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Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 9, volume 16(2): 99-132 (2005) Festa e cultura popular: A ruptura e a norma Ricardo Luiz de Souza 1 Resumo O texto é uma reflexão sobre os conceitos de festa e de cultura popular, a partir da concepção de festa como uma ruptura do coti- diano estruturada de acordo com normas mais ou menos rígidas. Uma reflexão que tem como objetivo articular ambos os conceitos para, a partir daí, estudar alguns de seus aspectos históricos e cultu- rais, enfatizando, ainda, alguns desdobramentos históricos da per- manente interação entre cultura popular e cultura erudita: duas expressões culturais que só podem ser devidamente compreendidas a partir de tal processo de interação. Palavras-chave: cultura, festa, tradição. 1 Doutor em História pela UFMG. Professor da FEMM. E-mail: [email protected]

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Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 9, volume 16(2): 99-132 (2005)

Festa e cultura popular:

A ruptura e a norma Ricardo Luiz de Souza1

Resumo O texto é uma reflexão sobre os conceitos de festa e de cultura popular, a partir da concepção de festa como uma ruptura do coti-diano estruturada de acordo com normas mais ou menos rígidas. Uma reflexão que tem como objetivo articular ambos os conceitos para, a partir daí, estudar alguns de seus aspectos históricos e cultu-rais, enfatizando, ainda, alguns desdobramentos históricos da per-manente interação entre cultura popular e cultura erudita: duas expressões culturais que só podem ser devidamente compreendidas a partir de tal processo de interação. Palavras-chave: cultura, festa, tradição.

1 Doutor em História pela UFMG. Professor da FEMM. E-mail:

[email protected]

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Abstract This text is a reflection on the notions of festivity and folk culture proceeding on the conception of festivity as a rupture of everyday life structured according to more or less severe norms – a reflection whose objective is to articulate the two notions for studying some of their historical and cultural aspects and emphasizing some his-torical developments of the permanent interaction between folk culture and the culture of erudition: two cultural expressions which can only be understood starting from that process of interaction. Key words: culture, festivity, tradition.

Introdução Trabalharei com dois conceitos: festa e cultura popular. O conceito de festa abrange manifestações culturais que extrapolam a cultura popu-lar, mas eu o trabalharei cingindo-me a este campo, por ser a festa um dos momentos a partir dos quais a cultura popular expressa seus valores e suas normas. Trabalharei a festa como esta expressão. Partirei de uma discussão conceitual sobre a festa, pensando-a como um momento de ruptura, mas uma ruptura estruturada a partir de normas para, a partir daí, pensar a cultura popular como a esfera sócio-cultural na qual a festa se organiza. Festa: A transgressão normatizada Parto da seguinte questão: como definir a festa? A festa é a exceção e o excedente. Confronta-se com a economia e a precariedade do coti-

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diano, criando um contraste que ganha, às vezes, tons extremos. Fazer uma festa significa inserir um momento de exceção em um cotidiano voltado para a produção e retirar deste cotidiano um excedente que será consumido de forma não vinculada à sobrevivência. A festa é fantasia. Vestimos uma fantasia – uma roupa que não é cotidiana – para comparecermos a ela e, com ela, anunciamos nossa entrada em um mundo nos qual as regras são outras e no qual nós que-remos ser vistos de outra forma. A mulher joga com seu corpo de forma que o interdito valorize o que é proibido ao expor algumas partes do corpo que não são de bom tom desnudar no cotidiano. A festa, enfim, é ruptura, aproximação e competição erótica. A festa celebra a ruptura ou o relaxamento de interditos sociais; sem isto ela não existiria. Ela é alegre, mas é organizada de forma séria, assim como o jogo, o que leva Huizinga a estabelecer relações entre ambas as manifestações: “Ambos são limitados no tempo e no espaço. Em ambos encontramos uma combinação de regras estritas com a mais autêntica liberdade” (1980:25). Mas ela cria seus próprios interditos e, às vezes, como no casamento, é o próprio interdito que a justifica. O casamento implicava na proibição da união sexual entre os noivos antes da ceri-mônia e havia inúmeras alusões a tal união durante a festa. Era um jogo erótico baseado no interdito, e a superação deste era motivo de festa. Na Inglaterra, segundo MacFarlane (1990:319), “a fim de acentuar ainda mais a nova união, costumava-se até costurar o lençol que envolvia o casal. Às vezes os convidados vinham despertar o casal, invadindo o quarto nupcial ou cantando do lado de fora”. A virgindade da noiva era o alicerce que dava sentido a toda a festa. Em algumas regiões do Brasil era costume mostrar aos convidados o lençol manchado de sangue para comprovar que apenas na noite anterior a virgindade fora perdida e a festa, portanto, fizera sentido. Uma ruptura sem limites? Festa é transgressão. Nela, adotamos um

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comportamento que transgride as normas que definem o cotidiano, mas trata-se de uma transgressão que só é aceita a partir de normas precisas. A festa instala-se, portanto, a partir de um momento de ruptura em rela-ção a um universo pautado pela obediência aos superiores e pela necessi-dade de sobrevivência, e é precisamente o fato de configurar-se como ruptura que a justifica, mas tal ruptura é, ela própria normatizada, e com-preendermos como a ruptura se dá e quais normas a regem é funda-mental para compreendermos o próprio cotidiano a partir do qual ela se define. A festa opõe-se ao cotidiano, mas não pode ser pensada como uma atividade autônoma em relação a ele. Ela liga-se ao cotidiano e retira dele os elementos que a estrutura, mas faz isto de forma estilizada, transfigu-rando-os em um cenário que é a própria negação das carências e necessi-dades cotidianas. Segundo Burckhardt (s.d.:324), “as festas italianas, na sua forma mais perfeita, marcam a transição da vida diária para o domí-nio da arte”. É esta transição que define a festa como expressão da cul-tura popular, onde o cotidiano do povo é incorporado à esfera cultural que precisa por sua vez, para existir, afirmar-se como separada do coti-diano, remetendo a outros tempos, criando personagens, inventando suas normas. A transição mencionada por Burckhardt já se tornava clara quando, a cada dia 6 de dezembro, os romanos davam início ao reinado de Saturno e, durante seis dias, representavam uma Idade de Ouro na qual os papéis de senhor e escravos eram momentaneamente invertidos (Ainsa 1992:95). A inversão, enfim, é essencial à festa e as normas que a definem e estão presentes na cultura popular definem, também, o comportamento de seus participantes no cotidiano. Se um homem se veste de mulher, ele precisa estar seguro de que tal inversão está sendo encarada apenas como burlesca, o que é, afinal, uma forma de reafirmar sua masculinidade. Pitt-Rivers (1979:120) chama de divisão moral do trabalho a diferenciação social

