Bela e repartição do Mato Grosso

Recepção aos oficias militares espanhóis, correspondências, negociações e demarcação de fronteira.

Agosto e setembro (?)

1783

Vila Bela Aniversário de Sua Majestade - Rainha Fidelíssima

17 de dezembro 1783

Vila Bela Recepção a Luís Albuquerque em seu regresso de Casalvasco.

25 de novembro 1784

Vila Bela Aniversário de Sua Majestade - Rainha Fidelíssima

17 de dezembro 1784

Casalvasco Recepção de Luís de Albuquerque em Casalvasco

Setembro 1785

Vila do Cuiabá Posse do novo juiz-de-fora Diogo de Toledo Ordonhez

06 de dezembro 1785

Casalvasco Aniversário da Rainha Fidelíssima 17 de dezembro 1785 Casalvasco Aniversário da Rainha Fidelíssima 17 de dezembro 1786 Vila Bela Desponsórios dos Infantes de Portugal, o

Senhor D. João e a Senhora Dona Mariana Afonsa, com os Sereníssimos Senhores Infantes de Espanha, a Senhora Dona Carlota Joaquina e o Senhor D. Gabriel.

Março 1787

Vila Bela Exéquias reais de D. Pedro III Março/abril 1787 Casalvasco Recepção à chegada de Luís de

Albuquerque 03 de setembro 1787

Casalvasco Aniversário da Rainha Fidelíssima 17 de dezembro 1787 Vila Bela Recepção a Luís de Albuquerque que vinha

de Casalvasco (trabalho de demarcação de limites)

29 de janeiro 1788

Vila Bela Aniversário da Rainha Fidelíssima 17 de dezembro 1788 Vila Bela Recepção ao novo governador e capitão-

general João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres

- 1789

Vila Bela Posse de João de Albuquerque ao cargo de governador da capitania

20 de novembro 1789

Vila Bela Aniversário da Rainha Fidelíssima 17 de dezembro 1789 Fonte: AMADO & ANZAI, 2006.

Pela tabela acima, percebemos que foram muitos os momentos festivos e

celebrativos, demonstrando o quanto eram dinâmicos os cenários urbanos coloniais172.

172 Para uma discussão referente ao urbano colonial , consultar: ROSA, Carlos Alberto. A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá: vida urbana em Mato Grosso no século XVIII (1722-1808). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo, USP, 1996.

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1. A realeza no espelho: representações políticas e culturais

As Câmaras municipais, os governadores e capitães generais, as irmandades religiosas,

os oficiais mecânicos e diversos outros personagens coloniais foram produzindo e

reproduzindo celebrações públicas que garantiriam a presença da realeza lusitana. Isso não era

feito de modo gratuito, mas sim seguindo a uma ordem metropolitana a ser cumprida no Novo

Mundo. Havia grande preocupação em se realizar rituais que os interligavam aos outros

espaços sociais do Império português, pois todos faziam parte de uma mesma extensão

político-administrativa, ligadas à sua sede, Lisboa.

Procurava-se fazer com que todos os acontecimentos ligados à figura do rei e de sua

família fossem acompanhados pelos súditos que viviam no ultramar. O governador e capitão

general Antônio Rolim de Moura ofereceu às suas custas uma missa de ação de graças na

igreja matriz de Vila Bela da Santíssima Trindade, em intenção ao rei D. José I e a toda sua

família, pedindo proteção à família real, pois o rei havia sofrido um atentado no ano de 1758,

do qual havia escapado. Rolim de Moura convocou os melhores músicos da Capitania de

Mato Grosso, e na igreja matriz foi exposto o Santíssimo Sacramento. A celebração foi

presidida pelo reverendo Amaro Barbosa Lima, e o ofício contou com a seguinte participação:

o evangelho foi cantado pelo reverendo Antônio dos Reis e Vasconcelos; a epístola pelo

reverendo Bartolomeu Ramos Pombo; a homilia ficou a cargo do padre José de Morais

Marcelo, vigário de Vila Bela da Santíssima Trindade173.

Em 1760, Rolim de Moura ─ ainda em intenção de D. José I ─, expediu mensagem

á Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá pedindo que se deslocasse para Vila Bela o

mestre de capela Francisco Xavier de Oliveira, acompanhado de todo o seu coro musical, para

participar da cerimônia de ação de graças pela recuperação do rei. Segundo os Anais de Vila

Bela, foram gastos “nessa condução dos músicos e sustento deles, nesta Vila, mais de duas

mil oitavas”174. Em seguida à cerimônia religiosa, a Câmara ofereceu um grande sarau no

palácio de D. Antônio Rolim de Moura, e durante os três dias festivos as ruas da vila tiveram

173AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli (orgs.). 2006, p. 66. 174 AMADO & ANZAI, 2006, p. 79.

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“luminárias”, além de “muito fogo, que não pareciam festas de vila, tão moderna. Pareciam

ser feitas em cidade muito antiga”175.

a) Nascimentos e aniversários reais

O nascimento de um novo membro da família real portuguesa representava a

possibilidade de continuidade da dinastia, da casa que representava, motivo de grande

contentamento. No ano de 1763, a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá celebrou o

nascimento do senhor Dom José, príncipe da Beira, cujas festividades duraram um mês,

durante o qual se representaram comédias, cavalhadas, danças, e outras mostras de alegria176.

No ano de 1768, relatou João Pedro da Câmara a Francisco Xavier de Mendonça

Furtado, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, ter recebido a notícia do nascimento do

neto do rei, e que toda a Capitania festejaria o nascimento com a devida pompa177. Em 1770,

foi a vez do capitão general Luís Pinto de Sousa Coutinho felicitar o rei D. José I, pelo

nascimento de sua filha, “faustíssimo motivo” ─ conforme registrado em carta ─, pelo qual

seriam oferecidas homenagens em ação de graças178.

No dia trinta de outubro de ano de 1794 receberam os oficiais camarários cuiabanos

a notícia do nascimento da “sereníssima princesa da Beira”, e trataram logo de lançar edital à

população comunicando o ocorrido e os festejos a serem realizados em demonstração de

alegria pelo nascimento real. No dia dezesseis de novembro realizaram na igreja matriz uma

missa solene com o Santíssimo Sacramento exposto, com pompa e sermão, entoando-se o Te

Deum Laudamus. Pela tarde promoveram ainda procissão pelas principais ruas da Vila Real

do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, ornando os moradores as frentes de suas casas. Nas três

noites dos dias treze, quatorze e quinze essas mesmas casas foram ainda iluminadas. Na tarde

do dia quinze se cantou “vésperas”, e à noite “matinas” na igreja matriz, onde os oficiais 175 Idem, p. 80. 176 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.). Annaes do Sennado da Câmara do Cuyabá: 1719-1830. Cuiabá: Entrelinhas; Arquivo Público de Mato Grosso, 2007, p. 91. 177 AHU-NDIHR - Doc. 816. Ofício de João Pedro da Câmara ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado em que diz ter recebido a notícia do nascimento do neto do rei e que o fará festejar em toda a capitania com extraordinária pompa. Nossa Senhora da Conceição, 28 de julho de 1768. 178 AHU-NDIHR - Doc. 882. Ofício de Luís Pinto de Sousa Coutinho ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado em que felicita o rei pelo nascimento da infanta. Vila Bela, 28 de fevereiro de 1770.

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camarários lá estavam em “corpo de câmara”, todos vestidos com capas abandadas de seda

branca, meias, plumas e outros ornamentos, que contribuíam para solenizar os atos

cerimoniais179.

As demonstrações de regozijo e júbilo pelo nascimento não pararam por aí na Vila

Real. Montaram um tablado público para a apresentação de peças teatrais, comédias e danças,

e foi autorizada liberdade para os que quisessem realizar “máscaras” ou danças, no espaço de

vinte dias, em homenagem à princesa e à monarquia lusitana. Os largos foram iluminados, e

pelas noites eram dados tiros de roqueira. No dia três de novembro comerciantes pediram

autorização aos oficiais camarários para oferecerem festejo público em sinal de felicidade

pelo nascimento real, e acordaram construir dois navios de madeira, dentro dos quais seriam

representadas óperas e danças, com despesas divididas entre eles180.

Os festejos iniciaram-se no dia oito de novembro de 1794, porém, antes havia saído

pelos principais pontos de circulação de pessoas na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá

o porteiro do senado da câmara, com clarins e trompas, montado num cavalo ricamente

ajaezado, vestido de capas abandadas de seda branca, plumas brancas, seguido por duas alas

com os mesmos tipos de ornamentos e vestimentas outros oficiais camarários, sendo eles: o

escrivão do senado da câmara, o tabelião do público judicial e notas, o escrivão da provedoria

dos ausentes, o escrivão dos órfãos, alcaide, oficiais de justiça. As iluminações da vila ficaram

por conta do juiz de fora, do vigário da vara e do sargento mor181.

Em todas as noites de iluminações houve orquestra de música nos paços do conselho

e também pelas ruas, que ofereceu o professor da língua portuguesa e mestre de música

Joaquim Mariano da Costa, além de outras também oferecidas nas ruas pelo mestre de música

Antônio Francisco das Neves. As funções de festejos continuaram em duas tardes, com

apresentações de contradanças pelo mesmo professor Joaquim Mariano da Costa, que

preparou e dirigiu uma com a “força de pássaros brancos” e outra com a “força de macacos”.

O professor José Zeferino também apresentou três contradanças em três diferentes tardes182.

Em janeiro de 1795 iniciaram-se as apresentações oferecidas pelos comerciantes, no

final do ano de 1794, à Câmara em honra ao nascimento da princesa. Contudo,

179 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, p.144-145. 180 Idem, p. 145. 181 Ibidem, idem. 182 Ibid., ibidem.

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Como os comerciantes d‘estas minas, pela falta de artífices, não poderam

promptificar os dois navios que tinha offerecido para os applausos da

sereníssima senhora princeza da Beira, tomaram a resolução de fazer

preparar um e supprir a falta do outro com uma fortaleza, que fizeram erigir

na praça d’esta Villa, com quem houvesse de contender; e na tarde do dia 6,

estando o povo junto da dita praça, pelas quatro horas entrou por ella aquella

esperada embarcação armada em guerra com todos os preparativos próprios,

cuja entrada lhe foi disputada pela fortaleza, disparando-lhe muitos tiros de

peça, a que não correspondeu, procurando dar fundo defronte da fortaleza, o

que fez muito airosamente; depois do que voltando um bordo lhe fez

fortíssimo fogo, e logo passando ao outro desbaratou bastantemente a

fortaleza, que se viu obrigada a investigar a causa d’aquele movimento, e

sendo-lhe communicada a gostosa e plausível acção que alli a levava, se deu

a fortaleza por vencida, acompanhado os plausíveis festejos não só com a

bandeira de paz que logo levantou, como mesmo com vinte e um tiros que

disparou em obsequio da sereníssima senhora princeza da Beira, fazendo o

navio o mesmo [...] Finda esta acção, appareceu sobre os mares em que

estava a embarcação uma balêa, que abrindo a bocca vomitou doze rapazes

ricamente adereçados, que formando em terra uma bem ordenada dança, em

que muito brilharam, deram aos seus espectadores excessivo gosto e

satisfação; e finda a dança com despedidas ao povo, abrindo outra vez a

bocca a balêa, por ella se introduziram, e mergulhando esta se findou com a

tarde a festa.183

Em 1796, João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres também ordenou que se

fizessem, em toda a Capitania de Mato Grosso, festejos em honra ao nascimento do príncipe

D. Antônio, oferecendo missa cantada e Te Deum laudamus na igreja matriz de Vila Bela da

Santíssima Trindade, além de lançar ordem de iluminar a vila capital por três noites184. No dia

seis de abril de 1796 se abriu, em Câmara, na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, um

ofício datado de sete de janeiro, avisando ao Senado da Câmara sobre o nascimento do

príncipe, em março de 1795. O Senado logo deu a sua primeira demonstração de alegria com

repiques de sinos na casa da Câmara e cadeia, e logo se tocaram também os sinos das igrejas 183 Ibid., p.146-147. 184 AHU-NDIHR - Doc. 1721. Ofício de João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Luís Pinto de Sousa Coutinho informando sobre ter recebido notícia do nascimento do príncipe D. Antônio. Vila Bela, 05 de fevereiro de 1796.

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da Vila Real, como sinal de que todos deviam render graças a Deus pelo nascimento de mais

um infante. Em seguida todos foram chamados a participar da festividade solene que o

Senado faria celebrar no dia cinco de maio, com missa, oração, Te Deum e procissão, expondo

o Santíssimo Sacramento por todo o dia. As festas reais durariam um mês, com a iluminação

das casas da vila por três noites, antes do dia da festa do dia cinco de maio185.

Em 1798 temos outro relato de festejo real por ocasião do nascimento de mais uma

princesa. No dia seis de agosto, recebeu o Senado da Câmara da Vila Real a notícia do

nascimento, e no dia oito de setembro tiveram início às festividades, com três noites de

iluminação nas casas dos moradores e principais prédios públicos da vila, com a apresentação

de serenatas, consertos de música vocal e instrumental na casa da Câmara e pelas principais

ruas da vila186. Também no ano de 1799 aconteceram festejos semelhantes a esse, em

homenagem ao nascimento de outro príncipe, com festejos iniciados no dia vinte e um de

julho, data em que Igreja festejava o Anjo Custódio. Houve missa solene, exposição do

Santíssimo Sacramento, procissão, e Te Deum. Nas noites que se seguiram, as casas foram

iluminadas, e orquestras de música se apresentaram pelas ruas da vila187.

Os aniversários reais também foram festejados em Vila Bela da Santíssima Trindade.

No dia 6 junho de 1777, comemorando o aniversário de D. Pedro III, o capitão general Luís

de Albuquerque ofereceu “beija-mão” em seu palácio aos oficiais militares, vereadores e à

“nobreza da terra”, postada em fila diante do governador, representante real188. A cerimônia de

“beija-mão” foi prática cultural marcante nas monarquias na Época Moderna, significando um

ato de respeito e submissão à autoridade do rei, representado nos espaços colônias pelos

governadores e capitães-generais.

Logo após o “beija-mão” de junho de 1777, Luís de Albuquerque ofereceu a todos os

presentes um jantar “de muita profusão, como também a ceia”, e a noite foi marcada também

por outras funções no palácio, como danças. Os Anais de Vila Bela registram que Luís de

Albuquerque dançou com as senhoras abastadas de Vila Bela e dos arraiais da repartição do

Mato Grosso, e que houve também “uma dança de 12 máscaras, ricamente vestidos”189.

185 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, p.154. 186 Idem, p. 156. 187 Ibidem, p.158. 188 AMADO & ANZAI, 2006, p. 210. 189 Idem, p. 210-211.

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Os banquetes nessas ocasiões festivas ganhavam uma dimensão interessante no

estudo sobre festas. Situados no interior de um quadro maior composto pelo cenário

escolhido, eles eram oferecidos a alguns personagens que circulavam nessas ocasiões

celebrativas no palácio dos governadores. Os convidados eram os representantes políticos do

poder metropolitano, como oficiais militares e oficiais camarários, somados aos membros das

famílias que possuíam mais posses. Essas participações produziam distinção social em Vila

Bela da Santíssima Trindade, pois delimitavam espaços a serem ocupados e experimentados

pelos indivíduos que compunham aquela formação social.

Em 1779 houve outra comemoração de aniversário real, a de D. Pedro III, no dia 5 de

junho. Para as homenagens, reuniram-se todos na igreja matriz, onde foi entoado Te Deum,

em ação de graças, e houve uma “salva real de artilharia”. Luís de Albuquerque seguiu o

mesmo programa de outros anos: “beija-mão”, baile, e ceia no palácio dos governadores.

Comemorações pelo aniversário da rainha D. Maria I são as mais freqüentes nos

Anais de Vila Bela. Em 1779, no dia 17 de dezembro, entoou-se Te Deum na igreja matriz,

em ação de graças, e em seguida Luís de Albuquerque concedeu beija-mão aos convidados

oficiais, baile, e ceia no palácio190. Na celebração do aniversário da rainha no ano de 1781, há

o registro nos Anais de Vila Bela de um baile no palácio dos governadores, onde havia

pessoas “de máscaras, rica e engenhosamente vestidos, repetindo-se várias poesias e dando

Sua Excelência uma magnífica ceia”191.

