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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA RELATÓRIO DE ESTÁGIO E MONOGRAFIA MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS HELENA ISABEL COELHO LIMA 2016

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

RELATÓRIO DE ESTÁGIO E

MONOGRAFIA

MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS

HELENA ISABEL COELHO LIMA

2016

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

RELATÓRIO DE ESTÁGIO

MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS

ORIENTAÇÃO: DOUTORA MARGARIDA CAROCHO

HELENA ISABEL COELHO LIMA

2016

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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RESUMO

O presente relatório de estágio descreve as actividades desenvolvidas durante o

estágio curricular em Análises Clínicas, realizado no Laboratório SOERAD, em Torres

Vedras, nas áreas de Bioquímica Clínica, Hematologia, Imunologia e Gasimetria.

Durante o período de estágio, que teve duração de seis meses, desenvolvi uma

série de aptidões que incluem aptidões interpretativas, através da análise e resolução de

casos clínicos, aptidões sociais a partir do contacto directo com os utentes e com as

técnicas superiores que muito me ajudaram e que sempre se mostraram disponíveis para

esclarecerem as minhas dúvidas, e aptidões técnicas através do manuseio dos aparelhos

automáticos e da realização de procedimentos das técnicas manuais.

Na área da Bioquímica Clínica tive a oportunidade de proceder à determinação

de vários parâmetros químicos, em amostras de plasma, soro, urina, e outros líquidos

biológicos, com recurso ao aparelho automático RX Daytona e à realização de técnicas

manuais, nomeadamente a pesquisa de sangue oculto nas fezes.

Na área da Hematologia realizei o estudo dos vários componentes constituintes

do sangue, da coagulação, e da velocidade de sedimentação eritrocitária, com recurso

aos aparelhos automáticos Sysmex XT-1800i, Sysmex CA-500 e Sediplus S2000,

respectivamente, e aperfeiçoei técnicas manuais como são exemplos a coloração das

lâminas dos esfregaços sanguíneos, o teste de imumofenotipagem sanguínea do sistema

ABO e Rh, e a contagem dos reticulócitos.

Na área de Imunologia procedi à determinação automática dos parâmetros CK-

MB e Troponina I, e à realização de técnicas manuais, nomeadamente VDRL-RPR,

Monoteste, pesquisa de canabinóides na urina, e o teste imunológico da gravidez.

Por fim na área da gasimetria estudei a avaliação do pH e dos gases do sangue

arterial, através da determinação do pH, da concentração do ião bicarbonato, da pressão

parcial de dióxido de carbono, do excesso de bases, da pressão parcial de oxigénio, da

saturação do oxigénio, e da concentração das várias fracções de hemoglobina, pelo

aparelho automático Rapidpoint 400.

Durante o presente estágio também foram observadas as fases pré e pós-analítica

através da assistência de colheitas de amostras biológicas no posto de colheitas Doutora

Isabel Tinoco, e através da visualização, validação e interpretação de boletins de

resultados.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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ABSTRACT

The present internship report describe the activities developed during the

traineeship in Clinical Analysis, that was developed in SOERAD Laboratory, in Torres

Vedras, on the areas of Clinical Biochemistry, Hematology, Immunology and

Gasometry.

During the traineeship, which lasted six months, I developed several skills,

which include interpretative skills, by analyzing and solving clinical cases, social skills

through the direct contact with the patients and with the clinical technicians that help me

a lot and always answer to my questions, and technical skills by handling the auto-

analyzers and by performing manual procedures.

In the Clinical Biochemistry area I had the opportunity to make the

determination of several parameters on plasma, serum, urine and other fluids, using the

RX Daytona auto-analyzer and performing manual procedures as the fecal occult blood

test.

In the Hematology area I accomplished the study of several components of the

blood, the study of coagulation and the study of erythrocyte sedimentation rate, using

the Sysmex XT-1800i, Sysmex CA-500, and Sediplus S-2000 auto-analyzers,

respectively, and I improved some manual procedures like staining of slides of blood

smears, the immunophenotyping test ABO and Rh system, and the reticulocytes count.

In the Immunology area I preceded the automatic determination of CK-MB and

Troponin I, using the auto-analyzer Mini-Vidas, and I perform manual procedures that

include VDRL-RPR test, Monotest, screen test of cannabinoids in urine and the immune

pregnancy test in urine.

Finally in the gasometry area I studied the evaluation of pH and gases on the

arterial blood, trough determination of pH, concentration of bicarbonate ion, carbon

dioxide partial pressure, base excess, oxygen partial pressure, oxygen saturation, and

concentration of the hemoglobin fractions, in the Rapidpoint 400 auto-analyzer.

During the traineeship, the pre and pos-analytical phase were also observed by

watching biological samples crops, in the crops post Isabel Tinoco Doctor, and by

visualization, validation and interpretation of results sheets.

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ÍNDICE

Introdução e Descrição do local de estágio……………………………………………….. 7

1. Fase pré-analítica………………………………………………………………………. 9

1.1. Colheita de amostras biológicas………………………………………………….. 10

1.2.Triagem…………………………………………………………………………… 15

2. Fase analítica…………………………………………………………………………… 17

2.1. Bioquímica Clínica……………………………………………………………….. 18

2.1.1. Técnicas automatizadas……………………………………………………… 18

2.1.1.1. Fundamentação teórica dos métodos utilizados pelo aparelho RX

Daytona…………………………………………………………………………………… 19

2.1.1.2. Valores de sensibilidade e linearidade dos métodos utilizados na

determinação de cada parâmetro………………………………………………………….. 28

2.1.1.3. Importância biológica da determinação dos diferentes parâmetros

bioquímicos……………………………………………………………………….............. 31

2.1.1.4. Análise sumária urina II…………………………………………............. 59

2.1.2. Técnica manual……………………………………………………………… 79

Pesquisa de sangue oculto nas fezes……………………………………………... 79

2.2. Hematologia……………………………………………………………………… 80

2.2.1. Técnicas automatizadas……………………………………………………… 80

2.2.1.1. Estudo dos elementos figurados do sangue……………………………… 80

2.2.1.2. Descrição dos métodos utilizados pelo aparelho automático Sysmex

XT-1800i………………………………………………………………………………….. 81

2.2.1.3. Índices eritrocitários……………………………………………………... 84

2.2.1.4. Alterações da linhagem eritrocitária…………………………………….. 86

2.2.1.5. Alterações da linhagem leucocitária…………………………………….. 91

2.2.1.6. Alterações da linhagem megacariocítica………………………………… 100

2.2.1.7. Estudo da coagulação……………………………………………............. 104

2.2.1.8. Determinação da velocidade de sedimentação eritrocitária……………... 109

2.2.2. Técnicas manuais……………………………………………………………. 112

Realização de esfregaços de sangue periférico e Coloração de May-Grünwald-

Giemsa…………………………………………………………………………………….. 112

Contagem manual de reticulócitos………………………………………….......... 113

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Determinação do grupo sanguíneo – Sistemas ABO e Rhesus…………………... 114

2.3. Imunologia……………………………………………………………………….. 118

2.3.1. Técnicas automatizadas…………………………………………………........ 118

2.3.1.1. Significado clínico do CK-MB………………………………………….. 119

2.3.1.2. Significado clínico da Troponina I………………………………………. 120

2.3.2. Técnicas manuais……………………………………………………………. 122

Monoteste……………………………………………………………………........ 121

VDRL (Veneral Disease Research Laboratory) – RPR (Rapid Plasma

Reagin)……………………………………………………………………………………. 121

Diagnóstico imunológico da gravidez (DIG)…………………………………….. 123

Pesquisa de canabinóides na urina……………………………………………….. 124

2.4. Gasimetria……………………………………………………………………....... 127

3. Controlo de qualidade…..……………………………………………………………… 139

3.1. Controlo de qualidade interno..……………………………………………........... 139

3.2. Avaliação externa da qualidade…..………………………………………………. 143

4. Fase pós-analítica……………….…………………………………………………........ 145

5. Conclusão………………………………………………………………………………. 147

6. Bibliografia…………………………………………………………………….............. 148

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INTRODUÇÃO E DESCRIÇÃO DO LOCAL DE ESTÁGIO

Nos últimos anos, o laboratório de análises clínicas tem desempenhado um papel

cada vez mais importante no diagnóstico e monitorização de patologias, na avaliação de

factores de risco, no controlo de pandemias, epidemias e bioterrorismo, e no controlo

dos efeitos ambientais na saúde pública.

A aposta na educação e formação de pessoal qualificado torna-se, assim,

fundamental para a obtenção de resultados de qualidade, em tempo útil e em condições

económicas e financeiras razoáveis. Neste âmbito, o mestrado em Análises Clínicas

proporciona uma sólida formação, teórica e prática na realização e validação de técnicas

laboratoriais aplicadas à prevenção, diagnóstico e monitorização de doenças.

Este curso é composto por três semestres de formação teórica, através da

assistência de aulas teóricas e laboratoriais, e por um semestre de formação prática,

através da realização de um estágio curricular num laboratório de análises clínicas, e

pela elaboração do relatório de estágio.

O Hospital SOERAD foi o local escolhido para a realização do meu estágio

curricular integrado no plano de estudos do Curso de Mestrado em Análises Clínicas da

Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. A principal razão que esteve na base

da minha escolha é a relação de proximidade entre o laboratório e o doente que o

ambiente hospitalar proporciona, permitindo conhecer a história clínica do doente,

relacionar os resultados dos exames laboratoriais com outros exames complementares

de diagnóstico e com a observação feita pelo clínico para se chegar a um diagnóstico, e

por fim acompanhar a evolução dos doentes. Também a pequena dimensão do

laboratório permite acompanhar todo o percurso das várias e diferentes amostras, desde

a sua colheita até à saída do boletim de resultados.

Situado actualmente na Rua Cândido dos Reis, na zona norte de Torres Vedras, a

SOERAD começou por ser uma clínica prestadora de serviços de radiologia geral. Ao

longo de três décadas foi crescendo e aumentando os serviços médicos prestados,

culminando na construção do Hospital que se iniciou em 2009 e findou em 2013.

O Hospital SOERAD é então um espaço que resultou de uma ideia ambiciosa de

juntar no mesmo espaço físico os melhores cuidados de saúde acessível a todos através

da oferta de um elevado número de serviços médicos, com instrumentos de tecnologia

de ponta, e com uma óptima relação custo/benefício. Possui quartos de internamento,

blocos operatórios, serviço de atendimento permanente, consultas em mais de vinte

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especialidades, espaços para a realização de um vasto leque de exames médicos,

avançadas infra-estruturas de medicina física e de reabilitação (que inclui piscina de

hidroterapia, dois ginásios e doze boxes de tratamento), auditório, salas de reunião e

formação, zona de restauração, loja de produtos ortopédicos e parque de estacionamento

subterrâneo.

O laboratório SOERAD está instalado no interior do Hospital, encontra-se sob a

direcção técnica da Doutora Margarida Carocho e da Doutora Catarina Machado, e

possui uma parceria com o Laboratório Doutora Isabel Tinoco situado em Lisboa.

O laboratório é constituído por várias secções que incluem a triagem, o sector da

Química analítica, o sector de Hematologia, o sector de Imunologia, e o sector da

Gasimetria. A grande maioria das análises é feita através do recurso a equipamentos

automáticos, no entanto ainda se realizam muitas técnicas manuais, que serão descritas

mais à frente.

As amostras que chegam ao laboratório provêm de vários postos de colheita que

incluem o posto de colheitas Doutora Isabel Tinoco, o posto de colheitas SOERAD, o

serviço de atendimento permanente que está aberto 24h todos os dias, e os serviços de

internamento.

As amostras provenientes do posto de colheita SOERAD, do atendimento

permanente e do serviço de internamento são analisadas no laboratório, com excepção

de alguns parâmetros, como são exemplos as hormonas tiroideias (TSH, T3, T4),

albumina, hemoglobina glicosilada A1C (HbA1C), proteínas totais e a grande maioria

das análises pertencentes à secção de imunologia, nomeadamente a pesquisa de

anticorpos e antigénios, cuja análise é feita no Laboratório Doutora Isabel Tinoco, em

Lisboa. Também neste laboratório são analisadas todas as amostras provenientes do

posto de colheitas Doutora Isabel Tinoco. Existem ainda amostras que são enviadas para

o Laboratório Doutor Joaquim Chaves e para o CERBA pois são parâmetros raramente

pedidos e que por essa razão, financeiramente, não se justifica a aquisição dos kits. Um

exemplo é o doseamento dos D-dímeros, que se realiza no laboratório Doutor Joaquim

Chaves, e o doseamento do Ácido vanilmandélico e do 17-Hidroxicorticosteróides

realizado no CERBA.

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1. FASE PRÉ-ANALÍTICA

A fase pré-analítica engloba os processos de marcação dos exames, a recolha de

informação sobre a preparação do utente, a inscrição do utente, a recolha e preparação

das amostras biológicas e o seu transporte para o laboratório. É considerada a fase mais

importante das análises clínicas pois é onde ocorrem a maior percentagem de erros que

afectam a fase analítica e dificultam a interpretação e validação dos resultados. Os

principais erros da fase pré-analítica que levam à rejeição das amostras incluem a perda

de amostras ou da requisição médica, a má preparação do utente, como por exemplo o

utente não estar em jejum, a incorrecta identificação da amostra devido por exemplo à

troca dos códigos de barras dos tubos, a má conservação das amostras biológicas, o

transporte incorrecto das amostras, a recolha de quantidade de sangue insuficiente

causando um desequilíbrio na razão sangue/anticoagulante, a contaminação de

amostras, e a obtenção de amostras não conforme como são exemplos as amostras

hemolisadas, lipémicas ou contendo coágulos.

É assim muito importante o estabelecimento de regras e procedimentos que

visam avaliar, monitorizar e melhorar todas as etapas constituintes da fase pré-analítica.

Em consequência têm sido criados indicadores de qualidade da fase pré-analítica, que

são informações de natureza qualitativa ou quantitativa que permitem avaliar os

processos constituintes da fase pré-analítica, sendo uma ferramenta útil para destacar os

processos mais críticos, analisar e resolver as principais causas de não conformidades,

diminuir os erros da fase pré-analítica e melhorar o desempenho do laboratório. Na

tabela 1 estão descritos exemplos de indicadores de qualidade da fase pré-analítica.

Indicadores da fase pré-analítica

Percentagem de credenciais contendo identificação errada do utente

Percentagem de análises requisitadas não legíveis

Percentagem de amostras mal identificadas

Percentagem de amostras colhidas para os tubos errados

Percentagem de amostras conservadas e transportadas incorrectamente

Percentagem de amostras hemolisadas, lipémicas e contendo coágulos

Percentagem de amostras com razão incorrecta entre o volume de sangue e

anticoagulante

Tabela 1 – Indicadores da fase pré-analítica.

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No entanto a utilização destes indicadores é um processo muito moroso e ainda

não está estandardizado, na medida em que o método e o período de recolha de dados

ainda não estão definidos, não permitindo assim comparar dados inter-laboratoriais.

Porém a observação da diminuição de ocorrência de erros da fase pré-analítica, da

diminuição de gastos que estes erros acarretam e da diminuição de repetições de

operações desnecessárias causadas pela ocorrência destes erros demostram que as

desvantagens apresentadas são largamente superadas, evidenciando deste modo a

importância da implementação dos indicadores na melhoria da qualidade dos resultados

obtidos.

1.1. COLHEITAS DE AMOSTRAS BIOLÓGICAS

Após a marcação dos exames e a inserção das análises prescritas na credencial

médica do utente no sistema informático MAXDATA, procede-se à colheita dos

produtos biológicos. Existem uma grande variedade de amostras biológicas que podem

ser analisadas.

As amostras que mais comumente aparecem no laboratório e que são analisadas

nas áreas descritas no presente relatório de estágio são o sangue, a urina tipo II, a urina

aleatória, a urina de vinte e quatro horas (urina 24h), e as fezes.

Na fase da colheita das amostras biológicas, para além da realização correcta dos

procedimentos de colheita, conservação e transporte das mesmas, é muito importante

também a redacção de questões a serem feitas a todos os utentes de forma a confirmar

se o nome, a data de nascimento e os contactos presentes na ficha de inscrição estão

correctos e se correspondem ao utente presente na sala; tomar conhecimento de

possíveis patologias pré-existentes, terapêuticas que possam estar submetidos ou a

prática de exercício físico; e saber se o utente se encontra em jejum, para o caso de não

estar e de ser necessário, avisá-lo para voltar noutro dia. No acto das colheitas

biológicas é também importante pedir ajuda a um colega mais experiente caso a colheita

esteja a ser difícil; no caso das urinas de 24h perguntar ao utente como é que fez a

recolha da urina de modo a saber se a colheita foi correctamente feita, e assim poder

decidir- se se a amostra pode ser aceite ou não; e ter presente nas salas de colheita

tabelas de procedimentos de conservação e transporte dos vários tipos de amostras

biológicas para que estes sejam feitos do modo correcto, de maneira a minimizar a

ocorrência de erros da fase pré-analítica mencionados anteriormente.

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1.1.1. COLHEITA DE SANGUE

O sangue é a amostra biológica mais amplamente requisitada. A sua colheita

deve proceder-se da seguinte maneira: em primeiro lugar deve-se colocar as etiquetas

nos respectivos tubos; em segundo lugar tem que se desinfectar com uma solução

alcoólica a 70% a zona a puncionar e colocar o garrote a uma distância de mais ou

menos um palmo da zona a puncionar; de seguida procura-se qual a melhor veia a

puncionar e introduz-se a agulha; assim que o sangue começa a correr alivia-se o garrote

e colhe-se o sangue para os respectivos tubos; após a colheita faz-se pressão sobre o

local puncionado com o objectivo de parar a hemorragia e agita-se os tubos para

homogeneizar o sangue com o anticoagulante; no final as amostras devem ser

conservadas correctamente, transportadas para o laboratório o mais rápido possível e o

material deve ser descartado para recipientes próprios, nomeadamente o material

contaminado com sangue deve ser colocado em contentores revestidos por sacos de

plástico brancos e as agulhas colocadas em recipientes de plástico rígido devidamente

identificados.

Durante a colheita do sangue é importante ter uma maior atenção a alguns

procedimentos para evitar a colheita de amostras biológicas não conformes, como não

apertar o garrote durante mais de um minuto de modo a evitar que ocorra hemólise,

respeitar a marca de enchimento, especialmente nos tubos com anticoagulante, para

manter a relação amostra/anticoagulante que é essencial para a qualidade dos resultados,

e respeitar uma ordem de distribuição do sangue de modo a evitar contaminações que

podem alterar os resultados obtidos.

No posto de colheita SOERAD são utilizados quatro tipos de tubos

correspondentes ao soro, EDTA, citrato VS e citrato coagulação. Os primeiros tubos

para o qual o sangue deve ser colhido primeiramente são os tubos de citrato

correspondentes aos testes de coagulação e VS pois os testes de coagulação são

fortemente afectados pela presença de aditivos; de seguida o sangue é colhido para os

tubos de soro, que não contém nenhum aditivo, prevenindo a contaminação para os

restantes tubos; por fim o sangue deve ser colectado para os tubos de EDTA uma vez

que o anticoagulante utilizado é responsável por alterar um maior número de parâmetros

como são exemplos o sódio e o potássio, nos quais se vão obter valores falsamente

aumentados, e o cálcio e ferro, nos quais se vão obter resultados falsamente diminuídos.