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e sexual baseada nas qualidades morais atribuídas a cada sexo. Tal dife-renciação está presente na festa e a estrutura. A festa, para Bakhtin, significa, ao mesmo tempo, crise e renovação: “A morte e a ressurreição, a alternância e a renovação constituíram sem-pre os aspectos marcantes da festa. E são precisamente esses momentos – nas formas concretas das diferentes festas- que criaram o clima típico da festa” (1993:8). E a festa é a concretização, ainda que temporária, da utopia: “A festa é isenta de todo sentido utilitário (é um repouso, uma trégua, etc.). É a festa que, libertando de todo o utilitarismo, de toda finalidade prática, fornece o meio de entrar temporariamente num uni-verso utópico” (id.:241). A festa é, assim, renovação cíclica, mas cada festa é, igualmente, única e irrepetível, tornando-se a garantia de que outras virão. Nas palavras de Canetti (1993:146), “uma festa provoca a outra e pela densidade de objetos e de homens multiplica-se a vida”. Bakhtin define como função do carnaval rebaixar e democratizar a linguagem e os rituais hierárquicos, solapando qualquer cerimonial que os consagre. Com isto, ele acentua o caráter blasfemo, corrosivo da cul-tura popular, expresso na carnavalização da cultura, na negação de qual-quer ordem superior à verdade dita pelo povo e pela festa. Mas fica uma questão intrínseca à própria natureza da festa:

A questão levantada pelo carnaval de Bakhtin, com sua ênfase na fraternidade, no universalismo e no antidogmatismo, é se seme-lhante universo horizontalmente ordenado pode ser mantido por algum espaço de tempo sem a introdução de alguma espécie de hie-rarquia, seja epistemológica ou política. (Clark & Holquist 1998:324)

A questão refere-se aos limites, interdições e hierarquias que estru-turam a festa. De fato, a festa pode significar um momento e um espaço de aproximação entre pessoas distantes na hierarquia social, mas, em

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outras ocasiões, pode significar o contrário: um momento de reafirmação de valores, status e barreiras; festas chiques nas quais deve ser tomado o maior cuidado com o penetra, geralmente de uma camada social inferior, cuja presença iria embaralhar e anular a demarcação de territórios a partir do qual a festa se dá; festas que não pertencem ao território da cultura popular e buscam, pelo contrário, manter estrita distância em relação a ele. Demarcando territórios, a festa define e organiza as elites; reorga-niza-as no movimento de ascensão e queda de grupos sociais, definindo quem pode ser aceito e quem deve ser excluído. Por serem aceitos na festa, tais grupos são simbolicamente incorporados às elites que – reor-ganizadas – reorganizam, também, suas ocasiões festivas. E pensarmos a festa implica em pensarmos em ritos, já que toda festa é ritualizada e um mesmo ritual pode adquirir significados dife-rentes sem que sua estrutura sofra alterações formais significativas. Uma procissão, por exemplo, pode celebrar o Corpus Christi ou o aniversário da Revolução de Outubro (Gluckman 1962:22). Altera-se seu simbo-lismo, por outro lado, na medida em que os símbolos que a definem são outros, exercem outras funções. Mesmo um símbolo específico não é, contudo, unívoco. Segundo Turner (1974:71), “seus referentes não são todos da mesma ordem lógica, e sim tirados de muitos campos da expe-riência social e da avaliação ética”. Alguns rituais festivos se repetem com algumas variações, mas com o mesmo sentido em praticamente todas as culturas, sendo o rito de ini-ciação emblemático desta uniformidade. São rituais que mesclam o pro-fano e o religioso, podem significar a entrada do jovem no mundo dos adultos, a incorporação do novo membro a uma religião ou profissão, a entrada do catecúmeno em alguma sociedade secreta. São festivos por simbolizarem um novo nascimento e todo nascimento é, também, uma renovação. Toda grande etapa da vida humana é marcada por ritos de

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passagem e, em todos eles, o sentido religioso é iniludível. São, comu-mente, ritos festivos, e a festa adquire aqui, como tantas vezes ocorre, um sentido, mesmo que arcaico, de celebração religiosa. Tal celebração é efetuada, contudo, a partir de limites bem defi-nidos. Em festas religiosas, o contato direto entre o fiel e a divindade é, normalmente, interdito pelos perigos que pode acarretar. Cazeneuve (s.d. 216) narra como membros de algumas tribos cobrem-se com máscaras dos deuses, que passam a funcionar ao mesmo tempo como elementos de representação e intermediação. Temos, ao lado da festa, o que Girard chama de anti-festa, que são períodos de austeridade extrema, com interditos severos que precisam ser rigorosamente obedecidos. Em algumas sociedades, qualquer forma de relação sexual torna-se proibida, e mesmo contatos físicos do indiví-duo com eles próprios são censurados. As impurezas devem ser elimi-nadas de forma radical, o que torna a anti-festa, muitas vezes, ao mesmo tempo o oposto e o sucedâneo da festa: seu complemento (Girard 1990: 151-154). A quaresma, por exemplo, sucede o carnaval e seu rigor não pode ser compreendido se o separamos da licenciosidade que o precedeu. Na Espanha, segundo o relato de Frazer (1982:118) a partir de uma ceri-mônia presenciada por um viajante inglês em 1877, o carnaval era enter-rado ritualmente, em um cortejo acompanhado pelas mesmas pessoas que brincaram intensamente durante os três dias anteriores, mas vesti-dos, agora, de padres e bispos, sendo o pretenso cadáver enterrado em um túmulo preparado com essa finalidade. E se a anti-festa é ascética, a festa é orgíaca: “O despertar de uma orgia pode ser assimilado ao apare-cimento do rebento verde na terra arada: é uma vida nova que começa e, para esta vida, a orgia saciou o homem de substância e de entusiasmo” (Eliade 1998:292). Toda festa é um ritual, mesmo quando o desregramento parece ser

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completo. Assim é que festas gregas que descambavam, muitas vezes, para orgias desenfreadas (mas tais orgias não fariam parte do ritual?) tinham o banquete como centro. Platão toma-o como enredo de uma de suas obras, mas orgias compartilhadas por prostitutas – e os banquetes possuíam um sentido inequivocamente erótico – e regadas com muito vinho também entram nesta definição, mesmo sendo o primeiro ele-mento ausente do banquete platônico. Xenofonte, no Banquete (IX, 2-7), menciona a representação de uma pequena peça que funciona como pretexto e ponto de partida para uma orgia entre os convidados, com-portamento que é rejeitado pelos convidados do banquete descrito por Platão: “Ouvindo isso, concordam todos em não passar a reunião em-briagados, mas bebendo cada um a seu bel-prazer” (176). Mas não se trata, mesmo assim, de orgias desregradas; pelo contrário, todo um ritual é obedecido pelos convivas e, para tal, foi instituída a figura do simpo-siarca, que tinha como função controlar tanto a quantidade de vinho consumida quanto o comportamento dos convidados que, como em toda festa, tomam a bebida e a comida mais como pretexto que como finalidade última da reunião. Em tais festas, encontramos claros vestígios e ressonâncias dos mitos dionisíacos, o que gera uma mistura entre festa profana e religiosa que se repete, em outro nível, nas festas católicas, especialmente nas festas dedicadas a santos padroeiros. Tais festas são, ao mesmo tempo, culto e diversão, reúnem o sagrado e o profano em doses nas quais o profano termina, com freqüência, prevalecendo. Elas são um pedido de proteção feito ao santo em troca de promessas, oferendas e rituais festi-vos, e a inadequada realização destes rituais e o não cumprimento dessas promessas podem implicar na quebra do contrato e em eventual punição por parte deste. Mas tal caráter religioso não impede que ela seja, tam-bém, uma ocasião festiva, e é como tal que ela é vista majoritariamente por muitos de seus participantes que não a consideram, no entanto, uma

