feliz (?) natal - aofa - associação de oficiais das forças … · temo que para muitos de nós a...

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1 FELIZ (?) NATAL Dizem que das maiores virtudes do ser humano é manter um sorriso nos lábios enquanto o coração explode de dor. Estoicamente, sim. Mas quer queiramos ou não, é Natal. E por muito que se diga que é um dia igual aos outros, sinceramente que me sinto no direito de discordar. Confesso que é para mim confrangedor usar a palavra mais comum que é associada a este voto: FELIZ Natal. Temo que para muitos de nós a dor seja tão profunda que, só de pronunciá-la, quase se toque a raia do indecoroso, do blasfemo. De facto, chegámos a um ponto em que a grande maioria parece já pertencer a um extenso e cada vez mais crescente grupo de filhos de um deus menor! Mas antes de continuar, informo que recorrerei a algumas imagens e poemas, ou partes deles, pessoais ou não, porque não só funciona quase como uma forma de catarse como me permite expandir recatadamente a emoção que por vezes me assola ao falar nisto. Perdoem. Sem pretender aqui fazer um rol completo de atropelos, inconstitucionalidades, injustiças, compadrios, violência em vários aspectos, etc., que seria extensíssimo e por demais fastidioso, pergunto-me como posso dizer a palavra FELIZquando, e num brevíssimo apontamento: PALAVRAS PARA QUÊ? Em que país se passa isto? Está bem identificado logo na figura da esquerda!!! Existem cada vez mais, carências na alimentação, na saúde, na educação, na habitação. São inúmeras as famílias destroçadas e desmembradas à força, pela situação a que nos votaram, inundadas de incertezas e angústias que tiram o norte a qualquer um. Todos os dias assistimos a um número assustador de insolvências de pessoas e empresas, algumas com décadas de trabalho árduo, sério e que eram uma das bases da nossa economia e prosperidade. Com toda a desfaçatez e com olhos brilhantes de júbilo diabólico, nos informam e fazem sentir um brutal aumento de impostos a que mais se seguirão. Diariamente se anunciam mais amputações dos serviços públicos. As “caridadezinhas” mais não fazem com que, os mais necessitados, seres humanos acima de tudo, sintam vergonha de si mesmos e até de perda da dignidade pessoal, precisamente por terem de estender a mão à ajuda alheia, por terem de dormir na via pública com mantas feitas de papelãoA grande maioria pede APENAS uma forma de ganhar o pão que come, para poderem fazer face aos seus compromissos e poderem ter uma vida com a Dignidade e Humanismo possíveis. Quantos mais suicídios, como derradeira tentativa de alívio e de pôr termo assim a tanta dor física e moral? E para aqueles a quem a vida cansa Ter na paleta do coração os tons violáceos do passado, envolvendo em crepes o verde da esperança Que lhes fere o olhar magoado

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Page 1: FELIZ (?) NATAL - AOFA - Associação de Oficiais das Forças … · Temo que para muitos de nós a dor seja tão profunda que, só de pronunciá-la, quase se toque a raia do indecoroso,

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FELIZ (?) NATAL

Dizem que das maiores virtudes do ser humano é manter um sorriso nos lábios enquanto o coração explode de dor. Estoicamente,

sim.

Mas quer queiramos ou não, é Natal. E por muito que se diga que é um dia igual aos outros, sinceramente que me sinto no direito

de discordar.

Confesso que é para mim confrangedor usar a palavra mais comum que é associada a este voto: “FELIZ Natal”. Temo que para

muitos de nós a dor seja tão profunda que, só de pronunciá-la, quase se toque a raia do indecoroso, do blasfemo.

De facto, chegámos a um ponto em que a grande maioria parece já pertencer a um extenso e cada vez mais crescente grupo de

filhos de um deus menor!

Mas antes de continuar, informo que recorrerei a algumas imagens e poemas, ou partes deles, pessoais ou não, porque não só

funciona quase como uma forma de catarse como me permite expandir recatadamente a emoção que por vezes me assola ao falar

nisto. Perdoem.

Sem pretender aqui fazer um rol completo de atropelos, inconstitucionalidades, injustiças, compadrios, violência em vários

aspectos, etc., que seria extensíssimo e por demais fastidioso, pergunto-me como posso dizer a palavra “FELIZ” quando, e num

brevíssimo apontamento:

PALAVRAS PARA QUÊ? Em que país se passa isto? Está bem identificado logo na figura da esquerda!!!

