fernando rabossi tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguai

Upload: fernando-rabossi

Post on 08-Jan-2016

216 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Como funciona um mercado no qual os compradores provêm de outro país e onde muitos dos comerciantes e trabalhadores moram do outro lado da fronteira? O artigo analisa a dinâmica comercial da cidade paraguaia de Ciudad del Este, importante centro comercial de artigos importados localizado na fronteira com o Brasil, a partir das relações entre mobilidade, territorialidade e temporalidade. A descrição etnográfica acompanha aos múltiplos atores envolvidos no comércio de fronteira nos seus deslocamentos ao longo de um dia trabalho e aborda outras configurações temporais e espaciais relevantes para sua compreensão. Considerando que o mercado pressupõe um espaço e um tempo nos quais sucedem as transações, os mercados de fronteira apresentam uma complexidade especial que revela tanto características espaço-temporais estatais quanto o caráter relativo de tais características.

TRANSCRIPT

  • Tempo e movimenTo em um mercado de fronTeira: ciudad del esTe, paraguai1

    Fernando Rabossi I

    i Universidade Federal de Rio de Janeiro Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia (UFRJ-PPGSA), Brasil

    [email protected]

    Como local de trocas, o mercado supe um espao e um tempo nos quais acon-

    tecem as transaes. Porm, a relao dos vendedores, compradores e demais

    participantes com o tempo e o espao de um mercado particular depende das

    atividades e posies que esses participantes ocupam ou realizam. Vender ou

    comprar supe relaes diferenciadas com o espao do mercado (como estar

    fixo em um ponto ou circular, por exemplo), e essas aes definem distintas

    temporalidades para quem as realiza (permanecer no local ou passar por ele).

    Estas caractersticas dos mercados assumem uma complexidade singular nas

    fronteiras estatais. Nelas as definies territoriais e temporais dos Estados

    revelam-se de forma ntida e passam a constituir variveis relevantes na cons-

    tituio do espao e do tempo das trocas.

    O presente trabalho analisa a dinmica comercial da paraguaia Ciudad

    del Este, importante centro comercial de artigos importados, localizado na

    fronteira com o Brasil, luz das relaes entre mobilidade, territorialidade e

    temporalidade. A escolha destes trs aspectos parte da hiptese de que, para

    entender a dinmica comercial de Ciudad del Este, necessrio compreender

    os diversos movimentos que operam na sua estruturao e funcionamento.

    Falar de movimento implica, por sua vez, a abordagem de dimenses espaciais

    e temporais.

    Com base em um trabalho de campo realizado por mais de dez meses,

    entre 1999 e 2001 (perodo que, salvo quando indicado, o presente etnogr-

    soci

    olo

    gia

    &a

    ntr

    opo

    log

    ia |

    rio

    de

    jan

    eiro

    , v.0

    5.01

    : 405

    4

    34, a

    go

    sto

    , 201

    5

  • 406

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    fico do texto), apresentarei de forma geral aquela regio para, em seguida,

    concentrar-me na descrio do movimento na Ponte da Amizade, que une as

    margens brasileira e paraguaia do rio Paran, ao longo de um dia de trabalho.

    Explorarei algumas particularidades temporais de seu funcionamento que

    esto na base da relao diferenciada que os distintos atores mantm com

    aquele espao com a ajuda de trs elementos. So eles: um determinado tipo

    de publicidade que circulava ento pelas ruas de Ciudad del Este; a frmula

    utilizada pelos compradores para descrever a jornada empreendida desde suas

    cidades de origem; e a categoria utilizada pelos vendedores para descrever a

    jornada no mercado.

    ciudad del esTe e o cenrio fronTeirio

    Falar do Paraguai e de Ciudad del Este no Brasil remete a um conjunto de este-

    retipos e pressupostos que correspondem, de fato, a dois leques de imagens

    diferentes. O primeiro deles associa-se a produtos e qualidades. O segundo, a

    margens e ilegalidades. Ambos os aspectos esto vinculados dinmica co-

    mercial desenvolvida na fronteira. Seja por se tratar do lugar de procedncia

    de muitos dos produtos que contriburam, em nosso pas, para a transformao

    do gentlico paraguaio em um adjetivo que qualifica algo que no como

    deveria ser algo que falso ou adulterado;2 seja por se tratar do lugar onde

    grupos de origens diversas (brasileiros e paraguaios, rabes, chineses, corea-

    nos e indianos, entre outros) trabalham em atividades que tm movimentado

    milhes de pessoas, produtos e dlares, envolvendo todo um leque possvel

    de afazeres que possam render algum dinheiro.

    Localizada no extremo Oeste do Paraguai, Ciudad del Este separada

    pelo rio Paran da cidade brasileira de Foz do iguau. sua frente, do outro

    lado do rio iguau, localiza-se a cidade de Puerto iguaz, na Argentina. Na

    confluncia destes dois rios encontram-se os limites internacionais dos trs

    pases. Sobre eles, foram erguidas as duas pontes que os unem: a Ponte da

    Amizade (Ciudad del Este-Foz do iguau) e a ponte Tancredo Neves (Foz do

    iguau-Puerto iguaz).

    Ciudad del Este a capital do Estado do Alto Paran um dos 17 estados

    que formam o Paraguai e a segunda cidade do pas em importncia demogrfica

    e econmica. Com uma populao de 222.274 habitantes em 2002,3 a cidade se

    desenvolveu, desde a sua fundao, em 1957, como uma alternativa dinmica

    tradicional importncia da capital, Assuno. Com jornais locais, universidades,

    um aeroporto internacional e uma importante infraestrutura urbana ainda que

    precria e desigual Ciudad del Este fundamental no Paraguai contempor-

    neo. Foz do iguau tambm teve um desenvolvimento significativo nas ltimas

    dcadas e, em muitos aspectos, mais acabado do que o da cidade paraguaia; ao

    menos no que diz respeito mdia, infraestrutura urbana e mesmo ao aces-

  • 407

    artigo | fernando rabossi

    so a determinados bens e servios. Foz do iguau, por sua vez, muito menos

    significativa para a dinmica estadual e nacional brasileira. Com uma popula-

    o de 256.088 habitantes, no ano de 2010, Foz era a sexta cidade do Estado do

    Paran, uma das 27 unidades federativas que compem o Brasil. Comparada

    com as anteriores, a argentina Puerto iguaz uma pequena cidade, com pouca

    ou nenhuma autonomia em termos de produo ou reproduo de uma esfera

    pblica local. Com 42.849 habitantes, em 2010, era a quarta cidade da Provncia

    de Misiones, um dos 23 estados da Argentina.

    As cidades de Puerto iguaz e Foz do iguau so destino obrigatrio

    para visitar as Cataratas do iguau, importante ponto turstico da Amrica

    Latina.4 A dinmica econmica de Puerto iguaz gravita em torno do turismo e

    do comrcio a ele vinculado. O turismo tambm ocupa um lugar fundamental

    na dinmica econmica de Foz do iguau. No entanto, outras duas atividades

    so cruciais para entender seu desenvolvimento: o comrcio de produtos bra-

    sileiros para os pases vizinhos (principalmente, para o Paraguai) e a produo

    de energia eltrica. Localizada alguns quilmetros ao norte de Ciudad del Este

    e Foz do iguau, a represa hidreltrica de itaipu produz energia de forma com-

    partilhada entre os dois pases.

    Se a importncia do turismo para os lados argentino e brasileiro deriva

    do atrativo natural que compartilham as cataratas , o comrcio e a gerao

    de energia que compartilham Foz do iguau e Ciudad del Este foram o resulta-

    do de apostas polticas, de desenvolvimentos governamentais e empresariais

    e, fundamentalmente, do trabalho de milhares de pessoas. Entre elas esto os

    imigrantes vindos do Paraguai e do Brasil que ajudaram a levantar a hidreltri-

    ca a partir da dcada de 1970 e, desde ento junto com imigrantes de diversas

    partes do mundo, transformaram os mercados localizados nas cabeceiras da

    ponte que une ambas as cidades em um dos espaos comerciais mais din-

    micos do continente.

    O movimento na Ponte da Amizade bastante intenso. Em grande parte,

    isto se deve aos diversos servios de transporte que operam pela ponte, levando

    e trazendo pessoas e mercadorias. No ano de 2001, em mdia 18.500 veculos e

    20 mil pedestres atravessavam a ponte diariamente em ambos os sentidos.5 Mas

    esses nmeros no correspondiam a 18.500 veculos ou 20 mil pessoas diferen-

    tes, compondo cifras que se desagregavam de diversas maneiras. Por um lado,

    havia os que cruzavam a ponte somente uma vez e no voltavam mais naquele

    dia (a minoria), havia os que iam e voltavam uma vez ao dia (que trabalhavam

    em Ciudad del Este ou em Foz do iguau e viviam do outro lado da ponte) e, por

    ltimo, aqueles que cruzavam a ponte vrias vezes num mesmo dia, seja carre-

    gando mercadorias, transportando pessoas ou dirigindo. Por esta razo, o movi-

    mento registrado na ponte corresponde mais ao de uma ponte urbana do que

    ao de uma rodovia o corredor formado pela Rota internacional Vii (Paraguai) e

    pela BR-277 (Brasil), que ligam o centro do Paraguai costa atlntica brasileira.6

  • 408

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    Tanto movimento se tornava compreensvel a partir das reas comerciais

    prximas Ponte da Amizade. A posio ocupada por cada uma delas na din-

    mica citadina era distinta, resultado da histria e da orientao de cada cidade

    em termos de atividades e de espaos. Em Foz do iguau, a rea prxima

    ponte perifrica dentro da cidade, sendo que o centro, que concentra a maior

    quantidade de servios (os escritrios centrais dos servios pblicos e privados

    e o centro comercial da cidade) est localizado a alguns quilmetros dali. Con-

    trariamente, a rea de Ciudad del Este prxima ponte constitui o centro da

    cidade, onde se concentram os servios privados (a maior quantidade de enti-

    dades bancrias e comrcios) e, em seu limite, os principais escritrios pblicos.