Com pequenas variações nos relatos, os Anais de Vila Bela contribuem para a

reconstrução desses momentos festivos, como o registro de que em 1782, também em

homenagem ao aniversário da rainha D. Maria I, na igreja matriz, diante do governador, dos

vereadores, dos oficiais militares e da “nobreza da terra”,

... repetiu o doutor Ouvidor-Geral uma douta e eloqüente oração pelo mesmo

fim, louvando as altas virtudes de Sua Majestade, e os grandes benefícios

que tinham recebido seus vassalos da real clemência, sendo o maior, para

estes povos, a conservação de Sua Excelência nesta Capitania. 192

190 Idem, p. 220-221. 191 Ibidem, p. 229. 192 Ibid., p. 234-235.

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Essa mescla de homenagens às figuras de D. Maria I e de Luís de Albuquerque

compuseram as homenagens reais na igreja matriz, propagandeando o governo albuquerquino

a todas as autoridades políticas e religiosas presentes. À noite houve baile no palácio, com

“disfarçadas ricas máscaras”, e três tipos de danças, praticadas na sala grande do palácio,

iluminada e vistosa. Luís de Albuquerque ofereceu também “suntuosa e magnífica ceia, na

alta noite, em diversas salas, assistindo os ministros e senhoras da terra. Depois da ceia se

repetiram algumas poesias sobre o assunto tão feliz e alegre daquele dia”193.

As sociabilidades tornaram-se momentos significativos para a produção da distinção

social. Oferecer homenagens às figuras reais era um dos atos considerados dos mais dignos de

honra no meio político colonial. A Capitania de Mato Grosso, através de seu governador e

capitão general e demais oficiais camarários e militares, inseria-se na lógica político-cultural

orientadora da governabilidade do Império português. Os graus de distinção exibiam-se como

uma espiral do poder, indo da Corte portuguesa em Lisboa até os recantos longínquos do

mundo colonial. As principais personalidades políticas e religiosas distinguiam-se dos demais

segmentos sociais nesses momentos festivos e celebrativos, em uma rede de relações de

forças tecida a partir do lugar social que cada personagem ocupava. Um exemplo claro é do

próprio papel de Luís de Albuquerque nessas ocasiões, ou seja, o de zelador do poder

metropolitano, que nele se representava, diferenciando-o dos demais.

De 1783 a 1789, final do governo de Luís de Albuquerque houve regularidade nos

festejos em homenagem a D. Maria I, no dia de seu aniversário, 17 de dezembro. Em 1783,

entoou-se na igreja matriz Te Deum laudamus, e o Ouvidor Geral, como de costume, na

entrada da igreja, recitou uma oração que louvava as virtudes da rainha. Em seguida, Luís de

Albuquerque concedeu “beija-mão” no palácio dos governadores, e à noite houve baile no

palácio, com máscaras e danças, além da representação de “uma comédia”. Em seguida, em

diferentes salas do palácio foi oferecida uma “grandiosa ceia”, e um recital de poesias

apresentadas pelo Provedor da Fazenda Real, capitão Ricardo Franco de Almeida Serra, e

pelo doutor Antônio Pires da Silva Pontes que, conforme os Anais de Vila Bela demonstraram

o seu “talento e erudição fecunda nesse dia”194. No ano de 1784 essas comemorações ainda

aconteceram em Vila Bela, o que não se viu nos três anos seguintes, os de 1785, 1786 e 1787,

193 Ibid., idem. 194 Ibid., p. 244.

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quando Luís de Albuquerque se encontrava em Casalvasco, em trabalhos voltados às

demarcações de limites entre os territórios coloniais ibéricos195.

Desse modo, em 1785, o aniversário da rainha foi celebrado na capela de Nossa

Senhora da Esperança, em Casalvasco, onde se cantou o Te Deum laudamus e se expôs o

Santíssimo Sacramento. A tropa militar deu salvas de tiros, no campo junto à capela, e Luís

de Albuquerque continuou o programa ritual, oferecendo “beija-mão” a todos os presentes,

jantar em palácio, e recital de poemas196. Em 1786 e 1787 esses festejos foram realizados da

mesma maneira de anos antecedentes, chamando atenção os relatos sobre a noite do dia 17 de

dezembro em 1787:

À noite houve sarau, no palácio, de diferentes máscaras, assim de homem

como de mulher. Dançaram muitas contradanças e minuetes. Depois se

representaram vários entremezes [duas palavras ilegíveis]... magnífica mesa

para as figuras que dançaram, além de outra para os soldados [ilegível]... e

muita galanteria a dança dos meninos [cerca de dez palavras ilegíveis]... de

máscaras de homem e de mulheres [cerca de quatro palavras ilegíveis]...

minuetes e contradanças.197

Nos anos de 1788 e 1789 as comemorações de aniversário da rainha D. Maria I

voltaram a acontecer em Vila Bela da Santíssima Trindade. Em 1788 se festejou cantando na

matriz o Te Deum laudamus com a exposição do sacramento da Eucaristia. A Câmara ainda

foi beijar a mão de Luís de Albuquerque, assim como os oficiais militares e as pessoas de

mais posses. Ainda foi oferecido a todos, como de costume, um banquete no palácio dos

capitães generais, e um sarau198. Tanto Luís de Albuquerque como seu irmão ─ seu sucessor

na administração da capitania, João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ─, , se

encontravam doentes em 1789; Luís, um pouco mais disposto que o irmão, presidiu as

celebrações públicas de costume199.

195 Ibid., p. 274-276. 196 Ibid., p. 254. 197 Ibid., p. 271. 198 Ibid., p. 275-276. 199 Ibid., p. 286.

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b) Casamentos reais

Continuando o acompanhamento do ciclo da vida dos soberanos portugueses, os

casamentos reais exigiam também manifestações oficiais. Em 1760, o casamento da princesa

do Brasil – futura D. Maria I de Portugal – com seu tio, o infante D. Pedro deu origem a

diversas comemorações públicas por todo o reino. Em 1761, Antônio Rolim de Moura

comunicou ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça

Furtado, o recebimento da notícia do casamento real, e relatou os esforços dos súditos da

capitania de Mato Grosso para festejar com a dignidade possível a alegria do evento, com

todas as demonstrações civis e militares de praxe nessas ocasiões200.

Em 1777, no dia 21 de dezembro, chegou a Vila Bela, por um correio do Pará, Carta

Régia de 21 de fevereiro de 1777, anunciando o “felicíssimo” casamento de Sua Alteza Real

com a Sereníssima Senhora Infanta Dona Maria Francisca Benedita. Luís de Albuquerque

tratou de solenizar o acontecimento com festejos representativos de “fidelidade

portuguesa”201. O ano de 1777 foi marcado por acontecimentos relativos à família real

portuguesa, pois além dos “desponsórios reais”, houve a morte de Dom José I, e a aclamação

de D. Maria e D. Pedro III202.

Com a notícia da morte de D. José, após notificar os moradores de vilas e arraiais era

preciso realizar as demonstrações de tristeza ─ pela morte de D. José ─, e de alegria ─ pela

aclamação dos novos soberanos ─, por intermédio de celebrações públicas, orientadas e

promovidas pelas Câmaras municipais203. Ainda em dezembro se cantou em Vila Bela da

Santíssima Trindade o Te Deum laudamus, em ação de graças pelo “fidelíssimo desponsório”.

Junto a essas homenagens de alegria, concorriam aquelas relativas à tristeza pela morte do rei,

manifestas em suas exéquias204.

200 AHU-NDIHR - Doc. 646. Ofício de Antônio Rolim de Moura ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre a notícia do casamento da princesa do Brasil com o infante D. Pedro. Vila Bela, 06 de julho de 1761. 201 AHU-NDIHR - Doc. 1176. Ofício de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao secretário de estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro com que congratula o casamento do príncipe com a infanta Maria Francisca Benedita. Vila Bela, 22 de dezembro de 1777. 202 AMADO & ANZAI, 2006, p. 208. 203 Idem, p. 212. 204 Ibidem, p. 213.

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Outros relatos sobre casamentos reais são encontrados nos anos de 1786 e 1787, nos

Anais de Vila Bela. Com a chegada da notícia dos desponsórios de D. João e Dona Mariana

Vitória, Infantes de Portugal, com Dona Carlota Joaquina e D. Gabriel Antônio, Infantes de

Espanha, Luís de Albuquerque determinou que, sem demora se festejasse o evento205. No ano

de 1786 realizaram na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá festividades na igreja

matriz, em ação de graças pelos casamentos reais, e houve missa cantada e exposição do

Santíssimo Sacramento, tendo pela tarde o Te Deum Laudamus e apresentação de músicas206.

Continuou no ano de 1787 dando a Câmara da Vila Real festividades em honra aos

casamentos reais dos infantes portugueses e espanhóis. A vila teve suas noites iluminadas nos

dias dezenove, vinte e vinte e um de abril, ficando também iluminada a igreja matriz, com seu

largo e demais capelas filiais a ela. Cantaram no último dia, vinte e um de abril, Te Deum em

ação de graças, na igreja matriz207.

Em Vila Bela da Santíssima Trindade, no ano de 1787, os oficiais camarários

promoveram salvas de artilharia, com a qual se “anunciara a todos, pelas três horas da tarde,

as seguintes três noites, e luminárias públicas, o que tudo assim se executou, sendo a

iluminação tão brilhante que quase não fazia falta a luz do dia”208. O governador e capitão-

general Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres recebeu em seu palácio em Vila Bela,

no dia 28 de março, os oficiais militares e o Senado da Câmara e toda a “nobreza da terra”

para a prática do beija-mão, “com grande satisfação e a sua mais manifesta demonstração de

gosto pelos felizes desponsórios dos mesmos infantes”. Somado a este ato, representando todo

o Senado da Câmara, o ouvidor geral, Joaquim José de Morais, apresentou “uma elegante

oração panegírica” relacionada ao casamento real209.

Outras capitanias também contaram com registros sobre casamentos reais. Com

relação ao casamento da princesa D. Maria com o infante D. Pedro, ocorrido em 1760, foi

comemorado no ano seguinte, 1761, na Vila de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro,

no Recôncavo baiano, significativo exemplo da repercussão desse fato e das práticas de

homenagens dele decorrente, demonstrando a alegria pelos “augustíssimos desponsórios”. As

comemorações duraram 22 dias e iniciaram-se no dia primeiro de dezembro, com pregões

205 AHU-NDIHR - Doc. 1497. Ofício de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres sobre a notícia dos casamentos dos infantes de Portugal D. João e D. Mariana Vitória com os infantes de Espanha D. Carlota e D. Gabriel. Vila Bela, 25 de março de 1787. 206 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, p.132-133. 207 Idem, p.134-135. 208 AMADO & ANZAI, 2006, p. 266. 209 Idem, p. 266.

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públicos que anunciavam a notícia, e festas. Logo depois, esses colonos experimentaram seis

noites de luminárias e vários dias foram ocupados com a apresentação de danças oferecidas

pelas corporações de ofícios210. Outro exemplo é relatado por Ávila, em Minas Gerais, nos

desponsórios do infante D. João, no ano de 1786. Cunha Menezes, governador e capitão

general promoveu as homenagens naquele ano, com pompa barroca. Menezes havia

determinado extenso programa comemorativo, que se iniciou no dia 13 de maio de 1786.

Foram oferecidas solenidades religiosas e militares, três dias de cavalhadas, três dias de

touradas e óperas públicas. Nestas ocasiões, trajavam os senadores chapéus de plumas, capas

com bandas de sedas vistosas, produzindo distinção em relação a outros grupos presentes,

fossem eles pequenos comerciantes, artífices, militares de patente inferior ou a população

escrava211.

Relata ainda Affonso Ávila, que nas homenagens ao desponsórios do infante João,

em demonstrações de alegria e contentamento da população da Capitania de Minas Gerais, a

abertura foi feita com celebração de solene missa congratulatória, oficiada em Vila Rica pelo

bispo de Mariana, na manhã do dia 13 de maio de 1786. Na tarde desse mesmo dia saíram

todos em procissão pelas principais ruas de Vila Rica, guarnecidas pelas tropas militares212.

Esses momentos de celebrações e festividades públicas faziam com que as vilas

coloniais ficassem profusamente iluminadas por meio de tochas e lâmpadas de azeite

colocadas nas janelas das casas, nos largos das igrejas e, principalmente, na casa da câmara,

organizadora das homenagens.

2. Em cena, o desfile de governadores e capitães generais

O grande número de festividades e cerimônias públicas praticadas tanto em Portugal

como no mundo colonial luso-americano demonstra bem que as autoridades se interessavam

pelo impacto que tais eventos poderiam promover na luta política, em uma época em que a

210 CALMON, Francisco. Relação das faustíssimas festas. Rio de Janeiro: MEC - SEC: FUNARTE: Instituto Nacional do Folclore, 1982 (Etnografia e Folclore/Memória 1). 211 ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980, p.175 (Debates; n°35). 212 ÁVILA, 1980, p. 175-176.

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reputação e a representação simbólica do poder desempenhavam papel cada vez de maior

importância213.

As festividades às autoridades políticas e religiosas que visitavam uma localidade

eram comuns no vasto Império português, devendo ser marcadas por recepções condignas,

que levassem em conta a posição do visitante, práticas reconhecedoras de poderes, com

destaque para as recepções oferecidas às autoridades políticas metropolitanas que chegavam

para exercer a defesa dos interesses da Coroa portuguesa na Capitania.

Temos notícias de que no ano de 1726, por ocasião da chegada do general Rodrigo

César de Menezes, e elevação do arraial do Cuiabá à condição de vila, foram realizadas

diversas festividades de recepção214. Por Cuiabá também chegou, em 1751, o capitão general

D. Antônio Rolim de Moura, que em seguida continuou viagem até Vila Bela.

Em Vila Bela, os Anais registram que João Pedro da Câmara, sucessor de D. Antônio

Rolim à frente da administração da Capitania de Mato Grosso, já estava no Pará, e que logo

estaria a caminho de Vila Bela da Santíssima Trindade para a posse 215. João Pedro da Câmara

havia viajado pela rota do norte, pelos rios da bacia Amazônica, e para recepcioná-lo, já

próximo da vila capital, seguiu Rolim de Moura ao seu encontro, juntamente com os demais

representantes políticos da Coroa, chegando juntos ao porto de Vila Bela, no dia 25 de

dezembro de 1764, onde foram recebidos pelo Senado da Câmara, “em um palco armado para

a ocasião”. Em seguida, a comitiva entrou em uma casa, onde o vereador mais velho, com

maior tempo no exercício da função, Caetano de Brito e Menezes recitou um poema aos

generais, tecendo elogios à administração de Rolim de Moura. Após o ato de recepção oficial,

conforme os Anais de Vila Bela, “seguiram debaixo de um pálio os dois generais para a igreja

matriz onde cantaram os músicos um Te Deum laudamus”. Após essa função, João Pedro da

Câmara e Antônio Rolim de Moura se recolheram no palácio dos governadores216.

No dia primeiro de janeiro de 1765, João Pedro da Câmara tomou posse na igreja

matriz, “onde se fizeram os ritos e cerimônias que se costumam nas posses dos generais”. No

caminho até a igreja, para as cerimônias, os generais Rolim de Moura e João Pedro da Câmara

foram acompanhados por todos os oficiais camarários, oficiais militares, representantes

213 CARDIM, Pedro. Entradas solenes: rituais comunitários e festas políticas, Portugal e Brasil, séculos XVI e XVII. In: JANCSÓ, István, KANTOR, Íris (org.). Festa: Cultura e sociabilidade na América portuguesa. Vol. I. São Paulo: Hucitec, 2001, p.97-125. 214 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, p. 56. 215 AMADO & ANZAI, 2006, p. 100. 216 Idem, p. 101.

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religiosos, membros das famílias abastadas, todas as faces dos poderes religioso e laico

desfilando pelas ruas da vila capital. Ao final da cerimônia de posse celebrou-se missa

cantada e houve Te Deum laudamus, quando então passaram todos os convidados para o

palácio, “debaixo de pálio”. As noites de Vila Bela ficaram iluminadas por três dias, em

homenagem à posse do novo governador e capitão general217.

Dom Antônio Rolim de Moura partiu no dia 15 de fevereiro de 1765 da Capitania de

Mato Grosso em direção à Bahia. Em 1767 o retrato de Dom Rolim, mandado vir da Bahia foi

colocado pelos oficiais camarários nos paços do Conselho e Casa da Câmara, em homenagem

ao fundador de Vila Bela da Santíssima Trindade e seu primeiro capitão general218.

