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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Fernanda Santini Franco Pesquisadores, educadores e pais: a construção coletiva de saberes educativos DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fernanda Santini Franco

Pesquisadores, educadores e pais: a construção coletiva de saberes educativos

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fernanda Santini Franco

Pesquisadores, educadores e pais: a construção coletiva de saberes educativos

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de Doutora em Educação: Psicologia da

Educação sob a orientação da Profa. Dra. Heloisa Szymanski

SÃO PAULO

2015

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Banca Examinadora

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Ao Paulo e à Alice, presenças diárias que alegram minha vida.

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Agradecimentos

À professora Heloisa Szymanski, pela confiança, apoio e por todos os ensinamentos nesses

anos de orientação.

Ao Paulo, por estar ao meu lado em todos os momentos e embarcar comigo no desafio de

sermos pais.

À Alice, por iluminar meus dias e me ensinar a ser mãe.

Aos meus pais, por todo apoio, presença e carinho.

Aos membros da minha banca, por todas as contribuições ao trabalho.

Ao grupo de pesquisa, por todo aprendizado e troca de experiência.

Aos participantes do curso de formação, por toda disponibilidade e confiança no projeto e por

permitirem uma rica troca de saberes.

À Capes, pela concessão de Bolsa.

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 10

2. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 13

2.1 O lugar do saber na contemporaneidade .................................................. 13

2.2 Objetivo geral ........................................................................................... 18

2.3 Objetivos específicos ............................................................................... 18

2.4 Saberes profissionais e alguns desafios na educação .............................. 19

2.5 O lugar dos pais e da família: aspectos históricos .................................... 23

2.6 Entrelaçando algumas palavras e ideias ............................................. 27

3. MÉTODO ......................................................................................................... 30

3.1 A questão do conhecimento ...................................................................... 30

3.2 Contextualização da pesquisa ................................................................... 35

3.3 Entrevista reflexiva .................................................................................. 35

3.4 Encontro reflexivo .................................................................................... 36

3.5 O projeto do Curso de Formação de Multiplicadores ................................ 38

3.6 Caminhos para a manifestação do fenômeno ............................................ 40

3.7 Caminhos para a compreensão do fenômeno ............................................ 41

4. O CURSO DE FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES .............................. 44

4.1 Participantes ............................................................................................. 44

4.2 Narrativa dos encontros por semestre ..................................................... 45

4.3 Impressões da pesquisadora sobre o curso de formação de

multiplicadores ....................................................................................................

65

5. ANÁLISE ......................................................................................................... 67

5.1 Constelações ............................................................................................. 67

6. DISCUSSÃO ................................................................................................... 77

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 84

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 85

ANEXO I – Slides da apresentação do projeto de formação de multiplicadores

ANEXO II – Mapa de recursos elaborado pelos multiplicadores

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Informações dos encontros do segundo semestre de 2011............................... 45

Quadro 2 – Informações dos encontros do primeiro semestre de 2012 .............................. 49

Quadro 3 – Informações dos encontros do segundo semestre de 2012 .............................. 53

Quadro 4 – Informações dos encontros do primeiro semestre de 2013.............................. 57

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Resumo

Este trabalho teve como objetivo compreender e explicitar as práticas dialógicas e

emancipadoras que sustentam o trabalho com educadores e pais na construção e troca de

saberes educativos em um curso de formação de agentes multiplicadores para o trabalho

educativo com famílias, conduzido pela equipe do Grupo Ecofam, da PUC-SP. Identifica, no

cenário da atualidade, a demanda de um conhecimento que se constitua a partir do vivido,

diferenciado do saber de cunho funcional, objetivo e pragmático, que prevalece na tradição

ocidental. Apoiando-se em referências fenomenológicas e no pensamento de Paulo Freire,

realizou uma análise hermenêutica a partir da descrição e narrativa dos encontros com

multiplicadores, realizados durante dois anos de curso. Como resultado, descreveu as

transformações ocorridas em todos os participantes e identificou aspectos que possibilitaram

tais mudanças. Multiplicadores e pais apresentaram dificuldades iniciais para compreender as

práticas dialógicas, mas, ao longo do curso, mostraram o desenvolvimento de uma postura

mais autônoma, com a criação espontânea de intervenções críticas e fundamentadas para

questões do âmbito educativo e da comunidade. Os pesquisadores precisaram lidar com a

quebra de suas expectativas iniciais, fazendo uma constante revisão de suas práticas e

propostas e apresentando uma abertura para modificações, só possível com um contato

permanente com os princípios que norteavam o trabalho. Para essas mudanças, considerou-se

como aspectos fundamentais uma estreita relação entre o fazer e o pensar, a possibilidade de

experienciar os conceitos apresentados teoricamente e a confiança de que os multiplicadores

pudessem pensar e agir de forma crítica e reflexiva. Foi fundamental ter sempre presentes as

visões de homem, mundo e educação que nortearam as escolhas de ações durante o curso. O

diálogo mostrou-se como ferramenta para a construção e troca de saberes nessa perspectiva

alternativa à reprodução de técnicas e saberes naturalizados.

Palavras-chave: Família; Educação parental; Fenomenologia; Análise hermenêutica; saber

educativo.

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Abstract

The purpose of this study was to understand and show/clarify the dialogical and

emancipating practices that sustain/ support the work with parents and educators in the

construction and exchanging educational knowledge in a multipliers training course for

educational study/work with families, led by Ecofam Group from PUC- SP. We identify

nowadays a demand for a knowledge based on experience, different from the functional

objective and pragmatic knowledge that prevails in the Western tradition. Relying on

references and phenomenological thought of Paulo Freire a hermeneutic analysis was done

with multipliers, performed/ carried out on a course of two years/ during a length of two

years of studies/ during a period of two years. The result, described the changes in all

participants and identified aspects that allowed such changes. Multipliers and parents had

initial difficulties to understand the dialogical practices, but along the way/ but overtime they

showed the development of a more autonomous attitude with the spontaneous creation of

critical and substantiated interventions to education and community issues. The researchers

needed to deal with the loss/ to deal with the breakdown of their initial expectations, making

a constant review of their practices and proposals and presenting an opening for alterations/

for modifications only possible with a permanent contact with the principles that guided/ that

shaped this work. For these changes, it was considered as fundamental aspects, a close

relationship between doing and thinking and the possibility of experiencing the concepts

presented in a theory , besides that, the confidence that the multipliers could think and act as

critical and reflective people. It was always essential to have the visions of the human being/

man , world and education that guide the choices of actions during the course. The dialogue

was seen as a tool for the construction and exchange of a knowledge in a perspective different

to the reproduction of technical naturalized knowledge.

Keywords: Family; Parental education; phenomenology; Hermeneutic analysis; educative

knowledge.

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1. APRESENTAÇÃO

Nesta breve apresentação, gostaria de contar ao leitor algumas experiências que se

entrelaçaram com o desejo de iniciar esta investigação. Aspectos como o estudo da

fenomenologia, junto com experiências profissionais e acadêmicas, foram delineando meu

interesse em indagar sobre os saberes parentais e outras questões, como o conhecimento na

contemporaneidade.

Tive contato com o pensamento fenomenológico, pela primeira vez, durante a

faculdade de Psicologia. Desde o início, considerei-o muito enriquecedor e consistente,

principalmente nas críticas sobre perspectivas naturalizadas do homem. A possibilidade de

um olhar livre, tanto quanto possível, de modelos teóricos e pressupostos, permitiu uma

abertura no modo como eu compreendia o mundo. Até hoje, essa perspectiva permanece

como um interesse e área de estudo e foi fundamental na forma como fui constituindo minha

atuação profissional e acadêmica. Foi muito importante, também, no modo como percebia

questões educativas.

Depois de formada, iniciei a prática clínica e durante dois anos trabalhei

exclusivamente como psicóloga infantil. No atendimento de crianças e familiares, era muito

comum que pais fossem em busca de respostas rápidas e eficientes para seus conflitos

educativos, assumindo a existência de regras ou fórmulas. Como professora universitária,

lecionando disciplinas relacionadas à educação, também percebia um desejo dos alunos – que

frequentemente falavam como pais – em saber “os segredos” para um processo educativo bem

sucedido. Em ambos os casos, parecia existir, na maior parte das vezes, a busca por um

direcionamento organizado como “receita”, como um “passo-a-passo” para ter sucesso como

mãe ou pai.

Essas situações incitaram um questionamento a respeito do modo como esse

conhecimento era buscado, levando a uma reflexão sobre o papel dos profissionais que

trabalham com educação e sobre os tipos de saberes valorizados e veiculados na atualidade.

Levou também a uma inquietude a respeito do modo como os pais se organizam em meio a

essa realidade, para cuidar dos filhos. Assim, em 2008 iniciei um Mestrado que buscava

investigar justamente o modo como mães e pais cuidam de seus filhos.

No desenvolvimento desta pesquisa se fez muito presente um cenário de insegurança

dos próprios pais em relação à sua capacidade de serem cuidadores adequados. Havia, em

muitos momentos, perguntas sobre como deveria ser o modo de ação mais correto para lidar

com desafios cotidianos e isso acontecia mesmo quando os pais demonstravam ter saberes

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para lidar com seus questionamentos. Parecia haver uma valorização excessiva do

conhecimento formal, representado pela figura do profissional “especialista”. Como esta

pesquisa utilizou como procedimento a prática de encontros reflexivos1, embora a equipe da

Universidade – formada por profissionais de Psicologia e Pedagogia – estivesse presente, não

havia o objetivo de uma orientação diretiva sobre como crianças e adolescentes deveriam ser

educados. Ao contrário, estimulavam-se a reflexão e a construção coletiva de saberes e o

objetivo era refletir sobre práticas psicoeducativas sem a imposição de um saber. Com a

destituição da ideia do que o outro devia fazer e a aproximação do significado das ações

educativas, pareceu ser possível o aparecimento de recursos para agir frente à exposição a

situações de extrema vulnerabilidade. Os pais foram se mostrando, mesmo inseguros, capazes

de propor alternativas e puderam lembrar-se de situações educativas em que tiveram êxito.

Essa proposta pôde contribuir para desfazer pré-conceitos e pareceu ser, para mim,

uma possibilidade de responder às inseguranças educativas parentais sem oferecer um modelo

pronto de educação, que nem sempre se encaixa nas condições de vida de toda população.

Outras propostas do grupo Ecofam, coordenado pela professora Heloisa Szymanski, também

seguiam a mesma linha e, em 2011, o início de um projeto denominado de “formação de

multiplicadores” fez com que essas reflexões só se ampliassem. A formação de

multiplicadores consistia, basicamente, na realização de um curso, em um formato dialógico e

participativo, para auxiliar educadores da comunidade a lidarem com famílias2. Seu início fez

com que meu questionamento inicial, que era sobre a construção e troca de saberes educativos

entre educadores e pais, se desdobrasse também para a construção e troca de saberes

educativos entre pesquisadores e educadores. Não só era necessário compreender melhor

como fazer para que pais e mães fossem auxiliados em uma perspectiva emancipadora, como

também cuidar para que os educadores fossem formados de forma reflexiva.

Foi considerando, então, as experiências e reflexões mencionadas que surgiu um

desejo de compreender melhor essa solicitação de mães, pais e educadores por diretrizes

educativas e de pensar em modelos de atuação que respeitem sua autonomia. Se há, de um

lado, a desqualificação do saber dos pais pela sociedade e pelos próprios pais e a expectativa

de fórmulas mágicas, de outro, há a perspectiva de trabalhar com famílias para ir além dessas

1 Os encontros reflexivos referidos fazem parte de um projeto mais amplo desenvolvido em uma comunidade de baixa renda de São Paulo e se caracterizam como uma intervenção baseada na proposta de entrevista reflexiva de Szymanski (2002). Tem como objetivo pensar sobre práticas psicoeducativas de mães e pais. A proposta será melhor explicitada na parte sobre o Método do trabalho. 2 O curso de formação de multiplicadores será mais detalhado posteriormente neste trabalho.

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questões, compondo um conhecimento situado, que inclua o saber acadêmico, mas também o

saber dos pais e da tradição.

Assim, será apresentada, a seguir, uma investigação que pretende discutir esse tema,

considerando as perspectivas educacionais atuais, o lugar do saber na contemporaneidade, a

relação entre teoria e prática e um retorno à experiência educativa como forma de pensar a

educação.

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2. INTRODUÇÃO

Se observarmos atentamente alguns desafios educativos da vida moderna descritos na

literatura3, veremos um cenário em que coexistem pelo menos duas noções: a primeira é a de

que a educação parental, junto à escolar, é a grande responsável pelo desenvolvimento de

cidadãos adaptados e adequados à sociedade; a segunda é a ideia de que os pais devem,

naturalmente, saber como agir para serem bons educadores. Isso significa que é depositada,

em mães e pais, uma expectativa para a qual recebem pouco ou quase nenhum preparo,

prevalecendo um mito de que os pais sabem, instintivamente, como agir.

Ao mesmo tempo, parece ser consenso entre especialistas que a questão educativa é

extremamente complexa e que, até mesmo com muitos estudos e pesquisas, é impossível

afirmar que existe um único modo de educar ou um manual para a resolução de problemas

familiares. Assim, o descompasso entre o que se espera e o que se oferece parece provocar,

nos pais e até mesmo nos educadores, muita insegurança e incerteza.

O modo como lidamos com essas questões e as repostas que os profissionais dão às

inseguranças parentais podem ser compreendidas de inúmeras maneiras, mas parecem ter

muita raiz nos valores contemporâneos e na postura que temos diante do lugar que o saber

ocupa nos dias de hoje.

Para compreender de forma mais fundamentada as constatações feitas acima, será

realizado, então, um caminho que parte do lugar do conhecimento no mundo atual, se estreita

para a questão educativa de mães e pais e se direciona para a explicitação dos objetivos desta

pesquisa. Em seguida, mergulha em algumas ideias fundamentais trabalhados nesta tese.

2.1 O lugar do saber na contemporaneidade

A questão dos conhecimentos e saberes na contemporaneidade foi descrita, direta ou

indiretamente, por diversos autores. Uma delas é Rocha (2002) que escreve sobre o assunto

através do que chamou de “educação em tempos de tédio”. Embora sua reflexão tenha mais

ênfase na educação no contexto escolar, ela aborda o modo de vida atual e reflete sobre como

aspectos como o individualismo, o isolamento e o bloqueio de comunicação podem atrapalhar

na construção do cotidiano educacional e levar ao tédio.

3 As justificativas das afirmações já apresentadas aqui serão desenvolvidas ao longo deste capítulo, com a introdução de autores que corroboram essas ideias.

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Falar em tédio em uma sociedade tão dinâmica e cheia de atividades pode parecer

estranho em um primeiro momento, mas ela explica que o tédio a que se refere é proveniente

da sensação de impotência, descompasso, inércia e, principalmente, incapacidade de criar

diante do cotidiano. A criação é algo extremamente importante, principalmente quando

estamos diante de um conflito. Para encontrar alternativas e novas maneiras de lidar com

aquilo que incomoda, muitas vezes é preciso que se faça um movimento de ruptura com

aquilo que foi instituído e tomado como verdade absoluta, para então construir novas

possibilidades. No entanto, a autora aponta que fazer esse movimento não tem sido fácil, pois,

em muitos momentos, pactos e acordos são estabelecidos e se respaldam em crenças jamais

refletidas. Existe um privilégio da funcionalidade e utilidade que vai provocando um

afastamento do não-saber e, consequentemente, da diversidade, de tudo aquilo que é diferente.

As escolas vão se tornando lugares de repetição e “fábricas de socialização padronizadas”

(ROCHA, 2002). Essa lógica, além de incompatível com mudanças, valoriza um tipo de

conhecimento que tem estatuto de verdade objetivada e mercadoria.

Jobim e Souza (2003) é outra autora a falar sobre o momento atual, abordando-o a

partir do que denomina de pós-modernidade. Considera que é no campo da produção de

conhecimento que existe uma ruptura mais radical entre a modernidade e a pós-modernidade4.

Afirma que hoje “não se pode mais construir o saber tendo por base uma ‘verdade’ que se

impõe” (JOBIM E SOUZA, 2003, p. 21). Isso porque o conhecimento já não pode ser

atrelado a uma autoridade suprema, na medida em que se reconhecem as diferenças e

multiplicidades na esfera do saber. Isso traz muitos avanços no sentido da igualdade e

liberdade, pois possibilita uniões livres, mudanças aceleradas em gostos, valores, aspirações, e

uma ética mais tolerante e permissiva. No entanto, também causa um profundo mal-estar, e a

insegurança de não ter um direcionamento único pode ser um movimento em que “a promessa

de felicidade se transforma na sua antítese, em sofrimento” (JOBIM E SOUZA, 2003, p. 22).

O fato de que não podemos mais nos apoiar em saberes construídos e transmitidos como

garantia da continuidade de algo comum entre os sujeitos de diferentes épocas, muitas vezes,

gera solidão e sofrimento. Segundo Jobim e Souza (2003), antigamente, o saber era

legitimado tendo como base a experiência acumulada e tinha um caráter duradouro. Era muito

pautado no que Benjamin (1994) chamou de narrativa, pois ela tem como base a comunicação

de uma experiência, a sabedoria que se relaciona com aquilo que se viveu, com um saber que

4 Não caberia aprofundar as nomenclaturas dessa ou de outros autores a respeito do modo como chamam a época atual e as precedentes; o enfoque privilegiado aqui é a descrição sobre a produção de conhecimento na vida contemporânea.

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vem de longe. É um tipo de conhecimento que difere da troca de informações, algo que tem

mais um caráter de notícia, diz mais respeito aos acontecimentos próximos e aspira a uma

verificação imediata. Hoje, segundo Jobim e Souza (2003) existe uma divulgação de

informações ligeira e abundante, mas, com isso, a circulação de “saberes descartáveis”. O

conhecimento parece ir perdendo sua densidade e compromisso, adquirindo um caráter

utilitarista e funções específicas e objetivas. O conhecimento “(...) passa a se transformar em

objeto de consumo rápido e, obedecendo a esta lógica, deve ser jogado fora após o uso”

(JOBIM E SOUZA, 2003, p. 22). Vive-se, assim, em uma ‘era do vazio’, com a venda de

competências descartáveis. Os indivíduos, nesse modelo, são levados a eleger a si próprios ou

às suas vidas privadas como um projeto de cada um, inibindo a responsabilidade em relação

ao coletivo, ao que é público e passa pelas necessidades mais amplas da sociedade.

Relacionando o pensamento das duas autoras citadas, podemos perceber que a

dificuldade em fazer mudanças, em criar diante do cotidiano citada por Rocha (2002) pode ter

relação com o individualismo exacerbado e a falta de alicerces ao conhecimento, descritos por

Jobim e Souza (2003). Para que se tenha a capacidade de produzir alternativas em relação a

conflitos encontrados, é necessário que se tenham saberes sólidos, que garantam coerência e

estrutura ao que se propõe como novo.

A falta de saberes mais estruturados talvez possa também ser pensada a partir de uma

reflexão sobre as instituições de educação formal. Rocha (2002), a partir de uma breve revisão

sobre a história da escola ocidental-cristã, discute o seu papel na constituição do estado e do

cidadão adaptado à ordem e à sociedade. Afirma que a escola é tida como “(...) organização

oficial responsável pelo reconhecimento da constituição do cidadão produtivo” (ROCHA,

2002, p. 192) e estabelece-se como o lugar de aquisição de saberes com as características

muito específicas já citadas anteriormente: visa a funcionalidade, a objetividade e o

pragmatismo. A autora afirma que há uma propagação da ideia de que muitos olhares sobre o

mesmo assunto são válidos, mas estimula-se um pensamento homogêneo e associa-se a

capacidade de absorver o conhecimento com a capacidade produtiva do cidadão. Como

consequência desse modelo, deixa-se de estimular a criatividade, o pensar sobre o vivido e

acostuma-se com uma lógica dos saberes absolutos.

O ciclo instaurado parece obedecer a um movimento em que, quando existe a

necessidade de saber sobre algo, volta-se para a busca pelo conhecimento. Esse é abundante e

disponível, mas vem com um caráter muito específico, o de funcionalidade, utilidade e com a

roupagem de verdade única. Somos levados à impressão de que existem verdades prontas e

soluções para os conflitos e que, quando não as encontramos, é porque simplesmente não

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chegaram até nós. Somos estimulados a seguir nessa busca, fazendo um movimento de

procurar fora de nós respostas prontas para nossas dificuldades. No entanto, diante da

impotência, não deveríamos criar alternativas, pensar, descobrir as próprias verdades?

Chaui (2000) é quem desenvolve esse questionamento dizendo ser muito difícil

despertar nas pessoas o desejo de buscar a verdade e afirmando que isso acontece justamente

porque as pessoas já recebem, por meios variados, muitas informações que acreditam serem

verdadeiras. Com a abundância de dados, as pessoas não conseguem avaliar tudo o que

recebem, pois além de serem muitas informações, elas ultrapassam a experiência vivida. Além

disso, acreditam que existem outras pessoas que dizem a elas o que devem saber, o que

podem saber e o que podem e devem sentir. É a confiança depositada no jornalista, no

radialista, no professor, no médico, no policial etc. que faz com que as pessoas se sintam

seguras e confiantes. Sem a incerteza, há a ignorância.

Em relação à educação parental, podemos dizer que, atualmente, a busca pelas

“verdades educativas” se dá muito pela procura de especialistas que dirão qual a melhor

maneira de educar. É claro que há muito a ser dito pelas diversas áreas que estudam o tema e

suas contribuições são indiscutíveis. No entanto, o que se aponta aqui é que a ciência e o saber

especializado assumem o papel de ‘explicar’ a infância, desencadeando um processo gradual

de deslegitimação da autoridade dos pais em relação à educação dos filhos (LASCH, 1991).

Essa relação com o saber científico acarreta dois problemas: o primeiro se refere ao fato de

que os saberes especializados não são capazes de responder individualmente a todos os

conflitos existentes na esfera da relação pais e filhos; o segundo se relaciona ao fato de que,

mesmo que pudessem responder a tudo, precisariam se fazer presentes em uma escala muito

maior do que existe atualmente, permitindo o acesso das mais diversas populações às

“verdades descobertas”. Se isso não acontece e, ao mesmo tempo, não se legitima a

autoridade parental e sua capacidade de desenvolver saberes educativos, permite-se a

instalação de um cenário de desorganização e insegurança para o cumprimento da função

educativa de mães e pais. Segundo Pereira & Jobim e Souza (1998), passou a ser fácil

encontrar pais que temem a criança por não saberem como agir com ela.

