ferramentas de diálogo etnomapeamento(nilsson-merquior-rocha)

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IV Reunião Equatorial de Antropologia e XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste. 04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE. Grupo de Trabalho 42: Paisagens, territorialidades e cartografias: elementos para pensar a gestão territorial e ambiental de e em Terras Indígenas A ferramenta como possibilidade de diálogo: Um curso de Etnomapeamento Maurice Seiji Tomioka Nilsson 1 , Genisvan Merquior da Silva André 2 , e Maurício Tomé Rocha 3 1 [email protected] , sem filiação atualmente 2 [email protected] Conselho Indígena de Roraima, / UFRR, 3 [email protected] Vice-presidente Hutukara Associação Yanomami.

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IV Reunião Equatorial de Antropologia e XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste.

04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE.

Grupo de Trabalho 42: Paisagens, territorialidades e cartografias: elementos para pensar a gestão territorial e ambiental de e em Terras Indígenas

A ferramenta como possibilidade de diálogo: Um curso de Etnomapeamento

Maurice Seiji Tomioka Nilsson1, Genisvan Merquior da Silva André2, e Maurício Tomé Rocha3

1 [email protected], sem filiação atualmente

2 [email protected] Conselho Indígena de Roraima, / UFRR,

3 [email protected] Vice-presidente Hutukara Associação Yanomami.

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Resumo Em 2009 o primeiro autor ministrou um módulo de 15 aulas denominado “Etno-mapeamento” para alunos indígenas da CAFI (Centro Amazônico de Formação Indígena). Diante da profusão de conceitos prefixados por “etno-“, optou por não tentar desvendar o conceito no Outro, mas utilizar a parte dele que era de sua competência técnica, o mapeamento. A opção merece justificativa. A ideia de uma “etnografia às avessas” onde indígenas estudam a sociedade não indígena de forma semelhante a uma etnografia é o tom desta comunicação e gera uma pergunta central: como se opera a relação entre mapa e terra? O interesse está na terra, está em mapear conhecimentos territoriais, que, pelo lado indígena põe simetria na relação com a tecnologia do outro. Com mapas, o conflito e marcos no território podem ser explícitos em termos de suas localizações. Não teremos assim um mapa “étnico”, mas de conflitos socioambientais e violações do direito de uso exclusivo. Cabe então conhecer os agentes e atores “do outro lado”, com os quais conflituamos. Os autores reconhecem as limitações da proposta em abordar o “Etno”, mas conseguiram iniciar um diálogo, cuja questão é a terra vivenciada, as ameaças e oportunidades advindas dos contatos interculturais. O modo como vivem atualmente os indígenas participantes do curso aparece nas narrativas sobre os mapas (oriundos da interpretação de imagens de satélite e balizadas pelas vivências dos usos dos seus territórios) e croquis. Apresentaremos material produzido durante o curso e relatos da atuação de dois ex-alunos que exercem atualmente função no Conselho Indígena de Roraima (CIR) e na Hutukara Associação Yanomami (HAY). E como tem se desenvolvido o uso de mapas na defesa de suas terras hoje.

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A ferramenta como possibilidade de diálogo: Um curso de Etnomapeamento

Introdução A apropriação de ferramentas conceituais novas por sociedades indígenas

pode significar um empoderamento para enfrentarem desafios postos pela

relação com as sociedades de Estado. Isso tem acontecido com o domínio da

escrita, por exemplo, e também com a linguagem dos mapas, de que trata esse

artigo. Os mapas tem sido uma ferramenta importante para lidar com desafios

de gestão territorial, permitindo compreender melhor e de forma integrada

aquilo que era antes vivenciado, caminhado e apreendido por indivíduos,

sempre de forma parcial. Seu poder está em permitir a visão de uma extensão

muito maior do que seria possível a olho nu, guardando certa analogia com o

papel do microscópio, em revelar dimensões antes impossíveis de serem

observadas, mas em escalas inversas. O seu uso pressupõe o domínio tanto

de sua interpretação, quanto de sua produção. As técnicas digitais de produção

de mapas e de acúmulo de informações espaciais, os sistemas de informação

geográficas podem ser uma ferramenta apropriada para esse desafio, ao

permitir novas leituras sobre a paisagem das terras indígenas. Desde o

reconhecimento do direito de usufruto exclusivo sobre as terras que ocupam, a

delimitação destas pelo Estado Nacional colocou o desafio da gestão territorial

das mesmas, agora como território limitado, e ao mesmo tempo ameaçado por

diversos assédios colocados pelos interesses políticos e econômicos das

sociedades de Estado (Azanha 2004).

As populações indígenas têm atuado como sujeito dessa defesa territorial, e

suas organizações representativas buscam enfrentar os desafios postos pela

relação intercultural (Nilsson 2011). Um exemplo de como isso se opera na

prática está no esforço de qualificação para expoentes das populações

indígenas. O Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI), ligado à

COIAB, oferece cursos de formação com objetivos suficientemente

abrangentes para serem enquadrados nesse esforço (Flores 2009). Foi num

curso desses, em 2009, que os Autores desse artigo se conheceram, tendo

sido o primeiro Autor convidado a ministrar um módulo de etnomapeamento

num curso de gestor ambiental, onde estavam inscritos os dois outros autores,

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indígenas, das etnias Macuxi e Yekuana, ambos de Roraima. Nesse trabalho

pretendemos relatar a experiência de formação realizada naquela época e um

pouco do atual desempenho dos dois autores indígenas, tendo como foco a

discussão conceitual que norteou a formação e compreensão atual que liga o

uso de mapas e SIGs aos desafios trabalhados pelos autores no presente.