    Foz do iguau foi fundada como colnia militar em 1889, e o centro ad-

    ministrativo e comercial cresceu ao redor do lugar de sua fundao. As terras

    prximas Ponte da Amizade permaneceram marginais ao desenvolvimento

    urbano. Logo aps a inaugurao da ponte, em 1965, essa rea comeou a se

    urbanizar, com o desenvolvimento dos bairros de Vila Portes e Jardim Jupira,

    direcionados ao comrcio com o Paraguai.

    A fundao de Puerto Presidente Stroessner, em 1957 nome original

    de Ciudad del Este vincula-se construo do corredor entre o centro do

    Paraguai e os portos ocenicos nos quais o governo brasileiro havia facilitado

    as exportaes e importaes paraguaias: Santos, em 1941, e Paranagu, em

    1956. A eleio do local para a fundao da cidade foi determinada pelo local

    escolhido para a construo da ponte que atravessaria o rio Paran. O fato de

    o prdio da Aduana, ao lado da rodovia que chega Ponte da Amizade, ser o

    primeiro edifcio de importncia em Puerto Presidente Stroessner reflete a

    centralidade dessa conexo para o desenvolvimento da cidade. Ao lado dessa

    rodovia, na sada da ponte, est localizado o centro comercial da cidade ou,

    como chamado por l, o microcentro. Em seus estabelecimentos comerciais,

    galerias, shoppings e postos de venda de rua, so oferecidas mercadorias, em

    sua maioria compostas por produtos importados de diversas partes do mundo,

    especialmente do Sudeste Asitico. Um enorme mercado.

    o comrcio de fronTeira em movimenTo

    Considerando a origem, o lugar de residncia e o local de trabalho das pessoas

    que participam do comrcio de Ciudad del Este, o movimento na Ponte da Ami-

    zade de uma enorme complexidade. Descrever este movimento talvez seja a

    melhor maneira de entender a dinmica daquele espao. Tentarei apresentar,

    a partir da descrio de um dia de trabalho, o funcionamento dos mercados

    localizados nas cabeceiras da ponte.

    De madrugada, no microcentro, esto os guardas privados que cuidam

    dos negcios, todos eles paraguaios residentes em Ciudad del Este ou em suas

    imediaes. medida que amanhece, os negcios vo abrindo. Chegam seus

  • 409

    artigo | fernando rabossi

    donos ou seus responsveis; muitos so chineses, rabes e paraguaios, mas

    tambm h brasileiros, coreanos e indianos.7 Vrios deles vivem em Foz de

    iguau e, portanto, tm que atravessar a ponte. Os moradores de Ciudad del

    Este muitos chineses e rabes residem no centro da cidade chegam a p.

    Outros vm de bairros mais nobres, mais afastados.

    Do lado brasileiro tambm comea o movimento. Os paraguaios, donos

    e empregados das exportadoras localizadas em Vila Portes, cruzam at Foz do

    iguau em seus veculos ou a p, assim como os paseros que, a essa altura, j

    comearam seu ir e vir pela ponte.8 Os demais comerciantes de Vila Portes e

    Jardim Jupira que vivem em Foz de iguau, assim como os empregados, chegam

    dos bairros localizados nesta mesma cidade. Vrios comerciantes especial-

    mente rabes tambm vivem nesses mesmos bairros.

    Em Ciudad del Este, os seguranas particulares chegam a p ou em

    pequenas caminhonetes que fazem a distribuio dos empregados nos locais

    que vigiam. Antes ou simultaneamente aos donos, chegam os empregados

    dos comrcios. Os paraguaios so mulheres em sua maioria vm de di-

    versos bairros da cidade. Os brasileiros em propores similares cruzam de

    Foz do iguau, constituindo, at setembro de 2001, o grosso dos empregados

    do comrcio do microcentro.9 Em algumas reas do centro, muitos dos postos

    de comida de rua so de brasileiros que tambm vm de Foz do iguau, este

    tambm o caso de alguns restaurantes e lanchonetes dentro das galerias.

    Ainda que existam, so poucos os brasileiros que trabalham no microcentro e

    vivem em Ciudad del Este.

    Muitos donos e encarregados dos negcios que vivem em Foz do iguau

    cruzam a fronteira em seus veculos. Alguns chegam nos nibus interurbanos

    que circulam entre Foz do iguau e Ciudad del Este. A maioria dos empregados

    brasileiros que trabalha em Ciudad del Este chega de nibus em Vila Portes e

    atravessa a ponte caminhando ou de mototxi.

    De bairros prximos e mais afastados do microcentro chegam todos

    aqueles que trabalham nas ruas do centro que, salvo poucas excees, so pa-

    raguaios: vendedores de rua,10 ambulantes, vendedores de loteria, carregadores,

    engraxates (em sua maioria, crianas). Ali tambm chegam os cambistas que

    se dedicam compra e venda de moedas todos eles homens e paraguaios e

    se instalam em seus respectivos lugares, alguns com seus bancos ou cadeiras

    nos quais se sentaro durante o dia, espera de clientes.11

    Os taxistas, mototaxistas12 e kombistas13 paraguaios (todos homens)

    tambm se preparam para comear seu dia de trabalho. Os taxistas chegam

    a suas paradas oficiais, os mototaxistas ocupam seus pontos regulares e os

    kombistas comeam a descer rumo ponte, esperando encontrar clientes entre

    os compradores que retornam a Foz do iguau com suas mercadorias.

    Os laranjas brasileiros14 mais mulheres do que homens cruzam at

    Ciudad del Este, onde se situaro na entrada de alguma galeria ou autoservice15

  • 410

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    ou, se no, em alguma das lanchonetes localizadas dentro das galerias. Ali

    esperam por algum patro (sacoleiro conhecido) ou por outro comprador que

    os contrate para cruzar a ponte. Os sacoleiros so aqueles que viajam at l

    para comprar mercadorias mais tarde revendidas em suas cidades de origem.16

    Eles vo chegando nos respectivos nibus interestaduais. As pessoas que cru-

    zam a ponte nesse tipo de nibus esperaram poder passar toda a mercadoria

    em uma nica viagem. Para tanto, alm de precisarem aguardar que todos

    terminem suas compras e carreguem-nas no nibus, elas devem esperar o

    momento mais propcio para cruzar, ou seja, quando a fiscalizao na alfn-

    dega brasileira estiver menos rigorosa. Outros compradores cruzam a ponte

    caminhando, em mototxi ou em nibus locais. Alguns o fazem vrias vezes

    por dia, multiplicando o nmero de passagens para se adequar quota estabe-

    lecida pela lei brasileira de ingresso de mercadorias para uso pessoal. Outros

    contratam laranjas para passar com eles, multiplicando o nmero de pessoas

    para diminuir as viagens. Todos retornam a Foz, acumulam suas mercadorias

    nos guarda-volumes perto da ponte ou em algum hotel prximo e voltam a

    cruzar a ponte, caminhando, em algum mototxi ou aproveitando o retorno

    de um txi ou kombi paraguaios.17 Assim faro at completarem as compras.

    A variedade a norma entre os compradores: os homens so maioria, mas as

    mulheres no so poucas. Entre eles, h jovens e velhos, mas a maioria est

    na faixa dos 30 aos 50 anos.

    Esse movimento continuar at s 16h. A partir da, pouco a pouco,

    os negcios comeam a fechar suas portas, e os caminhos percorridos sero

    refeitos para o regresso casa, esteja ela em algum dos bairros de Ciudad del

    Este ou de Foz do iguau ou nas cidades de origem dos sacoleiros. Aquilo que

    foi convergindo durante o dia comea a divergir lentamente, com o entardecer.

    Considerando este ir e vir, o movimento na Ponte da Amizade torna-se

    compreensvel e corrobora sua descrio como ponte urbana, sugerida pelo di-

    retor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) brasileiro. No entanto, este

    movimento no uma demonstrao da irrelevncia do limite internacional, sen-

    do, antes, decorrente da sua existncia. De fato, a expanso quantitativa do mo-

    vimento responde a uma preocupao qualitativa: minimizar os riscos a partir da

    adequao relativa ao que estabelece a lei. O paradoxo est no fato de que a

    multiplicao gerada por esta preocupao transportes e laranjas dificulta o

    controle. A quantidade de pessoas e veculos impe de fato um limite ao controle

    sistemtico da fronteira, em parte pela impossibilidade concreta de realiz-lo, em

    parte porque a deciso de coloc-lo em prtica tem implicaes diversas. Tratar-

    -se-ia de enfrentar milhares de pessoas, de interromper o fluxo entre os dois pases,

    de deter o movimento de uma srie de circuitos a partir dos quais milhares de

    pessoas ganham a vida. Empreender tais aes requereria, alm da infraestrutu-

    ra necessria para poder realiz-los, a deciso poltica de intervir em um espao

    no qual se cruzam interesses municipais, estaduais, nacionais e internacionais.18

  • 411

    artigo | fernando rabossi

    Ciudad del Este e Foz do iguau compartilham algo mais que a Ponte da

    Amizade. Em ambas as cidades, as reas comerciais prximas ponte esto

    direcionadas ao outro lado da fronteira. No entanto, a forma como esto orga-

    nizadas e os produtos que vendem so bem diferentes. Os prprios nomes das

    lojas j expressam isto. Em Foz do iguau, so casas de exportao e comr-

    cios: vendem e levam produtos brasileiros ao outro lado da fronteira, s vezes

    diretamente, outras, por intermdio de pessoas que realizam o transporte, os

    paseros. Em Ciudad del Este, so casas de importao e comrcios: trazem e

    vendem produtos de outras partes do mundo e, em teoria, os compradores vm

    cidade para busc-los. Para ingressar com eles em seu pas, os compradores

    s vezes utilizam pessoas que realizam o transporte e que assumem a pro-

    priedade da mercadoria, os laranjas. Vistos de Ciudad del Este, os compradores

    so pessoas de passagem pela cidade todos turistas, como so chamados

    por l. Mas h os turistas-turistas os verdadeiros turistas e os compristas

    como so chamados aqueles que ganham a vida revendendo esses produtos,

    os tambm chamados sacoleiros. A diferena entre estes dois tipos de agentes

    tem uma matriz histrica: se a cidade comeou como um centro comercial

    para turistas-turistas, em um determinado momento passou a ser um centro

    de proviso de mercadorias para revendedores.19

    o Tempo das oferTas: acelerao e deslocamenTo

    Se a descrio anterior nos permite ter uma viso geral do movimento co-

    mercial de Ciudad del Este, a dinmica diria soma outras complexidades a

    este quadro. O primeiro elemento a ter em mente a variao dos horrios

    de incio e finalizao das atividades. Durante o ano de 2001, algumas lojas

    comeavam suas atividades s 5h, mas, em mdia, o movimento nas ruas do

    centro comeava a partir das 7h e terminava s 16h, estendendo-se at depois

    das 18h o fechamento de postos e locais de vendas. No entanto, mdias so

    generalidades estatsticas e, em um espao to sensvel s variaes, as par-

    ticularidades talvez sejam mais significativas.

