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Federalismo e Reforma Bancária: a Experiência Internacional na Análise de Rui Barbosa André Schifnagel Avrichir [email protected] 1. Introdução O presente artigo analisa o Relatório do Ministério da Fazenda de 1890 escrito pelo Ministro Rui Barbosa, nos quadros das influências internacionais que balizariam a elaboração do projeto a ser implementado nos primeiros meses da recém-proclamada República brasileira. Tal pesquisa decorre de uma constatação vastamente encontrada na literatura sobre o período de que o Decreto n° 165 de 17 de janeiro de 1890, referente à reforma bancária, teria se baseado nas experiências norte- americanas. Percebeu-se, no entanto, que essas afirmações não se aprofundaram sobre o tema, limitando-se a constatar a influência e sem detalhar onde estariam as imitações, as adaptações e as inovações. Em seu Relatório Ministerial Rui Barbosa dedica um capítulo a sua interpretação das histórias monetárias dos Estados Unidos da América e da Suíça, países que melhor exemplificariam o ideal federalista adotado pela Revolução de XV de Novembro. A partir dessa construção, Barbosa delineia alguns princípios econômicos e políticos que o inspiraram na condução da sua administração a frente do Ministério. Essa discussão sobre o pensamento e as políticas de Rui Barbosa integra o período da história do Brasil que se convencionou denominar de Encilhamento. Esse capítulo da história nacional foi marcado por uma forte emissão monetária, iniciada ainda nos últimos anos do Império. No entanto, analisaremos aqui exclusivamente esse Decreto de Rui Barbosa que criou três bancos emissores, cada um para uma região distinta do país Norte, Centro (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina) e Sul (Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás) e redefiniu a estrutura bancária brasileira O artigo esta organizado em seis partes, algumas com subdivisões temáticas. A primeira parte, Contextualização Histórica do Brasil, introduz a situação econômica e política com a qual Rui Barbosa se depara ao assumir o Ministério da Fazenda no primeiro governo republicano. A segunda seção, História e Historiografia Sobre a Reforma Bancária de 1890, discute a literatura nacional sobre o período do Encilhamento sob a ótica das influências estrangeiras sobre a política doméstica e examina a história monetária dos Estados Unidos da América no período independente. A terceira, O

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Federalismo e Reforma Bancária: a Experiência Internacional na Análise

de Rui Barbosa

André Schifnagel Avrichir

[email protected]

1. Introdução

O presente artigo analisa o Relatório do Ministério da Fazenda de 1890 escrito pelo Ministro Rui

Barbosa, nos quadros das influências internacionais que balizariam a elaboração do projeto a ser

implementado nos primeiros meses da recém-proclamada República brasileira. Tal pesquisa decorre

de uma constatação vastamente encontrada na literatura sobre o período de que o Decreto n° 165 de

17 de janeiro de 1890, referente à reforma bancária, teria se baseado nas experiências norte-

americanas. Percebeu-se, no entanto, que essas afirmações não se aprofundaram sobre o tema,

limitando-se a constatar a influência e sem detalhar onde estariam as imitações, as adaptações e as

inovações.

Em seu Relatório Ministerial Rui Barbosa dedica um capítulo a sua interpretação das histórias

monetárias dos Estados Unidos da América e da Suíça, países que melhor exemplificariam o ideal

federalista adotado pela Revolução de XV de Novembro. A partir dessa construção, Barbosa delineia

alguns princípios econômicos e políticos que o inspiraram na condução da sua administração a frente

do Ministério.

Essa discussão sobre o pensamento e as políticas de Rui Barbosa integra o período da história do

Brasil que se convencionou denominar de Encilhamento. Esse capítulo da história nacional foi

marcado por uma forte emissão monetária, iniciada ainda nos últimos anos do Império. No entanto,

analisaremos aqui exclusivamente esse Decreto de Rui Barbosa que criou três bancos emissores,

cada um para uma região distinta do país – Norte, Centro (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,

Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina) e Sul (Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás) e redefiniu

a estrutura bancária brasileira

O artigo esta organizado em seis partes, algumas com subdivisões temáticas. A primeira parte,

Contextualização Histórica do Brasil, introduz a situação econômica e política com a qual Rui

Barbosa se depara ao assumir o Ministério da Fazenda no primeiro governo republicano. A segunda

seção, História e Historiografia Sobre a Reforma Bancária de 1890, discute a literatura nacional

sobre o período do Encilhamento sob a ótica das influências estrangeiras sobre a política doméstica e

examina a história monetária dos Estados Unidos da América no período independente. A terceira, O

Relatório Ministerial de 1890 de Rui Barbosa e o Brasil pós Revolução de XV de Novembro,

subdivide-se em duas seções. A primeira analisa temas domésticos abordados por Rui Barbosa em

seu Relatório relevantes para a posterior avaliação do Decreto nº165. A parte seguinte foca nas

análises do Ministro sobre as experiências bancárias estrangeiras destacando as lições que Barbosa

deriva para implementar em sua política. A quarta fração do texto, Comparação Entre as Situações

Brasileira e Americana, aprofunda os paralelos entre as experiências internacionais e o contexto

político e econômico vivido pelo Ministro Rui Barbosa. Por fim, a seção Como Era o Regime

Monetário Criado por Rui Barbosa: Das Influências ao Projeto, examina aspectos relevantes da

medida de 17 de janeiro e expõe suas motivações domésticas e nacionais. Finalmente, após todas

essas análises apresenta-se considerações finais sobre a problemática apresentada.

2. Contextualização Histórica do Brasil

Para se compreender o período do Encilhamento, e o significado da política de emissão

monetária adotado, é preciso entender a situação econômica que Rui Barbosa herdara. O

financiamento da cafeicultura carioca era feito por um capital-comercial de grande porte, que havia

ficado excessivamente concentrado após as crises de 1864 e 1875. Era esse o capital que permitia a

expansão da atividade cafeeira e dada a decadência deste setor no Vale do Paraíba, precisou

diversificar seus investimento para buscar retornos mais atraentes. “Uma das alternativas encontradas

foi a da inversão financeira em títulos oficiais” 1 o que proporcionou ao governo uma sólida fonte de

recursos. No entanto, embora o capital que alimentasse a dívida pública fosse carioca, era São Paulo

quem recebia a maior parte desses recursos advindos do governo 2. Assim agravava-se rapidamente o

problema da falta de liquidez no Rio de Janeiro.

Apesar desse contexto aparentemente desfavorável, pode-se dizer que Ministro da Fazenda

Ouro Preto assumiu o governo, já no ocaso do Império, com uma situação econômica favorável. O

câmbio valorizado e um sentimento de prosperidade decorrente da proclamação da abolição sem um

conflito armado garantiam boas perspectivas 3. Além disso, o governo também aumentava sua

captação de recursos externos através dos bancos ingleses que desfrutavam da sua posição favorável

no mercado cambial e beneficiavam-se da falta de liquidez no Rio para aumentar sua posição no

1 TANNURI, Luiz A.. O Encilhamento, São Paulo. São Paulo: Editora Hucitec, 1981, p. 27.

2 Idem, p. 28.

3 SCHULZ, John. A Crise Financeira da Abolição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996, p. 77

mercado nacional 4. Estes, “reconheciam as boas perspectivas do Brasil” e aumentavam suas

diferentes linhas de crédito aumentando consideravelmente o volume de ouro em circulação 5.

O desafio com que o Visconde de Ouro Preto se deparava, no entanto, era essencialmente

político. Após a abolição da escravatura era necessário reconquistar o principal pilar de apoio da

monarquia, os agricultores paulistas. Para isso, no entanto, Ouro Preto, não podia executar reformas

políticas, pois contrariaria os interesses dos monarcas. O plano adotado então para reconquistar esse

setor dominante eram políticas econômicas expansionistas, como a imigração subsidiada e os

empréstimos para a agricultura 6. Por sua vez, para contornar definitivamente o problema da falta de

liquidez da economia foi preciso adiantar uma vasta quantia de recursos sem juros aos bancos e

obrigá-los a repassar o dobro desse valor à lavoura cobrando ágio. Tal medida, porém, incentivou a

proliferação de novos bancos atraídos pela possibilidade de se favorecerem da iniciativa pública.

Vale ressaltar que

Os objetivos procurados pelo Governo através da aplicação dessa política não foram atingidos, no

entanto 7.

Em busca de soluções alternativas o Gabinete decretou, como um dos últimos suspiros do

Império, o “direito de emissão às companhias anônimas que se propusessem a fazer operações

bancárias” 8. Com alguns contratempos iniciais o decreto passou a funcionar eficientemente depois

de julho de 1889. Esse decreto, porém, gerou “o mais espantoso jogo da Bolsa, com uma alta de

preços nunca vista” 9. Com o reconhecimento da impossibilidade de se conter a queda da taxa

cambial “já surgira um princípio de ‘corrida’ bancária” 10

que levou os principais bancos emissores a

conterem suas emissões. Em meio à crescente demanda por papel-moeda e a contração dessa oferta,

o governo foi obrigado a emitir.

