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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI CENTRO DE EDUCAO SO JOS CURSO DE DIREITO NCLEO DE PRTICA JURDICA SETOR DE MONOGRAFIA

AO CIVIL PBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para obteno do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itaja

ACADMICO(A): FERNANDA COELHO DE BEM.

ALMEIDA

So Jos (SC), junho de 2004.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI CENTRO DE EDUCAO SO JOS CURSO DE DIREITO NCLEO DE PRTICA JURDICA SETOR DE MONOGRAFIA

AO CIVIL PBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Direito, sob orientao da Prof. MSc. Renata Benedet.

ACADMICO(A): FERNANDA COELHO DE BEM.

ALMEIDA

So Jos (SC), junho de 2004.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI CENTRO DE EDUCAO SUPERIOR CES VII CURSO DE DIREITO NCLEO DE PRTICA JURDICA COORDENAO DE MONOGRAFIA

AO CIVIL PBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

FERNANDA ALMEIDA COELHO DE BEM

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obteno do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itaja UNIVALI. So Jos, 08/07/04.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Prof. RENATA BENEDET - Orientadora _______________________________________________________ Prof. Luiz Magno Pinto Bastos Jnior Membro _______________________________________________________ Prof. Samuel Martins dos Santos Membro

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo apoio e compreenso com que sempre pude contar. Ao Ayrton de Souza, meu namorado e amigo, pelo incentivo nos momentos de desnimo e pela ajuda na finalizao deste trabalho. professora Renata Benedet, por ter me auxiliado na realizao desta pesquisa, conciliando as tarefas de me e professora. Ao professor Ruy Samuel Espndola, por ter compartilhado seus conhecimentos nas aulas de Direito Processual Constitucional e por sua dedicao ao magistrio. A todos aqueles que confiaram no meu trabalho e, direta ou indiretamente, contriburam para a sua realizao.

SUMRIO

RESUMO.............................................................................................................................. 6 LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................................. 7 INTRODUO.................................................................................................................... 8 1 AO CIVIL PBLICA .............................................................................................. 12 1.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E AO CIVIL PBLICA......................................... 12 1.1.1 Direitos Coletivos, Difusos e Individuais Homogneos ........................................... 17 1.2 LEGISLAO APLICVEL....................................................................................... 20 1.3 NOMEN IURIS ........................................................................................................... 22 1.4 OBJETO ....................................................................................................................... 24 1.4.1 Imediato.................................................................................................................... 24 1.4.2 Mediato..................................................................................................................... 26 1.5 LEGITIMIDADE ATIVA............................................................................................. 28 1.5.1 Ministrio Pblico .................................................................................................... 30 1.5.2 Associaes Civis ...................................................................................................... 32 1.6 COISA JULGADA ....................................................................................................... 34 1.6.1 Limites Objetivos e Subjetivos................................................................................. 35 1.6.2 O Art. 16 da LACP................................................................................................... 36 1.6.3 A Coisa Julgada no CDC ......................................................................................... 39 2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL................................. 41 2.1 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE41 2.2 ESPCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE ........................................................... 44 2.3 HISTRICO................................................................................................................. 45 2.4 CONTROLE DIFUSO .................................................................................................. 52 2.4.1 O Princpio da Reserva de Plenrio......................................................................... 53 2.4.2 Efeitos da Deciso..................................................................................................... 54 2.4.3 A Suspenso pelo Senado Federal ........................................................................... 55 2.5 CONTROLE CONCENTRADO................................................................................... 56 2.5.1 Ao Direta de Inconstitucionalidade...................................................................... 58 2.5.1.1 Efeitos da Deciso ................................................................................................... 61

2.5.2 Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso................................................ 64 2.5.2.1 Efeitos da Deciso ................................................................................................... 66 2.5.2.2 ADIn por Omisso e Mandado de Injuno ............................................................. 67 2.5.3 Ao Declaratria de Constitucionalidade.............................................................. 68 2.5.3.1 Efeitos da Deciso ................................................................................................... 71 3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AO CIVIL PBLICA ..... 73 3.1 AS CRTICAS AO CONTROLE DIFUSO NA AO CIVIL PBLICA .................... 73 3.2 A INCONSTITUCIONALIDADE COMO QUESTO INCIDENTAL ........................ 80 3.3 AO CIVIL PBLICA E AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ....... 81 3.4 A ANLISE DO CASO EM JUZO ............................................................................. 84 3.5 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ................................... 87 3.6 A AO CIVIL PBLICA COMO INSTRUMENTO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................................... 95 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 99 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................ 103

6 RESUMO

O problema investigado no presente trabalho aborda o tema ao civil pblica e controle de constitucionalidade, e consiste em saber se possvel o controle difuso de constitucionalidade na ao civil pblica, sem que haja a usurpao da competncia do Supremo Tribunal Federal para o controle abstrato de constitucionalidade. que o efeito erga omnes, prprio da ao coletiva, o mesmo das decises do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade, o que faria da ao coletiva verdadeiro substituto da ao direta. Contudo, esta no foi a concluso a que se chegou ao final do presente estudo. Isto porque o controle de constitucionalidade que se exerce na ACP o controle difuso, com todas as caractersticas inerentes a este tipo de controle, a no ser no que diz respeito coisa julgada, que em virtude da natureza dos interesses tutelados na ACP, opera-se erga omnes e no inter partes. Ocorre que, na ao civil pblica, a questo constitucional incidental, de maneira que no faz coisa julgada. A ao civil pblica e a ao direta de inconstitucionalidade so substancialmente distintas. O objeto da primeira a tutela do bem da vida tutelado pela ordem jurdica, ao contrrio do que ocorre na ao direta de inconstitucionalidade, cujo objeto a prpria declarao de inconstitucionalidade da norma, posta como questo principal. Respeitadas as diferenas entre a ACP e a ADIn, incluindo-se a, e principalmente, a finalidade de cada ao, no h que se falar em usurpao da competncia do STF. Contudo, o que pode ocorrer, na prtica, que seja proposta ao civil pblica desconectada de uma verdadeira lide, tendo como nico objeto a declarao de inconstitucionalidade de norma, caso em que se tem como evidente o desvirtuamento da ao coletiva e a usurpao da competncia do Supremo. Mas esta situao que s poder se verificar a partir da anlise do caso em juzo. A jurisprudncia do STF, nesse sentido, vem diferenciando a ao civil pblica que tenha como objeto a tutela de um interesse metaindividual da ao civil pblica que, indevidamente, tenha como nico objeto a declarao de inconstitucionalidade de texto de lei. A no ser neste ltimo caso, sempre ser possvel o controle difuso de constitucionalidade na ACP. Isto porque a ao civil pblica um importante mecanismo de efetividade das normas constitucionais.

7

LISTA DE ABREVIATURAS

ACP - ao civil pblica ADC ao declaratria de constitucionalidade ADPF argio por descumprimento de preceito fundamental ADIn ao direta de inconstitucionalidade CDC Cdigo de Defesa do Consumidor CPC Cdigo de Processo Civil CRFB/88 Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 EC Emenda Constitucional LACP Lei da Ao Civil Pblica LAP Lei da Ao Popular MP Ministrio Pblico MPF Ministrio Pblico Federal STF Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justia

8

INTRODUO

O processo civil clssico, de ndole eminentemente individualista, vem dando lugar a novas teorias processuais que buscam se adequar aos novos mecanismos de tutela coletiva, prprios da sociedade contempornea, em que os direitos pertencem no mais e somente s pessoas individualmente consideradas, mas a grupos de pessoas. E entre estes mecanismos insere-se a ao civil pblica, tambm chamada de ao coletiva, como importante e eficaz meio de acesso justia e tutela de direitos fundamentais. A ao civil pblica traz baila novas questes, ligadas principalmente aos institutos da legitimidade ativa e da coisa julgada na ACP, o que tem reclamado a ateno dos juristas e ensejado acalorados debates. Uma destas questes, objeto do presente estudo, diz respeito viabilidade do controle de constitucionalidade na ao civil pblica. Segundo o entendimento de alguns juristas, a ao coletiva no pode ser utilizada como instrumento do controle difuso de constitucionalidade, em virtude dos efeitos erga omnes da coisa julgada na ACP, prprios do controle abstrato de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Argumenta-se que tais efeitos fazem da ACP verdadeiro substituto da ao direta, havendo, no caso, usurpao da competncia do STF e desvirtuamento da prpria ao civil pblica. O tema de extrema relevncia em virtude do papel que assume hoje a ACP como meio de defesa dos direitos fundamentais e importante e eficaz meio de atuao do Ministrio Pblico na defesa dos interesses da sociedade, apesar de este no ser o nico legitimado a prop-la. Importante lembrar aqui a lio de Paulo Jos Leite Farias, para quem considerar que na ao civil pblica no pode ser tratado o tema controle de constitucionalidade, como

9 questo prejudicial, equivale a minimizar ou mesmo destruir a eficcia desse mecanismo de proteo de direitos fundamentais1. E assim, tem-se o quo perigoso o entendimento de alguns juristas que no admitem, sob qualquer hiptese, a alegao de inconstitucionalidade de lei no bojo da ao civil pblica. Mas, ao mesmo tempo, no se pode admitir tambm um desvirtuamento da ao coletiva que tenha como nico objetivo a declarao de inconstitucionalidade de uma lei, que no mais poder ser aplicada na prtica, gerando efeitos erga omnes. Convm lembrar ainda que a ACP vive perodo atribulado, em razo das investidas que sofre por parte do Poder Executivo, que por meio de medidas provisrias, vem tentando lhe restringir o mbito de abrangncia2. Com efeito, a Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, acrescentando o pargrafo nico ao art. 1 da Lei n. 7.347/85, disps que no ser cabvel ao civil pblica para veicular pretenses que envolvam tributos, contribuies previdencirias, Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS) ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficirios possam ser individualmente determinados. E o art. 16 da Lei da ACP sofreu modificao substancial com a redao que lhe foi dada pela Medida Provisria n. 1.570, de 26 de maro de 1997, convertida na Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, restringindo a coisa julgada erga omnes aos limites da competncia territorial do rgo prolator. Todavia, esse dispositivo, com a sua nova redao, vem sofrendo fortes crticas doutrinrias, deixando, muitas vezes, de ser aplicado na prtica. E tambm a Medida Provisria n. 1798/1, de 11 de fevereiro de 1999, acrescentou o dispositivo do art. 2- A j malfadada Lei n. 9.494/97, buscando seno intimidar a atuao das associaes civis no plano da tutela judicial coletiva.