    Vou me concentrar em um tipo de publicidade muito recorrente em Ciu-

    dad del Este para analisar essas variaes: as folhas de propaganda, entregues

    na rua aos visitantes que iam chegando cidade. Distribudas nos horrios

    de maior movimento, trazem impressas as ofertas das lojas e as imagens dos

    produtos em promoo.

    Vejamos, por exemplo, uma folha de propaganda do Mercado Bom Bom,

    um autoservice localizado no Shopping sia, no microcentro de Ciudad del

    Este. Alm de nos informar sobre as ofertas daquela semana de julho de 2001,

    trazia os horrios em que a loja funcionava: Seg. Quinta e Sexta 6:00 Hrs. -

    Tera, Quartas s 5:00 e Sbados s 4:30 Hrs. Fechamos todos os dias s

    17:00 Hrs.

  • 412

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    A antecipao do incio das atividades, no ano de 2001, comeou a ser

    notada em junho. Os sacoleiros estavam chegando antes, e os negcios se

    acomodaram a seus horrios. Alguns sacoleiros e comerciantes diziam que se

    tratava de encurtar a jornada em Ciudad del Este e empreender o retorno no

    mesmo dia, poupando gastos de alojamento em Foz do iguau. Outros assinala-

    vam que se procurava, simplesmente, evitar os controles, j que de madrugada

    havia menos fiscais da Receita Federal trabalhando na Ponte da Amizade.20

    O certo era que nos sbados o dia de maior movimento de sacoleiros

    os autoservices abriam muito cedo. Se para os empregados que vinham de

    Foz do iguau chegar a essa hora j era um grande esforo, para os paraguaios

    que viviam na mesma cidade isto era ainda mais difcil. Em Ciudad del Este,

    as 4h30 do anncio eram ainda mais de madrugada do que em Foz do iguau,

    j que em territrio paraguaio o fuso horrio fazia com que fosse uma hora

    mais cedo. Abrindo s 3h30, os preparativos para o dia de trabalho comeavam

    quase na noite do dia anterior e, como em alguns lugares no havia meios de

    transporte pblico funcionando neste horrio, alguns comrcios e autoservices

    eram obrigados a buscar seus empregados.

    Os folhetos de propaganda entregues nas ruas de Ciudad del Este permi-

    tem vislumbrar dois aspectos particularmente significativos da temporalidade

    do comrcio desta cidade: sua acelerao e seu deslocamento.21

    A acelerao ou melhor, a velocidade na mudana das ofertas pode

    ser percebida em algo que aparecia em muitas das propagandas impressas: elas

    vinham com a data de validade das promoes, as quais geralmente se restrin-

    giam quele mesmo e nico dia. Algumas s tinham a data impressa. Outras

    tinham uma legenda do tipo, Preos vlidos somente para o dia [data], ou

    inclusive mais precisas, Preos vlidos somente para esta quarta-feira [data].

    Eram poucas as que promoviam produtos enquanto durassem os estoques.

    A acelerao expressa nas ofertas vlidas para o mesmo dia da publi-

    cidade realizava-se na velocidade das vendas e na reposio de mercadorias.

    Quando esse movimento comeou a desacelerar em alguns ramos de produtos,

    a prtica de datar as folhas de propaganda comeou a deixar de ser to recor-

    rente. Em 1999, quando comecei a pesquisa em Ciudad del Este, esta prtica

    era generalizada independentemente do ramo ou do tipo de negcio. J em

    2001, quase todos os autoservices haviam deixado de imprimir a data nas

    folhas de propaganda de suas promoes, e esta prtica restringira-se quase

    que exclusivamente s casas de informtica. Em alguns casos, a variao da

    demanda de determinados produtos tambm contribua para essa acelerao.

    Este foi o caso, por exemplo, no incio de 2001, com a crise energtica no Brasil

    e a consequente exploso na demanda por lmpadas de baixo consumo.

    O deslocamento do comrcio do microcentro pode ser percebido nos

    horrios de funcionamento dos negcios impressos nas propagandas dos es-

    tabelecimentos comerciais: a hora indicada era sempre a brasileira. O horrio

  • 413

    artigo | fernando rabossi

    do comrcio do microcentro aquele de seus compradores e no aquele do

    lugar onde est situado, algo que estabelece um deslocamento particular en-

    tre espao e tempo no centro da cidade. De fato, muita gente que compra em

    Ciudad del Este nem sequer sabe que ali h uma hora a menos em relao a

    Foz do iguau.

    Mas, uma hora mais cedo? Assim como o espao no possui a cor que

    no mapa nos permite distinguir o Paraguai do Brasil, tampouco o tempo tem

    qualquer marca do fuso horrio assumido a cada lado da fronteira. Ambas as

    percepes somente so possveis a partir dos mecanismos que as produzem

    e naturalizam. A fronteira um desses mecanismos, associada a todas as tc-

    nicas e procedimentos para sua produo (controles, alfndegas, funcionrios

    etc.). No microcentro de Ciudad del Este, passa-se algo de peculiar. Apesar da

    presena das instituies que encarnam essas tcnicas e se encarregam de im-

    plementar os procedimentos para a emergncia de um espao e de um tempo

    especficos, sua implementao no um fato, e, sim, o fantasma que possi-

    bilita determinada economia poltica de tolerncias e arbitrariedades. Nesta

    economia, os funcionrios destas instituies ocupam um lugar privilegiado

    que lhes permite usufruir da situao.

    Antes de ser o resultado bvio da presena do comprador que vem

    do outro lado da fronteira, essa configurao espao-temporal deriva de um

    processo de transformao que remonta dcada de 1980 e teve como conse-

    quncia a adoo do horrio brasileiro para o funcionamento comercial. Um

    indcio deste processo foi o comentrio recorrente em relao mudana de

    horrio do comrcio, que vez por outra surgia nas conversas com aqueles

    que trabalhavam em Ciudad del Este. Antes, as lojas funcionavam at tarde

    da noite, pelo menos at meia-noite ou uma hora da madrugada. Na dcada

    de 1970, quando o movimento comercial de Ciudad del Este se consolidou, o

    trabalho e suas pausas tinham outros ritmos. Se algumas horas noite era o

    que faltava para poder sair como o expressaram vrios vendedores havia

    outras atividades e horrios para o descanso e a diverso, como por exemplo,

    os intervalos depois do almoo ou uma pausa s tardes para jogar futebol.

    Por que se deixou de trabalhar noite? Os turistas deixaram de frequen-

    tar aquele espao? No. Mudaram os horrios porque mudaram os turistas

    e junto com a mudana do horrio e dos turistas modificou-se tambm o

    comrcio do microcentro. As palavras de Jackson Lima, jornalista e guia turs-

    tico, a este respeito so reveladoras. Entre 1977 e 1981, ele trabalhou em Foz

    do iguau, de onde saiu para retornar em 1987. Neste nterim, o comrcio de

    Ciudad del Este se transformou profundamente:

    O charme anterior do comrcio paraguaio que funcionava noite o forte era

    noite. isso, no regime de compras para o turismo, significava que o comrcio

    noturno era uma adio s excurses noturnas que iam para o cassino. Quando

    voltei com os colegas [em 1987], organizei uma ida ao Paraguai noite e tudo esta-

  • 414

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    va mudado. Todas as lojas fechadas. Ciudad del Este havia se civilizado brasileira.

    Horrios brasileiros. Das 9h s 18h, e no segundo a maneira paraguaia que inclua

    a santa siesta. Da comecei a notar que tudo havia mudado.

    A mudana de horrio um ndice dessa transformao brasileira.

    A lngua outra as folhas de propaganda sempre so escritas em portugus.

    Outro ndice a proliferao de empregados brasileiros nos comrcios. J com

    o dinheiro, ocorre algo ligeiramente diferente. Em 1999, todas as ofertas as-

    sim como os preos nos comrcios eram feitas em dlares americanos. Mas

    em 2001, aps alguns anos de desvalorizao da moeda brasileira, os dlares

    comearam a ceder espao s ofertas em reais como forma de atrair mais

    clientes. Contudo, expressando seus preos em dlares ou em reais, os co-

    merciantes de Ciudad del Este atuavam em funo do comprador brasileiro.

    Brasileiro, sim. Mas se considerarmos que grande parte dos turistas-

    -turistas que chegavam cidade anteriormente tambm eram brasileiros, seria

    melhor chamar essa transformao de sacoleira do que brasileira. Tais

    mudanas, como veremos a seguir, tambm supuseram a introduo de outras

    temporalidades.

