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1 FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ JEAN PIERRE COUSSEAU A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO PENAL E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO CURITIBA 2008

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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

JEAN PIERRE COUSSEAU

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO PENAL E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

CURITIBA2008

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JEAN PIERRE COUSSEAU

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO PENAL E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Monografia apresentada a Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná - FEMPAR, como requisito parcial à obtenção de título de Especialista em Direito. Professor Orientador Dr. Marcelo Lebre Cruz

CURITIBA2008

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3TERMO DE APROVAÇÃO

JEAN PIERRE COUSSEAU

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO PENAL E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista no curso de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Marcelo Lebre Cruz.

_____________________________

Prof. Dr. Marcelo Lebre Cruz

Orientador

Curitiba, 20 de janeiro de 2009.

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4SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................. 5INTRODUÇÃO........................................................................................................ 61 DA EXECUÇÃO PENAL.................................................................................... 81.1 DENOMINAÇÃO DO INSTITUTO.................................................................. 81.2 NATUREZA JURÍDICA..................................................................................... 81.3 CONCEITO E OBJETIVO DA EXECUÇÃO PENAL...................................... 101.4 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA EXECUÇÃO PENAL............................ 111.4.1 Legalidade......................................................................................................... 111.4.2 Devido Processo Legal / Ampla Defesa e Contraditório.................................. 131.4.3 Isonomia / Igualdade........................................................................................ 141.4.4 Individualização da Pena.................................................................................. 151.4.5 Humanização da Pena...................................................................................... 162 DO MINISTÉRIO PÚBLICO............................................................................. 182.1 IMPORTÂNCIA / CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES................................... 182.2 FUNÇÃO NO PROCESSO E EXECUÇÃO PENAL ….................................... 192.3 ATUAÇÃO DO MP NA EXECUÇÃO PENAL................................................. 212.4 DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO............................................. 233 DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO............................................ 263.1 ORIGEM............................................................................................................. 263.2 FINALIDADE .................................................................................................... 283.3 CARACTERÍSTICAS......................................................................................... 293.4 CONSTITUCIONALIDADE DO RDD............................................................. 323.5 PROCEDIMENTOS............................................................................................ 343.6 DA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO...................................... 35CONCLUSÃO.......................................................................................................... 38REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 40

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5RESUMO

A Execução Penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. A Lei de Execução Penal Brasileira n.° 7.210 de 1984 é considerada uma norma moderna e com interessantes propósitos se efetivamente implementada. Para tanto, como toda outra Lei, precisa seguir os princípios fundamentais da nossa Constituição Federal de 1988 para que sua finalidade seja plenamente realizada de acordo com nosso Estado Democrático Constitucional de Direito. Assim, dado a relevância deste instituto, se faz necessário à intervenção do Ministério Público em todas as fases da Execução Penal, justificando a sua característica de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, assim como a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis conforme assegura o art.127 do CF\88. No ano de 2003 a Lei de Execução Penal foi alterada pela Lei 10.792 que previu uma nova sanção que é o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD. Tal norma foi concebida para atender às necessidades de maior segurança nos estabelecimentos penais e de defesa da ordem pública contra criminosos que, por serem líderes ou integrantes de facções criminosas, são responsáveis por constantes rebeliões e fugas ou permanecem, mesmo encarcerados, comandando ou participando de quadrilhas ou organizações criminosas atuantes no interior do sistema prisional e no meio social. Desta forma, aumentou ainda mais a responsabilidade do Ministério Público na adequada atuação e fiscalização na execução da pena em nosso sistema penal.

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6INTRODUÇÃO

A Lei de Execução Penal tem como finalidade principal fazer com que o preso,

condenado, provisório ou até mesmo o internado, cumpra com as determinações

judiciais a fim de se regenerar e se integrar novamente à sociedade de forma pacífica.

Neste sentido, a aplicação dos princípios Constitucionais é crucial para efetivar

as disposições do sujeito à submissão à execução da pena. Portanto serão analisados

alguns dos princípios cruciais que se aplicam na Execução Penal.

A Execução Penal talvez seja a mais importante fase do direito penal, por sua

conseqüência para a sociedade, haja vista que serão testados a efetividade do ius

puniendi ou o direito de punir do Estado, cuja sociedade o legitimou para isto, bem

como, será avaliada a capacidade do condenado ou internado de voltar a integrar a

sociedade pacificamente.

E neste momento aparece a importância do Ministério Público em nossa

sociedade, pois este órgão tem a incumbência e a responsabilidade de intervir em todas

as medidas da Execução Penal para que esta possa atingir seus fins. Por isso

analisaremos suas funções, características e atuações para o adequado cumprimento da

Execução da Pena.

Apesar da Lei n.º 7210/84 ter sido muito bem elaborada, ela teve que ser

alterada no ano de 2003, devido à precária efetividade do sistema penal brasileiro

aliada com a evolução da criminalidade, através da publicação da Lei 10.792 que

disciplinou o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, cujo intuito foi melhorar a

segurança pública da sociedade que sofre a influência de presos integrantes de facções

criminosas atuantes dentro dos presídios.

Sendo assim, foi introduzido na Lei de Execução Penal mais uma modalidade

de sanção disciplinar, bem mais rigorosa, com previsão de isolamento e restrições com

o contato com o mundo exterior.

Esta nova sanção disciplinar mais dura, trouxe muitos questionamentos sobre

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7sua legitimidade e validade frente a nossa Constituição Federal de 1988, surgindo

várias decisões judiciais em nossos Tribunais voltando-se para sua

Constitucionalidade.

Destarte, neste trabalho será analisado todas estas particularidades, bem como

as características e procedimentos do Regime Disciplinar Diferenciado e o papel do

Ministério Público na implementação desta sanção.

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8.1 EXECUÇÃO PENAL

1.1 DENOMINAÇÃO DO INSTITUTO

O Poder Constituinte se referiu à Execução Penal como Direito Penitenciário

(art.24, inciso I da CF/88). Sidio Rosa de MESQUITA JÚNIOR prefere a denominação

de Direito de Execução Criminal como gênero da espécie Direito Penitenciário,

justificando que o primeiro é a ciência que estuda o conjunto de normas relativas à

execução de todas penas e medidas de segurança, enquanto a segunda é o conjunto de

normas jurídicas concernentes ao tratamento penitenciário.1

O legislador ordinário, utilizando-a na exposição de motivos da Lei 7.210/84,

preferiu a denominação de Direito de Execução Penal, encontrando amparo na

doutrina no emprego do termo.

Por fim, Renato Flávio MARCÃO, expõe que o direito da Execução Penal tem

maior amplitude em relação ao Direito Penitenciário, sendo que o primeiro é o

conjunto das normas jurídicas referente à execução da todas as penas, já o segundo

preocupa-se unicamente com o tratamento dos presos, buscando o aperfeiçoamento

das leis que ordenam a convivência na prisão, para melhorar a vida interna dos

reclusos.2

Destarte, neste trabalho será usada a denominação Direito de Execução Penal,

acompanhando a doutrina majoritária.

1.2 NATUREZA JURÍDICA

Primeiramente, cumpre salientar que o pressuposto para a Execução Penal é a

1MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa de. Manual de Execução Penal: Teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2003, p.20.

2MARCÃO, Renato Flávio. Lei de execução penal comentada. São Paulo: Saraiva, 2001, p.5.

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9existência de título executivo judicial e a capacidade de sujeição do sentenciado.

Assim, conforme expõe Renato Flávio MARCÃO:

Decorrendo de sentença ou decisão criminal de ação penal pública, condicionada ou incondicionada, ou mesmo de ação penal privada, em qualquer de suas modalidades, a execução será sempre de natureza pública. Exeqüente será sempre o estado, procedendo o juiz ex officio, após a formação do título, determinando a expedição da guia para cumprimento da pena ou da medida de segurança (arts.105 e 171 da LEP).3

A natureza jurídica da Execução Penal alcança principalmente a matéria penal e

processo penal, e de forma branda o direito administrativo. Frederico MARQUES

ensina que as regras de ordem processual predominam, sustentando que não se pode

considerar a regulamentação jurídico-carcerária como segmento do direito

administrativo.4

Paulo Lúcio NOGUEIRA, por sua vez, entende que “a execução penal é de

natureza mista, complexa e eclética, no sentido de que certas normas da execução

pertencem ao direito processual, como a solução de incidentes, enquanto outras que

regulam a execução propriamente dita pertencem ao direito administrativo”.5

Guilherme de Souza NUCCI, expõe da seguinte forma a natureza jurídica da

execução penal:

É processo jurisdicional, cuja finalidade é tornar efetiva a pretensão punitiva do Estado, envolvendo, ainda, atividade administrativa. O entroncamento destas atividades ocorre porque o Judiciário é o órgão encarregado de proferir os comandos pertinentes à execução da pena, embora o efetivo cumprimento se dê em estabelecimento administrativo e sob a responsabilidade do Executivo. É certo que o juiz é o corregedor do presídio, mas sua atividade fiscalizatória não supre o aspecto de autonomia administrativa plena de que gozam os presídios no Estado, bem como os hospitais de custódia e tratamento.6

Por fim, Ada Pellegrini GRINOVER ensina que na verdade, não se nega que a

3 Idem.

4MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997, p.36.v.1.

5NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996, p.5-6.

6NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: RT, 2005, p.917-918.

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10Execução Penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos

jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois

Poderes estaduais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos

órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais.7

Baseando-se na Lei de Execução Penal (art.61 e seguintes) a atividade

administrativa, subordinada ao Poder Executivo, é exercida pelo Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária (Federal), pelo Conselho Penitenciário (Estadual) e

pelos Departamentos Penitenciários (Federal, Estadual e Municipal), Patronato e

Conselho da Comunidade.

Enquanto a atividade jurisdicional é concretizada pelo Poder Judiciário,

especialmente pelo juízo da execução. Destacando-se, também, a importante

participação do Ministério Público, órgão autônomo e independente que será analisada

oportunamente. Outrossim, para melhor compreender a finalidade da Execução Penal,

é necessário à análise do conceito e objetivos da mesma.

1.3 CONCEITO E OBJETIVO DA EXECUÇÃO PENAL

Guilherme de Souza NUCCI, quanto ao conceito “diz que se trata da fase do

processo penal, em que se faz valer o comando contido na sentença condenatória

penal, impondo-se, efetivamente, a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de

direitos ou a pecuniária.”8

Quanto ao objetivo complementa expondo que:

Não se pode pretender desvincular da pena o seu evidente objetivo de castigar quem cometeu um crime, cumprindo, pois, a meta do Estado de chamar a si o monopólio da punição, impedindo-se a vingança privada e suas desastrosas conseqüências, mas também contentando o inconsciente coletivo da sociedade em busca de justiça cada vez que se depara com a lesão a bem jurídico tutelado pelo direito penal.9 7GRINOVER. Ada Pellegrini. Execução Penal. São Paulo: Max Limonad, 1987, p. 7.

8NUCCI, Guilherme de Souza. Op.Cit., p.918.

9 Idem.

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11Esta ideologia foi implementada em 1984 com a Lei de Execução Penal.10

Nota-se, que o art.1° da Lei 7.210/84, reza que a Execução Penal tem por

objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar

condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Destarte, umas das principais finalidades do cumprimento da pena é

ressocializar, recuperar ou educar o condenado para que não volte a cometer outros

crimes.

Tratando-se do objeto da Execução Penal, Julio Fabbrini MIRABETE expõe

que a lei 7.210/84 além de tentar proporcionar condições para a harmônica integração

social do preso ou do internado, procura-se no diploma legal não só cuidar do sujeito

passivo da execução, como também da defesa social.11

Destarte, a Lei de Execução Penal adotou a teoria mista, em que a natureza

retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Visa-

se por meio da execução punir e humanizar.12

Portanto, dado à noção inicial e o objetivo da Execução Penal, importante será

analisar alguns princípios fundamentais para a correta aplicação deste instituto.

1.4 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA EXECUÇÃO PENAL

1.4.1 Legalidade

10“Com a reforma de 1984 (LEP, Lei n.° 7.210/84), a ideologia implementada para a execução penal previu a prevenção do crime e tratamento do delinqüente, bem ao estilo do movimento da Nova Defesa Social. A política de ressocialização, núcleo desse modelo, atuou como norte teleológico na reforma dos estatutos legais (função político-criminal), na inclusão das avaliações sobre a personalidade do delinqüente (função dogmática e criminológica) e na organização de um sistema reeducativo na execução penal (função penalógica).” CAVALCANTI.Eduardo M. O Ministério Público na Execução Penal. In: CARVALHO. Salo de. (Org.) Crítica a Execução Penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002, p.419-441.

11MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: Comentários a Lei 7210/84. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.28.

12MARCÃO, Renato Flávio. Op. cit., p.3.

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12Primeiramente, frisa-se que cabe a união, privativamente, a competência para

legislar em matéria de Execução Penal, quando as regras forem na esfera penal ou

processual penal, podendo lei complementar autorizar os Estados a legislar sobre

questões específicas desta matéria (art.22, I CF).

Quando houver matéria de direito penitenciário, vinculado à organização e

funcionamento de estabelecimentos prisionais, normas de assistência ao preso ou ao

egresso, órgãos auxiliares da Execução Penal, entre outros, a competência é da União,

mas concorrentemente com os Estados e Distrito Federal (art.24, I CF).13

O principal fundamento do princípio da legalidade está no art.5°, II, da

Constituição Federal, que preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Como bem salienta Alexandre de

MORAIS, tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. “Só por meio das

espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo

legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são

expressão da vontade geral.”14

Importante destacar a origem da aplicação do princípio da legalidade na

Execução Penal, conforme expõe Eduardo M. CAVALCANTI:

A noção de legalidade dos atos do Estado que interferem na condição humana do indivíduo, fundada com a instalação do Estado Liberal, no século XVIII com o iluminismo, somente teve repercussão no processo executivo penal a partir da década de 30 do século XX. No IV Congresso Internacional de Direito Penal, em Paris, em 1937, onde a primeira conclusão do tema dedicado ao Direito Penitenciário foi a seguinte: o princípio da legalidade é a base do Direito Penitenciário, da mesma forma que é base do Direito Penal em geral.15

Ainda, Simone SCHROEDER, corroborando a importância do princípio da

legalidade na Execução da Pena, expõe que: Se o Estado age como mero chancelador de discricionariedade administrativa e conveniências, sem fundar-se na estrita legalidade, os operadores em sede de execução penal estariam desmantelando o próprio Estado Democrático de Direito, que se arrima, fundamentalmente, na dignidade da pessoa humana, num ser com dignidade, um fim e não um meio, um sujeito e não

13 Ibidem, p.7.

14MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.41.

15CAVALCANTI.Eduardo M. Op.Cit., p.419-441.

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13um objeto.16 Destarte, o princípio da legalidade encontra-se expresso no art.2 ° da LEP o

qual estabelece que o processo de execução deve reger-se pelos dispositivos contidos

na Lei de Execução Penal, bem como pelo Código de Processo Penal, e no art.3° que

preceitua que ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não

atingidos pela sentença ou pela Lei.

O art.38 do Código Penal reforça este princípio dizendo que o preso conserva

todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as

autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

Na realidade, o princípio da legalidade consta da reposição de motivos da LEP,

dominando o corpo e o espírito da lei, de forma a impedir que o excesso e o desvio da

execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal.17

Portanto, o princípio da legalidade deve nortear a Execução Penal em todo

momento, devendo as autoridades administrativas e judiciais obrigatoriamente segui-

la, não submetendo o condenado ou internado a restrições não contidas na Lei.

1.4.2 Devido Processo Legal/Ampla Defesa e Contraditório

A Constituição Federal de 1988 delineou no seu art.5°, incisos LIV e LV, os princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

Conforme ensina Alexandre de MORAIS18, o devido processo legal configura

dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito

de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições

com o Estado-Persecutor e plenitude de defesa.

O devido processo legal tem como corolários à ampla defesa e o contraditório,

16SCHROEDER.Simone. O Ministério Público na Execução Penal. In: CARVALHO. Salo de. (Org.) Crítica a Execução Penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002, p.595 - 627.

17MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa de. Op. Cit., p.24.

18MORAIS, Alexandre de. Op.Cit., p.105.

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14que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e

aos acusados em geral.

Alexandre de MORAIS ainda expõe que:

Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.19

Por isso, toda e qualquer falta disciplinar ou novo crime cometido pelo preso

provisório ou condenado, deve estar sob a égide destes princípios imprescindíveis para

o atual Estado Constitucional Democrático de Direito, sob pena de nulidade do ato

administrativo ou judicial.

