igreja hoje a trindade a santíssima trindade: nascente de...

3
Igreja Hoje [ A Trindade... olutador [ julho ] 2016 9 ] sa compreensão, mistério inacessível feito realidade concreta para nós e em nós. Recorda-nos a propósito o Papa Francisco: “Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo do mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da misericórdia. Es- ta fonte nunca poderá esgotar-se, por maior que seja o número daqueles que dela se abeirem. Sempre que alguém tiver necessidade, poderá aceder a ela, porque a misericórdia de Deus não tem fim. Quanto insondável é a profundi- dade do mistério que encerra, tanto é inesgotável a riqueza que dela provém” . (Misericordiae Vultus, 25.) A arte pode nos ajudar a penetrar na luminosa densidade deste mistério ao mesmo tempo inesgotável e conta- giante da Trindade. A linguagem artís- tica, eminentemente simbólica, é ca- paz de captar aspectos que facilmente escapariam à exatidão de um concei- to. Contemplemos, então, a escultu- ra A Trindade misericordiosa, obra da religiosa suíça Caritas Müller. O Pai, o A Santíssima Trindade: nascente de misericórdia PE. VINÍCIUS AUGUSTO RIBEIRO TEIXEIRA, CM [Filho e o Espírito são representados em sua relação com o ser humano, colocado no centro da vida trinitária, feito ponto de convergência do mis- tério de amor que o abrange de todos os lados. Os círculos traduzem a sin- gularidade de cada pessoa divina. Mantendo-se abertos, indicam a complementariedade que enriquece o ser e o agir da Trindade. Eles se abrem na direção do ser humano. Cada pes- soa divina, a seu modo, sai ao encontro do ser humano e o introduz na eterna comu- nhão do amor. A este extravasa- mento de graça, que rasga o céu (cf. Is 64,1) e rompe a esfera do inacessível, chamamos misericórdia: o coração da Trindade Santíssima se debruça sobre o ser humano em sua existencial po- breza, vindo em auxílio de seus mais profundos anseios e carências, seja qual for a situação em que se ache. Misericórdia: coração que se inclina sobre o mísero (miseri + cordis). Por trás das pessoas divinas e da pessoa humana, há um círculo maior: recor- dação da aliança que Deus estabele- ce com os seus, aliança de seu amor clemente e fiel, por meio da qual ele se faz nosso Deus e nós nos tornamos seu povo (cf. Jr 30,22). Lembra-nos, a propósito, o Papa Francisco: “Miseri- córdia: é a palavra que revela o mis- tério da Santíssima Trindade. Miseri- córdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro [...]. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos ama- dos para sempre, apesar da limitação de nosso pecado”. (MV, 2.) E M SEU MISTÉRIO mais profun- do e em sua realidade mais ín- tima, Deus se define pelo amor (cf. 1Jo 4,8.16). E, como o amor requer entrega, dom de si, faz-se ne- cessária a existência do outro, daquele que, sem renunciar à sua alteridade e anular sua diferença, acolhe e responde ao que se lhe dá. Porque é amor, Deus é também comunhão ininterrupta, doação recíproca, oferta mútua. Desvela-se aí a Trindade Santíssi- ma, como a mais bela e cativan- te identidade do Deus cristão. O Pai ama o Filho e a ele se dá (cf. Jo 15,9). O Filho ama o Pai, vivendo por ele e para ele (cf. Jo 17,21). O Espírito é a personificação deste amor sem limites que enlaça o Pai e o Filho numa unidade sem rup- turas (cf. Jo 14,26). O amor que circula entre as três pessoas divinas não se en- cerra na intimidade trinitária. A Trin- dade não se encastela no isolamento. Pelo próprio fato de ser amor, Deus se comunica e se oferece, assim como o bem se difunde e a beleza se irradia. É amor que extravasa, transborda, que se derrama no coração humano, en- charca a Criação, acompanha a mar- cha da história, indo além de qualquer lógica e cálculo. A este amor generoso e gratuito, que permeia o mundo e alcança todas as criaturas, revestindo-se de compaixão e benevolência, chamamos misericór - dia. Sua fonte originante, seu princípio dinamizador não é outro senão o Deus Uno e Trino, que se revela no dom to- talmente livre do amor que o define e do qual a misericórdia é espelho. Com efeito, a misericórdia é o eterno amor de Deus adaptado à nossa condição humana, à nossa necessidade e à nos-