Diante do convite de ensinar etnomapeamento, o primeiro Autor decidiu

concentrar no ensino da ferramenta, e confiando no poder do mapa de revelar

elementos para uma discussão mais aprofundada sobre o conhecimento

territorial. A escolha pode ser fundamentada pela sua experiência no

indigenismo, em identificar demandas reais dos povos com os quais trabalhou,

de conhecerem a sociedade não indígena, não por almejar abandonar sua

cultura, mas por necessitar desses conhecimentos para se defenderem. O

desafio principal é o de inverter a pesquisa etnográfica de forma a revelar a

organização social não indígena, das sociedades de Estado, permitindo o

trânsito e a apropriação das instâncias que interferem decisivamente no jogo

de forças e decisões políticas que afetam aos povos indígenas. E, também

baseado em sua experiência, tal tarefa se faz essencialmente, mais do que

com discursos explicativos sobre nossa sociedade, ensinando suas

ferramentas conceituais, tais como a escrita, a matemática e, por que não, o

mapa.

Assim, a questão central desse trabalho, liga o conhecimento cartográfico ao

conhecimento da terra, a transposição constante de escalas que fazemos nos

nossos raciocínios, ao passar do “um pra um” da realidade vivida, para o mapa

de nossa terra e para sua inserção na realidade indígena brasileira e

amazônica. Como seria possível o mapa servir exclusivamente ao

conhecimento de um povo sobre seu território sem se dar conta das ameaças

externas a ele? Como não abordar a totalidade dessa realidade indígena no

Brasil, de sociedades sem Estado, sem um poder centralizado, e a relação

dúbia com um Estado Nacional que se propõe a garantir seus direitos, mas

cujos objetivos político-econômicos tendem a enxergar os povos indígenas

como barreira, ou, no mínimo, aqueles que “não seguem a mesma cartilha” (do

desenvolvimento econômico) e ainda mais quando se sabe que este mesmo

Estado Nacional guarda projetos sobre as terras habitadas por esses povos ?

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As demandas atuais dos povos indígenas de reflexão sobre seus territórios,

sobre a realidade politico-econômica do país e sobre sua cultura (revelados

muito mais nos mapas ”um pra um”, nos mapas falados) têm no mapa uma

ferramenta que auxilia pragmaticamente a defesa territorial muito mais que a

expressão da realidade vivenciada, embora não sejam excludentes. Se

focarmos nos dois exemplos aqui em questão, de terras de mais de um milhão

de hectares, como o são a Raposa Serra do Sol (TIRSS) e a Terra Indígena

Yanomami (TIY), é essa escala que prevalece nos mapas, mas não

necessariamente na ação. São questões como essas que podem se revelar

frutíferas para se trabalhar paisagem, territorialidade e cartografia no âmbito

das terras indígenas.O ‘etno-‘ compondo o conceito implica não num mapear

terras indígenas ou regiões, mas num ‘como’ se vê e se interpreta tal paisagem

mapeada. Esse modo de ver é que resulta numa paisagem diferenciada.

Almejamos colocar em discussão também o papel de ambos na relação

intercultural entre os profissionais das ciências humanas e da terra e os povos

que estes estudam/ assessoram, que trazem suas demandas para além de

uma formatação cartográfica exigida pelo Estado para se fazer valer e legitimar

o que “vem do outro lado”. Uma reflexão interessante e que corrobora a

proposta pedagógica de “oferecer nossas ferramentas”, Carneiro da Cunha

(2012), embora falando de conhecimentos associados em recursos genéticos,

propõe que as duas agências em contato (num eventual convênio entre

cientistas e populações tradicionais) “devem manter protocolos separados,

reforçando-se uns aos outros pelos seus resultados”, similarmente, num estudo

da paisagem, o que é de competência de um lado, por exemplo a produção

cartográfica, deve guiar a produção de mapas por um lado, e o conhecimento

territorial deve ser norteado por quem o detém. Daí a proposta pedagógica de

ensinar a técnica como possibilidade de diálogo, um diálogo cartografado.

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Relato do curso Etnomapeamento

OBJETIVOS

O propósito desse curso é o de oferecer instrumentos conceituais e

ferramentas práticas de mapeamento para que os estudantes possam no futuro

enfrentar melhor esses desafios de gestão territorial.

O curso deve ainda oferecer capacitação em ferramentas de mapeamento

digital, para os estudantes produzirem mapas sobre suas próprias terras.

Sugerir que tais instrumentos favorecem um melhor conhecimento do próprio

território, permitindo uma melhor transmissão/ comunicação desse

conhecimento. O curso pretende reunir conhecimento dos estudantes sobre

sua realidade histórico-geográfica, compartilhando tais experiências com seus

colegas, proporcionando momentos de reflexão crítica sobre tais realidades.

METODOS

O curso consistira de um treinamento/ exercício de se debruçar sobre o espaço

territorial de algumas terras indígenas da Amazônia, representadas por seus

estudantes participantes do curso. Durante esse treinamento, o acesso a

ferramentas de sensoriamento remoto, tais como programas, imagens será

associado ao uso de ferramentas de SIG (Sistema de informação geográficas)

de forma a operar um banco de dados sobre sua própria terra.

Com o uso de tais ferramentas espera-se que haja uma reflexão apurada sobre

tais espaços geográficos já com foco em sua gestão territorial.

O curso se desenvolveu em três semanas, totalizando 14 dias letivos. Na

primeira semana, iniciada no dia 17 de agosto, foi dada uma introdução ao

tema do etnomapeamento enquanto mapeamento cultural sob a ótica de uma

determinada cultura. Foi solicitado aos estudantes que apresentassem um

pequeno croqui (mapa) de suas comunidades, constituídos de dois mapas, um

que apresentasse o espaço da comunidade em si (sítio) e outro que

apresentasse o espaço da comunidade em relação ao entorno, como se faz

para chegar ali, a partir da cidade ou referência mais próxima (situação).

Fomos à sala de informática, e instalamos os programas, e a pasta de mapas.