1.4.3 Isonomia/Igualdade

O princípio Constitucional da isonomia ou igualdade exposto em vários

momentos na Carta Magna, principalmente em seu art.5° caput, transmite a idéia de

que todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela Lei, em consonância

com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.

Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações

absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se

desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça.20

O inciso XLI do art. 5° da CF diz que “a lei punirá qualquer discriminação

atentatória dos direitos e liberdades individuais”.

Já a Lei de Execução Penal fez referência a este princípio no parágrafo único do

art.3° dizendo que não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou 19 Idem.

20Ibidem, p.36.

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15política. Renato Flávio MARCÃO, sobre este tema expõe que:

Porque atentatória à dignidade da pessoa humana, é vedada toda e qualquer forma de discriminação que se possa imaginar, ainda que além dos limites que se queira dar às expressões: ‘racial, social, religiosa ou política’. O contrário seria sujeitar o condenado ou o internado a tratamento infamante, caracterizador de verdadeiro excesso ou desvio, fazendo-o sujeitar-se à imposição não constante do título executivo em que se funda a execução, além, é claro, das conseqüências penais a que se vincula o autor das práticas discriminatórias. Assim, a conclusão é no sentido de que o rol apresentado pelo parágrafo único não é taxativo, apenas exemplificativo.21

Destarte, como o princípio da isonomia é relativo, se torna importante analisar o

princípio da individualização da pena o qual deve interagir com o da igualdade.

1.4.4 Individualização da Pena

A Constituição Federal se preocupou em tipificar este princípio no Título II, dos

direitos e garantias fundamentais, mais precisamente nos incisos XLVI e XLVIII.

O inciso XLVI dispôs que a lei regulará a individualização da pena e adotará,

entre outras, a privação ou restrição da liberdade; a perda de bens; a multa; a prestação

social alternativa e a suspensão ou interdição de direitos.

Já o inciso XLVIII dispôs que a pena será cumprida em estabelecimentos

distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

Renato Flávio MARCÃO, explica este princípio da seguinte maneira,

correlacionando com o princípio anterior da isonomia:

A individualização da pena não representa discriminação, de qualquer forma, ainda que em razão dela alguns apenados venham a receber tratamento diferenciado de outros. A individualização visa classificar cada condenado, dando a cada um a possibilidade de receber tratamento condizente com sua particular situação frente ao Estado e às normas reguladoras do processo de execução. Aliás, a distribuição da justiça, também em sede de execução, pressupõe tratar desigualmente os desiguais, o contrário seria, aí sim, forma de discriminação às avessas, decorrente do trato indiscriminado de todos, sem respeitar a individualidade dominante em cada um.22 21 Ibidem, p.36.

22 Ibidem, p.25.

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16Sendo assim, a pena ou internação e o modo de sua execução deve ser

proporcional à gravidade da lesão ao bem jurídico violado, a fim de que se cumpram

os objetivos da Execução da Pena.

1.4.5 Humanização da Pena

O princípio da humanização da pena encontra-se previsto na Constituição

Federal no seu art. 5°, inciso XLVII, onde diz que não haverá penas: de morte, salvo

em caso de guerra declarada, nos termos do art.84, XIX; de caráter perpétuo; de

trabalhos forçados; de banimento e cruéis.

Através deste princípio visa-se que a Execução Penal siga parâmetros modernos

de humanidade na punição dos atos ilícitos praticados, consagrados

internacionalmente, mantendo-se a dignidade da pessoa humana, principal fundamento

do atual Estado Constitucional de Direito de nosso país (art.1°, III CF).

Os incisos XLIX e L do art.5º da Carta Magna, reforçam este entendimento

expondo o primeiro que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e

moral” e o segundo que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam

permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.

Sobre esta evolutiva tendência de humanização da penas, Luis Regis PRADO,

expõe da seguinte forma:

A idéia de humanização das penas criminais tem sido uma reivindicação constante no perpassar evolutivo do Direito Penal. Das penas de morte e corporais, passa-se, de modo progressivo, às penas privativas de liberdade e destas às penas alternativas (ex.: multa, prestação de serviços à comunidade, interdição temporário de direitos, limitação de fim de semana). Em um Estado de Direito democrático vedam-se a criação, a aplicação ou a execução de pena, bem como de qualquer outra medida que atentar contra a dignidade humana.23 Destarte, finalmente, Guilherme de Souza NUCCI, comentando sobre o descaso

23PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4 ed. São Paulo: RT, 2004, p.144.

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17do Estado com os estabelecimentos penais, ocasionando a falta de efetividade deste e

de outros princípios, assim expõe:

Na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto.24

Portanto, expondo exemplificativamente alguns importantes princípios

fundamentais constitucionais pertinentes a Execução Penal, passa-se à análise do papel

crucial do Ministério Público para a efetividade de tais preceitos da Carta Magna, seja

na atuação ou na fiscalização da Execução da Pena.

24NUCCI, Guilherme de Souza. Op.Cit., p.919.

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182 DO MINISTÉRIO PÚBLICO

2.1 IMPORTÂNCIA, CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES

A Constituição de 1934 que concedeu ao Ministério Público pela primeira vez

características institucionais, o que durou somente até a constituinte ditatorial de 1937,

que apenas fez breves referências a ele. A Constituição de 1946, trouxe novamente esta

qualidade ao Ministério Público, sendo que com a Constituição de 1967 tornou-se

parte do Poder Judiciário. Transferindo-se ao Poder Executivo com a Constituição n.°

1 de 1969.

Contudo, com a Constituição de 1988, o Ministério Público alcançou

substancial importância, como órgão autônomo e independente, instituição permanente

e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

(art.127 da CF).

Como bem salienta José Afonso da SILVA, o Ministério Público, o qual

considera um quarto poder, vem ocupando lugar cada vez mais destacado na

organização do Estado, dado o alargamento de suas funções de proteção de direitos

indisponíveis e de interesses coletivos.25

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, observa a

colocação do Ministério Público propositalmente em um tópico a parte, sem a

vinculação com qualquer dos três poderes:

A seção dedicada ao Ministério Público insere-se, na Constituição de 1988, ao final do Título IV – Da Organização dos Poderes, no seu Capítulo III – Das funções Essenciais à Justiça. A colocação tópica e o conteúdo normativo da Seção revelam a renúncia, por parte do constituinte de definir explicitamente a posição do Ministério Público entre os Poderes do estado.26

25SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo.13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.553.

26RTJ 147/129-130.

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19 Sobre as funções do Ministério Público, Alexandre de MORAIS afirma que a

Constituição enumerou exemplificativamente as funções ministeriais do Ministério

Público no seu artigo 129, e ainda esclarece da seguinte forma:

A constituição Federal de 1988 ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público, transformando-o em um verdadeiro defensor da sociedade, tanto no campo penal com a titularidade exclusiva da ação penal pública quanto no campo cível como fiscal dos demais Poderes Públicos e defensor da legalidade e moralidade administrativa, inclusive com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública.27

Outrossim, para ter êxito na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e

dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme art.127 da CF e art. 1° da

Lei n.° 8625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), o Ministério Público

se utiliza da sua atividade fiscalizadora em toda sua atividade funcional, sendo na

esfera civil ou penal.

2.2 FUNÇÃO NO PROCESSO E EXECUÇÃO PENAL

No processo penal cabe ao Ministério Público a função de exercer com

exclusividade a ação penal pública, condicionada ou incondicionada, com exceção da

possibilidade de proposição de ação penal privada subsidiária da pública pelo

ofendido, quando o Ministério Público ficar inerte frente ao prazo legal.

Também atua certas vezes como fiscal da correta aplicação da Lei, como nas

ações penais de iniciativa privada.

Neste sentido, Eduardo M. CAVALCANTI, explica que:

Pode-se defender que a necessidade de o Ministério Público figurar no processo penal como fiscal da lei tenha partido da inaplicação de ampla defesa e contraditório no processo penal, posto justamente a ausência de defensores ou a insuficiência da defesa, agregada à superioridade de possibilidades processuais do Ministério Público. Aliás, essa ausência ainda é constante na atualidade, pois basta a lembrança das audiências nos Juizados Especiais Criminais em comarcas que sofrem com o déficit da defensoria pública. E, seguindo essa mesma sorte, não se pode esquecer que a atividade de fiscal da lei do Ministério Público é

27MORAIS, Alexandre de. Op.Cit., p.607.