Upload: truongnga

Post on 15-Nov-2018

231 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Igreja Hoje [ A Trindade...

olutador [ julho ] 2016 • 9 ]

sa compreensão, mistério inacessível feito realidade concreta para nós e em nós. Recorda-nos a propósito o Papa Francisco: “Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo do mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da misericórdia. Es-ta fonte nunca poderá esgotar-se, por maior que seja o número daqueles que dela se abeirem. Sempre que alguém tiver necessidade, poderá aceder a ela, porque a misericórdia de Deus não tem fim. Quanto insondável é a profundi-dade do mistério que encerra, tanto é inesgotável a riqueza que dela provém”. (Misericordiae Vultus, 25.)

A arte pode nos ajudar a penetrar na luminosa densidade deste mistério ao mesmo tempo inesgotável e conta-giante da Trindade. A linguagem artís-tica, eminentemente simbólica, é ca-paz de captar aspectos que facilmente escapariam à exatidão de um concei-to. Contemplemos, então, a escultu-ra A Trindade misericordiosa, obra da religiosa suíça Caritas Müller. O Pai, o

A Santíssima Trindade: nascente de misericórdia

Pe . VInícIuS AuguSTo RIbeIRo TeIxeIR A , cM

[▶

Filho e o Espírito são representados em sua relação com o ser humano, colocado no centro da vida trinitária, feito ponto de convergência do mis-tério de amor que o abrange de todos os lados. Os círculos traduzem a sin-

gularidade de cada pessoa divina. Mantendo-se abertos, indicam

a complementariedade que enriquece o ser e o agir da Trindade.

Eles se abrem na direção do ser humano. Cada pes-soa divina, a seu modo, sai

ao encontro do ser humano e o introduz na eterna comu-

nhão do amor. A este extravasa-mento de graça, que rasga o céu (cf. Is

64,1) e rompe a esfera do inacessível, chamamos misericórdia: o coração da Trindade Santíssima se debruça sobre o ser humano em sua existencial po-breza, vindo em auxílio de seus mais profundos anseios e carências, seja qual for a situação em que se ache. Misericórdia: coração que se inclina sobre o mísero (miseri + cordis). Por trás das pessoas divinas e da pessoa humana, há um círculo maior: recor-dação da aliança que Deus estabele-ce com os seus, aliança de seu amor clemente e fiel, por meio da qual ele se faz nosso Deus e nós nos tornamos seu povo (cf. Jr 30,22). Lembra-nos, a propósito, o Papa Francisco: “Miseri-córdia: é a palavra que revela o mis-tério da Santíssima Trindade. Miseri-córdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro [...]. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos ama-dos para sempre, apesar da limitação de nosso pecado”. (MV, 2.)

eM Seu MISTéRIo mais profun-do e em sua realidade mais ín-tima, Deus se define pelo amor (cf. 1Jo 4,8.16). E, como o amor

requer entrega, dom de si, faz-se ne-cessária a existência do outro, daquele que, sem renunciar à sua alteridade e anular sua diferença, acolhe e responde ao que se lhe dá. Porque é amor, Deus é também comunhão ininterrupta, doação recíproca, oferta mútua. Desvela-se aí a Trindade Santíssi-ma, como a mais bela e cativan-te identidade do Deus cristão.

O Pai ama o Filho e a ele se dá (cf. Jo 15,9). O Filho ama o Pai, vivendo por ele e para ele (cf. Jo 17,21). O Espírito é a personificação deste amor sem limites que enlaça o Pai e o Filho numa unidade sem rup-turas (cf. Jo 14,26). O amor que circula entre as três pessoas divinas não se en-cerra na intimidade trinitária. A Trin-dade não se encastela no isolamento. Pelo próprio fato de ser amor, Deus se comunica e se oferece, assim como o bem se difunde e a beleza se irradia. É amor que extravasa, transborda, que se derrama no coração humano, en-charca a Criação, acompanha a mar-cha da história, indo além de qualquer lógica e cálculo.