Existem cada vez mais, carências na alimentação, na saúde, na educação, na habitação.

São inúmeras as famílias destroçadas e desmembradas à força, pela situação a que nos votaram, inundadas de incertezas

e angústias que tiram o norte a qualquer um.

Todos os dias assistimos a um número assustador de insolvências de pessoas e empresas, algumas com décadas de

trabalho árduo, sério e que eram uma das bases da nossa economia e prosperidade.

Com toda a desfaçatez e com olhos brilhantes de júbilo diabólico, nos informam e fazem sentir um brutal aumento de

impostos a que mais se seguirão.

Diariamente se anunciam mais amputações dos serviços públicos.

As “caridadezinhas” mais não fazem com que, os mais necessitados, seres humanos acima de tudo, sintam vergonha de si

mesmos e até de perda da dignidade pessoal, precisamente por terem de estender a mão à ajuda alheia, por terem de

dormir na via pública com mantas feitas de papelão… A grande maioria pede APENAS uma forma de ganhar o pão que

come, para poderem fazer face aos seus compromissos e poderem ter uma vida com a Dignidade e Humanismo possíveis.

Quantos mais suicídios, como derradeira tentativa de alívio e de pôr termo assim a tanta dor física e moral?

E para aqueles a quem a vida cansa Ter na paleta do coração os tons violáceos do passado, envolvendo em crepes o verde da esperança Que lhes fere o olhar magoado…

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Quantas mais crianças terão de desmaiar com a fome porque a única refeição que têm é a que comem na escola? E por

vezes, quanta vergonha já sentem porque estão em condições específicas que lhes permitem um enquadramento em que

e só assim, podem usufruir destes alimentos. Quantos mais “Príncipes do Nada”? Até quando?

Quantos mais jovens, criados com tanto sacrifício pelos progenitores ou familiares mais próximos, alguns com percursos

académicos invejáveis e que acabam por deixar os seus lares e emigrar sabe Deus para onde e em que condições, mas

com certeza, bem melhores que estas e onde AINDA lhes é permitido SONHAR com dias melhores e uma vida devida e

justamente qualificada de acordo com os seus méritos.

E àqueles que nasceram para escalar os montes, não cortar as asas logo ao despontar. Se é duro pisar uma senda por abrir, É mais duro a tortura dos imensos horizontes, Não se lhes pode fugir!...

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E para que foi este histórico acontecimento que a gravura relembra e que marcou Portugal no mundo inteiro?

Quanta distorção de princípios, de ideais para dias melhores e mais justos para todos nós! E quantas vidas perdidas,

ingloriamente, na nobre missão de defesa da Pátria e outras tantas marcadas irremediavelmente pelos destroços de uma

guerra, mas ignoradas e esquecidas?

Uma flor oferecida pelas mãozinhas de uma criança, cujo significado não deixa

dúvidas… Mas parece que não se

conseguiu ainda suplantar a iniquidade, os Valores

negativos, por aquilo que este gesto representa!

O AMOR pela Humanidade que só não vive em PAZ e em

Prosperidade por culpa própria…

HOMENS na verdadeira acepção da palavra, também têm e exteriorizam sentimentos e isso não é vergonhoso. É DIGNO e LOUVÁVEL.

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E agora, uma palavra para os que já partiram e nos deixaram a imensa dor da saudade nunca mitigada: - a esses sei que não

faltarão carinhos, flores e afecto, em momentos de elevada espiritualidade, regados por lágrimas incontroláveis… E para eles – e

todos os temos já noutra dimensão – aqui deixo um poema que tanto me toca e quem sabe, talvez também a alguns dos que me

estão a ler. Um pouquinho longo, é certo, mas…é NATAL…e para a saudade e carinho, não há limites.

Natal das Sombras Vêm as sombras hoje ter comigo. Vêm as sombras num cortejo lento. (Vêm as sombras a pedir-me abrigo Ou sou eu que as procuro em pensamento?)

