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3MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Projeto Ciência Para Todos leva pesquisas desenvolvidas na UFMG e curiosidades científicas para 16 linhas de ônibus de Belo Horizonte.

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte.

Faculdade de Medicina da UFMG comple-ta 100 anos lembrando o passado de con-quistas e apostando em novas tecnologias.

Ao analisar crescimento da capital mineira no eixo Sul, pesquisa interdisciplinar revela complexidade do processo contemporâ-neo de expansão das metrópoles.

Pesquisadores desenvolvem tecnologia inovadora para o tratamento de água utili-zando ozônio, uma opção mais eficiente e ambientalmente correta.

Plantas e fungos são testados no desenvol-vimento de fármacos naturais para com-bate de doenças como Esquistossomose, Leishmaniose e Chagas.

Estudo avalia o impacto da ação humana nas florestas tropicais secas do Norte de Minas.

Locais conhecidos popularmente por ven-derem produtos alimentícios é também ponto de encontro e parte da cultura das cidades nos quais estão situados.

Em seu jubileu de prata, uma das mais im-portantes FAPs do País tem sua história contada em três dimensões: passado, pre-sente e futuro.

25 anos FAPEMIG

Eletrônica Orgânica

Avião Tupã

Feiras livres

Matas secas

Nanoesfera

6

42

45

40

41

36

33

26

50

12

16

20

22

30

Tecnologia que começa a ser desenvolvida em Minas promete revolucionar o merca-do de semicondutores que, em novo for-mato, podem ser impressos.

Novo modelo de aeronave é econômico e rápido. Seu conforto, praticidade e custo baixo de manutenção podem ser essen-ciais para a aviação nacional.

Estruturas minúsculas e magnéticas são estudadas para o desenvolvimento de te-rapias contra o câncer e diagnóstico eficaz da doença.

100 anos de Medicina

Lembra dessa?

Periferias

Ozônio

Leishmaniose

Viaje com a ciência

Região Metropolitana de BH ganha proje-to que visita escolas públicas para ensinar e conscientizar alunos do ensino funda-mental a aplicar ações de prevenção con-tra a doença.

Física e pós-doutora em astrofísica, Lucima-ra Martins recebeu o prêmio L’óreal/Unes-co, em 2010, na categoria Ciências Físicas.

Geneticista Lygia da Veiga comenta os avan-ços do desenvolvimento científico no Brasil e os pontos que precisam ser reavaliados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.

Entrevista

Cientistas brasileiros

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 20114

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 20104

ExpedienteAo leitor

MINAS FAZ CIÊNCIAAssessora de Comunicação Social e Editora Geral: Ariadne Lima (MG09211/JP)Editor Executivo: Fabrício Marques Assessora Editorial: Vanessa Fagundes Redação: Ariadne Lima, Fabrício Marques, Vanessa Fagundes, Juliana Saragá, Maurício Guilherme Silva Jr., Ana Flávia de Oliveira, Carolina Braga, Kátia Brito (Bolsista de Iniciação Científica).Ilustrações: Beto PaixãoRevisão: Glísia RejaneProjeto gráfico/Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Lastro EditoraTiragem: 20.000 exemplaresFotos: Marcelo Focado/Gláucia RodriguesAgradecimentos - Agradecemos a todos os colaboradores desta publicaçãoRedação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Antônio Augusto Junho Anastasia

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte PereiraConselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu (PUC/MG) Membros: Afonso Henriques Borges Anna Bárbara de Freitas C. Proietti Evaldo Ferreira Vilela Francisco Sales Dias Horta Giana Marcellini José Cláudio Junqueira Ribeiro (FEAM) José Luiz Resende Pereira (UFJF) Magno Antônio Patto Ramalho (UFLA) Paulo César Gonçalves de Almeida (UNIMONTES) Paulo Sérgio Lacerda Beirão (UFMG) Rodrigo Corrêa de Oliveira (CPqRR)

Capa: O Futuro AgoraImagem: Hely Costa Júnior Nº44 dez. a fev. 2011

Por muito tempo cultivou-se o mito de que o Brasil era o País do Futuro. Isto era sempre falado, mas estava sempre longe do alcance dos brasileiros. Contudo, nos últimos anos, diversas transformações, nos campos econômico, político e social, apro-ximaram esse tempo distante em algo concreto, próximo de nós: o futuro é agora.

Essa breve reflexão pode ser aplicada em um momento especial, o da comemo-ração dos 25 anos de existência da FAPEMIG, reconhecida pelo professor Mario Neto Borges como o futuro de Minas, e também como a casa da ciência mineira. Essas afirmações do presidente da Fundação podem ser lidas na entrevista que co-meça na página 10, e aborda justamente o que está por vir no desenvolvimento da ciência e da tecnologia a partir de Minas.

Data tão importante não poderia passar em branco: além desta conversa, nosso olhar se projeta, tanto para o passado, quanto para o presente desta Casa. Na repor-tagem que antecede a entrevista, o leitor poderá conhecer um pouco mais de como foi construída a história da FAPEMIG, e de como ela está sendo escrita no presente.

Se o futuro não é mais como era antigamente, como diz a letra de uma canção, é porque mudaram as condições em que a história se faz, pela ação de seus prota-gonistas. A melhor forma de mostrarmos de modo concreto os avanços que estão sendo efetivados na área científica e tecnológica - no momento mesmo em que este texto é lido – é oferecer a você, leitor, a oportunidade de conhecer alguns dos projetos e pesquisas desenvolvidos com participação da FAPEMIG.

Um exemplo desse fato são as aplicações da eletrônica orgânica impressa, um investimento que desde já coloca Minas no mapa do mercado mundial de semicon-dutores. Trata-se de tecnologia altamente avançada, realizada de modo impresso, com possibilidade de aplicação em áreas tão distintas quanto a saúde e a agricultura. Este projeto, aliás, é uma referência no papel da Fundação, não apenas como agência de fomento, mas também de indutora de pesquisas.

Da mesma forma, uma iniciativa pioneira em Tupaciguara, no Triângulo Mineiro, poderá, também em pouco tempo, sacudir as bases da aviação nacional, com o lança-mento da aeronave AX-2 Tupã, um avião de seis lugares, comercial e executivo, com características inovadoras e baixo custo.

O que esses projetos têm em comum, entre outros fatores, é o fato de que agirão no sentido de beneficiar as pessoas. Tal como pode acontecer com as nanoes-feras magnéticas, estruturas minúsculas desenvolvidas por um pesquisador da Unifei que indicam novos caminhos para diagnóstico e terapia do câncer, trazendo alento para os que sofrem com essa doença.

Muitos outros projetos ganham espaço nesta edição, com os temas os mais diversos: feiras livres, Matas Secas do Norte de Minas, processo de expansão das metrópoles, a tecnologia para o tratamento de água com a utilização de ozônio, prevenção da Leishmaniose. Também merece destaque a entrevista com a renomada geneticista Lygia da Veiga Pereira, que critica a excessiva burocratização ligada às pesquisas científicas no Brasil. Finalmente, além do jubileu de prata da FAPEMIG, cabe registrar outra efeméride importante: os cem anos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, centenário marcado pelo passado de con-quistas e um presente que aposta em novas tecnologias.

A melhor maneira de celebrarmos juntos estes 25 anos é dividir com você, neste, nos anteriores e nos próximos números, as pesquisas e ações que se realizam para que o futuro seja agora.

Ariadne LimaEditora Geral

Fabrício MarquesEditor Executivo

5MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

5MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Cartas

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, preencha o cadastro no site http://revista.fapemig.br ou envie seus dados (nome, profis-são, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG /

Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

Publicação trimestral da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIGnº 43 - set. a nov. 2010

MINAS FAZ CIÊNCIA informa que as car-tas enviadas à Redação podem ou não ser publicadas e, ainda, que se reserva o direito de editá-las, buscando não alterar o teor e preservar a ideia geral do texto.

Sou graduando de curso de bacha-relado da Universidade de Itaúna, e ve-nho encarecidamente agradecer pelo primeiro exemplar (nº42), que recebi da MINAS FAZ CIÊNCIA. Não conhe-cia a revista e com essa oportunidade tive acesso a importantes pesquisas. Sua leitura fez com que ampliasse meus conhecimentos e despertasse ainda mais o interesse pela pesquisa. A divulgação da revista é muito impor-tante, pois possui reportagens com ex-celentes conteúdos de todas as áreas. Desde já agradeço e espero receber mais exemplares.

Eduardo RibeiroEstudante

Universidade de Itaúna/MG

Agradeço a equipe editorial da MI-NAS FAZ CIÊNCIA pelos exemplares enviados. A revista tem contribuído para a divulgação científica e tecnoló-gica de Minas Gerais, pois estimula a admiração, o respeito e o reconheci-

mento de Minas, que avança por meio da pesquisa, se transformando em um impor-tante referencial para o nosso País.

Beatriz BarretoSabará/MG

É com muito prazer que recebo esta publicação trimestral tão importante para nosso incremento científico e tecnológico. Eu, que, particularmente, atuo na área de saúde, concluo que, através deste veículo de disseminação da informação, podemos não apenas ampliar nossos horizontes profissionais, como também compreen-der que nenhum conhecimento é válido quando não difundido. Sendo assim, que ele não se restrinja ao âmbito de nossas casas, mas que, por meio de nós, leitores anônimos, seja agregado de modo concre-to ao nosso cotidiano e ao daqueles que conosco convivem. Agradeço à equipe da MINAS FAZ CIÊNCIA e desejo sucesso e notáveis edições!

Glísia Mendes TavaresJuiz de Fora/MG

Tive a oportunidade de conhecer, através de colegas, a MINAS FAZ CIÊN-CIA e verifiquei a qualidade das reporta-gens e informações contidas nas revistas. Assim sendo, gostaria de recebê-la. Desde já agradeço.

Danton Heleno Gameiro Professor

Ouro Preto/MG

Meu nome é Charles JS e pela segun-da vez recebi uma edição da MINAS FAZ CIÊNCIA. Quero agradecer pelo envio dos exemplares que são realmente mui-to importantes e altamente relevantes. Estou colocando à disposição da equipe da revista a nossa rádio para divulgação gratuita de trabalhos ou mesmo da re-vista. Basta enviar o áudio em MP3, o tempo total da gravação fica a critério de vocês. É muito bom compartilhar tais conhecimentos com nossos ouvintes de São Paulo e de outras partes do mundo. Sou adepto do compartilhamento do co-nhecimento e da inclusão digital e será um prazer poder divulgar o conteúdo de vocês aqui no nosso Estado e no Brasil.

Charles JSTécnico de informática

Cajuru/SP

Sou estudante de biologia e profes-sora da rede municipal de Ibirité e do Estado. Peço que me enviem as edições da revista da FAPEMIG, pois a achei muito interessante.

Natália Corrêa FerreiraIbirité/MG

Represento a Revista Sustentabi-lidade Digital, cujo projeto baseia-se na produção de material jornalístico independente sobre novas tecnolo-gias para a sustentabilidade. Gostarí-amos de receber a MINAS FAZ CI-ÊNCIA, já que os assuntos tratados pela revista são de grande interesse de divulgação da Sustentabilidade. Agradeço desde já a atenção.

Vivian MendesSão Paulo/SP

Gostaria de receber as edições anteriores da revista, pois meu ca-dastro foi realizado há pouco tempo e possivelmente não terei acesso. Ficaria grata com o recebimento porque percebi que a MINAS FAZ CIÊNCIA é de grande ajuda para o meu curso, de Ciências Biológicas. Desde já agradeço.

Virgínia Soraggi Barroso/MG

Há algum tempo me cadastrei para o recebimento da revista. Estou cur-sando o 7º período de Química e tra-balho em uma estação de tratamento de água. Gostaria muito de receber as revistas ou qualquer tipo de material sobre pesquisas. Desde já agradeço a atenção dispensada.

Angélica Gisele Itaúna/MG

Recebo a MINAS FAZ CIÊNCIA em minha casa, mas me mudei e gosta-ria de solicitar a mudança de endere-ço. Aproveito para parabenizar a re-vista e todos os artigos maravilhosos, atuais e enriquecedores que têm sido publicados.

Nélida Delamoriae Três Corações/MG

Especial

FA P E M I G : presente e futuro

No princípio de tudo, quando ainda poucos navegavam os mares daquele so-nho, o que mais se ouvia era o prodigioso som de sua máquina de escrever. Corria o ano de 1986 e a jovem belo-horizontina Ana Deborah Pena Antunes, formada em Letras pela Universidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG) e recém-contratada como datilógrafa para atuar na novíssima Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta-do de Minas Gerais (FAPEMIG), passava os dias a redigir, com ritmo e fascínio, as páginas primeiras de uma incrível histó-ria de dedicação à ciência e à tecnologia. Hoje, transcorridos 25 anos da escrita de tais linhas originais, a FAPEMIG revela-se outra: não só o silêncio dos teclados de computador calou de vez a saudosa “mú-sica” das antigas Olivetti’s, como a inten-sidade das batalhas pelo fortalecimento da Instituição – enfrentadas e vencidas por diversos de seus gestores – serviu de estímulo à Fundação, que ora se des-taca no cenário da produção científica e intelectual do País. Ao longo destas duas décadas e meia, o que jamais se modifi-cou foi mesmo a delicada cadência das mãos de Ana Deborah, hoje secretária da diretoria científica da Entidade, que, com a mesma leveza de outros tempos, permanece a tornar sólidos os etéreos objetivos daquele longínquo – e belo – princípio de tudo.

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 20116

O jubileu de prata da FAPEMIG é aqui recontado segundo a privilegiada memória de quem a viu nascer, crescer e se tornar uma das mais importantes FAPs do País

Testemunha ocular dos mais rele-vantes acontecimentos da FAPEMIG, a secretária – que trabalhou com todos os diretores científicos da Instituição – lembra-se com propriedade dos “pe-quenos detalhes” que, somados, acaba-ram por fazer a diferença. Por isso, aliás, ninguém melhor do que Deborah – e outros funcionários que há décadas se dedicam à Entidade – para contar, ao leitor deste novo milênio, um pouco do que seus olhos presenciaram. A co-meçar pelos primórdios da Fundação, nascida, justamente, da defesa pelo in-vestimento em ciência como preceito fundamental ao desenvolvimento de qualquer soberania democrática.

Em 1985, através da Lei Delegada nº10, o então governador de Minas Gerais, Hélio Garcia, nomeia o pri-meiro conselho curador da FAPEMIG, formado por ilustres personalidades mineiras de diversas áreas do conhe-cimento. Um ano depois, quando da oficialização de todo o processo, o em-baixador Paulo Tarso Flecha de Lima e o professor Paulo Gazzinelli assumem, respectivamente, a presidência e a di-retoria científica da Entidade. “Os dois se completavam. O embaixador, mesmo em outros países, buscava parcerias e concedia grande prestígio à FAPEMIG. Já o professor Paulo Gazzinelli vestia a ca-

1951

Nasce o Conselho Nacional de Pes-quisa, que, em 1971, passa a se chamar Conselho Nacional de Desenvolvimen-

to Científico e Tecnológico (CNPq)

1985

Em fevereiro, é aprovada a Lei delega-da responsável pela criação da Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado

de Minas Gerais (FAPEMIG)Em março, oficializa-se a criação

do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)

passado,

Ana Deborah Pena Antunes, desde 1986 acompanhando a história da FAPEMIG

Linha do Tempo

Crédito: Juliana Saragá

7MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Maurício Guilherme Silva Jr.

misa para lutar pela Instituição. Aprendi muito com ele”, relembra Deborah.

Tais lutas pela manutenção e ampliação dos objetivos e iniciativas da Fundação são fatos que permanecem vivos na memória da hoje secretária da diretoria científica. Que o diga a série de embates enfrenta-da por Flecha de Lima e Gazzinelli logo no ano seguinte ao início dos trabalhos: em 1987, o recém-empossado governa-dor Newton Cardoso resolve dar fim à recém-inaugurada FAPEMIG, exonerando todos os seus funcionários. “A atitude do Governo gerou manifestações de diversos setores da sociedade. Havia protestos nas ruas, nos jornais, nas universidades. A pe-dido do professor Gazzinelli, redigi, uma a uma, centenas de mensagens para mobili-zar a comunidade científica e manter viva a FAPEMIG”, conta.

Os protestos – assim como os pe-quenos convites redigidos na incansável máquina da jovem datilógrafa – surti-ram efeito. No mesmo ano da desdita exoneração, o Governo vê-se obrigado a assinar o termo de recondução dos funcionários à Fundação. Em 1988, po-rém, surge a primeira crise financeira, já que não era repassado à FAPEMIG o orçamento devido. “Apesar disso, inicia--se, em 1989, o processo de abertura da Fundação à sociedade, através de feiras de ciência e tecnologia e outras iniciativas. Sem contar que já eram ofe-recidos, aos pesquisadores, incontáveis convênios, editais, bolsas e parcerias internacionais, a exemplo do Conselho Britânico”, lembra Deborah, ao ressaltar aquele que, para ela, é o papel mais sig-nificativo da Instituição onde trabalha: “A FAPEMIG sempre buscou dar satisfação, à sociedade, sobre suas atividades que, no fundo, geram bem-estar a todos”.

Futuro high techOs olhos de Ana Deborah também

presenciaram iniciativas que miravam

para além dos montanhosos horizontes das Gerais. A partir de 1992, o profes-sor Paulo Gazzinelli busca estreitar laços com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), rede global de estímulo à inovação, com fins à cria-ção de pólos high tech no Estado. “Nesta época, especialistas de instituições como FAPEMIG, CETEC e UFMG reúnem-se para desenvolver projetos e empresas de alta tecnologia”, recorda-se a secretária. Naquele ano, inicia-se, na diretoria cien-tífica da Fundação, o mandato do profes-sor Afrânio Carvalho Aguiar, doutor em ciência da informação. Único mineiro a integrar o Grupo Especial de Acompanha-mento (GEA) do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico (PADCT), o novo gestor segue os passos de seu ante-cessor, ao lutar com empenho pelo forta-lecimento da Entidade: “Sempre dedicado aos rumos da ciência e da tecnologia, o professor Afrânio mantinha ótimos con-tatos no Brasil e encontrava facilidade de propostas por ser muito reconhecido em sua área de pesquisa”.

Na gestão de Carvalho Aguiar, a FAPEMIG enfrenta difíceis obstáculos – déficit orçamentário em 1994 –, as-sim como multiplica suas áreas de atu-ação: no período, a Entidade financia a construção da Estação Meteorológica e investe no Projeto Ideas, que buscava preservar o patrimônio histórico de Mi-nas Gerais. Em 1995, dois importantes reconhecimentos: “Recebemos a me-dalha de mérito científico pelo Conse-lho Regional de Química do Estado e o Prêmio Francisco Magalhães Gomes, em função do apoio às atividades do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nu-clear, o CDTN”, ressalta Ana Deborah, enquanto mostra, ao repórter que a en-trevista, um dos milhares de pequenos recortes de jornal – e outros documen-tos – que, ano após ano, buscou organi-zar, em dezenas de pastas, como forma de preservar a memória da Fundação.

Em 1999, o professor Naftale Katz, pesquisador da Fiocruz Minas, assume a diretoria científica da FAPEMIG. Em seu mandato, também houve tempestades – a falta de dinheiro obrigou o cancelamen-to de novos projetos – e períodos de bonança: “Em 2000, através de parceria com a Fapesp, aceleram-se os estudos que buscavam decifrar o genoma do pro-tozoário da esquistossomose”, afirma a secretária, ao destacar, ainda, a criação do Escritório de Gestão Tecnológica (EGT). Passam-se os anos e, além de experiên-cia e histórias para contar, Ana Deborah ganha novo chefe: “Em 2004, durante a gestão do presidente José Geraldo de Freitas Drummond, a diretoria científica é assumida pelo professor Mario Neto Borges. Pessoa alegre e de grande talento como administrador, ele é responsável, a meu ver, por tornar a FAPEMIG ainda mais inovadora e dinâmica”, analisa.