A este amor generoso e gratuito, que permeia o mundo e alcança todas as criaturas, revestindo-se de compaixão e benevolência, chamamos misericór-dia. Sua fonte originante, seu princípio dinamizador não é outro senão o Deus Uno e Trino, que se revela no dom to-talmente livre do amor que o define e do qual a misericórdia é espelho. Com efeito, a misericórdia é o eterno amor de Deus adaptado à nossa condição humana, à nossa necessidade e à nos-

Igreja Hoje [ O amor que circula entre as três pessoas divinas não se encerra na intimidade trinitária...

[ 10 • olutador [ julho ] 2016

Não há como saber se a pessoa re-presentada na escultura é um homem ou uma mulher, um jovem ou uma an-ciã. A humanidade inteira está ali, to-dos podemos nos reconhecer em seu rosto de traços imprecisos. Da miseri-córdia da Trindade, ninguém fica ex-cluído. Tudo indica tratar-se de uma pessoa ferida, abandonada, necessi-tada de cuidado, como o homem caí-do à beira do caminho, socorrido e res-taurado pela compaixão do samarita-no (cf. Lc 10,29-37). A obra poderia ser chamada também Trindade Samarita-na. O ser humano desfigurado é trans-figurado pela incansável misericórdia do Deus Uno e Trino, que vê, aproxi-ma-se, comove-se e cuida. Com efei-to, “a misericórdia é a força que tudo vence, enche o coração de amor e con-sola com o perdão [...]. A misericórdia de Deus é a sua responsabilidade por nós. Ele sente-se responsável, isto é, deseja nosso bem e quer ver-nos feli-zes, cheios de alegria e serenos”. (MV 9.)

O Pai – No círculo à direita, tal co-mo na parábola (cf. Lc 15,11-32), o Pai se inclina sobre o ser huma-no desfalecido. A primeira pes-soa da Trindade ampara o filho em seus braços, pro-tege-o e levanta-o com o vigor de um pai magnânimo, abraçando-o e beijan-do-o com a ternura de uma mãe que consola e perdoa. O mais recorrente dos termos hebraicos, com os quais se evoca a misericórdia no Primeiro Testamento, faz referência a um amor visceral, ao seio materno que gera vi-da (cf. Jr 31,20). Misericórdia é a força regeneradora do amor, o único capaz de cumular de paz o ser humano, pon-do-o de pé, restituindo-lhe seu valor. Em nossas quedas, somos sustenta-dos pelo Pai providente, contemplados por seu olhar que sonda nosso cora-ção e nos reconcilia consigo, religan-do nossas fissuras, apaziguando nos-

sas aflições, reintegrando a vida que nos deu, oferecendo-nos a possibili-dade de recomeçar.

E tudo isso, porque “a misericór-dia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, pela qual ele revela seu amor como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até o mais íntimo de suas vísceras. É verdadeiramente caso para dizer que se trata de um amor ‘visceral’. Provém do íntimo como um sentimen-to profundo, natural, feito de ternura e compaixão, de indulgência e perdão”. (MV 6.) Como assevera Santo Tomás de Aquino, “é próprio de Deus usar de misericórdia e, nisto, manifesta-se de modo especial a sua onipotência”. (MV 6.) A misericórdia é a pedagogia pró-pria de Deus (cf. Sl 146,3), a razão de sua predileção pelos pobres e de sua paciência para com o povo que esco-lheu, a surpreendente manifestação do poder de seu amor, o modo que es-colheu para revelar-se na história, tor-nando-a história de salvação. Por isso, proclamamos sem cessar: “Eterna é a sua misericórdia”. (Sl 136.)

Progressivamente, a Sagrada Es-critura vai delineando a face misericor-diosa do Deus de Israel como aquele que ouve o clamor de seu povo e des-ce para libertá-lo (cf. Ex 3,7), sempre movido por sua clemência e lealdade (cf. Ex 34,6). Caminhando com seu po-vo (cf. Ex 3,14), o Senhor o conduz, ad-verte, cura, perdoa e rejuvenesce (cf. Sl 79,8; 102,3-5). Suas entranhas de com-paixão levam-no a acolher o pecador arrependido, dissolvendo seu pecado, superando suas recusas e revertendo suas infidelidades (cf. Os 11,8). Incan-sável em sua misericórdia, o Senhor jamais abandona ou defrauda àque-les que escolheu, permanecendo fiel à sua aliança (cf. Dt 4,31; Ne 9,16-17).