No dia 26 de julho de 1768, chegou da cidade do Grão-Pará um expresso com a

notícia da nomeação de Luís Pinto de Sousa Coutinho para governador da Capitania de Mato

Grosso, sucedendo João Pedro da Câmara219. No dia primeiro de janeiro do ano seguinte,

1769, chegava ao porto de Vila Bela, junto de Miguel Pereira Pinto Teixeira, o novo Ouvidor

Geral e Provedor da Fazenda Real, Luís Pinto de Sousa Coutinho, o novo capitão general da

Capitania de Mato Grosso. No porto de Vila Bela encontravam-se postadas as companhias das

ordenanças, o corpo da Câmara, a “nobreza da terra” e os dragões, e as autoridades foram

recepcionadas com descargas de tiros, em um local “onde estava um magnífico arco ornado

com as melhores sedas e fazendas que se achavam nas casas dos homens de negócio desta

Vila”. Após as honras de praxe relacionadas à chegada das autoridades, partiram João Pedro

da Câmara e Luís Pinto de Sousa Coutinho para o palácio dos governadores, e Vila Bela ficou

iluminada durante três dias, como demonstração da alegria dos moradores e representantes

políticos e religiosos na vila220. Luís Pinto de Sousa Coutinho tomou posse em cerimônia

organizada na igreja matriz no dia 3 de janeiro de 1769, apresentando a sua “carta de crença”

e entregando suas provisões ao Senado da Câmara221. João Pedro da Câmara partiu de Vila

Bela no dia 18 de janeiro de 1769, e nessa ocasião, Luís Pinto de Sousa Coutinho mandou que

praticassem todos, em sinal de gentileza, diversas homenagens ao seu antecessor222. Mesmo

nos momentos de deslocamentos de uma vila à outra, as Câmaras e os moradores das vilas

executavam todo um conjunto de práticas que denotavam receptividade:

217 Ibidem, p. 101-102. 218 Ibid., p. 124. 219 Ibid., p. 125. 220 Ibid., p. 125-126. 221 Ibid., p. 127. 222 Ibid., p. 127-128.

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A 4 de julho partiu por terra para o Cuiabá o Ilustríssimo e Excelentíssimo

Senhor Luís Pinto de Sousa Coutinho, aonde chegou ao 20 do dito mês, entre

aclamações e festejos que duraram por espaço de trinta dias [...]. A 12 de

dezembro chegou, por último, a esta Capital, o Ilustríssimo e Excelentíssimo

Senhor Luís Pinto de Sousa Coutinho, onde foi recebido com as

demonstrações do costume, e com as mais festas e aplauso que a

generosidade dos seus súditos lhe tinham preparado.223

No dia 20 de julho de 1769, foi o governador e capitão-general recepcionado na Vila

Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, ocasião em que visitou a vila pela primeira vez, sendo

recebido com grande ostentação pelas autoridades políticas, famílias abastadas e população

local. As Ordenanças deram descargas de tiros em sua entrada na vila, e depois se recolheu

Luis Pinto de Sousa Coutinho a uma residência que lhe haviam preparado. Pela noite desse

mesmo dia, e nas outras duas sucessivas, a vila ficou iluminada. No dia 23 de janeiro,

domingo, o governador foi conduzido à igreja matriz do Senhor Bom Jesus do Cuiabá,

debaixo de pálio carregado por seis pessoas, acompanhado pelos oficiais camarários, pelas

“pessoas principais” da vila. Na matriz houve missa solene, cantada, com sermão e exposição

do Santíssimo Sacramento, em ação de graças pela vida, saúde e felicidade do general224.

Após essas funções na igreja matriz, fizeram os moradores da Vila Real outros

festejos em honra a Luís Pinto de Sousa Coutinho, como três tardes de cavalhadas,

representação de cinco comédias e duas óperas, “em tablado público”, além de danças e

folguedos, todas manifestações de regozijo pela posse do novo governador e capitão-

general225.

Quando da chegada a Cuiabá, no dia 24 de outubro de 1772, de Luís de Albuquerque

de Melo Pereira e Cáceres, vindo desde o Rio de Janeiro pelo caminho de terra por Goiás, o

capitão general foi recebido na entrada da vila pelos oficiais da Câmara que ali o esperavam,

“numa casa ricamente ornada”, armada na Rua da Mandioca. Em seguida, debaixo do pálio

carregado por seis pessoas, o capitão general, acompanhado por oficiais da Câmara, “famílias

abastadas e mais o restante da população” seguiram para a igreja matriz. Lá os esperava o

pároco, paramentado, na entrada da igreja para a cerimônia do incenso e do beijo da cruz.

Logo após a entrada das autoridades o pároco deu início ao Te Deum laudamus. Ao final da

223 Ibid., p. 130-131. 224 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, p.95. 225 Idem, ibidem.

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cerimônia, Luís de Albuquerque seguiu para a residência a ele destinada, após os corpos

auxiliares e as ordenanças darem “várias descargas de tiros”. Durante a noite da chegada, e

nas duas seguintes, as casas da vila permaneceram iluminadas, e a vila foi movimentada com

festas, representações públicas de óperas e comédias, além de danças, “que duraram muitos

dias”226.

Luís de Albuquerque continuou viagem até Vila Bela, aonde chegou no dia 5 de

dezembro de 1772, e, como de costume, foi ao seu encontro Luís Pinto de Sousa Coutinho,

terceiro capitão general, acompanhado dos oficiais da Fazenda e de representantes da

“nobreza da terra”. O novo capitão general foi recepcionado em Vila Bela, e nos dias

seguintes à sua chegada foram apresentadas seis comédias. No ato de sua chegada estavam

presentes os oficiais camarários para o beija mão, e logo depois o segundo vereador mais

velho, Manoel Rodrigues Novaes recitou uma oração em sua homenagem, por impedimento

do primeiro vereador mais velho227. Luís de Albuquerque, contudo, tomou posse apenas no

dia 13 de dezembro de 1772, e, nesse dia, Albuquerque se apresentou à Casa da Câmara

dando início á solenidade, após a qual o novo capitão general, acompanhado dos oficiais da

Câmara, ordenanças, militares e religiosos dirigiram-se para a igreja matriz, em procissão.

Uma vez na igreja, teve início a cerimônia de ação de graças, com Te Deum laudamus,

durante missa solene cantada na igreja que, “por ocasião de se edificar novamente supria uma

casa de carpintaria, mal adornada”228. Luís Pinto de Sousa Coutinho partiu no dia sete de

janeiro de 1773, sendo escoltado por um cabo e cinco dragões229.

Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres vivenciou outras recepções festivas

durante seu governo na Capitania de Mato Grosso. No dia 14 de outubro de 1776 foi

celebrado o primeiro “oiteiro”, ou seja, primeiro concurso de poetas e literatos em Vila Bela

da Santíssima Trindade, manifestação de alegria pelo fato de Luís de Albuquerque ter

regressado bem do Forte Príncipe da Beira, que havia ido fundar. Participaram desse evento o

Provedor da Fazenda Real, o Ouvidor-Geral, o secretário do Governo, o juiz ordinário,

“havendo sonorosa orquestra nos pequenos intervalos das três horas que durou a recitação das

poesias portuguesas e latinas no palácio velho”230. Ainda nesse mesmo mês, no dia 16, o

retrato do capitão general Luís de Albuquerque foi colocado na Casa da Câmara, que antes

226 Idem, p. 101. 227 AMADO & ANZAI, 2006, p. 184. 228 Idem, p. 184-185. 229 Ibidem, p. 187. 230 Ibid., p.206-207.

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havia percorrido as ruas de Vila Bela231. Em 1778, o general também foi recepcionado

festivamente quando de sua chegada a Vila Bela, vindo do Forte do Príncipe da Beira, ocasião

em que os moradores iluminaram suas casas por três noites sucessivas232.

No dia 2 de setembro de 1785, partiu de Vila Bela da Santíssima Trindade Luís de

Albuquerque para regular a povoação de Casalvasco e acompanhar os comissários e mais

oficiais das Reais Expedições Demarcadoras de Limites. O governador chegou ao fim da

tarde desse mesmo dia, e foi recepcionado pelo corpo militar, com salvas de três descargas, e

com a iluminação das casas naquela noite e nas duas seguintes233. O retorno de Luís de

Albuquerque para Vila Bela só ocorreu no dia 11 de janeiro de 1786, onde permaneceu até o

dia 31 de agosto, quando então retornou para a povoação de Casalvasco. Nessa saída,

acompanharam-no os ministros e “nobreza”, ajudantes-de-ordens e vários oficiais militares

até o rio, no porto de Vila Bela234.

No dia 17 de março de 1788 chegou a Vila Bela o dragão Januário Nunes, vindo do

Forte do Príncipe da Beira, com cartas destinadas a Luís de Albuquerque, que relatavam, a

passagem da “Expedição filosófica”, comandada pelo naturalista Alexandre Rodrigues

Ferreira, e a nomeação de seu sucessor para o governo da Capitania, seu irmão João de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres235. No dia 2 de outubro de 1788, um comunicado do

naturalista anunciava sua chegada a Vila Bela no dia seguinte. De imediato mandou Luís de

Albuquerque que fosse ao seu encontro o alferes Francisco Pedro, para cumprimentá-lo em

seu nome. Algumas horas depois, partiram também ao encontro da expedição o ajudante-de-

ordens Victoriano Lopes de Macedo, e os capitães-engenheiros Ricardo Franco de Almeida

Serra, e Joaquim José Ferreira. Antes do meio dia do dia 3 de outubro chegou a expedição de

Alexandre Rodrigues Ferreira a Vila Bela, desembarcando todos no porto, onde foram

recepcionados por Luís de Albuquerque e demais representantes políticos e pessoas da

“nobreza da terra”236.

Os expedicionários haviam experimentado uma viagem penosa até Vila Bela,

principalmente por conta das doenças que atingiram a todos. Como gesto de gentileza Luís de

Albuquerque os conduziu ao palácio dos governadores em sua própria sege, onde foram

231 Ibid., p. 211. 232 Ibid., p. 215. 233 Ibid., p. 252. 234 Ibid., p. 257. 235 Ibid., p. 278. 236 Ibid., p. 282.

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assistidos com medicamentos e alimentos. Ainda no palácio foi oferecido um jantar de boas

vindas, com a participação das principais autoridades políticas da vila capital237.

Quando da chegada de João de Albuquerque, no percurso do Pará até Vila Bela, em

diferentes etapas foram enviadas cartas precisando a localização do novo capitão general, até

que, na manhã do dia 16 de outubro de 1788, saiu Luís de Albuquerque, acompanhado de

seus ajudantes-de-ordens e demais oficiais, até o porto de Santo Antônio, em Vila Bela, onde

embarcaram em oito botes, formando uma comitiva para ir ao encontro de João de

Albuquerque, que chegava doente. Ao final da manhã, desembarcaram no porto de Santo

Antônio os irmãos João e Luís de Albuquerque, com suas respectivas comitivas, recebidos

com salva de artilharia:

Nesse mesmo cais o esperava, à beira d’água, o corpo do Senado da Câmara

e toda a mais nobreza. Recolhido à casa que o mesmo Senado tinha feito

erigir naquele lugar, estando todos de pé, recitou o vereador mais velho,

Manoel Veloso Rabelo e Vasconcelos, a fala do costume, acabada a qual se

recolheu com o seu ilustríssimo e excelentíssimo irmão para o palácio, em

sege, por não ser possível de outra sorte, trazendo-os, os oficiais da Câmara,

debaixo do pálio, até subir a ela [...] A tropa auxiliar, postada pouco distante

da dita casa, fez as devidas continências, ao passar. Depois de ter já passado

a sege, deu as descargas de costume. O mesmo praticou a tropa paga,

postada no largo do palácio.238

Após se recuperar da viagem João de Albuquerque tomou posse no dia 20 de

novembro de 1788. No dia da posse, as marcas do cerimonial: postados na praça do palácio

estavam os corpos militares ─ pagos e auxiliares ─, os ajudantes-de-ordens, o secretário do

governo, o intendente e provedor da Real Fazenda, os vereadores, “e todos os mais oficiais

militares e nobreza”. Ainda segundo os Anais de Vila Bela, “feitos os devidos e universais

cortejos”, os dois irmãos foram levados sob pálio sustentado pelos camaristas, do palácio dos

governadores até a Casa da Câmara239, Durante o trajeto, João de Albuquerque permaneceu à

direita do capitão general Luís de Albuquerque, e assim que chegaram à Casa da Câmara, os

dois generais sentaram-se à cabeceira da mesa, permanecendo João à direita de Luís. Também

237 ANZAI, Leny Caselli. Doenças e práticas de cura na capitania de Mato Grosso: o olhar de Alexandre Rodrigues Ferreira. Brasília, 2004. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade de Brasília – UnB. 238 AMADO & ANZAI, 2006, p. 283-284. 239 Idem, p. 285.

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sentados ficaram, ao lado direito da mesa, o “corpo do Senado”, e à esquerda sentou-se o

secretário do governo. Em pé permaneceram “todos os mais, oficiais e nobreza”, enquanto

prosseguia a cerimônia:

Lida a patente, depois de cumprida unicamente pelo Excelentíssimo Senhor

General Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, registrada na

Câmara e Provedoria pelo doutor secretário do governo, e as cartas de crença

e dispensa de homenagem que Sua Majestade foi servida mandar pelo

escrivão dela, assinando o termo de posse no livro deles, da secretaria,

primeiro pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Albuquerque de

Melo Pereira e Cáceres, e segundo pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres e por todo o corpo da

Câmara.240

Após o ato de posse, ao sair da Câmara, o recém empossado João de Albuquerque

levava Luís de Albuquerque à sua direita, conduzidos ambos, sob pálio sustentado pelos

componentes do Senado da Câmara, até a igreja matriz, onde os esperava à porta principal “o

Reverendo Vigário, de capa de asperges, acompanhado do mais clero de sobrepelizes”,

... estando já o Santíssimo Sacramento exposto, levantou logo o vigário o

hino Te Deum laudamus. Acabado o ato de ação de graças, tornaram a sair,

sendo conduzidos pela mesma forma até ao palácio, debaixo do mesmo

pálio, até às portas da sala dos ajudantes-de-ordens, onde, largando a Câmara

o dito pálio, se recolheram, formados, até a Casa do Conselho. 241

Quando os irmãos já estavam recolhidos no palácio “principiaram as descargas de

mosquetaria e salva real de artilharia”. Em continuidade à cerimônia,

Ao meio dia deu o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General uma

esplêndida e profusa mesa, a que assistiram o corpo da Câmara, os

ajudantes-de-ordens, secretário do governo e todos os oficiais pagos,

capitães e ajudantes auxiliares. Na tarde desse mesmo dia, foi o corpo da

240 Ibidem, idem. 241 Ibid., p. 285-286.

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Câmara cumprimentar o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor João de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.242

No dia 17 de setembro de 1796, pela manhã chegou à Vila Real do Senhor Bom

Jesus do Cuiabá, o general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, recebido com honras

militares e descargas de tiros. Na entrada da vila foi construída uma casa “ricamente ornada”

para recebê-lo, com Estandarte Real e pálio, carregado por seis pessoas, seguindo em cortejo

até a igreja matriz, em meio a toques de sinos de todas as igrejas. Na porta da matriz estavam

à espera do novo capitão general o vigário e demais religiosos para as cerimônias do incenso e

do beijo da cruz, durante as quais seria entoado o Te Deum laudamus e outros cânticos243.

Na noite desse dia e nas noites dos outros dois dias que se seguiram, ou seja, 18 e 19

de setembro de 1796, as ruas da Vila Real ficaram iluminadas, e os mestres de música saíram

pelas ruas tocando instrumentos, em homenagem a Caetano Pinto de Miranda Montenegro:

No dia vinte e dous se publicou a porta de Palacio, e ruas da Villa hum

Bando com que se prencepiarão as festas dedicados a Sua Ex.ª em seo

aplauzo, em que figurarão vinte homens das Pessoas mais principais da terra

com mascaras fardados de Sargento com fardas emcarnadas, bandas, galas,

canhoens, e forros verdes e agaluadas; vestias, calçoens brancos, com

alabardas, em cujo sentro hião doze figuras bem aderessadas com farças de

homens, e mulheres, com sua contra dança que executarão depois de se

publicar o Bando, e diante hião tão bem mascarados Muzicas com huma

excellente orquesta, alem de seis tambores que não marcha tocavão caixas de

guerra, e hum tambor Mov. que publicava o Bando [...] Continuarão dahi por

diante funçoens de mascaras nas tardes, e passadas treplias e fes em Palacio

huma grandeoza Asembleya com bailes de comtradanças muito bem

executados, e com excelentes garssas [...] Tão bem [ilegível] por dous dias

socessivos cavalhadas que derão muito gosto, não só pelo o levrimento, e

ligereza dos cavaleiros, como pello bem executado das sortes [...] Depois por

noutes interpolados por se representarão seis comédias, três executadas por

homens brancos, duas por homens pardos, e huma por homens pretos.244

242 Ibid., p. 286. 243 SUZUKI, Yumiko Takamoto (org.), 2007, p.151-152. 244244 Idem, p.152.

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A chegada de um novo governador era interpretada como um tempo de festa, durante

o qual não deveria haver desentendimentos, violências e aborrecimentos. No entanto, também

era o tempo de oportunidade da denúncia, como a que foi feita por meio de “representações

falsas” pelos tenentes Joaquim José dos Santos e Antônio José da Silva, que denunciaram a

Caetano Pinto de Miranda Montenegro a má atuação do juiz de fora. Caetano Pinto recebeu as

representações por escrito, e decretou ao ouvidor geral que tomasse conhecimento dos fatos

para proceder à investigação da denúncia245.