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20ainda mais exigida quando se trata do processo de execução penal, uma vez que, se é deficiente a defesa do acusado na fase cognitiva do processo penal, essa é quase inexistente na execução penal.28

Este mesmo autor complementa este raciocínio, expondo a importância da

função do Ministério Público para o Estado Constitucional de Direito:

A presença do promotor de justiça possibilita a instrumentalidade do processo acusatório, uma vez que a acusação e o julgamento não pode ficar nas mãos do juiz. Daí porque o Ministério Público exerce o dever de informar – princípio da indisponibilidade da ação penal – ao Estado que a sua função jurisdicional de punir deve ser aplicada. No entanto, em virtude de ser impossível equilibrar as armas das partes no processo penal, tendo em vista a acusação ser o próprio Estado, uma das maneiras de efetivar o princípio da igualdade, cujo conteúdo exige aplicação desigual da lei, na medida das respectivas desigualdades, e igualitária da lei, na medida das igualdades, é tornar também o promotor de justiça fiscal da lei.29

Na Execução Penal é questionável a posição de parte do Ministério Público, em

que pese Guilherme de Souza NUCCI expor, citando Antonio Scarance FERNANDES

que o Ministério Público “é sempre parte, mesmo no processo de execução penal, e,

quando age perante a administração, até fiscalizando-a em sua esfera de atividade, o

faz para que possa desempenhar a sua função própria e específica de defesa de

interesses indisponíveis.”30

Sidio Rosa de MESQUITA JUNIOR, se posiciona de forma diferente dizendo

que:

O Ministério Público não pode ser colocado como parte, eis que não pode ser equiparado à defesa, em face da maior importância de seu papel, sendo inadmissível a idéia de que o parquet esteja no mesmo nível da defesa. Ele é representante do Estado, na execução das penas e medidas de segurança, devendo pugnar pela defesa da correta aplicação da lei, inclusive, em favor do condenado.31

Julio Fabbrini MIRABETE, expõe que “tanto no aspecto jurisdicional como nas

decisões administrativas o Ministério Público atua como fiscal, e confere-se ao

28CAVALCANTI.Eduardo M. Op. Cit., p.419-441.

29Idem.

30NUCCI, Guilherme de Souza. Op.Cit., p.919.

31MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa de. Op. Cit., p.144.

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21parquet a função de promover a observância do direito objetivo, atuando

imparcialmente na verificação dos requisitos legais para o estrito cumprimento do

título executivo penal”.32

Ainda complementa, expondo a atuação do Ministério Público como fiscal,

especialmente no procedimento administrativo:

Existe legitimidade na função fiscalizadora do Ministério Público quando requer ou intervém na atividade administrativa sempre que tiver em jogo um direito público primário, tal como ocorre na desobediência às regras do regime progressivo, na aplicação de sanção penitenciária não prevista na lei, no desvio e excesso de execução e etc. Enquanto não possa penetrar no exame do mérito do ato administrativo do juiz ou de qualquer autoridade administrativa referente ao âmbito de sua atribuição específica, compete-lhe a fiscalização e a defesa da legalidade dessa atividade, impedindo o abuso, o excesso e a irregularidade na execução da pena.33

Assim, considerando todo o exposto, conclui-se que o Ministério Público

independente da sua forma de atuação, como parte ou como fiscal da Lei, deve

desempenhar seu papel da forma legitimada e adequada conforme os parâmetros

Constitucionais.

2.3 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO PENAL

O Ministério Público, através da Lei de Execução Penal em seu artigo 61, foi

incluído como órgão da execução penal.

Destarte, o artigo 67 desta lei expõe que o Ministério Público fiscalizará a

execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos

incidentes da execução.

O artigo 68 diz que incumbe, ainda, ao Ministério Público: fiscalizar a

regularidade formal das guias de recolhimento e de internamento; requerer, todas as

32MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.228.

33Idem.

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22providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo, a instauração dos

incidentes de excesso ou desvio de execução, a aplicação de medida de segurança,

bem como a substituição da pena por medida de segurança, a revogação da medida de

segurança, a conversão de penas, a progressão ou regressão dos regimes e a revogação

da suspensão condicional da pena e do livramento condicional, a internação, a

desinternação e o restabelecimento da situação anterior; interpor recursos de decisões

proferidas pela autoridade judiciária, durante a execução e visitar mensalmente os

estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio.

Ainda, quanto a esta última, o descumprimento do dever de visita mensal aos

presídios constitui falta funcional. Julio Fabbrini MIRABETE, explica sobre a

importância do cumprimento deste dever:

Essa incumbência, que evidentemente não é o estabelecimento de mera cortesia, tem sentido bem definido, que é o de possibilitar ao Ministério Público a fiscalização das atividades administrativas ligadas à execução penal, ou seja, de verificar se a lei de ordem pública está sendo cumprida em toda a sua extensão, possibilitando-se-lhe as medidas judiciais e administrativas para sanar as ilegalidades constatadas durante as visitas.34

Tal rol de funções do artigo 68 é exemplificativo, pois o inciso II, alínea a, deste

artigo (requerer todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo

executivo) já transmite está amplitude, e até mesmo porque, dentro da LEP o

Ministério Público ainda tem várias outras formas de atuações, como autorização de

saída (art. 123); remição (art. 126, § 3º); livramento condicional (art. 131, 143, 144,

145, 146) e outras.

Segundo Eduardo M. CAVALVANTI, o Ministério Público tem duas tarefas

essenciais na Execução Penal. A primeira restringe-se ao aspecto individual do

processo executivo, sendo esse regulamentado pelo 68 da LEP. A segunda refere-se à

defesa dos interesses transindividuais dos presos. E quanto a esta, ele expõe que:

A tarefa de defesa dos direitos transindividuais dos presos, geralmente exercida por órgãos especializados na proteção da cidadania e dos direito humanos, não possui a mesma tendência de atuação de outras legitimidades de proteção de interesses transindividuais, como, por exemplo, meio ambiente e consumidor. Raras são as ações coletivas, impetradas pelo

34Idem.

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23Ministério Público, em defesa dos direitos do preso.35

Desta forma, visto a previsão da norma quanto à intimação ou intervenção em

todo procedimento da Execução Penal, resta analisar a eventual obrigatoriedade e suas

implicações.

2.4 DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO

Para tanto, é importante expor a opinião de alguns destacados doutrinadores

sobre este ponto específico.

Julio Fabbrini MIRABETE, expõe que a função fiscalizadora do Ministério

Público não poderia ser executada se não se lhe dessem os meios para essa atividade

fundamental. Assim, como corolário do disposto no art.67, deve o órgão ser intimado

de todas as decisões exaradas no curso do processo executivo, quer sejam

jurisdicionais ou administrativas.36

José Geraldo GONÇALVES expõe que:

Nas decisões jurisdicionais, o MP deve ser ouvido previamente, requerer e recorrer das decisões. Ex: a decisão judicial de inclusão do preso no RDD deve ser precedida de manifestação do MP (art. 54, § 2º, da LEP, modificado pela Lei 10.792/03). Não sendo intimado, ocorrerá nulidade, que independe de demonstração de prejuízo, não se lhe aplicando o artigo 566 do CPP.

Nas decisões administrativas, deve valer-se dos meios processuais, especialmente do procedimento judicial para apuração de desvio ou excesso de execução, representar às autoridades superiores contra ato abusivo de funcionário e requisitar providências da Administração Pública quando necessário.37

Já para Sidio Rosa de MESQUITA JUNIOR, o Ministério Público será ouvido

em todos os atos da execução. Não obstante, as medidas meramente administrativas

35CAVALCANTI.Eduardo M. Op. Cit., p.419-441.

36MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.228.

37GONÇALVES. José Geraldo. Professor da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR. Aula ministrada em sala. 2007.

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24poderão ser tomadas sem a oitiva do parquet.38

O artigo 196 da Lei de Execução Penal, no título referente ao procedimento

judicial, diz que o Ministério Público deverá ser ouvido, quando não figurar como

requerente da medida.