Tal convicção não demorou a se constituir como uma extraordinária fonte de conforto, vitalidade e espe-rança: “O Senhor é indulgente, é favo-rável, é paciente, é bondoso e compas-sivo. Não fica sempre repetindo suas queixas, nem guarda eternamente seu

rancor. Não nos trata como exigem nos-sas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas. Quanto os céus por sobre a terra se elevam, tanto é grande o seu amor aos que o temem; quanto dista o nascente do poente, tanto afas-ta para longe nossos crimes. Como um pai se compadece de seus filhos, o Se-nhor tem compaixão dos que o temem”. (Sl 102,8-13.)

A experiência da paternidade de Deus suscita e aperfeiçoa em nós a confiança em seu amor gratuito e paciente, que nos chama à conversão e nos enche de esperança, ensinando-nos a aco-lher e a irradiar o dom da misericórdia.

O Filho – No círculo à es-querda, des-cobrimos a imagem do Filho, “rosto da misericór-dia” (MV 1),

no qual “podemos individuar o amor da Santíssima Trindade” (MV 8). Como na ceia derradeira (cf. Jo 13,5), numa atitude de despojamento e serviço, Jesus beija os pés da humanidade fe-rida pelas desditas do pecado. Vem ao encontro do ser humano, carre-ga o peso de seus limites, mostra-se compadecido de suas misérias e a ele se vincula de modo radical. Der-rama em suas feridas o bálsamo da misericórdia, dando-lhe a possibili-dade de caminhar, restaurando sua liberdade.

Revestido de nossa frágil condi-ção, Cristo Jesus se faz irmão, ser-vidor e sacerdote da humanidade: humilha-se para nos exaltar; abai-xa-se para que atinjamos sua esta-tura; oferta-nos ao Pai, ofertando-se a si mesmo; revela nossa dignidade de filhos amados e nos ensina a ver-dadeira medida do amor, o único ca-paz de dar sentido à vida e levá-la à plenitude. De fato, a pessoa de Jesus “não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente. Seu relacionamento

[▶

Igreja Hoje [ O amor que circula entre as três pessoas divinas não se encerra na intimidade trinitária...

olutador [ julho ] 2016 • 11 ]

com as pessoas que se abeiram de-le manifesta algo de único e irrepe-tível. Os sinais que realiza, sobretu-do para com os pecadores, as pesso-as pobres, marginalizadas, doentes e atribuladas, decorrem sob o signo da misericórdia. Tudo nele fala de misericórdia. Nele, nada há que se-ja desprovido de compaixão”. (MV 8.)

Na vida e na missão de Jesus, tor-nou-se visível e palpável a eterna mi-sericórdia da Trindade. Sua intensa e ativa compaixão pelos pobres, doentes e pecadores demonstra a ininterrupta sintonia entre sua pessoa e o coração benigno do Pai (cf. Mc 5,19; Mt 9,36; Lc 7,15). “Em todas as circunstâncias, o que movia Jesus era apenas a miseri-córdia, com a qual lia no coração dos seus interlocutores e dava resposta às necessidades mais autênticas que ti-nham”. (MV 8.) Nas parábolas da mise-ricórdia (cf. Lc 15,1-32), “Jesus revela a natureza de Deus como a de um Pai que nunca se dá por vencido enquan-to não tiver dissolvido o pecado e su-perada a recusa com a compaixão e a misericórdia”. (MV 9.)

Toda a existência histórica do Fi-lho de Deus transcorre sob o prisma do amor misericordioso, do qual dima-nam e para o qual convergem seus gestos, palavras e opções. Cristo Je-sus ensina que a misericórdia não é apenas o agir do Pai, mas também o que nos identifica como seus filhos e filhas (cf. Mt 18,23-35): “Somos cha-mados a viver de misericórdia, por-que, primeiro, foi usada misericórdia para conosco”. (MV 9.) Por tudo o que fez e ensinou, Jesus apresenta a mi-sericórdia como um projeto de vida, um imperativo ético e um caminho de santificação: “Felizes os miseri-cordiosos, porque alcançarão mise-ricórdia”. (Mt 5,7.) É o que se pode in-ferir do ensinamento do Mestre, co-mo nos diz o Papa: “Tal como ama o Pai, assim também amam os filhos. Tal como ele é misericordioso, assim somos chamados também nós a ser misericordiosos uns para com os ou-tros”. (MV 9.)