Cerimônias de posse, como as que registram os anais do Senado da Câmara das duas

vilas da Capitania de Mato Grosso eram rituais da urbanidade, pois aconteciam em locais de

movimentação constante, nos quais pessoas se concentravam para participar de cada etapa

ritual, compondo um ambiente celebrativo. Eram festas públicas, envolvendo sociabilidades e

aprendizados das hierarquias sociais. Cada segmento da sociedade deveria saber o lugar exato

que lhe cabia durante os rituais, sobretudo os desprivilegiados da sociedade colonial, que

sempre ocupavam as últimas posições nas procissões e em outros espaços celebrativos.

Os momentos de cerimônias eram propícios para a explicitação da etiqueta, para a

transmissão do significado de gestos e atitudes, dos lugares a serem ocupados pelos grupos

sociais. Os aprendizados eram claros nesses eventos, sobretudo a respeito das diferenças, das

hierarquias sociais, reafirmadas a cada ato, cada ação, cada gesto, segundo uma etiqueta em

curso na Europa.

Nos séculos de seu apogeu, do XV ao XVIII, vigorou um código de etiqueta que

pregava minucioso cerimonial para reger a vida na corte: roupas, formas de tratamento, uso da

linguagem, distribuição do espaço, tudo determinado pela lei e pelo costume. Na linguagem e

nos trajes, a imagem de uma sociedade hierarquizada exibia-se aos sentidos, tornava-se

visível. Ver era experiência das mais importantes, pois o poder e o prestígio deveriam saltar

aos olhos. Não se separava, nas cortes, a vida pessoal da pública. Não havia gesto gratuito, do

monarca ou dos cortesãos; todos eram públicos, expressavam algo, eram signos, conscientes o

quanto possível246. No entanto, esta etiqueta não se reduzia a mero repertório do que se devia

ou não praticar; gestos e palavras adquiriam um sentido cerimonial, tomavam a forma de um

ritual quase religioso, na tentativa de que as condutas sociais praticadas se enraizassem numa

política, servissem de sacrifício prestado a um senhor, que governasse não só o Estado, mas 245 Ibidem, p. 153. 246 RIBEIRO, Renato Janine. A etiqueta no Antigo Regime: do sangue à doce vida. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 07-08 - (Coleção Tudo é história; 69).

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também os atos dos seus membros de maior destaque247. Vigorava uma cultura política de

ordens e valores, à qual ninguém poderia fugir, sob pena de renunciar ao convívio com os

seus semelhantes, de deixar de pertencer ao grupo enquanto tal.

As normas que regiam as etiquetas não nasciam de nenhum segredo oculto no

coração de um grande número de indivíduos; explicavam-se pelos agrupamentos específicos

que estes formavam, pelas relações que mantinham entre si248. A aparência e a opinião eram

elementos fundamentais na determinação do lugar social dos indivíduos. As características

constituidoras de cada segmento social deviam saltar aos olhos, ou seja, as moradias, roupas,

alimentação, cerimônias, gestos, falas deveriam expressar um ethos, a pertença do indivíduo

ao grupo social de que fazia parte249.

Portanto, os aspectos exteriores da vida deveriam imprimir a diferença entre os

grupos sociais. A representação dessa pertença a um grupo era sustentadora da própria

existência dos mesmos, demonstrando os campos de atividades econômicas, linhagens

antigas, títulos nobiliárquicos. Nas camadas dominantes, esta atenção e este esforço

consciente possuíam o caráter de instrumentos de auto-afirmação e de defesa contra a

ascensão de elementos inferiores, como estratégias de poder.

Os grupos políticos em ação na segunda metade do século XVIII na Capitania de

Mato Grosso não ficaram á margem dessas exibições de signos distintivos no seio da

sociedade colonial. Essa lógica da cultura política da Época Moderna estava presente em cada

festejo ou celebração em que as Câmaras se fizeram presentes.

247 RIBEIRO, 1983, p. 20-25. 248 ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 41. 249 ELIAS, 1995, p. 31.

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Capítulo IV

Da encenação da morte ao vôo da fênix. O rei morreu, viva o rei!

Um movimento da vida, ciranda da existência. Sobre a morte as diferentes

sociedades humanas criaram, ao longo da história, rituais que expressavam sua própria

organização social250. Nas sociedades ocidentais construiu-se em torno da morte um sistema

ritualístico de reforço de laços e vínculos familiares, que convergiam ao morto ou moribundo

- as exéquias -, ritos fúnebres, que correspondiam a princípios e valores de orientação da

conduta das pessoas quando da morte de um fiel. As exéquias, portanto, constituíam-se em

um conjunto de práticas rituais que incluíam determinadas ações e orações que tinham início

desde o momento da morte até o enterramento do falecido, passando por certos cuidados com

o corpo, velório e encomendação da alma. Todo cristão católico tinha direito a essa cerimônia,

qualquer que fosse sua condição social, pois era um dever de caridade, e reforçava a crença na

existência de outra vida e na idéia de ressurreição. Evidentemente que a apresentação visual

do ritual podia ser mais, ou menos rica, a depender da condição sócio-econômica do morto.

Privilegiamos, neste capítulo, alguns aspectos presentes nas exéquias de pessoas que

mereciam manifestações oficiais, como reis, governadores e membros da família real,

analisando suas faces e interfaces com a cultura política da Época Moderna, e suas

implicações na dinâmica do cotidiano da vila capital da Capitania de Mato Grosso. Considere-

se que nosso estudo está centrado nas exéquias de personagens que não morreram na

Capitania de Mato Grosso, e que a notícia da morte era enviada por meios oficiais.

Os rituais próprios às exéquias reais estavam articulados à realidade metropolitana,

que visava a estruturação da sociedade colonial, a efetivação da conquista, e a construção de

pertencimentos. E ainda, faziam parte do universo cultural cristão ocidental, que deve ser

250 Sobre a trajetória das práticas fúnebres no Ocidente cristão, ver, entre outros: ARIÈS Philippe. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Trad. Priscila Viana de Siqueira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003; REIS, João José. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). História da vida privada no Brasil: Império/ coordenador-geral da coleção Fernando Antônio Novais. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. – (História da vida privada no Brasil; 2).

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considerado para o melhor entendimento dessas práticas na fronteira Oeste da América

portuguesa. O que diferenciava as exéquias de outros momentos celebrativos era a

demonstração de tristeza que deveria acompanhar as cerimônias, ligada aos sentimentos de

dor pela perda do rei ou integrante da família real e da nobreza.

1. Portugal na morte de um rei: exéquias de D. Pedro II

Os rituais que compunham as cerimônias fúnebres reais constituíam-se em uma

mescla de homenagens que marcavam o reconhecimento da superioridade dos reis - os

maiores beneficiários de um sistema simbólico que fazia deles os vassalos de Deus -, e

simbolizavam, através dos atos que compunham a homenagem, o poder do monarca e o

desejo de perpetuação da fé católica251.

Portugal vivenciou muitas celebrações públicas de pesar pelas mortes de seus reis.

Trazemos como exemplo a realização das exéquias realizadas na cidade do Porto, no ano de

1706, em virtude do falecimento de D. Pedro II, e o documento que nos serviu de guia é um

dos poucos disponíveis que apresentam todas as etapas constitutivas do cerimonial fúnebre

real, os espaços rituais e personagens participantes, durante as homenagens ao rei morto252.

Essas cerimônias das exéquias tiveram início no dia 25 de dezembro de 1706, com a

leitura, na sessão da Câmara do Porto, de uma Carta Régia comunicando oficialmente a

notícia do falecimento do rei, e orientando todos os súditos portugueses sobre o modo de agir

na situação. No Senado da Câmara da cidade do Porto, além do juiz-de-fora, presidia a sessão

Francisco da Silva Coimbra, e os vereadores António de Távora de Noronha Leme, e José

Borges Monteiro, também estavam presentes o procurador da cidade, José da Costa Correia, e

os procuradores do povo, Pedro Francisco, e Pedro Cardoso. Durante a sessão, em um

251 FERNANDES, Dirce Lorimier. Liturgias barrocas. In: Territórios e Fronteiras – Revista do PPGHIS da UFMT, vol. 3, n°1, jan/jun. 2002. p. 95. 252 Para a descrição das exéquias reais de D. Pedro II, realizadas no Porto, em Portugal, valemo-nos do relato apresentados por: BASTO, Artur de Magalhães. Na morte de um Rei. In: Revista de Estudos Históricos: Boletim do Instituto de Estudos Históricos da Faculdade de Letras do Porto nº 03 – setembro/dezembro 1925, p. 135-148.

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primeiro ato simbólico, todos os oficiais da Câmara beijaram a Carta Régia de aviso do

falecimento e a puseram sobre suas cabeças, declarando que estavam prontos a cumprir as

determinações do novo soberano D. João V, da realização das exéquias reais em sinal de dor

pela morte de seu antecessor D. Pedro II.

Imediatamente trataram os oficiais camarários dos preparativos para as celebrações

fúnebres, de acordo como haviam praticado por ocasião do falecimento do D. João IV,

começando pelas solenidades do “pranto” e da “quebra dos escudos reais”. Os vereadores

escreveram ao Mestre de Campo, Francisco da Veiga Cabral, solicitando autorização para

convocar as Companhias de Ordenanças destinadas a guarnecerem os lugares de maior

concentração da população e da própria realização das cerimônias fúnebres, evitando-se, desta

forma, contratempos. Além disso, os oficiais camarários lançariam os “pregões” ou anúncios

divulgadores do acontecimento da morte do rei, o tempo de duração do luto e as datas e locais

cerimoniais. Saíram para divulgar as notícias pelas principais ruas e largos da cidade do Porto

vestidos de preto, e acompanhados por repiques abafados de caixas cobertas também por

tecidos pretos, organizados em duas fileiras – uma de quatro homens e outra de três, usando

barretes e gravatas de tecido preto. Vestidos da mesma maneira seguiam-nos três porteiros da

Câmara, um dos quais faziam o anúncio à população. Compunham também o grupo dois

meirinhos, vestidos com capas compridas, dois escrivães das Varas, e o guarda da Câmara,

empunhando varas pretas.

Esses oficiais camarários, ao percorrer a cidade, ressaltavam principalmente o início

do luto, frisando a respeito da obrigatoriedade do uso dos trajes adequados durante esse

período representativo de recolhimento e tristeza, cujo não cumprimento era cabível de

punição. O luto a ser cumprido era de dois anos, e deveria ser exibido nas vestimentas; no

primeiro ano, pelo uso de tecido negro, principalmente na capa comprida, e no segundo ano,

pelo uso de algum sinal representativo da morte, como faixas de tecido preto na roupa ou no

chapéu. A punição pelo não cumprimento do luto era a de cem cruzados para os nobres e

membros de famílias abastadas, e de seis mil réis aos pobres, quantias essas direcionadas aos

cofres da Câmara do Porto.

Os oficiais camarários também enviaram correspondência ao bispo da cidade,

comunicando que a Câmara estaria presente nas exéquias reais realizadas pela Igreja, em

“corpo de câmara”. Segundo o juiz-de-fora, Francisco da Silva Coimbra, o Senado da Câmara

tinha o dever de promover as demonstrações profanas de sentimento, como o “ato do pranto”,

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a “quebra dos escudos reais” e do “pregão do luto”, e de se fazerem representar nas

cerimônias que as autoridades eclesiásticas mandassem celebrar.

Para a cerimônia da “quebra dos escudos reais”, carpinteiros construíram três

tarimas, espécie de tablado, sob dossel, com dois degraus, uma colocada no largo da Sé, no

Largo da Ribeira, e outra no Largo das Freiras de São Bento, principais pontos de movimento

e circulação de pessoas na cidade do Porto. Os estrados foram cobertos com tecido preto, e no

meio de cada um foi colocado uma espécie de banco, também revestido de preto. No meio do

banco havia uma ponta, para facilitar a quebra dos escudos reais. Todo o ato era acompanhado

por contínuo dobrar de sinos das igrejas da cidade.

Saindo da Casa da Câmara, empunhando suas varas pretas, caminhavam os dois

almotacés: Fernão Camelo de Miranda, fidalgo da Casa Real, e João Soares de Carvalho, o

vereador mais velho do ano antecedente, ou seja, de 1705. Acompanhavam-nos o meirinho da

saúde, com vara preta, e o escrivão da almotaçaria, todos vestidos de luto. Em seguida vinha o

vereador mais velho do ano de 1706, Francisco Pereira de Vasconcelos, o “embandeirado”,

que carregava a “bandeira”, um longo pano preto. Logo atrás seguiam o Corregedor da

Comarca, o Juiz de Fora, o procurador da cidade e respectivo escrivão, com suas varas pretas,

mais os três vereadores, cada um deles levando à mão as Armas Reais, pintadas com cores

tristes em um escudo feito de tábua, com fundo negro. Cada vereador levava também o

escudo real ao peito, como medalhas. Seguia também o cortejo o guarda do Senado, com

roupão longo, levando no braço as varas dos três vereadores. Após os oficiais camarários

seguiam o juiz ordinário, os procuradores do povo com suas varas pretas, e em seguida os

membros da nobreza e das famílias de mais posses.

Às portas da Casa da Câmara, o vereador mais velho, Francisco Pereira de

Vasconcelos montou em um cavalo que estava todo coberto com um longo pano pretão, que

se arrastava como uma grande cauda pelo chão, e à sua frente caminhavam os almotacés e

todos os demais oficiais camarários e autoridades políticas. Fechando o cortejo, seguia uma

Companhia de Ordenanças com as “armas em funeral”. O dobrar dos sinos conferia

solenidade e tristeza à cerimônia.

Ao chegar ao Largo da Sé, o vereador Francisco Pereira de Vasconcelos aproximou-

se do tablado, ficando em posição voltada para o Corpo da Câmara, que seguia no cortejo. Em

seguida, aproximaram-se dois meirinhos, com suas varas pretas, e fizeram uma profunda

reverência aos membros do senado, dentre os quais se destacava um vereador levando seu

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escudo real. Os meirinhos avançaram para o estrado, seguidos por esse vereador, atrás do qual

caminhava o Guarda da Câmara, agora com uma só vara no braço. Os meirinhos pararam nos

degraus, e o vereador passou entre os dois homens curvados em reverência, subiu os degraus

do estrado e dirigiu-se, seguido pelo Guarda, para o banco. Neste ponto da cerimônia, o

vereador que estava a cavalo, tendo uma das mãos ocupada com a rédea, e a outra com a haste

da bandeira, proferiu as seguintes palavras: “Chorai nobres, chorai povo, que morreu o vosso

rei Dom Pedro II, e aquelas são as suas armas”. Após essas palavras, o escudo real foi

quebrado na ponta aguda do banco, no tablado do Largo da Sé. Em seguida, recebeu o

vereador sua vara das mãos do guarda da Câmara, descendo do tablado acompanhado dos

meirinhos que o estavam aguardando.

Durante esse rito fúnebre, os membros do Senado da Câmara haviam tirado os seus

chapéus, e ao final juntaram-se ao vereador que havia realizado a solenidade. Somente após a

finalização da cerimônia no Largo da Sé, que o vereador mais velho, Francisco de Pereira

Vasconcelos, que estava a cavalo ficou de costas para o Corpo da Câmara, e seguiu em

marcha aos largos da Ribeira e de São Bento, para repetir o mesmo cerimonial.

Após essas demonstrações profanas de dor pelo falecimento real, seguiram todos

para a Sé da cidade do Porto, para as cerimônias religiosas, para a qual contribuíram com

donativos para a construção de um mausoléu representativo do rei, ato solene importante. No

mausoléu, sendo uma representação do cadáver real, uma realidade era representada e se

evocava a ausência, sugerindo a presença.

Sendo uma representação do cadáver real, o significado implícito no mausoléu

oscilava entre a evocação e a substituição, a exemplo dos manequins de cera, madeira ou

couro, que eram depositados sobre o catafalco real, durante os funerais dos soberanos

franceses e ingleses, como o leito fúnebre vazio e coberto com um lençol mortuário que mais

antigamente representava o soberano defunto. Esses manequins de cera, nos séculos XV e

XVI, colocados ao lado do cadáver exprimiam, de forma palpável, a teoria jurídica do duplo

corpo do rei. De um lado o manequim, o corpo eterno do rei, e de outro, o cadáver, o corpo

efêmero do soberano como indivíduo. As imagens de cera utilizadas durante os funerais dos

imperadores romanos nos séculos II e III eram muito semelhantes àquelas de cera, madeira ou

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couro dos reis franceses e ingleses exibidas, em circunstâncias análogas, um milênio

depois253.