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festa profana, mesmo que adotem, durante ela, um comportamento pouco recomendável aos olhos de católicos mais ortodoxos. Dança po-pular mexicana, a jarana, por exemplo, lembra Redfield (1949:282), é elemento indispensável nas festas dedicadas ao santo padroeiro em Yucatán, no México, e outros exemplos poderiam ser multiplicados. A festa como expressão da cultura popular A festa é ruptura, mas é, também, estruturada a partir de determi-nadas tradições, o que a torna a expressão mais concreta da cultura po-pular. Isto porque a cultura popular é definida pela tradição; pelo apego a um passado no qual residem suas fontes e que a justifica. Com isto, o que é novo tende a ser explicado pelo precedente e validado por sua maior ou menor semelhança em relação a ele. Festas ocorrem por que um passado muitas vezes mítico e remoto as justificam. É uma cultura baseada na memória e não na inovação cotidiana. Ao mesmo tempo em que a festa prende-se ao cotidiano, ela repre-senta e rememora tempos passados, acontecimentos míticos, tradições mais ou menos antigas. Tudo, enfim, que forma o repertório da cultura popular e confere a ela seu caráter específico. Compreender a articulação entre festa e cultura popular ajuda a compreendermos o caráter ao mesmo tempo ritual e transgressivo, tradicional e inovador, conformista e subversivo que define tal cultura. Por ser baseada na memória, a cultura popular vive um tempo lento, oposto ao dinamismo da modernidade imposta pelos vencedores. A tra-dição não é apenas a celebração de vitórias. Tempos mortos, ritos arcai-cos, povos vencidos, religiões proibidas ressuscitam na cultura popular e deuses, heróis pagãos retornam sob o manto de santos. A cultura popu-

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lar é um espaço onde se refugia o que – condenado – insiste em perma-necer vivo. A tradição, como acentua Finley (1989:20), não precisa ser confiável; precisa ser aceita como condição para o funcionamento da sociedade. Mas tradições históricas – sobre uma guerra, por exemplo – sofrem o mesmo problema das memórias individuais, que não vão além da terceira geração. Individual ou coletiva, a memória é seletiva e, portanto, distor-cida. A cultura popular, manifesta de forma oral é, assim, uma lembrança sem documentação; um reflexo guardado na memória coletiva. A cultura popular situa-se em um universo que se estruturou histori-camente de forma alheia à cultura letrada, o que não significou, necessa-riamente, hostilidade em relação a esta. Dessa forma, em uma aldeia medieval composta quase exclusivamente por analfabetos, o conheci-mento letrado e os livros que o simbolizam são, não desprezados e, sim, reverenciados, assim como seus leitores: “O respeito que têm por ele os analfabetos da aldeia é o corolário da estima, comovente e decidida, que este professam pela ciência e os letrados” (Ladurie 1997:295). Mas, nesta aldeia, o livro pode ser utilizado para ser colocado sobre a cabeça de um enfermo em agonia, mas não é elemento produtor de cultura, que per-manece iletrada: “O livro, enquanto tal, pode situar-se na origem distante ou próxima de certas correntes religiosas ou mesmo folclóricas: não se encontra, contudo, no centro do processo de reprodução da cultura em Montaillou” (id.:301). Quando a cultura letrada passa a fazer parte do cotidiano das aldeias- alguns séculos depois- ela tem de conviver com um analfabe-tismo ainda majoritário, o que torna usual e imprescindível as leituras em voz alta, o que intensifica a absorção de elementos da cultura erudita por parte de membros das camadas populares e transforma, por outro lado, meios próprios da cultura letrada em instrumentos de transmissão de elementos da cultura popular.

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De fato, a cultura popular pode utilizar- e utilizou freqüentemente- meios escritos para divulgar conhecimentos e foi moldada por eles. Um exemplo clássico foi a Bibliothèque Bleue, de ampla circulação entre os camponeses e aldeões franceses durante os séculos XVIII e XIX (Darn-ton 1995:213). Ali, os livros eram lidos em voz alta por quem sabia ler e escritos, mesmo, a partir de certa oralidade, com as histórias iniciando-se freqüentemente por “Como vocês vão ouvir”, pressupondo, assim, a leitura oral e adaptando-se a ela em um evidente processo de transição de uma forma de cultura para outra. Temos, no caso, uma situação onde a cultura letrada migra para a cultura oral e adapta-se às suas formas, mas tal viagem pode, historica-mente, ser feita no sentido inverso. Voltemos no tempo, tomemos como exemplo os poemas homéricos e hesiódicos. Segundo Havelock (1996:244), “eles não constituem literatura no sentido moderno do termo, mas experiência oralmente armazenada, de que o conteúdo dá corpo às tradições de um grupo cultural, e cuja sintaxe obedece às leis mnemônicas por obra das quais esse tipo de tradição é transmitida e conservada”. As publicações escritas no período anterior a 1789 e que visavam a um público mais amplo tinham como características em comum um preço relativamente baixo, um texto curto, o que permitia uma leitura rápida, a utilização de gêneros e formas narrativas com as quais o público já estivesse habituado e um nível discursivo suficientemente simples e de fácil compreensão (Gruder 1992:162). Foi um filão descoberto no início do século XVII por uma família de editores de Troyes que iniciou a pu-blicação de livros baratos, de poucas páginas e suscitou uma onda de imitadores por toda a França, todos seguindo com maior ou menor su-cesso o mesmo estilo. Mas nem os textos publicados na Bibliothèque Bleue nem seus leitores eram necessariamente populares. Entre um e outro se incluíam leitores