1

FARIAS, Paulo Jos Leite. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade. Jornal da Associao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios. Braslia, n.16, p. 3, jan. /fev./mar. 2001. 2 Cf. S, Jos Adonis Callou de Arajo. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 146/147.

10 Por outro lado, tambm a jurisprudncia das instncias superiores do nosso Poder Judicirio vem adotando posicionamentos que restringem o mbito de abrangncia da ACP, como o caso das decises que do por ilegtimo o Ministrio Pblico para a defesa de interesses individuais homogneos. E no que diz respeito ao objeto do presente estudo, o Supremo, assim como outros tribunais ptrios, j decidiram no sentido da inadmissibilidade do uso da ACP como mecanismo de controle de constitucionalidade. O objetivo deste trabalho verificar se possvel o controle de constitucionalidade na ACP, sem que haja a usurpao da competncia do Supremo para o controle abstrato de constitucionalidade. Para tanto, utilizar-se- o mtodo indutivo, partindo-se de vrias idias e conceitos, que permitiro chegar a uma concluso geral sobre o tema. A presente monografia est estruturada em trs captulos. No primeiro deles, tratar de definir a ao civil pblica, analisar o seu objeto e os entes legitimados sua propositura, bem como os efeitos da coisa julgada na ACP. No decorrer do captulo 1, sero analisadas tambm, ainda que de forma breve, as principais discusses que envolvem o estudo do tema, enfatizando-se o regime da coisa julgada na ao coletiva, de fundamental importncia para o deslinde do problema a que se props estudar. No segundo captulo, analisar-se- a sistemtica do controle de constitucionalidade no Brasil, que de forma peculiar, prev, a um s tempo, o controle difuso e concentrado de constitucionalidade. Sero analisadas as principais caractersticas destas duas modalidades de controle, estudando-se tambm as principais aes por meio das quais o Supremo exerce o controle abstrato de normas no direito brasileiro, enfatizando-se, ainda, os diferentes efeitos das decises em sede de controle difuso e concentrado. No terceiro captulo, intitulado o controle de constitucionalidade na ao civil pblica, cerne do problema a que se props estudar, sero analisadas as crticas doutrinrias ao controle de constitucionalidade na ACP e o entendimento do Supremo Tribunal Federal

11 sobre a matria. Mais especificamente, neste terceiro captulo, sero analisadas, ainda, a questo da inconstitucionalidade como questo incidental na ao coletiva, a importncia da anlise do caso em juzo para se chegar a qualquer concluso sobre o assunto, as diferenas entre a ao civil pblica e a ao direta de inconstitucionalidade e, por fim, a ao civil pblica como instrumento do controle difuso de constitucionalidade.

12 1 AO CIVIL PBLICA

O tema ao civil pblica ser analisado neste captulo luz da teoria dos direitos fundamentais e de sua insero na ordem constitucional. Tratar-se-, primeiro, de definir a ao civil pblica e delimitar o seu objeto, comentando ainda a respeito do nome jurdico que a define e verificando qual a legislao a ela aplicvel. Na seqncia, analisar-se- a legitimidade ativa da ACP, trazendo alguns pontos especficos a respeito da legitimidade do Ministrio Pblico e das associaes civis. Ao final, ser estudado o regime da coisa julgada na ao civil pblica, de suma importncia para a resposta do problema a que se props elucidar. No decorrer deste captulo, sero analisadas, ainda que de forma breve, tambm as principais questes controversas que envolvem o estudo da ao civil pblica.

1.1

DIREITOS FUNDAMENTAIS E AO CIVIL PBLICA Na esfera terminolgica, cumpre distinguir-se a expresso direitos fundamentais de

direitos humanos e direitos do homem, expresses comumente utilizadas como sinnimas pela doutrina. Enquanto os direitos humanos so aqueles reconhecidos nos documentos internacionais, vlidos para todos os povos, os direitos fundamentais so os assim reconhecidos na ordem jurdica- constitucional de um determinado Estado. Direitos do homem, por sua vez, so aqueles que decorrem da prpria natureza humana 3. Os direitos fundamentais, na acepo hoje conhecida, como direitos de defesa dos indivduos frente ao Estado, so fruto dos movimentos revolucionrios do sculo XVIII, que deram origem ao Estado Constitucional. Por isso, a intrnseca relao entre as noes de

13 Estado de Direito, Constituio e direitos fundamentais, conforme lembra Ingo Wolfgang Sarlet, para quem tais direitos no s limitam o poder estatal, como o legitimam 4. Sobre a funo de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais, as palavras de Gilmar Ferreira Mendes:[...], enquanto direitos de defesa, os direitos fundamentais asseguram a esfera de liberdade individual contra interferncias ilegtimas do Poder Pblico, provenham elas do Executivo, do Legislativo, ou mesmo, do Judicirio. Se o Estado viola esse princpio, ento dispe o indivduo da correspondente pretenso que pode consistir, fundamentalmente, em uma: (1) pretenso de absteno (Unterlassungsanspruch); (2) pretenso de revogao (Aufhebungsanspruch), ou, ainda, em uma; (3) pretenso de anulao (Beseitigungsanspruch) 5.

Tais direitos correspondem aos conhecidos direitos fundamentais da primeira gerao, ou o que seria o termo mais adequado, dimenso, porquanto os novos direitos no excluem os anteriores. Com o passar do tempo e as mudanas das concepes do Estado, outros direitos vo sendo incorporados aos textos constitucionais, e por isso se pode falar em dimenses de direitos fundamentais, que se transformam, tanto no que diz respeito com o seu contedo, quanto no que concerne com a sua titularidade, eficcia e efetivao 6. Norberto Bobbio, j em 1951, ressaltava que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, so direitos histricos, ou seja, nascidos em certas circunstncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, no todos de uma vez e nem de uma vez por todas 7. Ainda sobre os direitos fundamentais da primeira dimenso:Os direitos da primeira gerao ou direitos da liberdade tm por titular o indivduo, so oponveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e

3 4

Nesse sentido: Jos Afonso da Silva, Ingo Wolfgang Sarlet, Jos Adonis Callou de Arajo S. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 62/63. 5 MENDES, Gilmar Ferreira Mendes. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 2 ed. So Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1999. p. 37. 6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais, p. 48/49. 7 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. 10 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.

14ostentam uma subjetividade que seu trao mais caracterstico; enfim , so direitos de resistncia ou de oposio perante o Estado 8.

So estes os direitos civis e polticos9, dos quais exemplifica-se o direito liberdade, o direito vida, igualdade perante a lei e propriedade. Mas os problemas sociais que decorreram das duas grandes guerras e da Revoluo Industrial acabaram por levar o Estado liberal decadncia, surgindo, ento, um novo modelo de Estado, o Estado Social, de cunho intervencionista, consolidando os direitos fundamentais da segunda dimenso. Nesse sentido:O impacto da industrializao e os graves problemas sociais e econmicos que a acompanharam, e as doutrinas socialistas e a constatao de que a consagrao formal de liberdade e igualdade no gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, j no decorrer do sculo XIX, gerando amplos movimentos reivindicatrios e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realizao da justia social. A nota distintiva destes direitos a sua dimenso positiva, uma vez que se cuida no mais de evitar a interveno do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulao de C. Lafer, de propiciar um direito de participar do bem - estar social 10.

So estes os direitos sociais, culturais e econmicos, que conferem ao indivduo o direito de exigir do Estado uma atuao positiva, que lhe confira o direito sade, alimentao, ao trabalho, educao e etc 11. Ingo Wolfgang Sarlet acrescenta a estes, as chamadas liberdades sociais, das quais so exemplos os direitos de sindicalizao, direito de greve, direito a frias, ao repouso semanal remunerado, entre outros direitos dos trabalhadores 12. O mesmo autor salienta que estes direitos sociais no sentido amplo da expressotm como titular o indivduo, de modo que no se confundem ainda com os direitos difusos e/ou coletivos da terceira dimenso. Ao revs, Paulo Bonavides j trata dos direitos de 2 dimenso como direitos coletivos13

, orientao que parece mais adequada, porquanto tais

8 9

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 517. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 517. 10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais, p. 51. 11 Cf. S, Jos Adonis Callou de Arajo. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade, p. 11. 12 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais, p. 52. 13 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 518.

15 direitos, ainda que preservando uma perspectiva individual, j aparecem com forte trao coletivo. Ainda que a liberdade de associao profissional ou sindical, do ponto de vista do trabalhador, possa ser considerada um direito individual, do ponto de vista da entidade, que tem assegurados, entre outros direitos, o direito autonomia estatutria e no- interveno do Poder Pblico, a liberdade de associao , sim, um direito coletivo. Tambm, o direito de greve, tpico direito fundamental de 2 dimenso, no pode ser considerado seno um direito coletivo, que representa a possibilidade de ao coletiva para a proteo e reivindicao de direitos laborais14. Os direitos fundamentais da terceira dimenso, por sua vez, so fruto de novas exigncias humanas em uma sociedade marcada pelos impactos dos avanos tecnolgicos, pelo esgotamento dos recursos naturais, por cicatrizes de graves conflitos blicos e extremas desigualdades econmicas no plano internacional 15. So direitos fundamentais da terceira dimenso, sem excluso de outros, os direitos paz, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao desenvolvimento, qualidade de vida, ao patrimnio comum da humanidade e comunicao. Segundo Bonavides, estes direitos so dotados de altssimo teor de humanismo e universalidade 16, que no buscam a proteo de interesses individuais, tendo como destinatrio primeiro o gnero humano17. Assim que os direitos fundamentais da terceira dimenso so direitos de titularidade difusa ou coletiva, qualidade que os diferem dos demais, na lio de Ingo Wolfgang Sarlet:A nota distintiva desses direitos da terceira dimenso reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminvel, o que se revela, a

14

Cf. ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. So Paulo: Saraiva, 2001. p. 176. 15 S, Jos Adonis Callou de Arajo. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade, p. 12. 16 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 523. 17 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 523.