Na Roma dos séculos II e III acontecia uma dupla incineração: a do corpo do

imperador e dias depois a da sua imagem de cera. Com essa prática fúnebre, os imperadores,

que já haviam abandonado seus despojos mortais, eram recebidos entre os deuses. Neste caso

da dupla incineração dos corpos em Roma, e de maneira análoga nos casos francês e inglês

com o uso dos manequins de cera, madeira ou couro, a morte não constitui o fim da vida do

corpo no mundo; a morte como acontecimento traumático para a comunidade – verdadeira

crise- é dominada mediante a adoção de ritos que transformam o acontecimento biológico

num processo social, controlando a passagem do cadáver putrescente a esqueleto. Com a

utilização de manequins ou imagens nos funerais o rito fúnebre não se tornava definitivo, mas

eternizador. O imperador romano era consagrado deus, e os reis ingleses e franceses, em

virtude da afirmação da perenidade da função monárquica, não morriam nunca254.

2. Exéquias reais na América portuguesa

As cerimônias de exéquias praticadas na América portuguesa seguiam o mesmo

programa litúrgico católico de Portugal. Quando reais, ou seja, realizadas por ocasião do

falecimento de rei ou rainha, elas eram manifestações rituais regidas por ordens régias, e

deveriam apresentar pompa e demonstrações de tristeza compatíveis com a perda. Essas

manifestações póstumas eram marcadas por funerais simbólicos e missas para sufrágio da

alma do morto, culminando com o enterro simbólico, já que não havia corpo. Embutida

nessas práticas havia uma tradição já institucionalizada e ritualizada. Na colônia, quando da

253 GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Cia das Letras, 2001, p. 85-86. 254 Idem, p. 88-96.

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morte dos reis, todos deveriam ficar de luto e prestar homenagem ao morto, em sinal de

respeito, mesmo que o soberano nunca tivesse estado fisicamente no local255.

As exéquias reais celebravam a monarquia no momento em que a figura real se via

momentaneamente suprimida. Num mundo ordenado segundo privilégios, a celebração da

morte lembrava que o destino dos homens era comum para reis e vassalos, o que não

significava, no entanto, que estes fossem iguais256. O rei e seus vassalos se sujeitavam a Deus,

e aceitavam sua finitude. A morte trazia o rei para perto de seus súditos vassalos,

demonstrando que também era mortal257.

Para a elaboração de uma exéquia real, providências eram tomadas em todos os

confins do Império. Capitães generais, oficiais camarários e militares, clérigos, comerciantes,

membros de irmandades religiosas recebiam ordens de preparar o necessário para a prestação

de homenagens ao rei morto258. Os símbolos da monarquia portuguesa deveriam compor o

cenário de realização dos ritos públicos, assim como deveria ser construído um grande e

vistoso mausoléu, pois através da encenação da morte, da presença simbólica do cadáver do

monarca é que os súditos entrariam em clima de oração e respeito pela alma de seu rei, em um

ato de solidariedade entre vivos e mortos.

Nesse cenário cerimonial, os trajes, a cor preta e o posicionamento de cada pessoa

em cada ato ritual, conforme a função que exercia na vila eram símbolos que indicavam

códigos de conduta social. Cada gesto, fala, posicionamento eram carregados de simbolismo e

significado, e seu cumprimento garantia a manutenção dos lugares a serem ocupados na

sociedade colonial, onde cada um possuía seu lugar nas procissões e nos assentos no interior

das igrejas. A cerimônia de exéquia real seria realizada na matriz, sede do poder religioso da

255 JESUS, Nauk Maria de. A ‘cabeça da República’ e as festividades na fronteira oeste da América portuguesa, in ROSA, Carlos Alberto e JESUS, Nauk Maria de (orgs.). A terra da conquista: história de Mato Grosso Colonial. Cuiabá: Adriana, 2003, p. 112-113. 256 SOUZA, Laura de Mello e. Festas Barrocas e vida cotidiana em Minas Gerais, in: JANCSÓ, István e KANTOR, Íris (orgs.). Festa. Cultura e sociabilidade na América portuguesa. São Paulo: EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001, p.194. 257 SOUZA, 2001, p.195. 258 APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Carta do rei D. José ao governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso comunicando a morte de D. João V. Lisboa, 05 de agosto de 1750.

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vila, igreja mais importante, local de reunião de irmandades cujos membros eram

provenientes das famílias abastadas da sociedade colonial259.

Na América portuguesa, a ausência do corpo do soberano durante os rituais

transformava as cerimônias em celebrações de uma monarquia distante260. Para preencher

esse espaço, construía-se um mausoléu, junto ao altar mor da igreja matriz, semelhante aos

que eram construídos em Portugal. Duas imagens de mausoléus são apresentadas abaixo,

sendo o primeiro erigido na Capitania de Minas Gerais, e o segundo em Lisboa, por ocasião

das exéquias de Dom João V.

259 ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980, p.187-197 (Debates; n°35). 260 SOUZA, 2001, p. 185-189.

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Imagem nº 07 - Mausoléu da Capitania de Minas Gerais. Fonte: ÁVILA, 1980, p.257

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. Imagem nº 08 - Mausoléu construído em Lisboa. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.

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Arquitetura simbólica efêmera, o mausoléu era um obelisco funerário levantado no

altar-mor, junto ao local da consagração da Eucaristia, momento de maior importância na

liturgia católica. O cenário era cuidadosamente adornado com o que de melhor a vila pudesse

oferecer em termos de arte e enfeites, não faltando tecidos pretos, passagens bíblicas ligadas à

morte e à figura do falecido, canutilhos, gessaras, adornos em ouro, estátuas, às vezes caveiras

com foices, coroas, como se pode observar nas imagens apresentadas (Figuras 07 e 08). O

mausoléu era abençoado pelo vigário, como se desta forma o cadáver e a alma também o

pudessem ser. Com isso, o rei morto recebia mais orações e missas do que qualquer outra

pessoa abastada do reino, demonstrando clara diferenciação social, mesmo no momento da

morte261.

O mausoléu era elevado com a maior pompa possível, pois representava o próprio

rei, elemento material a ativar a memória dos súditos sobre seu pertencimento a um Império, a

um rei, a uma Coroa, considerada imortal. Essa construção efêmera era a expressão máxima

da linguagem política e cultural praticada nas exéquias reais, representação de uma realidade

de múltiplos sentidos262, de um acontecimento distante no tempo e no espaço, de uma prática

cultural que não dispensava intencionalidade. Essa construção material e simbólica exibia

uma ausência por uma presença263, lembrando que o rei não pertencia mais ao mundo físico,

colocando em prática mecanismos, através dos quais um grupo impunha sua concepção de

mundo social, seus valores.

Os detalhes decorativos fúnebres contidos no mausoléu eram minuciosos. Voltados

para as representações da morte havia caveiras, esqueletos de estatura natural sentados em

colunas, portando foices e escudos, esqueletos cobertos de tecido preto, coroas, anjos, velas,

cruzes, tudo em meio a brocados, veludos e sedas. Alguns destes detalhes podemos observar

na Figura 08.

Os atos rituais praticados em memória do rei falecido objetivavam fixar na

lembrança dos colonos, através da visualização do mausoléu e das representações do luto, a

lembrança do rei morto, a imortalidade da Coroa portuguesa, seu pertencimento ao Império, e

261 AHU – NDIHR - Doc. 360. Ofício de Antônio Rolim de Moura Tavares a Diogo de Mendonça Corte Real, sobre as cerimônias realizadas pela morte do rei D. João V. Vila do Cuiabá, 06 de agosto de 1751. 262 CHARTIER, Roger. História Cultural. Entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p. 13-28. 263 Idem, p.13-28.

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o papel que representava no espaço em que vivia. O que se pretendia é que essa memória

fosse ativada sempre que se adentrasse a matriz.

As cerimônias públicas das exéquias reais contribuíram também para o enraizamento

das estruturas de poder local na América. Inseridas na lógica da cultura política da Época

Moderna, as pessoas recebiam, ofereciam e retribuíam nas ocasiões festivas, colocando em

circulação solidariedades, mercadorias, costumes e regras que orientavam a vida social. Fosse

ao financiamento das armações efêmeras, da iluminação pública, dos fogos de artifício e

divertimentos públicos, ou mesmo diante da prática da etiqueta ou a exibição da pompa,

impunha-se uma ordenação formal a um mundo aparentemente instável264.

Na documentação consultada, juntamente com os avisos de falecimentos reais, dos

sinais de piedade católica presentes no momento de morte dos soberanos e membros da

realeza, há o registro de que havia sido uma “boa morte”, ou seja, acompanhada por todos os

ritos de encomendação da alma, incluindo o recebimento dos sacramentos cristãos265. Desta

forma, eram registrados todos os cuidados que tiveram os súditos com a preparação do corpo

e da alma dos seus soberanos, para que estes não fossem parar em mau lugar no pós-morte, no

inferno. Eram ressaltadas também as virtudes e práticas do soberano enquanto vivia. A

recorrência à boa justiça e eqüidade tornava sua imagem a de um bom soberano, e seu

sucessor também desejava e pedia a Deus que seu governo também o fosse266.

As cerimônias fúnebres que compunham as exéquias reais deveriam provocar fortes

emoções de dor pelo falecimento dos reis e pessoas reais, coerentes com elementos do barroco

que as compunham: apelo à crueldade, ao sofrimento e ao martírio267. O poder e o prestígio

do morto deveriam ser evidentes, visíveis, em uma sociedade de poucos letrados268, na qual os

sinais externos estabeleciam os lugares sociais de cada um. Cada ato, gesto ou palavra possuía

um sentido cerimonial, sempre de homenagem ao morto ilustre. As emoções formalizadas,

convertidas em espetáculo, o sentimento de perda manifesto com ruídos, eram estratégias que

auxiliavam no processo de equilíbrio da sociedade, e reafirmavam o poder real. 264 JANCSÓ, István e KANTOR, Íris. Falando de festas, in: JANCSÓ, István e KANTOR, Íris (orgs.). Festa. Cultura e sociabilidade na América portuguesa. São Paulo: EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001, p.11. 265 APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Carta do rei D. José ao governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso comunicando a morte de D. João V. Lisboa, 05 de agosto de 1750. 266 APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Carta do rei D. José ao governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso comunicando a morte de D. João V. Lisboa, 05 de agosto de 1750. 267 FERNANDES, 2002, p. 104. 268 RIBEIRO, Renato Janine. A etiqueta no Antigo Regime. São Paulo: Brasiliense, 1983. p.12.

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Na Capitania de Mato Grosso, o primeiro rei homenageado com uma cerimônia de

exéquia foi D. João V, no ano de 1751, na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá.

Contudo, a vila capital não pôde prestar as devidas homenagens ao rei morto por não contar

com edificações condizentes com a importância da cerimônia269. Vila Bela da Santíssima

Trindade prestou sua primeira homenagem fúnebre a um rei em 1778, por ocasião da morte

do rei D. José I.

Logo após o recebimento da notícia do falecimento do rei ou de membro da família

real ─ que chegava, muitas vezes, um ano após o ocorrido ─, o governador e capitão general

avisava às Câmaras municipais sobre o fato, para que as mesmas pudessem estabelecer as

datas adequadas para a realização dos rituais. Foi o que fez Luís Pinto de Sousa Coutinho,

com relação à morte da infanta D. Maria Francisca Dorotéa, em 1771, ficando o Senado da

Câmara vilabelense incumbido de organizar as cerimônias das exéquias, convocando todos os

segmentos sociais270.

A Câmara de Vila Bela, como primeiro passo após recebimento da “infausta notícia”

de falecimento real, fazia a publicação da notícia por meio de edital, notificando as

irmandades religiosas, o clero, autoridades e colonos sobre as datas das cerimônias fúnebres, e

sobre o tempo estipulado para o luto. À Câmara vilabelense caberia também informar à Corte

portuguesa ─ em cumprimento à Real Provisão ─, sobre o cumprimento de todas as etapas

relativas às cerimônias, sobretudo quanto às despesas feitas naquelas “tristíssimas

ocasiões”271.

Nas Casas da Câmara de Vila Bela da Santíssima Trindade e da Vila Real do Senhor

Bom Jesus do Cuiabá foi realizado o ritual do “quebramento das varas”. As varas

representativas de cada cargo político eram fragmentadas, quebradas por seus ocupantes; esse

processo era iniciado pelo juiz-de-fora, e em seguida pelo almotacé, alcaide e porteiro. Após a

“quebra das varas”, as janelas eram fechadas, e os sinos tocavam de hora em hora, durante

269 APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1770-1779. Oficiais da Câmara de Vila Bela da Santíssima Trindade a Luiz de Albuquerque. Vila Bela 30 de dezembro de 1777. 270 APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Ofício comunicando à câmara de Vila Bela a morte da infanta D. Maria Francisca Dorothea. Vila Bela, setembro de 1771. 271 AHU – NDHIR - Doc. 1781. Carta de Caetano Pinto de Miranda Montenegro à rainha D. Maria, sobre o cumprimento da provisão régia que ordena que as Câmaras pratiquem as formalidades de funerais e exéquias das pessoas reais. Vila Bela, 10 de junho de 1798.

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três dias272. Os sinos também dobravam da mesma forma na igreja matriz, nas suas filiais e na

cadeia pública, e seu repicar era o modo mais utilizado para comunicar acontecimentos

importantes aos moradores, e, no caso, também marcava o início do luto geral pela morte de

soberanos portugueses.

O luto era anunciado junto com a notícia da morte dos reis aos moradores de Vila

Bela e da Vila Real, por suas Câmaras municipais. Os moradores ainda socializavam as

informações transmitidas pelas Câmaras aos demais moradores dos arraiais do termo. O

tempo estabelecido para o luto geralmente era de um ano, devendo ser “rigoroso” nos

primeiros seis meses, e “aliviado”, nos últimos seis. No primeiro semestre do luto, todos os

oficiais, corpos militares pagos, porta-estandarte e bandeira deveriam vestir-se com meias e

calções pretos e uma tarja de pano preto na manga da camisa273. Os oficiais inferiores e

soldados colocavam, nesse período, faixas negras nos chapéus274. O luto explicitava a tristeza

e a dor sentida por todos os súditos pela perda de um membro da família real, devendo ser

visível, mesmo para aqueles que não faziam a menor idéia do seu significado. Os tecidos

negros nas roupas ou nos chapéus mostravam que os dias de luto não eram como os outros275.

No terceiro dia após o ritual da “quebra das varas”, nos principais largos das vilas,

dava-se início à cerimônia fúnebre da “quebra ou fração dos escudos reais”, símbolo

representativo da Coroa portuguesa que era suprimido, partido, sinal da dor que afetava os

membros da família real portuguesa, a corte e a todos os seus súditos vassalos. Joaquim da

Costa Siqueira registrou, na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, esse ritual, em honra

a D. José I, em 1778:

[...] se quebraram os escudos reais pelos três vereadores da mesma câmara, a

saber: o primeiro pelo vereador mais velho, o capitão Benedito do Amaral

Coutinho, no largo da praça da cadeia, tendo precedido antes uma fala pelo

escrivão dela, que estava montado em um cavalo negro, ajaezado de negro, e

com uma bandeira negra bastantemente comprida, cujas pontas arrastavam

272 SIQUEIRA, Joaquim da Costa. Crônicas do Cuiabá. Cuiabá: Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, 2002, p.112 (Publicações Avulsas; n° 53). 273 Tecido utilizado nessas funções, escolhida a cor preta, que é representativa da morte no Ocidente cristão. 274 AMADO & ANZAI, 2006, p. 266. 275 AHU – NDHIR – Doc. 1178. Ofício de Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres a Martinho de Melo e Castro sobre a morte de D. José e o luto de um ano, seis meses rigorosos e seis aliviados. Vila Bela, 28 de dezembro de 1777.

