fernando camilher almeida - puc-sp

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTÁBEIS E ATUARIAIS PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA Fernando Camilher Almeida MÉTODOS PARA ELABORAÇÃO DE UMA AGENDA COMUM DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA São Paulo 2018

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Page 1: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTÁBEIS E

ATUARIAIS PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA

Fernando Camilher Almeida

MÉTODOS PARA ELABORAÇÃO DE UMA AGENDA

COMUM DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

São Paulo

2018

Page 2: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTÁBEIS E

ATUARIAIS PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA

Fernando Camilher Almeida

MÉTODOS PARA ELABORAÇÃO DE UMA AGENDA

COMUM DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de MESTRE

em Economia Política, sob a orientação do Prof. Dr. Ladislau Dowbor.

São Paulo

2018

Page 3: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

___________________________________

Page 4: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, minha esposa Ariane e meus filhos, Fernanda e Heitor,

que sem seu apoio este projeto não seria possível. O excepcional carinho e suporte deles,

nos melhores e piores momentos, me deram forcas para superar obstáculos, encontrar os

melhores caminhos e extrair o máximo dessa experiência.

Agradeço ao Prof. Dr. Ladislau Dowbor pela orientação e por ser uma fonte de

sabedoria, que com seus constantes conselhos muito ampliaram a visão do projeto que

inicialmente eu tinha e aprofundou os temas, sempre contribuindo para o meu

crescimento tanto acadêmico quanto pessoal. Seu exemplo sempre foi inspirador.

Agradeço também aos amigos que fiz no mestrado e aos professores do Programa

de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP pelo convívio nesses

últimos anos e pelos valiosos ensinamentos, em especial à banca de qualificação, nas

pessoas do Prof. Hoyos e Pamplona, que contribuiram com a inspiração que faltava ao

trabalho.

Page 5: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

Cada região é uma região particular e distinta. De sorte que não há “receita de bolo”

simples e unívoca para o “desenvolvimento regional”. Porque não há um único regional, mas inúmeros.

Carlos Águedo Nagel Paiva (2013, p.15)

“Human ordeals thrive on ignorance. To understand a problem with clarity is already half way towards solving it”. “The master-economist must possess a rare combination

of gifts. He must be mathematician, historian, statesman, philosopher—in some degree. He must understand symbols and speak in words. He must contemplate the particular in

terms of the general and touch abstract and concrete in the same flight of thought. He must study the present in the light of the past for the purposes of the future. No part of

man’s nature or his institutions must lie entirely outside his regard. He must be purposeful and disinterested in a simultaneous mood; as aloof and incorruptible as an

artist, yet sometimes as near to earth as a politician”. John M. Keynes (1924, p. 321-2)

“Meditai se só as nações fortes podem fazer ciência ou se é a ciência que as torna fortes.” (Oswaldo Cruz)

Page 6: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

MÉTODOS PARA ELABORAÇÃO DE UMA AGENDA COMUM DE

DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

Fernando Camilher Almeida

RESUMO

Um dos grandes dilemas da nossa sociedade é conseguir crescer e distribuir mais

equanimemente a renda. Uma das soluções para tal dilema aparece na possibilidade de

trabalhar o desenvolvimento da unidade territorial mais próxima dos cidadãos, a cidade

ou o bairro, no caso específico deste trabalho o bairro da Casa Verde em São Paulo,

capital. Para isto foram pesquisados métodos e experiências práticas pelo mundo que

dessem embasamento teórico e prático para o desenho do projeto de uma agenda comum

de desenvolvimento local sustentável. Tal pesquisa evidenciou a necessidade básica de

fomentar a sociedade local para um engajamento cívico, item importante para a

construção de um projeto de desenvolvimento local com sustentabilidade. Tal

engajamento pressupõe que as demandas de cada grupo sejam descobertas, discutidas e

compartilhadas, o que pode ser facilitado com o uso de tecnologias de informação. Nossa

hipótese é que, a partir deste fortalecimento cívico e de um diagnóstico das cadeias

produtivas instaladas, confrontando as expectativas de setores de grande crescimento

previsto para as próximas décadas, é possível coconstruir um projeto de desenvolvimento

para o território. A pesquisa evidenciou ainda que a criação de ecossistemas de inovação,

hoje denominados habitats de inovação, impulsionam a inovação no território. Estes

locais, além de serem áreas de pesquisa e conecção das organizações do território com as

universidades, são locais onde os membros deste ecossistema residem, compram,

pesquisam, desenvolvem, produzem e se divertem, ampliando o contato com a

comunidade e amplificando o potencial de integração. Este projeto se materializa com a

criação de um Núcleo de inovação e conexão do território, núcleo este responsável por

coconstruir um objetivo comum claro, mensurável e transparente de forma que todos

possam perceber a situação atual e evolução do território por meio do monitoramento dos

planos de ação desenhados para gerar uma melhor qualidade de vida.

Palavras-chave: Desenvolvimento Local; Engajamento Cívico Objetivo Comum; Habitats de Inovação.

Page 7: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

METHODS FOR THE ELABORATION OF A COMMON AGENDA FOR SUSTAINABLE LOCAL DEVELOPMENT

Fernando Camilher Almeida

SUMMARY One of the great dilemmas of our society is to grow and distribute more equanimously

the income. One of the solutions to this dilemma appears in the possibility of working on

the development of the territorial unit closest to the citizens, the city or the neighborhood,

in the specific case of this work the neighborhood of Casa Verde in São Paulo, the capital.

For this, methods and practical experiences around the world were researched, which

provided a theoretical and practical basis for the design of a common sustainable local

development agenda. Such research evidenced the basic need to foster local society for

civic engagement, an important item for the construction of a sustainable local

development project. Such engagement presupposes that the demands of each group are

discovered, discussed and shared, which can be facilitated by the use of information

technologies. Our hypothesis is that, starting from this civic strengthening and a diagnosis

of the installed productive chains, confronting the expectations of sectors of great growth

predicted for the next decades, it is possible to build a development project for the

territory. The research also showed that the creation of innovation ecosystems, now called

innovation habitats, drive innovation in the territory. These sites, in addition to being

areas of research and connection between the organizations of the territory and

universities, are places where members of this ecosystem reside, buy, research, develop,

produce and have fun, expanding contact with the community and amplifying the

potential of integration. This project materializes with the creation of a nucleus of

innovation and connection of the territory, which is responsible for building a clear,

measurable and transparent common objective so that everyone can perceive the current

situation and evolution of the territory through the monitoring of the plans of designed to

generate a better quality of life.

Keywords: Local Development; Civic Engagement; Common Objective; Innovation

Habitats.

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Lista de Figuras: Figura 1 – Multidimensionalidade do Desenvolvimento Sustentável.............................21

Figura 2 – Aplicativo EJ – Disponível também em plataformas móveis........................47

Figura 3 – Francesca Bria em pé conversando com os cidadãos de Barcelona...............78

Figura 4- Reunião com moradores de bairro de Seul, feitos em plena rua......................81

Figura 5 - Relação entre crescimento do PIB Canadense e o CIW................................112

Figura 6 – IPS................................................................................................................113

Figura 7 - Renda no Território da Casa Verde..............................................................123

Lista de Tabelas: Tabela 1- Domicílios Particulares e Permanentes por faixa de renda............................17

Page 9: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AGT - Agência de Gestão Tecnológica AGE - Agência de Gestão de Empreendimentos AMFRI - Associação dos Municípios da Região da Foz do Rio Itajaí BCD - Barcelona Centre de Disseny BRA - Boston Redevelopment Authority C.E.S.A.R - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife CIW - Canadian Index of Wellbeing C&T - Ciência e Tecnologia CUF - Cenários Urbanos Futuros DFC - Detroit Future City EC - Economia Criativa EJ - Empurrando Juntos ETS - École de Technologie Superieure FOIA - Freedom of Information Act HT - Hélice Tríplice

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICT - Institutos de Ciência e Tecnologia

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano,

IETS - Instituições de Ensino Técnico e Superior INOVAMFRI - Projeto de inovação do do Gov. Santa Catarina, Parceiros e Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí (Amfri)

IPS – Índice de Progresso Social

QI - Quartier de l'Innovation NITs - Núcleos de Inovação Tecnológica NGPD - Núcleo de Gestão do Porto Digital

Page 10: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

ODS – Objetivo do Desenvolvimento Sustentável

OEHR - Escritório de Equidade e Direitos Humanos OS - Organização Social PCR - Prefeitura da Cidade do Recife PIB - Produto Interno Bruto PDI - Programa de Desenvolvimento Industrial PqTec - Parque Tecnológico de São José dos Campos PPNADL. - Projeto Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local PNMPO - Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado P&D - Pesquisa e Desenvolvimento RTP - Research Triangle Park TICs. - Tecnologias da Informação e Comunicação QL - Quociente Locacional URA - Urban Redevelopment Authority USP – Universidade de São Paulo VCF - Venture Café́ Foundation

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Sumário

Introdução ..................................................................................................................... 13

Cap. 1 – O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E A

ARTICULAÇÃO DOS ATORES DO TERRITÓRIO. ............................................ 20

1.1 - A Economia e o Objetivo Comum .................................................................... 30

1.2 - Como Colher a Vontade do Território? ............................................................. 38

1.3 - O Conceito de Desenvolvimento Endógeno e Sua Aplicação no Território ..... 49

1.4 – A Melhoria de Produtividade e o Crescimento com Igualdade ........................ 58

Cap. 2 – EXPERIÊNCIAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE

ARTICULAÇÃO NO TERRITÓRIO ........................................................................ 66

2.1 – Modelos de Instituições, Experiências Internacionais de Desenvolvimento .... 67

2.2 - Como Fomentar a Inovação e o Formato das Instituições ................................ 83

2.3 - Qual a Institucionalidade que Catalisa o Projeto de Integrar Comunidade e

Inovação ..................................................................................................................... 95

2.4 - O Morador e o Trabalhador do Território como Foco. ................................... 107

2.5 - Indicadores de Qualidade de Vida - Caso Canadense CIW e seus Impactos .. 110

Cap. 3 – A EXPERIÊNCIA DA CASA VERDE: UM PROJETO EM

CONSTRUÇÃO .......................................................................................................... 118

3.1 - Métodos e Atividades ...................................................................................... 118

3.2 – Inovação, Visão e Gestão Compartilhada e o Engajamento Cívico Como Eixos

Centrais .................................................................................................................... 122

3.3 - Parceria com a Área de Educação e Cultura, com Foco no Cidadão .............. 129

3.4 – Potencial Econômico, Desenho Compartilhado de Futuro e Governança ...... 135

3.5 – Crédito e Fomento .......................................................................................... 141

3.6 – Alinhamento Internacional dos Indicadores e Riscos do Projeto ................... 145

CONTRIBUIÇÕES ESPERADAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................... 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 156

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Introdução

Nem todas as histórias que nos contam refletem uma verdade absoluta, como

parecem tratar alguns dos textos tidos como referência na área econômica. Duas histórias

nos contam. A primeira vem do “... neoliberalismo que nos ensina que devemos evitar de

nos intrometer na construção do mundo que nos cerca, porque existe uma ‘mão invisível’,

o mercado, que asseguraria que chegaremos automaticamente ao melhor dos mundos”. A

segunda história “é a da visão ‘estatizante’, que nos assegura que o planejamento central

porá ordem em nossas vidas, simplificação que já foi desmentida pelos fatos”

(DOWBOR, 2016).

Estas duas grandes simplificações ideológicas não nos ajudam a construir um

caminho que de fato melhore a qualidade de vida das pessoas. Afinal temos que começar

a perceber que a soma de eu's jamais produzirá nós, apesar do que prega a teoria

neoclássica. Nossa sociedade é por demais complexa, precisamos nos debruçar sobre um

caminho coconstruído para que de fato possamos alcançar uma sociedade socialmente

justa, economicamente próspera, politicamente democrática, ambientalmente sustentável

e culturalmente diversa.

Esta dissertação busca por foco no Poder Local, na possibilidade de construirmos

conjuntamente em um território as condições de qualidade de vida. Tal objetivo já se

mostrou possível no Canadá, onde, para a formação do índice canadense de bem-estar

(CIW1) eles ouviram a população, distrito a distrito, para perceber na visão de cada

comunidade o que é bem-estar, que mede a vida real para pessoas reais. Começaram com

oito domínios que se concentram nos principais aspectos da vida e os utilizaram para

medir o que realmente importa para os canadenses.

Com este foco vamos trabalhar para deixar clara a diferença entre o

desenvolvimento econômico sustentável e o crescimento econômico puro e simples.

Diferenciar estes dois, crescimento e desenvolvimento econômico, é de vital importância,

uma vez que a grande maioria das pessoas não os distinguem. Isto se deve ao fato que,

em um primeiro momento, o crescimento econômico gerou nos países desenvolvidos um

desenvolvimento econômico conjuntamente.

1 CIW – Canadian Index Wellbeing - https://uwaterloo.ca/canadian-index-wellbeing/. O Índice Canadense de Bem-Estar (CIW) registra mudanças em oito categorias ou domínios de qualidade de vida, incluindo: vitalidade comunitária, engajamento democrático, educação, meio ambiente, populações saudáveis, lazer e cultura, padrões de vida e uso do tempo.

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Todavia, com o passar dos tempos, as externalidades, que são os aspectos

adjacentes gerados por esta política de crescimento, começaram a demonstrar que este

crescimento não poderia ser sustentado a longo prazo, pois geraria para as futuras

gerações condições de vida inferiores à desta geração, nos aspectos sociais, econômicos

e ambientais. “Foram surgindo evidências de que o intenso crescimento econômico,

ocorrido durante a década de 1950 em diversos países semi-industrializados (entre os

quais o Brasil) não se traduziu necessariamente em maior acesso de populações pobres a

bens materiais e culturais, como ocorrera nos países considerados desenvolvidos

(VEIGA, 2006, p.19).

Se olharmos a história do termo desenvolvimento econômico, vemos em Celso

Furtado, se referindo ao Brasil, inaugurando o termo “mau desenvolvimento”, que seria

uma característica básica do nosso país, “a emergência de uma classe média afluente, em

meio à pobreza, quando não miséria, de praticamente um terço da população, é a

evidência maior do malogro da política de desenvolvimento seguida” (FURTADO, 2004,

p.484).

Buscando diferenciar desenvolvimento de crescimento econômico, o autor afirma

que o crescimento econômico está na base dos interesses da elite privilegiada, sedenta por

modernidade, enquanto o desenvolvimento se caracteriza pelo projeto social que está por

detrás. Os conceitos embora distintos podem andar juntos, contanto que o projeto social

envolvido signifique melhora nas condições de vida da população. Neste caso, “o

crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento” (FURTADO, 2004, p.484).

Esta metamorfose não ocorrerá por si só. Há de existir um planejamento rigoroso

para gerar este cenário. Se não o fizermos e seguirmos a corrente do crescimento

econômico, normalmente gera-se benefícios para poucos, e para muitos miséria,

violência, poluição e desemprego, que se resume em uma degradação social e ambiental

para todos (FURTADO, 2004, p.484).

Crítica relevante merecem os indicadores econômicos, tais como o PIB – Produto

Interno Bruto e a renda per capita. É geralmente a partir destes indicadores que se medem

o desenvolvimento e o crescimento econômico de um país ou de uma sociedade. Quando

os indicadores são defeituosos, essa medição fica comprometida e perde-se a clareza e a

visibilidade sobre o que ocorre no mundo real. Aparentemente pode-se imaginar um

mundo de enriquecimento quando na realidade pode-se estar promovendo um

empobrecimento da sociedade ao destruir sua base natural e os serviços ambientais.

O produto interno bruto (PIB) e sua evolução, conhecida como taxa de

crescimento, tornou-se, em nossas sociedades obcecadas pela medição monetária, um

Page 14: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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verdadeiro “indicador social”, que é evocado sem que nunca se esclareçam com precisão

seus paradoxos e seus limites. Ele é confundido com a riqueza de um país, embora ignore

o conjunto considerável das riquezas não monetárias e um grande número de atividades

úteis ou até vitais que se tornam invisíveis na medida em que elas não descrevem

movimentos financeiros. Ainda pior, contabiliza positivamente diversas formas de

destruição, desde que elas gerem fluxos monetários de reparação, indenização ou

reposição (VIVERET, 2006).

Os indicadores têm utilização nas gestões públicas e privadas. Acontece que, na

gestão pública, não têm sido utilizados como instrumento de gestão e transparência,

apesar dos esforços muito importantes do IRBEM2. Ao invés disso, utiliza-se de forma

geral indicadores pouco amplos, focando-se no PIB, emprego e renda, que limitam a

compreensão dos problemas, suas causas e possíveis soluções. Na iniciativa privada os

indicadores têm foco no aspecto financeiro e promovem a baixa ou nenhuma medição

dos ativos intangíveis, como conhecimento, inovação e cultura, fundamentais para criar

valor e produtividade. Nas ONG’s não é diferente, raras são as que possuem indicadores

que as ajudem a gerir e a se integrarem com maior sinergia com o território.

Desta forma, é premente que haja uma revisão do conjunto de indicadores

utilizados para medir o real nível de desenvolvimento sustentável e evitar a baixa

compreensão das populações de suas reais condições, permitindo comparações nacionais

e internacionais que ajudem a construir caminhos mais curtos para o desenvolvimento

sustentável, respeitando os desejos das populações locais e o meio ambiente.

Então surge a motivação para esta dissertação: como criar indicadores específicos

de um território que captem os desejos e aptidões das populações locais, cruzá-los com o

potencial e vocação da região, com o objetivo de gerar um aumento da qualidade de vida

englobando renda, saúde, educação e lazer de qualidade, sem com isto destruir o meio

ambiente?

A hipótese deste trabalho é que é necessário criar um objetivo comum

(SENGE,1990), uma visão que seja negociada com todos os membros do território; de

empresários a donas de casa, passando pelos vários poderes públicos e o sistema de ONGs

que já ajudam nas questões do dia a dia. A ideia é ouvir com muita atenção todos os entes

do território para a partir disto e de um amplo debate, ter um conjunto de objetivos claros,

que sejam traduzidos em indicadores e metas, conseguindo com isto uma gestão mais

2 IRBEM- Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município https://www.nossasaopaulo.org.br/portal/irbem

Page 15: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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transparente e realmente participativa sem exclusão de nenhum dos atores da região,

dando clareza a cada um, com seus indicadores e integrando seus objetivos.

O objetivo geral deste trabalho é construir uma proposta de desenvolvimento

sustentável de um território, ouvindo as vontades e necessidades de todos os moradores e

das pessoas que trabalham na região, fomentando a participação cívica, fundamental para

um projeto que busca a melhoria da qualidade de vida para todo o território, seus

moradores e população flutuante. A partir disto, cruzar vontades com o potencial

econômico instalado, analisar suas cadeias produtivas, trabalhar seus gargalos e seu

potencial futuro, com foco em aproveitar a revolução tecnológica na qual estamos

vivendo, para alinhar as vontades e potenciais às tendências das evoluções setoriais e as

tecnologias exponenciais que prometem um mundo de abundância (DIAMANDINS,

2012), tudo isto monitorado por indicadores discutidos e acordados com todos os

moradores e trabalhadores do território. Para isto o bairro da Casa Verde em São Paulo –

Capital, será utilizado como projeto piloto.

Porque o bairro da Casa Verde? Primeiro porque acredito que, para intervir em

algum território, há de haver uma chamada e um vínculo. Neste caso eu moro em um

condomínio no bairro no qual, apenas nele, moram 3500 pessoas. Tendo participado de

um trabalho que visava a melhoria da qualidade de vida dos moradores do condomínio,

nós em conjunto percebemos que não faria o menor sentido e sequer seria possível

melhorar a vida do condomínio sem melhorar a vida do entorno. Portanto, deste ponto em

diante, ao ler “território” leia-se “bairro da CASA VERDE”.

O segundo e também importante motivo é o fato do bairro da Casa Verde possuir

uma série de indicadores que muito se assemelham aos indicadores do município de São

Paulo, dentre eles o de distribuição de renda nas famílias (tabela 1).

Page 16: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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Tabela 1- Domicílios Particulares e Permanentes por faixa de renda, Casa Verde e SP

Distritos

Domicílios particulares permanentes

Total (1)

Classes de rendimento nominal mensal domiciliar (salário mínimo) (2)

Até

1/2

Mais de

1/2 a 1

Mais de

1 a 2

Mais de 2

a 5

de 5 a

10

Mais de

10 a 20

Mais de

20

Sem

renda(3)

Casa

Verde 27.035 61 1.176 3.419 8.895 6.714 3.802 1.486 1.475

São Paulo 3.574.286 20.129 225.166 588.778 1.212.485 714.900 380.801 224.798 202.016

% Casa

Verde 100% 0% 4% 13% 33% 25% 14% 5% 5%

% MSP (4) 100% 1% 6% 16% 34% 20% 11% 6% 6% Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Elaboração: SMDU/Dipro

Disponível em: http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/13_domicilios_por_faixa_de_rendimento_em_sa_2010_233.html

(1) Inclusive os domicílios sem declaração de rendimento nominal mensal domiciliar. (2) Salário mínimo utilizado: R$ 510,00. (3) Inclusive os domicílios com rendimento mensal domiciliar somente em benefícios.

Para efetivar este trabalho estão se formando parcerias com os entes do território,

do escritor do livro sobre o bairro, passando pelo empresariado até os times de futebol de

várzea. Chamamos para o projeto também a Universidade de São Paulo (USP), o Centro

Universitário FEI, o Instituto Mauá de Tecnologia (MAUÁ) e a Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC-SP), com foco em montar um laboratório de inovação.

Contamos também com ferramentas de pesquisa como o portal Cidade Democrática e seu

aplicativo de pesquisa e debate “Empurrando Juntos” (EJ) e levantamentos de dados

georeferenciados realizados pela Urban3.

Em suma, a proposta é unir os vários setores do bairro, com foco em melhorar a

qualidade de vida segundo a visão de sua população, atender as demandas a partir de um

grande esforço de utilização e maximização do potencial instalado e de inovações

incrementais, e quem sabe disruptivas, no território. Conjuntamente mostrar a nós

mesmos que podemos inovar em produtos, serviços, na forma como compartilhamos

nosso conhecimento e usamos nossos recursos, em processos e modelos de negócio

(privados e públicos) e em como comunicar para todos as necessidades da região.

Tudo isto para gerar um bairro da Casa Verde que todos queiram morar, seja pelo

baixo tempo que se leva para chegar ao trabalho, pelos equipamentos públicos de

3 Urban Systems – empresa de pesquisa e inteligência de mercado.

Page 17: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

18

qualidade ou por possuir empresas e organizações mais produtivas que distribuam seus

resultados de forma mais equânime por todo o território.

Ter no território uma visão compartilhada significa mostrar de forma clara, com

indicadores balanceados e adequados às necessidades do território e das pessoas, como

podem promover uma grande mobilização e um ganho de produtividade e inovação geral

no território, realizando de fato um desenvolvimento sustentável para todo o território e

sua população fixa e flutuante.

Além desta introdução e das considerações finais, este trabalho está dividido em

mais três capítulos. O primeiro capítulo descreve os conceitos fundamentais para o

desenvolvimento local sustentável, como podemos colher a vontade dos vários públicos

do território, a necessidade de um engajamento cívico vigoroso para suportar a construção

de um objetivo comum e se separar definitivamente de visões individuais, que não levam

ao bem comum e ao desenvolvimento do território. Apresenta também como foi possível

aos vários territórios pelo mundo terem o desenvolvimento das suas populações a partir

do entendimento de suas cadeias produtivas e da inovação com agregação de valor, sendo

isto decisivo para a prosperidade (CHANG, 2004, p.80).

No capítulo 2 são descritos as experiências nacionais e internacionais de

articulação no território para permitir construir a institucionalidade que é fomentadora do

desenvolvimento local. Nesse capítulo são analisadas as experiências europeias (Conti,

2017), os casos asiáticos e americanos, e se faz um mergulho no caso canadense (CIW),

muito rico no desenho da diferenciação de crescimento e desenvolvimento econômico,

com exemplos claros da não conexão automática dos dois.

Também são abordados casos nacionais, como o da AMFRI em Santa Catarina,

consórcio de desenvolvimento dos municípios do vale do Itajaí, que com muita

competência desenha e fomenta o desenvolvimento da região. Um olhar também é dado

ao IRBEM, que conseguiu em algumas cidades ser usado como parâmetro de indicadores

de governança e política pública, e em outras simplesmente serviu para cumprir um

compromisso de ter os indicadores, não os fazendo com qualidade ou não os utilizando

para gestão. É também abordado o exemplo de crédito do banco Palmas, com 20 anos de

trabalho fomentando a região via microcrédito e organização comunitária.

No capítulo 3 são descritos os métodos e as atividades previstas no projeto, tendo

como eixo central uma escuta ativa da comunidade, a importância de aumentar a

vitalidade cívica do território, aumentando a compreensão de sua realidade para permitir

um discussão mais aprofundada dos caminhos possíveis à Casa Verde, construindo um

ferramental permanente de comunicação entre a comunidade e o grupo gestor do Núcleo

Page 18: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

19

Casa Verde. O grupo gestor terá a função de coordenação e fomento do encontro da

tríplice hélice (poder público local, empresas e universidades) para o desenvolvimento no

território, utilizando para isto o mapeamento dos potenciais econômicos, os potenciais

futuros e um método de desenho de um projeto de desenvolvimento sustentável. Tal

projeto será baseado na visão compartilhada por todos os entes do território, tendo-se

definidos cenários a se atingir em 2022, 2030 e 2050, com o cidadão no foco principal,

representado em objetivos e metas claras, alinhadas com os indicadores internacionais.

Por fim o trabalho encerra-se com a descrição das contribuições esperadas e

considerações finais.

Page 19: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

20

Cap. 1 – O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E A ARTICULAÇÃO DOS ATORES DO TERRITÓRIO.

“Se a governança catalítica fosse um barco ela geraria mais resultado pela

direção do que pela força do remo” 4(OSBORNE, 1992, p.25).

Para começarmos, afinal o que é desenvolvimento local?

“Local”, segundo o Dicionário Aurélio (1995), é um adjetivo que indica o que é

“relativo ou pertencente a determinado lugar”, circunscrito ou limitado a uma região. E

pelo senso comum, local surge como o oposto de global ou nacional. “Desenvolvimento”

significa “estágio econômico, social e político de uma comunidade, caracterizado por

altos índices de rendimento dos fatores de produção”.

Neste projeto busca-se um desenvolvimento local com inclusão social, embasado

na cooperação, criação e alargamento de esferas públicas em que diferentes atores

políticos, econômicos e sociais dialoguem de maneira transparente a partir de seus

próprios interesses em conflito (DANIEL, 2002, p.33).

Não nos esqueçamos da grande distinção entre desenvolvimento e crescimento

econômico. A noção de desenvolvimento busca não só a evolução quantitativa da

reprodução da riqueza material, mas também as possibilidades de sua melhor distribuição.

Para Sachs (2004), o crescimento econômico, mesmo em ritmo acelerado, não deve ser

confundido com desenvolvimento. Este último fenômeno só existirá se houver redução

da pobreza e das desigualdades sociais, assim como a geração de novos empregos ou

alternativas de renda para a população. Sachs avança na definição do conceito de

desenvolvimento sustentável acrescentando a dimensão ambiental à sustentabilidade

social (Figura 1).

4 Tradução Livre, Reinventing Government, OSBORNE, 1992, p.25

Page 20: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

21

Figura 1 – Multidimensionalidade do Desenvolvimento Sustentável

Fonte: Buarque (2002)

Para termos a visão da importância do território na economia mundial, lembramos

os dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) segundo os

quais 20% do PIB mundial é produzido globalmente, enquanto 80% corresponde à

produção local (POCHMANN, 2007, p.19)

Logo, falar em geração de desenvolvimento em um território nos remete à ideia

de que as pessoas estejam vivendo de uma forma mais prazerosa, com acesso aos bens e

serviços produzidos por aquela sociedade ou importados de outro território, e ninguém

espera que, na sociedade capitalista aos moldes brasileiros, que alguém consiga tal

resultado sem estar empregado ou vivendo em uma família ou território que não tenha

condições de prover renda de forma direta ou indireta. Para este propósito é importante

que entendamos quais os meios para gerar o desenvolvimento sustentável, a começar pelo

investimento.

Muito do que se diz atualmente em matéria de economia e crescimento

econômico, principalmente na mídia e até de maneira hegemônica na academia

mainstream, baseia-se no princípio de que há uma mão invisível no mercado que

consegue ajustar oferta e demanda de bens e serviços, taxa de juros e poupança, tudo

automaticamente, isto claro se nenhum governo perdulário gastar mais do que deve ou

resolver agir alterando as expectativas do ente “mercado”. No entanto isto não reflete o

que realmente acontece no processo real do dia a dia para a decisão de investimento.

Para trabalharmos o desenvolvimento sustentável do território será fundamental

entender como se dá a decisão de investir por parte do lado privado da economia, como

os investimentos públicos no território são realizados e quais seus impactos na vida das

pessoas e das empresas e qual seria o impacto no território de uma organização conjunta

destas duas fontes de investimento. Pretende-se um desenvolvimento sustentável, gerado

Page 21: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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a partir das potencialidades locais, que propicie um crescimento por uma mão e por outra

distribua os resultados de forma mais equânime sobre o território.

Quando fugimos das respostas fáceis e olhamos como de fato os investimentos

privados se dão, em geral vemos os empresários olhando para a demanda futura de

determinado produto ou serviço e se esta se mostra maior que a capacidade instalada. De

forma agregada, se deduz que no futuro haverá demanda e no presente se faz o

investimento. Esta demanda pode ser tanto de produtos para consumo como produtos para

o próprio investimento. Logo, a decisão de investir é em geral uma decisão tomada no

presente, almejando uma demanda futura prevista de bens e ou serviços de consumo ou

investimento (KEYNES, 1985, pag. 107).

Além disso, é importante considerar a questão alocativa dos investimentos em

diferentes áreas da economia, pois estas alocações produzem resultados diferentes.

Existem setores que o investimento de cada real pode gerar adicionalmente, por exemplo,

R$1,50 na economia, aumentando o multiplicador econômico. Tal multiplicador é

calculado por meio do modelo de Leontief, que permite comparar os multiplicadores de

produção de modo a identificar os setores que mais impulsionariam a economia. A

próxima etapa seria identificar a presença de tais setores no território e analisar suas

cadeias produtivas, demandas e mão de obra, priorizando-os com investimentos

específicos, tendo como uma das consequências possíveis a diminuição do desemprego.

Outro componente da demanda agregada fundamental para o investimento e para

um crescimento sustentável no território é o consumo das famílias, pois o capital não é

uma entidade que subsista por si mesma, independentemente do consumo. Como já

mencionado, o empreendedor olha a demanda futura para seu investimento presente, mas

ele também busca com o investimento ter o direito ao fluxo de rendas futuras que espera

obter da venda de seus produtos ou serviços, enquanto durar esse capital, deduzindo as

despesas correntes.

O resultado desta série temporal de retornos da renda esperada do investimento é

chamado de eficiência marginal do capital, sendo calculada pela taxa de desconto que

tornaria o valor presente do fluxo de anuidades das rendas esperadas desse capital, durante

toda a sua existência, maior que a taxa de juros corrente. Logo o volume de investimento

depende da relação entre a taxa de juros e a curva da eficiência marginal do capital.

Em suma, é fundamental para o investimento sabermos qual é no território a

capacidade e a quantidade de mão-de-obra disponível, a qualidade e quantidade do

equipamento disponível, o estado da técnica, o grau de concorrência, os gostos e hábitos

dos consumidores, a utilidade das diferentes intensidades de trabalho e das atividades de

Page 22: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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supervisão e organização, bem como a estrutura social, incluindo as forças que

determinam a distribuição da renda no território. Desta forma as chances de atração de

investimento no território aumentam à medida que o território prover melhores retornos

em função da sinergia e agregação de valor por meio de sua infraestrutura, correlação

entre as várias empresas locais, áreas de inovação e escolas.

O crescimento econômico mundial tirou centenas de milhões da pobreza e

melhorou a vida de muito mais pessoas ao longo da última metade do século. No entanto,

a concentração de renda das últimas décadas mostra de forma evidente que um modelo

de desenvolvimento baseado somente no progresso econômico é incompleto.

Uma sociedade que não é capaz de atender às necessidades humanas básicas, de

fornecer às pessoas meios para melhorar a qualidade de vida, proteger o meio ambiente e

oferecer oportunidade para muitos de seus cidadãos não é bem-sucedida. “Devemos

ampliar o entendimento do que são sociedades bem-sucedidas para além dos resultados

econômicos. O crescimento inclusivo requer a obtenção tanto do progresso econômico

quanto do social” (IPS, 2016). Utilizar somente o PIB, indicador usado como mantra pelo

main stream, é inadequado, pois mede apenas o fluxo de uso dos fatores de produção sem

registrar se esse uso é útil a quem beneficia, se tem sido distributivo e que impactos tem

causado ao meio ambiente. Logo, com base somente neste indicador não é possível

construir políticas públicas eficientes (DOWBOR, 2017).

Neste trabalho vamos demonstrar a importância da estrutura e institucionalidade

(destacada na Figura 1) dos territórios para o desenvolvimento sustentável, em função da

estrutura das organizações e sua institucionalidade influenciar no comportamento de seus

membros e da coletividade (SENGE, 2009, p.49).

A forma pela qual uma região trabalha e se engaja civicamente pode ajudar a

determinar, em conjunto com seus recursos, o seu desenvolvimento econômico

(PUTNAM, 2006, l.5945). Se juntarmos o engajamento cívico com uma forma mais

criativa de solução de um problema, que não se resume a eliminar algo indesejado, mas

a criação e realização de algo almejado (SENGE, 2009, p.59), podemos contribuir

fortemente com a mudança da institucionalidade local. E com a criação vem a energia de

sonhos e de visões sobre o que realmente almejamos. Para isto precisamos entender

profundamente e de forma original a realidade. O foco é primar pela criação e não

simplesmente tratar de forma reativa a realidade lidando com os problemas que aparecem

ou estão lá a tempos. O foco é em criar uma nova forma de agir que vá ao encontro das

necessidades, gerando uma nova e melhor forma de viver. O futuro sustentável

necessitará processos de criação coletivos de todos os tipos imagináveis.

Page 23: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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A exploração e desenvolvimento do potencial das pessoas e das organizações para

criar o futuro, ao invés de reagir ao presente, baseia-se em dois fundamentos que sempre

se situaram no âmago do trabalho de aprendizado organizacional: visão de futuro e

compreensão do presente (SENGE, 2009, p.50). Só existem duas fontes fundamentais da

motivação humana: o desespero e a aspiração. Na falta de orientação criativa, prevalece

o desespero, mas podemos escolher outro caminho.

A estrutura dos sistemas humanos é sutil e se inter-relacionam de forma a

controlar o comportamento de seus membros. Todavia, como dizia Margareth Mead,

“Nunca duvide do que é capaz uma pessoa isolada ou um pequeno grupo de

coconspiradores. Nunca duvide de que um pequeno grupo de cidadãos conscientes e

interessados seja capaz de mudar o mundo. Na verdade, essa é a única maneira de fazê-

lo.”

Para a execução de mudanças significativas em grandes sistemas será necessária

a construção de redes semelhantes, que interliguem as várias organizações e até entidades

de tipos diferentes dentro do território. É um trabalho difícil, exige coragem resoluta,

paciência persistente, requerendo enfrentamento de problemas difíceis. Fatalmente

encontraremos no território a coexistência de muitos pontos de vista, que muita gente

prefere negar ou até evitar as soluções que muitos transferem para terceiros, nos quais

parece que o problema é sempre o outro. Por detrás disto estão as razões para que não

abordemos a solução dos problemas de maneira sistemática, e implementemos os

insighits daí resultantes, porque tal ação, nos forçaria a sair de nossas zonas de conforto

intelectual e institucional, teríamos que necessariamente ser parte da solução dos

problemas, que de forma direta ou indireta ajudamos ou permitimos a existência (SENGE,

2009, p.55).

Com a face humana do pensamento sistêmico, a colaboração, consegue ser bem-

sucedida a capacidade de arregimentação, de modo a reunir as pessoas certas, promover

debates mais abertos e produtivos. Também se requer que a realidade seja vista sobre os

olhos alheios, a fim de melhor compreender o que talvez esteja impedindo outras pessoas

e você mesmo de construir parcerias mais autênticas e produtivas. Por fim, impõe-se

como condição o cultivo de aspirações genuinamente compartilhadas, com as quais todos

os participantes se sintam comprometidos.

Para que este bom cenário se desenhe precisamos cuidar para que nestas

interações com as instituições do território, nos ambientes de negociação, não estejamos

com o foco muito preso nas ideias do passado, onde a polidez dissimulada ou debate

exacerbado são duas faces da mesma moeda, produzindo resultados semelhantes, pois

Page 24: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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assim todos estariam trabalhando para manter o status quo. Enquanto os grupos

dissimulados evitam questões ameaçadoras, nos grupos exacerbados todos se abrem na

expressão de suas opiniões mas se fecham à mudança de opinião, e não é de nenhuma

destas coisas que precisamos para mudar a institucionalidade do território (SENGE, 2009,

p.248).

Quando bem-sucedidas, as interações no território geram algumas boas

consequências. A primeira consequência que emerge, como denominador comum da

ampla maioria das experiências, é uma nova arquitetura de articulações sociais. Podem

ser parcerias de diversos tipos, convênios entre diversas instituições, consórcios, acordos,

contratos ou até simplesmente um espaço informal de articulação, mas o fato é que o

ponto chave de renovação da governança local é a decisão conjunta, participativa, de

atores que até então agiam isoladamente.

A segunda consequência, diretamente ligado à primeira, é o nascimento de uma

filosofia de busca de equilíbrios dos diversos interesses em jogo. Não se trata mais de

derrotar os outros, de obter sucesso às custas dos outros, mas de somar o máximo de

proveitos para o conjunto. É o jogo win-win, ou ganha-ganha, que podemos encontrar,

por exemplo, em uma experiência de capacitação profissional, na qual ganham as

empresas com a imagem, os jovens com o emprego, os conselhos na sua eficiência de

trabalho e a prefeitura pela visibilidade política da experiência.

Outro ponto importante para a construção de sinergia no território é entender que

uma atividade que funciona representa sempre um ciclo completo. Não adianta formação

profissional se não se gera emprego. Não é suficiente gerar uma incubadora de empresas

se não se cria o mecanismo de crédito correspondente e assim por diante (DOWBOR,

2017).

Fundamentais também são as iniciativas essenciais como a organização de

sistemas integrados de informação local, envolvendo o centro de informação, indicadores

de qualidade de vida, informação gerencial e modernização de arquivos. Informação gera

transparência, e transparência gera empoderamento. Neste quesito é fundamental uma

medição inicial clara dos indicadores do território, principalmente aqueles que se pretende

melhorar. A partir disto poderemos gerar clareza e avaliar a velocidade com que estamos

evoluindo ou não e gerar as alterações ou intensificações nos planos de ação do território.

A comunicação de forma geral é um dos maiores problemas da humanidade,

comunicamos de forma falha os nossos progressos e aprendizados. Muitos territórios

ainda trabalham comunicação como marketing político, outros comunicam mal por

deficiência de organização de informação sistematizada, outros ainda simplesmente por

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não entenderam que a comunicação é essencial, que faz parte dos direitos fundamentais

do cidadão, o que nos Estados Unidos, por exemplo, se caracteriza como right to know,

direito de saber (DOWBOR, 2000, pág. 49).

Agora precisamos de um road map, um caminho feito pela pactuação de qual

território queremos e quais caminhos seguir para torná-lo real. A construção de agendas

para cidades sustentáveis parece ser o “local” onde há a oportunidade de visualizar a

profunda interconexão dos desafios urbanos e identificar sinergias. Desde a conferência

das Nações Unidas Rio-92, se propõe uma abordagem multi-setorial de desenvolvimento

e um processo amplamente participativo de construção de consensos e cenários futuros,

em regime de corresponsabilidade. A forma da construção, portanto, assume a mesma

importância que o conteúdo das agendas, seu grau de pertinência técnica e de

conhecimento aplicado. Ambos são determinantes para a efetividade dos resultados.

Logo, entender a realidade do território e construir de forma conjunta uma visão

de futuro com um olhar sistêmico é a primeira parte de um desafio que deve desembocar

na confecção final do plano de desenvolvimento do território, que será também o início

de uma trajetória de décadas de realização. Para ser um instrumento vivo, com aderência

na sociedade e poder real de transformação, as agendas de desenvolvimento sustentável

devem ser entendidas menos como um fim em si mesmas e mais como processos, cuja

implementação demanda constante monitoramento e repactuação. E em todas as etapas,

o vínculo entre o poder público e o amplo espectro de partes interessadas precisa ser

continuamente fortalecido, gerando constantes aprendizados.

Vemos então a importância da fase de planejamento, que é frequentemente onde

são fincadas as bases para essa interação dos vários entes do território, buscando

aprendizados em participação, com melhores desenhos e criação de vínculos mais fortes,

que são materializados nas várias iniciativas de construção de agendas de

desenvolvimento sustentável, tanto no Brasil como no mundo, como vamos demonstrar

ao longo do trabalho, trazendo exemplos da AMFRI em Santa Catarina, Portland e Detroit

nos EUA, além das experiências europeias e asiáticas.

Criar uma institucionalidade onde uma gestão ouve e articula diversos interesses

é novo na cultura política do País. A mudança no território deve ter um foco de atuação

para todos os seus membros, componentes do território. A mudança de cultura política

vem ao buscar introduzi-la não apenas nos segmentos mais pobres da sociedade, mas

também nos segmentos privilegiados os quais são frequentemente politicamente mais

atrasados. Buscamos uma articulação social no sentido mais amplo assim como a

modernização da visão geral, na qual todos percebam que melhorar o território impacta

Page 26: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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positivamente não só aos mais pobres, pois pode gerar efeitos multiplicadores para toda

a comunidade (DOWBOR, 2000, pág. 55).

A gestão social que funciona, ou seja, produz resultados a todos, consiste menos

em saber mandar ou em empurrar um modelo de plano desenhado por alguns iluminados,

do que em saber ouvir e interagir. No resgate da cidadania, e na descoberta do fazer junto,

vem a confiança e a lenta construção da solidariedade social. A força disto vem não

apenas do fato de resgatar a dignidade do excluído, mas do fato de que a perda de

cidadania é de todos nós, e que o processo não consiste apenas em resolver o problema

do pobre, mas em criar outras relações sociais. Há um grande prazer e um entusiasmo

nos relatos de pessoas, das mais variadas camadas sociais, que participaram de um

processo como este, nos vários países do mundo pesquisados. O grande ganho dos

participantes foi reencontrar um propósito ou um prazer em conviver e construir, ou ainda,

simplesmente o seu lugar ao sol, ou à sombra da mangueira, como escrevia Paulo Freire

(DOWBOR, 2000).

Parece claro que os modelos centralizados de gestão não funcionam mais. Não é

crível que uma pessoa ou grupo em Brasília consiga gerar uma política que caiba em mais

de 5.000 municípios no país afora. As áreas sociais e os problemas são melhor resolvidos

com um olhar local, dando prioridade ao que é prioridade em cada território, segundo a

vontade de quem mora e trabalha lá.