O programa principal utilizado foi o ArcView 3.1, e os mapas foram compostos

a partir da base disponível pelo IBGE para o Brasil, carta ao milionésimo em

formato digital (.shp). O primeiro passo consistiu em explorar tal base,

sobretudo o tema Terras Indígenas, sua área, nome, localização, aprender a

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adicionar outros temas auxiliares na compreensão do espaço, tais como vias

de acesso e hidrografia, já previamente fornecidos na base de dados.

As imagens orbitais foram acessadas gratuitamente mediante registro

(cadastro) no site do Inpe, divisão de geração de imagens (www.dgi.inpe.br).

Aprenderam assim a procurar no mapa do Brasil a localização de suas terras e

assim chegar à órbita /ponto da(s) imagem(ns) que cobre(m) cada terra.

Dedicamo-nos a adquirir, baixar as imagens, ao mesmo tempo que treinamos o

uso do programa de mapeamento. Aprendemos a criar projetos, salva-los,

definindo algumas características da view (vista) colocando a entrada de dados

em formato de graus decimais e as unidades de distancia para metros.

No terceiro dia, já de posse de algumas imagens, aprendemos a extrair de

seus arquivos compactados as três bandas em preto e branco, colocando-as

no programa de tratamento de imagens. melhoramos o seu brilho e contraste e

criamos um novo arquivo de imagem em formato RGB (vermelho-verde-azul),

onde foram inseridas as três bandas para formar uma composição colorida.

Vários aspectos sobre as imagens de satélites foram explicados, como se

comportam visualmente os objetos terrestres, também as limitações do

instrumento, tais como nuvens e tamanho dos objetos, em função da resolução

espacial, da resolução espectral, ainda assim sendo uma boa ferramenta para

captar alterações significativas na paisagem quanto ao uso e supressão da

cobertura do solo.

O trabalho dos estudantes consistia em fazer uma análise e interpretação de

suas terras, indicando problemas internos, ameaças externas, características

da vegetação dos locais de morada e outras características apresentáveis num

mapa. Os estudantes foram ensinados a criar um tema novo a partir de sua

terra, e mapear o que nela existissem criando possíveis legendas do que fosse

significativo. O trabalho de interpretação das imagens de satélites e edição de

temas é demorado. Alguns tinham a sua disposição imagens do Geocover

2000 (zulu.ssc.nasa.gov/mrsid), podendo assim comparar com a situação atual.

Outros tinham apenas as imagens antigas ou apenas as atuais.

A apresentação: terminados os mapas, os estudantes foram convidados a

escreverem um pequeno texto guia, com informações básicas de suas terras,

as características físicas, área em hectares (os mesmos foram ensinados a

calcular a área aproximada de suas terras) e depois a descreverem suas terras

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quanto ao tipo de vegetação e características naturais, ocupação, números de

aldeias, ameaças etc.

Para as apresentações todos dispuseram de projetor (datashow) para

apresentar o mapa de sua região e utilizaram o programa ArcView aberto para

apresentar os mapas de suas terras. A primeira apresentação foi de Cleber

Javaé, sobre a Ilha do Bananal, terra dos Javaé e Carajás. Durante a

apresentação de uma hora, pôde discorrer sobre a distribuição das matas e

campos naturais alagáveis da maior ilha fluvial do mundo; também sobre as

origens de seu nome, o fato de já ter sido disputa, no passado, de outros povos

tais como Xavante e Kayapó. Contou sobre o arrendamento para gado que era

feito no passado e sobre o Projeto de irrigação do Rio Formoso, para plantação

de arroz que derrama grande quantidade de agrotóxicos, causando mortalidade

nos peixes da região.

As duas Umutinas, Deusilene e Maryleide, apresentaram juntas sua terra no

Mato Grosso, contando um pouco da história recente de contato de seu povo,

que na década de 1950 possuía 23 sobreviventes, e teve um “reforço” de

outros grupos que passaram a coabitar seu território, tendo que alterar seu

modo de vida, de uma grande mobilidade para uma prática mais sedentária,

Localizada do lado de Barra do Bugres, a terra ocupa a confluência desse

mesmo Rio Bugres com o Rio Paraguai.

Geane apresentou a Terra Camicuan, mas mostrou a interpretação que fez da

terra ao lado, uma vez que sua terra fica em frente ao Município de Boca do

Acre, foi possível localiza-la com maior precisão posteriormente. sua terra é

habitada pelos Apurinã do Alto Purus, numa sequência de terras, margeando

o rio. Segundo ela, sua comunidade é toda evangélica, e seu pai Joãozinho

lhes orientou a não casar com Apurinã. Karison, também Apurinã, interviu e

explicou que há duas metades, dois clãs Apurinã que não se casam entre si.

Genisvan (segundo Autor desse trabalho) apresentou ao final da tarde a Terra

Raposa/Serra do Sol. Apresentou de como recuperaram a terra, antes tomada

por fazendeiros pecuaristas e contou que ainda havia as vilas a serem

retiradas, bem como os arrozeiros.

Delma iniciou a apresentação na segunda feira, contando da Terra Indígena

Andirá, Sateré Maué, como uma área de florestas só acessível por rio, com

mais de cinquenta aldeias ribeirinhas, todas Sateré.

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Ezequiel apresentou a Terra Trombetas Mapuera, dos Wai-Wai, e sua

comunidade, Kwanamari, ressaltando que a distância torna a comunidade livre

de problemas que outros relataram. É uma comunidade pequena e a maioria

mora na comunidade de Mapuera

Francinéia apresentou a região do Rio Içana, dentro da Terra Indígena Alto

Rio Negro, dividida por várias etnias, dentre elas os Baniwa. Maria

acompanhou a colega, contando de São Gabriel da Cachoeira e da FOIRN,

entidade que organiza as diversas representações dos povos da região. Rosa

Tariano também contou da Comunidade Açaituba, na região do Alto Rio

Negro, mas ligada a Santa Isabel do Rio Negro.