    BaTe e volTa: ciudad del esTe nos circuiTos sacoleiros

    Bate e volta era o nome que costumavam usar os sacoleiros e os motoristas

    que os transportavam para se referir ao percurso de um lugar especfico rumo

    a Ciudad del Este e o retorno ao ponto de partida

    Alugados ou dirigidos pelos donos, os nibus de turismo que realizavam

    as viagens a Ciudad del Este eram o meio privilegiado para o bate e volta. Em

    geral, eles incluam, alm da viagem, a negociao com policiais e fiscais ao

    longo da rodovia. A figura do guia era fundamental nessa tarefa,22 realizada

    com o dinheiro das passagens no caso de o guia estar includo no preo ou

    da caixinha o dinheiro coletado na hora da partida para que o guia dis-

    pusesse de uma ferramenta de negociao no caso de o nibus ser parado.23

    Bate e volta sintetiza a forma totalizante como as viagens de compras a

    Ciudad del Este so experimentadas pelos sacoleiros. A intensidade da expe-

    rincia no se limita s compras nas ruas ou nas lojas da cidade nem pas-

    sagem pela fronteira, mas corresponde, antes, s idas e voltas propriamente

    ditas, que so tambm motivo de ansiedade. Na ida, devido aos acidentes e

    roubos; na volta, devido aos acidentes e controles e extorses dos funcionrios

    pblicos.24 Neste sentido, o bate e volta algo mais que uma simples forma

    de nomear a trajetria de ida e volta entre a cidade de origem e o local das

    compras, correspondendo unidade de medida desses circuitos comerciais

    tal como experimentados pelos sacoleiros. Algo que parece caracterizar os

    circuitos comerciais em geral, tal como aparece na descrio de Jacques Le

    Goff da unidade utilizada na idade Mdia para os denominado emprstimos

  • 415

    artigo | fernando rabossi

    martimos: [...] esses emprstimos eram quase sempre limitados a uma via-

    gem ou, mais exatamente, a uma ida e volta que se pode dizer ter constitudo

    na idade Mdia a unidade de operao comercial martima (Le Goff, 1991: 18).

    Se na seo anterior, luz do movimento na ponte, foi emergindo a

    importncia do comprador brasileiro na transformao do comrcio de Ciudad

    del Este, as viagens dos compradores nos permitiro compreender melhor suas

    variaes semanais e sazonais. Visto ao longo da semana, o movimento no

    microcentro de Ciudad de Este est marcado por distintas intensidades. So

    as quartas-feiras e os sbados os dias de maior movimento, quando o fluxo de

    compristas brasileiros maior.25 Mas, por que quartas e sbados? O comprador

    deixa na tera a cidade onde vive, compra na quarta em Ciudad del Este e em-

    preende o regresso. Chega na quinta na cidade de origem, entrega ou coloca

    venda a mercadoria e sexta-feira sai outra vez rumo a Ciudad del Este. Sbado

    compra e retorna, chega de volta no domingo e segunda-feira entrega ou colo-

    ca venda a mercadoria. Esse ritmo, associado organizao da semana, a

    explicao mais corrente entre sacoleiros e trabalhadores de Ciudad del Este

    para a intensidade do movimento s quartas e sbados.

    Os sete dias da semana no so iguais, e com o domingo como dia de

    descanso no calendrio catlico, quartas e sbados configuram o par de dias

    opostos imediatamente anteriores ao dia de descanso. Em relao s viagens a

    Ciudad del Este, quartas e sbados terminam sendo a equao que libera mais

    dias ou fraes de dias hbeis para colocar venda a mercadoria.26

    Esta organizao do tempo talvez sirva para explicar uma convergncia

    singular. Segundo o pargrafo escrito em 1761 por Jaques Savary des Bruslons,

    esta parecia ser a organizao das feiras em Paris, no sculo XViii: verdade

    que, nas grandes cidades, as feiras tendem a ser dirias, como em Paris, onde,

    em princpio (e muitas vezes de fato), s deveriam realizar-se s quartas e aos

    sbados (apud Braudel, 1996: 16). De fato, no somente na Paris do sculo XViii,

    mas tambm em muitos outros espaos que os mercados as feiras aconte-

    cem duas vezes por semana.27 Claro que nos locais onde a semana outra, a

    periodicidade dos mercados tambm difere. Na frica Ocidental, a semana de

    mercado varia entre dois e oito dias; na China, entre dez e doze. Dependendo

    da quantidade de dias, as combinaes e as frequncias so variveis.28

    No entanto, a dinmica temporal derivada da organizao da semana no

    a nica varivel para entender essas intensidades. Para alguns sacoleiros, mais

    importante o nmero: compra-se nas quartas e nos sbados precisamente por

    se tratar dos dias com maior nmero de sacoleiros, o que diminui a probabilida-

    de de ser parado na alfndega devido quantidade de pessoas em circulao.

    Pouco importa saber por que em algum momento isto comeou a ocorrer s

    quartas e sbados: compra-se nesses dias porque todo mundo faz o mesmo. Mais

    do que a organizao temporal, so o resguardo e a proteo proporcionados

    pelo grande nmero de compradores que justificam o ritmo semanal.

  • 416

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    Em 1999, quando comecei esta pesquisa, o movimento s quartas e

    sbados era, para mim, verdadeiramente incrvel: filas e filas de nibus na

    Ponte da Amizade, milhares de pessoas andando pelas ruas de Ciudad del Este

    e juntando suas mercadorias em Foz do iguau para empreender o retorno a

    seus lugares de origem. luz desses dias, o movimento durante o resto da

    semana parecia modesto. Em comparao, durante os oito meses de trabalho

    de campo, em 2001, foram muito poucos os sbados e as quartas-feiras ver-

    dadeiramente movimentados. Sempre havia muito mais movimento nesses

    dias do que nos demais, no entanto, a nostalgia daqueles sbados e quartas

    de outros tempos era, antes, um indcio da decadncia comercial vigente, no

    entender de comerciantes e mesiteros.

    Contudo, durante o ano de 2001, independentemente do fluxo concreto

    de compristas, as quartas e os sbados eram os dias de maior atividade no mi-

    crocentro. No somente se viam muito mais laranjas ou transportes que traba-

    lhavam diretamente com os sacoleiros, mas tambm comerciantes, mesiteros e

    ambulantes, cambistas e at os postos de comida se adequavam intensidade

    destes dias, que se ampliava como impulsos eltricos pelo territrio brasileiro.

    Quintas-feiras e domingos eram dias de maior ateno da polcia brasileira:

    maior presena policial nas rodovias e nos terminais de nibus das cidades dos

    sacoleiros, maiores cuidados daqueles que voltavam com suas mercadorias.29

    Assim, a dinmica instaurada pela frequncia das quartas e sbados

    escapava dos motivos dos compristas para viajar nesses dias e se consolida-

    va como uma textura de atividades desigualmente distribudas ao longo da

    semana. De uma perspectiva sincrnica, a causalidade pouco importava: a

    questo era que o funcionamento do microcentro estava sincronizado por essa

    intensidade. s segundas-feiras, por exemplo, um dia meio morto (como tais

    dias eram descritos particularmente em 2001), muitos mesiteros e ambulantes,

    assim como cambistas e comerciantes, simplesmente no iam ao microcentro.

    Preferiam permanecer em suas casas onde no gastavam com viagens nem

    com comida ou aproveitavam para trabalhar em alguma outra coisa.

    De uma perspectiva diacrnica, a causalidade o fluxo dos compristas

    e seus motivos no permite somente entender a intensidade das quartas

    e sbados. Tambm pode constituir uma pista das mudanas futuras, pois

    precisamente por eles e para eles que o comrcio de Ciudad del Este foi se dire-

    cionando at chegar situao contempornea, marcada por sua dependncia

    do fluxo de turistas-compristas. Por esta razo, os domingos eram particular-

    mente apreciados por alguns mesiteros e comerciantes. Considerados como os

    dias da semana que escapavam a essa temporalidade sacoleira, os domingos

    eram dias de turistas de verdade, turistas-turistas.30

    Se o fluxo de sacoleiros que chega cidade pautava o ciclo semanal, ele

    tambm marcava as intensidades do ciclo anual. A poca anterior s festas de

    fim de ano era o momento de maior movimento, especialmente em novem-

  • 417

    artigo | fernando rabossi

    bro e dezembro.31 As luzes de Natal (os pisca-pisca) e os brinquedos para as

    crianas eram as marcas das festas, ao passo que produtos que tinham sada

    durante todo o ano aumentavam significativamente suas vendas, como as

    bebidas, por exemplo.

    H outras datas em que o movimento se intensifica ou, pelo menos,

    em que esta a expectativa: o incio das aulas cuja data era diferente em

    cada pas as frias de inverno, o Dia da Criana. Alm dessas intensidades

    marcadas por datas, havia tambm uma diferenciao sazonal das ofertas que

    se condensava em determinados produtos. Quando chegava o outono, alguns

    pontos e comrcios comeavam a vender artigos de inverno: luvas, meias de

    l, gorros e mantas. Quando se aproximava a primavera, um dos artigos por

    excelncia do vero comeava a ganhar os pontos de venda e os comrcios: os

    ventiladores. Algumas dessas ofertas sobrepunham-se s festas: os presentes

    para o vero como, por exemplo, toda a gama de produtos para brincar na gua

    (desde bias e flutuadores at piscinas inflveis).

    Os brinquedos, assim como a msica anteriormente em fitas cassete,

    durante meu trabalho de campo, em CD tambm se inscreviam em outra

    temporalidade, aquela marcada pela moda. Algo que se expressava tanto em

    personagens especficos (os Teletubbies de 1999 foram substitudos pelos Poke-

    mon no ano 2000), como em produtos (os rollerball de 1999 passaram a dividir

    com os scooter o lugar privilegiado dos brinquedos sobre rodas durante o ano

    de 2001).

    A variao nas intensidades e a diversidade das relaes que emergem

    luz do movimento dirio, semanal, sazonal e anual iluminam a complexida-

    de do funcionamento do comrcio de Ciudad del Este. Sua trama emerge no

    entrecruzamento de uma srie de circuitos que conectam bairros e cidades,

    atravessando caminhos e fronteiras. Seu ritmo se alterna entre momentos

    frenticos e outros de tranquilidade. Diariamente, semanalmente, anualmente.

    diferena de outros mercados nos quais o ritmo da produo marca

    a periodicidade (como ocorre nos mercados camponeses, por exemplo), em

    Ciudad del Este so os compradores que o fazem. As viagens e as compras

    impem uma temporalidade particular e determinam a relao dos sacoleiros

    com Ciudad del Este. Observada a partir dos circuitos e da experincia sacolei-

    ra, Ciudad del Este no mais do que o ponto que articula idas e voltas. Bate

    e volta. Lugar de passagem e de ritmos frenticos, Ciudad del Este o piv

    que articula esses circuitos sacoleiros. Sua centralidade reside, precisamente,

    naquilo que a torna destino de tantas pessoas: o lugar de compras e oportu-

    nidades no qual milhares ganham suas vidas com o comrcio. Antes de um

    lugar de relaes e distenses, trata-se de um lugar de passagens e tenses.