Em termos práticos, sabemos que quando ultrapassamos cinco ou seis níveis

hierárquicos, os dirigentes vivem na ilusão de que alguém lá embaixo da hierarquia

executa efetivamente os seus desejos, enquanto na base se imagina que alguém lá em

cima esteja realmente no comando. A agilidade e flexibilidade que exigem situações

sociais muito diferenciadas não podem mais depender de intermináveis hierarquias

estatais que paralisam as decisões e esgotam os recursos. Uma vantagem muito

significativa das políticas locais é o fato de poderem integrar os diferentes setores e

articular os diversos atores (DOWBOR, 2000).

Recursos são também o ponto de partida para uma outra razão de buscar alianças

ou parcerias: a criação de oportunidades de alavancagem. Programas, projetos e

atividades não são estáticos, são processos, e tampouco o mundo dentro do qual eles se

configuram é estático. Existem obstáculos, situações não previstas e oportunidades que,

de repente, se abrem, mas estão fora de alcance. Também temos a busca constante pela

“massa crítica”, que pode gerar o momento no qual sentimos as oportunidades chegarem

finalmente e com um pouco mais de apoio efetivo, conseguirá chegar lá.

Page 27: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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Desta forma, busca-se a alavancagem social, a utilização de oportunidades e

recursos para fazer mais do que é possível fazer sozinho. Recursos de gestão, de cogestão

e apoios administrativos, vários deles subutilizados no território, são muitas vezes

importantes na alavancagem de um projeto, garantindo um maior impacto e também

recuperando atrasos e resolvendo problemas.

Frequentemente há múltiplos recursos envolvidos nos processos de gestão de

programas, projetos e atividades e uma boa parte deles se manifestam via pessoas. A

câmara de comércio ou uma associação de moradores podem trazer o apoio técnico de

seus membros ou possibilidades de locais para reunião, como também seus membros

podem ser individualmente recursos chave para abrir portas e sinalizar que o programa

ou projeto trata de algo sério e que vale a pena ser apoiado.

Outra razão para buscar alianças e parcerias é que algumas vezes esta razão

é mais visível, outras vezes é mais oculta, mas sempre presente. É uma razão mais substantiva, refletindo em uma ética maior em relação ao “público” e às crenças morais sobre a maneira como a vida social deve ser vivida. Trata-se de uma busca para redefinir e expandir a noção de esfera pública e de interesse público; de ampliar e juntar a ação cívica com a cidadania. Quando um prefeito ou prefeita convence uma empresa local de separar cinco vagas de aprendiz mecânico para os egressos do seu projeto de reinserção social e profissional de adolescentes infratores em regime de semiliberdade, os dois não estão somente concordando na mobilização de recursos ou agindo em interesses próprios. Sem dúvida o prefeito vai ser feliz porque o projeto da Secretaria Municipal de Bem-Estar vai se consolidar um pouco mais e o dono da indústria vai ficar feliz porque o nome da indústria vai aparecer no jornal local. Estes motivos estão presentes e são reais e honestos. Mas há algo além disso: ambos estão trabalhando para ampliar a noção do que é a responsabilidade pública; o que é agir em nome do interesse público (SPINK, 2001, p.147).

O território da Casa Verde tem uma grande vida cívica, organizados desde clubes

de futebol até escolas de samba, só no bairro existem quatro escolas, e há sempre muito

mais organizações presentes em um município do que imaginamos. Vale a pena sempre

fazer um levantamento para reconhecer a contribuição que isso pode representar em

recursos, alavancagem e oportunidades. Esta tem sido a primeira fase do projeto, conhecer

e se integrar às associações cívicas locais, pedindo contribuições para o projeto (SPINK,

2001, p.162).

Outro fator determinante do desenvolvimento é entender as cadeias produtivas do

território, seus gargalos e lacunas, para a partir daí buscar inovações conectadas às várias

realidades locais. Um choque de inovação no território, acompanhado de um

retreinamento da mão de obra local, poderá implicar em uma elevação dos salários e

ganhos de capital. Como Keynes demonstrou, o nível de emprego depende unicamente

Page 28: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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da demanda efetiva, que será elevada por mais inovação (investimento produtivo), que

gera mais salário, que gera mais consumo.

A inovação pode aumentar a quantidade e melhorar a qualidade dos empregos a

médio e longo prazo, pois conferem aos setores que a empregam maior valor agregado a

seus produtos e serviços e, consequentemente, a possibilidade de pagarem melhores

salários. Todavia, no curto prazo, o impacto da inovação pode não ser tão perceptível de

forma agregada no território. Neste caso, uma das formas possíveis de aumento da

quantidade de emprego é alocar a mão de obra disponível em empregos próximos de suas

casas ou em atividades no território de melhoria de infraestrutura, que normalmente

consegue abrigar mão de obra em maior volume e sem tanta especialização. Tal estratégia

foi implementada em Portland, Oregon, EUA, onde os orçamentos municipais foram

redirecionados para a criação de mais empregos a curto prazo (THE PORTLAND PLAN

PROGRESS REPORT, 2017).

Ainda falando em inovação, ela não precisa ser disruptiva, pois a simples melhora

do processo produtivo pode modificar o custo para qualquer indústria, o que pode estar

parcialmente dependente da produção das demais indústrias fornecedoras. No caso do

projeto aqui apresentado, que busca incentivar as cadeias produtivas instaladas no

território, é útil o conceito de desenvolvimento endógeno, no qual as empresas ampliam

as relações informais entre elas, por meio de contato direto dos empresários e seus

técnicos, subcontratando atividades entre elas, com acordos de cooperação e alianças

estratégicas. Isto possibilita os modernos sistemas de trabalho em rede de empresas,

aumentando suas eficiências e diminuindo seus custos de transação, seguindo uma

estratégia territorial, o que leva à melhoria da competitividade e do posicionamento em

mercados (BARQUERO, 2002, pag. 241).

O desafio que acompanha o projeto de desenvolvimento territorial sustentável é

evitar o colapso da eficiência marginal do capital, ou seja, evitar que setores de baixa

tecnologia, que normalmente dão retornos baixos, desinvestam no bairro, pois há um

forte aumento da preferência pela liquidez quando as taxas reais de juros estão acima da

eficiência marginal, gerando uma fuga das atividades produtivas.

Duas alternativas seriam possíveis para esta questão: 1) aumentar o consumo

agregado por meio de um investimento em infraestrutura no território, com foco no

recrutamento de mão de obra local; 2) aumentar a eficiência marginal do capital por meio

das melhorias das cadeias produtivas e da inovação.

Para o crescimento econômico, o que mais nos convém é reduzir a taxa de juros

até o nível em que, em relação à curva da eficiência marginal do capital, se realize o pleno

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emprego (Keynes, 1985). No território tal trabalho se faria melhorando as questões de

financiamento com os novos meios de crédito, por meio das novas fintechs, que podem

aproximar as poupanças locais de seu uso em investimentos no território, ou de

cooperativas locais de crédito ou mesmo em determinados pontos mais carentes do

território por meio do micro crédito, por meio de um banco e moeda local a serem criados

a exemplo do Banco Palmas (NESOL -USP -BANCO PALMAS, 2013).

Como vimos acima, o papel das empresas, a articulação das várias instituições no

território, construindo uma visão compartilhada, torna possível um projeto de

desenvolvimento sustentável local. Aumentamos a chance de êxito se buscarmos formas

de financiamento dos investimentos e olharmos para o papel da inovação, sem nos

esquecermos do papel fundamental de entender o ambiente em que propomos um

desenvolvimento territorial sustentável, com foco na melhoria da qualidade de vida e na

visão dos moradores e população flutuante desta região escolhida.

1.1 - A Economia e o Objetivo Comum

Em resumo, a economia funciona movida por quatro motores: as exportações, a

demanda das famílias, as iniciativas empresariais e as políticas públicas (DOWBOR,

2017).

No Brasil, as exportações não constituem nem de longe o principal motor. Os

cerca de 200 bilhões de dólares de exportações, equivalentes a cerca de 700 bilhões de

reais, representam pouco mais de 11% do PIB. Apesar das exportações possuírem um

papel importante por permitirem importar bens e serviços fundamentais para a economia,

a economia brasileira, com uma população de mais de 207 milhões de habitantes e um

PIB de 6,3 trilhões de reais, é prioritariamente vinculada ao mercado interno (IBGE,

2010). Logo, se as dinâmicas internas não funcionam, o setor externo pouco poderá

resolver (DOWBOR, 2017).

Semelhante ao que ocorre no Brasil como um todo, a economia do território estará,

ao menos inicialmente, concentrada no mercado interno, no consumo das famílias, nas

atividades empresariais e nos investimentos públicos em infraestruturas e políticas

sociais. Com a instabilidade internacional gerada por um caos financeiro que não

consegue definir instrumentos de regulação, as soluções para o Brasil aparecem

essencialmente nas dinâmicas internas, compensando com a expansão do mercado interno

a fragilidade das perspectivas internacionais (DOWBOR, 2017). O território tem papel

Page 30: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

31

relevante neste quesito, pois as pessoas moram, consomem e investem de fato no

território.

O projeto de desenvolvimento local se coloca frontalmente contra a ideologia do

livre mercado que domina o mundo desde a década de 1980. Nos informaram que, como

nas palavras de Chang:

“... se não interferíssemos, os mercados produziriam os resultados mais eficientes e justos. Eficientes, porque as pessoas sabem como utilizar da melhor maneira possível os recursos que controlam, e justos, porque o processo do mercado competitivo garante que as pessoas sejam recompensadas de acordo com a sua produtividade. Fomos informados de que os negócios deveriam ter o máximo de liberdade possível. As empresas, por estar mais perto do mercado, sabem o que é melhor para os seus negócios. Se deixarmos que façam o que desejam, a criação da riqueza será maximizada, beneficiando também o resto da sociedade. Fomos informados de que a intervenção do governo no mercado frequentemente é concebida para limitar o escopo da criação da riqueza por razões igualitárias equivocadas. Mesmo quando isso não é verdade, os governos não podem aprimorar os resultados do mercado, pois não possuem as informações nem os incentivos necessários para tomar boas decisões de negócios. Em resumo, fomos informados de que deveríamos confiar cegamente no mercado e sair do caminho. Seguindo esse conselho, quase todos os países introduziram uma política econômica de livre mercado ao longo das três últimas décadas, como a privatização de indústrias e instituições financeiras de propriedade do governo, a desregulamentação das áreas financeira e industrial, a liberalização do comércio e dos investimentos internacionais e a redução do imposto de renda e dos pagamentos da previdência social. Essas diretrizes, como admitiram os seus defensores, poderiam criar temporariamente alguns problemas, como o aumento da desigualdade, mas em última análise todos seriam beneficiados pela criação de uma sociedade mais dinâmica e mais rica. A maré ascendente levanta todos os barcos ao mesmo tempo, era a metáfora.” (CHANG, 2015).

Porém para a maioria das pessoas no mundo, as estratégias de livre mercado

geraram um crescimento mais lento, o crescimento da desigualdade, e o aumento da

instabilidade na maioria dos países. Muitos países ricos disfarçaram estes problemas com

uma grande expansão do crédito. Por exemplo, nos Estados Unidos, o fato dos salários

terem permanecido estagnados e as horas de trabalho aumentado a partir dos anos de 1970

foi opacado pelo grande boom do consumo alimentado pelo crédito. Os problemas foram

grandes nos países ricos, mas o maior impacto foi para o mundo em desenvolvimento. Na

África subsaariana o padrão de vida ficou estagnado nas últimas três décadas, enquanto

o índice de crescimento per capita na América Latina declinou dois terços nesse mesmo

período. Nações em desenvolvimento, como a China e a Índia, cresceram rápido neste

período, mas estes foram países que, embora parcialmente liberalizantes, recusaram-se a

introduzir uma política integral de livre mercado (CHANG, 2015).

Page 31: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

32

Qual seria então a lógica de se criar um desenvolvimento sustentável no território

da Casa Verde, e onde buscar inspiração? Uma vez que a lógica unicamente pró mercado

não trouxe os resultados prometidos, temos exemplos de outra lógica, a política de

complementar os mercados ao invés de substituí-los. Isto foi o que propiciou o chamado

“milagre do Leste Asiático”, se contrapondo aos dois paradigmas dominantes para o

desenvolvimento, um focado nos mercados e o outro no governo e no planejamento.

Como largamente conhecido, o primeiro teve suas raízes intelectuais na “mão invisível”

de Adam Smith: os mercados levam a resultados eficientes. Tudo que o governo precisa

fazer para promover o crescimento é sair do caminho. O slogan básico é “acertar os

preços”. Se os preços estão certos, todos terão um incentivo para fazer as alocações

corretas de recursos. “Países que seguiram esse mantra acatando todos os conselhos dos

pregadores visitantes do livre mercado, embora tenham aparentemente acertado os

preços, muitas vezes não conseguiram crescer. A exemplo da medicina medieval, havia

a alegação de que o paciente não havia seguido as ordens do médico com precisão, e era

isso que explicava o fracasso do remédio” (CHANG, 2015).

Do outro lado haviam aqueles com pouca fé no mercado e que esperavam que o

governo garantisse, por meio do processo de planejamento, que os recursos fossem

desdobrados de maneira a promover o crescimento econômico. A falta de sucesso dos

países que seguiram esse paradigma levou à virtual extinção dessa escola de pensamento.

O mais interessante a observar é que quase nenhum dos países industrializados de

sucesso seguiu uma dessas estratégias extremas. As economias mistas, nas quais o

governo desempenha um papel importante, geraram melhores resultados, sempre

perguntado qual o papel do estado e como ele pode ser realizado com mais eficiência. O

erro fundamental dos países da antiga União Soviética e dos países em desenvolvimento

que tentavam se basear no planejamento central foi que eles procuravam corrigir as falhas

do mercado substituindo o mercado. Os governos do Leste da Ásia, por outro lado,

reconheceram as limitações dos mercados, mas confinaram o papel do governo.

Trazendo o exemplo para o território, buscamos construir com o projeto uma nova

governança local, um projeto com objetivos comuns que possa, por meio de processos e

medições claras, mas com forte participação dos entes do território, gerar transparência e

focar no que realmente importa para melhorar a vida de todos na região. Afinal de contas

o objetivo é ter um desenvolvimento sustentável econômico, social e ambientalmente para

melhorar a vida dos habitantes hoje sem comprometer a vida das próximas gerações.

Page 32: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

33

A importância das Instituições na sociedade.

Nossa sociedade é moldada pelas instituições que foram sendo criadas, das

governamentais às privadas passando pelas mistas, prova disto é que um individuo

sozinho não consegue destruir uma espécie ou aquecer o planeta, fomos fazendo isto

conosco e com o planeta de forma colaborativa, mesmo sem nos darmos conta disto. Se

estamos percebendo que nossas empreitadas coletivas não nos têm levado a uma melhora

na condição de vida da grande maioria da população mundial, temos que melhorar nossas

instituições. Para isto precisamos de mudanças, que advém de uma nova maneira de

pensar, perceber e agir, parafraseando Einstein “Não podemos resolver problemas

seguindo o mesmo tipo de raciocínio que adotávamos quando os criamos”. Embora as

instituições sejam importantes, o funcionamento delas depende da forma como pensamos,

percebemos e atuamos frente aos problemas (SENGE, 2007, p.12).

Precisamos revisar nossas fórmulas de aprender, passamos muito tempo pensando

que devíamos aprender técnicas para melhorar as empresas e instituições por meio de

inovação e criatividade, para que possam servir melhor seus públicos. Todavia para se

criar um mundo sustentável há de se agir de outra forma, precisamos gerenciar, liderar de

novas maneiras para que consigamos criar valor para as necessidades de hoje e de

amanhã. Esta é a forma de como empresas e comunidade podem trabalhar juntas.

“Precisamos de pragmáticos de mente aberta, que se importem com o futuro mas não

acreditem em remendos e nem em respostas superficiais para problemas complexos. Eles

sabem como funcionam suas organizações e sabem que ninguém faz nada sozinho”

(SENGE, 2007, p.12).

Existem problemas que nos assolam coletiva ou individualmente, e percebê-los é

central. Temos que lidar com a diferença gritante de renda no Brasil, um desemprego na

casa dos 13,1% em 20185, a falta de moradia em uma cidade com uma quantidade enorme

de imóveis fechados, sem falar da qualidade do ar que impacta a saúde da população nas

grandes cidades, a escassez de água cada vez mais próxima de todos nós, a destruição da

diversidade de flora e fauna com o sobre consumo destes recursos naturais sem dar tempo

a natureza de se reequilibrar, os problemas de comunicação que nos afastam da clareza

dos reais problemas de cada comunidade. Tudo isto, adicionado às mudanças no mundo

do trabalho e da seguridade social no planeta, constrói um grau de ansiedade em boa parte

5 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018

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da população. Todos percebemos grandes desequilíbrios e sentimos a necessidade de

grandes mudanças para lidar com eles (SENGE, 2007, p.17).

Raciocínios Sistémicos

Há de se construir uma visão de conjunto, ou como Senge chama, raciocínio

sistêmico, afinal o todo é maior que as partes quando lidamos com grandes sistemas. Para

lidar de forma mais assertiva dentro do território vamos precisar mudar a mentalidade

local, onde encontramos os atores falando da complicação do sistema e que não

conseguem mudá-lo, para deixar de ver as partes para ver o todo e se sentirem aptos a

agir como participantes ativos nas formulações das soluções locais. Sem isto não se

conseguirá reagir ao presente e criar o futuro.

Para isto precisaremos mobilizar o território e seus atores. Estes por sua vez

precisarão apropriar-se do que se chama de Domínio pessoal, que consiste no

entendimento de seus objetivos individuais, sejam pessoais ou das organizações que

representam, para poderem trabalhar por eles, de forma clara e transparente. A partir

disso, o próximo passo é a construção de um Objetivo comum, uma imagem de futuro

que queremos criar (SENGE, 1990, p. 18). Esta imagem de futuro deve conter os

objetivos, os valores e os compromissos de uma forma bem concreta e, sendo negociada

com todos os entes do território, será legítima, e fundamentalmente não será de uma

pessoa ou grupo, mas de toda a coletividade que ajudou a construí-la (SENGE, 1990, p.

190).

Aprendizado generativo

Para lidarmos com os dilemas do território precisamos sair do aprendizado

adaptativo e irmos para o aprendizado generativo. Normalmente as organizações colocam

mais ênfase no aprendizado adaptativo, que é lidar com o meio, ajustando-se ao que está

em volta. Desta forma, elas estão muito mais voltadas à administração dos sintomas do

que na busca das causas efetivas dos problemas. Instituições adaptativas podem até

acompanhar com agilidade as mudanças do ambiente, mas não inovam, deixando de

atender de forma mais criativa as demandas locais. Com isto têm uma ótima visão do

próximo e imediato, mas perdem de vista o sistema como um todo e as influências sobre

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suas pretensões futuras. Se utilizarmos o que é mais natural, a curiosidade dos indivíduos,

o aprendizado generativo aparece com melhores chances de criação, é como instituições

líderes têm agido. Essas organizações sabem que são parte de um sistema muito maior e

que problemas vão muito além da febre que se manifesta. Apresentado o sintoma, esse

tipo de organização busca pelas causas sistêmicas, procurando atuar sobre elas (SENGE,

1990, p. 215).

Quando as pessoas estão criando um objetivo comum, de forma criativa, que

abarca objetivos de curto, médio e longo prazo, não constroem seus objetivos porque

precisam, mas sim porque querem. Existem duas fontes fundamentais de energia que

motivam a organização: o medo e a aspiração. Cabe aos mobilizadores do território fazer

com que os objetivos se alastrem devido a um processo de reforço positivo, no qual ocorre

um aumento de clareza, entusiasmo, comunicação e engajamento. O processo de

construção dos objetivos pode enfraquecer-se à medida que mais pessoas se envolverem

nele, a diversidade de ideias pode dissipar o foco de concentração e gerar conflitos de

difícil resolução. Para se evitar isto, devemos mapear os objetivos comuns do território

antecipadamente de forma a promovê-los e construirmos uma sinergia local (SENGE,

1990, p. 220).

Se o objetivo comum se tornar um retrato claro do que queremos criar, o que

normalmente é diferente do que temos hoje e usarmos o raciocínio sistêmico para revelar

como criamos o que temos hoje, podemos evitar muitas armadilhas, pois a tendência do

ser humano é repetir seus comportamentos. Ter clareza do que gerou nossos problemas

atuais vai nos ajudar a trilhar novos caminhos, contando com a criatividade local

(SENGE, 1990, p. 225).

Aprendizado em Grupo

Como característica fundamental das equipes pouco alinhadas temos a perda de

energia. Se bem alinhados os objetivos comuns se tornam uma extensão do objetivo

pessoal (SENGE, 1990, p. 212). O alinhamento é uma questão fundamental antes de se

dar poder aos indivíduos e às equipes. Um poder individual alto antes do alinhamento

dificulta a organização e aumenta a confusão.

O grupo precisa aprender a aprender conjuntamente. Preparo individual e talento,

mesmo com um objetivo comum, não levam obrigatoriamente a um aprendizado da

organização. Melhor dizendo, o bom uso do QI coletivo depende de uma conversa franca.

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Esta dinâmica se dá por meio da diferença entre a discussão e o diálogo, onde no segundo

consegue-se perceber pontos importantes na visão de todos, o que acaba promovendo uma

visão mais ampla do cenário e das soluções possíveis.

Para se construir uma nova institucionalidade que dê conta de forma criativa dos

problemas do presente, serão necessárias três capacidades: visualizar os sistemas,

colaborar para além das fronteiras e construir futuros almejados (SENGE, 2007, p.43).

As redes por elas desenvolvidas moldam o funcionamento do mundo no presente, sendo

então uma das melhores promessas de mudança sistêmica. Estas capacidades devem ser

desenvolvidas em conjunto. Há de haver uma orientação criativa, pois isto ajuda o

genuíno comprometimento do grupo com as visões de hoje e com os objetivos e os

resultados almejados no longo prazo. “Sem capacidade de colaboração, as pessoas não

aprendem a desenvolver a inteligência sistêmica coletiva para lidar com problemas

complexos. Sem a capacidade de visualizar os sistemas e de identificar o próprio lugar

nesses conjuntos mais amplos, os indivíduos e as organizações naturalmente se

concentram em otimizar apenas o seu papel no quebra-cabeça social, ao invés de

promover a compreensão compartilhada”. E sem uma visão mais ampla, não se consegue

apoio e clareza para modificar, o que evita os sistemas no presente a lidar de forma mais

produtiva com as questões do território. Em suma, as três pernas são necessárias para

criação de organizações, de setores e de economias regenerativas (SENGE, 2007, p.44).

O Núcleo Casa Verde não poderá querer determinar direções unilateralmente. No

território devemos buscar o alinhamento dos objetivos dos entes locais para incrementar

as sinergias. Isto fará com que se agregue à instituição cada vez mais membros, gerando

um ciclo virtuoso no bairro.

Economia regenerativa e o futuro do planeta

Nas economias regenerativas pode-se restringir o acesso aos bens de capital

originais de maneira que sua escassez seja evitada. Os defensores dessa teoria vão contra

os princípios neoliberais e propõem em seu lugar que o mercado se autorregule por meio

de relações eficientes e transparentes, isso tudo em conjunto com outros oito princípios

chaves:

1- Relacionamento: estamos em um único planeta, não existe nós e eles, tudo

que fazemos aos outros nos afeta;

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2- Riqueza holística: a verdadeira riqueza, a material, a social, a cultural e

ambiental deve ser compartilhada;

3- Inovação, adaptação e sensibilidade: devem ser usadas para o bem de todos,

não apenas dos mais fortes (fazendo menção a Darwin);

4- Participação: como o sistema é interdependente, as partes devem procurar a

saúde e o bem-estar dos conjuntos;

5- Honra, Comunidade e Local: deve-se nutrir comunidades e regiões de forma

saudável e resilientes de acordo com a história de cada comunidade;

6- Abundância do efeito de borda: afirma que trabalhar de modo colaborativo

em todas as margens (onde os ecossistemas se encontram) gera aprendizagem

e desenvolvimento contínuo proveniente da diversidade que existe nesses

locais, sendo isto transformador tanto para as comunidades onde os

intercâmbios estão acontecendo quanto para os indivíduos envolvidos;

7- Fluxo circulatório robusto: que busca minimizar os impactos dos sistemas

econômicos, buscando no limite o impacto zero no território, por meio do

aproveitamento dos rejeitos de uma atividade como matéria prima ou insumo

da próxima e ainda reciclando produtos ao final de sua vida útil;

8- Equilíbrio: deve ser sempre buscado o equilíbrio entre a eficiência e

resiliência, colaboração e competição, diversidade e coerência, pequenas,

médias, grandes organizações e necessidades.

Como pode ser visto, a economia regenerativa pode ser de grande valia para um

território se conseguirmos emular alguns países nórdicos que conseguiram criar territórios

de pegada ambiental zero (ou próximo de zero), gerando diferencial competitivo, com

rejeitos de empresas sendo usados como insumos de outras (SENGE, 2007, p.115). A era industrial criou muitas coisas boas como a educação pública, direitos

humanos e bem estar material, pelo menos para alguns, mas trouxe também problemas como a destruição dos ecossistemas, engoliu culturas tradicionais pela homogeneização dos costumes e criou um estilo de vida que não se poderá manter durante muito tempo, principalmente em função de precisar de recursos do equivalente a 6 planetas terra, para prover a toda a população mundial o padrão de consumo californiano. Toda nova fase traz um dilema: proteger os costumes do passado ou participar da criação de um futuro diferente? (Senge, 2007, p.8 e 9).

A forma como atualmente medimos nosso desenvolvimento, baseada no PIB, foi

criada após a 2ª Guerra Mundial, com o propósito de medir o ritmo de reconstrução da

Europa, contabilizando, por exemplo, o uso de cimento e ferro. Para o contexto atual, o

uso do índice não é mais adequado. Utilizar apenas o PIB é como pilotar nossa

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espaçonave Terra baseando-se apenas em um contador de velocidade sem atentar-se para

o mostrador do tanque de combustível, para saber como estão as reservas, os recursos

naturais (DOWBOR, 2000).

1.2 - Como Colher a Vontade do Território?

A fim de evitar o dirigismo que muitos projetos têm ao tentar impor uma ideia a

um grupo de pessoas ou território, buscamos tecnologias para nos auxiliar na escuta atenta

local. O primeiro passo é fazer um levantamento detalhado da sociedade organizada no

território, com uma aproximação com estas instituições e organizações, desde o

empresariado passando pelas ONG’s locais, clubes de futebol e escolas de samba. Cada

qual desses grupos têm visões sobre o território que podem ajudar profundamente em um

diagnóstico correto e profundo do que aflige a comunidade que trabalha, se diverte e mora

no território.

Além de conversar e entender os problemas na visão dos locais, moradores ou

trabalhadores, precisamos fazer que esta visão do território encontre pontos comuns, pois

é por meio deles que conseguiremos mobilizar com maior facilidade, pertinência e

engajamento. Usaremos aqui o conceito crowdsource, significando um processo onde

uma massa de participantes se organiza para convergir a objetivos comuns. Uma

arquitetura de participação desse tipo é aquela que permite engajar milhares de pessoas

em uma mesma discussão, absorvendo diversos níveis de engajamento (INSTITUTO

CIDADE DEMOCRÁTICA (ICD), 2017).

Se nos utilizarmos de formas de interação nas quais o passado não é o fator

predominante, onde procuramos criar valor sustentável para todos, onde as iniciativas

colaborativas são capazes de produzir inovações estratégicas e podem florescer,

criaremos um ecossistema propício a mudança. Do contrário, a falta de espontaneidade e

a busca de agendas individuais acabarão impedindo inovações significativas.

Essas conversas se iniciam quando pessoas em quantidade suficiente

começam apreciar as maneiras umas das outras encarar a realidade. A primeira fase dessas conversas, a escuta empática, é fácil de adotar, mas difícil de praticar; pois todos nós aferramos de tal maneira as nossas visões da realidade que, em geral, temos dificuldade até em prestar atenção ao que outras pessoas realmente estão dizendo. A segunda fase, de conversas mais profundas e diálogos criativos, pode ser muito diferente das conversas normais sobre negócios. As pessoas falam com franqueza sobre o que é verdadeiro para elas, sem pretensão de que tais verdades sejam universais. Do mesmo modo, aceitam as verdades das outras pessoas. Não há muitas

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pressões em busca de concordância. Com efeito, desenvolve-se certa confiança de que, ao falarem e ao ouvirem com honestidade, possibilita-se compreensão mais profunda do mundo ou de determinado tema. Aqui que começa o verdadeiro pensamento conjunto (SENGE, 1990, p.50).

A partir do mapeamento dos entes do território e de um primeiro contato de forma

presencial, com o intuito de solicitar a visão daquele grupo ou comunidade para o

território em 2022, 2030 e 2050, constrói-se um laboratório de ideias que serão coletadas

e compartilhadas para se encontrar as sinergias entre elas e entre os diversos grupos locais.

Nesta fase reside um problema central: como sistematizar a informação potencial

de um universo de um território inteiro, que pode chegar no seu limite a mais de 87.000

pessoas? Um caminho fácil seria usar umas das mídias sociais existentes, simplesmente

um grupo de What’sApp ou do Facebook para este trabalho de comunicação e compilação

das ideias. O problema central é que não conhecemos os algoritmos que priorizam,

entregam e aparecem aos membros dos grupos, gerando uma distorção potencial muito

grande.

Então buscamos para esta tarefa o nosso atual parceiro no projeto, o Instituto

Cidade Democrática (ICD), que inspirado pela experiência do LABIC Ibero americano,

desenvolveu uma metodologia de um Laboratório de Inovação Cidadã que se conecta ao

Desafio Ideias (feito presencialmente). O laboratório de inovação cria conexões entre

criativos, empreendedores sociais, ONGs, empresários, pessoas comuns e comunidades

que emergiram dos desafios. O mandato do laboratório é promover e sistematizar a

inteligência coletiva produzida pelo desafio, que é executado por um aplicativo de fácil

acesso e amigável, o “Empurrando Juntos” (EJ). Isso ajuda a articular conhecimentos e

recursos necessários para a prototipação dos desejos da comunidade.

Os desafios de ideias permitem e incentivam as pessoas a produzir diretrizes de

políticas juntas, comunidade a comunidade, segundo suas prioridades e interesses e a

compartilhar preferências entre elas. Isso ajuda a criar um senso compartilhado de

propósito e identidade coletiva, pois as ideias dos vários entes daquela comunidade dentro

do território estarão no futuro breve, via aplicativo EJ, sendo vistos e discutidos por todos

os membros do território, segundo seus interesses e preocupações.

Com as atividades locais de oficinas, entrevistas e mapeamento do que se está

discutindo, criando relevância e pertinência aos membros do território, podemos com o

aplicativo fomentar e aprofundar temas. Isto é conseguido pois o aplicativo EJ tem uma

abordagem algorítmica do feedback de multidões, buscando temas de consenso, que

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possibilitam o surgimento de agendas que normalmente são ignoradas pela mídia, mas de

grande pertinência para o território (ICD, 2017).

O ICD, desde 2011, participou de processos de escuta pública em quinze cidades,

como Jundiaí, Sorocaba e Altamira no Pará, onde a ideia foi criar e experimentar novas

arquiteturas de debate e algoritmos para deliberação em massa, em vez de apenas analisar

as mídias sociais. Isto é fundamental por duas razões principais. Primeiro, o desejo de ser

independente da tecnologia proprietária, pois as plataformas de mídia social não são

transparentes. Em segundo lugar, as plataformas de mídia social não estão focadas em

possibilitar colaborações entre diferentes facções, ou entre o governo e a sociedade para

causar impacto coletivo nas comunidades (ICD, 2017).

O modelo de ação do ICD, que usaremos como base é:

1- INSPIRAÇÃO, onde mobilizar os grupos locais por meio de rodas de

conversa nas instituições locais;

2- PROPOSTAS, nesta fase os diversos públicos colocam suas propostas para o

território na plataforma do Cidade Democrática;

3- APLAUSO, onde todos podem apoiar, votando nos projetos mais

interessantes, independentemente de terem sido propostos por seu grupo ou

instituição;

4- UNIÃO, onde os projetos mais votados são ranqueados e se constroem o

projeto global para o território; o que compõe a fase um e dois, que é a

vontade da comunidade.

As ferramentas e inovações criadas pelo ICD são viabilizadores importantes para

construirmos uma democracia com o DNA do povo brasileiro, que responda, de um lado,

às imensas oportunidades criadas pela web e, por outro, dê conta de aproveitar a grande

energia e disposição de participar do nosso povo para construir um território com

igualdade de oportunidades, sustentabilidade ambiental e justiça social (ICD, 2017). Teoria de Mudança

A teoria de mudança que relaciona empresas, instituições, governos e sociedade

e as trocas entre cada um deles é feita por meio da participação social desejada, que é

aquela capaz de criar e desenvolver espaços infinitamente, sempre que necessário,

imprimindo a dinâmica e a vida que a sociedade tem e distribuindo, ao invés de criar e

institucionalizar, espaços de poder. São processos em que os cidadãos participam da

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tomada de decisão sobre questões públicas e de interesse geral, ajudando a construir um

território com melhores opções a todos.

O resultado disto vem por meio do fortalecimento do tecido social, das ações

políticas diretas e pacíficas (mutirões etc.), dos investimentos de recursos públicos de

forma priorizada e ajustada ao maior impacto local e no desenho das políticas públicas.

O Instituto Cidade Democrática (ICD) oferece software livres e presta serviços

para que governos e organizações sociais possam criar pesquisas de opinião e

consultas participativas e qualifiquem a tomada de decisão de políticas e investimentos.

O tamanho desse desafio é enorme. A Pesquisa TIC Governo Eletrônico de 2015 revelou

que 96% das prefeituras brasileiras nunca criaram ou disponibilizaram aplicativos

próprios, sendo o diálogo e promoção da participação realizados utilizando basicamente

as mídias sociais.

Travessia para a Democracia em Rede

O desenvolvimento da internet e das TICs aponta para a emergência de uma

democracia em rede que promete, entre outras coisas, protagonismo da sociedade em

relação ao Estado e a distribuição de poder. Nos últimos anos, houve uma explosão de

iniciativas de tecnologias que, de alguma forma, se articulam em relação a essa promessa

que parece ainda não respondida.

Uma das razões, pode ser o fato que, defender um papel protagonista para o

cidadão comum e distribuição de poder é algo que ameaça os interesses de políticos,

partidos e empresas que tem se beneficiado do paradigma autocrático e centralizado por

centenas e talvez milhares de anos. Então estamos cientes de que a missão que temos

diante de nós tomará algum tempo e esforço para ser realizada, assim como está inscrita

na grande transição que estamos todos passando.

Acreditar na máxima da cultura digital de que “tecnologia é mato, o importante

são as pessoas” nos parece promissor para evitar o fetiche da tecnologia por si e a criação

de soluções que não realizam o potencial da arquitetura distribuída da rede, respondendo

ao desafio de consolidar processos de ação coletiva autônoma que levem à distribuição

de poder (PARRA, 2017).

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42

Ativistas de minorias

É no meio deste amplo debate que nos parece interessante uma aplicação que

distribua poder para ativistas em situação de minoria. Com esta intenção vamos testar no

projeto Núcleo Casa Verde este novo aplicativo que vai aproximar e qualificar o debate

de temas relevantes de maneira a escutar nichos de opiniões, sem oprimir opiniões

diferentes. Dentro da arquitetura do EJ (Aplicativo Empurrando Juntos)”, o nosso ativista

é o autor de uma proposta com apoio representativo no seu próprio grupo de afinidade.

Assim, vamos proporcionar que os ativistas que não concordam com a opinião majoritária

possam abrir um evento e mobilizar diretamente aqueles de seu mesmo grupo de

afinidade.

A tese aqui é a seguinte: estas pessoas têm afinidade de opinião e às vezes relação

de confiança com este ativista. Por isso, estão abertas a um debate informado com ele.

Tal função pode servir para converter opiniões, reforçar a capacidade de mobilização de

minorias e criar um fluxo de informação contra hegemônico. Nossa aposta é que esses

eventos se tornem momentos sincronizados, até mesmo encontros presenciais. O usuário

terá bastante flexibilidade para formatar estes encontros ou bate papos (PARRA, 2017).

A ferramenta EJ, possibilitará tal comunicação pontual e pertinente aos subgrupos do

território, afim de obtermos os vários prismas das vontades e realidades.

Pessoa ponte de diálogo

Opiniões majoritárias podem ser perigosas, pois é o momento em que uma maioria

heterogênea converge para um mesmo fim, uma mesma ideia. Quando este fim é

identificado, atualmente as estratégias de marketing centram fogo e os algoritmos das

redes sociais amplificam seus esforços, entregando a pauta para esta “ideia majoritária”.

Alguns grupos conseguem manter um canal de conversa interna, mas também são

influenciados pela opinião da maioria.

Queremos criar um contrapeso, ou seja, chamar a atenção para “pontes

consensuais” representadas por ideias que concordam com uma opinião da maioria mas

estejam “entre” grupos, com uma afinidade balanceada entre conjuntos distintos de

opinião.

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Conectar as pontes é uma estratégia para trazer diversidade aos grupos. Como

funciona? Suas mensagens são apresentadas para todos aqueles que concordam com a

opinião majoritária e que sejam de grupos próximos, mas diferentes desta pessoa ponte.

O que significa isso? Apostar que justamente aqueles que têm opiniões complexas

ou contraditórias podem cumprir o importante papel de dialogar com esta maioria

emergente e incluir complexidade e diversidade para que seus membros reflitam. Está aí

o potencial de re-embaralhar os grupos, distender certas polarizações e apresentar

opiniões contraditórias em uma linguagem que viabilize o diálogo (PARRA, 2017).

Criador da consulta

Para que o EJ se torne uma ferramenta capaz de apoiar deliberações e tomada de

decisões por parte de instituições e governos, é preciso que os responsáveis pela

governança da consulta possam se comunicar e mobilizar os participantes e grupos

formados.

Assim, a organização criadora da consulta, no nosso caso o Núcleo Casa Verde,

assim como qualquer outro participante, poderá criar frases que sejam chamadas às várias

discussões, com uma metáfora visual diferente (cor, badges etc.). As mensagens vindas

da organização terão prioridade de apresentação aos usuários (sempre no começo da fila).

A ideia é que estas sejam conteúdos orientadores ou norteadores para a construção de

propostas que ajudem a melhorar as condições do território na ótica das pessoas da região,

procurando encontrar sinergias entre as propostas e fomentando a participação.

Além de poder escrever as frases que aparecerão primeiro aos participantes,

o criador da consulta terá o poder de enviar um PUSH convidando os participantes para hangouts que tenham a temática proposta na consulta. Estes hangouts são momentos de transmissão online (com voz e vídeo) no qual qualquer pessoa pode participar diretamente (inclusive não participantes da consulta) e que terão o objetivo de aprofundar o debate e/ou dar respostas às questões e propostas que emergiram nas consultas. Como exemplo do que o ICD tem encontrado, os Pushs operados pelas instituições públicas, aumentam a incidência nas decisões sobre investimentos públicos (PARRA, 2017).

A utilização de aplicativos de consulta/sonda participativa para identificar pessoas

e temas e que possam ser convidados a deliberações mais estruturadas ou contato direto

com governantes tem sido recorrente por parte de governos, como deixam claro

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experiências passadas do Gabinete Digital do RS, Dialoga Brasil e a atual do VTaiwan

(PARRA, 2017).

A importância de uma ferramenta digital adequada

Apesar da vontade manifestada por diversos tipos de organizações em oferecer

alternativas para diálogos democráticos na rede, essas experiências em geral não escalam

nem estão gerando resultados com impacto. Por quê? Porque elas ainda partem do perfil

do ativista que tem recursos cognitivos, tempo, motivação e formação para atuar nessas

plataformas. Em outras palavras, a forma com que essas soluções são feitas requer

cidadãos empoderados, que tenham recursos cognitivos ou que já tenham adquirido voz

política por meio de outros processos de participação offline. Elas acabam chegando

apenas à “elite da participação”, ou seja, pessoas que já têm predisposição e tempo de

participar.

Por isso, acreditamos que o desenho da deliberação coletiva deve levar em

consideração o aspecto pedagógico da interação. Para nós, a aposta correta consiste em criar arquiteturas e algoritmos de participação com interfaces minimalistas e dinâmicas, que vamos chamar aqui de arquiteturas de discussão crowdsource, capazes de promover um aumento gradual na energia de engajamento que os participantes podem oferecer em cada momento. O processo é capaz de considerar diversos tamanhos e disponibilidades de participação, e todos os elementos são aproveitados para o resultado. Quase nenhuma informação se perde. (EJ 2017, pag.5)

Um dos grandes problemas para o engajamento é a complexidade do processo,

em algumas plataformas, estabelecendo fases, regras e obrigações que acabam por

diminuir ainda mais o potencial de engajamento, mesmo que a sensação de efetividade

da discussão aumente para aqueles que ultrapassaram a barreira.

Na última década, portanto, parte considerável das iniciativas cívicas e

governamentais se resumiu a arquiteturas pouco inclusivas e com pouco potencial de

engajamento em escala, ao mesmo tempo em que as mídias sociais conquistaram bilhões

de usuários e consolidaram uma lógica de audiência que impulsionou o

novo advocacy mas contribuiu pouco para a colaboração entre Estado e sociedade.

Quem já percebeu estar limitado a uma bolha de opinião com amigos que pensam

igual ou parecido e deixar de estar em contato com a diferença e de debater com o

diferente? Em resumo, quem nunca se sentiu nadando contra uma corrente de

manipulação e medo que acaba dominando a vista das pessoas, sem ter voz para contrapor

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45

por estar confinado, sem condições de disputar os fluxos dominantes de informação,

construídos cada vez mais artificialmente (EJ, 2017)?

Junto com a baixa inclusão (tanto de acesso como das altas barreiras

cognitivas das ferramentas cívicas), avaliamos que a questão da polarização/manipulação é um dos principais problemas da democracia digital. O desafio parece estar em desenvolver tecnologias que respondam a duas perguntas. Em primeiro lugar, como dar mais poderes para quem fica em uma situação de minoria cujas mensagens não conseguem visibilidade nas redes sociais, chegando a cada vez menos gente, sendo esmagadas pela avalanche de mensagens manipuladas? Além disso, como permitir que os indecisos sejam informados e possam trazer perguntas e diversidade para a maioria (EJ, 2017)?

Os recentes experimentos conduzidos pelo Instituto Cidade Democrática buscam

o desenvolvimento de tecnologias que respondam a essas questões, superando a

arquitetura complicada e excludente das ferramentas utilizadas pelos governos e trazendo

diversidade para as bolhas de opinião, que alienam as pessoas do debate informado e

prejudicam a capacidade das minorias de comunicarem suas agendas. A metáfora é a dos

freios e contrapesos democráticos, para garantir diversidade ao debate ao impedir que um

só lado domine o fluxo principal de comunicação, como acontece nas principais

plataformas de redes sociais utilizadas (EJ, 2017).