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que pertenciam a uma certa classe média e textos literários adaptados, ou seja, que migraram para uma leitura mais acessível sem perderem, con-tudo, sua origem erudita. Outro exemplo, no Brasil, foi o Lunário Perpétuo, o mais famoso representante brasileiro dos almanaques. Nele, o leitor encontrava recei-tas, vidas de santos, conhecimentos agrícolas, conhecimentos gerais. Dele, os cantadores das pequenas cidades retiravam sua ciência e, a partir dele, fragmentos de clássicos migravam para a cultura popular. Câmara Cascudo (1984:446) descreve-o: “Foi durante dois séculos o livro mais lido nos sertões do Nordeste, informador de ciências complicadas de astrologia, dando informações sobre horóscopos, rudimentos de física, remédios estupefacientes e velhíssimos”. Ainda no Brasil encontramos exemplos de migrações e fusões entre elementos da cultura letrada, narrativas históricas e procedimentos típi-cos da cultura popular como, por exemplo, a história de Carlos Magno e os Doze Pares de França que, narrada inicialmente no original francês de 1485, tornou-se popularíssima no sertão nordestino, sendo cantada por violei-ros e entrando nas crenças milenaristas que estiveram na origem de mais de um movimento camponês. Também a história da Donzela Teodora seguiu trajetória semelhante. De origem árabe, foi introduzida na Espa-nha e chegou ao Brasil através de tradução portuguesa; um percurso secular que terminou nas feiras das cidades do interior. E, finalmente, a história de Roberto do Diabo, popularíssima durante longo tempo no Brasil e em Portugal nasceu de um poema francês do século XIII, que surgiria na Inglaterra no século seguinte. Novos contextos, viagens tão seme-lhantes. A absorção seletiva e diferenciada da cultura letrada por parte do povo não surgiu, porém, nessa época, sendo muito anterior. Urbano é quem mora na urbs. Civilizado é quem mora na civis. Tais distinções, pro-venientes de Roma, mantiveram-se historicamente e encontraram sua

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expressão na Idade Média, onde a cultura urbana impôs sua autonomia e seu espaço perante os senhores feudais e perante os eruditos, que deixa-ram, mesmo, influenciar-se por elas. Já no período medieval, de fato, a cultura popular e a cultura erudita tinham um espaço de encontro, e este espaço era a praça pública, onde o mundo camponês mantinha contato com a cidade e suas diferentes cul-turas e onde se delineava uma nascente opinião pública (Le Goff 1992:207). Um contato mediado, ainda, por autores como William Langland, que fizeram a ponte entre as culturas letrada e popular no período medi-eval. Poeta erudito, Langland adotou a linguagem da gente comum, suas imagens e seus ideais, lembrando que Deus foi encontrado muitas vezes sob a aparência de um pobre, e que todos- ricos e pobres- são criaturas de Cristo (Dawson 1953:261-263). E foi um processo de intermediação que prosseguiu ao longo de séculos. Surgiram desta forma, na Inglaterra do século XVIII, os poetas-tecelões, dos quais Samuel Law, autodidata conhecedor de Virgílio, Homero e Ovídio, foi exemplo. Foi uma espécie que gerou herdeiros no século seguinte, mas que se esforçou mais em imitar as formas da cultura erudita do que em expressar sua experiência pessoal e profissional (Thompson 1987:149). Criou-se uma linha de continuidade onde a modernidade encontrou suas origens. Os best-sellers contemporâneos, por exemplo – literatura policial, leituras românticas, literatura de evasão em suma – tem suas raí-zes nos romances de cavalaria do século XVI, quando o Amadis e seus descendentes eram a leitura predileta de Dom Quixote. A estrutura nar-rativa apresenta inequívocas semelhanças, com o herói saindo para con-sertar o mundo e metendo-se em aventuras inverossímeis. Como ocorre frequentemente, o que parece muito moderno segue modelos seculares. Da mesma forma, no século XVIII, surge o romance gótico, inspi-

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rado em um medievalismo fantástico, cheio de monges meio loucos e castelos fantasmagóricos. Cria-se uma Idade Média postiça, mas atende-se a um desejo de evasão em relação ao utilitarismo que já prenuncia a Revolução Industrial, e se autores como Walpole, Beckford e Ann Rad-cliffe hoje já não são lidos, seus enredos complicados forneceram a base para a literatura popular contemporânea, e tanto os contos de Poe como o film noir hollywoodiano encontraram, neles, seus antecessores. Mas podemos recuar mais ainda no tempo. Desde sempre, elemen-tos da cultura popular derivaram, muito freqüentemente, da cultura eru-dita, possuindo origens religiosas, traduzindo crenças cosmológicas, sendo extraídos de narrativas letradas que encontraram eco profundo e secular na literatura oral. Não seria o caso de falarmos, aqui, em degra-dação desses elementos; mais apropriado seria pensarmos tal processo em termos de apropriação e re-significação a partir de outros contextos, outros intérpretes e leitores, outros objetivos. E não seria o caso, igualmente, de pensarmos em termos de uma homogeneidade que se revelaria enganosa. Pensar a cultura popular como algo homogêneo empobrece-a, mutila-a e impede sua compreen-são. Por comodidade usamos o termo no singular, mas trata-se de um conceito eminentemente plural. A relação entre cultura erudita e cultura popular induz, por outro lado, a uma questão: até que ponto a cultura popular mantém oposição e autonomia em relação à cultura erudita, até que ponto a cultura erudita a domina, sendo a cultura popular uma reinterpretação de elementos eru-ditos, sendo mesmo questionável sua existência autônoma? Segundo Le Goff (1994:129), “a cultura erudita manipula a cultura ‘popular’, mas esta ‘recebe’ e ‘larga’ cultura erudita e cria seus próprios bens imaginários”. Fica, então, a pergunta de Rudé (1988:227) referente ao contexto euro-peu do século XVIII: “Existiria, porém, uma música popular ou uma literatura popular que não tivesse sido transmitida pela tradição ou to-

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mada de empréstimo de outros grupos sociais?” A cultura popular necessita, enfim, da cultura erudita para ser criada? O povo necessita da cultura erudita para formar sua própria cul-tura? Simone Weil inverte o raciocínio: é a cultura erudita que precisa do povo, mais ainda que este em relação àquela. Seria a maneira de retirá-la do isolamento estéril. E ela conclui: “A busca dos modos de transposição convenientes para transmitir a cultura ao povo seria bem mais salutar para a cultura do que para o povo [...] A cultura é um instrumento mane-jado por professores para fabricar professores que por sua vez fabricarão professores” (2000:65). Marcel Proust (1982:96-98), por sua vez, narra o encanto que sente ao ouvir o refrão dos vendedores de rua e compara o canto destes às obras de Debussy e Mussorgsky. E chega a conclusões muito seme-lhantes às de Simone Weil ao colocar em questão, ao mesmo tempo, a necessidade ou viabilidade de produzir uma arte dirigida ao povo:

A idéia da arte popular, como a da arte patriótica, ainda que não fosse perigosa, se me afiguraria ridícula. Procurando torná-la acessí-vel ao povo, sacrificar-se-iam os requintes da forma, “bons para desocupados”; ora, eu freqüentava suficientemente os mundanos para saber que são eles, e não os operários eletricistas, os verdadei-ros iletrados. (Proust 1994:166)