16ttulo de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada sua dimenso individual, reclama novas tcnicas de garantia proteo18.

Se a terceira dimenso dos direitos fundamentais est ligada idia de fraternidade e solidariedade, a segunda e a primeira esto, respectivamente, ligadas noo de igualdade e liberdade19. O constitucionalista Paulo Bonavides sugere ainda uma quarta dimenso de direitos fundamentais, que seriam o resultado da globalizao desses direitos, dos quais podemos exemplificar o direito democracia direta, informao e ao pluralismo20. Todavia, estes direitos ainda no foram reconhecidos no direito positivo brasileiro e nem internacional21. Os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimenses esto consagrados na CRFB/8822

, que segundo Flvia Piovesan, valorizou a consagrao de tais

direitos, no se limitando a assegurar apenas direitos individuais, mas, sobretudo, consagrando tambm os novos direitos difusos e coletivos, em ttulo sob o nome Dos direitos e deveres individuais e coletivos 23. A autora assinala que a nossa Carta abre-se ao fenmeno da reorganizao e articulao da sociedade civil, marcado pela emergncia de novos movimentos sociais, portadores de direitos constitucionais coletivos e difusos 24. Mas estes ltimos e novos direitos no poderiam existir sem as garantias de sua efetividade, partindo-se aqui da clssica distino entre direito e garantia, sendo que esta existe sempre em face de um interesse que demanda proteo e de um perigo que se deve conjurar 25. E assim, esto consagrados na CRFB/88, as seguintes aes constitucionais de

18 19

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais, p. 52. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 516-523. 20 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 524. 21 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais, p. 55. 22 BRASIL, Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1998. 5 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 23 Cf. PIOVESAN, Flvia. A atual dimenso dos direitos difusos na Constituio de 1988. Revista da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo. So Paulo, n. 38, p. 76-88, dez. 1992. 24 PIOVESAN, Flvia. A atual dimenso dos direitos difusos na Constituio de 1988, p. 76-88. 25 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 481.

17 garantia da ordem jurdica difusa e/ou coletiva: o mandado de segurana coletivo, o mandado de injuno coletivo, a ao popular e a ao civil pblica. A ao civil pblica est prevista na CRFB/88 em seu art. 129, inciso III, entre as funes institucionais do Ministrio Pblico, e apesar de no constar em seu Ttulo II, intitulado Dos Direitos e Garantias Fundamentais, segundo a professora Renata Benedet, a ACP ao constitucional tpica:Sob o ponto de vista material, a Ao Civil Pblica est intimamente relacionada Constituio, e no apenas pela no contrariedade com as normas constitucionais, mas tambm, mais importante, por conferir eficcia e concretizao aos direitos assegurados na Constituio. Configura-se a Lei n. 7.347/85, instrumento indispensvel realizao dos Direitos Fundamentais, entre eles: do meio ambiente, do consumidor, da criana e do adolescente, dos idosos, da ordem econmica, da livre concorrncia, das pessoas portadoras de deficincias, entre outros. Pela sua indispensabilidade no ordenamento jurdico brasileiro no h de se considera- l, simplesmente, uma ao com assento constitucional, mas sim uma Ao Constitucional tpica. Mesmo que, formalmente, no esteja elencada no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, um instrumento processual que garante a realizao dos Direitos Fundamentais assegurados pela Constituio 26.

A ACP, portanto, ao constitucional tpica que visa tutelar direitos fundamentais.

1.1.1 Direitos Coletivos, Difusos e Individuais Homogneos A doutrina costuma conceituar e classificar os direitos fundamentais coletivos (latu sensu) metaindividuais ou transindividuais em coletivos, difusos e individuais

homogneos, conceituao encontrada tambm na legislao infraconstitucional, art. 81, pargrafo nico, do Cdigo de Defesa do Consumidor 27. A delimitao e o estudo de tais conceitos mostra-se relevante porque delimitam o mbito de incidncia da ao civil pblica, uma vez que os direitos/interesses tutelados pela ACP no so numerus clausus, ou seja, no so aqueles expressamente previstos pela legislao, como o caso do meio ambiente, do consumidor, patrimnio pblico e social e

26

BENEDET, Renata. A ao civil pblica como ao constitucional tpica e a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Itaja: Dissertao (Mestrado em Cincia Jurdica). Universidade do Vale do Itaja, 2002.

18 etc, mas todos os direitos que, por suas caractersticas, possam ser considerados difusos, coletivos ou individuais homogneos. Os direitos coletivos strictu sensu esto definidos no inciso II, pargrafo nico, art. 81, do CDC, como sendo os transindividuais, de natureza indivisvel de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica base. Transindividuais, porque se manifestam em razo da prpria coletividade; de natureza indivisvel, porque a satisfao de um s implica, por fora, a satisfao de todos, assim como a leso de um s implica a leso da inteira comunidade28. E a principal caracterstica destes direitos a determinabilidade dos seus sujeitos atravs da relao jurdica base que os une ou pelo vnculo que os liga parte contrria, dos quais so exemplos, respectivamente, na lio de Kazuo Watanabe, os membros de uma associao de classe e os contribuintes de um mesmo tributo 29. Sobre as caractersticas destes direitos, Antnio Hermam V. Benjamin:Tm eles o seguinte perfil: a) transindividualidade real ou essencial restrita (limitada que est ao grupo, categoria ou classe de pessoas); b) determinabilidade dos sujeitos; c)divisibilidade externa e indivisibilidade interna (possibilidade de apartar aquilo que pertence aos membros do grupo, categoria ou classe e o que domnio de sujeitos alheios; impossvel tal exerccio no contexto interior dos prprios sujeitos agregados); d) disponibilidade coletiva e indisponibilidade individual (ou seja, a associao pode, em princpio, dispor dos interesses e direitos decorrentes do associativismo, enquanto que tal possibilidade negada aos membros do grupo; e) relao jurdica base a unir os sujeitos; f) irrelevncia da unanimidade social; g)organizao tima- vivel; e h) reparabilidade indireta 30.

Os direitos difusos, por sua vez, esto definidos no inciso I, pargrafo nico, art. 81, do CDC, como sendo os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares

27

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispe sobre a proteo do consumidor e d outras providncias. Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor. Braslia: Ministrio da Justia, 2001. 28 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa, Apud. SCHFER, Gilberto. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 40. 29 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001. p. 744. 30 BENJAMIN, Antnio Herman V. A insurreio da aldeia glogal contra o processo civil clssico: apontamentos sobre a opresso e a libertao judiciais do meio ambiente e do consumidor. In MILAR, dis (Org.). Ao civil pblica: lei 7347/85 reminiscncias e reflexes aps dez anos de aplicao. So Paulo: Revista dos Tribunais. p. 70 - 151.

19 pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato. A caracterstica essencial desses direitos, que os diferencia dos direitos coletivos strictu sensu, a indeterminabilidade dos sujeitos, uma vez que no h um vnculo jurdico a agreg-los, mas circunstncias fticas, que no dizer de Ada Pellegrini Grinover, so freqentemente acidentais e mutveis, como habitar a mesma regio, consumir o mesmo produto, sujeitar-se a determinados empreendimentos 31. Caracterizando tais direitos, o mesmo autor supra citado:Na apreciao do interesse difuso resultam os seguintes traos: no plano da subjetividade ativa, a) a transindividualidade real ou essencial ampla e b) a indeterminao de seus sujeitos; na perspectiva da objetividade, c) a indivisibilidade ampla e d) a indisponibilidade; no campo relacional jurdico, e) o vnculo meramente de fato a unir os sujeitos; no mbito poltico, f) ausncia de unanimidade social, dado fundamental para apart-los do interesse pblico, e g) organizao possvel, mas sempre subotimal, trao este atribuvel a caracterstica ftica (disperso) da argamassa que une os sujeitos titulares; por derradeiro, na esfera da reparao, ressarcibilidade indireta (os sujeitos individualmente no so aquinhoados com o quantum debeatur, que vai para um fundo)32.

Os direitos individuais homogneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum, nos termos do inciso III, pargrafo nico do art. 81 do CDC, so chamados pela doutrina de acidentalmente coletivos latu sensu ou transindividuais33

. Isto porque so

metaindividuais apenas pela possibilidade de tutela coletiva e no em sua essncia. Em muito diferindo-se dos direitos coletivos e difusos, os direitos individuais homogneos so direitos tutelveis pelo processo civil tradicional, de titularidade determinada ou determinvel e objeto divisvel. Mais uma vez, sobre direitos individuais homogneos, as palavras de Antnio Herman V. Benjamin:Os interesses e direitos individuais homogneos assim se caracterizam: a) transindividualidade artificial (ou legal) e instrumental (ou pragmtica); b) determinabilidade dos sujeitos; c) divisibilidade (os benefcios aceitam fruio individual); d) disponibilidade (quando a lei no determina o contrrio); e) ncleo comum de questes de direito ou de fato a unir os sujeitos; f) irrelevncia da

31

GRINOVER, Ada Pellegrini Apud BRANDO, Paulo de Tarso. Ao civil pblica. Florianpolis: Obra Jurdica, 1996. p. 93. 32 BENJAMIN, Antnio Herman V. A insurreio da aldeia glogal contra o processo civil clssico: apontamentos sobre a opresso e a libertao judiciais do meio ambiente e do consumidor, p. 70-151. 33 Nesse sentido: Antnio Herman V. Benjamin, Jos Carlos Barbosa Moreira e Rodolfo de Camargo Mancuso.