Para efetivar uma democracia em rede, devemos fomentar ações coletivas

autônomas, que respondam aos interesses singulares e a contextos hiperlocais

estimulando o papel de produtor de pautas que cada pessoa pode assumir. No atual

contexto, no entanto, há poucos incentivos para esse tipo de ação encontrar destaque e

repercussão, pois as iniciativas acabam sendo marginalizadas pelas atuais estruturas de

intermediação. Além de estar limitada pela audiência, a ação autônoma traz consigo um

risco adicional de se descolar da realidade dos grandes desafios coletivos, já que é fruto

da reunião de interesses singulares de pequenos grupos de pessoas, podendo se descolar

do que é deliberado, planejado e priorizado pelas instituições políticas (atribuições

constitucionais, eleições, orçamentos, conselhos, conferências, etc.) (EJ, 2017).

Dessa forma, parece necessário que haja um tipo de “cola” entre as agendas

societais oriundas da ação coletiva autônoma e as agendas estatais para as quais já existe

recurso público mobilizado (orçamento público) e que respondem às demandas mais

críticas (indicadores sociais). Quando a ação coletiva autônoma inclui esses dois

diagnósticos na sua estratégia de atuação, aumenta a probabilidade de impacto no

resultado da sua própria ação, levando o Estado a planejar e executar melhor o orçamento

público nas áreas que mais precisam da política.

Page 45: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

46

Hoje, tanto os processos de advocacy como os de participação social

implementados pelo Estado e a sociedade civil não têm levado em consideração esses

diagnósticos de evidência, sofrendo pela ausência de impacto e transformação das

instituições. Desenhar processos de participação que dêem escala para fomentar ações

coletivas autônomas em torno dos pontos de interseção entre desejos populares, recursos

públicos existentes e indicadores sociais deficitários parece ser o caminho para resolver

este problema. Além disso, essa opção fornece uma narrativa forte para motivar o

engajamento público em torno de soluções de problemas críticos para os quais há pontos

de contato nas instituições públicas (EJ, 2017).

Para que essa “cola” exista, defendemos a articulação entre as iniciativas de

participação social com iniciativas que mapeiem recursos públicos e privados,

indicadores e dados abertos, apresentando-as por meio de visualização. Por outro lado, a

disponibilização pública, aberta e acessível de informações sobre recursos públicos,

necessidades privadas e indicadores sociais aumenta a efetividade das ações coletivas

autônomas de participação social.

A despeito dos recentes avanços na discussão sobre governo aberto e na mudança

da perspectiva de governo eletrônico para governança digital, o Estado ainda mantém

uma exagerada prevalência na definição dos métodos e tecnologias de participação. Tanto

o modelo de adoção de tecnologias proprietárias como o modelo fechado de produção por

empresas públicas acabam por impor barreiras à participação direta da sociedade na

governança (produção, uso e modificação) de tais tecnologias.

Para atender estas demandas o EJ (Figura 2) foi o aplicativo selecionado para o

projeto Casa Verde, por sua possibilidade de criar por meio das interações dos vários

grupos do território pontos de convergência, um software livre, que permite ouvir e

interagir de forma a propiciar a percepção e a construção de objetivos comuns,

fundamental para gerar o engajamento que o projeto precisa.

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Figura 2 – Aplicativo EJ – Disponível também em plataformas móveis

Fonte: (ICD, 2017)

O EJ, além de ajudar a construir um objetivo comum, pode ajudar na avaliação de

políticas, programas, serviços ou equipamentos, facilitando correções e resposta aos

cidadãos. Pode também ajudar na formulação de orçamento, políticas e planos setoriais

ou urbanísticos, facilitando decisões coletivas e devolver à comunidade os resultados das

ações implementadas (ICD, 2017).

Para que o processo de conhecimento das demandas locais para o projeto Núcleo

Casa Verde funcione bem, como já dissemos, primeiro precisamos ter entrada e contato

pessoal com cada uma das organizações do território, para em seguida poder

disponibilizar a ferramenta EJ para cada membro de cada comunidade e instituição. Com

isto, a ferramenta de deliberação deve alcançar níveis mais altos de engajamento em

massa na deliberação coletiva livre (próxima fase), onde cada membro pode votar em

propostas de suas comunidades ou de outras e também pode incluir propostas individuais.

Segundo, deve fomentar o engajamento coletivo que supera a lógica de confrontação das

mídias sociais (enxames e campanhas) e possibilitar a colaboração entre as instituições e

a sociedade em relação aos bens comuns. A maneira mais fácil das pessoas poderem

participar de seu mecanismo é apenas lançar uma reação, do tamanho desejado, a um

comentário (proposta) selecionado aleatoriamente de todos os comentários enviados. Esse

tipo de participação pode ser completado em menos de um minuto. De maneira

Page 47: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

48

progressiva, depois de reagir a um comentário, as pessoas podem continuar reagindo até

que reajam ao último dos comentários ou apresentem sua própria perspectiva como

comentário. Este novo comentário fará parte do painel de comentários e estará disponível

para os outros participantes lançarem suas reações (ICD, 2017).

Todas as informações fornecidas pelos participantes são contabilizadas.

Bons comentários e ideias não serão perdidos em enormes árvores de discussões, mas serão apresentadas como iguais às reações de outros participantes. A arquitetura de discussões utilizada pela pol.is, ferramenta de código livre base do EJ, é chamada “Discussão com Crowdsourced”, diferente da utilizada nos fóruns tradicionais, chamada “Discussão com Threads”. Em uma “Discussão com Crowdsourced” todas as informações fornecidas são utilizadas. Em uma “discussão encadeada” (Threads), como depende da sistematização posterior, parte da informação (às vezes a maior parte dela) é descartada durante o processo. Não estamos defendendo especificamente o abandono da arquitetura "Discussão encadeada", pois achamos que ela ainda é importante para muitas experiências de deliberação, especialmente para grupos pequenos e médios. Mas percebemos que isso representa sérias limitações de engajamento em massa (ICD, 2017).

Outro aspecto desafiador é como promover o engajamento dos participantes em

ações coletivas. O mecanismo pol.is usa algoritmos de aprendizado de máquina para

interpretar a matriz de dados construída pelos comentários e reações das pessoas em

tempo real. Essa matriz é processada de forma que as pessoas possam ser organizadas em

grupos de afinidade com base em como participam de cada comentário. As informações

sobre essas formações de grupo são atualizadas em tempo real e exibidas de forma que as

pessoas possam se movimentar em um espaço físico e tátil para sua tribo. Isso é muito

inovador, já que a interface pol.is fornece um painel democrático e transparente que não

apenas a administração do sistema pode ver, mas todos os participantes ou visualizadores.

Todos podem entender e baixar os dados sobre os grupos que foram formados na

discussão, como cada comentário foi realizado em cada grupo, quais foram os

comentários da maioria dentro de todos os grupos, em que grupo você está e quem são os

outros membros do grupo (ICD, 2017).

O Projeto do ICD é muito aderente ao projeto do Núcleo Casa Verde, mas eles

têm continuado a inovar para resolver problemas que aconteceram com projetos

anteriores, principalmente na fase de desdobramento das ações práticas no território. Para

ser um think and do tank, não basta ser um think tank, precisamos também ser o do tank.

O Cidade Democrática foi bastante bem sucedido em produzir produtos que criam o

diálogo entre a sociedade, instituições e os governos, permitindo a organização de

laboratórios de inovação social, mas o engajamento dos participantes após os resultados

Page 48: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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do concurso acaba sendo insuficiente. Veremos como outras cidades pelo mundo lidaram

com tal desafio no próximo capítulo.

Além de ver bem mapeada as vontades das populações do território, precisamos

entender como podemos e a partir de onde podemos gerar forte engajamento para um

desenvolvimento sustentável. O conceito de Desenvolvimento Endógeno, na seção

seguinte, nos servirá como base para pensar o potencial econômico instalado e futuro do

território.

1.3 - O Conceito de Desenvolvimento Endógeno e Sua Aplicação no Território

Frente ao novo paradigma de globalização da economia e da sociedade, todos os

mercados foram adquirindo uma dimensão global e o Estado foi cedendo seu papel de

protagonista para as empresas inovadoras, na maioria multinacionais. Tudo isto

viabilizado pelas novas tecnologias de comunicação, informação e transportes que

facilitaram o funcionamento das empresas em cadeias globais (VÁZQUEZ

BARQUEIRO, 2002). Todavia o território tem também sua importância, pois em última

instância é nele que os investimentos ocorrem. Nele é onde ocorre o chamado

desenvolvimento endógeno:

“(...) um processo de crescimento econômico e de mudança estrutural,

liderado pela comunidade local ao utilizar seu potencial de desenvolvimento que leva à melhoria do nível de vida da população. Arocena (1995) acrescenta que se trata de um processo no qual o social se integra ao econômico. A distribuição de renda e riqueza e o crescimento econômico são dois processos que não ocorrem paralelamente. Na verdade, só adquirem uma dinâmica comum pelo fato de os atores públicos e privados tomarem decisões de investimento que visam elevar a produtividade e a competitividade das empresas, solucionar os problemas locais e aumentar o bem-estar da sociedade” (VÁZQUEZ BARQUERO, 2001, p.41).

“O desenvolvimento econômico local pode ser definido como um processo

de crescimento e mudança estrutural que ocorre em razão da transferência de recursos das atividades tradicionais para as modernas, bem como pelo aproveitamento das economias externas e pela introdução de inovações, determinando a elevação do bem-estar da população de uma cidade ou região. Quando a capacidade local é capaz de utilizar o potencial de desenvolvimento e liderar o processo de mudança estrutural, pode-se falar de desenvolvimento local endógeno ou, simplesmente, de desenvolvimento endógeno.” (VÁZQUEZ BARQUERO, 2001, p.57)

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Neste novo cenário de competição definido entre empresas e territórios foram

sendo introduzidas as inovações, tanto em empresas quanto em organizações. Isto foi

possível também em virtude de uma forma mais flexível de organização da produção.

Neste contexto, cidades e territórios passaram a dar respostas estratégicas aos desafios de

concorrência nos mercados e voltaram a se preocupar com a questão do desenvolvimento,

fundamentalmente no foco do território, buscando aumentar a acumulação de capital a

fim de melhorar o atendimento das necessidades e demandas dos cidadãos (VÁZQUEZ

BARQUEIRO, 2002).

O que determina o investimento no território são os fatores de atração. Não é

somente o incentivo nacional que consegue alocar uma empresa em determinado

território, mas é a possibilidade deste território prover as necessidades de infraestrutura,

capital intelectual, setores instalados, em suma como seus atores locais podem ou não

ajudar a produtividade da empresa ingressante.

O entorno produtivo pode ser determinante para a capacidade concorrencial das

empresas, pois no fundo a divisão internacional do trabalho é um fenômeno urbano e

regional. A melhoria de produtividade e da competitividade das cidades depende da

introdução de inovações nas empresas e instituições do território (VÁZQUEZ

BARQUEIRO, 2002).

Logo o desenvolvimento econômico ocorre em consequência da utilização do

potencial e do excedente gerado localmente, e muitas vezes em função da qualidade do

território, da atração de investimentos externos, que também possibilitam a incorporação

das economias externas ocultas nos processos produtivos.

Para se retirar um território do estado estacionário será necessário ativar a criação

e difusão de inovações no sistema produtivo local, propiciar uma organização flexível da

produção no território, gerando economias de aglomeração e de diversidade com o

fortalecimento das instituições.

A nova dinâmica econômica se caracteriza pelo desenvolvimento de redes

explícitas de colaboração entre as organizações, como são os sistemas produtivos locais,

e fundamentalmente em acordos estratégicos realizados entre as empresas do território.

Por meio destas alianças, que são feitas para desenvolver projetos específicos, de produtos

a processos de produção passando por mercados, as empresas fortalecem a

competitividade e expandem os rendimentos, propiciando à economia local um ganho

competitivo e ao mesmo tempo uma ampliação de renda (VÁZQUEZ BARQUEIRO,

2002).

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51

Um grande setor composto de muitas empresas em uma região ligadas horizontal

e verticalmente pode beneficiar-se do crescimento local e ao mesmo tempo beneficiar

cada empresa e o local onde se insere. Essa é em última análise a bandeira das economias

de aglomeração, ou seja, uma atividade vocacionada de uma determinada área pode

beneficiar-se significativamente do crescimento local por meio do fornecimento

especializado em matérias-primas e componentes requeridos, serviços e mão de obra

treinada passível de desenvolver-se na região, agregando habilidades particularmente

úteis ao setor. Um processo compartilhado de informações e a geração de novas

tecnologias, como pretendemos criar através do Núcleo Casa Verde, tendem também a

desenvolver-se naquele espaço geográfico, onde cada empresa se beneficia ao conhecer,

ainda que informalmente, o que está acontecendo com seus competidores e quais as

tendências do setor tornando-se desse modo mais dinâmico e competitivo.

Para que o desenvolvimento endógeno consiga chegar a bom termo é central que

se busque a distribuição da renda no território, pois sem ela o território não conseguirá

gerar a satelitização ou a diversificação produtiva que precisa ser alcançada para obter

uma autonomia crescente. Quanto mais concentrada a renda, menores as chances da

economia periférica superar a monocultura de exportação (no caso de território agrícola)

ou de cadeia produtiva preponderante (no caso de território majoritariamente urbano,

como o nosso) e ingressar em um processo de diversificação produtiva e autonomização

dinâmica. A segunda determinação central da satelitização ou diversificação

autonomizante das economias regionais periféricas é o padrão de encadeamento (grau de

integração vertical) das atividades propulsivas no território (PAIVA, 2013, p.41).

Buscando no município um diagnóstico sobre suas perspectivas de

desenvolvimento e uma estratégia capaz de maximizar o aproveitamento de suas

potencialidades, determinaremos o “território-foco” da análise. Todavia, normalmente

quando o “território-foco” é um município ou um território (parte do município), poucas

vezes ele é o “território-relevante”, entendido aqui como o território cuja dinâmica

determinará as potencialidades e os desafios do foco. Via de regra, quando o território-

foco é um município, o território-relevante é uma região mais ampla. Sendo assim, o

primeiro procedimento de diagnóstico é realizar comparações sistemáticas dos

indicadores do território-foco com os indicadores levantados para seus “múltiplos

entornos” (PAIVA, 2013, p.70-71). Isto provavelmente ocorrerá com o território da Casa

Verde, uma vez que faz limites com dois bairros de forte atração, Santana e Barra

Funda/Perdizes.

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O ponto de partida do desenvolvimento mercantil de um território periférico é a

identificação de um produto (ou, de forma mais geral, de uma atividade) em que o

território apresenta vantagens absolutas suficientes para se especializar e exportar para

outras regiões. Mas o engate mercantil não é garantia de continuidade do

desenvolvimento. Esta continuidade depende da integração no território dos elos à

montante (fornecedores de insumos) e à jusante (processadores e comercializadores) do

produto-atividade de especialização inicial. Ou seja, é preciso superar o padrão setorial

de classificação e convertê-lo em um sistema de encadeamento. Esta é a condição

fundamental da Análise e do Planejamento de Economias Regionais necessária para que

se avalie o potencial de alavancagem das especializações atuais para desenvolvimento

futuro do território.

A determinação do território-relevante ocorre pela conversão do sistema setorial

de classificação em um sistema de encadeamento. Fundamental para isto na identificação

de cadeias é a segmentação das atividades em “propulsivas” (de exportação, no nosso

caso do território) e “multiplicativas” (voltadas ao mercado interno, de consumo ou

utilização do território) (PAIVA, 2013, p.87).

Apesar das ambiguidades inerentes à classificação por encadeamento, este

sistema classificatório é muito mais relevante para a análise econômica. Primeiro, porque ele revela a especialização efetiva (por trás da aparente diversidade) dos territórios, permitindo a identificação das atividades responsáveis pela geração (e posterior multiplicação) da renda básica. Em segundo lugar, porque ele permite a hierarquização destas cadeias em termos de seu poder de geração de emprego e renda em todos os elos instalados no território, por oposição à geração de emprego e renda apenas no elo central mais evidente. E em terceiro lugar, porque as políticas públicas de enfrentamento dos obstáculos, ou “gargalos” do crescimento regional tendem a ser muito mais eficazes quando incidem sobre cadeias do que sobre atividades não encadeadas (PAIVA, 2013, p.100).

Outros fatores devem ainda ser considerados se o território-foco é um pólo urbano.

Os pólos urbanos têm como uma das principais funções o fornecimento de serviços

relativamente complexos a uma população não domiciliada no mesmo. A canalização da

renda (gerada e apropriada em outro território) para dentro dos pólos se torna uma das

suas principais fontes de “renda básica”. Apesar de terem caráter propulsivo, tais fontes

não podem ser classificadas como “atividades de exportação”. Neste caso, ao invés de se

produzir um bem tradable e vendê-lo em outro mercado, é o agente demandante de

serviço que se desloca até o pólo para usufruir de seu sistema produtivo. Normalmente,

observa-se a dependência das periferias frente aos pólos. Mas os pólos também dependem

(e, de certa forma, em maior intensidade) de suas periferias, pois a renda básica dos

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primeiros (a demanda por seus serviços) advém da renda básica dos últimos, derivada da

exportação de bens. Logo o crescimento dos pólos é dependente do crescimento de suas

periferias (PAIVA, 2013, p.101).

Também importante é distinguir renda interna e regional. A renda interna de

municípios ou territórios, que contam com sistemas produtivos complexos e de alta

agregação de valor, tende a ser elevada. Mas a renda regional pode corresponder a uma

parcela ínfima da renda interna, caso os agentes que fazem jus a esta renda se encontrem

domiciliados fora do território, pois a renda gerada no território pode ser enviada para o

exterior (para fora do território). De outro lado, municípios pólo capazes de oferecer

serviços de alta qualidade tendem a atrair moradores que auferem rendimentos gerados

no exterior, de sorte que sua renda regional pode ser maior do que sua renda interna. Há

aí, portanto, uma oportunidade de construir infraestruturas atrativas de qualidade de vida

no território que possam atrair estes domiciliáveis de maior renda (PAIVA, 2013, p.125).

O primeiro passo de qualquer estratégia de planejamento é avaliar as atividades e

cadeias “propulsivas”, tendo como ponto de partida: 1) entrevistas com os líderes

empresariais e sindicais das distintas cadeias, com vistas a entender e mapear o potencial

e os obstáculos à integração das mesmas; 2) análise da estrutura final de cadeias similares

que tenham atingido sua maturidade em outros territórios (sejam eles do mesmo país ou

do exterior).

O objetivo desta análise é avaliar se os obstáculos interpostos à integração são

estruturais e intransponíveis ou circunstanciais e passíveis de superação.

Simultaneamente, é preciso avaliar se as principais cadeias propulsivas do território

desenvolveram elos secundários capazes de atomização e qual o potencial de

integralidade das mesmas. A partir da identificação das cadeias com grande potencial de

mercado, que tendem à integração e que estimulam a emergência de elos secundários

geradores de novas cadeias, devem ser mapeados os obstáculos ao seu pleno

desenvolvimento no território e definidas as políticas necessárias e suficientes para a

superação daqueles obstáculos.

No caso do território-foco ser um município ou território pólo altamente

dependente da demanda externa sobre sua rede de serviços, a estratégia fundamental de

crescimento é tríplice:

1) Avaliar as vantagens e desvantagens competitivas do pólo sob análise frente

àqueles municípios ou territórios que concorrem na função de polarização e

definir as políticas eficientes para a alavancagem das vantagens e depressão das

desvantagens;

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54

2) ampliar o leque de serviços oferecidos aos não domiciliados, com vistas a

explorar as sinergias inerentes às distintas demandas “turísticas” sobre os

serviços do pólo; e

3) estreitar suas conexões com o entorno por meio da integração à sua estrutura

produtiva de sistemas de beneficiamento e assistência técnica às atividades das

cadeias propulsivas dos municípios e territórios satelitizados.

Não se esquecendo de que é fundamental que os pólos estejam atentos para a sua

relação de dependência vis-à-vis com as demandas oriundas de suas periferias e busquem

contribuir com reflexões e propostas de política econômica voltadas ao enfrentamento

dos obstáculos atuais e potenciais para o crescimento das atividades e cadeias propulsivas

do entorno.

Se o território foco for periférico, a estratégia é dúplice. Em primeiro lugar, é

preciso avaliar o potencial e os obstáculos ao desenvolvimento de suas cadeias

propulsivas e desenvolver políticas de diversificação produtiva quando necessário. Mas,

igualmente importante, é a busca de minimização da evasão de recursos em direção ao(s)

pólo(s) via implantação no próprio território-foco de um sistema básico, todavia eficiente

e qualificado, de prestação de serviços.

Para isto, é muito importante qualificar o comércio local e os sistemas

públicos básicos de educação e saúde. A centralidade do comércio se encontra no fato deste ser o principal “dreno” de rendimentos internos para fora dos territórios satelitizados. E as carências nos sistemas de saúde e educação básica contribuem para ampliar este dreno, pois o cidadão não tem opção se não a de se deslocar em direção ao polo para usufruir de serviços públicos básicos via de regra tende a diluir seus custos de deslocamento aproveitando a oportunidade para usufruir das vantagens de preço e diversificação de centros comerciais maiores. Outra vantagem é que tendo o controle local sobre a educação básica (e, se possível, técnica) permite compatibilizar os sistemas educacionais com as necessidades específicas de qualificação da mão de obra local para as necessidades do território (PAIVA, 2013, p.132).

A teoria de Goldratt enxerga o sistema de priorização de investimentos com base

em gargalos da “teoria das restrições”. Esta última teoria não é mais do que a

generalização do princípio do multiplicador Keynesiano. De acordo com Keynes (e

Kalecki), sempre que a disponibilidade de recursos produtivos (que define a oferta

potencial) supera a demanda efetiva, esta última funciona como o “gargalo” do sistema.

Nestes casos, qualquer ampliação dos recursos à disposição do sistema, mesmo que sejam

de inovações poupadoras de recursos, além de inoperante, seria contra produtiva, pois

ampliaria a capacidade ociosa e desestimularia novos investimentos. O único

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“investimento” capaz de ampliar o fluxo de produto e renda é aquele que alarga a bitola

do gargalo sistêmico, localizado na demanda final. A ampliação desta última é a chave

para ampliar o fluxo global de produto e renda (PAIVA, 2013, p.149).

Ocorre que é virtualmente impossível emergirem atividades propulsivas sem

que emerjam elos à montante e à jusante cujas capacidades são desequilibradas. Em geral, os elos novos são insuficientes para o pleno atendimento das demandas dos elos centrais. Todavia pode ocorrer o oposto: se a escala mínima competitiva de alguns dos elos novos for muito elevada, eles podem apresentar uma capacidade superior aos elos centrais consolidados. Mas o que importa entender é que como regra geral, os distintos elos de uma cadeia produtiva operante em um determinado território apresentam capacidades distintas, apresentam desequilíbrios, e, portanto, apresentam gargalos. Entender e apoiar o alargamento dos gargalos é uma prioridade de interesse para o desenvolvimento do território (PAIVA, 2013, p.151).

A existência de cadeias produtivas no território não é suficiente para a consciência

de que há interesses comuns entre seus distintos elos. Normalmente acontece o contrário,

no primeiro momento a percepção dos conflitos de interesses entre fornecedores, que

afinal estão buscando ampliar seus preços e rentabilidade, e clientes, que a principio

buscam deprimir os custos e melhorar a qualidade dos insumos demandados, tende a se

sobrepor à consciência da unidade estratégica de interesses dos distintos elos. Mas a

Teoria dos Jogos ensina que a recorrência de jogos e processos de negociação tende a

fortalecer a consciência da prevalência dos interesses estratégicos, que estes sim são

comuns, sobre os conflitos imanentes às relações de cada elo com seus fornecedores e

clientes imediatos. Nestes sistemas não existe a possibilidade da cooperação e competição

andarem separados, são denominados “sistemas “coopetitivos”. Um governo, ou no nosso

caso o Núcleo (composto, por governo local, empresários, universidades e comunidade),

consciente das particularidades destes sistemas, deve trabalhar para a constituição de um

sistema de governança da(s) cadeia(s) voltado ao enfrentamento de gargalos e à promoção

de estratégias concertadas, com foco na obtenção de equilíbrios ótimos e de soluções

ganha-ganha. Com isto realizado, praticamente asseguramos os elementos necessários à

superação do “dilema de Hirschman”, que é a crônica dificuldade de priorização de

dispêndios e investimentos pelo setor público em regiões subdesenvolvidas (PAIVA,

2013, p.153).

Para terem melhores condições de desenvolvimento, os territórios devem contar

com um sistema de instituições que permitam gerar bens públicos e relações de

cooperação entre os entes do território que contribuem para o aprendizado e a inovação.

A ideia é que o Núcleo Casa Verde desempenhe este papel, construindo sinergias, por

meio de um objetivo claro e comum que alavanque o território. Importante então que o

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território construa uma rede de relações envolvendo empresas, instituições de ensino e de

pesquisa, associações empresariais, sindicatos e governos locais. Com isto podem utilizar

de maneira compartilhada os recursos locais e melhorar a competitividade geral.

Em suma a política de desenvolvimento econômico local, endógena, está

associada a uma estratégia de baixo para cima, onde os atores locais têm papel

preponderante na definição, controle e implementação. Nossa ideia no Núcleo é utilizar

formas de organização em rede, para construir uma sinergia, pois isto permite ao território

conhecer e entender a dinâmica do sistema produtivo local e suas instituições, podendo

alinhar iniciativas e executar ações que compõe a estratégia de desenvolvimento do

território. Acreditamos que se estas estratégias forem executadas com foco em prover

também melhores condições de vida à população local, por meio de oportunidades de

maior valor agregado, contribuiremos para um território gerido de forma sustentável

(VÁZQUEZ BARQUEIRO, 2002).

A plena superação do “dilema de Hirschman”, contudo, envolve um último

passo. Este passo não escapa a arguta análise de Goldratt, mas encontra seu pleno desenvolvimento em um trabalho de pesquisa do final dos anos 50. Estamos nos referindo a The Theory of the Growt of the Firm, de Edith Penrose (1959). Neste trabalho, Penrose procura demonstrar que, ao contrário do que supõe o senso comum Ricardiano, os processo inovativos mais bem-sucedidos não estão associados nem a revoluções técnico-científicas nem a investimentos em novos equipamentos. A típica inovação Schumpeteriana está associada ao aproveitamento criativo e inusual de recursos disponíveis que se encontram parcialmente ociosos ou são utilizados de forma subótima, nos sistemas produtivos convencionais (PAIVA, 2013, p.163).

Ora, todo o sistema encadeado tem gargalos. E todo o sistema que tem gargalos,

tem sobras. A outra face do gargalo é a redundância relativa, em maior ou menor grau, de

recursos e equipamentos alocados nos “não-gargalos”, nas “bitolas largas” do sistema. O

processo inovativo mais eficaz, de maior rentabilidade por unidade de dispêndio é aquele

que dá aproveitamento econômico original a recursos cuja mobilização envolve

“dispêndio próximo de zero”. Neste ponto chegamos ao cerne do programa de

desenvolvimento regional de base endógena (PAIVA, 2013, p.173).

Como regra geral, os exogeneistas defendem que as regiões periféricas não

podem arcar com os elevados custos dos investimentos, sejam em equipamentos ou infraestrutura, e das inovações, que normalmente estão ligadas a custosas pesquisas básicas geradoras de inovações tecnológicas disruptivas, custos estes que seriam necessários à promoção do desenvolvimento de qualquer território. Já a teoria endógena procura demonstrar que o ponto de partida do desenvolvimento regional não pressupõe necessariamente investimentos pesados, podendo se basear no aproveitamento dos recursos do território que definem “a sua” vantagem absoluta, ou talvez vantagens (dependendo do que for encontrado). É claro que esta lógica tem

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suas limitações, todavia este ponto de partida será eficiente desde que o território alcance integrar verticalmente parcela expressiva da cadeia produtiva articulada à montante e/ou à jusante de seus elos originais. Ao longo do processo de encadeamento, surgem gargalos e redundâncias. Os investimentos efetivamente necessários à ampliação do fluxo de renda são tão somente aqueles que se dirigem ao alargamento dos gargalos. E o fluxo de renda regional, desde que o sistema produtivo se encontre sob controle dos domiciliados no território, deve ser suficiente para financiar estes investimentos indispensáveis (PAIVA, 2013, p.179).

O processo de crescimento do território, contudo, não fica restrito ao

fortalecimento dos elos fracos e alargamento dos gargalos. Os não gargalos são parte

fundamental do processo, mas a mobilização dos recursos redundantes dos não gargalos

não pressupõe investimentos pesados, pelo contrário. Os investimentos chaves estão no

centro do processo definitivo de diversificação produtiva do território, pois enquanto a

diversificação se restringir ao processo de encadeamento, integração vertical, ela não

suprime a dependência do território das vendas de um único ou de uns poucos produtos.

Mas a diversificação por integração vertical é apenas o ponto de partida

natural e mais simples, pois se volta ao atendimento de uma demanda local previamente estabelecida, da diversificação produtiva regional. A diversificação efetivamente superadora da hiper-especialização que caracteriza os momentos iniciais do desenvolvimento periférico depende do aproveitamento dos recursos subutilizados dos não-gargalos para o atendimento de outras demandas externas. Se estes momentos forem aproveitados as cadeias evoluem para sistemas em rede e se avança em direção a arranjos produtivos e sistemas produtivos locais de crescente complexidade. O desenvolvimento regional endógeno assentado em atividades X propulsivas6, cadeias regionais e arranjos produtivos locais são momentos distintos de um único processo. Esta relação só não é auto-evidente porque inúmeros processos ficam truncados pela especialização do território em atividades X propulsivas de cadeia curta. E em sistemas de cadeia curta, nem emergem gargalos, capazes de articular o esforço coletivo em prol de sua superação, nem emergem equipamentos redundantes em não-gargalos, que são as bases “naturais” da diversificação horizontal e da constituição de arranjos produtivos locais (PAIVA, 2013, p.155).

O sistema padrão de classificação de atividades econômicas é o setorial. No

entanto, este sistema de classificação não leva em consideração quaisquer informações

sobre as cadeias produtivas. E vejam que isto não é gratuito pois, como regra geral, as

empresas surgem para atender determinadas demandas, porém sua base tecnológica e

produtiva permite o atendimento de outras e diversas demandas. E é justamente a

diversificação das relações de fornecimento a base da inovação para Penrose. E, como

6 Há três tipos de cadeias propulsivas: as exportadoras (X Propulsivas), as baseadas em transferências governamentais (G Propulsivas) e as baseadas na oferta de serviços a agentes não domiciliados (TrS Propulsivas)

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tal, é a base do crescimento do lucro e do crescimento da firma. Assim, o correto seria

criar e manter uma classificação das empresas por suas relações de clientela. No entanto,

enquanto a classificação setorial envolve tão somente o resgate dos dados

disponibilizados no processo de concessão do alvará de funcionamento da empresa, a

classificação proposta envolve uma nova e custosa pesquisa, marcada pela

transitoriedade, uma vez que inovação e o crescimento da empresa pressupõem a

diversificação crescente dos laços de clientela e do número de cadeias das quais a empresa

participa (PAIVA, 2013, p.156).

O desenvolvimento econômico de forma sustentável e endógena pressupõe que

possamos transformar a sinergia potencial, que já existe no território, em sinergia real, o

que fará a produtividade de todos os agentes do território crescerem. Um objetivo comum

acordado é fundamental para manter a tendência de sinergia do território.

1.4 – A Melhoria de Produtividade e o Crescimento com Igualdade

Usando o modelo de centros de pesquisa profissional, o projeto aqui proposto

busca concretizar o sistema de inovação no território por meio da criação de uma agência

de desenvolvimento, inovação e um coworking, para trazer fisicamente ao território um

ponto de encontro de todos os entes locais, empresas, ONGs, universidades, poder

público, sociedade organizada e o público em geral, com suas demandas de melhorias e

ou inovação, o qual chamamos de Núcleo Casa Verde.

Para as empresas do território, os riscos do projeto são o impacto da destruição

das tecnologias antigas, o que demanda o retreinamento dos trabalhadores e o

reequipamento das firmas, processo este muitas vezes difícil e oneroso, mas como vimos

na seção anterior, há opções. Os perdedores no processo de inovação são os trabalhadores

que não conseguem se retreinar e as firmas que não conseguem se reequipar.

Queremos com o projeto reverter o quadro do Brasil ter um maior número de

pesquisadores alocados na universidade e não nas empresas, além de serem

predominantemente públicos os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Observa-se que o volume alto de patentes depositadas por ICTs (Institutos de Ciência e

Tecnologia) não se reflete no incremento dos indicadores de transferência de tecnologia

e na inovação propriamente dita. As atividades de transferência de tecnologia, as quais

resultam em licenciamentos e geração de novos negócios, permanecem como um desafio

Page 58: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

59

para a atuação dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) brasileiros, talvez até pela

pouca maturidade da maioria deles. Torkomian et al (2016) argumentam, todavia, que,

embora o foco de muitos dos NITs brasileiros seja proteger tecnologia ao invés de

transferi-la para a empresa, há uma quantidade significativa de instituições engajadas em

transferência de tecnologia que já apresentam importantes resultados dessa atividade.

A tecnologia muda não só a estrutura produtiva como a sociedade e as instituições.

Por isto um estudo claro de cada subdistrito do bairro da Casa Verde será fundamental.

Quando estivermos promovendo a inovação tecnológica no território, temos que levar em

consideração as instituições, os estágios dos vários negócios e a cultura sócio-

institucional local para que os impactos positivos sejam maiores que os possíveis

problemas a serem criados com a evolução do território. Além disso, há de se priorizar as

necessidades específicas de cada subdistrito. Por exemplo, colocar semáforos inteligentes

onde não há esgoto não resolve as principais necessidades daquela sub-comunidade.

Todo o processo que se busca desenvolver no território da Casa Verde tem como

foco a melhoria de qualidade de vida na visão dos moradores e população flutuante do

bairro. O primeiro desafio será justamente entender este território nas esferas técnico-

econômica e sócio-institucional para identificar qual a governança a ser constituída e

gerar uma visão compartilhada de todos os interessados.

Há um papel decisivo do crédito na difusão da inovação radical, e o capital

“ocioso”, financeiro, que é capaz de assumir grandes riscos, pode ser parceiro destas

iniciativas. Havendo no território, ou fora dele, a falta de oportunidades rentáveis na

velha tecnologia pode levar o capital a financiar projetos de novas trajetórias de inovação,

assumindo mais riscos, desde que tenhamos no Núcleo Casa Verde área que consiga

conectar as pontas, da necessidade de mercado, dos empresários interessados em atender

a demanda, a tecnologia disponível ou passível de desenvolvimento, juntamente com os

detentores de capital com apetite pelo risco inovativo.

O fundamental para que o projeto funcione é que possamos utilizar o modelo de

Hélice Tríplice (HT), que é composto pelo governo, universidade e empresas. Ter as

universidades desempenhando papel central, por vezes ligadas a institutos, no Brasil

como a Embrapa, na Alemanha como as Fraunhofer, é um dos modelos que mais têm

facilitado a inovação. No território, o que pretendemos é imolar as melhores práticas

destes e de outros institutos do Brasil e do mundo para tornar nosso projeto Núcleo Casa

Verde um piloto de qualidade de desenho e execução (CARLOTA PEREZ, 2002).

A atual era das TICs (as Tecnologias de Informação e Comunicação) tem

favorecido a participação das pequenas empresas. Todavia o P&D profissional é

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60

fortemente concentrado nas firmas grandes. Por exemplo, nos EUA a esmagadora maioria

do P&D está concentrado nas empresas com mais de 5000 funcionários. Logo, sem um

apoio de uma política local de inovação imitando os P&D das grandes empresas, há pouca

possibilidade agregada de grandes saltos do território.

Se trouxermos as vantagens das empresas menores no processo de inovação

(motivação, menores custos, flexibilidade, rapidez da tomada de decisão) para dentro de

uma estrutura compartilhada de inovação, diminui-se as desvantagens, como dificuldade

de acesso a financiamento, dificuldade de lidar com a regulação e falta de capacidade

administrativa especializada. Desta forma, poderemos ter um impacto sistêmico de

inovação no território.

No território encontraremos várias realidades, logo não poderemos desconsiderar

as mudanças incrementais como se fossem fenômenos de pouca importância, pois são

muitas vezes as inovações menores que definem as trajetórias produtivas das inovações

radicais. Ainda, as inovações incrementais servem de acumulação de conhecimento,

antecedendo inovações radicais, ou servem de mecanismo de difusão das inovações

radicais.

O processo de aprendizagem é praticamente indissociável das mudanças

incrementais. O aprendizado está escrito ou evidenciado em rotinas (codificadas ou

tácitas) que, a rigor, definem a própria firma. As firmas são organizações que aprendem

e inscrevem esse aprendizado em rotinas e os codificam.

Existe uma co-evolução das tecnologias e das instituições. O avanço tecnológico

depende da mudança institucional. Logo é importante a existência de instituições

favoráveis à tecnologia em questão. Além disso é necessária uma instituição com

tecnologia física e social (dimensão coletiva) que acorde e coordene as iniciativas

inovadoras (NELSON 1994), que será justamente o papel do Núcleo Casa Verde na

coordenação dos agentes econômicos e na construção de sinergia estratégica.

Fator decisivo na política de desenvolvimento sustentável do território será como

pretendemos lidar com a propriedade desta inovação, qual a forma de compartilhar, quais

as contrapartidas que serão solicitadas, as empresas ou organizações que terão acesso a

ela. Duas estratégias semelhantes para permitir que uma empresa tenha acesso à

tecnologia e ou contratos dos governos (no nosso caso compras governamentais

regionais), uma em Portland (2017) outra no Japão (STIGLITZ, 1996), foi exigir que a

empresa em questão apresente uma diferença máxima de dez vezes entre o menor e o

maior salário na sua organização. Isto força uma distribuição de renda e uma diminuição

da desigualdade no território.

Page 60: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

61

Em suma, parece claro que para construir o desenvolvimento sustentável local

não podemos prescindir de uma boa coordenação e, dentre as várias políticas, a utilização

da melhor maneira das parcerias com os órgãos de estado, a criação de projetos que

permitam a estabilidade do funding e a utilização da flexibilidade institucional que o

Núcleo Casa Verde pretende incorporar.

Parece claro que uma iniciativa como a do Núcleo Casa Verde está em

consonância com a teoria que fundamenta a inovação nos seus aspectos chave e que foi

utilizada por muitos países como ferramenta de desenvolvimentos sustentável e

distribuição mais equânime dos benefícios à população como um todo.

Para isto precisaremos combater uma questão institucional que dificulta a

inovação e a conexão dos centros de pesquisa e universidades às empresas, que é a

obsessão pelos detalhes e pela forma pela qual as coisas devem ser feitas com o dinheiro

público, regulando tão rigidamente o processo e todos os inputs de forma a ignorar os

resultados (OSBORNE, 1992, p.14).

Como dissemos anteriormente, as melhorias de produtividade devem levar em

conta as questões das cadeias produtivas e seus gargalos, para que possamos acompanhar,

projetar e planejar a dinâmica econômica do território. A regionalização pertinente será a

que resgata e diferencia as determinações da dinâmica econômica regional, que são:

1) o número, a distribuição espacial e a taxa de crescimento das atividades

propulsivas em um dado território;

2) o padrão de distribuição, absorção local e destinação da renda do território;

3) as características técnicas das atividades e cadeias produtivas que

impulsionam (ou circunscrevem) o adensamento e complexificação das

cadeias propulsivas regionais e sua transformação (ou não) em Arranjos

Produtivos Locais; e

4) a capacidade das lideranças empresariais e dos trabalhadores que atuam nas

atividades (e/ou cadeias; e/ou APLs) propulsivas e multiplicativas de

reconhecerem os desafios interpostos ao desenvolvimento do território e

articularem os instrumentos necessários à superação dos mesmos.

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62

A importância da participação cívica para crescer e distribuir os ganhos

Em um projeto como o do Núcleo Casa Verde, conforme descrito anteriormente,

é central que haja a distribuição de renda no território como forma de manter a

sustentabilidade e o desenvolvimento do território, e não simplesmente manter a roda da

economia girando. A distribuição de renda permite manter um ambiente onde as pessoas

percebam o resultado do esforço de organização necessário feito até então para melhorar

o bairro. É fundamental que o resultado não se concentre no território em meia dúzia de

privilegiados, pois do contrário a sinergia sistêmica pode desaparecer antes de colher

todos os frutos do projeto.

Como investigado empiricamente, por Putnam (2006), o êxito de um governo

democrático depende de quão próximo seu meio se acha do ideal de uma “comunidade

cívica”, na qual a cidadania se caracteriza primeiramente pela participação nos negócios

públicos e implica em direitos e deveres iguais para todos. Esta comunidade se mantém

unida por relações horizontais de reciprocidade e cooperação, e não por relações verticais

de autoridade e dependência. Logo associações locais têm mais chance de progredir,

sendo fundamental agir fora do interesse do núcleo familiar para desenvolver o território.

Há governos regionais mais eficientes simplesmente porque neles há maior participação

cívica. A ligação entre comunidade cívica e desenvolvimento econômico é em si mesma

interessante e importante para a construção de um projeto coletivo no território

(PUTNAM, 2006, l. 2751-2752).

O bem-estar social como fim e o econômico como meio

Para se melhorar o balanço sistêmico, como Celso Furtado já chamou de

“rentabilidade social”, devemos ter claro que “se só medimos a produção podemos ser

levados a achar que o progresso é privado e o setor público um ônus. Quando avaliamos

de maneira sistêmica os resultados para a sociedade no seu conjunto, podemos ter uma

visão inteligente do progresso real obtido. (...) A construção de sistemas mais realistas de

avaliação do nosso progresso econômico e social vem corrigir uma deficiência estrutural

da ciência econômica.” (DOWBOR, 2000)

Uma busca interessante, que têm sido preocupação de pesquisadores, é um novo

sistema mais próximo dos sistemas naturais, onde “todos os resíduos alimentam outros

sistemas” conforme fala Buckminster Fuller (SENGE, 2007, p.8). Buscamos com isto o

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Progresso Social, que segundo a organização Social Progress Imperative (SPI) “é a

capacidade de uma sociedade em satisfazer as necessidades humanas básicas dos seus

cidadãos; estabelecer os elementos essenciais que permitam às pessoas e às comunidades

melhorar e manter sua qualidade de vida; e criar as condições para que todos os indivíduos

atinjam pleno potencial”.

Para se perceber que a visão da comunidade é fundamental para uma mudança

trazemos o exemplo de Detroit, EUA, que para a viabilização de seu projeto de longo

prazo de criação da visão de Detroit Future City (DFC) de amplo e multifacetado espaço,

foram necessárias abordagens inovadoras para enfrentar os desafios de propriedade e

financiamento, dada a escala do espaço aberto previsto e as restrições fiscais da cidade.

Esses desafios não deviam impedir que as partes interessadas da cidade buscassem

ardentemente uma rede de espaço aberto robusta e integrada que apoie a estabilização e

o crescimento da cidade, oferecendo oportunidades de geração de receita e melhora da

qualidade de vida, saúde e ecologia da cidade. O relatório criado pela comunidade e

técnicos contratados e da prefeitura, forneceu uma visão geral de diversos modelos de

propriedade e mecanismos de financiamento para a reutilização de espaços abertos em

larga escala e de longo prazo que podem informar a DFC e outros líderes de Detroit ao

embarcarem em um abrangente processo de planejamento de espaço aberto. Afinal a

cidade tinha literalmente quebrado e sua população despencou nos últimos anos, era

fundamental reconverter bairros inteiros semiabandonados em espaços que construiriam

o futuro almejado por Detroit.