Sonhos concretosHoje secretária do diretor de

Ciência, Tecnologia e Inovação, José Policarpo Gonçalves de Abreu, em quem percebe o mesmo – e imen-surável – desejo de fortalecer ainda mais a Fundação que tanto a orgulha, Ana Deborah permanece a acreditar nos mesmos princípios daquela jovem e promissora datilógrafa: para ela, a FAPEMIG é o espaço propício, não só ao desenvolvimento da Ciência & Tecnologia, como também ao trabalho em equipe e à responsabilidade social. Afinal, o “sonho que se sonha junto” pode – e deve – tornar-se realidade: “Nestes 25 anos, presenciei todo o crescimento e a transformação desta Fundação. Tenho muito orgulho de tra-balhar aqui, pois lutam a favor do bem--estar da sociedade. Para mim, a FA-PEMIG é o lugar onde, todos os dias, eu cresço e aprendo algo importante”.

1992

FAPEMIG estreita laços com o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD)

1995

Fundação recebe medalha de mérito científico do Conselho Regional de

Química do Estado e Prêmio Francis-co Magalhães Gomes

1989

Tem início o processo de abertura da Fundação à sociedade, através de feiras

de ciência e tecnologia e outras iniciativas

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 20118

A Fundação, que surgiu dirigida por personalidades do cenário políti-co e científico do País, tomou forma, cresceu e tornou-se uma das mais importantes agências de fomento à pesquisa do Brasil. Atualmente, a FA-PEMIG funciona em um prédio de 12 andares na região Centro-Sul de Belo Horizonte, tem 188 funcionários (40% concursados, 40% contratados pela MGS e 20% formados por colabora-dores selecionados por meio do qua-dro de recrutamento amplo da insti-tuição e estagiários).

No seu jubileu de prata, o presi-dente da Fundação, Mario Neto Bor-ges, define a FAPEMIG como uma instituição que possui juventude e ma-turidade do ponto de vista da ciência. Nas palavras dele, os trabalhos volta-dos para a ciência no Brasil surgiram há 60 anos com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico CNPq) – tempo considerado curto se comparado a outros países, como, por exemplo, os do continen-te europeu, que já se dedicam à área há dois séculos. Entretanto, várias ex-periências, ao longo da sua trajetória, deram experiência à Fundação para tomar decisões.

Em 2010, o orçamento da institui-ção foi de R$ 284 milhões. Na prática,

Um presentede maturidade

Em 25 anos de existência, os desafios foram aproximar Ciência e Tecnologia da população e trabalhar na tentativa de quebrar velhos paradigmas

isso significa que se forem levados em consideração os investimentos per ca-pita para os doutores, por exemplo, Minas Gerais é o Estado que mais in-veste em seus pesquisadores. Recen-temente, o Governo do Estado rece-beu a Avaliação Trienal dos Cursos de Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes). O resultado mos-trou avanços. Houve um aumento no número de cursos com notas máxi-mas 6 e 7. Para o governador Antonio Anastasia, a Fundação contribuiu com o sucesso da avaliação. “Sem dúvida a FAPEMIG exerce enorme influência no fortalecimento da pós-graduação em Minas, especialmente com a im-plantação de três programas em conjunto com a Capes: o Programa Mineiro de Capacitação Docente; o Programa de Apoio a Cursos notas 6 e 7 e incentivo aos de conceito 5 para a mudança de patamar; e o Programa de Aquisição de Equipamentos para a Pós-Graduação”, comemora.

O Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia, Narcio Rodrigues, destaca o papel da FAPEMIG, fundamental no financiamento de pesquisas no Estado. “Ela é o principal instrumento de ciência, tecnologia e inovação de Minas, especial-mente porque se preocupa em realizar a promoção da ciência e tecnologia bus-

2000

Inaugura-se, na FAPEMIG, o Escritório de Gestão Tecnológica (EGT)

2001

Com o intuito de abrir as portas da Fun-dação à sociedade, é realizada a 1ª Mostra de Trabalhos financiados pela FAPEMIG

1998

É criada a revista Minas Faz Ciência, que busca aproximar o público leigo do fascinante universo do saber científico

9MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Ana Flávia de Oliveira

cando benefícios para o mercado e pro-movendo a cidadania”, comenta.

Para o meio acadêmico, a institui-ção representa muito. O médico Paulo Sérgio Lacerda Beirão, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos diretores do CNPq e membro titular da Associação Brasilei-ra de Ciência, ressalta que a FAPEMIG foi criada tendo por base a experiência da Fapesp, que elevou significativamen-te a qualificação científica e tecnológica da sociedade e da economia de São Paulo, ajudando o Estado a se tornar o maior produtor de conhecimento e de tecnologia do país, e o maior formador de pessoal altamente qualificado. “Ape-sar de contar agora com 25 anos de criação, foram relativamente poucos os anos em que o papel da FAPEMIG foi compreendido pelos seus governantes, e, somente nos últimos anos, ela rece-beu as dotações orçamentárias que lhe cabiam constitucionalmente”, ressalta o professor Beirão, que também é mem-bro do Conselho Curador da FAPE-MIG e ex-presidente do Conselho.

Apesar de ser relativamente recen-te sua atuação plena, já se pode notar que Minas vem se tornando um Esta-do importante para empresas de alta tecnologia, permitindo a retenção e a atração de pesquisadores, o que cria um ambiente propício para a inovação. Um dos motivos de comemoração pelos 25 anos são as parcerias com o governo federal e, mais recentemente, com a iniciativa privada. “Se hoje já se pode ver os frutos da atuação da FA-PEMIG, é de se prever que esses frutos venham a ser ainda mais viçosos, já que os resultados alcançados com Ciência e Tecnologia são de longo prazo”, lembra.

2005

Com base na melhoria de suas ativida-des, a Fundação promove o primeiro

concurso público de sua história

2006

FAPEMIG registra o maior orçamento de sua história, ao ultrapassar R$ 100

milhões

2004

A FAPEMIG lança o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe)

As FAPs

O objetivo das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) é, principalmente, apoiar a re-alização de pesquisa científica e tecnológica. Isso se dá por meio de concessão de bolsas e financiamento de estudos em diversas áreas do conhecimento, como saúde, ciências agrá-rias, humanas, artes e engenharia, entre outras. Também está entre as metas das instituições estimular a divulgação científica.

Atualmente, existem FAPs em 24 estados e no Distrito Federal. A mais antiga é a Fa-pesp (São Paulo), com 51 anos de atuação, e a mais jovem é a FAP-TO, do Tocantins, que teve suas atividades iniciadas em 2011. Ape-nas Rondônia e Roraima não possuem insti-tuições de fomento à Pesquisa.

Logomarca especial

Para comemorar a data, um dos primeiros presentes que a FAPEMIG ganhou foi a cria-ção da logomarca comemorativa. A partir dos três pilares da instituição (ciência, tecnologia e inovação), o designer Hely Costa Júnior, elaborou a logomarca comemorativa dos 25 anos. “A ideia era fazer algo que tivesse um aspecto mais contemporâneo, personalizado e clean”, explica.

O triângulo, símbolo da bandeira de Minas, foi o ponto de partida para a criação. “Suaviza-mos as formas e colocamos um triângulo que correspondesse a cada um desses pilares”, re-vela o designer. Uma figura foi colocada sobre a outra, para mostrar a integração entre os três pilares. “A cor foi escolhida para manter uma identidade, já que a marca anterior tam-bém era azul e fortaleceria a imagem da Fun-dação”, esclarece Costa Júnior. O resultado foi um símbolo moderno e dinâmico.

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201110

“A FAPEMIG éo futuro de Minas”

Certo de estar no caminho para transformar Ciência e Tecnologia em um valor da sociedade, o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, é otimista em relação ao futuro da agência. Nesta entrevista ele fala sobre as apostas nas parcerias internacionais e com a iniciativa privada, cobra uma legislação mais moderna para a área e comenta os planos para a nova sede.

Quando falamos em futuro e FA-PEMIG, qual a associação imediata?

Associação total. A FAPEMIG é o futuro de Minas. O nosso slogan até fala isso. Mas é porque, na verdade, es-tamos lidando com ciência, exatamente o que vem pela frente. Você pesquisa os fenômenos da natureza, para domi-nar a natureza e transformar isso em bem estar da sociedade. É através da tecnologia que os fenômenos físicos se transformam em coisas úteis para nós. Depois vamos inovando naquilo. Com o telefone, por exemplo, a ciência con-seguiu fazer transmissão de voz através de um processo eletromagnético. Quer dizer, pensar em FAPEMIG é pensar em futuro do Estado de Minas Gerais, prin-cipalmente, mas do Brasil, em geral.

Quais são as ações que dire-cionam o futuro da FAPEMIG?

A gente tem que pensar em futuro, mas com o pé no chão. Também não adianta ficar só delirando sem ter nada de resultado. É planejar o que pode ser feito do ponto de vista das potencialida-

des que o Estado tem e transformá-las em oportunidades. Isso aplicando concei-tos de ciência, tecnologia e inovação. Um exemplo mais típico e até muito falado é a questão da mineração. Minas Gerais é o Estado típico de mineração e a gente vem fazendo isso há centenas de anos, prin-cipalmente minério de ferro, e venden-do para o exterior. Só que você precisa de dez toneladas de ferro, por exemplo, para comprar um chip e colocar em um gravador como esse. É muito bom que Minas Gerais e o Brasil tenham recursos naturais. Agora, nós precisamos aprender a agregar valor a esse material e transfor-má-lo em uma oportunidade.

A internacionalização é uma meta já perseguida pela FAPE-MIG. Quais são os desafios, a lon-go prazo, nesta área?

A internacionalização tem dois pi-lares bem diferentes. Um é do ponto de vista científico. O Brasil vai muito bem na produção científica, é o 13º em produção de ciência, mas ele pode ficar entre os seis primeiros. E como esta-

2007

É definida a nova estrutura organiza-cional da Fundação, como forma de organizar e adequar o trabalho em

seus diversos setores

2009

Inicia-se o processo de internacio-nalização da FAPEMIG, que mantém

convênios e editais com instituições da Alemanha, França e Itália

Fotos: Reprodução

Imagens da versão digital da maquete da nova sede da FAPEMIG

11MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

mos crescendo em quantidade muito rapidamente, precisamos agora cuidar da qualidade da nossa ciência e a in-ternacionalização é uma referência im-portantíssima. Agora, há um outro lado que é a competitividade dos nossos produtos com agregação de tecnologia, ou seja, tornar os produtos competiti-vos internacionalmente. O que é uma competição acirradíssima. Para você ver, os coreanos hoje: quem foi fabri-cante de carro começou na Alemanha, depois Estados Unidos, hoje o grande produtor de carros no mundo é a Co-reia do Sul, que é do tamanho do Espí-rito Santo. O que eles fizeram? Agrega-ram ciência, tecnologia e inovação aos produtos e conseguiram ter um preço competitivo com uma alta tecnologia. E é o que interessa as pessoas: comprar barato uma coisa boa. Então, a interna-cionalização é importante.

Como vai se dar o fomento dessa internacionalização?

Não tem uma regra muito definida, porque é muito amplo. Por exemplo, já temos casos concretos. Na França, foi na área de tecnologia da informação e comunicação, TIC. Nós identificamos lá que havia alguém querendo fazer a mesma coisa que nós e que essa in-teração poderia ter mútuo benefício. Então fizemos a parceria. Lá na Aus-trália é na área de recursos minerais, inclusive água. Na Alemanha foi ques-tão de meio ambiente, biotecnologia. É uma questão de oportunidade.

Então os pesquisadores preci-sam estar atentos.

Exatamente. Essa questão da in-ternacionalização é muito mais de de-manda do que a gente fazer indução ou oferta. Em que os pesquisadores mineiros são bons? Ah, são bons em TIC, então fazemos a parceria. São bons em mineração, engenharia me-talúrgica, recursos hídricos, então dá para fazer a parceria. É muito mais de demanda, embora a gente possa pro-curar firmar acordos em áreas que o Estado tenha interesse e potencial.

Temos observado nos editais o aumento das parcerias com empre-

sas do setor privado. Estes acordos tendem a se fortalecer e intensificar?

Tendem por algumas razões. Pri-meiro, pela própria Lei de Inovação Mineira, de 2008, mas antes disso a Lei de Inovação Federal, que é de 2004, e foi ela que permitiu que as agências de inovação, como a FAPEMIG, traba-lhassem com empresas. Antes a gente só podia financiar entidade pública. E a Lei mineira, gestada aqui na FAPEMIG, definitivamente abriu essa possibilidade. Começamos em uma experiência ainda incipiente e vimos que isso é um poten-cial brutal, quando conseguimos fazer uma parceria com a Vale de R$ 40 mi-lhões. Para se ter uma ideia, quando eu vim para cá o orçamento inteiro da FA-PEMIG era de R$ 24 milhões. Isso mu-dou um pouco, então, a forma de pen-sar. Fizemos um edital em parceria com a Cemig de R$ 150 milhões. Também fizemos uma mudança estrutural na FA-PEMIG, que tem uma diretoria adjunta de inovação, uma gerência de inovação, um departamento de relações empre-sariais. Nós institucionalizamos a ques-tão da parceria com empresa.

A desburocratização entra na lista de desejos para o futuro da FAPEMIG?

A desburocratização é passado, fu-turo e presente. Antes, no passado, - até antes da lei de Inovação, e pela cultura institucionalizada - a FAPEMIG era ex-tremamente burocrática, como a maioria das agências. Tem uma razão para isso: você está lidando com recurso público, tem que ser cuidadoso. A burocracia nas-ce da cultura brasileira, que é latina, mas é também um cuidado com o recurso público. Agora, você pode fazer isso sem ficar amarrado. Porque há uma tendência natural das pessoas a amarrar a burocra-cia ainda mais. Aí são duas outras razões. Uma é a questão do controle e outra é reduzir o trabalho. Falar “não pode” é muito mais fácil. Porque quando você au-toriza, tem que dizer como é e você se torna responsável pela decisão. Mas nós avançamos muito neste quesito. Reduzi-mos papel, por causa da informatização e também uma consciência ambiental. A redução de papel foi brutal. Antigamente o termo de outorga tinha quatro vias, em

papel, pedia como documento para sub-meter o projeto, estatuto da Universida-de. Acabamos com isso tudo. Hoje todos são cadastrados no site, toda a submissão é eletrônica, para também agilizar o pro-cesso do ponto de vista de andamento do projeto. Mas ainda existem duas questões que precisam ser trabalhadas. Muita coisa pode ser feita para diminuir a burocracia sem perder o controle. É importante que exista, mas não precisa ser um controle burocrático. Pode ser por princípios. E há outra questão que está acima da gente, que é a legislação. O nosso grande sonho é ter um arcabouço legal, específico para Ciência, Tecnologia e Inovação.

E o que falta?Falta tudo. Primeiro, desenhar essa

legislação, que não é fácil. Segundo, con-vencer os poderes Executivo e Legislati-vo de que é preciso lançar novas leis. E depois ainda, precisa treinar os órgãos de controle para usar a nova legislação. Por exemplo: a Lei de Inovação permite as agências de fomento fazer subvenção direta para empresa. Aí, na hora em que o órgão de controle vai fiscalizar aque-le projeto, cobra licitações para compra de equipamentos. Não entendem que a licitação foi feita na seleção do projeto.

E a nova sede: Quais são as ex-pectativas para a nova casa?

Eu gostaria que a nova sede da FA-PEMIG fosse vista como a nova casa da ciência mineira. Porque você vai ter ali, não só um ambiente de tomada de de-cisão sobre o que é bom para a ciência mineira, vai haver também os espaços do Conselho Curador, das Câmaras de As-sessoramento e das Comissões Especiais de Julgamento. Mais do que uma estrutu-ra física de pessoas trabalhando lá dentro, é um ambiente de tomada de decisão, de pessoas trabalhando em torno do que é bom para a ciência mineira, do ponto de vista de julgamento de projeto e de olhar para o futuro. Agora tem outra questão que é o centro de convenções, um audi-tório de mil lugares, onde vão acontecer os eventos da FAPEMIG. Não será pre-ciso alugar hotel para fazer os eventos, tudo poderá ser feito lá.

Carolina Braga* Ouça o áudio desta entrevista na íntegra no blog: http://fapemig.wordpress.com

Nanotecnologia

Você perdeu sua mala no aeroporto. Mas não sente pânico, pois sabe que uma microan-tena a localizará rapidamente.

Você vai tomar um remédio, mas está em dúvida se o prazo de validade venceu. Você não se preocupa, porque a embalagem con-tém um circuito que muda de cor se o medi-camento passou da validade.

Você mora em uma cidade em que a luz elétrica é raridade. Mas logo vê chegar um carregamento de rolos de painéis solares com eletrônica impressa, utilizando energia limpa para iluminar sua casa e de seus vizinhos.

Revolução impRessaem minas

InvestImento InédIto na eletrônIca orgânIca, que permIte a democratIzação do acesso a novas tecnologIas, coloca o estado no mapa do mercado mundIal de semIcondutores

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Esses são alguns exemplos de uma nova tecnologia que vai revolucionar o cotidiano das pessoas em poucos anos: a eletrônica orgânica e impressa, baseada em materiais semicondutores orgânicos, que abre possibilidades para novos dispositivos eletrônicos de bai-xo custo, como painéis fotovoltaicos flexíveis, capazes de levar com mais economia a energia elétrica a localida-des remotas no país; biossensores que podem indicar, com uma gota de san-gue e diagnóstico imediato, a incidência de doenças como a dengue; e tíquetes inteligentes para embalagens, segurança pública, transporte e grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014, com identificação por radiofrequência mais barata. Etiquetas inteligentes como es-sas podem ser também aplicadas na ve-rificação da qualidade, origem e auten-ticidade de medicamentos, alimentos e outros produtos.

Esses exemplos são oferecidos pelo Csem Brasil, um centro priva-do brasileiro de pesquisa aplicada e desenvolvimento, especializado em microtecnologias e nanotecnologias, que fincou suas raízes na capital mi-neira. “É a oportunidade de Minas sair na frente, no Brasil e no mundo. Ainda dá tempo. É o próximo trem que o Brasil não pode perder. É Minas entrando no bonde dos semicondu-tores (circuitos integrados, transisto-res, capacitores, diodos)”, observa o executivo-chefe da Csem Brasil, Tiago Maranhão Alves. E completa: “temos de destacar o pioneirismo da FAPE-MIG, a primeira FAP a investir com peso nessa área, em que vivemos um ponto de inflexão, da academia para o mercado. A visão é a de trazer a ciên-cia do Estado para o mercado, de for-ma colaborativa e não redundante”.

O Csem assinou com o governo do Estado de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Fun-dação de Amparo à Pesquisa do Esta-

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“é possível levar rolos de 80 quIlômetros de paInéIs solares com eletrônIca Impressa em cIdades pobres. esses paInéIs, que são feItos de vIdro, passam a ser fotovoltaIcos, ou seja, que transformam luz em energIa elétrIca. em 2023, a prevIsão é de que a eletrônIca Impressa gere maIs do que o dobro da energIa que estará em segundo lugar, maIs próxIma dela”.

do de Minas Gerais (FAPEMIG), um termo de cooperação técnica que ga-rante um aporte de R$ 7 milhões para desenvolver produtos com eletrônica orgânica e impressa, em um modelo inovador que envolve ensino, pesqui-sa e intercâmbio internacional: neste termo está também previsto a um programa de treinamento no Imperial College London, referência mundial no setor. “Enviaremos profissionais e pesquisadores para treinamento prá-tico e teórico”, diz Maranhão Alves, que destaca também uma das princi-pais características dessa tecnologia: o baixo custo. Segundo o Instituto Na-cional de Eletrônica Orgânica (Ineo), da Universidade de São Paulo (USP), enquanto uma fábrica de chip de silício (o modelo atual) custa cerca de US$ 3 bilhões, com US$ 100 mil já é possível montar uma fábrica de eletrônica or-gânica. Empresas como Samsung, e Ap-ple, entre outras, já possuem soluções baseadas nesta tecnologia.

Outro fator importante destaca-do por Tiago Maranhão é o caráter social no curto prazo: com a eletrô-nica orgânica e impressa é possível ge-rar eletricidade onde não tem, onde é difícil levá-la. “É possível levar rolos de 80 quilômetros de painéis solares com eletrônica impressa em cidades pobres. Esses painéis, que são feitos de vidro, passam a ser fotovoltaicos, ou seja, que transformam luz em energia elétrica. Em 2023, a previsão é de que a eletrônica impressa gere mais do que o dobro da energia que estará em segundo lugar, mais próxima dela”.

