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Faculdade de São Bento Faculdade de Filosofia Fernando Dellamano Gomes O ápeiron de Anaximandro São Paulo 2018

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Faculdade de São Bento

Faculdade de Filosofia

Fernando Dellamano Gomes

O ápeiron de Anaximandro

São Paulo

2018

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Fernando Dellamano Gomes

O ápeiron de Anaximandro

Trabalho de conclusão de curso apresentado à

Faculdade de Filosofia de São Bento, como pré-

requisito para a obtenção do grau de Licenciado em

Filosofia.

Orientação: Prof. Dom João Evangelista Kovas OSB

São Paulo

2018

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Fernando Dellamano Gomes

O ÁPEIRON DE ANAXIMANDRO

Trabalho de conclusão de curso

apresentado à Faculdade de Filosofia

de São Bento, como pré-requisito para

a obtenção do grau de Licenciado em

Filosofia.

São Paulo, ____, de ____________ de _______.

Banca Examinadora:

_________________________________________________

Prof. Dom João Evangelista Kovas OSB (orientador)

_________________________________________________

Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva (membro interno)

Faculdade de São Bento

_________________________________________________

Prof. Dr. Fernando Rocha Sapaterro (membro interno)

Faculdade de São Bento

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Resumo

O intuito do presente trabalho é expor as principais interpretações acerca do

ápeiron de Anaximandro, partindo da maior autoridade antiga que é Aristóteles e

analisando, mesmo que brevemente, o status da discussão entre alguns intérpretes do

século XX. O trabalho se centra, principalmente, nas linhas, onde Aristóteles cita

direta ou indiretamente Anaximandro.

Palavras-chave: Ápeiron. Cosmologia. Mileto. Mito.

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Abstract

The purpose of this paper is to expose the main interpretations of

Anaximander's ápeiron, starting from the greatest ancient authority that is Aristotle

and to analyze briefly the status of the discussion among some of the greatest

authorities of the twentieth century. The work focuses mainly on the lines where

Aristotle directly or indirectly quotes Anaximander.

Keywords: Ápeiron. Cosmology. Miletus. Myth.

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Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 7

CAPÍTULO 1 .................................................................................................................. 9

1.1 - Significado etimológico dos principais termos .................................................. 9

1.2- As fontes e a doxografia ..................................................................................... 11

1.3 - Situação histórica: contexto social e cultural .................................................... 13

CAPÍTULO 2 .................................................................................................................. 20

2.1 - Aristóteles e o ápeiron ...................................................................................... 20

2.2 - O ápeiron como substância originadora ............................................................ 25

CAPÍTULO 3.................................................................................................................... 30

3.1 - Algumas interpretações modernas acerca de Anaximandro ............................. 30

3.2 - Werner Jaeger e George Burch .......................................................................... 31

3.3 - O criticismo de Cherniss e Francis Cornford ...................................................... 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 37

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Introdução

Anaximandro nasceu em Mileto, cidade atualmente situada na Turquia. Foi

amigo e, provavelmente, discípulo de Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo.

Segundo Apolodoro, Anaximandro tinha sessenta e quatro anos em 547/6 a.C.1.

Portanto podemos supor que ele nasceu no ano de 610 a.C.. Ele faz parte daquilo que

posteriormente foi nomeada pelos acadêmicos de Escola Milésia2, junto com Tales e

com seu discípulo Anaxímenes.

Está estabelecido por grande parte dos acadêmicos que a filosofia começou

com os milésios, grande parte da doxografia e da tradição aponta que, nesse período

em Mileto, todas as circunstâncias colaboraram para o surgimento de um novo modo

de pensar. Ele surgiu de uma enorme crise de autoridade e de uma mudança na ordem

social. Aliás, a ordem social mítica em todas as sociedades anteriores na maior parte

do mundo sempre esteve aliada à autoridade, pois a ordem social não se distinguia da

ordem natural, e o líder de uma sociedade era naturalmente a autoridade para o

entendimento do mundo e da vida em sociedade.

Todo o entendimento de um novo modo de pensar deve levar em conta aquilo

que o antecedeu, deve apontar para as mudanças em relação ao que foi superado. No

caso dos milésios e, em particular, de Anaximandro, é necessário apontar, ou ao

menos, tentar se aproximar de uma explicação coerente a respeito das razões de

terem feito o que fizeram.

1 cf. GUTHRIE, A History of Greek Philosophy, Volume 1: The Earlier Presocratics and Pythagoreans.

Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 72.

2JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo:

Martins Fontes, 2010. p. 194-195.

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De Tales de Mileto, a tradição não nos legou nenhum registro direto para

avaliar aquilo que seria sua contribuição para a escola milésia, a não ser comentários

de segunda mão acerca de suas ideias. Por outro lado, de Anaximandro podemos ter

uma ideia maior de sua contribuição e temos ao menos uma citação de seu livro,

que, segundo os acadêmicos contemporâneos, seria o primeiro tratado acerca da

natureza escrito por um grego.

Desse tratado, apenas um fragmento chegou até nós, mas, segundo Jonathan

Barnes3, podemos supor que a obra era vasta. Continha a descrição da origem do

universo, uma história da terra e dos corpos celestes, descrições sobre fenômenos

naturais e descrições sobre os seres vivos.

O conceito chave de Anaximandro é o seu ápeiron, que seria a sua resposta

para a seguinte pergunta: Qual a natureza de todas as coisas?

Ao responder que o princípio ou natureza das coisas é o ilimitado ou o ápeiron

Anaximandro diverge de seus compatriotas, pois sua resposta parece ser bem

diferente4.

Foi Aristóteles quem primeiro teve a oportunidade, devido à maturidade de sua

filosofia, de observar os problemas de tal afirmação em Anaximandro, pois estaria ele

se referindo a um princípio material ou pelo contrário, estaria ele iniciando toda a

tradição metafísica ocidental ao dizer que seu princípio era uma natureza formal, que

agia qualitativamente nas coisas?

Não só a tradição antiga e medieval a respeito de Anaximandro está em dívida

com Aristóteles, mas também todos os trabalhos modernos levaram em conta os

problemas que Aristóteles levantou em relação aos milésios. É extremamente

improvável que haja algum trabalho sobre o ápeiron de Anaximandro sem que

necessariamente passe pelos problemas levantados por Aristóteles.

Qualquer explicação ou aproximação do ápeiron portanto deve levar em conta

aquilo que Aristóteles disse e o entendimento disso leva à uma compreensão de toda a

discussão moderna à respeito dos pré-socráticos.

3 BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos. Tradução Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

4 DANCY, Russell. Thales, Anaximander and Infinite. Berlim: Apeiron 22, 1989. p. 7.

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Capítulo 1

1.1 - Análise etimológica dos principais termos

O único fragmento existente do livro de Anaximandro contém conceitos chaves

para o entendimento da filosofia posterior e as noções nele contidas mostram um

horizonte totalmente novo no pensamento humano. Eis o fragmento que reproduz as

palavras de Anaximandro, ele provém de um comentário à Física de Aristóteles feita

por Simplício:

Uma outra natureza ápeiron, de que provêm todos os céus e

mundos neles contidos. E a fonte da geração das coisas que existem é

aquela em que se verifica também a destruição “segundo a

necessidade; pois pagam castigo e retribuição uns aos outros, pela sua

injustiça, de acordo com o decreto do tempo”, conforme ele se exprime

nestes termos bastante poéticos.5

Nesse fragmento, portanto, teríamos as únicas palavras literalmente retiradas

do livro de Anaximandro em toda a doxografia. No fragmento, uma palavra em

particular nos interessa: ápeiron. Esse conceito será o fio condutor de todo esse

trabalho, e antes de entrarmos nas interpretações e nas possíveis atribuições dadas ao

ápeiron por Anaximandro, faremos uma breve análise da etimologia dessa palavra.