20unanimidade social; g) organizao- tima vivel e recomendvel; e, h) reparabilidade direta, com recomposio pessoal dos bens lesados (permitindo-se, excepcionalmente, a fluid recovery)34.

O trato coletivo desses direitos criao legal, por razes de acesso justia e priorizao da eficincia e economia processuais35. Rodolfo de Camargo Mancuso, nesse sentido, afirma que o expressivo nmero de lesados inviabiliza o trato processual via litisconsrcio, principalmente em virtude do litisconsrcio facultativo recusvel, previsto no pargrafo nico do art. 46 do Cdigo de Processo Civil, e o ajuizamento de ao coletiva recomendado para prevenir eventuais decises contraditrias e evitar sobrecarga no volume do servio judicirio36.

1.2

LEGISLAO APLICVEL No ordenamento jurdico brasileiro, a ACP teve sua origem voltada para a defesa do

meio ambiente, uma vez que foi prevista, inauguralmente, pela Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispe sobre a poltica nacional do meio ambiente, ao conferir legitimidade ao Ministrio Pblico da Unio e dos Estados para propor ao de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (art. 14, 1, segunda parte)37. No mesmo ano, a ACP foi prevista tambm pela Lei Complementar n. 40, de 13 de dezembro de 1981 Lei Orgnica do Ministrio Pblico.

34

BENJAMIN, Antnio Herman V. A insurreio da aldeia global contra o processo civil clssico: apontamentos sobre a opresso e a libertao judiciais do meio ambiente e do consumidor, p. 70-151. 35 Cf. BENJAMIN, Antnio Herman V. A insurreio da aldeia global contra o processo civil clssico: apontamentos sobre a opresso e a libertao judiciais do meio ambiente e do consumidor, p. 70-151. 36 Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a legitimao do Ministrio Pblico em matria de interesses individuais homogneos. In MILAR, dis (Org.). Ao civil pblica: lei 7347/85- reminiscncias e reflexes aps dez anos de aplicao. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 438 - 450. 37 BRASIL, Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulao e aplicao, e d outra providncias. Disponvel em http/: www.planalto.gov.br. Acesso em 20 set. 2003.

21 Em 24 de julho de 1985, entrou em vigor a Lei n. 7.347/85, disciplinando a ao civil pblica38, o que pode ser considerado um verdadeiro marco da tutela coletiva no Brasil. A Lei n. 7.347/85 - Lei da Ao Civil Pblica - sofreu vrias alteraes posteriores, principalmente atravs da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Cdigo de Defesa do Consumidor - , que entre outros acrscimos, admitiu o litisconsrcio entre Ministrios Pblicos e o compromisso de ajustamento; ampliou o rol de legitimados, ao conferir legitimidade ativa s entidades e rgos da Administrao indireta, sem personalidade jurdica, destinados proteo e defesa do consumidor, para ao intentada com tal fim; possibilitou ao juiz a dispensa do requisito da pr- constituio legal das associaes, quando haja manifesto interesse social; ampliou o objeto da ACP para outros interesses difusos e coletivos, redao que havia sido vetada do projeto que deu origem Lei n. 7.347/85. A LACP e o CDC so aplicados de forma mtua e recproca, por fora do art. 21 da LACP, com redao determinada pelo art. 117 do CDC. De toda a legislao que, posteriormente Lei n. 7.347/85, veio a regulamentar a ao civil pblica, merecem referncia: Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispe sobre o apoio s pessoas portadoras de deficincia, sua integrao social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia- CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos e difusos dessas pessoas, disciplina a atuao do Ministrio Pblico, define crimes e d outras providncias; Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989, que dispe sobre a ao civil pblica de responsabilidade por danos aos investidores no mercado de valores mobilirios; Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criana e do Adolescente; Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econmica (CADE) em Autarquia, dispe sobre a

38

BRASIL, Lei 7.347/85, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ao civil pblica de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstuco e

22 preveno e a represso s infraes contra a ordem econmica e d outras providncias; Lei n. 9.008, de 21 de maro de 1995, que criou o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos- CFDD, Lei n. 10.741, de 1 de outubro de 2003, Estatuto do Idoso. Mas se houve avanos para a tutela coletiva no Brasil, houve tambm retrocessos, oriundos, principalmente, de alteraes legislativas feitas atravs de medidas provisrias. A Medida Provisria n. 1.570, de 26 de maro de 1997, convertida na Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, restringiu os efeitos erga omnes39 da sentena aos limites da competncia territorial do rgo prolator, alterando o art. 16 da LACP40

, dispositivo que tem sofrido

vrias crticas. Mais recentemente, outra investida do Poder Executivo contra a ao civil pblica foi a Medida Provisria n. 2.180, de 24 de agosto de 2001, que acrescentou o pargrafo nico ao art. 1 da LACP, vedando o uso da ao civil pblica em matria tributria. Outra infeliz alterao foi a introduzida na j mencionada Lei n. 9.494/97, atravs da Medida Provisria n. 1.798/1, de 11 de fevereiro de 1.999, que busca seno intimidar a atuao das associaes civis no plano da tutela judicial coletiva 41.

1.3

NOMEN IURIS 42 O primeiro diploma legislativo a utilizar o termo ao civil pblica foi a Lei

Complementar n. 40, de 13 de dezembro de 1981 Lei Orgnica do Ministrio Pblico-, de onde se v que a sua origem est intimamente relacionada com a atuao do parquet. Por

paisagstico (Vetado) e d outra providncias. Cdigo de Processo Civil: lei n. 5.869, de 11- 1 1973, atualizada e acompanhada de legislao complementar, smulas e ndices. 9 ed. So Paulo: Saraiva, 2003. 39 Erga omnes locuo latina que se traduz: contra todos, a respeito de todos ou em relao a todos. SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico. 17 ed. Rio de Janeiro, 2000, p. 312. 40 BRASIL, Lei 9.494, de 10 de setembro de 1997. Disciplina a aplicao da tutela antecipada contra a Fazenda Pblica, altera a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e d outra providncias. Cdigo de Processo Civil: lei n. 5.869, de 11- 1 1973, atualizada e acompanhada de legislao complementar, smulas e ndices. 9 ed. So Paulo: Saraiva, 2003. 41 Todas estas alteraes sero melhor estudadas no decorrer deste captulo, nos tpicos 1.5, que trata da coisa julgada na ao civil pblica1; 4.2, sobre o objeto mediato da ao; 1.5.2, sobre a legitimidade ativa das associaes civis.

23 isso, o nomem iuris ao civil pblica significa, no dizer de Hugo Nigro Mazzilli, ao no penal proposta pelo Ministrio Pblico43

, de onde resulta a impropriedade do termo usado

para defini-la, porquanto o Ministrio Pblico no o nico legitimado a prop-la. Rodolfo de Camargo Mancuso observa que o critrio de legitimao ativa no serve para justificar o nome ao civil pblica e o critrio objetivo, em referncia aos bens tutelados, tambm no adequado, porquanto os bens objeto da ACP no so, a rigor, pblicos. Nessa esteira, o autor conclui, tentando dar uma explicao razovel para a utilizao do nomen iuris ao civil pblica:[...] a ao da Lei n. 7.347/85 objetiva a tutela de interesses metaindividuais, de incio compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais na seqncia se agregaram os individuais homogneos (Lei 8.078/90, art. 81, III, c/c os arts. 83 e 117); de outra parte, essa ao no pblica porque o Ministrio Pblico pode promov-la, a par de outros co- legitimados, mas sim porque ela apresenta um largo espectro social de atuao, permitindo o acesso justia de certos interesses meta- individuais que, de outra forma, permaneceriam num certo limbo jurdico44.

A Lei da Ao Civil Pblica, que entrou em vigor em 1985, manteve o uso do termo, e fato que a expresso ao civ il pblica, hoje, est consagrada no meio forense. De outra banda, com mais propriedade, o CDC utilizou a denominao ao coletiva para designar a ao intentada em defesa dos interesses metaindividuais. Desta forma, como denominaremos tal ao? Hugo Nigro Mazzilli responde a questo por ele colocada nos seguintes termos: sob enfoque puramente doutrinrio, se a ao estiver sendo intentada pelo Ministrio Pblico, o mais correto ser cham-la de ao civil pblica, enquanto a ao movida por qualquer outro co- legitimado, denominar-se- ao coletiva. Por outro lado, sob ponto de vista estritamente legal, tratar-se- de ao civil pblica qualquer ao movida com base na Lei n. 7.347/85, independentemente de seu autor ser o Ministrio Pblico ou outro

42

Nomen Iuris locuo latina utilizada pela tcnica jurdica no sentido de denominao legal; assinalando, pois, o nome atribudo pela lei a qualquer fato, ato ou ao. Cf. SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico, p. 558. 43 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses. 15 ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 61. 44 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores. 8 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 18/19.

24 legitimado e tratar-se- de ao coletiva qualquer ao para a defesa de interesses metaindividuais fundada no CDC 45. Entretanto, deixando de lado as questes terminolgicas, sem importncia para o presente estudo, at mesmo porque a expresso ao civil pblica est consagrada pelo uso, utilizar-se-o, ao longo deste trabalho, as expresses ao civil pblica e ao coletiva como sinnimas.

1.4

OBJETO Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, o objeto, nas aes civis exteriorizado

atravs do pedido, que permite mltiplas formulaes: simples, cumulado, sucessivo, alternativo, eventual 46. O objeto da ao costuma ser classificado pela doutrina em imediato e mediato, representando o primeiro o tipo de prestao jurisdicional pretendida e o segundo o prprio bem da vida a ser tutelado47.