Como a cultura popular é transmitida? Para respondermos a esta questão é preciso, primeiro, estabelecermos uma diferença básica entre cultura popular e cultura de massas. Em seu sentido e manifestação, digamos, básicos, a cultura popular implica em uma interação face-a-face entre público e autor, ambos pertencendo à mesma comunidade ou ao mesmo estrato social, definido – ele e sua produção cultural – em oposi-ção às elites, e rotulado como tal por elas. Cria-se um canal de comuni-

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cação inexistente na cultura de massas, na qual produtor e receptor mantém-se isolados, com o segundo mantendo uma posição de consu-midor, e onde o diálogo, por definição, inviabiliza-se ou se dá nos mol-des propostos pelo produtor. Ao mesmo tempo, o receptor atua sempre sobre o que recebe, interpretando os símbolos e mensagens que lhe são dados a partir de sua própria simbologia, e chegando a resultados muitas vezes imprevistos pelo produtor. Não existe passividade absoluta nesta relação, em nenhum dos níveis em que ela se dá. É preciso pensar a cultura popular, ainda, como uma reflexão sobre a sociedade na qual ela é produzida. As relações sociais são pensadas a partir da produção cultural que as reflete, sendo tal produção estruturada a partir de tais relações. Por outro lado, tal produção atua sobre o con-junto das relações sociais por elas pensada, ao mesmo tempo interpre-tando-as, simbolizando-as, alterando-as e mantendo sua autonomia em relação a elas, não podendo, em momento algum, ser pensada como mero reflexo ou tradução. Contos populares são um momento entre tantos outros dessa refle-xão, podendo ser tomados como exemplos de como se dá tal processo. Eles podem ser definidos como variações em torno de um universo limitado de temas que são recriados e fundidos de diferentes formas em diferentes culturas, a partir de diferentes realidades sociais; refletindo-as e interpretando-as. Pequeno Polegar e Mamãe Ganso, por exemplo, narram um coti-diano de miséria e opressão. Um mundo amoral, no qual somente a esperteza garante a sobrevivência dos mais fracos, que não podem contar com o apoio dos poderosos, embora não ousem, ainda, contestá-los. A esperteza atua dentro do sistema, a partir de suas regras, que não primam pela justiça e equidade. Tais contos são histórias vividas dentro do coti-diano de seus narradores, com os cenários e personagens que os com-põe, e são descrições de soluções fantásticas de problemas para os quais

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tais narradores não encontram soluções plausíveis. E o que é cotidiano? Segundo Jameson (1994:111), cotidiano é “essencialmente o espaço onde se encontram os modestos anseios diários, bem como as forças diárias onipresentes que frustram os anseios e impedem a realização de ânsias e necessidades”. Ao matar o gigante, Petit Jean usa sua esperteza para fugir de tal cotidiano, mas é uma fuga individual e fantástica. São contos realistas e desesperados, mas seguindo feitios diferentes em diferentes países: “Em-bora cada história se prenda à mesma estrutura, as versões das diferentes tradições produzem efeitos inteiramente diversos – burlescos, nas ver-sões italianas; horríficos, nas alemãs; dramáticos, nas francesas; e humo-rísticos, nas inglesas” (Darnton 1986:69). Nos contos populares, ainda, assim como em lendas, hábitos, super-stições, podemos ouvir ecos de mitos arcaicos que neles sobrevivem e que reencontram, neles, algo de seu sentido e de sua forma original. A cultura popular é mítica mesmo quando trata do cotidiano, e as aventuras de um Ulisses retornam na esperteza, nas provações e na eterna peregri-nação de tantos heróis populares. Cultura popular e cultura erudita: refrações A reflexão sobre cultura popular leva, ainda, à outra questão: quem é o agente que a produz? Façamos, em outras palavras, uma pergunta: o que é povo? Podemos fazer como o faz Sanchis e definir povo a partir de relações de poder, ou seja, como os grupos sociais dominados, a partir da constatação do poder como fenômeno multiforme e universal (San-chis 1992:22). Uma designação deliberadamente imprecisa, como acentua o autor, mas que evita, por exemplo, o impressionismo da definição de

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Graham Sumner, que define o povo – ou as massas como ele o chama – a partir de seu comportamento e em oposição ao dinamismo das classes, afirmando que “as ‘massas’ não são grandes classes situadas na base de uma pirâmide social; são o cerne da sociedade. São conservadoras. Acei-tam a vida tal como a encontram e vivem por tradição e hábito. Uma definição de povo, portanto, a partir de sua presumida passividade” (Sumner 1950:79). E quais são os sentidos dados à palavra popular? Ela pode ser refe-rir-se aos habitantes de um espaço territorial controlado por um Estado, aos costumes adotados por este povo e transmitidos de forma tradi-cional, às manifestações culturais definidas em oposição à cultura erudita e aos setores da população que contrastam com os grupos detentores de poder e riqueza (Navarro 1979:6). Tomemos um truísmo: a cultura popular é feita pelo povo. Verdade aparentemente sem rasuras, tal conclusão torna-se precária, insegura, quando buscamos definir o que é povo; portanto, quem faz a cultura po-pular; portanto, o que é cultura popular. O povo é definido por quem o nomeia como o outro e a cultura popular, por definição, é a cultura do outro: a cultura que não é feita por nós. Nomeado a partir de uma alteri-dade, o povo tende à opacidade e sua produção carece de um agente definido a partir do qual possamos conceituá-la. Definir uma produção cultural como popular já é, ainda, julgá-la e todo julgamento é externo e feito por quem se arroga com direito para tal. Define a cultura popular quem não a produz nem é seu consumidor. A literatura popular é definida e elogiada pelo que na literatura culta seria defeito imperdoável: por sua ingenuidade, pretensa ou real. Segun-do Bolléme (1988:187), “essa apreciação da ingenuidade e a própria inge-nuidade cristalizam ao mesmo tempo o desejo e a rejeição de uma ino-cência e de uma ignorância invejadas porque parecem ser uma garantia de autenticidade”.