5 KIRK, Geoffrey; RAVEN, John. Os Filósofos Pré-Socráticos. Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p. 113.

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No famoso trabalho de Liddell e Scott A Greek English Lexicon6, a

palavra ἄπειρον é definida de várias maneiras: boundless, infinite e countless, que na

tradução para o português seria ilimitado, infinito e incontável respectivamente.

Também without a trial, ou seja, sem termos, sem fronteiras. O ápeiron não possui

πέρας, ou peras, que se traduz por limite ou termo. Gerard Naddaf diz: “it may also be

derived from the verb root per-, "forward, through, beyond," as exemplified

in peiro (run throught), perao (traverse), and thus, "what cannot be traversed for one

end to other".7

Segundo o fragmento de Simplício, todos os céus e mundos provém do ápeiron

e nele estão contidos. Ele é a natureza das coisas, e, posteriormente será entendido

como o princípio de todas as coisas.

A palavra natureza é a tradução da palavra grega Φύσις, ou physis. Em Liddell e

Scott, o significado da palavra physis é origem, nascimento, o princípio de crescimento

no universo. Em Homero, ela é usada para se referir ao crescimento das plantas. Essa

palavra claramente está associada ao vir-a-ser das coisas.

O trecho está explicitando que, para Anaximandro, a génesis ou criação das

coisas provém do ápeiron, um princípio sem definições ou limites. Todo o

conhecimento que temos dos filósofos pré-socráticos provém de fontes como essa de

Simplício, aos quais, em sua maioria, eram comentários ou compilações de obras de

filósofos consagrados do passado. O processo em que se deu a transmissão de tais

textos foi através de cópias por toda a antiguidade e Idade Média, até o advento da

imprensa, onde finalmente foi possível registrar e haver uma larga disseminação dos

textos disponíveis na época, que em sua maioria eram papiros antigos, cópias de

cópias de papiros mais antigos.

A origem mais remota desses fragmentos que estavam disponíveis à época da

invenção da imprensa se encontra na obra de Aristóteles e seu discípulo Teofrasto, no

caso de Anaximandro, e em outros casos, algumas obras de Platão reportam a

colaboração de outros filósofos pré-socráticos.

6 LIDDELL, Henry; SCOTT, Robert. A Greek-English Lexicon. Oxford: Claredon Press, 1996.

7 NADDAF Gerard, The Greek Concept of Nature, Nova York, State Univerty of New York Press, 2005, p.

67. Tradução: “...também pode ser derivado da raiz do verbo per-, “mais adiante, através, além,” como nos exemplos em peiro (perpassado), perao (atravessar), e além disso, “aquilo que não pode ser atravessado de um término ao outro”.

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1.2 - As fontes e a doxografia

Os filósofos pré-socráticos foram os pioneiros da escrita e toda a tradição

declara que Anaximandro foi o primeiro a colocar suas ideias por escrito, em uma

prosa contínua que recebeu o nome de Περὶ Φύσεως, ou Sobre a Natureza. Esse título

foi adotado pelos filósofos posteriores como Parménides, Empédocles, Melisso e

Epicuro, onde cada um desses escreveu o seu tratado sobre a natureza. Talvez esses

primeiros documentos fossem breves generalizações acerca de seus sistemas

cosmológicos e ocupassem um papiro somente, devido talvez à sua função itinerante.

Fato é que nos tempos de Aristóteles esses papiros ou livros já estavam numa

situação escassa, e era necessário algum trabalho para encontra-los. Alguns desses

textos sumiram por completo, outros foram sendo colecionados e citados em obras

posteriores à Aristóteles.

A partir do século 19 os acadêmicos modernos empreenderam o trabalho de

compilar e reconstituir o pensamento desses primeiros filósofos, e para isso, deviam

ter evidências arqueológicas ou manuscritos antigos para confirmar sua autenticidade.

Mas toda essa evidência se apresentaria em manuscritos ou papiros que eram cópias

de cópias de cópias e assim por diante. Antes da invenção da imprensa, os livros eram

copiados manualmente, e isso exigia tempo e dinheiro dos copistas antigos.

As fontes mais antigas certamente são Platão, Aristóteles e Teofrasto. No caso

de Anaximandro, Platão não fala uma só palavra a seu respeito. Já os outros dois foram

as fontes mais ricas de toda a antiguidade e até nossos dias para entender o

pensamento de Anaximandro. Para Aristóteles seu sistema filosófico era uma

continuação daquilo que havia sido feito pelos pré-socráticos, ele apresenta esses

filósofos como predecessores de seu sistema. “They tend to look at the Presocratics as

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predecessor who were engaged in a common Project, and who be either allies or

antagonists in an ongoing project.”8.

Aristóteles nunca considera o sistema dos filósofos pré-socráticos como um fim

em si mesmo, mas ao contrário, sempre está respondendo e acrescentando aquilo que

é próprio de sua filosofia. É uma maneia dialética de descoberta da verdade a partir

dos textos e afirmações desses filósofos antigos, a partir desse diálogo com os filósofos

que o precedem, Aristóteles elabora um sistema de adesão ou ruptura com elementos

próprios de sua filosofia.

Teofrasto, discípulo de Aristóteles leva esse empreendimento do mestre ao

extremo e publica um compêndio composto por dezesseis livros a respeito da natureza

das coisas, organizado de uma maneira dialética mostrando opiniões contrárias à

respeito de diversos assuntos. Essa obra pode ser considera uma espécie de dicionário,

pois provavelmente sua organização seguia uma ordem temática onde as doutrinas

dos filósofos antigos eram apresentadas.

Depois de Aristóteles e Teofrasto temos uma nova espécie de textos chamado

de doxografia, termo cunhado por Hermann Diels. Esses textos apareceram devido às

dificuldades de se copiar livros, pois eram caros e demandavam muito tempo, e a uma

aparente demanda de dicionários de ideias na época em que foram produzidos.

Versões abreviadas da obra de Teofrasto, as epitomes, estavam em circulação e

podiam ser achadas na antiguidade tardia.

Uma dessas obras já se encontrava disponível no século III a.C., a Vetustissima

Placita, outra no século I a.C. a Vetusta Placita e outra, mais curta que as anteriores,

por volta do primeiro século de nossa era, a Placita de Aécio. A matriz de todas essas

obras certamente é a obra de Teofrasto, mas todas elas contêm atualizações de

filósofos contemporâneos. É muito provável que essas obras eram usadas com o

intuito de educar os jovens, como fez Estobeu.

Um outro gênero muito apreciado na antiguidade foram as biografias, as quais

tiveram início com os discípulos de Aristóteles9 e Diógenes Laércio foi o principal

8 GRAHAM, Daniel. The Texts of Early Greek Philosophy: The Complete Fragments and Selected

Testimonies of the Major Presocratics.Cambridge: Cambridge Univerty Press,2010. p.7. Tradução: “Eles tinham a tendência de olhar os Présocráticos como precurssores que estavam engajados num mesmo Projeto, e que eram tanto aliados ou antagonistas em um projeto dinâmico”. 9 Ibidem.

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representante desse gênero literário na antiguidade. Em sua obra Vidas e Doutrinas

dos Filósofos Ilustres, ele apresenta o pensamento, curiosidades e uma série de

informações acerca dos filósofos antigos.

Outras fontes também nos dão informações preciosas a respeito dos filósofos

pré-socráticos e também a respeito de Anaximandro, apesar de não serem tão

importantes. Historiadores como Heródoto na Grécia e Eusébio de Cesareia são

exemplos disso; Heródoto não se refere diretamente a nenhum filósofo específico,

mas ao dizer que os gregos tomaram contato com oriente e quais técnicas absorveram

destes, parece estar se referindo aos milésios. Eusébio é mais específico, e se refere

diretamente à Anaximandro dizendo algumas informações sobre ele.

Talvez a obra mais importante para o conhecimento de Anaximandro, depois

dos escritos de Aristóteles seja uma obra de um comentador do próprio Aristóteles

chamado Simplício. Esse autor escreveu um importante comentário à Física de

Aristóteles no século VI d.C. É muito provável que possuía um conhecimento avançado

em filosofia e que tivesse em mãos alguns manuscritos raros.