1.4.1 Imediato Para a defesa dos interesses e direitos transindividuais, nos termos do art. 83 do CDC, so admissveis todas as espcies de aes capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Ou seja, para a defesa dos direito s coletivos latu sensu admite-se qualquer tipo de ao, incluindo a as aes condenatria, cautelar, executiva, mandamental e executiva latu sensu.

45

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 61. 46 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores, p. 28. 47 Cf. S, Jos Adonis Callou de Arajo. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade, p. 103.

25 Para a proteo de interesses transindividuais, a tutela especfica da obrigao, com o retorno do bem lesado ao status quo ante sempre ser prefervel qualquer outra. Segundo Hely Lopes Meirelles:[...] a imposio judicial de fazer ou no fazer mais racional que a condenao pecuniria, porque na maioria dos casos o interesse pblico o de obstar a agresso ao meio ambiente ou obter a reparao direta e in specie do dano, do que receber qualquer quantia em dinheiro para a sua recomposio, mesmo porque quase sempre a consumao da leso ambiental irreparvel, como ocorre no desmatamento de uma floresta natural, na destruio de um bem histrico, artstico ou paisagstico, assim como no envenenamento de um manancial com a mortandade da fauna aqutica48.

O princpio aplicvel ao caso o da maior coincidncia possvel entre o direito e sua realizao 49, de forma que, ordinariamente, no se admitir a substituio da obrigao pela indenizao respectiva50. Nos termos do art. 3 da LACP, a ao civil poder ter por objeto a condenao em dinheiro ou o cumprimento de obrigao de fazer ou no fazer. Ness a esteira, o 1 do art. 84 do CDC, dispe que a converso da obrigao em perdas e danos somente ser admissvel se por elas optar o autor ou se impossvel a tutela especfica ou a obteno do resultado prtico equivalente. E buscando garantir a efetiv idade da tutela especfica, o legislador ordinrio ampliou os poderes do juiz, que poder, independentemente de requerimento do autor, cominar multa diria ao ru, desde que suficiente e compatvel com o objeto da ao, conforme dispem o art. 11 da LACP e o 4 do art. 84 do CDC. Nos casos de condenao em dinheiro e em se tratando de direitos ou interesses indivisveis, a indenizao reverter a um Fundo Federal ou Estadual a que faz referncia o art. 13 da LACP, conforme haja ou no interesse da Unio, empresa pblica federal ou

48

MEIRELLES, Hely Lopes Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores, p. 30. 49 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 772 50 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 772.

26 autarquia federal. No plano federal, a Lei n. 9.008, de 21 de maro de 1985, criou o Fundo Federal gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. A lei admite que os valores arrecadados pelo Fundo sejam usados de forma bastante flexvel, de modo que, se no utilizado para a recuperao do prprio bem lesado ou outros bens compatveis, podero ser utilizados na promoo de eventos educativos e cientficos, edio de material informativo relacionado com a leso, modernizao administrativa dos rgos pblicos responsveis envolvido 51. pela execuo da poltica relacionada com o interesse

1.4.2 Mediato Quanto ao objeto mediato, so tutelados pela ACP: a) o meio ambiente, o consumidor, o patrimnio cultural, a ordem econmica e economia popular, patrimnio pblico e social e ordem urbanstica (LACP, art. 1, incisos I a III, V, VI); b) populaes indgenas (CRFB, art. 129, V); c) portadores de deficincia (Lei n. 7853/89); d) investidores do mercado imobilirio; e) crianas e adolescentes (ECA, art. 208); f) idosos (Lei n. 10.741/03). Alm destes interesses, que contam com expressa previso legal, so tutelveis pela ao civil pblica quaisquer interesses difusos e coletivos, por fora da norma de extenso do inciso III do art. 129 da CRFB, repetida no inciso IV do art. 1 da LACP, com redao dada pelo CDC. Assim, certo que o objeto mediato da ACP o mais amplo possvel, abrangendo qualquer interesse coletivo, difuso ou individual homogneo. E apesar de esta ltima espcie de interesse metaindividual no ter sido mencionada no texto

constitucional e na LACP, por fora da integrao desta e do CDC, qualquer interesse que se caracterize como individual homogneo, no s o dos consumidores, pode ser objeto de tutela coletiva.

27 Todavia, quando o objeto da ao contrariar interesse do Governo, no ser cabvel ao civil pblica. o que dispe o pargrafo nico do art. 1 da LACP, com redao determinada pela Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001:Pargrafo nico. No ser cabvel ao civil pblica para veicular pretenses que envolvam tributos, contribuies previdencirias, o Fundo de Garantia do Tempo de Servio FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficirios podem ser individualmente determinados.

A inconstitucionalidade de tal dispositivo flagrante, por afronta ao princpio do acesso justia, num momento em que se busca, atravs da tutela coletiva, dar agilidade e eficcia s decises judiciais, efetivando os direitos fundamentais previstos em nossa Lei Maior. Nesse sentido, as palavras de Cassio Scarpinella Bueno:O dispositivo quer evitar o acesso coletivo Justia, o que permite, com uma s penada jurisdicional, ver reconhecido o direito de um sem nmero de pessoas afetadas por atos governamentais. Que tira do anonimato o indivduo e transforma-o em cidado. Que permite realizar as diretrizes constitucionais, tornando efetivas e concretas as promessas que l se l.52

E como assevera Kazuo Watanabe, para o governo lucrativo cobrar tributos inconstitucionais, porque mesmo depois de reconhecida a inconstitucionalidade, so poucas as pessoas que ingressam em juzo para receber o que lhes foi cobrado indevidamente, at mesmo porque, s vezes, a leso do ponto de vista individual pode ser insignificante, no justificando o nus de uma ao judicial53. Cassio Scarpinella Bueno salienta que, antes mesmo da edio da Medida Provisria que acrescentou o pargrafo nico ao art. 1 da LACP, a jurisprudncia j vinha caminhando para o reconhecimento da ilegitimidade do MP para ACPs em matria tributria. Mas no bastava para resguardar os interesses do Governo, pois outros entes legitimados poderiam ainda propor ao com tal objeto. Ento, o Governo Federal acabou de vez com a ACP que

51

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 393. 52 BUENO, Cassio Scarpinella. Rquiem para a ao civil pblica. Boletim dos Procuradores da Repblica. So Paulo, ano 3, n. 31, p. 3-11, nov. 2000.

28 discutia matria tributria e fundos de natureza institucional. E o fez por Medida Provisria, sem que fossem atendidos os pressupostos da relevncia e urgncia, a no ser com relao aos interesses do Governo, que perderia bilhes de reais caso julgadas procedentes as aes que discutiam correo monetria dos depsitos do FGTS correspondente a diferentes planos econmicos 54. Tambm sobre o assunto, Hugo Nigro Mazzilli:[...] como se o governante dissesse assim: como a Constituio e as leis instituram um sistema para defesa coletiva de direitos, e como esse sistema pode ser usado contra o governo, ento impeo o funcionamento desse sistema para no ser acionado em aes coletivas, onde posso perder tudo de uma s vez. Sim, o fundamento esse, pois, se, em vez da ao coletiva tiver de ser usada a ao individual, cada lesado ter de contratar individualmente um advogado para lutar em juzo. Em caso de danos dispersos na coletividade, isso s ser bom para o causador do dano, nunca para os lesados, j que, na prtica, a grande maioria dos lesados no buscar acesso individual jurisdio, diante das dificuldades prticas supervenientes (honorrios de advogados, despesas processuais, demora, pequeno valor do dano individual, decises contraditrias etc.). E com isso que contam os governantes, quando cobram emprstimos compulsrios jamais devolvidos, criam contribuies provisrias que se tornam definitivas; cobram impostos confiscatrios sobre salrios [...]55

Enfim, muito embora os direitos dos contribuintes possam ser considerados direitos coletivos, difusos ou individuais homogneos, seguindo a redao do pargrafo nico do art. 1 da LACP, no podem ser objeto de ao coletiva.

1.5

LEGITIMIDADE ATIVA Pelas regras do processo civil tradicional, de ndole individualista, tem legitimidade

para a propositura da ao o titular do direito material violado, o que se entende por legitimao ordinria. Mas quando se fala em tutela coletiva, de outro lado, diz- se que a legitimao para agir extraordinria, porquanto os entes legitimados defendem interesse

53

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 758. 54 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Rquiem para a ao civil pblica, p. 3-11. 55 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 120.

29 alheio, em nome prprio, mediante expressa autorizao legal, em regime de substituio processual. Todavia, esta no questo pacfica na doutrina, havendo juristas que entendem tratar-se de legitimao ordinria ou autnoma56. Isto porque as entidades legitimadas

estariam tambm a defender direito prprio, como por exemplo, a defesa judicial de interesses coletivos dos membros de uma associao de classe coincide com a defesa de interesse prprio da entidade, pois est em conformidade com os seus fins sociais; a defesa judicial do meio ambiente pelo Estado confunde-se com os fins gerais do prprio ente pblico 57. Por seu turno e em que pese tal argumento, Hugo Nigro Mazzili entende que h, no caso, a predominn cia do fenmeno da legitimao extraordinria ou da substituio

processual, pois esse fenmeno processual s no ocorreria se o titular da pretenso processual estivesse agindo apenas na defesa de interesse material dele prprio, por ele mesmo invocado 58. Abstraindo-se da questo pertinente natureza da legitimao ativa na ACP, puramente acadmica, esto legitimados sua propositura o Ministrio Pblico, a Unio, os Estados, os Municpios, as autarquias, as empresas pblicas, as sociedades de economia mista, as associaes civis, bem como os rgos da administrao que, mesmo sem personalidade jurdica, tenham finalidade institucional compatvel com o objeto da ao (arts. 5, LACP, 82, CDC). Trata-se de legitimao concorrente- disjuntiva, uma vez que todos os co- legitimados podem propor a ao em litisconsrcio ou isoladamente59.