Tendo em vista todos os aspectos descritos, podemos afirmar que mães e pais parecem

precisar de espaços para a construção e troca de saberes educativos, já que esse cenário traz

muita insegurança. No entanto, se a resposta a essa necessidade seguir os mesmos moldes

aqui criticados – de ensino de saberes frágeis e provisórios –, não haverá qualquer

contribuição para que os pais possam assumir seu papel de forma autônoma, aptos a escolher

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caminhos educativos. Assim, estabelece-se a premissa de que existe uma demanda por saberes

sobre práticas educativas. Porém, como responder a essa demanda de forma “emancipadora”?

Colocada esta indagação, apresentaram-se para a pesquisadora duas possibilidades de

abordar este questionamento, ambas relacionadas a experiências no grupo de pesquisa

ECOFAM, coordenado pela Professora Dra. Heloisa Szymanski. O grupo teve início em

1993, com um trabalho com famílias em uma comunidade de baixa renda de São Paulo. Entre

as diversas intervenções já realizadas no local, como parte de uma pesquisa participante, uma

das mais expressivas foi a prática de Encontros Reflexivos5 com mães e pais, elaborada

visando o desenvolvimento de autonomia para lidar com suas questões educativas. É uma

proposta que parte de pressupostos que questionam os limites da utilização de soluções

universais e respostas desenraizadas nas experiências e possibilidades do outro. Um dos

caminhos seria investigar os encontros reflexivos e pensar sobre seus limites e contribuições.

No entanto, foi justamente dessa prática que se iniciou outra proposta ainda mais

ampla, a da formação de educadores. A demanda para seu início veio do fato de que os

pesquisadores que coordenavam os encontros reflexivos não tinham disponibilidade de

horário para responder às solicitações de realizar os grupos na parte da noite, como sugerido

pelos pais. Daí pensou-se na possibilidade de formar educadores da própria comunidade para

trabalhar nesses encontros, de modo a substituir gradativamente a presença dos pesquisadores

nos grupos e, assim, possibilitar uma autonomia maior da comunidade e a vinda de outros

pais que não poderiam estar presentes em outros horários. Esse trabalho começou em 2011 e

pareceu ser outra alternativa para pensar sobre a indagação apresentada, pois também se

referia a uma resposta a demandas de pais sobre práticas educativas.

Falar sobre o Curso de Formação de Multiplicadores, englobaria, de alguma maneira,

a parte de Encontros Reflexivos também e, assim, escolheu-se esse caminho como

viabilizador de uma aproximação dos objetivos deste trabalho. O ponto de partida para todos

os objetivos que serão descritos é o mesmo: a solicitação de mães e pais por saberes

educativos, explicitada no interesse em participar dos encontros reflexivos e no desejo de ter

outros horários para os grupos, visando maior envolvimento na prática. Como resposta a essa

demanda, surgiu um Curso de Formação de Multiplicadores, visando formar educadores para

continuar um trabalho reflexivo e dialógico com as famílias. Esse processo foi explicitando a

necessidade de pensar em como trabalhar, horizontalmente, para uma construção de saberes

educativos tanto com educadores, quanto com mães e pais. Isso significa que a questão inicial,

5 A proposta de Encontros Reflexivos está detalhada na parte sobre o Método do trabalho.

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relativa à educação parental, se desdobrou também para os educadores. Essas constatações

levaram aos seguintes objetivos deste trabalho.

2.2 Objetivo geral

• Compreender a constituição de práticas dialógicas e emancipadoras com pais e

educadores, para a construção e troca de saberes educativos.

2.3 Objetivos específicos

• Analisar o processo de formação de multiplicadores para intervenções que respeitem a

autonomia parental.

• Analisar a narrativa dos multiplicadores sobre suas intervenções na comunidade

orientadas pelo curso de formação de multiplicadores.

• Compreender as possibilidades da proposta de uma educação emancipadora na

formação de educadores e intervenções em comunidades.

• Identificar aspectos desse modelo de formação que propiciam, colaboram ou

dificultam a construção e troca de saberes educativos entre pesquisadores e educadores

e educadores e famílias.

A partir do panorama aqui apresentado, serão organizados, a seguir, capítulos teóricos

sobre questões fundamentais para a discussão pretendida. Inicialmente, serão apresentados

alguns desafios da educação atual e sua relação com algumas áreas de atuações profissionais

capacitadas para intervir nos conflitos educativos. Em seguida, será realizada uma breve

revisão histórica do lugar dos pais e da família na educação dos filhos, procurando-se

compreender seu caminho até os dias atuais. Será realizado, também, um entrelaçamento de

noções fundamentais que aparecem neste trabalho. Finalmente, será feito um retorno à

história do conhecimento científico, levando ao método do trabalho e a uma delimitação do

embasamento que faz parte desta investigação.

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2.4 Saberes profissionais e alguns desafios na educação

Ainda é preciso aprender a arte de viver num mundo saturado de informações. E

também a arte mais difícil e fascinante de preparar seres humanos para essa vida.

Zygmunt Bauman

A situação educacional atual tem sido, dentro do campo da Psicologia, objeto de

estudo e preocupação. Em 2008 foi realizado o ano da Educação pelo Conselho Federal de

Psicologia no qual foi discutida a importância de se pensar nas políticas públicas em

Educação, considerando-se o desafio de romper com o histórico de “(...) reforçar

desigualdades e de excluir, seja dificultando o acesso ao conhecimento e aos espaços de

trocas, seja na forma autoritária de transmitir saber” (CONSELHO FEDERAL DE

PSICOLOGIA, 2009, p. 11). A preocupação com a constituição de um processo educacional

democrático e que estimule a autonomia tem sido considerada tanto no âmbito da educação

formal quanto da informal. Isso significa que as discussões sobre intervenções que relacionam

Psicologia e Educação têm sido estimuladas tanto na escola, quanto em instituições

educacionais como abrigos, centros socioeducativos, instituições comunitárias e famílias.

A necessidade de se rever a interface Psicologia e Educação tem muita relação com

aspectos históricos. A formação dos psicólogos para a educação foi tornando-se secundária ao

longo dos anos, dificultando, hoje, a elaboração de ações interventivas adequadas a esse

contexto. Antunes (2008) afirma que, embora a educação tenha sido base principal para o

desenvolvimento da Psicologia no Brasil, a partir da regulamentação da profissão em 1962

essa área se tornou secundária, fato que apareceu no âmbito curricular e na preferência de

alunos e profissionais pelos campos da clínica e organização do trabalho. Como consequência

da ausência de um preparo mais específico para a área da educação, os psicólogos que

trabalhavam em escolas adotavam “(...) um modelo cada vez mais clínico terapêutico, agindo

fora de sala de aula, focando sua atenção na dimensão individual do educando (...)”

(ANTUNES, 2008, p. 472). Assim, começou a haver uma tendência a patologizar aqueles que

não se adequavam às expectativas de aprendizagem, distanciando-se de uma compreensão

efetiva e da apreensão da totalidade envolvida na produção de defasagens.

O estabelecimento de uma cultura de normalização, na qual se definia cientificamente,

cada vez mais quais seriam os comportamentos e habilidades esperados em cada momento do

desenvolvimento humano se justifica por um modelo excessivamente voltado para os aspectos

individuais que não se adaptavam às maiorias.

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A formação de psicólogos e profissionais da educação foi se definindo, então, cada

vez mais para um processo de aquisição de um conhecimento que determinava aquilo que

seria considerado adequado para a educação. Assim, esses profissionais ocuparam e ocupam

até hoje um lugar social de saber, assumindo “(...) a função de caracterizar a criança e suas

necessidades, definindo metas para sua educação e seu desenvolvimento” (PEREIRA; JOBIM

E SOUZA, 1998, p. 6).

Independente da validade dos conhecimentos produzidos, por exemplo, por áreas

como a Psicologia do Desenvolvimento, o que é destacado aqui é o fato de que,

historicamente, buscou-se uma orientação e produziu-se uma demanda por um conhecimento

que contemplasse os mais diversos conflitos cotidianos encontrados no processo de

crescimento infantil. No entanto, na prática, alguns problemas são encontrados nesse desejo

de delegar aos profissionais as respostas aos desafios educacionais.

Vivemos em uma época de intensas transformações. Segundo Bauman6 (2011),

vivemos em um mundo líquido, pois ele jamais se imobiliza nem conserva sua forma por

muito tempo e o conhecimento científico parece não conseguir acompanhar o ritmo das

solicitações e as alterações na natureza dos conflitos educativos. Quando acompanham, nem

sempre os saberes acadêmicos chegam à sociedade mais ampla e a outros profissionais, e

alguns conceitos já inconsistentes com a contemporaneidade permanecem. Isso se reflete

também na cultura popular e Souza (1997) fala sobre o fato, por exemplo, de que

encontramos, com frequência, revistas femininas que tratam de como as mães devem agir com

seus filhos para ajudá-los a se organizarem para os estudos. São propostas que partem de um

pressuposto de que as mães ou não trabalham fora ou trabalham por meio período e vivem em

um modelo de família em que pai, mãe e filhos vivem todos juntos. Até mesmo a escola cria

uma expectativa de que esse seja o tipo de mãe de seus alunos, acabando por validar “mitos

como mães que não respondem adequadamente às convocações da escola (reuniões gerais e

particulares, encaminhamentos) = mães desinteressadas (...)” (SOUZA, 1997, p. 191).

Esse tipo de pensamento tende a unificar as questões individuais e desprivilegia a

diversidade, ainda que trabalhar com famílias seja trabalhar com diversidade. Não há no

Brasil um modelo único de organização familiar (TORRES; DESSEN, 2007), fazendo-se

necessário pensar sobre a constituição de práticas que considerem as diferenças, sem buscar

adequá-las a modelos preexistentes ou moralizadores. É preciso abarcar questões individuais e

6 A introdução do pensamento de Baumann nesta tese tem um caráter mais descritivo, sem o intuito de explorar toda complexidade teórica de seu pensamento.

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realizar uma aproximação cada vez maior das pessoas envolvidas em intervenções de modo a

descobrir, inclusive, quais são suas necessidades e conflitos.

Os especialistas – todos aqueles formados para o trabalho direto ou indireto com a

educação –, circunscritos então a um saber que não responde precisamente a tudo que é

solicitado, tampouco conseguem uma aproximação efetiva de todos aqueles que necessitam

de um auxílio no campo educativo.

Nem mesmo na escola, lugar “nobre” da educação, temos uma gama ampla de

profissionais preparados e disponíveis para isso. Muitas escolas não possuem psicólogos

escolares e os educadores relatam, em muitos momentos, que não se sentem aptos a lidar com

os conflitos educacionais cotidianos. Diante dessa sensação de impotência, quando algo não

sai conforme o esperado na escola, muitas vezes a saída é lançar mão do mecanismo de

produção de culpados (MACHADO, 2007). Dirige-se a culpa ao aluno, à família, ao

professor, ao governo. É um mecanismo em que há uma recusa em trabalhar com o problema,

delegando ao “responsável” que resolva sozinho, já que é dele a falta. Como alternativa a isso,

as escolas fazem também muitos encaminhamentos externos, acreditando que os especialistas

de fora da escola são os únicos que poderiam ajudar.

Nesse “jogo de empurra”, e em meio à permanência do desejo de encontrar uma

resposta certa para a questão da educação, fica cada vez mais solitário o processo educativo

parental. Szymanski (2000) afirma que existe um mito de que os pais teriam uma capacidade

natural para educar e, dentro dessa noção, não seria necessário estabelecer programas de

auxílio ou sequer a formação de uma ajuda especializada. No entanto, na prática, vemos que

têm sido verificados sentimentos de incerteza, culpa, angústia e medo na vivência da

maternidade e a paternidade (MARUJO; NETO, 2000 citado por RIBEIRO, 2003). Pereira &

Jobim e Souza (1998) afirmam que, frente ao poder dado aos especialistas, representantes do

saber científico, “(...) à família restam a insegurança e a incerteza, cada dia maior, do seu

papel frente à orientação da educação dos filhos”. (p. 6)

Com a ausência de auxílio às famílias, muitas dificuldades não encontram respostas e

os pais parecem preocupados e desejosos por diretrizes a respeito de como devem educar. Em

resposta a esse movimento, existe uma exploração da mídia com livros, revistas e até

programas que ensinam os pais a como lidar com crianças e adolescentes. Meurer (2009)

descreve como foi a trajetória de um desses programas que teve muito sucesso e que estreou

em julho de 2004 na emissora britânica Channel 4. O programa SuperNanny auxiliava

famílias a educar seus filhos e seu formato se espalhou por diversos países, como Estados

Unidos, França, Alemanha, Polônia, China e Brasil. No Brasil, a versão inglesa foi exibida,

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primeiramente, por canais de assinatura. Em seguida, em 2006, foi criada uma versão

brasileira do programa na TV aberta. O programa teve boa audiência, ficou no ar por 4 anos e

retornou ao ar em 2012. A psicopedagoga que dava dicas educativas no programa chegou a

escrever livros sobre educação, e o site da emissora7 afirma que mais de 90 famílias já foram

ajudadas diretamente e mais de milhares, indiretamente, pelo programa. Meurer (2009) afirma

que, no programa, o especialista entra literalmente no lar, diagnostica o problema e propõe um

plano de ação que deve ser seguido à risca para que os resultados sejam alcançados.

A falta de espaço para a discussão de práticas parentais também aparece na

discrepância entre estudos científicos interessados na educação parental em relação à

educação escolar. O número de trabalhos relativos à educação e família é menor, em muitos

sites de pesquisa acadêmica, do que aqueles com educação e escola. Isso pode ser observado

quando são colocados, nas bases de busca, uma comparação entre os termos “educação e

família” e “educação e escola”8. No site Scielo (www.scielo.br) a busca por “educação e

família” encontra 575 artigos e a busca por “educação e escola”, 2729 artigos. Na biblioteca

da USP (dedalus.usp.br), a busca por “educação e família” encontra 1091 artigos e a busca

por “educação e escola”, 8654 artigos. Na biblioteca digital de teses e dissertações

(www.teses.usp.br) a busca por “educação e família” encontra aproximadamente 19.300

artigos e a busca por “educação e escola”, 55.000 artigos. Na biblioteca da PUC9

(biblio.pucsp.br) a busca por “educação e família” encontra 132 resultados e a busca por

“educação e escola”, 1559 resultados. Apenas no site da Bireme (www.bireme.br) a busca por

“educação e família” encontra 24106 resultados e a busca por “educação e escola”, 5732

resultados. Porém, neste caso, estamos nos referindo à Biblioteca Virtual de Saúde e muitas

pesquisas relacionadas abordam a educação familiar como estratégia para lidar com

prevenção e cuidados de doenças físicas.

Embora as duas áreas, de educação escolar e parental, sejam extremamente

importantes, essa breve pesquisa corrobora com a ideia de que são necessárias mais iniciativas

que considerem as demandas por auxílio no campo da educação familiar. Uma clareza maior

sobre essa questão pode ajudar tanto profissionais, quanto pais e mães.

7 O site http://www.sbt.com.br/supernanny/oprograma foi acessado em 18 de maio de 2012. 8 Os dados relatados foram pesquisados nas bases de dados citadas em 18 de maio de 2012. Não foi inserida nenhuma especificação, tal como autor, título ou assunto. 9 Na biblioteca Nadir Govea Kfori.

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2.5 O lugar dos pais e da família: aspectos históricos

Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem

Paulo Freire

Nesta seção, será realizada uma reflexão a respeito da constituição da família e do

lugar parental a partir da apresentação de alguns dados históricos e de estudos que abordam a

constituição das famílias.

Para falarmos sobre isso, será necessário tratar de alguns outros aspectos que

contribuem para a configuração de um sentimento de família como conhecemos hoje, tal

como a delimitação da vida pública e privada, a noção de classes sociais, a constituição de

uma ideia de infância e o desenvolvimento da vida escolar. Um dos autores a fazer essas

relações é Ariès (1984/2011), que afirma que a vida, até o século XVII, era vivida em público,

com as pessoas misturadas umas com as outras. Nessa época, embora a família existisse, não

havia um sentimento ou valor familiar.

A importância da vida pública pode ser vista, por exemplo, durante o Império

Romano, no impacto que tinha o “que os outros vão dizer”, havendo uma grande valorização

da sabedoria popular numa doutrina popular oral e os chamados “bons sensos” que vinham

daí (VEYNE, 1985/2009). Pode ser vista, também, na Idade Média, em que a convivência das

crianças não era delimitada, nem a uma vida privada, nem a um mundo infantil e não havia

uma noção de que deveria haver uma passagem para um mundo adulto ou uma vida privada.

As casas, até então, tinham caráter de lugar público e o convívio entre as pessoas era uma

forma de se livrar da solidão (ARIÈS, 1984/2011).

O sentimento de família propriamente dito apareceu apenas quando começou a haver

uma retração dessa vida social e uma crescente preocupação com a educação. Isso ocorreu nos

séculos XVI e XVII, quando os eclesiásticos ficaram cada vez mais numerosos e influentes e

começaram um movimento por uma “moralização” da sociedade, levando a um

reconhecimento da necessidade de educar. Foi nesse momento que os pais passaram a ser

guardiões espirituais de seus filhos, passando também a despender mais cuidados com as

crianças e acreditando que, para cumprir seu dever moral, deviam levá-las à escola desde

muito cedo. Esta, junto com a família, foi então se tornando responsável por retirar a criança

da sociedade dos adultos (ARIÈS, 1984/2011).

No século XVII houve um extraordinário desenvolvimento da escola, que foi

confinando a criança a um regime disciplinar cada vez mais rígido, resultando, nos séculos

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XVIII e XIX, a um enclausuramento total em internatos. Foi se configurando uma vida cada

vez mais privada e uma família organizada em torno da criança. Nascia um sentimento de

intimidade e de identidade, já que os membros da família se uniam pelos sentimentos,

costumes e gênero de vida.

Além da preocupação com a educação, a retração da vida social também se deu por

mudanças sociais relacionadas à burguesia do século XVIII. Podemos associar o nascimento

do sentimento de família com o sentimento de classe. Isso porque, no século XVIII, foi

havendo uma separação do corpo social em pequenas sociedades: as famílias e as classes. As

diferenças de condições sociais que antes eram toleradas ou tidas como naturais foram se

tornando insuportáveis, levando as famílias com mais posses a buscarem um meio

homogêneo e fechado. Nasceram bairros novos, protegidos da contaminação popular. A vida

privada foi se constituindo como sociedades fechadas em que seus membros gostavam de

permanecer e o sentimento de individualismo que pensamos ver na família moderna é na

verdade o triunfo da organização familiar. “O sentimento da família, o sentimento da classe e,

talvez, o sentimento de raça, surgem portanto como manifestações da mesma intolerância

diante da diversidade, de uma mesma preocupação de uniformidade” (ARIÈS, 1984/2011, p.

196).

Na medida em que a vida privada foi sendo, então, glorificada, a sociedade burguesa

foi sendo vista como algo impessoal, alheio, abstrato, uma vida pública repleta de frustrações.

A vida familiar, nesse cenário, se tornava um refúgio (LASCH, 1991).

No entanto, Lasch (1991) afirma que, com a Revolução Industrial, foi nascendo

também um movimento de levar ao social um controle cada vez maior das atividades que

antes eram relegadas aos indivíduos ou suas famílias. Isso foi observado, primeiramente, em

relação à produção de mercadorias, que foi sendo transferida do âmbito doméstico para as

fábricas. Em seguida, houve uma apropriação das habilidades e técnicas dos trabalhadores

através de uma administração científica e, logo após, o controle da vida privada. Assim,

embora a estruturação da sociedade se desse cada vez mais no âmbito privado das famílias,

tarefas que antes pertenciam a ela, como a educação infantil, foram sendo estendidas – “(...)

médicos, psiquiatras, professores, orientadores infantis, funcionários da justiça de menores e

outros especialistas começaram a supervisionar a educação das crianças (...)” (LASCH, 1991,

p. 21).

Lasch (1991) defende que as mudanças na organização familiar não foram apenas

respostas às influências sociais e econômicas, em muitos momentos, foram planejadas por

interesses políticos. Após a Revolução Industrial, viveu-se uma exaltação da família, mas

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também a insistência de que ela não poderia satisfazer suas próprias necessidades sem a

intervenção de especialistas. Havia tão pouca confiança na família que “(...) propuseram

transferir suas funções socializantes a outros agentes; outros simplesmente queriam melhorar

a qualidade da vida familiar por meio de programas ambiciosos de ‘educação para pais’”

(LASCH, 1991, p. 35).

Na década de 1950, nos EUA, outro movimento, o do imperialismo psiquiátrico,

ilustrava o desejo de controle sob a formação de crianças e a formação de cidadãos adaptados.

Havia reivindicações de que a educação, influenciada por princípios psiquiátricos, fosse

prioridade social, e se defendia que a produção de uma geração de cidadãos maduros pouparia

sofrimento e miséria (LASCH, 1991). Lasch (1991) afirma que, a partir da década de 1950,

começaram a ser cada vez mais documentados efeitos da incompetência paterna e a indústria

da saúde assumiu grande parte da responsabilidade pela criação de crianças. Ao mesmo

tempo, deixaram com os pais a maior parte da culpa, que fazia com que aumentasse ainda

mais a demanda por serviços de auxílio.

Hoje, a relação entre o Estado e a vida privada pode ser ilustrada por nossos hábitos

de identidade civil. De acordo com Áries (1984/2011), nossa identidade civil está ligada a três

mundos: o da fantasia, que se refere ao nome que é dado a uma criança; ao da tradição, que se

relaciona com o sobrenome; e o da exatidão e do número, que se refere à idade e outros

documentos. Com essa descrição histórica, podemos ver, então, que o estabelecimento de

relações familiares, como de pais e filhos, é influenciado por muitos outros fatores além da

mera concepção biológica e se relaciona a interesses políticos, econômicos, sociais e valores

éticos e morais.

