felpo filva

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RELEITURA DE FELPO FILVA DE EVA FURNARI Na toca 88, da rua Despinhos, da cidade de Rapidópolis, vivia um coelho solitário. Ele não tinha amigos, não recebia visitas, não falava com ninguém. Os vizinhos já estavam acostumados, diziam que ele era assim porque era um poeta, o famoso poeta Felpo Filva. Mas na verdade, Felpo já era assim desde os tempos de criança, quando os coleguinhas zombavam dele porque tinha uma orelha mais curta que a outra. E olha que a coisa piorou muito quando resolveram que ele teria que usar o Sticorelia, um aparelho grande, pesado, e o pior: não adiantou nada. Uma orelha continuou mais curta que a outra. Quando Felpo já era um poeta famoso, resolveu contar a todos a triste história de sua vida. Sentou-se diante da máquina e começou a escrever, mas justo nessa hora chegou o carteiro trazendo uma pilha enorme de cartas, Felpo sempre recebia muitas cartas, mas nunca lia nenhuma. Só que desta vez um envelope lhe chamou a atenção, ele era grande lilás e tinha um laço de fita enorme. Curioso, o poeta abriu e leu. Era de uma fã chamada Charlô, e dizia: Caro poeta Felpo Filva, admiro muito seu talento, mas sinceramente odiei o final do seu poema Uma Princesa do Avesso, onde o casal termina no fundo de um poço, com fome, com frio e infelizes para sempre. Pra acabar com esse pessimismo resolvi escrever uma continuação para o poema. Agora os dois compram uma casa na praia, têm dois filhos e vivem felizes para sempre. Espero que não se ofenda, um abraço Charlô. Quando Felpo terminou de ler a carta, sua orelha direita a mais curta tremia, sempre que ele ficava nervoso ela tremia desesperadamente. Quem aquela Charlô pensava que era para falar com ele daquele jeito: dizer que ele era pessimista e ainda mudar o final do seu poema. Era muito atrevimento! Felpo embolou a carta e jogou no lixo. Ah, mas aquelas palavras não saiam da sua cabeça, será que ele era mesmo um pessimista? O poeta então começou a pensar nos títulos dos seus livros: A Cenoura Murcha, De Olhos Vermelhos, Páscoa Infeliz, Um Coelho Atrás das Grades, Um Pé de Coelho Azarado, cheio de dúvidas pegou a carta, desamassou e releu umas quinze vezes. Acabou chegando a conclusão de que a sinceridade dela até que era legal. Dobrou a carta e guardou. Ele já estava esquecendo o assunto, chega o carteiro trazendo um novo envelope lilás. Dessa vez Charlô dizia: Caro Felpo, já que você não respondeu minha carta, resolvi escrever de novo, dessa vez pra comentar aquele seu poema do passarinho na gaiola, onde achei que faltou um tantinho de imaginação. Por isso tomei a

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Releitura do livro de Eva Furnari

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Page 1: Felpo Filva

RELEITURA DE FELPO FILVA DE EVA FURNARI

Na toca 88, da rua Despinhos, da cidade de Rapidópolis, vivia um coelho solitário. Ele não tinha amigos, não recebia visitas, não falava com ninguém. Os vizinhos já estavam acostumados, diziam que ele era assim porque era um poeta, o famoso poeta Felpo Filva.

Mas na verdade, Felpo já era assim desde os tempos de criança, quando os coleguinhas zombavam dele porque tinha uma orelha mais curta que a outra. E olha que a coisa piorou muito quando resolveram que ele teria que usar o Sticorelia, um aparelho grande, pesado, e o pior: não adiantou nada. Uma orelha continuou mais curta que a outra.

Quando Felpo já era um poeta famoso, resolveu contar a todos a triste história de sua vida. Sentou-se diante da máquina e começou a escrever, mas justo nessa hora chegou o carteiro trazendo uma pilha enorme de cartas, Felpo sempre recebia muitas cartas, mas nunca lia nenhuma. Só que desta vez um envelope lhe chamou a atenção, ele era grande lilás e tinha um laço de fita enorme. Curioso, o poeta abriu e leu. Era de uma fã chamada Charlô, e dizia:

Caro poeta Felpo Filva, admiro muito seu talento, mas sinceramente odiei o final do seu poema Uma Princesa do Avesso, onde o casal termina no fundo de um poço, com fome, com frio e infelizes para sempre. Pra acabar com esse pessimismo resolvi escrever uma continuação para o poema. Agora os dois compram uma casa na praia, têm dois filhos e vivem felizes para sempre. Espero que não se ofenda, um abraço Charlô.