Foi nesse cenário de graves dificuldades para equilibrar o mercado de moeda que assumiu o

Ministério da Fazenda o Ministro Rui Barbosa, agora como membro do novo governo republicano,

que será o personagem central neste estudo. Como bem coloca Renato M. Perissinoto eram três as

4 Para uma análise mais detalhada do crescimento do crédito estrangeiro no Brasil nos últimos anos do Império e

primeiros da República ver Tannuri, Luiz.. O encilhamento e Perissinoto, P. M.. Classes Dominantes e Hegemonia na

República Velha 5 Schulz, p. 77

6 Idem, p. 77

7 Tannuri, p. 41

8 Idem, p. 42.

9 CAVALCANTI, Amaro. Política e finanças. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892, p. 401.

10 Tannuri, p. 49.

carências decorrentes desse contexto que as políticas de Barbosa visariam combater: a escassez de

crédito para a agricultura, a falta de dinheiro em circulação e os seguidos déficits orçamentários 11

.

3. História e Historiografia Sobre a Reforma Bancária de 1890

Na literatura específica sobre o Encilhamento a constatação sobre o paralelo entre o regime

financeiro americano e o criado em janeiro de 1890 no Brasil não costuma especificar onde estão as

semelhanças entre os dois modelos, nem qual dos diferentes modelos adotados ao longo da história

dos Estados Unidos haveria motivado Rui Barbosa 12

. Dentre os autores que afirmam a existência

dessa motivação estrangeira, alguns apontam especificamente para o modelo criado por Alexander

Hamilton, primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, como sendo a inspiração de Barbosa.

Vale lembrar, no entanto, que no momento em que Rui Barbosa aprova seu Decreto é o sistema

criado nos Estados Unidos, durante a Guerra Civil, em 1863, que vigorava. Além disso, embora Rui

Barbosa tenha lidado com um problema semelhante ao que tinha Hamilton ele não criou um banco

nacional e sim três bancos regionais que respondiam ao governo federal, sendo que alguns bancos

vieram a se fundir formando maiores conglomerados.

Uma das formas de compreender o projeto de Rui Barbosa é contrastando as influências e as

originalidades de seu Decreto. Por essa linha argumentativa, predominante entre as décadas de 1920

e 1940, podemos entender a obra de Tannuri, nas palavras dele: “O sistema criado pelo ministro da

Fazenda do Governo Provisório, não obstante ter sido idealizado nos moldes dos Bancos Nacionais

Americanos, recebeu uma série de adendos que deram o toque de originalidade à experiência

brasileira” 13

. Ele então desenvolve sua análise sobre os bancos criados pelo Decreto sem preocupar-

se em sustentar nem especificar o paralelo verificado com os bancos estadunidenses. Mais adiante

em sua análise quando aborda a questão da poliemissão regionalizada, ele cita o Relatório do

Ministério da Fazenda, no qual Rui Barbosa explicita as inspirações federativas da recente República

e a necessidade de fazer um gesto que mostre o ideal descentralizador do novo regime para as

diferentes regiões que o compunham:

11 PERISSINOTO, Renato M. Classes Dominantes e Hegemonia na República Velha. Campinas: Editora da Unicamp,

1994, p. 55 12

Vale ressaltar que a literatura econômica sobre o Império destaca diversos indícios e evidências da influência no debate

nacional das duas correntes principais do debate monetário britânico, do Princípio Monetário e do Princípio Bancário.

Pronunciamentos de pensadores e políticos brasileiros como Torres Homem e Souza Franco são freqüentemente

transcritos na literatura e deixam claro a influência externa no pensamento monetário brasileiro. No entanto, ao se

abordar o período subseqüente, a República, o impacto do debate monetário estrangeiro sobre a constituição das idéias

nacionais é deixado em segundo plano pela literatura especializada. SAES, Flávio A. M. de. Crédito e bancos no

desenvolvimento da economia paulista (1850-1930). São Paulo: IPE/USP, 1986. 13

TANNURI, Luiz A. O Encilhamento, p. 52.

... não se podia fazer a monoemissão nos primeiros dias da República; já porque convinha dar às várias

regiões arras dos sentimentos descentralizadores do governo... já porque ainda não havia na estabilidade

da situação nascente bastante confiança, para lançar os fundamentos de uma reorganização bancária

definitiva, apoiadas em sólidos pontos de ação central... Era preciso termos satisfeito o melindre das

justas reivindicações locais, expondo a nação o nosso grande programa federativo 14

.

Nesse trecho Rui Barbosa justifica a escolha do modelo de emissão regionalizado, mas tampouco

fornece informações mais detalhadas sobre esse aparente paralelo internacional.

Maria Bárbara Levy é outra autora que explicita a relação entre o modelo brasileiro de

poliemissão e o dos Estados Unidos: “As operações bancárias concedidas a esses bancos eram as

mais amplas possíveis, assemelhando-os muito aos bancos de negócios norte-americanos” 15

. Note

que a autora embora aponte para uma semelhança entre os bancos de emissão dos dois países, não

afirma que houve uma influência explícita. Ela não se alonga na discussão sobre os dois modelos,

deixando o modelo americano de lado e focando apenas no modelo adotado no Brasil. Por sua vez,

Adalton Franciozo Diniz, , baseando-se nas obras de Aliomar Baleeiro - um dos autores símbolos do

princípio da interpretação desenvolvimentista das políticas de Rui Barbosa - traça um paralelo um

pouco mais detalhado entre os dois modelos de emissão:

Ele [Rui Barbosa] conhecia a fundo a teoria financeira e as experiências em que se inspirou haviam sido

bem sucedidas. Colocado diante dos mesmos problemas enfrentados pelo primeiro secretário do Tesouro

norte-americano, Alexander Hamilton, Rui Barbosa nele se inspirou para criar um grande banco nacional,

encorajar a indústria e amparar os portadores de apólices da dívida do Governo 16

.

Ainda assim, a leitura do autor sobre esse aspecto da constituição dos bancos de emissão brasileiros é

bastante superficial, não explicitando quais eram os “mesmos problemas”, nem em quais aspectos a

“inspiração” culminou em similaridades entre o banco criado por Hamilton e os criados por Barbosa.

Apesar de esses três autores constatarem a influência e a inspiração estadunidense do modelo

criado no Brasil pelo decreto de janeiro de 1890, nenhum deles se aprofunda sobre tal fenômeno,

deixando tal afirmação vulnerável a questionamentos. Embora em uma primeira leitura sobre o

Decreto de 17 de janeiro de 1890 transpareça a semelhança entre os modelos no que tange a aparente

descentralização da emissão monetária, na literatura, ela não é sustentada por uma argumentação

mais extensa, deixando tal constatação superficial.

A verdade é que os Estados Unidos passaram ao longo do século XIX por diferentes modelos

bancários, modelos estes que Rui Barbosa sabia bem identificar, mas que nem sempre são lembrados

14

Relatório do Ministério da Fazenda de 1890, p. 81 e 82. 15

LEVY, Maria B. A Indústria do Rio de Janeiro através de suas sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 1994, p. 125 16

DINIZ, Adalton F. “O encilhamento e a ideologia nacional-desenvolvimentista”. Niterói:Anais do II Congresso

Brasileiro de História Econômica, 1997,, p. 187.

pelos autores que aproximam a experiência brasileira da norte-americana. Neste sentido, para

complementar o conhecimento necessário para se fazer a análise de quais modelos estadunidenses

influenciaram o Decreto de Barbosa e com qual intensidade o fizeram é preciso conhecer a história

monetária americana sobre a qual se debruçara o Ministro em seu Relatório. Analisaremos, portanto,

a história americana a partir da independência daquele país até os dias de Rui Barbosa no Brasil,

mesmo período examinado no Relatório. .

Após a independência dos Estados Unidos, o país adotou o bimetalismo, já em 1786, com a Lei

da Cunhagem, sob a liderança de Alexander Hamilton, embora somente em 1792 o país

efetivamente tenha passado a cunhar moedas. Hamilton, embora tenha enfrentado oposição cerrada

no Congresso, conseguiu o apoio do presidente George Washington para a criação do Primeiro

Banco dos Estados Unidos em 1791. Tal instituição “exerceu certo controle sobre os demais [bancos

estaduais], sobretudo ao refreá-los nas emissões de notas” 17

. No entanto, apesar dos sucessos do

Banco, aquela mesma oposição que dificultara sua criação em 1791, liderada por Thomas Jefferson –

agora presidente – impediria a renovação de sua licença e o extinguiria em 1811, sob os mesmos

argumentos que opuseram a sua criação.