Também falando sobre a relação entre políticas de governo e vida familiar, Araújo

(2010) aborda o tema “família e democracia” para refletir sobre transformações que foram

ocorrendo na vida familiar ao longo do desenvolvimento da sociedade. Afirma que a família

moderna foi idealizada como um santuário da moral e dos bons costumes e ainda hoje

continua a ser uma referência de lugar e valor seguros. No entanto, descreve que as mudanças

do mundo atual estão trazendo incertezas a um modelo familiar que chamou de “família

democrática”. A “família democrática” é constituída de “(...) relações mais igualitárias, em

que as responsabilidades e os papéis são divididos de forma mais flexível, as decisões são

tomadas em conjunto, de forma negociada e os conflitos são administrados de maneira que

cada um possa exercitar seu poder de argumentação, liberdade e individualidade” (ARAÚJO,

2010, p. 134). Essa família que busca maior igualdade nas relações, ao mesmo tempo em que

desenvolve valores democráticos para sua convivência, tem enfrentado problemas na sua

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aplicação cotidiana. Vem aumentando a procura pela ajuda de especialistas em função de uma

fragilização das funções parentais, especialmente no que se refere às questões de autoridade e

limites.

Para se chegar a essa família que Araújo (2010) denominou de democrática, muitas

mudanças tiveram que acontecer. Em outros momentos, a estruturação familiar era muito

moldada pelos papéis masculinos e femininos e suas possibilidades educativas. Segundo

Dessen (2010), na década de 1950 as famílias eram constituídas basicamente por pai, mãe e

filhos e estes obedeciam ao pai, econômica e afetivamente. Até o final da década de 1960,

cabia à mulher o cuidado da casa e dos filhos, e aquelas que trabalhavam fora de casa

costumavam exercer exclusivamente atividades consideradas femininas como a educação de

terceiros.

Nas décadas de 1970 e 1980, com intensas transformações sociais e movimentos

feministas, aconteceram mudanças expressivas nas organizações familiares e as relações se

tornaram mais igualitárias entre cônjuges e entre pais e filhos (DESSEN, 2010). Começava a

se estabelecer a “democracia familiar” e, com ela, o que alguns autores chamaram de crise da

autoridade na família.

No início dos anos 1990 o número de divórcios aumentou significativamente e as

famílias passaram a se reorganizar na ausência de pelo menos um dos pais (DESSEN, 2010).

O modelo de família tradicionalmente adotado até então vai se desfazendo, mas perdura como

ideal até os dias de hoje. Szymanski (2007) aborda esse tema trazendo as noções de família

pensada e família vivida. A família pensada se relaciona com esse ideal de família, é aquela

que supostamente corresponde ao modo mais correto de se organizar, constituída,

primordialmente, de um pai provedor e uma mãe cuidadora dos filhos. A família vivida, em

contraste, se remete àquilo que é possível, às formas de viver encontradas no cotidiano e que

muitas vezes diferem desse ideal.

Pode-se dizer que não existe um único modo de organização familiar, o que nos

impossibilita de dizer que a família é de determinada maneira. O que temos são pessoas que

assumem “(...) o compromisso de uma ligação duradoura entre si, incluindo uma relação de

cuidado entre os adultos e deles para com as crianças que aparecerem nesse contexto”

(SZYMANSKI, 2007, p. 50).

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2.6 Entrelaçando algumas palavras e ideias

Ao longo de todo este trabalho foram e serão utilizadas, muitas vezes, palavras como

diálogo, emancipação, ética e reflexividade, tornando-se necessário fazer um exercício de

retomada do modo como são compreendidas aqui, para situar o leitor em nosso horizonte

compreensivo.

Para uma aproximação dessas noções, temos como ponto de partida o modo como

enxergamos o homem e o mundo, fruto das duas grandes principais referências para este

trabalho: a perspectiva fenomenológica e o pensamento de Paulo Freire. Embora não

possamos classificar Freire como um representante do pensamento fenomenológico, sua

relação com essa perspectiva é possível em muitos momentos.

Podemos dizer que a raiz fenomenológica de Freire vem, principalmente, de sua

compreensão “(...) sobre os perigos de se enveredar para concepções que superestimam o

papel do sujeito, ou para as que supervalorizam o poder da realidade objetiva sobre as

subjetividades” (GIOVEDI, 2006, p. 109). Dessa forma, adota um olhar que se aproxima da

relação sujeito e objeto descrita por Husserl, que considera primordial conceber homem e

mundo como intrinsecamente ligados. Freire (1976) afirma que os seres humanos devem ser

vistos como existentes no mundo e com o mundo. Da mesma forma, uma perspectiva

fenomenológica como a heideggeriana considera que “a expressão composta ‘ser-no-mundo’,

já na sua cunhagem, mostra que pretende referir-se a um fenômeno de unidade”

(HEIDEGGER, 2002, p. 90). Isso não significa que o homem está dentro do mundo, como se

um ente estivesse num outro, mas sim uma condição ontológica.

Na obra de Freire, essas noções de homem e mundo se desdobram para o modo como

o autor vê a educação e o diálogo. Isso porque o diálogo, para ele, diz respeito a um “(...)

encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando,

portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 1988, p. 91). Uma das condições para o diálogo é a fé e

o amor aos homens e ao mundo e, por isso, o ato de dialogar não pode nunca ser feito com o

intuito de humilhação ou dominação, pois só é possível com humildade e abertura às

contribuições do outro. Freire (1988, p. 93) questiona: “como posso dialogar, se me fecho à

contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?”. Afirma que

o diálogo não implica concordância, mas abertura para ouvir aquilo que é dito pelo outro.

Quando existe isso, as pessoas se colocam em uma relação de horizontalidade, possibilitando

o movimento de problematizar o mundo e ser mais.

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“Ser mais” surge da compreensão do homem como possibilidade e projeto e aparece

na obra de Freire como “(...) desafio da libertação dos oprimidos como busca de

humanização” (STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2008, p. 180). O autor fala do homem como

um ser inconcluso e consciente de seu inacabamento, sendo esse o fundamento da

educabilidade humana. Para ele, “a própria experiência mostra para o ser humano que ele

pode saber o que ainda não sabe, pode conhecer o que ainda não conhece” (GIOVEDI, 2006,

p. 73).

Essa é mais uma noção que pode ser aproximada da abordagem fenomenológica na

medida em que ambas reconhecem esse inacabamento do homem. Para a perspectiva

fenomenológica, “a vida humana está em perpétuo deslocamento” e “viver com os homens é

jamais alcançar qualquer fixidez” (CRITELLI, 1996, p. 16). Dessa forma, é possível dizer que

o mundo que habitamos nos é inóspito, nos desabriga e desampara e não nos permite viver

uma experiência de constante segurança e conforto. Ao mesmo tempo, é essa condição que dá

ao homem a liberdade. Existe a possibilidade de mudança constante e nos relacionamos com

as coisas mediados por uma trama de significados em que as coisas vão podendo aparecer.

“Quando as coisas mudam, é porque mudaram nossas ideias a seu respeito, mudou a serventia

que tinham para nós, nosso interesse por elas, nossos modos de nos referirmos a nós mesmos

e uns aos outros” (CRITELLI, 1996, p. 17).

A possibilidade de mudar é, para Freire, fundamental para o que compreende como

emancipação. Historicamente, a ideia de emancipação já foi muito utilizada, por outros

pensadores, principalmente nas áreas jurídicas e sociais. Em 1975 foi descrita no dicionário

Aurélio, como “ação ou efeito de emancipar (-se); alforria, libertação; Dir . Instituto jurídico

pelo qual, no Brasil, o menor de 21 anos e maior de 18 adquire o gozo dos direitos civis”

(AURÉLIO, 1975, p. 506). As definições de emancipação encontram-se muito relacionadas

com a ideia de libertação definidas, em muitos casos, como uma contraposição ao termo

alienação (DECKER, 2010). No Dicionário de Ciências Sociais, emancipação foi relacionada

com a situação de libertar-se de um estado de sujeição e referida a âmbitos como da libertação

da mulher em movimentos feministas (SILVA, 1986 citado por DECKER, 2010). Para Freire,

é compreendida nesse sentido de uma libertação que retira o indivíduo de um estado de

sujeição e permite que caminhe em busca de uma autonomia, que, para ele, se relaciona com

uma luta a favor dos oprimidos e da transformação de opressão.

O processo emancipatório que Freire descreve também tem estreita relação com a

ética, pois a emancipação se daria através de uma educação comprometida com valores

humanos. Freire (1996) afirma que a educação sem ética é aquela que a transforma

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essencialmente em puro treinamento técnico, esquecendo-se do seu caráter formador. É uma

educação que pode até ser moral, mas que não necessariamente passa por uma construção

ética.

Ética não é sinônimo de moral. Na moral, há um costume imbuído de valor, que se

relaciona com um dever, com a perspectiva de apontar para o que se considera como “bem”.

Na ética, existe uma reflexão crítica sobre o que pode se considerar como os princípios que

norteiam a ação do homem (RIOS, 1995). De acordo com Rios (1995, p. 126), “na moral

encontramos a regra: ‘faça isto, não faça aquilo’, (...) na ética, indagamos ‘por quê?’”. Esse

questionamento implícito, faz com que não seja necessária a uniformidade de fazeres, mas

sim um cuidado com o modo como se faz algo. Assim, a ética que permeia as relações

humanas “(...) é fundada no respeito entre diferentes que se enriquecem na diversidade

cultural” (BATISTA, 2011, p. 227). Neste trabalho, a preocupação ética se refere justamente a

esse respeito à diversidade presente em todos os níveis – entre os próprios pesquisadores,

multiplicadores e pais – e na reflexão comprometida com valores humanos que permearam

todo processo de formação e análise do curso de formação.

A importância da constante reflexão nos leva à necessidade de pensar também sobre o

que é essa reflexão. Silva e Araújo (2005) afirmam que Freire considera que a reflexão é o

“movimento realizado entre o fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no ‘pensar

para o fazer’ e no ‘pensar sobre o fazer’” (p. 4). No entanto, não se refere a qualquer pensar,

trata-se de um pensar crítico, pautado em uma formação permanente. Tem estreita relação

com o diálogo e pode ser vista como um espelhar, revelar e pensar (CUNHA, 1986).

Quando falamos sobre um pensar crítico, temos a tendência de achar que se refere a

apontar elementos negativos. No entanto, fazer uma pergunta crítica “não implica

necessariamente provocar a mudança ou desejar a mudança. A pergunta crítica procura

clarear, ampliar, aprofundar o objeto que se está enfocando” (RIOS, 1995, p. 128). É nesse

sentido que a reflexão se aproxima de um pensar crítico, como aquele relacionado a essa

elucidação. “As questões que os indivíduos fazem sobre o mundo são aquelas que os afetam”

(GIOVEDI, 2006, p. 117). Por essa razão, Freire propõe que se considere a reflexão como

“ação-reflexão”, um pensar que nunca é descolado da experiência e que, portanto, não pode

ser proposto, em um processo educativo, como algo que siga independentemente do modo

como os educandos percebem o mundo.

Com essa breve elucidação de alguns termos muito utilizados neste trabalho, podemos

perceber que, na verdade, estão todos interligados e podem ser considerados em conjunto,

como elementos que se complementam para a realização da experiência aqui descrita.

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3. MÉTODO

Na Introdução deste trabalho, foram descritos vários aspectos em relação ao modo como a

questão do conhecimento tem se delineado. Neste momento, serão abordados alguns fatores

que contribuíram e contribuem para esse cenário, a partir de elementos históricos e

pensadores contemporâneos. Não existe a pretensão de tratar de maneira aprofundada a

história do conhecimento científico, mas apenas de subsidiar teoricamente a leitura que se faz

aqui da contemporaneidade e apresentar os pressupostos que levaram à adoção de um olhar

fenomenológico para essa investigação.

3.1 A questão do conhecimento

(Quino, Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1991).

Uma contemporaneidade líquida. É a partir dessa ideia que Zygmunt Bauman aborda

questões contemporâneas e provoca reflexões sobre a verdade e o conhecimento. Bauman

(2011) diz que vivemos em um mundo líquido moderno e assinala que a vida atual é tomada

por uma impermanência das coisas que faz com que o que hoje parece correto e apropriado

amanhã possa ser fútil, fantasioso ou equivocado. Mais do que nunca vivemos intensas

transformações, as coisas raramente mantêm sua forma por tempo suficiente para garantir

segurança e confiabilidade a longo prazo, fazendo com que lidemos com isso buscando

rapidez de informações e abundância de conhecimento. Para ilustrar, afirma: “(...) quando

patinamos em gelo fino, o que nos salva é a velocidade” (BAUMAN, 2011, p. 115).

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A velocidade da produção de conhecimento é, de acordo com Pompéia (2011), uma

das marcas da nossa época. São informações de todas as áreas e as “(...) pessoas sentem-se

pressionadas pela necessidade de ter informações sobre tudo, tendo em vista o mundo

competitivo em que vivemos” (POMPÉIA, 2011, p. 51).

O desejo de segurança que hoje se revela, entre outras formas, nessa incessante

procura por respostas a perguntas que vão se modificando, já foi vivido através de tentativas

de definir o mundo com a maior exatidão possível. Historicamente, sempre houve uma busca

por conhecimentos que supostamente garantiriam segurança e controle do mundo. Critelli

(2002) afirma que há 2.400 anos a civilização ocidental vem se constituindo sobre a crença de

que o papel do homem é de domínio sobre o mundo, todas as coisas que nele se apresentam e

do próprio homem.

Ao longo dos anos, passamos por uma discussão a respeito dos critérios pelos quais

uma perspectiva poderia ser considerada verdadeira, e filósofos como Descartes requisitaram

a procura por um ponto de segurança para o pensar, algo que trouxesse a segurança almejada.

(CRITELLI, 1996). Na verdade, Critelli (2002) afirma que, desde Platão e Aristóteles,

delineou-se uma tendência que é nomeada por Heidegger de técnica e que se relaciona muito

com essa busca por segurança e dominação.

A raiz etimológica da palavra técnica – teknè ou techne – ou arte (em grego) se refere

a um ofício, uma habilidade, uma arte ou ciência aplicada. Diz respeito a algo que “emerge da

experiência (empeiria) de casos individuais e passa da experiência à technê quando as

experiências individuais são generalizadas (...); o homem experimentado sabe como mas não

sabe por quê (...). Assim, é um tipo de conhecimento e pode ser ensinado” (PETERS, 1977, p.

225-226). Na linguagem comum, técnica significa um modo de fazer alguma coisa, um meio

para produzir algo. Para Heidegger (2007), porém, a essência da técnica não se encerra nas

definições: “um meio para fins” ou “um fazer do homem”, mesmo que elas sejam corretas. O

filósofo afirma que o correto nem sempre é verdadeiro, pois pode ocultar aquilo que é

verdadeiro. Para se chegar ao que é verdadeiro, propõe, então, que sejam feitos

questionamentos: “O que é o instrumental mesmo? Onde se situa algo como um meio e um

fim?” (HEIDEGGER, 2007, p.377).

A visão de Heidegger sobre a técnica, embora extremamente rica, não é fácil de ser

compreendida. O filósofo retoma discussões que passam pelas ideias de outros pensadores

como Aristóteles e traz termos menos usuais para a definição de técnica, deixando claro que

se refere a algo que vai além de um fazer. Para explicar sua visão, será feito um retorno

proposto pelo autor que se inicia no ensinamento da filosofia de Aristóteles sobre as causas.

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Heidegger diz que há séculos a filosofia ensina que existem quatro causas: a causa

materialis, que indica do que algo é feito; a causa formalis, que indica a forma ou figura dada

à matéria; a causa finalis que explicita a intenção ou finalidade das coisas e a causa efficiens

que se refere ao agente que produz um efeito. Embora tenhamos a causalidade quádrupla,

existe um costume de representar a causa como o que opera efeito, tem resultado, assumindo-

se a causa efficiens, como determinante de toda causalidade. Na técnica isso acontece quando

afirmamos que a técnica é um “um meio para fins”, pois aí se considera apenas a dimensão

instrumental, a causalidade eficiente.

Deve-se, na verdade, compreender algo a partir dos quatro modos de causalidade, pois

é quando estão comprometidos entre si, que algo aparece. A causalidade é o modo de deixar

apresentar algo e “(...) as quatro causas atuam, desse modo, no seio do produzir”

(HEIDEGGER, 2007, p. 379). Produzir algo é des-velar, aparecer. Trata-se de um

desocultamento que na visão heideggeriana, é o “des-abrigar”. Se trouxermos essa ideia para

compreender a técnica, veremos que o autor busca explicitar que a técnica não é somente um

meio, um instrumento, mas sim um modo de desabrigar. “(...) Quando algo é tecnicamente

produzido, esse deixar aparecer ocorre por intermédio da técnica ou do técnico, e não por

meio de um processo ‘natural’” (LEOPOLDO E SILVA, 2007, p. 370).

Heidegger afirma que a técnica moderna é incomparável com todas as outras técnicas

anteriores porque ela repousa sobre a moderna ciência exata da natureza. Existe um desafio

que vai além do simples guardar e cuidar daquilo que a natureza oferece. Se antes um

camponês preparava a terra para plantar e colher, agora isso não basta, é preciso extrair o

máximo da terra com mínimo de despesas. O campo deixa de ser um lugar de guardar a

semente para se tornar uma indústria de alimentação motorizada (HEIDEGGER, 2007). O

homem moderno requer das coisas satisfação das suas necessidades naturais e instituídas, ele

quer tirar proveito. É um desabrigar a partir do critério de utilização (LEOPOLDO E SILVA,

2007).

Para chegar ao que se propõe, o homem enfrenta, assim, um desabrigar que é

desafiante e, nesse desafio invocado, cabe ao homem uma estruturação, invenção, criação –

aquilo que filósofo propõe como “armação”. A armação não se trata de estrutura como

montagem, camadas ou suportes, mas sim da criação inventiva. Não há nada de maquinal, a

estruturação inventiva não é “nem um fazer humano, nem um meio no seio de tal fazer”

(HEIDEGGER, 2007, p. 386). A técnica repousa na armação, na postura requerente do

homem, sobre a qual chega afirmar o filósofo, é até mesmo anterior à manifestação da técnica

moderna.

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Ao encontrar-se na técnica, o homem é conduzido ao desabrigar, este é seu “destino”.

“O destino do desabrigar sempre domina os homens” (HEIDEGGER, 2007, p. 388). O fato

de ser um destino não anula a liberdade humana, que se refere ao modo como o homem se

oferece a esse destino. Assim, isso não é “nunca, porém, a fatalidade de uma coação”

(HEIDEGGER, 2007, p. 388). O homem não seria coagido porque pode ser conduzido ao

desvelamento da verdade. A técnica em si não é perigosa, a ameaça não vem das máquinas e

dos aparelhos que podem causar a morte. A autêntica ameaça está no homem ser impedido de

perceber o apelo de uma verdade mais originária.

Reconhecer a realidade sob a ótica da técnica, significa, para Heidegger, que o real

pode não ser olhado a partir dele mesmo, mas das possibilidades representativas da razão. Ao

ajustar o real à medida da lente, há um esquecimento daquilo que foge ao controle e

manifestação. Há um esquecimento do que o filósofo chamaria de ser. Isso porque o “(...) ser

se faz, mostra-se, revela-se, torna-se disponível nos entes, mas se recolhe” (CRITELLI, 2002,

p. 87). Existe uma condição de esvair-se do ser que a técnica moderna não sabe como lidar.

Ela lida, então, com o que é previamente delimitado, determina o nosso agir, pensar e

conduzir. Como consequência, substitui a responsabilidade do homem de cuidar do ser, pois,

como estipula o modo do cuidar, “cuida por nós” (CRITELLI, 2002).

Neste trabalho, a visão da técnica de Heidegger pode ajudar a compreender as

influências e perigos desse modo de lidar com o real nas respostas dos profissionais às

demandas dos pais por saberes educativos e nas solicitações dos pais por saberes organizados.

Se o destino do homem é a técnica, o desabrigar, deve-se cuidar para que não haja perda do

humano ou a sua alienação. A técnica não deve cuidar por nós e a liberdade vem justamente

do consentimento de se colocar diante dela.

O modo de ser humano que busca por um asseguramento que seria garantido pelo

pensamento que calcula as possibilidades da realização de algo foi objeto de outros

questionamentos trazidos por autores como Husserl e está muito relacionado com o

nascimento da fenomenologia.

A história que culmina com o surgimento dessa vertente de pensamento tem raiz na

evolução das Ciências Humanas que tiveram nas Ciências Naturais um papel fundamental,

pois delas foram retirados os modelos para se conhecer o homem. Jobim e Souza (1994)

descreve que, até o século XIX, as Ciências Humanas estavam vinculadas à Filosofia. No

entanto, na medida em que o mundo foi se transformando, o homem foi sentindo necessidade

de se aproximar do conhecimento mais objetivo. Desta forma, passou-se a valorizar o

pensamento axiomático e lógico em detrimento do mundo da realidade humana, abolindo-se a

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distinção entre pessoas e coisas. Colocaram-se a objetividade e a neutralidade como “(...)

metas para escapar da ordem dos valores e das significações e, consequentemente, ingressar

no domínio dos fatos” (JOBIM E SOUZA, 1994, p. 31). A partir do positivismo no século

XIX, houve uma renúncia ao inquérito a respeito do sujeito que conhece e passou-se a se

orientar por um sistema de proposições e procedimentos, buscando resolver problemas que

eram mais metodológicos e menos interrogações sobre o mundo. Desta maneira, Martins e

Bicudo (2006) afirmam que o conhecimento passou a ser uma questão de se estabelecer o que

os mundos, tanto o físico como o espiritual, são de fato. No entanto, os mesmos autores

questionam: “(...) podem o mundo e a existência humana nele ter um significado se as

ciências reconhecem como verdade somente o que objetivamente estabelecido (...)?”

(MARTINS; BICUDO, 2006, p. 18). Japiassu (1977) diz que, nesse processo de tentar trazer

o estatuto de cientificidade às Ciências Humanas, em especial à Psicologia, começou a correr-

se o risco de perder seu principal objeto de estudo, o próprio homem e sua subjetividade.

Quando existe uma busca por eliminar aquilo que não é generalizável e controlável, acaba-se

por eliminar aspectos fundamentais, como a singularidade dos indivíduos.

Um dos principais autores a realizar essa crítica foi justamente Husserl. Considera-se

inclusive que foi o sentimento de crise em relação à filosofia, às Ciências Humanas e às

Ciências Puras que conduziu o filósofo a realizar constatações que foram fundamentais para o

pensamento fenomenológico. Contrapondo-se às tendências positivistas, Husserl afirma que

as ciências dos fatos puros e simples produzem homens que só veem puros e simples fatos

(DARTIGUES, 2005). Buscando superar essas limitações, suas novas proposições deram

origem às raízes da fenomenologia.