Tiago Maranhão, que é engenheiro eletrônico de formação e passou dez anos na Inglaterra, onde fez MBA no setor de semicondutores, assegura que em um ano, aproximadamente, ha-verá produção da prototipagem, pro-dução piloto já visando líquidos inteli-gentes. “Hoje, temos o disco de silício. Nós produzimos o polímero orgânico (líquido), que depois é literalmente

impresso em silk screen ou em off set, com tinta de prata, é uma técnica de impressão muito barata. São tintas in-teligentes, é software. Vamos em busca de novas propriedades intelectuais, de patentear novas tintas”, explica.

De Minas para Londres, de Londres para o mundo

Os jornais do dia 1º de outubro de 2010 estampavam notícias sobre as eleições no Brasil, uma rebelião po-licial no Equador e a morte do ator norte-americano Tony Curtis, aos 85 anos. Nesse mesmo dia, o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da FA-PEMIG, José Policarpo Gonçalves de Abreu, assinava, em Londres, um ter-mo de cooperação técnica com o Im-perial College de Londres e o Csem Brasil, esta representada por Tiago Maranhão Alves.

O Imperial College of Science, Technology and Medicine é uma ins-tituição britânica com forte foco em Ciência, Engenharia e Medicina. Na mais recente avaliação do Times Hi-gher Education (THES), em 2008, ficou classificado como a 6ª melhor univer-sidade no mundo, ficando em 4º para as áreas de Engenharia, Tecnologia e Biomedicina.

Fundado em 1907, é considerada uma das universidades mais seletivas do Reino Unido, com taxa de aceita-ção de candidatos inferior a 20%. En-tre seus renomados alunos estão Sir Alexander Fleming, o descobridor da penicilina, o autor de ficção científica H. G. Wells, o primeiro-ministro da Índia, Rajiiv Gandhi e o guitarrista do conjunto de rock Queen, Brian May.

O diretor do Centro de Eletrônica Orgânica e Impressa (CPE) do Impe-rial College London, Donal Bradley, um físico reconhecido internacional-mente por suas contribuições para o desenvolvimento de materiais mo-leculares e dispositivos eletrônicos, é co-inventor da eletroluminescência de polímeros conjugados. Para ele, que esteve na reunião de assinatura do termo de parceria com a FAPEMIG, “o Estado de Minas Gerais demonstrou ser visionário ao decidir investir em tecnologias novas e emergentes, ca-pazes de acelerar o desenvolvimento econômico”.

“A assinatura desse termo só foi possível porque houve uma mudança de mentalidade no Estado, caracteri-zada por uma série de fatores, como a desburocratização e uma legislação apropriada, a Lei Mineira de Inovação (Lei nº 17.348, de 17 de janeiro de

2008)”, diz o professor José Policarpo. Ele explica que até 2004, a missão da FAPEMIG era a de fomentar o desen-volvimento científico e tecnológico no âmbito do Estado de Minas Gerais. A partir de 2005, passou a ser, induzir e fomentar a pesquisa e a inovação cien-tífica e tecnológica para o desenvolvi-mento do Estado de Minas Gerais.

José Policarpo coloca a indução como palavra-chave nesse processo, no sentido de aceitar empresas como parceiros, reunindo empresa, academia e governo em benefício da sociedade, tendo como meta um desenvolvimen-to social-econômico sustentável.

O programaO Memorando de Entendimento

em Cooperação Acadêmica, Pesqui-sa e Desenvolvimento, firmado entre as três instituições, é um programa de treinamento que permitirá o in-tercâmbio de pesquisadores, mestres, pós-doutores e PHDs, no Centro de Eletrônica Plástica (CPE) do Imperial College. Mas não apenas cientistas brasileiros terão acesso ao treinamen-to. Profissionais da área também pode-rão fazer o curso de dois a três meses. Este primeiro programa recebeu o nome de “FAPEMIG – Imperial Aca-demy on Plastic Electronics” e prevê bolsas para 10 estudantes.

O objetivo do programa é equipar estudantes com algumas das experiên-cias básicas e conhecimento necessá-rio para planejar, desenvolver design e trabalhos nesse laboratório, que é uma referência mundial na área

História“O que estamos vivenciando nessa

área é uma revolução. E não se pode esquecer que Minas tem uma vocação histórica para a área da eletrônica e para a indústria de semicondutores, Minas sempre teve projetos líderes no país”, afirma o diretor de Planejamen-to, Gestão e Finanças da FAPEMIG, Paulo Kleber Duarte Pereira.

O diretor enumera alguns dos mo-mentos que comprovam esse fato: em fins dos anos de 1960, a fábrica da RCA Eletrônica foi instalada em Contagem, para a fabricação de transistores.

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Foto: Marcelo Focado

O executivo-chefe da Csem Brasil, Tiago Maranhão Alves: “É Minas entrando no bonde dos semicondutores”

Em 1972, lançada por Hindembur-go Pereira Diniz, nasceu a Transit, em Montes Claros, no Norte de Minas. Ela fechou oito anos depois, sem conse-guir, no entanto, cumprir sua proposta inicial, de levar o país à autonomia tec-nológica em circuitos digitais.

Nesse período, em Contagem pas-sou a funcionar a SID Microeletrônica, para produzir circuitos integrados, até então, a única fábrica que detinha todo o processo de fabricação de microcir-cuitos do País.

O mercado permaneceu fechado desse período até os anos de 1990. A partir de 2004, contudo, iniciativas dos Governos Federal e Estadual permiti-ram a abertura do setor.

Em 2007, foi anunciada a criação da Companhia Brasileira de Semi-condutores, instalada na Região Me-tropolitana de Belo Horizonte, perto do aeroporto de Confins, um empre-endimento de US$ 500 milhões para a produção de chips customizados, mercado que movimenta por ano, no mundo inteiro, uma soma acima de US$ 300 bilhões. A iniciativa teve o apoio das Secretarias de Desenvol-vimento Econômico e de Ciência & Tecnologia do Estado de Minas Ge-rais, além do BDMG.

Duarte Pereira também destaca o Vale eletrônico no Sul de Minas como

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outro exemplo da pujança do Estado no setor.

Csem BrasilO Csem Brasil é um centro pri-

vado brasileiro de pesquisa aplica-da e desenvolvimento, criado em 2006, pelo Csem SA (Centre Suisse d’Electronique et de Microtechnique) e FIR Capital, especializado em micro e nano tecnologias, engenharia de sis-temas, microeletrônica e tecnologias de comunicação.

No Brasil, o foco do Csem Bra-sil será em dispositivos inteligentes e painéis fotovoltaicos, uma vez que as demais áreas já possuem cadeias produtivas consolidadas no mundo. Com esse propósito, o Csem Brasil está construindo infraestrutura para pesquisa, desenvolvimento e suporte às iniciativas de design, produção e co-mercialização de soluções para setores como Saúde, Indústria e Agricultura. O Centro Csem Brasil de Eletrônica Or-gânica e Impressa será o primeiro polo de referência em pesquisa aplicada, e, sobretudo, prototipagem rápida e fa-bricação de produtos com eletrônica impressa no País e um dos primeiros do mundo.

Fabrício Marques

COMO A ELETRÔNICA ORGÂNICA PODE SER USADA

As aplicações da Eletrônica Orgâ-nica e Impressa permitem a produção de soluções inovadoras que se divi-dem principalmente em 4 categorias:

• Displays e espelhos interativos;• Iluminação pública e de ambientes;• Dispositivos inteligentes e sen-

sores diversos (temperatura, pressão, biológicos e químicos) de baixo custo;

• Painéis fotovoltaicos em plástico para fachadas e coberturas.

Água e energia limpa e renovável• Pesquisa e desenvolvimento de

células fotovoltaicas impressas em material orgânico de baixo custo;

• Sistemas de sensores em rede para monitoramento de resíduos e reservatórios de água potável, utili-zando dispositivos integrados e/ou encapsulados em cerâmica.

Agricultura de precisão e Pecuária• Rastreamento de alimentos, utili-

zando etiquetas inteligentes impressas com tecnologia de eletrônica orgânica;

• Monitoração remota, monitora-ção portátil, rede de monitores wire-less, utilizando dispositivos integrados e/ou encapsulados em cerâmica, re-sistentes a ambientes hostis.

Saúde• Sensores bioquímicos, biométri-

cos, sistemas de análise química em dispositivos microfluídicos, utilizando tecnologia de encapsulamento e in-tegração em cerâmica biocompatível;

• Sensores bioquímicos de baixo custo utilizando a tecnologia de ele-trônica orgânica e impressa.

Microssistemas para Indústria• Dispositivos flexíveis, de baixo

custo, impressos em substratos orgâ-nicos para controle de processos, sen-soriamento de gases e temperatura;

• Dispositivos integrados e/ou en-capsulados em cerâmica a serem utili-zados em ambientes hostis. Integração de sistemas microeletromecânicos (Mems), circuitos passivos e eletrônica digital. Tecnologia já utilizada em:

- Sistemas automotivos (sistemas ABS, injeção eletrônica);

- Aeronáutica (rede de sensores de temperatura, pressão, tilt, giroscópios);

- Indústria de óleo e gás (gases, monitoramento de perfuração, rede sem fio).

FONTE: CSEM BRASIL

Foto: Marcelo Focado

Exemplos de chips já produzidos no laboratório em BH

Tecnologia

Na língua tupi-guarani, Tupã significa “Emis-sário de Deus”, enquanto Tupaciguara quer dizer “Terra da Mãe de Tupã”. Quis o acaso, sempre ao lado dos bons idealizadores, que o projeto de fabricação da aeronave AX-2 Tupã se desenvolvesse a partir de uma base nessa cidade da região Norte do Triângulo Mineiro, a 614 quilômetros de Belo Horizonte, com cer-ca de 24 mil habitantes e prestes a completar, em 2012, 100 anos de sua fundação.

Segundo o coordenador do projeto, o en-genheiro aeronáutico Daniel Marins Carneiro, o AX-2 Tupã é um avião de seis lugares, co-mercial e executivo, com características ino-vadoras, que podem ser percebidas em ter-mos de conforto, baixo nível de ruído interno e externo, alta segurança, baixos índices de emissão de poluentes e que, juntamente com

Nas asasda inovaçãoIniciativa pioneira no Triângulo Mineiro pode colocar no ar, em poucos anos, a aeronave AX-2 Tupã, com características inovadoras e baixo custo

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baixos custos de aquisição, operação e manutenção, proporcionam inovação em serviços, que será sentida na pro-porção do aumento da importância da aviação geral no país.

Comparado com jatos executivos, diz Daniel, o Tupã tem semelhanças no visual externo e interno. As configura-ções são bastante parecidas, inclusive na proporcionalidade de suas formas externas. O espaço interno se asse-melha bastante também. Em termos de materiais, construção, filosofia de projeto, motorização, entre outros, são muito diferentes.

Mas como haverá redução de cus-tos, se há poucos fornecedores no Brasil? “Justamente por isso. Nossa dependência de fornecedores é míni-ma. Esse é um dos grandes paradigmas que o conceito desse projeto preten-de quebrar. Acreditamos que existem muitos pontos na indústria aeronáu-tica que são prejudicados pela cren-ça de que a “terceirização” seja algo sempre positivo. É uma crença errô-nea. Acredito que a terceirização des-medida seja um dos grandes males das empresas”, afirma Daniel.

O engenheiro explica que a FAPE-MIG, que investiu na iniciativa, solicitou três consultorias externas a institutos de renome no setor aeronáutico (um nacional e dois internacionais) e o pro-jeto obteve notas máximas em todos os quesitos técnicos apresentados.

O projeto encontra-se em fase de anteprojeto, ou seja, onde definições e cálculos básicos estão sendo efetuados. A expectativa é a de que em três anos e meio o modelo AX-2 Tupã esteja pron-to para comercialização, desde que, nas palavras de Daniel, o Governo consiga se agilizar e mantenha o empenho que tem sido dado até agora.

A estimativa de produção de ae-ronaves, anualmente, vai depender, por exemplo, do montante que a Axis conseguirá obter para a fabricação e desenvolvimento do negócio (vendas,

pós-vendas etc). “Existem várias op-ções para metas de produção que vão além da decisão da estratégia da em-presa”, diz o engenheiro. Em termos de mercado, ele acredita que existirá demanda para até 4 mil aviões por ano, mas isso não significa que irá par-tir para uma ação tão agressiva: “Uma coisa, portanto, é como iremos nos preparar para esse potencial. Outra coisa, é como vamos iniciar e como vamos nos sustentar nesse mercado prospectado”.

DiferencialAo refletir sobre o setor aero-

náutico do País e em como seu pro-jeto pode ajudar no crescimento e no avanço desse setor, Daniel avalia que o Brasil tem grande capacidade para im-pulsionar sua aviação: “Mas até o mo-mento, todas as iniciativas que vejo são referentes à aviação de grande porte, sem nenhuma novidade em termos técnicos, sem nenhuma inovação, de fato. Por isso, as melhorias na aviação de grande porte são pouco expressi-vas. Nesse ponto é que entra o dife-rencial do Tupã”.

Por conta das características da aeronave, o Tupã proporciona, na opi-nião do coordenador do projeto, uma nova dimensão para o transporte aé-reo, mas pela visão da aviação de pe-queno porte. Os impactos decorren-tes de sua utilização serão sentidos em vários pontos da cadeia produtiva, levando desenvolvimento econômico, social e tecnológico para vários muni-cípios brasileiros. “Esse é o maior ob-jetivo do projeto Tupã”, frisa.

Devido à iniciativa da Axis com o Tupã, o Governo de Minas Gerais decidiu que Tupaciguara fosse consi-derada como polo de fabricação de aviões (asa fixa), enquanto Itajubá seria a cidade sede de fabricação de heli-cópteros. “Mas, pelas movimentações que vejo, Tupaciguara será mais que isso. Vejo que Tupaciguara irá sediar o

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“Mas até o momento, todas as iniciativas

que vejo são referentes à aviação de grande porte, sem nenhuma novidade em termos técnicos,

sem nenhuma inovação, de fato. Por isso, as melhorias na aviação de grande porte são pouco

expressivas. Nesse ponto é que entra o diferencial do Tupã”

polo aeroespacial mais expressivo do país em poucos anos. Não apenas em fabricação de aviões, mas também em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, se as parcerias estraté-gicas pretendidas se concretizarem”, observa Daniel Carneiro.

Em Tupaciguara, a empresa Axis Aeroespacial está instalada em um galpão localizado no Distrito Indus-trial da cidade, no qual será montado o protótipo do AX-2 Tupã. Depois, a sede da empresa será transferida para uma área maior, onde será instalada a fábrica de aviões, que contará com pista para pousos e decolagens de ae-ronaves. “A nova área já está definida, mas a data para a mudança ainda não. É necessária a solicitação de verba para a implantação da fábrica. Isso está sen-do visto nesse exato momento”, infor-ma o engenheiro.

TrajetóriaDaniel tem grande satisfação em

dizer que se formou no Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA) da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Lá eu tive grandes mestres que me ensinaram a projetar aviões. Quando me perguntam se foi na in-dústria onde eu aprendi a projetar aeronaves, eu digo que não. Na reali-dade, foram em dois grandes momen-tos”, diz. O primeiro, durante um cur-so na Eapac do Rio de Janeiro, com o professor Mocho, que o fez entender aerodinâmica de uma forma bastante simples, mas consolidada. “E o segun-do, obviamente de imensa importân-

cia, que foi o curso no CEA da UFMG. Tive a oportunidade de realizar alguns trabalhos interessantes durante quin-ze anos na indústria aeronáutica, mas que me seriam impossíveis se eu não tivesse o conhecimento obtido no CEA.”, completa.

No entendimento de Daniel, havia um desentendimento crônico entre empresas e governos, e foi preciso to-mar uma atitude para romper esse ci-clo. “Empresário brasileiro geralmente trata o Governo como ‘inimigo’. O go-verno, por sua vez, tem também suas dificuldades e geralmente não atende ou não consegue atender as neces-sidades desses empresários. Isso se arrasta por décadas. Isso sempre ge-rou desentendimentos que não levam nada de bom para o país”, diz.

A atitude à qual se refere foi a de romper esse ciclo e chamar o gover-no para ser parceiro desse projeto, pois, como tem dito, em outras opor-tunidades, pouco importam as em-presas e os governos perto da nação brasileira. “Temos que trabalhar jun-tos para promover um país melhor. Nós demos esse passo no caso da aviação e temos tentado outros pas-sos em âmbitos maiores dentro do contexto aeroespacial”, ressalta.

Outros projetosO engenheiro revela que o AX-2

Tupã é apenas o primeiro, de uma série de projetos da Axis Aeroespacial. “Eu pretendo trabalhar de modo a atender necessidades percebidas, mas princi-palmente as necessidades não perce-

bidas do setor aeroespacial. Para tanto, se desejamos atender segmentos não explorados, é necessário grande en-volvimento em Ciência e Tecnologia”, comenta. Ele acredita que inovação radical seja conseguida somente com esse envolvimento. Por esse motivo, pretende estabelecer parceria com institutos brasileiros de Pesquisa & Desenvolvimento e universidades.

Entre as intenções, Daniel Carnei-ro destaca duas, que consistem na par-ticipação do projeto hipersônico 14-X e no projeto de Propulsão a Laser do IEAv (Instituto de Estudos Avançados), pertencente ao DCTA. “Essa é uma ini-ciativa que ilustra um pouco a atitude de que acreditamos que, para termos produtos inovadores no longo prazo, temos que acompanhar de perto e fazer acontecer em Ciência e Tecno-logia desde hoje. É isso o que os países desenvolvidos fizeram no passado. E o Brasil pode retomar isso”, afirma.

Atualmente, o projeto AX-2 Tupã tem tido bastante destaque. Mas Da-niel faz questão de observar que a AXIS não se restringe apenas ao Tupã ou a ser apenas uma fábrica de aviões: “Existem muitos outros projetos já em análise - não necessariamente de aviões - e que se mostram excelentes em termos de impacto e viabilidade”.

O começoA ideia de criação da aeronave sur-

giu há 20 anos. Partiu da análise das carências no setor e avaliação das ae-ronaves existentes, com tecnologias obsoletas sendo as únicas opções.

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Fotos: Divulgação

Imagem do projeto hipersônico 14-X do IEAv, que poderá ter participação da AXIS com o Governo de MG

Tupaciguara foi escolhida para acolher o projeto por conta de topografia e logística da região, aspecto político e a presença da UFU

“Decidi conceber uma aeronave que fosse melhor em termos de desem-penho, segurança e custos. Daí surgiu o Tupã. Posteriormente percebeu-se os impactos que esse tipo de aerona-ve proporcionaria, o que foi bastante emocionante”.

Essa ideia foi forjada em um País que, para o coordenador do projeto, é um dos melhores mercados do mun-do, e por vários fatores, como explica Daniel: o primeiro deles é a grande di-mensão territorial do Brasil. Segundo, temos uma má distribuição da popula-ção dentro dessa área continental, mas vivemos em um contexto econômico propício para que a ‘centelha’ do cres-cimento surja, o que permitirá o de-senvolvimento de cada município do país pela aviação de pequeno porte, no segmento do Tupã. “E de outro lado, possuímos profissionais qualificados em várias áreas que podem transfor-mar o Brasil em modelo de desenvol-vimento por essa aviação. Precisamos é integrar isso tudo”.

A escolha de TupaciguaraAtualmente, destacam-se como

centros brasileiros que trabalham com tecnologia aeroespacial, de modo iso-lado, algumas universidades, tais como UFU, UFMG, USP-São Carlos. Existe o Inpe e de forma mais abrangente está o DCTA e todos seus institutos. “Em breve, pelo que tudo indica - e impor-tante dizer que isso tenha mais a ver com as demais iniciativas da AXIS e Governo de Minas, além do Tupã - Tu-paciguara terá também um importan-

Fabrício Marques

te centro em tecnologia aeroespacial”, comenta Daniel.

E por que Tupaciguara? Responde o engenheiro: “Além do apoio políti-co propiciado pela Prefeitura, a região possui aspectos interessantes no to-cante à topografia e logística, além da presença da UFU com seu recém-cria-do curso de Engenharia Aeronáutica.