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1.1.2. COLHEITA DE URINA TIPO II

A colheita da urina tipo II é de execução fácil, sendo geralmente realizada pelo

próprio utente. Neste caso apenas tem que se recolher a primeira urina da manhã e

enviar o mais rapidamente possível para o laboratório. Caso não seja possível é

recomendável guardar a amostra no frigorífico. No caso dos doentes algaliados a

amostra de urina deve ser retirada da junção entre o cateter e o saco colector, nunca do

saco colector, após esvaziamento e higienização sem o uso de antissépticos.

A urina do tipo II é geralmente utilizada para a análise sumária da urina, e por

ser a mais concentrada permite a detecção de analitos que durante o dia podem não estar

presentes ou estarem presentes em baixas quantidades, ou ainda sofrerem variações

significativas durante o dia devido à alimentação ou ao exercício físico.

1.1.3. COLHEITA DE URINA ALEATÓRIA

A urina aleatória é uma amostra biológica que é colhida a qualquer hora do dia,

sendo muito utilizada na determinação da microalbuminúria, e da glicosúria nas provas

de tolerância à glucose oral.

A sua colheita é feita do mesmo modo que a urina tipo II.

1.1.4. COLHEITA DE URINA DE 24H

A urina de 24h é uma amostra biológica utilizada na determinação de analitos

que sofram variações significativas nos seus níveis durante vinte e quatro horas, como

são exemplos a creatinina (amostra biológica muito utilizada no cálculo da depuração da

creatinina), o cortisol e o péptico C.

Para a sua colheita deve-se começar por registar a hora da primeira urina da

manhã do dia em que inicia a colheita. Esta é rejeitada, devendo de seguida recolher

toda a urina excretada durante o dia e noite e a primeira urina da manhã do dia seguinte

à mesma hora do dia anterior, para uma garrafa grande ou garrafão. Durante a colheita

deve-se manter a urina sempre refrigerada. Terminando a colheita deve-se enviar a

amostra o mais rapidamente possível para o laboratório.

1.1.5. COLHEITA DE FEZES

A colheita das fezes é pedida mais comumente para a pesquisa de sangue oculto,

para a pesquisa de ovos, quistos ou parasitas ou para a realização de coprocultura.

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Para a pesquisa de sangue oculto nas fezes e de ovos, quistos ou parasitas, a

colheita deve ser realizada durante três ou seis dias diferentes, nos quais o utente deve

recolher para frascos apropriados, as fezes expelidas espontaneamente e não

contaminadas por urina ou outros fluídos, ou por sangue devido a casos de hemorróidas

ou por outras razões conhecidas. No caso das mulheres, a recolha não deve ser feita

durante o período menstrual. Durante o procedimento, não é necessário a realização de

uma dieta especial, deve-se recolher apenas uma pequena amostra de fezes, não se

devendo encher os frascos, e se presentes, devem ser de partes que contenham sangue,

muco ou pús visíveis. Também os frascos devem ser mantidos no interior das portas do

frigorífico ao abrigo da luz e deve-se entregar as amostras ao laboratório até dois dias

após a colheita.

No caso de suspeita de Enterobius vermicularis (Oxiúros) a técnica da fita

adesiva é a mais recomendável. Nesta situação cola-se fita adesiva nas margens do ânus

sem tocar em material fecal e evacua-se. As amostras preferenciais são as colhidas à

noite, após o início do sono, ou logo pela manhã, antes da realização de qualquer prática

de higiene. No final retira-se as fitas adesivas e cola-se em lâmina de microscopia.

Assim que acabar o procedimento acima referido deve-se enviar imediatamente ao

laboratório.

Para a realização de coprocultura apenas é necessário a recolha de uma amostra

de fezes. Após evacuação retira-se uma pequena amostra de fezes para um frasco

apropriado contendo meio de transporte fornecido pelo laboratório. As fezes recolhidas,

se presentes, devem ser de partes que contenham sangue, muco ou pús visíveis e não

devem estar contaminadas com urina ou água. O volume de amostra não deve ser

superior a um quarto do frasco para que não haja o extravasamento das fezes. No final a

amostra deve ser enviada imediatamente para o laboratório. Caso não seja possível

deve-se guardar as fezes no frigorífico de modo as manter refrigeradas.

1.1.6. PROVA DE TOLERÂNCIA À GLUCOSE ORAL (PTGO)

A prova de tolerância à glucose é um teste utilizado no diagnóstico de Diabetes

Mellitus no qual é realizado o doseamento da glucose, no plasma ou soro e na urina, a

tempos diferentes, após sobrecarga com 75g de glucose, no caso dos adultos, ou com

1,75g/Kg até uma dose máxima de 75g, no caso das crianças.

A Associação Americana dos Diabetes (ADA) não recomenda a realização desta

prova como método de rotina para o diagnóstico de Diabetes Mellitus pois é muito

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inconveniente para o utente, pois é um teste moroso, na medida em que o paciente tem

que ficar na sala de colheitas durante um período de duas horas, requer que sejam

realizadas duas a três (no caso das grávidas) colheitas de sangue com um intervalo de

uma hora, que o utente ingira uma solução aquosa glicosada, e realize uma preparação

prévia na qual deve estar em jejum pelo menos nas últimas 8 a 14 horas, não devendo

porém realizar uma dieta restrita em hidratos de carbono nem diminuir o ritmo de

exercício físico nos três dias que antecedem a prova.

O procedimento geral desta prova inclui o doseamento inicial da glucose na

urina seguida das colheitas de sangue em jejum e após a sobrecarga com glucose. No

entanto o modo de proceder é diferente no caso das grávidas e no caso dos adultos

diabéticos, não diabéticos e não grávidas. No caso das grávidas, o doseamento dos

níveis de glucose no sangue são avaliados em três tempos diferentes, nomeadamente aos

0, 60 e 120 minutos, enquanto os níveis de glucose na urina apenas são determinados no

tempo zero. O primeiro passo é a recolha de sangue para o tubo de soro e a recolha da

primeira urina da manhã para um frasco de urina do tipo II. Nesta última amostra, com a

ajuda de tiras-teste, procede-se à determinação dos níveis de glucose na urina com o

objetivo de se saber se é possível prosseguir a prova ou não. Caso o nível de glicosúria

for inferior a 120 mg/dL pode-se prosseguir a prova, realizando a sobrecarga com 75g

de glucose através da ingestão de um soluto glicosado, que não deve prolongar-se para

além de três minutos. Pelo contrário, caso o nível de glicosúria for superior a 120 mg/dL

não se pode efectuar a sobrecarga com glucose, tendo-se que enviar o sangue para o

laboratório para se proceder ao doseamento da glucose no sangue. Se o nível de glucose

no sangue for inferior a 120 mg/dL pode-se prosseguir a prova, realizando o

procedimento acima referido; caso o nível de glucose no sangue for superior a 120

mg/dL a prova não é executada.

No caso dos indivíduos adultos (diabéticos, não diabéticos e não grávidas) o

procedimento é semelhante ao descrito para o caso das mulheres grávidas com a

diferença de que os níveis de glucose no sangue e urina são determinados aos 0 e 120

minutos.

Tendo como base esta prova, é critério de diagnóstico de Diabetes Mellitus a

obtenção de um valor de glicémia aos 120 minutos após sobrecarga com 75g de glucose

superior ou igual a 200 mg/dL. Pelo contrário se o valor de glicémia aos 120 minutos

após a sobrecarga com 75g de glucose for inferior a 140 mg/dL considera-se que o

utente apresenta um grau normal de tolerância à glucose. Existem ainda casos de

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tolerância diminuída à glucose, em que os níveis de glucose aos 120 minutos após

sobrecarga com 75g de glucose não obedecem aos critérios de diagnóstico de Diabetes

Mellitus e são mais elevados que os considerados de referência, situando-se entre

valores de 140 mg/dL a 199 mg/dL.

No caso das grávidas, o diagnóstico de diabetes gestacional é realizado quando

dois ou mais dos seguintes critérios forem obtidos: valor da glicémia em jejum (tempo

zero) superior a 95 mg/dL; valor da glicémia ao fim de uma hora após sobrecarga com

75g de glucose superior ou igual a 180 mg/dL; ou valor da glicémia ao fim de duas

horas após sobrecarga com 75g de glucose superior ou igual a 155 mg/dL.

1.2. TRIAGEM

A seguir à colheita das amostras biológicas procede-se à sua triagem, a qual é

realizada numa sala anexa ao laboratório. Nesta fase procede-se ao registo das amostras

biológicas entregues, não entregues ou entregues tardiamente no sistema informático,

com o auxílio de um leitor de códigos de barras, ao tratamento das amostras não

conformes, à avaliação da conformidade das amostras de acordo com o Manual de

Colheitas, ao processamento das amostras de acordo com o sector analítico a que

destinam, e à sua distribuição para os vários sectores analíticos do laboratório e dos

laboratórios externos contratados para a realização de análises mais específicas.

Os tubos de soro, EDTA, citrato VS e citrato coagulação são as primeiras

amostras a serem processadas. Os tubos de soro e de citrato coagulação são colocados a

centrifugar a 2500×g durante dez minutos. Importante referir que os tubos de soro

apenas são centrifugados após a retracção do coágulo ocorrer. Depois de centrifugados,

os tubos de citrato coagulação são triados e enviados para o laboratório para a secção de

Hematologia, para a realização das análises. Os tubos de soro são retirados para um

suporte e ordenados numericamente. De seguida são triados e enviados para o

laboratório. No laboratório, apenas as amostras provenientes do posto de colheita

SOERAD são enviadas para a secção da Química analítica. As restantes amostras são

enviadas, em malas refrigeradoras, para os laboratórios externos.

Os tubos de EDTA utilizados na Hematologia e os tubos de citrato utilizados

para o doseamento da velocidade de sedimentação eritrocitária não são centrifugados,

sendo transportados para o laboratório para as respectivas secções após serem triados.

Depois de as amostras de sangue estarem triadas, segue-se a triagem das

amostras de urina seguida das amostras de fezes.

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Nas amostras de urina do tipo II, procede-se primariamente à sua triagem

seguido da recolha de uma amostra de urina para um tubo de plástico para que possa

depois ser analisada pelo aparelho automático.

No caso das amostras de urina aleatória, que são maioritariamente utilizadas

para o doseamento da microalbuminúria, após serem triadas, recolhe-se um volume de

amostra para um tubo de hemólise e envia-se para a secção da Química analítica.

As urinas de 24h são primariamente triadas, seguida da medição manual do seu

volume através da utilização de uma proveta. Por fim recolhe-se uma amostra de urina

para um tubo de vidro, que depois seguirá para o aparelho de Química analítica. No

caso da determinação da depuração da creatinina procede-se à recolha de duas amostras

de urina para dois tubos de vidro, em que um tubo fica guardado no frigorífico no

Laboratório SOERAD enquanto o outro é enviado, juntamente com o soro do doente,

para o Laboratório Doutora Isabel Tinoco em Lisboa onde são calculados os valores de

creatinina no soro e na urina e assim o valor da depuração.

Por fim no caso das amostras de fezes apenas se tem de proceder à sua triagem.

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2. FASE ANALÍTICA

A fase analítica compreende os processos de montagem e validação das técnicas,

de execução das análises e de validação dos resultados. É caracterizada pela ocorrência

da menor percentagem de erros ocorridos em todas as etapas constituintes das análises

clínicas, pois ao longo dos anos tem sofrido maior atenção por parte dos profissionais

por ter sido considerada, durante vários anos, a etapa mais importante. Como

consequência têm sido desenvolvidos métodos e equipamentos com maior

sensibilidade, especificidade, exactidão e precisão, e criados sistemas de controlo de

qualidade, nos quais se inserem os controlos internos de qualidade e os programas de

avaliação externa da qualidade, que permitiram diminuir os erros associados à execução

das técnicas, e assim melhorar a qualidade dos resultados.

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18

2.1. BIOQUÍMICA CLÍNICA

2.1.1. TÉCNICAS AUTOMATIZADAS

A Bioquímica Clínica é uma das várias secções pertencentes à fase analítica, que

por meio do emprego de metodologias e técnicas químicas, imunológicas e cinéticas,

permite a determinação de uma vasta gama de parâmetros no soro, plasma, urina ou em

outros líquidos biológicos, e a análise sumária da urina do tipo II, possibilitando o

diagnóstico, tratamento e monitorização de processos patológicos.

Na realização das análises químicas é utilizado o auto-analisador RX Daytona da

Randox (figura 1). Este equipamento permite a determinação de vários parâmetros em

várias amostras diferentes como soro, plasma, urina, sobrenadantes e líquido

cefalorraquidiano, através da execução de técnicas de espectrofotometria, cinética

enzimática, potenciometria indirecta e turbidimetria. Apesar de ter capacidade de

efectuar a determinação de um maior número de parâmetros, no laboratório SOERAD

apenas se realizam os seguintes testes: Fosfatase alcalina, Amilase, Alanina

aminotransferase (ALT), Aspartato aminotransferase (AST), Gama glutamil

transpeptidase (γGT), Bilirrubina total, Bilirrubina directa, Bilirrubina indirecta,

Colesterol total, Colesterol HDL (high- density lipoprotein), Colesterol LDL (low-

density lipoprotein), Triglicéridos totais, Creatina cinase (CK-NAC), Creatinina,

Glucose, Lactato desidrogenase (LDH), Ureia, Ácido úrico, Proteína C-Reactiva (PCR),

Imunoglobulinas do tipo A, G e M (IgA, IgG e IgM), Microalbuminúria, Ionograma

(Na+, K

+ e Cl

-) e iões Cálcio, Ferro, Magnésio e Fósforo inorgânico.

Figura 1 – Aparelho automático da Química Analítica: RX Daytona.

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2.1.1.1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DOS MÉTODOS UTILIZADOS PELO APARELHO

AUTOMÁTICO RX DAYTONA

Espectrofotometria

A espectrofotometria é uma técnica laboratorial, que com recurso a

espectrofotómetros, permite a determinação da concentração de uma solução contendo

cromóforos, que são moléculas com capacidade de absorver radiação, com base na

interacção da matéria com a radiação electromagnética. Nesta técnica faz-se incidir

radiação electromagnética monocromática numa solução, e devido à presença do

cromóforo, parte da energia radiante é absorvida, enquanto a maior parte é transmitida e

reflectida pela superfície da cuvette ou pelo solvente. A energia transmitida é depois

captada e convertida por um fotodetector em energia eléctrica, cuja corrente é

directamente proporcional à energia transmitida. No final a percentagem de energia

transmitida é automaticamente convertida em valores de absorvência, que são exibidos

em algarismos.

Durante a realização desta técnica é necessário utilizar soluções de referência ou

também denominados brancos de amostra, cuja constituição é igual à amostra a analisar

com excepção do cromóforo, de modo a obviar o efeito de absorção de energia pelas

paredes das cuvettes e pelo solvente, fazendo com que a absorção medida corresponda à

diferença entre a energia incidente e transmitida unicamente pela amostra. Existem

ainda situações em que o reagente utilizado absorve energia na mesma região do

espectro electromagnético que a amostra, sendo neste caso necessário utilizar um branco

de reagente de modo a obviar o seu efeito de absorção da energia radiante.

A relação entre a energia absorvida pela solução e a sua concentração é

demonstrada pela Lei de Lambert-Beer na qual a concentração da solução é

directamente proporcional à energia absorvida, à sua absortividade molar (Ɛ) e ao

comprimento do feixe de luz que atravessa a solução (b).

A = Ɛ × b × c

Na tabela 2 estão descritos os parâmetros determinados por espectrofotometria,

os tipos de amostra de biológica em que podem ser determinados, e o método utilizado

na sua análise.

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Parâmetro Amostras Método utilizado Discrição do método

Gama-

Glutamil

transferase

Soro

Plasma

EDTA,

Heparina

Substrato L-γ-

glutamil-3-carboxi-

4-nitroanilida

O substrato na presença de

glicilglicina e γGT é convertido

em 5-amino-2-nitro-benzoato

que absorve a 405 nm.

Bilirrubina

total

Soro

Plasma

EDTA,

Heparina

Reacção entre a

bilirrubina total com

o ácido sulfanílico

diazotado

A bilirrubina total liga-se ao

ácido sulfanílico diazotado após

adição de cafeína-benzoato,

formando-se azobilirrubina que

absorve a 540 nm.

Bilirrubina

directa

Soro

Plasma

EDTA,

Heparina

Reacção entre a

bilirrubina directa

com o ácido

sulfanílico diazotado

A bilirrubina directa liga-se ao

ácido sulfanílico diazotado,

formando-se azobilirrubina que

absorve a 570 nm.

Ferro

Soro

Plasma

Heparina

Reacção do ferro em

estado ferroso com

um composto

cromogéneo

Em meio ácido, ocorre a

dissociação do à transferrina e a

sua redução ao estado ferroso.

De seguida o ferro no estado

ferroso reage com o cromogéneo

formando-se um cromóforo que

absorve a 546 nm.

Ácido úrico

Soro

Plasma

EDTA,

Heparina

Urina 0,9

NaCl

Uricase

Primeiro por acção da uricase o

ácido úrico é convertido a

alantoína e peróxido de

hidrogénio. De seguida o

peróxido de hidrogénio, por

acção da peroxidase, oxida o

TOOS e o 4-aminofenazona,

formando-se um composto

quinoneimina que absorve a 546

nm.

Fosfatase

alcalina

Soro

Plasma

Heparina

Substrato para-

nitrofenil fosfato

O substrato é hidrolisado pela

fosfatase alcalina, na presença de

iões magnésio, a para-nitrofenol

que absorve a 405 nm.

Amilase

Soro

Plasma

Heparina

Urina 0,9

NaCl

Substrato oligosídeo

com um

agrupamento 4-NP

ligado às suas

extremidades

redutoras

O substrato é hidrolisado pela α-

amilase em compostos corados

que absorvem a 415 nm.

Cálcio

Soro

Plasma

Heparina

Urina 0,9

NaCl

Arsenazo III

O Arsenazo III liga-se

especificamente ao cálcio

formando-se um composto

corado que absorve a 660 nm.

Creatinina Soro Picrato alcalino sem Em meio alcalino a creatinina

Tabela 2 – Parâmetros determinados por espectrofotometria e seus respectivos tipos de

amostras, métodos e descrição metodológica.

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Plasma

Heparina

Urina 0,9

NaCl

desproteinização reage com o picrato, formando-

se um composto corado que

absorve a 520 nm.

Glucose

Soro

Plasma

Heparina

Urina

Glucose oxidase sem

desproteinização

A glucose é oxidada pela

glucose oxidase, formando-se

peróxido de hidrogénio. O

peróxido de hidrogénio por

acção da peroxidase reage com o

fenol e o 4-aminofenazona

formando-se um composto

corado que absorve a 505 nm.