Françuan Gavião apresentou sua comunidade na Terra Indígena Parque

Aripuanã, em Rondonia, contando que há uma área desmatada e que há

garimpo e extração mineral em parte da Terra Indígena.

Geice contou da Comunidade Canauanim (terra homônima) no Lavrado

Roraimense, que por ser pequena a área demarcada tem desaparecido a caça.

E existe a influência não indígena pela proximidade com a cidade

Isa apresentou a comunidade Karipuna de Ariramba no Alto Rio Uaçá, no

norte do Amapá. Reforçou que em sua região o isolamento faz com que não

hajam problemas de desmatamento, e que há muitas paisagens naquela

região, com áreas naturalmente alagáveis de campos, entremeadas por capões

de mata. Junto a ela apresentou Rafael Galibi, da Comunidade Estrela, na

Terra Indígena Uaçá.

José contou da sua Comunidade na Terra Indígena Arara do Igarapé Humaitá.

Outra terra cujo isolamento garante a conservação das matas e recursos

naturais, que são utilizados pela população.

Karison contou como sua família entre outras migrou da região tradicional dos

Apurinã, no sul do Amazonas, para o sul de Rondônia, onde acabou por

conseguir se assentar na Terra Indígena Roosevelt, dos Cinta Larga.

Marcondy contou um caso distinto dos outros: os Cambebas, povo ao qual

pertence, está se reorganizando agora , não tem terra demarcada e habita a

cidade de São Paulo de Olivença, no Alto Solimões. Os Cambeba são o nome

atual dos Omágua que no passado dominavam a calha principal do Rio

Solimões. Atualmente são majoritários em alguns bairros de São Paulo de

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Olivença. Marcondy mapeou os bairros e algumas áreas de uso do outro lado

do rio, incluindo ilhas fluviais.

Maurício (terceiro Autor desse trabalho) contou da Região de Auaris e da TIY

por extensão, contando de diversos problemas de invasão e ameaças que

ocorrem lá

Paulo Mamaindé contou de sua etnia, que habita o Alto Vale do Guaporé,

Terra Indígena Guaporé, Mato Grosso. O Jovem Paulo conta que a escola é

bilíngue, e a língua permanece viva, com boa parte da população falante.

Vaniena Apresentou a Terra Indígena Bacurizinho, Guajajara, no Maranhão,

contando ser essa cercada por fazendeiros e posseiros.

Wiliam Apurinã contou de sua Comunidade Jagunço, na Terra Peneri

Taquaquiri, Sul do Amazonas, que o distanciamento garante um grau reduzido

de ameaças; há porém, locais de caça clandestina; uma fazenda vizinha tentou

abrir uma estrada para o município de Pauiní que cruzaria a terra indígena. E

indicou locais distantes da comunidade utilizados para caça e pesca.

O conjunto dos relatos acabou por reforçar uma consciência solidária pan-

amazônica em relação aos problemas vividos em cada uma das terras. A

discussão sobre o que há de comum dentre os problemas de conflito

socioambiental e suas causas nas relações conflitantes com os não índios e

seus interesses econômicos. Um mapa da Amazônia Brasileira foi desenhado

com giz no chão, respeitando a orientação dos pontos cardeais na própria sala

e ali foram chamados a localizar suas terras. Depois o estudante era chamado

a apontar a direção de sua terra, a partir da localização de Manaus, onde

estavam. Isso reforçou a síntese do conjunto de terras estudadas.

Debatemos sobre como abordar assuntos de conhecimento do povo, onde

procurar as fontes, como conhecer a história oral, e de como traduzir esse

conhecimento histórico em “geografia”, necessitando que o entrevistador e o

entrevistado conheçam as áreas em discussão. Como recurso último, sempre é

interessante visitar os lugares citados pelos mais velhos, indicando o modo de

vida dos antigos, como se deslocavam e ocupavam seu território original que

indica o sentido de um etnomapeamento, no sentido de trazer modos de

pensar o território ao conhecimento e sua transformação em mapa.

Infelizmente não pudemos realizar entrevistas, para desenvolver essa

competência de fazer mapeamento a partir de técnicas de “mapa falado”.

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Dedicamo-nos por fim a aprender técnicas de GPS, sistema de posicionamento

global, como forma de se localizar no espaço. Com alguns aparelhos

receptores Garmin, fizemos um pequeno estudo de meio na Cidade de

Manaus, no Parque do Povo, acompanhando o Rio Mindu. Com a ajuda de

Paulo Barni (à época pos graduando do Inpa), dividimos a equipe para que

melhor pudessem operar os aparelhos. Os receptores GPS foram reconhecidos

em suas operações principais, desde o estabelecimento da comunicação com

os satélites, com qual precisão obtemos as coordenadas, como mudar a

“pagina” e verificar as coordenadas, como se faz sua leitura e respectiva

localização no mapa, e como se armazenam pontos, com numeração ou com

nominação.Todos marcaram algumas coordenadas, ensinando-se uns aos

outros, imitando o que seria um trabalho de campo em suas terras.

O material escrito e desenhado pelos estudantes é um bom indicador de que

houve um aproveitamento considerável dos estudantes. De forma geral, ficou

expresso, nas falas, uma reflexão sobre o quão diferentes estão as situações

territoriais dos povos cujos representantes participaram do curso: desde os que

vêem sua situação territorial satisfeita pela terra atualmente demarcada,

aquelas que se encontram ameaçadas, aquelas que são insuficientes para a

expressão cultural e a própria sobrevivência do povo, e ainda aqueles cujas

terras ainda estão por ser reconhecidas. Tais diferenças se expressam na

história contada através do mapa, dando continuidade ao processo de reflexão

sobre o modo de viver e as opções culturais expressas. O roteiro técnico

utilizado durante o curso, todas as operações aprendidas e treinadas, foram

apresentadas num material paradidático de dicas de Arcview, sensoriamento

remoto para cada parte instrumental realizada.