Dada a ausência de um órgão federal para supervisionar o trabalho dos bancos estaduais, o

número destas instituições triplicou entre 1811 e 1816. A descontrolada proliferação de bancos

estaduais e de suas emissões de notas “conduziram a uma inflação que era estimuladora das

aventuras no mundo dos negócios” 18

. Esse cenário de descontrole macroeconômico “convenceram o

povo da necessidade de um segundo banco nacional” 19

. Criou-se em 1816 o segundo Banco dos

Estados Unidos com atribuições semelhantes as do primeiro. Entretanto, apesar de seus sucessos o

segundo Banco dos Estados Unidos teve a renovação de sua licença deliberada sob a liderança de um

presidente contrário a sua existência e foi fechado em 1836 – repetindo a saga de seu antecessor.

Os Estados Unidos atravessaram quase três décadas a partir do encerramento das atividades do

segundo Banco dos Estados Unidos sem uma autoridade monetária federal que coordenasse a

política bancária. Nesse período, apesar da inexatidão dos dados 20

, há registros de que os bancos

estaduais se proliferaram e passaram de 713 instituições em 1836 para 1.492 em 1862 21

levando a

uma situação caótica do papel circulante. Em 1860 cada banco emitia “em média, seis séries de

notas, de modo que nada menos de 9000 tipos diferentes de notas estavam em circulação” 22

.

17

ROBERTSON, Ross M. História da Economia Americana. Rio de Janeiro: Record, 1964, p. 196. 18

Idem, p. 198. 19

Idem, p. 206. 20

Idem, p. 213. 21

Historical Statistics of the United States, Colonial Times to 1957, apud Ross M. Robertson 22

ROBERTSON, Ross M. História da Economia Americana, p. 216.

Foi somente em 1863, dada a dificuldade do governo de captar recursos para a Guerra Civil

Americana, que “o governo federal resolveu reassumir o controle sobre as operações bancárias” 23

.

No entanto, “não havia muito apoio para a criação de um banco central nos moldes do antigo

segundo banco dos Estados Unidos, pois o eleitorado americano continuava hostil às poderosas

instituições financeiras” 24

. Em 1863 após algumas outras tentativas pouco efetivas o governo deu

início à emissão dos greenbacks para honrar suas dívidas e forçou sua aceitação à população, mas

ainda manteve a circulação de metais. Era a primeira vez em quase três décadas que os EUA tinham

uma moeda aceita nacionalmente.

A preocupação de definir com qual projeto Rui Barbosa se aproxima é determinante para definir

o próprio interesse do Ministro em sua reforma, tema que permeia a maioria dos estudos sobre o

período. Como já mencionado, embora autores como Maria Bárbara Levy e Adalton Franciozo

Diniz, partam de correntes de pensamento opostas, ela de uma desenvolvimentista e ele exatamente

tecendo uma crítica a esta corrente, enunciam o mesmo argumento: Barbosa teria se inspirado em

modelos estadunidenses. Já autores que focam nas influências pessoais do Ministro e nas classes que

legitimavam o Governo Provisório, não mencionam essa possível influência das experiências

americanas. Entretanto, mesmo autores com diferentes linhas de interpretação sobre o período

concordam quanto à importância do Decreto n° 165 de 17 de janeiro de 1890, e, portanto, também

que a fundação de “um sistema emissor regional” 25

foi um ponto decisivo desse período histórico.

Gustavo Franco chega a introduzir o Decreto como “a principal medida de política econômica

tomada por Rui Barbosa” 26

Neste sentido, poderíamos colocar o debate sobre o papel da história monetária americana como

sendo parte de uma argumentação sobre o pensamento industrializante ou não industrializante de Rui

Barbosa. Essa função, no entanto, é irrelevante para aqueles que argumentam que o Ministro da

Fazenda teria sido motivado apenas, ou fundamentalmente, pelo favorecimento de certas pessoas ou

pela simpatia a determinadas frações da classe social dominante.

Para aqueles historiadores “contemporâneos”, que predominaram até 1920 tais como Alfredo

Taunay, sobressaia o caráter pessoal da medida de 1890. Para esses autores o Decreto era um “ato de

escandaloso favoritismo” 27

. Esse grupo de estudiosos é reconhecido por sua visão crítica sobre as

políticas de Rui Barbosa. Suas análises apontavam tais políticas como responsáveis pelo aumento da

especulação financeira na Bolsa e não ressaltavam os benefícios decorrentes:

23

CLOUGH, Shepard B. e MARBURG, Theodore F. Economia e Sociedade nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Fórum

Editora, 1969, p. 175. 24

ROBERTSON, Ross M. História da Economia Americana, p. 357. 25

Levy, p. 124. 26

FRANCO, Gustavo. “A primeira Década Republicana”, p.21. 27

Schulz, p. 84

as emissões e a febre de negócios na Bolsa eram apontados pelos seus adversários [de Rui Barbosa]

como sintomas de uma administração inepta; por outro lado, os partidários de Rui Barbosa, além dele

próprio, esforçavam-se em encontrar justificativas que os isentassem da responsabilidade por esses

fatos 28

·.

Na mesma linha argumentativa dos “contemporâneos”, John Schulz expõe a relação pessoal de

Rui Barbosa com banqueiros e não faz menção a uma possível inspiração estrangeira da política.

Para ele, a presença de Francisco de Paula Mayrink – que viria a administrar o maior banco de

emissão criado por Barbosa - nessa reunião é um dos pilares de sustentação para descrever o Decreto

de Barbosa como um ato de favoritismo a alguns indivíduos representativos da classe financista

brasileira. Teria sido Mayrink quem “convenceu Rui Barbosa a estabelecer bancos de emissão com

lastro em bônus” 29

. O fato de o Ministro ter assumido diretorias nos negócios do banqueiro ainda

corroboram o argumento 30

.

Outros autores partem de uma visão classista para justificar o Decreto n° 165 e, da mesma forma

que os que adotam uma argumentação personalista, ignoram a análise do Ministro sobre as

experiências estrangeiras exposta em seu Relatório. Renato Perissinoto, por exemplo, busca dentro

da sua leitura sobre as classes dominantes qual seria a fração hegemônica, isso é qual a fração da

classe dominante que teria sido a mais beneficiada pelas políticas econômicas adotadas. Logo, o

pensamento de Barbosa em si adquire papel secundário em seu texto, pois seria apenas uma reação

ao resultado do jogo de poder entre as classes sociais e suas frações. As medidas do Governo

Provisório e do Ministério da Fazenda seriam apenas reflexo desse embate. Caberia, então,

questionar qual a classe hegemônica naquele momento, aquela para qual se voltariam as políticas

econômicas e que integraria o bloco do governo.

Em sua avaliação, a burguesia agrário exportadora não satisfaria esse critério, pois sua principal

preocupação era a taxa de câmbio a que seria vendida sua produção. Logo, embora tenha se

beneficiado da desvalorização provocada pela política emissionista de Rui Barbosa, ela não foi o

grupo alvo dessas políticas. Já o grande capital cafeeiro, teria sido prejudicado por esse mesmo

movimento cambial, devido ao encarecimento das importações, não constituindo, portanto, o grupo

hegemônico. Por sua vez, ambas as burguesias urbanas, industriais e bancárias, se beneficiaram com

as políticas de Barbosa. Porém foi, na visão de Perissinoto, a burguesia bancária a principal

favorecida pelo Decreto 31

.

28

DINIZ, p. 182. 29

Schulz, p. 83 30

Idem, p. 86 31

Perissinoto, 55-58

Para sustentar sua tese de que a burguesia bancária era a hegemônica e não a industrial, o autor

ainda expôs o fato de que não havia nenhum industrialista na reunião que decidiu instaurar o Decreto

de 17 de janeiro de 1890, enquanto estiveram presentes diversos representantes dos financistas, entre

eles o conselheiro Mayrink 32

. Além disso, a sucessão de Rui Barbosa pelo Barão de Lucena – nome

reconhecidamente ligado a burguesia bancária - sob indicação do presidente Deodoro, reforçaria a

tese do domínio dessa burguesia sobre o Governo Provisório e não apenas sobre o Ministro que

promulgou o Decreto. Segundo a lógica do argumento e contrapondo-se a corrente

desenvolvimentista, o Governo Provisório não teria adotado políticas primordialmente

industrializantes, embora a burguesia industrial tenha se beneficiado dessas.