Magnésio

Soro

Plasma

Heparina

Urina 0,9

NaCl

Azul de Xilidil

Em meio alcalino, o magnésio

reage com o azul de xilidil,

formando-se um composto

corado solúvel cuja intensidade

de cor é directamente

proporcional à concentração de

magnésio presente na amostra.

Triglicéridos

Soro

Plasma

EDTA,

Heparina

Lipase/Glicerol

fosfato oxidase

Os triglicéridos são

primariamente hidrolisados por

lipases. O glicerol resultante, por

acção da glicerol cinase, é

convertido em glicerol-3-fosfato.

Este é oxidado formando-se

peróxido de hidrogénio, que no

fim, por acção de peroxidase,

reage com 4-aminofenazona e

com um composto fenólico,

levando à formação de um

composto corado cuja

intensidade de cor é

directamente proporcional à

concentração de triglicéridos

presente na amostra.

Colesterol

Total

Soro

Plasma

EDTA,

Heparina

Colesterol oxidase

Primariamente o colesterol é

hidrolisado pela colesterol

esterease. De seguida é oxidado

pela colesterol oxidase, levando

à formação de peróxido de

hidrogénio. O peróxido de

hidrogénio no fim, pela acção da

peroxidase, reage com o 4-

aminoantipirina e com o fenol,

formando um composto corado

cuja intensidade é directamente

proporcional à concentração de

colesterol total presente na

amostra.

Colesterol Soro Detergente selectivo Ocorrem dois passos reaccionais

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Cinética enzimática

Os métodos de cinética enzimática aplicados à clínica permitem determinar a

actividade catalítica das enzimas com utilidade diagnóstica e, deste modo, com base nas

alterações das suas actividades, concluir acerca da localidade e natureza de situações

patológicas.

HDL Plasma

EDTA,

Heparina

HDAOS distintos: no primeiro passo

ocorre a eliminação das

quilomicras, colesterol-VLDL e

colesterol-LDL por acção da

colesterol esterease, seguida da

oxidação do colesterol pela

colesterol oxidase e da acção da

catalase. No segundo passo

ocorre o doseamento do

colesterol-HDL após a sua

libertação devido à acção de um

detergente selectivo. Após a

acção da colesterol esterease e

colesterol oxidase, o peróxido de

hidrogénio, por acção da

peroxidase, reage com o 4-

aminofenazona e HDAOS,

formando-se um composto

corado que absorve a 600 nm e

cuja intensidade é directamente

proporcional à concentração de

colesterol-HDL presente na

amostra.

Colesterol

LDL

Soro

Plasma

EDTA,

Heparina

-

Calculado através da fórmula de

Friedwald: LDL (mg/dL) =

Colesterol total –

(Triglicéridos/5 + Colesterol-

HDL). Porém esta fórmula é

inválida no caso do valor dos

triglicéridos for superior a 400

mg/dL.

Fósforo

inorgânico

Soro

Plasma EDTA

Urina 0,9

NaCl

Fosfomolibdato

O fósforo inorgânico, na

presença de ácido sulfúrico,

reage com o molibdato de

amónia para formar um

complexo fosfomolibdato que

absorve a 340 nm e cuja

intensidade é directamente

proporcional à concentração de

fósforo inorgânico presente na

amostra.

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23

Esta técnica tem como fundamento a medição espectrofotométrica do aumento

da concentração de um produto, da diminuição da concentração de um substrato ou da

diminuição ou aumento da concentração de uma coenzima, produzidos num intervalo de

tempo definido, resultante de uma reacção enzimática realizada em condições de

temperatura e pH óptimos e na presença de excesso de substrato ou coenzima. Nestas

condições a velocidade de reacção depende unicamente da quantidade de enzima

presente no sistema reaccional, sendo independente da concentração do substrato.

Nestes casos diz-se que a reacção segue a cinética de grau ou ordem zero.

Existem vários métodos a partir dos quais é possível medir a quantidade de

variação produzida pelas enzimas, como são exemplos os métodos de monitorização a

tempo fixo e o método de monitorização contínua. As reacções enzimáticas,

monitorizadas a tempos fixos, medem a quantidade de variação produzida pelas enzimas

após paragem da reacção ao fim de um intervalo de tempo fixo, enquanto o segundo

método mede a quantidade de variação produzida pelas enzimas em intervalos de tempo

frequentes ou através da monitorização contínua da marcha da reacção.

Os autores da literatura recomendam o uso sempre que possível do método de

monitorização contínua pois é mais fácil e rápido observar um desvio da linearidade

entre a velocidade de reacção e a quantidade de enzima característico das reacções

cinéticas de grau zero. No método de tempo fixo também é possível detectar o desvio à

linearidade, no entanto é necessário realizar a determinação da absorvência a vários

intervalos de tempo, o que implica um maior gasto de amostra e tempo.

As unidades da actividade catalítica de uma enzima correspondem à medida da

velocidade da reacção, que é definida como a quantidade de substrato consumido ou de

produto formado por unidade de tempo. Visto que a quantidade de substrato consumido

ou produto formado pode ser representada em várias unidades, a Comissão de Enzimas

da União Internacional de Bioquímica, de modo a uniformizar os resultados

quantitativos, propôs a criação da Unidade Internacional (U ou UI) como unidade de

actividade enzimática. Esta é definida como a quantidade de enzima que catalisa a

reacção de um micromol (µmol) de substrato por minuto em determinadas condições de

pH, temperatura, natureza do substratos, força iónica e concentração dos activadores.

Assim o valor da actividade catalítica de uma enzima é expressa em U ou UI e a

concentração enzimática é expressa em unidades internacionais por litro (U/L) ou

miliunidades internacionais por litro (mU/L).

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Na tabela 3 estão descritos os parâmetros determinados por cinética enzimática,

os tipos de amostra de biológica em que podem ser determinados, e o método utilizado

na sua análise.

Parâmetro Tipos de

amostras Método utilizado Descrição do método

Creatina cinase

Soro

Plasma EDTA,

Heparina

NAC (N-acetil-L-

cisteína)

A creatina cinase vai

converter a fosfato creatina

em creatina e ATP. O ATP

por acção da hexocinase vai

fosforilar a glucose,

formando-se glucose-6-

fosfato. No fim, por acção da

desidrogenase, ocorre a

conversão da glucose-6-

fosfato em gluconato-6-

fosfato com a concomitante

redução do NADP+ a

NADPH, que pode ser

monitorizada a 340 nm. O

cálculo da actividade da CK é

realizado a partir da fórmula

U/l = 8095 × ΔA340 nm/min.

Alanina

aminotransferase

Soro

Plasma EDTA,

Heparina

Tampão Tris sem

piridoxal -5’-

fosfato (P’-5-P’)

Na presença de ALT o α-

oxoglutarato reage com a L-

alanina para formar L-

glutamato e piruvato. O

piruvato é depois reduzido

pela lactato desidrogenase em

L-lactato enquanto o

coenzima NADH é oxidado a

NAD+. A consequente

redução da absorvência é

monitorizada a 340 nm e é

directamente proporcional à

actividade da enzima presente

na amostra.

Aspartato

aminotransferase

Soro

Plasma EDTA,

Heparina

Tampão Tris sem

piridoxal -5’-

fosfato (P’-5-P’)

Na presença de AST o α-

oxoglutarato reage com o L-

aspartato para formar L-

glutamato e oxaloacetato. O

oxaloacetato é depois

reduzido pela malato

desidrogenase em L-malato,

enquanto o coenzima NADH

é oxidado a NAD+. A

Tabela 3 – Parâmetros determinados por cinética enzimática e suas respectivas amostras,

métodos e descrição metodológica.

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Turbidimetria

A turbidimetria é um método utilizado na medição da luz dispersa, no qual o

aumento da turvação, causada pela presença de partículas em suspensão, de uma dada

amostra causa uma diminuição da intensidade da radiação incidente devido à sua

dispersão, reflexão e absorção.

A turbidimetria, à semelhança da espectrofotometria, é a medida da luz

transmitida pela solução após incidência de radiação, sendo medida a um ângulo de

180ᴏ em relação à luz incidente. É determinada com recurso a espectrofotómetros ou

analisadores de química clínica automatizados e depende não só da concentração das

partículas em suspensão mas também do seu tamanho.

Assim, na imunoturbidimetria, após ocorrer a ligação antigénio-anticorpo, vai

haver a formação de complexos, que são insolúveis, e que após incidência de energia

radiante, causam a sua dispersão. No fim, a determinação da concentração destes

consequente redução de

absorvência é monitorizada a

340 nm e é directamente

proporcional à actividade da

enzima presente na amostra.

Lactato

desidrogenase

Soro

Plasma EDTA,

Heparina

Piruvato a lactato

A lactato desidrogenase

converte o piruvato em L-

lactato enquanto o NADH é

oxidado a NAD+. A

consequente redução da

absorvência é monitorizada

espectrofotometricamente a

340 nm e é directamente

proporcional à actividade da

enzima presente na amostra.

Ureia

Soro

Plasma

Heparina

Urina

Urease

A ureia é hidrolisada pela

urease levando à formação de

amónia e dióxido de carbono.

A amónia reage com o α-

oxoglutarato e este na

presença de glutamato

desidrogenase é reduzido a L-

glutamato enquanto o NADH

é oxidado a NAD+. A

consequente redução da

absorvência é monitorizada

espectrofotometricamente a

340 nm e é directamente

proporcional à concentração

de ureia presente na amostra.

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complexos é realizada através da construção de curvas de calibração a partir de soluções

padrão de concentração conhecida. Como alternativa, a concentração dos complexos

antigénio-anticorpo também pode ser determinada através de ensaios cinéticos, em que

a formação dos complexos é acompanhada e monitorizada turbidimetricamente. O

ponto em que não se detectar formação de complexo antigénio-anticorpo é determinado

e é directamente proporcional à concentração de antigénio ou anticorpo presente na

amostra em estudo.

Na tabela 4 estão descritos os parâmetros determinados por imunoturbidimetria,

os tipos de amostra de biológica em que podem ser determinados, e o método utilizado

na sua análise.

Parâmetros Tipos de amostras Descrição do método

Proteína C Reactiva

Soro

Plasma EDTA,

Heparina, Citrato

A adição da amostra de soro ou plasma

a partículas de latex revestidas por

anticorpos anti-PCR vai causar a

formação de complexos anticorpo-

antigénio que podem ser determinados

turbidimetricamente a 570 nm e com o

auxílio de uma curva de calibração

construída a partir de soluções padrão

de concentração conhecida.

IgA

IgM

IgG

Soro

Plasma Heparina

A adição da amostra de soro ou plasma

a um anti-soro específico para cada

imunoglobulina vai causar a formação

de precipitados que podem ser

determinados turbidimetricamente a 340

nm e com o auxílio de uma curva de

calibração construída a partir de

soluções padrão de concentração

conhecida.

Microalbumina Urina de 24h ou

aleatória

A adição da amostra de urina a uma

solução contendo anticorpos específicos

de albumina sérica humana vai causar a

formação de precipitados que podem ser

determinados turbidimetricamente a 340

nm e com o auxílio de uma curva de

calibração construída a partir de

soluções padrão de concentração

conhecida.

Tabela 4 – Parâmetros determinados por imunoturbidimetria e suas respectivas amostras,

métodos e descrição metodológica.

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Potenciometria indirecta

A determinação da concentração dos iões sódio, potássio e cloro nos fluidos

biológicos (soro, plasma e urina) é realizada com recurso à tecnologia ISEs, que tem

como princípio o uso de eléctrodos selectivos iónicos. Neste método a passagem dos

iões pelos respectivos eléctrodos vai causar a geração de um potencial cujo valor é

determinado em relação a um eléctrodo de referência, e varia logaritmicamente com a

concentração iónica, de acordo com a equação de Nernst:

E = Eᵒ + RT log (μC)

nF

Em que E é o potencial gerado pela amostra; Eᵒ é o potencial gerado pela

amostra desenvolvido em condições padrão; RT/nF é uma constante; µ é o coeficiente

da actividade dos iões da amostra; e C é a concentração iónica que se pretende

determinar.

O módulo ISEs incorporado no auto-analisador RX Daytona permite a

determinação da concentração dos iões sódio, potássio e cloro, e possui três eléctrodos

correspondentes a cada ião e um eléctrodo de prata/cloreto de prata correspondente ao

eléctrodo de referência.

A concentração iónica vai ser então igual à diferença dos potenciais gerados pela

passagem nos eléctrodos de sódio, potássio e cloro, da amostra e do Calibrador A, que é

uma solução de potencial e concentração iónicos conhecidos. Sabendo que a diferença

dos dois potenciais varia logaritmicamente com o quociente da concentração dos iões

sobre a concentração dos iões no calibrador, e sabendo que os valores do potencial e

concentração iónica presentes no Calibrador A são conhecidos, através da equação

derivante da equação de Nernst apresentada em (1), é possível determinar a

concentração iónica da amostra:

(1) E - Eᵒ = S log (CX/CS)

Em que E é o potencial ISE gerado pela amostra; Eᵒ é o potencial ISE gerado

pelo Calibrador A; S é o declive da curva de calibração obtido durante a calibração com

o Calibrador A e B que possuem níveis de sódio, potássio e cloro conhecidos; CX é a

concentração iónica da amostra; CS é a concentração iónica do Calibrador A.

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28

2.1.1.2. VALORES DE SENSIBILIDADE E LINEARIDADE DOS MÉTODOS UTILIZADOS

NA DETERMINAÇÃO DE CADA PARÂMETRO

Na tabela 5 estão representados os valores de referência de todos os parâmetros

analisados no sector da Química Analítica, os valores de sensibilidade e linearidade dos

métodos utilizados na sua análise e alguns factores que interferem na sua determinação,

podendo originar resultados que não correspondem à realidade.

Parâmetro Valores de referência Sensibilidade

do método

Linearidade

do método

Interferentes

do método

Gama-Glutamil

transferase

Soro Homem: 11-50

U/L

Soro Mulher: 7-32 U/L

3,90 U/L 1297 U/L Hemólise

Lipémia

Bilirrubina total Soro: < 1 mg/dL 0,025 mg/dL 29 mg/dL

Hemólise

Lipémia

Exposição à

luz

Bilirrubina

directa Soro: < 0,25 mg/dL 0,024 mg/dL 8,1 mg/dL

Hemólise

Lipémia

Exposição à

luz

Ferro

Soro Homem: 59 –

158 µg/dL

Soro Mulher: 37 - 145

µg/dL

33,6 µg/dL 3309 µg/dL Hemólise

Ácido úrico

Soro Homem: 3,4-7,0

mg/dL

Soro Mulher: 2,4-5,7

mg/dL

Urina 24h: 250-750

mg/24h

Soro: 0,35

mg/dL

Urina: <2,18

mg/dL

23,1 mg/dL Hemólise

Lipémia

Fosfatase

alcalina

Soro Homem: 30-90

U/L

Soro Mulher até 60

anos: 30-80 U/L

Soro Mulher com mais

de 60 anos: 30-90 U/L

Soro Crianças: 47 –

406 U/L

18 U/L 843 U/L Hemólise

Lipémia

Amilase

Soro: < 95 U/L

Urina: < 490 U/L

Urina 24h: < 450

U/24h

17,9 U/L 880 U/L Hemólise

Cálcio Soro: 8,10 - 10,4 Soro: 0,36 Soro: 17,24 Hemólise

Tabela 5 – Representação dos valores de referência, sensibilidade, linearidade e factores

interferentes dos métodos utilizados na determinação dos vários parâmetros da Química Analítica.

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29

mg/dL

Urina 24h: 100 - 249

mg/24h

mg/dL

Urina: 0,4

mg/dL

mg/dL

Urina: 23,69

mg/dL

Creatinina

Soro Homem: 0,6-1,1

mg/dL

Soro Mulher - 0,5-0,9

mg/dL

Urina 24h: 1-1,5 g/24h

Soro: 0,29

mg/dL

Urina: 3,51

mg/dL

Soro: 32,5

mg/dL

Urina: 761

mg/dL

Hemólise

Lipémia

Elevadas

quantidades

de

substâncias

redutoras

Glucose

Soro: 75 - 115 mg/dL

Urina aleatória: 1 -15

mg/dL

Urina 24h: < 0,5 g/24h

Soro: 6,04

mg/dL

Urina: 9,73

mg/dL

Soro: 614

mg/dL

Urina: 630

mg/dL

Hemólise

Lipémia

Magnésio

Soro: 1,70 - 2,70

mg/dL

Urina 24h: 50 - 200

mg/24h

Soro: 0,506

mg/dL

Urina: 0,484

mg/dL

Soro: 8,01

mg/dL

Urina: 52

mg/dL

Hemólise

Triglicéridos

<150 mg/dL

Para valores superiores

a 150 - 200 mg/dL

deve-se investigar

factores de risco para

hipertrigliceridémia.

11,9 mg/dL 1124 mg/dL

Hemólise

Lipémia

Colesterol Total

Valores desejavéis: <

200 mg/dL

Valores elevados: ≥

240 mg/dL

33,4 mg/dL 640 mg/dL Hemólise

Lipémia

Colesterol HDL

Valores baixos: < 40

mg/dL

Valores elevados: ≥ 60

mg/dL

7,30 mg/dL 144 mg/dL Hemólise

Lipémia

Fósforo

inorgânico

Soro: 2,7 - 4,5 mg/dL

Urina: 0,4 - 1,3 g/24h

Soro: 2,4

mg/dL

Urina: 0,0191

g/dL

Soro: 25

mg/dL

Urina: 375

mg/dL

Hemólise

Creatina cinase

Soro Homem: 24-195

U/L

Soro Mulher: 24-170

U/L

21,7 U/L 2804 U/L Hemólise

Alanina

aminotransferase

Soro Homem - < 40

U/L

Soro Mulher - < 31

U/L

9,70 U/L 666 U/L Hemólise

Aspartato

aminotransferase

Soro Homem: < 37

U/L

Soro Mulher: < 31 U/L

18,7 U/L 657 U/L Hemólise

Lactato

desidrogenase Soro: 230 - 460 U/L 42,3 U/L 1150 U/L Hemólise

Ureia Soro: 10 - 50 mg/dL Soro: 14,55 Soro: 340 Hemólise

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30

Urina 24h: 20 - 35

g/24h

mg/dL

Urina: 219

mg/dL

mg/dL

Urina: 5300

mg/dL

Lipémia

Proteína C

Reactiva

Adultos: 0 - 5 mg/L

Bebes: < 0,6 mg/L

4º Dia a 1 mês: <1,6

mg/L

0,3 mg/L 161 mg/L

Hemólise

Lipémia

Icterícia

IgA

Adultos: 90 - 450

mg/dL

Crianças (8 - 10 anos):

96 – 206 mg/dL

Recém-nascidos (2-8

dias): 0,7 – 1,3 mg/dL.