Assim, podemos desde olhar as carências locais e trabalharmos com os recursos

subutilizados no território, até definirmos uma base de produtos e serviços que

“exportamos” para outros territórios ou cidades, onde a economia passará por um

processo de diversificação por meio da internalização de atividades voltadas ao

atendimento das demandas de consumo da população local que será tão maior quanto

melhor distribuída for a renda e a riqueza no território . Fica cada vez mais claro que o

processo comporta opções e decisões políticas e estratégicas endógenas que podem

impactar a todos no território, e que a participação das decisões de forma clara e

transparente podem fazer toda a diferença para uma distribuição mais equânime da renda

e dos resultados da estratégia (PAIVA, 2013, p.45).

A conclusão do modelo é que, mesmo se a especialização inicial circunscrever a

integração vertical da cadeia produtiva e a emergência de novos produtos de

“exportação”, desde que a segunda etapa, diversificação de consumo, tenha sido levada

suficientemente longe, a região contará com recursos financeiros e humanos suficientes

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para planejar e administrar a diversificação de sua pauta exportadora a partir da

identificação de alternativas com maior potencial propulsivo de longo prazo (PAIVA,

2013, p.45).

No livro Chinas Economy, fica claro como a descentralização e agregação de

valor no conjunto gerou o equilíbrio, que conseguiu construir políticas juntando o setor

público, os interesses empresariais privados e os grupos internacionais, que em última

instância assegurou o sucesso do conjunto. Formou-se uma arquitetura diferente de poder

e de gestão, aparentemente mais equilibrada do que as nossas economias ocidentais, que

nas últimas décadas têm pendido a um único lado da balança, sem gerar benefícios

igualmente distribuídos, muito pelo contrário.

O autor Kroeber faz prova de um bom senso impressionante: “Em qualquer país

os verdadeiros inimigos na luta por uma prosperidade de base ampla não são os

competidores internacionais, mas elites domésticas que batalham constantemente para

preservar os seus próprios privilégios às custas de todos os outros. Inovação, educação,

abertura e um Estado redistributivo constituem armas confiáveis nesta batalha.”

No projeto Núcleo Casa Verde, planeja-se aumentar a renda a partir de um choque

de produtividade nas empresas que, com melhoras contínuas, localização das cadeias

produtivas do território e o trabalho em seus gargalos, como amplamente explicado nas

seções anteriores. Para isto será necessária mão de obra mais treinada, que virá das

parcerias com escolas e universidades, promovendo um crescimento do salário médio do

território, pois suas empresas terão produtos, serviços e processos que agreguem mais

valor.

Além disso, as políticas que garantem a alfabetização universal aumentam a

produtividade e promovem maior igualdade. Outra ênfase na educação feminina e na

implementação de ações para um emprego mais próximo e em volume adequado pode

levar à redução da natalidade, mitigando assim os efeitos adversos da pressão

populacional sentida em tantos países em desenvolvimento e aumentando diretamente a

oferta de mão-de-obra qualificada.

Neste primeiro capítulo procuramos mostrar como a economia funciona, o peso e

a importância do investimento para o desenvolvimento econômico, se praticado com um

olhar mais sistêmico. Mostramos como o foco no desenvolvimento endógeno, buscando

a cooperação e a criação de uma rede integrada de instituições e empresas no território,

pode aumentar o valor de produtos e serviços produzidos localmente. Para isto, como

demonstramos, é fundamental a criação de uma institucionalidade com uma construção

de uma visão comum aos entes do território dos caminhos para melhorar a vida neste

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65

bairro, para a qual a tecnologia de comunicação e de indentificação das demandas locais

será de grande auxílio. Nosso objetivo no Núcleo Casa Verde é utilizar estas melhores

práticas para fomentar no território um desenvolvimento sustentável com foco no desenho

de bairro e tipo de vida que nossa população quer viver, usar o Núcleo como um ponto

de encontro do território, para propor e desenhar caminhos, disseminar inovação e

compartilhar capacidade instalada e conhecimento, pertinente a cada empresa, instituição

ou mesmo subdistrito do bairro, encontrando fontes de financiamentos viáveis para se

construir um desenvolvimento feito de forma compartilhada, unindo os saberes do

território em um projeto que melhore a vida de todos.

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Cap. 2 – EXPERIÊNCIAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE

ARTICULAÇÃO NO TERRITÓRIO

Neste capítulo vamos tratar de várias experiências que se utilizaram de teorias

como as descritas no capítulo um e foram bem sucedidas, no todo ou em partes, nas suas

ações de criar territórios melhores para suas populações.

Nesta análise, pensamos o desenvolvimento de forma holística, considerando

todos os aspectos relacionados à qualidade de vida, buscando o aumento das

possibilidades de escolhas das pessoas e o enriquecimento de suas vidas, em todos os

aspectos, econômicos, políticos, ou culturais, mas vistos a partir de suas perspectivas

(HAQ, 1995).

Como diz Haq (1995), os quatro principais componentes para o entendimento do

desenvolvimento humano são 1) a equidade, não em termos de renda, mas em relação às

oportunidades e possibilidades para que os indivíduos realizem seus objetivos e

potenciais; 2) a sustentabilidade, não relacionada exclusivamente à questão ambiental,

mas em termos de proporcionar que as gerações futuras tenham suas oportunidades

garantidas; 3) a produtividade, para possibilitar um ambiente macroeconômico que

desenvolva negócios prósperos e permita que as pessoas alcancem seu potencial máximo;

4) e o empoderamento, para promover um processo participativo político que faça com

que os indivíduos tenham um papel ativo na definição de questões que impactam

profundamente suas vidas (HAQ, 1995).

Ignacy Sachs também apresenta os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, as

nações metropolitanas e as periféricas. Segundo ele, o desenvolvimento traz consigo a

promessa da modernidade inclusiva propiciada por uma mudança estrutural. E que no

contexto histórico em que surgiu, a ideia de desenvolvimento implica a expiação e a

reparação de desigualdades passadas, criando uma conexão capaz de preencher o abismo

civilizatório entre as antigas nações metropolitanas e a sua antiga periferia colonial, entre

as minorias ricas modernizadas e a maioria ainda atrasada e exausta dos trabalhadores

pobres. [...] Igualdade, equidade e solidariedade estão, por assim dizer, embutidas no

conceito de desenvolvimento, com consequências de longo alcance para que o

pensamento econômico sobre o desenvolvimento se diferencie do economicismo redutor

(SACHS, 2004, p. 13-4).

Na busca de materializar experiências que promoveram as ideias levantadas

acima, buscamos neste capítulo localizar quais foram as estratégias de países e regiões

para conseguir seu desenvolvimento sustentável.

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2.1 – Modelos de Instituições, Experiências Internacionais de Desenvolvimento

Aqui vamos descrever experiências de cidades europeias como Copenhagen,

Londres, Hamburgo, Amsterdã e Barcelona (CONTI, 2017), americanas (Portland e

Detroit) e também as asiáticas (Singapura e Seul).

Para se entender as experiências sobre desenvolvimento das cidades e/ou

territórios, temos que nos debruçar sobre diversas ações e acordos que são discutidos e

constituídos todos os dias, na expectativa desta civilização desenvolver modelos de

governança capazes de mitigar os efeitos negativos das questões sociais, econômicas,

ambientais e culturais que atuam sobre o território (PACHECOA, VASCONCELOS e

SANTOS, 2014; GUPTA, 2016). Portanto, a nova agenda do desenvolvimento

sustentável coloca a governança como um elemento chave para a resolução de problemas

complexos, dada a sua capacidade institucional para a articulação de interesses, o

engajamento de diferentes stakeholders e a maximização de resultados positivos,

tornando-se importante instrumento para uma gestão mais transparente, inovadora e

democrática (CONTI, 2017).

Cidades europeias

A partir da teoria e de dados empíricos, Conti (2017) mostra que os diferentes

sistemas de governança impactam diretamente nos resultados das organizações, no nível

de comprometimento para o atingimento de seus objetivos e na eficácia das estratégias de

sustentabilidade, fortalecendo a ideia de que quanto mais colaborativo, participativo e

profissional for o sistema de governança de uma cidade ou território, melhores serão os

seus resultados para o desenvolvimento sustentável (HAWKINS e WANG, 2011).

Os princípios balizadores de uma boa governança trazem aspectos de equilíbrio

de poder, consenso, confiança e transparência, os quais podem se dar em diferentes níveis:

local, regional, nacional ou global (BARROS- PLATIAU, VARELLA e SCHLEICHER,

2004; GONÇALVES, 2006). A conexão entre os temas de governança colaborativa e de sustentabilidade

se transcreve nas palavras dos professores Heinrichs e Laws (2014, p. 2626), do Instituto de Governança e Sustentabilidade da Leuphana Universität Lüneburg na Alemanha, ao argumentarem que o “desenvolvimento sustentável pode ser descrito como uma tarefa coletiva” e que esse tema pode ser visto como um "guarda-chuva",

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o qual cobre diferentes áreas de conhecimentos e significados. Isso indica que a sustentabilidade de uma cidade, seja econômica, social, ambiental ou cultural, deve ser construída por meio da cooperação e colaboração (CONTI,2017).

Estamos focando na lógica de Cidades para pessoas, do arquiteto dinamarquês

Jan Gehl (2013). No livro, o autor traz uma perspectiva de como converter o caos urbano

em uma cidade mais humana e saudável para se viver. Queremos olhar a experiência

europeia à luz de modelos de governança que fossem capazes de tornar as cidades mais

justas e sustentáveis, por meio da criação de ferramentas e instrumentos que promovam

a melhoria da qualidade de vida e um desenvolvimento local participativo, equilibrado,

ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo, garantindo um

padrão de crescimento harmônico que suporte a vida agora e no futuro (FLINT e RACO,

2012).

O desenvolvimento sustentável das cidades passa também pela criação de cidades

e bairros mais compactos, uma vez que o adensamento das áreas urbanas pode oferecer a

um número maior de cidadãos a infraestrutura e os serviços públicos necessários para

viver, reduzindo as distâncias e ampliando o acesso aos equipamentos públicos de um

determinado território (WOLSINK, 2016).

O desenvolvimento de uma cidade sustentável requer a construção de

compromissos de longo prazo com foco nos seus cidadãos, a elaboração de planos estratégicos que passam pelo estabelecimento de ações sistêmicas e, também, o desenvolvimento de modelos articulados por sistemas de governança participativa. Isso dá qualidade à gestão pública e otimiza a utilização de recursos. Ao mesmo tempo, as cidades devem fazer um resgate ao passado para reencontrar os seus propósitos de existência, se tornando novamente o grande ponto de encontro das pessoas (CONTI, 2017).

O autor (CONTI, 2017) fez extensa pesquisa de campo analisando cidades

europeias como Copenhagen, Londres, Hamburgo, Amsterdã e Barcelona, com o foco de

ver seus resultados à luz da governança colaborativa, seus instrumentos e mecanismos e

o que leva à boa governança. Também é fruto da pesquisa os papeis da liderança do agente

público, os arranjos e aspectos institucionais, a estrutura profissional, mecanismos de

interação, as políticas públicas sustentáveis, capacidade de colaboração.

Conti em sua conclusão traz uma interessante figura de linguagem, dizendo que

“pode-se dizer que a cidade é o hardware e os atores sociais o software”, querendo com

isto mostrar que os valores e a consciência dos indivíduos que compõe um território, no

caso dele cidades, influenciam diretamente no desenvolvimento. Reputa ele na sua

pesquisa que a relação é contínua, quando um “indivíduo evolui, a cidade também

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evolui”, dá peso na participação, que todavia vem da cultura local, diferente em várias

das cidades pesquisadas. Tanto a teoria quanto os entrevistados colocaram os indivíduos

como o coração de uma cidade, levando a entender que a cidade se desenvolve a partir

dos valores e ideias das pessoas. Assim, os indivíduos são decisivos em uma cidade,

devendo estar presentes definindo caminhos e planos de ação.

Na cidade de Copenhague, o autor faz luz a uma entrevista na qual enalteceu que

a cidade estava trabalhando ‘a próxima prática’, rompendo com o paradigma das ‘boas

práticas’, trazendo para o território o protagonismo de criar seu próprio futuro, definindo

tendências e construindo ações e projetos inovadores. Ele enfatizou o papel da gestão

pública, que deve abandonar as estruturas tradicionais e inovar, junto com a população,

sendo mais audaciosos nas suas práticas para poder atender a busca genuína das cidades

que deve ser os cidadãos, que são o coração dos processos de construção de políticas

públicas.

A pesquisa europeia alerta que, independentemente da evolução tecnológica de

hoje, é fundamental para a governança que sejam utilizadas plataformas digitais e

mecanismos presenciais, para que não se perca diversas pessoas e para aumentar o

processo de participação. Outro fator importante é que as ferramentas presenciais dão

mais força ao estabelecimento de compromissos de longo prazo, feitos face a face,

permitindo a percepção de variáveis subjetivas e o estabelecimento de confiança entre as

pessoas, aumentando o engajamento e o compromisso com as causas coletivas, que de

outra forma poderiam ser relegadas a segundo plano.

Finalmente, os resultados demonstraram que a sustentabilidade depende da

formação de redes, que são compostas por diferentes indivíduos e ou diversas

organizações da sociedade civil, do mercado e do governo, com foco em colaborar para

que se encontre soluções e se construa de forma coletiva os planos de longo prazo. Estes

planos de longo prazo devem ser construídos a partir de uma metodologia fundamentada

em princípios de uma governança colaborativa, pois ajudaria na construção de cenários,

construindo objetivos coletivos para o futuro.

Nas cidades europeias se percebe claramente que muitos dos problemas que

afligem aos sulamericanos e norte americanos estão melhor equacionados, por uma

distribuição de renda mais equitativa, um estado de bem-estar social de maiores

proporções, ou simplesmente não são os prioritários para eles, ao menos não aparecem

como foco dos entrevistados, seja governo ou cidadãos. Mas o projeto com foco no Brasil,

em especial na Casa Verde, terá que lidar com problemas sérios de diferença de renda e

acesso a bens públicos, além do sub emprego e lacunas de formação e de estado da técnica

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muito maiores que os europeus. Teremos ainda que construir uma participação coletiva

com agentes muito diferentes e ajustar uma agenda e visão comum, para que possamos

construir um futuro melhor na visão de todos.

Cidades americanas – Portland e Detroit

Enquanto a experiência europeia no processo de desenvolvimento teve foco na

organização, os exemplos americanos apresentados a seguir (Portland e Detroit) focaram

prioritariamente na mudança da infraestrutura, visão compartilhada e emprego nos

territórios, enquanto na Ásia, no exemplo de Singapura, uma forte coleta de opiniões e

projetos feitas por um aplicativo e com debates presenciais melhorou o foco nas pessoas

dentro do território.

A cidade de Portland, no ano de 2013, tomou uma decisão de se reorganizar, pois

como eles mesmos dizem em seu site sobre o projeto “grandes cidades não acontecem

por acidente”. O conselho da cidade aprovou por unanimidade um plano para forjar um

caminho estratégico.

O Plano Portland reuniu mais de 20 parcerias com várias agências e

milhares de residentes, empresas e organizações sem fins lucrativos para criar um plano

estratégico

para tornar Portland próspera, saudável, educada e equitativa (The Portland Plan7). Ele

fornece uma estrutura para alinhar orçamentos e projetos em várias agências públicas,

orientando as políticas com vistas ao ano de 2035 e um plano de ação de cinco anos para

início dos projetos.

Portland instituiu em seu plano medidas de sucesso como: crescimento do

emprego, juventude educada, emissões de carbono reduzidas, trânsito e transporte ativo,

bacias hidrográficas saudáveis, bairros completos, negócios crescentes, pessoas

saudáveis, cidades mais seguras, satisfação dos residentes, patrimônio, inclusão e famílias

prósperas.

O Plano Portland foca em um conjunto central de prioridades: prosperidade,

educação, saúde e equidade. Este plano ajudou a cidade e as agências parceiras a trabalhar

de maneira mais inteligente e eficiente as prioridades, pressupondo que não haveria

7 The Portland Plan- http://www.portlandonline.com/portlandplan/?c=47906&

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significativamente mais recursos no futuro e que as melhores parcerias impulsionariam a

mudança. O Plano de Portland quebrou os tradicionais silos burocráticos a fim de

incentivar o trabalho coletivo. Os órgãos públicos que operam dentro de Portland gastam

quase US$ 8 bilhões anualmente em atividades relacionadas à prosperidade, educação,

saúde e equidade. Para obter mais dos orçamentos existentes, o Plano Portland enfatiza

estratégias integradas com ações que alinham esforços e investimentos, apresentam

múltiplos benefícios e melhoram a eficiência.

Outro pilar foi a construção e manutenção de uma infraestrutura cívica mais forte.

As parcerias devem ir além do alinhamento das prioridades orçamentárias. Os residentes

e empresas de Portland construiram uma infraestrutura cívica que aproveita o potencial

de seus setores privados e sem fins lucrativos, comunidades e agências governamentais.

Todos trabalham juntos para realizar as metas do Plano, concebido para ser um plano para

as pessoas, com abordagem diferente de muitos planos anteriores. Começou com um foco

nas pessoas e não no uso da terra: “como estão os moradores de Portland hoje e como

podemos melhorar suas vidas e negócios nos próximos 25 anos? De quê os residentes de

Portland e as empresas precisam? Em que tipo de lugar os Portlanders querem morar

hoje e em 2035? Então se perguntaram: Como chegamos lá?”

Por meio do alcance de cada lar e empresa de Portland, os Portlanders ajudaram

a responder a essas perguntas com mais de 20.000 comentários e ideias para o plano. A

criação do Plano de Portland desafiou muitas suposições. Depois de mais de dois anos de

pesquisa sobre a história de Portland e as condições existentes, bem como a análise das

tendências locais, nacionais e globais, criaram um plano baseado em fatos, com medidas

objetivas e metas numéricas para avaliar o progresso. Esses fatos e objetivos foram

discutidos entre milhares de Portlanders, com ajuda local e nacional, por meio de

especialistas que forneceram perspectivas adicionais.

A equipe da cidade e os parceiros procuraram as melhores ideias, desafiando a

cultura confortável de algumas agências públicas, concentrando-se em maneiras de unir

e compartilhar recursos. Em 2012 o Bureau de Panejamento e Sustentabilidade e suas

diversas agências e organizações parceiras começaram a implementar o Plano. O relatório

de progresso de 2017 mostra como as 142 ações do Plano de Portland estão avançando e

destaca novas oportunidades e prioridades para o avanço das metas da cidade. É

importante reconhecer o valor do Plano de Portland ao estabelecer claramente as

prioridades da comunidade, pois contou com a participação de mais de 15.000 pessoas no

processo de concepção. Isso ajudou a catalisar uma nova onda de ativismo e engajamento

que moldou e continuará moldando o futuro da cidade e como ela responde aos desafios.

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72

A grande pergunta dos moradores é: onde estaria a cidade sem o Plano de Portland

e as milhares de conversas com moradores individuais, empresas e grupos comunitários?

Sem o plano, a cidade não teria: estabelecido prioridades da comunidade sobre equidade,

prosperidade, saúde humana e ambiental e as métricas para medir o progresso, não teria

criado o Escritório de Equidade e Direitos Humanos e estabelecido a expressão “lente da

equidade” como parte da lógica cívica de Portland.

Portland também desenvolveu novas iniciativas como parques, planejamento da

polícia até os serviços ambientais, que abordam moradias acessíveis a todos, direitos de

locatários e deslocamento, direitos civis e inclusão, proteção ambiental, transporte,

acessibilidade e muito mais. Galvanizou as agências do governo local e os líderes de

comunidades carentes, educadores e organizações sem fins lucrativos para trabalhar fora

dos silos tradicionais para desenvolver estratégias conjuntas, promovendo prosperidade

econômica e acessibilidade para beneficiar tanto os negócios quanto as residências de

Portland. A cidade ficou mais conectada, composta por bairros completos para apoiar

uma vida mais saudável. A juventude tornou-se mais educada com uma cultura de altas

expectativas e propriedade compartilhada.

Um compromisso com o avanço da equidade foi incorporado em todas essas

estratégias. O Plano de Portland começa com uma estrutura de equidade na qual a

comunidade define a equidade e explica claramente por que isso é importante. Ele

identifica ações para o setor público liderar por meio de decisões, investimentos e

engajamento público, tendo com isto sido percebido um progresso notável nas estratégias

integradas. A estrutura de equidade tem o maior número de ações em andamento, mas

poucas foram totalmente concluídas. Isso reflete tanto a natureza complexa dos desafios,

como abordar a igualdade racial, quanto o aumento do nível de esforço que a Prefeitura

de Portland direcionou para o avanço da equidade como um valor central.

Mais da metade das ações na estratégia de educação estão concluídas ou estão no

caminho certo para um progresso significativo. Esse progresso impressionante reflete a

ampla colaboração entre os provedores de educação e outras agências públicas e

organizações comunitárias que apoiam seu trabalho. O nível impressionante de realização

das ações de “prosperidade econômica” e “cidade conectada saudável” reflete a liderança

da cidade. Como percebe-se no exemplo de Portland, o envolvimento de todos foi

fundamental, tanto para desenhar o plano, como para dar seus primeiros passos,

independentemente da evolução de cada ação.

Outro exemplo americano é encontrado em Detroit, uma cidade que já teve nos

anos 60 mais de 1.800.000 habitantes, mas que em função da crise do setor

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73

automobilístico literalmente quebrou em 2013. Para reverter o quadro da cidade foi criado

um projeto, com foco no desenvolvimento e constante mudança dos 139 quilômetros

quadrados de área da cidade e de seus mais de 672.000 residentes. Tal como acontece

com muitas cidades, Detroit tem muitos bairros em diferentes condições, enquanto que

uma cidade próspera exige que todos os seus bairros sejam bem-sucedidos.

O Detroit Future City (DFC) criou um documento claro que é apresentado

periodicamente a uma ampla gama de interessados, incluindo residentes, governo, líderes

empresariais e cívicos e filantropia. Tal documento conta a história de Detroit e suas

potencialidades, por meio dos dados disponíveis, a fim de promover constantemente o

engajamento e capacitação dos moradores de Detroit. Além disso, divulgou um plano

estratégico de cinco anos que traz uma abordagem de pesquisa de opinião, defesa e

programas para galvanizar os moradores de Detroit e as partes interessadas na

implementação contínua do Strategic Framework. A organização se concentra em três

áreas prioritárias, desenvolvimento comunitário e econômico, uso e sustentabilidade da

terra e comunicação.

Nas palavras dos cidadãos: "Como a cidade mudou rapidamente desde o

lançamento do Strategic Framework, o DFC tem servido como um recurso duradouro

para orientar a tomada de decisões", disse Anika Goss-Foster, diretora executiva da

DFC. “O plano de cinco anos do DFC coloca as recomendações em ação para nossa

organização, parceiros e várias partes interessadas para abordar as oportunidades e

desafios enfrentados por Detroit hoje, ao mesmo tempo em que constrói em direção à

meta de sustentabilidade de longo prazo para a cidade.”

As áreas prioritárias do DFC serão alcançadas ao longo de um período de cinco

anos por meio de esforços que incluem a defesa de abordagens, políticas e sistemas

inovadores; integração da participação cívica e comunitária; e a garantia da equidade

racial em todas as práticas. Cada uma das prioridades do DFC visa a alcançar objetivos

específicos, apoiados por programas robustos que começam a atender as necessidades

imediatas em Detroit, enquanto se constrói um caminho para um futuro mais sustentável

para a cidade.

A prioridade de uso da terra e sustentabilidade do DFC capacita moradores e

interessados em Detroit com ferramentas e informações para abordar questões que cercam

as terras desocupadas da cidade por meio de práticas sustentáveis. Isto está sendo

alcançado por meio de avanço do espaço aberto como um uso da terra em Detroit por

meio da mudança de políticas, parcerias público-privadas e apoio ao ecossistema das

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74

organizações não-governamentais de Detroit para reduzir os transbordamentos de águas

pluviais.

A prioridade da Comunidade e do Desenvolvimento Econômico busca promover

oportunidades de emprego e criação de riqueza para todos os moradores de Detroit em

bairros saudáveis, acessíveis e diversificados. Isto está sendo alcançado por meio do

fortalecimento do sistema de prestação de serviços para o desenvolvimento,

gerenciamento e melhoria da qualidade das propriedades de aluguel unifamiliar existentes

nos bairros de Detroit. Estas medidas estão sendo apoiadas pelo recém-desenvolvido

“Detroit Neighborhood Housing Compact”, que está organizando um grupo de partes

interessadas intersetorialmente focado no fortalecimento do mercado de moradias

unifamiliares nos bairros de Detroit.

A DFC projetou abordagens pioneiras para a reutilização adaptativa de

propriedades industriais vagas em Detroit, liderando um esforço para explorar estratégias

para a reutilização inovadora destas áreas. Trabalhando com um amplo grupo de parceiros

dos setores público e privado, o estudo busca catalisar o desenvolvimento de maneiras

que reduzam a deterioração, mitigar os riscos ambientais, criar empregos na vizinhança e

promover bairros saudáveis, seguros e sustentáveis, buscando melhorar a equidade racial

e econômica no empreendedorismo e fortalecer pequenas empresas locais e corredores

comerciais.

A fim de que os investidores de Detroit e outras partes interessadas importantes

recebam coletivamente informações atualizadas, a DFC produz regularmente publicações

e relatórios baseados em pesquisas e análises especializadas. Esta comunicação é usada

para informar continuamente os residentes e fornecer à organização as ferramentas para

defender o plano de revitalização de terras em toda a cidade. A DFC também está

comprometida com um forte envolvimento da comunidade, em um marco da fundação da

organização, que permite que todos os moradores de Detroit tenham a oportunidade de

compartilhar a recuperação da cidade.

“Quando o DFC Strategic Framework foi lançado em 2013, muitas pessoas

estavam animadas para usar suas ideias para resolver os desafios de longa data de

Detroit. Cinco anos depois, como organização sem fins lucrativos, a DFC está trazendo

recursos para os bairros para transformar essas ideias em ações por residentes e partes

interessadas”, disse Laura Trudeau, presidente do conselho de diretores da DFC.

O Strategic Framework foi desenvolvido com a contribuição de mais de 100.000

pessoas. Logo após seu lançamento em 2013, o DFC foi lançado como iniciativa para

defender a visão de 50 anos de Detroit. Em 2016, a organização tornou-se oficialmente

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75

sem fins lucrativos, solidificando seu papel em impactar o futuro de Detroit. Nos últimos

dois anos, ao desenvolver o plano quinquenal, a DFC tem sido notada por seus programas

e relatórios impactantes, que foram indicadores iniciais da nova direção da organização.

Todas essas experiências foram analisadas a fim de inspirar a concepção do

projeto Núcleo Casa Verde e para serem melhoradas à luz das informações que serão

obtidas acerca das opiniões dos entes do território e do seu atual e futuro potencial

econômico.

Democracia direta, a lição de Roma e Barcelona

Uma questão provoca a comunidade de Roma: a democracia web representa uma

saída à crise de participação política dos cidadãos? Esta questão levanta muita polêmica,

simbolizada pela prefeita de Roma Virginia Raggi e a secretária municipal Flavia

Marzano quando apresentaram a proposta de alteração do estatuto comunal de Roma

introduzindo instrumentos de democracia direta, assim definidos por elas, tais como

petições online, orçamento participativo e referendo sem quórum.

Imediatamente houve quem apontou que não haveria nada de novo sob o sol, visto

que as petições e referendos são instrumentos de participação popular previstos também

pela Constituição. Danilo Toninelli, o deputado do Movimento Cinco Estrelas e adjunto

da Comissão dos Assuntos Constitucionais, respondeu usando o espaço do programa

“Tutta lá città ne parla” na Radio 3 (Roma) que há 70 anos estão pendentes as regras e

leis que regulamentariam os princípios relativos à democracia direta da Carta e que os

prefeitos italianos não têm hábito de responder às petições no conselho da cidade. Roma

então, decidiu passar das palavras à ação. Roma é uma das cidades italianas, junto com

Turim, Milão e Nápoles, que tem uma ligação direta com Barcelona, a capital catalã, onde

a democracia participativa online é parte da vida quotidiana dos cidadãos.

Em Barcelona, desde junho de 2016, a economista italiana Francesca Bria é a

secretária de inovação tecnológica. Antes de ser chamada pela prefeita Ada Colau, que

dirige a cidade graças à vitória de seu movimento “Barcelona En Comu”, Bria trabalhou

em um projeto europeu gerido pelo Laboratório de Inovação Inglês, focado no estudo da

democracia digital na Europa. O projeto envolveu os piratas Alemães (partido pirata), o

Podemos, os M5s e algumas experiências de mutualismo organizadas a partir de baixo.

“O objetivo era ver como estava sendo o uso da tecnologia em outros países e como

estavam mudando os partidos políticos”, diz a economista. Esse trabalho de

Page 75: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

76

experimentação e análise sobre a construção de novas plataformas digitais tem sido o

núcleo fundante de sua atividade em Barcelona. O papel de Bria é na verdade para

coordenar e definir a estratégia digital da cidade catalã. Um caminho “natural”, após a

vitória de Colau. “Barcelona En Comu” foi ter uma experiência de governo bastante nova

e este nasce com a característica da democracia participativa, pela história da própria

prefeita que é oriunda de movimentos populares. A participação dos cidadãos nas

políticas públicas é uma das pedras angulares desta experiência de governo”. A aplicação

da democracia digital,  explica ela, passa pelas políticas de moradia, do direito à habitação,

ao planejamento urbano e orçamento participativo.

“Nós também temos um “Pam”, um documento de planejamento para esta

administração e que foi escrito com a participação de 30 mil cidadãos, ativos tanto online

como offline, por meio de assembleias de bairro e consultas mais ou menos tradicionais”,

continua Francesca Bria, que explica também como funciona o portal Decidim

Barcelona8 por meio do qual os cidadãos estão criando propostas para “implementar os

nossos projetos.”

Mas porque a parte tecnológica é tão importante? “É como se tivéssemos co-

criado uma oficina de políticas públicas. E fazemos isso com uma tecnologia muito

intuitiva, porque o nosso aplicativo também está no celular. E então nós trabalhamos

muito na análise de dados, e para explicar aos cidadãos o problema a resolver, também

usamos infográficos e colocamos os dados abertos a disposição”. Porque, explica

Francesca Bria, “não é apenas uma experiência mecânica, não se trata de dar um clique

ou um ‘like’, para que se possa falar de democracia participativa.” Convém, no entanto,

que o conhecimento do problema seja disseminado, que os cidadãos sejam informados,

que os problemas a resolver sejam discutidos, exibidos com todos os dados disponíveis:

“Comparado com a participação automática em mídias sociais ou em relação às notícias

consumidas rapidamente, estamos trabalhando no sentido da participação dos cidadãos e

também a respeito das necessidades de seus próprios bairros”. Também porque a

democracia web por si só não tem nenhum efeito, “Há uma interação contínua entre a

participação na plataforma digital e na assembléia dos bairros”, explica a economista.

A transparência do governo, um objetivo tão difícil de alcançar na Itália, dado o

fracasso do FOIA (Freedom of Information Act) depois de 4 meses da sua entrada em

vigor, em Barcelona parece agora ter se tornado realidade. “Todos os dados são passíveis

de verificação, há um feedback contínuo mesmo com os profissionais de jornalismo de

8 https://www.decidim.barcelona

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77

dados. E, por outro lado, dado que tanto Barcelona En Comu, como Podemos chegaram

ao poder também por meio de uma crítica à casta e à corrupção institucional, abrimos

todos os dados, inclusive os nossos próprios”, ri Bria. Não só isso: é possível

também denunciar qualquer abuso de poder ou corrupção, “Nós criamos uma

infraestrutura a ‘Caixa Ética’, baseada em uma tecnologia de encriptação de dados, que

protege o anonimato e que também vem sendo usada pelo Wikileaks. Então eles

incentivam o ‘wistleblowing’ interno com proteção das fontes”. Também neste exemplo,

Barcelona é uma das cidades pioneiras na Europa. Mas quais são os possíveis riscos da

democracia web? “O problema é quando você não vê que esses processos de organização

on-line não são uma alternativa excludente para a forma de participação no território, nas

praças, por meio da discussão, do debate,” acrescenta Bria: “A rede não pode substituir

esta vivência de participação ao vivo”, como exemplificada na Figura 3. E, em seguida,

continua a secretária, não se pode resolver a questão da democracia digital de acordo com

a dicotomia da Democracia sim ou Democracia não, mas em como ela é praticada. “Além

disso, a participação digital tornou-se agora parte integrante da vida das pessoas, por isso

é normal que se faça um uso político”, sublinha. Como tem registrado sempre na

transmissão da Radio 3 Nadia Urbinati, “a web democracia é real e global e não se pode

surpreender-se tanto. A inovação tecnológica, que inventa novas estratégias e práticas

políticas de cidadania, não pode ser interrompida, no sentido de que a democracia é por

sua natureza, desde os tempos antigos, aberta à inovação para resolver os problemas da

participação.

Não se pode demonizar ou exaltar. De acordo com Francesca Bria, com a

crescente falta de confiança pública nas políticas de austeridade, “o único antídoto, a

única resposta possível ao populismo de direita que se alavanca sobre o

descontentamento, sobre a decepção e sobre o protesto, são essas formas de democracia

direta. Só desta forma, os cidadãos reassumem o protagonismo na política e se colocam

no jogo. Uma frase simboliza muito a importância do tema “A lição que vem de Espanha

é esta: ampliar os espaços da democracia, se não o que vence é o populismo de direita

“(Left n.16, de 22 de abril, 2017).

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Figura 3- Francesca Bria em pé conversando com os cidadãos de Barcelona

Fonte: Decidim Barcelona

Como um aplicativo móvel está moldando a democracia na Coreia do Sul

Seul, na Coréia do Sul, é o lar de uma das populações mais eletronicamente

conectadas e politicamente ativas do mundo. Quase 78% de todos os sul-coreanos com

idade para votar votaram nas eleições presidenciais mais recentes do país, segundo o Pew

Research Center, em comparação com os cerca de 56% dos americanos que votaram na

corrida eleitoral de 2016.

O rigor político do país, combinado com a conexão de internet mais rápida do

mundo e a maior taxa de propriedade de smartphones, parecia a receita perfeita para o

engajamento dos cidadãos. Por volta de 2013, Seul criou um aplicativo chamado mVoting,

que permite que os cidadãos se submetam e votem em propostas de políticas locais

(KASULIS, 2017).

Imagine votar em questões locais em um aplicativo que deseja ouvir sua opinião

sobre os parques públicos da cidade, rotas de ônibus e áreas designadas para fumantes.

Isso é exatamente o que o mVoting faz. Melhor ainda, é eficaz: pelo menos 181 propostas

se transformaram em políticas reais da Cidade de Seul. “É bastante singular em todo o

mundo que uma cidade passe por esses esforços para realmente observar como os serviços

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79

são prestados e pedir feedback dos cidadãos”, disse Marc Holzer, professor de

administração pública do Instituto de Serviço Público da Universidade de Suffolk.

O mVoting, que foi baixado pelo menos 100.000 vezes no Google Play, permite

aos usuários navegar por propostas de políticas locais com base na relevância geográfica

ou popularidade. Algumas das questões mais recentes do mVoting incluíam a walkability

de partes de Seul; o que as bibliotecas públicas podem fazer para melhorar a si mesmas;

e quais lições devem ser ensinadas nos programas pós-escolares. “Os cidadãos podem

participar em questões políticas contemporâneas, como rotas de ônibus, restrições à

direção quando há muita poluição do ar ou designação de áreas para não fumantes em

parques”, disse Holzer. “É realmente uma maneira de os cidadãos expressarem suas

opiniões sobre os serviços com os quais têm mais contato ou que mais afetam a eles e a

sua família”.

Os votos no mVoting não estão incluídos nas eleições “reais”. O aplicativo é

principalmente para os moradores para dar feedback ao governo da cidade em assuntos

de todos os tipos, seja trivial ou grave, desde o nome do centro de bem-estar animal local,

conhecimentos sobre as políticas de imposto predial, até a discussão de se a Coreia do

Sul deveria legalizar o casamento gay, no qual podiam debater a questão na seção de

comentários.

Em junho de 2016, mais de 1,1 milhão de usuários haviam votado no aplicativo,

de acordo com a Seoul Solution, e pelo menos 4.400 propostas e agendas de votação foram

publicadas, 88% das quais vieram de cidadãos. “Eles podem moldar os líderes eleitos e

dizer-lhes o que é provável que faça uma diferença real lá fora.” Basicamente, o mVoting

ajuda os políticos a determinarem se estão resolvendo os problemas certos.

Como dissemos, nas seções anteriores, o desenho das estratégias de engajamento

que nos parece mais promissor nestes dias fortemente marcados por algoritmos de

segmentação e polarização é aquele que vai articular, num arranjo de código aberto e de

comuns, uma arquitetura de interação crowdsource, antídoto para as bolhas e a

manipulação e que contenha recursos para interação com o poder público, com demandas

dos cidadãos e com indicadores públicos de fácil acesso e compreensão para podermos

ver, se e como estamos evoluindo (PARRA, 2017).

Page 79: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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Singapura - moldando a cidade futura

O ano de 2017 foi um ano frutífero e gratificante para a Urban Redevelopment

Authority (URA), pois continuaram a desenvolver planos para Singapura como uma

cidade altamente distinta e sustentável para as gerações futuras. Introduziram inovações

urbanas para tornar a cidade mais vibrante e conveniente para se viver. Também

ampliaram e aprofundaram parcerias com as partes interessadas para construir uma casa

mais agradável e encantadora.

Os planos de longo prazo continuam a ancorar os esforços da URA para construir

uma cidade economicamente competitiva e sustentável, com um ambiente de qualidade

que atenda às necessidades e aspirações de todos os singapurianos. Uma estratégia

fundamental foi criar centros de crescimento em toda a ilha. Esses centros ajudam a

impulsionar diferentes setores da economia e contribuem para as metas de transformação

da economia de Singapura. Eles também ajudam a trazer bons empregos para mais perto

de onde as pessoas vivem e proporcionam mais oportunidades de crescimento para as

empresas.

A URA revelou os planos principais de dois grandes centros de crescimento no

ano passado: Jurong Lake District e Punggol Digital District. Esses planos diretores de

distritos ajudaram o planejamento, de maneira mais abrangente para as empresas e para a

comunidade, e a promoção de inovações para uma maior habitabilidade. Ambos os

distritos terão espaços flexíveis e adaptáveis que atendam às necessidades de mudanças

rápidas das empresas, e serão apoiados por soluções urbanas eficientes em termos de

recursos, como transporte pneumático de resíduos, refrigeração distrital e sistemas de

logística. Haverá um bom acesso a uma ampla variedade de comodidades sociais e

espaços altamente conectados, vibrantes e ecológicos.

Continuaram a explorar usos criativos dos espaços urbanos. O lançamento do

programa LUSH 3.0 (Paisagismo para Espaços Urbanos e Altos Terrenos) literalmente

levou a vegetação a novos patamares por meio de esquemas planejados para incentivar

fazendas e jardins mais altos, ajudando a posicionar Singapura como a capital verde

vertical. A exposição “Cultivando mais com menos” foi outra plataforma útil que gerou

conscientização sobre o potencial das fazendas urbanas de alta tecnologia para aumentar

a resiliência dos alimentos e, ao mesmo tempo, liberar terras para sustentar as

necessidades futuras de desenvolvimento.

O objetivo de implantar soluções inteligentes é melhorar o ambiente de vida e a

qualidade de nossas vidas diárias. O novo aplicativo Parking.sg, por exemplo,

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81

demonstrou como a tecnologia digital pode ser aplicada para fornecer serviços públicos

inovadores que beneficiam os cidadãos de forma prática e centrada no usuário.

Figura 4- Reunião com moradores de Singapura, feitos em plena rua

Fonte: URA, 2017/2018

Desenvolveram o Programa de Voluntariado da URA para melhorar o

engajamento. O apoio dos voluntários permitiu envolver os cidadãos de forma mais eficaz

para aumentar a conscientização no panejamento da cidade e envolvê-los mais

extensivamente na definição de seus planos.

Uma grande cidade para o povo, pelo povo

O trabalho de criar uma grande cidade nunca termina e os meios desse

empreendimento evoluirão com o tempo. A única constante é que uma grande cidade

sempre será definida por seu povo, então o planejamento centrado no cidadão será o

principal ingrediente para tornar uma grande cidade e uma grande casa.

Décadas de experiências com projetos de desenvolvimento comprovam, no

entanto, que a capacidade de auto-organização local, a riqueza do capital social, a

participação cidadã e o sentimento de apropriação do processo pela comunidade são

elementos vitais em sua consolidação. O desenvolvimento não é, meramente, um

conjunto de projetos voltados ao crescimento econômico. É uma dinâmica cultural e

política que transforma a vida social. Os que deixaram de esperar, arregaçaram as mangas

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82

e já dinamizam um conjunto de atividades, partindo de novos pactos e arranjos sociais e

da mobilização dos recursos disponíveis, colhem melhores resultados. Os aportes

externos são importantes, mas devem existir como complementos a uma dinâmica que

pertence à própria sociedade local.

Do ponto de vista da comunidade local, o que se propõe é uma profunda mudança

de enfoque. Trata-se de trocar a pergunta “o que o governo pode fazer por nós?”, por

“como o governo pode apoiar o que estamos empreendendo?”. Do ponto de vista das

diversas instâncias de governo, das instituições públicas ou privadas de apoio, da própria

academia, trata-se de entender que, somando-se às iniciativas que a comunidade assimila

como suas, a produtividade dos esforços aumenta, maximizando resultados.

A produtividade sistêmica exige integração e coerência no conjunto do processo,

e não adianta assegurar formação profissional se não houver recursos para investimentos

que gerem empregos, assim como não será suficiente o investimento se não houver apoio

tecnológico (PPNADL, 2006, pag.13).

As experiências de desenvolvimento local bem estruturadas têm como

característica central o fato de se apoiarem quase sempre em parcerias. Portanto, não se trata apenas de iniciativas pontuais, mas de organizações plurais que se articulam para dinamizar uma região, envolvendo diversos atores. As parcerias permitem que modalidades distintas de iniciativas isoladas se tornem coerentes e complementares, em vez de fragmentadas e dispersas. Quando se pensa numa empresa, se pensa numa unidade de grande densidade organizacional. Não se pode imaginar uma economia que seja produtiva sem que as suas empresas o sejam. Da mesma forma como a economia se apóia num conjunto de empresas, o desenvolvimento precisa se apoiar em unidades territoriais básicas, que têm de ser administradas de forma racional e produtiva. Na realidade, os municípios constituem os blocos com os quais se constrói o país. Ainda que as instâncias superiores de gestão sejam importantes, criando grandes infraestruturas, assegurando equilíbrio macroeconômico e desenvolvendo políticas tecnológicas, todo esse empenho deve se materializar em territórios bem geridos, sendo apropriado de forma inteligente, democrática e participativa pelos atores locais (PPNADL, 2006, pag.13).

De forma geral é necessário que chegue mais apoio, e que este apoio seja menos

fragmentado e mais integrado no nível local. Precisamos assegurar, no entanto, que esse

apoio não substitua, mas fomente a apropriação local do processo de desenvolvimento.