A experiência atual com as demandas das Terras Indígenas de Roraima,

por dois expoentes formados pelo CAFI

As demandas impostas no diálogo interétnico, sobretudo com o Estado

Nacional tem como interlocutores, em geral, um conjunto composto de

lideranças tradicionais (pata thëpë, tuxaua, kajichana) e de alguns expoentes

alfabetizados que se qualificam para desempenhar funções de interlocução

com maior esclarecimento. São, portanto, para as suas sociedades, os

principais interlocutores quando há necessidade de uma mediação técnica

mais detalhada, em geral também pessoas escolhidas por suas comunidades

Page 12: ferramentas de diálogo Etnomapeamento(Nilsson-Merquior-Rocha)

exatamente para receber os treinamentos em relação ao mundo não indígena.

A sua condição social é a de respeito ao saber dos mais velhos nas decisões

políticas, a quem consideram legítimas lideranças de sua sociedade, sua

condição e status em relação aos saberes externos não os autorizam a

proceder de outra forma (Moreira 2006). Os dois co-autores desse artigo são

jovens expoentes esclarecidos, que permanecem estudando e mantém

atividades em suas respectivas associações. Vamos relatar um pouco dos

trabalhos desenvolvidos atualmente no âmbito das organizações indígenas e

que de alguma forma se utilizam de conhecimentos cartográficos sobre a

paisagem, num contexto de defesa territorial.

A formação e a luta de Mauricio Rocha

Desde a formação, o trabalho na Hutukara Associação Yanomami (HAY)

começou com a comissão de meio ambiente, que cuidava da defesa territorial,

e aproveitava os sobrevôos para identificar os pontos de garimpo que via,

passava informações para identificarem nas imagens de satélite e voltar a

campo com mais informações.

Vamos utilizar o caso do Ajarani no limite leste da TIY, em Roraima como

exemplo de como análises geográficas se aliam às ações práticas de proteção

e vigilância territorial executado pela HAY, com parceiros como o ISA e a

Funai, por meio do Projeto de Gestão Territorial.

A construção da Perimetral Norte fez do Ajarani um lugar onde os Yanomami

sofreram um dos maiores impactos da TIY. A estrada trouxe epidemias levaram ao

óbito centenas de Yanomami (Ramos 1979). Antropólogos que trabalharam na

região na década de 1970 estimam um índice de mortalidade de 80% (Albert 1985),

causando profunda desestruturação social na região e, ainda hoje, 20 anos depois

da homologação da TIY, há fazendeiros que não foram retirados pela Funai.4

O acesso à região do Ajarani é um dos mais fáceis dentro da TIY. Além da Rodovia

Perimetral Norte, que cruza toda a região, no entorno do limite leste da TI, entre os

rios Ajarani e Apiau, existem cinco projetos de assentamento (PAs) do Incra:

Sumaúma, Vila Nova, Apiau, Paredão, Massaranduba e Ajarani. A dinâmica de

4 adaptado de Moreno Saraiva Martins: Expedição à TI Yanomami constata invasões e placas de

delimitação são colocadas de 13 de abril de 2013 : http://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-

socioambientais/expedicao-a-ti-yanomami-constata-invasoes-e-placas-de-delimitacao-sao e Oficina

de construção de canoas apoia produção de castanha do Brasil e vigilância da TI Yanomami 7/7/2011.

http://site-antigo.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3378

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ocupação ilegal no entorno desses PAs, descrita por Tourneau (2003) continua até

os dias de hoje: pequenos posseiros e especuladores imobiliários prolongam

ilegalmente as estradas de terra dos PAs, loteando de forma arbitrária terras de

domínio público. Com a ocupação ilegal eles esperam a legalização dos lotes, com

a criação de novos PAs, prática incentivada por atores políticos regionais. Aumenta,

dessa forma, o risco de a TI ser invadida para a retirada ilegal de madeira e

atividades de caça, pesca e coleta.

Em uma reunião com moradores desses assentamentos estaduais mostramos

mapas para demonstrar que aquelas estradas estavam já na TIY. Que

admitiram que não sabiam e que a partir de então iriam respeitar; que a maioria

ali era de fora, migrante de estados do nordeste, Ceará, Maranhão, e não

foram avisados. Isso começou com a Expedição pelos limites (10/2012) , entre

o Ajarani e o Apiau.

A pressão de invasão incide fortemente sobre os limites leste da TIY. Por isso,

a Hutukara tem priorizado o Ajarani em suas ações, onde realizou duas

oficinas de construção de canoas, uma na comunidade Cachoeirinha e outra

em Xikawa, promovendo um intercâmbio entre os Ye’kuana e os Yanomami da

região do Ajarani, também conhecidos como Yawaripë. As embarcações

produzidas, além de apoiar a coleta da castanha da Amazônia, também

servirão para a promoção da vigilância territorial.

Os Ye’kuana, povo de língua Karib, são conhecidos viajantes da Amazônia,

pelas florestas e rios, chegando às cidades, e são hábeis construtores de

canoas, com as quais, desde tempos imemoriais, vêm se deslocando pelos rios

amazônicos. No Brasil hoje habitam quatro comunidades ao longo dos rios

Auaris e Uraricoera, e somam aproximadamente 470 pessoas. A maior parte

de sua população, cerca de 6.500 pessoas, vive na Venezuela.

A construção das canoas5

As canoas foram construídas em um acampamento que fica na margem esquerda

do rio Ajarani, a aproximadamente 18 km de onde a rodovia Perimetral Norte cruza

com este rio. Durante trinta dias os dois oficineiros Ye’kuana e três Yawaribe

ficaram acampados se dedicando à construção das canoas e à coleta de castanha

do Brasil.