Jesus Cristo, em cuja vida resplande-ce a misericórdia da Trindade, é o re-ferencial seguro de nossa humani-dade, o espelho de nossa conduta, a inspiração permanente de nosso vi-ver e agir. Segui-lo significa revestir-nos de seus sentimentos e atitudes, assimilando o amor compassivo e operoso que habitava seu coração e presidia suas ações.

O Espírito Santo – No círculo supe-rior, vemos o Espírito Santo, descendo do alto e pairando sobre o caído com sua aragem de paz (pomba) e seu fo-go abrasador (chamas). Consolo e co-ragem, aconchego e impulso! Como no batismo de Jesus (cf. Mt 3,16-17), o Espírito permite ao ser humano re-descobrir-se a si mesmo na luz do Fi-lho Amado, infundindo a vida que só a Trindade pode lhe dar, recriando sua beleza original, transformando sua ari-dez em fertilidade. Assim, o Paráclito leva a termo a obra de nossa santifica-ção, delineando em nós a semelhan-ça de Cristo, firmando nossos passos, ungindo-nos para a missão, tornando-nos, enfim, mensageiros e artífices da misericórdia que nos alcançou.

“O Espírito Santo, que conduz os passos dos crentes de forma a coope-rarem para a obra de salvação realiza-da por Cristo, seja guia e apoio do povo de Deus, a fim de ajudá-lo a contem-plar o rosto da misericórdia.” (MV 4.) O modo como a pessoa do Espírito San-to é retratada na escultura faz lembrar a antiquíssima Sequência de Pentecos-tes (séc. XII): “Espírito de Deus, enviai do céu um raio de vossa luz. Vinde, pai dos pobres, dai aos corações vossos se-

te dons. Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde! No labor, descanso. Na aflição, remanso. No ca-lor, aragem. Ao sujo, lavai. Ao seco, re-gai. Curai o doente. Dobrai o que é du-ro. Guiai no escuro. No frio, aquecei. Enchei, luz bendita, chama que crepi-ta, o íntimo de nós. Sem a luz que aco-de, nada o homem pode, nenhum bem há nele. Dai à vossa Igreja, que espe-ra e deseja, vossos sete dons. Dai em prêmio ao forte uma santa morte, ale-gria eterna”.

Deixar-se conduzir e transformar pelo Espírito, a fim de que ele nos revele a abundância da misericórdia que a Trindade derrama sobre nós, leve-nos a uma sincera contrição e a uma autêntica mudança de vida, fa-zendo de nós testemunhas audazes da mesma misericórdia, na dinâmica da caridade e na paciência do perdão.

A Trindade toda inteira, em seu amor gratuito, volta-se para o mísero, debruça sobre ele seu coração compas-sivo, devolvendo-lhe o hálito da vida, curando suas feridas, tornando-o ca-paz de dar aos outros o que primeiro recebeu, introduzindo-o em seu mis-tério de comunhão e santidade, verda-deira pátria de todo vivente que pere-grina nas sendas da fé, da esperança e do amor. Eis a misericórdia em sua forma mais pura e genuína!

“Na misericórdia, temos a prova de como Deus ama. Ele dá tudo de si mesmo, para sempre, gratuitamente e sem pedir nada em troca. Vem em nosso auxílio, quando o invocamos. Ele vem para nos salvar da condição de fraqueza em que vivemos. E a aju-da dele consiste em fazer-nos sentir sua proximidade. Dia após dia, toca-dos por sua compaixão, podemos tam-bém nós tornar-nos compassivos para com todos.” (MV 14.)

E, assim, visibilizando em nossa vida o dom da misericórdia, renova-remos nossa adesão à aliança que a Trindade estabelece com a humani-dade nascida de seu amor.]