Por fim, é necessário reportar outra fonte de inestimável valor que é

o Suda, obra medieval escrita no século X d.C. Esta obra é considerada a primeira

enciclopédia e surgiu em Constantinopla.

3.1 - Situação histórica: Contexto social e cultural

Mileto fazia parte da Jônia, região da parte sudoeste da Anatólia, e a fim de

entender um pouco a situação política e social do local que deu origem a filosofia,

devemos nos deter, mesmo que brevemente, nessas questões.

Na época desses primeiros filósofos jônios, a Grécia se encontrava num estado

de relativa barbárie devido as invasões dórias do século XI a.C., que puseram fim à

antiga ordem micênica10. Porém a Jônia preservou um pouco do espírito dessa antiga

ordem, como pode-se notar nas epopeias de Homero, que pertence a Jônia e cuja

10

COPLESTON, Frederick. Historia de la Filosofia Tomo 1: Grécia e Roma. Tradução de Manuel Sacristan. Madri: Ariel, 1986

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descrição da vida heroica reflete os tempos antigos. Também em Hesíodo, o segundo

grande poeta grego, há uma descrição de uma nobreza que provavelmente se fazia

presente em muitos lugares no mundo grego. Essa nobreza ainda está muito distante

da vida cidadã das polis gregas, “pues entre uma y otra ocurrió la caída del poder de la

aristocracia, caída que posibilitó el libre auge de la vida ciudadana en la Grecia

continental”.11 É exatamente esta queda da aristocracia que possibilita um novo modo

de vida na sociedade grega, é entre a sociedade descrita por Hesíodo e a polis grega

dos tempos de Sócrates que se encontram os primeiros filósofos. Werner Jaeger em

sua obra Paideia mostra o efeito dessa nova ordem nos homens da época; homens

como Thales eram estranhos ao povo, mas chamavam atenção, tinham a liberdade e a

condição de uma vida voltada ao conhecimento.

A tranquila indiferença daqueles investigadores pelas coisas

que aos demais homens pareciam importantes, como o dinheiro, as

honras e até o lar e a família, a sua aparente cegueira com relação a

seus próprios interesses, e a sua indiferença perante as emoções da

praça pública 12

Assim Werner Jaeger os descreve, e essa indiferença em relação aos assuntos

do mundo mostra que tal sociedade permitiu um desenvolvimento crescente da

individualidade. “O pensamento racional atua como material explosivo já neste

primeiro estágio. As mais antigas autoridades perdem o seu valor”13.

E, para além dessa liberdade dada aos cidadãos, a cidade de Mileto foi o

encontro entre o ocidente e o oriente. A prosperidade de Mileto deu a ela o título de

Joia da Jônia. No porto da cidade, embarcações levavam mercadorias para colônias

distribuídas em lugares longínquos no Mar Negro, no Nilo e por todo o Mediterrâneo.

A prosperidade e a ida e vinda de estrangeiros nos portos da cidade levam a

compreender por que os filósofos milésios haviam tomado contato com técnicas e

conhecimentos orientais, tais como astronomia, meteorologia e a geometria.

11

Ibidem, p. [Qual a página?] 12

JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2010, pg 194-196. 13

Ibidem, p. 194.

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A doxografia diz que Tales previu um eclipse do sol14, também mostra alguns

fragmentos meteorológicos atribuídos a Anaximandro e diversas outras informações,

que mostram que esses primeiros filósofos possuíam conhecimentos astronômicos,

meteorológicos e geométricos. Certamente, a matemática já era conhecida no Egito e

também a astronomia conhecida pelos babilônios. Não há razões para negar que esses

filósofos receberam do Egito e da Babilônia tais conhecimentos. O problema se deve

ao caráter científico dessa herança. Os egípcios usavam a matemática para fins

práticos, para medir o solo principalmente. Assim também, os babilônios, que tinham

uma astronomia prática, cujos fins eram divinatórios. Porém, os gregos, ao tomarem

contato com tais conhecimentos, deram a eles um caráter científico, livre do uso

prático, eles deram início ao pensamento teórico.

A discussão a respeito da divida que possui a filosofia grega com o oriente, no

seu status científico, é longa e fatigosa e não esclarece ou acrescenta nada às

discussões acadêmicas15. A respeito disso, o historiador Frederic Copleston diz que:

La teoría del origen oriental se debe sobre todo a los escritores

alejandrinos, de quienes la tomaron los apologistas cristianos. Los

egipcios de la época helenística, por ejemplo, interpretaron sus mitos

conforme a las ideas de la filosofia griega, y después afirmaron que

tales mitos habían dado origen a la filosofía griega.16

Portanto, se a discussão de uma origem oriental da filosofia não convém para

esse trabalho, ao menos as informações acerca do conhecimento que possuíam são

importantes, pois foram esses sujeitos que deram o pontapé inicial do pensamento

filosófico na Grécia, e a observação dos céus e de fenómenos meteorológicos, dentre

14

COPLESTON, Frederick. Historia de la Filosofia Tomo 1: Grécia e Roma. Tradução de Manuel Sacristan. Madri: Ariel, 1986, pg 23. 15

BURNET, John. Early Greek Philosophy. 16

COPLESTON, Frederick. Historia de la Filosofia Tomo 1: Grécia e Roma. Tradução de Manuel Sacristan. Madri: Ariel, 1986. p. 15. Tradução: “A teoria da origem oriental se apoia sobre tudo nos escritos alexandrinos, fonte dos apologistas cristãos. Os egípcios da época helenística, por exemplo, interpretaram seus mitos conforme as idéias da filosofia grega e depois afirmaram que tais mitos haviam dado origem à filosofia grega”.

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outras coisas, apontam para uma insatisfação para explicações de cunho mítico que

era a tônica no mundo antigo.

A obra de Anaximandro foi fruto não apenas de um espírito grande, mas

também de um período de transição no mundo grego, não apenas uma transição

político-social, como mostrado acima, mas uma transição do modo de pensar o mundo

e o homem. Toda a antiga ordem mítica começava a desmoronar; as explicações

acerca da ordem das coisas e dos fenômenos que rodeavam os homens tornaram-se

explicações impessoais. Como nos diz W. K. C. Guthrie:

Para la mente de un hombre prefilosofico, no hay especial

dificultad en dar una explicacion de la naturaleza aparentemente

fortuita de casi todo lo que acontece en el mundo. El es consciente de

que es un ser impulsivo y emotivo, que actua no solo movido por la

razon sino tambien por los deseos, el amor, el odio, el optimismo, los

celos y la venganza. No es natural que trate de explicar el mundo que lo

rodea del mismo modo? 17

Tal seria, portanto, o caráter das grandes narrações míticas da Babilónia, do

Egito e do antigo mundo grego, cujos principais representantes são Homero e

Hesíodo.18 Essas narrações nos contam sobre a criação do mundo e do homem, a

criação do céu e como se deu a ordem entre as coisas. Os agentes por trás de todos

esses fatos agem da mesma forma que um homem, ora racionalmente, ora de maneira

apaixonada. E essa projeção que o homem faz na natureza não é apenas um artifício

para se ver livre das dúvidas e do medo; o domínio da natureza não se distingue do

domínio humano:

17

GUTHRIE, William. A History of Greek Philosophy, Volume 1: The Earlier Presocratics and

Pythagoreans. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 41. Tradução: “Para a mente de um

homem pré filosófico, não há especial dificuldade em dar uma explicação da natureza aparentemente

fortuita de quase tudo o que acontece no mundo. Ele é consciente de que é um ser impulsivo e emotivo,

que atua não só movido pela razão mas também pelos desejos, o amor, o ódio, o otimismo, os zelos e a

vingança. Não é natural que trate de explicar o mundo que ao redor do mesmo modo?”

