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FAMÍLIA E ESCOLA: ESPAÇO RELACIONAL EM CONSTRUÇÃO
Bernardete Gorette Kuijawa1
Clésio Acilino Antonio2
RESUMO
O artigo analisa questões pertinentes ao fenômeno social relação família e escola como espaço relacional em permanente construção e reconstrução, seus limites e possibilidades. Apóia-se em referencial teórico e na pesquisa qualitativa, em que os dados foram obtidos através de entrevista semi-estruturada, tendo como sujeitos participantes, pais e professores. Apresenta as práticas socializadoras da instituição familiar e como a mesma é afetada pelas mudanças ocorridas no plano social, econômico, político e cultural da sociedade. Aborda questões relativas à instituição escolar, sua especificidade em relação ao ensino do saber sistematizado, sua intencionalidade e função social. Faz referências sobre o relacionamento da família com a escola, seu impacto sobre a aprendizagem, o desenvolvimento e a socialização do aluno. Pela complexidade deste fenômeno, enfatiza a necessidade de uma integração mais efetiva, respeitando as particularidades e especificidades de cada contexto e da implementação de ações que levem em conta as inter-relações entre os dois segmentos.
Palavras-chave: família; escola; relação família-escola; ensino e aprendizagem.
ABSTRACT
The article analyses issues related to the social phenomenon, family and school relationships as relational space under permanent construction and reconstruction, its limits and possibilities. It is based on theoretical and qualitative research, where data were collected through semi-structured, with the participating subjects, parents and teachers. Displays the socialization practices of the family institution and socialization
1 Professora PDE/2010-2012, Pedagoga, Especialização em Supervisão Escolar, na Escola Estadual Dom Carlos Eduardo – Ensino Fundamental, Realeza-PR, NRE de Francisco Beltrão.2 Professor da Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Francisco Beltrão. Doutor em Educação. Orientador do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/2010-2012, NRE de Francisco Beltrão.
how it is affected by changes in social, economic, political and cultural society. Addresses issues relating to the school, its specificity in relation to the teaching of systematic knowledge, intentionality and social function. It makes references to the family relationship with the school, its impact on learning, development and socialization of students. Due to the complexity of this phenomenon, emphasizes the need for more effective integration, while respecting the particularities and specificities of each context and implementation of actions that take into account the interrelationships between the two segments.
Keywords: family, school, family-school relationship, teaching and learning.
1 INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade é necessário compreender a complexidade das relações
sociais de interação, em situação de conflito ou harmonia, entre ambientes
socializadores e os sujeitos neles socializados, considerando que o ser humano só se
faz em relação com um outro social, numa permanente construção que se estabelece
nas relações cotidianas, num espaço plural e temporalmente determinado.
Na visão de Berger e Luckmann (1976), o sujeito se torna humanizado pelo
processo de socialização. Convivendo nesta sociedade que evolui de forma dinâmica,
numa movimentação globalizada, na qual se insere a ação educativa, que se constrói e
é influenciada por vários contextos, coloca à escola e à família desafios constantes
gerando questionamentos, oportunizando discussões e possíveis aproximações entre
essas instituições.
Compreender o movimento e a dinâmica das práticas educativas desenvolvidas
na família e na escola e a influência que ambas exercem na aprendizagem dos alunos
é a questão que deu origem a esta pesquisa, bem como as relações estabelecidas,
construídas e reconstruídas entre esses dois ambientes educacionais.
Família e escola por possuírem naturezas específicas, distintas, são
responsáveis pela produção e transmissão de valores culturais. Porém, mesmo com
particularidades significativas e acentuadas, criam relações de interdependência no
processo de socialização e de desenvolvimento do aluno como sujeito social.
A instituição familiar é o espaço sócio-cultural cotidiano e histórico no processo
de socialização e se relaciona com as instituições de ensino, tornando-se espaço de
atitudes, e de mudanças, da realidade na qual se insere, pois é dela que se constituem
primariamente os sujeitos sociais que irão manter ou mudar a si próprios e a realidade
onde estão inseridos.
Compreende-se então que a escola poderá desenvolver um papel que contribua
para a transformação dos sujeitos e consequentemente da sociedade, na medida em
que ela discutir as condições existenciais: básicas e essenciais em que os sujeitos
vivem. A escola é o principal meio de transformação do ser humano (SAVIANI, 2004).
Diante da realidade social, enquanto instituição da educação, a escola enfrenta
grandes desafios quanto às ações que promove. Abrange a dinâmica das mudanças
sociais, das interações pessoais e profissionais, desenvolve seus objetivos mediante a
participação conjunta de seus profissionais e alunos de modo integrado. É
essencialmente um espaço construído na coletividade e nas relações grupais (SILVA,
2008).
Para Saviani, “[...] a escola tem uma função específica, educativa, propriamente
pedagógica, ligada a questão do conhecimento [...]”. (SAVIANI, 1991, p. 101).
Compreendendo que é através do processo educativo que o sujeito torna-se um ser
humanizado e sociável, adquirindo bases para uma vida em sociedade. Possibilitando
assim ao aluno uma concepção do ambiente social menos imediata, mais articulada,
podendo assim exercer sua cidadania e agir criticamente.
2 ABORDAGEM METODOLÓGICA
A pesquisa foi fundamentada na abordagem qualitativa, na qual se destacou a
caracterização da relação família e escola com obtenção de dados, que na visão de
Minayo (1998) responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências
sociais, com âmbitos da compreensão de realidade que não podem ser quantificados.
Como metodologia de pesquisa, foi utilizado o estudo de caso, numa Escola
Pública de Ensino Fundamental, anos finais, no Sudoeste do Paraná. O estudo de caso
foi desenvolvido em três fases que se inter-relacionam. A fase inicial diz respeito à fase
exploratória, momento em que a pesquisadora entrou em contato com a situação a ser
investigada para definir o caso, estabeleceu os contatos e localizou os sujeitos. Na
segunda fase, ocorreu a delimitação do estudo, a focalização da investigação e a coleta
de dados. Na terceira fase, ocorreu a análise sistemática dos dados e a elaboração do
relatório (LUDKE e ANDRÉ, 1986).