Para isto é fundamental formar pessoas para que os recursos sejam melhor aproveitados,

buscando as soluções institucionais menos rígidas, facilitando a estruturação de

consórcios intermunicipais, de parcerias entre os diversos setores, de conselhos, foros e

agências de desenvolvimento. A Prefeitura e a Câmara de Vereadores formam apenas

parte do universo, precisamos de menos burocracia, mais instrumentos e meios, mais

flexibilidade na gestão, mais participação organizada dos atores locais, mais formação e

Page 82: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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informação, soluções que apontem para o pleno emprego e para a sustentabilidade do

processo (PPNADL, 2006 pág. 14).

Toda empresa busca alocar racionalmente os fatores de produção. Para aprender

a fazê-lo, existem os cursos de administração de empresas, que ensinam como gerir de

maneira integrada e eficiente o conjunto dos recursos disponíveis. De forma semelhante,

a unidade territorial deve aprender a otimizar o uso dos seus recursos naturais, humanos,

sociais, culturais e econômicos. E sempre de forma democrática, pois os membros da

comunidade, neste caso, são os donos do empreendimento. O desenvolvimento econômico real, inclusivo, participativo e democrático,

não é promovido só de cima, ou só de baixo, mas resulta da articulação inteligente de diversos tipos de aportes. O “circuito superior” da economia, para utilizar a categoria de Milton Santos, tende a ter os apoios necessários. A necessária recuperação de equilíbrio situa-se, hoje, na área do “circuito inferior”, que apresenta um imenso potencial não só em termos produtivos, mas também de redução das desigualdades herdadas, por meio da inclusão sócio produtiva com sustentabilidade (PPNADL, 2006, pág. 17).

O desenvolvimento do país se apoia, em última instância, na racionalidade de

gestão da rede dos mais de cinco mil municípios, onde o equilíbrio do conjunto exige

ação afirmativa dos governos federal e estaduais, mas a produtividade sistêmica depende

de todas as unidades serem geridas com um mínimo de racionalidade no plano local.

A simplificação, a transparência e a participação constituem os eixos norteadores

do novo marco institucional, pois a racionalização não se faz apenas no interior da

máquina administrativa, mas interagindo com os atores interessados no resultado final, a

participação exige a simplificação dos procedimentos, mas também informação adequada

do cidadão e dos atores locais (PPNADL, 2006, p.47).

2.2 - Como Fomentar a Inovação e o Formato das Instituições

Um pensamento que vêm a mente com constância quando se conversa com

pessoas envolvidas com inovação e suas instituições para desenvolvimento local, é que

talvez fosse mais útil não forçar o crescimento, mas remover os fatores que o limitam.

O desempenho econômico dos países e dos territórios apresenta estreita ligação

com sua capacidade de inovar e criar novos conhecimentos. Os que atingem melhor

desempenho apresentam diversos estímulos às atividades de ciência e tecnologia (C&T)

e conexão estreita com as empresas. Essa interação e troca de conhecimentos contribuem

para a geração de novos produtos, serviços e processos para o mercado, além de

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tecnologias que aumentam a produtividade e a competitividade das empresas (BRITO

CRUZ; PACHECO, 2007). O indicador de investimento em PDI (Programa de

Desenvolvimento Industrial) frente ao Produto Interno Bruto (PIB) é um importante

indicador, que exprime em grande grau o comprometimento e o potencial de inovação da

economia de um país (MORI, 2017).

De acordo com dados do Industrial Research Institute (2016), os gastos dos países

mais desenvolvidos com PDI estão acima de 2% do PIB, sendo que Finlândia, Coreia do

Sul e Japão apresentam gastos acima de 3,5%. No Brasil, os investimentos em PDI ainda

são modestos, em torno de 1,2% do PIB. Estimular o aumento desses investimentos é um

importante desafio, incluindo maior integração entre empresas e ICTs (Institutos de

Ciência e Tecnologia). Estudos que analisam os estímulos e as formas de conexão entre

mercado e ICTs apontam que em países com melhor desempenho inovador há ICTs que

assumem perfil mais empreendedor. Nas ICTs, os NITs (Núcleos de Inovação

Tecnológica) desempenham importante papel no sentido de intensificar o engajamento

da instituição com o mercado (ETZKOWITZ e LEYDESDORFF, 2000).

Em países desenvolvidos, como EUA e a maior parte da Europa, essas estruturas

de comercialização foram se proliferando ao longo dos últimos 30 anos, muitas vezes por

força de legislação que estipulou a necessidade das ICTs terem estrutura própria ou

compartilhada. Assim, diversos estudos foram realizados para se compreender como os

NITs se estruturam em termos de arranjo organizacional e os resultados obtidos por sua

operação (BRESCIA, COLOMBO e LANDONI, 2016; LINK e SIEGEL, 2005;

CARLSSON, 2005; BERCOVITZ e FELDMAN, 2011; O’GORMAN, BYRNE e

PANDYA, 2008).

Pelo mundo, habitats de inovação com a proposta de viabilizar a economia criativa

tornando-se distritos de inovação vêm se multiplicando, com exemplos como Barcelona,

na Espanha, Boston e o estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, no Canadá e

em muitos outros países em franco desenvolvimento e avanço tecnológico, como

Singapura. Um deles é a remodelação do The Research Triangle Park (RTP), um dos

maiores parques tecnológicos de pesquisa do mundo, criado em 1959 no estado

americano da Carolina do Norte e concentrado nas cidades de Durham, Raleigh e Chapel

Hill, que sediam, respectivamente, a Duke University, a North Carolina State University

e a University of North Carolina. O projeto de distrito de inovação consiste no

estabelecimento do chamado Park Center, um núcleo policêntrico concentrado na vida.

O distrito conta com projetos comerciais, empresariais, lojas, lazer e serviços e a

construção de até 1.400 unidades habitacionais. O início da reconfiguração deu-se em

Page 84: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

85

2012, com a compra de uma área de 450.000 m2, e divide-se em diversas etapas de

desenvolvimento (MORI, 2017).

Outro caso que serve como exemplo é o Parque Tecnológico de São José dos

Campos (PqTec). Fundado em 2006, o empreendimento integrado pela USP, a

Universidade Camilo Castelo Branco, a Universidade Estadual Paulista e a Universidade

Federal de São Paulo envolve pelo menos cinco centros de desenvolvimento tecnológico

e atua em áreas diversas como energia, aeronáutica, saúde, águas e saneamento ambiental,

tecnologia espacial, tecnologia automotiva, automação industrial, arquitetura e design de

transportes, tecnologia de defesa, sistemas de informação e Tecnologias da Informação e

Comunicação (TICs) (TEIXEIRA; MACEDO; EHLERS, 2015).

Ao reforçarem os objetivos para a constituição dos habitats de inovação, Hassink

e Hu (2012) reconhecem algo em comum na pluralidade de nomes utilizada.

“Independentemente de suas diversas denominações, como por exemplo, pólos de

tecnologia, centros de alta tecnologia, centros de incubação, tecnoparques ou cidades

científicas, parques científicos e tecnológicos, ou simplesmente parques tecnológicos,

buscam fomentar a transferência tecnológica e a inovação, aumentando a competitividade

de empresas, regiões e até mesmo nações” (HASSINK; HU, 2012; in MCTI, 2014).

Dentre as definições existentes, algumas denominações passam a se destacar

representando um momento social, cultural e econômico, como a que dá origem ao

conceito de distrito de inovação. Katz e Wagner (2014) contextualizam que, como

resultado da grande recessão de 2008, os Estados Unidos tornaram a emergir com uma

mudança marcante na geografia e ênfase na inovação. Segundo os autores, nos últimos

50 anos o desenvolvimento tecnológico criou uma paisagem característica, a exemplo do

Vale do Silício: situada em subúrbios ou corredores de negócios, praticamente isolados

ou acessíveis somente de carro e pouco voltadas para a qualidade de vida e integração

entre vida, trabalho e lazer. As mudanças pós-crise estão ocorrendo neste sentido, com os

distritos de inovação sendo consolidados como áreas geográficas que podem ser

ancoradas por instituições e um cluster empresarial, conectando startups, incubadoras de

empresas e aceleradoras. Esses habitats são comumente compactos fisicamente,

tecnicamente conectados, com trânsito acessível e oferta de múltiplos serviços, habitação,

escritórios, comércio e varejo. Este novo desenho se adapta perfeitamente na estrutura de

um bairro já formado como a Casa Verde, podendo utilizar de instalações abandonadas

ou mesmo subutilizadas, mas que têm residências, indústrias e comércio em seu entorno,

promovendo vida à região de inovação.

Page 85: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

86

Em suma, os distritos estão “reconfigurando os antigos parques tecnológicos, que

se estabeleceram distantes dos centros urbanos e que ignoraram, quando projetados, o

aspecto humano e a diversidade urbana” (DE MELLO; MELLO, 2015). De tendência, o

conceito de distritos passa a figurar como recomendação entre autores na área. De Mello

e Mello (2015) argumentam que “parques tecnológicos para serem bem-sucedidos

precisam estruturar-se já em sua concepção como distritos de inovação (...) pensar na

característica multiuso para que a classe criativa nele situada se sinta atraída a ali

permanecer”. Já Iqué (2015), trazendo à tona a função dos Centros de Inovação, defende

que um distrito de inovação pode resolver diversas questões em um território

(INOVAMFRI, 2015).

Aí surgem as possibilidades de caminhos: “Vou criar um parque tecnológico

ou um parque industrial? Esta é uma forma de promover inovação, e uma forma oportuna. Mas muitas vezes os parques não podem dar solução a todo o território, então está se falando cada vez mais de parques extramuros, de áreas de inovação. Estas áreas são preparadas para produzir inovação e para atrair empresas para o seu entorno. É uma mentalidade mais aberta. E acredito que os Centros de Inovação serão os epicentros de diferentes áreas de inovação” (IQUÉ, 2015, in Gente que Inova, 2015).

Apesar dos grandes desenhos e implementações das áreas de inovação mundo

afora, aqui no Brasil, em especial no projeto do Núcleo Casa Verde, teremos que trabalhar

a construção de uma institucionalidade onde haja um Espaço de Consenso, trazendo o

governo local com sua legitimidade para apoiar e ajudar a coordenar e implementar ações

reconhecidas pelos outros stakeholders afetos à temática da inovação. Sem um consenso

no território do caminho a se trilhar, faltará clareza quanto a quais são os objetivos e

setores prioritários da política. Em relação aos programas de fomento à inovação, os

governos adotam estratégias de estímulo ao empreendedorismo como forma de contornar

a dificuldade de interação com as empresas existentes. Já os programas para promoção

de interação entre universidades e empresas esbarram em barreiras culturais e

institucionais que o governo não consegue romper sem mudança de mentalidade dos

representantes das outras hélices acerca da relevância dessas parcerias.

A hélice empresa ainda tem a dificuldade em reconhecer que o governo pode

desempenhar outras atribuições na política além de atividades de financiamento e de fornecer as condições para que as próprias empresas inovem. Em sua percepção, o governo continua desempenhando as mesmas funções que em um modelo de inovação laissez-faire e não de um modelo Hélice Tríplice no qual o governo pode desempenhar mais papeis. As organizações da hélice empresa consideram a firma o único lugar onde a inovação pode ser feita, não enxergando potencial de inovar nas universidades e tampouco nos governos (JAROSZEWSKI, 2018).

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As transformações na divisão internacional do trabalho e as inovações

tecnológicas criam oportunidades para promover o tripé do desenvolvimento econômico,

crescimento, igualdade social e alto padrão tecnológico. Porém essas oportunidades não

se efetivam naturalmente, elas necessitam para isso de políticas públicas, ou no nosso

caso, políticas públicas construídas também com o privado e as universidades, bem

concebidas e operadas, o que ressalta os desafios que continuam a existir para as

instituições em geral e o Estado em particular (Pamplona, 2017).

Os Habitats de Tecnologia

Como vimos anteriormente a criação de espaços adequados nos territórios para o

surgimento de inovação e interação são centrais para o desenvolvimento sustentável.

Vamos agora fazer uma peregrinação por entre os Habitats de referência.

As áreas avaliadas nesses empreendimentos foram financiamento, governança,

espaço físico, atividades desenvolvidas, presença digital, transporte e logística e inovação

social. Constatou-se que muitos dos habitats têm investimento público (quatro entre sete).

Entre a existência de espaços de convenções e artes, como coworking, salas de reuniões,

incubadoras, aceleradoras, centros de pesquisa, entretenimento e lazer e residências,

percebe-se tal infraestrutura na maior parte dos habitats pesquisados, com a observação

de que os habitats brasileiros não possuem áreas residenciais e um deles não conta com

incubadora dentro da área do parque. Vamos percorrer os seguintes habitats e também

no projeto do futuro Centro de Inovação de Itajaí, AMFRI.

• Barcelona 22@, Espanha;

• Boston Innovation District, Estados Unidos;

• Montreal - Quartier de l’Innovation, Canadá;

• Porto Digital, Recife, Brasil;

• Tecnopuc, Porto Alegre, Brasil;

• Sapiens Parque, Florianópolis, Brasil.

Falando agora dos formatos para o processo de desenvolvimento regional

sustentável trazemos o exemplo envolvendo um grupo de cidades, a iniciativa do

Page 87: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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AMFRI9, que congrega um conjunto de nove cidades na região de Itajaí (Santa Catarina)

para desenvolver um projeto conjunto de desenvolvimento calcado na inovação. Ao invés

de se construir um centro por cidade, se buscou o modelo de um centro de inovação

compartilhado, situado próximo ao centro da área geográfica das cidades membro. Para

o desenho do projeto foram feitos estudos sobre os principais habitats de inovação no

Brasil e no exterior, sendo eles os parques Barcelona 22@, na Espanha; Boston

Innovation District, nos Estados Unidos; Montreal - Quartier de l’Innovation, no Canadá;

Porto Digital, em Recife, Brasil; Tecnopuc, em Porto Alegre, Brasil e Sapiens Parque, em

Florianópolis. Além disto foram feitos estudos sobre as características socioeconômicas

dos municípios da região da AMFRI no Programa de Desenvolvimento Industrial

Catarinense (PDIC) (FIESC, 2013) e no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil do

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (BRASIL, 2014).

Barcelona 22@

Foram identificados cinco focos considerados âncoras para o avanço econômico:

Multimídia, Energia, Tecnologias Médicas, TIC e Design. Os principais atores deste

habitat são representados por:

• empresas estratégicas inseridas na área com conhecimentos especializados;

• instituições públicas locais e nacionais;

• universidades e centros de pesquisa;

• incubadoras e serviços multifuncionais geridos por associações locais e

• plataformas estratégicas de relacionamento entre diferentes stakeholders para a

troca de informações, inovação e conhecimento.

A política urbana procurou criar uma grande vizinhança tecnológica baseada em

setores de inovação como forma de revitalizar o sistema econômico local. Assim,

Poblenou passou de uma área considerada fragmentada e degradada, responsável por

apenas 2% da atividade econômica de Barcelona, para se tornar um novo centro

econômico. Hoje, 70% das novas empresas em operação no Barcelona 22@ estão dentro

dos clusters estratégicos e localizadas na própria vizinhança e 45% destas novas empresas

são, de fato, novas criações e geraram 42.000 empregos, com uma perspectiva futura de

150.000 (INOVAMFRI, 2015).

9 AMFRI- Associação dos Municípios da Região da Foz do Rio Itajaí - https://www.amfri.org.br/

Page 88: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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Boston Innovation Disctrict

Boston, que figura entre as 30 cidades de maior poder econômico do mundo, é o

segundo pólo de atração de capital de risco nos EUA, atrás apenas do Vale do Silício.

Diversas multinacionais têm escritórios, laboratórios, centros de pesquisa e

desenvolvimento na cidade e trabalham em colaboração com as universidades para levar

inovações para o mercado. A cidade acolhe organizações de desenvolvimento científico

e tecnológico, do setor financeiro e turismo, como suas principais forças econômicas,

havendo disponibilidade de mão de obra qualificada em todos os setores mais relevantes

da economia da cidade. A cidade já era um pólo atrativo de trabalhadores com alta

qualificação, graças aos setores educacionais, de pesquisa cientifica, entre outros.

Boston é a cidade com a maior concentração de instituições de ensino superior da

América do Norte. Diversas das mais renomadas e altamente classificadas do país estão

na cidade e arredores. Harvard e o MIT (Massachussets Institute of Technology) estão

entre as de maior prestígio. A alta qualidade destas instituições e o fluxo de estudantes de

todas as partes dos Estados Unidos e de diversos países fazem da cidade um centro

internacional de ensino superior, pesquisa e desenvolvimento de tecnologia. Estima-se

uma população de 350.000 estudantes universitários em atividade na cidade. Além de sua

contribuição à economia local, esta característica também atrai indústrias de produtos e

serviços de conhecimento (INOVAMFRI, 2015).

Em função destas características, o Distrito de Inovação de Boston foi criado com

três princípios:

• ser um laboratório urbano que oferece a oportunidade de testar tecnologias

que envolvam energia limpa, cidadania, transporte e infraestrutura social;

• desenvolver liderança sustentável, pensando no crescimento econômico

sustentável da cidade e região e

• promover inovação compartilhada, de forma que todos os cidadãos

possam se beneficiar da ideia de uma economia compartilhada e que as

ideias e inovações ultrapassem os limites do distrito.

No Distrito de Inovação de Boston os setores de Biotecnologia, Saúde e Serviços

Financeiros estão entre os de maior destaque, mas diversas outras áreas são bastante

relevantes, como as engenharias de automação e computação.

Page 89: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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Montreal - Quartier de l’Innovation

O District of Innovation (DI) representa uma área de desenvolvimento potencial

em Montreal. É localizada entre dois bairros (Ville-Marie e Le Sud-Ouest) e engloba uma

zona estratégica de revitalização econômica. A moldura territorial é muito interessante

porque dela se espera que seja o primeiro parque urbano científico localizado no centro

de Montreal. A política local formulada para o DI foi considerada um eixo fundamental

da regeneração da estratégia urbana “Montreal 2025 - Montreal Technopole” que planeja

transformar Montreal em uma cidade criativa internacional. Montreal representará a nova

metrópole que será caracterizada por um alto nível de inovação e criatividade. É

importante destacar que o potencial Distrito de Inovação já contém uma alta concentração

de empresas criativas e inovadoras. O Quartier de l'Innovation (QI) teve seu lançamento

oficial em maio de 2013. Hoje conta com um Conselho Administrativo que lidera a gestão

do programa de inovação (INOVAMFRI, 2015).

A origem foi a Universidade ETS - École de Technologie Superieure, que tem

funcionado como coordenadora do projeto e, desta forma, exercido o papel de Centro de

Inovação na atração e desenvolvimento de negócios e oportunidades de cooperação entre

academia, empresas e setor público. Ela é a principal articuladora de novos

relacionamentos.

O investimento na primeira etapa do desenvolvimento do Distrito de Inovação foi

advinda predominante de recursos públicos, tanto do Governo Federal quanto da

Província e Município.

Porto Digital, Recife, Brasil

O Porto Digital, Recife, Brasil, está situado no bairro de Santo Amaro e no sítio

histórico do Bairro do Recife, acrescentando ao projeto a componente de revitalização

urbana. O bairro possui infraestrutura adequada para a instalação de empresas de

tecnologia da informação e comunicação por dispor de excelente estrutura de serviços e

de telecomunicações.

O Porto Digital, no Recife, é visto como o principal candidato ao posto de Vale

do Silício brasileiro. As empresas da região são da área de software, jogos, multimídia,

cine/vídeo/animação, música, design, fotografia, propaganda e publicidade.

Page 90: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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Como diferencial, o Parque traz uma infraestrutura aos empreendedores que

engloba: Suporte ao empreendedorismo e Laboratórios de testes de aplicativos,

disponibilidade de mão de obra e as universidades oferecem cursos na área de tecnologia

desde a década de 70. O Porto Digital demonstrou-se um elemento estratégico para evitar

a evasão de mão de obra qualificada de áreas importantes como Ciência da Computação

dentre outras (INOVAMFRI, 2015).

O Recife conta com importantes universidades públicas e privadas, sendo a

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) um dos parceiros do Parque, além das

instituições de ensino como: Faculdade Boa Viagem, Faculdade Joaquim Nabuco,

Faculdade Marista, Faculdade Maurício de Nassau, Faculdade Nova Roma, Faculdade

dos Guararapes, Escola Politécnica de Pernambuco e AESO Barros Melo. Além disso,

cita-se o Cesar.edu, a Softex Recife e a Qualiti.

O Porto Digital abriga hoje 250 empresas e instituições dos setores de Tecnologia

da Informação e Comunicação (TIC) e de Economia Criativa (EC). O parque conta com

duas incubadoras de empresas, duas aceleradoras de negócios, dois institutos de pesquisa

e organizações de serviços associados, além de diversas representações governamentais.

Tecnopuc, Porto Alegre, Brasil

O Tecno PUC tem uma peculiaridade por ser um parque inserido no campus de

uma instituição de ensino superior. A PUC, uma das maiores universidades privadas de

Porto Alegre, acolhe mais de 30 mil estudantes, 2 mil professores e 5 mil funcionários.

Situa-se em local privilegiado da capital do Estado do Rio Grande do Sul, em uma área

central da cidade, ficando distante cerca de, no máximo, 20 minutos dos principais pontos.

Há um ambiente também na cidade de Viamão, na qual o Tecnopuc está integrado

a uma área verde de mais de 15 hectares, oferecendo áreas de convívio ao ar livre e

agradáveis espaços em meio à natureza. Conectado a espaços flexíveis e modulares, o

Tecnopuc Viamão é ideal para atividades criativas e inovadoras.

O Parque é multi-setorial, focado em quatro áreas, sendo: Tecnologia da

Informação e Comunicação, Energia e Meio Ambiente, Ciências da Vida e Indústria

Criativa. Estas áreas temáticas foram definidas a partir da competência acadêmica da

Universidade, envolvendo grupos de pesquisa científica e tecnológica e cursos de pós-

graduação (mestrado e doutorado), associados à existência de demanda da sociedade. Os

Page 91: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

92

fatores de atração do Tecnopuc se associam a categorias técnicas, sociais, fiscais,

econômicas e ambientais.

A equipe organizacional é constituída por um comitê gestor que é composto pelos

pró- reitores (pró-reitor de extensão e assuntos comunitários, pesquisa, pró-reitor de

inovação e desenvolvimento, e pró-reitor de administração e finanças) e pelo diretor da

Agência de Gestão Tecnológica e pelo Coordenador da Procuradoria Jurídica. O ambiente

de inovação da PUCRS é formado pelo Parque Científico e Tecnológico, pela Incubadora

de Empresas da PUCRS – Raiar, pelo Escritório de Transferência de Tecnologia da

PUCRS, pelo Núcleo Empreendedor, pela Agência de Gestão de Empreendimentos

(AGE) e pela Agência de Gestão Tecnológica (AGT). A PUCRS possui a Agência de

Gestão Tecnológica, que mantém a gestão dos projetos de P&D cooperados com

empresas e agências governamentais de fomento, atuando em conjunto com a Tecnopuc

no âmbito do Parque Científico e Tecnológico. A AGT traça diretrizes e políticas do

Parque, bem como avalia periodicamente o seu desempenho, enquanto a administração é

feita por uma diretoria (INOVAMFRI, 2015).

Sapiens Parque, Florianópolis

O Sapiens Parque se desenvolveu a partir do ambiente para a geração e

desenvolvimento de empreendimentos de base tecnológica existentes em Florianópolis,

como as incubadoras CELTA, acionista do Sapiens Parque e MIDI Tecnológico

(ACATE).

A cidade conta com três universidades públicas, além de universidades privadas e

diversas outras instituições que promovem o Ensino Superior. A Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC) deu início ao processo de desenvolvimento tecnológico na Grande

Florianópolis, nos anos de 1980 com cursos como os da área de engenharia. Com a

retenção dos profissionais formados, começaram a surgir as primeiras empresas de

tecnologia (INOVAMFRI, 2015).

O Sapiens é uma área de 4,5 milhões de metros quadrados, estruturada como um

condomínio que pode vir a comportar até 257 prédios. O objetivo é receber empresas de

tecnologia e serviços. O habitat comporta várias empresas que trocam informação, que

desenvolvem produtos em conjunto e configuram um endereço para atrair clientes.

Os eixos nos quais o Sapiens Parque se sustenta são: Scientia (unidades

acadêmicas e de P&D voltadas para a geração de conhecimentos científicos e

Page 92: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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tecnológicos avançados); Artis (galerias, escolas, museus e outras iniciativas de Arte e

Cultura que contribuam para agregar o fator humano e gerar um ambiente criativo);

Naturallium (projetos e empreendimentos voltados para a preservação e sustentabilidade

ambiental do parque e ecossistemas conectados) e Gens (ações e programas de promoção

de qualificação, desenvolvimento regional e integração positiva do Sapiens com o entorno

da região).

O Sapiens Parque, consolidado desde 2007, é um espaço onde se instalam

empresas, institutos de pesquisa, para promover um desenvolvimento acelerado por meio

da proximidade de interação entre esses atores. Primeiro foi implementado o parque, que

tem 13 lotes, e, no início dos anos 2000, uma nova etapa foi planejada para a implantação

de um futuro parque de inovação. O habitat trata-se de um espaço com mais do que

empresas de tecnologia, mas também de serviços, de suporte a empresas de tecnologia;

de governo, com características inovadoras; e o setor de turismo, com a ideia de estimular

o turismo na área de conhecimento. O parque continua em implantação, com previsão de

conclusão para até 2023, com 400 empresas e 30 mil pessoas trabalhando. A maior

dificuldade apontada é o aporte de recursos. Dos R$ 200 milhões que devem ser

demandados para o pleno funcionamento, apenas cerca de R$ 40 milhões foram

investidos desde a implantação (INOVAMFRI, 2015).

Por qual tipo de tecnologia começar?

Quando vemos os exemplos acima dos vários habitats de tecnologia é natural

ficarmos animados com o poder da integração da Tríplice Hélice nestes locais. Todavia

precisamos olhar para nosso território e começar por onde ele mais precisa.

Quando se menciona tecnologia, as pessoas pensam em inovações “duras”, do tipo

sementes melhoradas ou máquinas de melhor desempenho. Na realidade, são igualmente

essenciais os avanços na área das tecnologias de processos, envolvendo o encadeamento

dos sistemas produtivos e as tecnologias organizacionais. O soro caseiro constitui uma

típica tecnologia de imenso impacto social, simples na concepção, barata na aplicação e

fácil de ser disseminada. Mas só se tornou possível a sua generalização por meio da

atuação de redes como a Pastoral da Criança, que articula 250 mil mulheres envolvidas

na melhoria da condição da criança, em 3500 localidades brasileiras, e que atuam de

forma organizada, com alta densidade de informação (PPNADL, 2006, p.30).

Page 93: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

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Os avanços tampouco precisam estar concentrados no setor produtivo tradicional.

No exemplo mencionado da Pastoral, o setor foi a Saúde e os avanços foram muito

significativos. Basta calcular o quanto essa tecnologia economizou de gastos em

medicamentos, número de dias de trabalho desperdiçados, hospitalizações evitáveis, para

que a dimensão da racionalidade econômica fique evidente. Da mesma forma, tecnologias

simples de pré-tratamento de esgotos podem reduzir radicalmente a poluição de uma

região, reforçando o potencial turístico, melhorando as condições de saneamento e

evitando gastos com doenças. Essa visão sistêmica do avanço tecnológico despontou em

numerosos trabalhos desenvolvidos no PPNADL (Projeto Política Nacional de Apoio ao

Desenvolvimento Local). Ficou particularmente clara a excessiva tendência a se

concentrar o apoio em tecnologias propriamente de produção, subestimando tecnologias

que melhorem o financiamento e a comercialização, mas também a comunicação e a

informação. Apesar do apoio tecnológico já existente aparecer como profissionalmente

competente, não está articulado nem integrado na diversidade das regiões onde atua. Uma instituição assegura formação profissional, outra, apoio técnico, outra, inovações tecnológicas, mas as pequenas iniciativas, sejam empresariais ou de organizações comunitárias, dificilmente terão conhecimento ou contatos para buscar nas mais diversas instituições os apoios potenciais para obter um resultado coerente. Um exemplo prático mencionado por representantes do SEBRAE: a entidade forma as pessoas para abrirem pousadas, mas não tem como assegurar financiamento e, considerando os juros cobrados pelo mercado financeiro, o entusiasmo dos formandos tende a morrer (PPNADL, 2006, p.32).

Precisamos construir um apoio organizado ao desenvolvimento local, que deve se

apresentar de forma integrada a quem queira tomar uma iniciativa, num tipo de “janela

única” ou “Poupatempo” tecnológico, onde os diversos atores sociais interessados

possam obter as respostas adequadas ou os contatos necessários para obter as que faltam.

Cada território, como aqui entendido, município ou região, deverá portanto contar com

um núcleo polivalente de apoio tecnológico, articulando as instituições existentes,

facilitando os contatos, dinamizando a absorção criativa do conjunto do que tem sido

chamado de “tecnologias sociais”, conforme desenhamos para o Núcleo Casa Verde.

É importante constatar a que ponto muitas universidades e vários centros de

pesquisa, ainda que tenham, em alguns casos, desenvolvido algumas formas de

relacionamento com empresas ou administrações públicas da região, no conjunto

continuam alheias aos processos de tecnologia aplicada. Com a economia aumentando

drasticamente o conteúdo de conhecimento inerente a todas as atividades, a necessidade

de parcerias muito mais eficientes torna-se cada vez mais óbvia. O acesso ao

Page 94: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

95

conhecimento técnico se tornou tão vital quanto o acesso aos recursos financeiros e aos

circuitos comerciais (PPNADL, 2006, p.32/33).

Mas a Índia, para dar um exemplo, está constituindo nada menos que 600

mil unidades de fomento tecnológico, em todos os pontos do país, unidades que estarão conectadas em rede, permitindo que inovações locais de todo tipo circulem por todo o território, gerando a chamada fertilização entre experiências. O Japão tem um sistema extremamente dinâmico de informação tecnológica para todas as pequenas unidades de produção (no sentido amplo, tanto manufatura, como serviços e áreas sociais). As regiões mais dinâmicas da Itália articulam as pequenas iniciativas por meio de uma rede densa de cooperativas, permitindo sinergias tanto setoriais como territoriais.

É evidente que, enquanto as grandes empresas conseguem criar as suas próprias estruturas de apropriação de inovações tecnológicas, o “circuito inferior” da economia – envolvendo desde pequenas e médias empresas, até organizações comunitárias, entidades da sociedade civil e administrações públicas locais, bem como instituições acadêmicas universitárias e de formação profissional, carecem de um sistema articulado de apoio, capaz de assegurar que os avanços tecnológicos não constituam ilhas de grandes empresas num contexto de atraso (PPNADL, 2006, p.35).

2.3 - Qual a Institucionalidade que Catalisa o Projeto de Integrar Comunidade e

Inovação

Nesta seção falaremos sobre as questões que auxiliaram e dificultaram a

implantação dos Núcleos de inovação pelo mundo. Na área empresarial considera-se

normal que unidades de diversos tamanhos ou naturezas de atividades se administrem de

forma diferente. As novas tecnologias geraram reformas organizacionais profundas, com

a redução do leque hierárquico, descentralização, responsabilização na base da pirâmide,

sistemas densos em informação, na linha do knowledge organization.

Observando o espaço local como unidade de gestão, como território que tem de

racionalizar o uso dos seus recursos e melhorar sua produtividade sistêmica, verifica-se

que o setor público no Brasil está preso em um cipoal jurídico complexo, com instituições

rígidas, que não conversam entre si, baseadas na verticalidade e no controle burocrático,

com pouca ou nenhuma sinergia com os movimentos da sociedade civil organizada e com

as empresas. Em outros termos, o espaço local como unidade territorial, como “bloco” da

construção do país no seu conjunto, necessita de um choque de racionalidade

administrativa (PPNADL, 2006, p.37).

Aspecto central dessa racionalidade se prende à própria administração pública

municipal, que geralmente não possui sequer um sistema de informação gerencial e

Page 95: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

96

tampouco a obrigatoriedade de prestação de contas sobre os avanços da qualidade de vida

do território, ou seja, sobre os resultados. Esta opacidade informativa da administração

local torna a gestão hostil a qualquer crítica ou movimento de racionalização. O resultado

é a fragmentação setorial, com feudos e caciques que dificultam a gestão democrática e

transparente.

Os diversos tipos de financiamento e a microlocalização de projetos podem

perfeitamente ser condicionados a um sistema de prestação de contas, que obrigue as

administrações locais a introduzirem formas modernas de responsabilização e de

avaliação de resultados. Vários municípios brasileiros que recebem financiamentos da União Européia, foram levados, por exigência dos financiadores, a desenvolver

metodologias adequadas de avaliação da produtividade de projetos sociais

(PPNADL, 2006 p.39).

O Banco do Brasil, que administra grande parte das contas municipais do país,

assim como a Caixa Econômica Federal, pilar dos programas habitacionais e de

saneamento, podem perfeitamente apoiar e assessorar a introdução de formas mais

avançadas e transparentes de prestação de contas. É legítimo e recomendável favorecer a

modernização institucional por meio de alavancas financeiras que motivem, com

assessoria nos aspectos técnicos e cursos que capacitem. É importante salientar que a modernização das instituições públicas locais não

se dará sem a participação ativa dos principais atores sociais interessados. A participação organizada dos possíveis parceiros, por meio de foros, conselhos ou agências de desenvolvimento, tornou-se hoje vital. Um grupo particularmente interessado no processo são as instituições de apoio como o sistema “S”, núcleos de pesquisa e outros, que só têm a ganhar com um espaço organizado de planejamento das ações necessárias ao desenvolvimento do território. Mas também as empresas têm tudo a ganhar com a geração de um espaço econômico mais organizado, bem como as organizações da sociedade civil, que hoje ajudam a compensar os desequilíbrios mais críticos no território, mas que poderiam ganhar muito em produtividade ao participar de um processo equilibrado de desenvolvimento (PPNADL, 2006, p.42).

O próprio Orçamento Participativo abriu espaço para formar uma comunidade

mais informada e participativa. São avanços positivos, mas é preciso lembrar que uma

Região Metropolitana como a de São Paulo, com quase 20 milhões de habitantes, não

dispõe de nenhum instrumento de gestão e de racionalização das dinâmicas do seu

território (PPNADL, 2006, p.43).

A racionalidade de gestão local, a chamada governança, com suas dimensões de

transparência, participação e responsabilização, exige o desenvolvimento de uma

Page 96: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

97

capacidade institucional muito mais ampla no nível local, capaz de constituir, de certa

forma, a demanda organizada dos programas.

Nos diversos habitats de inovação pelo mundo não foi diferente, a participação

dos entes do território fez todo a diferença.

O 22@ em Barcelona representa um hub de players em rede e áreas de interface

baseadas nas relações multiescalas e transversais. A sinergia entre instituições,

comunidades de negócios, universidades e centros de pesquisa deveria ser o principal

fator de governança estratégica. Desde sua fundação, em 2000, o distrito de inovação

conseguiu atrair mais de 1.400 empresas nas áreas de NTIC, Biotecnologia, Energia e

Multimídia, tendo também atraído talentos de diferentes regiões do país para ativar o

processo de revitalização que busca transformar Barcelona na cidade digital da Europa.

Diversas universidades de prestígio (IESE, ESADE, EADA, UB, UAB, UPC, UPF, URL,

UIC, UOC, and IAAC), Centros de P&D/P&I e outros serviços digitais criaram uma bem-

sucedida plataforma de sinergias, intercâmbio e interconexões na Catalunha.

Consequentemente, a reforma urbana da região metropolitana de Poblenou está fundada

sobre a nova atividade econômica do 22@ e os serviços tecnológicos com o objetivo de

transformar os ativos locais e a organização econômica (INOVAMFRI, 2015).

O Distrito de Inovação conta com uma agência de desenvolvimento local, a

22@BarcelonActiva, que cumpre um papel estratégico no suporte e atração de empresas

locais e internacionais. Além desta agência, cada setor estratégico do 22@ (Mídia, TIC,

Energia, Tecnologia Médica e Design) conta com uma instituição agremiadora com o

papel de integrar os diferentes agentes e fomentar seu desenvolvimento buscando

sinergias.

No Distrito de Inovação de Boston há o District Hall, o Centro de Inovação do

Distrito, como animador e ponto de apoio da comunidade, um espaço cívico, público, de

encontros e intercâmbios entre a comunidade de inovação e empreendedorismo. Nele são

realizados diversos eventos, além da oferta de informações e suporte para

empreendedores já instalados ou se mudando para o distrito. O ambiente é fruto de uma

parceria público-privada. O prédio foi construído com recursos privados do grupo de

investimento que está desenvolvendo o Seaport Square. Sua operação é realizada pela

Venture Café Foundation (VCF), fundação sem fins lucrativos que se especializa na

gestão de espaços semelhantes, com o foco de fomentar o desenvolvimento de

ecossistemas de empreendedorismo e inovação. É a VCF que realiza eventos, encontros

e ativa a comunidade ao redor do District Hall. O centro de convenções Boston

Page 97: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

98

Convention & Exhibition Center, capaz de receber eventos de grande porte, também

cumpre papel bastante relevante na animação do distrito (INOVAMFRI, 2015).

Como Fator Liderança os principais stakeholders que participaram do design do

Distrito de Inovação de Boston são: o ex-prefeito da cidade Thomas Menino, a Boston

Redevelopment Authority (BRA) e os investidores imobiliários. A BRA é a agência de

desenvolvimento econômico da cidade de Boston que vem articulando a visão do prefeito

com a das empresas de desenvolvimento imobiliário. As construtoras queriam realizar

projetos tradicionais de residência e comércio, como condomínios de luxo e shopping

centers. O prefeito Thomas Menino, a Cidade de Boston e a BRA tiveram de persuadi-

las a realizar projetos não tradicionais, inserindo componentes inovadores em seus planos.

Ao invés de utilizar recursos públicos e incentivos para atrair negócios para a área, a

cidade está encorajando empreendedores e startups a se relocar para o distrito.

A estratégia e as metas do Distrito de Inovação foram claramente definidas em

um discurso do prefeito quando anunciou o projeto Seaport Square em 2010, dizendo,

“para sermos ousados, criativos e manter nossa economia crescendo. Juntos, estamos

criando uma vizinhança única, diversa e empreendedora que vai ajudar Boston a atrair e

reter novos negócios e a força de trabalho jovem e talentosa da cidade”.

Para a geração de empregos e oportunidades, são realizados programas

específicos com o propósito de gerar oportunidades de negócios. Entre eles estão o

StartHub, Captains of Innovation e o Innovation Visitors Bureau. O Captains of

Innovation é um programa de inovação que conecta startups a grandes empresas com

necessidades específicas de inovação. As atividades são realizadas sob demanda e

articuladas pela VCF, que avalia as startups e tecnologias, assim como as necessidades

das empresas, antes de fazer as conexões. O Innovation Visitors Bureau (IVB) procura

conectar atores internacionais de inovação com o ecossistema de inovação do estado de

Massachusetts. Para tanto, o IVB oferece apresentações e facilita oportunidades de visita

às instituições relacionadas ao ambiente de inovação na região de Boston. Sua meta é

criar valor real a partir destas conexões. E o StartHub é uma plataforma online completa

que centraliza informações para conectar, apoiar e desenvolver a comunidade de

tecnologia e negócios em estágios iniciais de Boston. É como a página de entrada para o

ecossistema de startups de Boston. Articulação com agentes da tríplice hélice acontece

por meio de constantes cooperações entre agentes públicos, empresas e universidades.

Nota-se em especial pelos diversos eventos e programas desenvolvidos pela VCF que,

regularmente, contam com a participação de atores de todas as áreas da tríplice hélice.

Page 98: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

99

Esta cooperação, por sinal, marca todo o projeto do Distrito de Inovação desde o início

(INOVAMFRI, 2015).

Em Montreal as universidades são pivôs do desenvolvimento do Distrito de

Inovação, cumprindo o papel de articular atores de diferentes horizontes que formam uma

sinergia estratégica para este desenvolvimento. A abordagem estratégica em termos de

governança deve combinar a inovação tecnológica e social para implementar a estratégia

de participação e inclusão das comunidades locais. É preciso criar um sistema de inovação

aberta no território, e não um sistema fechado, de forma a evitar a criação de um gueto

tecnológico. O objetivo é desenvolver um parque urbano híbrido, fundado sobre a

pesquisa científica e inovação.

A universidade ETS, junto com a McGill University e a Concordia University são

as principais fomentadoras do projeto. A partir de suas iniciativas, foi fundada uma

organização sem fins lucrativos independente, que é responsável pela gestão do programa

de inovação. O Quartier de l'Innovation é o programa do Distrito de Inovação.

Configurado como organização sem fins lucrativos, reúne um conselho administrativo

responsável pelo desenvolvimento do programa.

O Conselho Administrativo se reúne ordinariamente quatro vezes por ano e tem

cada reunião realizada na sede de um dos parceiros do QI. A iniciativa do Distrito de

Inovação é apoiada sobre quatro pilares, cada um representado no Conselho Diretivo do

Quartier de l'Innovation, a fim de manter fidelidade aos seus interesses. O QI é mantido

por financiamento público e privado na proporção 50/50. Da parte do investimento

público há recurso da cidade de Montreal, da província do Québec e do governo federal.

O investimento privado vem das instituições mantenedoras, entre elas as próprias

universidades fundadoras e outras grandes empresas que têm interesse na proximidade

com as universidades e se preocupam com sua visibilidade e impacto social

(INOVAMFRI, 2015).

O Porto Digital Recife também conta com uma instituição de ensino superior, o

Cesar.edu, iniciativa do C.E.S.A.R - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife,

considerado por duas vezes a melhor instituição de Ciência e Tecnologia do País pela

Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (FINEP). O

Porto Digital possui ainda duas unidades avançadas nas cidades de Caruaru e Petrolina,

respectivamente, no Agreste e Sertão de Pernambuco. O conjunto das empresas que

fazem parte do Porto Digital faturou nos últimos três anos mais de R$ 1 bilhão. Desse

montante, 65% são originados de contratos firmados fora do Estado de Pernambuco. O

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parque tecnológico hoje reúne mais de 7.100 profissionais altamente qualificados, sendo

500 deles empreendedores.

O Porto Digital já́ atraiu para o Bairro do Recife dezenas de empresas de outras

regiões do Brasil, além de várias multinacionais e centros de tecnologia. Agora, com a

ampliação territorial para o bairro de Santo Amaro e interior do Estado, a expectativa é

que até 2020 em torno de 20 mil pessoas trabalhem em empresas embarcadas no parque

tecnológico. Em 100 hectares no Bairro do Recife, são 8 Km de fibra ótica instalados e

26 km de dutos, tornando a região uma das mais modernas do país.

Para dar suporte ao empreendedorismo, a Lei Municipal 27 17.762 de 28 de

dezembro de 2011 incorpora ao território do Porto Digital o bairro de Santo Amaro e

amplia o escopo de atividades para abranger o setor da Economia Criativa. Ou seja,

empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e também de Economia Criativa

que se instalarem tanto no Bairro do Recife como em Santo Amaro, poderão usufruir da

redução de 60% do imposto sobre serviço (ISS) e de outros benefícios oferecidos pelo

Parque (INOVAMFRI, 2015).