Por sua vez, Fernando Henrique Cardoso - outro autor que segue um argumento classista –

diferentemente de Perissinoto, observa outras “duas correntes distintas” confrontadas nesse período,

os industrialistas progressistas e os cafeicultores conservadores 33

. Para ele

a expansão dos banco emissores, a enxurrada de papel moeda e de emissões de ações por parte de

companhias que se formavam, confirmam que entre as forças que se beneficiaram imediatamente com a

proclamação da República contavam-se setores industrial-financeiros urbanos 34

.

Para Perissinoto e Cardoso o governo seria reativo a disposição das forças sociais, ficando o

pensamento e as ideologias daqueles encarregados da administração pública com pouca influência

sobre suas políticas públicas. Esses autores contrapõem-se aqueles, como Levy e Diniz, que travam o

debate sobre a possível visão industrializante de Rui Barbosa. Para este grupo de autores, a questão

da influência estadunidense no pensamento do Ministro parece relevante.

Este debate emergiu com maior veemência a partir do final da década de 1940, quando foi

feita uma revisão com viés desenvolvimentista daqueles historiadores “contemporâneos”. A política

monetária de acelerada emissão monetária dos primeiros anos da República passa a ser retratada

como um esforço modernizante pela industrialização do país. Exemplo dessa nova leitura são as

palavras de Humberto Bastos, que considerou aquela a “grande hora do capitalismo brasileiro” 35

.

A obra de Levy ilustra esse debate debruçando-se especialmente sobre as medidas políticas

adotadas na legislação comercial e seu impacto sobre a bolsa de valores do Rio de Janeiro. Ela

32

Idem, p. 57 35

CARDOSO, Fernando H. “Dos Governos Militares a Prudente – Campos Sales”. FAUSTO, B. (org) História Geral da Civilização Brasileira, 5 ed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, T. III, V. I, p. 35 34

Idem, p. 32 35

BASTOS, Humberto. Rui Barbosa, Ministro da Independência Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Casa de Rui

Barbosa, 1949.

atenua a responsabilidade de Barbosa pela bolha bursatil gerada no período alegando que o mercado

financeiro carioca já estava em rápida expansão antes mesmo da proclamação da República 36

·.

Ainda que a autora descreva brevemente o cenário socioeconômico brasileiro dos anos finais do

Império e iniciais da República e chegue a afirmar que “a única forma de expandir operações de

empréstimo parecia ser o retorno à faculdade emissora do sistema bancário, sobre o lastro metálico

acumulado” 37

- demanda que o visconde de Ouro Preto tentara satisfazer com as leis criadas que em

1888 - ela deixa essa perspectiva contextual em segundo plano e desenvolve seu estudo por uma

interpretação desenvolvimentista. Levy constrói sua análise sobre o preceito de que em sua ideologia

Rui Barbosa tinha “objetivos modernizantes e industrialistas” 38

que “já eram conhecidos antes

mesmo que ele fosse chamado ao Ministério da Fazenda” 39

.

Adalton Franciozo Diniz retoma o debate sobe a ideologia industrializante de Barbosa por outro

ângulo e critica Levy - inclusive citando o mesmo trecho do texto de Rui Barbosa transcrito na obra

dela. Para Diniz o emprego do termo “indústria” nas obras de Rui Barbosa poderia ter um significado

diferente daquele predominante décadas depois, e que fôra empregado como o único significado do

termo pela interpretação desenvolvimentista do Encilhamento. Diniz menciona diversos empregos

contemporâneos a Rui Barbosa do termo “indústria” com significados distintos daquele adotado pela

interpretação desenvolvimentista.

Além disso, Diniz faz outra ressalva à interpretação desenvolvimentista sem, no entanto,

aprofundá-la: “Rui Barbosa tinha de fato intenção de cumprir o que prometia ou a afirmação seria

apenas um recurso retórico igual a vários outros tão comuns em seus discursos?” 40

. Dessa forma, o

autor questiona o quanto um discurso ou uma carta de intenções poderia ser usado como prova das

reais ações de um indivíduo, apontando, portanto, para outra vulnerabilidade da interpretação

desenvolvimentista sobre o Encilhamento.

O postulado, pouco detalhado, encontrado na literatura sobre a influência das experiências

estadunidenses sobre o pensamento de Rui Barbosa é, portanto, presente nas obras daqueles autores

que, preocupados sobre o debate proposto pela escola desenvolvimentista, tentam identificar os

princípios do pensamento do Ministro. Essas afirmações provavelmente derivam do Relatório do

36

Trabalhos mais recentes mostram como parte da crise do Encilhamento pode ser atribuída também ao resultado das

oscilações do fluxo externo de capitais pela via dos bancos argentinos. Ver FRANCO, Gustavo. “A primeira Década

Republicana”; ABREU, M. P. A Ordem do Progresso. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990, Bastos, Pedro P. A

dependência em progresso: fragilidade financeira, vulnerabilidade comercial e crises cambiais no Brasil (1890-1954).

Campinas: Universidade Estadual de Campinas - Doutorado, 2001 e FILOMENO, Felipe Amin. “A crise Baring e a crise

do Encilhamento nos quadros da economia-mundo capitalista”. Economia e Sociedade. Campinas, v. 19, n. 1, 2010. 37

Levy, p. 118 38

Idem, p. 123 39

Idem, p. 123 40

DINIZ, p. 194

Ministério da Fazenda de 1890 no capítulo “Unificação Gradual do Meio Circulante e Resgate do

Papel-Moeda”, pois é nele que se encontra o raciocínio de Rui Barbosa descrito pelo próprio

Ministro e no qual é apresentada a experiência americana como determinante de suas ações. Logo,

será sobre esse Relatório que focará esse estudo a fim de verificar e aprofundar essas afirmações.

4. O Relatório Ministerial de 1890 de Rui Barbosa e o Brasil pós Revolução de XV de Novembro

No Relatório do Ministério da Fazenda de 1890, Barbosa se debruça sobre os objetivos do

Governo Provisório, a situação monetária nacional, as experiências monetárias dos EUA e da Suíça e

deriva algumas conclusões que ele incorporaria em seu Decreto. Uma vez analisado o Relatório

pode-se comparar o contexto econômico e político vivido por Barbosa, Hamilton e outros secretários

do tesouro americano, além das próprias reformas monetárias que eles implementaram.

a. Objetivos principais do governo: política econômica e legitimidade

No entendimento de Rui Barbosa o Governo Provisório tinha como um de seus principais

objetivos assegurar as conquistas provenientes da Revolução que o conduzira ao poder. Isso fica

claro quando ele descreve o único elo comum entre os ministros daquele governo:

sustentar, pois, a Revolução, isto é, assegurar, durante o período intercallar, a paz, a ordem, e o crédito:

eis até onde nos era possível a unidade colletiva nas intenções e nos actos 41

.

Barbosa demonstra que da mesma forma que todo governo revolucionário tenta manter a população

apoiando a sua causa através do aumento dos gastos públicos, o Governo Provisório brasileiro teria

que aumentar as suas despesas com o mesmo objetivo 42

. Dessa forma, mantiveram os empréstimos

para a agricultura e aumentaram os salários dos oficiais, ambos os grupos que apoiaram a tomada do

poder 43

.

No entanto, 1888 havia sido o primeiro ano em quinze em que o governo não havia sido

deficitário, de maneira que seria pouco provável que se mantivesse tal desejável situação fiscal. Era

necessário incorrer em déficit público para manter o apoio popular a revolução.

Outra questão que exigia do governo medidas urgentes era a legitimidade externa, relevante até

para financiar o provável déficit. A repercussão da revolução brasileira no exterior não foi das

melhores. Segundo Barbosa as praças estrangeiras haviam sido acometidas de um “assombro

causado pela nossa revolução” 44

, de modo que era necessário levar em consideração o resultado

político das medidas que viriam a ser adotadas. Para o Ministro estava claro que os recentes eventos

41

Relatório do Ministério da Fazenda, 1890, p. 19 42

Idem, p. 12 43

Schulz, p. 82 44

Rui Barbosa, p. 78

políticos estavam repercutindo no exterior de maneira distorcida e manipulada 45

de modo que era

delicada a tarefa de resgatar a confiança estrangeira no governo nacional. Na avaliação do Ministro

“defender o curso forçado” da moeda, por exemplo, era “um expediente de duvidoso acerto político,

senão de desastrosos resultados” 46

. Dado o tradicional déficit do governo brasileiro, era necessário

dispor de crédito internacional e esse, para Barbosa, estava escasso constatada a desconfiança

generalizada que a Revolução de XV de Novembro causara nos financiadores internacionais. Os

Rothschilds, tradicionais financiadores do governo brasileiro, “recusaram-se a considerar

empréstimos até as eleições e o restabelecimento do governo legítimo” 47

. É importante ressaltar

também que esse temor contagiou até alguns comerciantes brasileiros que enviaram suas reservas de

ouro para o exterior temendo a instabilidade política nacional.