Como procedimento metodológico, foi utilizada a técnica de pesquisa entrevista
semi-estruturada, (APÊNDICE I) que, no entender de Trivinõs (1987), é aquela que
parte de questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam a
pesquisa, fruto de novas hipóteses surgidas à medida que se recebem as respostas
dos informantes.
Foram participantes da pesquisa dez pais de alunos, sendo oito mães e dois
pais, escolhidos de forma aleatória, num 6º ano do período matutino; quatro professores
do ano em questão, atuantes há mais de dez anos na escola; duas componentes da
equipe pedagógica e a diretora da escola. Outro grupo pesquisado foram os onze
participantes do Grupo de Trabalho em Rede (GTR), curso on-line. Os sujeitos
participantes da pesquisa foram assim codificados: pais de alunos (PA1 e PA2); mães
de alunos (M1, M2, M3, M4, M5, M6, M7 e M8); professores da turma (P1, P2, P3 e P4);
equipe pedagógica (EP1 e EP2); direção (D1); e, cursistas GTR (C1, C2, C3, C4, C5, C6,
C7, C8, C9, C10 e C11).
3 FAMÍLIA: UM NÚCLEO SIGNIFICATIVO PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO
NA PERSPECTIVA DOS PAIS E PROFESSORES
A família na contemporaneidade está exposta e enfrenta um período processual
caracterizado por mudanças significativas em muitas dimensões, principalmente, nas
relações de convivência e de intimidade. Também está desafiada na sua organização e
reorganização com contornos bastante indefinidos, por limites e por necessidades de
consumo. Ela é uma instituição social que passa por variações através da história e
apresenta maneiras e finalidades diversas numa mesma época e lugar, conforme o
grupo social que esteja sendo analisado.
A instituição familiar participa ativamente dos dinamismos próprios das relações
sociais e é influenciada por questões políticas, econômicas, sociais e culturais, na qual
está imersa. Essas influências geram mudanças que atingem, simultaneamente, os
aspectos institucionais da realidade familiar, bem como as identidades pessoais e as
relações mais íntimas entre os membros da rede familiar.
Como instituição social, a família está inserida em muitos processos interativos,
porque todos os efeitos das transformações sociais e econômicas recaem diretamente
sobre esta. Na visão da cursista C1, “... a estrutura da família é também resultado de
uma estrutura social”, também em acordo a cursista C4, que diz que “a família,
enquanto instituição social está sujeita às transformações da sociedade...”. Integrada no
processo social, continuamente a família passa por transformações significativas.
Porém, em meio aos movimentos e mudanças culturais e sociais, a família, enquanto
instituição, empenha-se em reorganizar aspectos da sua realidade que o ambiente
sócio-cultural vai modificando.
Para Kaloustian e Ferrari (1994, p. 12):
A família, enquanto forma especifica de agregação, tem uma dinâmica de vida própria, afetada pelo processo de desenvolvimento socioeconômico e pelo impacto da ação do Estado através de suas políticas econômicas e sociais. Por esta razão, ela demanda políticas e programas próprios que deem conta de suas especificidades, quais sejam a divisão sexual do trabalho, os trabalhos produtivos, e improdutivos e reprodutivos, a família enquanto unidade de renda, consumo e forma de prestação de serviços em seu espaço peculiar que é o doméstico.
Anteriormente ao século XVI, não havia a ideia de família enquanto constituição
de vínculos por laços consanguíneos, e só a partir de então é que começou a ser
construída a noção de amor cortês, com a mulher assumindo o lugar de companheira
na vida e no trabalho dos homens. Neste período, as representações de família e de
infância eram ausentes na cotidianidade. A criança era vista como um adulto em
miniatura, havendo um único mundo, para adultos e crianças. A partir do século XVII, a
intimidade da vida familiar foi destacada e retratada simbolicamente em torno de uma
mesa, ocasião em que houve a inserção definitiva da criança a este universo e com ela
o sentimento da infância e da família (ARIÈS, 1981).
Os escritos de Ariès (1981) apontam que, com a evolução nas relações sociais
que se estabelecia com a criança, ela passou a ter um papel importante nas
preocupações da família e da sociedade. A nova organização social fez com que os
laços entre adultos e crianças fossem fortalecidos. A partir deste momento, a criança
começou a ser vista como sujeito social, dentro da coletividade. A família passa então a
ter grande preocupação com a sua saúde e sua educação. Esses elementos
constituíram fatores importantes para a mudança de toda a relação social.
Portanto, a família é o ambiente inicial da cultura e a base da sociedade futura e
também a centralidade da vida social. É única em seu papel determinante no
desenvolvimento da sociabilidade, da afetividade e do bem estar físico dos sujeitos,
sobretudo durante o período da infância e da adolescência. Compreendendo, então,
que a socialização refere-se ao processo de transformação do ser biológico em um ser
social.
Sendo assim, a família busca assegurar a continuidade e o bem estar dos seus
membros e da coletividade, incluindo proteção e o bem estar da criança ou do
adolescente. A família representa o espaço de transmissão dos padrões sociais, seja
por meio do cotidiano e das trocas de experiências, seja por meio das práticas de
socialização e educação das gerações mais novas. Porém, o grupo familiar não
reproduz, apenas, o instituído, ele pode atuar como criador de oposições, inovações e
questionamentos de normas e valores (ROMANELLI, 1997).
Como organização social, a família é compreendida como responsável pela
transmissão de valores, crenças, ideias e significados que estão presentes na
sociedade. Nesse contexto, o discurso de alguns pais é bastante ilustrativo: “... tudo é
responsabilidade do pai e da mãe. A família precisa assumir este compromisso ” (M8);
“Até larguei meu emprego pra ficar com ele, criar meu filho com cuidado” (M5); “Na
verdade, eu acho que a minha família é tudo. Os pais devem dar o básico, o
fundamental” (M7). Percebe-se, portanto, que a família tem um impacto significativo e
uma forte influência no comportamento dos sujeitos, especialmente das crianças e
adolescentes, que aprendem as diferentes formas de existir, de agir, de ver o mundo e
construir suas relações sociais.