21 mg/dL 590 mg/dL

Índices

elevados de

hemólise e

lipémia

IgM

Adultos Homem: 60 -

250 mg/dL

Adultos Mulher: 70 -

280 mg/Dl

Crianças (8 - 10 anos):

74 – 142 mg/dL

Recém-nascidos (2-8

dias): 5 – 37mg/dL

23 mg/dL 377 mg/dL

Índices

elevados de

hemólise e

lipémia

IgG

Adultos: 800 - 1800

mg/dL

Crianças (8 - 10 anos):

855 – 1255 mg/dL

Recém-nascidos (2-8

dia): 863 – 1466

mg/dL

288 mg/dL 2757 mg/dL

Índices

elevados de

hemólise e

lipémia

Microalbumina

Normal: < 30 mg/24h

Microalbuminúria: 30

- 299 mg/24h

Albuminúria: ≥ 300

mg/24h.

5,11 mg/L - -

Sódio

Soro: 135 – 145

mmol/L

Urina: 40 – 220

mmol/L

Soro: 24

mmol/L

Urina: 20

mmol/L

Soro: 200

mmol/L

Urina: 1000

mmol/L

Hemólise

Potássio

Soro: 3,5 – 5,1

mmol/L

Urina: 25 – 125

mmol/L

Soro: 0,3

mmol/L

Urina: 7

mmol/L

Soro: 11

mmol/L

Urina: 500

mmol/L

Hemólise

Cloro

Soro: 97 – 107

mmol/L

Urina: 110 – 250

mmol/L

Soro: 45

mmol/L

Urina: 28

mmol/L

Soro: 210

mmol/L

Urina: 1000

mmol/L

Hemólise

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31

2.1.1.3. IMPORTÂNCIA BIOLÓGICA DA DETERMINAÇÃO DOS DIFERENTES

PARÂMETROS BIOQUÍMICOS

Avaliação da função hepática

O fígado é um órgão de extrema importância no bom funcionamento do

organismo humano, estando envolvido nos processos de excreção, síntese,

desintoxicação e eliminação de substâncias nocivas.

A bilirrubina é uma das principais substâncias excretadas pelo fígado, sendo o

principal pigmento constituinte da bílis. A sua formação ocorre no baço em

consequência da degradação dos glóbulos vermelhos, que ao serem destruídos, causam

a libertação de moléculas de hemoglobina. A hemoglobina é depois decomposta nos

seus constituintes os quais inclui o grupo heme. Este é convertido em bilirrubina, que

após a sua formação, se liga a albumina e é transportada para o fígado. Neste órgão, a

bilirrubina é conjugada com o ácido gluconórico, ficando solúvel em água, podendo,

assim, ser secretada para os canalículos biliares e posteriormente para os intestinos, nos

quais através da acção da flora comensal, é convertida em urobilina, que é finalmente

excretada do organismo nas fezes. Durante o processo metabólico da bilirrubina existe a

formação de dois tipos de bilirrubina que se denominam bilirrubina não conjugada e

bilirrubina conjugada. A bilirrubina não conjugada corresponde à bilirrubina ligada à

albumina e que é insolúvel, não podendo ser nesta forma eliminada do nosso organismo.

A bilirrubina conjugada é a forma solúvel, constituída por moléculas de bilirrubina

ligadas a moléculas de ácido gluconórico, que torna as moléculas de bilirrubina mais

hidrofílicas.

A síntese de hidratos de carbono, lípidos e proteínas é outra das funções vitais

desempenhadas pelo fígado. Este órgão representa o principal local de armazenamento

de glucose na forma de glicogénio, e de síntese da grande maioria das proteínas que

fazem parte da constituição do organismo humano, como são exemplos a albumina e os

fatores de coagulação. É também responsável pela manutenção da concentração de

glucose do organismo, na medida em que em situações de hipoglicémia ocorre a

degradação do glicogénio em glucose e a sua distribuição pelos vários tecidos de

maneira a satisfazer as necessidades nutricionais dos mesmos; em situações de depleção

de glicogénio ocorre a gluconeogénese que consiste na síntese de glucose a partir de

compostos não glucídicos, e a sua conversão em glicogénio.

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32

Tendo em conta que o fígado é um órgão vital para a sobrevivência do

organismo humano, a monitorização da função hepática, através da determinação

periódica de parâmetros hepáticos, é um processo muito importante pois permite não só

identificar anormalidades na função hepática, como permite, em muitos casos,

identificar o tipo e local da lesão, e fazer o prognóstico da evolução de alguns processos

patológicos.

Os principais testes da função hepática incluem a determinação de substâncias

que são libertadas como resultado da ocorrência de um dano tecidular, como são

exemplos as enzimas gama-glutamil transferase (γGT), a aspartato aminotransferase

(AST), a alanina aminotransferase (ALT) e a fosfatase alcalina, e a determinação de

substâncias metabolizadas ou sintetizadas pelo fígado, como são exemplos as várias

formas de bilirrubina, bilirrubina total, bilirrubina directa e bilirrubina indirecta.

Bilirrubina

A icterícia é um dos principais sinais de disfunção hepática, sendo causada pela

retenção sérica de bilirrubina e seus conjugados, pelo excesso de produção de

bilirrubina e seus conjugados ou pela deficiente depuração da bilirrubina e seus

conjugados. É caracterizada pela descoloração das mucosas, pela cor amarelada

apresentada pela pele e escleróticas, e em alguns casos pelo escurecimento da urina.

Clinicamente apenas é evidente quando a concentração de bilirrubina total no soro

atinge valores entre 2-3 mg/dL e não é um indicador específico de doença hepática,

podendo estar presente em outras doenças.

Clinicamente a hiperbilirrubinémia pode ser classificada como pré-hepática,

hepática ou pós-hepática, de acordo com o local em que ocorreu a desordem. Na

hiperbilirrubinémia pré-hepática, o erro ocorre antes do metabolismo hepático, sendo

caracterizada pelo aumento da bilirrubina não conjugada. Exemplos de patologias que

causam hiperbilirrubinémia pré-hepática são a anemia hemolítica e a icterícia fisiológica

do recém-nascido. A hiperbilirrubinémia hepática é causada pela ocorrência de um erro

primário ao nível do fígado, e que pode ser devido a alterações no metabolismo e

transporte da bilirrubina ou devido a lesões hepatocelulares. Os Síndromes de Crigler-

Najjar tipo I e II e o Síndrome de Gilbert são exemplos de patologias em que a

hiperbilirrubinémia é de origem hepática e é causada pela ocorrência de mecanismos

deficientes de conjugação, sendo deste modo caracterizados pelo aumento da bilirrubina

não conjugada. Existem ainda patologias, denominadas Síndrome de Dubin-Jonhson e

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

33

Síndrome de Rotor, em que a hiperbilirrubinémia hepática é caracterizada pelo aumento

da concentração de bilirrubina conjugada devido a erros que ocorrem no transporte da

bilirrubina até aos canalículos biliares após a sua conjugação. As lesões hepatocelulares,

como são exemplos a cirrose, as hepatites e a colestase intra-hepática também causam

hiperbilirrubinémia hepática, sendo caracterizadas pelo aumento da bilirrubina

conjugada e não conjugada.

Finalmente a hiperbilirrubinémia pós-hepática é causada por doenças biliares

obstrutivas, nas quais devido à existência de um obstáculo físico, como cálculos biliares

ou tumores, a passagem da bilirrubina conjugada para os canalículos biliares é

interrompida, impossibilitando a sua excreção do organismo. Como consequência há

acumulação de bilirrubina conjugada no organismo e a bílis não é drenada para os

intestinos, fazendo com que as fezes percam a sua fonte de pigmentação, tornando-se

acólicas.

Enzimas hepáticas

A determinação das enzimas hepáticas é muito útil na detecção de lesões

hepatocelulares que causam a citólise ou necrose celular, e na diferenciação de

patologias de origem funcional de patologias de origem obstrutiva.

Quando ocorre uma lesão num órgão, existe a morte de algumas células que

causam o extravasamento do seu conteúdo para o meio exterior, nomeadamente de

enzimas. A AST e a ALT são as principais enzimas utilizadas para a detecção clínica de

lesão hepatocelular. Estas enzimas estão presentes no interior dos hepatócitos e são

responsáveis pela transferência do grupo amina de um α-aminoácido para um cetoácido.

No entanto não são específicas dos hepatócitos pois encontram-se também distribuídas

no interior de células de outros órgãos como o músculo-esquelético, o coração e os rins.

Porém a ALT é considerada mais específica que a AST pois encontra-se

maioritariamente no interior dos hepatócitos, ao contrário da AST cuja distribuição é

equitativa entre os vários órgãos.

Os seus níveis, em casos de hepatite viral, necrose celular induzida pela

exposição a drogas ou toxinas e isquemia hepática podem aumentar abruptamente,

podendo alcançar valores até cem vezes o limite superior de referência. Porém em casos

de lesões obstrutivas pode-se não observar aumento dos seus níveis ou observar apenas

um aumento ligeiro.

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34

Ambas as enzimas possuem duas isoenzimas, uma situada no citosol e outra

situada na mitocôndria. Perante um dano celular moderado apenas as isoenzimas

citosólicas da AST e da ALT são libertadas para a corrente sanguínea enquanto no caso

de um dano celular grave são libertadas as isoenzimas citosólicas e mitocondriais da

AST e apenas as isoenzimas citosólicas da ALT. Como tal para avaliar a extensão das

lesões, a razão AST/ALT é muito utilizada, na medida em que caso a razão for inferior a

um está-se perante uma lesão reversível, na qual o fígado, após tratamento, recupera

totalmente a sua funcionalidade; pelo contrário se a razão AST/ALT for superior a 1 a

lesão causada pela patologia é irreversível e portanto há perda parcial da função do

fígado.

No entanto visto que estas enzimas também estão presentes em outros órgãos, é

comum observar-se níveis aumentados da actividade da AST após a ocorrência de um

infarto agudo do miocárdio e em casos de distrofia muscular progressiva, embolia

pulmonar e pancreatite aguda.

A fosfatase alcalina é uma enzima localizada nas microvilosidades dos

canalículos, sendo muito utilizada como marcador de casos de obstrução biliar

extrahepática e colestase intrahepática. À semelhança das enzimas marcadoras de lesão

hepatocelular também a fosfatase alcalina está presente em outros órgãos como os ossos

e a placenta. Como tal, a sua determinação tem particular interesse também na

investigação na doença óssea, como são exemplos a Doença de Paget, osteomalacia e

raquitismo.

A gama-glutamil transferase é uma enzima localizada na membrana

citoplasmática e à semelhança da fosfatase alcalina também é útil como marcador de

lesões obstrutivas. Porém a sua actividade é maior em casos de obstrução biliar intra ou

pós-hepática, alcançando níveis de cinco a trinta vezes o nível superior de referência, e é

considerado um marcador mais sensível que a fosfatase alcalina na detecção de

colangite, colecistite e colestase. Também em casos de carcinoma hepático primário e

secundário é normal observar níveis aumentados de actividade de γGT.

A determinação dos níveis de actividade da γGT juntamente com os da fosfatase

alcalina, em muitos casos, é útil para verificar se o aumento dos níveis de actividade da

fosfatase alcalina é devido a doenças do esqueleto ou reflectem a presença de doença

hepatobiliar, pois ao contrário da fosfatase alcalina, a γGT não está presente nos ossos.

Por esta razão e pelo fato de raramente se encontrarem valores normais na presença de

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

35

doença hepatobiliar, a γGT é considerada o indicador enzimático mais sensível de

doença hepatobiliar.

No entanto, visto que se trata de uma enzima hepática microssomal, é normal

observar-se valores elevados de actividade de γGT em alcoólicos e em doentes com

cirrose alcoólica.

Avaliação da função pancreática

O pâncreas é uma glândula constituída por tecido endócrino e exócrino, e

participa no processo digestivo, auxiliando na digestão e absorção dos nutrientes.

Enquanto o tecido endócrino tem como principal função a produção de hormonas como

a insulina e a glucagina, que participam no metabolismo dos hidratos de carbono, o

tecido exócrino é responsável pela secreção do fluido pancreático. Este fluido, de pH

alcalino, é rico em proteínas e em enzimas proteolíticas com capacidade de degradar os

glúcidos, lípidos e proteínas.

A amilase pancreática é uma das enzimas líticas excretada pelo pâncreas e cujo

doseamento no soro e urina é utilizado no diagnóstico de patologias pancreáticas. A

amilase pancreática é uma hidrolase responsável pela clivagem dos glúcidos complexos

constituídos por cadeias de α-D-glucose, como são exemplos a amilose, a amilopectina

e o glicogénio. A sua determinação no soro é maioritariamente útil para o diagnóstico

de pancreatite aguda, onde se observa um aumento de quatro a seis vezes dos seus

níveis de actividade nas primeiras duas a doze horas após início dos sintomas, atingindo

o pico às vinte e quatro horas, e retomando aos seus valores normais em três a cinco

dias devido à eliminação renal.

O carcinoma do pâncreas, o abcesso pancreático e as lesões traumáticas do

pâncreas são exemplos de outras patologias em que se observa elevação da actividade

da amilase pancreática no soro. No entanto esta enzima não é específica da função

pancreática, podendo-se observar um aumento da sua actividade em casos de

cetoacidose diabética, insuficiência renal, colecistite, apendicite aguda e lesões nas

glândulas salivares. Como tal, muitos estudos sugerem a realização do doseamento

conjunto da amilase e da lipase, outro exemplo de enzima lítica excretada pelo pâncreas,

pois aumenta significativamente a especificidade da determinação dos níveis de

actividade da amilase pancreática no diagnóstico de pancreatite aguda.

A determinação da depuração da amilase pancreática na urina tem surgido como

parâmetro alternativo e mais sensível para o diagnóstico de pancreatite aguda pois os

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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seus níveis de actividade na urina são mais elevados e persistentes durante períodos de

tempo mais longos que os encontrados no soro.

Existem ainda outros métodos que podem ser aplicados na avaliação da função

pancreática como são exemplos a pesquisa de lípidos nas fezes, o teste da D-xilose e o

doseamento das isoenzimas da amilase. No entanto não serão abordadas detalhadamente

no presente relatório de estágio pois não são executadas no laboratório SOERAD.

Avaliação da função cardíaca

O sistema cardiovascular desempenha um papel de extrema importância na

sobrevivência do organismo humano pois é responsável pela distribuição de sangue a

todas as células do organismo, permitindo a oxigenação, a chegada dos nutrientes e a

eliminação de substâncias tóxicas resultantes do seu metabolismo. Como tal a avaliação

e a monitorização periódica da função cardíaca é muito importante para a detecção

precoce das doenças cardiovasculares, que continuam a ser a principal causa de morte

em todo o mundo.

A creatina cinase é um biomarcador da função cardíaca cujo doseamento é

recomendado para a detecção precoce de casos de enfarto agudo do miocárdio.

A creatina cinase é uma enzima dimérica composta por duas subunidades, as

subunidades B e M, responsável pela fosforilação reversível da creatina pela adenosina

trifosfato (ATP). Possui três isoenzimas, denominadas CK-MM, CK-BB e CK-MB,

distribuídas por diferentes órgãos. A CK-MM existe maioritariamente no músculo -

esquelético e no coração, a CK-BB encontra-se em maior concentração no cérebro,

enquanto a CK-MB é específica dos cardiomiócitos, tornando-se, deste modo, a

isoenzima de maior importância para o diagnóstico precoce do enfarto agudo do

miocárdio. Visto que o método utilizado para o doseamento da actividade da CK-MB

pertence à secção de Imunologia, a sua importância na avaliação da função cardíaca será

explicada no ponto 2.3 do presente relatório de estágio.

A lactato desidrogenase foi também considerada, durante muitos anos, um

biomarcador para a detecção de casos de enfarto agudo do miocárdio. Esta enzima,

responsável pela catalisação da oxidação do L-lactato a piruvato utilizando como

aceitador de iões hidrogénio o NAD+, encontra-se presente no interior de vários tecidos,

como são exemplos o fígado, o baço, o músculo-esquelético e os rins, na forma de

diferentes isoenzimas. No músculo cardíaco e nas hemácias as isoenzimas

predominantes são a LDH-1 e LDH-2. Após a ocorrência de lesões ou necrose dos

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cardiomiócitos há a libertação desta enzima para o soro, onde os seus níveis de

actividade em situações normais são significativamente inferiores. Assim, através da

detecção de níveis de actividade de lactato desidrogenase aumentados no soro é possível

revelar a presença de situações patológicas, como são exemplo a miocardite, a

insuficiência cardíaca e o enfarto agudo do miocárdio.

Nos casos de enfarte agudo do miocárdio, é possível detectarem-se níveis de

actividade de LDH três a quatro vezes superior ao limite superior de referência,

podendo atingir valores até dez vezes superior. Porém, com a descoberta de

biomarcadores mais sensíveis e específicos da actividade cardíaca, como são exemplo o

complexo das troponinas, o doseamento da actividade da lactato desidrogenase no

diagnóstico do enfarte agudo do miocárdio tem sido abandonado, não sendo

actualmente recomendado.

Devido à sua elevada distribuição existem outras patologias de origem não

cardíaca que causam o aumento dos níveis de actividade da lactato desidrogenase como

são exemplos a anemia megaloblástica, as doenças hepáticas, neoplasias hematológicas

e a distrofia muscular progressiva.

Avaliação da função renal

Os rins, à semelhança dos órgãos anteriormente mencionados, também são

muito importantes para a sobrevivência do organismo humano, tendo como principais

funções a excreção de compostos tóxicos e do excesso de substâncias inorgânicas

ingeridas da dieta, a manutenção dos equilíbrios hídrico, electrolítico e ácido-base, e a

produção de hormonas.

Os compostos azotados não proteicos são compostos tóxicos que são produzidos

pelo organismo em consequência dos processos de degradação dos ácidos nucleicos,

dos aminoácidos e das proteínas, e que devido à função excretora do sistema renal são

expulsos do organismo. Existem três principais produtos de excreção, a creatinina, a

ureia e o ácido úrico.

A creatinina é um composto que resulta da desidratação e ciclização espontânea

da creatina cinase fosforilada presente nos músculos e cuja concentração depende da

massa muscular do individuo. A ureia é sintetizada no fígado a partir do catabolismo

das proteínas e representa a maior percentagem dos compostos azotados não proteicos

excretados pelo rim. Por fim o ácido úrico é o produto final resultante do metabolismo

das purinas, nomeadamente da adenina e da guanina.

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A manutenção dos equilíbrios hídrico, electrolítico e ácido-base é um processo

extremamente importante e exigente pois todos os parâmetros envolvidos possuem um

intervalo de referência muito estreito, necessitando de mecanismos de controlo muito

sensíveis e eficientes. O equilíbrio hídrico é regulado essencialmente pela hormona

ADH, cuja resposta varia com ocorrência de alterações na osmolalidade plasmática ou

no volume intravascular, de maneira que o aumento da osmolalidade plasmática ou a

diminuição do volume intravascular estimula a produção de ADH pela glândula

pituitária posterior. A ADH causa o aumento da permeabilidade dos túbulos distal e

ductos colectores havendo como consequência uma maior reabsorção de água e

produção de urina mais concentrada. Pelo contrário em situações de excesso de água

não há produção de ADH, havendo uma menor reabsorção de água por parte dos

túbulos renais e a produção de urina mais diluída.