De acordo com Fausto Ribeiro Machado, secretário municipal de De-senvolvimento Econômico, a Prefeitu-ra Municipal de Tupaciguara/MG e o Governo do Estado construirão uma pista de pouso e testes adequada ao Projeto. Além disso, o município doará uma área de 60 mil metros, com toda infraestrutura, inclusive terraplanagem. “Mas, sobretudo, a principal contribui-ção da Prefeitura está compreendida no fomento e na articulação política, que viabiliza a concretização desse gi-gantesco passo para o desenvolvimen-to tecnológico nacional e mundial”, afirma Machado.

Segundo o secretário municipal, em pouco tempo, além de atrair pesquisadores, investidores e profis-sionais afins – o que revolucionará toda sua configuração populacional e sua dinâmica funcional – Tupaciguara será projetada no cenário nacional e internacional graças a excelência científica e produtiva da indústria aeroespacial.

Diálogo acadêmicoOutro fator importante no pro-

cesso é a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Para o professor Valder Steffen Jr, pesquisador 1-A do CNPq e coordenador do INCT de Estruturas Inteligentes em Engenha-ria, existem várias vertentes possíveis para a UFU no relacionamento com a empresa responsável pela aeronave Tupã. Primeiro, há o aspecto mais aca-dêmico com benefício direto para os alunos de engenharia em geral e de engenharia aeronáutica, em particu-lar. Depois, existe a possibilidade de realização de trabalhos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico com a participação de docentes-pesqui-sadores e de estudantes (graduação, mestrado e doutorado).

“A UFU está organizada para co-operar de maneira institucionalizada”, diz Seteffen Jr. Ele observa que exis-tem casos em que isso acontece com a intervenção de uma de suas funda-ções de apoio, no caso a FAU. Esta fun-dação tem a responsabilidade de admi-nistrar financeiramente projetos com agências oficiais de fomento como, por exemplo, a FAPEMIG e a Finep.

Na avaliação de Steffen Jr, com o de-senvolvimento do projeto, a região do Triângulo poderá se tornar um polo da aviação no país, pois existem as condi-ções fundamentais para que isso aconte-ça no médio prazo. “Temos uma grande universidade pública com forte vocação na área de engenharia (a UFU), existe o interesse do setor público (Governo Fe-deral, Estadual e Municipal), e contamos com uma classe empresarial ousada e competente, reunindo, portanto, condi-ções bastante favoráveis”, aponta.

Ele também lembra que a UFU tem boa experiência na realização de projetos de pesquisa aplicada, com o envolvimento de empresas e com fi-nanciamento governamental. “Além disso, cabe destacar que está em pleno funcionamento o INCT de Estruturas Inteligentes em Engenharia (INCT-EIE), que atua em várias frentes de pesquisa relacionadas a problemas normalmen-te encontrados na área de engenharia aeronáutica e afins”.

O INCT, esclarece o professor, atua como uma rede de pesquisa com a participação de vários gru-pos de pesquisa importantes do país (UnB, ITA, USP-São Carlos, Coppe/UFRJ, Unesp-IS, além da UFU como instituição sede) e também do exte-rior (USA, Canadá, França, Inglaterra e Dinamarca). “Isso significa que, além dos recursos humanos disponíveis na própria instituição, conta-se com a co-operação de um número expressivo de pesquisadores e de instituições de prestígio nas várias áreas da engenha-ria atendidas pelo INCT”.

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Projeto: Aeronave AX-2 TupãCoordenador: Daniel Marins CarneiroValor: R$ 2.193.474,00

Comportamento

Numa época em que os grandes supermercados ganham cada vez mais espaço nas cidades, seja nas capitais ou no in-terior, um antigo hábito permanece inabalável: o de ir à feira. Esse tipo de comércio ao ar livre acompanha a história da humanidade e nunca sai de moda. Aliás, assim como as vitrines, as feiras mudam a cada estação e, por que não, a cada geração. É isso que mostra a pesquisa conduzida por uma equipe mul-tidisciplinar da Universidade Federal de Alfenas, liderada pelo professor Marcelo Lacerda Rezende, com o apoio da FAPE-MIG. A feira ainda é procurada para a compra das verduras fresquinhas, frutas da estação vindas direto do campo, mas também, pouco a pouco, novos atrativos ganham espaço.

Com o objetivo de pesquisar hábitos de consumo nas feiras livres no Sul de Minas Gerais, o grupo percorreu cidades polo da região, como Alfenas, Três Pontas, Pouso Alegre, Itajubá, Poços de Caldas e São Lourenço, para fazer uma radiografia, não só do as-pecto comercial, mas principalmente social. “A principal surpresa foi constatar que a feira é um ambiente que vai além da questão da compra, com forte interação entre as pessoas”, comenta Re-zende, e se engana quem pensa que feira é apenas lugar para se escoar os produtos agrícolas. Sim, é mesmo o local onde se com-pra frutas frescas e verduras direto da roça, mas as hortaliças di-videm espaço com artesanato, com roupas e até com pregações religiosas. “Encontramos um pastor que vai à feira todo domingo para pregar e atender os fiéis da igreja dele”, lembra o professor.

O comércioque virou lazerMais que oferecer produtos rurais, as feiras se mantêm na rotina do cidadão como espaço de confraternização social e de negócios

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Carolina Braga

A origem das feiras livres nos re-mete ao tempo do escambo, das tro-cas comerciais. Os produtos que so-bravam nas propriedades rurais eram negociados com os vizinhos, mas com o aumento da demanda houve a neces-sidade da designação de um ambiente próprio para o comércio. As vendas continuam sendo o principal atrati-vo das feiras livres. De acordo com o resultado da pesquisa, 90% do público que passa por uma feira volta para casa com algum produto. Mas, apesar disso, o estudo também destaca que o co-mércio ao ar livre tem ganhado cada vez mais fortes contornos sociais e cul-turais. “A feira representa um pouco da sociedade daquele município. É quase uma mostra do que está acontecendo ali e aí essa parte da cultura a gente vê muito presente. Às vezes tem música, apresentação cultural, pessoas divul-gando campanhas de prevenção contra doenças”, garante Rezende.

Metodologia da pesquisaO estudo das feiras no Sul de

Minas começou em 2007 e a meto-dologia envolveu entrevistas não-es-truturadas com os responsáveis pela organização das feiras nas prefeituras dos municípios visitados. Além disso, também foram realizadas pesquisas de opinião com cinquenta frequentado-res das feiras de cada uma das cidades estudadas. O objetivo era identificar o perfil socioeconômico do consumi-dor. De acordo com Marcelo Lacerda Rezende, a feira reúne elementos sufi-cientes para traçar a identidade de um povo. “É uma representação do que acontece naquela sociedade”, reforça.

A partir da análise dos dados foi possível concluir que o público frequen-tador das feiras em Alfenas, Três Pontas, Pouso Alegre, Itajubá, São Lourenço e Poços de Caldas é bastante heterogê-neo, em relação a idade, renda, escola-ridade e profissão. A média das idades, por exemplo, varia entre 43 e 52 anos, e a

renda das famílias é, na média, superior a R$ 1.500. Os produtos mais procura-dos, em todas as cidades em estudo, são verduras e legumes. As frutas também são requisitadas pelos consumidores nas feiras, apresentando uma porcenta-gem de procura acima de 90% em quase todas as cidades. A única que não entra neste grupo é Três Pontas, que apresen-tou uma porcentagem de 56,25%. “Essa diferença no consumo de frutas em Três Pontas foi uma das particularidades. Per-cebemos que lá as pessoas encontraram outras opções para o consumo do pro-duto, assim como em Poços de Caldas detectamos grande participação dos tu-ristas”, pontua Rezende.

Alerta à saúdeMesmo com a variedade das ati-

vidades possíveis em uma feira, o es-tudo desenvolvido no Sul de Minas mostra que o consumo ainda é o mais forte. “Pode-se perceber que nas seis cidades estudadas, mais de 90% dos passantes são consumidores da feira livre”, assegura o líder da equipe, pro-fessor Marcelo Lacerda Rezende, no relatório final do trabalho.

O alto percentual de consumo pode ser associado à ideia de que a fei-ra é um local propício para a obtenção de alimentos que proporcionam uma alimentação saudável, o que não é total-mente verdade. O estudo alerta para a falta de fiscalização nas feiras livres das seis cidades visitadas. “Vimos venda de alimentos prontos, mas não vimos a fis-calização. Não há garantia do que está sendo vendido ali”, ressalta. Estudos como esses são fundamentais para sub-sidiar políticas de saúde e nutrição. So-mente assim será possível estabelecer estratégia de atuação, tanto no campo econômico, como no social.

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Perfil das Cidades

O estudo das feiras livres foi desenvolvido em seis cidades-polo do Sul de Minas Gerais. Conheça os municípios

AlfenasPopulação: 73.722 habitantesDia da feira: quarta e domingo

Três PontasPopulação: 53.825 habitantesDia da feira: sábado

Pouso AlegrePopulação: 130.586 habitantesDia da feira: quarta e domingo

Itajubá População: 90.679 habitantesDia da feira: sábado e terça

Poços de CaldasPopulação: 152.496 habitantesDia da feira: sábado e sexta

São LourençoPopulação: 41.664 habitantesDia da feira: domingo e quarta

Foto: Divulgação

Movimento de consumidores na feira de Alfenas

Projeto: Organização local e hábi-tos de consumo: estudo das feiras livres da região sul de Minas GeraisModalidade: Demanda UniversalCoordenador: Marcelo Lacerda RezendeValor: 9.480,00

As áreas de Mata Seca, também conheci-das como florestas estacionais deciduais ou florestas tropicais secas, aparecem de forma isolada em alguns estados brasileiros. Apesar de controvérsias, são atualmente classifica-das como parte da Mata Atlântica. Esse tipo de vegetação ocorre em regiões de clima sazonal, assim como o Cerrado, mas se di-ferencia das demais porque as árvores são mais altas – têm porte florestal – e ocorre queda nas folhas de mais de 50% das plantas, principalmente nos meses mais secos.

Minas Gerais é um dos locais com a maior concentração de Mata Seca no País. No Nor-te do Estado, vários municípios às margens do Rio São Francisco têm essa formação vegetal. Desde 2006, a região é estudada por pesqui-sadores da Universidade de Montes Claros, a Unimontes. A princípio, foram realizados tra-balhos dentro de uma Rede Colaborativa de

Pordentroda MataSeca

Sistema tem o objetivo de entender como as áreas degradadas se regeneram após a ação humana

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Meio ambiente

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dade, mas também o funcionamento do ecossistema. Além disso, as informa-ções serão utilizadas para programas de recuperação de áreas degradadas por meio da restauração ecológica.

Nessa etapa, outros grupos de or-ganismos também serão avaliados e a quantidade de áreas de estudo será aumentada na Serra do Cipó e no Norte de Minas (veja mapa). Antes, a maioria das investigações foi restrita à margem esquerda do rio, no Nor-te de Minas. “Agora vamos estudar as bactérias e fungos do solo, mosquitos vetores de doenças, cupins, aves, mor-cegos, besouros e formigas”, justifica o coordenador.

O estudo dessas bactérias do solo, por exemplo, pode resultar na desco-berta de novas espécies que podem estimular o crescimento vegetal, com possível utilização na agricultura. Os mosquitos vetores de doenças são res-ponsáveis pela transmissão de diversas enfermidades. É possível que o desma-tamento aumente as populações desses mosquitos, com sérios prejuízos à saú-de humana e animal. Outros organis-mos, como besouros e cupins, ajudam a manter a fertilidade do solo, evitando seu esgotamento e diminuição da pro-dutividade agrícola. As aves e morcegos podem controlar insetos considerados pragas na agropecuária, além de pro-mover a polinização e a dispersão de sementes de plantas cultiváveis.

O objetivo de estudar a Mata Seca em dois Estados é comparar a biodi-

versidade e como ela se regenera em diferentes partes do Brasil. No Norte de Minas serão estudadas as áreas que ficam à margem direita do São Francis-co. Antes os estudos eram concentra-dos no Parque Estadual da Mata Seca, em Manga (a 720 quilômetros de Belo Horizonte). Além do município, dessa vez será feita a consolidação dos da-dos coletados anteriormente e será verificada a influência da separação geográfica provocada pelo rio sobre a diversidade de organismos. Para isso, as coletas serão realizadas em Matias Cardoso, no Parque Estadual Lagoa do Cajueiro, e em Jaíba, nas Reservas Bio-lógicas de Serra Azul e de Jaíba.

Segundo o coordenador, diversos estudos já mostraram que rios de gran-de porte, incluindo o próprio Rio São Francisco, são barreiras à dispersão dos animais e de propagação das plantas. As-sim, a flora e a fauna de cada margem do rio podem passar por processos evolu-tivos distintos. “Se a biodiversidade for diferente em cada margem, é possível que estratégias de conservação distintas tenham que ser empregadas”, completa.

A rede é formada por 25 profes-sores da área de ciências biológicas, sensoriamento remoto e sociologia e é composta de dois projetos diferen-tes. O primeiro fará um levantamento da biodiversidade e o outro se focará na parte social. O objetivo é avaliar os conflitos entre unidades de conserva-ção e as comunidades tradicionais de cada região de estudo, como eles se

Foto: Mário Marcos

Pesquisas multinacional chamada Tropi--Dry. Os objetivos eram conhecer me-lhor as mudanças no uso da terra nas florestas tropicais secas e, a partir daí, desenvolver ações de preservação, tan-to de sua biodiversidade, como dos mo-dos de vida dos povos tradicionais que subsistem dos seus recursos naturais.

Na visão dos estudiosos, o primei-ro trabalho foi bem sucedido, especial-mente porque conseguiu aproximar a academia do poder público. Do ponto de vista dos pesquisadores, houve uma influência decisiva na política ambien-tal na região. “Nós ficamos mais perto do Ministério Público e conseguimos dar suporte científico na ação de in-constitucionalidade à lei estadual que permitia até 70% de desmatamento nas áreas de matas secas”, argumenta o coordenador da pesquisa, o biólogo Mário Marcos do Espírito Santo, refe-rindo-se à Lei 19.096/2010, que visava normatizar o uso da terra em áreas de Mata Seca no Norte de Minas.

Agora, a intenção dos pesquisadores é continuar esse e outros trabalhos na nova fase de estudos. A partir da rede Tropi-Dry, foi criada a rede temática “Biodiversidade e Regeneração Natural em Florestas Tropicais Secas Brasileiras”, que tem como objetivo realizar estudos mais aprofundados sobre a vegetação em Minas e no Nordeste brasileiro. Essa nova rede pertence ao recém-criado Sistema Nacional de Pesquisa em Bio-diversidade, gerenciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi-co e Tecnológico (CNPq). Dessa vez, os estudos serão realizados em unidades de conservação na Serra do Cipó, na região Central do Estado e no Norte de Minas, além de uma área na Paraíba, com o apoio da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

As novas pesquisas, que têm o fi-nanciamento da FAPEMIG, começaram em dezembro de 2010 e seguem até dezembro de 2013. Segundo o biólogo, graças ao trabalho iniciado com a Trop--Dry foi possível para o grupo de pes-quisas participar do Sisbiota. Os proto-colos científicos usados anteriormente servirão para ajudar a entender como as Matas Secas se regeneram após a ação do homem, não só a biodiversi-

relacionam com os parques. Os estu-dos já mostraram, de acordo com o pesquisador, que várias unidades de conservação do Norte de Minas fo-ram delimitadas dentro do território de povos tradicionais, como quilombo-las e vazanteiros. “Isso limita o acesso deles ao seu modo de vida tradicional e afeta sua capacidade de subsistên-cia. Além disso, as populações passam a ver o parque como um ‘estorvo’, o que pode limitar a eficácia da criação de unidades de conservação enquanto estratégia de conservação”, esclarece.

As equipes também deverão fazer trabalhos de educação ambiental com profissionais das áreas de biologia e ciên-cias sociais, direcionados aos moradores do entorno das áreas de florestas secas.

Os resultadosRecentemente, os dados biológicos

obtidos pelo projeto ajudaram a legi-timar a classificação das matas secas como uma formação vegetal da Mata Atlântica; além disso, mostraram que a flora e a fauna da região são bastante diversas e possuem muitas espécies endêmicas. Os dados de sensoriamen-to remoto mostraram que 12% da cobertura vegetal de mata seca foram perdidos nos últimos 20 anos, um rit-mo acelerado de destruição que deve ser refreado para evitar a degradação ambiental no Norte do Estado. Os dados socioeconômicos mostraram que o desmatamento para a pecuária

gera poucos empregos por hectare e não reduzirá a pobreza na região; além disso, mostraram que pode haver ex-pansão da pecuária na região sem des-matamento, pelo aumento da baixa produtividade atual; finalmente, esses dados mostraram que a maior parte das matas secas que seriam desmatadas está dentro de grandes latifúndios, sem benefícios para pequenos produtores.

Essas informações foram reunidas em uma nota técnica entregue ao Ministério Público, que a utilizou como suporte para defender a inclusão das matas secas no regime de proteção da Mata Atlântica.

Rede Tropi-DryTropi-Dry é a abreviação de Tropical

Dry Forests (Florestas Tropicais Secas). A rede foi criada em 2004 na Universida-de de Alberta, no Canadá, e tem núcleos de pesquisa em sete países americanos (Brasil, Costa Rica, Cuba, Estados Uni-dos, México, Panamá e Venezuela). O objetivo é desenvolver estudos similares em cada país, perceber os resultados em cada local para estabelecer padrões de conservação e recuperação das flores-tas nessas regiões. A rede multidiscipli-nar é formada por profissionais de di-ferentes áreas, como biologia, geografia e ciências sociais. Reunida, essa equipe obtém informações extremamente rele-vantes para o desenvolvimento de políti-cas públicas para a ocupação sustentável das florestas tropicais secas.

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201124

Ana Flávia de Oliveira

Como funcionao ecossistema

Os grupos a serem considerados no estudo participam de diferentes funções do ecossistema: as plantas são as responsáveis pela produtivida-de primária da floresta e servem de alimento e abrigo para vários animais; as bactérias e fungos do solo aumen-tam a fertilidade do solo e podem influenciar o crescimento das plantas; os cupins, besouros - conhecidos na região como “rola-bosta” - e as for-migas são muito importantes para a decomposição de nutrientes e servem de alimento para vários animais verte-brados; as aves e morcegos são impor-tantes polinizadores e dispersores de sementes. Entender como essas fun-ções se regeneram é extremamente importante para estratégias de recu-peração de áreas degradadas.

Foto: Felisa Anaya Mapa: Carlos Magno Santos Clemente

Projeto: Biodiversidade e rege-neração natural em florestas tro-picais secas brasileirasModalidade: Ação Transversal/FAPs Nº 47/2010, chamada 2, Sis-tema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade - SISBIOTA BrasilCoordenador: Mário Marcos do Espírito SantoValor: R$ 494.330,46

Vazanteiros que vivem às margens da Iha da Ressaca, no Rio São Francisco, município de Matias Cardoso

Opinião

Lembro-me como se fosse ontem. Fora aprovado o texto do Capítulo de Ciência e Tecnologia, na Constituição Mineira de 1989 como queríamos. Mais ainda, disposição constitucional designa-va a FAPEMIG como única gestora dos recursos estaduais destinados ao finan-ciamento de projetos de pesquisa cien-tífica e tecnológica em Minas Gerais. A comunidade científica sentia-se, enfim, recompensada pelo esforço de conven-cimento. Logo, logo, porém, a alegria foi eclipsada pela preocupação. Como gerir com competência e isenção tal volume de recursos de forma a assegurar re-sultados concretos para a sociedade? Especialistas multidisciplinares da ONU, convidados a avaliar a situação e opinar sobre prioridade foram unânimes: “sem relegar ao segundo plano a produção de conhecimento básico, como previa o capítulo de C&T da Constituição, deve--se investir em inovações tecnológicas capazes de promover a competitivida-de, no nível internacional, de produtos e serviços nacionais”. Passados vinte e cinco anos da criação da FAPEMIG, ago-ra como mero espectador, ainda tenho dificuldade em responder à pergunta título deste comentário sem avaliar ou-tras questões que persistem em afligir o país. Enumeramos algumas delas como base de argumentação:

• O país dispõe de número adequa-do de empresas e órgãos de pesquisa tecnológica com ambientes inovadores capazes de motivar a criatividade?