Ao todo, o Porto Digital possui treze imóveis empresariais e de suporte às

empresas. Desses, cinco estão em operação e oito estão sendo requalificados para atender

empresas novas e embarcadas. O Porto Digital também possui dois escritórios avançados,

um na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e outro em São Paulo. Os valores

que norteiam o Porto Digital são: criatividade e austeridade. Os eixos estratégicos do

Parque são oito e buscam atingir a sociedade e os setores de Tecnologia da Informação e

Economia Criativa. A fundação do Porto Digital está intimamente ligada à academia. Foi

da universidade que surgiu a ideia de criar um pólo de tecnologia para impulsionar a

economia do Estado.

O Parque do Rio Grande do Sul tem como objetivo inserir a PUC-RS diretamente

no processo de desenvolvimento tecno-econômico-social da região e do país. Além disso,

os objetivos específicos do Parque são: atrair empresas de pesquisa e desenvolvimento

(PD&I) para trabalhar em parceria com a Universidade; promover a criação e o

desenvolvimento de novas empresas de base tecnológica; atrair projetos de pesquisa e

desenvolvimento tecnológico em geral; estimular a inovação e a interação empresas-

universidade; gerar uma sinergia positiva entre o meio acadêmico e o empresarial; atuar

de forma coordenada com as esferas governamentais, particularmente no âmbito do

Projeto Porto Alegre – Tecnópole (INOVAMFRI, 2015).

Para a gestão do TecnoPUC foi escolhido o Modelo de Parceria Universidade-

Empresa. Neste modelo encontra-se a visão de que as empresas e a universidade elaborem

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suas estratégias de forma a garantir o futuro de suas instituições, buscando equilíbrio entre

as tecnologias desenvolvidas no Parque e as necessidades do mercado. A gestão é

compartilhada entre o pesquisador e o executivo da empresa parceira. O foco da pesquisa

é interdisciplinar, contemplando atividades integradas. A relação é simbiótica por meio

dos projetos de pesquisa que buscam o crescimento de ambas as instituições. O indicador

de sucesso do Parque é quando a empresa parceira lança nova tecnologia, ampliando os

conhecimentos do pesquisador e sua equipe, de acordo com o Parque. Tendo a

universidade como pivô, a atração de empresas e a interação com o poder público fazem

parte das atividades fundamentais deste ambiente de inovação.

A Sapiens Parque S.A. é uma sociedade de propósitos específicos e economia

mista que tem como objetivo principal executar o projeto Sapiens Parque e está

estruturada sob a forma de uma sociedade anônima de capital fechado que possui

atualmente um capital social subscrito de R$ 254 milhões. A sociedade é administrada

pelo Conselho de Administração e Diretoria, e também possui os Conselhos Consultivos

que atuam no debate e fornecimento de orientações à tomada de decisões estratégicas pela

administração da Companhia. Com um espaço de aproximadamente 2 mil m2, o InovaLab

tem como missão abrigar e articular institutos, empresas nascentes, empresas

consolidadas e outras iniciativas que sejam consideradas estratégicas para a estruturação

e desenvolvimento dos clusters planejados no Sapiens Parque.

Além da venda de terrenos, o Sapiens Parque foca em locação de espaços.

Atualmente dois centros estão disponíveis para a locação, sendo Centro de Inovação –

InovaLab (O InovaLab é o Centro de Inovação para incubação dos clusters de inovação

do Sapiens) e iCentro de farmacologia pré-clínica, CRF (com Biotério para Ensaios pré-

clínicos; Laboratórios de Pesquisa Farmacológica e Incubadora de Life Sciences). O

parque conta com estratégias e modelos profissionais para atração de investimentos de

venture capital, real estate/imobiliário e políticas de incentivo à região, além de

programas e ações voltados para a formação/qualificação de pessoas e para a oferta de

qualidade de vida dos profissionais.

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O papel do governo local e a participação cívica

A ação do governo é importante para o desenvolvimento regional e local. Em

primeiro lugar, porque a iniciativa e a coordenação das políticas de desenvolvimento

regional devem partir do governo ou, pelo menos, contar com o seu apoio militante. Mas

isto não é tudo. O governo tem um papel crucial na elevação do multiplicador e na

ampliação do parâmetro ∞ que multiplica seus gastos e determina a percentagem dos

mesmos que se transforma em renda disponível para a população local por meio de sua

política fiscal. Quanto maior for a incidência dos tributos sobre aquele segmento da

população cujos padrões de consumo (e de gasto em geral) implicam em evasão de

recursos para fora, e quanto menor for a exação imposta à população de baixa renda,

maior será o multiplicador dos gastos autônomos e maior será a ampliação da renda

disponível local associada aos gastos do governo. Infelizmente, os governos locais

raramente adotam as políticas tributárias mais consistentes com a alavancagem do

desenvolvimento. Isto se dá, em parte, porque parcela não desprezível dos impostos locais

são de base indireta, de forma que os segmentos de alta renda, ao canalizarem seus gastos

para fora, são taxados fora do território. Além disso, a hegemonia dos projetos

exogeneistas de desenvolvimento (assentados na concessão de subsídios para atração de

empresas com potencial de “modernizar” a matriz produtiva local) dissemina práticas

tributárias estimuladoras da concentração da renda, que estão na contramão das práticas

teoricamente consistentes com o desenvolvimento local (PAIVA, 2013, p.130).

E, por fim, há que se entender que o amplo predomínio das teses exogeneistas

não expressa apenas ignorância da literatura mais moderna sobre desenvolvimento

regional: existem sólidos interesses econômicos por trás desta “ignorância”. Não

obstante, nenhuma das limitações apontadas acima é impositiva. Existem impostos de

responsabilidade local que incidem sobre o patrimônio (como o imposto predial e

territorial urbano, IPTU) e que podem (e devem) garantir o caráter progressivo da

tributação local. Além disso, mesmo os impostos indiretos de competência municipal

(como o imposto sobre serviços de qualquer natureza, ISSQN) podem ser administrados

e diferenciados com vistas a garantir que as taxações maiores incidam sobre serviços

prestados às empresas, por oposição aos serviços prestados às famílias de baixa renda.

As políticas públicas voltadas ao apoio das atividades mistas devem ser tal que

exponencie a dimensão propulsiva das mesmas. A construção civil e a educação técnica

são típicas atividades mistas, na medida em que atendem tanto a famílias quanto a

empresas que investem na região e a estudantes de outras localidades. Sempre que as

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administrações locais apoiam o desenvolvimento e a qualificação destes serviços, estão

apoiando também a ampliação relativa da dimensão propulsiva dos mesmos vis-à-vis sua

dimensão multiplicativa. Isto implica aproximar as atividades mistas das atividades “X e

TrS propulsivas10” e, por extensão, ampliar a renda do território por um valor multiplicado

(PAIVA, 2013, p.134).

Como já citado anteriormente, a implementação da política local de

desenvolvimento depende da participação cívica. A despeito de sua politização, os

cidadãos das regiões menos cívicas sentem-se explorados, alienados, impotentes. A falta

de instrução e o ambiente pouco cívico acentuam o sentimento de exploração e

impotência. Em toda comunidade, os mais instruídos sentem-se mais eficazes, pois a

educação representa status social, capacidade pessoal e contatos. Mas mesmo essas

vantagens não suprem inteiramente o cinismo e a alienação que imperam nas regiões

menos cívicas, por exemplo da Itália (PUTNAM). Os cidadãos instruídos das regiões

menos cívicas sentem-se quase tão impotentes quanto os cidadãos menos instruídos das

regiões mais cívicas. O ambiente comunitário influencia ainda mais a eficácia entre os

menos instruídos do que entre os mais instruídos.

Nas regiões menos cívicas acentuam-se as diferenças de classe no tocante ao

sentimento de impotência do cidadão. Honestidade, confiança e observância da lei são aspectos enfatizados na maioria das definições filosóficas da virtude cívica. Diz-se que na comunidade cívica os cidadãos procedem corretamente uns com os outros e esperam receber em troca o mesmo tratamento. Esperam que seu governo siga padrões elevados e obedecem de bom grado às regras que impuseram a si mesmos. Numa tal comunidade, diz Benjamin Barber, “os cidadãos não fazem nem podem fazer o que bem entendem, pois sabem que sua liberdade é uma consequência de sua disposição para deliberar e agir de comum acordo”. Numa comunidade menos cívica, ao contrário, há maior insegurança, os cidadãos são mais desconfiados, e as leis, concebidas pelos maiorais, são feitas para ser desobedecidas. Honestidade, confiança e observância da lei são aspectos enfatizados na maioria das definições filosóficas da virtude cívica.

Por não terem a mesma autodisciplina confiante dos cidadãos das regiões cívicas, as pessoas das regiões menos cívicas têm que apelar para o que os italianos chamam de “forças da ordem”, isto é, a polícia. Esses cidadãos não dispõem de outro

10 Existêm três tipos de cadeias propulsivas: as exportadoras (X Propulsivas), as baseadas em transferências governamentais (G Propulsivas) e as baseadas na oferta de serviços a agentes não domiciliados (TrS Propulsivas). Vale observar a mudança no padrão de referência ao último tipo de cadeia propulsiva que era referida como “M Propulsiva” (porquanto M é o símbolo consagrado na economia para importação e estas cadeias se estruturam sobre a atração/importação de consumidores) no relatório de 2012. A partir de meados de 2013 passamos a nos referir às mesmas como TrS Propulsivas com vistas a deixar mais claro que sua capacidade dinamizadora encontra-se na transferência privada de recursos em função da atratividade turística e da qualidade dos serviços do território.

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recurso para solucionar o dilema hobbesiano fundamental da ordem pública, pois carecem dos vínculos horizontais de reciprocidade coletiva que funcionam mais eficientemente nas regiões cívicas. Na falta de solidariedade e autodisciplina, a hierarquia e a força constituem a única alternativa à anarquia (PUTNAM, 2006, l.3370-3374).

Em uma série de sondagens nacionais realizadas entre 1975 e 1989, perguntaram

(PUTNAM) a cerca de 25 mil pessoas se estavam “muito satisfeitas, razoavelmente

satisfeitas, não muito satisfeitas ou nada satisfeitas com a vida que levam”. Os cidadãos

das regiões cívicas estão muito mais satisfeitos com a vida. A felicidade mora em uma

comunidade cívica. No outro pólo estão as regiões “não cívicas”, devidamente

caracterizadas pelo termo francês incivisme. Nelas a vida pública se organiza

hierarquicamente, em vez de horizontalmente, e o próprio conceito de “cidadão” é

deformado. Do ponto de vista do indivíduo, a coisa pública é problema dos outros, dos i

notabili, “os chefões”, “os políticos” e não meu. Poucos querem tomar parte das

deliberações sobre o bem público e poucas oportunidades existem para isso.

Nas regiões menos cívicas, a participação política é motivada pela dependência

ou ambição pessoais, e não pelo interesse coletivo. A afiliação a associações sociais e

culturais é inexpressiva. A religiosidade individual substitui o interesse público. A

corrupção geralmente é considerada a norma, mesmo pelos políticos, e estes são cínicos

com relação aos princípios democráticos. “Transigir” só tem conotação negativa. As leis

são feitas para serem desobedecidas, mas, por temerem a insubordinação dos outros, as

pessoas exigem maior disciplina. Presos nessa cadeia de círculos viciosos, quase todos se

sentem impotentes, explorados e infelizes. Considerando a experiência da Itália moderna,

conseguimos perceber a importância para o território do envolvimento cívico de nossos

dias (PUTNAM, 2006, l.3374-3377).

A questão cívica impacta também no financiamento das iniciativas locais, o

fato básico da história econômica europeia do século XII em diante foi a mobilização da poupança para fins produtivos num grau inimaginável em séculos anteriores (...). Foi o senso comum de honestidade, fortalecido pelo sentimento de pertencer a uma comunidade integrada, independentemente das obrigações contratuais, que tornou possível a todo tipo de pessoas participar do processo produtivo com sua poupança (PUTNAM, 2006, l.4096-4102).

Os dados históricos, tanto de épocas remotas quanto recentes, nos levam a suspeitar (assim como outros) que os fatores socioculturais têm papel importante na explicação. A bem dizer, qualquer interpretação baseada num único fator certamente será equivocada. As tradições cívicas por si só não desencadearam (nem, nesse sentido, “causaram”) o rápido e duradouro progresso econômico do Norte Italiano no século passado; tal decolagem deveu-se a mudanças no contexto nacional, internacional e tecnológico. Por outro lado, as tradições cívicas ajudam a explicar por

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que o Norte conseguiu reagir mais eficazmente do que o Sul aos desafios e oportunidades dos séculos XIX e XX (PUTNAM, 2006, l.4883-4889).

Para reforçar nossa tese da necessidade, ou pelo menos de uma grande ajuda, de

uma forte participação cívica na estruturação de uma institucionalidade propícia ao

desenvolvimento, uma das características distintivas desses distritos industriais

descentralizados, porém integrados, na Itália é a combinação aparentemente contraditória

de concorrência e cooperação. As empresas competem acirradamente no campo da

eficiência e da inovação em produtos, mas cooperam nos serviços administrativos, na

aquisição de matérias-primas, no financiamento e na pesquisa. Essas pequenas empresas

combinam baixa integração vertical com alta integração horizontal, subcontratando para

trabalho extra concorrentes temporariamente subempregados. Associações industriais

prestam assistência administrativa e até mesmo financeira, enquanto os governos locais

propiciam a infraestrutura e os serviços sociais indispensáveis, como treinamento

profissional, informação sobre mercados de exportação e tendências mundiais da moda

etc. O resultado é uma estrutura econômica tecnologicamente adiantada e altamente

flexível, que se mostrou a mais indicada para competir no dinâmico mundo econômico

dos anos 1970 e 1980. Não admira que nessas duas décadas essas regiões de

especialização flexível tenham gozado de uma prosperidade acima da média (PUTNAM,

2006, l.4904-4908).

Essa estrutura econômica peculiarmente produtiva tem por fulcro

um conjunto de mecanismos institucionais que possibilita a coexistência da competição com a cooperação, na medida em que impede o oportunismo. “Uma vasta rede de associações econômicas privadas e de organizações políticas (...) gerou um ambiente propício aos mercados, promovendo a cooperação e propiciando às pequenas empresas a infraestrutura que elas sozinhas não teriam como obter.” (PUTNAM, 2006, l. 4909-4913).

Nos distritos industriais há grande mobilidade social: os trabalhadores deixam de

ser assalariados para tornarem-se autônomos e vice-versa. Os sindicatos geralmente são

fortes e as greves não são raras, mas o “pacto social” incentiva a flexibilidade e a

inovação. É comum haver mútua assistência, e as inovações técnicas propagam-se

rapidamente de uma empresa para outra. A importância da cooperação horizontal

entre as pequenas empresas e os trabalhadores-proprietários contrasta com o predomínio

da autoridade e da comunicação verticais nas grandes empresas convencionais de outras

partes da Itália. Em suma, à diferença das economias de escala “internas” enfatizadas

pelas teorias empresariais clássicas, os distritos industriais marshallianos priorizam as

“economias externas”. “O rigor das ideias econômicas alia-se ao cálculo menos preciso

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das vantagens coletivas, criando um senso de solidariedade profissional que serve de pano

de fundo e limite à concorrência entre as empresas.”

Piore e Sabel concluem que “a coesão da indústria repousa sobre um senso

comunitário mais fundamental, do qual as várias formas institucionais de cooperação são antes o resultado do que a causa (...). Uma das ironias do ressurgimento da produção artesanal é que o emprego da moderna tecnologia depende do revigoramento das afiliações que estão associadas ao passado pré-industrial”. Em geral considera-se que as normas de reciprocidade e os sistemas de participação cívica são a chave do sucesso dos distritos industriais, seja na Itália ou em outros países. Tais sistemas facilitam o fluxo de informações sobre os avanços tecnológicos, a capacidade creditícia de eventuais empresários, as qualificações de cada trabalhador etc. A inovação depende da “constante interação informal nos cafés, nos bares e nas ruas”. As normas sociais que coíbem o oportunismo se acham tão internalizadas que o problema do oportunismo à custa do dever comunitário é aqui menos frequente do que nas áreas caracterizadas pelos sistemas verticais e clientelistas. O fundamental nesses distritos de pequenas indústrias, segundo a maioria dos observadores, é a confiança mútua, a cooperação social e o forte senso do dever cívico, em suma, o apanágio da comunidade cívica. Não admira que esses distritos altamente produtivos estejam concentrados naquelas mesmas regiões da Itália setentrional e central que apontamos como centros das tradições cívicas, da comunidade cívica contemporânea e do governo regional de alto desempenho (PUTNAM, 2006, l.4928-4934).

Entendemos que essas constatações a respeito dos antecedentes culturais do

desenvolvimento econômico são mais instigantes do que propriamente conclusivas. Seria

ridículo supor que as tradições cívicas são o único, ou mesmo o mais importante, fator

determinante da prosperidade econômica. Na verdade, como afirmam os geógrafos

históricos britânicos John Langton e R. J. Morris, “se é o legado cultural ou o

desenvolvimento econômico que constitui um elemento independente é algo que depende

muito da escala temporal na qual se concebe o processo histórico. Obviamente ambos

interagem, influenciando-se mutuamente. Não há uma relação de causa e efeito, mas um

processo dialético de reciprocidade”. Nosso modelo de duas variáveis é demasiado

simples para dar conta de todos os fatores capazes de influenciar o progresso econômico

regional, tais como recursos naturais, situação em relação aos principais mercados e

políticas econômicas nacionais (PUTNAM, 2006, l.4934-4943).

Demonstramos nos exemplos mencionados acima, que envolvem territórios de

dimensões variadas, que a construção de uma vitalidade cívica é inspiradora de uma

institucionalidade. Para usarmos um exemplo nacional, na área do crédito, merece

também destaque uma ação muito afirmativa de um conjunto de pessoas em um bairro

muito pobre da periferia de Fortaleza. Pessoas que resolveram arregaçar as mangas e, por

meio de um banco e de uma moeda local, alavancaram a qualidade de vida de sua

comunidade, o conjunto Palmeiras, através do Banco Palmas. Mais uma vez, a força

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cívica pode não ter sido o único elemento para a melhora do território, mas com certeza

ajudou.

2.4 - O Morador e o Trabalhador do Território como Foco.

Nesta seção vamos abordar como os exemplos internacionais contemplaram os

moradores e trabalhadores dos territórios onde instalaram os habitats de inovação.

Em Barcelona, para a geração de empregos e oportunidades para os profissionais

que habitam e/ou trabalham no distrito, há o acesso a oportunidades educacionais e

ambientes de relacionamento em eventos como o 22@Update Breakfast, realizado

mensalmente. Nele há articulação com agentes da tríplice hélice, comunicação com

diferentes públicos e comunidade e atrações culturais, com a finalidade de atualizar a

comunidade sobre os novos desenvolvimentos urbanos e inovações desenvolvidas no

Distrito. O evento é itinerante, sendo realizado em diferentes empresas e instituições

presentes no distrito (INOVAMFRI, 2015).

Para a Cultura e Inovação Social há um esforço pelo desenvolvimento de um

sentimento de orgulho de pertencer ao Distrito, como profissional ou residente. Assim, as

diferentes organizações agremiadoras do Distrito procuram manter canais de

Comunicação com os moradores, e iniciativas como o 22@ Districte Digital, que busca

incentivar o uso das novas tecnologias de informação e comunicação no quotidiano dos

cidadãos locais. O estímulo é mutuamente benéfico, já que leva serviços inovadores que

suportam uma melhor qualidade de vida para os moradores e também estimula empresas

a desenvolver novos serviços. O estímulo ao voluntariado é uma das políticas de

engajamento dos cidadãos e profissionais do distrito 22@.

Organizações do 3o setor fazem uso do programa 22@Voluntariat que procura

reunir profissionais voluntários para apoiar projetos culturais, educacionais e sociais. São

diversas as atividades, como apoiar na alfabetização digital, assistência a pessoas com

mobilidade reduzida, consultorias de gestão para projetos sociais e culturais, e

intercâmbios linguísticos. Diferentes projetos educacionais e culturais são articulados

pela própria agência do Distrito de Inovação. Iniciativas de educação nas áreas de

inovação do Distrito são ofertadas em parceria com os cinco clusters, além de incentivar

o gosto por ciência e tecnologia. Não foram identificadas iniciativas independentes com

foco específico em Empreendedorismo Social (INOVAMFRI, 2015).

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Em Boston há diversas organizações de artistas na região que focam no resgate e

manutenção da arte local urbana. Há políticas públicas específicas que regulam projetos

residenciais em Boston. Entre eles, as empresas de construção civil têm a obrigação de

construir unidades habitacionais acessíveis à classe trabalhadora. Um projeto de 2006

obriga que 15% das unidades construídas sejam precificadas para famílias de classe

média. Seu principal propósito é estimular a diversidade. Estas famílias não se qualificam

para programas de habitação com custos reduzidos. Neste projeto, 325 unidades de custo

reduzido e 325 unidades acessíveis para a classe média serão criadas.

O District Hall6, que abriu em 2014, é uma área de 1100 metros quadrados que

funciona como Centro de Inovação e é locado pelas empresas imobiliárias para a BRA e

a cidade de Boston por $1 por ano por um período mínimo de 5 anos com direitos

renováveis por um período adicional de mais 5 anos. É um espaço cívico dedicado no

qual a comunidade de inovação pode se reunir e trocar ideias. Há um espaço aberto de

trabalho, salas de aulas, auditórios e é revestido de paredes internas nas quais se pode

escrever à vontade. Ele é resultado de uma colaboração público- privada. A visão da

Cidade de Boston para o Distrito de Inovação pedia um ambiente de encontros para

inovadores e suas ideias. O prédio foi construído pelo fundo privado Boston Global

Investors, sendo seu primeiro projeto no masterplan do Seaport Square. Ele não é um

espaço de eventos comum. Com propósito público e natureza cívica, sua missão é

construir, fortalecer e conectar indivíduos e comunidade de inovadores enquanto expande

o alcance, visibilidade e benefícios da economia de inovação da Grande Boston

(INOVAMFRI, 2015).

O principal serviço prestado pelo District Hall é de locação de espaços para

trabalho e eventos. Contudo, a realização de eventos com o propósito de apoiar a

comunidade é, também, uma atividade relevante para seu papel de incentivador da

inovação. A VCF parte da premissa de que toda inovação tem uma raiz social. Ou seja,

acontece graças a conexões entre pessoas. Em Montreal há diversas organizações

orientadas ao Empreendedorismo Social que interagem com o QI. Vale destacar:

• Communautique14 - Hub de Inovação Aberta dedicado à aprendizagem,

colaboração, pesquisa e experimentação em Empreendedorismo Social e

Tecnologia. Entre seus diversos projetos, a organização tem um FabLab, um

laboratório de fabricação digital que abre gratuitamente ao público, cobrando

apenas o uso de máquinas e insumos. O FabLab realiza cursos e laboratórios de

codesign, apoiando a comunidade empreendedora em iniciativas de fabricação

digital.

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• Salon 1861 - é um ambiente de coworking que abriga diversas iniciativas locais

de empreendedorismo com foco em impacto social.

• A Social Economy Initiative, da Universidade McGill, desenvolve programas de

graduação e pós-graduação com foco em gestão integrada, motivando estudantes

a integrar iniciativas globais com foco em empreendedorismo social. Um dos

projetos desenvolvidos pelo SEI é o Social Innovator's Integration Lab, que é um

observatório para monitorar iniciativas e desenvolver uma maior compreensão da

inovação e empreendedorismo social.

• École innovation citoyenne - A Escola de Inovação Cidadã é uma iniciativa da

Universidade ETS que consiste em um laboratório urbano de inovação social que

reúne diversos agentes para propor soluções criativas para problemas sociais,

econômicos, culturais e ambientais.

• Société de développement social - Uma iniciativa que se apresenta como uma

“corretora de valores sociais”, propondo ser uma ponte entre o mundo dos

negócios e a comunidade, engajando pessoas de diferentes áreas de conhecimento

na solução de problemas sociais.

O Porto Digital em Recife, localizado na região central da cidade, já conta com

suficiente oferta de acomodações permanentes e temporárias. Como benefícios

intangíveis, o Parque cita a formação de um ecossistema único no Brasil, que inclui a

proximidade com os clientes, a qualidade de vida, o networking, a promoção institucional

das empresas embarcadas no Parque, a integração e cooperação, o direito do uso da marca

do Porto Digital, a responsabilidade socioambiental e a natureza inovadora do projeto

(INOVAMFRI, 2015).

O Porto Digital administra dezenas de projetos voltados à melhoria da

competitividade do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e Economia

Criativa (EC). O parque também promove ações de sustentabilidade e melhoria do bem

estar nas cidades e mobilidade urbana. Com o objetivo de ampliar a oferta de mão de obra

qualificada em seu ambiente, o Porto Digital mantém um programa permanente de

qualificação voltado para os colaboradores do Parque. São cursos de idiomas, linguagens

de programação, cursos técnicos em tecnologias e processos. Especificamente, o

programa de qualificação visa eliminar gargalos técnicos dos profissionais dos setores de

TIC e EC, dando suporte ao crescimento do ecossistema e aumentando o nível de

competitividade dos dois setores.

O site da Tecnopuc apresenta informações sobre a origem e estruturas do parque.

Suas mídias digitais apresentam boa oferta de informações e atualidade das publicações.

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Não há, contudo, evidências da articulação do Tecnopuc com a comunidade não

relacionada ao parque.

Em Florianópolis, Cultura e inovação social estão ligadas ao Centro de Apoio à

Inovação Social, uma iniciativa do ICom, que oferece espaço e serviços a organizações e

pessoas que desejam fazer a diferença na Grande Florianópolis. Por meio da oferta de

espaços colaborativos para trabalho e troca de experiência, o projeto busca inspirar ideias

que levem a soluções para desafios da comunidade. Uma agenda de eventos dinâmica

procura reunir empreendedores sociais, líderes, voluntários e investidores em prol de um

bem comum (INOVAMFRI, 2015).

Resumindo a argumentação até aqui apresentada, em todas as sociedades os

dilemas da ação coletiva obstam as tentativas de cooperar em benefício mútuo, seja na

política ou na economia. A coerção de um terceiro é uma solução inadequada para esse

problema. A cooperação voluntária (por exemplo, associações de crédito rotativo)

depende do capital social. As regras de reciprocidade generalizada e os sistemas de

participação cívica estimulam a cooperação e a confiança social porque reduzem os

incentivos a transgredir, diminuem a incerteza e fornecem modelos para a cooperação

futura. A própria confiança é uma propriedade do sistema social, tanto quanto um atributo

social. Os indivíduos podem ser confiantes (e não simplesmente crédulos) por causa das

normas e dos sistemas em que se inserem seus atos.

Criar capital social não será fácil, mas é fundamental para fazer a democracia

funcionar. Para o projeto Núcleo Casa Verde será o grande desafio, que viabilizará o

projeto.

2.5 - Indicadores de Qualidade de Vida - Caso Canadense CIW e seus Impactos

Parece claro que estabelecer um projeto em um território e não medir seus

resultados e a quem está se beneficiando, não faz o menor sentido. No território nacional

temos uma série de experiências bem sucedidas, dentre elas a do IRBEM11, que de forma

muito criativa desenvolveu um painel de controle flexível para cada cidade para monitorar

as questões chaves do território. Um grande legado do IRBEM foi criar em muitos

municípios uma lei que obrigava os prefeitos, logo após sua posse, criar indicadores para

11 IRBEM- Indicadores de Referência de Bem Estar no Municipio - https://www.nossasaopaulo.org.br/irbem/

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mostrar à população seus objetivos e progressos de forma clara, dando transparência às

promessas de campanha e às estratégias de implementá-las. No entanto, no que se refere

à cidade de São Paulo, a partir de 2014 a prefeitura preferiu criar seu próprio painel de

indicadores, o “Observa Sampa”. Nele encontramos os indicadores propostos pela

administração municipal, desde 2014, de forma regionalizada, mas bem afastado da

lógica de ouvir a população.

No extremo oposto da América encontramos o caso canadense, que trabalha na

direção contrária da lógica tradional da cidade de São Paulo, com o seu “Observa Sampa

2018” top down, que pouco escuta as demandas das pessoas. Os canadenses fizeram a

leitura das necessidades das pessoas no Canadá, região a região, e a partir disto foi criado

um indicador claro para verificar se as regiões, e em consequência o país, estava rumando

na direção correta. Este indicador, o Canadian Index of Wellbeing (CIW), busca avaliar

o nível de bem-estar da população combinando diferentes aspectos, descolando-se

totalmente do PIB Canadense, com grandes impactos no entendimento das estratégias de

crescimento e suas derivações para a qualidade de vida das pessoas.

Para vermos a precisão de tal instrumento de medida, os canadenses tinham

a sensação de que nem tudo ia bem no Canadá, mas perceberam que era mais que um

sentimento, e sim um fato. Quando compararam as tendências do bem-estar dos

canadenses com o crescimento econômico no período de 1994 a 2014, a diferença entre

o PIB e o bem-estar era enorme e continuava crescendo. Quando os canadenses vão para

a cama à noite, eles não estão preocupados com o PIB. Eles estão preocupados em reunir

horas suficientes de emprego de meio período, aumento de mensalidades e moradia

acessível. Eles estão pensando na última vez em que se reuniram com amigos ou na

próxima vez que podem tirar férias. Talvez seja por isso que estão dormindo menos que

há 21 anos atrás.

Por mais de 10 anos o CIW, criado na Universidade de Waterloo, forneceu

análises abrangentes de como os canadenses realmente estão nas áreas que mais importam

para suas vidas. Ele baseia-se em quase 200 fontes de dados confiáveis, principalmente

da Statistics Canada, que fornecem 64 indicadores representando oito domínios

interconectados de importância vital para a qualidade de vida. A estrutura da CIW é o

resultado de amplas consultas com canadenses de todo o país, bem como com

especialistas nacionais e internacionais.

O CIW adota uma abordagem sistêmica e identifica os principais pontos de

alavancagem que têm impacto positivo no bem-estar em vários domínios, como:

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112

vitalidade comunitária, engajamento democrático, educação, meio ambiente, populações

saudáveis, lazer e cultura, padrões de vida e uso do tempo.

Após a recessão de 2008, a economia se recuperou com base no PIB. Porém o

bem-estar dos canadenses deu um passo significativo para trás e só começou a se

recuperar mais recentemente. De 1994 a 2014, enquanto o PIB cresceu 38,0%, o bem

estar aumentou apenas 9,9%. De fato, a diferença entre o crescimento do PIB per capita

e o bem-estar dos canadenses é ainda maior do que durante o período imediatamente

anterior à recessão. Em 2007, a diferença entre o PIB e o CIW foi de 22,0%. Em 2010, a

diferença subiu para 24,5% e, em 2014, saltou para 28,1% (Figura 5).

Figura 5 - Relação entre crescimento do PIB Canadense e o CIW

Fonte: Relatório Canadense CIW, 2016

Com inspiração no exemplo canadense, no projeto Núcleo Casa Verde serão

confrontadas as imagens de futuro a serem materializadas com a pesquisa dos entes do

território e cruzá-las com os indicadores do CIW, a fim de identificarmos se estamos de

alguma maneira perdendo uma perspectiva de medição importante para monitorar a real

qualidade de vida do território. Existem vários indicadores no Brasil, por exemplo o IPS

(índice de progresso social), um de nossos parceiros no projeto Núcleo Casa Verde. Nele

são levados em consideração as necessidades Humanas Básicas, fundamentos de Bem-

Estar e Oportunidades, vide Figura 6.

Page 112: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

113

Figura 6 – Estrutura do Índice de Progresso Social (IPS)

FONTE: IPS BRASIL

A importância de medir os esforços com indicadores balanceados

Indicadores atuais, como o PIB ou qualquer outro baseado somente no

crescimento econômico, não medem a qualidade de vida no sentido amplo da palavra e

dão uma resposta parcial às questões do desenvolvimento econômico sustentável, sendo

portanto inadequados para gestão pública.

Logo, seria importante realizar uma revisão do conjunto de indicadores usados

para medir o real nível de desenvolvimento sustentável a fim de se evitar a baixa

compreensão das populações, empresas e cidades acerca de suas reais condições,

permitindo comparações nacionais e internacionais que nos ajudem a construir caminhos

mais curtos para o desenvolvimento.

É fundamental mostrar que indicadores balanceados e adequados às necessidades

do território e das pessoas podem promover uma mobilização e um ganho de

produtividade e inovação geral no território, respeitando a natureza. Também importante

é apresentar modelos de desenvolvimento locais que, se bem implementados e

monitorados com indicadores que sejam inteligíveis e apropriados pela população e

demais entes do território, podem encurtar o tempo de implementação dos projetos e

aumentar o nível de bem-estar locais.

Page 113: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

114

Algumas estatísticas apresentadas por Jackson (2009) merecem atenção. Nos

últimos 25 anos a economia mundial duplicou de tamanho, enquanto se estima que 60%

dos ecossistemas mundiais foram degradados. Além disso, as emissões de carbono

cresceram 40% desde 1990, sendo as emissões de carbono uma das principais causas

morte da cidade de São Paulo.

Existem indicadores alternativos, como por exemplo o IDH, um indicador que

busca sintetizar abundantes e relevantes informações em um número único. Ele teve o

mérito de quebrar a hegemonia do PIB, conquistando um espaço na agenda mundial,

independentemente de suas fragilidades.

O IDH é composto pelo índice de expectativa de vida, o índice de nível de

instrução (alfabetização + escolaridade) e índice de renda por habitante, calculado pela

média aritmética dos três sub-índices, resultando em valores de 0 a 1, onde:

• Baixo IDH está entre 0 e 0,499;

• Médio IDH está entre 0,50 e 0,799;

• Alto IDH está entre 0,8 e 0,899 e

• Muito alto IDH está entre 0,9 e 1.

O índice de bem-estar do Canadá (CIW) é, no entanto, mais holístico. Com ele foi

possível identificar, por exemplo, que entre 1994 e 2010 algumas áreas foram bem

avaliadas (como a educação) e em outras nem tanto (ambiente físico). Assim, o índice

permite a comparação composta, ao mesmo tempo permitindo a desconstrução até suas

partes componentes para análise posterior e resposta política. A vantagem deste modelo

é que ele se baseia em dados secundários, dados já coletados para outros fins, por isso

mantém os custos baixos e prazos apertados. Esse aspecto do modelo também garante a

sustentabilidade do índice ao longo do tempo.

Para exemplificar a utilidade do índice (CIW) usamos um estudo feito por Susan

Elliott (professora da Universidade de Waterloo, membro do Canadian Index of

Wellbeing, e principal pesquisadora do Global Index of WellBeing) e Paul Yip (professor

da Universidade de Hong Kong), comparando o Canadá com Hong Kong. Neste estudo

mostram que Hong Kong alcançou um PIB elevado com baixo desemprego, mas o bem-

estar em uma sociedade tão competitiva foi negligenciado. Hong Kong tem um dos

maiores PIB per capita nesta região (US $ 56.719) mas não é conhecida pela felicidade

do seu povo. Já o Canadá tem um PIB per capita inferior (US $ 44.310) mas é visto como

desfrutando de um considerável bem-estar. Os butaneses só ganham US $ 8.077, mas

parece que as pessoas estão felizes e contentes. O que realmente importa?

Page 114: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

115

Desde 1944, os Estados membros da ONU usaram o produto interno bruto como

medida padrão do bem-estar econômico de sua população. Tem havido debate sobre o

uso e utilidade de tal medida. Isso realmente mede o bem-estar das pessoas? Para

ser justo, o principal arquiteto do PIB - Simon Kuznets - entendia suas limitações.

Segundo ele: “O bem-estar econômico não pode ser adequadamente medido a menos que

a distribuição pessoal de renda seja conhecida. E nenhuma medida de renda se

compromete a estimar o lado reverso da renda, ou seja, a intensidade e o desagrado do

esforço que vai para a obtenção de renda. O bem-estar de uma nação não pode, portanto,

ser inferido de uma medida da renda nacional.”

A ideia é medir o valor de um país, estado ou cidade para além do PIB, citando

Robert F. Kennedy: “Observando que o produto nacional bruto não considera a saúde de

nossos filhos, a qualidade de sua educação ou a alegria de suas brincadeiras. Não inclui a

beleza de nossa poesia ou a força de nossos casamentos, a inteligência de nosso debate

público ou a integridade de nossos funcionários públicos ... Não mede nem o nosso

espírito nem nossa coragem, nem nossa sabedoria nem nosso aprendizado, compaixão

nem nossa devoção ao nosso país. Ele mede tudo, em suma, exceto o que faz a vida valer

a pena”.

Revisando a bibliografia acerca dos indicadores, cujas perguntas de pesquisa

englobam quais os indicadores mais funcionais, quais as vantagens e desvantagens de

suas aplicações e comparando experiências nacionais e internacionais do uso destes

indicadores na gestão de cidades e no desenvolvimento tanto público como privado,

podemos perceber que o Canadá fez um trabalho muito bem feito.

Então, o que faz a vida valer a pena? Tomamos emprestado uma definição de

Angus Deaton, o vencedor do Prêmio Nobel de Economia 2015. O bem-estar, diz ele,

refere-se a “todas as coisas que são boas para uma pessoa, que fazem para uma vida boa”.

Inclui “o bem-estar material, como renda e riqueza, bem-estar físico e psicológico,

representado pela saúde e felicidade, a educação e a capacidade de participar na sociedade

civil por meio da democracia e do Estado de Direito”.

Estes indicadores têm servido como termômetros das realizações das cidades,

mas acredito que podemos ir além a partir do uso de ferramentas mistas de comunicação,

medição e execução dos projetos do município. Alinhados aos stakeholders da cidade,

pode-se criar um objetivo comum evidenciando a estratégia de desenvolvimento

sustentável usando a teoria dos Prof. Robert Kaplan e David Norton de Balanced

Scorecard (BSC) que aparece no livro Mapas Estratégicos (2004), por meio dos quais

podemos construir uma visão de desenvolvimento comum e clara a toda a comunidade e

Page 115: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

116

traduzir estes interesses em objetivos claros de curto, médio e longo prazo, que possam

ser medidos e acompanhados por todos. Mas que isto não se limite a um painel de controle

ou termômetro e sim que sirva de ferramenta de implementação de ações no território,

cidade, estado ou país sustentável.

Por fim um alinhamento destes indicadores com os ODS, Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável, que foi desenvolvida pela ONU, desde a RIO + 20, que

contém 17 Objetivos, que serão medidos por uma parceria dos institutos de estatísticas de

vários países membros, pode trazer a comparação internacional dos esforços locais e

buscar soluções para os problemas em várias comunidades espalhadas pelo globo. O

desafio é mobilizar a comunidade para um objetivo comum de desenvolvimento

sustentável.

Frente ao que foi exposto nesta seção, justifica-se então um projeto que seja

balizado pelos indicadores corretos e mais sistêmicos. Sem um conjunto de indicadores

sistêmicos se perderá o monitoramento correto da estratégia de desenvolvimento

econômico. É fundamental monitorar as correlações de causa e efeito de cada um dos

objetivos, para que se atinja o objetivo geral de desenvolvimento econômico sustentável.

Com um sistema claro de objetivos, indicadores, metas e com planos de ação detalhados

para cada objetivo, todos os envolvidos poderão monitorar os avanços à medida que

ocorrerem e propor correções ou ajudar a implementar planos de ação que estão fora do

prazo, impactando nos indicadores, se aproximando ou superando as metas e levando a

efeito os objetivos gerais do projeto.

Também parece que o município tem papel relevante na solução dos problemas

de nossa sociedade, como diz o Prof. Ladislau Dowbor em seu livro O que é poder local?,

em suas palavras: “Que o mercado já não constitui um mecanismo suficiente para pôr

ordem na nossa economia é uma evidência. A intervenção do Estado, seja por meio de

planejamento ou diversos mecanismos de financiamento, é necessária, mas não responde

à necessidade de implantação de milhares de iniciativas dispersas em 5.562 municípios

do país”.

O poder local, com os seus instrumentos básicos que são a participação

comunitária e o planejamento descentralizado, constituem, neste sentido, um mecanismo

de ordenamento político e econômico que já deu as suas provas, e é sem dúvida o grande

recurso subutilizado no país.

Em resumo, neste Capítulo dois buscou-se evidenciar a importância da

participação de todos os entes do território para a construção de um objetivo comum,

fundamental para que se possa construir uma relação de pertencimento do plano. Para

Page 116: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

117

isso usamos exemplos nacionais e internacionais na América, Europa e Ásia, que a partir

visão compartilhada construída, juntaram o potencial econômico instalado, o poder

público e todos os entes do território para a implantação de um projeto de

desenvolvimento sustentável.

Fica claro pelos exemplos do capítulo que a participação melhora o controle, a

transparência e o envolvimento de todos, e nos dá embasamento para propor as ações do

projeto Núcleo Casa Verde descritas no capítulo três.

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118

Cap. 3 – A EXPERIÊNCIA DA CASA VERDE: UM PROJETO EM

CONSTRUÇÃO

O objetivo geral deste trabalho é construir uma proposta de desenvolvimento

sustentável de um território, ouvindo as vontades e necessidades de todos os moradores e

das pessoas que trabalham na região, cruzar estas vontades com o potencial econômico

instalado e seu potencial futuro, com foco em aproveitar as cadeias produtivas instaladas

e a revolução tecnológica na qual estamos vivendo, para alinhar as vontades e potenciais

às tendências das evoluções setoriais e as tecnologias exponenciais que prometem um

mundo de abundância, tudo isto monitorado por indicadores discutidos e acordados com

todos. Para isto o bairro da Casa Verde em São Paulo, Capital, será utilizado como projeto

piloto.

O projeto se propõe a construir uma visão compartilhada, ou como denomina Peter

Senge um Objetivo Comum, que muda a perspectiva das pessoas e das empresas em

relação ao projeto de governo, que em geral é top down. Desta forma o projeto passa a

ser “nosso” ao invés de ser deles, pois é por meio do objetivo comum que pessoas e

empresas, que antes não confiavam uma nas outras, passam a trabalhar juntas. A partir

deste objetivo comum surge uma coragem que as pessoas não sabiam que possuíam,

sendo coragem neste caso o fazer o necessário para atingir o objetivo (SENGE,1990).

A visão compartilhada também auxilia a manter a direção quando as pressões

aparecem. Com o objetivo comum ficamos mais propensos a expor nossas ideias, abrir

mão de ideias arraigadas e reconhecer nossas deficiências pessoais e organizacionais. Os

problemas ficam pequenos quando comparados com a importância do que estamos

trabalhando para criar. Como diz Robert Fritz: “Na presença da grandiosidade, a

mediocridade desaparece”. Na ausência de um grande objetivo, a mediocridade prevalece

(SENGE,1990, pag. 192).

3.1 - Métodos e Atividades

Existem vários métodos e teorias a respeito da construção e implementação de um

projeto de desenvolvimento local sustentável e sua implementação. Aqui vamos discorrer

a partir de quais referências propomos um método para o Projeto Núcleo Casa Verde.

