ferreira,elenjanedeabreu

Upload: carlos-adriano-rosa

Post on 12-Jul-2015

260 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE ENGENHARIA MECNICA COMISSO DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA MECNICA PLANEJAMENTO DE SISTEMAS ENERGTICOS

Propostas Para o Desenvolvimento ScioEconmico e Ambiental a Partir do Uso de Energia Eltrica na Comunidade Isolada de Arixi/AM.

Autora: Elen Jane de Abreu Ferreira. Orientadora: Snia Regina da Cal Seixas Barbosa.

32/2007

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE ENGENHARIA MECNICA COMISSO DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA MECNICA PLANEJAMENTO DE SISTEMAS ENERGTICOS

Propostas Para o Desenvolvimento ScioEconmico e Ambiental a Partir do Uso de Energia Eltrica na Comunidade Isolada de Arixi/AM.Autora: Elen Jane de Abreu Ferreira Orientadora: Snia Regina da Cal Seixas Barbosa

Curso: Planejamento de Sistemas Energticos. rea de Concentrao: Dissertao de mestrado acadmico apresentado comisso de Ps-Graduao da Faculdade de Engenharia Mecnica, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Planejamento de Sistemas Energticos.

Campinas, 2007 S.P. Brasil i

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DA REA DE ENGENHARIA E ARQUITETURA - BAE - UNICAMP

F413p

Ferreira, Elen Jane de Abreu Propostas para o desenvolvimento scio-economico e ambiental a partir do uso de energia eltrica na comunidade isolada de Arixi/AM / Elen Jane de Abreu Ferreira. --Campinas, SP: [s.n.], 2007. Orientador: Snia Regina da Cal Seixas Barbosa Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Mecnica. 1. Energia eltrica. 2. Recursos energticos. 3. Amaznia. 4. Qualidade de vida. I. Barbosa, Snia Regina da Cal Seixas. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Engenharia Mecnica. III. Ttulo.

Ttulo em Ingls: Proposals to the social-economic and environmental development by using electric energy in the isolated community Arixi/AM. Palavras-chave em Ingls: Electric Energy, Amazon, Communities, Quality of life rea de concentrao: Titulao: Mestre em Planejamento de Sistemas Energticos Banca examinadora: Carla Kazue Nakao Cavaliero e Carlos Alberto Figueiredo Data da defesa: 26/02/2007 Programa de Ps-Graduao: Planejamento de Sistemas Energticos

ii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS COMISSAO DE POS-GRADUAAO EM ENGENHARIA MECANICA PLANEJAMENTO DE SISTEMAS ENERGTICOSDISSERTAODE MESTRADO ACADMICO

-,

FACULDADE DE ENGENHARIA MECNICA

-

A

Propostas Para o Desenvolvimento ScioEconmico e Ambienta) a Partir do Uso de Energia Eltrica na Comunidade Isolada de Arixi/ AM

Autor: Elen Jane de Abreu Ferreira Orientadora: Snia Regina da Cal Seixas Barbosa A Banca Ex, osta pelos membros abaixo aprovou esta Dissertao:

Prof'. D.-a. Snia Regina da Cal Seixas Barbosa Universidade Estadual de Campinas V~~ :v iero

Univ~rsidade ~~adUal de Camp~~as --------

.--t )4/h-

u

/1~

Prof. D,i Carlo~Ib~ d Figueiredo UniverSidade Fede~ o Amazonas ..9

~ -y\D

Campinas, 26 de Fevereiro de2007III

~

Dedicatria:Dedico este trabalho aos meus mui amados pais Natlia e Manoel por todo o amor, carinho e compreenso dedicados. E ao meu querido irmo Bruno pelo companheirismo de sempre.

iv

AgradecimentosFico feliz de poder expressar em escrita meu carinho e agradecimento a pessoas e/ou instituies que me acompanharam nesse perodo, ou mesmo que possibilitaram a realizao de mais esta etapa. O primeiro agradecimento, como no poderia deixar de ser, a Deus por todo o companheirismo notado, pelo poder alm do normal concedido e pelo amor sempre demonstrado. Aos meus estimados pais, pela generosidade de atos durante toda vida, sejam comportamentais, espirituais, financeiros, enfim, e principalmente pela dedicao conferida. Ao irmo que mais amo, Bruno por todas as experincias compartilhadas e pela generosidade de ensino demonstrada. minha querida orientadora Snia Barbosa que tambm se mostrou amiga e educadora para a vida, estando sempre disposta a compartilhar muito alm de aprendizados acadmicos. Obrigada por me permitir tais experincias. Aos professores Ennio Peres e Carla Cavaliero pelas importantes sugestes que contriburam para a realizao deste trabalho, alm de todo apoio evidenciado durante a realizao do curso. professora Lcia Ferreira por todo o conhecimento compartilhado em minha primeira experincia de trabalho de campo. Muito obrigada pela generosidade demonstrada.

v

Ao CNPq e Eletronorte pelo apoio financeiro. Aos amigos Andr Frazo e Maria Fernanda, pessoas de bela grandeza que sempre se portaram de forma muito digna. Por fim, ltimo grau de citao, mas no de importncia, a todos os que colaboraram direta ou indiretamente na constituio deste trabalho, estejam eles citados nominalmente ou no.

vi

Pois a sabedoria para a proteo, assim como o dinheiro para a proteo, mas a vantagem do conhecimento que a prpria sabedoria preserva vivos os que a possuem. (Ecl. 7:12)

vii

ResumoFERREIRA, Elen Jane de Abreu. Propostas para o desenvolvimento scio-econmico e ambiental a partir do uso de energia eltrica na comunidade isolada de Arixi/AM. Campinas: Faculdade de Engenharia Mecnica, Universidade Estadual de Campinas, 2007. p. 114. Dissertao (Mestrado). As comunidades isoladas energeticamente na regio amaznica so assim consideradas por no estarem conectadas ao sistema de gerao e distribuio de energia existente no restante do pas. Aquelas, em sua maioria, tm gerao de energia eltrica realizada localmente, atravs de grupos geradores a leo diesel. No entanto, os custos envolvidos nesse processo, sejam de ordem econmica, ambiental ou mesmo social, incentivam a busca por gerao alternativa de energia eltrica. Inserida neste contexto, a comunidade de Arixi, no Estado do Amazonas, foco do projeto Produo de Energia Alternativa a partir de Clulas a Combustvel e Gs Natural no Estado do Amazonas - CELCOMB que objetiva conciliar as necessidades energticas de uma comunidade isolada, partindo do uso do gs natural, com a nova tecnologia das clulas a combustvel. Dentro desse contexto, o presente trabalho tem como objetivo levantar e analisar dados scio-ambientais e energticos da comunidade isolada de Arixi e tornar essa anlise marco referencial do estudo da qualidade de vida existente na comunidade. Assim, a anlise de tais dados permite observar quais so as reais necessidades quanto ao fornecimento eltrico de uma comunidade isolada na Amaznia.

Palavras Chave Energia Eltrica, Recursos Energticos, Amaznia, Qualidade de Vida.

viii

AbstractFERREIRA, Elen Jane de Abreu. Proposals to the social-economic and environmental development by using electric energy in the isolated community Arixi/AM. .Campinas: Faculdade de Engenharia Mecnica, Universidade Estadual de Campinas, 2007. p 114. Dissertao (Mestrado). The energy isolated communities in the Amazon area are considered like this because they are not connected to the generation and distribution energy system existent in the remaining of the country. Such communities, in its majority, have electric power generation accomplished locally, by diesel groups generators. However, the costs involved in that process, as much as the environmental and the economical ones motivate research for alternative energy electric generation. Inserted in this context, the community of Arixi, in the State of Amazonas, is focus of the project Alternative Energy production starting from Cells Fuel and Natural gas in the State of Amazon - CELCOMB that aims to reconcile the energy needs of an isolated community, from going to the use of the natural gas, with the new technology of fuel cells. Inside of that context, the present work has the objective to characterize social-environmental and energy demands of Arixi community. This way, such data analysis allows observing the real electricity needs of an isolated community in the Amazon area.

Key Words Electric Energy, Amazon, Communities, Quality of Life.

ix

ndiceLista de Figuras Lista de Tabelas Captulo 1 Introduo 1.1. Objetivos 1.1.2 Geral 1.1.3 Especficos 1.2. Estrutura da Dissertao Captulo 2 Reviso da Literatura 2.1. Desenvolvimento: Uma aproximao Histrica do Conceito 2.2. Desenvolvimento e Qualidade de Vida Captulo 3 Metodologia da Dissertao 3.1. O Projeto Celcomb 3.2. Metodologia Aplicada na Elaborao de Questionrio 3.3. Da Pesquisa de Campo 3.4. Anlise e Tratamento dos Dados 3.5. A Abordagem Multiobjetiva 25 26 27 29 30 31 9 15 21 xiii xiv

1 7 7 7 8

x

Captulo 4 Apresentao da rea de Estudo 4.1. Localizao Territorial do Municpio de Anam 4.2. Breve Histrico 4.3. Perfil Scio-Econmico do Municpio 4.4. Aspectos Energticos da Sede de Anam 4.5. A Comunidade de Arixi 4.5.1. Localizao 4.5.2. Histrico da Comunidade de Arixi Captulo 5 Caracterizao Scio-Ambiental da Comunidade de Arixi 5.1. Aspectos Sociais 5.1.1 Aspectos Demogrficos 5.1.2 Educao 5.1.3 Infra-Estrutura da Vila 5.2. Sade 5.2.1 Lixo 5.2.2 Consumo e Qualidade da gua 5.2.3 Morbidades Referidas na Comunidade 5.2.4 Medicamentos Utilizados em Arixi 5.3. Lazer 5.4. Aspectos Econmicos 5.4.1 Agricultura de Subsistncia 5.4.2 Extrativismo 5.4.3 Pesca 5.5. Caracterizao Energtica da Comunidade 5.5.1 Uso Atual de Energticos 5.5.2 Oferta de Energia Eltrica 5.5.3 Demanda Domiciliar de leo Diesel 5.5.4 Demanda Comunitria de leo Diesel 5.5.5 Demanda Potencial de Energia Eltrica 47 47 48 50 51 54 55 56 58 61 62 63 65 67 68 71 72 75 76 77 79 33 33 35 36 39 41 41 44

xi

Captulo 6 Anlise Multiobjetiva das Sugestes Comunitrias de Arixi 6.1. Atividades para Gerao de Renda Comunitria 6.2. Instalao de Forno Eltrico Rotativo na Casa de Farinha Comunitria 6.1.2 Despolpadeira de Aa 6.1.3 Mini-fbrica de Gelo 6.2 Abordagem Multiobjetiva para a Escolha da Melhor Atividade Captulo 7 Concluses Referncias Bibliogrficas 101 106 84 85 86 90 92 94

xii

Lista de FigurasFigura 4.1. Estado do Amazonas: localizao do municpio de Anam dentro da microrregio de Coari. Figura 4.2. Comunidade de Arixi. Figura 5.1. Configurao da Vila de Arixi. Figura 6.1. PPB da farinha de mandioca. 34 42 52 88