Por outro lado, ao tratar do crescimento da economia e da base monetária posterior a abolição

e, principalmente, pós Revolução de XV de Novembro, Barbosa afirma que em sua visão o espanto

desse mesmo estrangeiro

não decorre, pois, das emissões de 1890, mas da emancipação da nossa vida econômica pela suppressão

do captiveiro civil, da tranqüillidade que derramou no animo do povo a solução calma desse problema,

da confiança que inspiraram aos capitães retrahidos e foragidos os resultados immediatamente

benéficos dessa reforma 48

.

Rui Barbosa destaca ainda que para a continuidade da república, o maior risco seria a dissolução

do próprio Governo Provisório por “hostilidades intestinas entre os seus membros” 49

. Apesar da

aparente ideologia e identidade comum aos militares identificadas por Fernando Henrique Cardoso

50, para Rui Barbosa não havia solidariedade ministerial entre os membros do Governo

51. Os

Ministros não haviam sido eleitos por seu posicionamento político ou posição social, era um governo

proveniente de uma revolução e seus membros tinham “educação política e tendências diferentes,

sem plano de administração parecido e sem chefe preconizado” 52

.

Esses conflitos internos do governo ficaram patentes quando outras pastas ministeriais

aumentaram suas despesas, na contramão da contração fiscal adotada pela Fazenda, ilustrado por

Barbosa pelo exemplo do Ministério da Agricultura.

45

Idem, p.78 46

Idem, p. 78 47

Schulz, p. 82 48

Barbosa, p. 108 49

P.19 50

Para um detalhamento sobre o pensamento e identidade militar nesse período consultar Cardoso, Fernando H. O Sistema Oligárquico nos Primeiros Anos da República 51

Barbosa, p. 18 52

Idem, p. 19

Segundo Rui Barbosa a agricultura nacional necessitava de investimentos para se recuperar da

“crise cruciante da transformação da propriedade”, enquanto por sua vez a própria nação precisava

desses aportes “na lavoura, de fecundação profunda e imediata” 53

pois essa constituía parte principal

da sua renda. Portanto, segundo ele, era lógico que o Ministro daquela pasta tivesse o anseio de

despender largas quantias para impulsionar o crescimento econômico daquele setor e

conseqüentemente do país 54

. Assim,

esse ministerio [da Agricultura] não soube resignar-se á esterilidade de uma administração de

expediente, acreditando que a dictadura devia servir-se da indefinida extensão dos seus poderes e da

ausência das fórmas parlamentares, para dar á vida nacional impulso heróico 55

.

Barbosa estimava em 40.500:000$000 a quantidade de dinheiro gasta por esse ministério até o

fim de 1896 e em 94.500:000$000 o valor que seria desembolsado por esse em dez anos quando

fossem encerradas as construções 56

.

Por sua vez, o Ministro da Fazenda fazia um julgamento político de que não seria benéfico

para o Governo Provisório e para o país criticar publicamente aquela pasta, pois a eventual renúncia

daquele ministro

privaria o Governo Provisorio de uma das suas forças essenciaes, crearia contra elle uma suspeição

impossível talvez de vencer no espirito publico, e amorteceria, entre seus membros, a fé indispensável

no meio dos trabalhos extenuantes que nos tem acabrunhado 57

gerando, portanto mais males do que benesses ao Governo e ao país.

Na sua visão, alguns ministros daquela conjuntura não poderiam ser substituídos, pois não

haviam chegado ali por força de eleições, mas pelo “conjuncto imperioso dos factos” 58

, a exemplo

do ministro da agricultura Demétrio Nunes Ribeiro. No entanto, os motivos que conferiam essa

estabilidade a alguns ministros não se aplicariam ao Ministério da Fazenda. Essa pasta, não gozava

da mesma estabilidade política, porém se Rui Barbosa saísse do governo

além das consequencias, sempre perniciosas, da instabilidade ministerial, consequencias

incomparavelmente mais graves no caso do Governo Provisorio, teria a Nação de experimentar os

males inherentes de uma instantanea mudança na direccção financeira da Republica e á destruição das

grandes reformas econômica já acceitas á opinião 59

.

53

Idem, p. 14 54

Diversos autores argumentam que os principais beneficiados pelos empréstimos para a agricultura eram na verdade os burgueses bancários. Esses empréstimos na interpretação deles, teriam, na maior parte das vezes, sido usado para pagar dívidas de curto prazo trocando-as por dívidas mais longas a juros mais elevados. Ver Perissinoto, 1994 55

Barbosa, p.14 56

Idem, p. 16 57

Idem, p. 17 58

Idem, p. 18 59

Idem, p. 18

Fica claro, portanto, que havia um delicado equilíbrio mantido pelo gabinete ministerial do Governo

Provisório para que nenhum de seus ministros deixasse o governo.

Esse delicado equilíbrio foi colocado a prova pelo próprio Rui Barbosa quando promulgou o

Decreto n° 165 com o aval do presidente Deodoro porem sem consultar nenhum dos outros

ministros. Apesar das críticas e ameaças de três outros ministros, Rui Barbosa foi mantido no cargo

apoiado pelo líder do governo e o conflito resultou apenas em uma renúncia, do ministro Demetrio

Ribeiro 60

.

Em sua análise, Rui Barbosa secciona a história econômica brasileira em três períodos, o

primeiro termina na proclamação da Lei Áurea e a abolição da escravatura, o segundo é o intervalo

entre a abolição e a Revolução de XV de Novembro, e o terceiro é o posterior aquela Revolução.

Apesar da população livre brasileira pré-abolição ser composta majoritariamente por homens

que não eram nem senhores de engenho nem escravos – o Censo de 1872 mostra que 94,5% da

população era livre 61

- para Rui Barbosa nesse período não haveria necessidade de nenhum regime

de meio circulante, pois a necessidade de moeda pela sociedade era muito reduzida. Com um sistema

escravista “em toda a serie de relações a necessidade de meio circulante era nulla, ou quase nulla” 62

.

Barbosa ainda destaca que em sessenta anos de administração monarquista independente o

desenvolvimento da indústria fora ínfimo “não existindo população industrial” e, portanto sendo

irrelevante a dimensão da população assalariada.

Rui Barbosa demonstra através de evidências empíricas (i.e dinheiro despachado pelas ferrovias)

o crescimento da circulação de moeda pós abolição, estimado nesse exemplo em 565% 63

. No

entanto, reconhecendo a imprecisão dessa estimativa, faz um cálculo teórico baseando-se na renda

média do trabalhador assalariado e no tamanho da população liberta, que embora ainda

reconhecidamente falho é uma nova e mais acurada aproximação. A demanda adicional de moeda

calculada por esse modelo seria “uma somma de 115.290.000$ em salário que não se pagava antes da

abolição” 64

.

Após estimativas do crescimento da demanda por moeda da indústria e da agricultura, Barbosa

conclui que a “desproporção” entre o que fora emitido e o que se demandava era “incommensurável”

65. Mesmo que se atribuísse

60

Schulz, p. 85 61

Cardoso, p. 17 62

Barbosa, p. 86 63

Idem, p. 89 64

Idem, p. 89 65

Idem, p. 101

50% desse desenvolvimento apparente à especulação, ainda assim teremos o progresso real na razão de

250 a 275% ao passo que o crescimento actual do meio circulante se cinge presentemente à

porcentagem de 34,52, e, na sua maior extensão futura, nunca excederá 138% 66

.

Além do já apresentado descompasso entre a demanda e a oferta de moeda daquela situação,

Barbosa ainda acrescenta que seus cálculos apresentados no Relatório tratavam da demanda por

moeda daquele momento comparados a oferta de moeda após cinco anos quando estaria completo

seu plano de emissão:

Nem se deixe de advertir em que estou comparando o nosso estado agrícola e industrial apenas no pé

em que já hoje se acha, com a situação do meio circulante, qual será daqui a cinco annos, quando se

houver remido inteiramente o papel-moeda, e a circulação bancaria tocar a sua plenitude 67

.

A situação de escassez de meio circulante que Barbosa tinha diante de si, decorrente principalmente

da abolição da escravatura, era, portanto, gravíssima.