    Quando os sacoleiros tinham um tempo para sentar, desfrutavam-no em algum

    dos bares perto da ponte em Foz do iguau, aps terem atravessado a fronteira

    com a mercadoria comprada.

  • 418

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    passando: o mundo oBservado a parTir da rua

    Gregorio mesitero, isto , vendedor de rua no Paraguai. Ele nasceu em 1960

    em Doctor Botrell, uma localidade rural perto de Villa Rica. Viajou para Puerto

    Presidente Stroessner, em 1977, para trabalhar na construo da barragem

    de itaipu, onde seu irmo ingressara algum tempo antes. Em 1979, quando o

    trabalho em itaipu acabou, ele comeou a trabalhar como vendedor de rua, ati-

    vidade na qual continua at hoje. Em uma de nossas conversas, ele descreveu

    do seguinte modo o dia a dia dos mesiteros:

    A maioria abre seu ponto s seis, alguns o fazem s cinco, alguns s sete. O

    mais tarde que abrem s oito. Para ns, como vou lhe dizer, [...] para dizer que

    trabalhamos muito, no trabalhamos. s vezes chegamos e estamos espera de

    clientes, certo? Estamos sentados l na rua, ou jogando damas, domin. [] isso,

    para passar o tempo, [...] s quatro, s cinco horas da tarde fechamos tudo outra

    vez, guardamos a mercadoria e vamos embora, cada um para sua casa. Assim ns

    passamos na rua.

    O verbo passar aparece duas vezes no pargrafo anterior. Na primeira

    delas, associada palavra tempo, sugere a realizao de atividades os jo-

    gos como forma de ocupar o tempo que transcorre na espera pelos clientes.

    Na segunda vez, o verbo passar remete experincia total de estar na rua:

    montando e desmontando a banca, fazendo e esperando, vendendo e jogando.

    Essa forma de descrever o cotidiano apareceu recorrentemente nas falas,

    no s de mesiteros como de muitos dos que trabalhavam no comrcio de Ciu-

    dad del Este. Forma que, de fato, captura a experincia baseada na permann-

    cia no microcentro espera de compradores e de outras oportunidades de tra-

    balho. Para quem est em Ciudad del Este, o ritmo instaurado pelo movimento

    sacoleiro tem outras consequncias e se insere em outras estruturas temporais.

    Mais do que no frenesi dos bate e volta, o dia a dia se alterna entre momentos

    de atenta dedicao e outros de pouca atividade, algo que caracteriza o ritmo

    irregular de todos aqueles que l esto em funo do movimento comercial,

    seja vendendo, fazendo cmbio, carregando ou transportando.

    Claro que a pouca atividade mencionada s se refere s atividades

    concretas de venda ou transporte, mas no ao leque de atividades sociais do

    dia a dia, incluindo diversas formas de relacionamento que se do, entre ou-

    tras coisas, atravs de jogos, atividades associativas ou bebidas. A considerao

    de Gregrio de que muito no trabalhamos corresponde restrio do traba-

    lho exclusivamente ao momento das vendas. Porm, se estar na rua durante

    toda a jornada condio necessria para a realizao das vendas que justi-

    ficam o dia, o trabalho implica esse passar na rua como experincia total e

    contnua, independente dos ritmos de atividade ou inatividade. Quando isto

    era levado em conta, a descrio do trabalho mudava de registro, destacando-

    -se o sacrifcio que significava esse passar na rua. Algo que aparecia recor-

  • 419

    artigo | fernando rabossi

    rentemente entre os participantes do mercado de Ciudad del Este, inclusive

    nas falas do prprio Gregrio:

    s vezes, as pessoas dizem que no trabalhamos, por no fazermos um trabalho

    pesado dizem que ganhamos a vida fcil. No assim. Aqui ns sofremos de

    tudo. Sofremos frio, chuva, calor. s vezes, nos molhamos todos, eh! Aqui ns

    chamamos de aguaceiro, passa e chove, e voc fica todo molhado, certo? E estar

    no asfalto, certo? Receber o calor []. H muita doena na rua, por culpa disso

    tudo. No como as pessoas dizem que estamos ganhando fcil a vida. []

    muito perigoso trabalhar nas ruas.

    independentemente das dimenses em que esse passar na rua consi-

    derado e dos significados a elas associados, o ritmo irregular do dia a dia est ca-

    racterizado por todas essas outras atividades alm de vender, comprar, carregar

    ou transportar. A partir delas diferentes formas de sociabilidade se reproduzem

    e torna-se possvel observar como se estabelecem determinadas clivagens entre

    os distintos grupos que atuam em Ciudad del Este. Estes aspectos excedem os

    limites deste artigo, contudo fundamental lev-los em conta para entender a

    relao diferenciada dos distintos atores com o espao social do mercado no qual

    atuam. A relao dos sacoleiros est pautada pela temporalidade das compras e

    das passagens. No entanto, as relaes dos paraguaios que trabalham no centro

    da cidade, dos brasileiros que trabalham nos comrcios, bem como dos comer-

    ciantes libaneses, chineses ou coreanos, entre tantos outros, esto associadas

    s diferentes arenas de sociabilidade reproduzidas no dia a dia do mercado e

    vinculadas diferente espacializao das atividades e dos grupos e com as for-

    mas de relao, de produo e reproduo de fronteiras e distines sociais.32

    espaos e Tempo das Trocas

    Comecei este trabalho dizendo que, como lugar de trocas, o mercado supe um

    espao e um tempo nos quais ocorrem as transaes.33 Claro que as articulaes

    espao-temporais variam de acordo com os diferentes arranjos nos quais as

    transaes acontecem. Por exemplo, o tempo das trocas acompanha a descon-

    tinuidade da espacializao das feiras: o dia da feira o momento em que a

    feira ocupa seu lugar, sendo desmontada ao final. J os distritos comerciais e as

    galerias instauram uma continuidade espacial, cuja descontinuidade temporal

    segue as convenes que regulam as atividades dirias e que, de fato, o comrcio

    ajuda a pautar: no por acaso um dos nomes do tempo regular do trabalho na

    cidade horrio comercial. As lojas e os supermercados 24 horas quebraram

    essa temporalidade, instaurando uma oferta localizada e contnua. No caso da

    internet, o espao virtual e o tempo contnuo, ainda que em termos da con-

    cretizao das trocas as variaes contem mais do que as regularidades: a con-

    tinuidade da oferta , de fato, uma continuidade para o comprador e, em muitos

    casos, os empregados geralmente cumprem horrios convencionais, processan-

  • 420

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    do os pedidos e as vendas em horrios comerciais.34 Contudo, as consequncias

    espaciais e temporais destes arranjos para as pessoas dependem do que elas

    fazem: se esperam pelos compradores no posto de venda durante todo o dia de

    trabalho ou deambulam procurando um produto so meros exemplos disto.35

    Em nossas transaes, operamos cotidianamente com esses diferen-

    tes arranjos ancorados em diferentes parmetros convencionais. O horrio

    comercial um deles, a semana laboral outro; todos eles coordenados

    pelo tempo standard do lugar onde estamos: tempos nacionais ajustados ao

    standard-time zone system, cuja referncia o meridiano de Greenwich.36

    As definies territoriais e temporais dos Estados revelam-se de forma

    marcada em seus espaos fronteirios. No caso das fronteiras onde existem

    mercados operando com pessoas que provm do outro lado do limite, a com-

    plexidade destas definies revela-se com maior nitidez. Ciudad del Este e Foz

    do iguau so mercados de fronteira unidos pela Ponte da Amizade. impos-

    svel falar de um sem falar do outro. Contudo, ao observ-los conjuntamente,

    possvel ver as diferenas profundas que os articulam: de onde provm as

    mercadorias vendidas, quem so os sujeitos ativos na passagem atravs da

    fronteira (o vendedor ou o comprador), onde est localizada a infraestrutura

    das passagens. Apesar de as formas das passagens parecerem as mesmas, os

    balizamentos legais nos quais se inserem estabelecem diferenas que se re-

    fletem nas estruturas e nas fices utilizadas para realiz-los.

    O mundo comercial de Ciudad del Este constitudo por um vocabulrio

    de comrcio e de fronteira, articulado em eixos semnticos definidos: vendas,

    passagens e personagens em movimento. Mesiteros e autoservices; ambulantes

    e galerias; importadoras; cambistas; taxistas, mototaxistas, kombistas e nibus

    de turismo; laranjas; turistas, compristas, muambeiros e sacoleiros. Analisando

    o movimento, vimos que esse comrcio pensa no somente nos compradores

    que vm do Brasil, mas modulado a partir deles; algo que tem consequn-

    cias fundamentais nas atividades e no modo como o comrcio funciona: seu

    horrio, sua lngua, seus produtos e, cada vez mais, sua moeda.

    Observando as dinmicas temporais apresentadas, gostaria de sublinhar

    uma questo aparentemente bvia: o tempo nacional um padro espacia-

    lizado. Em outras palavras, ao falarmos de horrio em um determinado pas,

    estamos falando de espao e de regra, isto , de um cronmetro sancionado

    ativo em um espao delimitado. A fronteira o limite ou, no caso de pases

    com dimenso ampla como o Brasil, os limites dessa continuidade temporal

    sero as fronteiras dos Estados onde se convencionou o incio do fuso horrio

    seguinte. Este padro temporal espacializado, observado desde o comrcio

    de fronteira, nos permite elaborar algumas observaes mais gerais sobre os

    processos de territorializao e relativizar, por sua vez, sua natureza e eficcia.