xiii

Lista de TabelasTabela 5.1. Distribuio dos entrevistados por sexo. Tabela 5.2 Tempo de residncia dos moradores Tabela 5.3 Nmero de matriculados por curso Tabela 5.4 Disposio final do lixo Tabela 5.5 Forma de tratamento e de armazenamento da gua consumida Tabela 5.6 Distribuio de gua por domiclio Tabela 5.7 Qualidade referida da gua Tabela 5.8 Morbidades referidas Tabela 5.9 Atividades de lazer praticadas Tabela 5.10 Especificaes tcnicas do grupo gerador Tabela 5.11 Demanda domiciliar atual por energia eltrica Tabela 5.12 Discriminao de taxas por bens Tabela 5.13 Discriminao das taxas totais Tabela 5.14 Sugestes para o uso da energia eltrica gerada Tabela 6.1 Caractersticas tcnicas do forno rotativo Tabela 6.2 Estimativa de produo de mandioca em Arixi Tabela 6.3 Receita da farinha de mandioca Tabela 6.4 Caractersticas tcnicas da despolpadeira de aa Tabela 6.5 Estimativa de receita anual comunitria de polpa de aa Tabela 6.6 Caractersticas tcnicas da mquina de gelo em escamas Tabela 6.7 Receita estimada da venda de tambaqui Tabela 6.8 Resultados das atividades selecionadas Tabela 6.9 Valores das atividades Tabela 6.10 Anlise multiobjetiva I Tabela 6.11 Anlise multiobjetiva II Tabela 6.12 Anlise multiobjetiva III Tabela 6.13 Anlise multiobjetiva IV 48 49 51 55 57 57 58 59 63 74 77 78 79 83 87 88 89 91 92 93 94 95 96 97 98 99 99

xiv

Captulo 1 IntroduoO espelho dgua vai sendo aos poucos cortado pela pequena canoa. Tudo que se pode ouvir o barulho do motor de popa artesanalmente acoplado embarcao, conhecida como rabeta. O que antes era um lago de margens largas, aos poucos vai se transformando em um filete dgua e a vegetao que fora tomada pelas guas do lago tpica de reas de vrzea comea a reaparecer. Em certos trechos necessrio, inclusive, desligar o motor e remar, para que se possa dar prosseguimento viagem. No entanto, a mata coberta pelo lago que se tornava cada vez mais densa, repentinamente d lugar um claro, permitindo a observao de uma nova imagem, dessa vez carregada entre o contraste das guas negras do lago e a intensa colorao da vegetao. Ao longe as redes que formam os cativeiros dos peixes vo sendo notadas, esclarecendo para quem chega que se trata de um lago de piscicultura. A primeira despesca j est prxima de acontecer. Questo maior surgiria no momento do escoamento da produo. Seria necessria a venda imediata daquela por falta de maiores condies de conservao do pescado. Planejar o seu beneficiamento antes da venda ento, seria praticamente invivel, pois as poucas horas de energia eltrica fornecida pelo nico grupo gerador da comunidade no permitiriam. Alm disso, o gelo, adquirido e destinado ao comrcio ou mesmo para uso domiciliar, precisa ser trazido de longe e, quando se trata de comunidades ribeirinhas na Amaznia, as distncias podem tomar grandes propores, encarecendo o produto e dificultando o transporte do mesmo. Ainda, outros empecilhos so enumerados e estes vo alm dos entraves para o desenvolvimento da piscicultura, envolvendo tambm a falta de gua disponvel diariamente, j que o motor da bomba do poo artesiano s ligado durante algumas horas. Sem citar o maquinrio eltrico da

1

casa de farinha que, a exemplo do engenho da cana-de-acar, s utilizado quando algum morador faz uso de motor gerador particular, para o funcionamento dos mesmos. O cenrio descrito ocorre em muitas das comunidades ribeirinhas da regio amaznica, pois so vrias as que no so beneficiadas com a gerao e distribuio de energia eltrica realizada de forma ininterrupta. Aquela regio apresenta peculiaridades em relao ao restante do pas, no apenas pela sua grande extenso territorial, como tambm por sua vasta malha hidroviria, alm de densidade territorial pequena e espraiada (desconsiderando-se as capitais), o que acaba, entre outros fatores, onerando em muito a extenso de redes eltricas. Esses so apenas alguns dos motivos apontados para o fato daquela localidade fazer parte do que se convencionou chamar de Sistema Eltrico Isolado, ou apenas Sistema Isolado. O sistema eltrico brasileiro est dividido em Sistema Interligado Nacional (SIN) e Sistema Isolado. O primeiro sistema, o SIN, abrange as regies Sul, Sudeste, Centro-Oeste, parte da regio Nordeste e parte da regio Norte do pas. A gesto desse sistema de responsabilidade do Operador Nacional do Sistema Eltrico (ONS), que administra a rede bsica de transmisso de energia (Kirchner, 2005). Segundo a Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL, 2006), as geradoras atuantes no SIN, em sua maioria, possuem gerao por meio de usinas hidreltricas, o que as torna suscetveis a fatores tais como regime pluviomtrico. Por causa dessa particularidade o SIN acaba sendo um sistema muito til, uma vez que possibilita interligao entre as geradoras. Isso permite intercmbio de energia no perodo regional de seca/cheia de cada uma. Vale lembrar que, apesar do sistema de produo e transmisso de energia eltrica do Brasil ser predominantemente baseado em hidreltricas, este possui tambm gerao trmica, fortemente baseada em leo diesel. A capacidade de produo de energia eltrica no cenrio do SIN, conforme visto, abrange quase que a totalidade de gerao do pas. Apenas cerca de 3,4% dessa capacidade encontra-se fora daquele sistema. Este percentual faz parte do chamado Sistema Isolado, que corresponde, em sua parte preponderante, regio amaznica, que aqui se refere aos Estados do Acre, Amap, Amazonas, Roraima, Par, Rondnia e parte do Mato Grosso (Silva e Cavaliero, 2001). Do total de energia eltrica gerada pelo sistema isolado no ano de 2000, Cavaliero (2003) aponta que 76%

2

provinha de usinas termeltricas, o que correspondia cerca de 1.744 MW. Os outros 24% tinham gerao baseada em usinas hidreltricas. Vale ressaltar que no interior do sistema isolado, a maior parte das localidades so supridas com motores geradores de pequeno porte a diesel. Dentre os estados que compe a regio amaznica, o maior deles, o Estado do Amazonas (1.558.987 km de extenso territorial), um exemplo de grande utilizao de energia trmica, baseada em leo diesel. De acordo com a Centrais Eltricas do Norte do Brasil Eletronorte (2006), apenas a capital Manaus e alguns municpios ao seu redor possuem sistema hidrotrmico (sistema de gerao baseado em usinas hidreltricas e termeltricas), com capacidade total instalada de 591,1 MW. Todo o restante do Estado calcado em termeltricas a leo diesel, representando um total de cerca de 81 localidades (Silva e Cavaliero, 2001). Alm de termeltricas, o fornecimento eltrico para o interior do Amazonas, conforme j mencionado, tambm realizado atravs de motores geradores de pequeno porte. Este suprimento feito de modo deficitrio, apresentando contnuas interrupes. Alm disso, sabe-se que a fonte energtica utilizada, o leo diesel, proveniente de combustvel fssil, libera altos nveis de dixido de carbono (CO2) na atmosfera, o que oferece contribuies significativas para a intensificao do efeito estufa. Tendo em vista esses e ainda outros fatores como o alto custo para manuteno de subsdios para a compra de leo diesel, torna-se importante apontar alternativas de gerao e de distribuio de energia eltrica para as localidades que no so supridas pelo Sistema Interligado Nacional. Com o intuito de atender as regies nacionais que no tm acesso energia eltrica, alguns programas, inclusive de ordem federal e de diferentes gestes, j foram institudos. O programa atual denominado Programa nacional de universalizao do acesso e uso da energia eltrica Luz para todos uma substituio do programa da gesto anterior, chamado Luz no campo. O que ambos tm em comum o objetivo de oferecer eletricidade para o meio rural, que o onde se concentra a maior parte dos que no tem acesso energia eltrica residencial. O programa Luz para todos v esse acesso como sendo fator de desenvolvimento para aquelas regies, uma vez que as famlias sem acesso energia esto majoritariamente nas localidades de menor ndice de Desenvolvimento Humano (MME, 2006). Apesar de citar que um dos objetivos do programa

3

seria a reduo da pobreza atravs do aumento da renda familiar possibilitada pela oferta de energia, sabe-se que no necessariamente um fator est atrelado ao outro, tendo em mente muitos projetos de eletrificao que no alcanaram tal objetivo (Cavaliero, 2003). Sendo assim, o objetivo de tal projeto torna-se questionvel na medida em que apenas oferece, de maneira gratuita, energia eltrica, pois no elenca fatores reais de desenvolvimento scio-econmico para aquelas localidades. Outro fator a j conhecida situao financeira dessas regies. Segundo o programa citado, cerca de 90% das famlias que compem esse quadro tm renda inferior a trs salrios mnimos. Devido a isso, sabe-se que grande parte da energia eltrica gerada, principalmente nos estados do Norte e do Nordeste, subsidiada pelos consumidores das outras regies do pas, onerando-os ainda mais. A meta do programa levar eletricidade a 12 milhes de brasileiros at o ano de 2008, no entanto, conforme j mencionado, sabe-se que apenas o fornecimento eltrico no implica, necessariamente, no crescimento econmico das localidades. Sendo assim, no garantido que os consumidores que hoje necessitam de subsdios podero, num futuro prximo, arcar com uma parcela maior ou mesmo com os custos reais de gerao e distribuio de energia eltrica para seus domiclios, dessa forma reduzindo, ou mesmo retirando a onerosidade imposta aos consumidores do restante do pas. Tendo isso em mente, alm da observao de alguns outros projetos de eletrificao no necessariamente de ordem federal os quais no lograram o xito desejado (Cavaliero, 2003) que se observa a necessidade de propostas que vo alm do fornecimento da energia eltrica apenas, mas que ofeream reais possibilidades de desenvolvimento social e econmico de uma determinada localidade. Porm, para alcanar este objetivo, sabe-se que vrios fatores esto envolvidos. Apontar alternativas para o melhoramento de condies scio-ambientais de determinada localidade implica em, primariamente, conhecer a realidade em que se insere a mesma, alm de observar as possveis alternativas existentes para, enfim, atravs da realidade local, obter parmetros que possam oferecer qualquer possibilidade de desenvolvimento. As idias anteriormente descritas so frutos de estudos que priorizam atender as necessidades reais de comunidades energeticamente isoladas, no caso especfico do Estado do