Como primeira mediadora, a família constitui-se como instância formativa das
relações de aspecto afetivo, social e cognitivo. É a oportunizadora da aprendizagem
humana, com significados e práticas culturais, gerando assim novos modelos de
relação interpessoal e de construção individual e coletiva. Compreende assim também
a professora participante da pesquisa, “...a família deve oportunizar a base cultural”
(P2). Também a cursista C1 contribui ao pontuar que “Os laços afetivos formados
dentro da família, particularmente entre pais e filhos, podem ser desencadeadores de
um desenvolvimento saudável... A família também é responsável pela transmissão de
valores culturais de uma geração para outra.”
Sendo a cultura familiar específica, ela se apresenta contornada de valores,
hábitos, pressupostos, formas de sentir e de interpretar o mundo, que definem
diferentes maneiras de trocas intersubjetivas. É no interior da família que a criança ou o
adolescente encontra os primeiros “outros” e com eles aprende o lado humano de
existir. Isto acontece pela troca intersubjetiva, elaborada na afetividade, construindo
assim o primeiro referencial para a sua constituição identitária, também promovendo a
formação das estruturas básicas da personalidade (BERGER e LUCKMANN, 1976).
Algumas expressões dos pais significativas revelam que a criança constrói o seu
modelo de aprendizagem e se relaciona com todo o conhecimento adquirido durante
sua experiência de vida primária e que vai se refletir na sua vida escolar. A contribuição
da mãe M3 diz que “Educar, alimentar e acompanhar os filhos... eles sentem quando a
família não está presente, por isso os pais precisam fazer esse acompanhamento”.
Essa socialização primária na visão de Berger e Luckmann (1976) que acontece
durante a infância, é um processo dialético que sendo representado pela exteriorização,
pela objetivação e pela interiorização é que vai constituindo o sujeito (aluno) a partir do
referencial do outro. Para Valadão-Santos (1997), independentemente de como a
família é constituída, esta é uma instituição fundamental da sociedade, pois é nela que
se espera que ocorra o processo de socialização primária, na qual ocorrerá formação
de valores.
Na visão dos pais essa convivência no interior da família tem um valor
importante para o filho, porque deixa marcas significativas em toda a sua vida, já que é
neste contexto social que se constroem as primeiras relações do sujeito. A socialização
primária é construída em relações emocionais fortes da criança com os outros membros
da família. Estes vínculos emocionais intensos e os processos de identificação explicam
a intensidade da primeira socialização.
As famílias, conforme a pesquisa realizada permitiu demonstrar, sentem-se
responsáveis por exercer um papel significativo na ambientação, encaminhamento e na
construção da pessoa. Contribuindo também na formação de sua personalidade e
inserção no universo social. É neste ambiente familiar que a criança aprende a
administrar e resolver seus conflitos, a manifestar os sentimentos que constroem as
relações interpessoais, a superar situações cotidianas de estresse, ansiedade, medo e
lidar com as adversidades. Tornando-se membro ativo desse contexto, aprendendo
atitudes, opiniões, conceitos e valores.
Também é neste ambiente que são oportunizadas muitas possibilidades de
atividades que envolvem a criança ou adolescente em ações intencionais, numa
situação de trocas experenciadas nas interações face a face com os membros da
família, oportunizando os processos de desenvolvimento. Porém, os pais reclamam da
escassez de tempo para vivenciar estas atividades conjuntas, pois implicam em
atenção e disponibilidade para essa relação afetiva. Por vezes, não constroem
momentos específicos de ação educativa com seus filhos, evidenciando assim o quanto
do tempo desses pais está sendo direcionado para o convívio familiar.
Isso ocorre porque no contexto social em que vivem e lutam pela vida, pais e
mães acabam dedicando grande parte do tempo para o trabalho e trabalham para
sobreviver. As famílias contam, nesse sentido, com a escola para auxiliá-las na
educação dos seus filhos, construindo assim uma corresponsabilidade nesta tarefa.
No atual contexto é preciso considerar um importante elemento histórico na
determinação dos caminhos pessoais e sociais dos sujeitos que constituem a família.
Os estudos de Ariès (1981) indicam que o modelo de família nuclear, como socializador
das crianças, somente passou a ser constituído a partir do século XVIII, o que modifica
a ideia de que a instituição familiar nuclear é algo que sempre existiu na sociedade.
Na atualidade, porém, se faz necessário atentar para a heterogeneidade das
configurações familiares.
De acordo com as pesquisas de Perez (2004), é comum ouvirmos que o grupo
familiar atualmente está em crise. O que vem ocorrendo são mudanças na estrutura e
nos papeis dos membros da família, em decorrência das alterações sociais que, por
sua vez, acabam colaborando para a existência de diversas formas de constituição e
modalidade de educação familiar, negando a construção histórica de um modelo de
família único e ideal. Por família, atualmente, compreende-se como uma série de
arranjos nas relações entre pessoas ligadas por laços de aliança e finalidade.
No entender da participante da pesquisa, professora P1, “...a família se esfacelou
e está vivendo um outro contexto... não tem nem família”. Da mesma forma, a cursista
C7 diz que “...hoje esta instituição está um tanto desestruturada...nossa sociedade não
se compõem mais de uma família nuclear...”. A idealização de um modelo de família
fortalece o discurso preconceituoso que desqualifica os grupos que não apresentam a
constituição familiar nuclear. A consequência desse discurso é o de justificar qualquer
dificuldade dos membros dos grupos com constituições diferenciadas em função da
diversidade de arranjos, ou seja, passam a ser identificadas como famílias
desestruturadas (GOLDANI, 2002; PEREZ, 2004).
Percebe-se, portanto, que alguns professores mantêm o relacionamento com as
famílias de seus alunos, a partir de certos conceitos que constroem sobre o que é
família. Acabam por desconsiderar outros arranjos familiares, surgidos a partir de
importantes transformações da sociedade. Essas diversidades de organizações
familiares não podem ser desconsideradas pela escola reportando-se a apenas a
tradicional – a família nuclear. Estas surgem das mais diversas categorias sociais,
inseridas num contexto histórico específico. Um aspecto significativo é que, às vezes, a
escola acaba responsabilizando e culpabilizando as famílias pelo que o aluno manifesta
no ambiente escolar, através de comportamento inadequado ou o insucesso de
aprendizagem, inspirada no modelo nuclear.