    A fronteira constitui a inscrio territorial de uma dimenso espacial,

    mas tambm temporal e econmica.37 isto , alm de serem produzidas com

  • 421

    artigo | fernando rabossi

    e por seus mapas e suas bandeiras, suas lnguas e suas constituies, essas

    totalidades que so os Estados modernos tambm so produzidas territorial-

    mente a partir de seus regimes de propriedade e de suas moedas, suas regras

    jurdicas e sua ordem fiscal, seu fuso horrio e sua organizao temporal.

    independentemente da organizao da produo e da distribuio, essa ter-

    ritorialidade estatal a matriz dos intercmbios no duplo sentido do termo:

    como articulao de variveis que a produzem e como molde que formata

    esses intercmbios.38

    Assinalo isto no para reificar a dimenso estatal, mas sobretudo para rein-

    troduzi-la em nossa compreenso das dinmicas apresentadas neste texto, que

    parecem contradiz-la mais que confirm-la. No final das contas, a existncia do

    limite no impede a circulao de pessoas, mercadorias e dinheiro vindos do ou-

    tro lado da fronteira nas ruas de Ciudad del Este, nem o funcionamento de uma

    complexa rede de aprovisionamento de mercadorias importadas que se espalha

    pelo Brasil inteiro por mais de 20 anos. Nem mesmo consegue garantir que o hor-

    rio utilizado pelas lojas corresponda ao horrio oficial do pas em que se localizam.

    Uma concluso possvel a de que o limite insignificante ou irrelevan-

    te. Outra concluso poderia ser que a eficcia do limite ainda est em constru-

    o. Ambas, porm, tangenciariam uma questo crucial para o entendimento

    de dinmicas fronteirias como as de Ciudad del Este: o fato de o movimento

    ocorrer precisamente em funo da existncia da fronteira. Contudo, isto no

    se deve mera existncia da fronteira, mas sedimentao de diversos pro-

    cessos histricos que tornaram possvel a existncia de um lugar com as carac-

    tersticas singulares de Ciudad del Este. Esses processos histricos envolvem

    projetos governamentais, fluxos migratrios, desenvolvimentos comerciais e

    empresariais, controles e tolerncias, entre muitos outros elementos (Rabossi,

    2004). Os processos histricos que modelaram aquele espao, no entanto, no

    iluminam o cotidiano no qual ele produzido e reproduzido. Precisamente

    aqui, a descrio etnogrfica, ancorada nas dimenses espaciais e temporais

    exploradas ao longo do texto, nos ajuda a visualizar a complexidade e a mul-

    tiplicidade de atores, circuitos e relaes que constituem aquele espao.

    A dinmica instaurada pelo limite internacional derivada da presena

    contgua de territrios sujeitos a regimes legais diferenciais dos quais derivam

    os controles das importaes e as polticas impositivas, entre tantos outros

    aspectos desenvolve-se apesar desse limite internacional; isto , apesar dos

    controles instaurados para regular o fluxo das mercadorias e das pessoas. isto

    produz uma situao singular: um espao de inter-relaes que se estrutura a

    partir das diferenas. Ambos os elementos pressupem a existncia do outro

    e no se anulam mutuamente.39 As dinmicas espaciais e temporais que emer-

    giram da anlise do movimento so uma demonstrao disto, descortinando

    um universo no qual as superposies e a multiplicidade so a regra.

    Recebido em 14/03/2013 | Aprovado em 20/05/2014

  • 422

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    Fernando Rabossi doutor em Antropologia Social

    pelo Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social

    da Universidade Federal de Rio de Janeiro (PPGSA-UFRJ)

    e professor adjunto do Departamento de Antropologia

    Cultural do instituto de Filosofia e Cincias Sociais da UFRJ

    (iFCS-UFRJ) e do Programa de Ps-Graduao em Sociologia

    e Antropologia da UFRJ (PPGSA-UFRJ).

  • 423

    artigo | fernando rabossi

    noTas

    1 Uma verso preliminar deste trabalho foi apresentada no

    Colquio internacional Quantificao e temporalidade:

    perspectivas etnogrficas sobre a economia, organizado

    pelo Ncleo de Pesquisas em Cultura e Economia e realiza-

    do no Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, 24-26 de agosto

    de 2005.

    2 Para uma anlise do lugar de Ciudad del Este na cons-

    truo dos esteretipos brasileiros sobre o Paraguai, ver

    Rabossi (2010a). Para outra interpretao da origem dos

    esteretipos sobre o Paraguai, ver Silveira (2007; 2009).

    3 Se agregarmos a este nmero a populao dos distritos

    articulados na dinmica urbana de Ciudad del Este, tais

    como Hernandarias (63.248), Minga Guaz (48.006) e Pre-

    sidente Franco (52.826), o conjunto apresenta uma popu-

    lao total de 386.354 pessoas (DGEEC, 2004: 102 e ss.). Os

    resultados do censo que comeou a ser realizado em 2012

    ainda no foram publicados.

    4 Foz do iguau um dos principais destinos tursticos do

    Brasil, tanto de visitantes nacionais como internacionais.

    Entre os anos 2007 e 2013, Foz do iguau foi, intercala-

    damente com Florianpolis, segundo e terceiro destinos

    dos turistas internacionais em viagens de lazer no Brasil

    sendo o Rio de Janeiro o primeiro destino (Ministrio de

    Turismo, 2014).

    5 Dados fornecidos pelo Departamento Nacional de Estradas

    de Rodagem (DNER) aos meios de comunicao em setem-

    bro de 2001. Uma anlise do movimento na ponte com os

    dados oficiais da DNER est em Rabossi (2004: 40-42 e 306).

    6 A descrio da mesma como uma ponte urbana foi feita

    pelo diretor local do departamento de estradas brasileiro

    (comunicao pessoal).

    7 Segundo dados levantados por uma pesquisa do Banco

    Central do Paraguai, de junho de 1998, a distribuio por

    origem dos donos dos comrcios era a seguinte: paraguaio,

    28%; oriental, 27%; rabe, 24%; brasileiro, 11%; outros/no

    especificados, 10%. isto , 72% dos comerciantes do micro-

    centro eram de origem estrangeira. Destes, 30% residiam

    em Foz do iguau (Penner, 1998). Em 2001, havia aproxima-

  • 424

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    damente 1.750 comrcios funcionando no microcentro.

    Em 1994/1995, anos do auge comercial, havia 7 mil.

    8 Pasero (em espanhol), no Paraguai, a pessoa que pas-

    sa mercadoria atravs do limite internacional para ser

    vendida do outro lado. Na fronteira aqui analisada, os

    paseros e paseras s trabalham no fluxo de mercadorias,

    sentido Foz do iguau-Cuidad del Este. Muitos deles

    so mulheres.

    9 Em 2001, eram 5 mil os brasileiros que trabalhavam

    nos comrcios do centro (80% do total de 6.250 em-

    pregados). Em um estudo para o Banco interamerica-

    no de Desenvolvimento realizado em 1995, fala-se em

    23.950 empregados no comrcio do microcentro, 65%

    dos quais vivendo em Foz do iguau (Penner, 1998).

    10 Mesitero (em espanhol) o vendedor de rua que traba-

    lha em um lugar especfico. O nome deriva da peque-

    na mesa (mesita) desmontvel sobre a qual ele coloca

    a mercadoria. Em 2001, havia mais de 1.500 mesiteros

    regularmente, nmero que dobrava nos dias de maior

    atividade.

    11 Em 2001, havia 600 cambistas trabalhando nas ruas.

    12 Servio de txi em motocicleta. Em 2001, havia 150

    do lado paraguaio e 300 do lado brasileiro, trabalhan-

    do nas associaes autorizadas. Segundo estimativas,

    mais de mil mototxis trabalhavam no transporte de

    mercadorias e pessoas.

    13 Pessoa que dirige uma kombi no transporte alternativo

    de Ciudad del Este. O nome deriva de kombi, a caminho-

    nete Volkswagen utilizada para tal transporte. Em 2001

    havia entre 600 e 1.000 kombistas.

    14 Pessoa que ganha dinheiro colocando disposio dos

    outros seu direito de trazer mercadorias do exterior

    como se fossem suas. Por este motivo, s podem ser

    brasileiros.

    15 Os autoservices funcionam como supermercados de

    produtos no perecveis expostos em prateleiras, com

    preos pblicos, nos quais no necessria a figura

    do empregado que atende cliente por cliente. O surgi-

    mento e a expanso dos autoservices esto relacionados

    massificao das vendas de determinados produtos,

    atrelada figura dos sacoleiros.

  • 425

    artigo | fernando rabossi

    16 A palavra sacoleiro deriva de sacola que, em portugus,

    significa saco. A sacola, prottipo do comrcio de Ciu-

    dad del Este, tem a mesma trama dos sacos de juta,

    mas em material plstico. Os sacoleiros do Paraguai

    tambm so chamados de muambeiros que, segundo o

    Dicionrio Aurlio (2001), so aqueles que negociam com

    muamba (contrabando).

    17 Pelas regulamentaes em uso, os txis paraguaios vol-

    tando a Ciudad del Este no podem levar passageiros

    do lado brasileiro. Por este motivo, uma maneira de

    salvar el viaje (como escutei de vrios taxistas) era co-

    brar um preo mdico para atravessar a ponte. Assim,

    se no sentido Foz do iguau-Ciudad del Este cobravam-

    -se entre R$ 5 e R$ 15 em 2001, em sentido contrrio, o

    valor cobrado era de R$ 1.

    18 Para uma anlise das transformaes no comrcio de

    fronteira durante a dcada passada, ver Cardin (2010)

    e Pinheiro-Machado (2010).

    19 O lugar de Ciudad del Este como centro de proviso de

    artigos importados para o mercado brasileiro foi ocu-

    pado, ao longo da dcada passada, por So Paulo. Para

    uma anlise das transformaes urbanas e comerciais

    ocorridas em So Paulo e sua articulao com circuitos

    de compradores de diversas partes do Brasil, ver Freire

    da Silva (2014).