4

Amazonas, uma vez que este o estado que apresenta uma das maiores concentraes de tais comunidades, cerca de 81 no total, conforme anteriormente citado. Sabe-se que isso no a mais fcil das tarefas, j que, apesar de apresentarem algumas caractersticas em comum, cada uma dessas comunidades representa um universo parte, pois apresentam diferentes opes de fonte de energia eltrica, assim como diferentes demandas comunitrias de tal bem, alm de apresentarem condies scio-ambientais divergentes entre si. Desse modo, observa-se a importncia em estudar essas localidades, no como sendo absolutamente idnticas, tendo em comum a escassez de oferta de energia eltrica, antes respeitando-se suas diversidades e, acima de tudo, contribuindo para que, de alguma forma, tais localidades possam se autodesenvolver, considerando suas reais possibilidades. Para tanto, destaca-se a importncia de um planejamento energtico especificamente voltado para o atendimento eltrico das comunidades isoladas e que considere suas diversidades. sob essas primcias que est sendo desenvolvido o projeto Produo de Energia Alternativa a partir de Clulas a Combustvel e Gs Natural no Estado do Amazonas (Projeto Celcomb), desenvolvido conjuntamente entre a Universidade Federal do Amazonas e a Universidade Estadual de Campinas, o qual possui financiamento do CT-Energ. Em linhas gerais, do ponto de vista tecnolgico, prope a converso de gs natural em gs rico em hidrognio, para que haja, no fim do processo, a gerao e posterior distribuio de energia eltrica. A comunidade tratada pelo projeto Celcomb a de Arixi, que est localizada no Municpio de Anam, no interior do Estado do Amazonas. Este um dos seis municpios que possui localizao estratgica na linha de influncia do gasoduto ainda em fase de construo entre as cidades de Coari e Manaus. Sua localizao geogrfica foi relevante para sua escolha, pois o gs natural a ser utilizado pelo projeto ser oriundo de uma das vrias conexes que o gasoduto ter nos municpios localizados na sua rea de influncia, chamadas de citygates. Um dos diferenciais desse projeto est no conversor energtico utilizado: o hidrognio retirado do gs natural. Apesar de ser um dos elementos mais encontrado no Universo, aquele no achado de forma isolada, sendo necessria sua extrao a partir de outras fontes como, por exemplo, da gua, do etanol ou mesmo do gs natural. O processo realizado, a partir desta ltima

5

fonte citada, de modo simplificado, iniciado com a obteno do hidrognio, atravs de um equipamento conhecido como reformador. Em seguida, o hidrognio extrado transferido para clulas a combustvel. Estas funcionam como uma bateria, pois transformam a energia qumica em energia eltrica, finalizando o processo (Oliveira, 2006). Esse tipo de gerao de energia, em comparao com os motores geradores alimentados com leo diesel, possui melhor aproveitamento do combustvel. Do ponto de vista ambiental, embora ambas as fontes de energia tratadas sejam de origem fssil tanto o leo diesel quanto o gs natural este ltimo possibilita reduo de emisses de gs carbnico (principal gs de intensificao do efeito estufa), em funo de sua composio qumica, na qual predomina o metano. Alm disso, o gs natural um recurso local, na medida em que o municpio de Anam, como j comentado, ser beneficiado com citygate que fornecer o combustvel necessrio. Outro fator de importncia levado em considerao para a escolha de Arixi pelo projeto Celcomb foi sua estrutura comunitria organizada, fato que possibilitaria anlise pormenorizada da mesma. Do ponto de vista do planejamento energtico, o projeto citado consistiu primariamente em diagnstico scio-ambiental e energtico da referida comunidade e tambm de estudos tcnicos do sistema reformador de gs natural estes realizados primariamente em laboratrio para posterior utilizao do equipamento na comunidade em questo. Estudos iniciais, que tm como principal foco o planejamento eltrico para o sistema isolado amaznico (Souza, 2000; Cartaxo, 2000; Cavaliero, 2003), j apontavam que apenas a gerao de energia eltrica, como a proposta de alguns programas, conforme j mencionado, no apenas de mbito federal, mas inclusive institucionais, no , sozinho, fator inerente de desenvolvimento scio-econmico da regio em questo. No entanto, h um hiato de informaes que possam medir a real interligao (e se existe de fato) entre fornecimento eltrico e desenvolvimento local. Assim, justifica-se o estudo de um planejamento energtico especfico para uma comunidade isolada, a fim de que se possam observar in loco as reais condies comunitrias antes da implantao do sistema eltrico para, em futuros trabalhos, observar as possveis mudanas ocorridas a partir da eletrificao, as quais possam ser vinculadas melhoria

6

da qualidade de vida de seus moradores, incluindo os fatores scio-econmicos, ambientais e energticos. 1.1 Objetivos 1.1.2 Geral Levantar e analisar dados sociais, econmicos, ambientais e energticos da comunidade isolada de Arixi, no Municpio de Anam, no Estado do Amazonas, tornando essa anlise marco referencial do estudo da qualidade de vida existente na comunidade e das possibilidades de melhoria desta, atravs de sugesto de desenvolvimento de uma atividade econmica, a partir de diagnstico realizado, para aumento da renda familiar, mediante suprimento local de energia eltrica. 1.1.3 Especficos Os objetivos especficos desse trabalho so: i) ii) aplicar questionrio com perguntas qualitativas e quantitativas na comunidade isolada de Arixi, a fim de caracteriz-la scio-ambiental e energeticamente. pronunciar suas necessidades e suas perspectivas do ponto de vista scioeconmico, ambiental e energtico, frente possibilidade da introduo de um novo equipamento de gerao de energia eltrica. Entende-se que o bom xito do uso da tecnologia proposta e do projeto como um todo (melhoramento da condio social local) tem dependncia intrnseca aceitao comunitria. Trabalhos j foram propostos mostrando a importncia da equipe tcnica interagir com a populao local, fazendo-a tambm participante em certas tomadas de deciso (Freire, 1982; Serpa, 2001; Fedrizzi, 2003). iii) conhecer sugestes locais que possibilitem aumento da qualidade de vida, alcanada tambm pela gerao de renda.

7

iv)

a partir de tais sugestes, usar abordagem multiobjetiva para coligar, considerandose as peculiaridades local, gerao de energia eltrica e formao de renda comunitria.

v)

contribuir para trabalhos futuros, uma vez que esta uma anlise inicial de impactos para a comunidade envolvida.

1.2 Estrutura da Dissertao Alm dessa introduo, prope-se a diviso deste trabalho em mais outros cinco captulos. No captulo 2 feita reviso da literatura que aborda questes relacionadas ao desenvolvimento e qualidade de vida dos seres humanos. Isto feito no intuito de discutir qual o grau de desenvolvimento encontrado em Arixi, como (e se) o projeto proposto de gerao eltrica pode contribuir para o aumento do desenvolvimento e da qualidade de vida existentes na comunidade. O captulo 3 trata da metodologia utilizada na confeco do trabalho, apresentando-se a rea de estudo, procedimentos da pesquisa de campo realizada. Dando prosseguimento, o captulo 4 traz a caracterizao do cenrio da pesquisa, atravs de dados scio-econmicos e energticos, fazendo-se introduo de assuntos que sero mais profundamente discutidos no captulo seguinte. No captulo 5 prope-se a apresentao das caractersticas scio-ambientais e energticas da comunidade de Arixi, assim como suas demandas associadas a tais aspectos. O captulo 6 apresenta as opes apontadas pela prpria comunidade para aumento do nvel do desenvolvimento local. A partir de abordagem multiobjetiva, tais alternativas so elencadas a fim de apontar qual delas figura-se como sendo a melhor. Por fim, a partir dos resultados observados, o Captulo 7 traz as concluses da dissertao e as recomendaes para trabalhos futuros.

8

CAPTULO 2 Reviso da LiteraturaEsta dissertao tem como particularidade estar contextualizada em um projeto de expanso de eletrificao de uma comunidade isolada, procurando medir, alm de aspectos energticos, tambm o nvel de desenvolvimento e qualidade de vida atual da populao local. Portanto, nesta seo procura-se contextualizar o debate sobre desenvolvimento, assim como descrever alguns trabalhos que contriburam para o estudo de planejamento energtico de comunidades isoladas no pas. Por fim, faz-se uma breve descrio do tema qualidade de vida, este enquanto fator promovido pelo desenvolvimento. A Agenda 211, no seu estabelecimento sobre Promoo para Desenvolvimento Sustentvel, ao tratar sobre Desenvolvimento, Eficincia e Consumo de Energia, concede destaque especial energia. De fato, os seres vivos necessitam de energia para o provimento de suas necessidades mais bsicas. No entanto, a energia tratada pela Agenda 21 vai alm daquela necessria para o atendimento das funes metablicas dos seres. Esta a define como essencial para o desenvolvimento social e econmico e para uma melhor qualidade de vida. A palavra essencial empregada aqui pode imprimir a importncia dada ao fator energtico como promovedor de desenvolvimento uma vez que a energia um dos seus insumos bsicos sendo este desenvolvimento possibilitador de melhorias na qualidade de vida das pessoas. Mas, tal documento sugere que esse fornecimento de energia seja feito de forma ambientalmente

A Agenda 21 um dos principais documentos produzidos quando da realizao da Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, a qual ficou conhecida como Rio 92 (Melo, 2003).

1

9

saudvel e sejam eliminados os atuais obstculos que o inibem, especialmente nos pases em desenvolvimento. Constitui-se grande desafio por parte dos pases o fornecimento eltrico queles que ainda no o possuem. De acordo com dados do World Energy Outlook (2002), publicado pela Agncia Internacional de Energia, no ano de 2030 prev-se que cerca de 1,4 bilho de pessoas no mundo ainda no ter acesso energia. Dentre essas, o maior nmero est localizado nas reas rurais dos pases subdesenvolvidos, pois neste caso cerca de 4 entre 5 pessoas no tem acesso energia, principalmente em pases localizados nos continentes africano e asitico. Observando-se tais dados, compreende-se a especial ateno oferecida aos pases em desenvolvimento, uma vez que estes ainda possuem fornecimento de energia aqum de suas necessidades. No caso particular do Brasil, trabalhos tm sido elaborados com o intuito de contribuir com a discusso sobre possveis alternativas no processo de eletrificao de reas isoladas, associados a possveis melhorias no bem-estar social e econmico de populaes que vivem em tais reas. A seguir, faz-se um sucinto relato de apenas algum desses trabalhos. Serpa (2001) centra sua anlise no Sudeste do pas, tendo por base estudos de caso desenvolvidos na Regio do Lagamar. O autor prope uma reflexo sobre os impactos socioculturais provocados pela mudana dirigida de gerao de energia eltrica em comunidades tradicionais rurais. A proposta da anlise que seja dada mais nfase ao fator humano, e no apenas tecnologia que estiver sendo testada na comunidade. O autor destaca que as principais falhas ocorridas e que impediram total xito nas mudanas propostas por alguns programas nacionais, no se deveram aos usurios do servio, de forma nica e determinante, e sim falta de orientao antropolgica na conduo do projeto (Serpa, 2001:247). Fedrizzi (2003), analisando as regies Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, tambm atravs de estudos de caso, aborda, a exemplo de Serpa (2001), a necessidade de anlise das condies existentes na comunidade antes da implantao de qualquer nova tecnologia de gerao de eletricidade. Destaca ainda que o sucesso do projeto se dar, no exclusivamente pelo funcionamento adequado da tecnologia, mas tambm pela forma de introduo do sistema na

10

comunidade, o tipo de abastecimento pr-existente, o grau de organizao e informao dos usurios, alm de caractersticas scio-culturais, religiosas, ambientais e econmicas da populao (Fedrizzi, 2003: 3). Trigoso (2004), ao analisar as regies Norte, Nordeste e Sudeste atravs de estudos de casos, observa a influncia que o abastecimento eltrico em lugares nunca antes eletrificados exerce nos seus respectivos nveis de desenvolvimento socioeconmico. O autor, a exemplo de Fedrizzi (2003), destaca a importncia do envolvimento das comunidades na consecuo do projeto de eletrificao, pois afirma que isto no pode ser separada da cultura e, mais ainda, ela no pode ser imposta (Trigoso, 2004:234). O autor ainda defende que o nvel de envolvimento no deve se dar apenas quando da escolha e implementao do projeto de eletrificao e que a simples eletrificao, por si s, no necessariamente fator de desenvolvimento. Santos (2006), tambm discutindo a Regio Norte do pas atravs de estudo de caso, mostra os impactos da substituio do leo diesel por fonte renovvel de energia, atravs da gaseificao da biomassa na gerao localizada de eletricidade. A autora discute a falta de interao entre fornecimento de energia eltrica e formao de renda monetria na maioria das comunidades isoladas daquela regio. Ainda, chama ateno para o fato de que a manuteno do sistema de motor gerador, assim como a compra do leo diesel , muitas vezes, de obrigao da prpria comunidade, um custo que nem sempre os moradores tm possibilidade de manter, dado o j restrito oramento. A idia em comum aos trabalhos anteriormente expostos a indicao de que a energia eltrica fator importante para se alavancar nvel de desenvolvimento scio-econmico. No entanto, a forma com que a eletricidade oferecida e mantida comunidade em questo deve ser assistida, posto os diferentes impactos, de ordem social inclusive, que esta impreterivelmente causa. No tocante tais idias, ainda outro grupo de trabalho avanou em estudos sobre comunidades isoladas, pontualmente as do Estado do Amazonas. A seguir, v-se a evoluo do pensamento no que diz respeito s alternativas de fornecimento eltrico para aquela regio.