Espósito (1994) afirma que a fenomenologia se constitui no inverso da orientação que

estamos acostumados, pois propõe que “(...) não somos nós que indicamos as coisas; são as

coisas que se nos revelam” (p. 82). Para a autora, isso significa que a essência do

conhecimento verdadeiro está em ser orientado pelo poder que a coisa tem de se revelar e

nessa busca para que o fenômeno investigado se revele, as chaves para a compreensão não

podem, então, ser a manipulação e o controle, mas sim a participação e abertura.

Em uma pesquisa, o movimento de participação e abertura já se inicia na constituição

da interrogação, pois ela sempre virá de um desconforto sentido pelo pesquisador em não

saber sobre algo. Bicudo (2005) afirma que o estado de dúvida é crucial para a possibilidade

do pensar filosófico e é a interrogação colocada em evidência que auxilia a antever o caminho

que será trilhado.

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Nesta investigação, o pensamento fenomenológico será utilizado como ponto de

partida para imprimir um modo de aproximação à questão investigada: a constituição de

práticas dialógicas e emancipadoras com pais e educadores, para a construção e troca de

saberes educativos.

Como a análise pretendida toma como fundamental o curso de formação de

multiplicadores realizado, o método fenomenológico será dirigido a essa prática.

3.2 Contextualização da pesquisa

Nesta pesquisa, como serão investigadas práticas dialógicas e participativas com pais e

educadores ao longo de um curso de formação de multiplicadores, se faz necessário, antes de

mais nada, descrever as principais práticas adotadas, de modo a situar o leitor e prepará-lo

para a descrição do curso. Para isso, inicialmente serão retomados algumas ideias de Paulo

Freire, muito presentes na proposta do curso de formação. Serão também estabelecidas

algumas relações entre o pensamento freireano e a abordagem fenomenológica. Só então

serão apresentados o encontro reflexivo, a entrevista reflexiva e o projeto do curso de

formação de multiplicadores. Como o encontro reflexivo se originou da entrevista reflexiva,

esta será descrita primeiramente.

3.3 Entrevista reflexiva

O procedimento de entrevista reflexiva tem orientação fenomenológica e foi descrito

por Szymanski (2002). Constitui-se como uma forma de acessar o fenômeno investigado que

considera o entrevistado como mais que um mero informante e compreende que a entrevista é

uma situação de interação humana na qual estão envolvidas características intencionais e

sociais. Szymanski (2002) afirma que, na entrevista, estamos submetidos às mesmas

condições de outras conversas, ou seja, nos emocionamos, compreendemos, não entendemos.

Além disso, existe sempre uma intencionalidade e todos os envolvidos possuem

conhecimentos, expectativas e sentimentos em relação aos outros. Podemos dizer, por

exemplo, que “a concordância do entrevistado em colaborar com a pesquisa já denota sua

intencionalidade – pelo menos a de ser ouvido e considerado verdadeiro no que diz”

(SZYMANSKI, 2002, p. 12).

A entrevista reflexiva vai além da ideia de coleta de dados no sentido unilateral, pois

propõe que se realize uma contínua volta ao entrevistado que, ao longo da conversa, vai

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compartilhando a autoria do conhecimento com o pesquisador. Normalmente, inicia-se a

entrevista de modo mais informal e com uma apresentação, seguindo-se para uma

aproximação daquilo que se quer investigar. Busca-se, então, utilizar uma questão

desencadeadora, construída anteriormente com a proposta de obter conhecimento sobre aquilo

que se constitui como objetivo da pesquisa. O pesquisador, a partir desse processo, pode

lançar mão de outros tipos de questão para encaminhar a fala do entrevistado e esclarecer o

que julgar importante. Alguns tipos de intervenção que podem ser feitos pelo pesquisador são

as sínteses, expressões de compreensão, questões de esclarecimento, focalizadoras e de

aprofundamento. Procura-se realizar também devolutivas ao longo da entrevista e ao final

dela, de forma a garantir que a compreensão do entrevistador corresponda à fala do

entrevistado. Nessas devolutivas, o entrevistado poderá reafirmar sua fala, modificá-la ou

ampliar colocações anteriores. A fidedignidade desse procedimento está exatamente em

permitir que o entrevistado se coloque, em uma relação horizontal, de forma a avaliar se a

compreensão do pesquisador é compatível com sua fala.

3.4 Encontro reflexivo

Foi com base na proposta de entrevista reflexiva que surgiram os encontros reflexivos,

em 1993, dentro de um projeto coordenado pela Profª Dra. Heloísa Szymanski, em uma

comunidade de periferia de São Paulo. Tinham o intuito de trabalhar junto a famílias a partir

de uma abordagem fenomenológica-existencial e das ideias de Paulo Freire.

Entre as ideias de Paulo Freire, uma das mais significativas para a prática de encontros

reflexivos é a de diálogo, pois o encontro se constitui como uma prática dialógica. Como já

foi dito, Freire (1988) considera que o diálogo é um caminho pelo qual os homens ganham

significação enquanto homens, por isso é uma exigência existencial. Sendo assim, considera

que não é um ato de depositar ideias, a simples troca de pensamentos para serem consumidos

ou a imposição de verdades. Não se verifica diálogo na condição de dominação ou

autossuficiência, é necessário ter humildade, a relação deve ser horizontal e o pensar

verdadeiro, crítico.

Buscando então estabelecer uma relação dialógica com os participantes, a postura dos

coordenadores do encontro é sempre horizontal e as construções são coletivas, considerando-

se que não existe um saber a ser ensinado, mas sim um saber de cada participante a ser

compartilhado e apresentado para reflexão a partir das possibilidades reais do contexto em

que o encontro se dá.

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O ponto de partida é sempre a demanda vinda dos próprios participantes, que contam

aos coordenadores o que gostariam de discutir. Os grupos são sempre abertos e a participação

é voluntária, ou seja, nem sempre os encontros são formados pelas mesmas pessoas. Isso faz

com que outra característica dessa prática seja a de ser uma intervenção que se encerra em

uma única vez. As devolutivas são realizadas ao longo do próprio encontro.

Os grupos podem se reunir em uma frequência variável, adaptada à população que é

participante, levando em consideração a disponibilidade e viabilidade da proposta dentro de

cada comunidade. Usualmente, começa-se com uma apresentação, seguida de atividades

preparatórias, tais como vivências, dramatizações, discussões em grupo, jogos coletivos etc.

Esse primeiro momento tem por objetivo despertar experiências relativas ao que será

discutido e criar uma atmosfera que facilite narrativas. É essa vivência que permitirá o

diálogo, discussões e reflexões, visando à construção de um saber coletivo sobre o tema.

Dependendo do tamanho do grupo, opta-se por realizar, em seguida, discussões em um único

grupo ou em subgrupos menores. Ao longo da discussão são elaboradas sínteses que reúnem

os significados apreendidos durante o encontro. Ao final do encontro, é feita uma solicitação

de outro(s) tema(s) de interesse para serem refletidos no encontro seguinte e uma avaliação do

encontro realizado.

Embora os encontros tenham nascido a partir das entrevistas reflexivas, existem

algumas diferenças entre eles. Uma das principais se refere ao fato de que, no encontro

reflexivo, há uma demanda do grupo em resolver uma questão específica e os temas são

eleitos pelo grupo. Além disso, a heterogeneidade é um aspecto fundamental nas trocas

interpessoais. Através do diálogo, pode haver o desgelamento e a abertura das perspectivas, a

oportunidade de refletir. O diálogo conjunto evoca os membros do grupo para um diálogo

interno a respeito das perspectivas desveladas. A ampliação da compreensão ocorre tanto para

o grupo, como para cada membro em particular, inclusive ou principalmente, o coordenador.

Um encontro pode ser definido como: “Casual posição face a face com uma pessoa ou

coisa. / Combate imprevisto entre duas tropas em marcha. / Luta. / Duelo. / Confluência de

rios. / Achado” (FERREIRA, 1977, p. 180). Essas definições reúnem dois aspectos que, como

já exposto, fazem parte da proposta que será apresentada: a diferença já esperada entre

aqueles que participam de encontros (que eventualmente pode gerar um combate) e a

possibilidade de confluência que leva a um “achado”.

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3.5 O projeto do Curso de Formação de Multiplicadores

O Projeto de Formação de Multiplicadores faz parte do ECOFAM – Grupo de

Pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na Família, Escola e

Comunidade.

Entre as diversas atividades realizadas na comunidade, desde o início do projeto, estão

os encontros reflexivos com pais, desenvolvidos com o objetivo de discutir práticas

educativas dialógicas entre pais e filhos. Inicialmente os encontros eram quinzenais, mas, ao

longo dos anos, diante de diversos fatores, foram realizadas algumas alterações e, em 2005, os

encontros passaram a acontecer 2 vezes por semestre, 4 vezes ao ano. Até então, tanto pais

quanto mães participavam juntos, mas devido à baixa frequência de homens nos grupos,

optou-se por fazer dois grupos distintos, separando um grupo para os homens e outro para as

mulheres. A divisão foi muito bem aceita pelos participantes, que se tornaram mais

numerosos.

No entanto, a partir de 2007, o número de pais começou a diminuir e eles faziam

solicitações de mudança de horário, justificadas pela sobreposição de compromissos. Naquele

momento, era inviável para a equipe atender a esse pedido e poucas alterações puderam ser

realizadas. Porém, mantendo essa demanda em vista, esse “impasse” foi se instituindo como

uma oportunidade para o surgimento de uma nova proposta e, no final de 2010, iniciou-se a

constituição do Projeto de Formação de Multiplicadores.

Muitos educadores de uma creche da comunidade, que também eram pais ou mães,

participaram, desde o início, dos encontros reflexivos. Sendo assim, estavam familiarizados

com sua dinâmica e funcionamento e tinham um grande interesse em realizar ações junto às

famílias, pois acreditavam que essa parceria era de grande importância na educação das

crianças. Falavam constantemente sobre um desejo em ter um aprimoramento teórico e

prático e mostravam-se disponíveis para discutir situações cotidianas com as famílias que os

procuravam.

Assim, diante desse contexto, foi se moldando a ideia de oferecer uma formação para

pessoas que pudessem multiplicar o trabalho que já era desenvolvido, dando uma maior

autonomia à comunidade e permitindo que o conhecimento não ficasse restrito à equipe da

universidade.

O projeto foi estruturado tendo como objetivos gerais (ECOFAM, 2011):

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• Compreender o processo de articulação entre PUC/ECOFAM e educadores na

elaboração e desenvolvimento do Projeto de Formação de Multiplicadores;

• Investigar como as práticas de encontros reflexivos e entrevistas reflexivas são

compreendidas e desenvolvidas pelos participantes.

Nas intervenções, se pretendia oferecer uma formação para o desenvolvimento de

programas de apoio às famílias, possibilitando um aprimoramento teórico e profissional para

o trabalho com famílias; a apreensão da perspectiva dialógica no desenvolvimento do trabalho

com as famílias e na educação dos filhos e o intercâmbio de conhecimento formal e

oportunidades culturais que a universidade pode oferecer. Para cada aspecto considerado

como fundamental, pensou-se em uma estratégia, tal como as descritas:

� Reconhecer a própria família pensada

Estratégia: Dramatização, grupos de discussão e entrevistas individuais

� Descrever a própria família vivida e compará-la com a pensada

Estratégia: Dramatização, grupos de discussão, filmes

� Aprofundar os conceitos de família vivida e família pensada

Estratégia: Seminários, leituras e grupos de discussão

� Tomar conhecimento e praticar a observação e descrição do funcionamento de

famílias

Estratégia: Dramatização, seminários, leituras, estudo de caso, filmes

� Preparar e conduzir entrevistas com famílias – levantamento de necessidades.

Estratégia: Leituras, prática com o grupo, supervisão, análise de vídeos

� Preparar e conduzir encontros grupais com famílias

Estratégia: Leituras, prática com o grupo, supervisão, análise de vídeos

� Construir participativamente ações educativas junto às famílias

Estratégia: Supervisão

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Todo o projeto tinha como pressupostos a primazia da ética, o trabalho em equipe e

uma abertura para diferentes modelos familiares, crenças, valores e saberes. O olhar

interrogativo deveria possibilitar uma escuta atenta e respeitosa, mas consciente dos próprios

pré-conceitos.

Os encontros seriam realizados na própria comunidade ou na Universidade, de acordo

com as possibilidades dos participantes do projeto. Como conteúdo, estabeleceu-se como

prioridade discutir noções de família, diálogo e as práticas de entrevista e encontro reflexivo.

3.6 Caminhos para a manifestação do fenômeno

O caminho metodológico deste trabalho já se iniciou com a participação da

pesquisadora no grupo de pesquisa e no Curso de Formação de Multiplicadores,

possibilitando, através da troca com todos os participantes do projeto, a elaboração de

descrições dos encontros e, posteriormente, uma narrativa sobre os dois anos do curso.

O Curso de Formação de Multiplicadores, ocorrido entre 2011 e 2013 foi relatado na

forma de uma descrição fenomenológica. Para Masini (1993), a fenomenologia já é descritiva

em seu enfoque, se opondo à explanação e construção. Isso significa que existe uma busca por

captar o fenômeno antes de qualquer classificação ou explicação. Assim, o que se busca não é

a exatidão ou os pormenores, mas, como afirmam Martins e Bicudo (2005, p. 46), “(...) a

capacidade de criar, para o ouvinte (ou para o leitor), uma reprodução tão clara, quanto

possível”, do objeto descrito – neste caso, o Curso de Formação de Multiplicadores.

A descrição de cada encontro foi elaborada pela pesquisadora, mas contou com o

auxílio dos participantes do grupo de pesquisa10 que eventualmente gravaram encontros,

fizeram anotações ou também construíram suas próprias descrições. Como se trata de um

período longo, de dois anos, foi necessário elaborar sínteses de cada semestre, viabilizando

uma análise mais aprofundada de todo curso de formação. A descrição, na forma de síntese,

constituiu, então, uma narrativa da pesquisadora sobre o curso de formação.

De acordo com Benjamin (1994, p. 201), “(...) o narrador retira da experiência o que

ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros”. O autor contrapõe a narrativa à

mera transmissão de informações, dizendo que esta aspira uma verificação imediata. Podemos

relacionar isso com a orientação metafísica, que vai em busca da verdade concebida como um

10 Participaram do grupo de pesquisa e auxiliaram nas descrições dos encontros: Ana Paula Martins; Aline Leite Barreto; Cícero Bezerra Melo Netto; Joana Tavares de Figueiredo; Julia Shellard Correa, Igor Enkim; Luciana Azevedo Noronha e Maria Lucia Spadini da Silva.

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saber absoluto, em oposição à orientação fenomenológica, aqui adotada. A narrativa se situa

aqui, portanto, também no seu limite, no sentido de que “a interpretação do real não é uma

façanha lógico-conceitual, mas uma possibilidade de compreensão” (CRITELLI, 1996, p.

136). Seu rigor e adequação ao método se dão justamente no fato de se reconhecer que o

interrogador é situado e “(...) faz parte do que ele quer saber e do que ele pode ver”

(CRITELLI, 1996, p. 134, grifos do autor).

3.7 Caminhos para a compreensão do fenômeno

O processo de análise se iniciou com uma leitura atenta da narrativa de cada semestre,

dando início ao processo de análise hermenêutica, tido como um movimento de interrogar

essa narrativa. A palavra hermenêutica vem do grego hermeios, e do latim hermeneia, e

parece referir-se ao Deus-Mensageiro-Alado Hermes, de Trimegisto, sendo usada como

sinônimo de explicar, traduzir e interpretar (ESPOSITO, 1991).

Compreender a utilização da hermenêutica neste trabalho é validar seu uso como um

recurso de análise, mas também estender a discussão sobre conhecimento e verdade.

Hermann (2002) traz a hermenêutica situando-a em relação à perspectiva de

conhecimento, que busca abandonar o subjetivo e focar em dados objetivos para produção de

conhecimento. É exatamente em oposição a esse enfoque que a hermenêutica se coloca, em

um “(...) contexto da luta contra a pretensão de haver um único caminho de acesso à verdade”

(HERMANN, 2002, p. 15).

A autora afirma que desde a referência mitológica – do Deus Hermes – a hermenêutica

carrega a ideia de traduzir, tornar compreensível dois mundos diferentes. Isso significa que

envolve uma referência a tornar explícito o implícito e faz isso por meio da linguagem.

Assim, renuncia à pretensão de verdade absoluta e reconhece a impossibilidade do sujeito no

domínio absoluto do conhecimento. “Esse fato presume a necessidade de abandonar a

pretensão de controle do processo de conhecer e se entregar ao texto, ao diálogo, na busca de

um sentido que é sempre plural e renovado” (HERMANN, 2002, p. 25).

Nunes (1998), falando sobre Gadamer, afirma que a compreensão não vem depois da

vida, mas a permeia o tempo inteiro e por isso é adesiva, envolvendo uma relação de pertença

ao que nos rodeia. O autor diz que “(...) podemos compreender sem conhecer cientificamente,

mas não podemos conhecer cientificamente sem antes termos compreendido a coisa de que se

trata”. (NUNES, 1998, p. 10) Nesse sentido, podemos afirmar que “a hermenêutica é a arte de

compreender, derivada de nosso modo de estar no mundo” (HERMANN, 2002, p. 28).

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No entanto, nem sempre a hermenêutica foi pensada desta maneira. De acordo com

Espósito (1991) “incialmente competia à hermenêutica a interpretação doutrinal ou filológico-

simbólica de textos sagrados ou profanos”. Posteriormente, com nomes como

Schleiermarcher, Dilthey, Heidegger, Ricoeur e Gadamer, foi se delineando como arte de

interpretação e compreensão. Cada pensador trouxe contribuições nesse sentido, mas um deles

se entrelaça com o pensamento de Gadamer e a linha seguida nesta investigação: Martin

Heidegger.

Heidegger, interrogando sobre o ser, desenvolve uma hermenêutica fenomenológica e,

entre outras coisas, uma noção de compreensão que desconstrói a ideia de que é apenas um

comportamento do sujeito ou uma forma de cognição. Para ele, compreender é um modo de

ser do Dasein. Segundo Gadamer (1997), Heidegger mostrou “(...) de maneira convincente

que a compreensão não é um modo de ser, entre outros modos de comportamento do sujeito,

mas o modo de ser da própria pré-sença (Dasein)” (p. 16). Dessa forma, “o modo prático de

ser no mundo abre as possibilidades de compreensão, de tal maneira que o compreender não

existiria se não compreendesse o contexto em que surge” (HERMANN, 2002, p. 34). Essa

estrutura prévia – uma pré-compreensão – deriva da temporalidade do Dasein que, antes de

qualquer enunciado, já existe compreendendo. Essa pré-compreensão até então evitada no

meio científico, passa a ser para Heidegger, elemento de entrada no círculo hermenêutico,

como algo que não deve ser rebaixado. Ao contrário,

nele se esconde a possibilidade positiva do conhecimento mais originário que decerto só pode ser apreendida de modo autêntico se a interpretação tiver compreendido que sua primeira, única e última tarefa é não se deixar guiar, na posição prévia e concepção prévia, por conceitos ingênuos e ‘chutes’. (HEIDEGGER, 2002, p. 210)

Essa ideia de Heidegger reverbera no pensamento de Gadamer (1997) que diz que uma

das formas de apreender de modo autêntico o conhecimento é entregar-se ao texto

interrogando-o. Isso não significa, no entanto, realizar uma autoanulação, mas fazer isso

incorporando os preconceitos que atuam sobre o processo compreensivo, como parte da

historicidade do sujeito. Esse modo de se colocar diante do texto traz uma tensão entre a

estranheza e a familiaridade, lugar fundamental para constituir a situação hermenêutica.

A situação hermenêutica é explicitada por uma aproximação de Gadamer (1997) à

ideia de horizonte, já trazida anteriormente por Husserl. “Um horizonte não é uma fronteira

rígida, mas algo que se desloca com a pessoa (...)” (GADAMER, 1997, p. 373). Nossas

possibilidades compreensivas estariam, assim, no âmbito do que a visão abarca e encerra.

Assim, “(...) dependendo do horizonte, podemos ter uma visão mais estreita, mais ampliada

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ou mais aberta” (HERMANN, 2002, p. 49). No entanto, qualquer que seja ela, desconstrói

uma racionalidade que quer uma certeza e “(...) reivindica dizer o mundo a partir da sua

finitude e historicidade, de onde decorre seu caráter interpretativo” (HERMANN, 2002, p.15).

Neste trabalho, durante todo processo de análise, foram reunidos significados

destacados do texto ao longo da leitura, dando origem a constelações. A ideia de constelação

poderia ser aproximada da ideia de categoria, mas recebe esse nome por trazer a noção da

constituição de arranjos mais variados, já que os fenômenos podem se mostrar de diversas

maneiras (SZYMANSKI, 2004). Quando se trabalha com constelações

(...) há tão somente uma organização da compreensão do pesquisador, que pode assumir as mais diferentes formas, variando de analista para analista. À semelhança de um céu estrelado, várias constelações podem ser delineadas. (SZYMANSKI, 2004, p. 3)

Depois de formadas as constelações, a partir do horizonte que se revelou, elas foram

revisitadas a partir dos objetivos do trabalho, procurando constituir uma compreensão do tema

investigado de forma embasada na experiência descrita.

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4. O CURSO DE FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES

4.1 Participantes

Como o Curso de Formação de Multiplicadores surgiu como uma proposta de

participação voluntária, o projeto sempre foi vinculado à comunidade e não a pessoas

específicas. Por essa razão, não é tarefa fácil descrever os participantes, uma vez que a

constituição do grupo muda a todo o momento. São poucas as pessoas presentes em todos os

encontros e muitos interessados não têm disponibilidade de ir a todas as reuniões em função

dos horários ou compromissos de trabalho.

O grupo formado inicialmente era composto por um líder comunitário e alguns

educadores que, por trabalharem em um CEI, têm direito a uma “parada pedagógica” por mês.