Quando Felpo terminou de ler a carta, sua orelha direita a mais curta tremia, sempre que ele ficava nervoso ela tremia desesperadamente. Quem aquela Charlô pensava que era para falar com ele daquele jeito: dizer que ele era pessimista e ainda mudar o final do seu poema. Era muito atrevimento! Felpo embolou a carta e jogou no lixo. Ah, mas aquelas palavras não saiam da sua cabeça, será que ele era mesmo um pessimista? O poeta então começou a pensar nos títulos dos seus livros: A Cenoura Murcha, De Olhos Vermelhos, Páscoa Infeliz, Um Coelho Atrás das Grades, Um Pé de Coelho Azarado, cheio de dúvidas pegou a carta, desamassou e releu umas quinze vezes. Acabou chegando a conclusão de que a sinceridade dela até que era legal. Dobrou a carta e guardou.

Ele já estava esquecendo o assunto, chega o carteiro trazendo um novo envelope lilás. Dessa vez Charlô dizia:

Caro Felpo, já que você não respondeu minha carta, resolvi escrever de novo, dessa vez pra comentar aquele seu poema do passarinho na gaiola, onde achei que faltou um tantinho de imaginação. Por isso tomei a liberdade de reescreve-lo. Agora ele virou passarinho sem gaiola, um poema cheio de alegria liberdade e imaginação. Espero que o senhor goste, uma abraço, Charlô.

Quando Felpo terminou de ler a carta, sua orelha direita tremia desesperadamente. Agora ela tinha ultrapassado todos os limites, dizer que ele não tinha imaginação e ainda reescrever seu poema era demais, a atrevida merecia uma resposta. Felpo sentou-se diante da máquina e começou a escrever:

Cara Charlô, se você pensa que não tenho imaginação, está redondamente enganada, eu tenho sim e muita. Te imagino de barriga estufada, orelha peluda, bigode caído e nariz de batata. Um abraço do seu poeta cheio de imaginação Felpo Filva!

Pronto, a atrevida tivera a resposta merecida. Mas não demorou nada, chegou o carteiro trazendo um telegrama, onde Charlô dizia que se o poeta a imaginava daquele jeito, deveria ir tomar chá com ela e ver com os próprios olhos. Diante de um convite tão ousado, a orelha direita de Felpo recomeçou a

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tremer, nervoso ele não sabia o que fazer. No dia seguinte, já mais calma decidiu escrever uma resposta para Charlô:

Cara Charlô, já que você foi sincera comigo, também vou ser sincero com você. Eu tenho muitos e grandes defeitos. Sou lento, muito lento, faço tudo muito devagar, sou um coelho com alma de tartaruga; nunca saio de casa; odeio cenouras; minha comida preferida é bolo de chocolate, se feito como minha avó fazia; além de tudo isso tenho uma orelha mais curta que a outra, por todas essas razões, acho melhor não aceitar seu convite. Adeus, Felpo.

Agora que Felpo abriu seu coração estava se sentindo bem mais leve, e olha que naquele dia ele escreveu algo diferente: um conto de fadas, e pasmem, com final feliz! E olha que ele gostou muito do resultado. Não deu uma semana e o carteiro chegou trazendo uma resposta de Charlô, onde ela dizia que havia ficado muito emocionada com a sinceridade do poeta, e que ela gostava muito de orelhas diferentes, e disse ainda que se ele enviasse a receita de bolo de chocolate da avó, ela prepararia para o dia em fossem tomar chá. Ao terminar de ler Felpo tratou de enviar correndo a receita da avó. E ficou esperando ansioso a resposta. Num dia de muita chuva o carteiro chegou trazendo um telegrama todo encharcado onde Felpo só conseguiu ler as palavras: Fel, engoli, piano, ajudar. Ao ler aquelas terríveis palavras, Felpo saiu correndo feito um furacão para a casa de Charlô, entrou sem bater, se esborrachou no meio da sala. Assustada, Charlô quis saber a razão de tamanho desespero. E ele explicou: recebi seu pedido de socorro e vim salvá-la. Quando os dois perceberam caíram na risada. Naquele dia não teve chá nem bolinho. Mas no dia seguinte sim, e Felpo chegou todo arrumadinho e perfumado. E depois disso ele voltou muitas e muitas vezes.

Até que um dia ele chegou trazendo um poema Dois Coelhos Numa Só Caixa D’água, quando Charlô terminou de ler o poema, ela ficou tão emocionada, mais tão emocionada, que deu um beijo no poeta e o pediu em casamento. E o Felpo? Desmaiou é claro! Mas quando ele acordou se deu em casamento para Charlô com muito amor!!!!!

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