11

A importncia de conhecimento prvio da localidade a ser beneficiada com fornecimento eltrico, ou expanso deste, um dos pontos defendidos por Souza (2000). O autor destaca a importncia de se conhecer as aptides regionais energticas e mensurar suas reais demandas, a fim de que se possam desenvolver projetos que acompanhem tais necessidades. Ainda, Souza defende a construo de um banco de dados para gerao de energia eltrica nas faixas de potncia compatveis com as demandas a serem atendidas nos mercados isolados da regio Amaznica. Tais esforos se dariam no intuito de oferecer mais do que apenas energia eltrica e sim desenvolvimento real para as comunidades envolvidas, a fim de que o setor eltrico no seja um mero figurante nas aes de desenvolvimento scio-econmico (Souza, 2000: 198). Cartaxo (2000) apresenta um estudo realizado em uma comunidade isolada na regio do Municpio de Manacapuru, no Estado do Amazonas, quando da insero de energia eltrica atravs de fonte alternativa. A autora destaca algumas das conseqncias do fornecimento eltrico desigual uma determinada regio como a falta de condies para a produo de gua potvel, para a conservao de medicamentos, para a criao de mercado de trabalho, alm de ter conseqncias sobre a educao, recursos mdico-hospitalares (Cartaxo, 2000: 26). Ainda, a exemplo de Sousa (2000), destaca a necessidade de se conhecer primariamente a localidade em questo envolvida, ao menos no que diz respeito s suas caractersticas mais pontuais, como as scio-ambientais. No entanto, suas reflexes permitem evoluo do tema, pois afirmam que a insero de nova tecnologia para o fornecimento eltrico pode tornar-se uma experincia de confrontos com a realidade local (Cartaxo, 2000:180), uma vez que tal insero traz modificaes nos hbitos e na cultura local. Como medida mitigadora, a autora prope um acompanhamento da entrada da tecnologia na vida dessas pessoas (...) seguida de desenvolvimento das atividades econmicas para aumento de renda, de forma que possa a prpria comunidade manter este suprimento (Cartaxo, 2000: 180, 181). Ainda, a autora cita a importncia da energia eltrica para o desenvolvimento local, seja ele do ponto de vista social ou econmico, pois, segundo ela igualmente grave dissociar energia de desenvolvimento (Cartaxo, 2000: 184). Ao discutir o planejamento energtico para a Regio Amaznia, Cavaliero (2003) destaca a preocupao nacional e internacional sobre o processo de degradao ambiental que aquela

12

localidade vem passando. Acrescenta-se a isso o uso generalizado de motores a diesel para sua gerao eltrica, o qual contribui para emisses de CO2. Diante deste cenrio, a autora aponta a necessidade de alterao do modelo de desenvolvimento adotado, inclusive no que diz respeito ao suprimento energtico (Cavaliero 2003:227) a fim de se alcanar o desenvolvimento sustentvel da regio. Para tanto, a autora discute algumas alternativas energticas, dando enfoque especial s locais que poderiam ser utilizadas, como no caso da biomassa. Mas, para maiores possibilidades de um projeto eltrico lograr xito, Cavaliero concorda com Cartaxo (2000) sobre a necessidade que a comunidade participe ativamente da implantao, operao e manuteno dos sistemas (Cavaliero, 2003:229), possvel atravs do oferecimento de cursos bsicos sobre o sistema quela populao. Por fim, independentemente da fonte de energia adotada, se alternativa ou convencional, Cavaliero aponta que o mais importante associ-la ao desenvolvimento de uma atividade produtiva, de forma a garantir benefcios econmicos comunidade (Cavaliero, 2003:228), o que possibilitaria, inclusive, uma reduo gradativa de subsdios governamentais oferecidos ao sistema isolado. Figueiredo (2003) discute propostas que elevem o grau de desenvolvimento da Regio Norte, em especfico o Estado do Amazonas, tendo por base principal a expanso de energia eltrica oferecida. Porm, o autor destaca, a exemplo de autores j citados, que aquele item de forma isolada no seria promovedor do aumento do nvel de desenvolvimento, sendo necessrio criar-se um modelo de desenvolvimento baseado nas caractersticas scio-econmicas, nas tendncias dos setores produtivos com suas potencialidades locais (Figueiredo, 2003: 5). A fim de serem bem sucedidos, o autor destaca ainda que seria necessrio uma seleo de projetos onde interajam os objetivos polticos, econmicos, sociais e ecolgicos (Figueiredo, 2003: 143). A partir de abordagem de desenvolvimento endgeno2, Teixeira (2005) destaca que o aproveitamento de fontes locais de energia est totalmente coerente sob a tica daquela abordagem. Para o autor, h fortes evidncias da necessidade de gerao de energia eltrica atrelada ao desenvolvimento. Para aquelas localidades que tm fontes alternativas locais, o autor defende que uma opo a utilizao do prprio processo de eletrificao para promover a2 Segundo Barqueiro (2002), quando a comunidade capaz de utilizar o potencial local de desenvolvimento e liderar o processo de mudana estrutural, pode-se falar de desenvolvimento local endgeno ou, simplesmente, de desenvolvimento endgeno.

13

gerao de renda (Teixeira, 2005:85), sendo este direcionado tanto para a melhoria econmica quanto social da regio. E, para aquelas localidades que no apresentam fonte energtica local passvel de ser explorada, o autor avana na discusso ao apontar que este fato no deve excluir o uso de outras tecnologias (Teixeira, 2005:85) e prope que em tais localidades a eletrificao tambm deve estar atrelada a alguma atividade econmica, como por exemplo o pescado ou extrativismo de frutas no oleaginosas (Teixeira, 2005: 85). Observa-se, atravs dos autores descritos, que apenas extenso de rede de energia eltrica por si s, no necessariamente leva uma localidade a alcanar maiores nveis de desenvolvimento econmico e social. necessrio que se conhea primariamente o local a ser beneficiado com eletrificao, principalmente a partir de suas caractersticas scio-econmicas e ambientais. A partir desse marco referencial seria possvel, ento, anlise posterior de nvel de qualidade de vida, nos mbitos scio-ambientais e energticos, a fim de se verificar se houve de fato qualquer alterao positiva nos mesmos. Essa a premissa central desta dissertao, que se figura como uma primeira atividade emprica das idias apresentadas nos trabalhos anteriormente citados. Outro fator o imprescindvel envolvimento da populao local no processo de eletrificao, pois desse modo os moradores estariam aptos, atravs de mini-cursos, a manejar, de maneira segura, problemas bsicos com a tecnologia empregada. Ainda, os autores anteriormente mencionados, destacaram a importncia de se encontrar alternativas locais que possam coligar eletricidade e gerao de renda, durante o processo de eletrificao naqueles lugares passveis de tal, ou ainda, onde isso no possvel, apontem possveis beneficiamentos de atividades locais, para que, alm de tornarem os novos consumidores capazes de pagar pelo consumo eltrico, possam promover melhorias de ordem social e econmica na localidade. possvel notar que temas envolvendo desenvolvimento e qualidade de vida foram freqentemente referenciados tanto pelos autores outrora citados como tambm pela Agenda 21, pois a proposta de aumento do fornecimento eltrico s teria sentido completo se oferecesse maiores nveis daquele, seja econmico, seja social ou mesmo de ambos. No entanto, qual seria a melhor definio, ou quem melhor identificaria nveis de desenvolvimento e de qualidade de vida aceitveis para uma determinada populao? A seguir, dirigida pela anlise de tais teorias, faz-se

14

uma breve contextualizao dos principais movimentos ambientais mundiais que desencadearam o aparecimento de alguns conceitos como o de ecodesenvolvimento, que mais tarde ficou sendo expresso como desenvolvimento sustentvel. Quanto ao tema qualidade de vida, este expresso enquanto fato promovido pelo desenvolvimento, observando-se o papel daquela no atendimento das necessidades dos indivduos. Faz-se isso no intuito de pensar o modelo proposto nesta dissertao, uma vez que esta objetiva ser um marco referencial da qualidade de vida da comunidade de Arixi, no que diz respeito s suas caractersticas scio-ambientais e energticas, a fim de, em trabalhos futuros, poderem ser analisados os possveis impactos que o processo de eletrificao ocasionou comunidade. 2.1 Desenvolvimento: Uma aproximao histrica do conceito A sociedade moderna, desde seus primrdios, fruto de profundas transformaes sociais que, apesar de terem iniciado na Europa, foram se expandindo com o correr dos sculos, at tomar propores mundiais. Tais transformaes sociais permitiram mudanas e avanos no pensamento, principalmente o cientfico, possibilitando ao homem questionamentos maiores e a busca por respostas empricas. Deu-se incio, ento, a uma era de tranqilidade, de certeza na cincia e de sua capacidade de solues. Posteriormente, esta certeza permitiria crer que a cincia reverteria os problemas causados pelo avano do desenvolvimento, inclusive os de ordem econmica. Tais problemas foram observados com certa intensificao nos anos de 1960, decorrentes dos impactos scioambientais negativos oriundos da expanso econmica que parte do mundo vivia expanso essa calcada na crena de que o nvel de desenvolvimento de uma nao era medido pela sua capacidade de consumo e a reao social deflagrada por essas evidncias de degradao (Ferreira, 2006). Para citar algumas dessas degradaes, Ribeiro e Marin destacam as armas nucleares de poder de destruio em massa, o uso indiscriminado de recursos naturais em nvel global, perceptvel nos nveis de poluio do mar e do ar (Ribeiro e Marin, 2002). Apontava-se o uso indiscriminado de pesticidas, associado sua produo industrial e agrcola (Carson, 1962, apud Ferreira, 2006: 49). Como parte de uma busca para se encontrar respostas necessrias crise ambiental observada, havia a crena de que estas poderiam ser alcanadas atravs da mobilizao

15

de movimentos ambientais. Realmente, viu-se no ps-guerra que as reivindicaes de tais movimentos ganharam notoriedade nas agendas internacionais e nacionais. Observa-se, ento, que as certezas sedimentadas na cincia tiveram suas estruturas abaladas e de forma permanente. Isto se deu com a percepo de que aquela, grande trunfo de outrora, j no seria capaz de responder, ou ainda, de solucionar todas as inquietaes dos indivduos.