Portanto, a definição de família deixou de ser uniforme e estática, na
contemporaneidade; ela é conceituada como unidade social constituída por diversos
arranjos familiares, porém com determinações e objetivos semelhantes. Evidenciando
assim que não existe uma família ideal, pensada ou um modelo pré-determinado de
família, existem, sim, famílias reais, famílias vividas (SZYMANSKI, 2001).
Martins (s/d) colabora ao dizer que a dinâmica das relações segue padrões mais
livres, nos aspectos civis, religiosos e nas relações de gênero. Não há um modelo
cristalizado de família, o que pode denotar um entendimento distante do dito normal,
dando uma conotação de crise ou desestrutura. A família na contemporaneidade é
inovadora e democrática, e essas modificações não foram ainda totalmente apropriadas
pela sociedade. Esses movimentos, essas mudanças, proporcionam um certo
desconforto familiar, com a ausência de papeis preestabelecidos, os familiares
necessitam negociar todo momento suas diferenças.
4 A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA VISÃO DOS PAIS E DOS PROFESSORES
Em um mundo em contínua mudança, transformação e movimento, a escola
necessita assumir a sua função, o seu papel de formar cidadãos para a complexidade
do mundo. Considerando que o desenvolvimento científico e tecnológico exige dos
sujeitos que se constituem, convivem e interagem nesta sociedade, há a necessidade
de formação e a aquisição de novas habilidades e novos saberes.
O ser humano é essencialmente disposto para a sociabilidade, além disso, é
integrante e convive dentro de determinado grupo social, econômico, político, religioso
e cultural. Nessa perspectiva, o sujeito é ativo, age no e sobre o mundo, e nessa ação
se produz e ao mesmo tempo é produzido no conjunto das relações sociais, no qual se
insere (CHARLOT, 2000). No desenvolvimento do curso temporal de sua vida, o sujeito
se movimenta na sociedade para garantir a sua sobrevivência humana, necessitando
de alguns recursos sociais. Essas características precisam ser despertadas e
desenvolvidas em contextos educacionais.
Para Berger e Luckmann (1976), a realidade é construída socialmente. Nesse
sentido, a escola se torna um espaço colaborativo e significativo para a socialização e
humanização do sujeito. A escola em seu processo educativo deve colaborar na
conscientização do sujeito como membro da sociedade.
Para Kenski (2010, p. 109):
[...] a escola do aprender tem como principal compromisso garantir a aprendizagem dos alunos. E isso vai muito além de conhecer, compreender e analisar criticamente uma determinada informação ou realidade. [...] precisa estar em consonância com as múltiplas realidades sociais nas quais seus participantes se inserem e refletir sobre suas práticas formas de interagir com essas realidades e ir além.
Essa visão de escola como espaço social em que ocorrem movimentos de
aproximação e de afastamento, onde se criam e recriam conhecimentos, valores,
significados, vai exigir o rompimento de uma visão de cotidiano estática, repetitiva e
disforme (GIROUX, 1986).
No discurso da mãe M2, diz-se que “...não se pode parar no tempo com a
educação... a escola tende estar preparada para essa evolução”. Torna-se
compreensível que a tarefa da escola e do processo educativo encontra-se,
presentemente, frente a novas demandas formativas. Assim, também na compreensão
do pai PA1 “... não há possibilidade pra uma pessoa sem ter passado pela escola”. Os
pais compreendem o desafio que a escola tem para contribuir com a educação dos
filhos, num tempo de mudanças e incertezas, das necessidades de resgatar valores
éticos e de justiça social, importantes de acordo com a sociedade contemporânea.
Deixam transparecer nas suas falas a angústia, a incerteza e a insegurança de viver
num mundo com tantas tensões de ordem social, econômica, familiar e existencial.
Em um mundo em constante mudança, a escola e seu processo educativo
necessitam formar pessoas flexíveis. Pessoas que possam reconhecer a fragilidade
das conquistas sociais tradicionais, que tenham consciência da velocidade das
mudanças e que possam analisar criticamente o excesso de informações. Garantindo
aos alunos cidadãos a formação e o desenvolvimento de novas atitudes, para que
vivam e convivam em uma sociedade em permanente processo de transformação, com
a compreensão de como discernir, optar, analisar e criticar sobre o meio em que vivem,
transformando-se e também transformando as relações sociais do ambiente que lhes é
circundante (KENSKI, 2010). Para isso é necessário garantir aos alunos conhecimentos
que os façam entender as implicações de suas atitudes. Só há análise e reflexão se
houver conhecimento apropriado.
Promover a formação educativa nesta dimensão vai exigir da escola,
necessariamente, como espaço de ampliação da experiência humana, um trabalho
qualitativo com o conhecimento formal.
Sendo assim, a instituição escolar tem uma parcela importante na contribuição
do desenvolvimento do sujeito, mais especificamente do saber culturalmente
organizado. A leitura dos escritos de Saviani (1991) ressalta que, se pretendemos uma
educação cujo objetivo é o desenvolvimento humano, na escola, a ênfase deve ser
dada ao domínio da cultura produzida histórica e coletivamente pelo humano. Quando
apropriada pelos humanos em desenvolvimento, sob a forma de instrumentos
simbólicos, a cultura possibilita uma relação não direta com os fatos e fenômenos,
garantindo ampliar infinitamente a possibilidade de relação com a realidade objetiva.
Na visão de Ananias (2000), a escola deve resgatar, além das disciplinas
científicas, as noções de ação política, busca da cidadania e da construção de um
mundo mais equitativo. Neste contexto, como espaço privilegiado, devem ser
desenvolvidos as ideias, os ideais, as crenças e os valores.
A escola precisa articular-se de forma coletiva, planejada. Potencializar este
espaço em sua diversidade formativa oportunizando ao aluno a percepção de si
mesmo, como sujeito histórico capaz de assumir compromissos e responsabilidade
social. No entender do pai PA1 “... o professor está ali para ensinar, a escola pode abrir
as portas para o mundo”. Para a professora P2 “... a escola é um espaço de melhores
perspectivas”.
Os pais, muitos deles vivendo com poucos recursos financeiros e materiais,
veem a escola como única possibilidade de integração social e profissional dos filhos.