Eduardo M.CAVALCANTI, diz que nos procedimentos judiciais, a ausência do

pronunciamento do Ministério Público somente poderá ser suscitada, caso ocorra

prejuízo, nos termos do artigo 563 do CPP.39

Por fim, Renato Flávio MARCÃO diz que:

A intervenção do Ministério Público em toda a fase da execução da pena é obrigatória competindo-lhe a fiscalização de todo o procedimento; para tanto, deve se pronunciar sobre todos os pedidos formulados; manifestar-se em todos os incidentes; postular e recorrer das decisões proferidas com as quais não se conforme. As atividades fiscalizatória e postulatória o legitimam, inclusive, a formular postulações em favor do condenado. Sua oitiva é imperiosa, sob pena de nulidade, embora existam julgados em sentido contrário, como se tem decidido algumas vezes na hipótese de extinção da pena verificada sem sua oitiva prévia. (RT 657/346 e RT 742/698)40

Vejam-se julgados interessantes sobre a obrigatoriedade da intervenção do

Ministério Público no processo de Execução Penal, e a ausência ou não, da implicação

do efetivo prejuízo para tanto:

STJ: “Execução penal – juiz que julga extinta a pena sem ouvir o ministério Público (art.67 da LEP) – Recorrente, contudo, que não aponta algum vício, falha, descumprimento de preceito legal, que levasse à nulidade do ato – preponderância do princípio ‘pas de nullité sans grief’, albergado no art.563 do CPP. Embora se reconheça não se ter obedecido ao art. 67 da Lei de Execução Penal, não se anula o ato que extinguir a pena de condenado, pelo término do prazo da prova, se não se aponta qualquer vício, falha, descumprimento de preceito legal, etc., que levasse ao seu desfazimento. Em tais circunstâncias, é de se aplicar o princípio de que não se declara a nulidade, sem prejuízo (art.563, CPP)” (Resp 65.080-1/RS, DJU de 20-10-97)

Neste julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, entendeu-se que a

decisão proferida sobre a execução penal sem a prévia manifestação do Ministério

Público não deveria ser anulada, tendo em vista que não houve nenhum prejuízo 38MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa de. Op. Cit., p.146.

39CAVALCANTI.Eduardo M. Op. Cit., p.419-441.

40MARCÃO, Renato Flávio. Op. cit., p.160.

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25efetivo.

TACRSP: “tem toda a razão a agravante quanto a preliminar argüida. Estatui o art.67, da Lei das Execuções Penais, que cabe ao Ministério Público fiscalizar a execução da pena. É intuitivo, portanto, que deva opinar previamente às decisões, sob pena de nulidade absoluta. Trago à colação, por oportuno, julgado do E. Superior Tribunal de Justiça, que decidiu neste sentido: Processo Penal. Ministério Público. Intervenção obrigatória na execução penal, ex vi do disposto no art.67 da Lei 7.210/84. A falta de intimação do fiscal da lei implica nulidade do processo de execução. Recurso conhecido e provido. Embora defendam alguns que somente poderá ser declarada a nulidade acaso demonstrado o prejuízo, a verdade é que, em obediência ao princípio do contraditório e ao devido processo legal, consagrados pala Carta Maior, as partes devem ter debatido antes da decisão final. Impedir, portanto, que o órgão ministerial se pronuncie previamente acerca do thema decidendum, não viola apenas a lei ordinária, mas, mais do que isso, infringe um mandamento constitucional. Meu voto, portanto, e na esteira do douto parecer ministerial, sugere se decrete a nulidade da r.decisão agravada e, conseqüentemente, baixem-se os autos à Vara de Origem para que, obedecido o rito legal, outra seja proferida em seu lugar” (Agravo de Execução 1.101.593-7/SP, Rel. José Orestes de Souza Nery, j.4-7-98).

Já neste pronunciamento do Tribunal de Alçada de São Paulo, baseando-se em

uma outra decisão do Superior Tribunal de Justiça, chegou-se a conclusão que sem a

oitiva prévia do Ministério Publico nas decisões proferidas em processos de execução

penal, a nulidade é absoluta.

Portanto, resta claro a importância da manifestação do Ministério Público em

todos os atos da Execução Penal, havendo apenas algumas exceções aceitas

judicialmente.

Outrossim, a participação do Ministério Público é crucial, ainda mais devido ao

Estado não consegue efetivar adequadamente os objetivos da referida Lei de Execução

Penal, tanto que teve que alterá-la deixando mais rigorosa para determinados casos,

para tentar amenizar a situação caótica que se chegou.

Destarte, analisaremos o Regime Disciplinar Diferenciado, introduzido em

nosso ordenamento jurídico oficialmente por meio da Lei n.º 10.792 de 2003.

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263 DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

3.1 ORIGEM

A Lei de Execução Penal que foi publicada no dia 13 de dezembro de 1984,

escolheu um capítulo para expor os deveres, os direitos e a disciplina dos presos ou

internos.

Nos artigos 38 e 39 desta Lei se estabeleceu os deveres, tendo o artigo 38 dito

que cumpre ao condenado, além das obrigações legais inerentes ao seu estado,

submeter-se às normas de Execução da Pena. Já o artigo 39 elencou um rol de deveres

que devem ser obedecidos, aplicando-se aos presos provisórios no que couber.

No artigo 40 a LEP disse que se impõe a todas as autoridades o respeito à

integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Expondo no art.41

outros direitos específicos. Tal conceito do art.40 também foi introduzido no Código

Penal através da lei 7.209/84, acrescendo que o preso conserva todos os direitos não

atingidos pela perda da liberdade.

Ainda, a Constituição Federal de 1988, em seu inciso XLIX do artigo 5º41,

repetiu o disposto no art.40 da LEP, porém agora, o elevando a direito e garantia fundamental.

A partir do art.44 até o art.60 a LEP centralizou todo o regramento referente à

disciplina que estão sujeitos o condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de

direitos e o preso provisório.

O art. 44 dispôs que a disciplina consiste na colaboração com a ordem, na

obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do

trabalho. Tal poder disciplinar, será exercido pela autoridade administrativa, devendo o

juiz ser representado no cometimento das faltas graves, para análise de eventuais

restrições aos direitos do preso.

Para tanto, a LEP se incumbiu de tipificar em seus artigos 50 e 51 as faltas

41Art.5°, XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

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27graves que os condenados e os presos provisórios no que couber poderiam cometer,

deixando as faltas disciplinares consideradas leves ou médias com as sanções cabíveis

para a legislação local especificar.

No seu art. 53 estipulou as sanções pelas quais estariam sujeitos os presos, entre

elas a advertência verbal, a repreensão, a suspensão ou restrição de direitos, e o

isolamento.

Entretanto, devido ao fato da reintegração social do condenado, principal

finalidade da Lei 7.210/84 ter ficado cada vez mais distante de ser realizada, no ano de

2003 foi publicada a Lei 10.792 que introduziu no art. 53 a inclusão no regime

disciplinar diferenciado (RDD), como mais uma forma de sanção disciplinar ao preso.

Vlamir Costa MAGALHÃES expõe que já vinham sendo discutidas propostas

de implantação de medidas nesse sentido, porém, esta onda ganhou força com um fato

concreto que ocorreu:

Em 15 de março de 2003, a sociedade foi surpreendida com o trágico homicídio que vitimou o então Juiz-Corregedor da Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente/SP, Dr. Antônio José Machado Dias, vindo posteriormente a se descobrir ter sido esta mais uma obra de uma facção criminosa insatisfeita com a atuação honesta e exemplar do referido magistrado no trato de presos de reconhecida periculosidade.42

Nota-se, que atual conjuntura da criminalidade e do precário sistema de

cumprimento das sanções penais sempre esteve em debate, porém sem implementação

de soluções a curto e médio prazo. Luiz Flávio GOMES, com base em alguns dados

expôs a atual situação carcerária brasileira:

O Ministro da Justiça confirmou: ‘de cada dez detentos postos em liberdade sete voltam à prisão por novos delitos’ (O Estado de S. Paulo de 25.01.08, p. C4). O Brasil é o quarto país do mundo no item explosão carcerária. De 1990 até 2008 o crescimento populacional penitenciário foi de 500%. Fechará o ano de 2008 com cerca de 500.000 presos. Alcançamos o quarto posto mundial em número de presos (cf. Julita Lemgruber, em Diário de Notícias de 29.11.07, p. 1). Nesse item, o Brasil só perde para EUA (cerca de 2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (cerca de 0,8 milhão) (cf. World Prison Population List, do International Center for Prison Studies do King’s College de Londres – www.kcl.ac.uk).43

42MAGALHÃES, Vlamir Costa. Breves notas sobre o regime disciplinar diferenciado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9828>. Acesso em: 17 mar. 2008.

43GOMES, Luiz Flávio. Presídios brasileiros geram "baixa produtividade. "Só" 70% de reincidência. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11001>. Acesso em: 05 set. 2008.