Com o exame dos aspectos domésticos determinantes da leitura do Ministro da Fazenda sobre

a situação econômica e política, podemos inferir as conclusões de Barbosa sobre as quais ele teria

baseado seu Decreto. Em sua interpretação o Governo Provisório buscava primordialmente garantir a

perenidade das ainda frágeis conquistas da Revolução de XV de Novembro. Para tanto, precisaria

aumentar seus gastos a fim de manter o apoio ao novo regime, logo, muito provavelmente incorreria

em déficit. Como este tradicionalmente era financiado por empréstimos estrangeiros, a retração deste

tipo de crédito devido à desconfiança internacional da estabilidade política brasileira era obstáculo

que precisava ser solucionado. Era preciso reconquistar a simpatia dos banqueiros estrangeiros e

fazer fluir novamente o crédito internacional. No entanto, para atingir os objetivos do Governo

Provisório, Rui Barbosa entende como principal ameaça a dissolução do próprio governo por

problemas internos entre seus membros. Nesse contexto caberia ao Ministério da Fazenda lidar com

a situação patente de falta de liquidez na praça, problema que afligia a economia como um todo de

maneira gravíssima.Análise das experiências monetárias estrangeiras

A seção “Emissão e Federação”, que ocupa boa parte do capítulo “Unificação Gradual do Meio

Circulante e Resgate do Papel Moeda”, é subdividida em duas partes, “Estados Unidos” e “Suissa”.

Nelas Rui Barbosa traça uma releitura histórica da evolução dos sistemas de circulação monetária

nesses dois países que ele chama de “povos exemplares” do “ideal federativo” 68

·. Nesse segmento

da análise a fim de lidar exclusivamente com as opiniões de Rui Barbosa evita-se utilizar outras

fontes que não o próprio relatório do Ministro

66

Idem, p. 101 67

Idem, p. 101 68

Idem, p. 57

É importante ressaltar que a Revolução de XV de Novembro havia instituído um regime

federalista através do qual os governos locais ganharam alguns poderes e direitos antes centralizados

na monarquia. Buscar modelos nesses dois países estrangeiros decorre da necessidade de um país

que ainda buscava um caminho para seu desenvolvimento tem de seguir exemplos de sucesso.

Embora sejam raras as comparações entre Brasil e Suíça, possivelmente por representarem países em

estados tão diferentes de desenvolvimento econômico e por conterem situações geográficas distintas,

Rui Barbosa analisa esse país, pois esse poderia ser considerado aquele no qual o federalismo está

mais enraizado. Já os Estados Unidos, apresentava características mais próximas ao Brasil, por ser

uma ex-colônia americana, ter dimensões territoriais continentais, e ter instaurado o regime

federalista após sua independência. Além disso, desde sua independência e da proclamação de sua

Constituição, os Estados Unidos da América havia se tornado inspiração política para muitas das ex-

colônias americanas.

Ao longo de sua descrição e mais profundamente no restante do capítulo, Barbosa busca

explicitar as lições e modelos que derivou de sua análise dessas experiências estrangeiras e a maneira

como ele as adaptou a distinta realidade brasileira.

I. EUA

Barbosa inicia sua análise com “o primeiro ministro do Thesouro”, Alexander Hamilton, que

teria “fundando as finanças americanas” 69

. A criação do Primeiro Banco dos Estados Unidos da

América “cujas notas possuíssem força liberatória em todo o território” 70

americano além de

proporcionar um papel moeda nacional buscava “acautelar a circulação fiduciaria do paiz contra a

praga das emissões livres e depreciadas” 71

. Logo, em seu pleito pela criação do Banco, Hamilton

enfrentou oposição daqueles que, liderados por Thomas Jefferson, mais temiam a perda da

autonomia local. No entanto, apesar da oposição, Hamilton recebeu o apoio do presidente George

Washington que priorizou o respeito à recém instaurada constituição 72

.

O Primeiro Banco dos Estados Unidos da América expirou em 1811, sem que sua existência

fosse prolongada pelo governo. Com a segunda campanha com a Inglaterra “todos os bancos

incorporados pelos Estados, excepto os da Nova Inglaterra, suspenderam o troco de suas notas”

levando o país a “mais tremenda confusão em todos os negócios” 73

. Essa chegou a alterar o

entendimento de Jefferson sobre o assunto:

69

Idem, p. 57 70

Idem, p. 57 71

Idem, p. 59 72

Idem, p. 58 73

Idem, p. 59

Os bancos suspenderam. Estamos agora sem meio circulante... Cumpre exhortar

immediatamente as legislaturas dos Estados a renunciarem á attribuição de fundar bancos 74

.

Barbosa analisa então o conflito constitucional exposto por Alexander J. Dallas, que então ocupava o

cargo outrora de Hamilton, que não o impediu de propor a criação de um novo banco nacional nos

moldes do anterior. Para Dallas estava claro que era necessário que o Congresso assegurasse o direito

constitucional que somente ele detinha de cunhar moedas. “Após longos e porfiosos embates,

restabeleceu-se, em 1816 a instituição de Hamilton, modelada estrictamente no seu plano, sob a

designação de Banco dos Estados Unidos” 75

.

No entanto, apesar do entendimento constitucional de Dallas, de juristas e de outras

personalidades americanas citadas por Rui Barbosa, a Suprema Corte americana concedeu aos

estados o direito de autorizar instituições particulares a emitirem moeda. As críticas a essa decisão

que estão apresentadas no Relatório Ministerial se constroem sobre o mesmo argumento, de que seria

ilógico que os estados pudessem conceder um direito a outrem sem que esses mesmos sequer o

possuíssem. Logo, conclui Barbosa tentando explicar essa estranha situação:

A anomalia dos bancos de Estados não existe, conseguintemente, alli senão por uma degenerescencia

dos princípios constitucionaes, contra a qual ainda se não cessou de clamar na mais elevada esphera da

intelligencia americana. Para essa corrupção da consciência constitucional, porém, contribuiu, acima de

tudo, a mais poderosa das forças históricas: a do costume inveterado, secular; força sobre todas

poderosa na raça saxônia 76

.

A resultante proliferação de bancos privados de emissão foi generalizada:

em 1836 o numero de institutos dessa espécie, creados nos sete anos anteriores, subia a 304, que,

addicionados aos preexistentes, elevaram o total a 634 bancos 77

Apesar da crise que gerou centenas de falências bancárias em 1839, essa propagação de bancos não

cessou até 1860

Em 1860 a situação não melhorara. Havia alli, segundo informações obtidas em dezoito Estados, 1230

bancos, dos quaes 140 fallidos, 234 fechados e 31 absolutamente inválidos. Corriam na circulação 3000

especies de notas alteradas, 1700 variedades de notas espúrias, 460 generos de imitações e mais de 700

outras especulações fraudulentas em grão mais ou menos grave. O numero de typos de notas

autenticadas em gyro ascendia a 7000. Era necessário recorrer a detectores especiaes, para verificar a

legitimidade das notas e a solvência, ou sequer a existência, dos bancos a que elas se filiavam. Calcula-

se que, dentre 11 notas em circulação, apenas 6 eram verdadeiras 78

.

74

Carta de Jefferson para Mr. Cooper. Apud Rui Barbosa 75

Barbosa, p.59 76

Idem, p. 64 77

W.G Sumner: A history of American currency, p. 123 (RB. P. 68). Apud Rui Barbosa 78

Upton: Money in politics, p. 112-113 (RB P. 69). Apud Rui Barbosa

Referindo-se a essa situação fiduciária caótica o senador Sherman apresenta uma possível conjectura

tamanha a disseminação de notas falsas e da desinformação da população sobre a credibilidade da

moeda circulante

Quando um desconhecido apresenta uma cédula de banco, mais fácil se affigura ao interlocutor sondar-

lhe a honestidade atravez do semblante do que reconhecer a authenticidade da nota pelo seu aspecto 79

.

A experiência dos EUA para Rui Barbosa teve como resultado “miséria, espoliação, bancarota”

80. Para ele estava claro através do exemplo histórico americano que a descentralização do direito de

emitir moeda era uma escolha prejudicial para o Brasil. Permitir a emissão de moedas aos Estados

brasileiros que nunca haviam possuído o direito ou mesmo o anseio de emitir resultaria

de um tal Pandemonio financeiro grandes portentos se poderiam extrahir, mas nunca a ordem, o

trabalho, a riqueza ou o credito. E bastaria esse erro, para que a Republica descesse rapidamente a baixo

das piores misérias da monarchia 81

.

Foi somente em 1863, através da reforma financeira proposta por Salmon P. Chase - chamado

de “grande ministro do Thesouro” 82

pelo Ministro brasileiro – que o governo federal conseguiu

retomar o controle sobre a circulação monetária americana. Segundo o presidente Lincoln

não havia outra forma de satisfazer ás urgências da situação financeira, a não ser uma lei de bancos

nacionaes uniformemente organizados sob um regimen de origem federal 83

.

No entanto, para suprimir a existência dos bancos privados de emissão não bastou o governo permitir

sua conversão em bancos nacionais, foi necessário lançar mão de impostos que inviabilizassem sua

lucratividade e sobrevivência.