O calendário foi organizado para tentar coincidir a parada pedagógica com as datas dos

encontros do curso de formação, buscando favorecer a presença de um número maior de

participantes. Porém, mesmo com essa organização, desafios foram aparecendo. Alguns

educadores precisavam do dia para resolver outras questões de trabalho e/ou não podiam se

deslocar às reuniões que precisavam ser realizadas na Universidade. Além disso, outras

pessoas que não trabalhavam no CEI – como membros do CCA – mostraram-se interessadas

em fazer parte, mas não conseguiam por não terem disponibilidade. Diante de tudo isso, a

própria comunidade teve a iniciativa de, ao longo do projeto, ir elegendo representantes para

os encontros, que tinham a função de repassar o conteúdo discutido para os outros membros.

Eles chegaram a formar outros grupos, apenas de membros da comunidade, para conversar

sobre o curso. Dessa forma, as dificuldades cotidianas de estarem presentes não invalidaram

outras formas de participação e, embora alguns grupos tivessem apenas 2 ou 3 membros da

comunidade, o conteúdo refletido era levado para um número maior de pessoas.

Igualmente, o grupo de pesquisadores também não permaneceu estável. Muitos faziam

trabalhos de Mestrado ou Doutorado e cumpriam prazos, fazendo com que a entrada e saída

de pessoas acontecesse ao longo do curso. Alguns permaneceram presentes durante todo o

processo, como é o caso da coordenadora do projeto e da autora desta tese.

Pelas razões aqui explicitadas, os encontros serão então descritos sem a nomeação de

cada participante. Os membros da comunidade serão chamados apenas de multiplicadores e os

membros da universidade, de pesquisadores.

Os encontros aconteceram ora na comunidade, ora na universidade. Essa alternância

de locais se deu primeiramente para a adequação das necessidades, tanto dos multiplicadores,

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quanto dos pesquisadores. Além disso, como se partiu de uma relação dialógica horizontal,

consideramos importante que pudessem participar também das atividades do grupo de

pesquisa, de forma a vivenciar as preparações e discussões dos encontros da forma como

sempre foram feitas em outros momentos.

4.2 Narrativa dos encontros por semestre

Em 2011, foram realizados 9 encontros com os multiplicadores, conforme descrito no

quadro a seguir:

Quadro 1. Informações sobre os encontros do segundo semestre de 2011

Quatro encontros aconteceram na comunidade e cinco encontros na PUC-SP. Dois dos

encontros que ocorreram na comunidade estavam relacionados às atividades práticas, como a

realização dos grupos de pais e mães. A maior parte dos encontros realizados na PUC-SP

estava relacionada a alguma elaboração envolvendo a integração do conhecimento formal

com a experiência, tal como a análise do grupo de mães.

O primeiro encontro, em 26 de julho de 2011, foi agendado na comunidade com o

objetivo de falar sobre a proposta de criação de um curso de multiplicadores. A ideia foi

divulgada no entorno e não havia qualquer restrição para a participação no curso, sendo

necessário apenas manifestar um interesse pelo projeto. No dia marcado, compareceram 13

membros da comunidade e 3 pessoas da Universidade. Uma das pesquisadoras iniciou

dizendo que havia preparado uma apresentação sobre sua proposta e, enquanto aguardava um

computador, pediu que os participantes falassem sobre seus objetivos na formação. Os

objetivos descritos pelos participantes foram: realizar um estudo aprofundado sobre como

fazer encontros com as famílias, ter uma base teórica e ter algo para seu próprio

enriquecimento. Um deles disse: “é para saber o que está falando e poder passar para os

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outros” (sic). Disseram que as famílias querem saber como lidar com suas dificuldades e

precisam de apoio. Para isso, acham que o conteúdo teórico pode ajudar, aprendendo como

devem dialogar com elas. Descreveram que é difícil ajudar porque nenhuma situação é igual a

outra. Refletiram sobre a necessidade de sair da zona de conforto e parar de exigir que a

família sempre entre no jeito deles e não eles no dela. Contaram que, ao todo, são

aproximadamente 200 famílias envolvidas nos projetos que já existem, mas algumas não

conseguem participar em função dos horários. Foi retomada, então, a demanda de formar

pessoas que pudessem ampliar os horários de atendimento, bem como as formas de auxílio

oferecidas. Uma das pesquisadoras falou sobre a solidão que muitas famílias sentem para

resolver seus próprios conflitos e disse que trabalhar com família é estar disponível para

acolher. Os participantes disseram que as famílias acreditam nos trabalhos realizados junto

com as escolas e, como alguns deles são educadores da CEI e do CCA, contaram sobre suas

experiências com os pais. Uma das multiplicadoras disse: “Na minha experiência com

educação musical, eu percebo que é importante que os pais saibam sobre o trabalho que

desenvolvo. Através dos filhos, melhoro a relação com as famílias”.

Nesse momento chegou um computador e a proposta de formação começou a ser

apresentada11. Todos ouviram atentamente e, como o horário já estava se encerrando, foi

combinado um próximo encontro, no dia 29 de agosto de 2011, desta vez, na Universidade.

Nesse dia, compareceram 9 pessoas da comunidade e a reunião foi iniciada com a

retomada dos objetivos do projeto de formação, perguntando-se aos participantes sobre o que

achavam. Um deles falou que o grupo já estava dividido em 3 turmas para atender à

necessidade da comunidade relativa às datas dos encontros com as famílias. Disse que fariam

as reuniões com os pais nas quintas à noite, sábados à tarde e domingos. Afirmou que tinham

urgência em saber o que fariam, uma vez que já estavam organizados. Em seguida, contou

que estava preocupado com os resultados dos encontros, trazendo uma fala de um pai que

disse que “os encontros servem para desabafar e mais nada”. Surpresos com a compreensão

dos multiplicadores de que começariam imediatamente a atuar com as famílias, os

pesquisadores começaram falando sobre os encontros, retomando que as famílias continuam

comparecendo, mesmo após muitos anos de trabalho. Em seguida, sugeriram recuperar os

objetivos do projeto para depois pensar em qualquer planejamento. No entanto, os

participantes interromperam dizendo que haviam decidido que não haveria mais a divisão

entre homens e mulheres nos encontros reflexivos, de modo a garantir a presença do maior

11 A proposta, apresentada na forma de slides, está em anexo.

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número de familiares possível. Os pesquisadores decidiram então fazer uma breve

retrospectiva do projeto, do porquê se optou por dividir o grupo entre homens e mulheres, dos

motivos da peridiocidade dos encontros ser mais espaçada e procuraram pontuar para o grupo

a necessidade das coisas serem mais processuais. Foi enfatizada a opção por uma metodologia

da escuta e o fato de que é necessário compreender para onde se está indo. Nesse sentido, foi

retomada a expectativa de que o curso de formação fosse construído em um processo mais

longo e foi sugerido que, ao invés de começarem a fazer os encontros imediatamente, os

participantes pudessem participar de todas as etapas deles, desde o planejamento até sua

análise. Uma das pesquisadoras disse: “antes de mais nada, é necessário a um condutor saber

para onde está indo”. Nesse sentido, insistiu que o processo deveria ser mais longo e disse que

pensou em um projeto com a duração de dois anos. Os participantes ficaram calados por um

momento e acabaram por concordar, dizendo que compreendiam. No entanto, um dos

multiplicadores falou sobre a necessidade de dar mais respostas às pessoas e de aprender no

curso de formação o que deveria dizer a essas pessoas. Os pesquisadores buscaram retomar

novamente a postura dialógica e a inexistência de uma única resposta ou verdade para as

dificuldades das famílias. Os participantes concordaram “com a cabeça” e passaram a falar

sobre o grupo de pais. Assim, o primeiro planejamento para um encontro reflexivo começou a

ser realizado em conjunto com o grupo que começava a formar a equipe de multiplicadores. O

encontro com pais homens estava marcado para 11 de setembro de 2011 e seria sobre

“Religião e Convivência Familiar”.

No dia do encontro com pais homens, estavam presentes dois pesquisadores e 13 pais,

sendo dois deles membros do Curso de Formação de Multiplicadores. Ambos já haviam

participado dos encontros diversas vezes como pais e, desta vez, fizeram também o papel de

ajudar a organizar as atividades programadas e realizar um relato do encontro para o curso de

formação.

Em 12 de setembro de 2011, no dia seguinte ao encontro, foi marcada uma reunião

para refletir sobre seu andamento. O primeiro ponto abordado foi o sigilo e a ética para tratar

das histórias relatadas por todos os membros do encontro. Os participantes auxiliaram a

relatar o encontro e participaram da análise, trazendo sua compreensão e dados da

comunidade que não eram familiares aos pesquisadores, como as religiões mais presentes no

bairro.

No dia 26 de setembro de 2011, assim como foi realizado com o grupo de homens, os

multiplicadores foram convidados a participar do planejamento do encontro de mães que tinha

o seguinte tema: “Travessia - O que nos aflige no momento da troca de escola?” Em 01 de

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outubro de 2011, no encontro reflexivo com as mães, as multiplicadoras que participaram do

encontro já haviam participado inúmeras vezes como mães e, nessa ocasião, atuaram tanto

como mães, quanto como multiplicadoras. Em uma das atividades, que consistia na divisão de

pequenos grupos para discussão, se dividiram de forma que cada uma ficasse em um grupo,

colaborando para a organização e o relato da conversa. No processo de análise, realizado em

03 de outubro de 2011, auxiliaram o grupo de pesquisadores a entender algumas

preocupações relatadas pelas mães. É o caso, por exemplo, do receio com a adaptação das

crianças que estão deixando a creche para ir para a escola. Na creche, possuem uma relação

muito próxima com as educadoras, pois a maioria é moradora da comunidade e apresenta um

envolvimento com a mãe que muitas vezes é até anterior à entrada da criança na creche. Já

nas escolas, a localização mais distante não permite esse contato, contribuindo para um receio

maior. Também relataram preocupação com o transporte e as multiplicadoras ajudaram a

esclarecer que é comum que o perueiros da região deixem as crianças no meio da rua, sem

cuidar para que cheguem de forma adequada em casa. A participação dos multiplicadores em

todo processo enriqueceu a compreensão dos pesquisadores sobre as questões da comunidade.

No encontro realizado em 24 de outubro de 2011 foi pedido aos multiplicadores a

leitura de alguns capítulos do livro: “A relação família/escola: desafios e perspectivas”. O

encontro foi iniciado, então, com a discussão das ideias de família pensada e família vivida e

do fato de que um conceito nunca é neutro. Foi abordada a ideia de que, para a escola, a

família é aquela que tem uma mãe que acompanha os filhos e alguns outros preconceitos

existentes.

O último encontro foi no dia 25 de novembro de 2011 e teve o objetivo de discutir o

andamento do projeto durante o semestre. Os multiplicadores contaram que mudaram

algumas compreensões sobre o modo como entendiam a própria proposta do curso e o modo

de trabalhar com famílias. Sugeriram mais atividades práticas para o semestre seguinte.

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2012 – Primeiro semestre

Quadro 2. Informações dos encontros do primeiro semestre de 2012

Nesse semestre foram realizados dez encontros, seis na PUC-SP e quatro na

comunidade. O primeiro encontro de 2012 aconteceu no dia 27 de fevereiro e foi agendado

com o objetivo de definir o calendário dos encontros do primeiro semestre de 2012. A reunião

foi iniciada com a apresentação de novos pesquisadores e novos membros da comunidade

interessados em participar do projeto. Em seguida, os participantes disseram que vinham

pensando em algumas questões: “Como o convite para participar dos encontros chega melhor

às famílias?” “Como se comunicar melhor com as famílias?” “Por que os pais participam

mais de um encontro do que dos outros?” “Por que alguns convites são rejeitados?”

Levantaram a hipótese de que muitos pais esperavam que se pudesse falar especificamente

dos seus filhos nos encontros reflexivos, e que, ao verem que se tratava de um tema mais

amplo, acabavam não voltando. Outra possibilidade pensada foi um desgaste da relação

pais/educadores/coordenação, por nem sempre atenderem os pais na hora que desejavam. Os

pesquisadores pontuaram que era importante se ater à qualidade dos encontros e não à

quantidade de pais, referindo-se à preocupação do grupo em relação ao pequeno número de

pais participantes.

Nesse momento, o encontro foi interrompido com a visita de então candidato à

Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, que foi conhecer a comunidade e seus espaços.

Sua visita gerou uma reflexão sobre o fato de que o trabalho de apoio às famílias inclui o

encaminhamento para serviços de saúde, educação e serviço social, o que significa que os

multiplicadores devem ter conhecimento dos mesmos. Nesse sentido, foi proposto que

fizessem um levantamento dos serviços disponíveis no bairro para possíveis

encaminhamentos e avaliação das necessidades.

Ao tratar das dificuldades de encaminhamentos das famílias para serviços de saúde e

educação, lembraram da importância de parcerias, e os representantes da comunidade citaram

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o posto de saúde e as igrejas como locais que oferecem algum tipo de atendimento. Mesmo

com a lembrança de alguns lugares, ficou estabelecida a realização de um mapeamento dos

recursos existentes na comunidade.

Passou-se, então, para a discussão sobre o cronograma apresentado pela equipe PUC.

Em função da disponibilidade dos participantes, optou-se por dividir o grupo de

multiplicadores combinando alguns encontros com todos e outros com apenas alguns

membros, que ficariam responsáveis por transmitir aos demais o conteúdo discutido. Esse

encontro se encerrou com a solicitação da leitura de um texto sobre diálogo e entrevista

reflexiva.

No dia 26 de março, o encontro foi iniciado com uma conversa sobre o levantamento

dos serviços de encaminhamento que ainda não havia sido feito. O assunto, levantado pelos

próprios multiplicadores, fez com que o grupo todo retomasse o questionamento dessa ação,

perguntando o sentido desse trabalho e o sentido do trabalho dos multiplicadores. Uma das

pesquisadoras perguntou: “O que é um multiplicador?” e discutiu-se que tinha a ver com a

disponibilidade para ações que permitissem organizar os recursos da região. Os pesquisadores

apontaram a importância de a comunidade conhecer o mundo onde habitam. Um dos

participantes disse que os serviços demandavam a participação da família e percebia que os

multiplicadores poderiam intermediar essa relação. Os pesquisadores concordaram dizendo

que eles propiciam o encontro das famílias e, quanto mais se amplia o mundo, mais se cria

condição de diálogo. Uma das participantes disse: “eu já era multiplicadora sem saber...”

Após essa conversa, os participantes foram divididos em 3 grupos de quatro ou cinco

pessoas para discussão do texto “A dialogicidade – essência da educação como prática da

liberdade”, de Paulo Freire. No primeiro grupo, a discussão foi iniciada pela compreensão do

conceito de diálogo. Uma das participantes contou sobre sua descoberta do diálogo a partir

dos encontros reflexivos. Disse que, no começo, quando ouvira pela primeira vez que era

possível dialogar ao invés de bater, achou que era conversa de “quem deixava os filhos com a

babá” (sic). Com o tempo, foi compreendendo melhor o conceito e experimentou colocá-lo

em prática, percebendo que era viável. A partir de então deixou de bater em seus filhos e não

permitiu mais que seu marido usasse da violência física para educá-los. No segundo grupo,

uma participante relatou que considerava o diálogo muito importante, mas contou sobre sua

dificuldade em aplicá-lo com crianças muito pequenas. Disse que percebia que dialogar é

diferente de apenas conversar, pois exigia uma abertura. No entanto, afirmou que não

conseguia entender a ligação de Freire entre diálogo e amor. O grupo então retomou a leitura

e debateu sobre isso. O terceiro grupo iniciou a reflexão com a constatação de que a

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compreensão dos conceitos abordados no texto não tinha sido a mesma para todos. Para

clarear, um participante se dispôs a contar uma situação de uma mãe que queria ter oito filhos,

sem condição pra isso. Indagou-se sobre o modo de dialogar com essa pessoa que, segundo

ele, não tinha condições de enxergar a própria vida. Com essa questão, o conceito de diálogo

foi retomado, explicitando-se a necessidade de considerar o outro e lidar com os preconceitos.

No final do encontro, todos os grupos contaram sobre as reflexões que haviam

realizado, trocando suas experiências.

No dia 09 de abril, a reunião teve como objetivo programar o encontro reflexivo de

mães que seria sobre violência. Como não havia esclarecimento sobre qual tipo de violência

se estava falando, foi feita uma reflexão sobre este tema, levantando-se a violência doméstica,

a sexual e a psicológica. Os participantes citaram o aliciamento das crianças para o tráfico de

drogas e a própria violência do Estado com as crianças em situação de rua. Estabeleceu-se

como eixo tratar da violência situada no mundo e a rede de proteção à criança e à família. O

encontro de mães aconteceu no dia 14 de abril e sua análise, no dia 16 de abril. Foram

lembradas as formas de violência relatadas pelas mães e acentuada a importância da escuta do

grupo sem um julgamento.

No dia 23 de abril o objetivo do encontro era discutir a entrevista reflexiva. Para isso,

os pesquisadores sugeriram realizar uma entrevista com um dos multiplicadores para viver a

experiência de ser entrevistado e, em seguida, conversar sobre ela. Os multiplicadores

concordaram e uma das pesquisadoras iniciou a entrevista com um membro da comunidade.

A primeira pergunta que fez foi: “O que o curso de multiplicadores trouxe para você?” O

participante afirmou que o curso o fez repensar o que faz e o que pensa que faz. Disse: “às

vezes pensamos que a família é incapaz, achando que eles não conseguem fazer, só por ter

uma criança que vem mal vestida”. A entrevistadora questionou se ele estava falando sobre

colocar rótulos e ele disse que sim e ela continuou perguntando como o curso contribuiu nesse

sentido. O participante afirmou que fez com que pensasse sobre os motivos que existem por

trás dos rótulos e dos cuidados com as crianças. Em seguida, outro multiplicador se

disponibilizou para participar e iniciou dizendo que o curso de multiplicadores trouxe para ele

a possibilidade de ter uma equipe mais ampla que pensasse em várias formas de lidar com as

famílias. A pesquisadora perguntou como as atividades o tocaram e ele disse que a leitura de

um texto sobre família mudou sua ideia sobre o assunto. Discorreu um pouco sobre a relação

entre a família e a escola e contou um caso em que a postura sem tantos preconceitos e mais

dialógica ajudou a se aproximar de uma mãe que era muito desconfiada.

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Após as duas entrevistas breves, os pesquisadores questionaram o que haviam

percebido sobre o modo de perguntar da entrevistadora e eles responderam que ela sempre

devolvia a fala para o entrevistado, espelhando para ele o que havia falado. Um dos

multiplicadores que havia sido entrevistado disse que se sentiu ouvido, que o pensamento foi

acompanhado. Alguns outros pontos teóricos sobre a realização da entrevista reflexiva foram

apontados e discutidos.

No dia 14 de maio foi realizado o planejamento do encontro de pais homens, que

também escolheram falar sobre a cultura de violência. O encontro aconteceu em 20 de maio,

com a participação de 2 multiplicadores e 2 pesquisadores. Eles auxiliaram na organização e

anotação do encontro. A análise foi realizada no dia seguinte, em 21 de maio, e foi relatado

que um aspecto importante que ocorrera no grupo de pais foi ter a presença de um rapaz mais

jovem que tinha opiniões muito diferentes do restante do grupo. Mesmo gerando algum

incômodo, os pesquisadores, com a ajuda dos multiplicadores, puderam acolher a diferença e

trazer para uma reflexão os pontos de discordância.

O último encontro do primeiro semestre ocorreu em 18 de junho e teve como objetivo

avaliar e refletir sobre o curso. A reunião foi iniciada com a leitura das atividades realizadas,

visando relembrar tudo que havia sido feito. Os participantes relataram a repercussão das

atividades teóricas e práticas, compartilhando uma percepção de que, ao buscarem uma

postura dialógica, começaram a ver resultados construtivos nas relações com as famílias.

Disseram que a aliança entre teoria e prática foi um dos fatores mais importantes do curso,

pois puderam fazer as coisas de uma maneira menos “automática” e mais “refletida”. No

entanto, alguns relataram não dominar como desejavam o conteúdo teórico sobre práticas

dialógicas e, em especial, sobre entrevista reflexiva.

Entre os pontos de melhora relatados pelos multiplicadores estava um novo modo de

cuidar da família, com uma preponderância do ouvir e um maior acolhimento. Relataram a

criação, por iniciativa própria, de um plantão direcionado às famílias que funciona

quinzenalmente. Também incluíram no comunicado das reuniões de pais o título de

“Convite”, expressando a mudança na postura em relação à obrigatoriedade do

comparecimento.

Os participantes contaram sobre o mapeamento de serviços de saúde, educação e

proteção que tinham feito, relatando muitas descobertas de locais disponíveis na região e/ou

proximidades12. Com isso, disseram que os encaminhamentos estavam mais eficazes. Os

12 O mapa de recursos realizado pelos multiplicadores está em anexo.

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multiplicadores afirmaram terem saído de uma postura paternalista e verticalizada, que gerava

dependência das famílias que buscavam ajuda.

No final da reunião, ficou combinado que no semestre seguinte seriam aprofundadas

as discussões sobre o diálogo e entrevista reflexiva, dando continuidade ao curso.

SEGUNDO SEMESTRE DE 2012

Quadro 3. Informações dos encontros do segundo semestre de 2012

Foram realizados dez encontros, sete na PUC-SP e três na comunidade. Mais uma vez,

dois dos encontros ocorridos na comunidade tinham um caráter interventivo, envolvendo a

realização de grupos com pais e mães.

O segundo semestre de 2012 foi iniciado no dia 27 de agosto, com o objetivo de

programar as atividades do semestre. Após serem definidas as datas dos encontros, os

multiplicadores solicitaram registros das atividades que vinham realizando, para que

pudessem compartilhar com outras pessoas que se interessavam no projeto, mas não

conseguiam participar em função de tempo. Combinamos de deixar os registros disponíveis,

junto com os deles, na internet. Em seguida, os pesquisadores mostraram algumas

dissertações e teses de alunos da PUC que tratam sobre educação e famílias, explicitando que

os trabalhos são públicos e estão disponíveis como uma outra fonte de reflexão e

desconstrução de pré-conceitos.

No dia 10 de setembro, foi realizado o planejamento do encontro de mães. No entanto,

antes de iniciá-lo, os multiplicadores contaram sobre uma apresentação que fizeram no CRAS

(Centro de Referência de Assistência Social), sobre o trabalho que estão realizando na

comunidade. Falaram também sobre um trabalho com sexualidade que o pessoal de uma UBS

nova iria fazer com a ajuda deles, pois cediam o espaço do centro comunitário. Disseram que

eles já utilizavam o espaço uma vez por mês para entregar resultados de Papanicolau para as

mulheres e oferecer orientações para mães com bebês. Logo após, foi iniciada a discussão

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sobre o encontro com as mães, retomando o tema que havia sido solicitado por elas –

novamente violência, desta vez a violência sexual. Os pesquisadores falaram sobre como é

delicado tratar desse assunto e ressaltaram a importância de entender melhor essa solicitação.