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pela terra, e nela as Armas Reais cobertas com fumo negro; o segundo na

outra praça, defronte das casas de João Ferreira de Oliveira Villar, pelo

segundo vereador, o tenente Joaquim da Costa Siqueira, precedendo a

mesma fala de que tratamos; o terceiro pela mesma forma dos primeiros,

defronte ao Armazém Real, pelo doutor José Manoel Martins que foi

convocado na falta do terceiro vereador, o sargento-mor de ordenanças

destas minas, José Paes das Neves, que estava impedido.[...] Compunha-se o

corpo com que se fez este fúnebre ato dos oficiais da câmara, almotacés,

republicanos, letrados, escrivães, requerentes e mais oficiais de justiça e

porteiro da câmara, todos de capas compridas que metiam mesmo horror. O

escrivão ia adiante, acompanhado de fuzileiros do regimento auxiliar, de que

era capitão, que o cobria José Gomes da Silva, todos com fumos nos braços

e com as armas em funeral. Completou-se o ato com três descargas que

ultimamente deu a companhia à porta da câmara.276

São ricos os detalhes da descrição feita por Joaquim da Costa Siqueira, que registrou

cerimônia semelhante à acontecida na cidade do Porto. As principais ruas das vilas coloniais

eram buscadas como espaços celebrativos por constituírem-se locais de maior movimentação,

com grande circulação de pessoas. As hierarquias locais eram reafirmadas na “quebra dos

escudos reais” por cada vereador, conforme o tempo de vereança de cada um. Nesses

momentos, evidenciava-se o prestígio dos representantes locais do poder metropolitano,

transformados em verdadeiros agentes mediadores entre as localidades e o centro da

monarquia, em momentos de celebração do corpo místico sobre o qual se fundava o Império

luso277.

Na “quebra dos escudos reais” para conferir solenidade às cerimônias fúnebres,

semelhante ao ato praticado na cidade do Porto, o escrivão da Câmara seguia montado em um

cavalo negro, coberto de negro, segurando uma bandeira negra comprida, cujas pontas

arrastavam-se pelo chão, e nela as Armas Reais cobertas com pano negro; a oficialidade

presente trazia tarjas negras nos braços e as armas “em funeral”. Os escudos representativos

276 SIQUEIRA, 2002, p.112. 277 JESUS, 2003, p.106.

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do poder da Coroa eram quebrados da mesma forma como em Portugal, ou seja, nas

principais ruas, largos ou praças dos espaços urbanos, por vereadores da Câmara municipal278.

As cerimônias religiosas das exéquias reais eram presididas por um representante da

Igreja, e os rituais eram realizados na matriz das vilas. Bênçãos eram lançadas pelo vigário em

prol do bem estar da alma do falecido, que se acreditava ocupar espaço ao lado de Deus, e as

cerimônias eram intercaladas com música e descargas de tiros, no começo e ao final. Selava-

se, desse modo, o contrato entre senhor e vassalos, entre Deus e os homens, entre o rei e os

seus súditos. As exéquias confirmavam e reforçavam a idéia da ligação do rei com Deus, elo

simbólico indispensável para aquele momento em que o poder deveria contar com a fidelidade

dos fiéis. O que era encenado, dado a ver e ouvir, provocava vivas emoções de pesar. Na

igreja, em meio às Aleluia e Te Deum, leitura de textos bíblicos referentes ao momento

celebrado, e às descargas de tiros que solenizavam a manifestação, os fiéis se emocionavam.

Nas exéquias de D. José I, realizadas na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá,

no ano de 1778, o reverendo Bento de Andrade Vieira, natural da cidade de São Paulo,

comoveu a todos que participavam da cerimônia pelas lágrimas que derramou enquanto

relatou os feitos do rei morto. Portanto, mesmo havendo uma considerável distância entre os

espaços europeu e ultramarino, os atos fúnebres despertavam emoções que auxiliavam a

tornar presente uma ausência.

Joaquim da Costa Siqueira, vereador da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá,

descreveu o mausoléu construído para representar a morte do monarca D. Pedro III, na igreja

matriz da vila, no ano de 1787:

[...] as pompas das exéquias que se determinaram, levantando-se na mesma

igreja um mausoléu, não só muito elevado que chegou ao teto, como muito

rico e muito pomposo, com várias inscrições e passagens da Sagrada

Escritura alusivas ao assunto e virtuoso do mesmo soberano. Orou nesta

ocasião o reverendo promotor Ignácio da Silva de Albuquerque, e concluiu-

se esta fúnebre ação com três descargas, que deu a tropa miliciana.279

278 AHU – NDHIR - Doc. 1781. Carta de Caetano Pinto de Miranda Montenegro à rainha D. Maria, sobre o cumprimento da provisão régia que ordena que as Câmaras pratiquem as formalidades de funerais e exéquias das pessoas reais. Vila Bela, 10 de junho de 1798. 279 SIQUEIRA, 2002, p. 22.

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Em Vila Bela também houve manifestação pelo falecimento de D. Pedro III, no ano

de 1787. Nesse ano, ordenou Luís de Albuquerque que o Senado da Câmara vilabelense

anunciasse à população o ocorrido, bem como as solenidades fúnebres a serem praticadas,

juntamente com o luto que todos deviam mostrar. Os oficiais camarários e militares, os

auxiliares de porta-estandarte e bandeira ficariam no tempo de seis meses vestindo meias e

calções pretos e uma faixa de tecido da cor preta no braço; os oficiais inferiores e soldados

também demonstrariam luto, usando nesse mesmo tempo uma faixa de tecido preto nos

chapéus280.

Outra descrição feita pelo cronista Costa Siqueira nos apresenta ricas descrições do

mausoléu das exéquias reais de D. Maria I, realizadas nos anos iniciais do século XIX, em

1816, registros significativos de continuidades de práticas culturais realizadas no século

XVIII:

[...] de figura oitavada em forma piramidal. Tinha todo o corpo vinte palmos

de alto desde o último e superior degrau, e dez de largura, o qual se

compunha de quatro corpos parciais, cobertos de veludo preto, e ornados de

ricos galões e folhagens de fino ouro e prata, que sobremaneira o

aformoseavam e enriqueciam. Os primeiros dois corpos se ornavam pelas

suas faces com oito tarjas douradas, dentro das quais se viam finalmente

escritas em fitas de prata várias dísticos em latim.[...] O terceiro corpo, em

que se representava estarem as cinzas da mesma Senhora, mostrava nas

quatro faces principais as reais quinas lusitanas ornadas com primoroso

gosto. Em o quarto e último corpo se sustentava uma proporcionada

almofada de veludo preto, guarnecida de galões e borlas de ouro, sobre a

qual descansava a coroa e o cetro de prata guarnecidos de jóias de diamantes

e outras pedras preciosas. Esta máquina era sustentada a oito quartões de três

e meio palmos, pintados da cor de alabastro, com filetes dourados, de cujas

volutas pendiam de um a outro lado festões também dourados, os quais

estavam assentados em um estrado de três degraus, de fingido mármore azul,

cuja superfície se via pintada de um xadrez azul e branco [...].281

280 AMADO & ANZAI, 2006, p. 266. 281 SIQUEIRA, 2002, p. 97-98.

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Ainda segundo Siqueira, no mesmo mausoléu havia quatro “horrorosos esqueletos”

com mantos de cavaleiro da Ordem de Cristo, sobre outros tantos pedestais fronteiros aos

quatro cortes angulares. Os dois esqueletos que fronteavam a porta principal da matriz

empunhavam, um o cetro régio, e o outro, uma coroa. Os esqueletos que estavam de frente ao

altar-mor sustentavam a real púrpura e uma foice.

Na frente daqueles pedestais, cujos plintos eram de fingido alabastro, e os

corpos de mármore azul em campo branco, estavam escritas adequadas

inscrições latinas.[...] Esta sublime obra estava no meio de quatro colunas de

ordem corintia, que subiam à altura de vinte palmos, de mármore azul

fingido, cintadas de folhagens douradas, com capitéis também dourados, em

os quais se firmavam quatro jarros prateados, e sobre elas se erguiam arcos

em que se suspendia a cúpula do pavilhão, que também era de veludo

guarnecido de galões e franja, borlas e folhagens de ouro, e rematava com

um florão até à altura de trinta e dois palmos, mostrando para os dois lados

fronteiros ao altar-mor e à porta principal da igreja as reais quinas

lusitanas.[...] Sobre os quatro lados do primeiro banco estavam assentados

quatro jarros prateados, em que se depositaram odoríferos perfumes, que

incessantemente exalavam colunas de fumo e incensavam a majestosa urna

que lhe ficava superior.282

O mausoléu era sinônimo da viva lembrança da vida do monarca, edificado pelos

colonos como sinal disso, construído tanto na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá

quanto em Vila Bela da Santíssima Trindade, no interior da igreja matriz, durante as

cerimônias de exéquias reais. Segundo os camarários da Vila Real do Senhor Bom Jesus do

Cuiabá, caso eles não mandassem construir o mausoléu, o que haveria seria apenas um sinal

de sentimento feito pelo vigário, manifestação indigna da grandiosidade da imagem e da

pessoa do monarca283.

Em honra da “monarquia distante” eram convocados para a liturgia fúnebre real todo

o clero, irmandades, o melhor orador e os melhores músicos, que deveriam participar de todos

os rituais. O mestre de campo era o responsável pelo corpo de Aleluias que faziam parte das

exéquias, juntamente com o Te Deum. Toda a despesa do mausoléu, da música, do orador, da 282 Idem, p.98. 283AHU – NDHIR – Doc. 1383. Carta dos oficiais da Câmara à rainha D. Maria, em que pedem restituição dos gastos com as exéquias de D. Maria Vitória, mãe da rainha. Vila do Cuiabá, 12 de novembro de 1782.

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pólvora utilizada nas descargas de tiros, da cera, seria repartida entre clero, irmandades e

pessoas de governança, além dos bens do Conselho. Tudo seria comprado conforme ordens do

Senado, que administraria as receitas e despesas provenientes de suas respectivas vilas. A cera

era utilizada para iluminar os ambientes e também para fixar os papéis que comunicavam os

falecimentos e as datas dos rituais por toda a vila. Escravos eram pagos pela Câmara pelos

serviços prestados na preparação dos locais celebrativos ─ objetos eram comprados para

compor o cenário, sendo preciso madeira, canutilhos, caixas de baeta preta, gessaras, latas

para fazer coroas para compor o mausoléu, ferrões, além dos incensos que aromatizavam o

interior da igreja matriz, conforme vemos no relato documental abaixo:

Relação do que tenho despendido por ordem deste Senado da Câmara

Pelo que paguei a Francisco José de Oliveira da música com que se assistiu

com o Funeral do Senhor Rei Dom José como consta do recibo em claro, a

quantia de trinta e seis oitavas ______________________________36/8

Pelo que se assistiu aos oficiais do mesmo Senado no ofício, a cada um uma

libra de cera a oitava, oito oitavas_______________________________8/8

Pelo que paguei de cera da terra para pregar os papéis da Exéquia, uma

oitava, digo,um quarto e oitava_______________________________1/4/80

Pelo que paguei a Alexandre (sobrenome não compreendido) levaria coisa

que compraram para (palavra não compreendida) a quantia de sete oitavas

meia e um réis_________________________________________7/8 ½ 100

Pelo que paguei a Antônio Monteiro Braga de tábuas que se compraram

para a mesma, cinco oitavas e meia____________________________5/8 ½

Por 3 caixas de baeta preta que se compraram para a mesma função, três

oitavas_____________________________________________________3/8

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Pelo que paguei de jornais de pretos que andaram trabalhando na mesma,

quatro oitavas e meio_______________________________________4/8 ½

Pelo que paguei a Francisco da Costa Teixeira de várias miudezas que se

compraram para a mesma, três oitavas, três quartos, cento e vinte

réis_________________________________________________3/8,3/4,120

Pelo que paguei a Manuel José de Azevedo de coisas que se compraram

para a mesma, seis oitavas, oitenta réis________________________6/8 , 80

Por um cinto de arestas _______________________________________1/4

Pelo que paguei a Francisco José de assistir ao perfume do ofício, cinco

oitavas_____________________________________________________5/8

Por duas folhas de lata para a Coroa, oitava e meia_______________1/8, ½

Por dois molhos de canutilho, meia oitava ________________________1/2

Pelo que paguei ao ferreiro de uns ferrões para a Exéquia, três quartos e

oitenta réis_______________________________________________3/4,80

Pelo que paguei ao capitão Belchior, por três dúzias de gessaras, oitava e

meia__________________________________________________1/8, ½

E nada mais se continha e na dita relação a qual me reporto e dou fé, Vila

Bela, 12 de setembro de 1797. Eu, Luís Venâncio de Pina, escrivão da

Câmara que escrevi e assinei284.

Os oficiais reais assistiam à função junto ao estandarte real, vestidos com roupas de

gala, com “capa e volta”, e ocupando lugares reservados sempre próximos ao altar onde eram

284 AHU – NDHIR - Doc. 1781. Carta de Caetano Pinto de Miranda Montenegro à rainha D. Maria, sobre o cumprimento da provisão régia que ordena que as Câmaras pratiquem as formalidades de funerais e exéquias das pessoas reais. Vila Bela, 10 de junho de 1798.

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presididas as exéquias285. Para o início às cerimônias, os participantes, em procissão,

dirigiam-se à matriz. Na entrada da igreja eram recebidos pelo vigário, que aspergia ao juiz

presidente com água benta, e em seguida a todos os outros participantes286. Em seguida,

aspergia-se o capitão general. Isto reforçava a diferenciação social contida nas cerimônias: a

aspersão era feita primeiramente no representante maior da Coroa, e depois para seus

primeiros representantes na localidade.

Nesses momentos de eventos públicos, onde a Coroa portuguesa se fazia presente

através de seus representantes na localidade, os oficiais da Câmara recebiam certa quantia

para praticarem o luto e demais rituais fúnebres, as chamadas “propinas”287, variando seu

valor dependendo da posição exercida pelo oficial. Era comum que a reposição das quantias

despendidas nas manifestações das exéquias reais, as propinas, demorassem anos para sair,

fazendo com que os oficias se manifestassem através de correspondências pedindo a

autorização dos soberanos, lembrando que mesmo escrevendo de uma região remota na qual

viviam e asseguravam a estabilidade do Império nos domínios ultramarinos, praticavam os

costumes que ocorriam nas demais vilas da América. Reclamavam que o valor da propina que

recebiam era inferior ao de outras vilas da América portuguesa. Nos pedidos das propinas

seguia sempre em anexo a relação das despesas tomadas no ano da realização das exéquias, e

inclusive de manifestações fúnebres anteriores288.

No ano de 1771 foram realizadas celebrações em Vila Real do Senhor Bom Jesus do

Cuiabá e em Vila Bela da Santíssima Trindade, em prol da alma da “sereníssima infanta Dona

Maria Francisca Dorotea”. Houve elevação de mausoléu, obrigação dos oficiais da Câmara e

do próprio capitão-general. A infanta havia morrido de uma doença crônica, e na

correspondência enviada por Martinho de Melo e Castro, havia determinação do tempo de

285 AHU – NDHIR - Doc. 406. Representação dos juízes ordinários e oficiais da câmara ao rei D. José I. Vila do Cuiabá, ant. a 1753. 286 APMT - Fundo: Câmara do Cuiabá, 1760 a 1779. Ofício dos oficiais da Câmara da Vila do Cuiabá a Luis de Albuquerque. Vila do Cuiabá, 01 de fevereiro de 1778. 287 Cf. AHU – NDHIR - Doc. 406. Representação dos juízes ordinários e oficiais da câmara ao rei D. José I. Vila do Cuiabá, ant. a 1753; AHU – NDHIR – Doc. 1383. Carta dos oficiais da Câmara à rainha D. Maria, em que pedem restituição dos gastos com as exéquias de D. Maria Vitória, mãe da rainha. Vila do Cuiabá, 12 de novembro de 1782; APMT - Fundo: Câmara do Cuiabá, 1772 a 1789. Ofício dos oficiais da Câmara do Cuiabá a Luis de Albuquerque. Vila do Cuiabá, 16 de fevereiro de 1782. 288 AHU – NDHIR – Doc. 1387. Carta dos oficiais da Câmara à rainha D. Maria. Vila do Cuiabá, 12 de novembro de 1782.

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luto: seis meses, dos quais três meses rigorosos, e três aliviados, duração menor que o tempo

estipulado ao luto dos reis, que era de um ano, sendo seis meses rigorosos, e seis aliviados289.

Diferenciações também havia em relação às exéquias de pessoas importantes, como

no caso do falecimento do primeiro governador e capitão-general da Capitania de Mato

Grosso e Cuiabá, Antônio Rolim de Moura. As exéquias do primeiro capitão general não

contaram com a ajuda financeira da Câmara, pois não obtiveram permissão para tal junto ao

rei290.

Necessário enfatizar que não era simples organizar as cerimônias fúnebres. São

constantes na documentação referências às dificuldades de acesso aos produtos utilizados nos

rituais e aos altos valores que eles possuíam, o que fazia com que muitos dos rituais fossem

praticados com o material disponível nas vilas da Capitania. Um exemplo disso é um ofício

enviado pelo capitão general Caetano Pinto de Miranda Montenegro à rainha, dando conta das

poucas verbas existentes na capitania, o que fazia com que nem mesmo pudessem “dar um

testemunho público da sua religião e sentimento com a devida regularidade”291.