A manutenção da concentração dos principais iões existentes no interior do

organismo humano também é da responsabilidade do sistema renal, através dos

processos de reabsorção e excreção ao nível dos túbulos e das ansas de Henle, e da

produção de hormonas, como a renina, que respondem a alterações da osmolalidade, a

alterações da pressão sanguínea e a variações na concentração dos electrólitos.

A manutenção do equilíbrio ácido-base é vital para o bom funcionamento do

organismo humano porque permite que o pH fisiológico não sofra alterações bruscas. O

sistema renal representa um dos três mecanismos envolvidos na manutenção do

equilíbrio ácido-base através da regeneração de iões bicarbonato e da excreção de

ácidos metabólicos a partir de reacções com a amónia e com o ião hidrogenofosfato.

Por último, a função endócrina dos rins inclui a síntese de hormonas como a

eritropoietina, a renina e a prostaglandina, a síntese de vitamina D3 a partir do

hidroxicolecalciferol e a degradação de hormonas como a insulina e a aldosterona.

A avaliação e monitorização da função renal inclui geralmente o doseamento no

soro dos compostos azotados não proteicos referidos anteriormente pois um aumento da

sua concentração é consequência do mau funcionamento do sistema renal. No entanto,

em muitos casos apenas se detecta aumento da concentração destes compostos quando

já existe uma perda significativa da função renal.

A determinação da clearence de determinadas substâncias é um método que

permite detectar mais precocemente casos de falência renal pois representa a taxa à qual

uma determinada substância é removida do plasma para a urina, permitindo avaliar a

função de filtração glomerular dos rins. A substância maioritariamente utilizada para a

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determinação da clearence é a creatinina, apesar de ser um marcador pouco sensível

pois a sua concentração apenas é detectável quando a função renal se encontra lesada

em 50%.

Creatinina

A determinação do valor da clearence da creatinina é o método mais utilizado

para o cálculo da Taxa de Filtração Glomerular. Este valor é obtido através de uma

expressão matemática, que está representada em baixo, e que relaciona a concentração

sérica de creatinina com a concentração urinária da creatinina excretada durante um

determinado período de tempo, geralmente vinte e quatro horas.

[Creatinina]urina × Vurina

[Creatinina]plasma × 1440×

1,73

A

A [Creatinina]urina representa a concentração de creatinina na urina em unidades de

mg/dL, Vurina corresponde ao valor do volume de urina excretada durante vinte e

quatro horas expresso em mL/24h, [Creatinina]plasma é a concentração plasmática de

creatinina em unidades de mg/dL, 1440 corresponde a vinte e quatro horas em minutos,

1,73 é um factor que representa a superfície corporal do individuo e A é o verdadeiro

valor da superfície corporal do individuo.

Os valores de referência da clearence da creatinina diferem em ambos os

géneros, variando no homem entre valores de 97 a 137 mL/min e na mulher entre 88 a

128 mL/min.

Em situações patológicas, como são exemplos os casos de glomerulonefrite

aguda, insuficiência renal aguda, insuficiência renal crónica, falência renal crónica ou

obstrução causada por carcinomas da bexiga ou próstata ou por cálculos renais, ocorre

diminuição do valor da Taxa de Filtração Glomerular como consequência da diminuição

do número ou alteração estrutural dos glomérulos funcionais.

Outro método que permite avaliar a função de filtração glomerular é o estudo da

proteinúria. Em situações fisiológicas normais os glomérulos não têm a capacidade de

filtrar macromoléculas e proteínas de massa molecular elevada, como são exemplos a

β2-Microglubolina, a Mioglobina e a Albumina. No entanto devido a ocorrência de

defeitos na permeabilidade dos glomérulos, na reabsorção tubular, ou na existência de

um aumento significativo na concentração sérica de imunoglobulinas, a capacidade

filtrante dos glomérulos é diminuída, resultando no aparecimento de proteínas na urina.

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Os estudos utilizados na avaliação da proteinúria incluem a determinação da

concentração proteica numa amostra de urina de 24h, a electroforese das proteínas

urinárias e a determinação da depuração selectiva de proteínas de diferentes tamanhos

moleculares. No laboratório SOERAD apenas se realiza o doseamento da

microalbuminúria em amostras de urina aleatória ou urina de 24h.

Microalbuminúria

O doseamento da microalbuminúria consiste na determinação da concentração

de albumina na urina e é particularmente importante nos doentes diabéticos, pois estes

indivíduos possuem um elevado risco para o desenvolvimento de nefropatias devido ao

aumento progressivo da permeabilidade dos glomérulos. Assim, através do estudo da

proteinúria é possível avaliar e detectar precocemente alterações na função de filtração

glomerular, e através da adopção de programas de controlo dos níveis de glicémia mais

rígidos juntamente com tratamentos que previnem a hipertensão, atrasar a progressão

das lesões renais para situações de falência renal crónica.

Ureia

A determinação da concentração da ureia no soro é outro teste muito importante

utilizado para avaliar a função renal. A presença de elevadas concentrações de ureia no

plasma acompanhado de falência renal é denominada urémia ou síndrome urémico e

pode ser clinicamente classificada como pré-renal, renal ou pós-renal de acordo com as

causas que estão na origem do seu aparecimento. A urémia pré-renal é causada pela

diminuição do fluxo sanguíneo que irriga os rins, podendo ser devida a situações de

insuficiência cardíaca congestiva, hemorragias ou desidratação. A urémia renal é

consequência da ocorrência de uma disfunção renal que causa uma excreção deficiente

de ureia, podendo ser causada por casos de falência renal crónica ou aguda, nefrite

glomerular ou necrose tubular. Por fim a urémia pós-renal é devida à existência de

obstruções do fluxo urinário cujas causas podem incluir cálculos renais ou carcinoma da

bexiga ou próstata.

No entanto a concentração de ureia no soro não depende exclusivamente da

função renal, sendo influenciada também pela dieta do individuo, pela função hepática,

pelo grau de hidratação do indivíduo e pelo aumento do catabolismo proteico. Assim, a

principal utilidade clínica da determinação da concentração da ureia no soro assenta na

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sua determinação conjunta com a concentração plasmática da creatinina para diferenciar

as causas e discriminar a urémia pré e pós-renal.

Ácido úrico

A determinação do ácido úrico não é um indicador muito útil na avaliação da

função renal pois existem muitos factores não renais que influenciam a sua

concentração plasmática. No entanto a presença de elevados níveis de ácido úrico

podem indicar situações de gota, insuficiência renal e cálculos renais, enquanto a

presença de baixos níveis de ácido úrico (inferior a 2,9 mg/dL) podem indiciar um

defeito na reabsorção tubular renal de ácido úrico.

Análise da urina tipo II

Por fim, a análise sumária da urina tipo II representa outro teste para avaliar a

função renal, permitindo a detecção de elementos que em situações normais não estão

presentes ou estão presentes em baixas quantidades na urina. No presente relatório a

análise sumária da urina tipo II está explicada mais detalhadamente no ponto 2.1.4.

Metabolismo dos glúcidos

A glucose é a principal fonte de energia do organismo, de tal modo que o

cérebro depende exclusivamente do seu metabolismo para obter energia. A dieta é a

principal via de importe de glucose no nosso organismo. Os glúcidos presentes nos

alimentos existem maioritariamente na forma de polímeros, como são exemplos o

amido e o glicogénio.

Geralmente, estes compostos após serem ingeridos, são hidrolisados por acção

das amilases salivares e pancreáticas, formando-se dextrinas e dissacáridos. As

dextrinas e os dissacáridos são posteriormente convertidos em monossacáridos, que são

absorvidos ao nível das células da mucosa intestinal e seguidamente transportados para

o fígado através da via porta. No fígado os monossacáridos são convertidos em glucose.

A glucose é depois transportada através da corrente sanguínea até às restantes células do

organismo, onde pode ser utilizada como fonte de energia para a realização das reacções

metabólicas celulares, ou armazenada na forma de glicogénio.

Em condições fisiológicas normais a concentração da glucose encontra-se

controlada devido à acção de hormonas e do fígado e músculos, que modulam a entrada

e saída de glucose da circulação sanguínea. Assim, em situações de abundância de

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glucose há libertação de insulina pelas células β do pâncreas, causando o aumento da

entrada de glucose nas células, estimulando a glicólise, a lipogénese e a glicogénese, e

inibindo a glicogenólise, e o armazenamento de glucose sob a forma de glicogénio

através do processo de glicogénese no fígado e no músculo. Em situações de jejum,

devido à presença da enzima glucose-6-fosfatase, e sob a acção das hormonas epinefrina

e glucagina, ocorre o processo de glicogenólise no fígado, havendo a conversão do

glicogénio em glucose, e a sua distribuição, via corrente sanguínea, para todas as células

do organismo. Em situações de jejum prolongado, há libertação de cortisol e hormona

do crescimento que estimulam a ocorrência do processo de neoglucogénese, resultando

na produção de glucose pelo fígado a partir de compostos não glucídicos,

nomeadamente o glicerol resultante do metabolismo dos triglicéridos, o lactato

resultante do metabolismo dos músculos, e os aminoácidos, resultantes do catabolismo

das proteínas.

A participação de todos os processos anteriormente referidos permite que,

independentemente da quantidade de glucose ingerida pelo ser humano, a concentração

de glucose se mantenha constante e em níveis que permitam o bom funcionamento do

organismo, não entrando em situações de carência ou excesso incompatíveis com a vida.

Quando estes mecanismos falham geram-se situações de desequilíbrio que se designam

por hiperglicemia e hipoglicémia, cujo diagnóstico assenta essencialmente na

determinação da concentração da glucose no sangue ou urina.

Hiperglicémia

A hiperglicemia consiste num aumento patogénico dos níveis de glucose no

sangue. Existem vários distúrbios que causam hiperglicemia, sendo a diabetes mellitus a

mais importante e relevante clinicamente.

A diabetes mellitus é um grupo de doenças metabólicas caracterizada por

hiperglicemia, polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso, afecta milhares de pessoas,

tendo impacto não só na qualidade de vida das mesmas, mas também na economia do

país devido ao surgimento de complicações a longo termo que incluem retinopatia,

nefropatia e neuropatia periférica e autónoma.

As causas que estão na sua origem de desenvolvimento são várias, podendo

incluir a destruição das células β do pâncreas, a produção insuficiente de insulina, a

resposta ineficiente dos tecidos à acção da insulina, a existências de patologias no

pâncreas, e a produção de insulina não activa. Dependendo da causa, a Organização

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Mundial de Saúde e a Associação americana dos diabetes classificaram a diabetes em

quatro categorias principais: a diabetes tipo 1, diabetes tipo 2, diabetes gestacional e

idiopática.

A diabetes tipo 1 constitui apenas 10 a 20% dos casos de diabetes, ocorre

principalmente nas crianças e nos adolescentes, e resulta da destruição auto-imune das

células β do pâncreas, causando uma produção deficiente de insulina. É caracterizada

por um estado de insulino-dependência dos doentes e pela ocorrência de cetoacidose,

numa fase mais avançada da doença, e o seu aparecimento está muito associado à

presença de doenças auto-imunes que afectam os ilhéus de Langerhans e a uma

predisposição genética.

A diabetes tipo 2, também denominada diabetes não dependente de insulina,

constitui a maioria dos casos existentes de diabetes, resultando de uma resposta

ineficiente dos tecidos à acção da insulina. Esta patologia afecta maioritariamente

indivíduos obesos ou com elevada percentagem de gordura corporal distribuída

preferencialmente na região abdominal, e é caracterizada pela produção de níveis

normais de insulina mas insuficientes para manter a concentração de glucose em níveis

normais. O seu aparecimento está associado a uma predisposição genética e a factores

ambientais como obesidade, dieta rica em lípidos e sedentarismo.

A diabetes idiopática é rara, ocorrendo quando não se conhece a etiologia da

diabetes tipo 1. É caracterizada por insulinopénia, cetoacidose e por episódios

alternados de dependência de insulina.

A diabetes gestacional é definida como ocorrência de intolerância à glucose

durante a gravidez, e representa um sério problema de saúde, causando complicações

graves tanto no bebé como na mãe. As principais complicações para a mãe são a

hipertensão crónica e o risco aumentado de cesariana, pré-eclampsia e desenvolvimento

de diabetes tipo 2. No feto as complicações incluem macrossomia, malformação fetal,

hipoglicemia fetal, hipocalcémia e problemas respiratórios. De modo a diagnosticar

mais precocemente a diabetes gestacional e assim evitar ou diminuir a gravidade das

suas complicações, e devido ao aumento do número de pessoas que sofrem de

obesidade e de um estilo de vida mais sedentário, recomenda-se que todas as grávidas

que não tenham diagnóstico de diabetes gestacional, entre as 24 e 28 semanas de

gestação, realizem uma PTOG com sobrecarga de 75g de glucose, sendo critério de

diagnóstico a obtenção de valores da glicémia em jejum (tempo zero) superior a 95

mg/dL, superior ou igual a 180 mg/dL ao fim de uma hora após sobrecarga ou superior

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ou igual a 155 mg/dL ao fim de duas horas após sobrecarga com 75g de glucose. No

caso das grávidas de risco, que compreendem as mulheres obesas, com histórico

familiar de diabetes tipo 2 e com gravidez anterior com diagnóstico de diabetes

gestacional, a realização da PTOG é recomendada antes das 24-28 semanas de gestação.

Laboratorialmente a obtenção de concentrações casuais de glucose superior ou

igual a 200 mg/dL associada a sintomatologia característica da diabetes, de

concentração de glucose em jejum igual ou superior a 126 mg/dL, de concentração de

glucose aos 120 minutos após sobrecarga de 75g de glucose superior ou igual a 200

mg/dL ou valor de hemoglobina glicosilada superior ou igual a 6,5% constitui critério

de diagnóstico de diabetes.

A hemoglobina glicosilada é formada a partir da reacção não enzimática de

moléculas de glucose com grupos amina da cadeia β da hemoglobina, e depende

somente da concentração de glucose no sangue e do tempo médio de vida dos glóbulos

vermelhos, reflectindo assim a concentração de glucose das 6 a 8 semanas que

antecedem a colheita.

Nos últimos anos a determinação da concentração de hemoglobina glicosilada

tem tido maior importância não só no diagnóstico da diabetes, como na monitorização

dos doentes como avaliador de risco para o desenvolvimento de complicações micro e

macrovasculares, e apresenta vantagens relativamente ao doseamento da concentração

de glucose, como maior estabilidade pré-analítica, pois não necessita de jejum, e maior

estabilidade analítica pois não depende do exercício físico, da alimentação e da variação

diária da concentração de glucose. Contudo em indivíduos com patologias que afectam

o tempo médio de vida dos eritrócitos, a sua estrutura ou a estrutura das moléculas de

hemoglobina, o seu doseamento não é útil, sendo nestes indivíduos a determinação da

concentração de glucose, o método de diagnóstico a aplicar.

Hipoglicémia

A hipoglicémia é outro exemplo de desequilíbrio da concentração de glucose,

sendo caracterizado pela presença de baixas concentrações de glucose no sangue.

Existem várias causas que originam hipoglicémia e que incluem a ocorrência de

processos infecciosos generalizados como é exemplo a septicémia, o excesso de

produção de insulina, a ingestão de álcool em excesso, que pode inibir o processo de

neoglucogénese, tumores nas células β do pâncreas, deficiências no metabolismo das

hormonas glucocorticóides e da hormona do crescimento, a diabetes como consequência

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de um desequilíbrio entre a dose de insulina e o aporte ou consumo de glucose, e a mais

comum a ingestão de medicamentos como são exemplos o propranolol, os salicilatos e a

disopiramida.

Em muitos casos, o diagnóstico de hipoglicémia é muito difícil devido à

existência de inúmeras causas que estão na sua origem e à dificuldade em estabelecer

limites específicos que distinguem um estado hipoglicémico patológico de um estado

hipoglicémico não patológico. É muito comum observar valores de concentração de

glucose de 50 mg/dL duas horas após ingestão de sobrecarga oral de glucose, ou valores

de concentração de glucose de 30 mg/dL em mulheres que estejam na pré-menopausa,

sem sintomas ou evidências de doença subjacente.

Contudo é muito importante o estudo de uma condição de hipoglicémia, de

maneira a investigar se se trata de uma condição patológica ou benigna, pois a principal

e a mais grave complicação que lhe está subjacente é a disfunção do sistema nervoso

central, que se não for evitada pode-se tornar incompatível com a vida.

Metabolismo lipídico

Os lípidos são compostos orgânicos insolúveis em soluções aquosas, apresentam

estruturas químicas diversas e possuem várias funções vitais para o bom funcionamento

do organismo que incluem o armazenamento e fornecimento de energia, a manutenção

da estrutura das células e a participação nos processos de digestão e da condução

nervosa no sistema nervoso central.

Os lípidos mais importantes clinicamente são os triglicéridos, o colesterol e os

fosfolípidos. O seu importe para o organismo realiza-se quer através da dieta quer

através da sua síntese por parte dos hepatócitos. Depois de sintetizados, estes são

hidrolisados por acção de lipases e estereases de colesterol e absorvidos ao nível das

células da mucosa intestinal com a intervenção de ácidos biliares, que funcionam como

detergentes, permitindo a formação de micelas que ajudam na solubilização e facilitam

o transporte para a superfície do lúmen das células intestinais. Após a absorção, os

lípidos são transportados para todas as células do organismo, via corrente sanguínea, no

interior de estruturas denominadas lipoproteínas.

As lipoproteínas são estruturas esféricas compostas por lípidos e proteínas

denominadas apoliproteínas, têm como principal função o transporte dos lípidos no

plasma até aos vários tecidos do organismo, e são classificadas de acordo com base nas

suas densidades e das suas mobilidades electroforéticas. Assim, com base na densidade

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por ultracentrifugação, as lipoproteínas podem ser do tipo quilomicras, VLDL (“Very

low density lipoprotein”), IDL (Intermediate density lipoprotein”), LDL (“Low density

lipoprotein”), HDL (“Hight density lipoprotein”) e lipoproteína A.

Todas as classes de lipoproteínas possuem a mesma composição lipídica,

variando na quantidade relativa de lípidos básicos, na origem dos triglicéridos e no

conteúdo em apoliproteínas.