18 Apesar de que em Homero e principalmente em Hesíodo, já existe algumas antecipações do

pensamento racional. Ver W.Jaeger, Paideia, pg 191 e F. M. Cornford Principium Sapientiae Ch. II

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17

Los antigos, al igual que los salvajes modernos, vieron

siempre al hombre como parte de la sociedade y a ésta como

inmersa em la naturaleza, dependendo de las fuerzas cósmicas.

Para ellos no habia oposicion entre la natureleza y el hombre y,

por lo tanto, no existía la nesecidad de aprehenderlos siguiendo

modos de conocer diferentes.

Os fenômenos naturais eram conhecidos em relação à experiência humana, e

isso é muito evidente nas narrações babilônicas e egípcias. Como dito acima, essas

narrações eram o fundamento da ordem social, e não havia distinção clara entre a

sociedade e a natureza. Um trovão no céu era um aviso, ou um castigo para a

sociedade, uma ventania que destruía toda a plantação era um castigo de um deus

ofendido, e assim a ordem social haveria de providenciar as mudanças necessárias

para aplacar essa divida.

A novidade que ocorreu entre os pensadores milésios foi que não havia mais a

necessidade de explicar tais coisas de maneira mítica, ou seja, com a participação e

intervenção dos deuses, mas sim as explicações acerca da natureza e dos fenômenos

naturais passaram a ser explicações impessoais, sem o afeto ou a fúria de um deus, o

domínio da natureza e o domínio humano se separaram. Esse novo modo de pensar

não mais retira os conteúdos dos mitos e nem de nenhuma tradição, “sino que toma

por punto de partida las realidades dadas em la experiência humana, τὰ ὂντα”.19

Essa novidade no espírito humano deve ser explicada em relação a uma

mudança da ordem social, como foi brevemente mostrado nas linhas acima, esse

enfraquecimento da antiga ordem social não apenas propicia um modo de vida

diverso, mas também dá motivos para o homem analisar os fenômenos naturais como

alheios à experiência humana. Não é o assunto desse trabalho analisar a fundo os

motivos e as mudanças sociais ocorridas do mundo grego, isso é um assunto longo e

complexo.20

19

JAEGER, Werner. La Teología de los Primeros Filósofos Griegos. Tradução de José Gaos. Cidade do México: Fondo de Cultura, 2011.p. 28. Tradução: “...Senão que tomam por ponto de partida as realidades dadas na experiência humana, τὰ ὂντα.” 20

Cf. JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

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18

Um dos principais temas de discussão entre acadêmicos nos dias de hoje é se as

ideias da escola milésia podem ser consideradas como o início do pensamento

cientifico, ou um pensamento pré-científico. Mas, uma coisa é clara: Anaximandro foi o

primeiro metafísico, em sua solução sobre o princípio, a αρχή (arché).

A tradição doxográfica, que se inicia com os textos de Aristóteles e Teofrasto,

diz que esses primeiros filósofos se concentraram, principalmente, no problema da

origem do universo como o conhecemos, e usa a palavra αρχή, para se referir ao

começo, ou à fonte originária, da qual veio o universo. Mas, a melhor maneira de se

traduzir αρχή é usar a palavra princípio.

Provavelmente, o primeiro a usar a palavra princípio foi Anaximandro, ao se

referir ao ápeiron, como princípio de todas as coisas. Antes de Anaximandro, a

tradição diz que o princípio para Tales é a água, mas não há como saber se ele usou a

palavra princípio nesse sentido21.

Foi, na verdade, Aristóteles quem cunhou o sentido mais amplo da palavra

princípio: “Aquilo de que derivam originariamente e em que se dissolvem por último

todos os seres”, e também “uma realidade que permanece idêntica na transformação

de suas afecções.” [É preciso fazer as citações dessas duas passagens em nota de

rodapé; peço que o faça]. O princípio é uma realidade que não se transforma, apesar

do processo gerador de todas as coisas.

É notável, portanto, que o princípio não é só o começo ou a fonte, mas é

também o fim e o sustentáculo de todas as coisas existentes.

A busca pelo princípio nesses primeiros filósofos aconteceu, quando as

explicações míticas começaram a declinar. As cidades da Jônia começavam a mostrar

uma irreligiosidade entre seus cidadãos, e não era algo como vemos nos dias de hoje

com o ateísmo, mas sim era uma espécie de indiferença para com os mitos

tradicionais.

A nova ordem social e a queda paulatina dos mitos exigiam explicações acerca

do mundo para aqueles filósofos. Nada mais natural para eles, do que perguntar de

onde veio e para onde vai tudo aquilo que fazia parte da experiência.

21

REALE, Giovanni. História da Filosofia Grega e Romana volume 1:Pré- Socráticos e Orfismo. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2009.

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19

Capítulo 2

2.1- Aristóteles e o ápeiron

Toda a tradição doxográfica a respeito de Anaximandro tem sua origem nas

passagens dos livros de Aristóteles, principalmente sua Física, e no famoso livro de

Teofrasto Opiniões de Física22. Esses dois filósofos, provavelmente, tiveram contato

com a obra de Anaximandro sobre a natureza das coisas e comentaram, por sua vez, a

respeito do pensamento de seus antecessores, e é de suma importância o estudo

daquilo que eles disseram a respeito dos filósofos anteriores.

O único fragmento de Anaximandro não esclarece os pormenores formais a

respeito de seu princípio, o ápeiron. Esses pormenores foram desenvolvidos pelos pré-

socráticos posteriores; perguntas como: A substância primária exerce uma função

consciente ou não nos elementos? É imanente ou transcendente ao mundo? Qual a

maneira de atuar do princípio gerador, que regula todas as coisas? Ela age por

envolvimento ou por intermediação prévia à própria criação?

Todas essas perguntas ficam sem resposta, se o único material que podemos

analisar é o fragmento original de Anaximandro; e mais, é possível que os primeiros

filósofos não se importaram ou não tinham discernimento necessário para sequer se

perguntar acerca dessas coisas. É certo que Aristóteles já tinha todos os meios para

responder a essas perguntas, e isso gerou uma desconfiança entre os acadêmicos

modernos.

22 Cf. STOKES, Michael. One and Many in Presocratics Philosophy. Washington: Center of Hellenic

Studies, 1971.

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20

Autoridades modernas como Uvo Holscher, J. B. Mcdiarmid e H. F. Cherniss

tecem duras críticas àquilo que seriam interpolações de Aristóteles às doutrinas dos

pré-socráticos, interpolações que serviriam para sustentar sua própria teoria. Porém,

Radim Kocandrle e Dirk L. Couprie dizem, com razão, que: “Of all the authors who

refers to Anaximander, Aristotle was the closest to the Milesian in time and, therefore,

his reports must be considered important.”23 E é necessário ter em mente que, sem o

material de Aristóteles e Teofrasto a respeito dos milésios, nosso conhecimento seria

muito menor, e seria quase impossível deduzir o que seria a contribuição desses

filósofos para o pensamento grego.

A intenção desse capítulo é expor os trechos onde Aristóteles cita, direta ou

indiretamente, à Anaximandro, e tentar expor o significado de tais trechos.

Deixaremos de lado, por ora, o criticismo desenvolvido a respeito desse assunto, que

tanta polêmica gerou nos últimos tempos.

Aristóteles fez várias referências ao ápeiron de Anaximandro, como sendo sua

substância primária. Segundo G. S. Kirk e J. E. Raven, no famoso livro Os filósofos Pré-

Socráticos: “Poucas dúvidas há de que ele tenha interpretado o ápeiron, em

Anaximandro e nos monistas em geral principalmente no sentido de espacialmente

infinito”24. Pelo contrário, Aristóteles, ao que tudo indica, deu ao ápeiron de

Anaximandro um sentido mais abrangente, que apenas um reservatório infinito de

matéria; ele considerou o ápeiron em seus aspectos qualitativos. Isso é evidente em

uma passagem da Física de Aristóteles:

Não há princípio do infinito (...) mas é ele que parece ser o princípio das

outras coisas, e envolve-las e dirigi-las a todas elas, conforme dizem todos os

que não admitem outras causas, como a inteligência ou o amor, acima e além

23 KOCANDRLE, Radim; COUPRIE, Dirk. Apeiron: Anaximander on Generation and Destruction. Cham:

Springer, 2017. p. 19. Tradução: “De todos os autores que se referem à Anaximandro, Aristóteles era o

mais próximo do Milésio no tempo e, portanto, seus escritos devem ser considerados importantes.”