Com D. Pedro III, no ano de 1787, não foi diferente das demais mortes. Foram

reproduzidas as mesmas etapas rituais, além de serem também ressaltados seus sinais de

verdadeiro católico, das suas reais virtudes que lhe garantiriam estada ao lado do rei dos reis,

Deus. Com isso, os colonos, ao demonstrarem seus sentimentos na ocasião dos funerais e das

exéquias pela memória dos soberanos e demais membros da realeza, provavam sua fidelidade

como vassalos da colônia portuguesa, realizando sua obrigação enquanto tal diante da morte

do suserano real292.

289APMT - Fundo: Governadoria, 1771 A – Correspondência de Martinho de Mello e Castro a Luiz Pinto de Souza. Lisboa, 14 de janeiro de 1771. 290 APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1783. Oficiais da Câmara de Vila Bela a Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Vila Bela, 04 de julho de 1783. 291 AHU – NDHIR - Doc. 1781. Carta de Caetano Pinto de Miranda Montenegro à rainha D. Maria, sobre o cumprimento da provisão régia que ordena que as Câmaras pratiquem as formalidades de funerais e exéquias das pessoas reais. Vila Bela, 10 de junho de 1798. 292 AHU – NDHIR - Doc. 1499. Ofício de Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres a Martinho de Melo e Castro sobre a notícia da morte do rei D. Pedro III. Vila Bela, 30 de abril de 1787.

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3. A fênix não morre, ressurge das próprias cinzas

O rei só morria no seio dos personagens sociais que compunham o cenário colonial

quando eram realizadas as exéquias, pois era preciso acompanhar, ver, sentir, vivenciar o

acontecimento distante. Os colonos não viram o cadáver do soberano em exposição em

Lisboa no momento das exéquias na Europa, portanto, participavam de cerimônias locais, em

efígie.

Era duplo o significado contido na figura real, dos dois corpos dos quais trata Ernst

H. Kantorowicz, ao refletir sobre as monarquias inglesa e francesa. Os reis morrem, mas de

uma determinada maneira sua figura permanecia. O rei possuía um corpo natural e um corpo

místico. Um corpo igual ao de qualquer homem, que se desenvolvia ao longo do tempo e

depois se arruinava, com o falecimento, e outro corpo, o místico, invisível e imortal, incapaz

de qualquer imperfeição, pois significava a cabeça que direcionava um governo, contendo em

si a legitimidade de sua função e toda a territorialidade do reino, função que seria repassada

para outro corpo mortal.

Essa continuidade de significados acerca da duplicidade da figura real remonta à

Idade Média, com referências à “pessoa dupla do rei”, uma proveniente da natureza e outra

conferida pela graça de Deus. O rei era humano por natureza, e divino pela graça. A teologia

política medieval, inicialmente era cerceada pelo arcabouço geral da linguagem litúrgica e do

pensamento teológico, já que, até então, não se desenvolvera uma “teologia política” secular

independente da Igreja. O rei, por sua consagração, estava preso ao altar, enquanto “rei” e não

só – como em séculos posteriores – como simples pessoa. Era “litúrgico” como rei, porque e

na medida em que representava e “imitava” a imagem do Cristo vivo.

Reis e bispos eram consagrados com o intuito de serem santificados, como

mediadores entre Deus e o povo, recebendo a comunhão no céu e moderando seus súditos na

Terra. O rei ainda agia mediando o clero e o povo, pois, em certo sentido, também pertencia

ao clero293. São muitas as inter-relações entre a Igreja e o Estado, produzindo híbridos em

ambos os campos ao longo da Idade Média e dos Tempos Modernos, presentes nas próprias

representações do poder clerical e real nas cerimônias que os legitimam. Empréstimos e trocas

293 KANTOROWICZ, 1998, p.72-73.

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mútuas de insígnias, símbolos políticos, prerrogativas e honrarias sempre se realizaram entre

os líderes espirituais e seculares da sociedade cristã:

O papa adornava sua tiara com uma coroa dourada, vestia a púrpura imperial

e era precedido pelos estandartes imperiais ao caminhar em procissão solene

pelas ruas de Roma. O imperador usava sob a coroa uma mitra, calçava os

sapatos pontificais e outros trajes clericais e recebia, como um bispo, o anel

em sua coroação. Esses empréstimos afetavam, na Alta Idade Média,

principalmente os governantes, tanto espirituais como seculares, até que

finalmente o sacerdotium possuía uma aparência imperial e o regnum um

toque clerical.294

Contudo, diferenciações foram surgindo ao longo do tempo, e o poder temporal

representado na imagem do soberano passou a ter um caráter funcional na comunidade

mundial do corpus mysticum que era a Igreja, ou seja, cuja cabeça era Cristo e cuja cabeça

visível era o vigário de Cristo, o pontífice romano, sinal das afirmações do poder entre a

Igreja e os Estados Modernos295.

A Igreja como corpo místico de Cristo significava a sociedade cristã constituída de

todos os fiéis, mortos e vivos, passados, presentes e futuros. A idéia de corpo místico, de

início, na linguagem dos teólogos carolíngios, não estava relacionada à unicidade da Igreja e

da sociedade cristã, mas à hóstia consagrada. Com o passar do tempo, a expressão “corpo

místico” teve seu significado alterado, passando a ser o corpo da Igreja, cuja cabeça é Jesus

Cristo296.

Essa nova designação entrou em harmonia com as aspirações mais gerais da

formação dos Estados Modernos. Quando a Igreja consolidou-se como o “corpo místico de

Cristo”, o mundo secular proclamou-se como “Santo Império”. A noção de corpo místico

servia para descrever o corpo político da Igreja, sendo originalmente relacionada ao

Sacramento do Altar. Cristo era entendido a partir de dois corpos, dois significados em uma

só pessoa, o de um corpo natural, individual e pessoal, e outro, um corpo político

294 Idem, p.125. 295 Ibidem, p.126. 296 Ibid., p.127.

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superindividual e coletivo. Com o passar do tempo, a idéia de corpo místico veio a significar

apenas a Igreja ou, por transferência, qualquer corpo político do mundo secular297.

Enquanto a idéia da Igreja como corpo místico de Cristo era influenciada de

conteúdos seculares, o Estado secular era cada vez mais exaltado com uma glorificação quase

religiosa. O conceito de corpo místico foi politizado, sendo presa fácil, segundo Kantorowicz,

do pensamento dos estadistas, juristas e acadêmicos, que desenvolviam novas ideologias para

os Estados territoriais e seculares nascentes:

[...] O novo Estado territorial e quase nacional, auto-suficiente, segundo suas

proclamações, e independente da Igreja e do papado, extraía a riqueza das

noções eclesiásticas, de manipulação tão conveniente e, por fim, continuava

a afirmar-se colocando sua própria efemeridade no mesmo nível da

sempiternidade da Igreja militante. Nesse processo, a idéia do corpus

mysticum, bem como outras doutrinas corporativistas desenvolvidas pela

Igreja, passariam a ser de capital importância.298

A noção de corpo místico significava a totalidade da sociedade cristã, um corpo

constituído de cabeça e membros, permanecendo essa interpretação por toda a Baixa Idade

Média, até início dos tempos Modernos e, além disso, corpo místico adquiriu um caráter

corporativo, significando uma pessoa “fictícia” ou “jurídica”, a exemplo do príncipe, que era

a cabeça do corpo místico do Estado. O Estado era uma entidade por si mesma, independente

do rei, e dotado de propriedade que não era a do rei.

[...] A Igreja como corpo coletivo supra-individual de Cristo, do qual ele era

tanto a cabeça como o marido, encontrava seu paralelo exato no Estado

como corpo coletivo supra-individual do Príncipe, do qual ele era tanto a

cabeça como o marido – ‘O Príncipe é a cabeça do reino, e o reino o corpo

do Príncipe’. Em outras palavras, o jurista transferia ao príncipe e ao Estado

os elementos sociais, orgânicos e corporativos mais importantes, que

normalmente serviam para explicar as relações entre Cristo e a Igreja – Isto

297 Ibid., p.132-133. 298 Ibid., p.133.

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é, Cristo como o noivo da Igreja, como a cabeça do corpo místico e como o

próprio corpo místico.299

O rei era a cabeça do reino; sendo assim, quem atacasse o reino atacaria a cabeça, ou

seja, seu rei. Desta forma, os que prestavam homenagens fúnebres ao rei estaria fazendo uma

manifestação de homenagem ao reino, reafirmando ligações com o Estado secular, e se

reconhecendo como parte do corpo social do império. Segundo Ernst H. Kantorowicz, a

cabeça do corpo místico da Igreja era eterna, Cristo é eterno, e desta maneira todo o corpo

também. Já o rei, como cabeça do corpo político, era um mortal comum, que podia morrer e

morria. Assim, o rei tinha que adquirir, de algum modo, um valor de imortalidade, uma das

facetas significativas da sua figura. Só com os valores de eternidade é que ele poderia ter dois

corpos.

A Graça, bem como a Justiça e a Lei, permaneciam valores de eternidade difíceis de

serem descartados, e eram cooperativos na construção da continuidade das novas monarquias,

pois a idéia de monarquia “pela graça de Deus” ganhava nova vida nas ideologias dinásticas,

e a continuidade de uma Justiça “que nunca morre” desempenhava um papel importante com

relação à continuidade da Coroa. Mas o valor da imortalidade ou continuidade estaria

concentrado nas idéias de perpetuidade de um povo, de um governo, do qual o rei individual

podia ser separado, mas não a Dinastia, a Coroa e a Dignidade Real, ou seja, o

reconhecimento, a legitimidade dada pelos súditos à pessoa que os governava300.

O rei nunca morria. O segundo corpo presente na pessoa real dependia dos valores

de perpetuidade da Dinastia, do caráter corporativo da Coroa e a imortalidade da Dignidade

Real. A linhagem ininterrupta dos corpos naturais, mortais, a cada geração, a permanência do

corpo político representado por uma cabeça que o controla e a eternidade do cargo exercido,

desta forma, são fatores que contribuíram para a existência e permanência dessa representação

real que se aproximava de Cristo, isto é, nunca morria301.

A cada falecimento, envolto em honras fúnebres, sucediam-se as cerimônias de

aclamação do novo corpo mortal a ocupar uma função permanente. Esta etapa constituía-se no

primeiro fator a legitimar a noção de corpo imortal contido na figura do rei. A aclamação era

299 Ibid., p.138-139. 300 Ibid., p.169. 301 Ibid.,p.195.

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assemelhada aos sacramentos de batismo e ordenação, sendo reduzida a um nível inferior para

dar mais exclusividade às ordenações dos cargos sacerdotais. Essa mudança de legitimação se

deu no papado de Inocêncio III (1198 – 1216), no qual o papa distinguia cuidadosamente os

cargos de rei e bispo, que antes eram inter-relacionados e interdependentes. Enquanto os

bispos recebiam sobre suas cabeças a unção com o crisma, no cerimonial litúrgico, os

príncipes consagrados em reis recebiam essa unção nos ombros, com óleo inferior ao utilizado

nas ordenações religiosas. O bispo recebia a unção na cabeça por representar a pessoa da

cabeça da Igreja, ou seja, Jesus Cristo, diferenciando a autoridade do bispo e o poder do

príncipe. Liturgicamente, a unção feita sobre o novo monarca limitava-se a um exorcismo, o

fechando contra os maus espíritos. Antes dessas mudanças a aclamação do soberano lhe

conferia o Espírito Santo, não contendo agora mais valor sacramental302. Para Kantorowicz,

essas cerimônias de aclamação aos novos soberanos permaneceram no espaço religioso por

serem fortes as idéias de que era através dessas cerimônias de unção, exorcismo, que os

dirigentes dos Estados seculares adquiriam permissão divina para governar, ou que eles só

governariam conforme a Graça Divina303.

No entanto, em Portugal, não havia a prática da sagração, a cerimônia de

reconhecimento do rei mediante a entrega da coroa e unção feita pelo prelado. Os reis

lusitanos eram aceitos por aclamação, não sendo nem coroado nem ungido, mas levantado e

aclamado soberano “pela graça de Deus”, fonte de seu poder jurídico supremo e de suas

vitórias nas guerras. A confirmação do poder régio não dependia de qualquer cerimonial

sacro, sendo privilegiada, com a cerimônia do levantamento, uma simbologia militar de

obediência da nobreza. Os reis eram “alevantados” em locais semi-públicos, como terreiros,

ou espaços construídos para a cerimônia de sucessão real, tendo o povo presente como

testemunha do ato304. O uso da coroa tinha um caráter eminentemente simbólico, tornando-se

o cetro o principal atributo régio. O que pode ser questionado é o seu caráter sacralizador,

posto que a tradição ibérica difere da francesa e da inglesa, onde a cerimônia da unção é a

garantia da sacralidade régia305.

302 Ibid., p. 196-197. 303 Ibid., p.198. 304 SOUZA, 2002, p. 31. 305 Idem, p. 32.

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Nas vilas da Capitania de Mato Grosso, logo após as exéquias, geralmente um mês,

realizavam-se as cerimônias de aclamação do novo rei, com ações de graças rendidas a Deus

pelo novo soberano e pela memória do antecessor, com participação dos variados segmentos

sociais, sobretudo, os representativos do poder metropolitano na localidade, portando sempre

símbolos metropolitanos, como o estandarte real306. O rei havia falecido, mas as terras luso-

americanas não ficariam sem um senhor protetor, sem um pai. A cerimônia de aclamação real

demonstrava a permanente presença de uma pessoa que os olharia ao longo dos anos, dando

continuidade ao governo da Coroa portuguesa. Sendo assim, toda transmissão do poder real

requeria ritos particulares executados por determinados agentes, envolvendo gestos, falas e

insígnias atribuidoras de poder, agregando os moradores dos domínios lusitanos307.

Nos espaços ultramarinos a Aclamação do novo soberano era realizada nas igrejas.

No dia 22 de junho de 1751 realizaram-se as exéquias de D. João V, na Vila Real do Senhor

Bom Jesus do Cuiabá. Logo em seguida, no dia 26 de julho do mesmo ano, um mês depois,

praticaram-se as cerimônias de aclamação de D. José I, na igreja matriz. Foram dadas graças a

Deus pela vida do novo soberano e evocada a memória do antecessor, com pedidos de que

estivesse em bom lugar, digno de sua magnitude308.

As exéquias reais e a cerimônia de aclamação ao novo dirigente político apresentam

uma mistura de demonstrações de sentimentos de tristeza, dor e contentamento pela

continuidade da Coroa através da pessoa do monarca português. Os oficiais da Câmara e

outros oficiais, e o governador e capitão-general deveriam promover e participar de todos os

atos públicos, com toda a pompa e cerimônia exigida pela ocasião. Contudo, é constante na

documentação reclamações sobre os altos preços dos produtos, dificultando os preparativos

para essas funções, que se realizavam na medida das condições financeiras da vila309.

O reinado do novo rei começava com a transmissão do cargo pelo predecessor,

conforme a continuidade dinástica, e, nesse caso, o rei não morre. A continuidade do corpo

político completo, com a cabeça e demais membros, era preservada através da Coroa, que era

306 AHU – NDHIR - Doc. 406. Representação dos juízes ordinários e oficiais da câmara ao rei D. José I. Vila do Cuiabá, ant. a 1753. 307 SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei congo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 27. 308 AHU – NDIHR - Doc. 360. Ofício de Antônio Rolim de Moura Tavares a Diogo de Mendonça Corte Real, sobre as cerimônias realizadas pela morte do rei D. João V. Vila do Cuiabá, 06 de agosto de 1751. 309 AHU – NDHIR - Doc. 406. Representação dos juízes ordinários e oficiais da câmara ao rei D. José I. Vila do Cuiabá, ant. a 1753.

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outro ponto a atribuir sentido de eternidade à figura do rei. Ao ser adicionada ao corpo físico

do rei, ela mostrava que sua imagem estava além de ser puramente um “corpo natural” e

juntando-se à definição de reino, eliminava seu significado essencialmente geográfico,

territorial, enfatizando o caráter político de reino. A Coroa apresenta significados que não são

percebidos ao primeiro olhar. A idéia de Coroa está relacionada à totalidade do corpo político,

desde o rei até os súditos, sendo corporativa310.

A Coroa era a detentora de propriedade fiscal inalienável; defendia direitos

inalienáveis ‘que tocavam a todos’; e as disputas legais resultantes, bem

como casos e ações criminais nos quais estavam envolvidas as cortes cristãs,

eram tratados invariavelmente como pleitos da Coroa. Como corporificação

de todos os direitos soberanos – dentro e fora do reino - da totalidade do

corpo político, a Coroa era superior a todos os membros individuais,

inclusive o rei, ainda que não separada dos mesmos. Em muitos aspectos, a

Coroa coincidiria com o rei como cabeça do corpo político, e certamente

coincidia dinasticamente com este, uma vez que a Coroa era transmitida ao

rei por direito hereditário. Ao mesmo tempo, contudo, a Coroa manifestava-

se também como um corpo composto, um agregado do rei e aqueles

responsáveis pela manutenção dos direitos inalienáveis da Coroa e do reino.