5 Idem. Oficina de construção de canoas apoia produção de castanha do Brasil e vigilância da TI

Yanomami 7/7/2011. http://site-antigo.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3378

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O primeiro passo é a identificação de uma árvore com madeira propícia. A árvore é

então derrubada e o local em sua volta é limpo para facilitar o trabalho. Numa das

oficinas, com uma única árvore foi possível construir uma canoa de 5 metros e

outra de 9 metros. Após a derrubada inicia-se o cuidadoso e demorado trabalho de

moldar a canoa. Consiste em primeiro cavar o tronco com o auxílio de diversas

ferramentas especializadas e, findo esse processo, a canoa é queimada por dentro

e por fora para que a madeira se torne moldável enquanto está quente e possa ser

aberta. Finalmente é feito o acabamento, com a colocação dos bancos.

A Hutukara apóia o extrativismo indígena de Produtos Florestais Não Madeireiros

(PFNM). A castanha da Amazônia é coletada por poucos homens atualmente em

idade de suportar os esforços físicos necessários. Uma das canoas construídas

durante a oficina transporta o produto dos castanhais situados nas margens do Rio

Ajarani até as distantes vias de escoamento.

O uso das canoas permite o acesso a locais de caça mais distantes e atividades de

pesca. Isso pode ajudar a reduzir a demanda por produtos da cidade.

O terceiro Autor teve participação em expedições pelo RIo Uraricoera, onde

detectando e quebrando garimpos6. Um local preocupante é o Aracaçá, onde

fizeram uma pista para os garimpeiros. Diversos pontos foram detectados,

usando tecnologias, mas efetivamente conhecidos em campo. São os

Yanomami que denunciam as localizações identificadas. Um projeto importante

é a melhoria da comunicação, ampliando a rede de rádios da Hutukara ().

Outro foco é a participação como conselheiro em unidades de conservação

UCs do entorno da Terra Yanomami, já participava em Maracá e agora em

Niquiá e Serra da Mocidade. Nesse diálogo tivemos uma vitória importante, a

Flona Roraima modificou os seus limites e desafetou a TIY, uma reivindicação

antiga dos Yanomami. A criação das Flonas deveu-se à tentativa de redução

dos direitos territoriais dos Yanomami durante o final do período militar e

Governo Sarney (Albert 1991; 1991; Albert and Tourneau 2006).

Relato de Genisvan André

O segundo Autor teve seu primeiro contato com a ferramenta

computacional de geoprocessamento com sistema de informação geográfica

(SIG), foi em um curso em na cidade Manaus oferecido pela Coordenação das

Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB no Centro

Amazônico de Formação Indígena – CAFI em 2009 com apoio do Conselho 6 http://www.folhabv.com.br/noticia.php?id=126404 23-3-2012

Page 15: ferramentas de diálogo Etnomapeamento(Nilsson-Merquior-Rocha)

Indígena de Roraima (CIR). No período do curso a Software utilizado para

formação/ capacitação foi ArcView, ministrado pelo primeiro Autor desse

traballho. Em 2010 foi convidado a trabalhar no CIR no laboratório de SIG. O

CIR trabalhava na época um Software licenciado do ArcGIS versão 9.3.

Durante todo esse período o CIR deu apoio na formação continuada em SIG

para que pudesse desenvolver os trabalhos da organização. Atualmente, alem

de atuar na área de SIG dentro da organização indígena é acadêmico na

Universidade Federal de Roraima no curso de gestão territorial Indígena.

Irei relatar a minha experiência de trabalho com mapas, mas primeiro e

para ter o sentido dos relatos apresento bem breve quem é o CIR, porque é

dessa instituição que vou relatar experiência.

Da organização: O Conselho Indígena de Roraima (CIR) é uma

organização indígena sem fins lucrativos que tem como objetivo a luta pela

garantia dos direitos dos povos indígenas de Roraima. Está formado por oito

conselhos regionais que congregam em torno de 220 comunidades indígenas,

e abrange em sua área de atuação uma população de mais de 50.000

indígenas, das etnias Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Patamona, Sapará,

Taurepang, Wai-Wai, Yanomami e Yekuana, distribuídos em 34 terras

indígenas que alcançam uma área de 10.344.320 hectares, o que representa

46% da superfície do estado de Roraima. O CIR é uma das organizações

indígenas mais ativas no Brasil, com atuação nos níveis local, regional,

nacional e internacional, e é hoje o principal interlocutor das comunidades

indígenas do Estado de Roraima frente às autoridades e órgãos competentes.

(fonte: Conselho Indígena de Roraima).

Nos últimos anos os povos indígenas de Roraima e as organizações

indígenas, em destaque o CIR, estiveram envolvidos no processo de

regularização fundiária dos territórios indígenas. Com reconhecimento dos

direitos indígenas principalmente com demarcação, homologação das terras

indígenas do Estado, surgiram outros desafios voltados para gestão territorial e

ambiental. Nesta linhagem algumas iniciativas já foram desenvolvidas pelo CIR

nas comunidades indígenas como a formação dos agentes territoriais e

ambientais indígenas - ATAI, Estudo de caso e mudanças climáticas,

levantamento socioambiental e o mais recente, o Plano de Gestão territorial e

ambiental das terras indígenas – PGTA.

Page 16: ferramentas de diálogo Etnomapeamento(Nilsson-Merquior-Rocha)

As construções dos PGTA assim como outros projetos ou atividades já

citado acima, são reivindicações das lideranças indígenas, sendo que

atualmente já foram construídas 04 “PTGA” experimentais. Quanto às

definições das áreas para construção dos PGTA são as lideranças indígenas

que realizam as escolhas em reuniões e assembléias.