24 KIRK, Geoffrey; RAVEN, John. Os Filósofos Pré-Socráticos. Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. p. 111.

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21

do infinito. E é isto o divino, por ser imortal e indestrutível, como dizem

Anaximandro e a maioria dos fisiólogos25.

Para Aristóteles, o ápeiron de Anaximandro era uma certa qualidade específica,

que se encontrava na intermediação dos elementos constituintes do mundo. Isso é

observado em outra passagem da Física ao se referir aos físicos, que se ocuparam do

problema da natureza: “Todos os que se ocuparam da natureza fazem do infinito

propriedade de uma outra natureza que pertence aos chamados elementos, como a

água ou o ar ou o seu intermediário”26. A menção à água e ao ar é uma evidente

referência a Thales e Anaxímenes, mas ao falar do princípio de Anaximandro, o

ápeiron, Aristóteles usa a palavra intermediário. Essa substância entre dois elementos

é mencionada nove vezes nas obras de Aristóteles, ora ele se refere a ela, estando

entre o fogo e o ar, ora entre a água e o fogo ou entre outras atribuições, que ele dá a

este elemento intermediador. A respeito da função intermediadora que Aristóteles

atribui ao ápeiron, G. S. Kirk afirmou:

The idea of intermediate substances surely arose in the first instance

out of Aristotle's obvious bewilderment at Anaximander's concept of an

originative material qualified only as apeiron (which Aristotle took to mean,

primarily, spatially infinite), and as divine and all-encompassing. Himself

committed to the four simple bodies and to the theory of change as between

opposites, and accepting "the elements" as the key-note of primitive physics,

Aristotle normally assumed that Anaximander must have meant his apeiron to

have some relation to one or more of the stoicheia especially since it evidently

gave rise to the opposites.27

25 Ibidem, p. 110. Todas as citações de Aristóteles foram retiradas do livro de Kirk e Raven Os Filósofos

Pré-Socráticos.

26 Ibidem, p. 104.

27 KIRK, Geoffrey. Some Problems in Anaximander. Cambridge: Classical Quaterly, 1955.Tradução: “A

ideia de substâncias intermediárias, certamente, surgiu, em primeiro lugar, da óbvia perplexidade de

Aristóteles no conceito de um material originário de Anaximandro, qualificado apenas como ápeiron

(que Aristóteles interpretou primariamente como espacialmente infinito) e como divino, e que tudo

circunda. Ele próprio, comprometido com os quatro corpos simples e com a teoria da mudança entre os

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22

Teofrasto o discípulo de Aristóteles, por sua vez, não menciona nenhum papel

intermediador ao ápeiron, ou melhor, nenhuma função qualitativa à respeito dele. No

fragmento de Simplício o ápeiron é referido apenas em sua propriedade espacial, e o

termo que se usa é infinito: “disse que o princípio e elemento das coisas que existem

era o ápeiron (indefinido, ou infinito) tendo sido ele o primeiro a usar este nome do

princípio material”28.

Não é certo se o próprio Anaximandro atribuiu ao ápeiron algum sentido

qualitativo, ou se ele se referiu apenas ao espacialmente infinito.29 Kirk e Raven aponta

que: “Podemos legitimamente pôr em dúvida, se o conceito de infinidade fora

apreendido antes dos debates sobre a extensão contínua e a divisibilidade contínua

terem sido levantados por a Melisso e Zenão”.30

Anaximandro certamente supôs que o ápeiron, a substância originadora, era

espacialmente indefinida, mas há razões para acreditar que ele tenha se referido à

uma expressão formal, ao dizer que o ápeiron circundava todas as coisas, ou seja, o

ápeiron não era apenas um princípio passivo, mas um princípio que determinava os

atributos das coisas do mundo.

Porém, um fato colabora para interpretações contrárias à este aspecto

qualitativo do ápeiron. Não é possível citar nenhum uso antigo dessa palavra em outro

sentido que não seja espacialmente indefinido, e isso pode-se notar no sentido que

Homero dá à palavra.31

princípios contrários, e aceitando “os elementos” como a chave-mestra da física primitiva, geralmente,

assumiu que Anaximandro deve ter significado que seu ápeiron tinha alguma relação com um ou mais

dos stoicheia, especialmente pelo fato deste ter dado nascimento aos opostos.”

28KIRK, Geoffrey; RAVEN, John. Os Filósofos Pré-Socráticos. Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. p. 102.

29 STOKES, Michael. One and Many in Presocratics Philosophy. Washington: Center of Hellenic Studies,

1971.

30 KIRK, Geoffrey; RAVEN, John. Os Filósofos Pré-Socráticos. Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. p. 105.

31 Ibidem, p. 106. Em Homero, não há qualquer atribuição qualitativa ao ápeiron, mas ele é

simplesmente o espacialmente infinito.

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23

Aristóteles, por sua vez, deu ao ápeiron de Anaximandro uma característica

qualitativa, ao dizer que esse era uma substância intermediária entre os demais

elementos. No referido trecho de sua Física, Aristóteles declarou que todos os físicos

que consideraram a substância primeira deram uma descrição específica do ápeiron.

Isso indica, claramente, que ele considera que Anaximandro se referiu a uma

substância intermediária, qualitativamente ativa, e não apenas a uma substância

quantitativamente indefinida. Há apenas um trecho de sua Física que contradiz isso:

Dois tipos de explicação são dados pelos físicos. Os que fizeram do

corpo subsistente uma unidade, que é um dos três elementos ou um outro que

é mais denso do que o fogo e mais sutil do que o ar, geram o resto por

condensação e rarefação, fazendo assim uma pluralidade dos seres (...) Mas os

outros dizem que os contrários se separam do Uno, estando presentes nele,

como dizem Anaximandro e todos os que admitem a unidade e a

multiplicidade, como Empédocles e Anaxágoras; pois estes também separam

todo o resto da mistura.32

Nesse trecho, fica claro que Aristóteles coloca Anaximandro numa posição

contrária ao ápeiron como substância puramente intermediadora. Para Kirk e Raven,

isso é resolvido da seguinte maneira: “A minha opinião é, por conseguinte, que

Aristóteles, embaraçado quanto à natureza do ápeiron de Anaximandro, pensou que,

não sendo um elemento, devia ser ou um intermediário ou uma mistura.”33 Assim,

Aristóteles deve ter pensado na arché infinita de Anaximandro, como tendo alguma

relação explícita com os elementos. Ou essa substância era intermediária entre dois ou

mais elementos, ou ela era uma mistura de todos os elementos juntos.

32 Ibidem, p. 106.

33 Ibidem, p. 106.

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24

2.2- O ápeiron como substância originadora

Vimos, anteriormente, que os acadêmicos modernos apontam para possíveis

contradições nas atribuições que Aristóteles dá ao ápeiron de Anaximandro em relação

ao caráter qualitativo. Também surgem dúvidas a respeito da função originadora do

ápeiron, pois, em dois trechos de sua Física, essa função é explicitada de dois modos

diversos.

Porém, antes de dar sequência, é necessário esclarecer um pormenor. A

atribuição do ápeiron, como sendo a arché de todas as coisas, foi posta em dúvida,

principalmente, por Burnet, e esse tipo de polêmica levou à afirmação, de que o

conceito de arché é originalmente aristotélico, o que não se encontra nos milésios.