Isso está evidenciado no entendimento de mães: “É importante ele estudar para mais
tarde ter um bom emprego” (M6); e “(...) sem estudo é muito difícil... mas a gente dá
tudo o que é possível pra eles (M8).”
Nas entrevistas, os pais expressam o que esperam da instituição escolar,
referindo-se principalmente ao futuro dos filhos. As ambições são bastante reduzidas,
mas representam a superação das atuais condições de vida dos pais. Portanto, há
sinais, nas falas, que as famílias alimentam uma esperança de ascensão social diante
da educação formal.
É importante considerar que neste mundo que se transforma continuamente o
papel da escola precisa ir além; deve estar em consonância entre uma função sistêmica
de preparar cidadãos, tanto para desenvolver suas qualidades, como para a vida em
sociedade.
Porém, é preciso considerar que o ambiente escolar é um espaço movido por
processos, dinâmicas, realidades e conhecimentos. É um espaço plural que oportuniza
o encontro de pessoas diferentes, portadoras de contextos e expectativas. Expectativas
de todos os que transitam neste espaço organizado, que congrega pais, professores,
funcionários, alunos e outros. Neste ambiente, marcado pelas desigualdades, tensões e
relações assimétricas não é a simplificação que deve caracterizar os processos
educativos desenvolvidos na escola, e sim a complexidade existente em seu interior.
Sendo assim, a escola e os profissionais que nela estão em condição de trabalho
e em movimento precisam estar comprometidos com uma primeira e principal ação: a
aprendizagem dos alunos. O compromisso precisa ser real e em consonância com as
múltiplas realidades sociais nas quais seus participantes se inserem e refletir sobre
suas formas de interagir com essas realidades (KENSKI, 2010).
Torna-se indispensável que todos os envolvidos no processo educacional
reflitam a respeito dos conteúdos e significados da forma como a escola se organiza e
funciona no cotidiano. A escola deve ser um espaço de formação ampla dos alunos,
que aprofunde o seu processo de humanização e socialização. Também que o acesso
ao conhecimento e às relações sociais possam contribuir como suporte no
desenvolvimento singular do aluno como sujeito sócio-cultural (DAYRELL, 1996).
Na escola, esse conhecimento científico e sistematizado precisa estar
necessariamente a serviço da humanização dos alunos, compartilhando o pensamento,
o conhecimento e a cultura a favor da vida. Esse esforço educativo é para que cada
geração seja mais humana que a anterior.
5 ENSINO E APRENDIZAGEM: CONDIÇÃO PARA A PRÁTICA DA CIDADANIA
O ambiente escolar é um lugar, um tempo e um contexto educativo com
interações interpessoais muito intensas.
Na visão de Alarcão (2001, p. 17):
É também um contexto e deve ser primeiro de tudo, um contexto de trabalho. Trabalho para o aluno. Trabalho para o professor. Para o aluno, é a aprendizagem em suas varias dimensões. Para o professor, é a educação na multiplicidade de suas funções.
Essas pessoas socializam-se neste contexto que elas criam e recriam,
confrontando os seus pontos de vista, verbalizando iniciativas, assumindo
responsabilidades e organizando-se (ALARCÃO, 2001).
Nesse contexto, o professor precisa construir um processo de ensino que exija
um contínuo pensar e repensar de ações que promovam a construção de novos
conhecimentos e sua reconstrução. Para ensinar e para que se efetive a aprendizagem
significativa é necessário que o professor mobilize conhecimentos didáticos,
pedagógicos, sua atuação pessoal, especialmente o recurso da comunicação, a
capacidade de análise e de síntese.
Libâneo (2004) compreende que o trabalho do professor com as questões
relacionadas ao ensino e a aprendizagem é um trabalho prático, entendido em dois
sentidos: o de ser uma ação ética orientada para objetivos envolvendo, portanto,
reflexão; e o de ser uma atividade instrumental adequada às situações. A reflexão
sobre a prática não resolve tudo, a experiência refletida não resolve tudo. Para isso,
são necessárias estratégias, procedimentos, modos de fazer, além de um sólido
conhecimento científico e teórico que ajudam a melhor realizar o trabalho e melhorar a
capacidade reflexiva sobre o que e como mudar.
A ação pedagógica, nesse sentido, considera o aluno como sujeito ativo da
própria aprendizagem. Sujeito que participa do próprio processo, pesquisando,
buscando informações, resolvendo problemas, estruturando racionalmente o que vai
aprendendo. Portanto, aprender não é um ato de passividade ou obediência, mas de
reflexão de sujeitos em relação de ensino e aprendizagem, a partir de um referencial
teórico que fundamenta a construção desse conhecimento.
No entender de Feldmann (2009, p. 195-196):
O processo se constrói e se reconstrói a partir das relações, dos tempos, bem como do processo de desenvolvimento de cada sujeito inserido nessa relação social. Faz-se, pois, necessário ressignificar concepções de ensino, de aprendizagem e de desenvolvimento humano, respeitando e reconhecendo a
alteridade e os diferentes significados para cada pessoa, com base nas interações sociais compartilhadas.
Para os pais entrevistados, o trabalho do professor em sala de aula precisa
resultar em aprendizagem significativa. Compreendem que há esforço e empenho dos
profissionais da escola para a sua efetivação, porém, deixam transparecer nas falas
aspectos de insatisfação. “[...] alguns profissionais da educação não buscam inovar
para motivar os alunos (M2)”. “[...] os professores precisam cobrar mais (M3)”. “[...] os
professores também tem mais oportunidades, outros meios de ensinar que um tempo
atrás não existia (M8)”.
Portanto, na complexa tarefa de ensinar e de aprender, o professor não pode
deixar de analisar e avaliar constantemente suas ações no cotidiano escolar. Esse
trabalho não pode ser solitário, esvaziado de discussões e contribuições teóricas.
Necessita ser compartilhado com toda a equipe escolar enquanto coletividade,
formando a consciência da própria prática. Compreende-se que é na reflexão sobre a
própria ação que a formação continuada possibilitará ao professor um discurso e uma
prática melhorada (ALARCÃO, 1996).