As quilomicras são as partículas que possuem maior diâmetro e menor

densidade, são constituídas maioritariamente por triglicéridos provenientes da dieta e

por pequenas quantidades de colesterol esterificado, colesterol livre, fosfolípidos e

apoproteínas B48 e A-I, e têm como principal função a distribuição dos triglicéridos

provenientes da dieta a todas as células do organismo. A sua formação ocorre no

intestino após os processos de absorção dos lípidos, entrando posteriormente para a

circulação sanguínea onde adquirem a apo C e apo E das HDL circulantes, e sofrem

vários processos de hidrólise catalisados por lipoproteínas lipases, causando a hidrólise

dos triglicéridos aos seus vários componentes constituintes, que podem depois ser

internalizados pelas células onde são utilizados como fonte de energia ou armazenados

sob a forma de gordura. Da hidrólise das quilomicras resulta a formação de quilomicras

remanescentes que são removidas da circulação sanguínea por endocitose, após serem

reconhecidas por receptores presentes na superfície dos hepatócitos. Nos hepatócitos o

colesterol esterificado e o colesterol livre presente nas quilomicras remanescentes são

libertados, sendo utilizados pelas células na síntese de ácidos biliares, na re-síntese de

lipoproteínas ou na síntese de membranas e hormonas esteróides.

As VLDL são sintetizadas no fígado e são as lipoproteínas responsáveis pelo

transporte dos triglicéridos sintetizados nos hepatócitos até às restantes células do

organismo. Estas partículas são constituídas maioritariamente por triglicéridos

endógenos e por quantidades menores de colesterol esterificado, colesterol livre,

fosfolípidos e apoproteínas B-100, E e C. À semelhança do que ocorre no metabolismo

das quilomicras, também as VLDL depois de serem libertadas para a corrente sanguínea

sofrem processos de hidrólise, a apo C é transferida para as HDL circulantes, e forma-se

as VLDL remanescentes. Parte das VLDL remanescentes formadas são reconhecidas

pelos hepatócitos enquanto outra parte é convertida em partículas mais densas e mais

pequenas denominadas IDL.

As IDL são partículas de vida curta e são constituídas por igual percentagem de

colesterol e triglicéridos e por apoproteínas do tipo B-100 e E. Depois de formadas,

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parte das IDL são removidas pelo fígado enquanto a restante é convertida em LDL após

a ocorrência de processos de hidrólise e de os triglicéridos serem substituídos por

colesterol esterificado.

As LDL formam-se a partir da lipólise das VLDL remanescentes e são

responsáveis pelo transporte do colesterol do fígado para as restantes células do

organismo. Estas partículas são constituídas maioritariamente por colesterol esterificado

e por pequenas percentagens de colesterol livre, triglicéridos e fosfolípidos, e pela

apoproteína do tipo B-100. Devido à existência de receptores específicos para as LDL, e

do seu reconhecimento pela apo B-100, estas lipoproteínas são facilmente internalizadas

pelas células, no interior das quais ocorre a degradação da apo B-100 e a formação de

colesterol livre resultante da hidrólise dos ésteres de colesterol. O colesterol livre é

depois utilizado pelas células na síntese das membranas celulares, das hormonas

esteróides e dos ácidos biliares, e como regulador da sua homeostasia através da

supressão da actividade da enzima responsável pela síntese de colesterol, a HMG-CoA,

do aumento da actividade da enzima que catalisa a esterificação do colesterol, a ACAT

(Acil-CoA: colesterol aciltransferase) (que previne que o excesso de colesterol livre seja

esterificado e armazenado), e da modulação no número de receptores de LDL presentes

na superfície das células (que evita a entrada e acumulação de elevadas quantidades de

colesterol no interior das células). Devido ao seu reduzido tamanho, estas lipoproteínas

podem também se infiltrar nos espaços extracelulares dos vasos sanguíneos, onde, após

se oxidarem, podem ser internalizadas e removidas do plasma, por macrófagos através

de receptores scavenger.

As HDL são as lipoproteínas de menor tamanho e maior densidade, são

sintetizadas no fígado e no intestino e têm como principal função o transporte do

excesso de colesterol presente nos tecidos extra-hepáticos de novo para o fígado.

A avaliação do perfil lipídico é muito importante para o cálculo do risco de

desenvolvimento de doenças cardiovasculares e para o diagnóstico das hiperlipidémias,

e inclui a determinação da concentração do colesterol total, do colesterol HDL, do

colesterol LDL, dos triglicéridos, e nos casos mais complexos das apoliproteína A e B e

da lipoproteína a.

Ao longo dos anos têm surgido muitos estudos que sugerem a existência de uma

relação de proximidade entre elevados níveis de lípidos e a ocorrência de doenças

cardiovasculares, que continua a ser uma das principais causas de morte nos países

desenvolvidos. Esta relação é devida à deposição de lípidos, principalmente na forma de

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colesterol, nas paredes do endotélio vascular, que causa a formação de placas de

ateroma responsáveis pelo bloqueio da circulação sanguínea, que pode levar à

ocorrência de um enfarto agudo do miocárdio.

Assim, a determinação da concentração do colesterol e das lipoproteínas LDL e

HDL tem sido encarada como uma ferramenta poderosa na prevenção da ocorrência de

acidentes vasculares na medida em que concentrações elevadas de LDL e baixas de

HDL representam um elevado risco para o desenvolvimento de doenças

cardiovasculares, e baixas concentrações de LDL em indivíduos com doenças

cardiovasculares permite a estagnação ou mesmo a regressão dos processos de formação

das placas de ateromas, diminuindo deste modo o risco de evolução da doença. Como

forma de avaliação do risco cardiovascular, a determinação do perfil lipídico está

indicada nos indivíduos com diabetes mellitus tipo 2, doença cardiovascular,

hipertensão arterial, índice de massa corporal superior a 30 kg/m2, histórico familiar

com doença cardiovascular prematura, doença inflamatória crónica, doença renal

crónica e com história familiar de dislipidémia familiar.

As dislipidémias representam outro conjunto de patologias cujo estudo lipídico

auxilia no seu diagnóstico. Estas patologias são subdivididas em dois grandes grupos, as

hiperlipoproteinémias e as hipolipoproteinémias.

As hiperlipoproteinémias caracterizam-se pela existência de níveis aumentados

de lipoproteínas, podendo ser classificadas como primárias ou secundárias. As

hiperlipidémias primárias são causadas por defeitos genéticos no metabolismo ou

síntese das lipoproteínas, tendo sido classificadas por Frederickson e colaboradores com

bae no seu perfil electroforético (tabela 6). As hiperlipoproteinémias secundárias são

consequência da existência de uma outra patologia, como são exemplos a diabetes

mellitus, a obesidade, o hipotiroidismo ou as doenças hepáticas obstrutivas, da ingestão

de determinados medicamentos ou da implementação de estilos de vida menos

saudáveis.

Tipo Lipoproteína elevada Níveis de colesterol Níveis de

triglicéridos

Frequência

relativa

I Quilomicras Normal ou aumentados Aumentados Rara

IIa LDL Aumentados Normal Comum

IIb VLDL e LDL Aumentados Aumentados Comum

III IDL Aumentados Aumentados Rara

IV VLDL Normal ou aumentados Aumentados Comum

V VLDL e Quilomicras Aumentados Aumentados Rara

Tabela 6 – Classificação de Frederickson das Hiperlipoproteinémias.

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As hipoproteinémias são caracterizadas pela existência de baixas quantidades de

lipoproteínas, existindo dois tipos, a hipo-alfalipoproteinémia e a

hipobetalipoproteinémia. Ambas as patologias são caracterizadas geralmente pela

ausência de hipertriglicerémia, e pela diminuição dos níveis de colesterol HDL, devido

possivelmente ao défice de síntese de Apo A-I ou pelo aumento do catabolismo das

HDL e da Apo A-I.

Importa referir que na avaliação do perfil lípido é muito importante a realização

de um período de jejum de pelo menos dez horas, de maneira a evitar a obtenção de

resultados falsamente aumentados. Esta condição é facilmente visualizada a partir do

soro do doente, pois um jejum incorrecto causa o aparecimento de uma camada leitosa à

superfície, correspondente à presença das quilomicras, ou a obtenção de soro ou plasma

leitoso devido à presença das lipoproteínas do tipo VLDL.

Avaliação do equilíbrio electrolítico e do equilíbrio de outros iões importantes

clinicamente

Os electrólitos são substâncias com capacidade de carregar carga eléctrica e são

classificados como aniões ou catiões caso possuam carga negativa ou positiva,

respectivamente.

No organismo humano os electrólitos desempenham funções diversas que

incluem a manutenção da pressão osmótica, a distribuição de água nos vários

compartimentos líquidos do organismo, a manutenção do pH, a activação de enzimas e

o auxílio na contractilidade do miocárdio e na excitabilidade neuromuscular.

Os electrólitos de maior importância para a bioquímica clínica e que são

determinados pelo aparelho automático Daytona RX são o sódio, o potássio e o cloro.

No nosso organismo, os electrólitos estão presentes em valores de concentrações

muito restritos devido à presença de mecanismos de regulação muito eficientes. Porém

existem diversas situações patológicas que causam um desequilíbrio electrolítico,

podendo a determinação da concentração dos electrólitos auxiliar no seu diagnóstico.

Sódio

O sódio é o catião mais abundante presente no espaço extracelular, sendo

responsável pela maior parte da osmolalidade do plasma. A sua principal função é a

manutenção da pressão osmótica do compartimento extracelular e a distribuição de água

nos compartimentos líquidos do organismo.

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Em condições fisiológicas normais, a sua concentração não sofre variações

significativas devido à existência de mecanismos de controlo muito eficientes, que

incluem a participação do sistema renal através do sistema renina-angiotensina-

aldosterona, e do péptido natriurético atrial. Ao nível do sistema renal, os iões sódio são

inicialmente filtrados pelos glomérulos, sendo a maior parte posteriormente reabsorvida

ao nível dos túbulos proximal, distal e da ansa ascendente de Henle. Nos túbulos

proximais os iões sódio são reabsorvidos juntamente com os iões bicarbonato e com a

água, na ansa ascendente de Henle a reabsorção dos iões sódio ocorre juntamente com

os iões cloro e com a água, e nos túbulos distal é devido à acção da aldosterona. O

sistema renina-angiotensina-aldosterona actua ao nível dos túbulos proximal e distal,

causando a reabsorção de sódio, em resposta à diminuição da pressão sanguínea ou dos

níveis de sódio.

Por fim, o péptido natriurético atrial é excretado pelas células do miocárdio em

resposta ao aumento do volume de sangue, e causa a inibição da produção de renina,

causando em consequência a excreção de maior quantidade de iões sódio e água.

Quando ocorre falha destes mecanismos de controlo, surgem situações de

desequilíbrio, que se denominam hiponatrémia e hipernatrémia.

A hiponatrémia é uma condição patológica muito comum que surge quando a

concentração de sódio no plasma atinge valores inferior a 135 mmol/L. Existem três

principais causas que estão na origem do seu aparecimento, nomeadamente o aumento

da excreção de sódio, o aumento da retenção de água ou a ocorrência de um defeito na

manutenção do equilíbrio hídrico.

O aumento da excreção de sódio pode ser causado por um defeito na produção

de aldosterona que provoque uma diminuição na sua excreção, por queimaduras, por

episódios prolongados de vómitos e diarreia e por uma deficiente produção de potássio

que provoque situações de hipocaliémia, que fazem com que ao nível dos túbulos renais

ocorra reabsorção de potássio com excreção de sódio. O fenómeno de retenção de água

pode ter como causas o síndrome nefrótico ou a cirrose hepática. Nestas patologias

ocorre diminuição do volume plasmático devido à perda de proteínas do fluido

intravascular, e estimulação da produção de ADH que leva ao aumento da reabsorção de

água e como consequência à diluição do sódio. Por fim o síndrome da secreção alterada

da ADH (SIADH) é um exemplo de um desequilíbrio hídrico, que se caracteriza pela

produção aumentada de ADH, e como consequência provoca o aumento da reabsorção

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de água. Esta patologia está muito associada com a ocorrência de doenças pulmonares,

doenças do sistema nervoso central e de infecções causadas por Pneumocystis carinii.

A hipernatrémia é caracterizada pela presença de concentrações elevadas de iões

sódio no sangue. As principais causas do seu aparecimento são a perda de elevadas

quantidades de água, a ingestão de baixas quantidades de água e o aumento da ingestão

ou retenção de sódio. Episódios prolongados de vómitos e diarreia, sudorese excessiva,

diabetes mellitus com deficiente excreção de ADH, síndrome de Conn e síndrome de

Cushing são outros exemplos de situações patológicas que causam episódios de

hipernatrémia.

Potássio

O potássio é o catião que se encontra em maior concentração no interior das

células e tem como principais funções a manutenção do volume intracelular e da

concentração de protões, e a regulação dos processos de excitação neuromuscular e

contracção do coração.

A manutenção da concentração dos iões potássio é devida aos processos de

reabsorção ao nível do túbulo proximal, e da acção da aldosterona que causa a sua

excreção ao nível do túbulo distal e dos ductos colectores em troca com a reabsorção de

iões sódio.

À semelhança dos iões sódio, erros na ocorrência dos mecanismos de controlo

causam desequilíbrios na concentração sérica dos iões potássio, que podem ser

divididos em dois grandes grupos, hipocaliémia e hipercaliémia.

A hipocaliémia, à semelhança da hiponatrémia, caracteriza-se pela presença de

baixas concentrações de potássio e pode ter como causas distúrbios gastrointestinais,

como vómitos e diarreia, que provocam a excreção dos iões potássio, por situações de

acidose tubular renal que causam diminuição da excreção de protões e em consequência

aumento da excreção de iões potássio, uma vez que os iões potássio trocam com os

protões, e por situações de hiperaldosteronismo, pois a produção aumentada de ADH

causa a retenção de iões sódio e em consequência o aumento da excreção de iões

potássio, uma vez que os iões potássio trocam com os iões sódio.

A hipercaliémia é a situação antagónica da hipocaliémia, surgindo quando estão

presentes no organismo elevadas concentrações de iões potássio. Exemplos de algumas

situações que podem estar na origem do seu surgimento são a realização de tratamentos

usando infusões intravenosas de potássio, a transferência de iões potássio para o líquido

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extracelular em casos de desidratação, hemólise, cetoacidose diabética e queimaduras

graves, e a excreção diminuída de iões potássio em casos de insuficiência renal aguda.

Cloro

O cloro é o anião mais abundante presente no espaço extracelular e tem como

principais funções a manutenção da osmolalidade, do volume sanguíneo e da

neutralidade eléctrica. À semelhança dos iões anteriormente referidos, a concentração

dos iões cloro também não sofre variações significativas devido à ocorrência dos

processos de reabsorção ao nível do túbulo proximal, aos processos de excreção pela

urina e suor, e pela acção da hormona aldosterona, que em situações de sudorese

excessiva, actua ao nível das glândulas sudoríparas, causando uma diminuição na

produção de suor e como consequência uma diminuição na excreção de cloro.

Estes iões, de modo a manter a neutralidade eléctrica dos fluídos, movimentam-

se na mesma direcção que os iões sódio, fazendo com que as causas do desequilíbrio da

concentração de sódio sejam também responsáveis pela ocorrência de alterações na

concentração dos iões cloro. Porém existem algumas situações excepcionais. A

hiperclorémia pode surgir em casos em que existe excreção excessiva de iões

bicarbonato, como são exemplos condições de acidose metabólica, patologias renais

como a acidose tubular renal ou a ocorrência de distúrbios gastrointestinais como a

diarreia. A hipoclorémia pode surgir em resultado de excreção excessiva de iões cloro,

como acontece nos casos de vómito prolongado, cetoacidose diabética e pielonefrite, ou

em resultado do aumento de retenção de iões bicarbonato, como são exemplos as

situações compensatórias da acidose respiratória ou alcalose metabólica.

Magnésio

O magnésio é o quarto catião mais abundante presente no organismo e é um

cofactor essencial para o funcionamento e activação de várias enzimas que participam

nos processos de glicólise, de transmissão neuromuscular e de síntese de hidratos de

carbono, lípidos e ácidos nucleicos. A manutenção da sua concentração no organismo é

quase exclusivamente por via do sistema renal através dos processos de reabsorção ao

nível do túbulo proximal, da ansa ascendente de Henle e do túbulo distal, e do processo

de excreção pela urina.

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Também no caso destes iões, o mau funcionamento dos mecanismos de

regulação da sua concentração sérica causam desequilíbrios, nomeadamente

hipomagnesémia e hipermagnesémia.

A hipomagnesémia é uma situação patológica mais frequentemente observada

em doentes internados nos cuidados intensivos ou sujeitos a terapias diuréticas e que

pode ter várias causas. A existência de distúrbios gastrointestinais, como vómitos ou

diarreia, ou a realização de cirurgias causam a perca de elevadas quantidades de iões

magnésio através das fezes devido à sua mal absorção; glomerulonefrite e pielonefrite

são exemplos de patologias renais que causam o aumento da excreção de iões magnésio

e como tal a diminuição da sua concentração; e o hiperparatiroidismo e o

hiperaldosteronismo são patologias endócrinas que devido ao excesso de produção de

hormonas causam a retenção de iões cálcio e sódio, respectivamente, e como

consequência a excreção aumentada de iões magnésio.

A hipermagnesémia é uma situação patológica que é menos frequente que a

hipomagnesémia e que pode ter como causas situações de falência renal, a ingestão em

excesso de medicamentos que contenham na sua constituição magnésio, como são

exemplos os antiácidos e os catárticos, e patologias oncológicas como o mieloma

múltiplo e metástases ósseas.

Cálcio

O cálcio é um catião divalente muito importante nos processos de contracção das

células do miocárdio. A regulação dos seus níveis é devida à acção de três hormonas, a

PTH, a vitamina D e a calcitonina. A PTH é excretada quando ocorre diminuição dos

seus níveis no sangue, sendo responsável pela activação dos osteoclastos que degradam

a matriz óssea e causam a libertação de iões cálcio, e pela estimulação dos processos de

reabsorção por parte dos túbulos renais. Nos rins, a PTH vai ainda estimular a produção

de vitamina D, que aumenta a absorção deste ião ao nível dos intestinos e dos rins. Por

fim, a calcitonina não participa no mecanismo normal de regulação, sendo apenas

excretada em situações de hipercalcémia, onde é responsável pela inibição da acção da

PTH e da vitamina D.

A hipocalcémia é uma situação patológica caracterizada pela presença de

concentrações baixas de cálcio no sangue, e que aparece por exemplo em consequência

de casos de hipoparatiroidismo primário devido à baixa excreção de PTH que causa

excreção aumentada de cálcio por parte do sistema renal, de casos de rabdomiólise,

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onde os iões fosfato libertados das células destruídas se ligam aos iões cálcio,

provocando a diminuição da sua concentração na forma livre, e de casos de

hipoalbuminémia devido à redução da ligação dos iões cálcio à albumina.

A hipercalcémia contrariamente significa a presença de elevadas concentrações

de cálcio no sangue, e tem como principais causas o hiperparatiroidismo primário e as

patologias oncológicas. No hiperparatiroidismo primário há um aumento significativo

na produção de PTH enquanto nas patologias oncológicas, as células malignas

produzem um péptido de estrutura muito semelhante à hormona PTH e com capacidade

de se ligar aos seus receptores.