Assim, quando Rui Barbosa escreve seu Relatório Ministerial de 1890, o governo federal dos

Estados Unidos da América havia retomado a autoridade e a exclusividade sobre o direito de emissão

monetária após anos de caos financeiro propiciado pela descentralização. Durante seu período pós-

Independência, os EUA viveram um breve período de tempo sob o modelo centralizado de Dallas e

Hamilton, interrompido por um longo intervalo sob um sistema de proliferação de bancos emissores

privados que só foi encerrado em 1863 pelo modelo de bancos nacionais instaurado por Chase.

II. Suíça

Diferentemente dos Estados Unidos da América a Suíça não possuía uma longa tradição de

bancos locais de emissão, pelo contrário, o fenômeno era relativamente recente. No entanto, em 1863

– mesmo ano da reforma americana de Lincoln e Chase nos EUA - existiam naquele país

79

Sherman: Op. Cit. p. 41-3 (RB P. 70). Apud Rui Barbosa 80

Barbosa, p, 70 81

Idem, p. 71 82

Idem, p. 71 83

Idem, p. 72

dezoito estabelecimentos emissores, entre os quaes onze de caracter cantonal, organizados com a

participação mais ou menos directa do Estado e dotados do monopólio de emissão de notas 84

e esses números seguiram aumentando nos anos subseqüentes. A ausência de uma coordenação por

parte do governo levou os bancos a fundarem uma Clearing House em 1876 para o “serviço dos

descontos para o reembolso reciproco de suas notas” 85

.

Estava claro, porém, que seria necessário uma maior coordenação dos bancos locais que

deveria ser feita por meio do governo. Assim, a constituição suíça de 1864 possibilitou que o

governo federal desempenhasse esse papel. Em 1875 a Assembléia Federal adotou uma lei que

submetia todos os bancos emissores a uma legislação comum nacional, subordinava a autorização do

direito de emissão ao Conselho Federal e ainda incumbia esse órgão de outros direitos essenciais à

emissão fiduciária. Essa lei, no entanto, não foi aprovada e não chegou a entrar em vigor. Foi

somente em 1882 que uma nova lei nos mesmos moldes entrou em vigor.

Rui Barbosa descreve o funcionamento dos bancos suíços pós 1882:

são as autoridades federaes que determinam a importância geral da emissão, que a repartem entre os

bancos, que prescrevem a estes as condições de organização e actividade, que os autorizam a

funccionar, que os destituem dessa faculdade, que lhes examinam, avaliam, e legalizam os depósitos,

que lhes inspeccionam as operações, levando a sua fiscalização até o estado diário da caixa, que lhes

julgam os litígios de direito privado, que lhes sanccionam as convenções de alliança 86

.

Para o Ministro brasileiro, portanto, “a constituição dos bancos de emissão helvetivos é, portanto,

hoje, essencialmente federal” 87

.

Barbosa destaca ainda que ganhava vulto nos últimos anos a proposta de criação de um único

banco nacional, sendo em 1889 objeto de atenção do relatório do Conselho Federal à Assembléa

Federal. O desenvolvimento do modelo emissor corrente e a perspectiva de uma centralização ainda

maior da emissão fiduciária suíça nas mãos do governo federal era um fenômeno surpreendente

justamente por ocorrer no país considerado o mais avesso as idéias centralizadoras 88

.

5. Comparação Entre as Situações Brasileira e Americana

Analisados esses dois exemplos históricos internacionais, fica claro que Barbosa focará suas

construções sobre as experiências americanas. O contexto suíço era muito distinto daquele com o

qual ele lidava no Brasil, de forma que sua análise daquele país lhe fora útil principalmente para

84

Idem, p. 74 85

Idem, p. 74 86

Idem, p. 77 87

Idem, p. 77 88

Idem, p. 78

justificar que mesmo naquele país - exemplar do ideal federalista - ganhava vulto as tendências

centralizadoras da emissão monetária. A substituição da emissão pulverizada na Suíça por uma

emissão concentrada no governo central ilustrava para Barbosa que aquele modelo estava fracassado.

Assim, apesar do caráter federativo da primeira república brasileira, a opção pela emissão monetária

com uma coordenação difusa parecia algo contraditório a tendência histórica internacional.

Por sua vez, o exemplo histórico dos Estados Unidos da América era algo mais próximo da

realidade brasileira. Ambos os países tinham experiências escravistas recentes e tinham um passado

colonial comum. Além disso, a dimensão territorial e a diversidade econômica dos dois países

geravam os mesmos obstáculos para a circulação monetária interna. A Constituição americana já

havia inspirado diversos movimentos políticos no Brasil independente e seria lógico supor que a

inspiração estadunidense seguisse permeando o pensamento político-econômico brasileiro.

A constituição americana foi escrita com um forte sentimento federalista que almejava garantir

certas autonomias para os seus estados membros, como o próprio Rui Barbosa destaca, nos primeiros

anos que se seguiram a sua instauração

o estribilho consistia na defesa dos direitos dos Estados... Todas as questões se tratavam como

referencia á soberania dos Estados. Quanto mais se consummava a consolidação legal da União, tanto

mais crescia a reacção das tendências particularistas 89

.

Em 1797, quando da sua implementação, todas as treze colônias americanas já possuíam bancos

locais de emissão 90

. Eliminá-los poderia ser interpretado como uma violação da autonomia local,

como pensou Thomas Jefferson que chegou a pressionar pelo veto presidencial à proposta de

Hamilton para a criação do Primeiro Banco dos Estados Unidos 91

. Nas palavras do próprio Rui

Barbosa em seu Relatório Ministerial de 1890 “bem análoga era a situação, naqueles dias [de

Hamilton], a nossa, nos de hoje” 92

, referindo-se ao contexto político dos dois países.

No Brasil, por outro lado, embora o Governo Provisório defendesse um regime federalista, os

estados nunca haviam tido o poder de emitir moeda 93

. Dessa ausência histórica de um federalismo

brasileiro mais amplo, Rui Barbosa postula que se fosse conferido aos estados membros da federação

o direito de emitir autonomamente teríamos uma situação de descontrole financeiro que poderia fazer

ruir a recém instaurada República 94

.

Podemos inferir a partir da leitura do Relatório Ministerial que Barbosa considerava a situação

enfrentada por ele e por Hamilton semelhante à medida que ambos precisavam estabelecer um

89

The Constit. And Politic. History of the United States, vol 1, p.83. Apud Rui Barbosa 90

Barbosa, p. 65 91

Idem, p. 58 92

Idem, p. 57 93

Idem, p. 65 94

Idem, p. 71

primeiro sistema monetário nacional sobre princípios federalistas e que o poder conferido a ambos

advinha de revoluções. Logo, o objetivo principal dos governos a que ambos pertenciam era garantir

a estabilidade financeira para que se evitasse uma contra-revolução e a instabilidade política.

Em toda sua análise Rui Barbosa enfatiza o que ele considerava ser o objetivo principal

daquele governo provisório, garantir que a República fosse duradoura e evitar uma contra-revolução.

Para tanto, fica claro no Relatório Ministerial que era necessário adotar medidas que respeitassem os

ideais federalistas republicanos defendidos na revolução, garantir a estabilidade financeira nacional e

manter o apoio popular ao governo.

Por sua vez, Washington buscava principalmente garantir a longevidade e o respeito a recém

instaurada Constituição americana. Em suas decisões fica claro que o respeito por aquele código, nas

palavras de Cabot Lodge:

Não era Washington idolatra cego da Constituição em que tanto cooperára. Mas tinha a crença de que

ella havia de surtir bons frutos; e cada dia se lhe firmava mais essa conviccção. Parecia-lhe, porém, que

um dos elementos mais duráveis para o bom êxito de sua obra se adquiriria, creando entre o povo o

sentimento sincero de respeito a Ella, sentimento impossível, si o exemplo de reverência não partisse do

Governo 95

.

Outra questão fundamental para o autor era referente as reservas metálicas, nesse sentido,

Barbosa compara a situação enfrentada pelo governo americano em 1863 e a que ele enfrentava “no

dia immediato á revolução de 15 de novembro” e as define como “notavelmente semelhante, a

muitos respeitos” 96

. O Brasil viu-se diante de uma rarificação de suas reservas metálicas e conviveu

com uma corrida aos bancos quando do rumor de uma revolução. Era preciso garantir a liquidez e

isso só seria possível se a confiança externa fosse reconquistada pelo governo. Os Estados Unidos,

por sua vez,

estabelecendo, em 1863, a circulação bancária sobre títulos federaes, nutria o governo dos Estados

Unidos, a braços então com a guerra separatista, o pensamento de, no meio da escassez de espécies

metallicas, que os abusos dos banco locaes e as misérias da lucta civil afugentaram, reerguer o credito a

nação, creando para os valores da sua divida um mercado vasto e seguro 97

.