Com certeza, trabalhará melhor o professor que refletir criticamente a sua ação,
que for capaz de avaliar a sua prática e compreender os fundamentos teóricos que
sustentam a sua atuação. A cursista C10 concorda nesse sentido ao afirmar que “[...]
concretizar uma aprendizagem significativa, depende muito do professor e o que
norteia suas ações [...] o professor deve ser aberto, flexível”. A expressão de uma mãe
diz que: “Com relação aos professores há diferentes maneiras de ver a educação e
forma de cobrar dos alunos [...] alguns muito rígidos e outros permissivos” (M2), dando
indicativos que o professor precisa ser consciente, apontando novas possibilidades,
elaborando e ressignificando sua prática pedagógica, para oportunizar uma
aprendizagem ao aluno que o torne sujeito que responda às exigências
contemporâneas.
Os professores durante o processo da pesquisa também apontaram elementos
nas suas falas que se reportam à ação contínua de aprender, investigar e pesquisar:
“[...] é preciso que se exija mais do educador, que ele seja um criador de ambientes de
aprendizagens [...] que se atualize continuamente (C4)”; “[...] retomar, replanejar, criar
novas oportunidades, novas situações de aprendizagem [...]” (P1). Os professores
percebem que não podem permanecer estagnados na sua prática pedagógica, tendo
como princípio a formação da sua vida funcional. Necessitam estar presentificados na
dinâmica atual marcada pela interação e pela flexibilidade. É um desafio constante,
permanente.
Viver a complexidade que se coloca à escola é compreender o espaço da escola
como um espaço denso de informação e de conhecimento em constante movimento.
Exige de todos os envolvidos uma comunicação efetiva. Nessa perspectiva, o processo
de ensino e aprendizagem advém de uma situação dialógica, na qual tanto aluno
quanto professor contribuem nessa relação. Pelo diálogo, o aluno incorpora elementos
da cultura presentes no seu grupo social. Assim, no contexto educacional, ele pode ser
compreendido como um instrumento pedagógico na medida em que, por meio dele,
novos significados são constituídos na relação entre professor e alunos.
6 PERCEPÇÕES DE PAIS E PROFESSORES SOBRE O ENVOLVIMENTO DA
FAMÍLIA COM A ESCOLA
A transitoriedade do conhecimento científico e a circularidade de informações em
constante movimento e mudança nos indicam que os atuais momentos exigem da
escola, como espaço destinado para a formação dos membros desta sociedade e
consequentemente da família, uma nova realidade, um contexto reorganizado.
O constante desenvolvimento científico e tecnológico na história humana resultou
nos últimos tempos em grandes transformações, não apenas no campo da ciência, mas
também, na forma e jeito de viver do homem como indivíduo e como ser social. Esta
reflexão é necessária para compreender o fenômeno social família e escola e a relação
entre essas instituições.
Compreender a dinâmica das práticas educativas desenvolvidas na família e na
escola e a influência que ambas exercem na aprendizagem dos alunos, só é possível
mediante a compreensão da totalidade histórica que as movimenta e da apreensão de
que fazem parte, antes de tudo, de relações sociais (BARROCO, 2004).
Compreendemos a realidade instituída como dinâmica e socialmente construída, pois
como tudo o que é social, está intimamente ligado aos processos de transformação
política, econômica e social.
Ao observar as instituições família e escola, é possível compreender que as
mesmas apresentam diferenças e semelhanças, considerando que estas redes sociais
são constituídas por homens e mulheres, que são sujeitos sociais e históricos,
presentes e atuantes na história da sociedade. Ambas têm suas especificidades e suas
complementaridades, constituem momentos diversos desse mesmo processo:
[...] compartilham funções sociais, políticas e educacionais, na medida em que contribuem e influenciam a formação do cidadão. Porém, as práticas educativas da família e da escola, bem como, as representações sobre elas refletem o contexto social em que estão inseridos (PEREZ, 2000 apud PEREZ, 2010).
Para uma melhor compreensão da realidade estudada foi necessário conhecer
com maior profundidade a complexidade das práticas socializadoras dos ambientes
familiar e escolar e a repercussão no processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
No mundo contemporâneo a família e a escola são instituições socializadoras
que coexistem numa relação de interdependência, numa permanente e dinâmica
relação. Para Berger e Luckmann (1976), tornamo-nos sociais, quando assumimos
determinado papel social, estabelecendo relações sociais. Os autores trabalham o
conceito do outro; o primeiro é aquele em que há grande afetividade envolvida, sendo
representado, principalmente, pela família, enquanto no segundo há menor intensidade
de afetividade. O outro é fundamental para a construção da consciência por meio das
relações sociais.
Nas entrevistas com pais e professores essa relação de interdependência ficou
evidenciada nos discursos. “O ser humano passa por processos de socialização, no
ambiente familiar e na escola (C4);... a família e a escola compartilham funções
sociais... (C3);... não podemos deixar só para a escola a função de educar (P4);... na
escola eles vão primeiramente aprender a conviver. (M2)”.
A socialização primária é feita por meio dos outros significativos – família – em
um processo em que há muita afetividade envolvida. Assim, como vamos apreendendo
a realidade objetiva, que pela família é vivida, vamos construindo a subjetividade em
um processo dialético. A socialização secundária por sua vez é construída por meio dos
outros generalizados, promovida em outras instituições sociais como a escola, por
exemplo. A socialização secundária não é afetiva, é racional e, em muitos momentos,
entra em choque com a socialização primária, momentos esses que normalmente a
escola e os professores recorrem à família (BERGER e LUCKMANN, 1976).
Para compreender os processos de socialização e desenvolvimento e seus
impactos nos sujeitos é preciso focalizar tanto o contexto familiar quanto o escolar e
suas inter-relações (POLÔNIA e DESSEN, 2005). Isto significa considerar os padrões
relacionais, aspectos culturais, cognitivos, afetivos, sociais e históricos que estão
presentes nas interações e relações entre os diferentes segmentos. Dessa forma, os
conhecimentos oriundos da vivência familiar podem ser empregados como mediadores
para a construção dos conhecimentos científicos trabalhados na escola. É importante
salientar que a família e a escola, como ambientes de desenvolvimento e aprendizagem
humana, podem funcionar como propulsores ou inibidores dele.