Os multiplicadores contaram, então, algumas histórias que acompanharam na comunidade,

como suspeitas de abuso ou relato de crianças que viam seus pais tendo relações sexuais.

Discutimos sobre sexo e a sexualidade na infância e, ao longo da conversa, foi sendo

formulada uma maneira de tratar o tema no encontro reflexivo com as mães, que aconteceu

em 15 de setembro. Nessa data, compareceram 20 mães, 2 multiplicadoras e 4 pesquisadoras.

O encontro foi analisado no dia 17 de setembro, com a presença de 3 multiplicadoras,

que iniciaram contando que perceberam como as mães compreendem o diálogo como rede de

proteção e como isso foi vivenciado no próprio grupo. Uma participante do encontro contou

sua história e foi acolhida, relatando se sentir muito bem por poder dividir uma experiência

dura de violência sexual. Os pesquisadores apontaram a importância de aproveitar esse

vínculo de confiança para poder indicar serviços de apoio.

No dia 24 de setembro foi realizado um encontro na comunidade com o objetivo de

falar sobre a entrevista reflexiva, tema já solicitado pelos multiplicadores. Os pesquisadores

iniciaram a reunião perguntando ao grupo o que é uma entrevista. Alguns multiplicadores

responderam e foi salientado que é, antes de tudo, um encontro humano. Os pesquisadores

chamaram atenção ao fato de que sempre temos um pré-conceito e que é importante ter

clareza do que sentimos. Em seguida, falou-se sobre os tipos de pergunta que podem ser

realizados e a condução de uma entrevista. Os multiplicadores ficaram, inicialmente, apenas

ouvindo e depois realizaram uma atividade em grupo, na qual precisavam pensar em alguma

situação em que a entrevista seria útil bem como planejar os objetivos e questões que

poderiam realizar nessa situação. Foi muito comum que os grupos pensassem em situações

em que queriam dizer algo aos entrevistados, ao invés de ouvir. Ficou explícita a dificuldade

da maioria dos participantes em poder reconhecer a existência de pré-conceitos e poder se

colocar no lugar de não saber. No final da reunião, essas observações foram apresentadas aos

participantes e alguns reconheceram a dificuldade em colocar em prática a postura do

entrevistador na prática de entrevistas reflexivas. Combinamos que os multiplicadores

tentariam planejar uma nova entrevista reflexiva e conversaríamos sobre isso na reunião

seguinte.

No dia 22 de outubro, os multiplicadores iniciaram o encontro contando que haviam

realizado uma entrevista reflexiva. Uma das participantes falou com uma mãe da CEI onde

trabalha sobre o comportamento do filho de bater a cabeça. Primeiramente, explicou para a

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mãe sobre o projeto de multiplicadores e disse que precisava realizar uma entrevista como

parte do projeto. A mãe afirmou que então naquele momento era a multiplicadora quem seria

avaliada. Ela concordou e explicou como seria. No dia da entrevista, percebeu que a conversa

telefônica havia contribuído para que a mãe já chegasse bastante receptiva e, como resultado,

houve um diálogo que permitiu que a multiplicadora entendesse melhor o comportamento da

criança e a dificuldade da mãe em lidar com isso. Os pesquisadores sugeriram que ela fizesse

uma nova entrevista, agora para dar uma devolutiva de sua compreensão para a mãe e refletir,

junto com ela, sobre as possibilidades de lidar com isso. Ela concordou e outros

multiplicadores se interessaram em realizar novas entrevistas.

No dia 05 de novembro, a reunião tinha como objetivo realizar o preparo do grupo de

pais homens que aconteceria na próxima semana. Os multiplicadores começaram contando

sobre a pobreza do entorno da comunidade e o alcance da Associação de Moradores, que

atende 12 a 13 mil famílias, mas que recebe muitas solicitações. Disseram ser necessário

formar novos recursos humanos além de saber melhor o que todos os programas que atendem

à comunidade estão fazendo. Falaram da vontade de ir passando para outras pessoas o que

vinham conseguindo fazer na comunidade e que estavam formando um grupo para conversar

sobre o curso de multiplicadores com outros voluntários. Os pesquisadores falaram sobre

permitir então que essas pessoas acompanhassem as conversas e participassem, ao menos, da

última reunião do semestre. Logo após, foi realizado o planejamento do encontro dos homens

que teria como tema “a educação que eu dou X a educação que recebi”.

O encontro de pais aconteceu no dia 11 de novembro. Nessa data, o encontro não foi

executado conforme planejado, pois os pais não quiseram fazer uma atividade de

dramatização que havia sido programada. Ficaram envergonhados de ter essa exposição e

preferiram conversar sobre o tema. Os pesquisadores concordaram e o encontro transcorreu

com as falas de cada pai sobre e educação que tiveram e a educação que queriam dar aos seus

filhos. Essa mudança de planejamento foi importante para que, na análise, no dia 12 de

novembro, pudesse ser discutida essa necessidade de flexibilidade e adaptação.

O último encontro do semestre foi realizado em 26 de novembro e teve como objetivo

avaliar o semestre. A conversa foi iniciada com uma discussão do que é o diálogo, com um

multiplicador explicitando seu incomodo em perceber que algumas pessoas simplesmente não

querem dialogar. Disse que atualmente isso o incomodava mais do que antes do curso, porque

percebia claramente que as pessoas se fechavam para o diálogo e questionou: “o que eu faço

com essa pessoa? Desisto dela? Pergunto se estou incomodando?” Lembrou de uma situação

de uma rua que tem alguns postes que precisam ser retirados. Disse: “um morador dessa rua é

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super interessado em resolver o problema e até abre sua casa para fazer reuniões sobre o

assunto, mas nunca participa delas”. Contou que não entendia isso. Os pesquisadores falaram

sobre a importância de tentar saber com ele o porquê e entrar na conversa com uma

curiosidade e não um julgamento. Outros multiplicadores levantaram hipóteses para isso

acontecer e refletiu-se sobre o fazer COM o outro, nos limites dele, e não fazer PARA o

outro. Os pesquisadores trouxeram a questão da verdade e leram um poema do Drummond:

Verdade

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar

meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.

Era dividida em metades diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme

seu capricho, sua ilusão, sua miopia. Carlos Drummond de Andrade

Em seguida, os pesquisadores questionaram como se pode fazer para que surja pelo

menos meia verdade e disseram que perceberam um avanço na compreensão de todos em

relação ao que é uma prática dialógica. Os multiplicadores concordaram e disseram que

criaram até um espaço onde outros voluntários poderiam ir para tirar dúvidas e conversar. Os

pesquisadores apontaram a autonomia que tiveram em buscar recursos para ampliar o que

estavam vivendo no curso. Uma das multiplicadoras disse que a mudança de postura deles

tinha provocado uma mudança nas mães da CEI, que agora pareciam confiar mais nas

educadoras. No entanto, afirmou que algumas vezes ainda precisava ser firme e os

pesquisadores complementaram que a autoridade e o limite também são importantes e que a

abertura para o diálogo não significa que “tudo pode”. A reunião foi finalizada com o grupo

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falando sobre a satisfação do semestre. Algumas sugestões para o semestre seguinte ficaram

de ser enviadas pelos multiplicadores por e-mail.

PRIMEIRO SEMESTRE DE 2013

Quadro 4. Informações dos encontros do primeiro semestre de 2013

Nesse semestre, sete encontros foram realizados na comunidade e quatro na PUC.

Dessa vez, grande parte das discussões teóricas foram feitas na comunidade ao invés de na

Universidade. Esse foi um movimento natural, realizado em função da disponibilidade dos

participantes, mas acabou por propiciar que um número maior de multiplicadores participasse

das discussões.

O primeiro encontro de 2013 foi realizado em 25 de fevereiro, na comunidade. Nessa

data, tínhamos como objetivo discutir o cronograma do semestre. Como durante as férias não

tinham sido enviadas sugestões, o encontro foi iniciado com o questionamento a respeito das

expectativas que teriam para esse semestre. Os multiplicadores contaram, primeiramente, de

algumas mudanças de remanejamento de profissionais na CEI e CCA, o que afetou alguns dos

participantes do curso de formação. Uma delas, por exemplo, começou a trabalhar em outro

projeto e não poderia estar presente em algumas das reuniões do semestre. Contaram sobre

dois projetos com jovens que seriam realizados na região em parcerias com ONGs. Em

seguida, foi retomado o calendário do ano e feita uma breve apresentação dos textos sugeridos

para leitura. Os multiplicadores sugeriram poucas mudanças e pediram que a leitura de textos

fosse reorganizada, com menos conteúdo para cada encontro. Logo após, os pesquisadores

questionaram o que os multiplicadores esperavam para o semestre. Um deles afirmou que

tinha expectativas de aprofundar mais o que é o diálogo para ampliar horizontes, se

relacionando com os outros grupos comunitários, ter diálogo com os agentes públicos e lutar

contra a violação de direitos. Uma pesquisadora afirmou que isso ia além do trabalho com as

famílias e era uma expectativa que ampliava os objetivos da formação. O participante disse

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então que o que esperava era sair da ingenuidade, pois “sem ação política não há contribuição

para que as pessoas sejam respeitadas no seu direito” (sic). Contou que achava que as ações

estavam muito internas e que era necessário se abrir e mobilizar mais pessoas, lutar por causas

maiores. Outro multiplicador interrompeu e questionou se teriam como fazer mais coisas.

Disse: “Tem hora que a gente não tem perna para acompanhar. Prefiro um caso pequeno que

eu dê conta. Melhor do que deixar no meio do caminho” (sic). Continuou afirmando que

achava que multiplicador tinha que ter a consciência de que ia multiplicar, mas devia saber

qual era o foco. Uma das pesquisadoras falou sobre a angústia e frustração de se deparar com

um limite e uma das multiplicadoras disse que se sentia frustrada em ver que não conseguia

acompanhar algumas famílias em tudo e que às vezes via a família voltando a ser como era

antes de uma intervenção. Os pesquisadores questionaram que tipo de multiplicadores

gostariam e poderiam ser. Uma das multiplicadoras disse que pensava em se aprofundar para

conhecimento e para ajudar, mas que percebia que também precisava respeitar o outro que

não tinha dado o retorno que imaginou. O primeiro participante a falar sobre ampliar os

objetivos disse que tinha gostado dessa fala da colega e questionou: “tenho algo a oferecer.

Mas, e o outro, é isso que ele quer receber?” O grupo concordou e, após a discussão dos locais

das reuniões, o encontro foi encerrado.

Em 25 de março de 2013, o objetivo do encontro foi discutir sobre os textos “Família e

desigualdade”, “A família pobre e a escola pública: anotações sobre um desencontro” e o

filme “Nenhum a menos”. Uma das pesquisadoras iniciou a reunião perguntando quais

participantes eram efetivamente já multiplicadores. Dos 16 presentes, 6 disseram fazer parte

do projeto de forma constante. O restante era composto de educadores da CEI e CCA,

interessados na discussão. Antes da discussão teórica, um dos multiplicadores disse que

gostaria de pedir que as pessoas começassem a pensar em aprender a dirigir. Discutiu-se sobre

a questão da mobilidade do grupo e do tempo restrito para realizar tudo que desejavam.

A parte teórica foi iniciada solicitando que fossem formados grupos de 3 ou 4 pessoas

para discutirem dúvidas e contribuições dos textos lidos. Os grupos se formaram e fizeram

uma discussão sobre socialização. Quando terminaram, foi formado novamente o grupo maior

e as pessoas compartilharam suas reflexões. Um dos multiplicadores interrogou até onde era

bom para a família ser escutada apenas. Disse que a escuta pela escuta poderia levar à

condenação do outro, sem ter nenhuma ação. Uma das pesquisadoras falou que muitas vezes a

própria escuta já era uma intervenção.

No dia 01 de abril de 2013 foi realizado o planejamento do encontro de mães. O tema

solicitado pelas mães foi sexualidade na infância e adolescência e aconteceu em 06 de abril.

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Nesta data, como apenas uma das pesquisadoras pôde comparecer, a presença das

multiplicadoras foi essencial, pois auxiliaram os grupos de mães a realizarem as atividades

que haviam sido programadas.

No dia 08 de abril, foram realizadas a análise do grupo de mães e uma nova discussão

sobre o papel dos multiplicadores na comunidade. Um dos multiplicadores explicou que

compreendia que existia uma divisão, algumas vezes, das funções dos participantes por

âmbitos políticos ou familiares. Isso deu início a uma reflexão de que o multiplicador é um

articulador de recursos da comunidade e deve ter conhecimento do que a atravessa. Um dos

pesquisadores disse que percebeu que as possibilidades de atuação dos multiplicadores

haviam se ampliado e sugeriu que cada um fizesse uma lista de sua função e de como via seu

trabalho. Propôs que pensassem na seguinte pergunta: “O que é que os multiplicadores

multiplicam?”. Os participantes concordaram e o encontro foi encerrado.

No dia 29 de abril foi feito um encontro teórico para discutir sobre família. Iniciamos

falando sobre como as escolas, mesmo as particulares, tendem a culpar as famílias e os alunos

pelo fracasso escolar. Uma das pesquisadoras lembrou que as famílias também ensinam muita

coisa, mas de um jeito diferente da forma escolar. Disse que muitas vezes isso acontece na

linguagem falada e não na escrita. Contou que ouviu, em um encontro reflexivo com mães,

uma delas contando sobre como a filha havia aprendido a fazer arroz com ela, apenas olhando

e ajudando. Os multiplicadores concordaram e começaram a falar sobre o texto que haviam

lido para o encontro: “Classes Populares, Família e Preconceito” de Sylvia Leser de Mello.

Uma das multiplicadoras disse que os novos tipos de família assustam, mas que ao mesmo

tempo, percebia que era preciso se adaptar. Contou que está aprendendo a ouvir mais e com

isso tentar entender melhor as novas famílias. Outra multiplicadora falou que o bairro

ilustrado no texto lido é muito semelhante ao que viviam e que há alguns anos era também

apenas um lugar para dormir depois de um dia longo de trabalho. Relatou que isso foi

mudando aos poucos e hoje as pessoas compartilham mais uma vida em comunidade.

Após essa conversa inicial, foram formados pequenos grupos com o objetivo de

aprofundar a discussão. Quando acabaram de conversar, voltou-se ao grupo maior e os

multiplicadores compartilharam algumas percepções. Uma das participantes disse que

percebia como a vizinhança e as famílias podiam ter poder juntas, quando se torna viável a

criação de uma rede. Outro multiplicador concordou, mas disse que achava que era necessário

entender melhor as organizações familiares e ter mais solidariedade. Lembrou da precariedade

da situação de alguns moradores e disse que achava que as instituições tinham dificuldade em

perceber essas pessoas. Afirmou que as famílias vulneráveis se defendiam muito e tinham

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muito medo. Achava que as políticas de saúde poderiam ser um meio de acesso a elas. Uma

das pesquisadoras validou a preocupação trazida e falou sobre a possibilidade de construir

projetos mais coletivos, como um projeto político pedagógico participativo nas escolas. O

multiplicador perguntou, então, qual seria o interesse da família. A pesquisadora respondeu

que o professor e as pessoas individualmente não conseguiam fazer muita coisa, precisavam

do apoio dos grupos, da gestão, da comunidade... O multiplicador questionou novamente se a

participação política do professor não poderia influenciar na gestão da escola. A pesquisadora

disse que sim, mas lembrou que era necessário pensar primeiramente no que fazia com que os

professores não participassem. Perguntou que tipo de escola se interessava por um conselho

verdadeiramente participativo e concluiu dizendo que isso dependia de uma política de gestão

que, por sua vez, se referia às questões comunitárias. Os multiplicadores compreenderam e

disseram que precisavam refletir mais sobre isso. O encontro foi encerrado.

O encontro do dia 13 de maio teve como objetivo programar o próximo grupo de pais

homens, que foi realizado no dia 19 de maio. No grupo com os pais, estes surpreenderam os

pesquisadores e multiplicadores ao agirem de forma diferente do previsto em uma atividade

que havia sido programada para a discussão do tema escolhido: “A educação no mundo

moderno”. Uma das questões trazidas pelos pais era a dificuldade de lidar com a relação entre

controle e autonomia dos filhos e, por isso, foi planejada uma situação para mobilizar esses

aspectos. No entanto, os pais demonstraram muita obediência aos pesquisadores, ficando

apáticos diante de situações provocativas para iniciar a discussão. Isso exigiu que tanto os

pesquisadores quanto os multiplicadores alterassem a dinâmica prevista e iniciassem a

discussão de outra maneira. Apesar desse novo arranjo, foi se delineando uma discussão sobre

o tema e todos os pais foram bastante participativos. A análise desse encontro foi feita no dia

20 de maio, quando foi combinado com os multiplicadores que organizassem as principais

reflexões dos pais para disponibilizar a eles no encontro seguinte.

O encontro do dia 27 de maio foi realizado para analisar as entrevistas reflexivas feitas

pelos multiplicadores. Os pesquisadores começaram perguntando quais participantes do grupo

haviam feito a entrevista reflexiva com pais da comunidade. Uma das multiplicadoras contou

que foi encarregada de auxiliar todos que tinham feito e que auxiliaria quem ainda não havia

feito. Uma das pesquisadoras disse que o acompanhamento é muito importante mesmo. Uma

das multiplicadoras afirmou que realizar as entrevistas foi bastante gratificante e agradeceu o

grupo por ter aprendido esse modo de se colocar diante dos pais. Outra contou que o objetivo

da sua entrevista era perguntar para a mãe qual era o seu lugar na escola de seus filhos,

reforçando o quanto os pais que não participam da vida escolar são julgados. Disse que ela

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mesma julgava a mãe antes de entrevistá-la, mas na entrevista descobriu que ela se ausentava

da escola por ter vergonha de ir sozinha, sem a companhia do marido. Uma das pesquisadoras

perguntou a ela quais foram suas dificuldades nessa entrevista e a multiplicadora respondeu

que havia ficado emocionada com a história da mãe e chorou na frente dela. Falou que ficou

triste por não conseguir se controlar. Outra multiplicadora falou que, em sua entrevista, sua

maior dificuldade foi iniciar a conversa sem se intrometer na vida da mãe. Relatou que ela só

foi se abrindo aos poucos, mas no final acabou falando até que estava pensando em se separar

do marido. Outro multiplicador falou que entrevistou uma família em que os dois filhos

viviam pegando lixo na comunidade. Relatou que já conhecia a família e a casa e sabia que

viviam em extrema miséria. No entanto, o que chamava sua atenção era que os filhos iam bem

na escola. Outra multiplicadora interrompeu dizendo que já foi muito preconceituosa com

essa família. Contou que uma vez chamou o pai para conversar e quem veio foi o padrasto.

Disse a ele que queria falar com o pai e não com ele, mas que depois percebeu que era ele

quem ocupava o lugar de pai naquela família. Uma das pesquisadoras valorizou o exemplo

dado e disse que muitas vezes o pré-conceito é nosso mesmo. Em seguida, sugeriu que fossem

feitos pequenos grupos para que todos pudessem analisar com mais calma suas entrevistas.

Propôs um levantamento dos principais temas que tinham aparecido nas entrevistas,

apontando quais palavras chamaram mais a atenção dos entrevistadores para, em seguida,

pensar em qual o “recado” fora dado em cada entrevista. Esse processo de análise foi feito e

os multiplicadores identificaram aspectos como: a compreensão de família dos entrevistados,

pedidos de socorro, perdão e redenção, expectativas do trabalho dos multiplicadores e culpa e

estresse.

Ao final do compartilhamento dos temas e palavras, uma das pesquisadoras concluiu

que em todas as entrevistas aparecera o compromisso desses pais e mães, quebrando o mito de

que a família não está “nem aí” para os filhos. O encontro foi encerrado com a sugestão de

que relacionassem a análise das entrevistas que fizeram com o conteúdo do curso.

O último encontro do curso aconteceu no dia 24 de junho de 2013, contou com a

presença de 16 membros da comunidade e foi iniciado com a seguinte pergunta: “O que vocês

aprenderam nesse curso?” A primeira multiplicadora a falar disse que aprendeu a ouvir e

compreender mais o outro. Uma das pesquisadoras perguntou o que é ouvir e outra

multiplicadora afirmou que não é só escutar, mas tentar entender mesmo. Disse que às vezes

fazemos “aham” (sic) e não escutamos. Uma pesquisadora falou que ouvir inclui o

entendimento e uma multiplicadora complementou dizendo que, antes, às vezes só fingia que

estava ouvindo e isso fazia com que a pessoa fosse logo embora. Uma pesquisadora comentou

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que é necessário se preocupar e se interessar. Os multiplicadores concordaram e falaram que o

que faltava em alguns momentos era tempo. Uma multiplicadora afirmou que era necessário

ter um olhar atento e específico, pois poderiam acontecer muitas coisas em uma conversa.

Disse que precisava estar focada no objetivo da conversa, complementando que estava

pensando em uma situação de entrevista reflexiva. Outro multiplicador deu continuidade

dizendo que uma das coisas que influenciou seu trabalho com a comunidade foi que antes ele

comprava a briga das pessoas, não escutava mesmo. Disse que aprendeu que antes de ter uma

ação tem que ouvir a pessoa. Falou que costumava criticar a atitude de só ouvir, mas percebeu

que, se não fizer isso, acabava fazendo algo que ele queria e não que outro precisava.

Continuou dizendo que tinha percebido que uma solução só não funciona para todos os

problemas.

Em seguida, uma das pesquisadoras perguntou sobre sugestões de outras coisas que

gostariam de saber mais e um dos participantes falou sobre a ideia de fazer grupos de estudos

para estudar temas específicos, como, por exemplo, as famílias da atualidade. Disse que não

sabia muito bem como lidar com outros tipos de famílias, como as de casais homossexuais.

Outra multiplicadora falou que gostaria de saber como lidar com a criança que sofre

preconceito, porque é negra, tem cabelo crespo ou qualquer outra coisa que as crianças

fiquem falando. Deu como exemplo a situação um menino que não queria dançar com uma

menina na festa junina porque ela era negra. Disse que não sabia bem o que falar para ele.