• A infra-estrutura nacional de análi-se de processos de pedido de patente é suficientemente ágil para garantir que o produto inovador seja lançado no mer-cado no tempo necessário para garantir sua competitividade?

• O sistema acadêmico brasileiro tem se preocupado em formar profis-sionais, em número e qualidade, para o exercício, rotineiro, da criatividade?

Se a resposta for não, precisamos, com urgência, corrigir nossas políticas: edu-

cacional, de propriedade intelectual e de pesquisa científica e tecnológica como for-ma de tentar recuperar o tempo perdido.

Quando falamos em política educa-cional estamos falando não apenas do sistema universitário, mas educação em todos os níveis. Temos profissionais com boa qualidade técnica, mas para um pro-cesso continuado de inovação precisa-mos de talentos capazes de transformar ideias em serviços e produtos competi-tivos. Segundo Guifford Pinchot, “ideias são como insetos, muitos nascem, mas poucos chegam à maturidade”. Inovação sistemática não é fruto de modismos. Resulta da formação de uma cultura em todas as atividades socioeconômicas do país – escolas, hospitais, prestação de serviços públicos e privados e empre-sas privadas. Empresários que imaginam ser possível, comprando equipamentos de última geração, competir no nível in-ternacional estão fadados a desaparecer. Tecnologia se torna obsoleta rapidamen-te. Talento se recicla. Outro equívoco é pensar que qualquer ambiente é pro-pício ao surgimento de inovações. Am-bientes conservadores dificultam o fluxo fácil da informação - matéria prima fun-damental da criatividade - constrangem o intercâmbio dos profissionais com o mercado, confundem produtividade com metas, regras e procedimentos alcança-dos. O ambiente inovador depende mui-to menos de recursos financeiros que da capacidade de adaptação às exigên-cias dos mercados e do aparecimento de novas tecnologias. O ambiente inovador é aberto à opiniões divergentes e ao trabalho em equipe, muitas vezes con-flituosos. Acreditar que um profissional com remuneração incompatível com as praticadas no mercado seja criativo é ingenuidade ou incompetência gerencial.

Práticas que têm dificultado o ingres-so do país no processo cultural da inova-ção são o corporativismo e o ufanismo. Ações corporativas assumidas na ilusão de que recursos financeiros irão assegu-

rar a longo prazo, recuperação de orga-nizações que insistem em não se reciclar e resistem à ideia de terminar programas e serviços de baixa competitividade ou com persistente deterioramento técnico resultam apenas em desperdício de re-cursos públicos. O financiamento de pro-jetos de P&D sob a ótica de manter vivos grupos de pesquisa com baixa qualifica-ção técnica ou pequena “massa crítica” não tem resolvido o problema principal que se situa, de uma forma geral, na ges-tão inadequada e no excesso de confian-ça nas possibilidades da instituição.

Números nos ajudam a ver melhor os descompassos com a realidade. Em 2006 o Japão, os Estados Unidos e a Coréia conseguiram registrar, respecti-vamente, quinhentos mil, quatrocentos mil e cento e sessenta mil pedidos de registro de patente. Neste mesmo ano o INPI conseguiu acatar seis mil pedidos. Pouca criatividade? Trâmites burocrá-ticos demorados? Falta de treino para conduzir o processo? São fatores que somados levam à baixa competitividade do nosso setor industrial. A tarefa pela frente é hercúlea, mas deve ser realiza-da se quisermos entrar no mercado de produtos com elevado valor agregado. Se continuarmos – governo, educado-res, pesquisadores e empresários – por oportunismo de curto prazo, a ignorar a premente necessidade de mudanças estruturais básicas urgentes estaremos condenando o país a atravessar mais este século como um imenso exporta-dor de commodities.

A FAPEMIG, não só pelo volume de recursos de que dispõe, mas principal-mente pela sua conquistada penetração e respeito junto aos pesquisadores, em-presários e educadores tem papel de destaque neste processo, o qual, para surtir efeito nas próximas décadas, de-veria começar hoje.

*Ex-diretor Científico da FAPEMIGConsultor em Planejamento e Gestão de C&T

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Foto: Netun Lima

Realidade ou Mito?Inovação no Brasil

*Paulo Gazzinelli

Entrevista

“A primeira prioridade é desburocratizar”Para a geneticista, o governo precisa dar condições para os cientistas brasileiros a fim de que eles exerçam todo o seu potencial

“As universidades precisam acabar com essa Muralha da China, que é se recusar a pensar em uma pesquisa que vire produto, como se fosse horrível o cientista querer ganhar dinheiro com a pesquisa”. A autora dessa frase é a geneticista Lygia da Veiga Pereira, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade do Estado de São Paulo (USP). Dona de opiniões fortes e claras, Lygia deu a declaração que abre este pará-grafo ao repórter Gilberto Scofield Jr, do jornal O Globo, em fevereiro de 2011. A equipe que ela coordena foi a primeira do Brasil a extrair e multiplicar células-tronco retiradas de embriões congelados. Nesta entrevista à MINAS FAZ CIÊNCIA, ela dirige seu olhar crítico, fun-damentado em anos de experiência, contra a burocracia que muitas vezes entrava a pesquisa científica no país.

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A sua equipe foi a primeira do Brasil a conseguir extrair e mul-tiplicar células-tronco retiradas de embriões congelados. Em que estágio encontram-se agora as pesquisas lideradas pela senhora, relacionadas com o tema?

Hoje em dia, em nossas pesquisas seguimos extraindo células-tronco embrionárias de mais embriões. Na-quela época anunciamos a linhagem BR1, agora já estamos na BR5, e a ideia é tentar novos métodos e novas con-dições de cultura para esses embriões, essas células-tronco embrionárias, e eventualmente estamos com financia-mento dos Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Saúde para construir um centro de tecnologia celular, que é um laboratório com condições de estabelecermos novas linhagens de células embrionárias, mas agora para uso em seres humanos. Se você quer uma célula para usar em seres huma-nos, existe um rigor muito maior nas condições de esterilidade, no controle de todos os materiais. A nossa meta é essa e esperamos que esse laborató-rio esteja pronto até o fim deste ano.

O que é necessário para o País deixar de ser apenas fornecedor de matéria-prima e importador de tecnologia?

Eu acho que a gente precisa de vontade política, vontade política para levar a sério a Ciência, para melhorar as condições de se fazer ciência no Brasil. Eu posso entender que não haja recursos suficientes no Brasil. Enfim, há uma série de questões a serem re-solvidas, como educação, saúde... En-tão, eu até entendo que o orçamento de Ciência tenha que ser limitado, mas existem outros entraves graves para pesquisa no Brasil. A burocracia, nossa dependência em importação de rea-gentes e a dificuldade dessas impor-tações, que é pura vontade política: é só o Governo Federal prestar atenção nisso e criar leis ou regulamentos que facilitem a vida do pesquisador bra-

sileiro, que deem mais agilidade para que possamos adquirir reagentes e testar novas ideias.

Que ações podem ser estabe-lecidas para que a iniciativa pri-vada também participe de ações científicas, por exemplo, contra-tando doutores? Ao mesmo tem-po, a senhora questiona, se a ini-ciativa de fomentar a pesquisa é limitada, de que forma as empre-sas privadas podem ajudar?

Existe uma consciência muito gran-de do governo federal, do governo do Estado de São Paulo, da importância de se atrair a iniciativa privada a fim de que uma pesquisa seja feita, para que haja Pesquisa de Desenvolvimento e Inovação dentro das empresas. Isso tem sido promovido, por exemplo, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) [empresa pública vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia]; há fundos de investimen-to em que a Finep entra com 80% da

verba, e a empresa tem que entrar só com 20% para fazer inovação; existem leis de incentivo fiscal, uma espécie de lei Rouanet da Ciência, e que a empre-sa pode usar parte do dinheiro que ela pagaria de imposto para investir em pesquisa dentro da instituição. Então já existe uma série de ações para fo-mentar a pesquisa e inovação dentro da iniciativa privada.

A senhora também destacou a limitação que a burocracia im-põe, principalmente na importa-ção de materiais, já que, em sua área de pesquisa, 90% do material é importado. De que forma o go-verno cria dificuldades para que este material chegue até vocês?

O governo cria dificuldades na medida em que ele trata uma impor-tação de material científico de mate-rial para pesquisa - a importação por um pesquisador financiada por ele mesmo, o governo - como uma im-portação normal, como de qualquer pessoa. Assim, até que se prove o contrário, nós somos potenciais con-trabandistas. Entramos nos trâmites normais de processamento de mate-riais importados, o que demora mui-to. E essa demora, para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, um rea-gente, quando uma pessoa precisa, o reagente está no dia seguinte na ban-cada. Aqui eu entendo que não possa estar no dia seguinte, mas demorar 30, 45 dias, 60 dias por causa de toda uma burocracia relativa a uma im-portação é você dizer para um pes-quisador que o que ele está fazendo não tem muita importância, pode fi-car esperando 60 dias para continu-ar o seu trabalho! Eu não conheço a legislação direito, mas deveria se investir em criar mecanismos, em que, por exemplo, os pesquisadores com verbas do CNPq, pesquisado-res cadastrados no CNPq, tivessem os trâmites muito mais rápido para importar reagentes e equipamentos.

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Quais as principais diferen-ças burocráticas que ficam mais evidentes, quando se compara as posturas de países como o Brasil e os Estados Unidos, por exemplo?

Os Estados Unidos não têm esse problema da importação porque basicamente os reagentes estão to-dos lá, então essa burocracia da im-portação não se aplica. Agora, uma coisa que é muito diferente entre os Estados Unidos e o Brasil é de novo uma agilidade de contratação de gente: como no Brasil a maior parte da pesquisa é feita dentro das Universidades Federais e Estaduais, temos uma limitação muito grande em contratação de pessoal, você tem que esperar abrir concurso, por exemplo. No entanto, gostarí-amos que, se eu estou precisando de um pesquisador que tem uma habilidade especifica, eu quero ele agora, não quero ter que batalhar para abrir uma vaga e, também, não quero que necessariamente essa pessoa tenha um emprego vitalí-cio, que é o que eles conseguem com esses concursos. Quer dizer, a pesquisa na Universidade deveria adotar um profissionalismo mais pa-recido com o da iniciativa privada, com mais versatilidade para poder contratar mais gente, sem que essa pessoa passe a ser um funcionário público, com tudo que isso acarreta. Nos Estados Unidos isso não existe.

Um dos poucos consensos sobre a ciência no País é que ela deve se internacionalizar, com a ocorrência de parcerias interna-cionais, aumentando o diálogo com pesquisadores de outros países. A senhora acha que nosso ambiente atual (político, acadê-mico) favorece essa internacio-nalização?

Sobre internacionalização, eu acho fundamental termos uma vi-sibilidade maior. Eu conheço vários casos de pesquisas excelentes feitas aqui no Brasil e que na hora do arti-go ser publicado e submetido ele foi tratado com uma desconfiança e um rigor por parte da comissão exami-nadora. O ambiente acadêmico é muito propício, a colaboração inter-nacional é muito desejada dentro da academia. Quanto ao ambiente polí-tico, não sei se ele favorece ou não.

O novo presidente do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, disse que é pre-ciso valorizar, na avaliação do mérito acadêmico, a inovação e o engajamento em atividades de divulgação científica, diminuindo a ênfase no número de publica-ções. A senhora concorda?

A atividade de divulgação cien-tífica é muito importante, mas não acho que isso tenha que ser com-parado, que seja melhor ou pior do

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que artigos científicos. Diferentes profissionais têm diferentes voca-ções, tem gente que fala bem e con-segue traduzir bem e fazer bem a divulgação científica, e isso tem que ser valorizado. Ao mesmo tempo, há pessoas que não são boas nisso, mas por outro lado têm uma produção acadêmica muito boa. Enfim, todas as atividades docentes e de ensino, pesquisa e extensão - e na extensão essa divulgação cientifica é funda-mental. É complicado fazermos uma equação de qual é a média pondera-da que a gente vai fazer dessas três atividades para medir a produtivida-de das pessoas, mas eu acho bacana o presidente do CNPq declarar a importância de atividades outras do que o número de artigos científicos para se avaliar a produtividade de um pesquisador.

Quais devem ser as priorida-des para a ciência brasileira nos próximos anos?

A primeira prioridade é desbu-rocratizar, é dar condições para os cientistas brasileiros a fim de que eles exerçam todo o seu poten-cial. Os cientistas brasileiros têm cabeças ótimas, são criativos, são inteligentes. Quando eles vão para fora do país, encontram as condi-ções adequadas para exercer todo esse potencial e os resultados são ótimos. Então a gente precisa criar essas condições aqui. Eu entendo limitações orçamentárias, o que eu não entendo são as limitações bu-rocráticas, coisas que dependem só de vontade política. Acho que isso é uma prioridade muito grande. E a segunda prioridade é essa interna-cionalização, fazer a pesquisa bra-sileira estar mais próxima da pes-quisa internacional, divulgar mais, dar maior visibilidade ao que é feito aqui no Brasil para que a ciência brasileira seja levada mais a sério.

Foto: Divulgação

Nanoesfera

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201130

esperança

Estruturas minúsculas, as nanoesferas magnéticas desenvolvidas por equipe da Unifei indicam novos caminhos para diagnóstico e terapia do câncer

Oscontornosda

31MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Para o filósofo e matemático Pitá-goras (570 a.C. – 496 a.C.), princípios lógicos e estéticos explicariam a “si-lhueta” do planeta Terra: no entender do pensador grego, os deuses teriam escolhido o formato de “esfera” por tratar-se da única figura geométrica categoricamente perfeita. Passados sé-culos da divulgação dos pressupostos pitagóricos, e para além de questões cósmicas e metafísicas, a perfeição dos contornos arredondados retorna à arena dos debates científicos. No sé-culo XXI, contudo, o que se investiga, de modo bastante específico, é o auxí-lio de pequeninos “objetos” esféricos, construídos em escala nanométrica, ao diagnóstico e combate da grave do-ença que há tempos aflige a humanida-de: o câncer.

Fruto de estudos iniciados ain-da na graduação pelo físico Vinícius Fortes de Castro, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), estes mi-núsculos “objetos” respondem pelo nome de “nanoesferas magnéticas” e têm-se revelado promissores não só na identificação de células cance-rígenas, como no próprio tratamento da enfermidade. Hoje graduando de Engenharia de Materiais pela mesma Unifei, onde também realiza mes-trado sob orientação do professor Álvaro Antonio Alencar de Queiroz, Castro investe no desenvolvimento, em laboratório, de nanoestruturas biocompatíveis – que não provocam reações químicas adversas ao tran-sitar pelas veias do corpo – capazes de identificar e eliminar tumores em diversas regiões do organismo.

Em busca de tais objetivos, a es-colha do formato das nanoestruturas revelou-se o primeiro e importante passo da pesquisa. Nesta etapa – e de modo similar aos deuses de Pitágoras –, o pesquisador enxergou nos contor-nos esféricos a solução ideal para sua invenção: “Dentre as figuras geométri-cas, as esferas são as que melhor se adaptam, em termos de volume e área, ao canal das veias humanas”, explica Castro, ao comentar que, finda a etapa de definição da forma, logo seguiu à in-vestigação dos elementos químicos que comporiam sua “criatura” nanométri-ca. No Centro de Estudos e Inovação de Materiais Funcionais Avançados do Parque Tecnológico da Unifei, após inú-meras experiências, o físico acabou por sintetizar nanocompósitos condizen-tes com as principais metas do estudo: “Criamos nanoesferas formadas por ítrio, ferro e alumínio e as revestimos com um material polimérico compatí-vel com o sangue humano, descreve o pesquisador, ao comentar que tal com-posição é inédita no mundo.

Importante ressaltar, porém, que, mesmo antes das experimentações laboratoriais da pesquisa, as carac-terísticas dos materiais utilizados por Castro já haviam sido detalhadas pela literatura especializada. O que os cientistas desconheciam eram os efeitos da atuação, no organismo hu-mano, de nanocompósitos formados a partir, justamente, da original fusão entre ítrio, ferro e alumínio, elemen-tos químicos sempre descritos como bons condutores de calor e dotados de propriedades magnéticas.

Trata-se de dimensões da ordem de “um milionésimo de metro”. Na escala nanométrica, os átomos revelam característi-cas peculiares e apresentam, por exemplo, tolerância à temperatu-ra, reatividade química, conduti-vidade elétrica ou extraordinária

força de intensidade.

Apesar da referência aos efeitos das nanoesferas em seres humanos, a pesquisa

ainda se encontra no estágio de estudos pré-clínicos. Todas as

constatações aqui apresentadas dizem respeito a investigação

com animais.

Fotos: Lázaro da Silva

Microscópio Eletrônico de Varredura com Sonda EDS, utilizado na caracterização das nanoesferas magnéticas

O pesquisador Vinicius Fortes de Castro ao lado de seu orientador, Alvaro Antonio Alencar de Queiroz

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201132

Ciente do comportamento das nanoesferas, em consequência da na-tureza de seus componentes, Castro buscou, então, estimulá-las por um campo magnético, o que as transfor-mou, imediatamente, em “suportes” para condução de calor. Daí surgiu a hipótese central do referido estudo: se aquecidas a temperaturas entre 41°C e 42°C, as nanoestruturas po-deriam, no organismo de futuros pa-cientes, provocar a morte de células cancerígenas por hipertermia. Em ou-tras palavras: “Em contato com as na-noesferas, as células tumorais absor-veriam calor e, certo tempo depois, eliminadas pelo organismo”, resume o pesquisador.

Nanoestruturas, mega-desafios

Para que o mecanismo da Mag-netohipertermia possa beneficiar diretamente a medicina oncológica não basta o desenvolvimento de ma-teriais magnéticos e biocompatíveis. Em seu estudo, Castro observou a necessidade de superação de outro desafio, dessa vez regido pelas “leis” da nanodimensão: como fazer para que as nanoestruturas fluam satisfa-toriamente pelo sistema circulatório,

sabendo-se que o diâmetro das deli-cadas veias humanas possui cerca de 16 micrometros? A solução viria após muito e muito trabalho: “Desenvolvi nanoesferas muito pequenas, na escala nanométrica (1 nm = 10-9 m ou, em outros termos, a um milionésimo de milímetro). O procedimento para che-gar a essa dimensão foi bastante árduo e complicado”, garante.

Na verdade, para que se adequas-sem às dimensões ideais de tráfego nas veias, as nanoesferas precisaram passar por diversos – e sofisticados – “processos de caracterização”. Em resumo, trata-se de múltiplos meca-nismos de análise das propriedades das nanoestruturas, que podem ser melhor trabalhadas – ou, metaforica-mente, “esculpidas” – de acordo com as necessidades de ação no organis-mo. “O mais importante dos proces-sos de caracterização é a conferência da textura da nanoesfera, quando ve-rificamos, por exemplo, se ela tornou--se lisa ou rugosa”, conta o físico, ao ressaltar que, entre outros tantos e complexos procedimentos de veri-ficação, há, até mesmo, estudos de morfologia realizados com o auxílio de uma moderna técnica microscópi-ca, o Microscópio Eletrônico de Var-redura (MEV).

De olho nelasComo forma de tornar as nano-

esferas visíveis quando incorporadas pelo tumor, a proposta do pesquisador foi adicionar Sulfeto de Zinco (ZnS), que possui ótimas propriedades óticas, às nanoesferas. O resultado não pode-ria ser melhor: quando excitadas com radiação eletromagnética na região do visível, e desde que analisadas em processos de caracterização, as nano-estruturas tornam-se fluorescentes e portanto “visíveis” – e precisamente localizáveis no tecido tumoral.

Aliada aos outros avanços desen-volvidos pelo estudo, a possibilidade de localização das nanoesferas passou a permitir leituras precisas, no orga-nismo analisado, de possíveis áreas afe-tadas por tumores. “Além disso, perce-bemos que, de três a cinco semanas, as nanoesferas magnéticas foram capazes de levar células cancerígenas à mor-te por Magnetohipertermia”, ressalta. Com relação a tal período de “espera” para que se efetive a atuação antican-cerígena das nanoestruturas, trata-se, segundo Castro, de efeitos naturais do mecanismo de adaptabilidade do corpo: “A primeira reação das células de defesa é expulsar as nanoesferas. A adaptação vem com o tempo”.