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Mas a ‘autêntica’ cultura popular é autêntica a partir de quais crité-rios? A busca de uma resposta para tal questão pode levar a soluções ex-tremas. Revolucionários mexicanos, por exemplo, envolveram-se em uma cruzada – usando eles próprios o termo – contra o que conside-ravam a “falsa consciência popular” e a hegemonia clerical – a segunda fundamentando a primeira – a partir da qual buscaram integrar os mexi-canos à cultura revolucionária. Para isso, eles precisariam ser purificados; precisariam perder hábitos ligados à vagabundagem, à bebida, aos jogos de azar. Uma certa cultura popular ligada ao cristianismo, contaminada por ele – ou vista como tal pelos revolucionários – precisaria ser erradi-cada, e um cruzado mais radical chegou a propor a transformação da Basílica de Guadalupe em Museu da Revolução. Já em Morelos, mani-festantes radicais fizeram uma marcha até a catedral que terminou com uma animada partida de basquete jogada em seu átrio (Knight 1994:408-409). Os critérios de autenticidade variam a partir de quem os define e a partir dos objetivos que norteiam sua formulação. Formuladas tais questões, podemos ensaiar algumas respostas. A memória e não o livro foi, no Antigo Regime, o instrumento de preser-vação dos valores grupais, das tradições e dos ensinamentos coletivos. A história era narrada e não escrita. Cabia ao narrador – como Walter Ben-jamin tão bem intuiu – conservar e transmitir os valores grupais, corpori-ficados nas narrativas que os exemplificam. A partir daí, os territórios eram demarcados e a vida social era pensada; vozes que não foram registradas. A tradição de um narrador, constata Benjamin, que não existe mais. Por ser tradicional, a cultura popular flui dos mais velhos aos mais jovens, que devem ouvir com respeito e submissão a voz da experiência. Inovações trazidas pelos mais jovens são vistas como um sinal negativo dos tempos, como uma quebra condenável e desrespeitosa da hierarquia etária e como uma negação irreverente do conhecimento acumulado e

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transmitido de uma geração para outra. Mas existiram, historicamente, grupos sociais encarregados de trans-miti-la. Ela encarnava-se, às vezes, em membros de determinadas profis-sões que passavam a agir como seus criadores e transmissores caracte-rísticos, servindo como exemplo os sapateiros, que passaram a repre-sentar o estereótipo de um grupo letrado, ao mesmo tempo heróico e reverenciado, possuidor de um conhecimento específico e, muitas vezes, de caráter sagrado; messiânico mesmo, como foi o caso de Bandarra, em Portugal, formulador, a nível popular, do messianismo do qual Vieira seria o formulador a nível erudito, em uma simbiose de crenças que en-controu aceitação e síntese em diferentes estratos sociais. Por ser tradicional, a cultura popular é primitiva? A arte primitiva é um conceito criado pelas elites para designar uma produção que pode ser popular, mas não é, necessariamente, primitiva. Tomo como exemplo a conclusão de Huizinga (s.d.:237): “Usando o termo “primitivo” para de-signar os mestres do século XV, podemos cair num equívoco. Eles são primitivos num sentido puramente cronológico, visto que, para nós, são eles os primeiros a chegar e não conhecemos outras pinturas mais anti-gas”. Da mesma forma, a arte popular é definida em contraste com a arte produzida pelas elites culturais, a partir de valores que não foram aqueles que nortearam sua criação. Tal dualidade não é, ainda – e muito pelo contrário – recente, sendo importante rastrearmos algumas de suas origens para melhor compre-endê-la. Já encontramos, em religiões primitivas, uma oposição entre o saber produzido pelos especialistas em religião e a religiosidade popular: primeira brecha historicamente introduzida entre cultura erudita e cultura popular. Neste contexto, a cultura popular incorporou e foi determinada por práticas religiosas adotadas, geralmente, a partir de uma dualidade em relação à qual Max Weber (1987:454) sublinhou, ao mesmo tempo, a

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universalidade e o sentido: a dualidade entre a religiosidade popular e a atitude da Igreja oficial, definida por suas elites dirigentes e intelectuais. Criaram-se, na China e no Ocidente, cultos oficiais e não-oficiais de caráter eminentemente popular, um dos quais, no Ocidente, tornou-se predominante ao fazer uma aliança com o Estado: o cristianismo, base da cultura popular ocidental edificada sobre os escombros, as influências e o material tantas vezes aproveitado das culturas e religiosidades popu-lares anteriores ao seu nascimento. Não é possível, contudo, traçarmos uma cisão radical, absoluta entre cultura popular e cultura de elite, sob pena de rebaixarmos a cultura po-pular apenas à condição de cultura dos outros, ou seja, a uma alteridade vista de cima. Ambas vivem em um jogo de espelhos, de reflexos, de in-tercomunicação permanente. Seguindo a lição de Certeau (1996:87), “não é possível prender no passado, nas zonas rurais ou nos primitivos os modelos operatórios de uma cultura” popular. E tomando o exemplo de Vovelle (1997:42) referente ao Renascimento: “À trama carnavalesca dos jogos da morte e da festa se superpôs a trama de duas culturas: a cultura humanista de elite, que recorria a Lucrécio e a Ovídio para remontar às origens, e a cultura popular, em que esses mitos correspondiam ainda a crenças bem aceitas”. Ambas se alimentam, no caso, das mesmas fontes, às quais fornecem, contudo, tratamento diferenciado; literário, um, vivi-do no cotidiano em que os mitos apenas transmutam-se, outro. A adequada compreensão da cultura popular implica, ainda, em sua desnaturalização. Ela não deriva do caráter natural de um povo, não é seu reflexo. Ela deriva de um complexo jogo de mutações que a formata e é por ela refletida. Presa ao passado, ela é feita no presente e sofre seu impacto. Expor a cultura popular em ambiente de elite implica, por outro lado, em sua reificação. Ela é etiquetada e perde seu sentido; ganha um novo sentido que lhe é atribuído, mas não por quem a produziu nem por quem a consome, a não ser que ela tenha sido produzida diretamente

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para este ambiente após ter sido ‘valorizada’ por quem ali circula. Mas, aí, seu valor de mercado passa a ser seu regente. Quem produz cultura popular, por outro lado, não pode ser visto como agente inocente neste jogo de absorção e valorização por parte das elites. Segundo Thompson (1989:206), “os indivíduos envolvidos na pro-dução e recepção de formas simbólicas estão, geralmente, conscientes do fato de que elas podem ser submetidas a processos de valorização, e eles podem empregar estratégias voltadas para o aumento ou a diminuição do valor simbólico ou do econômico”. E, evidentemente, não podem ser paternalisticamente criticados por isso, como se devessem manter, sempre, uma inocência virginal em relação ao mercado. Se a cultura popular interage com a cultura erudita, ela criou histori-camente, por outro lado, espaços autônomos; espaços de crítica e resis-tência. Manifestações folclóricas criaram durante a Idade Média, por exemplo, um espaço de resistência e de contestação em relação ao espa-ço circunscrito pela Igreja e em relação à leitura por ela autorizada; lei-tura, afinal, que jamais chegou a exercer um monopólio de fato em rela-ção aos textos canônicos por ela abordados, o que manteve vivo e atu-ante o entendimento mítico dos referidos textos, do qual as manifesta-ções folclóricas foram expressões (Franco Júnior 1996:43). Fazendo isso, a cultura popular usa com freqüência o que Bakhtin chama de palavra de dupla tonalidade. Elabora um duplo sentido que capta o devir e subverte as verdades sancionadas pelo poder dominante. Seu humor as desnuda e as corrói agindo de cima para baixo, em um conflito cuja existência marcou o Renascimento. Segundo Bakhtin (1987: 380), “no Renascimento, assistiu-se a uma luta cerrada entre a palavra popular de dupla tonalidade e as tendências estabilizadoras do estilo ofi-cial de tonalidade única”. Mas este não é um conflito com início e fim historicamente determinado. Tanto não é que o realismo grotesco cuja existência Bakhtin anotou