Como uma perpétua menor, a própria Coroa possuía caráter corporativo –

com o rei como seu guardião, mas, por outro lado, não como o rei

isoladamente, mas com esse corpo composto de rei e magnatas que, juntos,

eram referidos como a Coroa ou como seus representantes [...].311

A discussão acerca da noção de Coroa demonstra como são complexos os elementos

constituidores dos Estados seculares, importantes para apreendermos as relações entre súditos

vassalos e seus soberanos, nos momentos das exéquias reais. O último valor atribuído ao

corpo imortal do rei era o da eternidade dos direitos do soberano, do corpo político integral,

de sua função como guardião da Coroa. A dignidade, a legitimidade por parte dos súditos, era

a singularidade do cargo real, à soberania investida no rei pelo povo e que residia apenas na

figura do rei. Essa dignidade deveria ser mantida para benefício do reino, sendo integrante do

310 KANTOROWICZ, 1998, p.220-221. 311 Idem, p.231-232.

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conjunto de significados acerca da eternidade do rei312. Neste sentido, “o rei morreu, viva o

rei!”.

A relação estabelecida pelos colonos com seu soberano nos momentos de celebração

de sua presença nas terras ultramarinas era de fidelidade e de reafirmação de pertencimentos.

Eles deveriam acompanhar a família real portuguesa nos sentimentos de tristeza e de devoção

à memória do rei. E esta memória deveria permanecer lúcida aos olhos dos colonos, que

passariam a demonstrar sua importância com a participação nos diversos rituais públicos que

acompanhavam e completavam as exéquias reais313.

As exéquias reais demonstraram também os significados contidos na figura do

monarca. No momento de seu falecimento dois corpos eram expostos, mostrando o caráter

mortal e imortal do rei. Mesmo sendo um mortal, os súditos não veriam sucumbir seu rei, pois

este nunca morria, tornando-se permanente com a perpetuidade da dinastia, do caráter

corporativo da Coroa, cabeça do corpo místico do reino e o reconhecimento por parte da rede

de fiéis vassalos de sua função, sua legitimidade.

A cerimônia de aclamação ao novo soberano situa claramente esse sentido. Logo

após a realização das exéquias reais, os súditos novamente se agregavam para exorcizar e

reconhecer a pessoa do novo soberano português. O reino, como um grande corpo, não ficaria

sem direção, sem sua cabeça. O rei significava a perpetuidade do poder da Coroa, a que não

morria, por ser transferida conforme os corpos mortais iam se extinguindo.

As exéquias reais são tomadas também como um exemplo da pluralidade de

definições, sentidos e rituais criados, experimentados por homens e mulheres de diferentes

condições sociais a uma etapa da existência humana, a morte.

312 Ibidem, p.233-234. 313 APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Carta do rei D. José ao governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso comunicando a morte de D. João V. Lisboa, 05 de agosto de 1750.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A historiografia contemporânea ampliou seus domínios lançando-se sobre

problemáticas pouco exploradas pelos historiadores na primeira metade do século XX. Outras

áreas do saber foram fundamentais nesse processo, como a Antropologia, a Sociologia e a

Crítica Literária, sobretudo no estudo sobre aspectos da cultura, oferecendo aos historiadores

todo um rico arcabouço teórico-metodológico. Neste sentido, as festas e celebrações aparecem

como objeto privilegiado, sobretudo no campo da história cultural, por analisarem princípios

da organização de uma dada sociedade.

Vimos ao longo deste estudo que durante o período colonial muito se festejou e

celebrou em Portugal e em seus domínios, nos quatro cantos do mundo, e lançamos nosso

olhar para a Capitania de Mato Grosso e sobre a sua vila-capital Vila Bela da Santíssima

Trindade no século XVIII. Essas festas e celebrações apontam ao historiador muitas

possibilidades de investigação sobre a Época Moderna, como a percepção das sociabilidades

produzidas pelos personagens coloniais, sejam eles religiosos, políticos, camponeses,

escravos, livres pobres ou abastados; sendo assim, o avançar da pesquisa historiográfica é

múltiplo.

Elegemos diante desse leque de opções de recortes de pesquisa, a atuação da Câmara

de Vila Bela da Santíssima Trindade na promoção das festas e celebrações no século XVIII, e

isso implicou compreender o uso político dessas manifestações culturais por parte dos oficiais

camarários vilabelenses que organizavam esses eventos, que estavam situados dentro de uma

lógica política e cultural do Império português no período moderno, que visava interligar seus

domínios coloniais a partir de uma linguagem política e cultural que unia a diversa rede

populacional de seu vasto Império colonial. Portanto, o Império português avançava nas

conquistas ultramarinas e lançava sobre esses novos espaços seus elementos culturais,

incluindo aí sua religião e suas manifestações festivas.

Esses aspectos culturais da Época Moderna são significativos na produção de

conexões entre a sede do Império, Lisboa, com as diversas localidades coloniais da América,

África e Ásia através de seus representantes político-administrativos. Esse fio condutor de

análise sobre festas e celebrações em Vila Bela da Santíssima Trindade no século XVIII nos

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trouxe outro possível olhar sobre a relação entre Portugal e suas colônias. Toda uma produção

historiográfica anterior a esta que vem à tona no dias de hoje, esteve ligada a preocupações

com a lógica do capital, das práticas mercantis e dos modos de produção, não dando maior

atenção àquilo que conformava a visão de mundo dos sujeitos históricos, sua cultura política,

que conectavam colônias e metrópoles na construção de signos de pertença, de identidade

desse conjunto formado pelo Império português.

Não descartamos as ligações existentes entre a sede do Império português com seus

domínios coloniais através das orientações político-econômicas mercantilistas, que

configuravam o chamado Sistema Colonial. Contudo, não só sobre essa lógica dominadora

atuou a política imperial lusa, que traçou também todo um programa cultural pautado em

características sociais européias, numa aliança entre ação colonizadora e catolicismo.

As festas e celebrações ocorridas em Vila Bela da Santíssima Trindade atuaram

como produtoras de uma memória religiosa e de uma cultura política importantes para a Igreja

e para Portugal, pois as festas religiosas estruturam e dominam o tempo, o calendário, pela

comemoração periódica dos principais eventos da história da salvação, sendo esta História

Sagrada a principal “memória coletiva” das sociedades americanas. A adesão à mesma fé

funda um único povo cristão e unifica sociedades divididas por múltiplas clivagens. Na

mesma direção, a cultura política exerce papel fundamental na criação de identidades e de

sentidos de pertencimento, bem como na legitimação de regimes e valores, para tornar mais

próximo quem está distante, tornar presente quem está ausente.

Apesar de parecerem como um padrão ordenador, esses programas festivos e

celebrativos ganharam tonalidades locais, sofrendo adaptações diversas, conforme cada

contexto. As expectativas dos grupos sociais coloniais frente a essas manifestações culturais

da monarquia lusitana também eram diversas, e apesar da documentação analisada não

mencionar revoltas, agitações populares ou aspectos relacionados a grupos menos

favorecidos, como os escravos e indígenas, o silêncio não descarta leituras ressignificativas

dessas orientações de condutas gerais.

Vila Bela da Santíssima Trindade experimentou dias de movimentação, que

alteraram sua rotina cotidiana. Aliás, as duas repartições da Capitania mato-grossense, a do

Mato Grosso e a do Cuiabá, promoveram muitos festejos, onde santos católicos desfilaram

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por suas principais ruas juntamente com símbolos representativos da monarquia portuguesa,

mescla dos poderes divino e temporal, explicitados na ação colonizadora.

A Câmara de Vila Bela da Santíssima Trindade era protagonista dessas

manifestações na vila-capital, nas quais ela deveria comparecer em “corpo de câmara”, ou

seja, com todas as insígnias representativas da presença do monarca nessas celebrações

públicas agregadoras da população. As câmaras eram os pilares sustentadores do Império

português, significando uma continuidade que governadores, bispos e magistrados,

autoridades passageiras, não podiam assegurar; a elas cabia garantir a presença do Estado na

fronteira Oeste de suas possessões americanas.

Neste estudo, a narrativa foi elaborada apresentando a você leitor, primeiramente,

um quadro geral das manifestações culturais e políticas da monarquia lusitana na Época

Moderna, e o significado da produção da presença da figura do rei nos quatro cantos do

Império como orientação de governabilidade, através das instituições que o representavam na

colônia, como os Senados das Câmaras coloniais, em situações de festas e celebrações

públicas. Na Capitania de Mato Grosso, e especificamente em Vila Bela da Santíssima

Trindade e em seu entorno, com a promoção dos festejos públicos reais, seus moradores

realizavam manifestações da “fidelidade portuguesa”. Imagens sobre o monarca e dos poderes

locais eram construídas e explicitadas a cada gesto, palavra, ato, nas procissões, cortejos, nos

bailes, nas danças, nas representações teatrais. Destacamos no trabalho de pesquisa e análise

da documentação a intencionalidade política contida nesses momentos; contudo, tornou-se

necessário considerar também as sociabilidades estabelecidas entre os que participavam das

festas e celebrações. Esses rituais públicos acabaram conferindo sentido ao viver nos espaços

urbanos que agregavam os representantes do poder metropolitano, sendo um dos momentos

demonstrativos desse significado aos demais colonos.

Em seguida, montamos os cenários festivos que serviam de pano de fundo às

homenagens prestadas pela população aos santos e santas, destacando as festas religiosas

“ordinárias” - por possuírem suas datas fixadas no calendário litúrgico e que eram em grande

parte organizadas pelo Senado da Câmara -, momentos privilegiados para a exibição dos

poderes religioso e laico, pois em meio aos rituais religiosos, os santos desfilavam em seus

andores conduzidos nas procissões por membros das irmandades e autoridades políticas, que

circulavam pelas ruas iluminadas e enfeitadas, acompanhados de música e salvas de tiros.

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As capelas e igrejas presentes nesses núcleos populacionais da repartição do Mato

Grosso também foram responsáveis pela dinâmica urbana colonial, ritmada pelas fases da

vida, marcada por batismos, casamentos e funerais, mas também pelas festas religiosas,

sempre apadrinhadas pelas pessoas de maiores posses dessas localidades, os chamados

“homens bons”. Os proprietários de terras, fazendas e roças, os religiosos e o povo em geral,

todos tinham os seus oragos, e aqueles que podiam homenagear o santo de sua invocação

faziam-no, assim denominando suas propriedades, capelas e vilas.

Abordamos também celebrações realizadas em datas móveis, ligadas aos eventos de

vida da família real portuguesa ou por ocasião da chegada de alguma autoridade política ou

religiosa, classificadas como “extraordinárias”. As Câmaras municipais, os governadores e

capitães generais, as irmandades religiosas, os oficiais mecânicos e diversos outros

personagens coloniais produziram e reproduziram celebrações públicas que garantiriam a

presença da realeza lusitana. Isso não era feito de modo gratuito, e sim como uma ordem

metropolitana a ser cumprida no Novo Mundo. Essa participação, mesmo que distanciada no

tempo e no espaço, das etapas de vida do soberano e de sua família interligava a Capitania de

Mato Grosso aos outros espaços sociais do Império português, pois todos faziam parte de uma

mesma extensão político-administrativa, ligadas à sua sede, Lisboa. As recepções festivas

oferecidas aos governadores e capitães generais figuravam, assim como nos festejos reais

extraordinários, como ocasiões significativas para a exibição do poder camarário, pois

produziam distinção social nas principais cerimônias ou atos públicos na vila capital. Cada

um sabia o lugar a ser ocupado em decorrência do seu lugar social e os símbolos, trajes

explicitavam essas diferenciações.

A morte também foi encenada no cenário mato-grossense. Era preciso demonstrar

tristeza quando da morte de um rei ou de membro da família real. Para isso realizavam os

súditos portugueses as cerimônias fúnebres públicas constitutivas das exéquias reais, que

também foram promovidas e organizadas pela câmara de Vila Bela da Santíssima Trindade.

Os cortejos eram organizados, rituais cumpridos, os sinos dobravam avisando aos moradores

que a monarquia estava em luto. Construíam na igreja matriz um mausoléu representativo do

cadáver real, oscilando entre a evocação e a substituição do soberano defunto. O rei só morria

no seio dos personagens sociais que compunham o cenário colonial quando eram realizadas as

exéquias, pois era preciso acompanhar, ver, sentir, vivenciar o acontecimento distante.

Contudo, logo havia a aclamação do novo sucessor ao trono real, porque a dignidade do cargo

nunca morria, apenas era ocupada por corpos mortais que iam se extinguindo ao longo do

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tempo; neste sentido, o rei nunca morria, ele apresentava uma natureza gêmea, era mortal e

imortal.

As festas e celebrações públicas constituíam-se em fragmento significativo da vida

urbana das vilas coloniais. Elas eram acompanhadas por vários ritos públicos, presididos tanto

por representantes do poder metropolitano como do poder religioso, envolvendo espaços

celebrativos e símbolos laicos e religiosos. Foram diversas as sociabilidades estabelecidas

pelos diferentes personagens coloniais durante essas práticas culturais. Nessas ocasiões as

hierarquias eram claramente exibidas em cada etapa ritual, principalmente por meio da

etiqueta, que evidenciava as diferenças dos grupos sociais.

Nessas festividades e celebrações públicas, os laços de pertencimento a Portugal

eram reforçados, e os rituais praticados eram semelhantes aos que eram realizados em Lisboa

e em toda a extensão do Império luso. Mesmo estando distante no espaço e no tempo do

momento em que aconteciam os fatos relativos à vida do monarca ou da própria Família Real

portuguesa, todos os que se encontravam no espaço ultramarino aproximavam-se de seu rei,

do reino e da Coroa, em demonstrações relativas a esses acontecimentos, fosse de alegria ou

de tristeza.

Eram rituais da urbanidade, pois aconteciam em locais de movimentação constante,

nos quais pessoas se concentravam para participar de cada etapa ritual, compondo um

ambiente celebrativo. Eram festas públicas, envolvendo sociabilidades entre os colonos,

aprendizados, hierarquias sociais. Manifestações coletivas exigiam a montagem de uma

estrutura cultural que se espelhava na Europa, especificamente Portugal, dando sentido à

ocupação territorial de terras, na fronteira Oeste das possessões lusas na América, na

Capitania de Mato Grosso.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

FONTES MANUSCRITAS

a) Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT

APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Carta do rei D. José ao governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso comunicando a morte de D. João V. Lisboa, 05 de agosto de 1750.

APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Correspondência de Diogo de Mendonça Corte Real, Lisboa, 27 de agosto de 1750.

APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1770 a 1779 – Alteração dos capítulos 5°, 6°, 7°, 9°, 12°, 13°, 14º, 15°, 16° do livro das Correições e Audiências Gerais que serve na Ouvidoria. Vila Bela, 21 de agosto de 1762.

APMT - Fundo: Governadoria, 1771 A – Correspondência de Martinho de Mello e Castro a Luiz Pinto de Souza. Lisboa, 14 de janeiro de 1771.

APMT - Fundo: Governadoria, rolo 01 – Ofício comunicando à câmara de Vila Bela a morte da infanta D. Maria Francisca Dorothea. Vila Bela, setembro de 1771.

APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1770-1779. Oficiais da Câmara de Vila Bela a Luis de Albuquerque. Vila Bela, 30 de dezembro de 1777.

APMT - Fundo: Câmara de Vila Bela, 1778. Correspondência de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres a Martinho de Melo e Castro. Vila Bela, 17 de janeiro de 1778.

APMT - Fundo: Câmara do Cuiabá, 1772 a 1789. Correspondência dos oficiais da Câmara a Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Vila do Cuiabá, 01 de fevereiro de 1778.

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ANEXOS

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Anexo A – Imagens de santos católicos de Vila Bela da Santíssima Trindade

Santo Antônio de Lisboa

Fonte: AMADO & ANZAI, 2006.

Santíssima Trindade

Fonte: AMADO & ANZAI, 2006.

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Nossa Senhora do Rosário

Fonte: AMADO & ANZAI, 2006.

Nossa Senhora da Conceição

Fonte: AMADO & ANZAI, 2006.

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Anexo B – Planta da Igreja Matriz de Vila Bela da Santíssima Trindade

Fonte: AHU – Lisboa. Planta e Frontispício da Igreja Matriz de Vila Bela da Santíssima Trindade, 1769.

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