Uma as pesquisadoras falou que uma coisa que ajuda é aprendermos a conhecer nossos

próprios preconceitos. Nesse momento um dos participantes da comunidade começou a dar

risada e quando os pesquisadores perguntaram por que ele estava rindo, ele disse que era

porque ele era simpatizante do candomblé e as pessoas tinham um monte de mitos e crenças.

Os multiplicadores concordaram que isso existe mesmo. Um deles falou que a criança traz

muito preconceito da família para escola. Falou que quase sempre observa na família o que já

percebia na criança e perguntou para os pesquisadores se é assim mesmo. Uma delas

respondeu que é verdade, mas que a escola também traz condições de criar um outro

ambiente. Afirmou que o preconceito não vem só da família ou da escola, vem do mundo.

Dando continuidade ao encontro, um dos pesquisadores apresentou uma tabela com os

dados de todos os encontros realizados no Curso de Multiplicadores, um total de 41, sendo

sendo 20 na PUC e 21 na brasilândia. Falou sobre algumas características dos participantes,

como o fato de que alguns estiveram presentes todo o tempo, mas outros não. Disse que

entrou e saiu muita gente, o que é incomum, e lembrou que isso não se tornou um problema

pelo fato de que os multiplicadores levavam ao restante do grupo o que era discutido nos

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encontros. Uma das pesquisadoras falou que isso a tinha surpreendido, pois achava que a

multiplicação seria com as famílias e que ver isso acontecendo entre os multiplicadores foi

uma inovação. Afirmou também que o grupo demonstrara muita disponibilidade para ensinar

aprender, uma sede de saber e disse que ficou muito feliz com a confiança dos multiplicadores

no trabalho da PUC. Relembrou que no primeiro encontro todos se defrontaram com duas

possibilidades de formação: uma de longo prazo e outra de ensino de uma prática pronta, uma

técnica. Disse que a segunda não podia oferecer e a proposta de multiplicadores foi se

desenvolvendo ao longo do curso. Agora, ao final, perguntou a eles o que era ser

multiplicador. Uma das participantes disse que era entender mais as famílias, aprender a

perceber o que a pessoa precisa e poder oferecer para ela o conhecimento. Outra falou sobre

como associa ser multiplicadora com poder realizar uma entrevista reflexiva. Disse que no

início tinha a ideia de passar algo para os pais, depois ficou claro que era para saber. Uma das

pesquisadoras lembrou que no começo a atitude era mais hierárquica e depois ficou dialógica

e horizontal. A multiplicadora concordou e falou sobre a mudança da reação das famílias

quando mudou de postura. Elas passaram a procurar e confiar muito mais. Uma

multiplicadora contou de uma mãe que falou muita coisa do casamento dela e se surpreendeu

com a confiança que essa mãe depositou nela. Disse que algumas vezes até tem um problema

relacionado à privacidade, algumas pessoas procuram pra conversar em espaços que não são

adequados.

Outro aspecto lembrado por uma das pesquisadoras diz respeito às atividades geradas

ou incorporadas pelo curso, como o mapeamento dos recursos da região e as reuniões extras

entre eles. Falou sobre como esse movimento foi espontâneo e como a equipe da PUC foi

descobrindo aos poucos essas ações. Uma das pesquisadoras disse que parecia que, no

começo, os multiplicadores estavam falando sobre quererem respostas. Disse que sentiu que

isso tinha mudado. Os multiplicadores concordaram e um deles falou sobre poder admitir o

não saber, lembrando que, quando tinha dificuldade em alguns textos, procurava a ajuda de

outro multiplicador para esclarecer. Agradeceu a esse multiplicador pela sua ajuda.

Para finalizar, os pesquisadores perguntaram sobre os planos dos multiplicadores para

o semestre seguinte e um deles perguntou se a formação continuaria. Sugerimos que

pensassem durante as férias sobre o que gostariam de estudar, saber mais, para então pensar

no formato mais adequado. O grupo concordou e o encontro foi encerrado – com a conclusão

do curso, mas com uma abertura para novos projetos.

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4.3 Impressões da pesquisadora sobre o Curso de Formação de Multiplicadores

Como este trabalho se constitui em uma análise que envolve também o grupo de

pesquisadores participantes do curso de formação, torna-se necessário discorrer sobre as

impressões da pesquisadora a respeito do curso de formação. Embora seja um relato

individual, durante os dois anos de participação no curso, também participei assiduamente das

aulas e discussões do grupo de pesquisa, acreditando trazer um olhar contaminado com a troca

de experiências com outros pesquisadores ao longo desse percurso.

O primeiro aspecto que gostaria de relatar diz respeito ao modo como o grupo foi se

constituindo. Na comunidade em que se realizou o curso, existe a presença muito forte de

algumas pessoas que desejam um processo de transformação da realidade social em que

vivem e que se posicionam ativamente nessa busca. Isso significa que os participantes, antes

mesmo do início da formação, já se mostravam engajados na possibilidade de um fazer

diferenciado. Embora, a princípio, isso tenha se explicitado na figura de pessoas mais ativas

na comunidade, a constituição de um grupo que não era fechado e revelava presenças que iam

se alternando permitiu que essa postura se estendesse para outros participantes. Aqueles que

não compartilhavam dessa abertura foram se distanciando do projeto. É o caso dos que

desejavam informações diretivas e rápidas que permitissem transformações velozes e mais

simples. Nossa proposta requeria paciência, confiança e disponibilidade.

É preciso dizer que a confiança precisava existir nas duas vias. Também para os

pesquisadores era necessário acreditar que, de alguma maneira, seriam compreendidos em

seus objetivos e proposta. Poder esperar por um envolvimento dos multiplicadores no

processo de formação era essencial para garantir um engajamento nesse projeto. Era

necessário sustentar a proposta nos momentos em que parecia haver incompreensão, por parte

dos multiplicadores, de nossa ideia de formação, especialmente no início, quando se

alinhavam os objetivos do curso.

Durante toda proposta, não foi fácil identificar exatamente quais elementos da

formação eram essenciais para a transformação dos modos de compreender e agir dos

participantes que íamos acompanhando. O processo de mudança foi constante e gradativo e

foi se mostrando como surpreendente em alguns momentos, quando presenciávamos uma fala

diferente da habitual ou uma iniciativa de intervenção nascida espontaneamente por meio da

reflexão.

O impacto das iniciativas dos multiplicadores e o modo como iam ao encontro das

necessidades da comunidade também explicitou como os pesquisadores, por mais livres de

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preconceito e por mais comprometidos com uma proposta transformadora, seriam sempre, de

alguma maneira, “estrangeiros” na comunidade. Isso revelava a importância de realizar

intervenções COM os outros, fazendo alianças com pessoas que efetivamente fazem parte

daquilo que se pretendia transformar. Esse pensamento se contrapõe à ideia de que

profissionais, quando com uma extensa bagagem intelectual e profissional, podem

solitariamente estabelecer um processo autêntico de intervenção em favor de uma população.

O curso de formação de multiplicadores foi um processo muito intenso, trabalhoso e

repleto de desafios, na medida em que precisava ser constituído cotidianamente por meio de

muito diálogo e reflexão. No entanto, foi justamente a possibilidade de vivenciar ativamente

uma proposta verdadeiramente participativa que fez com que esse projeto fosse,

pessoalmente, cada dia mais um objeto de interesse e desejo de compreensão, a ponto de

resultar nesta tese.

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5. ANÁLISE

Nesta parte do trabalho serão apresentadas as constelações encontradas a partir das

leituras repetidas das sínteses de cada semestre do curso de formação. São elas:

1) Expectativas dos multiplicadores sobre o Curso de Formação

2) Expectativas dos pesquisadores sobre o Curso de Formação

3) Princípios norteadores do trabalho

4) Atividades realizadas pelos multiplicadores

5) Impacto dos encontros com os multiplicadores nos pesquisadores, pais e

comunidade

6) O que é ser multiplicador?

7) Descobertas dos multiplicadores

8) Dificuldades dos multiplicadores

9) Dificuldades do Curso de Formação

Cada constelação será descrita e alguns trechos das sínteses dos semestres serão

trazidos para auxiliar a ilustrar a compreensão da pesquisadora. As constelações foram

elaboradas considerando-se o objetivo do trabalho de compreender a constituição de práticas

dialógicas e emancipadoras com pais e educadores, para a construção e troca de saberes

educativos.

5.1 Constelações

1) Expectativas dos multiplicadores sobre o Curso de Formação

Esta constelação abarca as expectativas dos multiplicadores que foram se revelando,

direta ou indiretamente, no Curso de Formação.

As expectativas se mostraram, inicialmente, em relação aos objetivos do curso, sua

duração, o desejo de agradar os pais participantes do projeto e aumentar o número de

participantes dos encontros reflexivos. Isso pode ser visto nos seguintes trechos:

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Os objetivos descritos pelos participantes foram: realizar um estudo aprofundado sobre como fazer encontros com as famílias, ter uma base teórica e ter algo para seu próprio enriquecimento. Um deles falou que o grupo já estava dividido em 3 turmas para atender à necessidade da comunidade relativa às datas dos encontros com as famílias (Tinham) urgência em saber o que fariam (Estavam) preocupados com os resultados dos encontros, trazendo uma fala de um pai que disse que “os encontros servem para desabafar e mais nada”. (Queriam) garantir a presença do maior número de familiares possível.

No segundo semestre, algumas expectativas se ampliaram e surgiram questões

referentes a saber como dialogar com as famílias e compreendê-las melhor. Também

quiseram compreender melhor o que é ser um multiplicador e dominar o conteúdo teórico

sobre diálogo e família. Os trechos abaixo mostram alguns desses aspectos:

“Como o convite para participar dos encontros chega melhor às famílias?” “Como se comunicar melhor com as famílias?” “Porque os pais participam mais de um encontro do que dos outros?” “Por que alguns convites são rejeitados?”

(Ficavam) perguntando o sentido desse trabalho e o sentido do trabalho dos multiplicadores. (Queriam) compartilhar com outras pessoas que se interessam no projeto.

É possível perceber que saíram da busca por um saber de conteúdo e foram em direção

à necessidade de olhar para a disposição que tinham para o contato com o outro, ao

questionamento da atitude que precisavam ter. As expectativas partiram de um “o que eu

digo?” para “como eu digo?”

2) Expectativas dos pesquisadores sobre o Curso de Formação

Esta constelação indica que os pesquisadores, ao iniciarem o Curso de Formação, já

apresentavam algumas ideias em relação ao modo como o curso deveria ser. Isso é ilustrado

nos seguintes trechos:

Surpresos com a compreensão dos multiplicadores de que começariam imediatamente a atuar com as famílias, os pesquisadores começaram

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falando sobre os encontros, retomando que as famílias continuam comparecendo, mesmo após muitos anos de trabalho. Necessidade das coisas serem mais processuais. (Uma pesquisadora disse) que o processo deve ser mais longo e que pensou em um projeto com a duração de dois anos.

Ao longo do curso, algumas expectativas tiveram que ser ajustadas, como a abertura

para lidar com as iniciativas independentes dos multiplicadores e a quantidade de material de

leitura, como é possível ver na frase abaixo:

Os multiplicadores sugeriram poucas mudanças e pediram que a leitura de textos fosse reorganizada, com menos conteúdo para cada encontro.

As principais expectativas dos pesquisadores no início do curso se referiam ao modo

como compreendiam que o curso deveria ser formatado, incluindo aspectos como duração e

tipo de conhecimento a ser transmitido. Ao longo do tempo, apareceram expectativas

referentes às respostas dos multiplicadores frente às propostas de cada encontro, que

precisaram ser constantemente revistas.

3) Princípios norteadores do trabalho

Aqui estão reunidos alguns aspectos lembrados pelos pesquisadores ou

multiplicadores, nos encontros, como fundamentais para a construção do projeto.

Esta constelação apresenta alguns parâmetros utilizados durante todo o Curso de

Formação, desde sua constituição, tais como:

(...) é necessário a um condutor saber para onde está indo. Sigilo e a ética para tratar das histórias relatadas por todos os membros do encontro. Os pesquisadores pontuaram que é importante se ater a qualidade dos encontros e não a quantidade de pais... Lembraram da importância de parcerias...

Esta constelação também acaba por explicitar as visões de homem, mundo, educação,

família e diálogo tomadas como referência para o trabalho dos pesquisadores. Mesmo que não

sejam falas que abordam diretamente a fenomenologia ou a obra de Paulo Freire, é possível

identificar a presença dessas bases, como é ilustrado abaixo:

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Apontaram a importância de a comunidade conhecer o mundo onde habitam. Foi acentuada a importância da escuta do grupo sem um julgamento (Necessidade) de reflexão e desconstrução de pré-conceitos Os pesquisadores falaram sobre como é delicado tratar desse assunto (a violência) e disseram sobre a importância de entender melhor essa solicitação Os pesquisadores apontaram a importância de aproveitar esse vínculo de confiança para poder indicar serviços de apoio. Uma entrevista (...) é, antes de tudo, um encontro humano. Os pesquisadores chamaram atenção ao fato de que sempre temos um pré-conceito e que é importante ter clareza do que sentimos. A importância de tentar saber com ele o porquê e entrar na conversa com uma curiosidade e não um julgamento. Refletiu-se sobre o fazer COM o outro, nos limites dele e não fazer PARA o outro. Os pesquisadores trouxeram a questão da verdade e leram um poema do Drummond. Os pesquisadores complementaram que a autoridade e o limite também são importantes e que a abertura para o diálogo não significa que “tudo pode”.

Explicitam-se, portanto, nesta constelação, referências importantes para a condução do

curso de formação.

4) Atividades realizadas pelos multiplicadores

Esta constelação apresenta as atividades feitas, espontaneamente ou não, pelos

multiplicadores.

Inicialmente as atividades desenvolvidas pelos multiplicadores estavam muito

relacionadas com as solicitações dos pesquisadores. É o caso das situações relatadas abaixo:

Fizeram também o papel de ajudar a organizar as atividades programadas e realizar um relato do encontro para o curso de formação. Auxiliaram a relatar o encontro Os multiplicadores foram convidados a participar do planejamento do encontro de mães Colaborando para a organização e o relato da conversa

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(...) fizessem um levantamento dos serviços disponíveis no bairro para possíveis encaminhamentos e avaliação das necessidades Realizaram uma atividade em grupo, na qual precisavam pensar em alguma situação em que a entrevista seria útil e planejar os objetivos e questões que poderiam realizar nessa situação.

No entanto, com o passar do curso, foram se apresentando iniciativas construídas

espontaneamente por eles, tais como:

Transmitir aos outros o conteúdo discutido. Criação, por iniciativa própria, de um plantão direcionado as famílias que funciona quinzenalmente Os multiplicadores contaram sobre uma apresentação que fizeram no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), sobre o trabalho que estão realizando na comunidade. Planejar uma nova entrevista reflexiva Os multiplicadores iniciaram o encontro contando que haviam realizado uma entrevista reflexiva.

Estão formando um grupo para conversar sobre o curso de multiplicadores com outros voluntários.

Os multiplicadores iniciaram sua atuação na comunidade de um modo dependente das

solicitações dos pesquisadores. Porém, depois de alguns encontros, mostraram-se mais

seguros e confiantes para atuar com mais autonomia.

5) Impacto dos encontros com os multiplicadores nos pesquisadores, pais e comunidade

Esta constelação descreve o modo como o trabalho dos multiplicadores provocou

mudanças tanto nos pesquisadores quanto nas famílias com quem atuaram. Isso pode ser

visto, por exemplo, na ampliação da visão dos pesquisadores sobre a rotina da comunidade:

A participação dos multiplicadores em todo processo enriqueceu a compreensão dos pesquisadores sobre as questões da comunidade. Os multiplicadores contaram sobre uma apresentação que fizeram no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), sobre o trabalho que estão realizando na comunidade. Falaram também sobre um trabalho com sexualidade que o pessoal de uma UBS nova iria fazer com a ajuda deles, pois cediam o espaço do centro comunitário.

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Ou na iniciativa de pedir que os pesquisadores compartilhassem registros com eles:

Solicitaram registros das atividades que vêm realizando...

O impacto também é percebido na narrativa da reação das famílias e comunidade

diante de suas iniciativas:

Novo modo de cuidar da família, com uma preponderância do ouvir e um maior acolhimento. (...) Ao buscarem uma postura dialógica, começaram a ver resultados construtivos nas relações com as famílias. A mudança na postura em relação à obrigatoriedade do comparecimento. Os encaminhamentos estavam mais eficazes. (Haviam) saído de uma postura paternalista e verticalizada, que gerava dependência das famílias que buscavam ajuda. Uma das multiplicadoras disse que a mudança de postura deles provocou uma mudança nas mães da CEI, que agora parecem confiar mais nas educadoras.

De modo geral, as atuações dos multiplicadores pareceu ter de fato um impacto de

multiplicação, no sentido de atingir tanto aqueles que faziam parte do curso – como os

pesquisadores – quanto aqueles que estavam mais distantes, como as famílias da comunidade.

Nesse sentido, um dos objetivos do curso, o de atuar na relação com pais e mães, pareceu ser

cumprido.

6) O que é ser multiplicador?

Os multiplicadores questionaram em vários momentos o que era ou não papel de um

multiplicador. Esta constelação ilustra esse questionamento em diversos momentos dos

encontros:

(Ser multiplicador) tem a ver com a disponibilidade para ações que permitam organizar os recursos da região Os multiplicadores podem intermediar relações.

Eles (os multiplicadores) propiciam o encontro das famílias e, quanto mais se amplia o mundo, mais se cria condição de diálogo.

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(Haviam) saído de uma postura paternalista e verticalizada, que gerava dependência das famílias que buscavam ajuda.

A identidade dos multiplicadores foi questionada por eles ao longo de todo Curso de

Formação e grande parte dos questionamentos se referiam aos limites e possibilidades de suas

atuações.

7) Descobertas dos multiplicadores

Esta constelação se refere à ampliação das percepções dos multiplicadores a respeito

de seu papel, do entorno, de suas ações e possibilidades.

Uma das participantes disse: “eu já era multiplicadora sem saber...” (...) quando ouviu pela primeira vez que era possível dialogar ao invés de bater, achou que era conversa de “quem deixava os filhos com a babá” (sic). Com o tempo, foi compreendendo melhor o conceito e experimentou colocá-lo em prática, percebendo que era viável.

Disse que percebe que dialogar é diferente de apenas conversar, pois exige uma abertura. Compreensão dos conceitos abordados no texto não foi a mesma para todos.

Disseram que a aliança entre teoria e prática foi um dos fatores mais importantes do curso. Novo modo de cuidar da família, com uma preponderância do ouvir e um maior acolhimento. Descobertas de locais disponíveis na região e/ou proximidades

Contando que perceberam como as mães compreendem o diálogo como rede de proteção e como isso foi vivenciado no próprio grupo No final da reunião, essas observações foram colocadas aos participantes e alguns reconheceram a dificuldade em colocar em prática a postura do entrevistador na prática de entrevistas reflexivas. Percebeu que a conversa telefônica havia contribuído para que a mãe já chegasse bastante receptiva e como resultado, houve um diálogo que permitiu que a multiplicadora entendesse melhor o comportamento da criança e a dificuldade da mãe em lidar com isso. A conversa foi iniciada com uma discussão do que é o diálogo, com um multiplicador explicitando seu incomodo em perceber que algumas pessoas simplesmente não querem dialogar.

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Os multiplicadores modificaram suas percepções a respeito de diversas coisas, entre

elas, a possibilidade de dialogar. Conseguiram compreender a importância do diálogo para

além do âmbito teórico, relatando diversos momentos em que buscaram colocá-lo em prática.

8) Dificuldades dos multiplicadores

Esta constelação busca descrever alguns aspectos que se referem aos entraves

encontrados e relatados durante o processo de formação.

Algumas dificuldades são relacionadas à prática e reflexões teóricas:

Dificuldade em aplicá-lo (o diálogo) com crianças muito pequenas. Indagou-se sobre o modo de dialogar com essa pessoa que, segundo ele, não tem condições de enxergar a própria vida Não dominar como desejam o conteúdo teórico sobre práticas dialógicas e, em especial, entrevista reflexiva. Foi muito comum que os grupos pensassem em situações em que queriam dizer algo aos entrevistados, ao invés de ouvir.

Ficou explícita a dificuldade da maioria dos participantes em poder reconhecer a existência de pré-conceitos e poder se colocar no lugar de não saber.

Outras estão mais relacionadas com as constatações do limite de suas ações:

Contando sobre a pobreza do entorno da comunidade e o alcance da Associação de Moradores, que atende 12 a 13 mil famílias, mas que recebe muitas solicitações. Disseram ser necessário formar novos recursos humanos e saber melhor o que todos os programas que atendem à comunidade estão fazendo.

A conversa foi iniciada com uma discussão do que é o diálogo, com um multiplicador explicitando seu incomodo em perceber que algumas pessoas simplesmente não querem dialogar.

Os multiplicadores pareceram desejar, em muitos momentos, que tivessem um rápido

domínio daquilo que era aprendido no Curso de Formação e que suas ações tivessem um

grande alcance na comunidade. No entanto, se deparavam com as dificuldades de

compreensão, os limites práticos da vida cotidiana e com o desejo do outro, nem sempre

disponível para uma aproximação.

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9) Dificuldades do Curso de Formação

As dificuldades encontradas para a realização do Curso de Formação foram se

modificando com o passar do tempo. Inicialmente, diziam respeito a alinhar as expectativas

dos multiplicadores e dos pesquisadores, de modo a garantir que o processo de formação fosse

mais longo e menos técnico do que gostariam:

o grupo já estava dividido em 3 turmas para atender à necessidade da comunidade relativa às datas dos encontros com as famílias (...) tinham urgência em saber o que fariam, uma vez que já estavam organizados. (...) haviam decidido que não haveria mais a divisão entre homens e mulheres nos encontros reflexivos, de modo a garantir a presença do maior número de familiares possível.

(...) foi retomada a expectativa de que o curso de formação seja construído em um processo mais longo. Insistiu que o processo deve ser mais longo e disse que pensou em um projeto com a duração de dois anos. (...) um dos multiplicadores falou sobre a necessidade de dar mais respostas às pessoas e de aprender no curso de formação o que deve dizer a essas pessoas. Foi muito comum que os grupos pensassem em situações em que queriam dizer algo aos entrevistados, ao invés de ouvir.