Page 118: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

119

A metodologia do DLIS – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável, onde

se busca a indução do desenvolvimento local por meio do investimento em capital social,

é um software livre, que pode ser usado, transferido, emprestado, vendido, modificado, e

como tal vamos emprestar algumas de suas partes. O DLIS hoje é mais uma espécie de

“filosofia” de promoção do desenvolvimento humano e social sustentável por meio do

investimento em capital social, priorizando a articulação e animação de redes sociais

distribuídas (P2P) e a democratização das relações na base da sociedade e no quotidiano

do cidadão, do que simplesmente uma metodologia stricto sensu.

Capital social é um recurso para o desenvolvimento aventado para explicar por

que certos conjuntos humanos conseguem criar ambientes favoráveis à boa governança,

à prosperidade econômica e à expansão de uma cultura cívica capaz de melhorar as suas

condições de convivência social. A metodologia do desenvolvimento local por meio do

investimento em capital social se baseia na idéia de que o capital social depende,

fundamentalmente, de duas coisas: das redes sociais (que ligam horizontalmente pessoas-

com-pessoas, peer-to-peer, ou P2P) e da democracia (na base da sociedade e no

quotidiano do cidadão).

Esta metodologia compreende um conjunto de oito passos:

1. Instalação da Equipe de Articulação da Rede

2. Articulação da Rede (Local)

3. Seminário Visão de Futuro

4. Pesquisa Diagnóstico dos Ativos e Necessidades

5. Elaboração do Plano (Horizonte 10 anos)

6. Agenda Local (1 ano)

7. Pacto Local em torno da Agenda

8. Realização da Agenda (começando por um Projeto Demonstrativo)

Nossa ideia conta na primeira fase deste projeto conhecer a sociedade organizada

desde as escolas de samba do bairro até a indústria e comércio organizados, passando

pelo poder público e ONGs do território. A partir desta aproximação, o próximo passo é

propor uma escuta ativa de como cada um destes grupos gostaria de ver o Bairro da Casa

Verde em 2022, 2030 e 2050, como feito com o CIW e o Planejamento estratégico de

Portland e Detroit.

Nas palavras de Carlos Fuentes “Toda sociedade se constrói tanto com base em

sua história quanto em seus sonhos.” Ou como diz Peter Druker, “A melhor forma de

prever o futuro é criá-lo”. Em um mundo de mudanças enormes de nova realidade batendo

Page 119: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

120

à nossa porta gerando uma série de desafios a serem enfrentados, se construirmos o futuro

de forma coletiva, possivelmente teremos melhores resultados.

Consultando os entes do território, de forma presencial e também ampliando e

aprofundando de forma virtual, poderemos ter as percepções e as vontades da população

residente e flutuante do território. Estas ideias e projetos captados serão sistematizados

em uma plataforma da ONG Cidade Democrática12 que, por meio de um aplicativo, o

EJ13, podem ser votados e comentados por todos os membros do território

independentemente do grupo que postou a ideia. Ao final do processo teremos temas e

projetos prioritários votados por toda a comunidade, o que nos dará uma ideia do que é

mais urgente para o território na opinião das pessoas, empresas, poder público e sociedade

organizada.

Um segundo trabalho concomitantemente é um estudo de potencial econômico,

feito a quatro mãos pelo pesquisador e pela URBAN, que vai buscar apresentar um

olhar estatístico, econômico e da infraestrutura do território, com os mapeamentos das

cadeias produtivas instaladas no território.

Como terceira etapa, será feito um estudo do trabalho contratado pela AMFRI

sobre setores de maior potencial de crescimento nos próximos anos, em função das

mudanças tecnológicas e tendências setoriais, tanto para o Brasil como para diversos

países do mundo.

Haverá uma quarta etapa em que estes materiais coletados nas fases um, dois e

três serão transcritos e materizados em imagens ilustrando cenários idealizados do

território em 2022, 2030 e 2050. Tais imagens serão criadas em parceria com urbanistas

e arquitetos do Cenários Urbanos Futuros (CUF) e de um mapa estratégico da região, com

objetivos, indicadores e metas, descrevendo tais imagens, que serão levadas à apreciação

na fase cinco.

A fase cinco é onde a sociedade organizada se depara com as imagens idealizadas

para 2022, 2030 e 2050, a partir das escutas feitas na fase um, dois e três, as valida e ou

as altera, juntamente com o mapa estratégico construído para dar forma às imagens da

Casa Verde ideal das três datas futuras. Deste encontro do território sairão grupos

multidisciplinares que irão materializar os planos de ação de cada um dos objetivos

12 O Instituto Cidade Democrática (ICD) oferece software livres e presta serviços para que governos e organizações sociais possam criar pesquisas de opinião e consultas participativas e qualifiquem a tomada a decisão de políticas e investimentos. 13 EJ -Empurrando Juntos- O objetivo do app é oferecer uma ferramenta de baixo custo que possa servir tanto para consulta a programas e políticas, quanto para a avaliação de serviços e equipamentos públicos em cidades.

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121

estratégicos acordados, validando com este processo um projeto de objetivo comum para

uma CASA VERDE de 2022, 2030 e 2050.

A partir destes trabalhos, o projeto promove a criação de uma agência de inovação,

desenvolvimento e acompanhamento dos projetos do território, denominada NÚCLEO

CASA VERDE, responsável em conjunto com a comunidade, e com parcerias com USP,

FEI, MAUÁ e PUC-SP, empresas e setor público local, por acompanhar os desenhos dos

planos de ação e sua execução. O Núcleo Casa Verde será o responsável por coordenar a

validação do desenho, criar os indicadores e metas do território, com toda a comunidade,

e de cocoordenar os grupos de ações, que são compostos pelos entes do bairro.

No projeto estão previstos uma incubadora de aplicativos para territórios, para

testar melhorias na gestão, um banco local e moeda local para o microcrédito nas partes

mais vulneráveis do bairro, uma agência de inovação que buscará, em função da demanda

das empresas e dos desenvolvimentos das Universidades parceiras, melhorar a

produtividade média do bairro tanto de empresas como do poder público e ONGs locais,

além é claro de viabilizar as demais demandas do território segundo a estratégia e a

priorização dos projetos decididos pela comunidade.

O cronograma será o seguinte:

• Fase I: Levantamento e contato com as várias entidades representativas do

bairro, de igrejas a escolas de samba, passando pelos empresários e poder

público (segundo semestre de 2018 e 2019);

• Fase II:coleta dos dados e vontades dos entes do território da Casa Verde,

por meio da ferramenta disponibilizada pelo ONG Cidade Democrática

(primeiro semestre de 2019);

• Fase III: acompanhamento e ajuda no levantamento de potencial instalado

no território da Casa Verde, com as respectivas plotagens

georeferenciadas no mapa do território (primeiro semestre de 2019);

• Fase IV: cruzamento dos resultados das Fases II e III com os resultados

das tendências para os setores mais promissores e ver o que há de sinergia

com o território, quais as cadeias produtivas relevantes, seus gargalos, o

que deveria ser incentivado e o que não, além de observar necessidades de

projetos de baixo custo e alta alavancagem para o território (segundo

semestre de 2019);

• Fase V: transcrição dos resultados das Fases II, III e IV em imagens com

ajuda dos urbanistas e arquitetos do CUF (segundo semestre de 2019);

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122

• Fase VI: construção do mapa estratégico representado nas imagens da

Casa Verde de 2022, 2030 e 2050, e validá-los com a comunidade local,

em um evento com a maior participação possível dos públicos ouvidos do

território (segundo semestre de 2019);

• Fase VI: criação da agência de inovação, desenvolvimento e

acompanhamento dos projetos do território, denominada NÚCLEO CASA

VERDE, com foco na execução e monitoramento do projeto (segundo

semestre de 2019).

3.2 – Inovação, Visão e Gestão Compartilhada e o Engajamento Cívico Como

Eixos Centrais

Conforme De Mello e Mello (2015), a partir da crise financeira global em 2008,

países como os Estados Unidos passaram a reforçar investimentos em ambientes para a

inovação, a fim de proporcionar incremento na economia e aumentar as oportunidades de

emprego em determinadas regiões. A mudança de pensamento interfere na concepção dos

parques tecnológicos, os quais vêm sendo planejados como distritos de inovação. Na

definição dos autores, os distritos de inovação são arranjos imobiliários que contam com

os elementos da chamada tríplice hélice, composta por academia, setor privado e governo,

e buscam a “transformação do conhecimento em desenvolvimento, por meio de atividades

fundadas em ciência, tecnologia e inovação”. A estruturação dos distritos visa à formação

de ambientes sustentáveis para os usuários, a chamada classe criativa, dentro do conceito

de espaço de trabalho, de vida e de lazer (work, live and play).

Entender as tendências tecnológicas é muito importante para projetar

corretamente as políticas econômicas, tanto no nível nacional quanto no internacional

(bem como para tomar as decisões profissionais adequadas no nível individual).

Entretanto, o nosso fascínio pelo o que é mais recente e a nossa depreciação do que já se

tornou comum pode fazer, e fez, com que seguíssemos os mais diferentes tipos de

direções erradas. Algumas questões levantadas por Chang (2015) nos trazem a

preocupação de perceber que o território da Casa Verde se encontra em vários níveis de

desenvolvimento diferentes, cada nível cobrindo grandes áreas sub-territoriais, e com

hiatos de renda do topo ao piso da pirâmide social, necessitando de soluções muito

Page 122: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

123

simples tecnologicamente em determinadas áreas e outras extremamente complexas em

outras (Figura 7).

Figura 7 - Renda no Território da Casa Verde

Fonte: IBGE – Urban Systems

Uma maneira de desenvolver cada subdistrito será fornecer a inovação específica

a cada demanda do bairro, priorizando as de maior impacto social, econômico e

ambiental. O processo de inovação pode ser uma solução para se criar um pólo de

desenvolvimento de uma nova cadeia produtiva ou fomentar a existente, onde a empresa

líder esteja no território permitindo uma agregação de valor e de renda para a região. Com

isto melhora-se a qualidade do emprego no território e se atrai novos players que

aumentam o emprego e a renda, gerando um ciclo virtuoso no bairro.

Em suma, entender os verdadeiros caminhos do investimento pode propiciar a um

território um caminho mais curto para o desenvolvimento econômico, pleno emprego e

maior renda e qualidade de vida para a população local. Para isto há de se mobilizar, com

um planejamento claro e objetivos bem estruturados, políticas detalhadas de implantação

de um projeto de território que, depois de muito trabalho, colha frutos e inspire outros

territórios no cuidado de sua população.

A partir das cadeias produtivas surgidas na fase três do projeto poderemos dizer

com mais profundidade onde agir em inovação no território. Para que o planejamento

reflita os desejos e as aspirações da população local vamos utilizar no território o

Page 123: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

124

aplicativo Empurrando Juntos (EJ), detalhado na seção 1.2. Nossa intenção com a escolha

do EJ é viabilizar os grandes debates políticos nessa ferramenta, podendo envolver toda

a população, sem a elitização atual dos fóruns e plataformas cívicas, e sem os efeitos da

polarização, das bolhas de opinião e de manipulação existentes nas principais redes

sociais, em uma lógica de audiência que é operada por patrocínios e robôs (bots) e onde

a manipulação e a desinformação ajudam a constituir maiorias formadas por um grande

número de fakes.

O aplicativo permite visualizar os grupos de opinião e suas opiniões majoritárias.

Com isto, o EJ criará freios e contrapesos que trazem diversidade para a opinião da

maioria e impedem que só um lado domine o fluxo principal de comunicação. O EJ é

formado também por uma “plataforma de serviços digitais” que tem as seguintes

características:

1) Permitir plugar ferramentas livres de deliberação coletiva e participação;

2) Protocolo de identidade distribuído com privacidade (ao estilo do login

cidadão);

3) Pushes/notificações de engajamento e ação coletiva direcionada aos Apps

móveis;

4) Licença aGPLv3, documentação e estratégia de acolhimento de contribuições

da comunidade.

Para viabilizar a integração com a comunidade se criou três perfis de push no EJ:

criador de consulta, ativista de minoria e ponte de diálogo. Estes três perfis foram

discutidos na seção 1.2.

Os criadores de consulta são os responsáveis pela governança da consulta, ou seja,

os integrantes da equipe do Núcleo Casa Verde, que utilizam o aplicativo para se

comunicar e mobilizar os participantes e grupos formados.

Os ativistas de minorias são lideranças emergentes ou já institucionalizadas (na

sociedade civil ou no Estado) e que propõem a agenda pública ou comunitária na luta por

direitos, representando um conjunto maior de pessoas e opiniões. A ideia é conseguir

conversar com pessoas de seu grupo de afinidade sobre as questões mais polêmicas do

debate, e também permitir que ativistas que não concordem com a opinião majoritária

possam abrir um evento e mobilizar diretamente aqueles de seu grupo.

O terceiro perfil que receberá o “poder” do push é o que chamam de “pessoa

ponte” ou “ponte de diálogo”, atribuído àquelas pessoas identificadas que concordam com

uma opinião da maioria mas estejam “entre” grupos, com uma afinidade balanceada entre

conjuntos distintos de opinião. A ideia então será conectar as pessoas pontes a fim de

Page 124: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

125

trazer diversidade aos grupos. Suas mensagens serão apresentadas para todos aqueles que

concordam com a opinião majoritária e que sejam de grupos próximos mas diferentes

desta pessoa ponte. Com isto apostamos que justamente aqueles que têm opiniões

complexas ou contraditórias podem cumprir o importante papel de dialogar com esta

maioria emergente e incluir complexidade e diversidade para que seus membros reflitam.

Está aí o potencial de reembaralhar os grupos, distender certas polarizações e apresentar

opiniões contraditórias em uma linguagem que viabilize o diálogo (PARRA, 2017).

A plataforma de serviços do EJ trabalhará inicialmente com esses três perfis

identificados, porém as possibilidades são inúmeras. O conceito de usar gameficação para

furar as bolhas e trazer diversidade para as discussões online vai requerer

acompanhamento da adoção e os efeitos da utilização do aplicativo e plataforma, levando

a ajustes dos perfis criados e abertura para criação de novos perfis.

Todo este trabalho de ouvir as comunidades têm como foco buscar onde agir

prioritariamente para construir um desenvolvimento sustentável que faça sentido ao

território da Casa Verde, para que esta informação das vontades posteriormente sejam

cruzados com os potenciais instalados no território e mapeadas as possibilidades de novos

segmentos com tendência de crescimento, e a partir deles se contrua uma visão comum.

Este projeto levará algum tempo pois teremos que construir pontes entre os diversos

atores do território, do governo local (nas suas variadas instâncias), da sociedade civil,

das ONGs, enfim, de todos os que compõem o território, por meio de muitas reuniões

pontuais e de muitas consultas via EJ. A partir disto, usaremos no Núcleo Casa Verde o

conhecimento dos parceiros e Universidades para ajudar na implementação das inovações

pertinentes a cada área ou cadeia produtiva local, das mais incrementais até as mais

disruptivas (às vezes apenas para aquela comunidade).

Quando falamos de inovação, muitas vezes tratado como sinônimo de

modernização, as políticas e os instrumentos são diferentes daqueles imaginados por

quem a concebe como meio para transformação de paradigmas tecnológicos, com

potencial para modificar toda a estrutura produtiva de uma região. A revolução

tecnológica na qual o conhecimento se apresenta como componente essencial traz como

consequência a maior participação da CT&I na agenda. Por meio de investimentos em

pesquisa e desenvolvimento, torna-se possível diversificar a produção econômica de uma

localidade, permitindo acoplar conhecimento a produtos e processos existentes bem como

desenvolver novos negócios e mercados. Temas como indústria 4.0, internet das coisas e

smart cities, nos quais a inovação é componente essencial, inexistiam há alguns anos e

hoje já são objetos de programas governamentais. Adicionalmente, a inovação

Page 125: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

126

tecnológica quando inserida nas organizações, precisa ser tratada como política

transversal porque ela não se faz apenas com ciência e tecnologia. Embora dependa do

conhecimento científico, a inovação tecnológica precisa de políticas educacionais para

garantir recursos humanos qualificados, infraestrutura de pesquisa, uma política industrial

que apoie investimento empresarial em P&D, política econômica que estimule o

empreendedorismo etc. Portanto, a inovação resulta da participação de distintas

iniciativas, e, consequentemente, decorre da coordenação na tripla hélice, mas com

necessário apoio do governo permitindo a esta temática atravessar múltiplas secretarias e

demais estruturas administrativas (MORI, 2017).

Para se organizar a inovação tecnológica, a esfera institucional precisa estar

articulada com todas as hélices para definir as prioridades e os objetivos a serem

alcançados com a política de inovação. Ao demarcar áreas estratégicas de atuação, o

Núcleo e o poder público local poderá agir como Estado Empreendedor, induzindo e

estimulando a criação de novos mercados, trazendo novos temas como a já citada

indústria 4.0 ou a questão de tecnologias limpas. O Núcleo supera assim a visão

tradicional do Estado, de que seu papel na política de inovação se limita a financiar e

garantir um ambiente propício para inovação para apresentar-se como esfera institucional

capaz de coordenar e conduzir os processos desta política. A construção conjunta de

alternativas de ação vale-se da hélice tripla para gerar um Espaço de Consenso capaz de

agregar diferentes stakeholders para discussão e tomada de decisões, a exemplo dos

Conselhos de Inovação já existentes em alguns estados, cuja composição conta com

representantes das três hélices exercendo uma função de construção de convergências.

Mas sem a definição de objetivos explícitos, pactuados e assimilados por todos os atores

como as grandes metas da política de inovação, a agenda pública para o tema tende a

diluir-se em ações descoordenadas com resultados de pouca expressividade, a menos que

se tenha uma tradução para os desafios locais destas políticas macro (JAROSZEWSKI,

2018).

A implementação de programas para aproximação entre universidades e

empresas encontra nas barreiras culturais obstáculos ao trabalho conjunto dessas duas hélices. As estratégias institucionais adotadas de nada adiantam sem a compreensão mútua de universidades e empresas quanto à importância do trabalho conjunto para criar soluções e melhorias pertinentes a todos. Em relação às organizações híbridas, elas devem agir para atingir os objetivos definidos pelas políticas. As incubadoras de empresas devem selecionar propostas em setores econômicos definidos como prioritários, direcionando o surgimento de novas empresas para esses mercados. No entanto, as incubadoras devem destinar parte das vagas para a demanda espontânea da sociedade garantindo apoio a propostas de qualquer segmento. Quanto aos NIT,

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127

além da dificuldade em encontrar profissionais especializados para trabalhar nessas organizações, há a lentidão para a celebração de contratos com as empresas sendo uma das principais causas para essa morosidade os questionamentos de ordem jurídica. Como o marco legal que regula a inovação no Brasil é recente, sendo o último decreto federal da área editado em fevereiro de 2018, há ainda insegurança por parte dos profissionais da hélice universidade em realizar parcerias que possam ser questionadas futuramente pelos órgãos de controle. Assim, diversas ações do NIT seguem para análise das procuradorias/consultorias jurídicas das universidades que não conseguem responder em tempo hábil as demandas pelo excesso de pedidos e escassez de funcionários nessas consultorias (JAROSZEWSKI, 2018).

É preciso superar esse gargalo jurídico ampliando as procuradorias ou mesmo

trazendo para dentro dos NITs advogados especializados em processo de inovação e

propriedade intelectual. Afinal o que buscamos com a inovação são produtos e processos

inovadores com potencial para transformar a vida das pessoas e como reflexo melhorar a

vida no território.

Por fim, formular e implementar política de inovação tecnológica não significa

buscar uma solução “one size fits all”. Conhecer experiências internacionais, como o Vale

do Silício dos Estados Unidos e 22@ de Barcelona, ajuda a compreender a articulação

entre as hélices e o potencial dinamizador da inovação enquanto elemento de

desenvolvimento regional. Entretanto não são modelos replicáveis integralmente porque

a configuração territorial e o processo histórico do desenvolvimento de cada região são

variáveis constituintes de cada sistema de inovação. A solução para os problemas

enfrentados pelos sistemas de inovação pode inspirar-se em modelos externos, mas que

serão reinterpretados à luz da realidade de cada local (JAROSZEWSKI, 2018).

Cassiane Jaroszewski (2018) sistematizou e analisou as formas pelas quais os

governos interagem com as esferas institucionais universidade e empresa em prol da

inovação e do empreendedorismo de base tecnológica. Nas unidades da federação

estudadas, os representantes das hélices universidade e empresas consultados não

conseguiram identificar qual a prioridade da política de inovação tecnológica estadual.

Os indicativos fornecidos por Pernambuco, com sua política de inovação “localmente

inspirada e globalmente conectada”, ou Santa Catarina, como “estado máximo da

inovação”, não foram suficientes para transmitir, com clareza, aos representantes das

outras hélices, o que o governo almeja atingir com o fomento à inovação tecnológica. A

identificação de setores econômicos prioritários encontra-se melhor equacionada em

Pernambuco, com foco na indústria 4.0 e no apoio aos APLs. No Amazonas surge um

movimento para associar inovação aos recursos da biodiversidade e possibilitar um novo

modelo de desenvolvimento em contraponto ao modelo da ZFM. Já em Santa Catarina, a

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128

prioridade da política de inovação não está vinculada a algum setor econômico, mas sim

aos programas Sinapse da Inovação e aos Centros de Inovação.

Os três estados avançaram construindo políticas de inovação que incluem a

dimensão do desenvolvimento regional. Enquanto Pernambuco incrementa os arranjos

existentes, Santa Catarina opta por um caminho distinto ao construir Centros de Inovação

esperando que a infraestrutura física seja elemento dinamizador do ecossistema de

inovação local. Na busca por novos modelos de desenvolvimento para evitar a

dependência da ZFM, o Amazonas investe em empreendedorismo com a primeira edição

do programa Sinapse da Inovação, com particular interesse nos setores que agregam valor

aos recursos naturais da biodiversidade (JAROSZEWSKI, 2018).

No caso específico do território da Casa Verde, para minimizarmos tais problemas

e sermos mais efetivos tanto no diagnóstico como no prognóstico do território, devemos

levar em consideração as questões das cadeias produtivas conforme discutido na seção

1.3. Logo, para reclassificarmos o sistema produtivo local por cadeias (ao invés de

setores), será realizada uma pesquisa primária entrevistando empresários, pesquisadores,

consultores, contadores e demais analistas dos sistemas produtivos locais, como está

previsto na fase dois e três do projeto Núcleo Casa Verde (PAIVA, 2013, p.156).

Mas se não podemos deixar de lado a pesquisa primária, ela não é o ponto

de partida da reclassificação de atividades. Na realidade, a riqueza informacional do quociente locacional (QL) é tamanha que os dados secundários nos permitem constituir hipóteses muito sólidas acerca do sistema de encadeamento em cada território. O ponto de partida é o cálculo do QL de cada uma das atividades do território. Para as atividades urbanas formais (indústria e serviços especificamente capitalistas) o cálculo deve se basear na relação entre emprego setorial e emprego global (tal como propõem Hildebrand e Mace). Para os serviços informais, que abundam nos setores de livre entrada (que vão da prostituição à produção e comércio de alimentos), a melhor base informacional são os Censos Demográficos (PAIVA, 2013, p.157).

Ora, todas as atividades que apresentam um QL particularmente elevado (acima

de 1,5) muito provavelmente são atividades propulsivas, e já sabemos que o número de

cadeias propulsivas em um território periférico é restrito. Logo, é de se pressupor que as

atividades de QL elevado façam parte de algumas poucas (ou mesmo de uma única)

cadeias propulsivas locais. A formulação de hipóteses começa pela identificação das

atividades que apresentam valores elevados, tanto nos QLs, quanto na produção absoluta.

O QL destas atividades serve de referência para a formulação de hipóteses acerca das

cadeias a que estão vinculadas as atividades urbanas (em especial, as atividades

industriais) de QL elevado. A pesquisa primária volta-se apenas à confirmação de

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129

hipóteses que, normalmente, são formuladas a partir de deduções extraídas de

informações secundárias. Na realidade, o movimento mais complexo da reclassificação

das atividades econômicas do padrão setorial para o padrão encadeado não se encontra

tanto no desvendamento dos encadeamentos quanto na identificação das cadeias

autônomas (PAIVA, 2013, p.158).

3.3 - Parceria com a Área de Educação e Cultura, com Foco no Cidadão

Como diz o poeta, “nós queremos diversão e arte”. O território tem sempre suas

produções culturais, e a Casa Verde não é diferente: o samba das escolas de samba e o

samba rock aparece forte na região, o futebol tem na região os últimos seis grandes

campos de várzea ao norte da capital, com milhares de frequentadores. Todas estas

atividades pedem um melhor aproveitamento do seu imenso potencial, seja na cadeia

produtiva dos carros alegóricos, que a tecnologia de construção é trazida de fora, seja no

futebol que se tratado com o devido cuidado poderia prover aos vários membros da

comunidade um futuro melhor fazendo o que gostam e com um rendimento crescente.

Para isto escolas do bairro, escolas técnicas, cursos e universidades podem ajudar

a concretizar o objetivo comum desenhado por todos. A educação é fundamental para

gerar as competências e não expulsar do bairro sua comunidade original com o

crescimento que virá.

Com as fases um, dois e três do projeto concluídas, ficará mais fácil perceber

cadeias da economia criativa distribuídas pelo território e o que elas precisam. O foco é

gerar um desenvolvimento sustentável que abarque todos os moradores e população

flutuante do bairro, crescer a capacidade produtiva das pessoas por meio de educação para

prover o que o território valoriza hoje e o que pode levar o território a um padrão de vida

melhor a todos no futuro. A ideia é gerar um desenvolvimento olhando para as pessoas,

que elas possam continuar morando em um bairro mais desenvolvido porque também

puderam se desenvolver e com isto dispor de recursos diretos ou indiretos que lhes

permitem não serem expulsos do bairro em função de uma especulação imobiliária ou

aumentos de custo de vida no território.

O entendimento do perfil profissional dos moradores, os gaps de formação para

um emprego no território, juntamente com o perfil de empresas locais, irão propiciar,

juntamente com as escolas da região, a realização de um mutirão de treinamento para

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130

aproveitamento destes tão importantes recursos e melhora na qualidade de vida dos

moradores e população flutuante.

Comunicação

As grandes empresas de comunicação cumprem um papel importante de

entretenimento e informação em escala nacional, mas não substituem a necessidade de

cada comunidade dispor dos seus próprios meios de comunicação. Cabe salientar a

importância da comunicação local como fator dinâmico do desenvolvimento. Projetos

isolados podem ser geridos por mecanismos burocráticos simples, mas criar um clima de

dinamismo e uma cultura de mobilização para resolver os problemas locais exige

mecanismos de comunicação vinculados à problemática local, gerando e difundindo

conteúdos que reflitam efetivamente as aspirações e o cotidiano diferenciado de cada

região, com forte participação dos principais atores sociais (PPNADL, p.60).

Localidades pequenas e pobres são essencialmente isoladas. Porém, as tecnologias

atuais permitem generalizar a inclusão digital de forma simples e barata. O EJ, aplicativo

Empurando Juntos, e outras formas de comunicar serão fundamentais para criar uma

comunicação focada nas necessidades locais, seus projetos, necessidades de mobilização

e informar o andamento e o resultado dos projetos locais de forma clara e na linguagem

local.

Um sistema público municipal, no nosso caso distrital, de acesso à internet banda

larga, poderia conectar a baixo custo o pequeno produtor ou um pequeno comerciante,

que poderia então comprar mais barato, pois passaria a conhecer melhor a oferta e a

ampliar as opções de venda. A generalização da conexão atrairá empresas novas, além de

melhorar o funcionamento das existentes. Como a iniciativa é pública, a Sub-Prefeitura

poderá cobrar um pouco mais das empresas, subsidiando assim o acesso de famílias mais

pobres. Já existe hoje um projeto da Prefeitura de São Paulo para criar grandes áreas com

wi-fi, e prevê grande crescimento para o ano de 2019. Ter acesso banda larga nas escolas,

em casa, em cada comércio, no hospital, muda radicalmente o modo de funcionamento

da cidade: é a informação que circula, e não necessariamente as pessoas. Um território

onde os diversos atores sociais e a própria população estão conectados racionaliza o uso

do tempo e de outros recursos. A conectividade em bairros pobres muda a atitude dos

jovens, melhora a produtividade escolar, gera novos interesses, constrói uma outra

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131

cultura. Ninguém mais que o jovem sente o que é estar isolado, desconectado (PPNADL,

p.61).

Marcar uma consulta hospitalar por via digital não custa quase nada,

enquanto tomar o carro ou o ônibus e perder uma manhã gera custos não-desprezíveis. Quem tem de correr, na sociedade atual, não são as pessoas, é a informação. Cabe considerar também o processo na sua evolução: um número crescente de serviços estão sendo deslocados para gestão via internet, como as contas bancárias, e a não conexão significa um aprofundamento da exclusão digital dos pequenos produtores e dos pobres em geral. Assegurar conectividade generalizada tende a ser, hoje, tão essencial como a conexão com a eletricidade ou com a água potável. Generalizar a co- nectividade moderna significa romper o principal freio ao desenvolvimento das pequenas iniciativas, que é o isolamento. Trata-se de generalizar o direito de acesso (PPNADL, p.61).

Nesta direção, algumas das propostas do PPNADL, são muito pertinentes ao

projeto Núcleo Casa Verde:

1. Apoiar a constituição de emissoras locais, controladas por associações ou

consórcios sem fins lucrativos, com forte representação de entidades educacionais

e culturais, de forma a multiplicar, no nível local, meios abertos e participativos

de comunicação para e entre os atores locais de desenvolvimento, que podem hoje

ser uma emissora por internet, captada por um aplicativo nos mais simples

smartphone;

2. Promover a generalização da conectividade de internet, articulando infra-estrutura

pública, software livre e sistema de crédito para compra de computadores básicos,

dinamizando a liberação dos fundos previstos no FUST – Fundo de

Universalização dos Serviços de Telecomunicações, e assegurando

cofinanciamento com o Ministério das Comunicações no caso de iniciativas

municipais e das organizações comunitárias;

3. Apoiar e Fomentar a criação de uma agência nacional de informações sobre

desenvolvimento local, capitalizando e disponibilizando os bancos de dados

existentes sobre iniciativas locais na FGV-SP, PUC-SP, Instituto Pólis, Rede de

Tecnologias Sociais, Fundação Banco do Brasil e outros;

4. Estimular a organização de uma rede de informações/comunicações de micro e

pequenas empresas, com conteúdos específicos de informações comerciais e

tecnológicas, aproveitando experiências pontuais já existentes, em parceria com o

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Ministério do Trabalho e as iniciativas de Economia Solidária e a Rede de

Tecnologias Sociais;

5. Incentivar a constituição de emissoras de rádio e TV nos colégios ou nas

universidades, como parte integral das atividades educativas, contribuindo para

transformar as unidades escolares em irradiadores de conhecimento para a

comunidade local e regional;

Aos pobres, como já afirmado, não falta criatividade, faltam oportunidades. Uma

família ou um grupo de famílias isoladas, sem informações sobre o mundo ao seu redor,

assistindo a programas desconectados das suas realidades, tornam-se naturalmente

espectadoras de um universo que não lhes pertence, e não protagonistas do seu

desenvolvimento. A comunicação e a informação efetivamente ligadas à sua realidade,

aos problemas do seu cotidiano e à apresentação das oportunidades da região, constituem

um componente essencial do desenvolvimento e uma das contribuições fundamentais das

novas tecnologias. Não é só na educação que as oportunidades de- vem ser iguais, mas

crescentemente também na conexão ao mundo do conhecimento digital (PPNADL, p.62).

Educação e capacitação

A formação aqui focalizada refere-se ao desenvolvimento de competências

necessárias para que uma região possa tomar em mãos a sua própria dinâmica de

transformação, visando no conjunto a uma comunidade economicamente viável,

socialmente justa e sustentável em termos ambientais. Isso requer a qualificação de um

contingente de pessoas capazes de analisar de forma integrada a realidade local e de

promover uma visão e propostas concretas para a melhoria da qualidade de vida

(PPNADL, p.67).

Precisamos de uma formação escolar completamente vinculada ao

conhecimento da realidade local, e fugindo dos atuais cursos mais avançados, que se encontram segmentados em fatias setoriais de conhecimento, sem que haja uma compreensão integrada da problemática concreta de um território. É premente a criação de um curso de gestão integrada territorial com uma visão holística, a exemplo dos cursos de administração empresarial que articulam cursos de finanças, de logística, de marketing, de gestão de pessoas, de contabilidade, de relações humanas, de gestão do conhecimento, sempre visando a preparar administradores capazes de entender, de forma articulada, as diversas dinâmicas que compõem a

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133

gestão competente da unidade empresarial. Não existe, no plano da unidade territorial, nada que se pareça com isso.

A capacitação nesse conteúdo envolve diretamente o eixo Informação. Trata-se de assegurar a compreensão do potencial sócio-econômico local, partindo dos recursos subutilizados. Do ponto de vista do aproveitamento da nossa capacidade de trabalho, verifica-se que o Brasil tem milhões de pessoas desempregadas ou subempregadas, processo que se materializa em situações diferenciadas em cada município ou região do país. Conhecer a dimensão e a forma como se apresenta este problema localmente, permite conscientizar os moradores relativamente à irracionalidade que representa ter tantas pessoas paradas quando há tantas coisas para fazer (PPNADL, p.68).

Há outros tipos de potenciais subutilizados, como os da área turística, recursos do

subsolo, pesca, biodiversidade, muitos outros. O desafio é organizar um sistema de

capacitação que forme um contingente de pessoas que conheçam bem os problemas e os

potenciais da região. Justamente neste ponto entra o Projeto Núcleo, buscando com

pesquisa séria e georeferenciada organizar a informação e capacitar as pessoas nesse

conhecimento, bem como no conhecimento das alternativas tecnológicas e

organizacionais adotadas em outras regiões e municípios, cria-se uma nova dinâmica de

desenvolvimento na base da sociedade.

Até agora, no entanto, a inclusão produtiva da massa de excluídos do país não tem

sido o foco central dos sistemas de capacitação, prevalecendo o falso entendimento de

que a simples elevação do nível educacional (mais anos de estudo), ou a dinâmica de

crescimento econômico, resolverão o problema.

O PPNADL reuniu algumas propostas no campo da capacitação para o

desenvolvimento local integrado, que fazem muito sentido ao Projeto Núcleo:

1. Aumentar a parceria com as universidades parceiras do Núcleo, para que no futuro

breve, se formem cursos universitários de Desenvolvimento Local Integrado,

articulando conhecimentos de administração, economia, educação, engenharia,

serviço social e meio ambiente;

2. Reconhecer a formação e certificação de agentes de desenvolvimento como um

campo de ação educacional legítimo e prioritário, passível de ser exercido por

universidades e instituições especializadas a serem credenciadas;

3. Criar uma porta colocando em rede as instituições de formação na área, incluindo

universidades, sistema “S”, ONGs especializadas e organizações de

responsabilidade social empresarial (Instituto Ethos e outros), de modo a

favorecer a circulação de experiências e conhecimentos na área;

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134

4. Assegurar, em cada local ou região, um programa de formação de lideranças

comunitárias em desenvolvimento local integrado, articulando as instituições

existentes;

5. Garantir, por meio de parcerias com instituições de pesquisa ou unidades

acadêmicas da região, e aproveitando os avanços em matéria de organização de

informações desagregadas por parte de instituições como IBGE, IPEA, Seade e

outras, a produção de material didático geral, tanto sobre a metodologia de

fomento do desenvolvimento local, como sobre as próprias regiões;

6. Propiciar parcerias com os meios de comunicação da região, visando a veiculação

de experiências exitosas de inovação na área do desenvolvimento local,

aproveitando o acúmulo de numerosas instituições que têm hoje milhares de

cadastros de inovações de desenvolvimento local;

7. Fortalecer, nas instituições regionais de formação profissional, o enfoque de

desenvolvimento integrado, junto com a formação nas cadeias produtivas com

maior potencial local ou regional;

8. Inserir no currículo escolar do ensino fundamental e médio, o estudo da realidade

local e regional, aproveitando em particular disciplinas como história, geografia e

ciências sociais;

9. Organizar ciclos de seminários regionais sobre o enfoque integrado de

desenvolvimento local, visando a formação de professores e a geração de uma

cultura de desenvolvimento participativo.

A visão geral que informa esta orientação é gerar as capacidades técnicas

que correspondam à necessidade de mobilizar a imensa capacidade subutilizada do “circuito inferior” da economia. A formalização, frequentemente apresentada como essencial para a modernização das inúmeras atividades com as quais os segmentos marginalizados da economia se defendem, não é um processo burocrático, mas sim um ponto de chegada, que envolve um conjunto de esforços de modernização e, portanto, pessoas formadas para empreendê-los.

Não se pode exigir da ampla base desempregada, semi-empregada, ou organizada de maneira mais ou menos caótica nos subsistemas informais, que participem de forma mais organizada do chamado circuito superior da economia, sem oferecer os instrumentos correspondentes. Nesse sentido, há uma convergência necessária entre a capacitação, a organização de sistemas locais de informação e a utilização dinâmica dos meios de comunicação. No plano institucional, esse esforço exige uma convergência de ações dos mais diversos atores que detêm segmentos do conhecimento sobre o desenvolvimento local. (PPNADL, p. 74)

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135

3.4 – Potencial Econômico, Desenho Compartilhado de Futuro e Governança

Este setor do projeto visa a entender como, na prática, alguns potenciais

econômicos se criam a partir de decisões compartilhadas de um grupo com uma visão

comum. Exemplo disso é que nenhuma teoria econômica respaldaria a construção de uma

fábrica de aviões no Brasil dos anos 60, mas ela existe e ainda exporta para o mundo todo.

Serão comparadas as lógicas de construção de outras agências de inovação e

desenvolvimento, buscando qual delas mais se adequa à realidade encontrada no bairro,

buscando pontos que alavanquem a construção e operação do Núcleo Casa Verde, seus

desafios e qual será a estratégia de mobilização e engajamento no projeto com vistas à

execução do projeto desenhado por toda a comunidade.

A partir da receptividade do poder instituido na região, tanto formal como

informalmente, será desenhado o projeto conjunto de governança e transparência. Após

o término da fase 1 teremos como identificar como estão a governança do território e a

aceitação de projetos de desenvolvimento sustentável feitos a partir de um desenho

compartilhado.

O ponto de partida necessário de todo e qualquer planejamento do

desenvolvimento econômico territorial é a identificação e hierarquização das cadeias (ou

atividades encadeadas) propulsivas em função da geração atual de emprego e renda total

(direta, nas atividades nucleares; e indireta, nas atividades à montante e à jusante dos

núcleos da cadeia). Uma vez identificadas as cadeias mais importantes, o passo seguinte

é avaliar a capacidade diversificativa das mesmas. As cadeias com maior capacidade de

diversificação são aquelas que tendem a se integrar verticalmente no território.

Usualmente, as cadeias com maior potencial de integração vertical são aquelas que

utilizam fundamentalmente insumos manufaturados (por oposição a insumos produzidos

em processos contínuos) e não estandardizados (PAIVA, 2013, p.145).

Além disso, é fundamental avaliar o potencial de expansão da demanda sobre os

núcleos centrais da cadeia e a capacidade de resposta competitiva do território à demanda

expandida. Se a demanda externa apresentar sinais de estagnação, ou se a demanda estiver

crescendo a taxas inferiores à expansão da oferta em outros territórios (que apresentam

perfil mais competitivo para a produção dos bens nucleares da cadeia), o crescimento

econômico local estará comprometido. A única forma de driblar os desafios postos por

uma demanda estagnada e/ou pela emergência de concorrentes com vantagens

competitivas incontestáveis é por meio da adoção de políticas de diversificação (e, no

limite, reconversão) produtiva local (PAIVA, 2013, p.147).

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136

Caso as principais cadeias propulsivas apresentem grande potencial de expansão

de demanda, oferta e integração vertical, o planejamento deve se voltar à identificação

dos gargalos. A despeito de haver apenas um gargalo mais apertado e a despeito dele ser

o único cuja expansão possa contribuir para a ampliação do fluxo de renda, a identificação

dos gargalos secundários deve ser feita imediatamente. E isto porque o tempo necessário

para o alargamento dos gargalos é diversificado. De sorte que, se o gargalo mais estreito

for de fácil alargamento, e os gargalos secundários solicitarem investimentos de longa

maturação para serem superados, é preciso dar início simultaneamente ao enfrentamento

de gargalos distintos. Assim, a expansão dos gargalos subsequentes se seguirá

rapidamente à superação do gargalo mais apertado. Em especial, gargalos de oferta que

pressupõem a realização de novos investimentos para a sua superação devem ter seu

enfrentamento iniciado com significativa antecedência. A atração de investimentos

externos ou a construção de um sistema local de financiamento dos investimentos

necessários à superação dos gargalos de oferta por produtores locais via de regra envolve

tempo, e devem ser tratados em simultâneo à expansão de gargalos mais apertados, mas

de superação mais simples e rápida (PAIVA, 2013, p.160).

Simultaneamente, é preciso apoiar as firmas que operam em não-gargalos com

vistas a inovarem na utilização de seus recursos. Este passo é decisivo para a

diversificação horizontal da produção regional e a superação de sistemas de cadeia única

para sistemas de multi-cadeias e organização em rede. O padrão inovativo de referência

é o padrão de Penrose, que busca maximizar os benefícios por unidade de dispêndio a

partir da correta identificação de recursos subutilizados ou utilizados de forma subótima.

Por fim, é preciso atentar para a expressão relativa, grau de diversificação e para

a existência de eventuais gargalos limitadores da expansão das atividades reflexas de consumo. Afinal, a centralidade das atividades propulsivas encontra-se no fato delas serem a origem da renda primária. Mas a renda total do território também depende do multiplicador do mesmo. E, muitas vezes, o gargalo não se encontra no valor das exportações (venda para fora do território) ou no grau de integração vertical no território das atividades X propulsivas nucleares, mas na capacidade de multiplicação da economia local. Apoiar o comércio local e a oferta local de serviços de educação, saúde, cultura e lazer não são tarefas economicamente secundárias. Territórios submetidos a uma polarização particularmente intensa, como os municípios da periferia das grandes regiões metropolitanas, encontram, via de regra, no vazamento da renda para fora e no baixo multiplicador local o principal gargalo de seu crescimento. Enfrentar este gargalo pode ser muito mais relevante para a dinamização da economia local do que a atração de novos empreendimentos e cadeias X propulsivas (PAIVA, 2013, p.163).

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137

Enfim, o padrão de diagnóstico é sempre essencialmente o mesmo, e é dele que

parte todo o resto. Todavia a realidade, os desafios e as soluções serão sempre

essencialmente distintos. O único princípio absolutamente universal é o princípio grego

inscrito no pórtico do templo de Apolo em Delfos: conhece-te a ti mesmo. Uma vez

conhecida a realidade e os desafios únicos de cada território, será mais fácil encontrar as

alternativas de trajetória e a melhor forma de superar obstáculos e expandir gargalos.

(PAIVA, 2013, p.164)

Trabalho, emprego e renda

A concentração de renda no Brasil se deve a uma distribuição injusta. Mas esta,

por sua vez, está baseada na inserção produtiva desigual da população ativa. A divisão do

país em “circuito superior” e “circuito inferior” da economia não separa apenas o país

entre ricos e pobres, mas, sobretudo, entre incluídos e excluídos do acesso aos sistemas

econômicos mais produtivos. Em outros termos, grande parte da população está privada

do direito de ganhar decentemente a sua vida. É preciso ir além da espera pelo emprego

e além de formar as pessoas para torná-las empregáveis. É preciso gerar as atividades

econômicas necessárias.