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28 Desta forma, criou-se uma forma de sanção disciplinar mais rigorosa para

tentar amenizar a alarmante situação da segurança pública brasileira.

3.2 FINALIDADE

Bastante contestada, esta Lei surgiu com o intuito de reprimir com medidas

mais severas ao preso condenado ou provisório que pratica crime doloso, ocasionando

subversão à ordem ou disciplina interna, bem como o preso sob o qual recaiam

fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas,

quadrilha ou bando.

Em síntese esta Lei com a aplicação de um Regime Disciplinar Diferenciado foi

concebida para atender às necessidades de maior segurança nos estabelecimentos

penais e de defesa da ordem pública.

Destarte, ainda segundo Vlamir Costa MAGALHÃES, a partir daquele fato

narrado, foram incrementados os esforços no sentido do endurecimento das regras

prisionais em face de indivíduos cujo comportamento no cárcere punha em risco a

sociedade e as próprias autoridades estatais que atuavam na repressão criminal. Tendo,

portanto o RDD também este objetivo a atingir.44

Vejam-se, quanto à legitimidade e finalidade do RDD, trechos da exemplar

decisão monocrática prolatada pelo Desembargador Federal, Dr. Néfi Cordeiro,

membro do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

(...) O Regime Disciplinar Diferenciado é previsto, portanto, como modalidade de sanção disciplinar (hipótese disciplinada no caput do art. 52, da LEP) e, também, como medida cautelar (hipóteses dos §§ 1º e 2º da LEP (...) Dessa forma, tenho como legítima a atuação estatal ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003 busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas as quais atuam tanto no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos - quanto fora, ou seja, em meio à sociedade civil. Mais uma vez utilizando os percucientes ensinamentos do já citado

44MAGALHÃES, Vlamir Costa. Op., Cit.

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29Alexandre de Moraes (obra mencionada, p. 169), vale registrar que ‘os direitos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.’(...) Na verdade, o RDD nada mais é do que um regime de disciplina carcerária especial que tem como característica um maior grau de isolamento do preso com o mundo exterior, inclusive com o bloqueio de comunicação por telefone celular e outros aparelhos. Trata-se de uma medida emergencial que visa transformar o caos do sistema penitenciário para, ao menos em relação aos presos mais perigosos, impor-lhes um verdadeiro regime de segurança máxima, sem o qual, infelizmente, a atuação desses líderes de organizações criminosas não pode ser contida. Assim, aos criminosos que, mesmo aprisionados, pretendem continuar exercendo sua maléfica liderança, subjugando e usando os demais presos como massa de manobra em sua rebeldia, é imperioso que o Estado lhes imponham um regime de disciplina diferenciado que, sem ser desumano ou contrário à Constituição, possa limitar os direitos desse presos, evitando que continuem a comandar organizações criminosas de dentro dos estabelecimentos penais (...). (Decisão Monocrática, Relator Néfi Cordeiro, Classe: HC – Habeas Corpus, Processo: 2006.04.00.034761-0, UF: RS, Data da Decisão: 30/10/2006, Órgão Julgador: Sétima Turma, Fonte: DJU, Data: 07.11.2006, p. 428/429).

Ou seja, o Ilustre Desembargador, justifica a legitimidade e a finalidade do

RDD, dizendo que é apenas uma prisão especial, com características peculiares,

imprescindível, para presos que realmente precisam de um maior rigor devido serem

realmente perigosos, líderes de organizações criminosas, que conseguem facilmente

instigar outros presos, além de comandar ações criminosas fora dos presídios também,

ocasionando ainda mais caos e violência a sociedade.

Guilherme de Souza NUCCI, sobre a real necessidade da aplicação desta

sanção expõe que:

Observa-se a severidade inconteste do mencionado regime, infelizmente criado para atender às necessidades prementes de combate ao crime organizado e aos líderes de facções que, de dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos. Por isso, é preciso que o magistrado encarregado da execução penal tenha a sensibilidade que o cargo lhe exige para avaliar a real e efetiva necessidade de inclusão do preso, especialmente do provisório, cuja inocência pode ser constatada posteriormente, no RDD.45

Destarte, infere-se que a real necessidade desta sanção disciplinar mais rígida,

porém deve ser avaliada com cuidado para pelos juízes e promotores, sobretudo para

45NUCCI, Guilherme de Souza. Op.Cit., p.931.

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30não cometer injustiças e para assegurar o cumprimento das normas legais.

3.3 CARACTERÍSTICAS

Primeiramente, cumpre salientar que seguindo as palavras de Julio Fabbrini

MIRABETE “o regime disciplinar diferenciado não constitui um regime de

cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semi-aberto e aberto, nem

uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um regime de disciplina

carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições

ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou como

medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório, nas

hipóteses previstas em lei”.46

Desta forma, conforme art.52 e seus parágrafos da LEP são três as hipóteses

para inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado.

A primeira de caráter punitivo é quando o preso provisório ou condenado

praticar fato previsto como crime doloso, conturbando a ordem e a disciplina interna

do presídio onde se encontre.

A segunda de caráter cautelar é quando o preso provisório ou condenado

representar alto risco para a ordem e à segurança do estabelecimento penal ou da

sociedade.

A terceira hipótese, também de caráter cautelar, é quando o preso provisório ou

condenado estiver envolvido com organização criminosa, quadrilha ou bando,

bastando fundada suspeita.

Este tipo de sanção disciplinar tem características como: duração máxima de

360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie,

até o limite de um sexto da pena aplicada; recolhimento em cela individual; visitas

semanais de duas pessoas, sem contar crianças, com duração de duas horas; direito de

saída da cela para banho de sol por duas horas diárias (conforme art. 52 incisos I a IV 46MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.149.

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31da LEP).

Sobre o cumprimento até um sexto da pena aplicada, salienta-se que o preso

provisório não se beneficia deste limite, e no silencia da lei deve-se adotar como

parâmetro a pena mínima cominada para a infração.47

Ressalta-se que, independente da sanção penal, no encaminhamento para o

RDD devido o preso praticar fato previsto como crime doloso ocasionando subversão

da ordem ou disciplina interna, o qual também constitui falta grave, conforme expõe

NUCCI: o preso deve cometer o fato previsto como crime e não o crime, pois se esta

fosse a previsão dever-se-ia aguardar o julgamento definitivo do Poder Judiciário, em

razão da presunção de inocência, o que inviabilizaria a rapidez e a segurança que o

regime exige.48

Ainda, no dia 27 de fevereiro de 2007 entrou em vigor o Regulamento

Penitenciário Federal - Decreto n.º 6.049, visando regulamentar o sistema

penitenciário federal, especialmente aplicando o Regime Disciplinar Diferenciado.

O regulamento tem a finalidade de promover a execução administrativa das

medidas restritivas de liberdade dos presos, provisórios ou condenados, cuja inclusão

se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso (art. 3.º,

Dec.6.049).

Desta forma, foram repetidas as características para inclusão do preso no RDD,

bem como, as medidas que o preso está sujeito, regulamentando especificadamente

alguns pontos. Veja-se:

O preso (provisório ou condenado) pode ser submetido ao RDD por um período

máximo de 360 dias. O preso terá banho de sol de duas horas diárias. É obrigatório o

uso de algemas nas movimentações internas e externas, dispensadas apenas nas áreas

de visita, banho de sol, atendimento assistencial e, quando houver, nas áreas de

trabalho e estudo. O preso será sujeito aos procedimentos de revista pessoal, de sua

47 Ibidem, p.151.

48NUCCI, Guilherme de Souza. Op.Cit., p.930.

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32cela e seus pertences, sempre que for necessária a movimentação interna e externa,

sem prejuízo das inspeções periódicas.

Terá direito a visita semanal de duas pessoas, sem contar as crianças, com

duração de duas horas (art. 58, inc. I-V). Será assegurado atendimento psiquiátrico e

psicológico (art. 24). Terão direito ao ensino, por intermédio de programa específico

de ensino voltado para presos neste regime (art. 25, § 3.º).

Será obrigatório a implantação de rotinas de trabalho aos presos neste regime,

desde que não comprometa a ordem e a disciplina no estabelecimento e terão caráter

remuneratório e laborterápico, sendo desenvolvido na própria cela ou em local

adequado, desde que não haja contato com outros presos ( art. 98, § 1.º § 2.º). A visita

íntima deve ser posteriormente regulamentada pelo Ministério da Justiça (art. 95).