Essa atribuição é falsa, como mostra Werner Jaeger num trecho ácido da Teologia dos

Primeiros Filósofos:

Su ápeiron es, según las palavras de su único fragmento(conservado

em la forma de una cita indirecta), aquello de lo que brota toda cosa y a lo que

toda cosa retorna. Es, pues, el princípio y el fin de todo lo que existe. ¿Será

realmente necesária la lógica aristotélica para descubrir que semejante Ser,

que no tiene ni principio ni fin, es de suyo el princípio y el fin de todo?34

Vamos começar pela primeira citação de Aristóteles na Física, que diz respeito à

substância originadora:

“Contudo nem o corpo infinito pode ser uno e simples, quer ele seja,

como afirmam alguns, aquilo que existe à margem dos elementos, e donde os

fazem sair, quer ele seja expresso simplesmente. Pois, alguns há que fazem

34 JAEGER, Werner. La Teología de los Primeros Filósofos Griegos. Tradução de José Gaos. Cidade do

México: Fondo de Cultura, 2011. p. 32. Tradução: “Seu ápeiron é, segundo as palavras de seu único

fragmento (conservado na forma de citação indireta), aquilo de que brota todas as coisas e ao qual

retorna todas as coisas. É, portanto, o princípio e o fim de tudo o que existe. Será realmente necessária

a lógica aristotélica para descobrir que semelhante Ser, que não tem princípio nem fim, é ela mesma

princípio e fim de tudo?”

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25

infinito o que existe fora dos elementos, e não o ar ou a água, por forma, a que

o resto não seja destruído pela substância infinita destes; é que os elementos

opõem-se uma aos outros (por exemplo, o ar é frio, a água úmida, e o fogo é

quente), e se um desses fosse infinito, o resto já teria sido destruído. Mas,

nestas condições, eles dizem que o infinito é diferente desses elementos e que

esses provêm dele.”35

A razão de ser a substância indefinida, no trecho acima, é que: “Se fosse

identificada com um constituinte específico do mundo, havia de dominar os outros

constituintes do mundo e nunca deixaria que eles se desenvolvessem”36. Portanto, o

ápeiron como arché, ou o indefinido como substância originadora, deveria ser algo

alheio aos elementos, não poderia se identificar a nenhum deles. Se fosse a água,

como poderia vir a existir o fogo? O fogo é contrário à água e, num estágio original de

formação, onde tudo fosse água, como poderia o fogo vir a ser? Ele não seria

totalmente destruído pela água?

É notável que Aristóteles tinha Anaximandro em mente no trecho citado. Ele

diz que o infinito é diferente dos outros elementos e que esses provêm dele. Para ele,

o ápeiron não poderia ser uma substância originadora específica, mas havia de ser

indefinida, para que pudesse existir os outros elementos. Os melhores expositores

antigos, como Aécio e Simplício seguem Aristóteles nesse argumento.

Por outro lado, em um outro trecho da Física de Aristóteles o indefinido:

“garante que a geração no mundo não há de deixar de se verificar por falta de

matéria”.37 Segue o referido trecho da Física:

A crença na existência do infinito resultaria, na maioria dos casos,

para os que consideram o assunto, de cinco fatores (...) Ademais, porque só

assim a geração e a destruição não deixariam de se verificar, se houvesse uma

fonte infinita de que provém o que é gerado”38.

35 KIRK, Geoffrey; RAVEN, John. Op. Cit. p. 108.

36 Ibidem, p. 109.

37Ibidem, p. 110.

38 Ibidem, p. 108.

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26

Para Harold Cherniss, o trecho acima é o verdadeiro motivo de Anaximandro. A

função do ápeiron seria a de prover uma quantidade infinita de matéria, já que haveria

um desperdício de matéria específica no mundo. O ápeiron seria uma espécie de

reservatório infinito de matéria indefinida, que permite que nenhum dos elementos

seja destruído ou reduzido por outros elementos contrários; o ápeiron é concebido

apenas em seu caráter quantitativo.

Porém, Aristóteles, apesar da citação anterior, mostra seu caráter falaz. Ele

deixa claro em um outro trecho de sua Física, que a destruição de uma coisa pode ser

a geração de outra, e, assim, o ápeiron não precisa repor infinitamente o material

oriundo do desperdício, mas sim, todo o material já está disponível na criação, que

apenas será transformado através da destruição de uns, e criação de outros: “Nem,

para que a geração não deixe de se verificar, é necessário a um corpo perceptível ser

efetivamente infinito; pois é possível que, sendo limitado o total das coisas, a

destruição de um seja a geração da outra”39.

O próprio Anaximandro expressa que a transformação física não mostra

desperdício, pois uma substância oposta à outra se vinga pelos abusos cometidos:

Não há desperdício: as substâncias opostas vingam-se umas das

outras pelos seus abusos, e contanto que o equilíbrio seja mantido, toda a

transformação no mundo desenvolvido realiza-se entre a mesma quantidade

original de substâncias separadas e contrárias.40

Aqui, o ápeiron é explicitado numa função qualitativa. Ele é o árbitro da

mudança; é ele quem propicia um equilíbrio compreensivo entre as substâncias

opostas. O ápeiron propicia justiça, tem a função de governar, de dirigir todas as

coisas, e não é apenas um infinito reservatório de matéria, mas um juiz que determina

o equilíbrio entre os elementos do mundo.

Aristóteles se reporta a Anaximandro num outro trecho da Física, onde ele

mostra a função de governador do princípio infinito:

39 Ibidem, p. 110.

40 Ibidem, p. 110.

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27

Não há princípio do infinito (...) mas é ele que parece ser princípio das

outras coisas, e envolve-las e dirigi-las a todas elas, conforme dizem todos os

que não admitem outras causas, como a inteligência ou o amor, acima e além

do infinito. E é isto o divino, por ser imortal e indestrutível, como dizem

Anaximandro e a maioria dos fisiólogos.41

Esse trecho explicita que o ápeiron não é apenas um começo, mas ele circunda

e dirige todas as coisas. A circunscrição é confirmada por Hipólito: “Esta natureza é

eterna e não envelhece, e também circunda todos os mundos”.

Já a segunda afirmação sobre o ápeiron, que diz que ele tudo dirige, nos

apresenta um problema. E entre várias soluções para o problema, há duas mais

prováveis, para o caso de Anaximandro42. Essa direção (κυβερνάω) ou governo, que o

ápeiron exerce sobre o mundo, ou é ainda ativo, depois do período criador, ou esse

governo sobre as coisas aconteceu: “por intermédio da iniciação prévia do mundo por

forma a estabelecer uma regra ou lei contínua de mudança”43

Esse tipo de pergunta é típico no contexto de Aristóteles, pois tal pergunta se

reporta às quatro causas e é difícil responder se, no tempo de Anaximandro, a filosofia

já se encontrava em condições, para colocar tais perguntas. Fato é que Aristóteles

atribui ao ápeiron de Anaximandro uma função divina, pois o ápeiron tudo contém e

tudo dirigi.44

Seguindo as palavras de Aristóteles, é muito provável que Anaximandro tenha

pensado num princípio divino45, pois a esse princípio ele aplicou os principais atributos

dos deuses homéricos antes de seu tempo, que é o poder infinito e a imortalidade.

Conforme a atribuição de Aristóteles, Werner Jaeger considera que Anaximandro foi o

primeiro a aplicar o conceito de divino ao princípio dos seres: “Hasta donde he podido

41 Ibidem, p. 111.

42 Ibidem, p. 112. 43 Ibidem, p. 112.

44 JAEGER, Werner. La Teología de los Primeros Filósofos Griegos. Tradução de José Gaos. Cidade do

México: Fondo de Cultura, 2011.