Para atender essas demandas, o CIR dispõe de um departamento

ambiental cujo objetivo é apoiar todas atividades voltadas para gestão territorial

e ambiental das terras indígenas. Dentro da estrutura do departamento

ambiental está consolidado um laboratório de SIG, que é um dos elementos

fundamentais nas construções dos mapas das áreas trabalhadas. Atualmente o

laboratório de Sistema de Informação Geográfica (SIG ou GIS - Geographic

Information System) do Conselho de Indígena de Roraima trabalha com

software do ArcGIS 10.1 licenciado que possibilita trabalhar a representação

geográfica das terras indígenas além de facilitar ações voltadas à gestão

territorial e ambiental.

Construção dos etnomapas: o trabalho de etnomapeamento vem

sendo realizado pelo CIR desde o ano de 2001 inicialmente na terra indígena

Raposa Serra do Sol tornando-se uma ferramenta importante no processo da

demarcação e homologação. Atualmente a produção de mapa está ligada à

construção do PGTA de algumas terras indígenas contando com participação

total do técnico indígena em geoprocessamento.

No PGTA a idéia não é produzir qualquer tipo de mapa, mas um mapa

que tenha característica da comunidade, um mapa que valoriza a participação

da coletividade. Pensando nisso que surgiu termo “Etnomapeamento”. Mas

porque utilizar o termo “etno + mapeamento”? Porque se trata de um povo ou

comunidade que tem modo de vida diferenciado e trabalha-se o conhecimento

cultural, tradicional e territorial de um povo e por fim são eles protagonistas os

beneficiados dos seus próprios trabalhos. Em todos os trabalhos somos

questionados com relação a inserção das informações. O fato de produzir ou

elaborar um mapa não quer dizer inserir qualquer informação, neste caso é a

comunidade quem tem toda autonomia de dizer o que pode ou não pode ser

mapeada, pode ate ser mapeado porem não aparece no etnomapeamento

físico, fica restrita a comunidade. Vista disso à utilização o termo

“etnomapeamento” entende-se que mais adequado à realidade da comunidade.

Page 17: ferramentas de diálogo Etnomapeamento(Nilsson-Merquior-Rocha)

Para construção dos etnomapas foram adotados como metodologias

dois tipos de mapa: o mental e a cartográfica. O objetivo da etnomapa mental é

ver qual é a visão, compreensão da comunidade diante do seu território, se há

alguma estratégia um plano de uso uma vez que são originários daquele

território. Isso é feito por meio de desenho em papel onde é feito

representações de certas informações de uma determinada área. Todo esse

trabalho é levado em consideração no laboratório SIG para uma sistematização

para produto geral. Quanto ao mapa cartográfico é utilizado às bases de dados

oficiais com as informações de Hidrografia, rodovia, limite administrativo,

imagem de satélite e outras informações pertinentes. No final é feito junção das

informações do mapa mental e cartográfico.

Descrevo como é feito os etnomapas utilizando a base cartográfica. O

objetivo da utilização de algumas informações como rodovia, hidrografia e

limite administrativo é somente um ponta-pé inicial para construção do mapa

quer dizer uma orientação básica. Sempre é feita em papel vegetal por ela ser

transparente para ser sobreposta a uma imagem de satélite. Nos nosso

trabalho optamos trabalhar com escala 1:50.000 isso porque o nosso objetivo é

ter mais detalhes de uma área mas também porque existem certos recursos

que a imagem de satélite não mostra e aí é que entra o conhecimento

territorial, cultural e tradicional das comunidades. São divididos por camadas

(Layers) para não sobrecarregar de informações somente em um etnomapa.

Como o nosso trabalho e volta para gestão territorial e ambiental praticamente

é no Maximo 6 camadas por exemplo: camada de hidrografia, vegetação,

localidades, rodovias. Após a conclusão é recolhido todo material e conduzido

até ao laboratório de geoprocessamento.

No laboratório é feito o serviço de plotagem ou escaneamento para

geração de arquivo digital no formato JPG ou TIF, em seguida realiza-se o

georeferenciamento. O georefenciamento é feito a partir de uma imagem de

satélite fazendo que a fotocopia se torne uma imagem georeferenciada/raster,

em seguida é encaminhado para o processo de digitalização. A digitalização é

a parte mais fundamental quando vai trabalhar com um etnomapeamento, por

que é o momento em que feito é transferência das informações em formato

digital “Shp” transformado-as em banco de dados com todas as referencias

geográfica enfim, este o trabalho que é realizado atualmente pelo técnico

Page 18: ferramentas de diálogo Etnomapeamento(Nilsson-Merquior-Rocha)

indígena em SIG. Assim concluído a digitalização tem ultima etapa é a

montagem dos layers que é o resultado do trabalho. Este material está no

acervo do CIR e disponível para as comunidades indígenas e organizações.

Da importância. Historicamente, sabemos que o mapa era uma

ferramenta de poder somente de governo e militares que tinha acesso ou

construíam o mapa. Hoje a realidade é outra qualquer organização estatal ou

não pode ter seu próprio mapa de acordo seu objetivo.

Por isso o CIR instalou dentro da sua estrutura o laboratório de SIG para

ajudar na gestão territorial e ambiental utilizando essa ferramenta de

geoprocessamento. Atualmente os mapas são construídos com objetivo de

apresentar aos governantes e a sociedade que o povo indígena tem seu plano

de gestão territorial e ambiental, e muito mais, é para servir instrumento,

ferramenta de luta, reivindicação e transformá-la em políticas publicas. Há

muito projetos do governo sendo imposta viola o direito constitucional do povo

indígena contrariando o direito garantido na convenção 169 da OIT de consulta

previa e isso o povo indígena não admite.

Hoje os etnomapeamentos passaram a ter mais credibilidade, porque

antes só se trabalhava com mapa mental agora é um mapa técnico com todas

as referencias geográficas e informações políticas.