Salienta-se que no Estado do Paraná, logo após, com o disposto na Lei

10.792/03, veio a lume a Resolução n.º 010/04, de 13 de janeiro de 2004 com o intuito

de regulamentar, no âmbito dos Estabelecimentos Penais do Estado a medida,

instituindo o Regime de Adequação ao Tratamento Penal e também estabelecendo os

procedimentos de sua operacionalização.

3.4 CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Em que pese à necessidade e a finalidade da implantação do Regime Disciplinar

Diferenciado, muitos foram os que se manifestaram contra esta medida, inclusive

alegando a inconstitucionalidade da matéria, principalmente alegando violação dos

incisos III; XLVI; XLVII, “e”; XLIX do art. 5° da CF de 1988.

Tais incisos correspondem aos princípios fundamentais da garantia de que

ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, da individualização da

pena, de que não poderão ser instituídas penas cruéis e o respeito à integridade física e

moral dos presos.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão da Execução

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33Penal e subordinado ao Ministério da Justiça (art.61 e 62 da LEP), na data de 10/08/04,

usufruindo da sua competência de propor diretrizes da política criminal, chegou a

publicar a resolução n.° 08, contrária a aplicação do RDD.

Tal resolução, assim concluiu a fim de resumir seus fundamentos contrários a

implantação do RDD:

Diante do quadro examinado, do confronto das regras instituídas pela Lei n. 10.792/03 atinentes ao Regime Disciplinar Diferenciado, com aquelas da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros, ressalta a incompatibilidade da nova sistemática em diversos e centrais aspectos, como a falta de garantia para a sanidade do encarcerado e duração excessiva, implicando violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, prevista nos instrumentos citados. Ademais, a falta de tipificação clara das condutas e a ausência de correspondência entre a suposta falta disciplinar praticada e a punição decorrente, revelam que o RDD não possui natureza jurídica de sanção administrativa, sendo, antes, uma tentativa de segregar presos do restante da população carcerária, em condições não permitidas pela legislação.

Entretanto, não foi este entendimento que prevaleceu, haja vista vários precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA. 1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – e, também, no meio social. 3. Aferir a nulidade do procedimento especial, em razão dos vícios apontados, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório apurado, o que, como cediço, é inviável na estreita via do habeas corpus. Precedentes. 4. A sentença monocrática encontra-se devidamente fundamentada, visto que o magistrado, ainda que sucintamente, apreciou todas as teses da defesa, bem como motivou adequadamente, pelo exame percuciente das provas produzidas no procedimento disciplinar, a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Diferenciado, atendendo, assim, ao comando do art. 54 da Lei de Execução Penal. 5. Ordem denegada. (HC 40.300/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2005, DJ 22/08/2005 p. 312).

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34HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ARTIGO 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. INCONSTITUCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMPO DE DURAÇÃO. LEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. É constitucional o artigo 52 da Lei nº 7.210/84, com a redação determinada pela Lei nº 10.792/2003. 2. O regime diferenciado, afora a hipótese da falta grave que ocasiona subversão da ordem ou da disciplina internas, também se aplica aos presos provisórios e condenados, nacionais ou estrangeiros, "que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade". 3. A limitação de 360 dias, cuidada no inciso I do artigo 52 da Lei nº 7.210/84, é, enquanto prazo do regime diferenciado, específica da falta grave, não se aplicando à resposta executória prevista no parágrafo primeiro do mesmo diploma legal, pois que há de perdurar pelo tempo da situação que a autoriza, não podendo, contudo, ultrapassar o limite de 1/6 da pena aplicada. 4. Em obséquio das exigências garantistas do direito penal, o reexame da necessidade do regime diferenciado deve ser periódico, a ser realizado em prazo não superior a 360 dias. 5. Ordem denegada. (HC 44.049/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Rel. p/ Acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2006, DJ 19/12/2007 p. 1232).

Sendo assim, o STJ fundamentou a constitucionalidade do RDD com princípios

fundamentais da Carta Magna, como o da proporcionalidade, pois a restrição dos

direitos fundamentais dos presos submetidos ao RDD justifica-se devido à proteção de

direitos também fundamentais da sociedade e do próprio Estado de Direito.

3.5 PROCEDIMENTOS

Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua

apuração, assegurado o direito de defesa ao preso.

O Regime Disciplinar Diferenciado somente poderá ser decretado pelo juiz da

Execução Penal no prazo de 15 dias, através de prévio e fundamentada decisão, desde

que proposto, em requerimento pormenorizado, pelo diretor do estabelecimento penal

ou por outra autoridade administrativa (art. 54 da LEP).

Porém, a autoridade administrativa, em caso de urgência, poderá isolar o preso

preventivamente por até 10 dias, aguardando a decisão judicial. Sendo que este tempo

de isolamento ou inclusão preventiva no RDD será computado no período de

cumprimento da sanção disciplinar (art. 60 da LEP).

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35José Geraldo GONÇALVES expõe que:

Quando a lei denomina isolamento preventivo, refere-se ao isolamento, e quando ela denomina inclusão preventiva, se refere ao RDD. O isolamento preventivo é válido por até dez dias e está dentro das atribuições da autoridade administrativa. Já inclusão preventiva só pode ser decidida pelo Juiz. Na ausência de regulamentação direta, deve ser pelo mesmo prazo de dez dias, até porque sua disciplina está dentro do 'caput' do artigo 60 da LEP. A autoridade administrativa pode decretar diretamente o isolamento preventivo do preso, mas, se for caso de RDD, ela representa (oficia) ao Juiz e só este é que pode decretar.49

Ademais, é importante que o procedimento para a configuração das

características necessárias a fim de incluir o preso no RDD deva ser adequado e

motivado, sob pena de posterior invalidação. Veja-se:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD). INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES LEGAIS. IMPOSIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 2. DECISÃO DO JUIZ DAS EXECUÇÕES EM PROCESSO JUDICIAL. NECESSIDADE. 3. FALTA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. 4. LIMITE TEMPORAL MÁXIMO DE 1 ANO. IMPOSIÇÃO SEM MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INDIVIDUALIZAÇÃO DA SANÇÃO. NECESSIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 5. ORDEM CONCEDIDA. 1. Incabível a inclusão de preso em RDD se inocorrente no caso qualquer das hipóteses legais, previstas no artigo 52 da Lei de Execuções Penais. 2. O Regime Disciplinar Diferenciado é sanção disciplinar que depende de decisão fundamentada do juiz das execuções criminais e determinada no curso do processo de execução penal. 3. A decisão judicial sobre a inclusão do preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa, o que não foi propiciado no presente caso. 4. Desproporcional a imposição do regime disciplinar diferenciado no seu prazo máximo de duração, de um ano, sem uma individualização da sanção adequadamente motivada (Inteligência do artigo 57 da Lei de Execução Penal). 5. Ordem concedida para determinar a transferência do paciente do regime disciplinar diferenciado, retornando para o Conjunto Penal de Feira de Santana, onde se encontrava. Efeitos estendidos aos demais presos na mesma situação. (HC 89.935/BA, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 26/05/2008).

Portanto, como já exposto, a aplicação da sanção disciplinar mais rigorosa

como o RDD, deve ser criteriosamente avaliada e adequadamente fundamentada pelo

juízo competente. Também deverá ter a prévia manifestação do Ministério Público

como se verá a seguir.

49GONÇALVES. José Geraldo. Op., Cit.

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363.6 DA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Dada a relevância do Ministério Público da atuação da Execução da Pena como

já relatado, conseqüentemente a LEP expõe que a decisão sobre a inclusão de preso em

regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público (§ 2.° o art.54

da LEP).