Sendo esses dois espaços sociais, família e escola como os principais ambientes
de desenvolvimento humano na sociedade contemporânea, estão de acordo os
pesquisados ao compreender que “...a participação da família juntamente com a escola
é fundamental... devem buscar o mesmo objetivo” (M1); “...vou à escola quando sou
convocado ou convidado” (PA1); “É fundamental a família acompanhar e participar na
escola... acredito que é nosso compromisso como pais de estar ali sempre que
acharmos necessário, sempre que acharmos importante” (M3); “estamos formando
gente... é de extrema importância a unidade e a inter-relação afetiva entre família e
escola para atingirmos o objetivo: educação” (C4).
Na visão de Martins (s/d) é anterior a toda e qualquer proposta que a escola faça
no tocante a relação com a família, que se construa entre seus integrantes uma
unidade em torno de concepções, expectativas e responsabilidades a serem
compartilhadas, delineando os objetivos pretendidos com essa relação.
O caminho a ser percorrido por essa relação positiva, entre esses dois contextos,
será construído e reconstruído no interior da escola, à medida que se avançar na
compreensão de que a participação favorece a experiência coletiva ao efetivar a
socialização de decisões e a divisão de responsabilidades. “A participação constitui-se,
pois, em elemento básico de integração social democrática” (PRAIS, 1996, p. 84).
Nessa perspectiva, família e escola devem aproveitar ao máximo, as possibilidades de
estreitamento de relações, porque o ajuste entre ambas e a união de esforços para a
educação dos alunos deve resultar, em elemento mediador de aprendizagens e de
formação do cidadão.
Nos relatos, tanto dos pais como dos professores, há considerações importantes
que sinalizam a necessidade de uma relação de proximidade e cooperação, entre a
família e a escola. Entendem que é necessário criar uma força de trabalho para superar
as dificuldades, construindo assim uma identidade própria e coletiva. Porém, para a
construção desses processos interativos se faz necessário traçar colaborativamente os
papeis definidos de cada uma das instituições envolvidas. Compreendem também que
esse envolvimento de interação produtiva deve resultar em condições para um melhor
aprendizado e desenvolvimento dos alunos.
Através dessas diferentes interações que se estabelecem entre essas
instituições é que os vínculos são construídos e mediados pela comunicação e pelo
diálogo reflexivo, pelo qual ocorre o levantamento de possíveis soluções. Com isso, os
recursos comunicação e diálogo são fundamentais como condição para que haja uma
integração efetiva entre a família e a escola, oportunizando uma otimização dos
vínculos e do processo de ensino e aprendizagem. O depoimento da mãe M8 expressa
a importância da disponibilidade da escola dialogar com a família: “...dialogar em
tempos de hoje, é mais que necessário”. Para a pedagoga EP1, “O diálogo com os pais
acontece... é claro que às vezes não é tão harmonioso...”.
Para a concretude do diálogo entre as pessoas do contexto educacional é
preciso exercitá-lo de forma argumentativa e de aceitação do ponto de vista do outro.
Esses elementos são essenciais à negociação, à compreensão e à aceitação.
O diálogo é uma exigência do ser humano, uma necessidade básica. Esta tarefa
é essencialmente tarefa de sujeitos envolvidos numa causa, que sentem necessidade
de comunicação, participação e cumplicidade. Nesta relação família e escola, o diálogo
deve acontecer como recurso mediador, reconsiderando a hierarquia entre professores
e pais, que através da cooperação ativa criam e constroem laços de entendimento e
compromisso. Nesse sentido, é importante considerar que a escola seja legitimamente
responsável para desconstruir as fronteiras para a efetiva participação da família.
Para Nogueira (2005), de um lado, a escola não se limita mais às tarefas
voltadas para o desenvolvimento intelectual dos alunos, estendendo sua ação aos
aspectos corporais, morais, emocionais do processo de desenvolvimento. De outro, a
família passa reivindicar o direito de interferir no terreno da aprendizagem e das
questões de ordem pedagógica e disciplinar.
Na atualidade os pais sentem-se um pouco mais seguros para acompanhar na
escola aspectos referentes ao ensino que oferece. Os relatos das mães podem
representar isso: “Eu penso que a participação dos pais é importante... e de a gente
saber o que eles fazem na escola...” (M4); “Acho importante participar lá na escola
sempre. Porque se eu não participo eu não sei o que acontece lá” (M1). Cabe a escola
iniciar e potencializar o processo de aproximação com as famílias, utilizando a sua
autoridade, enquanto instituição educacional formal. A partir desta iniciativa, dependerá
o compromisso dos envolvidos no processo educacional: escola, família, educadores e
comunidade.
Quanto às dificuldades encontradas na implementação de relações harmoniosas
e eficazes, se dão por conta de que em certas oportunidades a escola estabelece
contato com as famílias de forma unidirecional, desconsiderando os tempos e a
disponibilidade da dinâmica familiar. A totalidade dos pais entrevistados são
trabalhadores e sentem a impossibilidade de ausentar-se do trabalho para atender aos
chamados da escola, quando essas socializações ocorrem durante o período diurno.
Porém, quando a escola considera essa dificuldade e oportuniza atividades, eventos
sociais, reuniões, feiras em período noturno, os pais respondem positivamente aos
chamados.
Isso dá indicativos de que as famílias estão desejosas de participar no interior da
escola, de todo o processo que envolve a vida escolar dos seus filhos. Considerando
que essa participação é um direito democrático é necessário que a escola ajuste e
organize uma forma coerente de ações educativas de socialização, aproximação e
envolvimento através de mecanismos, principalmente no Projeto Político-Pedagógico.
Através deste mecanismo a escola abre espaço para a participação familiar e
reconhece os papéis diferenciados de ambas no processo de aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos. Para Ananias (2000) e Antunes (2003) é o Projeto
Político-Pedagógico que permite uma flexibilização das ações conjuntas, de forma
complementar e o desenvolvimento de repertórios singulares a cada espaço
educacional. Este projeto precisa ser desconstruído e reconstruído pelo coletivo da
escola, ordenando contribuições de todos os lados em favor da aprendizagem dos
alunos. Entendendo que as mudanças, quaisquer que sejam elas, devem ser
processuais e estas devem se constituir no tempo, pela dinâmica de articulação entre a
determinação de mudar e as condições existenciais.