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ressurge nas feiras parisienses do século XVIII na forma de uma cele-bração do corpo, visto como a existência material compartilhada por todos os seres humanos, e visto a partir de um humor que realça suas posturas eróticas e suas atividades ligadas aos atos de comer e defecar. Mas não apenas: acrobatas, marionetes, animais exóticos e pessoas com todo tipo de deformações também fazem parte do espetáculo (Isher-wood 1981:27-32). Mas tais críticas geram reações inevitáveis, e o século XVII vê, na França, o desaparecimento dos mistérios medievais e da festa dos loucos – manifestações eminentemente populares – e sua substituição por representações controladas e/ou outorgadas pelas autoridades, ao mesmo tempo em que o teatro ocupa o lugar das manifestações de rua (Ladurie 1994:298). Acompanhando e consolidando tal processo, as festas barrocas e renascentistas constituem-se em encenações públicas nas quais as autori-dades políticas e eclesiásticas ocupam lugar de destaque no cenário, en-quanto, ao povo, cabe o lugar de espectador passivo, o que as transforma em forma eficaz de representar e manter o código inflexível que regia a hierarquia social (Cantos 1992:20). Mas, mesmo onde o conformismo aparentemente impera, elemen-tos de crítica ao menos potencial persistem. Desta forma, a cultura popu-lar francesa nos séculos XVII e XVIII apresenta, segundo Mandrou, características contrastantes: por um lado, uma ainda não abalada fé cristã, que se traduz na aceitação da vontade divina mesmo nos momen-tos mais dolorosos e, ainda, no reconhecimento da hierarquia social como expressão dessa mesma vontade. Por outro lado, uma tranqüila mistura do cristianismo com elementos pagãos como, por exemplo, o zodíaco, altamente popular no período. Mas temos, aqui, uma definição de catolicismo popular como o catolicismo que não é sancionado e aceito como válido pela instituição eclesiástica; um catolicismo meio pa-

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gão, não erudito e que não esteve livre, necessariamente, da intervenção e regulamentação institucional (Mandrou 1971:159). Como acentua Chartier (1993:208), “a religião ‘popular’ é em seu todo aculturada e acul-turadora: não podemos, portanto, identificá-la nem como totalmente distinta da religião dos clérigos nem como totalmente por ela moldada”. A cultura popular como crítica social Pensarmos os grandes movimentos culturais que fizeram a história ocidental e nomearam suas fases – o Renascimento, por exemplo- im-plica em deixarmos de lado as multidões que não tomaram conhe-cimento deles, e mal foram por eles afetadas, continuando com seus medos, esperanças e explicações. Implica em esquecermos vozes inumeráveis. Os textos refletem a produção popular mediada por uma elite letrada, mas as vozes que tais textos ecoaram já se calaram e suas palavras, tais como foram ditas, são irrepetíveis. Só podemos pensá-las, então, a partir de um movimento de refração. E por serem palavras ditas, o que resta delas, no texto, é apenas seu espantalho. O que chamamos de ‘textos’ da cultura oral, lembra Chaney (1993:191), tem se perdido no anonimato das formas de vida que eles celebram. E há, ainda, um problema mencionado por Burke (1989: 93):

Não podemos nos permitir supor que esses textos impressos são registros fiéis das apresentações, mesmo na limitada medida em que os textos podem sê-lo. O texto podia se destinar a um público dife-rente daquele que assistia às apresentações; na verdade, devia se di-rigir a um público mais educado, mais abastado, simplesmente para vender.

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Ao mesmo tempo em que tal clivagem se aprofundava, linguagens de classe passavam a ser utilizadas para explicar a ordem social, a partir de novas identidades sociais e de novas formas de associação, criadas no bojo de um novo modo de produção. A cultura popular, em países industrializados, confunde-se com a cultura operária, e tal transformação reflete-se nas novas formas de protesto, em novas causas, em novos ad-versários. Os vilões individuais – o monopolizador, o funcionário, o dono de terras – são substituídos por causas mais amplas nas quais o operariado iria se engajar, sistematizando ações que eram, até então, espontâneas e localizadas. E, por outro lado, colocando-se em oposição à cultura popular, a cultura erudita fortaleceu o desenvolvimento de uma expressão cultural que se colocou em oposição às expressões culturais desenvolvidas pelos intelectuais, usando, por exemplo, dialetos como forma de contrapor-se à cultura dominante. Segundo Carpeaux (1981:1233), “na Itália, a poesia dialetal constitui, desde a Contra-Reforma, um protesto permanente do povo miúdo contra os intelectuais cuja poesia grandiloquente pretende perpetuar os gestos renascentistas e classicizantes, mas revelando apenas a miséria moral da nação em decadência”. Mantém-se uma tradição da qual Pulci e Folengo são os representantes ilustres, mas que se enraíza no povo como forma de expressão cultural em oposição. Excluída, a cultura popular se firma como oposição. Outras formas de crítica social surgiram no período, e a publicação de panfletos geralmente anônimos tornou-se uma forma de manifestação popular ao mesmo tempo crítica e de difícil controle. Criou-se um pa-drão de publicações utilizado tanto na Europa quanto nos Estados Uni-dos e que, neste país, proliferou a ponto de uma exceção – um artigo assinado – tornar-se caso rumoroso. Em 1733, um certo John Peter Zenger assinou e publicou em seu jornal um artigo criticando o Gover-nador de Pensilvânia, sendo julgado e condenado por sua atitude

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(Middleton 1996:300 ). Mas a crítica não está, por outro lado, onde sua existência seria mais previsível. Um exemplo: na França, a partir do século XVI, tal literatura evoluiu ao sabor dos acontecimentos e das circunstâncias. Foram edi-tados 386 panfletos em 1615, 1093 em 1652, apenas 18 no ano seguinte. Mas se panfleto significa, hoje, texto crítico, seu objetivo inicial não era necessariamente este, tanto que, dos 39 panfletos publicados em 1715, 27 eram orações fúnebres para Luis XIV (Duccini 1978:313-324). Outro exemplo: em vários almanaques franceses do período anterior à Revo-lução surgem ecos de idéias presentes no Contrato Social, de Rousseau, o que demonstra a permeabilidade de tais obras, destinadas a um público mais ‘popular’, às idéias mais avançadas do período, bem como a sintonia desses almanaques com o clima pré-revolucionário (Tatin-Gourier 1989: 74). E, finalmente, a França presenciou no período entre 1848 e 1851 a coexistência entre populações rurais representantes de um novo tipo de radicalismo político com manifestações folclóricas centenárias. Nos car-navais de 1850-51, por exemplo, camponeses radicais protestaram contra a perda de direitos políticos adquiridos nos anos anteriores, e simboli-zaram nos manequins a serem destruídos na quarta-feira de cinzas as personalidades impopulares a nível local e nacional (McPhee 1978:244). Também na Inglaterra a cultura popular do período adquiriu tonali-dades de crítica social. Assim é que autores de baladas eram vistos como nocivos à moral pública pelas elites da Inglaterra Elisabetana, sendo cha-mados por um de seus membros de two-penny poets, embora ele afirme ter comprado e lido tais baladas para seu entretenimento. Tais autores per-correram toda a Inglaterra e mantiveram-se à margem do mercado edito-rial. Foram definidos, então, como imorais e ilegais (Achinstein 1992: 311-326). A conseqüência: eles foram com freqüência levados para tribu-nais onde eram julgados com muito pouca condescendência por sedição,