No entanto, existem algumas exceções, como no entendimento de que a

inclusão do preso no RDD de forma cautelar, não seria imprescindível a necessidade

de observância de prévio contraditório e oportunidade de defesa, sendo plenamente

viável o diferimento da manifestação tanto do Ministério Público quanto da defesa do

acusado ou indiciado, desde que a necessidade premente ditada pelas circunstâncias

assim justifique.50

Ainda, no caso de transferência de unidade penal, onde o preso já esta

submetido ao RDD, o Supremo Tribunal Federal também se manifestou no sentido da

desnecessidade da prévia ouvida do Ministério Público, fundamentando esta posição

na ausência desta previsão pelo art. 86, § 3.° da LEP:

1. Prisão Preventiva. Cumprimento. Definição do local. Transferência determinada para estabelecimento mais curial. Competência do juízo da causa. Aplicação de Regime Disciplinar Diferenciado - RDD. Audiência prévia do Ministério Público e da defesa. Desnecessidade. Ilegalidade não caracterizada. Inteligência da Res. nº 557 do Conselho da Justiça Federal e do art. 86, § 3º, da LEP. É da competência do juízo da causa penal definir o estabelecimento penitenciário mais curial ao cumprimento de prisão preventiva. 2. PRISÃO ESPECIAL. Advogado. Prisão preventiva. Cumprimento. Estabelecimento com cela individual, higiene regular e condições de impedir contato com presos comuns. Suficiência. Falta, ademais, de contestação do paciente. Interpretação do art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94 - Estatuto da Advocacia, à luz do princípio da igualdade. Constrangimento ilegal não caracterizado. HC denegado. Precedentes. Atende à prerrogativa profissional do advogado ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, em cela individual, dotada de condições regulares de higiene, com instalações sanitárias satisfatórias, sem possibilidade de contato com presos comuns. (STF - HC 93391 - Relator: Min. CEZAR PELUSO. Segunda Turma. Julgamento: 15/04/2008)

Ademais, o Ministério Público de acordo com toda sua responsabilidade na

50TRF – 2a Região (HC n. 2007.02.01.000623-2, Rel. Des. Fed. Liliane Roriz, por unanimidade, 2a Turma Especializada, j. em 15.02.2007).

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37defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, freqüentemente, usa-se de todas as

ações, meios e recursos judiciais possíveis.

Neste sentido, tendo em vista que a Lei de Execução Penal prevê apenas o

recurso de agravo e ainda sem efeito suspensivo, para impugnar as decisões proferidas

pelos juízes nos processos relacionados com tal norma, o Ministério Público tentou

fazer uso do mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo aos seus recursos

relacionados ao RDD.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, fez prevalecer o cumprimento literal

do dispositivo do art.197 da LEP, o qual diz que das decisões proferidas pelo juiz

caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo, ou seja, uma eventual decisão

inadequada do juízo somente poderá ser revertida em decisão final na análise do

mérito do recurso de agravo interposto pelo Ministério Público. Nota-se:

HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO SUSPENSIVO. AGRAVO EM EXECUÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. O Ministério Público não possui legitimidade para impetrar mandado de segurança com intuito de atribuir efeito suspensivo a agravo em execução, na medida em que o princípio do devido processo legal obsta a restrição das garantias dadas aos acusados além dos limites estabelecidos pela legislação; 2. A dicção do artigo 197 da Lei de Execuções Penais é clara ao proclamar que o agravo em execução não é dotado de efeito suspensivo; 3. Ordem concedida para cassar o efeito suspensivo atribuído ao agravo, determinando a imediata retirada do paciente do regime disciplinar diferenciado. (HC 45.299/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 07/03/2006, DJ 27/03/2006 p. 339)

HABEAS CORPUS. CONDENADO CUMPRINDO PENA. PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA PARA O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO – RDD. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS. AGRAVO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA COM O FITO DE EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. DEFERIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. ILEGALIDADE. 1. O Ministério Público não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança almejando atribuir efeito suspensivo ao recurso de agravo em execução, porquanto o órgão ministerial, em observância ao princípio constitucional do devido processo legal, não pode restringir o direito do acusado ou condenado além dos limites conferidos pela legislação, mormente se, nos termos do art. 197, da Lei de Execuções Penais, o agravo em execução não possui efeito suspensivo. Precedente do STJ. 2. Ordem concedida para, confirmando a liminar anteriormente deferida, cassar o acórdão prolatado em sede de mandado de segurança, retirando o efeito suspensivo atribuído ao agravo em execução em tela, fazendo prevalecer, assim, a decisão do Juízo da Vara de Execuções Penais que indeferiu o regime prisional mais gravoso. E, por conseguinte, determinar a desinternação do Paciente do RDD, até o julgamento do mérito do agravo em execução pela Corte Estadual. (HC 47.516/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ 20/03/2006 p. 321)

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38 Destarte, através destas decisões do STJ, extrai-se que este Tribunal não

reconheceu a legitimidade do Ministério Público para impetrar mandado de segurança

a fim de pedir efeito suspensivo no recurso de agravo por ele interposto contra a

decisão do juiz.

Desta forma acabou restringindo a atuação do Ministério Público, priorizando o

princípio fundamental da liberdade e da presunção de inocência, já que estes estavam

em confronto com o da segurança pública, dentre outros.

Por fim, é importante destacar que o Ministério Público tem legitimidade, como

custus legis, para requerer, em juízo, correção na aplicação de sanção disciplinar, se

verificar excesso ou desvio de execução (arts. 67, 68, 185 e 186 da LEP).

Ou seja, os membros deste órgão não estão adstritos a apenas requerer a

inclusão dos presos que se enquadram nos requisitos no Regime Disciplinar

Diferenciado, mas também, de acordo com a sua responsabilidade instituída pela Carta

Magna, exigir o adequado funcionamento deste regime, bem com, a correção em casos

de exageros e evidentes ilegalidades.

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39 CONCLUSÃO

Como toda outra norma, a Lei de Execução Penal vigente desde 1984, precisa

seguir os princípios fundamentais da nossa Constituição Federal de 1988 para que seu

objetivo, que é efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar

condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, seja

plenamente realizada de acordo com nosso Estado Democrático Constitucional de

Direito.

O sistema carcerário brasileiro sempre foi precário e nunca teve a atenção

devida pelo Estado, que também negligenciou a resolução deste problema a médio e

longo prazo, como investimento maciço em educação e saúde.

A sociedade convive com uma violência desenfreada e uma insegurança cada

vez maior, tanto que não raras vezes o Estado através de seus órgãos competentes

alteram as normas legais na tentativa de dar uma resposta a sociedade e amenizar os

problemas ao menos a curto prazo, como foi a regulamentação o Regime Disciplinar

Diferenciado.

Paralelamente a tudo isto, o Ministério Público, instituição essencial à função

jurisdicional do Estado, esforça-se como pode através de seus membros para que a

sociedade consiga crescer de forma harmônica e pacífica, atuando principalmente

como fiscalizador da correta aplicação das normas legais e Constitucionais.

Neste sentido, a atuação do Ministério Público, que não está vinculado a

nenhum dos três poderes, é de vital importância para a formação do Estado

Democrático Constitucional de Direito com o atingimento de seus principais

fundamentos e objetivos, esculpidos nos artigos 1° e 3° da Constituição Federal de

1988, bem como, para a efetivação plena pela sociedade dos direitos e garantias

fundamentais expostos no artigo 5° e seguintes da Carta Magna.

Desta forma, com a nova forma de sanção disciplinar introduzida pela Lei

10.792 de 2003 (RDD), bem mais rigorosa com previsão de isolamento e restrições

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40com o contato com o mundo exterior, a responsabilidade e a intervenção obrigatória do

Ministério Público aumentou ainda mais, isto porque as características do Regime

Disciplinar Diferenciado, constantemente sofre duras criticas, porém a sociedade

precisa imediatamente de maior segurança e proteção de seus direitos.

Razão pela qual, o adequado funcionamento desta nova sanção disciplinar mais

dura, desde que harmonizada com os princípios fundamentais constitucionais, com a

devida atuação e fiscalização do Ministério Público, seja imprescindível no atual

estágio de violência e guerra urbana em que vivemos.

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41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAVALCANTI. Eduardo M. O Ministério Público na Execução Penal. In: CARVALHO. Salo de. (Org.) Crítica a Execução Penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002. GOMES, Luiz Flávio. Presídios brasileiros geram "baixa produtividade. "Só" 70% de reincidência. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11001>. Acesso em: 05 set. 2008. GONÇALVES.José Geraldo. Professor da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR. Aula ministrada em sala. 2007. GRINOVER. Ada Pellegrini. Execução Penal. São Paulo: Max Limonad, 1987. MAGALHÃES, Vlamir Costa. Breves notas sobre o regime disciplinar diferenciado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9828>. Acesso em: 17 mar. 2008. MARCÃO, Renato Flávio. Lei de execução penal comentada. São Paulo: Saraiva, 2001. MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997.v.1. MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa de. Manual de Execução Penal: Teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2003. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: Comentários a Lei 7210.84. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2004. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2008. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996.

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42NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4 ed. São Paulo: RT, 2004. V.1. SCHROEDER.Simone. O Ministério Público na Execução Penal. In: CARVALHO. Salo de. (Org.) Crítica a Execução Penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002. SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo.13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.