De fato, houve tomada de conscincia ambiental durante a dcada de 1960 e, dentre as preocupaes emergentes, considerava-se a intensidade com que o desenvolvimento era buscado entre as naes. No entanto, entre o fim da II Guerra e o ano de 1973 o mundo, retratado principalmente pelos pases capitalistas desenvolvidos, buscou e viu um crescimento econmico sem igual, possibilitado, dentre outros fatores, pelo baixo preo da energia, principalmente petrleo. Em meio a este cenrio, no ano de 1971, disposto pelos mesmos que um ano depois organizariam a Conferncia de Estolcomo, foi realizado o encontro Founex onde, pela primeira vez, foram discutidos as dependncias entre o desenvolvimento e o meio ambiente (Sachs, 2002:48). Em 1972, a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, representou um reconhecimento pblico a nvel mundial das preocupaes ambientais (Romeiro, 1998). Seguido da crise energtica, causada pela alta dos preos do petrleo, observada e sentida pelo mundo em 1973, houve a publicao pelo Clube de Roma do relatrio Limites do Crescimento, proposto por Dennis Meadowns e um grupo de pesquisadores. Esse documento alertava de forma drstica a possibilidade do esgotamento dos recursos naturais e de uma catstrofe ambiental planetria, caso se mantivesse constantes as expectativas de crescimento econmico (Paehlke, 1989; Mac Cormick, 1992; Eckersley, 1995 apud Ferreira, 2006).

A dcada de 1980 tambm foi marcada por importantes acontecimentos envolvendo os temas desenvolvimento e meio ambiente trazendo, alm de novo flego, continuao ao debate em busca de novos parmetros para perceber, dentre outros itens, qualidade de vida desejada, em meio ao modelo de desenvolvimento adotado. No perodo em que ocorreram casos como o de Bhopal (1984) e Chernobyl (1986), houve mudanas no modo de como se percebia os problemas de carter ambiental, e esta anlise passou de um nvel local para o global, transformando igualmente a freqncia de problemas e acidentes ambientais (Ferreira, 2006:50). 16

creditado aos anos 70 e 80 o surgimento da corrente denominada por alguns de Profetas do Apocalipse (Andrade, 2002). Segundo o autor, para os participantes dessa corrente os sistemas tecnolgicos modernos, baseados em uso intensivo de recursos energticos e emisso de poluentes, representariam o grande fator desestabilizador do ambiente (Andrade, 2002:82). A dcada de setenta seria marcada pela impossvel convivncia entre ambiente e tecnologia. No entanto, os anos de 1980 viram surgir outra corrente de pensamento segundo a qual a interveno tecnolgica no ambiente, alm de bem-vinda, era tambm necessria. Alm disso, era defendido que a crise ambiental s pode ser superada a partir do desempenho eficiente e racional dos agentes sociais e econmicos capitalistas (Andrade, 2002:83). Buscando uma linha conciliadora entre tais correntes, Igancy Sachs estabeleceu preceitos da teoria conhecida como ecodesenvolvimento. Romeiro (1999) esclarece que a autoria do termo no bem definida, mas aponta o consenso geral que a atribui a Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos Sociais de Paris. Segundo Teixeira (2005), Sachs, em 1976, definiu e deu bases para o conceito de ecodesenvolvimento com a publicao do livro Estratgia de Transio para o Sculo XXI: desenvolvimento e meio ambiente (Teixeira, 2005:18). Conforme anteriormente citado, a partir da dcada de 1970, principalmente aps a publicao do relatrio do Clube de Roma, viu-se nascer duas correntes extremistas em relao ao debate de desenvolvimento. A primeira apontava que os limites ao crescimento econmico impostos pelo meio ambiente seriam vencidos, principalmente com a contribuio da tecnologia, e que o custo ecolgico resultante seria to inevitvel quanto irrelevante (Romeiro, 1999:76). A segunda corrente pregava o conceito contrrio, apontando a catstrofe prxima da humanidade, caso continuassem crescentes as taxas de utilizao de recursos naturais. Sachs, em resumo ao descontentamento produzido pelos exageros cometidos, diz que tamanho a simplificao poderia at causar irritao, pois:

Ora o homem aparece como o mestre arrogante da natureza e como demiurgo, ora como prisioneiro de uma mecnica de escala planetria, onde produes e poluies se conjuram para esmag-lo e onde s a histria natural existe, na medida em que a degradao da energia introduz um elemento de irreversibilidade.(Sachs, 1986: 10)

17

Como resposta s simplificaes, o conceito de ecodesenvolvimento (que atualmente conhecido como desenvolvimento sustentvel, [Romeiro, 1999]) buscava uma conciliao entre os dois pensamentos apontados como extremos, reconhecendo os limites existentes do meio ambiente, mas observando a necessidade de se definir um estilo de desenvolvimento, principalmente das reas rurais em pases subdesenvolvidos. Segundo Sachs (1986), as principais caractersticas do ecodesenvolvimento so: 1) valorizao dos recursos naturais locais, os quais satisfaam as necessidades fundamentais da populao (Sachs, 1986: 15). Mas, comentrio importante feito em relao o medir dessas necessidades, pois isto deve ser feito levando-se em conta as reais necessidades existentes das pessoas envolvidas, para que fosse evitado o mimetismo de pases ricos; 2) a valorizao do homem, uma vez que este o recurso mais precioso; 3) o respeito s geraes futuras, atravs do uso equilibrado dos recursos naturais, com o intuito dos mesmos no se exaurirem no longo prazo; 4) reduo de impactos negativos das atividades humanas; 5) maior utilizao possvel dos recursos existentes como: utilizao de fontes locais de energia em detrimento das fontes comerciais; 6) esta sexta caracterstica profundamente interligada anterior, pois esta estabelece a necessidade de desenvolvimento de tcnicas, ou ecotcnicas, apropriadas para que se faa a utilizao dos possveis recursos existentes; 7) interveno necessria de autoridade horizontal. Esta deveria ter uma viso holstica do desenvolvimento e participar junto populao para o estabelecimento das tcnicas que elevariam o grau de desenvolvimento existente. O trabalho integrado entre populao e autoridade seria de fundamental importncia, pois permitiria segunda a viso real das necessidades da primeira; 8) esta ltima caracterstica trata sobre a educao como item de fundamental importncia, uma vez que seria este o responsvel pela mudana de pensamento e de atitude em relao ao uso dos recursos naturais.

Em concluso sobre o que seria ecodesenvolvimento, Sachs o define como sendo uma srie de medidas tomadas a partir da anlise particular de cada regio, a fim de se evitar mimetismos extremamente perigosos e frmulas de desenvolvimento. Ao contrrio, o ecodesenvolvimento caminharia na direo oposta a essas idias, oferecendo um voto de confiana capacidade das sociedades humanas de identificar os seus problemas e de lhes dar solues originais (Sachs, 1986:18).

18

Um ano aps Sachs divulgar tais pensamentos, em 1987 outra obra atraiu ateno. Esta foi a publicao, pela Comisso Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), do Relatrio que ficou conhecido como Relatrio de Brundtland ou Nosso Futuro Comum. A CMMAD foi criada em decorrncia da Conferncia de Estocolmo de 1972. Durante seus cinco primeiros anos, essa Comisso, composta por 21 pases e presidida pela ento primeira ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, pesquisou a situao de degradao ambiental e econmica do planeta (Herculano, 1992). Ainda segundo a autora, aquele Relatrio trouxe expresses que ficaram conhecidas mundialmente na ocasio e que, no entanto, at hoje carregam significados um tanto dbio e vago. Um deles o to difuso termo desenvolvimento sustentvel. Esse traz referncias sustentabilidade das geraes futuras, tendo em vista a utilizao feita pela gerao atual dos recursos naturais existentes. Ou seja, desenvolvimento sustentvel aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as geraes futuras de tambm atenderem s suas (Herculano, 1992:11). A autora defende que este termo traz dubiedade primeiramente por causa das possibilidades de diversas interpretaes realizadas pelos diferentes atores sociais acerca do tema. Segundo porque o desenvolvimento sustentvel teria que se prestar, simultaneamente, conciliao de preservao da natureza e manuteno do crescimento econmico (Herculano, 1992:11). Foi a partir do Relatrio Brundtland que se delinearam as propostas polticas discutidas na II Conferncia Mundial sobre Meio Ambiente, que ficou conhecida como Rio/92. No ano de 1992, exatamente vinte anos aps a Conferncia em Estocolmo, Romeiro aponta que, apesar de ainda haver divises, a natureza da segunda Conferncia mudara. Dentre outros, o autor aponta o fato de que as previses do Clube de Roma no se confirmaram verdicas, dado o aumento da eficincia na utilizao dos recursos naturais, associada ao desenvolvimento de novas tecnologias. O segundo motivo apontado pelo autor seria a mudana de anlise quanto s preocupaes desenvolvimentistas (Romeiro, 1998).

19

A breve apresentao sobre a construo do debate sobre desenvolvimento permitiu mostrar que dependendo do segmento social envolvido, idias diferentes sobre o mesmo tema surgiro. como esclarece Herculano: (...) as idias so foras vivas, so capturadas, naturalmente reinterpretadas ou propositalmente adulteradas (Herculano, 1992: 42). Sendo assim, parece que sempre haver espao para se formarem crticas sobre o modelo de desenvolvimento adotado, principalmente se este for espelhado em regies que possuam caractersticas diferenciadas, por exemplo, quanto ao seu nvel de renda ou de consumo. Tais crticas so de relevante importncia porque oferecem tambm a oportunidade de se pensar as diferenas existentes entre naes, territrios e culturas. Aquilo que ser adequado a determinado grupo, no necessariamente ser fundamental para outro.

nesse contexto que se prope repensar a questo do desenvolvimento. No que isso seja uma atitude nova. Ao contrrio, muito j foi discutido sobre alternativas ao modelo de desenvolvimento adotado, no apenas entre pases, mas entre regies territorialmente menores. O caminho apontado, na maioria das vezes, segue a idia de reconstruo da sociedade. Reconhecese que apenas pensar desenvolvimento do ponto de vista das premissas econmicas o que produzir, como produzir e como distribuir no , de forma alguma, a chave para sequer comear a discusso. Antes, busca-se a viso holstica do tema que, claro, passa pelas escolhas da sociedade tanto como produtora de bens tangveis e intangveis, incluindo-se aqui a produo de conhecimento, como tambm de consumidora da sua prpria produo.

Apesar das crticas oferecidas ao tema desenvolvimento, oriundas dos diferentes atores envolvidos, algo em comum entre elas a idia de uma sociedade mais feliz. A busca constante parece ser sempre no sentido de resgatar ou promover uma alegria perdida, mas que sempre tem a possibilidade de ser reencontrada. Tal pode ser promovida na forma de um produto, ou de uma idia. As crticas ou sugestes que envolvem a questo do desenvolvimento pairam no que seria a melhor forma de promover a felicidade entre os seres. Da a contribuio de teorias como da auto-gesto biocrtica, que prega uma sociedade mais crtica e que propicie o bem-estar, o lazer a cultura s futuras geraes (CEASE-SP Sul/91 apud Herculano, 1992:43).