Fósforo

O fósforo é um anião que se encontra distribuído por todo o organismo,

desempenhando um papel muito importante nos mecanismos de transdução de sinais, e

sendo parte constituinte de várias moléculas, como os ácidos nucleicos, as enzimas, os

principais reservatórios de energia sob a forma de ATP, e os compostos importantes

para a sobrevivência das células como é exemplo o 2,3-bifosfoglicerato, responsável

pela modulação da afinidade da hemoglobina para as moléculas de oxigénio.

Visto os iões fósforo possuírem funções vitais para a sobrevivência do

organismo, é muito importante a existência de mecanismos de controlo da sua

concentração, como são exemplos o sistema renal devido aos processos de reabsorção e

excreção, a vitamina D que em casos de depleção de iões fósforo aumenta a sua

absorção no intestino e a sua reabsorção ao nível dos rins, e a PTH que é excretada na

presença de elevadas concentrações de fósforo, e que actua ao nível do sistema renal

para que ocorra a sua excreção.

No entanto, na presença de situações patológicas, os mecanismos de regulação

deste ião tornam-se ineficientes, surgindo casos de hipofosfatémia e hiperfosfatémia.

A hipofosfatémia é uma situação patológica que surge maioritariamente nos

indivíduos hospitalizados, ou em casos de cetoacidose diabética, doença pulmonar

obstrutiva crónica, asma, doenças inflamatórias crónicas, hiperparatiroidismo e

deficiência em vitamina D.

A hiperfosfatémia surge maioritariamente em indivíduos com insuficiência renal

aguda ou crónica, em recém-nascidos devido ao desenvolvimento imaturo do

metabolismo da PTH e da vitamina D, e em casos de leucemia linfoblástica devido à

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presença de quantidades de fósforo mais elevadas nos linfoblastos comparativamente

aos linfócitos.

Avaliação do metabolismo do ferro

O ferro é um ião presente em baixas quantidades no organismo humano, estando

distribuído maioritariamente nos eritrócitos e nos seus percursores medulares como

parte constituinte da hemoglobina, encontrando-se ligado a várias enzimas, actuando

como cofactor, e estando armazenado na forma de ferritina e hemossiderina.

A alimentação é a principal fonte de ferro. Na comida, este ião encontra-se

maioritariamente no estado férrico (Fe III). Após a ingestão dos alimentos, o ferro, por

acção de agentes como a vitamina C, é reduzido ao seu estado ferroso e é absorvido

pelas células da mucosa intestinal, onde se ligam à apoferritina e são oxidados ao seu

estado férrico pela ceruloplasmina. No seu estado férrico, os iões são transportados no

plasma ligados à transferrina, sendo, posteriormente, absorvido pelas células do

organismo. Ao nível das células existem duas proteínas que são responsáveis pela

manutenção da homeostasia do ferro no organismo, a ferroportina e a hepcidina. A

hepcidina actua como regulador do influxo de ferro para o plasma a partir dos tecidos,

nomeadamente dos enterócitos que absorvem o ferro proveniente da dieta, dos

macrófagos que reciclam o ferro a partir dos eritrócitos senescentes, e dos hepatócitos

que constituem o principal reservatório de ferro. Assim na presença de excesso de ferro,

após a ligação da hepcidina à ferroportina, que representa o único exportador celular de

ferro conhecido e receptor da hepcidina, o complexo hepcidina-ferroportina é

internalizado nos domínios da membrana basolateral dos macrófagos e hepatócitos, a

ferroportina é degradada causando o bloqueio da libertação de ferro das células para a

circulação sanguínea, havendo, como consequência acumulação de ferro nos

hepatócitos e macrófagos. Deste modo vai ocorrer redução da passagem de ferro para o

plasma, resultando numa diminuição da saturação da transferrina, na existência de uma

menor quantidade de ferro na circulação sanguínea e na normalização dos níveis de

ferro.

A determinação do ferro sérico reflecte principalmente a concentração do ferro

ligado à transferrina e auxilia no diagnóstico de algumas patologias como são exemplos

a anemia ferropénica e a hemocromatose.

A anemia ferropénica é um dos desequilíbrios do metabolismo do ferro mais

comum em todo o mundo, afectando maioritariamente mulheres grávidas e em idade

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reprodutiva, crianças e adolescentes. A deficiência de ferro surge quando ocorre

depleção das reservas de ferro existentes na forma de ferritina e hemossiderina,

acompanhado da diminuição dos níveis de ferro e da saturação da transferrina. As

causas que estão na sua origem são inúmeras, podendo incluir deficiências funcionais

ou estruturais das principais proteínas envolvidas no metabolismo do ferro, a ferritina e

a transferrina, a ingestão de baixas quantidades de ferro, hemorragias, e situações

patológicas que provocam má absorção intestinal e deficiência na produção de

eritropoietina. O seu diagnóstico não inclui somente a determinação da concentração do

ferro, que se encontra diminuída, mas também são uteis a determinação da concentração

da hemoglobina, do hematócrito, da concentração da ferritina, da saturação da

transferrina, os quais se encontram diminuídos, da capacidade de fixação do ferro, da

concentração de transferrina, que se encontram aumentados, e dos índices

hematimétricos que na maioria dos casos revelam uma anemia microcítica e

hipocrómica. Existem ainda outros exames mais específicos, como são exemplos o

mielograma, a biópsia da medula óssea e a electroforese das hemoglobinas, que apesar

de não serem utilizados rotineiramente, podem ajudar no diagnóstico e prognóstico

desta situação patológica.

A hemocromatose é outro exemplo de desequilíbrio do metabolismo do ferro, e

consiste numa doença genética autossómica recessiva caracterizada pelo aumento da

absorção de ferro e pela sua acumulação em vários órgãos, nomeadamente o fígado, o

pâncreas, o coração e a hipófise. O ferro, sendo um metal, quando presente em excesso

é tóxico para o organismo, fazendo com que os indivíduos que sofram desta doença

possuam maior risco de desenvolvimento de problemas cardíacos, cirrose, fibrose e

cancro hepático. Na avaliação laboratorial desta patologia a concentração do ferro, da

ferritina e da saturação da transferrina encontram-se geralmente aumentadas, enquanto a

concentração da transferrina e a capacidade de fixação do ferro encontram-se

ligeiramente diminuídas.

Na tabela 7 estão representadas outras situações patológicas causadas por

desequilíbrios do metabolismo do ferro e as respectivas alterações bioquímicas

(respeitantes à concentração do ião ferro, e aos níveis de transferrina, ferritina, saturação

de ferritina e capacidade de fixação do ferro) que auxiliam no seu diagnóstico.

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Síndromes infecciosos

Os síndromes infecciosos são inúmeros, podem ter várias etiologias e o seu

diagnóstico é complexo, envolvendo a realização de inúmeros exames. No âmbito das

análises clínicas, o diagnóstico de infecções e processos inflamatórios engloba a

determinação de uma vasta gama de parâmetros, como são exemplos a Proteína C

Reactiva e as Imunoglobulinas.

Proteína C Reactiva

A Proteína C Reactiva é sintetizada no fígado e tem a capacidade de se ligar a

polissacáridos presentes na parece celular dos microorganismos, opsonizando-os, e a

substâncias tóxicas libertadas por tecidos lesionados, activando a via clássica do

complemento, e promovendo, como consequência, a fagocitose e a lise de células

invasoras. É considerada uma proteína de fase aguda positiva, observando-se aumento

dos seus níveis na presença de qualquer processo infeccioso causado por

microorganismos ou de etiologia auto-imune, sendo por esta razão também muito

inespecífica e tendo um papel muito restrito na pesquisa da etiologia de processos

inflamatórios.

O seu doseamento é assim muito importante na detecção de infecções, lesões

tecidulares, processos inflamatórios e de doenças auto-imunes.

A sua determinação revelou-se também importante na avaliação de risco de

desenvolvimento de doenças cardiovasculares, na medida em que estudos realizados

demonstram que a existência de níveis aumentados de Proteína C Reactiva aumentam o

Condição

patológica

Concentração

do ião ferro

Nível da

transferrina

Nível da

ferritina

Nível da

saturação

de

ferritina

Nível da

capacidade

de fixação

do ferro

Doenças

oncológicas Diminuído Diminuído Aumentado Diminuído Diminuído

Hepatite viral Aumentado Aumentado Aumentado Normal ou

aumentado Aumentado

Anemia

sideroblástica Aumentado

Normal ou

diminuído Aumentado Aumentado

Normal ou

diminuído

Anemia

crónica Diminuído

Normal ou

diminuído

Normal ou

aumentado Diminuído

Normal ou

diminuído

Tabela 7 – Patologias que causam desequilíbrio da concentração sérica do ião ferro e o seu

respectivo perfil dos vários marcadores que avaliam o estado do ferro no organismo.

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risco de ocorrência de enfarto agudo do miocárdio pois estimulam a produção de factor

tissular, que ao ligar-se às LDL, promove a formação das placas de ateromas, e a

consequente obstrução dos vasos sanguíneos.

Imunoglobulinas

As imunoglobulinas são glicoproteínas sintetizadas pelos plasmócitos em

resposta à presença de antigénios e têm como principais funções o reconhecimento de

antigénios e a estimulação de mecanismos imunológicos eficientes capazes de destruir

os antigénios. Estas proteínas são constituídas por duas cadeias pesadas e duas cadeias

leves unidas por ligações dissulfito, e podem ser classificadas em cinco classes

denominadas IgG, IgA, IgM, IgE e IgD, de acordo com o tipo de cadeia pesada que

possuem.

As IgG são a classe de imunoglobulinas que existem em maior abundância no

sangue e são responsáveis pela opsonização dos agentes patogénicos, pela neutralização

de toxinas e pela activação do sistema do complemento. Na presença de situações

patológicas os seus níveis sofrem alterações, podendo o seu doseamento ser útil para o

diagnóstico de doenças hepáticas, gamapatias monoclonal, como é exemplo o mieloma

do tipo IgG, gamapatias policlonais e de infecções parasitárias, nos quais se encontram

valores aumentados de IgG; e em situações de imunodeficiência adquirida, mielomas

não-IgG e síndrome nefrótico nos quais se detectam níveis diminuídos de IgG.

As IgA são a classe de imunoglobulinas encontradas nas secreções das mucosas,

como são exemplos a saliva, as lágrimas, fluido vaginal e as secreções dos sistemas

respiratórios e digestivo, contribuindo para a sua protecção contra agentes patogénicos.

O seu doseamento é útil na detecção do síndrome nefrótico, leucemias linfoblásticas

agudas e crónicas e de síndromes de má absorção, nos quais os seus níveis estão

diminuídos; e em casos de cirrose portal, gamapatias monoclonal, como é exemplo o

mieloma do tipo IgA, gamapatias policlonais, doenças inflamatórios do tracto digestivo

e respiratório e imunodeficiência como o síndroma de Wiskott-Aldrich, nos quais os

seus níveis estão aumentados.

As IgM são as primeiras imunoglobulinas a aumentar de níveis em resposta à

presença de antigénios, estando aumentadas em casos de cirrose biliar primária,

Macroglobulinémia de Waldenström, infecções parasitárias como a malária e a

toxoplasmose, e em infecções virais como a rubéola, o citomegalovírus e os herpes.

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Por fim, as IgD e IgE não doseadas no laboratório SOERAD, no entanto as suas

determinações são importantes no diagnóstico de algumas situações patológicas. As IgD

são imunoglobulinas que, apesar de se conhecer pouco acerca das suas funções, estão

aumentadas em situações infecciosas, em doenças hepáticas e em infecções do tecido

conectivo. As IgE são imunoglobulinas que, em situações fisiológicas normais, estão

presentes em baixas concentrações, observando-se aumento dos seus níveis em

episódios agudos de asma, na ocorrência de reacções anafilácticas, febre dos fenos, e em

consequência de uma situação patológica mais rara, o mieloma do tipo IgE.

2.1.1.4. ANÁLISE SUMÁRIA DA URINA TIPO II

A análise sumária da urina tipo II engloba o exame físico, a análise química e o

exame microscópico do sedimento urinário, e representa uma forma fiável de avaliar a

função renal e hepática, e de identificar desequilíbrios do metabolismo dos glúcidos, a

partir de um produto biológico facilmente acessível.

No laboratório SOERAD as urinas tipo II são analisadas no aparelho automático

Aution Max 4280 (figura 2), que permite o estudo da cor e da turvação, e a

determinação da densidade específica, do pH, e das concentrações de glucose,

eritrócitos, bilirrubina, urobilinogénio, cetonas, proteínas, nitritos e leucócitos.

Figura 2 – Aparelho automático Aution Max 4280 responsável pela análise

física e química da urina tipo II.

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Na tabela 8 estão representados os parâmetros determinados no aparelho

automático Aution Max 4280 e os respectivos métodos utilizados.

*O valor limite representa o valor máximo considerado normal pelos autores do

manual de utilizador do aparelho automático Aution Max 4280. Os resultados com um

valor superior devem ser considerados positivos.

Exame físico da urina tipo II

O exame físico da urina tipo II inclui o estudo da cor, do aspecto ou turvação, da

gravidade específica e do cheiro.

Cor

A cor da urina pode variar desde incolor até preto, dependendo da concentração

de elementos presentes na urina, do grau de hidratação, da actividade física, de

compostos ingeridos e da existência de determinadas condições patológicas.

Parâmetro Método utilizado Limite de detecção Valor

limite*

Cor

Medição da reflectância a

635nm, 565nm, 430nm e a

760nm

-

Gravidade

específica

Método do índice de

refracção -

Glucose Reacção glucose oxidase-

peroxidase-cromogéneo 10 mg/dL 60 mg/dL

Proteínas Reacção de erro da proteína

do indicador de pH 5 mg/dL 25 mg/dL

Bilirrubina Reacção da bilirrubina com

um sal de diazónio 0,2 mg/dL 0,35 mg/dL

Urobilinogénio Reacção do urobilinogénio

com um sal de diazónio 0,2 mg/dL 1,5 mg/dL

pH

Alteração de cor de

indicadores entre pH 4,5 e pH

9

-

Sangue

Detecção de actividade da

pseudoperoxidase da

hemoglobina

Hemoglobina: 0,03

mg/dL; Eritrócitos: 10

eritrócitos/µL

0,045 mg/dL

Cetonas Reacção legal 5 mg/dL 7,5 mg/dL

Nitrito Reacção de Griess

Quantidade de

bactérias: 105/mL;

Nitritos: 0,08 mg/dL

0,08 mg/dL

Leucócitos Detecção da actividade da

esterase nos leucócitos 25 leucócitos/µL

50

leucócitos/µL

Tabela 8 – Representação dos parâmetros determinados pelo analisador automático Aution Max

4280, os métodos utilizados e os valores correspondentes ao limite de detecção e ao valor limite.

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61

A variação observada na cor da urina deve-se à excreção de diferentes

pigmentos. Assim, a urina pode apresentar uma coloração amarela devido à presença de

urocromo e de pequenas quantidades de urobilina e uroeritrina; coloração amarela ou

verde acastanhada resultante da presença de pigmentos biliares como a bilirrubina;

coloração vermelha acastanhada derivado da presença de hemoglobina ou eritrócitos; ou

coloração preta nos casos de alcaptonúria, em que há excreção de ácido homogentísico,

ou nos casos de melanoma, onde ocorre a oxidação dos percursos da melanogénese em

melanina.

Aspecto ou turvação

A avaliação do aspecto ou turvação da urina é um passo muito importante para a

avaliação microscópica do sedimento urinário pois o aumento de turvação poderá

indicar a presença de elementos sólidos, que podem ser patológicos ou benignos,

possíveis de se encontrar na avaliação do sedimento urinário.

A existência de turvação depende essencialmente do pH da urina e da presença

de compostos sólidos dissolvidos, e deve ser avaliada a partir da observação da urina

contida num recipiente transparente, e contra uma fonte de luz.

As causas que estão na origem do aparecimento de turvação da urina podem ser

de natureza patológica e não patológica. As principais causas não patológicas incluem a

existência de cristais de fosfatos amorfos ou carbonatos em urinas alcalinas refrigeradas

ou conservadas incorrectamente, a presença de cristais de uratos em urinas ácidas

refrigeradas ou conservadas incorrectamente, e a presença de células epiteliais de

descamação e muco, de cremes vaginais e de contaminação fecal e seminal.

Relativamente às principais causas patológicas que estão na origem do aparecimento de

turvação na urina tem se a presença de leucócitos, eritrócitos, células epiteliais que não

de descamação ou muco, bactérias, leveduras, fungos, cristais anormais e lípidos.

Gravidade específica

A gravidade específica indica a densidade das substâncias químicas que estão

dissolvidas na urina, permitindo avaliar a função de reabsorção e o poder de

concentração do sistema renal, o estado de hidratação e possíveis defeitos na síntese ou

acção das hormonas antidiuréticas. Em condições fisiológicas normais, os valores da

gravidade específica situam-se entre 1,005 e 1,030. Porém em situações patológicas

como são exemplos a diabetes insipidus, pielonefrite e glomerulonefrite, os valores de

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gravidade específica encontram-se diminuídos devido à reduzida capacidade de

concentração do sistema renal. Contrariamente a existência de diabetes mellitus,

insuficiência cardíaca congestiva, desidratação, insuficiência adrenal e doenças

hepáticas, podem causar o aumento da gravidade específica.

O método de determinação deste parâmetro baseia-se no índice de refracção da

urina. Neste método após incidência de luz monocromada na amostra de urina, a luz

incide numa escala de gravidade específica calibrada, num determinado ângulo

dependente da concentração das substâncias dissolvidas na urina.

Na calibração do método são utlizados dois níveis de calibradores, que são

fornecidos em estado líquido, e que após serem introduzidos no aparelho automático

pela ordem correcta, primeiro o CAL 1 e depois o CAL 2, o analisador calcula

automaticamente os factores de calibração, utilizando-os posteriormente para registar os

resultados.

Cheiro

O cheiro é uma característica física considerada com pouco significado clínico.

No entanto existem patologias que causam um odor característico, permitindo ao

analista orientar a sua investigação. Como exemplos tem se a urina dos indivíduos com

diabetes não controlada, que possui um odor adocicado devido à presença de cetonas

resultantes do catabolismo lipídico, os casos de fenilcetonúria, em que a urina possui

um odor a mofo, e as situações de infecção do tracto urinário, que causam a excreção de

urina com um odor fétido.

Exame químico da urina tipo II

A análise química da urina tipo II é realizada pelo aparelho automático Aution

Max 4280, no qual são introduzidas tiras-teste, que por via da produção de diferentes

colorações como resultado da reacção dos reagentes com a urina, permite a

determinação semi-quantitativa dos parâmetros glucose, proteínas, bilirrubina,

urobilinogénio, pH, sangue, cetonas, nitrito e leucócitos.