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Natal das Sombras! Bem o oiço e vejo. Bem o sinto! Andam passos no caminho... Chegam todas as sombras num cortejo, Sentam-se à minha volta, de mansinho... Primeiro, a sombra de meu Pai... – Meu velho, Vem aquecer-te, que está frio no Espaço! Vem dar-me a tua bênção, teu conselho E o teu abraço... Ah, mas que fundo abraço! Há tanto tempo que não vinhas! Tanto! Já na minha lembrança era sol-posto... Perdoa! Olha as estrelas do meu pranto Como derramam luz sobre o teu rosto! Vieste agora, Pai, vieste agora A festejar comigo o dia eleito, Na hora da Família, nesta hora Em que a ausência é presença em cada peito! A noite de Natal tomba ao de leve E de mistério a natureza veste... Lá fora há tanto frio! O luar é neve. Mas cá dentro há calor – porque vieste… Natal das Sombras! Tu agora, Avó… Partiste há pouco mas voltaste cedo… Não tenho medo. Vem. Eu não estou só. Chega-te ao pé de mim…Não tenho medo. Medo de quê? É o Natal das Sombras… A vida e a morte são a mesma linha. Mistério dos que voltam: não me assombras. Chega-te ao pé de mim, boa avozinha! Foi bom que tu viesses. Mas eu sei: Não podes demorar-te, com certeza… Oh avozinha, fica! – Há bolo-rei E nós cabemos todos nesta mesa… E agora os tios…Boa noite…Olá! Sentem-se aqui…Há lume na lareira… Oh, a alegria enorme que me dá, Se puderem ficar a noite inteira! É Dezembro lá fora? Aqui é Maio, Pois onde entra o amor, tudo floresce. Quereis um golo de cacau? Tomai-o Bem quentinho! Vá lá, senão ele arrefece… Porque não falam? Quero ouvir as vozes Que há tantos anos esqueceram já… Gostam de doces? Tenho aqui filhoses… Foram feitas em casa…Provem! Vá! E agora tu meu filho…Tão pequena Que a tua sombra franzininha é! E ao pé dela é tão grande a minha pena… - Mas ainda é maior a minha fé. Pousa as tuas mãozitas nos meus ombros. Não te esqueci, nem esqueço mais. Descansa. Tu renasces comigo dos escombros. Tu renasces comigo em cada esperança.

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Encosta a cabecinha nos meus braços. É Noite de Natal. Meu filho, vem! Foi longa a caminhada dos espaços, Mas, agora voltaste…Ainda bem. E as nossas Mães…A tua e a minha mãe. Quem, como elas, é connosco? Quem? E, por último, tu, avô velhinho, Meu Deus! Estás tão cansado, tão desfeito! Tão pálido que chegas! Tão curvadinho, Mas, lá por dentro, sempre tão direito! Toma esta manta e cobre os teus joelhos. - Já estamos todos…Como é bom assim! Agora conversemos. Sim, meus velhos? Saudade: É o teu Natal dentro de mim. (Miguel Trigueiros)

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E especialmente para todos quantos de alguma forma pertencem ou pertenceram à AOFA, alguns dos quais, meus familiares (e não só), e que me são tão queridos, aqui renovo o meu pedido já feito anteriormente e de várias maneiras e que penso, não é difícil de interpretar…

Quanto ao próximo ano que se aproxima e em que todos estarrecemos só de pensar nele, o que de melhor me ocorre desejar, é

que em todos os vossos lares, exista a tão almejada Paz, Saúde e Amor e que, parafraseando o que de tão maravilhoso nos foi

deixado pela pena extraordinária, fulgurante e eterna de Eça de Queiroz: - que consigamos suplantar “ricos e poderosos” e que

surja nas vidas de todos nós, um «SUAVE MILAGRE», onde soe um suavíssimo e amoroso “AQUI ESTOU”…

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E com o devido distanciamento, já que não me quero sentir suja, conspurcada, depois de tudo o que me levou a escrever este

texto com todo o carinho que senti e à medida que o coração mo ia ditando…

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Não poderia terminar sem dirigir uma palavrinha a quem estando num lugar atingido por torpes mentiras, muito tem contribuído

para toda esta paisagem negra e para o total descalabro deste País.

Possuidores que são de uma sobranceria atroz, de uma arrogância assustadora, de um autismo alarmante, julgando-se os “donos

do mundo”, superiores a tudo e a todos, possuidores de um “conhecimento” idêntico ao que é adquirido com a mesma rapidez e

sabor com que se faz um pudim instantâneo, quero desejar-vos a mesma “abundância e felicidade” que nos estão a dar e rogo ao

Altíssimo que vos dê também, ainda que por escassos segundos, um pequeno lampejo de inteligência para vos fazer perceber uma

frase muito curtinha, simples mas profunda, receando apenas que de tanto pensarem, se vos queimem os pouco neurónios que já

têm…

"Um homem só tem o direito a olhar o outro de cima para baixo, quando está a ajudá-lo a se levantar."

(Gabriel Garcia Marques)