A você, caro leitor, resta dizer que os resultados da pesquisa revelam-se bastante promissores: “As nanoesferas têm conseguido levar grande parte das células cancerígenas à morte. Além dis-so, é importante lembrar que, hoje, te-mos como localizar com precisão as re-giões do corpo afetadas pelos tumores”, afirma Castro, ao lembrar que, apesar de já haver dados suficientes para crer na morte das células tumorais sob efei-to das nanoestruturas, é ainda necessá-rio, antes dos testes clínicos, aprimorar métodos e processos: “Precisamos tra-balhar mais, por exemplo, na homoge-neidade do tamanho das nanoesferas, pois sua dimensão indica o quanto de temperatura poderá absorver e trans-formar”, resume. Para milhões de pa-cientes em todo o mundo, assim como as formas do planeta, esféricas parecem ser os contornos da esperança.

Maurício Guilherme Silva Jr.

Reator de Polimerização para síntese das nanoesferas; no detalhe, a estrutura minúscula vista por dentro

História

Ilustrecentenária

Faculdade de Medicina da UFMG completa 100 anos lembrando o passado de conquistas e apostando

em novas tecnologias

33MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Foto: Reprodução /

Ezequiel Dias, Alfredo Balena e Borges da Costa, mais que simples-mente uma alameda, uma avenida ou um hospital, estes nomes, ao lado de outros ilustres, como Juscelino Kubistchek, Pedro Nava e Guima-rães Rosa, são algumas das perso-nalidades que ajudaram a construir a história da centenária Faculdade de Medicina da Universidade Fede-ral de Minas Gerais, atualmente uma das mais respeitadas do País. Diz a lenda que foi o ar propício para o tratamento da tuberculose que atraiu ao antigo Arraial do Curral Del Rey pesquisadores de provín-cias veteranas como Rio de Janeiro

bre a necessidade da instalação de uma escola desse gênero na novís-sima Belo Horizonte, então com 37 mil habitantes, 14 anos de vida e em plena expansão. Mesmo sob críticas, a pedra fundamental foi inaugurada em solenidade realizada no Parque Mu-nicipal, área verde que cedeu espaço para as novas instalações. “Os limites do parque eram as avenidas Afonso Pena, Alfredo Balena, Assis Chate-aubriand e Francisco Sales. Só que a cidade foi crescendo e o planejamen-to feito inicialmente ficou obsoleto”, conta a professora Rita de Cássia Marques. Ela é uma das organizadoras do livro Medicina - história em exame,

futuros profissionais da saúde, foram convidados justamente os pesqui-sadores e médicos que vieram para Belo Horizonte ao fim de tratar da tuberculose, como Ezequiel Dias, Hugo Werneck e Henrique Marques Lisboa. Além deles, também ingressa-ram no quadro de professores, ho-mens em busca de novas oportuni-dades, como foi o caso do cirurgião Eduardo Borges Ribeiro da Costa, fundador do primeiro hospital dedi-cado ao câncer da capital mineira.

Aos 100 anos, a faculdade é re-conhecida pelo pioneirismo que a acompanha ao longo da história, também repleta de curiosidades. Por

e São Paulo, migração que acabou pressionando as autoridades políti-cas locais para a criação da escola. Era o início do século XX, quando, por exemplo, Ezequiel Dias veio se livrar da doença nas montanhas de Minas. Curado, se estabeleceu na ci-dade como um dos primeiros pro-fessores da Faculdade, assim como Alfredo Balena e, hoje, eles batizam vias que circundam a região hospita-lar da capital mineira.

Fundada em 5 março de 1911, a Faculdade de Medicina foi criada de-pois de ampla discussão política so-

lançado por ocasião do centenário. A obra não esgota o tema, e propõe um percurso sobre a profissão, a forma-ção dos médicos, o contexto da cida-de na época da criação da escola para fazer uma radiografia histórica da es-cola. “Muitas coisas ainda estão por escrever”, garante a pesquisadora.

As primeiras aulas na faculdade de Medicina aconteceram em abril de 1912, quando os 104 alunos ocu-param os assentos na sede provisória montada no Palacete Thibau. Como a classe médica da cidade também estava em formação, para ensinar os

exemplo, apesar de pouco comum que as mulheres estudassem naque-la época, na recém-criada escola de Medicina não havia impedimentos para as matriculas do sexo femini-no, mas as interessadas deveriam redobrar a dedicação aos estudos das disciplinas científicas, pouco es-tudadas nos cursos de normalistas. “As futuras médicas enfrentavam a oposição familiar, o preconceito das donas de pensão, os corpos nus dos cadáveres masculinos nas aulas de anatomia etc.”, conta Marques em uma das passagens do livro.

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201134

Panorama da região hospitalar de Belo Horizonte na época da inauguração da Faculdade de Medicina e nos dias de hoje

Fotos: Reprodução/Medicina - história em exame

A chegada da faculdade em BH causou alvoroço na sociedade minei-ra. Os feitos médicos conquistavam generosos espaços nos jornais e até mesmo nos palcos teatrais da cida-de. Foi o caso de uma das cirurgias pioneiras comandadas pelo professor David Correa Rabelo. Em 1917, ele transformou uma normalista chama-da Emilia, portadora de uma má for-mação, a hiposopadia, em um rapaz chamado David. O caso foi contado na peça de teatro O patinho feio, de Coelho Neto.

Integraçãoensino-pesquisa

Apesar do destaque para a for-mação prática em clínica médica, ao longo dos 100 anos as atividades da Faculdade de Medicina nunca estive-ram dissociadas da pesquisa científi-ca. Fundador da primeira biblioteca da faculdade e um dos defensores das práticas em laboratórios, o pro-fessor José Baeta Vianna é figura em-blemática na consolidação da escola na vanguarda da Ciência. “Ele con-seguiu aglutinar em torno dele um grupo grande de pessoas que foram fazer medicina, mas se encantaram pelo laboratório. Há casos de gente que nunca clinicou”, registra Mar-ques. Um dos pupilos mais ilustres é o professor Wilson Teixeira Beraldo, co-descobridor da bradicinina, que é um produto fundamental no con-trole da pressão alta. “Tem a época pré-Baeta e pós-Baeta”, afirma, em depoimento no livro, o professor José Bartolomeu Grecco. Ele con-ta que Baeta Vianna estimulava seus alunos a estudar línguas, crente de que eram nas publicações em inglês e alemão que se encontravam as grandes referências para as pesqui-sas locais. E era preciso ler o original.

A evolução das ações plantadas por Baeta Vianna podem ser obser-vadas no desenvolvimento de vários

projetos de extensão que transpor-tam o nome da faculdade de Me-dicina da UFMG para a vanguarda da pesquisa mundial. O Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio ao Diag-nóstico, o Nupad, é um exemplo bem-sucedido. Criado em 1993, ele é considerado o terceiro maior pro-grama de triagem neonatal estadual do mundo. “O maior programa é o da Califórnia nos Estados Unidos, o segundo no Texas e o terceiro em Minas Gerais”, detalha o diretor do Nupad, o médico e professor José Nelio Januario.

O exame realizado no Nupad é o popular teste do pezinho, por meio do qual são detectadas pre-cocemente quatro doenças: fenilce-tonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e fibrose cística. O acompanhamento e tratamento dos pacientes também faz parte das ações do Nupad numa parceria com a Fundação Hemominas. Como o programa é referência no País, além de assessoramento de políticas de saúde pública, como a realização do teste do pezinho pelo Serviço Único de Saúde (SUS), o Nupad também participa de convênios in-ternacionais intermediados pelo Ministério das Relações Exteriores. Este ano, a troca de experiências se dá com países africanos como Gana e Benin. De acordo com os dados apresentados pelo diretor José Ne-lio Januario, em Gana, a cada 50 pes-soas, uma tem a anemia falciforme. Em Minas Gerais, a cada 1.400 pes-soas, uma tem a doença.

Segundo Januario, a equipe de cerca de 30 pesquisadores, sendo a maioria docente da Faculdade de Medicina, mantém alta produção de trabalhos publicados em congressos, além de dissertações e teses de dou-torado. E os estudos não param. “Fi-zemos estudos-piloto para toxoplas-mose congênita e hiperplasia adrenal

congênita e estamos projetando fazer para outras doenças que possam ser incorporadas ao painel atual. Quere-mos documentar a necessidade de tratamento precoce e apresentar o resultado para a Secretaria de Estado da Saúde e para o Ministério da Saú-de”, informa.

Futuro tecnológicoO futuro da centenária Faculdade

de Medicina da UFMG caminha lado a lado com os avanços tecnológicos que prometem curas para doenças que até hoje intrigam e surpreendem os profissionais da saúde. Foram in-vestidos R$ 7 milhões - com o apoio da FAPEMIG - para a implementação do Pet Scan, equipamento que funcio-nará no Instituto Nacional em Ciên-cia e Tecnologia de Medicina Molecu-lar. Ele é capaz de realizar exames de imagens para detecção precoce de tumores e doenças como Alzheimer. Além disso, também em 2011 será inaugurado o laboratório de Genô-mica, o que vai baratear os mapea-mentos de genomas, e, assim, ajudar na prevenção e tratamento de doen-ças como, por exemplo, hipertensão e aterosclerose.

Estudantes Ilustres

1927Juscelino KubitschekPedro Nava

1929 Amílcar Viana Martins

1930João Guimarães Rosa

1946Ivo Pitanguy

Carolina Braga

35MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Saúde

para prevenir

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201136

O primeiro caso de Leishmaniose Visceral em humano na região metro-politana de Belo Horizonte foi diagnos-ticado em 1989. Cinco anos mais tarde, foi a vez de o resultado se repetir na Capital. Segundo especialistas, a expan-são geográfica da doença é muito rápi-da e logo virou motivo de preocupação para pesquisadores e a comunidade.

Enquanto aumentavam os registros na região, pesquisadores se empenha-vam em descobrir formas de se barrar a doença. Mas a pesquisadora do Cen-tro de Pesquisa René Rachou, Zélia Profeta, pensou numa solução fácil e barata. “Trabalhos de conscientização com crianças têm grande potencial de dar certo”, explica.

Por esse motivo investiu em es-tratégias de preparação dos jovens para disseminar informações sobre a Leishmaniose e como evitá-la. Mas para isso, de acordo com a pesqui-sadora, é preciso a participação de outros setores da sociedade. “Para se controlar uma doença complexa como essa é necessário o envolvi-mento de secretarias como Saúde e Educação”, esclarece.

Ainda hoje a Leishmaniose é um problema de saúde pública grave em Belo Horizonte e em outras cidades da grande BH. Em 2010, de acordo com dados da Secretaria de Saúde da capital, 196.122 amostras de cães fo-ram coletadas e 15.416 animais apre-sentaram resultado soropositivo para a doença. O Centro Municipal

Trabalho em escolas da RMBH ajuda a conscientizar e reduzir os casos de Leishmaniose Visceral

37MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

de Controle de Zoonozes sacrificou 11.541 cachorros contaminados. No mesmo período, foram registrados 131 casos de Leishmaniose em hu-manos com 22 óbitos. A área com maior incidência de casos (dezeno-ve) e de mortes (cinco) é a região Oeste da cidade.

Como já existiam alguns traba-lhos acadêmicos relacionados ao

diagnóstico e aos sintomas da do-ença, um grupo de pesquisadores desenvolveu um estudo com ênfa-se na educação em saúde, em 2005. Guiados pelos primeiros estudos realizados por Zélia Profeta, os pes-quisadores do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária da UFMG Da-nielle Ferreira de Magalhães e José

Fotos: Domingos Santos

Fachada das escolas estaduais Francisco de Paula Castro e Paulo Pinheiro da Silva, que participaram da pesquisa, em Caeté

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201138

Ailton da Silva entraram em conta-to com a bioquímica do Centro de Pesquisa René Rachou, que coorde-nava uma rede de pesquisas sobre as leishmanioses na RMBH e já tinha um levantamento dos municípios que realizavam algum tipo de traba-lho no que diz respeito à educação no combate à doença.

Danielle escolheu a cidade de Caeté, a 56 quilômetros de Belo Horizonte. Essa escolha foi feita com base no grande envolvimento e interesse dos profissionais de saúde da vigilância epidemiológica de Ca-eté de fazerem algo para a preven-ção e controle, que fosse eficaz e envolvesse a comunidade. Na época, o município era classificado como área de transmissão intensa, se-gundo critérios de classificação de áreas para vigilância e controle da Leishmaniose Visceral do Ministério da Saúde. No projeto, que contou com o apoio da FAPEMIG, agentes da prefeitura foram treinados para aplicar questionários aos familiares de alunos de duas escolas públicas estaduais de mesmo porte, em mé-dia com 400 estudantes, porém, ge-ograficamente distantes. “Nós não queríamos que os alunos de uma escola e seus pais entrassem em contato com os da outra para não

dar nenhum tipo de interferência no trabalho”, justifica.

O estudo, realizado em 2005, foi feito com alunos de 5ª e 8ª séries do ensino fundamental. No Centro de Pesquisa René Rachou já havia um questionário que foi adaptado para estudantes e suas famílias. Esse ma-terial foi repassado aos professores, que também receberam treinamento para dar uma aula específica sobre o assunto. Um dos objetivos era ver como alunos de diferentes idades iam absorver a lição ensinada e como a re-passariam em casa.

Antes de participarem da aula so-bre a leishmaniose, os alunos respon-deram ao questionário sobre a doen-ça e as formas de preveni-la. Agentes de Saúde passaram nas residências de alguns estudantes, avaliaram as condi-ções de higiene da casa (principalmen-te do quintal) e deram o questionário para que o responsável respondesse às mesmas perguntas.

Depois foram ministradas aulas nas duas escolas. Em uma delas, os es-tudantes tiveram que fazer uma tarefa: passar adiante a informação aprendida em casa. Na outra, os alunos não fo-ram orientados a repassar o conheci-mento, apenas assistiram a aula.

Novos questionários foram dis-tribuídos nos mesmos locais 30, 90

e 120 dias após as aulas. E os resulta-dos, de acordo com a pesquisadora, foram satisfatórios. Foram realizadas 100 visitas em residências escolhi-das aleatoriamente e os resultados mostraram uma diferença significa-tiva entre uma escola e outra. Além disso, foram formados grupos focais, em que os alunos deram um retor-no aos pesquisadores de como foi o trabalho de conscientização em casa. “A gente percebeu que houve uma mudança de comportamento. Nas casas dos alunos da escola experi-mental, foram feitas capinas, recolhi-mento de folhas e não havia fezes de animais, ou seja, diminuíram as con-dições de risco para a leishmaniose”, verifica Magalhães.

Os bons resultados da pesquisa renderam um prêmio concedido em 2007 durante a Reunião Anual de Pesquisa aplicada em Leishmaniose, realizada em Uberaba, no Triângulo Mineiro. O evento, promovido pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, tem o objetivo de discutir medidas de controle da doença e foi escolhido porque sua metodologia é de baixo custo, fácil execução e aplicável a outras regiões, com resul-tados promissores na prevenção da Leishmaniose.

É importante ficar atento porque muitos cães estão infectados

e não apresentam sintomas.

39MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 2011

Leishmaniose VisceralA Leishmaniose Visceral é uma

doença causada por um protozoário, o Leishmania chagasi. Seu transmissor é o mosquito palha, inseto bem pe-queno e de cor clara, que gosta de ambientes escuros, úmidos e com acúmulo de lixo orgânico, como, por exemplo, galinheiros ou quintais com muitas plantas. Suas fêmeas alimen-tam-se de sangue, no fim da tarde, pe-ríodo popularmente conhecido como lusco-fusco, para o desenvolvimento de seus ovos.

Pessoas e outros animais infecta-dos são considerados reservatórios da doença, porque o mosquito pode sugar sangue contaminado e trans-miti-la a outros indivíduos ao picá--los. Na zona rural, raposas e gambás são os hospedeiros mais comuns da doença. Já na cidade, são preferidos os cães.

Alguns dos sintomas da Leish-maniose em cachorros são emagre-cimento, perda de pelos e lesões na pele. Mas nem todos os animais os desenvolvem.

Nos humanos, a doença costu-ma causar febre, fraqueza, emagre-cimento e palidez. Ela ataca fígado e baço, que podem ter seu tamanho

aumentado. Nos casos mais graves, a Leishmaniose atinge também a medula óssea. Mas a doença pode ficar incubada e o período varia de dez dias a dois anos. Porém, se tra-tada no início, ela tem cura. O diag-nóstico é feito por meio de exame de sangue ou biópsia de material da medula óssea. É importante ficar atento porque muitos cães estão infectados e não apresentam sinto-mas. Este é um grande desafio no controle da doença.

A pesquisa em CaetéNo período em que foi desenvol-

vido o estudo sobre a doença com a participação das escolas, as infor-mações trabalhadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Caeté pro-porcionaram o poder de multipli-cação dos alunos. Essa ação causou impactos nas mudanças no ambiente domiciliar em relação às medidas de controle da doença que foram men-suradas na pesquisa.

De acordo com os pesquisado-res, não é possível assegurar que a redução do número de casos da do-ença esteja relacionada à pesquisa, mesmo porque os casos registrados não estavam concentrados na área de residência dos alunos pesquisados. “Entretanto, em termos de educação em saúde, o trabalho contribuiu para a melhoria das condições de sanea-mento ambiental nos domicílios, pelo menos na época do trabalho, uma vez que não tivemos mais o acompanha-mento individualizado dessas residên-cias nos anos seguintes”, esclarece

Ana Flávia de Oliveira

Série Histórica de Casos LV em Caeté, 2002-2011

Ano Número de casos Ano Número de casos

2002 4 2007 1

2003 7 2008 1

2004 2 2009 1

2005 1 2010 1

2006 3 2011* 1

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Caeté * Dados referentes ao mês de março

Marina Ornelas, bióloga da Secretaria Municipal de Saúde.

Suely Xavier, diretora da Escola Estadual Paulo Pinheiro da Silva, onde os alunos participaram da pesquisa apenas na escola, comenta que eles responderam questionários, assisti-ram a palestras e fizeram trabalhos. Segundo ela, os estudantes ficaram empolgados e, na época, notou que houve uma conscientização por parte dos adolescentes.

Já na Escola Estadual Francisco de Paula Castro, a participação ativa de meninos e meninas com os familiares gerou ações em casa, no sentido de eliminar os vetores da Leishmanio-se. “O projeto atingiu o seu objetivo num primeiro momento. Realmente ocorreu um engajamento por par-te dos estudantes, mas depois, per-deu força”, reconhece a superviso-ra Hortência da Conceição Carmo. É necessário dar continuidade nas ações de educação em saúde, jun-tamente com as demais ações de controle para a doença, visando as-segurar a diminuição ou até mesmo a eliminação dos casos.

Projeto: Informação sobre Leish-maniose Visceral por escolares aos seus familiares: uma abordagem sus-tentável para o controle da doençaCoordenador: José Ailton da SilvaEdital: Edital UniversalValor: R$12.288,00

Foto: Domingos Santos

Educação

Já pensou receber uma companhia diferente dentro do ônibus, indo para o centro ou voltando para sua casa? E que essa companhia pode te levar por caminhos que você sabia que existia, mas só de ouvir falar? Pode ficar tran-quilo: não é nada perigoso. É a ciência, que ganhou um lugar fixo no coletivo. Não se preocupe, não vai faltar banco para assentar, ela só quer dividir com você uma coisa: conhecimento.

Os textos já podem ser encontra-dos, inicialmente, em 240 ônibus que circulam na capital. O conteúdo navega pelas ciências biológicas e químicas. São curiosidades, pesquisas desenvolvidas na universidade e futuramente perso-nagens importantes da química, já que o projeto contará com a participação de pesquisadores e estudantes que en-viaram propostas de texto relacionadas ao universo desta ciência.

O Ciência para Todos faz parte do projeto Ciência para Ler e Ouvir, financia-do pela FAPEMIG, e é inspirado em uma ideia que já circula há sete anos no trans-porte coletivo da capital mineira, o Leitura para Todos, que leva a literatura para a po-pulação, por meio de textos em gêneros como romance e poesia.