Uma vez realizado esse ajuste, passou-se a perceber a necessidade de repetir diversas

vezes alguns aspectos considerados essenciais pelos pesquisadores de modo a ser incorporado

na prática dos multiplicadores. É o caso da escuta e da compreensão da entrevista reflexiva.

O primeiro ponto abordado foi o sigilo e a ética para tratar das histórias relatadas por todos os membros do encontro.

Os multiplicadores contaram que mudaram algumas compreensões sobre o modo como entendiam a própria proposta do curso e o modo de trabalhar com famílias.

Em função da disponibilidade dos participantes, optou-se por dividir o grupo de multiplicadores combinando alguns encontros com todos e outros com apenas alguns membros, que ficariam responsáveis de transmitir aos outros o conteúdo discutido.

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Quando os multiplicadores perceberam o impacto de sua mudança de postura na

comunidade, o principal desafio foi lidar com os limites de suas atuações, já que passaram a

desejar mudanças mais significativas em relação aos mais variados conflitos da comunidade.

Os multiplicadores sugeriram poucas mudanças e pediram que a leitura de textos fosse reorganizada, com menos conteúdo para cada encontro. Uma das pesquisadoras falou sobre a angústia e frustração de se deparar com um limite e uma das multiplicadoras disse que se sente frustrada em ver que não consegue acompanhar algumas famílias em tudo e que às vezes vê a família voltando a ser como era antes de uma intervenção. (...) tempo restrito para realizar tudo que desejam.

De modo geral, as dificuldades se relacionaram muito com o alinhamento da

expectativa de todos os participantes e com as possibilidades e limites trazidos pelo projeto.

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6. DISCUSSÃO

O Curso de Formação de Multiplicadores foi se constituindo como um processo

dialógico que precisava ser “afinado” constantemente com os participantes. Essa necessidade

de ajustes se fez presente desde o primeiro momento, quando foi necessário alinhar as

expectativas dos multiplicadores com as dos pesquisadores. Isso pode ser visto na constelação

“Expectativas dos multiplicadores sobre o Curso de Formação”. Inicialmente, os

multiplicadores esperavam receber um saber organizado como técnica, que traria respostas

que seriam repassadas para a comunidade. Iniciaram pedindo apoio teórico, ao mesmo tempo

em que diziam que a dificuldade em ajudar as famílias vinha do fato de que nenhuma situação

é igual a outra. O desejo em receber um saber organizado como verdade única se aproxima da

fala de Rocha (2002) sobre a tendência a valorizar a funcionalidade e utilidade e se afastar do

não-saber. A autora descreve como é comum o movimento de acostumar-se com a lógica dos

saberes absolutos e ter dificuldade para criar novas soluções para conflitos existentes. No

Curso de Formação, essa ideia de receber conhecimentos nos moldes de mera repetição foi o

primeiro desafio para iniciar uma proposta que buscava justamente romper com esse modelo.

Os multiplicadores tinham muita pressa em começar um trabalho com as famílias e a

ideia de um curso de curta duração. Além disso, visavam uma participação de um maior

número de pais, associando o sucesso das práticas à quantidade de participantes. Pareciam

responder ao modelo descrito por Bauman (2011) como modernidade líquida, em que se

busca velocidade e abundância como forma de se contrapor à falta de segurança e

confiabilidade. É um ciclo de procura por cada vez mais informações e desejo de controle

sobre o futuro em que o conhecimento que é mais atraente é aquele que é apto ao uso

instantâneo e único. Isso nem sempre é positivo “(...) pois o pesadelo da informação

insuficiente que fez nossos pais sofrerem foi substituído pelo pesadelo ainda mais terrível da

enxurrada de informações que ameaça nos afogar (...)” (BAUMAN, 2011, p. 8).

No entanto, conforme as questões relativas ao formato do curso de formação foram se

resolvendo, apareceram outras expectativas, como as de compreender melhor a participação

das famílias nos encontros reflexivos e o modo como os participantes deveriam ser

convidados. Essas questões foram revelando um movimento de aprofundamento e o início de

uma reflexão que considerava além da forma. Podemos dizer que, quando questionavam sobre

seu modo de ser com o outro, iniciavam um processo em que saíam de um mero fazer. Critelli

(1981) afirma que, quando confiamos no vigor do próprio pensamento, o pensar abre o fazer.

Diz que “a difícil tarefa dos que querem ir mais além de um fazer pragmático sem se sentirem

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sufocados pela ‘incerteza imediata’ de um ‘o que’ fazer e pela segurança do já convencionado

é poder deixar o fazer no ‘vazio’, abandonar sua prioridade e, concomitantemente, poder

abandonar-se à verdade de um fim ainda não-dado” (CRITELLI, 1981, p. 61).

Do outro lado, os pesquisadores também iniciaram a proposta de formação com

algumas expectativas que também precisaram ser percebidas e ajustadas. Isso pode ser visto

na constelação “Expectativas dos pesquisadores sobre o Curso de Formação” em que

foram retratadas falas que expressavam um desejo de uma formação mais processual, longa e

conectada com o sentido de iniciar esta intervenção. O ajuste aconteceu em relação a aspectos

como o início mais imediato do envolvimento dos multiplicadores em atividades práticas e a

flexibilidade para a proposta de textos e materiais acadêmicos já que eventualmente os

multiplicadores diziam não ter tempo para tudo. Era preciso uma adaptação inclusive a

aspectos que surgiram como um próprio resultado das intervenções realizadas no curso, pois

quando os multiplicadores sugeriram menos leituras, aí também estava uma mudança

importante no sentido de sair de uma perspectiva de pressa, de querer saber de tudo, para uma

paciência, um saber aprofundado. É como se tivessem abandonado a quantidade tão solicitada

no início, pela qualidade. Era preciso acompanhar esse movimento do grupo e respeitar o

ritmo dos multiplicadores.

Ao longo do curso, alguns aspectos se mostraram fundamentais para a condução das

atividades, reflexões e até mesmo para esses ajustes de expectativas descritos. São os

princípios denominados aqui como “Princípios norteadores do trabalho”. Experienciar o

que sustenta a prática é uma característica do tipo de pesquisa proposto e se refere ao rigor e

ética envolvidos neste tipo de investigação. Isso porque este modo de fazer pesquisa não exige

uma neutralidade dos pesquisadores e tampouco considera possível que assim se faça. O

pesquisador faz parte do processo de produção de conhecimento e assume uma atitude que

considera sua responsabilidade, inclusive no que diz respeito ao modo como vai

compreendendo e conduzindo sua intervenção. É necessário estar em contato constante com

as bases daquilo que norteia suas ações, como as visões de homem, mundo, educação e tudo

mais que se relacione com a prática proposta. É necessário considerar que “é sempre um

sujeito que realiza a investigação: como o conhecimento tem um caráter histórico, a ciência

acontece no contexto das relações humanas (...)” (RIOS, 2006, p.82). Assim, as bases

compreensivas dos pesquisadores trazidas ao longo de todo curso refletiram o lugar de onde o

grupo de pesquisadores se propôs a falar e agir e expressam visões relativas aos referenciais já

descritos nesta tese, como a abordagem fenomenológica e o trabalho de Paulo Freire. Isso

pode ser visto em falas como “é necessário a um condutor saber para onde está indo”, que

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retoma a importância do sentido da ação ou “Foi acentuada a importância da escuta do grupo

sem um julgamento” que explicita a postura dialógica e horizontal.

A clareza desses princípios pareceu ser fundamental para os pesquisadores e

multiplicadores, que foram se apropriando da proposta, tanto pela reflexão, quanto pela

própria experiência de participação em um grupo que procurava funcionar de acordo com

essas características. Revelava-se um modo de fazer e é possível dizer que ele se constituiu

como um recurso pedagógico fundamental na medida em que possibilitou que os conceitos

fossem aprendidos “encarnados”. Essa ideia se remete ao pensamento de Freire (1996) que

diz que o discurso: “(...) sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua

encarnação” (p. 27).

Isso pareceu favorecer o envolvimento dos multiplicadores em atividades que

inicialmente eram feitas a pedido dos pesquisadores, mas depois foram sendo realizadas de

forma espontânea, mas sempre em coerência com as práticas desenvolvidas no curso. As

atividades, dos dois tipos, podem ser visualizadas na constelação “Atividades realizadas

pelos multiplicadores” que apresenta diversas iniciativas desenvolvidas pelos participantes

do Curso de Formação.

O fato de terem iniciado com o mero cumprimento de tarefas sugeridas pelo grupo e

terem passado para uma atitude mais independente revela a instituição de um processo de

apropriação dos saberes e da multiplicação. Foi necessário que os pesquisadores suportassem

a autonomia dos multiplicadores e atuassem contribuindo para que o processo de

emancipação se desse. Esse “suportar” se relaciona com compreender o lugar de autoridade

pertinente com a proposta e lidar com o que Freire (1996) chama de tensão entre autoridade e

liberdade. O autor afirma que “ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A

autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo

tomadas” (FREIRE, 1996, p. 67). Isso exige equilíbrio, segurança no lugar que ocupa diante

do outro e confiança no processo educativo. No processo dos multiplicadores, a autonomia foi

se constituindo em dois níveis, na relação entre pesquisadores/multiplicadores e na relação

multiplicadores/comunidade. Os tipos de intervenções realizados, em todos os casos, eram

referentes a uma oferta de que o outro se ocupasse daquilo que se constituía como sua

questão, recebendo um auxílio para encontrar as próprias saídas, ao invés de receber soluções

prontas. Era uma aproximação dos dois aspectos descritos por Freire, a autoridade e a

liberdade. No entanto, falamos de uma autoridade que está um passo além do apelo da

vaidade em ser o detentor das soluções e do conhecimento, que vai muito além do exercício

sedutor do poder. Essa autoridade, que preserva a liberdade do outro a favor da autonomia, só

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é viável quando ancorada no sentido dessa postura e na compreensão de um determinado

modo de ensinar e aprender.

No decorrer do curso, essa postura teve um impacto significativo nos pesquisadores e

nas famílias que participavam das intervenções feitas por eles. Isso foi ilustrado na

constelação “Impacto dos encontros com os multiplicadores nos pesquisadores, pais e

comunidade” que mostrou, primeiramente, como o fato de terem partido para uma atitude

mais dialógica e horizontal pareceu propiciar que as famílias se aproximassem deles de uma

maneira diferente, com mais confiança e abertura. Os multiplicadores relataram que isso fez

com que os encaminhamentos ficassem mais eficazes e as pessoas mais independentes. Houve

um aumento do número de atividades relativas a um atendimento comunitário, como parcerias

com o CRAS e a UBS e um plantão para falar com as famílias, explicitando uma extensão das

ações dos multiplicadores na medida em que instrumentalizavam também as pessoas que

buscavam ajuda para saberem como prosseguir de forma autônoma.

Em relação aos pesquisadores, a visão a respeito da comunidade foi enriquecida com

descrições de pessoas que efetivamente faziam parte dessa realidade. Com isso, as atividades

dos pesquisadores na comunidade foram melhor planejadas e desenvolvidas.

A mudança na postura dos multiplicadores esteve muito relacionada à compreensão

que foram tendo a respeito de seus papéis na comunidade. Na constelação “O que é ser

multiplicador? ” foi possível visualizar como o ser multiplicador foi se desvelando para eles e

para os pesquisadores e se modificando ao longo do curso, terminando por, inclusive, obrigá-

los a lidar com os limites de suas ações. Inicialmente, pareciam compreender a multiplicação

de saberes como uma mera repetição das “verdades” que seriam trazidas pelos representantes

da Universidade. Com o passar do tempo, perceberam a possibilidade de co-construir o

conhecimento e as intervenções que seriam realizadas. Isso representou um ganho de

liberdade de ação e uma percepção muito mais ampliada de suas capacidades de transformar o

entorno. No entanto, fez com que precisassem lidar com essa ampliação, no sentido de

compreender o que seria de fato papel de um multiplicador e o que era viável diante da

realidade de vários outros compromissos e obrigações na vida de cada participante.

Lidar com os limites significou entrar em contato com a condição humana de

inacabamento e desabrigo. Isso porque os multiplicadores, a partir do momento em que se

viram capazes de ir em busca de transformações, quiseram alcançar a segurança, o acabado, o

permanente. No entanto, tiveram que perceber como todo fazer não é suficiente, nunca

podemos “(...) confiar em sossegado abandono, porque de tudo irrompe a falha, a falta, a

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quebra de sentido e de significações” (CRITELLI, 1996, p. 19). Isso é parte do humano,

ainda que tentemos nos alienar ou superar essa condição.

Assim, é possível afirmar que foram muitas as “Descobertas dos multiplicadores” ao

longo de toda formação. Foram percebendo, entre outras coisas, a viabilidade de relações

dialógicas e a existência de pré-conceitos a respeito das famílias com quem trabalhavam.

Puderam lidar com os limites da teoria, entendendo como as compreensões a respeito de um

mesmo tema podem ser variadas e como é importante realizar uma aliança entre teoria e

prática. Foi interessante perceber como a experiência prática os convocou a buscar a

aprimorar os conhecimentos desde o início e como a manutenção de uma atividade de

intervenção na comunidade manteve esse interesse por novos saberes na medida em que

tinham cotidianamente novos desafios.

Eles tiveram também dificuldades em alguns momentos, principalmente na

compreensão inicial do processo de diálogo e entrevista reflexiva, o que é ilustrado na

constelação “Dificuldades dos multiplicadores”. O entrave inicial estava em compreender,

por exemplo, que dialogar não era um processo que poderia ser organizado como um conjunto

de falas a serem previamente programadas e verbalizadas e que a entrevista reflexiva exigia

uma preparação, mas ainda assim era um processo que seria construído no momento de sua

realização. Entrar em contato com esses pontos era entrar em contato com o inacabamento do

saber e do próprio homem. Freire (1996) afirma que ensinar exige consciência do

inacabamento e que o valor do homem está em grande parte em poder passar pelo mundo sem

que sua passagem esteja predeterminada ou preestabelecida. A consciência disso traz como

consequência a experiência de se ver capaz de atuar com muito mais liberdade, mas também o

desconforto de um fazer que não está nunca completamente assegurado, confortável e

confiável.

Ao longo do curso, além das dificuldades dos multiplicadores, foi necessário lidar com

algumas “Dificuldades do Curso de Formação”. A primeira delas, como já foi dito, foi a de

alinhar as expectativas. Embora tenha sido uma dificuldade do começo do curso, se revelou

como parte importante da formação e um momento de esclarecer as ideias que norteariam

todo o projeto. Mais que uma discussão sobre o formato e duração do curso, essa dificuldade

talvez se refira à grande questão abordada neste trabalho – da construção e troca de saberes

educativos. Tratava-se de estabelecer um curso onde o saber pudesse ser colocado de forma

diferente da técnica e essa diferença precisava ser marcada para além de uma fala teórica.

Como isso iria acontecer ou em que momento houve uma percepção real desse aspecto é

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muito difícil de dizer. O que foi percebido é que era necessário explicitar e vivenciar diversas

vezes alguns aspectos essenciais para que então fossem apropriados pelos multiplicadores.

Uma vez ultrapassada essa dificuldade, surgiu uma necessidade do próprio curso e dos

objetivos da formação serem retomados, já que foi despertado um desejo dos multiplicadores

em atuarem para muito além do trabalho com as famílias, incluindo um cuidado com a

comunidade. Nesse momento, também os pesquisadores precisaram retomar seus objetivos e

os limites de atuação de todos os envolvidos na formação.

Todas as constelações encontradas e consideradas acima nos levam de volta aos

questionamentos iniciais desta tese e nos ajudam a compreender a constituição de práticas

dialógicas e emancipatórias com pais e educadores para a construção e troca de saberes

educativos, objetivo deste trabalho.

Na experiência relatada, as práticas dialógicas e emancipatórias parecem ter se tornado

viáveis na medida em que o próprio Curso de Formação seguiu essa proposta. Isso significa

que ter podido experimentar o diálogo dentro do próprio grupo pareceu ser muito significativo

para desenvolver uma compreensão, apoiada no teórico, do que é dialogar. Os princípios que

norteavam o trabalho estavam frequentemente sendo descritos e aplicados e acabaram por

pautar uma relação com os multiplicadores na qual estava em jogo também sua emancipação

e não apenas das famílias com quem trabalhavam. Era a saída de uma atitude assistencialista

para uma atitude mais independente.

A recusa de uma postura tecnicista tem relação fundamental com esse desejo de

emancipação, diretamente ligado ao motivo pelo qual este projeto se iniciou em primeiro

lugar. Heidegger (citado por CRITELLI, 2002) afirma que com a questão da técnica há um

esquecimento do ser, um esquecimento de que o ser é o possível do mundo, e que esse

possível está entregue ao cuidado de cada um de nós. Se abandonamos essas possibilidades,

há um abandono do poder-ser e uma repetição em um círculo vicioso da interpelação

produtora da técnica. Critelli (2002) afirma que o caminho deixado por Heidegger, ao abordar

essa questão, é vislumbrar a possibilidade de ouvir outro chamado e fazer uma passagem pelo

silêncio. Significa que seria necessário “(...) tampar os ouvidos para o mesmo, para o que já se

sabe” (CRITELLI, 2002, p. 88). É desse “silêncio” que, no projeto, começou a surgir um

processo que pode ser entendido como emancipatório, no sentido de permitir a todos os

participantes o “ser mais”, tal como compreendido por Paulo Freire.

Assim, as possibilidades da proposta de uma Educação emancipadora na formação de

educadores e intervenções em comunidades pareceu ser muito ampla. Isso foi percebido pela

própria necessidade que foi se apresentando, dos multiplicadores limitarem suas ações e

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tentarem compreender seu âmbito de atuação. De um lado se apresentou um fazer circunscrito

ao atendimento às famílias e, de outro, uma participação mais ampla e relacionada com a

cidadania e o envolvimento político e social. Nesse movimento de questionamento sobre o

alcance de seus papéis, os multiplicadores foram revelando transformações na sua disposição

e no modo de compreender e interpretar o mundo e os outros. O que se delineou foi um modo

de ser e de pensar que poderia, então, ser experienciado nos mais diferentes contextos e com

as mais diferentes amplitudes.

Quando abordo a constituição de um modo de ser, trago a apropriação, por parte dos

participantes deste projeto, de aspectos como o diálogo e o desenvolvimento de uma postura

crítica em relação às suas próprias atuações. Embora não tenha sido o objetivo do projeto, isso

permite pensar em um caráter clínico dessa intervenção no sentido de possibilitar não só o

desenvolvimento da questão educativa, mas o desenvolvimento de uma consciência de si.

Morato (2004) afirma que o termo clínica teria o sentido de inclinar-se, debruçar-se sobre.

Nesta pesquisa, os participantes se debruçaram sobre seu próprio fazer e esse movimento fez

com houvesse uma transformação para além da prática profissional. Eles foram saindo de uma

compreensão de diálogo esvaziada, em que este é tratado como convencimento, e percebendo

a necessidade de disponibilidade, escuta e respeito. Para que isso acontecesse, tiveram que

abandonar um modo autoritário e ter a coragem e humildade para essa transformação.

Foi difícil para os pesquisadores explicitarem o momento em que essa transformação

de compreensão aconteceu; visualizamos como um processo no qual apenas enxergamos a

mudança quando ela já havia acontecido. Isso dificulta delinear, neste caso, qual ou quais

foram os aspectos específicos que possibilitaram essa vivência. Talvez seja mais prudente

falar sobre o conjunto já descrito, como a relação entre o fazer e o pensar, a possibilidade de

experienciar, na formação com os pesquisadores, os conceitos apresentados teoricamente e a

compreensão de que os multiplicadores eram capazes de pensar e agir de forma crítica. Para

tanto, parece ter sido essencial a segurança do lugar de onde se fez a proposta, no sentido de

solidez das visões de homem, mundo e educação que se propunha e a abertura para modificar

os planejamentos, para ouvir o grupo e compreender o quanto deveria fazer parte do

planejamento a necessidade de modificá-lo.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro aspecto que saltou aos olhos na análise do Curso de Formação foi o

questionamento do sentido do curso explicitado nas constelações sobre as expectativas dos

participantes e pesquisadores. Esse sentido, compreendido aqui como “um modo de cuidar

dos modos de se cuidar da vida”, “um dar-se conta de ser em uma certa direção” (CRITELLI,

1996), foi sendo revisto, durante toda a formação e apresentou-se como o fundo silencioso no

qual todas as outras possibilidades foram se abrindo. Isso porque, na proposta de educação

que se ensaiava, era necessário ter um engajamento com essa questão mais ampla,

ultrapassando a visão de construir técnicas de ensino e aprendizagem e caminhar em direção

da construção de um saber.

Mas o que é o saber? Como se constituiu um saber educativo? Este estudo parece ter

revelado a complexidade envolvida nessa noção, que se acrescenta à aquisição de

conhecimento. Vimos um saber relacionado à capacidade de ficar perplexo, de trazer para a

convivência e o cotidiano o que foi aprendido. Vimos a construção de saberes educativos

apoiada em alicerces como a confiança no desejo de transformação dos participantes e a

coragem de abandonar um modo autoritário e se aventurar, para além da pratica profissional,

para conhecer a prática dialógica. A parte da confiança era importante para os pesquisadores,

pois seriam tentados, desde o início, a adotar um caminho sedutor de controle, no qual seriam

detentores do conhecimento. Se não pudesse ter sido assegurada a importância de um trabalho

dialógico, dificilmente o projeto poderia ter acontecido dessa forma. Assim, confiança nos

participantes e no fazer – rigor deste tipo de pesquisa – foi fundamental.

Diante de um processo que envolveu muito mais a incerteza e a flutuação de verdades,

verificou-se, no modo dialógico, uma possibilidade alternativa à técnica e aos “saberes

líquidos”.

Também concluiu-se como importante a proximidade entre ação e reflexão, vivenciada

por todos os envolvidos na formação. Esse aspecto revelou como essa díade permite

dimensionar o sujeito diante do saber e perceber a distância que pode envolver a compreensão

racional e um fazer prático.

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Anexos

Anexo I – Apresentação do projeto de formação de multiplicadores realizada em

26/07/2011

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Anexo II – Mapa e legenda de serviços

Disponível em:

https://maps.google.com.br/maps/ms?msid=212219792040260887109.0004be61913fedc61bb

4e&msa=0&hl=pt-

BR&ie=UTF8&t=m&vpsrc=0&z=13&ei=MTx4Ubn6KM3Ztge204C4DQ&pw=2

A seguir, as legendas do mapa:

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