    20 A adequao horria ao momento em que os controles

    eram menos estritos foi observada em sentido inverso

    em outubro de 2001. O movimento das kombis e cami-

    nhonetes que traziam produtos do Brasil era realiza-

    do da madrugada at s sete da manh, momento em

    que os empregados da alfndega paraguaia comeavam

    sua jornada de trabalho. Assim, as exportadoras de co-

    mestveis localizadas em Foz do iguau, seja em Vila

    Portes muitas delas, propriedades de paraguaios ou

    as outras casas de exportao de Jardim Jupira, come-

    avam suas atividades entre as trs e as quatro horas

    da manh.

    21 Para uma anlise da relao entre propaganda, expe-

    rincia do espao e tempo na cidade, ver Cronin (2003).

    22 A centralidade da figura do guia nas excurses de com-

    pras do outro lado da fronteira tambm assinalada

  • 426

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    por Konstantinov, no caso dos compradores blgaros

    que se deslocam at a Turquia para se abastecerem de

    mercadorias. Nesse caso, trata-se de donas de agn-

    cias de viagens, mulheres entre 25 e 45 anos, blgaras,

    antigas empregadas da Agncia Nacional de Turismo

    Balkantourist que detinha o monoplio do turismo

    transfronteirio nos tempos socialistas (Kostantinov,

    1996). Um detalhe a ser explorado, de fato: quase todos

    os guias que conheci trabalhando com sacoleiros eram

    mulheres.

    23 Nos nibus de linhas regulares, alguns motoristas ocu-

    pam essa posio, e uma caixinha lhes entregue pa-

    ra que levem em considerao o fato de haver pessoas

    transportando mercadorias algo que implica detectar

    controles que possam ser evitados, passar decidida-

    mente se preciso for, e parar nos pontos indicados pe-

    los compristas para descarregar a mercadoria.

    24 Estes elementos foram explorados em Rabossi (2004:

    265 e ss.).

    25 De acordo com uma matria de 1994 ano do auge

    do funcionamento comercial de Ciudad del Este a

    diferena entre quartas e sbados e os demais dias

    da semana era mais que o dobro. Seguindo a infor-

    mao fornecida pela Receita Federal, a matria diz

    o seguinte: Nos dias de pico de movimento na ponte,

    s quartas e sbados, mais de 50 mil brasileiros cru-

    zam a fronteira contra uma mdia de 20 mil nos dias

    considerados normais apostando na possibilidade de

    escapar da fiscalizao. (Folha de S. Paulo, 1994). As

    descries daqueles que trabalhavam em Ciudad del

    Este corroboravam esta imagem. Kleber, um brasileiro

    que por anos foi mesitero, expressava esta questo gra-

    ficamente: Voc no sabe o que era o movimento l!

    Sbados? Tinha trs filas de nibus de turismo, e l em

    Cidade do Este chegavam at o elevado l acima [km

    4 ]. E caminhar? S assim! [baixa os ombros, cola os

    braos ao corpo e d passos que no chegam a ultra-

    passar o outro p] Caminhar na ponte era impossvel!

    Carregando as mercadorias... s assim [volta a cami-

    nhar da mesma maneira].

  • 427

    artigo | fernando rabossi

    26 Comparemos, por exemplo, com outras situaes de

    aumento na intensidade do movimento que presen-

    ciei no campo, desta vez em Foz do iguau. Em agosto

    de 2000, vrios argentinos trabalhavam com veculos,

    levando compradores argentinos de Puerto iguaz aos

    comrcios de Foz do iguau (especialmente aos bairros

    de Puerto Meira, Vila Yolanda e Boicy). Os dias de maior

    movimento eram as sextas-feiras tarde e os sbados,

    nos quais alguns motoristas chegavam a realizar at

    trs viagens. Precisamente, as sextas-feiras tarde e

    os sbados so dias associados ao perfil do comprador:

    habitantes de Puerto iguaz que, tendo terminado a

    semana de trabalho, realizam as compras do ms, da

    quinzena ou da semana.

    27 Esta era a frequncia da feira de Caruaru (Pernambuco)

    antes de ser tornar massiva e permanente, j em in-

    cios do sculo XX. Para uma anlise da relao entre o

    polo de confeces do Agreste Pernambucano e Ciudad

    del Este, ver Rabossi (2008).

    28 Sobre a semana na frica Ocidental e a periodicidade

    dos mercados, ver Thomas (1924); Hill (1966), Hodder

    (1971), Smith (1971). Sobre a China, ver Skinner (1964;

    1965); Rozelle, Benzinger & Huang (2002). Uma apresen-

    tao sucinta das possveis combinaes na demarca-

    o dessas semanas est em Gregory (1994: 934-935).

    29 Na pesquisa, esta presena policial nem sempre era

    resultado de decises institucionais, mas da deciso

    de seus membros de aproveitarem o movimento de sa-

    coleiros cobrando seus pedgios particulares. Precisa-

    mente, essa dinmica extorsiva respondia ao aumento

    de intensidade no fluxo de sacoleiros. .

    30 Talvez seja esta a nova temporalidade que comea a

    ganhar fora aps anos de controle acirrado sobre os

    nibus sacoleiros e com o funcionamento da nova al-

    fndega em Foz do iguau, que comeou a operar em

    2006.

    31 Um grande protesto ocorrido em setembro de 2001, que

    incluiu o fechamento da ponte por manifestantes pa-

    raguaios, mais tarde, por brasileiros, comeou preci-

    samente diante da perspectiva de que o fluxo de fim

  • 428

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    de ano seria interrompido por conta de alguns reparos na

    Ponte da Amizade. At o chanceler paraguaio solicitou ao

    governo brasileiro postergar as obras, a pedido dos comer-

    ciantes de Ciudad del Este que, em suas prprias palavras,

    [...] argumentaram ao governo nacional que o auge das

    vendas aos turistas acontece nos ltimos quatro meses

    (de setembro a dezembro) (ABC, 11/09/2001).

    32 Para o caso especfico dos imigrantes do Oriente Mdio, ver

    Rabossi (2010b). Alguns elementos gerais para enquadrar

    essas interaes foram explorados em Rabossi (2010c).

    33 A ateno s dinmicas espao-temporais constitutiva

    dos trabalhos sobre mercados, tal como aparece em alguns

    clssicos da antropologia (Malinowski & De la Fuente, 1957;

    Skinner, 1964; Bohannan & Bohannan, 1968; Geertz, 1979).

    Como lugares de intercmbios, os mercados no podem

    ser pensados fora de sua espacialidade. Como prticas de

    intercmbio, o que se passa ali no pode ser pensado fora

    de sua temporalidade. Para uma anlise da relao entre

    consumo e temporalidade que permite pensar as variaes

    sazonais aqui analisadas, ver Appadurai (1997: cap. 4).

    34 H uma enorme quantidade de trabalhos sobre cada uma

    destas formas de relacionamento entre tempo e espao.

    Limito-me a indicar aqueles que me ajudaram no desen-

    volvimento das ideias aqui apresentadas. Sobre a dinmi-

    ca das feiras na idade Mdia, ver Braudel (1996:15 e ss.) e

    sobre os comrcios que comeam a ganhar o espao das

    feiras nas cidades da idade Mdia, ver Braudel (1996: 45 e

    ss.). Para a dinmica das feiras do Nordeste brasileiro e o

    comrcio nas usinas e nas cidades, ver Palmeira (2014) e

    Garcia (1977; 1984). Sobre o lugar das arcadas e galerias na

    cidade moderna, ver Hetherington (1997). Sobre a emer-

    gncia dos grandes mercados (supermercados), ver Mil-

    ler (1981). Sobre os shopping centers como tecnologia de

    vendas, ver Harvard Project on the City (2000: 124-183).

    Para uma discusso mais geral sobre o lugar dos shopping

    centers na dinmica da cidade, ver Rybczynski (1996: cap.

    9). Sobre o comrcio na internet, ver Miller & Slater (2000,

    em especial o captulo 6, Doing bussines online).

    35 Nos casos reportados nos quais a distino entre comprar

    e vender no define papis e identidades diferenciais en-

    tre vendedores e pblico (Geertz, 1979: 185), as prticas

  • 429

    artigo | fernando rabossi

    espaciais e as temporalidades do ato de vender e de com-

    prar so diferentes.

    36 Uma descrio sobre a estandardizao do tempo e o es-

    tabelecimento do Greenwich Mean Time (GTM) est em Ze-

    rubavel (1982).

    37 Essas trs dimenses so aquelas que me interessam su-

    blinhar neste texto, contudo h outras dimenses que

    possuem papel fundamental na constituio territorial

    do Estado.

    38 Atividades que tiram proveito dos diferenciais emergentes

    dessa territorialidade estatal se encontram (ou encontra-

    vam) presentes tanto em pases socialistas quanto capi-

    talistas, com regimes centralizados ou descentralizados,

    funcionando com sistemas de preos regulados ou des-

    regulados. Esclareo este aspecto para assinalar que a re-

    lao entre espaos e mercados transcende as formas de

    organizao da produo e da distribuio.

    39 Alguns autores caracterizaram o espao no qual se en-

    contram os limites internacionais entre Brasil, Paraguai e

    Argentina como possuidor de uma unidade especfica. Rei-

    naldo Penner fala em uma s rea urbana das Trs Fron-

    teiras (Penner, 1998: 5). Carmen Ferrads, em um com-

    plex tri-national urban space e, mais adiante, em uma

    unusual world city (Ferrads, 1998: 12 e 18). A expresso

    mais clara a este respeito aparece em um trabalho de pes-

    quisadores do instituto Paranaense de Desenvolvimento

    Econmico e Social: revelia das causas institucionais

    e/ou econmicas que provocam alteraes nas oportuni-

    dades e reforam a demarcao das fronteiras, o cotidiano

    das relaes estabelece um pacto, ainda que informal, de

    cooperao e parcerias, no propriamente entre os trs

    pases, mas, sim, entre as trs fronteiras. Um espao que

    no pertence a nenhum pas, um espao do Mundo. isto

    significa a prpria negao da fronteira (Kleinke et al.,

    1997: 160). O fato de haver inter-relaes, no entanto, no

    significa o pertencimento a uma entidade comum, tam-

    pouco apaga os limites que estruturam tais relaes.