7 CONCLUSÃO
No contexto da pesquisa analisamos as condições e a forma como se processam
e se organizam as relações estabelecidas entre família e a escola. Explicitamente, os
dois contextos investigados, pais e professores, evidenciam que ocorre o processo do
diálogo real, orgânico e não o formal institucional, porém de forma fragmentada.
Compreendendo que é necessário desconstruir o conceito de que as instituições
socializadoras família e escola e seus sujeitos são contraditórios, e o que ocorre são
situações de conflito, de continuidade e descontinuidade.
Família e escola são ambientes educacionais que coexistem numa relação de
interdependência, portanto, instituições que configuram uma maneira permanente e
dinâmica de relação. Promovendo neste espaço relacional, socializações e vivências
interpessoais e intergrupais importantes, por vezes harmoniosas, por vezes
conflituosas.
A partir de elementos da realidade pesquisada, constata-se que existem
importantes similaridades, mas, também, diferenças significativas entre o sistema
familiar e escolar quanto às ações que promovem. Entretanto, é notória a
interdependência entre esses contextos, o que exige ações que oportunizem
possibilidades de aproximação, de superação de desgastes e conflitos.
O caminho a ser percorrido, por uma relação entre esses dois contextos, será
construído e reconstruído no interior da escola, à medida que se avançar na
compreensão de que a participação favorece a experiência coletiva ao efetivar a
socialização de decisões e a divisão de responsabilidades. O sentido legítimo do
exercício da participação dos pais no interior da escola origina-se do movimento de
abertura e disponibilidade ao do conhecimento das especificidades de cada segmento
envolvido.
Tanto pais, quanto professores acreditam que a instituição escolar pode sim, ser
um espaço de formação ampla do aluno, que aprofunde o processo de socialização e
humanização. Isso porque pais e professores exercitam a ação educativa no entorno de
um mesmo sujeito: o aluno e seu processo de apropriação do conhecimento.
No posicionamento dos pais, os mesmos expressam as suas expectativas,
confiam na escola e manifestam esperança social em relação a ações educacionais
desenvolvidas e promovidas na escola. Da escola esperam que seus filhos tenham
acesso ao conhecimento e às experiências culturais que contribuem no
desenvolvimento do aluno e no aprimoramento de sua vida social. No entanto, a escola,
inserida no atual contexto está sujeita a uma diversidade de público, precisa
continuamente preparar-se para a tarefa de educar e também para o enfrentamento dos
desafios contemporâneos a ela propostos.
Ao concluir este estudo é possível expressar algumas considerações provisórias
constituídas no decorrer do processo. As instituições sociais família e escola não são
nada além do que relações entre sujeitos em contínuo movimento, essencialmente
interdependentes. Seria ingenuidade pensar que essa complexa e dinâmica relação
ocorra sem conflitos e resistências por parte dos sujeitos envolvidos. Também marcada
por consensos e proximidades.
É necessário, sim, estimular a discussão no interior da escola, na coletividade,
sobre o impacto e suas implicações na relação social estabelecida entre as instituições
pesquisadas. É condição primeira estabelecer o diálogo como recurso mediador.
Portanto, é fundamental desenvolver no e pelo diálogo a compreensão da realidade, a
criatividade relacional e a empatia, buscando novos recursos comunicativos que
possibilitem avanço nas interações. Oportunizando assim uma convivência de
qualidade, superando sempre a condição instaurada. Esses elementos são importantes
indicadores para redesenhar continuamente a aproximação nessa relação família e
escola como ambientes educacionais de coexistência e de cooperação.
Na rotina escolar, percebe-se uma presença significativa de pais não apenas em
momentos pontuais, mas também em momentos informais. Por conta disso, se faz
necessário afirmar que pais e professores precisam discutir suas experiências
pedagógicas: familiares e escolares, escutar os limites e possibilidades do pensar e do
fazer de cada um. Mas, para isso é preciso tempo e disponibilidade. Há ainda a
necessidade de valoração dos saberes da família e da escola, considerando que há
uma variedade de configurações particulares e similares entre essas instituições, que
são as responsáveis pela construção dos sujeitos sociais em formação – os alunos.
Portanto, vivemos cotidianamente no terreno das desigualdades e das diferenças
no interior da escola. Compreendemos que somos desafiados continuamente pela
experiência humana a aprender a conviver com múltiplas identidades.
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APÊNDICE I
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS PAIS1) Responsabilidades da família na educação dos filhos.2) A importância da educação escolar na vida dos filhos e da família.3) A importância da participação da família no contexto escolar.4) Comparecimento à escola quando convocado/convidado/espontaneamente.5) Ao comparecer a escola como se estabelece o diálogo com:
Direção; Equipe Pedagógica; Professores; Funcionários.
6) Contribuição da família em casa no processo de aprendizagem.7) A escola motiva ou desmotiva seu filho a estudar.
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS PROFESSORES 1) No espaço da sala de aula, otimização do tempo em relação a:
Ensino e aprendizagem; Questão comportamental.
2) Como percebe o aluno durante as aulas/quem é esse sujeito?3) Expectativas em relação aos alunos, como se estabelece o relacionamento.4) No contexto com os pais como se estabelece o diálogo:
Fala sobre a aprendizagem dos alunos; Sobre questões comportamentais;
Outros assuntos.5) Avaliação do rendimento escolar dos alunos que os pais têm participação na
escola.6) Entraves que dificultam o processo de aproximação da família junto à escola.
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM DIREÇÃO E EQUIPE PEDAGÓGICA1) Na atualidade, qual o maio desafio dentro do espaço escolar?2) A escola privilegia o processo ensino e aprendizagem?3) No contexto diário, como se estabelece o diálogo com:
Equipe Pedagógica; Com os professores; Com os funcionários; Com os pais; Com os alunos; Com a comunidade em geral.
4) Estratégias que a escola utiliza para articular-se com a família.5) Eficiência dessa forma de comunicação.6) Participação dos pais nas atividades propostas pela escola.7) Possibilidades de efetivação da participação dos pais na escola.