Discussão

A partir dos relatos dos autores, vamos proceder uma interpretação das

trajetórias, buscando implicações sobre estudos da paisagem. As escolhas

metodológicas de se concentrar na ferramenta por mais etnocêntrico que isso

possa parecer, resulta, por outro lado, numa apropriação de um instrumento

utilizado para legitimar territórios, e que em certa medida está em disputa

também nesse campo, entre Estado Nacional, direcionado por interesses

geopolíticos e econômicos, e as populações em busca da garantia de seus

direitos (Acselrad and Coli 2008). Por parte do Estado Nacional, um argumento

usual contra a apropriação da técnica pela população está na precisão

cartográfica, talvez daí os mapeamentos comunitários originais terem evoluído

rapidamente para o uso de SIGs. A aquisição de competência nessa área por

expoentes e apoiadores a serviço dos povos indígenas trouxe empoderamento

frente aos debates sobre direitos territoriais, mas hoje enfrenta uma contra-

ofensiva à sua legitimação: causa preocupação o Projeto de Lei 5037/13

Page 19: ferramentas de diálogo Etnomapeamento(Nilsson-Merquior-Rocha)

(devolvido para revisão) que cria o Código Cartográfico Nacional, por

desconsiderar a cartografia social e acadêmica e pelo inciso II do § 30, que

limita a autorização de cartografia ‘privada’ em faixa de fronteira. A cartografia

tem papel decisivo hoje desde a delimitação e demarcação de uma terra

indígena, passando pela defesa territorial e pelo seu uso. O PNGATI (Lei n°

7747/2012) vem a confirmar esse papel. Em todos eles, o entendimento do

modo de vida de cada povo e o que isso imprime na paisagem toma parte

importante no esforço de mapeamento.

Uma das ferramentas hoje é conhecer as sabedorias tradicionais dos povos

indígenas nas suas regiões que habitam e é visualizado pela ferramenta criada

pelo homem branco. O conhecimento indígena é aprender na prática, conhecer

de perto os lugares mais importantes, lugares sagrados, montanhas, rios,

afluentes e outros, o resultado disso ele desenha na sua mente e marca o

ponto de referência é isso que fica na memória da pessoa chamado mapa

mental. A única diferença que tem nessa ferramenta, ao mesmo tempo você

comparando das duas ferramentas por exemplo, a imagem mostra de cima via

satélite isso na ferramenta do homem branco praticamente é usado para

visualizar através das coordenadas marcadas pelo pessoa com GPS, sem isso,

a pessoa não ia se localizar.

Nos modos indígenas de vivenciar o espaço, a paisagem é entendida de forma

diferente do conhecimento técnico do mapa. Isso coloca, para os interlocutores

dos movimentos indígenas, a demanda de oferecer suas técnicas de mapear,

como ferramentas passíveis de serem utilizadas junto com o conhecimento

territorial vivenciado pelas sociedades indígenas. Das ferramentas disponíveis,

desde o mapa efêmero, desenhado no chão, ao croqui e as geotecnologias

digitais, todas são passíveis de se ensinar. A apropriação da ferramenta é uma

questão a ser problematizada pelos novos usuários, buscando definir bem sua

utilidade e suas limitações (Colchester 2002).

Uma clara utilidade está na vigilância territorial, em perceber também a

“geografia do outro”, como forma de conhecer para se defender. Esse é um

aspecto demonstrado tanto no curso, onde várias exposições versavam sobre

a situação externa, como nas exposições das nossas organizações indígenas,

que têm essa função de defender o direito ao usufruto exclusivo de suas terras.

Page 20: ferramentas de diálogo Etnomapeamento(Nilsson-Merquior-Rocha)

A paisagem, os lugares sagrados, a serem localizados no mapa, dando-lhes

esse significado, expressam parcialmente o ‘etno-’ que prefixa o ‘mapeamento’.

A paisagem revela um modo de ocupação característico e diferenciado em

relação ao da sociedade envolvente e seus diversos projetos, porque seu modo

de conceber tal realidade é diferente, mas é nas lutas políticas e simbólicas

que as sociedades indígenas podem comunicar e se impor, colocando seu

modo de abordar, garantindo seu direito ao usufruto territorial, muitas vezes

contrapondo-se aos projetos que o Estado Nacional, entre outros atores

sociais, reserva aos índios. A dificuldade em se compreender as reais

necessidades dos povos indígenas se percebe quando os projetos econômicos

a propostos são mera reprodução de modelos da sociedade envolvente, muitas

vezes baseados em produtos únicos, monocultivos (Azanha 2004). Azanha

(2002) define algumas características necessárias para que os projetos

econômicos destinados aos índios sejam satisfatórios, dos quais destacamos

duas: relativa independência do mercado, através da satisfação das

necessidades com recursos próprios, produzidos por internamente, e “pleno

domínio das relações com o Estado e com as agências de governo, a ponto de

as sociedades indígenas definirem o caráter dessa relação”. Trazendo os

exemplos das nossas organizações, temos o projeto das canoas e o Projeto

‘Cruviana’, de aproveitamento eólico, como exemplos de contraposição às

pressões sobre nossas terras, numa visão integrada, ou por associar vigilância

com as necessidades materiais e por criar alternativas à geração hidrelétrica, o

que afetaria um grande patrimônio, a cachoeira do Cotingo. Queremos reforçar

o fato do protagonismo indígena na condução das políticas e iniciativas de

defesa e manejo das terras indígenas, com base num maior esclarecimento

técnico e científico, num conhecimento da sociedade de Estado e de

ferramentas que nos podem ser úteis, como o mapa. Desde muito tempo que

os povos indígenas vem construindo esse saber sobre o outro, para aprender a

lidar com ele, sendo sujeito do que acontece em suas próprias terras.

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