6. Como Era o Regime Monetário Criado por Rui Barbosa: Das Influências ao Projeto

a. Pressão federalista

A Revolução de XV de Novembro tinha um caráter federalista distribuidor do poder central

para os governos locais. Como fica comprovado quando o governo central permite aos estados que

95

Cabot Lodge: George Washington, v.II, p. 107. Apud Rui Barbosa 96

Barbosa, p.78 97

Idem, p. 78

esses contraíam empréstimos externos livremente 98

. Sendo assim, era razoável supor a emissão

descentralizada no Brasil, não fossem as lições sobre esse modelo que Rui Barbosa derivara da

experiência internacional. Para o Ministro estava claro que a autonomia local para emissão estava

fadada ao fracasso, como se verifica quando ele analisa o período da história americana que se

encerrou em 1863 com a criação do regime de bancos nacionais.

Logo o modelo adotado por Barbosa se equilibrava entre a ideologia federalista do Governo

Provisório e as lições retiradas da história americana e suíça:

E’ o que não se podia fazer nos primeiros dias de Republica; já porque convinha dar ás varias

regiões do paiz arrhas dos sentimentos descentralizadores do governo (o que se fez com a creação

dos bancos regionaes, que na reforma actual, são respeitados; já porque ainda não havia na

estabilidade da situação nascente bastante confiança, para lançar os fundamentos de uma

reorganização bancaria definitiva apoiado em sólidos pontos de acção central 99

.

b. Lastro

Dada a carência de reservas metálicas que pudesse suprir as necessidades de investimento do já

deficitário governo e a demanda por mais vultosas emissões, era preciso um lastro alternativo ao

ouro. Assim, Rui Barbosa optou pela emissão lastreada em títulos da dívida pública a exemplo de

Chase nos Estados Unidos em 1863. Nas palavras de Barbosa:

Em contigencias taes, tudo nos impunha á imitação o exemplo dos Estados Unidos: servimo-nos dos

títulos do Estado, immobilizados e desvalorizados pela sua esterilidade econômica, para o transformar

em moeda circulante, que viesse irrigar os canaes da circulação, da industria, do trabalho. Não se

demoraram os fructos da experiência, promptos e semelhantes aos da pratica americana 100

.

Rui Barbosa, no entanto, reconhece os “adendos” mencionados por Tannuri 101

quando da adaptação

do modelo a realidade brasileira

passando, porem, pela reforma brasileira, a idéa americana recebeu um typo differente, original, que lhe

duplicava o merecimento em relação aos interesses do Estado 102

.

Aqui, Barbosa se refere ao fato de a apólice resgatar-se a si mesma quando depositado pelos bancos.

No modelo americano o título federal é apenas um lastro estático.

c. Moeda única de circulação nacional

Embora tenha criado bancos regionais de emissão, Rui Barbosa não hesitou em implementar

uma moeda única de circulação nacional. Diferentemente da situação americana em 1863, o Ministro

não teve que asfixiar bancos locais de emissão que produziam moedas regionais, mas sua

98

Cardoso, Fernando, H. O Sistema Oligárquico nos Primeiros Anos da Republica, p. 38 99

Barbosa, p. 81-82 100

Idem, p. 79 101

Ver referencia 36 102

Barbosa, p. 80

preocupação era a mesma de Chase, que também se assemelhava a de Hamilton, criar um meio de

circulação nacional. Sua segurança em seguir por esse caminho se baseava claramente na experiência

Suíça e dos EUA

Para firmar, portanto, uma situação de legallidade definitva, não hesitei em enveredar pela estrada real,

por onde se vão dirigindo, em toda a parte, as idéas contemporâneas em matéria de bancos de

circulação, isto é, em caminhar da multiciplicidade para a unidade. Eis o rumo, que nos impunha a

experiência universal 103

.

7. Conclusão

Através da análise do Relatório Ministerial de 1890 feito por Rui Barbosa temos diversos

indícios de que o postulado apresentado na literatura nacional sobre o período denominado de

Encilhamento, embora verdadeiro, apenas tangencia de maneira bastante superficial a questão das

reais e efetivas influências das experiências estrangeiras sobre a formulação do Decreto nº 165 de 17

de janeiro de 1890. O conhecimento demonstrado por Rui Barbosa sobre as histórias monetárias dos

dois países que ele escolhe como ilustrativos de nações federalistas – Estados Unidos e Suíça - e que

adotaram modelos descentralizados de emissão, é bastante profundo, sendo que aquele período de

tempo protagonizado por Alexander Hamilton, destacado por alguns autores como Adalton

Franciozo Diniz, como o determinante do pensamento do Ministro da Fazenda, parece ter sido

complementado por outros momentos e personagens da história mundial.

Embora pareça correto interpretar que Rui Barbosa não tenha seguido modelos suíços em suas

políticas econômicas no Brasil, também não é irrelevante ele ter usado esse país como exemplo para

fundamentar sua tese de que era necessário centralizar nas mãos do governo federal o direito de

emissão, apesar dessa discussão ficar além do escopo desse estudo. Certamente, as experiências

monetárias americanas desde a independência daquele país são as principais balizadoras do

pensamento de Barbosa apresentado em seu Relatório. Rui Barbosa parece ter se inspirado em pelo

menos três secretários do tesouro americano, Alexander Hamilton, Alexander J. Dallas e Salmon P.

Chase.

Barbosa parece se identificar com Hamilton em diversos aspectos de sua administração,

principalmente no tocante ao contexto econômico e político que os dois viveram como formuladores

de políticas públicas de suas respectivas economias. Tanto o Secretário do Tesouro de George

Washington quanto o Ministro da Fazenda do Marechal Deodoro da Fonseca tinham a

responsabilidade de assentar as bases para a circulação monetária de seus países. Ambos os

governos que integravam tinham por objetivo principal garantir a longevidade das recentes

103

Idem, p. 81

conquistas obtidas pelos meios militares, fossem elas a independência e a constituição americana ou

a revolução republicana brasileira. Outra semelhança entre os dois gestores está na criação de uma

única moeda nacional que pudesse ser usada como meio de troca e reserva de valor em todo o

território. Por outro lado, Hamilton implementou uma autoridade federal que coordenava a emissão

de maneira centralizada, enquanto Barbosa concedeu o direito de emissão a três bancos públicos

regionais sob a tutela direta do governo central.

Dallas, principal responsável pela criação do Segundo Banco dos Estados Unidos mencionado

por Rui Barbosa, embora não tenha inovado no modelo de emissão, parece ter desempenhado papel

significativo na construção do pensamento de Barbosa. Foi esse Secretário que alardeou a

necessidade de se definir juridicamente a quem caberia o dever de emitir moeda, e ele foi taxativo ao

defender que o Congresso nacional fosse o único responsável por essa atividade, sem que nenhum

governo local partilhasse desse direito. Baseado na discussão jurídica proposta por Dallas e na

necessidade que ele havia verificado de centralizar nas mãos do governo federal a produção do meio

circulante, Rui Barbosa consolida sua convicção.

Por fim, o Relatório de Rui Barbosa sugere que o Ministro se identificava muito com o modelo

implementado por Salmon P. Chase nos EUA em 1863. Ambos enfrentaram situações semelhantes

de escassez de reservas metálicas e adotaram o lastro sobre títulos federais. Além disso, assim como

Barbosa, Chase foi obrigado a conciliar a necessidade de criar uma autoridade monetária federal e

uma moeda única nacional com os temores dos governos locais de perder suas autonomias. Dessa

forma, tanto Chase quanto Barbosa não abandonaram a emissão local, porém submeteram-na, cada

um a seu modo, a tutela do governo central. Chase teve muita dificuldade para asfixiar os bancos

privados de emissão que haviam se proliferado durante as décadas em que os governos locais

puderam conceder o direito de emissão a quem o desejasse, porém obteve êxito reduzindo sua

lucratividade e convertendo-os em banco nacionais.

Dessa forma, fica claro que Rui Barbosa conhecia profundamente as experiências estrangeiras,

e principalmente as estadunidenses, e que essas, de fato, como observa a literatura, influenciaram seu

pensamento e seu Decreto de 17 de janeiro de 1890. As lições que ele deriva dos diferentes modelos

bancários adotados ao longo história independente norte-americana balizaram sua medida e

impediram que o Brasil repetisse mecanismos que estavam evidenciados como fracassados.

Entretanto, devemos reconhecer também que o Ministro foi além da imitação desses modelos

importados e fez adequações no modelo nacional para torná-lo condizente com a realidade brasileira

da época.

Fontes

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