56 57

Nesse sentido: Paulo de Tarso Brando, Humberto Theodoro Jnior, Nelson Nery e Rosa Nery. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p 55. 58 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 55. 59 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 251.

30 1.5.1 Ministrio Pblico Embora no seja o nico legitimado, o MP , indubitavelmente, o rgo que mais tem feito uso da ao civil pblica, aps a Lei n. 7347/85, passando de mero interveniente parte no processo civil, atuao que modificou, consideravelmente, o perfil da instituio. Segundo Jos A. C. de Arajo S, embora no haja dados estatsticos precisos, em 15 anos de vigncia da LACP, o MP exerceu quase que um monoplio na titularidade ativa das ACPs 60. Isto porque, infelizmente, a nossa sociedade civil ainda no est suficientemente organizada e voltada para a defesa dos interesses metaindividuais. Em se tratando de interesses individuais homogneos, a legitimidade do MP tem sofrido fortes crticas, no sentido de sua restrio. Tais crticas foram assim sintetizadas por Rodolfo de Camargo Mancuso:[...] a) que a CF, na parte reservada ao MP, fala em interesses difusos e coletivos, no se referindo, ao menos nomeadamente, a individuais homogneos; b)que o texto constitucional, quando legitima o MP defesa de interesses individuais, acrescenta o qualificativo indisponveis; c) que a isolada circunstncia do nmero porventura expressivo de sujeitos abrangidos num dado interesse individual homogneo no seria motivo suficiente para imprimir a nota de relevncia social espcie, de onde pudesse exsurgir a legitimao do parquet.

O mesmo autor rebate tais argumentos nos seguintes termos: a expresso utilizada no art. 129, inciso III, da CRFB, outros interesses difusos e coletivos, refere -se a todos os interesses metaindivudais, em acepo genrica; o inciso IX do mesmo art. 129 legitima o MP a exercer outras funes, desde que compatveis com sua finalidade; e a expresso individuais homogneos foi introduzida, no ordenamento jurdico brasileiro, pelo CDC, em 1990, no sendo correto dizer que a Carta Magna, em 1988, foi omissa a esse respeito61. Em se tratando de interesses individuais homogneos, a doutrina e a jurisprudncia tm caminhado no sentido do reconhecimento da legitimidade do parquet pela nota da

60 61

S, Jos Adonis Callou de Arajo. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade, p. 43. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a legitimao do Ministrio Pblico em matria de interesses individuais homogneos, p. 438-450.

31 relevncia social. Isto porque, em princpio, somente os interesses individuais indisponveis poderiam ser protegidos pelo MP. A relevncia social, por sua vez, pode ser do bem jurdico tutelado ou da prpria tutela coletiva, na lio de Kazuo Watanabe 62. Quando a ao tiver por objeto o direito educao , sade e segurana das pessoas, o MP tem legitimidade em funo da relevncia social do bem jurdico tutelado63. Mas tambm, quando h um nmero expressivo de lesados, exsurge a relevncia social da tutela coletiva, seja por razes de acesso justia, quando o dano individualmente considerado seja pequeno, desmotivando a propositura de ao individual; seja por razes de eficincia e economia processuais, evitando decises contraditrias e sobrecarga no servio judicirio. Quando no atuar como parte, o MP oficiar no processo como custus legis, por fora do disposto no 1 do art. 5 da LACP, sobpena de nulidade. Na qualidade de fiscal da lei, o MP poder exercer todos os poderes que competem s partes 64, e inclusive, manifestarse contrariamente procedncia da ao proposta por outro co- legitimado. Havendo desistncia infundada ou abandono da ao, tambm injustificado, por qualquer outro co- legitimado, o MP assumir a titularidade ativa, segundo interpretao do 3, art. 5, da LACP. Os Ministrios Pblicos da Unio e dos Estados podem atuar em litisconsrcio ativo, por fora do disposto no 5, do art. 5, da LACP, acrescentado pelo art. 113 do CDC. Tecnicamente, talvez haja uma certa impropriedade na utilizao do termo litisconsrcio entre

62

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 757. 63 A smula 7 do Ministrio Pblico Paulista prescreve o seguinte: O Ministrio Pblico est legitimado defesa de interesses individuais homogneos que tenham expresso para a coletividade, como a) os que digam respeito sade ou segurana das pessoas, ou ao acesso s crianas e adolescentes educao; b) aqueles em que haja extraordinria disperso dos lesados; c) quando convenha coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econmico, social ou jurdico. In: NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Cdigo de Processo Civil Comentado e legislao processual civil extravagante em vigor. 4 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 1564.

32 diversos rgos ministeriais, porquanto ambos fazem parte da mesma instituio, de onde seria mais correto falar-se em representao. Com efeito, justifica-se a possibilidade de litisconsrcio ministerial por ser a instituio regida pelos princpios da unidade e indivisibilidade. Segundo Nelson Nery, o titular do direito de ao o MP como instit uio, e no por seus rgos fragmentados65

. Para Rodolfo de Camargo Mancuso, a atuao

conjunta dos diferentes rgos do MP possvel e desejvel, para que se garanta a eficcia da tutela coletiva, eis que a natureza mesma dos interesses difusos ense ja que muita vez a matria no possa ficar circunscrita a limites geogrficos, nem a restries de organizao judiciria 66. Sobre a legitimao do MP, importante lembrar ainda que o parquet tem sua disposio o inqurito civil, procedimento investigatrio que permite a colheita das provas necessrias ao ajuizamento da ao. E a LACP, reconhecendo a relevncia das informaes que devem ser prestadas ao MP, tipificou penalmente a conduta daquele que recusar, retardar ou omitir dados tcnicos requisitados pelo parquet, quando indispensveis propositura da ao civil.

1.5.2 Associaes Civis A CRFB de 1988 incentiva a criao de associaes (incisos XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, do art. 5) como forma de se buscar uma sociedade mais participativa, justa e solidria67. Para a propositura de ACPs, como forma de garantir a representatividade adequada do grupo, as associaes civis devem estar legalmente constitudas h pelo menos um ano e

64

NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Cdigo de Processo Civil comentado e legislao processual civil extravagante em vigor, p. 1527. 65 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Cdigo de Processo Civil comentado e legislao processual civil extravagante em vigor, p. 1527. 66 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores, p.112. 67 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 759.

33 incluir entre seus fins institucionais a defesa dos interesses objeto da ao, caso em que ser dispensada a autorizao assemblear, por fora do inciso IV, art. 82, do CDC. A prconstituio legal, entretanto, requisito que pode ser dispensado pelo juiz em casos de manifesto interesse social evidenciado pela dimenso ou caracterstica do dano, ou relevncia do bem jurdico a ser tutelado (1, art. 82 do CDC, 4, art. 5, LACP). Estas regras valem para os sindicatos, cooperativas e todas as demais formas de associativismo68. O art. 2-A da famigerada Lei n. 9.494/97, em dispositivo acrescentado pela Medida Provisria n. 1798/1, de 11 de fevereiro de 1999, especifica outras exigncias para a

propositura de aes coletivas por associaes:Art. 2 - A. A sentena civil prolatada em ao de carter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abranger apenas os substitudos que tenham, na data da propositura da ao, domiclio no mbito da competncia territorial do rgo prolator.

Em se tratando de interesses difusos, a regra no tem aplicao, uma vez que seus titulares so indeterminados e indeterminveis, de modo que no se tem como saber onde esto domiciliados. E com relao aos interesses coletivos e individuais homogneos, segundo Ada Pellegrini Grinover, a regra ineficaz, pois o que determina o mbito de abrangncia da coisa julgada o pedido, e no a competncia. Esta nada mais do que uma relao de adequao entre o processo e o juiz 69, de modo que a competncia territorial segue as regras do art. 93 do CDC. De outro lado, Hugo Nigro Mazzilli afirma o seguinte:[...] inconstitucional a proibio de que uma entidade associativa defenda interesses transindividuais de seus associados que no tenham domiclio no mbito da competncia territorial do rgo prolator. Essa proibio equivale prpria denegao de seu acesso coletivo jurisdio ou, pelo menos, seria o mesmo que exigir a propositura de uma ao coletiva em cada comarca do pas. Isso

68

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 760. 69 GRINOVER, Ada Pellegrini. A Ao Civil Pblica Refm do Autoritarismo. Revista de Processo, So Paulo, ano 24, n. 96, p. 28-36, out./dez. 1999.

34inviabilizaria a defesa coletiva do direito, negando ao grupo lesado o efetivo acesso justia 70.

Como se j no bastasse, o Executivo ainda tentou limitar o acesso coletivo justia nos casos em que o Poder Pblico seja ru, atravs do pargrafo nico do mesmo artigo 2-A, em redao dada pela Medida Provisria n. 1798/1, de 11 de fevereiro de 1999:Pargrafo nico. Nas aes coletivas propostas contra entidades da administrao direta, autrquica e fundacional da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, a petio incial dever obrigatoriamente estar instruda com a ata da assemblia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relao nominal dos seus associados e indicao dos respectivos endereos.

Este dispositivo tambm no se aplica aos interesses difusos, em virtude da indeterminabilidade de seus titulares. Tal exigncia no tem razo de ser, a no ser conferir um privilgio ao Poder Pblico nas demandas contra o particular, em afronta ao acesso coletivo justia. Nesse diapaso, Ada Pellegrini Grinover ensina que a exigncia:[...] uma clara demonstrao de privilgio que no se coaduna com o princpio da igualdade processual, decorrente da isonomia garantida pela Contituio. No se trata de prerrogativa, que poderia se justificar em face da complexa organizao dos rgos estatais ou paraestatais e que autoriza que se tratem desigualmente os desiguais. Nenhuma facilitao da atividade defensiva surgir para o Estado dessa exigncia, que tem apenas o intuito de dificultar o acesso justia das associaes que contra ele litigam71.