20

Essa e outras teorias apontam o desenvolvimento como sendo uma conjuno de fatores que permitiriam a construo de uma sociedade mais tica. Esta sociedade seria calcada na promoo do bem-estar primeiramente do indivduo, sendo este alcanado atravs do respeito dignidade humana. Porm, Herculano (1992) relembra a necessidade de no se passar por cima de outras formas de vida, no sentido de que a promoo do indivduo no o coloque num patamar tal que lhe seja permitido o uso abusivo de recursos naturais.

Assim, a questo central do desenvolvimento humano parece ser sempre a busca por melhores (portanto mais felizes) condies de vida. Tais condies ultrapassam a questo econmica. Elas alcanam a citada viso holstica defendida por Herculano (1992), uma vez que levam ao questionamento do ambiente que cerca o indivduo. Nesse sentido, Barbosa (1996) orienta a idia de que o objetivo maior do desenvolvimento deve ser a melhoria da qualidade de vida, uma vez que as condies ambientais a que esto expostas as pessoas se relacionam intimamente qualidade de vida (Barbosa, 1996:137).

2.2 Desenvolvimento e Qualidade de Vida O termo acima, apesar de largamente empregado, ainda no possui nica definio universalmente aceita. Megere, ao discutir essa propriedade ainda no definida do termo, prope que qualidade de vida semelhante a liberdade no h quem a defina, mas tambm no h quem no a entenda (Merege apud Keinert et al 2002:122). Alguns autores atribuem a falta de um consenso a respeito do termo devido este ser medido de forma particular entre os homens. Os indicadores de qualidade de vida geralmente so baseados nos relatos dos indivduos, os quais sofrem influncia direta das percepes do ambiente em que esto inseridos, do seu nvel de escolaridade, seus sentimentos, etc. Barbosa (1998), ao citar Buarque, esclarece que esse termo j tem uso, de certa forma, antigo e que este seria uma busca utpica do ser humano. Isso faria parte de uma constante insatisfao quanto s condies de vida, buscando-se sempre melhorias quela. No entanto, a autora traz lembrana algo importante, que no se permitir que a procura por ideais de

21

qualidade de vida se transformem numa busca messinica. Nesse sentido, Herculano (apud Keinert at all, 2002) prope um conceito do termo que envolveria possuirmos como atendimento as necessidades e desenvolvimento humano, assim como valores vinculados ao desenvolvimento sustentvel. Segundo ela, qualidade de vida poderia ser definida como a soma das condies econmicas, ambientais, cienftico-culturais e polticas coletivamente construdas e postas disposio dos indivduos para que estes possam realizar suas potencialidades (Herculano apud Keinert et al 2002:121). Destarte, apesar da no existncia de um conceito universal, qualidade de vida pode ser evidenciado atravs de elementos indicadores a partir da percepo que os moradores constroem do seu viver cotidiano no meio ambiente (Barbosa, 1998:402). No entanto, comeouse a relacionar os temas qualidade de vida e ambiente apenas no fim da dcada de 1980. Segundo Barbosa (1998), alguns marcos dessa iniciativa foram a realizao de Conferncias na Inglaterra e Frana e a reunio da cpula econmica do Grupo dos Sete, trs anos mais tarde, com a Rio 92. Ainda, a autora prope a discusso do termo a partir de autores que fornecem definies diferentes, baseadas conforme perodo tratado. Em grande parte do sculo XX, apoiou-se um significado do termo fundamentalmente voltado para o ter. Em outras palavras, as necessidades dos seres humanos deveriam ser saciadas com o consumo de produtos e, quanto maior o nvel do consumismo, maior seria qualidade de vida do indivduo. Isso levou, dentre outros fatores, elevao do uso dos recursos naturais para o aumento da produo de bens o que, dentre outros, incentivou o surgimento dos principais movimentos ecolgicos que o sculo XX assistiu, conforme tratado anteriormente. Em contrapartida, o fim daquele sculo e o comeo do sculo XXI, estariam exigindo a reformulao do conceito de qualidade de vida. Este, agora, deveria ser baseado em uma nova tica nos mbitos econmicos, sociais, polticos e culturais. Barbosa (1998), ao citar Gallopn, nos orienta no sentido de que o ambiente em que a pessoa est inserida pode alterar sua qualidade de vida, conforme j citado. Esta idia tambm compartilhada por Buttel, (2000) quando este diz que a qualidade de vida, do ponto de vista ambiental, um fenmeno tanto pessoal quanto coletivo (Buttel, 2000:42). Em seguida, o autor recorre necessidade de se verificar como as modificaes ambientais poderiam trazer melhorias

22

sociedade. Aquelas poderiam ser motivadas por diferentes interesses, estes podendo ser desde sade individual ou familiar, at a preservao da prpria comunidade em que o indivduo encontra-se. Outro conceito a ser destacado apresentado pelo Centro de Alternativas de Desarollo, em 1986, o qual prope que qualidade de vida depender das possibilidades que tenham as pessoas de satisfazer adequadamente suas necessidades humanas fundamentais (apud Barbosa, 1998:409). Tais necessidades, historicamente, sempre foram muito associadas questo do consumo, conforme anteriormente citado. Ter definiria o ser. Sendo assim, para que um ser humano pudesse ser visto como tendo alta qualidade de vida, este necessariamente deveria ter um alto padro de consumo de bens e tecnologia. No entanto, aquele provou ser um conceito utpico, pois alguns segmentos da sociedade, ao longo do tempo, confrontaram-se com a certeza de no ter conseguido estabelecer, apesar dos esforos e conquistas, o nvel ansiado de qualidade de vida. Ento, tornaram-se necessrios ajustes em seu conceito. Buarque (1993), citado por Barbosa (1998) inserido neste novo contexto, prope novas dimenses ao conceito de Qualidade de Vida que, ao mesmo tempo respeitam o conceito utpico do sculo XX, que seria a igualdade e o consumismo, mas remodela tais utopias, que ficam subordinadas a novos valores. Crocker (apud Barbosa, 1996) verbaliza isto de forma mais explcita quando diz que uma nova tica nos mbitos econmicos, sociais, polticos e culturais alcanaria o nvel utpico de qualidade de vida. Assim, qualidade de vida seria, antes de tudo, o atendimento s necessidades, carncias e desejos dos indivduos e, tambm a observao de como essas necessidades, uma vez satisfeitas, so atendidas. Nesse sentido, Herculano (1992) defende a urgncia de uma reformulao de conceitos, estilo de vida e, principalmente, de consumo. A autora, discutindo como o desenvolvimento traria melhorias para o bem estar social, ou ainda, para a qualidade de vida dos cidados, preconiza uma unio entre os atores, pois o ambientalismo faria melhor se usasse a viso holstica para perceber que a sociedade civil e Estado formam uma unidade dialtica (Herculano, 1992:44). Isto defendido por se pensar que justamente a desfragmentao que concede sociedade a alienao. Portanto, a autora apia o nascer de uma:

23

(...) sociedade tica, que promova a dignidade humana, sobretudo, mas sem arrogncias antropocntricas que desrespeitam outras formas de vida; que saiba criar um convvio igualitrio entre raas, sexos e naes, sabendo, ao mesmo tempo, preservar suas diversidades culturais (Herculano, 1992:45). Tendo sido observado alguns trabalhos j desenvolvidos que abordam sobre o atendimento eltrico de comunidades isoladas, alm de certas noes do tema qualidade de vida, o captulo seguinte trata sobre a metodologia empregada que norteou a elaborao desta dissertao.

24

CAPTULO 03 Metodologia da DissertaoNo captulo anterior procurou-se destacar, entre outros, a necessidade de um planejamento energtico que considere as peculiaridades da regio amaznica, em vista da existente heterogeneidade da mesma. Tal defendido visando no apenas bom xito da implantao de um projeto de eletrificao, mas tambm para a viabilidade de continuao do mesmo. Para tanto, necessrio o conhecimento prvio da localidade, ou seja, ainda durante a pr-implantao do projeto, uma vez que muitos so os exemplos daqueles que no surtiram o efeito esperado na vida das comunidades envolvidas. A seguir, discorre-se sobre a metodologia empregada para a elaborao dessa dissertao, assim como aquela utilizada para a construo de um dos principais instrumentos de anlise das caractersticas comunitrias de Arixi, o questionrio scio-ambiental e energtico. Fora anteriormente mencionado a importncia de se desenvolver um projeto de eletrificao contando com a participao efetiva da comunidade, a fim de que sejam conhecidas as possibilidades existentes, assim como as que no podem ser exploradas. O intuito maior o de contribuir com informaes relevantes que possam auxiliar na tomada de deciso sobre a melhor alternativa de utilizao de energia eltrica para o incremento de renda na comunidade, uma vez que esta quem decidir, em ltima instncia, qual ser o melhor condutor ao desenvolvimento. Assim, a fim de se alcanar o objetivo desta dissertao, o mtodo empregado foi dividido em trs etapas: aplicao de questionrio na comunidade de Arixi; anlise e tratamento dos dados coletados em campo e utilizao de abordagem multiobjetiva, que ferramenta auxiliadora de

25

tomada de deciso. A ttulo de contextualizao do cenrio em que esta dissertao foi desenvolvida, a Seo 3.1 discorre sobre o projeto Celcomb. Em seguida, na Seo 3.2, faz-se descrio da etapa de elaborao e aplicao de questionrio. Na seo 3.3. comenta-se sobre a pesquisa de campo. O mtodo de anlise e tratamento dos dados descrito na Seo 3.4. Finalmente, na Seo 3.5 comenta-se brevemente sobre o mtodo de abordagem multiobjetiva. 3.1. O Projeto Celcomb A dissertao ora apresentada foi desenvolvida no contexto do projeto Celcomb, no qual a autora foi pesquisadora. Este projeto constitui-se em uma parceria entre a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) atravs do Ncleo Interdisciplinar de Planejamento Energtico (NIPE); Ncleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM); Laboratrio de Hidrognio do Instituto de Fsica (LH2) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), atravs do Departamento de Eletricidade. Com a durao inicial prevista para dois anos, o projeto vem sendo desenvolvido no mbito do edital MME/CT-Energ/CNPq 03/2003. O objetivo principal do projeto aumentar a oferta de energia eltrica da comunidade de Arixi com um sistema com potncia de 5 kW, uma vez que a oferta existente limitada em 4 horas semanais, ficando aqum da demanda dos moradores. O atendimento no ser feito de forma residencial, sendo restrito apenas para prdios de uso comunitrio, sendo estes: as escolas estadual e municipal, o posto de sade e o poo artesiano. A energia ser gerada a partir da implantao de um sistema Reformador de Gs Natural/Purificador de Hidrognio/Clula a Combustvel. No ano inicial foram realizadas, alm de estudos tcnicos do projeto, visitas tcnicas Comunidade de Arixi. Para tanto, foram formadas duas equipes de trabalho, compostas por trs pesquisadores e um bolsista de graduao do Departamento de Eletricidade/UFAM e duas pesquisadoras do NEPAM/UNICAMP. A primeira visita foi realizada entre os dias 23 e 24 de outubro de 2004 com o objetivo de levantar dados preliminares relacionados aos aspectos scio-demogrficos, incluindo neste a organizao social, os aspectos econmicos e as caractersticas energticas, fornecendo este ltimo aspectos importantes sobre a oferta de energia na comunidade, bem como seu sistema de