A grande empresa é produtiva não só porque é bem gerida, mas porque tem acesso

à tecnologia, aos financiamentos, aos circuitos comerciais, a sistemas bancários de

cobrança, a especialistas bem formados, além de funcionar numa rede de fornecedores, a

montante, e de distribuição, a jusante. A pequena empresa, as pequenas iniciativas

comunitárias, as ONGs que promovem atividades socioeconômicas de diversos tipos e

até as iniciativas públicas locais carecem desse tipo de rede de sustentação. Quando se

apresenta a mortalidade infantil da pequena e média empresa, as dificuldades dos

assentamentos rurais, a fragilidade das unidades escolares ou de saúde que servem às

comunidades mais pobres, foca-se, em geral, problemas de gestão incompetente, quando

na realidade trata-se essencialmente de um sistema inadequado de suporte (PPNADL,

2006, p. 75).

São problemas muito concretos. No sul da Bahia, uma comunidade litorânea

que dispõe de um grande potencial turístico precisaria de uma dinâmica integrada de apoio a essa atividade, que envolve uma rede de informações sobre nichos turísticos menos conhecidos. Mas recebeu como apoio, apenas um curso do Sebrae para formação de garçons e camareiras. A iniciativa é boa, mas insuficiente, pois se trata de atrair o turista e retê-lo. É preciso assegurar o ciclo completo da atividade turística.

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138

No caso dos catadores de castanha do Amapá, formaram uma cooperativa que firmou parceria com a universidade, o que lhes deu acesso a um laboratório químico. Hoje, extraem das castanhas essências para fabricantes de perfumes e, em vez de vender o produto bruto aos atravessadores, vendem as essências diretamente à perfumaria francesa, pois se conectaram em circuitos comerciais via internet. No caso da Pastoral da Criança, seus 3.500 núcleos dispõem do apoio técnico, informativo e organizacional de uma rede bem organizada: trata-se de comunidades pobres, com gente de formação relativamente limitada, mas apoiadas de maneira simples e eficiente em todos os cantos do país, inclusive com um sistema de comunicação rico em informações. Não há um plano de saúde no país que se compare, em termos de eficiência orga- nizacional e de relação custo-benefício, com a Pastoral: o custo criança-mês é de R$ 1,37. Pobre não é menos criativo que rico, precisa apenas de um sistema comparável de apoio (PPNADL, 2006, p. 76).

O problema básico é simples: os serviços de apoio da grande empresa,

intermediação financeira, publicidade, sistemas de transporte e estocagem, apoio técnico,

são de capital privado e não se interessam por pequenos produtores ou organizações

comunitárias, interessados que estão em economias de escala, em grandes contratos. É

isso que levou os países hoje desenvolvidos a formarem sistemas capilares e

descentralizados de serviços de apoio, sob a forma de cooperativas de crédito, bancos

comunitários, cooperativas de distribuição e núcleos de apoio tecnológico. O apoio às

unidades menores exige iniciativa pública.

A situação dos desempregados é particularmente dramática. Pelos critérios do

DIEESE, eles representam algo na ordem de 15 milhões de pessoas. Tanta gente parada constitui um paradoxo. É preciso considerar que o Brasil necessita de milhões de residências, para pessoas que vivem em habitações sub-humanas. Também são necessárias milhares de pequenas obras de saneamento básico, em praticamente todas as cidades do país. Ambas as atividades são pouco intensivas em capital e muito intensivas em mão de obra pouco qualificada, que existe de sobra. São atividades de retorno quase imediato, pois casas decentes melhoram as condições de estudo das crianças, o clima doméstico em que vive o trabalhador, a segurança dos bairros. No caso do saneamento, cada real gasto reverte em quatro reais economizados na área da saúde. Existem ainda inúmeras atividades de manutenção urbana a serem realizadas nas cidades, efeito da urbanização acelerada e caótica das últimas décadas. Há que desenvolver um conjunto de atividades agrícolas peri-urbanas, na linha dos “cinturões verdes” de horti-fruti-granjeiros (PPNADL, 2006, p. 77).

Como essas atividades terminam se auto-financiando, pela redução de gastos em

outros setores, é racional direcionar recursos públicos para dinamizá-las. Isto poderá ser

feito por meio de cooperativas de serviços urbanos ou de associações de bairro, de

emprego temporário, mas o essencial é conjugar o conjunto de pessoas que querem ganhar

seu sustento e as atividades que clamam por serem realizadas.

Há numerosos exemplos tanto no Brasil como no exterior, em que se gera

emprego, tirando as pessoas do desespero, ao mesmo tempo em que se desenvolvem infra-

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139

estruturas necessárias e se dinamiza a economia local pelo fluxo de renda gerado. Como

essas atividades associam trabalho e requalificação profissional, a dinâmica tende a abrir

outras frentes de atividades e a melhorar o emprego em geral. Na Índia, foi aprovada a

Lei de Garantia do Emprego (Employment Guarantee Act), que assegura a toda família

um mínimo de 100 dias de emprego por ano; a iniciativa está sendo generalizada a todo

o país, depois de 10 anos de funcionamento experimental com sucesso no Estado de

Maharashtra (PPNADL, 2006, p. 79).

No caso das inúmeras iniciativas da sociedade civil organizada, sua maior

presença tem sido na área social, como educação, saúde, cultura, serviços social e

semelhantes, área que coincide com os maiores atrasos e, portanto, com as necessidades

mais urgentes do país. O cofinanciamento nessa área pode ser particularmente produtivo,

pois estas formas de prestação de serviços levam a dinâmicas participativas que tendem

a organizar as comunidades em torno aos seus interesses, criando capital social. Ajudar

as comunidades a se ajudarem não livra o Estado de sua responsabilidade, pelo contrário,

gera uma comunidade mais participativa, consciente e capaz de exigir e de controlar. Um

esforço especial tem de ser feito no apoio às lideranças comunitárias, pois são essenciais

para gerar dinâmicas de desenvolvimento em qualquer agrupamento.

No conjunto, é essencial que a dinâmica do desenvolvimento seja vista como um

esforço integrado e articulado em cada território, pois cada região tem suas

especificidades, sua cultura própria, seus ritmos e interesses. Cada município tem de fazer

o seu próprio balanço, avaliar a sua racionalidade econômica, social e ambiental, e

maximizar o uso dos recursos disponíveis. O apoio ao planejamento dessas atividades, e

a articulação das diversas instituições de suporte, podem contribuir na criação de um

clima dinâmico de mobilização para o desenvolvimento (PPNADL, 2006, p. 85).

Das várias propostas selecionadas no programa de estudos, selecionamos algumas

com maior pertinência ao Projeto Núcleo:

1. Criar um sistema público/privado local de intermediação de mão-de-obra,

contendo tanto o cadastro detalhado dos desempregados como alternativas de

capacitação e encaminhamento para o desenvolvimento de atividades laborais

locais públicas e privadas;

2. Assegurar instrumentos para que o território possa constituir parcerias

institucionais direcionadas à formação e qualificação ocupacional, não apenas em

conformidade com a vocação econômica local, mas também acoplada à prestação

de serviços públicos locais;

Page 139: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

140

3. Adotar o princípio da prioridade na contratação de trabalhadores residentes na

localidade, seja nas atividades vinculadas ao gasto público em manutenção

urbanística, lazer e merenda escolar, seja em investimentos na infraestrutura,

construção residencial e semelhantes;

4. Divulgar e disponibilizar a legislação referente à prestação temporária de serviços

públicos remunerados e com carteira assinada, conforme experiências adotadas

com sucesso em cidades como Santos, Mauá, São Paulo, entre outras;

5. Gerar as condições necessárias para que cada prefeitura possa organizar uma lista

dos serviços públicos a serem desenvolvidos anualmente, contendo o valor

estabelecido pelo orçamento municipal, com vistas à criação de empreendimentos

locais voltados à prestação dos serviços públicos no território;

6. Construir ambiente para que cada município desenvolva e generalize informações

sobre o custo da geração de postos de trabalho nas diferentes atividades, com o

objetivo de privilegiar o aproveitamento da força de trabalho disponível

localmente;

7. Promover parcerias entre o setor público local e as organizações da sociedade

civil, empresas locais e regionais, com o objetivo de promover a plena utilização

de força de trabalho local;

8. Assegurar as condições gerais para que seja possível a subprefeitura estabelecer

co-financiamento das atividades de saneamento básico, construção habitacional,

produção alimentar, disponibilização de água limpa, iniciativas de segurança

alimentar (cinturões verdes, merenda escolar produzida localmente, entre outras)

com mão-de-obra local;

9. Adotar as medidas necessárias para a flexibilização das iniciativas de prestação

de serviços de educação, saúde, habitação e outros em regiões pobres, com a

participação de organizações da sociedade civil.

A recomendação de que qualquer pessoa disposta a trabalhar possa ganhar o

pão da sua família não pode ser considerada subversiva ou assistencialista. Constitui um mecanismo concreto para assegurar um mínimo de respeito à dignidade intrínseca da pessoa humana, além de assegurar o desenvolvimento de obras e serviços necessários nos planos econômico, social e ambiental.

Quando se vê um esgoto a céu aberto, com crianças se contaminando, gerando custos sociais e econômicos incalculáveis, além de representar uma situação revoltante em termos de dignidade humana, não se pode ficar esperando que apareçam grandes recursos para grandes obras: se a comunidade interessada está disposta a participar, deve-se assegurar o complemento de recursos técnicos, organizacionais e financeiros necessários (PPNADL, 2006, p. 86).

Page 140: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

141

Uma vez mais, não se trata de retirar as responsabilidades do Estado: uma

comunidade que se organiza para resolver os seus problemas saberá exigir de maneira

organizada os seus direitos, condição básica para a produtividade sistêmica do território

e passo concreto na afirmação de uma verdadeira democracia participativa. Finalmente,

importa lembrar que o avanço na geração de em- pregos e da inclusão produtiva depende

do conjunto dos eixos já analisados: sistemas mais flexíveis de financiamento, apoio

tecnológico generalizado, suporte institucional, capacitação, informação e comunicação

descentralizados (PPNADL, 2006, p. 86).

3.5 – Crédito e Fomento

Como discorrido longamente, o processo do investimento é fundamental para a

criação das condições para a aproximação do pleno emprego. O consumo das famílias

sozinho, por melhor que seja a propensão em consumir, que no caso dos assalariados é

próxima de um, sem o consumo dos empresários e os gastos em infraestrutura do Estado

não atingirá o objetivo. Este investimento pode ser dirigido e facilitado pelo Estado se

houverem linhas de crédito para tal fim, por meio de políticas para eliminação da escassez

de capital e a diminuição de seu custo, viabilizando número maior de empreendimentos

com taxas de retorno que do contrário não se viabilizariam.

O setor a ser investido pode, por meio de um multiplicador econômico maior ou

menor e de uma elasticidade de emprego maior ou menor, ter seu resultado aumentado

em várias vezes a partir do valor inicial, podendo também promover mais velocidade e

quantidade de empregos se bem estudado, em função das necessidades e potencialidades

do território.

Como vimos, o investimento gera seu próprio financiamento se os sistemas de

financiamentos bancários estiverem voltados a esta modalidade e não a ter lucro de

tesouraria em função das altas taxas Selic, como no caso brasileiro. Uma política de

crédito regional, como é feito na Alemanha (sparrkassen), ajudaria a viabilizar os projetos

de investimento no território.

O estudo do ciclo econômico, para entender a forma de se manter o crescimento,

e o estudo das empresas na forma de concorrência, permitem entender se o investimento

escolhido para o território irá propiciar uma participação estratégica na cadeia produtiva,

podendo gerar um subserviência ou não das empresas do território a outras empresas

Page 141: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

142

líderes da cadeia produtiva, redistribuindo contra o território a renda do negócio e a favor

da empresa líder, fora do território.

A partir das fases um, dois e três saberemos onde e o que deveremos financiar e

porquê. Com foco nisto, o próximo passo é entender quais são as medidas de nível

nacional que melhoram o espaço e a eficiência da gestão local. A reforma tributária, a

descentralização e a democratização da mídia, a flexibilização do acesso aos

financiamentos para a área social e outras iniciativas deverão constituir preocupações

crescentes, à medida em que as ações locais adquirem maior peso e presença no cenário

nacional.

Crédito

Os Estados Unidos, ainda que apoiem a globalização financeira, criaram uma lei

de reinvestimento comunitário (Community Reinvestment Act- CRA), obrigando as

agências bancárias a reaplicarem boa parte dos recursos captados na própria comunidade,

por meio de um sistema de pontuação que as priva de acesso a projetos com financiamento

público caso não atinjam a produtividade exigida. Essa precaução é necessária, na medida

em que as novas tecnologias de informática tornam muito fácil drenar as poupanças e

transferi-las para aplicações financeiras nas grandes praças (DOWBOR, 2017).

Na Alemanha, a maior parte da poupança do país é administrada por caixas de

poupança dispersas nas cidades e vilas, assegurando que seja utilizada segundo as

necessidades efetivas das comunidades. Na França, generalizou-se o sistema de ONGs de

intermediação financeira, permitindo que os poupadores tenham controle do uso final das

suas poupanças, com garantia do Estado. Na Suécia, 72% dos recursos públicos são

administrados no nível local. É de se lembrar ainda que a Coréia do Sul assegurou, durante

o seu acelerado processo de crescimento econômico, uma política de Estado dirigindo

crédito aos pequenos produtores e às regiões mais pobres, mantendo distribuição de renda

equilibrada durante todo o período (PPNADL, 2006, p. 22).

No Brasil, já é possível contabilizar a presença de uma série de iniciativas

significativas, que procuram dar resposta a uma situação que atinge patamares preocupantes. Assim, há esforços buscando desenvolver o crédito cooperativo,

micro-crédito, agências de garantia de crédito e empreendimentos congêneres. O

programa de Desenvolvimento Regional Sustentável do Banco do Brasil constitui um

Page 142: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

143

exemplo da evolução de instituições financeiras para uma visão de apoio territorial

integrado ao desenvolvimento. O Programa Nacional de Micro-crédito Produtivo

Orientado (PNMPO) envolve hoje 158 instituições. São iniciativas importantes, que começam a reverter a tendência, mas o que se tornou urgente é a elaboração de uma

política sistemática de re-capitalização das comunidades por meio de um conjunto de

medidas convergentes (PPNADL, 2006, p. 22).

Como propostas aderentes ao território da Casa Verde, e que na sua maioria

dependem de legislação específica, mas viabilizaria muitos projetos locais e nos colocaria

em linha com melhores práticas internacionais de financiamento local, temos:

1 No conjunto, aumentar o volume de crédito disponível para o “circuito inferior”

da economia, revertendo o processo de descapitalização em curso, por meio de

regulamentação mais rigorosa das políticas de crédito das instituições financeiras.

Uma meta possível seria assegurar, no prazo de quatro anos, que os recursos

destinados ao micro e pequeno empreendedor representem pelo menos 25% do

total de operações de crédito destinadas ao fomento de atividades produtivas, e

10% do volume de recursos aplicados pelos bancos comerciais;

2. Articular uma política integrada de apoio aos tomadores de crédito nas

comunidades mais pobres: a simples disponibilização não é suficiente, na medida

em que falta generalizar as iniciativas de organização da demanda nas

comunidades, já adotadas por várias instituições, bem como a capacitação de

lideranças comunitárias sobre formas de acesso;

3. Fixar uma porcentagem de reinvestimento local das poupanças, na linha do CRA

norte-americano, e assegurar mecanismos de incentivo às agências que

privilegiem investimentos produtivos locais relativamente às aplicações

financeiras. A proposta envolve igualmente que os intermediários financeiros

informem a distribuição geográfica dos empréstimos, de forma a dar transparência

aos fluxos locais e regionais de capitalização e descapitalização existentes;

4. Condicionar a bonificação de agentes de crédito das instituições tradicionais de

intermediação financeira ao desempenho de aplicações produtivas locais,

premiando as iniciativas que gerem inclusão produtiva;

5. Agilizar e flexibilizar a abertura de cooperativas de crédito, seja por meio da

aprovação de um novo marco legal para o setor, seja por meio da

desburocratização do processo de formação e fechamento das mesmas;

6. Promover a formação de agências locais de garantia de crédito, na linha das que

já estão dando resultados para cooperativas no Sul do País, com amplo esforço de

Page 143: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

144

divulgação das formas práticas de implementação. Uma forma de apoio poderá

ser a orientação de recursos do Programa de Apoio ao Microcrédito Produtivo do

BNDES para a formação de fundos de aval para Agências Locais de Garantia de

Crédito;

7. Oferecer co-financiamento aos municípios interessados em lançar projetos de

desenvolvimento local, potencializando os recursos do governo. O co-

financiamento deverá se constituir em alavanca poderosa de racionalização, ao

promover articulação entre iniciativas das diversas esferas de governo;

8. Organizar formação e informação sobre as atividades, direitos e deveres da

intermediação financeira, gerando e divulgando cartilhas informativas e

promovendo cursos de popularização de conhecimentos, visando a compensar a

assimetria de informação existente no setor;

9. Facilitar o financiamento a organizações da sociedade civil que atuem na

prestação de serviços sociais e ambientais, exigindo a mesma transparência de

prestação de contas de qualquer empresa, facilitando, na linha do que ocorreu na

Europa, a formação de organizações sem fins lucrativos de intermediação

financeira;

10. Montar um serviço online de informação comercial para o pequeno e médio

produtor, em rede nacional, de forma a reduzir o peso dos atravessadores no

processo, e desintermediando as atividades produtivas;

11. Reforçar a criação de mecanismos públicos ou cooperativos de comercialização

para pequenos e médios produtores, assegurando alternativa de canal de

comercialização à dos atravessadores;

12. Assegurar que as compras feitas com recursos públicos sejam realizadas

diretamente com os produtores finais, emancipando-os dos intermediários, e

priorizando bens e serviços de micro, pequenos e médios empreendimentos

existentes no município ou na micro-região, promovendo as necessárias alterações

na legislação das licitações (Lei Federal 8666), bem como nas demais normas que

regulam as compras governamentais;

13. Assegurar financiamento a iniciativas de desenvolvimento institucional voltadas

para entidades que operam com micro-crédito, estimulando sua maior integração

com processos de desenvolvimento de base territorial, particularmente quando

envolvem cooperativas ou associações;

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145

14. Constituir um fundo de apoio à implementação de planos integrados de

desenvolvimento local, visando ao cofinanciamento das iniciativas, articulando-

as com as agências de crédito e com as instâncias locais de produção.

As propostas visam a recapitalizar as comunidades através de maior volume de

recursos, juros radicalmente mais baixos, maior capilaridade, simplicidade de acesso,

desburocratização, flexibilização das garantias, formação de agentes de crédito capazes

de trabalhar com demanda diversificada, desintermediação comercial e outros. Não se

pedem donativos, pedem-se eficiência e adequação à demanda real de financiamento de

pequenas iniciativas capazes de gerar emprego e renda. Cabe lembrar, ainda, que o objetivo geral de recapitalização do desenvolvimento

local exige que se respeite a extrema diversidade de situações e necessidades. Uma das idéias-força reiteradas em numerosas entrevistas é que um sistema de

intermediação financeira trabalhando apenas com oferta rígida, produtos de

prateleira, em vez de escutar os problemas e se adaptar à demanda, pode ser eficiente em termos de gerar lucros ao banco, mas não para dinamizar a economia. A atividade-

fim é a produção, não a intermediação. Nunca é demais lembrar que os intermediários

financeiros recebem uma carta-patente do governo, autorizando-os a captar dinheiro que é da população e que deve, minimamente, ser utilizado segundo interesses sociais

(PPNADL, 2006 pag 27).

3.6 – Alinhamento Internacional dos Indicadores e Riscos do Projeto

Serão alinhadas as metas e os indicadores do território aos 17 Objetivos de

desenvolvimento sustentável da ONU, a fim de poder comparar as melhorias de qualidade

de vida do território ao Brasil e ao Mundo.

De acordo com o PNUD, a nova agenda para o desenvolvimento sustentável,

intitulada “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento

Sustentável”, é um plano de ação para que a humanidade fortaleça a paz universal com

mais liberdade por meio de uma declaração com 17 ODS e 169 metas. Destaca-se que os

ODS trazem uma forte perspectiva de resolução dos problemas globais por meio do poder

local, colocando gestores locais e cidades como protagonistas da conscientização e

mobilização em torno da agenda da sustentabilidade. Um grande exemplo é o 11º

objetivo, que tem como foco tornar as cidades e os assentamentos humanos em inclusivos,

seguros, resilientes e sustentáveis (Conti, 2018, p.19). Pretende-se que os indicadores do

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146

mapa estratégico do território tenham convergência com os 17 ODS, facilitando com isto

nossa comparação com outros territórios mundo afora e também o acesso a fundos de

investimento internacionais, alguns a fundo perdido.

Todo projeto vive dois grandes dilemas, primeiro a força do engajamento de todos

os públicos envolvidos no desenho, incluindo os parceiros para implementação do projeto

no bairro, e a falta de recursos para impulsionar as ações. Teremos um bom retrato destes

riscos à medida que nos aprofundarmos na fase um, dois e três. Até o presente momento

a recepção têm sido muito boa. Nas apresentações do projeto e posterior indagação acerca

das necessidades de cada ente do território, na grande maioria das vezes os vários públicos

encantam-se com a ideia e nos perguntam o que podem fazer para ajudar. Parece que,

apesar de ser grande o desafio, há muitos que querem ajudar.

Informação

A produtividade sistêmica do território depende de uma grande densidade de

informação, bem organizada e disponibilizada para todos os atores sociais interessados.

Com as novas tecnologias de informação e comunicação, ter uma comunidade bem

informada sobre os seus problemas, suas oportunidades e potenciais, tornou-se

relativamente fácil e barato. Considerando os ganhos de produtividade obtidos e os custos

hoje reduzidos das novas tecnologias, organizar um bom sistema local de informação

constitui uma das ações de melhor relação custo-benefício.

Costuma ser alto o grau de desinformação dos vereadores, frequentemente dos

prefeitos, e também dos empresários e movimentos sociais, sobre os dados concretos da

região onde atuam. Nenhum diretor assumiria uma empresa sem informações gerenciais.

No entanto, é essa a situação real de grande parte dos responsáveis pelas decisões de nível

local. O resultado é a grande dificuldade de se administrar o território de forma a que as

diversas iniciativas possam convergir e gerar sinergias (PPNADL, 2006, p. 49).

As informações existem. Cada secretaria do município produz informações,

as empresas são registradas em cadastros, há pesquisas e estudos, levantamentos de empresas especializadas, estatísticas do IBGE e dos órgãos estaduais. Mas as informações são fornecidas às instâncias superiores de decisão e não são devolvidas de maneira organizada para os atores locais. Elas possibilitam a publicação de anuários estatísticos nacionais e a elaboração de teses de pós-graduação nas universidades, mas para dinamizar a produtividade sistêmica local é preciso que a informação gerada seja organizada e desagregada territorialmente, em função das necessidades de racionalização do processo decisório local.

Page 146: Fernando Camilher Almeida - PUC-SP

147

Não há participação cidadã sem informação organizada. A fragmentação das informações existentes, segmentadas em setores, obedecendo a metodologias diferenciadas segundo a instituição externa que elabora, não permite que as informações sejam integradas no plano local. As próprias informações financeiras do município são organizadas em função das classificações do Tribunal de Contas, para efeitos de controle, e não para efeitos de gerenciamento e racionalização da alocação de recursos (PPNADL, 2006, p. 50).

O problema é agravado pelo fato de as divisões territoriais de cada setor serem

diferentes, formando regiões dos mais variados recortes, segundo se trate de educação ou

de saúde, do processo eleitoral ou das atividades de segurança. Cada setor organiza o seu

próprio mapa, dificultando a construção de um sistema integrado e coerente de

conhecimento. Como integrar as políticas sociais, por exemplo, e organizar dinâmicas

participativas, se um cidadão pertence a diferentes regiões segundo o setor social que será

discutido?

O fato é que as administrações locais são vistas, de forma geral, como

fornecedoras de informações, para que os centros de decisão que ficam mais acima

possam levar os seus interes- ses em consideração, ou assegurar melhor os seus próprios

interesses. Esse tipo de filosofia da informação é coerente com uma ideologia política que

vê a sociedade como usuária, ou até como cliente, mas não como sujeito do processo

decisório. O eixo central consiste, portanto, em entender que é o conjunto dos atores locais

que devem ser adequadamente informados, para que possam participar ativamente das

decisões sobre os seus destinos. É uma condição tanto da racionalidade da gestão local,

como da promoção de processos mais democráticos (PPNADL, 2006, p.51).

De certa forma, o mundo tecnológico da informação mudou radicalmente, mas a

informação continua sendo produzida da maneira tradicional, segundo categorias, formas

de organização e de acesso que obedecem a outra era. A luz mal direcionada apenas

ofusca, não ilumina o caminho. O grande desafio que se coloca é o da organização da

informação conforme as necessidades práticas dos atores sociais que intervêm no

processo de desenvolvimento local.

A Prefeitura de Porto Alegre passou o seu cadastro de empresas que atuam na

cidade, e que se registram para obter alvará de funcionamento, para um mapeamento microrregional. Com isto, fica-se sabendo onde estão os bares, as padarias, as farmácias, as indústrias químicas e outros tipos de unidade. Quando um cidadão quer abrir uma farmácia, por exemplo, em vez de registrar apenas, de forma burocrática, o pedido de autorização, permite-se ao candidato ver no mapa da cidade onde estão localizadas as farmácias existentes, quais regiões estão sobre-equipadas e em que áreas faltam farmácias. Gera-se assim uma distribuição adequada dos equipamentos, dispensando planos autoritários sobre a rede de farmácias e outros serviços, e sem

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148

privar o cidadão da liberdade de iniciativa, inclusive sobre a microlocalização final. (PPNADL, 2006, p. 52)

O objetivo central no eixo referente à informação é promover as formas de

organização, disponibilização e divulgação das informações referentes a determinado

município ou região, de modo integrado e coerente, aproveitando as mais variadas fontes,

visando um universo onde o desenvolvimento local integrado tenha sólidas bases

informativas. A força da proposta reside, em boa parte, no fato de haver um imenso

esforço de numerosas instituições, produzindo e estocando informação, sem que se tenha

criado uma forma adequada de disponibilização em função da demanda local existente.

O grande investimento, que é a produção da informação, já foi efetuado. Trata-se de

agregar uma forma complementar de sua utilização. Com as tecnologias atualmente

existentes, trata-se de um projeto relativamente simples e de produtividade social

extremamente elevada.

O que se propõe é a construção de um território denso em informações,

disponibilizadas de forma clara e simples para o conjunto de atores. Das propostas

recolhidas a respeito deste eixo e que podem nortear a agenda da geração de um melhor

ambiente de dinamização econômica e social para o projeto Núcleo, separamos:

1. Formalização de um tronco básico de informações locais integradas, aproveitando

os diversos subsistemas já desenvolvidos (IBGE, SIM - Sistema de Informações

Municipais da Caixa Econômica Federal, DATASUS, etc.), a ser

obrigatoriamente disponibilizado em cada município e no nosso caso em

subregiões iguais (como o IBGE já vêm fazendo com SP- Capital);

2. Implantar metodologia de balanços anuais de qualidade de vida municipal ou

micro-regional, dando à população local instrumentos para avaliar os avanços

reais da sua região;

3. Inclusão de estudos sobre a própria localidade nos currículos escolares, em

particular nas disciplinas geografia, história e ciências sociais, na linha da cartilha

de formação dos conselheiros municipais de educação adotada pelo MEC, visando

a formar uma geração de jovens que conheçam a sua região, os seus potenciais e

as suas necessidades;

4. Incentivar, na rede de universidades, a elaboração de monografias regionais e de

material de ensino sobre a realidade local e regional, tanto através dos TCCs

(trabalhos de conclusão de curso) como dissertações de mestrado e teses de

doutorado, formando assim bancos de dados de informações de cada região,

livremente acessíveis por todos os atores sociais interessados;

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149

5. Ampliar no IBGE e instituições estaduais a capacidade de elaboração e

disponibilização de estatísticas básicas municipais, capilarizando a capacidade de

organização de dados no nível local pelo IBGE, e incentivando a generalização de

iniciativas de organização de dados locais na linha dos trabalhos do Seade –

Sistema Estadual de Análise de Dados, do Estado de São Paulo;

6. Adotar metodologia de disponibilização de informações financeiras gerenciais,

ampliação e generalização do Siafem – Sistema de Administração Financeira para

Estados e Municípios, e metodologias semelhantes, assegurando assim a

transparência para os atores locais do uso dos recursos públicos;

7. Regulamentar a lei de direito de acesso à informação no nível municipal, aprovada

em 2005, garantindo maior transparência da gestão pública local e aperfeiçoando

suas disposições no sentido de definir o marco jurídico do sistema de informação

local; o princípio jurídico adotado nos EUA, The Right to Know (o direito de

saber), serve como referência;

8. Organizar um núcleo/centro de informações municipais autônomo, por meio de

parcerias com instituições afins (escolas locais, eventuais faculdades, parcerias

com o sistema S, organizações não governamentais), assegurando que cada região

tenha uma fonte claramente identificada de recolha e redistribuição das

informações locais e regionais, como pretendemos fazer no Núcleo Casa Verde,

para medir nossos avanços:

9. Desenvolver os sistemas de informação inter-institucional no nível local e

regional, na linha do Guia de Geração de Trabalho e Renda, (www.mds.gov.br)

de forma a permitir a visualização, por parte de cada instituição, das atividades

conexas das outras instituições na região, fortalecendo a sinergia dos esforços de

desenvolvimento.

Nas empresas, já se trabalha há tempos com a noção de knolwedge organization,

pois se entende que a organização racional do acesso à informação é essencial para a

produtividade de uma instituição. No caso do desenvolvimento local, estando envolvidos

muitos atores diferenciados, trata-se de gerar o equivalente a um knowldege territory,

assegurando o acesso público e gratuito ao conjunto de informações referentes ao

território (PPNADL, 2006, p. 55).

As propostas apresentadas trazem idéias a serem discutidas para dinamizar o

projeto de uma cidadania informada. Envolvem a área jurídica (criação de um referencial

jurídico de direito à informação), a área da administração (gestão da informação), da

economia (metodologia de contas), da política (articulação de parcerias), além de ajustes

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150

facilitando o diálogo entre áreas específicas como a educação, saúde, segurança, lazer e

outros.

O desafio é grande. Criar instituições especializadas que tratam de uma fatia da

realidade é relativamente simples. Organizar a colaboração e as redes inter-institucionais

é bastante complexo. No entanto, vale lembrar sempre que, para o cidadão, a realidade

não é fatiada em setores: a qualidade de vida é um processo integral.

Da mesma forma, gerar informações específicas para uma instituição de pesquisa

é relativamente simples. Organizar a devolução da informação produzida para a própria

comunidade, para os cidadãos que são em última instância os titulares do processo, é

evidentemente mais complexo. Mas se trata, nesta era que evolui para a sociedade do

conhecimento, de um desafio vital (PPNADL,2006, p. 56).

Sustentabilidade ambiental

A sustentação ambiental tem sido vista como um tipo de sobremesa de luxo frente

às dinâmicas econômicas. É tempo de superar definitivamente essa noção, que leva à

queda na fertilidade do solo, cria gastos elevados com doenças, agride a qualidade de vida

nas cidades, promove desmatamento e alimenta uma cultura geral de desleixo e de

desperdício dos recursos naturais.

Qualquer empresário ou trabalhador de empresa sabe a que ponto um ambiente

limpo, organizado, agradável e respeitoso gera uma atitude correspondente, que se

transforma em cultura organizacional. Muito já se escreveu sobre como os usuários de

metrô contribuem para a sua preservação, reconhecendo sua boa qualidade como meio de

transporte e considerando esse espaço público como seu. Esse tipo de arrumação da casa,

que cada cidade pode e deve realizar, é parte integrante do desenvolvimento local, da

construção de uma cultura da qualidade de vida e de respeito generalizado pelo meio

ambiente.

A construção de uma consciência ambiental planetária é indispensável neste

início de Século XXI. O aquecimento global, a destruição da vida dos mares, o esgotamento dos lençóis freáticos, a contaminação dos rios, a erosão dos solos, a poluição visual e sonora das cidades, a agressão à biodiversidade, a liquidação das florestas, o desperdício do petróleo, os esgotos a céu aberto nas cidades, enfim, existe um leque de graves desafios que obrigam a uma revisão profunda da forma predadora e pouco inteligente como o ser humano tem utilizado os recursos naturais, bem como do processo absurdo de desperdício que preside o modelo vigente de desenvolvimento em quase todo o planeta.

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151

A visão de que é preciso “pensar globalmente e agir localmente” não veio do vazio. Está diretamente vinculada ao fato que, no nível local, os problemas ambientais deixam de ser difusos e se tornam pontuais e pessoais. A situação planetária serve de alerta, mas para tomar medidas concretas cabe agir no plano local. Uma comunidade litorânea que contamina a água está gerando doenças, matando o turismo, liquidando a pesca, dificultando a sua própria vida. E as medidas concretas necessárias para remediar a situação são diferentes em cada localidade, exigindo participação direta das pessoas que conhecem a sua própria realidade (PPNADL,2006, p.90).

A destruição ou desperdício dos recursos disponíveis em cada região afeta

diretamente a produtividade sistêmica do território. O Brasil tem um bom arcabouço

jurídico para a área ambiental, mas a lei é apenas uma alavanca que requer força política

para manejá-la. Portanto, a gestão organizada dos bens públicos locais e das reservas

naturais, a geração de uma cultura de respeito aos interesses da comunidade por parte dos

atores públicos e privados, a busca de soluções concretas e diferenciadas em cada

localidade são caminhos que passam pela gestão local do capital natural de que uma

região dispõe.

Igualmente importante é disponibilizar a informação desagregada, no mínimo ao

nível municipal, pois é nesse nível que as pessoas podem mais facilmente se organizar e

participar. O desmatamento na Amazônia costuma provocar suspiros de impotência e

clamor por atividade de âmbito nacional, mas a derrubada de uma árvore na vizinhança

leva frequentemente a que os moradores saiam às ruas, para defender um patrimônio que

percebe como seu. Numerosos municípios ou regiões estão elaborando o seu próprio

“Atlas Ambiental”, para entender os impactos das diversas iniciativas, para entender se a

região está realmente crescendo ou simplesmente se descapitalizando ao destruir sua

riqueza natural, ou sendo ineficiente ao desperdiçar matérias primas e produtos. Em

termos metodológicos, a contabilização do PIB do território deve ser complementada com

a avaliação dos custos ambientais e sociais gerados (“externalidades” na linguagem

econômica) (PPNADL,2006, p.91).

As ONGs e as entidades comunitárias desempenham um papel fundamental nessa

área, já que o impacto ambiental tende a ser diluído entre toda a população, água menos

saudável, maior frequência de doenças, sobrecarga sensorial e poluição visual-sonora por

publicidade agressiva, tempo perdido no trânsito por insuficiência de transporte público,

doenças respiratórias, dias de trabalho perdidos, gerando inúmeros pequenos custos que,

somados, se tornam imensos, mas que cada um suporta porque parece um problema de

todos e de certa maneira inevitável.

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152

Um poluidor pode economizar muito dinheiro ao jogar dejetos diretamente no rio,

mas o prejuízo é distribuído entre milhares de pessoas que têm outras coisas a fazer.

Assim, entre os interesses pontuais do poluidor e o imenso prejuízo diluído na sociedade,

a luta é desigual e exige formas organizadas de defesa dos interesses sociais. O reforço e

o apoio às organizações da sociedade civil torna-se, portanto, essencial, particularmente

quando, como no caso da Articulação do Semi- Árido (ASA) ou do Grupo de Trabalho

Amazônico (GTA), se articulam para buscar um impacto territorial convergente.

A ação responsável das empresas é igualmente essencial. Muitas já publicam

balanços sociais e ambientais, e, na realidade, sem uma contribuição ativa de empresários conscientes a tendência é ficarmos apenas com ações punitivas, um ambiente caro e pouco eficiente de regulamentações complexas, um clima de controles, fiscais e multas. O controle e as multas funcio- nam quando o comportamento geral está saneado, ficando em evidência os transgressores. Em outros termos, criar uma cultura de respeito ambiental é o elemento decisivo. A lei e o fiscal da visão tradicional não são suficientes (PPNADL, 2006, p.96).

Propõe-se, basicamente, implantar e consolidar em cada município, em cada

região, uma política responsável no sentido de reduzir desperdícios, coibir a depredação

da herança natural, favorecer processos produtivos mais inteligentes, visando a uma vida

de qualidade superior e sustentável no longo prazo. Medidas nacionais responsáveis em

termos ambientais são necessárias, mas se obtêm ao organizar sistemas de apoio às

iniciativas locais, incorporando ao esforço ambientalista geral a grande massa de pessoas

e organizações que querem uma vida mais decente no lugar onde moram. Trata-se, em

síntese, de gerar e ampliar uma nova cultura ambiental.

As medidas sugeridas no decorrer do PPNADL resgatam, de forma geral, a longa

batalha e o imenso acervo de experiências de movimentos ambientalistas e outros,

visando à ampliação e aprofundamento de um processo que já se tornou claro. No

território imaginamos desejável:

1. Utilizar na elaboração do Projeto Núcleo Casa Verde o “Perfil Ambiental do

Município”, com análise da situação e hierarquização das prioridades de ações

locais;

2. Dar clareza na construção dos Indicadores do território da Casa Verde os

indicadores ambientais locais, aproveitando as metodologias hoje amplamente

desenvolvidas (pegada ecológica, indicadores de progresso genuíno e outros),

assegurando que cada comunidade possa conhecer e monitorar o uso dos recursos

naturais e das situações sociais críticas;

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3. Priorizar e apoiar tecnicamente, bem como através de co-financiamento,

iniciativas locais ou regionais de saneamento ambiental, levando em conta as

situações de maior impacto, observando e respeitando os diagnósticos do SUS –

Sistema Único de Saúde, já que a contaminação das águas constitui um dos

principais vetores de doenças no país;

4. Inserir o estudo dos problemas ambientais locais nos currículos do ensino regular

e dos cursos técnicos, de modo a gerar em cada local e microrregião um amplo

conhecimento dos problemas e das soluções ambientais correspondentes;

5. Estimular, através de parcerias com a universidade, a elaboração de monografias

regionais sobre a situação ambiental local, tanto em nível de graduação como de

pós-graduação, buscando formar um acervo de conhecimento ambiental básico

em cada região;

6. Assegurar a formação de um fundo de iniciativas ambientais locais, articulando o

Ministério do Meio Ambiente, instituições financeiras públicas, Estados e

Municípios, visando ao co-financiamento de iniciativas ambientais locais;

A urbanização caótica e acelerada que caracterizou o êxodo rural brasileiro tornou

premente uma intervenção integrada nas favelas, cortiços e periferias miseráveis, configurando uma evidente prioridade nacional. No conjunto das ações deste tipo, assume particular importância o saneamento básico, que provoca diariamente mais de mil internações hospitalares de crianças por contato direto ou via alimentos com água contaminada, gerando custos absurdos frente ao que custaria a ação preventiva. Uma vez mais, o meio ambiente depende vitalmente de uma cultura de ação preventiva, da criação de um sentimento de apropriação e de cuidados com a realidade que nos envolve (PPNADL, 2006, p.97).

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CONTRIBUIÇÕES ESPERADAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se, ao final deste projeto:

• Entender de forma aprofundada as demandas e necessidades do território,

por meio de pesquisa de campo de qualidade e de dados econômicos

georeferenciados;

• contribuir para uma institucionalidade criada a partir de um aumento na

participação cívica do território, a partir do conhecimento mais claro dos

problemas e potencialidades de nosso bairro;

• gerar ferramentas online de pesquisa e acompanhamento, que

possibilitem o cidadão tanto propor como acompanhar o que acontece no

território, de forma constante;

• ajudar a desenhar, articular e implementar projetos para as cadeias

produtivas locais, com foco em aumento de renda geral do território e

diminuição do desemprego e subemprego;

• gerar programas para melhorar as condições de vida da população do

território na visão dos moradores e população flutuante;

• gerar uma base prática, a partir das experiências nacionais e

internacionais, para a construção de um território com desenvolvimento

sustentável;

• construir um modelo de relevância de desenvolvimento sustentável, que

seja replicável em sua maior parte a outros territórios, e com foco no

respeito das peculiaridades de cada território, procurando levar as

experiências teóricas e práticas de implementação do projeto, com

resultados no aumento da qualidade de vida no território que passe pelo

projeto.

Dos eixos acima apresentados, procuramos focar nas sugestões concretas e viáveis

que foram reunidas desde o PPNADL (Projeto Política Nacional de Apoio ao

Desenvolvimento Local), passando por todas as experiências locais e internacionais e

constituem uma proposta portadora de forte consistência para implementação e

embasamento do projeto Núcleo Casa Verde. Trata-se de liberar forças que existem e que

já estão dando provas da sua energia. O leque de ações é amplo, mas as situações em

termos de desenvolvimento local são diversificadas. As prioridades serão diferentes

segundo as regiões do próprio território da Casa Verde.

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Quem estuda e acompanha a produtividade das pequenas unidades rurais da

Europa, o peso da pequena e média empresa nos Estados Unidos, o processo de redução

de pobreza que ocorre na China e os esforços de inclusão que são empreendidos na Índia

adquire uma visão mais realista. Por trás das grandes corporações, existe nos países que

estão crescendo e enfrentando seus dramas sociais e ambientais um imenso leque de

pequenas iniciativas locais de desenvolvimento, que naturalmente aparecem pouco por

serem pequenas e dispersas, mas que oferecem poderosa sustentação ao conjunto. Pensar

que só a grande iniciativa resolve é desconhecer o poder da progressão geométrica.

Pequenas iniciativas que se multiplicam, se convertem em grandes políticas. Apoiar as

iniciativas que surgem na base da sociedade equivale a abrir uma grande avenida para a

inclusão produtiva das maiorias (PPNADL, 2006, p .99).

Neste documento abordamos a base teórica para a construção do desenvolvimento

sustentável territorial, revisamos as iniciativas semelhantes que foram executadas com

maior facilidade por territórios (cidades) do que por estados nacionais e propomos um

modelo de construção de objetivo compartilhado e escuta contínua da população e

entidades locais, que embora seja geral o suficiente para ser aplicado em outros locais,

está sendo implementado no bairro da Casa Verde.

Foi demostrado que não é suficiente ter um potencial no território, é necessário

organizar institucionalmente este local para que se possa tirar proveito e alavancar suas

potencialidades. Além disto a participação do maior número possível de entes do

território aumenta a eficácia do projeto e o engajamento, que são atributos que fazem toda

a diferença.

Por fim, esperamos que este projeto possa ajudar a construir territórios mais

prósperos, com mais qualidade de vida, medidos claramente segundo os interesses locais

a fim de que a comunidade construa sua própria versão de felicidade. Começamos o

desafio pelo Bairro da Casa Verde, por meio do Núcleo Casa Verde, que os espera de

braços abertos, para sugerir e ajudar a implementar uma visão conjunta de bem-estar para

todos no território, moradores, visitantes ou parceiros. Sejam bem-vindos a uma nova

Casa Verde, que nos espera ansiosa em 2022, 2030 e 2050.

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