Ademais, como observa Mazzilli, a legitimidade das associaes para a propositura de aes coletivas o em regime de substituio processual, e no representao, motivo pelo qual desarrazoada a exigncia de relao nominal dos associados e respectivos endereos 72.

1.6

COISA JULGADA A coisa julgada a qualidade que torna imutvel e indiscutvel73

o dispositivo da

sentena aps o seu trnsito em julgado, impedindo que a causa seja novamente apreciada

70

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses. 15 ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 236. 71 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ao civil pblica refm do autoritarismo, p. 28-36. 72 Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 236.

35 pelo juiz. No se confunde a coisa julgada com os efeitos da sentena, que tm eficcia desde o momento em que a deciso prolatada. No dizer de Liebman, a autoridade da coisa julgada no efeito da sentena, como postula a doutrina unnime, mas sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da prpria sentena, algo que a esses efeitos se ajunta para qualific-los e refor-los em sentido bem determinado 74. Aos efeitos da sentena, que em regra so declaratrios, constitutivos e condenatrios, soma-se, em determinadas circunstncias, a qualidade da coisa julgada, que representa a imutabilidade, a intangibilidade e a incontestabilidade da sentena75. A imutabilidade dos efeitos da sentena, a que chamamos de coisa julgada, uma necessidade poltica, que deve ser entendida como uma tcnica vo ltada a garantir a estabilidade das relaes jurdicas 76. De fato, os litgios no podem se perpetuar eternamente, sob pena de se instalar o caos social.

1.6.1 Limites Objetivos e Subjetivos Os limites objetivos da coisa julgada so determinados pelo dispositivo, de modo que as questes prejudiciais, os motivos da sentena e a verdade dos fatos estabelecida como fundamento no fazem coisa julgada, nos termos do art. 469 e seus incisos do CPC. Quanto aos limites subjetivos, a regra do processo civil tradicional que a coisa julgada alcana apenas as partes do processo, no prejudicando nem beneficiando terceiros. Mas em se tratando de aes coletivas, tendo em vista a natureza e as caractersticas dos direitos tutelados, a coisa julgada apresenta traos muito peculiares, que a distingue

73

NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Cdigo de Processo Civil comentado e legislao processual civil extravagante em vigor, p. 1539. 74 LIEBMAN, Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores, p. 289. 75 MIRRA, lvaro Luiz Valery. A Coisa Julgada nas Aes para a Tutela de Interesses Difusos. Revista dos Tribunais. So Paulo, ano 77, vol. 631, p. 71-82, maio 1988. 76 S, Jos Adonis Callou de Arajo. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade, p. 120.

36 substancialmente da coisa julgada nas aes individuais, prprias de uma teoria processual classicamente individualista, como veremos a seguir. Regra geral, da aplicao conjunta da LACP e do CDC, a ao civil pblica faz coisa julgada erga omnes, desde que o processo no tenha sido julgado improcedente por insuficincia de provas.

1.6.2 O Art. 16 da LACP Seguindo a mesma regra j prevista no art. 18 da Lei n. 4717/65, Lei da Ao Popular, o art. 16 da LACP adotou o sistema da coisa julgada erga omnes secundum eventm litis, o que significa dizer que a ao civil pblica faz coisa julgada contra todos, a no ser quando tiver sido julgada improcedente por falta de provas. Mantendo a regra da coisa julgada segundo o resultado do litgio, o art. 2 da Lei n. 9.494/97, com o intuito de restringir os efeitos erga omnes da sentena coletiva, alterou o art. 16 da LACP, que passou a vigorar com a seguinte redao:Art. 16. A sentena civil far coisa julgada erga omnes, nos limites da competncia territorial do rgo prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficincia de provas, hiptese em que qualquer legitimado poder intentar outra ao com idntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Tal dispositivo objeto de fortes crticas doutrinrias porque, nas palavras de Gilberto Schfer, foi decorrente de razes de governo, especialmente o pagamento de parcelas devidas a funcionrios pblicos e correo monetria do FGTS 77. Com efeito, tratase de modificao operada pelo Presidente da Repblica atravs da Medida Provisria n. 1570, de 26.03.1997, que deu origem famigerada Lei n. 9.494/97, em matria que no se verifica o requisito constitucional da urgncia, para que o Executivo possa, excepcionalmente, legislar atravs de medidas provisrias. Segundo Nelson Nery e Rosa Nery, a nova redao do art. 16 da LACP :

37Inconstitucional por ferir os princpios do direito de ao (CF 5, XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da Repblica a editou, por meio de medida provisria, sem que houvesse autorizao constitucional para tanto, pois no havia urgncia ( o texto anterior vigorava h doze anos, sem oposio ou impugnao) , nem relevncia, requisitos exigidos pela CF 62 caput 78.

Para Ada Pellegrini Grinover, o Executivo, seguido do Legislativo, equivocou-se pela inteno e incompetncia:Em primeiro lugar pecou pela inteno. Limitar a abrangncia da coisa julgada nas aes civis pblicas significa multiplicar demandas, o que, de um lado, contraria toda a filosofia dos processos coletivos, destinados justamente a resolver molecularmente os conflitos de interesses, ao invs de atomiz- los e pulveriz-los; e de outro lado, contribui para a multiplicao de processos, a sobrecarregarem os tribunais, exigindo mltiplas respostas jurisdicionais quando uma s poderia ser suficiente. No momento em que o sistema brasileiro busca sada at nos precedentes vinculantes, o menos que se pode dizer do esforo redutivo do Executivo que vai na contramo da histria. Em segundo lugar, pecou pela incompetncia. Desconhecendo a interao entre a Lei da Ao Civil Pblica e o Cdigo de Defesa do Consumidor, assim como muitos dos dispositivos deste, acreditou que seria suficiente modificar o art. 16 da Lei 7.347/85 para resolver o problema. No que se enganou redondamente. Na verdade, o acrscimo introduzido ao art. 16 da LACP ineficaz 79.

Como j se afirmou supra, a LACP e o CDC, em tema de tutela coletiva, so aplicados de forma integrada, de modo que a alterao do art. 16 da LACP, sem a alterao da disciplina da coisa julgada no CDC, resta inoperante. E quando se tentou restringir o mbito da coisa julgada ao limite da competncia territorial do rgo prolator, esqueceu-se que esta pode ser local, regional ou nacional, nos termos do art. 93 do CDC, aplicvel a qualquer tipo de interesse coletivo latu sensu. Tambm por este motivo, ineficaz a nova redao do mencionado dispositivo80. A alterao do art. 16 trouxe consigo impropriedades tcnicas, que resultam da confuso feita entre institutos jurdicos diversos. Uma coisa so os limites subjetivos da coisa julgada, que diz respeito s pessoas atingidas pelo decisium. Outra coisa a competncia do

77 78

SCHFER, Gilberto. Ao civil pblica e controle de constitucionalidade, p. 57. NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Cdigo de Processo Civil comentado e legislao processual civil extravagante em vigor, p. 1540/1541. 79 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ao civil pblica refm do autoritarismo, p. 28-36. 80 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ao civil pblica refm do autoritarismo, p. 28-36.

38 juzo, que nada mais do que uma relao de adequao entre o processo e o juiz 81. Na lio de Nery e Nery, confundir tais institutos leva ao equvoco de se imaginar que um casal divorciado no estado de So Paulo possa continuar casado nos outros estados da Federao82. Na verdade, o que delimita a abrangncia da coisa julgada o pedido e no a competncia. Do pedido, exterioriza-se o prprio objeto da ao, que representa, em mediato, o bem da vida a ser tutelado. Assim, se o dano de abrangncia nacional ou regional, tambm dever o ser a abrangncia da coisa julgada na ao coletiva. Nessa esteira, Rodolfo de Camargo Mancuso exemplifica casos em que a delimitao da coisa julgada nos termos do novo art. 16 acabaria por destituir de eficcia a prpria tutela coletiva:[...] se o pedido numa ao civil pblica em curso perante juiz competente (Lei 7347/85, art. 2, c/c CDC, art. 93) que se interdite a fabricao de medicamento tido como nocivo sade humana, a resposta judiciria (inclusive como liminar) no pode, a nosso ver, sofrer condicionamento geogrfico, seja porque no caberia falar numa sade paulista , distinta de uma sade gacha, seja porque, de outro modo, se teria que admitir a virtualidade de outra ao coletiva concomitante, em outra sede, ao risco da prolao de julgados porventura contraditrios, gerando caos e perplexidade. [...] No campo ambiental, suponha-se uma ao civil pblica onde se pede a interdio do uso de mercrio no garimpo de ouro, atividade realizada ao longo de um rio que atravessa dois Estados; figure-se, ainda, que essa ao vem proposta no Estado banhado pelo trecho do rio que est a jusante: de que modo poderia a deciso judicial que acolhe a ao ser realmente eficaz, se os seus efeitos prticos ficassem circunscritos aos limites territoriais do Juzo prolator da deciso? No exemplo, nenhuma eficcia muito menos erga omnes teria a coisa julgada, porque o inquinamento do rio, continuaria ocorrendo no Estado banhado pelo trecho do rio postado a montante, e da desceria at alcanar e poluir o trecho do rio situado a jusante, supostamente protegido pela coisa julgada83.

Segundo o mesmo autor, quando os titulares dos direitos so sujeitos indeterminados e o objeto , no mais das vezes, indivisvel, o critrio de delimitao da coisa julgada deve atentar pa ra a projeo social do interesse metaindividual de que se trata 84. Na prtica, a norma do art. 16 da LACP tem sido rechaada por alguns julgados85.

81 82

GRINOVER, Ada Pellegrini. A ao civil pblica refm do autoritarismo, p. 28-36. Cf. NERY, Nelson Jr., NERY, Rosa Maria Andrade. Cdigo de Processo Civil Comentado e legislao processual civil extravagante em vigor, p. 1540/1541. 83 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores, p. 296/297. 84 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores, p. 296.