Segundo a coordenadora do projeto Ciência para Todos, Adlane Vilas-Boas, é fantástico ver como a literatura alcança tantas pessoas. “Em 2004, quando tive contato com os textos literários nos ôni-

Projeto Ciência para Todos leva pesquisas desenvolvidas na UFMG e curiosidades científicas para 16 linhas de ônibus de Belo Horizonte

bus, pensei: seria muito interessante fazer a mesma coisa com a ciência”, conta.

Alguns anos depois, Adlane convi-dou a coordenadora da Teia de Textos, a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria Antonieta Pereira, responsável pelo Leitura para Todos, para, juntas, darem inicio à estru-turação do projeto com a inclusão dos textos sobre ciências nos ônibus. Na pri-meira fase do projeto, que foi iniciada no dia 16 de abril, os 36 textos à disposição dos leitores fazem parte dos programas de rádio Na Onda da Vida, Ritmos da Ci-ência e Papo de Vaca, veiculados na Rádio UFMG Educativa. Nesse contexto, o site Ciência no ar funciona como ponto de encontro dos projetos de rádio e o Ciên-cia para Todos. “Atualmente, o objetivo é ter, disponíveis no site, os textos que es-tão rodando nos coletivos”, diz Adlane.

Para a coordenadora do Leitura para Todos, colocar a ciência junto com a literatura nos ônibus será uma expe-riência importante para a população. “É importante que esse conhecimento ultrapasse os muros da universidade e seja acessível a todos. São raros os momentos em que a ciência vai para a rua, ela é muito restrita à sala de aula e ao laboratório”, afirma.

Pesquisa de campoPara avaliar o impacto dos textos

de ciência e literatura na vida dos ci-

dadãos será realizada pesquisa dentro dos ônibus. Os usuários do coletivo vão responder a questões sobre leitura e ci-ência atuando juntas e outras mais espe-cíficas, restritas à ciência, para verificar a percepção pública em relação à ciência.

Maria Antonieta acredita que o su-cesso obtido com o Leitura para todos também pode acontecer com o Ciên-cia para Todos, pois os assuntos podem despertar a curiosidade dos belo-hori-zontinos sobre a ciência. “Vamos mos-trar para as pessoas que há muito mais coisas por trás das aparências do dia a dia, que há coisas que a gente pode considerar muito ruins, mas que têm um aspecto extremamente positivo”.

As expectativas em torno dos re-sultados também são grandes para a coordenadora Adlane Vilas-Boas. Ela acredita que explicar a ciência e sua importância para o dia a dia vai des-pertar o interesse dos cidadãos. “Eu acho que isso vai fazer bem para as pessoas. O mais importante em popu-larizar a ciência é mostrar que ela é para todos”, afirma.

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201140

Adlane Vilas Boas, coordenadora doprojeto Ciência para Todos

Maria Antonieta, coordenadora do projeto Leitura para Todos

Juntas, literatura e ciência levam conhecimentos aos usuários de ônibus de Belo Horizonte

Viaje com a ciência

Kátia Brito

Projeto: Ciência para ler e ouvirModalidade: Edital de Populariza-ção da Ciência e Tecnologia (08/2010)Coordenadora: Adlane Vilas-Boas Valor: R$ 75.169,92

Fotos: Kátia Brito

Lembra dessa?

Mais de 10 mil extratos de plan-tas e fungos do Cerrado e Mata Atlântica de Minas foram testados no Centro de Pesquisas René Ra-chou com a finalidade de encontrar espécies que tenham potencial para barrar a ação de doenças endêmi-cas parasitárias. Como informou a edição nº 17 da MINAS FAZ CIÊN-CIA, de 2003, a meta estabelecida inicialmente para coleta e análise era de 3 mil espécies de plantas e 100 espécies de fungos. Passados oito anos, mais que triplicou o nú-mero de extratos de plantas e fun-gos analisados.

Na primeira matéria que acom-panhou a pesquisa, foram relatados avanços quanto a extratos ativos contra doença de Chagas e alguns tipos de células tumorais. Atual-mente, segundo a coordenadora da pesquisa, Tânia Maria de Almeida Alves, a atenção está voltada para a doença de Chagas e a leishma-niose, por se tratarem de doenças altamente negligenciadas. “Para es-

tas doenças existem modelos de ensaios biológicos desenvolvidos e testados em laboratório utilizando uma quantidade pequena de extra-tos, viabilizando nosso trabalho de pesquisa e exploração”, afirma.

O número de espécies coletadas foi ampliado, como era o objetivo inicial, e duas doenças têm estudos mais adiantados. Entretanto, a elabo-ração definitiva de um remédio é um processo longo, pois envolve várias etapas, como de coleta, separação e diversos testes com uma mesma espécie, além de vários profissionais de áreas do conhecimento distintas.

Para alcançar com rapidez o objetivo da pesquisa, o Centro de Pesquisas René Rachou está esta-belecendo um Programa de Desco-berta e Desenvolvimento de Dro-gas, batizado de P3D. O objetivo é contribuir para a descoberta e o desenvolvimento de novas drogas associando profissionais de diversas instituições e integrando projetos de pesquisa. Segundo Tânia, outro

objetivo importante é ser referên-cia nesse tipo de pesquisa. “Que-remos, em 2022, ser reconhecidos como um programa de excelência em descoberta e desenvolvimento de drogas, com um portfólio de projetos abrangendo desde as eta-pas iniciais de pesquisa básica até os ensaios clínicos”.

A pesquisadora afirma que já existem resultados promissores, contudo não é possível que sejam di-vulgados neste momento, pois ainda não foram patenteados ou publica-dos em revistas de artigos científicos.

Novas metas foram estabele-cidas para o andamento do estu-do, como a sofisticação de ensaios biológicos, busca por investimentos e testes dos extratos de plantas e fungos em animais. “Pretendemos investigar se cochlioquinona A e isocochlioquinona A, substâncias obtidas de um fungo isolado de uma planta, são boas candidatas para o desenvolvimento de uma nova dro-ga”, observa a coordenadora.

Remédios que vêm da naturezaPlantas e fungos são testados no

desenvolvimento de fármacos naturais para combate de doenças como Esquistossomose,

Leishmaniose e Chagas

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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201142

Urbanismo

Nos anos 1950, muitos foram os cidadãos que, residentes numa Belo Horizonte em pleno desenvolvimento urbano e industrial, resolveram mudar radicalmente de vida. Para tais homens e mulheres, a imagem do Éden con-cretizava-se na possibilidade de trocar a “confusão” da cidade grande pelas benesses do convívio com a nature-za. De tal ansiedade por respirar ares mais puros nasce, no eixo Sul da Re-gião Metropolitana da capital mineira, uma série de loteamentos que, pouco a pouco, passam a abrigar casas acon-chegantes e confortáveis.

Em meio ao verde – por vezes vir-gem – das matas, as moradias eram feitas à imagem e semelhança do para-íso. Por isso, talvez, seus donos jamais acreditariam no fato de que, décadas mais tarde, aquela bucólica paisagem seria substituída pela neurótica as-sepsia da contemporaneidade: condo-mínios fechados, repletos de muros e permanentemente vigiados por equi-pes especializadas em segurança.

Para além da revelação de neuroses típicas da sociedade moderna, contudo,

Os tentáculos de BHAo analisar crescimento da capital mineira no eixo

Sul, pesquisa interdisciplinar revela complexidade do processo contemporâneo de expansão das metrópoles

o estudo do complexo desenvolvimen-to das regiões metropolitanas de gran-des centros urbanos – a exemplo das modificações no eixo Sul da capital mineira – é capaz de trazer à tona co-nhecimento importante sobre a diver-sidade da ocupação do espaço público. No caso de Belo Horizonte, basta re-correr à Rosa dos Ventos para que a multiplicidade de tal processo revele--se ao observador. Na direção oeste – rumo a Contagem e Betim –, o muni-cípio segue o ritmo da industrialização; já no eixo Norte – da Pampulha para frente – há maciço investimento públi-co, expresso, por exemplo, na constru-ção de conjuntos habitacionais. “Por fim, na região Sul, percebemos especi-ficidades como moradias da população de alta renda, áreas com loteamentos fechados ou associadas à preservação ambiental e ampla presença de minera-doras, donas de parte importante das terras”, explica a professora Heloisa Soares de Moura Costa, do departa-mento de Geografia do Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

De 2003 a 2006, Heloisa Soares e pesquisadores de outros três depar-tamentos da UFMG – além de estu-dantes bolsistas e de uma professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) – lança-ram-se à investigação de nuances do processo de crescimento da capital mineira. Com ênfase, justamente, no eixo Sul da expansão metropolitana, o estudo multidisciplinar, que contou com investimento da FAPEMIG, do CNPq e da Pró-Reitoria de Pesqui-sa da Universidade, rendeu (e ainda rende) debates e produtos ricos em constatações sobre a expansão urbana para além dos limites de BH, a exem-plo do livro Novas Periferias Metropo-litanas – A expansão metropolitana em Belo Horizonte, lançado em 2006. Além de surpreendentes, os dados estatísti-cos e qualitativos do trabalho servem, hoje, de auxílio à criação de políticas públicas. “O desenvolvimento urbano de BH é muito interessante. Afinal, a cidade cresce industrialmente em di-reção a Contagem, depende da água de Nova Lima e registra uma série de

Foto: Geraldo Costa Foto: Alessandra Peixoto

Zona de contato Belo Horizonte - Nova Lima Canela de ema - Parque do Rola Moça

Em linhas gerais, o desenvolvimento de Belo

Horizonte no eixo Sul corresponde à expansão em direção a Nova Lima,

Rio Acima e parte de Brumadinho.

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investimentos públicos para além do próprio município”, explica Soares.

No eixo Sul, área marcada pela di-versidade, os pesquisadores percebe-ram que uma série de fatores – dentre os quais, a forte gestão do território por mineradoras e a presença de re-servas ambientais – dificulta o proces-so de parcelamento do solo. Tal con-clusão, porém, refere-se apenas a uma parte dos “mistérios” investigados. Ao longo do estudo, dezenas de outras indagações mostraram-se seminais à compreensão das peculiaridades da mobilidade urbana na região: por que, por exemplo, os municípios modificam seus zoneamentos, de modo a favore-cer a atividade imobiliária? Quais im-pactos do crescimento para o trans-porte público? De que instrumentos o poder governamental usufrui para dividir, com pessoas físicas e jurídicas, as responsabilidades inerentes ao pro-cesso de desenvolvimento? Quais os novos valores associados à moradia e outros elementos da reprodução so-cial? Como se dá a valoração e apro-priação da natureza? Que alternativas apresentam-se às cidades em termos econômicos, independentemente dos rumos da industrialização tradicional?

As fases do “ouro”Muitas das respostas às questões

formuladas pelos pesquisadores vieram de acuradas observações e análises em torno dos três principais “atores” da expansão no eixo Sul: mineração, uso urbano do solo e áreas de preservação ambiental e recursos hídricos. No que se refere ao papel das mineradoras e

seu influente sistema gestor, pode-se, metaforicamente, fazer alusão a ciclos “extrativos” de três tipos de “riqueza aurífera” na região. Se, no século XVII, buscava-se o ouro de aluvião, tal ati-vidade seria substituída, cerca de cem anos depois, pela instalação de minas exploratórias do nobre metal. Hoje, ao contrário, a riqueza revela-se inteira-mente à flor da terra: “O terceiro ouro são os empreendimentos imobiliários”, explica Heloisa Soares.

Afinal, na atualidade, iniciativas como a do empreendimento Vale dos Cristais revelam que as mineradoras, para além de sua atividade-fim, subcon-tratam empresas para incorporação, construção e vendas imóveis, como

qualquer outro proprietário fundiário. “Essa nova realidade pode produzir grandes impactos”, afirma a pesquisa-dora, ao lembrar ainda que, no eixo Sul, diferentemente de outras vertentes do desenvolvimento urbano da capital mineira, a concentração de terrenos nas mãos de poucos – principalmente de empresas – não estimula a chamada “ocupação espontânea”.

Com relação à atividade-fim das mi-neradoras no eixo Sul, outras diversas interrogações abrem-se ao léu. Como têm sido gerenciadas e executadas, por exemplo, as contrapartidas ambientais das empresas? Heloisa Soares comenta que, com o passar do tempo, tais cor-porações internalizaram discursos e

Foto: Luciana Andrade Foto: Marlon Resende

Loteamento Vila Castela e ao fundo loteamentos mais antigos - Nova Lima Loteamento Retiro do Chalé - Brumadinho

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201144

parâmetros de sustentabilidade. “Resta saber, contudo, se as empresas são re-almente sustentáveis ou se apenas in-vestem em mecanismos de marketing”, ressalta a pesquisadora. A responsabili-dade ecológica das companhias depen-derá, ainda, da capacidade de negocia-ção das comunidades: aquelas que se revelam mais influentes, acabam por conseguir melhores resultados para o meio ambiente. “As mineradoras têm mais cuidado onde as vozes parecem mais fortes. Importante lembrar, porém, que contrapartidas ambientais não são presentes à população. Existem interes-ses por trás de tais iniciativas”, conclui.

Ordem e progresso?Ao estudar o desenvolvimento me-

tropolitano de Belo Horizonte no eixo Sul, outra preocupação dos pesquisa-dores dizia respeito ao(s) modo(s) de vida da população. Em tais ambientes, qual seria, por exemplo, a noção de es-paço público de uma criança que nasce e cresce no interior dos condomínios da região? E o que dizer dos processos de transformação nos núcleos urba-nos já existentes, ao redor dos novos empreendimentos, a exemplo de Ma-cacos e Piedade do Paraopeba, onde moram centenas de trabalhadores? Em meio à miríade de indagações, o mais importante a perceber foi que o desen-volvimento no eixo Sul realiza-se, em grande medida, de modo ordenado... Mas também desenfreado: “Os investi-mentos permanecem e as questões se multiplicam: quais serão as perspectivas para quando a região estiver comple-tamente ocupada? Haverá transporte público suficiente, por exemplo?”, ques-tiona Heloisa Soares.

Aliás, diante da noção de “cresci-mento ordenado” – direta contraposi-ção ao princípio de “desenvolvimento espontâneo” – o leitor poderia cogitar, coerentemente, que tal expansão con-trolada seja mais proveitosa para os ci-dadãos, da produção de bem-estar à or-ganização do uso do solo. Afinal, o que não foge ao controle do homem tende a se desenvolver de maneira mais estru-turada, não é mesmo? No que diz res-peito ao processo de mobilidade urba-na, a máxima não se sustenta em bases sólidas: “Os ordenamentos mostram-se diferenciados. Por isso, buscamos des-construir a ideia de que o crescimento não-espontâneo seja sempre bom. Da mesma forma, a expansão espontânea pela pobreza revela-se muito ruim para as pessoas”, ressalta a pesquisadora.

Verde que te quero verdeEm função de uma série de movi-

mentos ambientalistas, o eixo Sul da Região Metropolitana de Belo Hori-zonte é hoje considerado uma Área de Proteção Ambiental (APA). Apesar de regulamentada, contudo, a APA-Sul não possui plano de manejo ou zoneamen-to ecológico-econômico formalmente aprovado. “Mesmo assim, há importan-tes iniciativas de preservação na região, quase todas executadas pelo poder pú-blico”, afirma Heloisa Soares, ao explicar

que, na pesquisa, pretendeu-se, também, mapear e analisar as áreas que, na atu-alidade, carecem de regulação: “Perce-bemos ser necessário, na verdade, que todos internalizem o custo ambiental. O que se tem é ainda muito aquém do de-sejável”. Ao longo dos estudos, análises específicas no interior de áreas de pre-servação revelaram enorme disparidade nos níveis de preservação.

Ao longo da referida pesquisa inter-disciplinar, os estudiosos não se dedica-ram a análises aprofundadas sobre a na-tureza das nascentes e cursos d’água na região, temática que, provavelmente, será tema de investigações futuras. Apesar do pouco enfoque na questão, Heloisa So-ares explica que, a partir dos resultados apresentados por um dos integrantes da equipe, é possível afirmar que a área te-nha grande potencialidade hídrica.

Olhos no horizonteNo mesmo período em que finali-

zavam os estudos acerca da expansão metropolitana de BH no eixo Sul, os pes-quisadores percebiam novas empreitadas dos “tentáculos” de desenvolvimento ur-bano da cidade. De uma hora para outra, a capital mineira passara a crescer em direção à região Norte, fruto, em grande parte, da construção do Centro Adminis-trativo do Governo do Estado de Minas Gerais. À época, parte da equipe de foi então contratada pelos órgãos públicos estaduais para elaborar o Plano Diretor Metropolitano, documento entregue às mãos dos dirigentes em dezembro de 2010. “Além de servir à implantação de políticas públicas, tais conhecimentos poderão nos auxiliar em trabalhos pos-teriores”, afirma Heloisa Soares. Hoje, o grupo desenvolve novas pesquisas com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq). Bússola a postos, resta aos estudiosos observar os novos – e fasci-nantes – movimentos da metrópole.

Maurício Guilherme Silva Jr.

Projeto: A expansão metropoli-tana de Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no eixo-sulModalidade: Demanda espontâneaCoordenadora: professora He-loisa Soares de Moura CostaValor: R$ 14.290,50

Meio Ambiente

Águalimpa deverdade Pesquisadores

desenvolvem tecnologia inovadora para o tratamento de água utilizando ozônio, uma opção mais eficiente e ambientalmente correta

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Símbolo da vida, a água é tema de atuais discussões em todo o mundo. As fontes hídricas são abundantes, porém mal distribuídas na superfície do plane-ta. Em algumas áreas, as retiradas são bem maiores que a oferta, causando um desequilíbrio nos recursos hídri-cos disponíveis. Embora o Brasil seja o primeiro país em disponibilidade hí-drica em rios do mundo, a poluição e o uso inadequado comprometem esse recurso em várias regiões do País. Esse impacto ambiental torna necessária a busca de tecnologias para o tratamen-to de diferentes efluentes, ou seja, pro-dutos líquidos ou gasosos produzidos por indústrias ou resultante dos esgo-tos domésticos urbanos lançados no meio ambiente. “Buscar soluções para problemas relacionados ao tratamento e controle de poluentes em diversos tipos de efluentes é uma necessidade com caráter de urgência para assegurar que recursos hídricos de boa qualidade estejam disponíveis para as gerações futuras”, garante Leonardo Morais da Silva, pesquisador do Departamento de Química da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Morais coordena um projeto inovador para o tratamento de água utilizando o ozônio, um insumo bem mais eficiente e ambientalmente corre-to do que o cloro.

O projeto começou em 2007 tendo como objetivo inicial tratar a água cap-tada no Vale do Jequitinhonha. Como já existiam pesquisadores em Minas trabalhando com a qualidade da água nesta região, o grupo mudou o viés do projeto e decidiu desenvolver um equi-pamento para tratar água contaminada

com produtos químicos, como remé-dios, pesticidas, agentes contraceptivos, corantes têxteis, e até produtos de beleza e higiene pessoal, considerados poluentes emergentes. “Quando se lava o rosto na pia para retirar um produ-to de beleza, por exemplo, os resíduos vão para o esgoto e não são eliminados na estação de tratamento. O mesmo acontece com os remédios que não são totalmente absorvidos pelo cor-po, sendo excretados através da uri-na. Estes resíduos saem da estação do mesmo jeito que entram e podem ser altamente nocivos não só para os seres humanos, mas também para as plantas e animais”, alerta o pesquisador.

Por que usar o ozônio?A água oferecida à população é sub-

metida a uma série de tratamentos para reduzir a concentração de poluentes até o ponto em que não representem riscos para a saúde. O tratamento dessa água tem como objetivo, principalmente, re-mover o material sólido, exterminar mi-croorganismos patogênicos e reduzir as substâncias químicas indesejáveis. Neste ciclo, uma das etapas mais importantes é a cloração, processo que visa elimi-nar germes nocivos à saúde e garantir a qualidade da água. O grande problema, segundo Morais, é que o cloro associa-do a resíduos orgânicos, como agrotóxi-cos, remédios e produtos de beleza, por exemplo, gera subprodutos nocivos. Es-tas substâncias contaminam a água e re-presentam risco para os seres humanos, peixes, plantas e animais, que delas se alimentam. Um exemplo claro é a água de piscinas, que, aparentemente limpas, possuem matérias orgânicas como a

urina. Essa matéria orgânica associada ao cloro gera subprodutos potencialmen-te nocivos. Quando essa água é jogada fora provavelmente contaminará rios e lagos próximos. “O cloro é utilizado simplesmente para retirar microorga-nismos patogênicos e não para remover compostos orgânicos. Quando usamos o ozônio em substituição ao cloro não existe a possibilidade de gerar estes sub-produtos nocivos. Embora a ozonização seja um processo um pouco mais caro que a cloração, é muito mais eficiente e ambientalmente correto”, esclarece.