45 Ibidem, isso é confirmado por Jaeger.

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28

ver la documentacion existente, el concepto de lo Divino como tal no aparece antes de

Anaximandro”.46

46 Ibidem, em oposição à Vlastos: ''There is no good evidence that either Anaximander or Anaxagoras

called their cosmogonic principle 'god' or even 'divine'." G. Vlastos, "Theology and Philosophy in Early

Greek Thought," PQ, 2 (1952), 92-132. Tradução: “Até onde pude ver a documentação existente, o

conceito de Divino como tal não aparece antes de Anaximandro”.

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29

Capítulo 3

3.1- Algumas interpretações modernas acerca de Anaximandro

A importância de Aristóteles ficou evidente no capítulo anterior. Graças ao seu

trabalho de historiador e intérprete, e também graças aos comentadores posteriores

de sua obra, temos uma noção muito maior, do que era a filosofia pré-socrática, e sem

essa contribuição, seria muito difícil entender esses primeiros filósofos.

Apesar disso, no século XX, houve diversas disputas acadêmicas em torno

daquilo que seria um interpretação tendenciosa de Aristóteles, e boa parte dos artigos

e livros publicados a respeito do assunto no século XX se caracterizou por uma espécie

de revisionismo ou ruptura total com a interpretação aristotélica acerca dos pré-

socráticos, e, em especial, acerca de Anaximandro.

Werner Jaeger e George Burch são dois exemplos de autores que seguem a

autoridade de Aristóteles, e ambos os autores escreveram livros importantes no século

XX, clareando muitos pontos obscuros à respeito daquilo que Aristóteles disse sobre

Anaximandro. Ambos apresentam suas interpretações à luz dos comentários de

Aristóteles, e não parecem levantar problemas quanto a possíveis interpolações

tendenciosas dos peripatéticos; para estes, a autoridade de Aristóteles e Teofrasto

assegura uma interpretação confiável dos filósofos que os precederam.

Harold Cherniss é diametralmente oposto aos dois primeiros, pois toda sua

exposição se pauta numa critica à Aristóteles e aos peripatéticos em geral, e esse autor

foi responsável por grande parte das polêmicas acadêmicas envolvendo a

interpretaçãoaristotélica dos pré-socráticos.

Francis M. Cornford é outro autor que trouxe muita coisa nova e interessante a

respeito do ápeiron e sobre o sistema de Anaximandro. A sua interpretação é muito

diferente de todos os outros acadêmicos de sua época, mas, apesar dessa diferença de

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30

abordagem, Cornford trouxe questões muito apropriadas para os estudos futuros

sobre Anaximandro e os pré-socráticos em geral.

3.2- Werner Jaeger e George Burch

Em 1947, Werner Jaeger publicou o livro The Theology of the Early Greek

Philosophers, onde o segundo capítulo é dedicado à Anaximandro. De maneira geral,

nesse livro, Jaeger parece não concordar com algumas polêmicas em voga na época,

que questionavam as autoridades contidas na doxografia. Talvez, uma das mais

famosas dessas discussões gire em torno da seguinte questão: teria Anaximandro

usado o termo arché? Afinal, trata-se de um termo aristotélico. Foi John Burnet quem

primeiro levantou esse problema. Segundo ele, Anaximandro não poderia ter usado

esse termo, por se tratar de um anacronismo. A palavra foi cunhada por Aristóteles e

usada depois por Teofrasto e pelos comentadores de Aristóteles.

Werner Jaeger responde de maneira clara e não vê nenhum problema se de

fato a palavra for originalmente aristotélica:

Teofrasto atribuye expressamente la primera aparicion de la palavra

arché a Anaximandro. Pero esta afirmacion no implica que Anaximandro

empleara la palabra arché em el sentido de Aristóteles y Teofrasto en mayor

grado de lo que la afirmacion paralela de Eudemo, de que la palabra

“elemento” (stoicheion) aparece por primera vez dentro de um pasaje filosófico

em Platón, significa que Platón empleó esta palabra em el sentido

aristotélico.47

47 JAEGER, Werner. Op. Cit. p. 33. Tradução: “...Teofrasto expressamente atribui que a primeira aparição

da palavra arché foi feita por Anaximandro. Mas essa afirmação não implica que Anaximandro usou a

palavra arché no sentido de Aristóteles e Teofrasto em do mesmo modo que a afirmação paralela de

Eudemo, de que a palavra “elemento” (stoicheion) aparece pela primeira vez dentro de uma passagem

filosófica em Platão, significa que Platão usou essa palavra no sentido aristotélico”.

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31

Um segundo ponto levantado por Jaeger, ao contrário do que falamos no

capítulo anterior, é que o ápeiron de Anaximandro era o reservatório infinito ou

estoque de onde todo o vir-a-ser se nutria, mas não aquilo que é qualitativamente

indeterminado. Para isso, ele se apoia no comentário à Física feito por Simplício, cujo

conteúdo não evidencia nenhuma característica qualitativa ao ápeiron e, nesse ponto,

ele concorda com Burnet. Segundo Jaeger:

Los mejores expositores antigos siguen a Aristóteles ao tomar esta

palabra de muchos sentidos en el del infinito e inegotable deposito o stock de

que se nutre todo Debenir, no lo que es cualitativamente indeterminado, como

han interpretado ciertos escritores modernos. Es um hecho que la palabra

apeiron indica inequivocamente la ilimitacion como verdadero sentido de este

concepto. Tal es la forma em que lo a explicado Burnet.48

Além disso, para Jaeger, Anaximandro é o primeiro a chamar o princípio dos

seres de divino, já que ele é eterno, sem nascimento e imortal, e, além disso, envolve e

governa todas as coisas. Jaeger explica que tal concepção do divino já estava presente

em um conhecido verso órfico: “Zeus é princípio, meio e fim”49. O escritor órfico já

estava influenciado pelo pensamento filosófico, o que não é evidente de nenhuma

forma em Hesíodo, cuja narração dos deuses ainda está vinculada às antigas

genealogias dos deuses. Jaeger diz: “Para nosostros es importante ver como el

concepto de um ente que carece del principio y de fin, y por tanto es de suyo principio y

fin, se conecta com la idea del supremo entre los dioses.”50.

48 JAEGER, Werner. Op. Cit. p. 34. Tradução: “Os melhores expositores antigos seguem Aristóteles ao

tomar a palavra em muitos sentidos, como infinito e inesgotável depósito ou estoque de que se nutre

todo o Devir, não o que é qualitativamente indeterminado, como interpretaram certos escritores. Fato é

que a palavra ápeiron indica, inequivocadamente, a ilimitação como verdadeiro sentido do conceito. Tal

é a forma que se dá a explicação de Burnet.”

49 Ibidem, p. 34.

50 Ibidem, p. 35. Tradução: “Para nós é importante ver como o conceito de um ente que carece de

princípio e de fim, e portanto é ele princípio e fim de si mesmo, se conecta com a idéia do ser supremo

entre os deuses.”

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32

E as penas pagas pela injustiça e pelo desequilíbrio não são pagas ao ápeiron,

mas são pagas, segundo Jaeger, entre os elementos. Isso vai contra o que Nietzche e

Rodhe haviam dito, mas John Burnett parece concordar com isso também.

Dois anos depois de Jaeger publicar seu livro, George Burch publicou um artigo

chamado Anaximander, the First Metaphysician. Concordando com Jaeger, Burch diz

que de fato Anaximandro foi o primeiro a introduzir o conceito de Deus na filosofia, e

isso pode ser considerado o começo da metafísica na história da filosofia.51

O fato de Deus ser o indefinido, ou o ápeiron, não é apenas uma referência ao

espacialmente infinito, mas também, ao qualitativamente indefinido, ele não é

nenhuma coisa que podemos identificar no mundo, ele é tanto a origem, quanto o

término do universo, todas as coisas provém dele e voltam para ele. Aquilo que emana

dele são os opostos, e não é uma emanação de uma coisa, mas uma emanação de uma

não-coisa, ou seja, não é um processo físico, mas sim um processo metafísico. Ao

contrário do que alguns filósofos disseram,52 o Deus único de Anaximandro não precisa

recolher o material de sua ordenação do caos, pelo contrário, não há nada antes dele,

ele é a causa única das coisas criadas e o fim para o qual toda a criação retorna.