39 1.6.3 A Coisa Julgada no CDC O CDC, em seu artigo 103, estabeleceu um modelo tripartite para a coisa julgada nas aes coletivas, segundo a categoria de interesse metaindividual a ser tutelado, disciplinando o assunto de forma mais detalhada e coerente do que a disciplina da LACP. Em se tratando de interesses difusos e coletivos, o CDC manteve a regra da coisa julgada secundum eventum litis, j prevista na LACP e na LAP, o que significa que no se formar a coisa julgada quando a ao for julgada improcedente por falta de provas, hiptese em que outra ao poder ser proposta por qualquer legitimado, desde que munido de nova prova. A coisa julgada ser erga omnes, no caso de interesses difusos, ou seja, valer para todo o grupo social, e ultra partes, no caso de interesses coletivos, o que significa que a coisa julgada abranger apenas o grupo, classe ou categoria de pessoas atingidas, ligadas entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica base. Quando uma entidade associativa prope ao para defesa de seus filiados, a sentena de procedncia a todos abranger, ainda que alguns no tenham dado autorizao expressa. De outro lado, importante lembrar que o julgado ultra partes, em algumas situaes, tendo em vista a prpria indivisibilidade do objeto, estender os efeitos da sentena a todos os lesados, ainda que no associados entidade autora86. Os efeitos erga omnes ou ultra partes da coisa julgada no atingiro o direito de ao individual, do qual podero valer-se todos os lesados, ainda que a ao coletiva tenha sido julgada improcedente, conforme dispe o 1 do mencionado art. 103.

85

No julgamento da Apelao Cvel n. 235858 do Tribunal Regional Federal da 4 Regio, a Juza Relatora Maria Lcia Luz Leiria consignou que: Na ao coletiva, a extenso e os limites da coisa julgada so informados pelo pedido e no pela competncia. BRASIL, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4 REGIO (Quinta Turma). Apelao Cvel n. 235858. Relator (a) Juza Maria Lcia Luz Leiria. J. 11 set. 2000. Disponvel em http:/www.cjf.gov.br. Acesso em 10 set. 2003. 86 GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 856/857.

40 Seguindo as regras da coisa julgada para interesses difusos e coletivos, pode-se visualizar trs situaes distintas: a) se o pedido for julgado procedente, haver coisa julgada erga omnes ou ultra partes, beneficiando, inclusive, os sujeitos individualmente considerados; b) se o pedido for julgado improcedente pelo mrito, haver coisa julgada, que abranger todos os legitimados ao civil pblica, no afastando, todavia, a possibilidade de aes individuais; c) se o pedido for julgado improcedente por falta de provas, no haver coisa julgada, podendo qualquer legitimado intentar outra ao coletiva, com mesmo fundamento, desde que imbudo de nova prova 87. Em se tratando de interesses individuais homogneos, a imutabilidade da sentena ser erga omnes, apenas quando o pedido for julgado procedente, o que a doutrina tem chamado de coisa julgada in utilibus. Se procedente o pedido da ACP, as vtimas e seus sucessores, individualmente considerados, podero proceder a liquidao e execuo da sentena, segundo as disposies do CDC, valendo-se do resultado favorvel. Entretanto, se o pedido da ACP for julgado improcedente, a coisa julgada no lhes prejudicar, segundo dispe o 3, do art. 103, do CDC. Seguindo as regras da coisa julgada para os interesses individuais homogneos, pode-se visualizar duas situaes: a) se a ACP for julgada improcedente, no prejudicar o direito de ao individual; b) se a ACP for julgada procedente, por uma questo de economia processual, as vtimas e seus sucessores sero beneficiados pela deciso, devendo apenas promover a liquidao e execuo da sentena, sem a necessidade do processo de conhecimento88.

87

Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 855/856. 88 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 855/856.

41 2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

O controle de constitucionalidade no Brasil segue um sistema muito particular, em virtude da existncia conjunta dos sistemas de controle difuso e concentrado, que sero estudados neste captulo. Mas antes de se estudar tais sistemas, como no poderia deixar de ser, buscar-se- compreender o significado do controle de constitucionalidade, diretamente ligado idia de supremacia constitucional, em tpico no qual se introduzir o estudo do tema no Brasil. Na seqncia, sero analisadas as principais espcies de inconstitucionalidade e um histrico do controle de constitucionalidade nas constituies brasileiras, a fim de se entender como o pas adotou os dois sistemas de controle. Sobre o controle difuso, sero analisadas as suas principais caractersticas e os efeitos de suas decises. Tambm, no que diz respeito ao controle concentrado, sero estudadas as suas principais caractersticas e as aes por meio das quais exercido, bem como os efeitos de suas decises.

2.1

SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE A idia de supremacia constitucional est ligada prpria idia de constituio,

enquanto norma fundamental do Estado de Direito. Jos Afonso da Silva, aps indicar variados conceitos da palavra constituio, conclui que:A constituio do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, ento, a organizao dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurdicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisio e o exerccio do poder, o estabelecimento de seus rgos, os limites de sua ao, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em

42sntese, a constituio o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado 89.

A seu turno, Lus Roberto Barroso ressalta que a constituio o primeiro documento do Estado, dando origem a este e estando acima de todas as demais normas produzidas por este mesmo Estado:A Constituio , tanto do ponto de vista cronolgico como do ponto de vista hierrquico, o primeiro documento do Estado. Cronologicamente, porque a Constituio que cria ou recria um Estado, constituindo o marco inaugural da ordem jurdica. Hierarquicamente, porque desfruta de superioridade jurdica em relao a todas as outras normas. A Constituio dotada de um atributo que lhe peculiar e que rege todo o processo de interpretao constitucional: a hierarquia90.

No pice do ordenamento jurdico, a superioridade da constituio impe a observncia de todos os seus preceitos, legitimando e limitando o poder estatal e garantindo os direitos fundamentais nela consagrados. O princpio da supremacia constitucional prprio das constituies rgidas, ou seja, daquelas que prevm um procedimento legislativo mais dificultoso para a sua modificao do que o procedimento previsto para as leis ordinrias. No ponto, Jos Afonso da Silva:A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificao do que para a alterao das demais normas jurdicas da ordenao estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqncia, o princpio da supremacia da constituio que, no dizer de Pinto Ferreira, reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifcio do moderno direito poltico. Significa que a constituio se coloca no vrtice do sistema jurdico do pas, a que confere validade, e que todos os poderes estatais so legtimos na medida em que ela os reconhea a na proporo por ela distribudos. , enfim, a lei suprema do Estado, pois nela que se encontram a prpria estruturao deste e a organizao de seus rgos; nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e s nisso se notar sua superioridade em relao s demais normas jurdicas91.

Assim, o controle de constitucionalidade busca garantir e tornar efetiva a supremacia da Constituio. O controle de constitucionalidade ou a fiscalizao de constitucionalidade, como prefere Clmersom Merlin Clve, o principal mecanismo de defesa ou de garantia da

89 90

SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 18 ed. So Paulo: Malheiros, 2000. p. 39/40. BARROSO, Lus Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. In SARMENTO, Daniel (Org.). O controle de constitucionalidade e a lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2001. p. 233 268. 91 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 47.

43 Constituio 92, tendo como objetivo a censura dos atos normativos contrrios aos ditames constitucionais. Segundo Alexandre de Moraes, controlar a c onstitucionalidade significa verificar a adequao (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituio, verificando seus requisitos formais e materiais 93. No Brasil, o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judicirio, o que significa afirmar que o pas adotou o modelo jurisdicional de controle, em contraposio ao modelo poltico, que exercido, como o prprio nome j diz, por um rgo poltico, normalmente ligado ao Poder Legislativo 94. Mas o modelo jurisdicional de controle, que a regra no Brasil, comporta algumas excees, por meio das quais se pode afirmar que h tambm mecanismos de controle poltico no pas. Quanto ao sistema de controle exercido pelo Judicirio, o Brasil segue um modelo em muito peculiar, cara cterizando-se pelo fato de ser um controle ecltico 95, uma vez que se processa por duas vias: de exceo ou difusa, e por via de ao ou concentrada. Estes dois mecanismos formam o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, que um misto dos sistemas de controle adotado nos Estados Unidos e na ustria.

92

CLVE, Clmerson Merlin. A fiscalizao abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 34. 93 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. So Paulo: Atlas, 2000, p. 555. 94 Cf. BARROSO, Lus Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, p. 233 268. 95 BARROSO, Lus Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, p. 233 268.

44 2.2 ESPCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE A inconstitucionalidade decorre de um comportamento positivo ou negativo do Poder Pblico contrrio Constituio, dando origem a duas espcies de

inconstitucionalidade, por ao ou omisso, respectivamente. A inconstitucionalidade por ao decorre da prtica de atos legislativos que contrariem normas ou princpios da constituio e pode se manifestar sob dois aspectos: formal ou material96. H inconstitucionalidade formal quando a norma inferior no observa o procedimento legislativo previsto na Lei Maior para sua criao. Paulo Bonavides ensina que o controle de constitucionalidade formal:Confere ao rgo que o exerce a competncia de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituio, se houve correta observncia das formas estatudas, se a regra normativa no fere uma competncia deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinrio no contravm preceitos constitucionais pertinentes organizao tcnica dos poderes ou s relaes horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como si acontecer nos sistemas de organizao federativa do Estado97.

A inconstitucionalidade material, de outro lado, ocorre quando h uma afronta ao contedo mesmo da norma constitucional. E mais uma vez, utilizando as palavras do ilustre jurista, o controle material de constitucionalidade desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competncia com que decidir sobre o teor e a matria da regra jurdica, busca acomod-la aos cnones da Constituio, ao seu esprito, sua filosofia, aos seus princpios polticos fundamentais 98. No captulo 1, transcreveu-se lio de Nelson Nery e Rosa Nery sobre a

inconstitucionalidade da Medida Provisria n. 1570,