26

distribuio. A partir de tais informaes, foi elaborado o Relatrio de Diagnstico Preliminar da Comunidade de Arixi, sob a responsabilidade da j mencionada equipe de pesquisa do Departamento de Eletricidade/UFAM, coordenada pelo Professor Dr. Carlos Alberto Figueiredo. A partir de tais dados, foi possvel para a equipe do NEPAM/UNICAMP, construir um instrumento voltado realidade da comunidade de Arixi. 3.2 Metodologia aplicada na elaborao de questionrio Partindo-se do pressuposto que esta dissertao tem de servir como marco referencial das condies scio-ambientais e energticas de Arixi, fez-se necessria a aplicao de questionrio que abrangesse tais questes junto comunidade. Assim, para compreenso da ferramenta utilizada, a seguir descreve-se a metodologia empregada na construo da mesma. Conforme j discutido na introduo dessa dissertao, sabido que a regio amaznica apresenta peculiaridades em relao ao restante do pas e, mesmo internamente, cada comunidade, apesar de questes em comum, ainda assim apresenta universos diferentes. Portanto, fez-se necessrio a construo de um instrumento de pesquisa nico que, ao ser aplicado, pudesse abranger as caractersticas intrnsecas comunidade de Arixi. A equipe de pesquisa do NEPAM/UNICAMP3 possui vasta experincia em trabalhos com comunidades e, no caso especfico da Dr Lcia da Costa Ferreira, com comunidades amaznicas. Tais experincias, de base scio-ambiental, foram de grande importncia para a construo do instrumento de pesquisa, pois, conforme j mencionado, sabe-se que no suficiente a eletrificao comunitria e figura-se de importncia o envolvimento dos moradores no processo. Sendo assim, aliando conhecimento emprico e preceitos da sociologia ambiental, de domnio das pesquisadoras citadas, foram realizadas reunies entre a equipe de pesquisa. Aliada experincia do grupo de pesquisa, algo que tambm contribuiu para a elaborao do questionrio foi o Relatrio de diagnstico preliminar da comunidade de Arixi,3

Inicialmente constituda pelas Professoras Doutoras Lcia da Costa Ferreira e Snia Regina da Cal Seixas Barbosa.

27

anteriormente mencionado, o qual apresenta dados primrios sobre aspectos da vila. O resultado foi a construo de questionrio especfico4 que considera as caractersticas da localidade. Seu objetivo a observao de trs grandes aspectos comunitrios, a saber: scio-demogrfico, saneamento e energtico, estando estes calcados em perguntas qualitativas e quantitativas. Durante a aplicao de questionrio na pesquisa de campo, visando-se obter confiana em relao ao nmero de dados coletados, buscou-se atingir critrios de uma amostragem estatstica. Quanto amostra utilizada para a aplicao dos questionrios, esta se justifica em funo do seguinte clculo: o total de famlias moradoras em Arixi relatada como sendo aproximadamente de 113 famlias. Considerando-se a mdia de 5 pessoas por famlia, tem-se um nmero de sujeitos em N= 565. Sendo assim, para um nvel de confiana igual a 95% e margem de erro mxima de 4,7%, o n de sujeitos na amostra seria n= 246, uma vez que foram entrevistadas um total de 49 famlias. O n utilizado de 275 e, como o foco da pesquisa qualitativo, os dados quantitativos foram utilizados para fundament-lo (Projeto Celcomb, 2005)5. Alm da construo daquele questionrio, tambm foi estabelecido o uso de entrevistas gravadas e semi-estruturadas, como instrumento de pesquisa. Estas tiveram por objetivo resgatar tanto a histria de vida dos moradores em questo quanto o passado da prpria comunidade, segundo relato aberto e gravado dos prprios. A sub-amostra utilizada, oriunda da amostra n = 275, foi de 16 moradores da comunidade. A escolha de tais moradores foi baseada em requisitos como seu grau de envolvimento em liderana comunitria e maior tempo de morada na vila. A metodologia de abordagem qualitativa discutida por Cardoso (1986), a qual apresenta vantagens na sua utilizao. A autora aponta que tais vantagens possibilitaram a difuso para alm da sua cincia primria, a antropologia, alcanando disciplinas como a sociologia, a cincia poltica, dentre outras. A importncia conferida a esse instrumental tamanha que a autora afirma

Durante a etapa final de elaborao do questionrio, somaram-se equipe de pesquisa do Nepam/Unicamp a bolsista de Iniciao Cientfica Sheila Casonato Vital e a autora desta dissertao Elen Ferreira. 5 Colaborao do Prof. Dr. Otvio Jacobini sobre a base estatstica da pesquisa. Para maiores informaes consultar: Levine, D. M et al. Estatstica: Teoria e aplicaes. Rio de Janeiro: Livros tcnicos e cientficos, 1998.

4

28

que a coleta de relatos orais praticamente insubstituvel (Cardoso, 1986:141). Isto ocorre principalmente quando se trata da construo de uma nova documentao ou quando se trava uma conversao ou um dilogo entre informante e analista (Cardoso, 1986: 142), ou seja, o dilogo entre entrevistado e entrevistador. No entanto, a autora destaca ainda dois aspectos crticos, os quais devem ser levados em considerao quando da escolha desse instrumental, que so: a imposio de um conjunto de valores, oriundos do meio em que o pesquisador est inserido, aos seus informantes; e as possibilidades oferecidas aos informantes de repensar as problemticas a serem analisadas pelos pesquisadores, a partir do olhar dos prprios informantes. Apesar das crticas tecidas, vale mencionar que no se tem a pretenso de encontrar, nesse instrumento, um quadro real e verdadeiro de um passado prximo ou distante (Cardoso, 1986: 142). A histria oral e a histria de vida, conforme palavras da autora, so sempre um monte de fragmentos desconexos, incoerentes e ambguos (Cardoso, 1986: 150). em decorrncia desses fragmentos disformes que se espera alcanar uma reavaliao, a partir de vivncia concreta e reformulao dos pressupostos e hipteses de um determinado assunto (Cardoso, 1986: 142) cabendo aos analistas a tentativa de compreenso dos dados relatados, para posterior apresentao de um quadro minimamente coerente. Aps elaborao do questionrio, foi feita pesquisa de campo ao Municpio de Anam entre os dias 17 e 25 de Julho de 2005, na qual a presente dissertao apoiou-se para sua elaborao. Esses tpicos sero mais detalhados nas sees a seguir. 3.3 Da pesquisa de campo A realizao da pesquisa de campo6 pode ser dividida em duas etapas. A primeira ocorreu na comunidade de Arixi, com a aplicao de questionrio e entrevistas gravadas. A segunda etapa

A equipe de pesquisa de campo foi composta por Sheila Casonato Vital, Elen Ferreira e Prof Dr Lcia Ferreira, sendo esta ltima responsvel pela coordenao em campo.

6

29

foi realizada na sede do municpio de Anam, atravs de entrevistas gravadas com nmero prestabelecido de pessoas. Toda a equipe deslocava-se diariamente de voadeira vila de Arixi, porm, retornava sede do municpio para pernoite, sendo realizadas reunies para relato das atividades realizadas diurnamente. Foi feita visita inicial comunidade, antes da aplicao dos questionrios, com objetivo de identificao de lderes comunitrios e realizao de reunio entre os mesmos e a equipe de campo. Por fim, foram realizadas entrevistas na sede do Municpio de Anam, visando obterem-se informaes acerca da termeltrica em operao na sede, de gesto da Companhia Energtica do Amazonas CEAM, assim como informaes relacionadas a oferta e demanda de energia eltrica da sede. Para tanto, foi feita entrevista gravada com o agente responsvel pela termeltrica, no dia 25 de Julho de 2005. Quanto aos aspectos scio-ambientais do municpio, foi gravada entrevista com o Secretrio do Meio Ambiente e Produo de Anam, no dia 24 de Julho de 2005. Destaca-se ainda a introduo, pela coordenadora da pesquisa de campo, de noes bsicas para manuseio de cmeras digitais fotogrficas para alguns moradores da comunidade, especificamente duas crianas de 8 e 9 anos. Esse procedimento mostrou-se eficaz, pois, os moradores demonstraram-se vontade para terem algumas de suas atividades dirias registradas por tais crianas. Alm disso, as outras duas pesquisadoras tambm fizeram uso de registros fotogrficos da comunidade e da sede do municpio, assim como notas, em dirio de campo, de observaes. Em seguida pesquisa de campo, foi iniciado o trabalho de tratamento e anlise de dados. 3.4. Anlise e tratamento dos dados A partir das informaes obtidas em campo, foi feita tabulao dos dados quantitativos, com auxlio de planilhas no ambiente Excel; e transcries das entrevistas realizadas. Para a

30

elaborao desta dissertao, foram realizadas anlises tanto dos dados qualitativos quanto dos quantitativos. Para apresentao da rea de estudo, discutida no captulo 4, foram utilizados dados do Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil (IDH, 2000). Este um banco de dados eletrnico que apresenta informaes scio-econmicas dos municpios brasileiros e das unidades da federao. Os dados utilizados pelo IDH so baseados nos microdados dos censos de 1991 e de 2000 do IBGE (Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) (IDH, 2000). Aquele sistema disponibiliza informaes sobre o ndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) alm de outros indicadores georreferenciados (IDH, 2000). O IDH-M derivado do ndice de Desenvolvimento Humano, divulgado pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Para se estabelecer um adequado uso do IDH ao nvel municipal espaos geopolticos relativamente abertos foram necessrias algumas adaptaes nos indicadores, uma vez que o IDH : (...) idealizado para ser calculado para uma sociedade razoavelmente fechada, tanto do ponto de vista econmico (no sentido de que os membros da sociedade so os proprietrios de, essencialmente, todos os fatores de produo) como do ponto de vista demogrfico (no sentido de que no h migrao temporria) (IDH, 2000). A partir da anlise de dados, iniciou-se o estudo da abordagem multiobjetiva. 3.5. A abordagem multiobjetiva Muitas so as denominaes utilizadas para tal metodologia como multicritrio, multiobjetivo, mltiplos objetivos, etc. No entanto, a utilizao desta com a finalidade nica de auxlio na tomada de deciso quando h possibilidade de escolha entre alternativas e cada uma possui diferentes objetivos. Vrios so os autores que a discutem, como Queiroz, 1999; Cartaxo, 2000; Souza, 2000.

31

Souza (2000), em estudo faz anlise de todo o Estado do Amazonas, elabora matriz que leva em considerao os diversos fatores como os de natureza econmica, ambiental e social, usando para isso mtodo de goal programming preemptivo, descrito por Steuer . Queiroz (1999), discutindo o incio do uso da avaliao de multiobjetivos, esclarece que: (...) para explorar a difcil tarefa de estabelecer relaes de causas e efeitos nos ambientes ou locais, de maneira analtica e quantitativa, criou-se na ecologia (na ecologia ou adaptou-se de outras reas de conhecimento) uma srie de procedimentos estatsticos e exploratrios, os quais so conhecidos em seu conjunto como tomada de deciso com avaliao dos multiobjetivos (Queiroz, 1999: 37). A utilizao do mtodo de critrios multiobjetivos feita neste trabalho como busca de soluo tima no que tange a melhor alternativa para aumento do nvel de desenvolvimento na comunidade de Arixi, sendo analisadas atividades elencadas pela prpria comunidade. Porm, o necessrio e utilizado nesta dissertao so os mltiplos objetivos que tomadas de decises envolvem no que diz respeito a questes ambientais, sociais, econmicas e energticas. Sendo assim, h que se salientar que o uso da abordagem de multiobjetivos neste trabalho feito ao nvel micro, em se tratando de uma amostra de 275 pessoas, conforme j mencionado. Portanto, o clculo apresentado apenas utiliza-se da idia do conceito de multicritrio, sendo usado ambiente Excel para apresentao de dados. Os captulos posteriores seguiro a seqncia da metodologia de pesquisa anteriormente descrita.