Nos comentário à Física de Aristóteles, ao que parece ser uma frase atribuída à

Teofrasto, Simplício diz que: “não é nem água nem qualquer outro dos chamados

elementos, mas uma outra natureza ápeiron, de que provêm todos os céus e os

mundos neles contidos”53. Essa passagem parece sugerir inumeráveis mundos.

Para Burch, essa passagem é interpretada levando em conta que o ápeiron cria

e destrói tudo, e esse ciclo de criação-destruição sugere uma série infinita de mundos.

Para Jaeger, além dessa sucessão infinita de mundos vindo a ser e se destruindo é

também entendido como a existência simultânea no tempo de mundos e céus

infinitos. Parece que Burch não levou isso em conta e interpretou essa infinidade de

mundos apenas como esse processo cíclico de criação e destruição.

51 SWEENEY, Leo. Infinite in the Presocratics: A Bibliographical and Philosophycal Study. Haia: Martinus

Nijhoff, 1972. p. 6-7. 52 O demiurgo de Platão vem imediatamente à mente, pois ele ordena as coisas a partir de um depósito

de matéria informe

53 KIRK, Geoffrey; RAVEN, John. Op. Cit. p. 109.

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3.3- O criticismo de Cherniss e Francis Cornford

Talvez, o melhor representante da crítica feita à Aristóteles seja Harold

Cherniss, cujo famoso livro Aristotle's criticism of presocratic philosophy tece duras

críticas, ao que seriam interpolações tendenciosas de Aristóteles na filosofia dos pré-

socráticos, com o intuito de servir de apoio ao seu próprio sistema filosófico. Ao

realizar uma história da filosofia e ao comentar as doutrinas dos primeiros filósofos,

tudo o que Aristóteles estaria fazendo seria mostrar que seu sistema filosófico é o mais

perfeito e estaria acima de seus predecessores.

Harold Cherniss declara logo no início de seu livro: “...it has long been vaguely

recognized that Aristotle was capable of setting down something other than the

objective truth when he had occasion to write about his predecessors.”54

Num artigo publicado em 195155, em resposta à Werner Jaeger, Harold

Cherniss declara que não há nenhuma razão para considerar o ápeiron de

Anaximandro como divino. Para ele, não há qualquer menção de um princípio

consciente ou pessoal, e se ele envolve e dirige todas as coisas, ele não

necessariamente o faz de maneira voluntária. Um dos principais argumentos de

Cherniss é que não há por que dizer que uma substância indefinida dá origem a outras

substâncias definidas, já que a distinção de substância e qualidade ou a noção de

alteração qualitativa não estava ainda desenvolvida entre esses primeiros filósofos.

Ainda mais, nem a arché no sentido aristotélico de princípio foi usada pelos

milésios. Para Cherniss, o emprego da palavra arché, usado por Teofrasto, se justifica

pelo fato de que este quis dar ao ápeiron as propriedades da matéria prima dos

peripatéticos. Cherniss quer provar que é um anacronismo dizer que Anaximandro

usou a palavra arché nesse sentido.

54 CHERNISS, Harold. Aristotle’s Criticism of Presocratic Philosophy. Baltimore: The John Hopkins Press,

1935. p. 1. Tradução: há muito tempo se reconhece que Aristóteles era capaz de estabelecer algo

diferente do objetivo da verdade quando ele tinha ocasião de escrever sobre seus predecessores. 55 CHERNISS, Harold. The Characteristics and Effects of Presocratic Philosophy,, JHl, 12 (1951).

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Além disso, Cherniss nega que o ápeiron de Anaximandro esteja relacionado de

alguma forma ao caos de Hesíodo. Pelo contrário, ele diz que o ápeiron é uma

extensão ilimitada, de ingredientes indiscerníveis, que estão completamente

misturados, mas, quando segregados da mistura, são reconhecíveis. Para Cherniss:

that limitlessness or infinity exhausts its nature but that it is unlimited

without restriction, unlimited in every sense of the Greek word, in extent, in

multitude, and in kind, in short not that it is potentially everything being

actually nothing but infinity, as the Peripatetic interpretation would have it, but

that it is everything in actuality.56

Enfim, para Cherniss toda a atribuição que Jaeger e Bucher dá à Anaximandro,

como sendo um teólogo, não é verdadeira. Anaximandro está muito mais próximo de

um cosmologista por querer entender a natureza.

Outro grande acadêmico cujas perguntas e investigações são completamente

diversas da de Jaeger e Chernnis é Francis M. Cornford. Em sua abordagem dos

problemas filosóficos, ele apresenta uma influência da antropologia, e em especial das

teorias evolucionistas muito em voga em sua época. Todo o panorama metafísico que

caracteriza os estudos de Jaeger e Burch parecem ceder espaço para uma

interpretação mais naturalista, mais pautada nas técnicas disponíveis aos primeiros

filósofos e no ambiente sócio-cultural da época. Isso é evidenciado em sua

obra Principium Sapientiae, onde ele se pergunta se os filósofos milésios usaram

métodos de observação de fatos ou experiências para elaborar suas teorias filosóficas,

ou seriam suas estruturas a priori baseadas nos relatos míticos de Hesíodo ou dos

mitos de povos mais velhos e antigos que os gregos?

Para responder especificamente ao sistema de Anaximandro, Cornford diz que:

“…esse era um esquema de cosmogonia já fornecido por Hesíodo e outras

56 CHERNISS, Harold. Op. Cit. p. 324-325. Tradução: “Essa infinitude ou infinito esgota sua natureza, mas é ilimitado sem restrições, ilimitado em todos os sentidos da palavra grega, em extensão, em acumulação e em espécie, em suma, não aquilo que é potencialmente tudo e atualmente nada, como aos peripatéticos interpretaram, mas aquilo que é tudo em atualidade”.

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cosmogonias poéticas. Ele deu o ultimo passo no processo de racionalização, despindo

o esquema dos últimos traços de imaginação poética.”57.

A respeito do ápeiron Cornford diz que ele é o estado inicial, e, portanto, a

arché de todas as coisas, uma fusão primitiva, e como disseram tantos outros, que os

elementos provém dessa massa indistinta da qual não permite a diferenciação de

nenhum elemento em particular. Ainda mais, segundo Cornford, não é necessário que

esse reservatório seja infinito, pois quando um mundo é destruído, sua matéria

retorna ao ápeiron para formar outros mundos, de forma que ele se alimenta das

próprias criações, não sendo necessário criar nova quantidades de material.58

Apesar de ser imenso em sua massa, não sendo necessariamente infinito,

apresenta um formato de esfera, que tudo envolve e tudo governa, e por isso não tem

limites, pois não há nada além dele para lhe impor limites, e assim se opõe às coisas

criadas por serem limitadas entre si e por serem limitadas pelo próprio ápeiron.

Cornford por último contraria Aristóteles ao dizer que os contrários não são

qualidades, mas sim coisas.

Quanto à divindade do áperion, Cornford diz que ele é divino por causa de seus

atributos, e ainda diz que ele é vivo e eterno. Por governar e envolver todas as coisas,

ele deve apresentar um grau de consciência, e, por essa razão, a “coisa” indeterminada

de Anaximandro deve ter antecipado o princípio racional de Anaxágoras.

Por fim, Cornford justifica a passagem, onde Anaximandro fala da justiça no

mundo, dizendo que é muito provável que Anaximandro tenha retirado isso da

observação das estações do ano, onde o inverno dá lugar à primavera e assim

sucessivamente numa sequência cíclica. Num todo esse ciclo mantém o equilíbrio e,

assim, as estações não se impõe umas sobre as outras.59

57 CORNFORD, Francis. Principium Sapientiae. Tradução de Maria Manuela Rocheta dos Santos. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.

58 Ibidem. p. 173.

59 Ibidem. p. 171.

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