  • 430

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    referncias BiBliogrficas

    ABC. (2001). Piden a Brasil postergar para enero a repa-

    racin del puente. ABC Color, Assuno, 11 setembro, p. 4.

    Appadurai, Arjun. (1997). Modernity at large: cultural dimen-

    sions of globalization. Minneapolis/Londres: University of

    Minnesota Press.

    Bohannan, Paul & Laura Bohannan. (1968). Tiv economy.

    Evanston: Northwestern University Press.

    Braudel, Fernand. (1996 [1979]). Civilizao material, econo-

    mia e capitalismo, sculos XV-XVIII. So Paulo: Martins Fon-

    tes (vol. 2: O jogo das trocas).

    Cardin, Eric Gustavo. (2010). A expanso do capital e as din-

    micas da fronteira. Tese de Doutorado em Sociologia. Uni-

    versidade Estadual Paulista (Unesp), Araraquara.

    Cronin, Anne. (2003). Advertising and commercial space:

    the material and symbolic organisation of the citys histo-

    ries and futures. Trabalho apresentado no Seminario Re-

    novaes urbanas: violncia, consumo e cultura na cida-

    de, Rio de Janeiro, instituto de Pluralismo Cultural, UCAM,

    29 de setembro a 1 de outubro.

    DGEEC. (2004). Paraguay. Resultados finales, Censo Nacional

    de Poblacin y Viviendas (Ao 2002 Distrital). Assuno:

    Direccin General de Estadsticas, Encuestas y Censos.

    Ferrads, Carmen. (1998). How a green wilderness became

    a trade wilderness: the story of a Southern Cone frontier.

    PoLAR Political and Legal Anthropology Review, 21/2, p. 11-25.

    Freire da Silva, Carlos. (2014). Das caladas s galerias: mer-

    cados populares do centro de So Paulo. Tese de Doutorado.

    Programa de Ps-Graduao em Sociologia/Universidade

    de So Paulo.

    Garcia, Marie France. (1984). Feira e trabalhadores rurais:

    As feiras do Brejo e do Agreste Paraibano. Tese de Doutora-

    do. PPGAS-Museu Nacional/Universidade Federal de Rio

    de Janeiro.

    Garcia, Marie France. (1977). O Bacuru: tude de cas de

    un march situ dans une usina. Dissertao de Mestrado.

    PPGAS-Museu Nacional/Universidade Federal de Rio de

    Janeiro.

  • 431

    artigo | fernando rabossi

    Geertz, Clifford. (1979). Suq: the bazaar economy in Sefrou.

    in: Geertz, Clifford; Geertz, Hildred & Rosen, Lawrence

    (orgs.). Meaning and order in Moroccan society. Three essays in

    cultural analysis. Cambridge: Cambridge University Press,

    p. 123-310.

    Gregory, Chris A. (1994). Exchange and reciprocity. in: in-

    gold, Tim (org.). Companion encyclopedia of anthropology. Lon-

    dres: Routledge, p. 911-939.

    Harvard Project on the City. (2000). Shopping (Tae-Wook

    Cha, Chuihua Judy Chung, Jutiki Gunter, Daniel Herman,

    Hiromi Hosoya, Sze Tsung Leong, Kiwa Matsushita, John

    Mcmorrough, Juan Palop-Casado, Markus Schaefer, Tran

    Vinh, Srdjan Jovanovich Weiss and Louise Wyman). in: Kool-

    haas, Rem et al.. Mutations. Barcelona: ACTAR, p. 124-183.

    Hetheringhton, Kevin. (1997). The badlands of modernity: het-

    erotopia and social ordering. Londres: Routledge.

    Hill, Polly. (1966). Notes on traditional market authority

    and market periodicity in West Africa. Journal of African

    History, Vii/2, p. 349-366.

    Hodder, Bramwell W. (1971). Periodic and daily markets

    in West Africa. in: Melliassoux, Claude (org.). The develop-

    ment of Indigenous trade and market in West Africa. Londres:

    Oxford University Press, p. 347-358.

    Kleinke, Maria L. U.; Cardoso, Nelson A.; Ultramari, Clovis

    & Moura, Rosa. (1997). O paraso dos outros. in: Catello, ia-

    ra R. et al. (orgs.). Fronteiras na Amrica Latina: espaos em

    transformao. Porto Alegre: Ed. UFRGS/Fundao de Econo-

    mia e Estatstica Siegfried Emanuel Heuser, p.151-162.

    Konstantinov, Yulian. (1996). Patterns of reinterpretation:

    trader-tourism in the Balkans (Bulgaria) as a picaresque

    metaphorical enactment of post-totalitarianism. American

    Ethnologist, 23/4, p. 762-782.

    Le Goff, Jacques. (1991 [1986]). Mercadores e banqueiros da

    Idade Mdia. So Paulo: Martins Fontes.

    Malinowski, Bronislaw & De la Fuente, Julio. (1957 [1941]).

    La economa de un sistema de mercados en Mxico. Un

    ensayo de etnografa contempornea y cambio social en

    un valle mexicano. Acta Anthropologica, Acta Antropologica,

    1/2, poca 2.

  • 432

    tempo e movimento em um mercado de fronteira: ciudad del este, paraguaiso

    cio

    log

    ia&

    an

    tro

    polo

    gia

    | ri

    o d

    e ja

    nei

    ro, v

    .05.

    02: 4

    05

    434

    , ag

    ost

    o, 2

    015

    Miller, Michael B. (1981). The bon march: bourgeois culture

    and the department store, 1869-1920. Princeton: Princeton

    University Press.

    Miller, Daniel & Slater, Don. (2000). The Internet: an ethno-

    graphic approach. Oxford/Nova York: Berg.

    Ministrio de Turismo. (2014). Estudo da demanda turstica

    internacinal, 2007-2013. Braslia: Ministrio de Turismo.

    Palmeira, Moacir. (2014 [1971]). Feira e mudana econmi-

    ca. Vibrant Virtual Brazilian Anthropology, 11/1. Dispon-

    vel em: . Acesso em 10

    dez. 2014.

    Penner, Reinaldo. (1998). Movimiento comercial y financiero

    de Ciudad del Este: Perspectivas dentro del proceso de integra-

    cin. Assuno: Departamento de Economa internacional/

    Gerencia de Estudios Econmicos/Banco Central del Pa-

    raguay.

    Pinheiro-Machado, Rosana. (2010). Caminos del contraban-

    do. La fiscalizacin en el Puente de la Amistad y sus efec-

    tos en la cotidianidad de la Triple Frontera. in: Gimnez

    Bliveau, Vernica & Montenegro, Silvia (orgs.). La Triple

    Frontera: dinmicas culturales y procesos transnacionales. Bue-

    nos Aires: Espacio Cultural, p. 99-117.

    Rabossi, Fernando. (2010a). Made in Paraguai: notas sobre

    la produccin de Ciudad del Este. Papeles de Trabajo Re-

    vista Electrnica del IDAES, 6 (Buenos Aires). Disponvel em:

    . Acesso em 18 jun. 2014.

    Rabossi, Fernando. (2010b). interaes e esteretipos: os

    rabes de Foz do iguau e Ciudad del Este a partir do

    comrcio de fronteira. in: Pacelli, Ademir; Vainer, Carlos;

    Pvoa Neto, Helion & Santos, Miriam de Oliveira (orgs.). A

    experincia migrante: entre deslocamentos e reconstrues. Rio

    de Janeiro: Garamond, p. 249265.

    Rabossi, Fernando. (2010c). Cmo pensamos la Triple Fron-

    tera? in: Gimnez Bliveau, Vernica & Montenegro, Sil-

    via (orgs.). La Triple Frontera: dinmicas culturales y procesos

    transnacionales. Buenos Aires: Espacio Cultural, p. 21-45.

    Rabossi, Fernando. (2008). En la ruta de las confecciones.

    Crtica en Desarrollo, 2, p. 151-171.

  • 433

    artigo | fernando rabossi

    Rabossi, Fernando. (2004). Nas ruas de Ciudad del Este: vi-

    das e vendas num mercado de fronteira. Tese de Doutorado.

    PPGAS-Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de

    Janeiro.

    Rozelle, Scott; Benzinger, Vince & Huang, Jikun. (2002).

    Continuity and change in Chinas rural periodic markets.

    Working Paper 02-009. Department of Agricultural and Re-

    source Economics. Davis: University of California Press.

    Rybczynski, Witold. (1996). Vida nas cidades. Expectativas

    urbanas no Novo Mundo. Rio de Janeiro/So Paulo: Record.

    Silveira, Mauro Csar. (2007). As marcas do preconceito

    no jornalismo brasileiro e a histria do Paraguay Illustra-

    do. Intercom Revista Brasileira de Cincias da Comunicao,

    30/2, p. 41-66.

    Silveira, Mauro Csar. (2009). A batalha de papel: A charge

    como arma na guerra contra o Paraguai. Florianpolis: Ed.

    UFSC.

    Skinner, G. William. (1965). Marketing and social structure

    in rural China: Part iii. The Journal of Asian Studies, 24/3, p.

    363-399.

    Skinner, G. William. (1964). Marketing and social structure

    in rural China: Part i. The Journal of Asian Studies, 24/1, p.

    3-43.

    Smith, Robert H. T. (1971). West-African market-places:

    temporal periodicity and locational spacing. in: Mellias-

    soux, Claude (org.). The development of Indigenous trade and

    market in West Africa. Londres: Oxford University Press, p.

    319-346.

    Thomas, Northcote W. (1924). The week in West Africa.

    Journal of the Royal Anthropological Institute, 54, p. 183-209.

    Zerubavel, Eviatar. (1982). The standardization of time: a

    sociohistorical perspective. The American Journal of Socio-

    logy , 88/1, p. 1-23.