32

Captulo 4 Apresentao da rea de EstudoNo captulo precedente, buscou-se apresentar a metodologia empregada para a elaborao deste trabalho. A partir de dados obtidos na pesquisa de campo e de informaes relevantes para melhor compreenso da rea de estudo, este captulo tem como inteno oferecer dados descritivos da Mesorregio de Coari, da sede do municpio de Anam e, tambm, da comunidade de Arixi. 4.1 Localizao Territorial do Municpio de Anam De acordo com a diviso geogrfica adotada pelo IBGE (2006), o Estado do Amazonas dividido em 4 Mesorregies e 13 Microrregies. Na mesorregio n 3 e microrregio n 6, denominadas respectivamente Centro Amazonense e Coari, localiza-se o Municpio de Anam. Este se situa a 2 14 26 de latitude sul e a 60 19 36 de longitude a oeste de Greenwich. A localizao do Municpio dentro da microrregio Coari pode ser observada na Figura 4.1, a seguir.

33

Figura 4.1 Estado do Amazonas: Localizao do Municpio de Anam dentro da Microrregio de Coari.

A sede7, aglomerado das aes do governo municipal, fica localizada margem direita do Paran do Anam, afluente do Rio Solimes. Esta apresenta altitude de 28 metros acima do nvel do mar. O municpio conta com uma rea territorial de 2.464,80 km2, sendo grande parte localizado em rea de vrzea8. Seus limites territoriais compreendem: Manacapuru, Anori, Beruri, Caapiranga e Codajs. Dista da Capital do Estado 168 km em linha reta e 188 km em fluvial. Para a viagem entre Manaus e Anam necessrio um total de 8 a 10 horas, dependendo da embarcao utilizada. Inicialmente a viagem feita por barcas que atravessam o Rio Negro, como pode ser observado na Foto 4.2, transportando pessoas e veculos. A viagem prossegue de nibus pela Rodovia AM 070 at o Municpio de Manacapuru e completada via embarcao pelo Rio Solimes, at Anam, como pode ser visto na Foto 3.4.

A sede mais amplamente beneficiada em questes como saneamento e infra-estrutura bsica. Tal fato tambm ocorre em outros municpios do estado (Alencar, 2005). 8 Segundo o Ibama (2006), vrzea so reas midas que sofrem peridicas inundaes causadas pelo transbordamento lateral de rios e lagos.

7

34

Foto 4.2: Barca no Rio Negro, Manaus. Fonte: Costa Ferreira, 2005.

Foto 4.3: Embarcaes no Rio Solimes Fonte: Costa Ferreira, 2005.

4.2 Breve Histrico do Municpio de Anam A histria do estabelecimento do Municpio de Anam est ligada a trs outros municpios vizinhos ao seu: Anori, Codajs e Manacapuru. No ano de 1786, quando j havia sido praticada a pacificao dos ndios Muras, foi estabelecida a atual cidade de Manacapuru em suas terras. Posteriormente, os Muras se deslocam para uma feitoria de pesca prximo foz do Rio Manacapuru e cujas atividades tinham em vista abastecimento da guarnio militar em Barcelos. Em 27.09.1785, o comandante dessa guarnio determinou que os indgenas mudassem para outro ponto, de preferncia para o local hoje denominado Anam. Com o Decreto-Lei Estadual n. 176, de 01.12.1938, a Vila de Anam foi elevada categoria de distrito. Em 29.12.1956, pela Lei Estadual n. 117 foi criado o Municpio de Anori, tendo como um de seus distritos Anam. Em 10.12.1981, pela Emenda Constitucional n. 12, o distrito de Anam foi desmembrado de Anori e, com a juno de outros territrios desmembrados dos Municpios de Codajs e Manacapuru, passou a constituir o novo Municpio de Anam. Com as eleies municipais de 15.11.1982, a partir de 1 de Janeiro de 1983, esse foi definitivamente instalado com a posse do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, que formaram os dois poderes, assim compostos: Poder Executivo: Prefeito e Vice-Prefeito; Poder Legislativo: Vereadores.

35

4.3. Perfil Scio-Econmico do Municpio

Foto 4.4: Porto de Anam Fonte: Costa Ferreira, 2005.

Os dados mostrados a seguir, para o ano de 2000, foram retirados do ndice de Desenvolvimento Humano Municipal, divulgados pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Os municpios que compe a microrregio de Coari so: Beruri, Anam, Coari, Caapiranga, Codajs e Anori. Destes, o maior em nmero populacional o municpio de Coari, com 67.096 habitantes. Anam, por sua vez, possui um total de 6.563 habitantes, incluindo a sede do Municpio, cujo porto fluvial principal pode ser visto na Foto 4.4. Porm, Anam que apresenta o melhor ndice de desenvolvimento humano municipal da microrregio com 0,637. Coari possui um ndice de 0,627. O municpio de Beruri, que possua uma populao de 11.038 habitantes, apresentou o pior IDH-M, com 0,575 (PNUD, 2000). Tais dados, de certa forma, representam a precariedade social encontrada na microrregio de Coari, uma vez que o ndice leva em conta trs importantes indicadores de desenvolvimento: educao, longevidade e renda. A classificao dos municpios, segundo seus respectivos IDHM, coloca-os em nvel de desenvolvimento humano mdio (IDH entre 0,5 a 0,8), pois nenhum ultrapassou a faixa de 0,64 (PNUD, 2000).

36

Em relao educao, segundo dados do ano 2000 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP, 2006) Anam contava com um total de 37 instituies pblicas que ofereciam ensino fundamental, apenas uma com ensino mdio e nenhuma que oferecia ensino superior. Hoje, o nmero de estabelecimentos pblicos voltados ao ensino aumentou, havendo inclusive convnio entre prefeitura municipal e governo do estado para a formao de pessoal com ensino superior atravs dos cursos distncia oferecidos. No tocante longevidade, o melhor ndice encontrado na microrregio corresponde ao Municpio de Coari, com 0,703. O pior ndice ficou com o Codajs, que tinha uma populao de 17.507 habitantes, com o nmero de 0,615. Anam teve ndice de longevidade calculado em 0,634, ficando em penltimo lugar na classificao geral da microrregio. A avaliao desse ndice permite observar questes relacionadas sade da populao (PNUD, 2000). Vale destacar a anlise das condies de vida. Quanto ao percentual de pessoas que eram beneficiadas com o fornecimento de energia eltrica em seus domiclios, o municpio de Codajs apresentou o melhor desempenho com 77,55%. Anam ficou em ltima colocao com um total de 59,87%. Quanto ao fornecimento de saneamento bsico, analisado o percentual de domiclios que possuem banheiro e gua encanada. O percentual maior foi representado pelo municpio de Coari com 28,81%. Anam aparece em penltimo lugar na classificao com 13,07%. Por fim, Anam apresenta o melhor resultado quanto ao percentual de pessoas que vivem em domiclios urbanos com servio de coleta de lixo, sendo este de 73,63%. O pior resultado ficou para o municpio de Anori com 19,56%, com uma populao de 11.320 habitantes (PNUD, 2000). Quanto ao nvel de renda da microrregio, nenhum municpio ultrapassou a faixa de 0,536. Esse ndice ficou a cargo do municpio de Anam, superando at mesmo Coari, que ficou com 0,507. O pior ndice foi registrado no municpio de Beruri, com 0,477. Apesar de no ser um indicador fiel da realidade, a renda per capta dos municpios oferece um vislumbre da renda monetria existente. Anam novamente apresenta o melhor ndice, com renda per capta de R$ 96,83, enquanto Coari apresenta a terceira melhor renda, calculada em R$ 81,17, levando sempre em conta o nmero de habitantes dos respectivos municpios. No entanto, quando se analisa a

37

origem da renda da populao, Coari apresenta o maior percentual de renda oriunda do trabalho, representando 73,09%, enquanto que Anam apresenta um dos menores com 56,24%. Este ltimo municpio tem percentual significativo de rendimento oriundo de transferncias governamentais, sendo este de 14,61%, representando o maior da microrregio (PNUD, 2000). Outro dado que chama ateno quanto ao municpio de Coari a renda oriunda do pagamento de royalties. Conforme j mencionado, h explorao de gs natural pela Petrobrs na regio, estando Anam na linha de influncia do gasoduto Coari-Manaus. Trazendo novamente lembrana que esse foi um dos fatores considerados na escolha do citado municpio e da comunidade de Arixi para a realizao do Projeto Celcomb, uma vez que se sabe da importncia de utilizao de recursos locais. Apesar de no se tratar de energia renovvel, ainda assim trata-se de energia gerada localmente, o que no ocorre com o diesel, que precisa de subsdios governamentais, oriundos de outros consumidores locados principalmente no sudeste do pas. A Foto 4.5 apresenta a linha de influncia do gasoduto, partindo do municpio de Coari at alcanar a cidade de Manaus, passando por mais sete municpios em toda sua trajetria, inclusive Anam.

Foto 4.5 Linha de influncia do gasoduto Coari-Manaus

Fonte: Portal oficial do Governo do Estado do Amazonas

Os dados anteriormente apresentados demonstram que a regio em que se insere o Municpio de Anam, e, por conseguinte a Comunidade de Arixi, foco de estudo dessa dissertao, possui baixo nvel de desenvolvimento humano, segundo o PNUD. Sendo assim, se

38

faz necessrio levar em conta todas essas dimenses quando for feita a anlise a cerca das possibilidades de aumento do nvel de desenvolvimento da vila. 4.4. Aspectos Energticos da Sede de Anam A gesto da termeltrica de Anam, observada nas Fotos 4.6 e 4.7, de responsabilidade da Companhia Energtica do Amazonas (CEAM), concessionria responsvel por todo o sistema eltrico do interior deste estado. O incio de suas atividades data de 1976, antes mesmo da prpria instituio do municpio que ocorreu em 1985 enquanto aquele ainda era distrito do Municpio de Anori.

Foto 4.6: Termeltrica de Anam Fonte: Costa Ferreira, 2005.

Foto 4.7: Abastecimento da termeltrica com leo diesel Fonte: Vital, 2005

As informaes a seguir foram baseadas em entrevista9 com o Sr. A. R., ento agente responsvel pela mini-usina da concessionria CEAM. A termeltrica que atende Anam somente gera energia eltrica para a sede do municpio, ou seja, nenhuma outra comunidade isolada beneficiada com tal gerao. A termeltrica passou por uma ampliao no ano de 1994 e hoje conta com cinco grupos geradores, vide Foto 4.8, sendo que quatro deles pertencem CEAM e um pertence empresa Oliveira. Anam no o nico exemplo de municpio que precisa ter gerao de energia oriunda de outro grupo gerador que no somente da CEAM. No municpio de Itacoatiara, por exemplo, tambm acontece o mesmo.9

Entrevista concedia s pesquisadoras Elen Ferreira e Sheila Casonato, no dia 25/07/2005, sede de Anam.

39