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imoralidade e ofensas pessoais (Fox 1994:55). Por outro lado, surgiram, no século XVII, corporações de músicos que tinham como patronos as autoridades urbanas e, como mercado, diversas cerimônias nas quais seus serviços eram indispensáveis como, por exemplo, casamentos, o que sugere certa respeitabilidade já conferida à profissão (Munck 1990:309). Mas não eram, majoritariamente, profissionais tão respeitáveis no final das contas. No Nordeste brasileiro do século XX ou na Europa do século XVIII eram cegos muitos dos artistas que cantavam pelas ruas, confundindo-se muitas vezes com os mendigos e, às vezes, pouco se distinguindo destes. Seu estatuto perante as autoridades era o de alguém que poderia a qualquer momento ser preso por vadiagem, em um espaço sócio-político no qual a cultura popular e seus produtores ganhava um ar suspeito e socialmente desqualificado. A cultura popular transformou-se radicalmente sob o impacto da Revolução Industrial. A cultura operária inglesa incluiu o bar como ponto de encontro de seus membros e local para expressão de sua socia-bilidade. Pouco importante até então na cultura popular, o bar passou a adquirir grande importância a partir do século XIX, no contexto de uma cultura que ia progressivamente abandonando suas raízes rurais e adqui-rindo um perfil cada vez mais urbano. Foi- e ainda é- um espaço de en-contro democrático e relativamente livre, onde a cultura popular criou novas formas de expressão adaptadas e condicionadas pelo meio ambi-ente. Tornou-se, por exemplo – e não apenas na Europa – um centro de criação musical. Criação esta que encontrou, no século XIX, um novo templo. Tão ou mais importante que as tabernas para a cultura operária inglesa, o music hall incorporou-se à cultura popular, para imenso desagrado das elites puritanas, proliferando extraordinariamente na Inglaterra entre 1850 e 1890, chegando a haver, no final deste período, centenas destes

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estabelecimentos em Londres (Jones 1989:201-205). Foi uma instituição eminentemente operária, embora não especialmente voltada para a crítica social, já que os temas básicos das canções de music-hall referiam-se à vida doméstica e cotidiana: casamentos, aventuras românticas, entre outros (Bailey 1994:139). Uma cria desta instituição como Charles Chaplin, contudo, não cessaria de evocar os cenários proletários de sua infância em seus filmes. É preciso, por outro lado, evitar uma concepção equivocada que atribui à Revolução Industrial o início da produção em larga escala de obras medíocres e voltadas para o grande público. Já no período barroco a produção de obras-primas era acompanhada de uma produção maciça de obras sem nenhum valor literário que, logicamente, dispunham de mercado. Surgem novos critérios, criados de baixo para cima, o que gera uma reação entre as elites ao constatarem tal fenômeno: “As classes altas, em uma sociedade que começa a se manifestar com características massi-vas estão sempre atentas às manifestações de opiniões – não para adotá-las, antes ao contrário – das classes que estão abaixo delas” (Maraval 1997:82). E, finalmente, no século XIX, já havia sido concluída a sepa-ração entre cultura popular e cultura erudita, com os letrados abando-nando a cultura popular e suas concepções nas mãos do povo, ganhando tal expressão, enfim, o caráter excludente em relação às elites que hoje a caracteriza. Mas a cisão enfim concluída não significou desinteresse. Pelo con-trário, reavivou-se um ciclo de estudos marcado por um processo de divórcio que tivera início séculos atrás, com o decrescente interesse pela cultura popular em um país como a França no período que engloba do século XVI ao XVIII podendo ser sintetizado a partir do interesse por um aspecto específico, qual seja as coletâneas de provérbios. Natalie Zemon Davis (1990:188-217) sintetiza tal processo:

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Registrar os costumes populares não era certamente o interesse principal dos bem-educados e bem-nascidos no início da Europa moderna [...] No século XVI, todo este quadro mudou. O interesse dos eruditos pelos provérbios acentuou-se de tal maneira que não seria mais visto na Europa até os movimentos nacionalistas român-ticos no final do século XVIII e do século XIX; e seus coleciona-dores não eram mais apenas os modestos clérigos, mas com fre-qüência importantes humanistas [...] No século XVII as atitudes dos instruídos em relação ao “povo” tornaram-se mais críticas, e o inte-resse no potencial estilístico dos provérbios começou a desaparecer [...] No século seguinte, o interesse erudito pelos provérbios comuns estava em seu ponto mais baixo na França.

E o interesse por provérbios populares, no período, não esteve res-trito à França, bastando como exemplo a publicação em Portugal, em 1508, da coletânea de provérbios atribuída ao Marquês de Santillana e intitulada Refranes que dizen las viejas trás el juego, na qual os refrões são atri-buídos, como o título deixa claro, às velhas (Mattoso 1987:253). No século XIX, enfim, os estudos sobre cultura popular ressurgi-ram, motivados pelo temor compartilhado por estudiosos de que seu objeto de estudo estivesse em vias de desaparecimento. Tratava-se, então, de preservar, fixar, culturas rurais a partir de uma perspectiva emi-nentemente conservadora. E tais estudos consolidaram-se no século XX, mas em um processo marcado por dúvidas e inquietações quanto ao próprio estatuto e exis-tência de seu objeto de estudo. Emma Griffin menciona, neste sentido, a existência de um crescente sentimento contemporâneo de ansiedade determinado pela dificuldade em definir o que seria uma cultura autenti-camente popular. E um marcado pessimismo quanto à possibilidade de defini-la e compreende-la (Griffin 2002:628). Trata-se, de fato, de um

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tema controverso a partir da própria dificuldade em conceituar o objeto a ser estudado pelos diferentes pesquisadores. Um tema a partir do qual festa e cultura popular não podem ser pensados de forma separada. E um tema sobre o qual busquei desenvolver algumas reflexões ao longo do presente texto. Bibliografia ACHINSTEIN, Sharon. 1992. "Audience and Authors: Ballads and the

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Recebido em maio de 2005

Aprovado para publicação em setembro de 2005