Presente em pequenas concentra-ções na estratosfera (parte de atmosfera que abrange aproximadamente dos 15 até 50 quilômetros de altura), o ozônio (O3) é um gás à temperatura ambiente, instável, altamente reativo e oxidante. Na Europa, desde o século passado, esse gás, gerado a partir do ar, é utilizado para o tratamento de água. O caráter inovador do projeto em questão é a extração do ozônio a partir da própria água, que é um insumo mais barato. “O Brasil tem várias fontes de água ultrapuras que não preci-sam ser tratadas. O grande problema são as fontes contaminadas perto de centros urbanos. Por isso, podemos afirmar que a saúde da população melhoraria muito se a água fosse ozonizada. Mas, o País ainda é incipiente neste assunto e a indústria do cloro é muito forte”, problematiza.

Estudos comprovam que a maioria desses resíduos orgânicos podem ser considerados como potencialmente mutagênicos e/ou cancerígenos. Segun-do Morais, uma pesquisa em Chicago, nos Estados Unidos, acompanhou um grupo de mulheres com câncer de colo de útero e demonstrou que 30% de-

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Da esquerda para a direita: o coordenador do projeto, Leonardo Morais da Silva e os mestrandos Lindomar Sousa, Fabiano Ramos Costa, Flávia Cristina de Barros e Ismael Carneiro Gonçalves

Sistema eletroquímico para a produção de ozônio

las ingeriram água contendo matéria orgânica clorada. No Brasil, pesquisas apontam que esses compostos orgâ-nicos, distribuídos em rios de algumas regiões do Estado de São Paulo, estão causando mutações genéticas em ani-mais, como é o caso da feminilização de peixes machos. “Esses contaminantes estão por aí nas águas naturais devido às atividades da sociedade moderna al-tamente industrializada, mas as pessoas fingem que não existem, pois, tratá-los é complicado”, aponta.

Tecnologia alternativa O protótipo desenvolvido foi pro-

jetado para tratar em torno de 10 a 25 mil litros de água por hora, utilizando 800 watts de energia, tendo como úni-co insumo a água destilada (água pura sem sais). “A água destilada é colocada no reator, em seguida, aplicamos cor-rente elétrica. É um processo eletro-químico”, explica o coordenador. O ozônio gerado é aplicado diretamente na água que flui pelo reator, tornando possível a produção de água ultrapura para fins diversos. “Realizamos uma sé-rie de testes com o reator utilizando

Juliana Saragá

A Ozonioterapia é uma técnica que utiliza o ozônio como agente terapêutico em um grande número de pato-logias. É uma terapia natural, com poucas contra-indicações e efeitos secundários mínimos, se realizada corretamente. Pode ser utilizada para tratar diversas doenças, como, dis-túrbios da circulação sanguínea, tais como insuficiência ar-terial e varizes; doenças causadas por vírus, como hepatites virais e herpes; lesões, ferimentos, doenças inflamatórias crônicas como colite e artrite; até em situações de exaus-tão física e cansaço.

As aplicações do ozônio começaram em 1840. O pre-cursor desse uso foi Werner von Siemens, que em 1857 construiu o primeiro tubo de indução para a destruição de microorganismos patogênicos. O médico alemão Christian Friedrich Schonbein, durante a Primeira Guerra Mundial, difundiu o ozônio no tratamento de feridas em soldados, obtendo excelentes resultados. Em 1915, outro médico ale-mão, Albert Wolf, escreveu um livro sobre o uso medicinal do ozônio. Durante mais de 50 anos, a Ozonioterapia ficou praticamente restrita à Alemanha e à Áustria. Somente a partir da década de 80 ela se expandiu para outros países. Esta expansão coincidiu com início das pesquisas de labora-tório sobre a ação do ozônio, sobretudo com os trabalhos de Bocci na Itália. A descoberta da penicilina e de outros antibióticos fizeram com que o Ozônio fosse afastado do uso na medicina tradicional dos anos de 1940 em diante.

A prática da Ozonioterapia no Brasil não é nova. Co-meçou em 1975 e na década de 80 ganhou mais adeptos e atraiu o interesse de algumas universidades. De 2000 para cá, os estudos ganharam corpo. Há seis anos, a PUC de Minas Gerais pesquisa a técnica em ratos. Em São Paulo também são feitos estudos na Santa Casa de Mise-ricórdia. Em 1996, um projeto de pesquisa sobre o ozô-nio para fins médicos, veterinários e industriais foi cria-do no campus Alfenas da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas). Estudos odontológicos realizados ali, como o tratamento bem sucedido de infecções no osso da mandíbula, que geralmente se resolve cirurgicamente, chegaram a ser apresentados em congressos no exterior.

A terapia ganhou mais visibilidade no País a partir de 2004, quando Santo André, no ABC Paulista, sediou a Primeira Conferência Internacional sobre Uso Medicinal do Ozônio. Em abril de 2006, em Belo Horizonte, especialistas de vários países realizaram o primeiro Congresso Internacional de Ozonioterapia. Além de atualizar informações, os médicos brasileiros aproveitaram para lançar as bases da Associação Brasileira de Ozonioterapia (ABOZ). A Prefeitura de Nova Lima, na Grande Belo Horizonte, também vem desenvolven-do projetos de aplicação relacionados à Ozonioterapia. Para mais informações sobre a técnica acesse o site da ABOZ http://www.aboz.org.br/.

vários tipos de matéria orgânica, como agentes contraceptivos (excretados na urina), e agentes plastificantes (resídu-os de produção do plástico). Os resul-tados foram excelentes”, relata.

A tecnologia comumente utilizada para ozonização da água na Europa é denominada Corona. Nesse proces-so um gás seco, ar ou oxigênio puro é submetido a uma descarga elétrica silenciosa. No entanto, a tecnologia eletroquímica é uma alternativa pro-missora para a geração de ozônio, pois possui algumas características que não são obtidas com o processo Corona, como é o caso da produção de água ultrapura em condição de circuito fe-chado (isolado da atmosfera). “Quan-do começamos o projeto fizemos uma pesquisa no exterior para saber em que tipo de indústria a ozonização está sendo utilizada. Percebemos que a técnica é essencial para a indústria far-macêutica e de semicondutores, já que necessitam utilizar água ultrapura no processo de produção e também na pesquisa de novas drogas e materiais. A água contendo pequenas quantida-des de matéria orgânica pode atrapa-

lhar todo o processo de reação quí-mica nesse tipo de indústria”, explica.

O grupo da UFVJM é o primeiro a trabalhar com essa tecnologia no País, que hoje, para utilizá-la, precisa impor-tar. Recentemente, os pesquisadores fizeram o pedido de patente do pro-tótipo ao Instituto Nacional da Pro-priedade Industrial (Inpi) tendo a FA-PEMIG como cotitular da invenção. “A intenção inicial é destiná-lo à indústria brasileira farmacêutica e de semicon-dutores além do uso na desinfecção de águas de piscinas e aplicações en-volvendo a ozonioterapia (veja qua-dro). É um nicho de mercado econo-micamente viável e algumas empresas já se mostraram interessadas”, planeja.

Ozonioterapia

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Projeto: Aplicação de Tecnolo-gias emergentes no tratamento de águas para consumo captadas no Vale do Jequitinhonha.Modalidade: Jovens DoutoresCoordenador: Leonardo Morais da SilvaValor: R$ 29.925,00

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MercadoNotas

O Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com a empresa Alcântara Cyclone Space e a Agência Estatal Espacial da Ucrânia, lan-çará até dezembro de 2012 o primeiro foguete brasileiro-ucraniano, o Cyclone 4. O cronograma especificando os recursos necessários para o desenvolvimento do projeto deve ser apresentado ao Ministério até junho desse ano. O trabalho em conjunto significa para o Brasil aprendizado da tecnologia, o que envolve a construção de foguetes. Já para Ucrânia, a utilização da base de lançamento de Alcântara, no Maranhão, que apresenta vantagens como a proximidade da linha do Equador, o que diminui os custos de lançamento até a órbita. Até o momento os países investiram juntos US$ 170 milhões. O ministro Aloízio Mercadante garantiu que a parceria não ficará apenas no lan-çamento espacial. “A Ucrânia tem conhecimentos também na cons-trução de satélites. Em médio prazo precisaremos de um satélite geo-estacionário para ajudar na previsão do tempo e integrar o Sistema Nacional de Prevenção e Alerta de Desastres”, afirmou em reunião com representantes da Ucrânia no Ministério da Ciência e Tecnologia.

Jornalistas e instituições de pesquisa aguardam o resultado da edição 2011 do Prêmio José Reis de Divulgação Cientifica e Tecnológica. O resultado deve ser divulgado no dia 18 de junho, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). São contempladas três categorias: Jornalismo Científico, Divulgação Científica e Instituição. Desde 1995 o prêmio vem sendo entregue anualmente a apenas uma das três modalidades, em sistema de rodízio. Este ano

é a vez do Jornalismo Científico. Aos vence-dores será concedido prêmio no valor de R$ 20 mil, um troféu, passagem e hospedagem para a 63ª reunião anual da Sociedade Brasi-leira para o Progresso da Ciência (SPBC), que neste ano acontece na Universidade Federal de Goiás. Profissionais que já foram contem-plados só podem concorrer novamente dez anos após a entrega do prêmio. Mais infor-mações no site www.cnpq.br ou no e-mail [email protected].

PRÊMIO JOSé REIS

BRASIL LANçARÁ PRIMEIRO FOGUETE EM 2012

Foto: Divulgação

25º PRÊMIO JOVEM CIENTISTAEstudantes do ensino médio e superior e pesquisado-

res de todo o Brasil já podem inscrever trabalhos desen-volvidos dentro do tema cidades sustentáveis. Alunos de nível médio devem elaborar pesquisas a respeito de assun-tos como Ambientes sustentáveis, Planejamento urbano e qualidade de vida, Gestão de águas no meio urbano, Polí-ticas de mobilidade nas cidades, Agricultura urbana e Ges-tão de resíduos. Já pesquisadores e universitários podem enviar pesquisas relacionadas às seguintes áreas temáticas: Urbanização, Produção do espaço urbano e apropriação da natureza relacionada com a questão do solo/água/ventos e dos recursos energéticos; Políticas urbana, ambiental e de saúde relacionadas com a questão do lixo, dentre outros

tópicos relacionados no edital da premiação. Serão premia-dos três projetos nas seguintes categorias: pesquisadores, com prêmios de R$ 30 mil, R$ 20 mil e R$ 15 mil; estudan-tes do ensino superior, R$ 15 mil, R$ 12 mil e R$ 10 mil; e estudantes do ensino médio, cada vencedor receberá um notebook. Todos os vencedores que tiverem pesquisas que obedeçam a critérios normativos do CNPq vão receber bolsas de estudo. Os primeiros lugares, além do prêmio e da bolsa, participarão da 64ª reunião anual da SBPC em 2012. As inscrições para o 25º Prêmio Jovem Cientista po-dem ser realizadas até o dia 31 de agosto pela internet ou pelos Correios. O regulamento e a ficha de inscrição estão disponíveis no site www.jovemcientista.cnpq.br.

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Viagens de Laurinha é um blog e uma novela radiofônica, nos quais Laurinha e seus amigos descobrem que aprender ciências pode ser divertido. A partir de experiências pessoais, Laura, a personagem principal, se encontra com personalidades impor-tantes da ciência mundial e brasileira, como Charles Darwin, Cesar Lattes, Gregor Mendel e Oswaldo Cruz. As vivências pes-soais da garota sempre a levam a conhecer algo novo sobre a ciência. Fazendo um bolo de marshmallow ela descobre a historia de Lavoisier e ao quebrar o braço ela entende o processo fo-tográfico que está por trás do raio-X. Essas e outras aventuras estão no blog viagensdalaura.wordpress.com. O projeto é uma iniciativa do Laboratório Aberto de Interatividade (LAbI), da Uni-versidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo, e tem o apoio da Rádio UFSCar, da Fundação de Apoio Institucional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FAI UFSCAR), e outras instituições de ensino e pesquisa.

A Nasa e a Agência dos Estados Unidos para o De-senvolvimento Internacional (Usaid) assinaram em abril acordo com países em desenvolvimento. O objetivo da aliança é prestar auxílio a esses países para enfrentarem problemas relacionados a segurança alimentar, fontes de energia e mudanças climáticas. Durante cinco anos as agências vão conceder dados espaciais para que os go-vernos federais desses países possam se preparar e agir com rapidez, evitando catástrofes naturais danosas. Ou-tro beneficio da parceria será a aplicação de tecnologias geoespaciais para ajudar no desenvolvimento das nações. De acordo com o diretor da Nasa, Charles Bolden, as tecnologias melhoram a vida da terra e proporcionam novas soluções. “Quando exploramos o espaço, também exploramos soluções para os problemas de saúde, nutri-ção e segurança, que são desafios nos países em desen-volvimento”, afirmou em comunicado o diretor da agên-cia espacial. Nasa e Usaid trabalham em conjunto com países em desenvolvimento desde 2003 com o programa Servir, que tem como princípio resolver problemas cli-máticos que interferem na economia e outras áreas de desenvolvimento humano.

UMA FORMA DIVERTIDA DE APRENDER CIÊNCIA

NASA FORNECE TECNOLOGIA ESPACIAL PARA PAíSES EM DESENVOLVIMENTO

Projeto de extensão desenvolvido pelo Instituto Federal do Pará ensina es-tudantes do ensino fundamental e médio de escolas públicas de Belém a desen-volver robôs para solução de problemas cotidianos. Antes da prática, os jovens aprendem com graduandos de Engenha-ria Elétrica do Instituto conceitos bási-cos de programação, mecânica e eletrô-nica, e ainda são desafiados a encontrar soluções para problemas propostos em exercícios. O programa utilizado para mi-nistrar as aulas é o Java, cuja linguagem é de fácil aprendizado. O objetivo do pro-jeto é aproximar os jovens do mundo da robótica, incentivando-os a desenvolver robôs com criatividade, e mostrar aos estudantes a utilidade dessa tecnologia na resolução de problemas do dia a dia.

TECNOLOGIA DOS ROBÔS EM

ESCOLAS PúBLICAS

Cientistas brasileiros

Formada em Física e pós-douto-ra em Astrofisica, ciência que estu-da os astros celestes, a astrônoma Lucimara Martins é professora do Núcleo de Astrofisica Teórica (NAT) da Universidade Cruzeiro do Sul, de São Paulo. Em 2010 ela foi a vence-dora da categoria Ciências Físicas do prêmio L’oreal/Unesco, com o projeto “A maior e mais comple-ta Biblioteca Estelar de Alta Reso-lução para Síntese de Populações Estelares”. Além desse projeto, a cientista também estuda o proces-so de formação de estrelas em galá-xias ativas. A seguir, a pesquisadora fala sobre Astronomia e o estudo e pesquisa dessa Ciência no Brasil.

Quando começa sua história com a Ciência e o interesse em es-tudar Astronomia?

Decidi ser cientista quando ainda era criança. Sempre fui muito curiosa e investigadora, uma das características principais que acredito que um cientista deva possuir. Na época do cometa Halley, meu pai me deu de presente uma revis-tinha que falava sobre ele, e me lembro de passar grande parte da noite em sua companhia procurando pelo cometa no céu. Obviamente, não vimos nada, mas me apaixonei pelo tema e pela ideia de estudar as estrelas. Aos 12 anos já sabia que seria astrônoma, mesmo sem saber direito o que isso significava.

Quando surgiu a ideia de desen-

volver o projeto “A maior e mais completa Biblioteca Estelar de Alta Resolução para Síntese de Po-pulações Estelares”?

Parte do meu doutorado nos EUA foi dedicada a criar uma biblioteca sin-tética para o meu projeto. Eu tinha um tempo curto e estava começando na área, mas já percebia o quanto os mode-los precisavam ser melhorados.

Comecei a trabalhar na área, e uma amiga do doutorado também estava de-senvolvendo projetos no mesmo assunto. Um dia conversamos e decidimos que, se juntássemos nosso conhecimento, con-seguiríamos avanços muito grandes nos modelos. Foi aí que surgiu a ideia.

E do que se trata? Este projeto busca aperfeiçoar os

modelos utilizados para o estudo das di-

ferentes estrelas que compõem uma ga-láxia, as chamadas populações estelares. O estudo dessas populações pode ser feito de duas maneiras: utilizando estre-las observadas ou utilizando simulações de estrelas. No primeiro caso, o estudo está limitado porque só conseguimos observar estrelas muito próximas na nossa galáxia. Se as estrelas de outras galáxias forem diferentes, não é possível estudá-las com precisão. No caso das si-mulações, ainda existe muita dificuldade em construir modelos realistas para es-trelas. O objetivo deste projeto é aper-feiçoar esses modelos, a partir de um método estatístico que compara mo-delos e observações, e criar uma nova biblioteca estelar, muito mais precisa e completa, que se torne uma ferramenta de trabalho para qualquer astrônomo.

É um projeto de longo prazo?Sim, é um projeto de longo prazo,

pois os cálculos envolvidos são bastan-te complexos, e mesmo usando muitos computadores, eles ainda demoram bastante para ficarem prontos. Quando tivermos esses modelos, certamente, a interpretação dos dados observados das galáxias será muito melhor, permitindo que tenhamos um conhecimento muito mais preciso de como as galáxias nas-cem, evoluem, formam estrela, etc.

Outra pesquisa na qual a senho-ra está envolvida é o estudo de ga-láxias ativas. O que seria e qual o objetivo do estudo?

Galáxias ativas são galáxias que pos-suem o núcleo muito mais brilhante que galáxias normais. Isso acontece porque elas possuem um buraco negro super-massivo no seu centro, e o gás está sen-do engolido por ele. Nesse processo, o gás espirala em um disco até cair no núcleo (como em um ralo de pia) e, por estar se movendo muito rápido, emite radiação. O meu estudo em particular é relacionar a formação de estrelas nessa galáxia, com a existência ou não deste núcleo ativo. A ideia é tentar entender se essas galáxias são um processo evolu-tivo de todas as galáxias, ou são objetos diferentes. Será que nossa galáxia foi ati-va um dia? Perguntas como essa é que eu quero tentar responder.

Em 2010, você foi a vencedora da categoria Ciências Físicas do Prê-

mio L’oreal Unesco para mulheres na Ciência com o projeto da biblio-teca estelar. Qual a nova perspec-tiva que o prêmio trouxe para sua produção científica e acadêmica?

É muito gratificante para um pesqui-sador ter seu trabalho reconhecido, e acredito que incentivos como esse são fundamentais. O prêmio é uma conquis-ta muito grande. O caminho acadêmico é muito árduo e acredito que só pode ser seguido por quem é apaixonado por ele. É muito bom saber que esco-lhi o caminho certo. Com o prêmio, pude comprar mais computadores para o cluster da Universidade, e, com isso, acelerar a produção dos modelos para estudo estelar.

Qual a avaliação que você faz sobre a produção de conhecimen-to acerca da Astronomia no Brasil? Como está em comparação a Esta-dos Unidos e Europa?

O Brasil tem excelentes astrôno-mos. O nível da astronomia brasileira é comparável com a de qualquer outro país. Temos pessoas muito competentes aqui. Nós certamente não perdemos nada em qualidade, mas perdemos em quantidade. Para o tamanho do país, não temos apenas poucos astrônomos, mas cientistas como um todo. Isso acontece principalmente porque essa profissão ainda é muito pouco valorizada no país. Por isso um prêmio como o da L’Oreal é tão importante - coloca nossa profissão em foco na mídia de uma forma geral. O incentivo financeiro à pesquisa básica no Brasil melhorou muito nos últimos anos, mas ainda falta muito para chegarmos ao nível de Estados Unidos ou Europa.

MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. A FEV. / 201150

Foto: Arquivo Pessoal