Descrição dos métodos utilizados para o doseamento dos parâmetros químicos e

importância clínica do seu aparecimento nas amostras de urina tipo II

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Glucose

O método utilizado na determinação da concentração da glucose na urina é

denominado oxidase-peroxidase-cromogénio. Neste método a glucose sofre oxidação

por parte da glucose oxidase levando à formação de ácido glucorónico e peróxido de

hidrogénio. Seguidamente o peróxido de hidrogénio, por acção da peroxidase, oxida o

composto cromogénio (4-Aminoantipirina) causando a formação de um composto

colorido, cuja detecção é feita espectrofotometricamente e cuja absorvência é

directamente proporcional à concentração de glucose. Porém a presença de elevadas

concentrações de ácido úrico, bilirrubina e ácido ascórbico podem causar a obtenção de

valores falsamente diminuídos, pois são compostos que sofrem oxidação pela

peroxidase, e a presença de substâncias fortemente oxidantes como o hipoclorito e o

cloro, bem como uma urina com elevado grau de acidez (pH <4) podem causar a

obtenção de valores falsamente aumentados.

A determinação da concentração de glucose na urina é um teste muito utilizado e

de grande importância no diagnóstico de diabetes mellitus, pois situações de

hiperglicemia causam a saturação dos sistemas de transporte tubular renal e a sua

consequente incapacidade de absorver glucose. Também é um teste que permite a

monitorização do sistema renal destes doentes pois uma das complicações a longo prazo

é insuficiência renal, que quando instalada provoca uma deficiência na reabsorção de

glucose e outras substâncias por parte dos túbulos renais, levando ao aparecimento de

glucose na urina.

A glicosúria também pode ser observada em consequência de patologias como a

pancreatite, tumor pancreático, síndrome de Cushing e hipertiroidismo, devido à

diminuição de produção de insulina e à elevada síntese de hormonas hiperglicemizantes,

como a hormona do crescimento, epinefrina e cortisol, que provocam o aumento dos

níveis de glucose no sangue.

Contudo é possível detectar-se pequenas quantidades de glucose na primeira

urina da manhã em indivíduos saudáveis.

Proteínas

O método utilizado na determinação da concentração de proteínas na urina

baseia-se na reacção de erro da proteína do indicador do pH. Este teste é muito sensível

para a determinação da albumina e menos sensível para a determinação das globulinas,

proteína de Bence-Jones e das mucoproteínas, e sofre interferências em amostras de

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urina com pH inferior a 3, obtendo-se valores falsamente diminuídos, e em urinas com

pH superior a 8 e com concentrações elevadas de hemoglobina e substâncias de alto

peso molecular, obtendo-se valores falsamente aumentados.

A proteinúria é um parâmetro muito importante na avaliação do sistema renal,

nomeadamente na função de filtração glomerular. Em condições fisiológicas normais é

possível detectar-se presença de proteínas na urina devido a alterações fisiológicas que

ocorrem como consequência de excesso de exercício físico, stress ou alimentação

desequilibrada. Nestas situações, a proteinúria é inferior a 10 mg/dL ou 100 mg/24h, e

as proteínas existentes maioritariamente são as de baixo peso molecular, como a

albumina, as produzidas no tracto urinário, como é exemplo a proteína de Tamm-

Horsfall, as microglobulinas, e as proteínas presentes nas secreções prostática, e

seminal. No entanto, a presença de situações patológicas que provocam uma diminuição

da capacidade de reabsorção dos túbulos renais, um aumento da carga de filtração, ou a

ocorrência de alterações na permeabilidade dos glomérulos que diminuem a capacidade

filtrante dos mesmos causam o aparecimento de maior quantidade de proteínas na urina,

algumas de massa molecular elevada.

Contudo para um estudo mais preciso da proteinúria, é útil proceder-se à

determinação da concentração de proteínas em amostras de urina de 24h, ou à realização

de electroforese de proteínas de modo a identificar as proteínas existentes na urina.

Bilirrubina

A bilirrubina directa na urina é determinada com base na sua reacção com um

sal de diazónio que resulta na formação de um composto castanho-avermelhado cuja

formação pode ser detectada espectrofotometricamente, e a sua intensidade

directamente proporcional à concentração de bilirrubina. Este teste sofre interferências

na presença de elevadas concentrações de ácido ascórbico, ácido úrico e nitrito,

podendo-se obter valores falsamente diminuídos, e na presença de urobilinogénio e

etodolac (anti-inflamatório não esteróide), podendo-se obter valores falsamente

aumentados. Também é possível obter valores alterados deste parâmetro caso a tira-teste

sofra acção da luz pois a bilirrubina sofre processos de degradação pela luz.

Em condições fisiológicas normais não se detecta presença de bilirrubina na

urina, devendo o encontro de pequenas quantidades de bilirrubina na urina ser

encarados como significativos. Situações patológicas que causam o aparecimento de

bilirrubinúria incluem cirrose hepática, hepatites, obstrução biliar e hepatocarcinomas.

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Urobilinogénio

O urobilinogénio é um produto resultante dos processos de redução da

bilirrubina por parte das enzimas da flora bacteriana intestinal. O seu método de

determinação baseia-se no mesmo princípio que o método utilizado para a determinação

da concentração de bilirrubina, sendo afectado pela presença de carbapenem (antibiótico

beta-lactâmico) e bilirrubina.

O aumento da sua concentração na urina surge em casos de doenças hemolíticas

devido à destruição de maior quantidade de eritrócitos, e em casos de doenças hepáticas

como a hepatite e a cirrose hepática. Contudo o urobilinogénio é um pigmento que

existe em pequenas quantidades na urina, sendo possível detectar a sua presença

também em indivíduos saudáveis, ou em situações de cansaço, obstipação ou após

realização de exercício físico ou ingestão de bebidas alcoólicas.

pH

A determinação do pH baseia-se na utilização de indicadores, nomeadamente o

verde de bromocresol e o azul de bromoxilenol, que alteram a sua cor de acordo com o

pH.

Em condições fisiológicas normais, o valor do pH da urina é aproximadamente

6, podendo variar num intervalo entre 4,5 e 8. A alteração do pH da urina para valores

inferiores e superiores dos limites de intervalo podem ser indicativo da presença de

situações patológicas que causam a formação de urinas ácidas e básicas.

A acidez da urina está associada à excreção de compostos derivados do fosfato e

a ácidos não voláteis como são exemplos o ácido pirúvico, o lactato e o citrato, e

surgem em casos de acidose sistémica, diabetes mellitus e acidose tubular renal. Porém,

neste último caso, pode não haver alteração do pH da urina devido a uma incapacidade

de excretar iões H+ por parte dos túbulos renais.

Contrariamente urinas alcalinas estão associadas a casos de infecções

bacterianas do tracto urinário, ao síndrome de Fanconi, uma doença hereditária que se

caracteriza pela disfunção do túbulo proximal, e a situações patológicas que causam

alcalose respiratória e metabólica. Também o armazenamento durante um longo período

de tempo, mesmo a temperaturas baixas, causa a alcalinização das amostras, sendo

recomendado, por este motivo, que a determinação do pH das amostras de urina seja

realizada em amostras frescas.

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Sangue

A determinação de sangue na urina inclui a pesquisa da presença de eritrócitos,

hemoglobina ou mioglobina. O método utilizado pelas tiras-teste consiste na reacção

entre o hidroperóxido de cumeno e o cromogéneo 3,3’,5,5’-tetrametilbenzidina

catalisada pela pseudoperoxidase da hemoglobina, havendo a formação de um composto

de coloração azul cuja intensidade é directamente proporcional à concentração de

sangue presente na amostra de urina. A área de teste possui maior sensibilidade para a

detecção de hemoglobina e mioglobina relativamente a eritrócitos, sofrendo

interferências na presença de elevadas concentrações de ácido ascórbico e proteínas, e

de valores aumentados de gravidade específica, podendo obter-se valores falsamente

diminuídos.

A presença de eritrócitos e hemoglobina na urina podem surgir em casos de

cálculos renais, tumores do tracto urinário, traumatismos vasculares, pielonefrites,

cistite, litíase renal, síndrome nefrótico e, nas mulheres durante o período menstrual,

tratando-se nesta situação de uma contaminação.

A presença de mioglobina na urina está associada à prática de exercício físico

intenso e à existência de situações patológicas que causam a destruição do tecido

muscular como são exemplos traumatismos musculares, distrofia muscular progressiva

e polimiosite.

Corpos cetónicos

Os corpos cetónicos produzidos pelo organismo são o ácido acetoacético, o

ácido beta-hidroxibutírico e a acetona. Estes compostos são produtos do catabolismo

lipídico sintetizados em situações de baixa concentração de hidratos de carbono. Em

condições fisiológicas normais a quantidade de corpos cetónicos existentes no plasma e

na urina é muito baixa, não sendo, em muitos casos, possível detectar-se a presença de

corpos cetónicos na urina. No entanto em casos de jejum prolongado, excesso de

exercício físico, diabetes mellitus descompensada, deita rica em lípidos, vómitos

prolongados e doenças que afectam o armazenamento da glucose soba forma de

glicogénio, existe a diminuição da concentração de glucose no sangue e a consequente

formação de corpos cetónicos que ao atingirem um determinado limiar, são eliminados

pela urina.

A determinação da cetonúria é útil em indivíduos com diabetes mellitus na sua

fase aguda, com sinais e sintomas de cetoacidose, com concentração de glucose no

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sangue superior a 300 mg/dL, e nas grávidas. O método utilizado no seu doseamento na

urina baseia-se na reacção de legal, na qual a reacção entre os corpos cetónicos e o

nitroprussiato de sódio em meio alcalino provoca a formação de um complexo de cor

violeta cuja intensidade é directamente proporcional à concentração dos corpos

cetónicos na amostra. A área de teste possui maior sensibilidade ao ácido acetoacético

relativamente à acetona, não reage com o ácido β-hidroxibutírico e sofre interferências

com a presença de elevadas concentrações de fenilcetona, cefalosporina, L-DOPA e

enzima redutora de aldose, podendo obter-se valores falsamente aumentados.

Nitritos

O teste de pesquisa de nitritos na urina possui um papel muito importante no

diagnóstico de infecções bacterianas do tracto urinário pois permite a detecção de

bactérias na urina através da reacção de Griess. Neste método, os nitritos reagem com a

sulfanilamida em meio ácido levando à formação de um sal diazónico, que

posteriormente reage com o dicloridrato N-1-naftiletilenediamina, formando-se um

composto de coloração vermelha. Este teste reage unicamente com o nitrito, a

intensidade da cor do composto de coloração vermelha formado não é directamente

proporcional à quantidade de bactérias presente na amostra, e sofre interferências na

presença de elevadas concentrações de ácido ascórbico e de valores aumentados de

gravidade específica, podendo obter-se valores falsamente diminuídos.

A obtenção de um resultado positivo é indicativa de presença de bactérias,

porém um resultado negativo não implica a inexistência de bactérias na urina pois as

bactérias presentes podem não possuir a enzima responsável pela redução dos nitratos a

nitritos, como são exemplos as bactérias pertencentes aos géneros Staphylococcus sp.,

Enterococcus sp., e Streptococcus sp., ou, alternativamente, um resultado negativo pode

ser resultado da retenção da urina na bexiga durante um curto período de tempo,

fazendo com que na amostra esteja presente uma quantidade de bactérias indetectável

pelo método presente na tira-teste.

Leucócitos

A determinação do número de leucócitos na urina é realizada através da

detecção da actividade da esterase, que é uma enzima presente nos leucócitos,

especialmente nos fagócitos. Neste teste há a formação de um composto violeta, cuja

intensidade é directamente proporcional à quantidade de leucócitos presente na amostra,

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e que resulta da reacção entre um sal diazónico (2-metoxi-4-(N-

morfolino)benzenediazónio) com o produto de hidrólise do 3-(N-toluenosulfonil-L-

alaniloxi)indol catalisado pela enzima esterase. No entanto a presença de elevadas

concentrações de bilirrubina e formaldeído podem causar a obtenção de valores

falsamente aumentados, enquanto a existência de elevadas concentrações de glucose e

proteínas, baixo pH e valores aumentados de gravidade específica poderão causar a

obtenção de valores falsamente diminuídos.

A presença de leucócitos na urina está maioritariamente associada a infecções do

tracto urinário, podendo também estar presentes em patologias renais, traumas e na

consequência de ingestão de substâncias irritantes.

Exame microscópico do sedimento urinário

O exame microscópico do sedimento urinário consiste na identificação e

quantificação de elementos figurados na urina, que incluem células epiteliais,

eritrócitos, cilindros, leucócitos, granulações, cristais, leveduras, bactérias, parasitas e

filamentos de muco, cuja presença ou existência em quantidades anormais está

associada a determinadas situações patológicas.

O sedimento urinário é obtido após centrifugação da urina a 715×g durante 10

minutos, e decantação do sobrenadante.

No laboratório SOERAD, após a análise física e química da urina no aparelho

automático, realiza-se a observação microscópica do sedimento apenas das amostras de

urina que apresentam resultado positivo nos parâmetros sangue, bilirrubina, nitritos,

turbidimetria e leucócitos, concentração de proteínas superior ou igual a 30 mg/dL,

concentração de glucose superior ou igual a 60 mg/dL, concentração de corpos

cetónicos superior ou igual a 8 mg/dL e valores aumentados da gravidade específica.

Células epiteliais

A existência de células epiteliais nas amostras de urina não está associada

directamente a situações patológicas, sendo muito comum a sua presença em mulheres

devido à contaminação vaginal.

No exame microscópio do sedimento urinário a quantificação das células

epiteliais é reportada como raras, algumas ou muitas.

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Existem três tipos principais de células epiteliais que incluem as células

epiteliais de descamação, as células epiteliais de transição ou uroteliais e as células

epiteliais redondas.

As células epiteliais de descamação (figura 3) apresentam citoplasma abundante

e irregular, e núcleo pequeno e evidente, são resultado do processo de descamação

natural dos nefrónios e do epitélio do tracto urinário, estando presentes em raras

quantidades em amostras de indivíduos saudáveis. Porém quando presentes em elevado

número ou morfologicamente alteradas (figura 4), é importante referir a sua existência

pois em muitos casos estão associadas a processos patológicos.

As células epiteliais de transição ou uroteliais (figura 5) possuem menor

tamanho que as células epiteliais de descamação, podem apresentar-se de várias formas,

esféricas, poliédricas ou caudadas (figura 6), e em raras quantidades a sua presença é

possível ser detectada em condições fisiológicas normais. No entanto o aumento da sua

quantidade na urina está associado a casos de indivíduos algaliados, inflamação na

bexiga e neoplasias.

Figura 3 – Aglomerado de células epiteliais de

descamação (×400).

Figura 4 – Aglomerado de células

epiteliais de descamação com forma

alterada (×400).

Figura 6 – Células epiteliais de transição

de forma caudada (×400).

Figura 5 – Sincícios de células epiteliais

de transição (×400).

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As células tubulares renais (figuras 7, 8 e 9) são uninucleadas e a sua presença é

indicativa de existência de processo patológico, estando associadas a situações de

necrose tubular renal. Estas células possuem várias formas dependentes da zona de

origem, podendo assumir uma estrutura rectangular, no caso de necrose das células do

túbulo proximal, ou redonda no caso de necrose das células do túbulo distal.

As causas que estão na origem do seu aparecimento são várias, que podem

incluir infecções virais, pielonefrites, neoplasias, rejeição de transplantes renais e

exposição a metais pesados.

Eritrócitos

Os eritrócitos (figuras 10 e 11) são células anucleadas, de tamanho reduzido, e

de várias formas, como redondas, crenadas ou esbatidas, fazendo com que em alguns

casos seja difícil a sua identificação. A sua presença na urina pode ocorrer em situações

fisiológicas normais, resultando de contaminação menstrual ou da prática de exercício

físico, ou em consequência de situações patológicas como obstrução por cálculos renais,

traumas vasculares, pielonefrites e cistites.

A quantificação dos eritrócitos é reportada de forma quantitativa e resulta da

média da contagem dos eritrócitos realizada em 10 campos. Assim, os eritrócitos podem

ser descritos como raros, caso estejam presentes <2 ou 2-4 eritrócitos, alguns, caso

estejam presentes 4 a 10 eritrócitos, ou muitos, caso o número de eritrócitos seja

superior a 10. A presença de raros eritrócitos, geralmente <2 por campo, pode ocorrer

em indivíduos sem que esteja associado a ocorrência de patologia. Contudo a existência

Figura 6 – Sincícios de células epiteliais de

transição (×400).

Figura 7 – Células epiteliais

tubulares renais ovais

características do túbulo distal

(×400).

Figura 8 – Células

epiteliais tubulares

renais rectangulares

características do

túbulo proximal

(×400).

Figura 9 – Células epiteliais

tubulares renais cubóides

características do ducto

colector (×400).

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de alguns ou muitos eritrócitos é indicativo de doença renal ou do tracto urinário, como

são exemplos as situações patológicas mencionadas anteriormente.

Leucócitos

Os leucócitos (figura 12) são células nucleadas, de maior dimensão que os

eritrócitos, e podem estar presentes na urina em condições fisiológicas normais, em

baixas quantidades, geralmente num número inferior a 5 por campo.

O aumento do número de leucócitos na urina (figura 13) é observado em

inúmeras patologias, nomeadamente pielonefrite, cistite, prostatite, uretrite,

glomerulonefrite, infecções do sistema renal, e tumores.

O tipo de leucócitos maioritariamente encontrados na urina são os fagócitos

polimorfonucleados (neutrófilos), que ao possuírem granulações, são facilmente

identificados. Porém, em determinadas situações patológicas, pode ocorrer o

aparecimento de eosinófilos na urina, como são exemplos a nefrite intersticial

provocada por fármacos, e a rejeição de transplantes renais. Neste último caso, pode

ocorrer ainda o aparecimento de células mononucleares, nomeadamente linfócitos,

monócitos e macrófagos. Porém não é fácil realizar a sua identificação

microscopicamente, pois os linfócitos, devido ao seu reduzido tamanho, muitas vezes

Figura 10 – Eritrócitos normais (×400). Figura 11 – Eritrócitos dimórficos (×400).

Figura 12 – Leucócitos (×400). Figura 13 – Aglomerado de leucócitos

(×400).

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são confundidos com eritrócitos, e os monócitos e os macrófagos são difíceis de

distinguir de neutrófilos desintegrados e de células epiteliais tubulares renais.

A quantificação dos leucócitos é reportada quantitativamente e resulta da média

da contagem dos leucócitos realizada em 10 campos. Assim, os leucócitos podem ser

descritos como raros, caso estejam presentes <2 ou 2-4, alguns, caso estejam presentes 4

a 12, ou muitos, caso o número seja superior a 12.

Cilindros

Os cilindros são as únicas estruturas provenientes exclusivamente do sistema

renal, sendo formados a partir da precipitação de mucoproteínas, nomeadamente da

proteína Tamm-Horsefall, em situações de estase urinária, diminuição do pH da urina, e

na presença de elevadas concentrações de sais e proteínas. Existem vários tipos de

cilindros, como são exemplos os hialinos, os granulares e os celulares.

Os cilindros hialinos (figuras 14 e 15) possuem uma matriz clara e gelatinosa,

não apresentam inclusões celulares, surgindo na urina como resultado de situações que

provocam um aumento da permeabilidade dos glomérulos, que podem ou não serem

patológicas. Como tal estes cilindros podem aparecer na sequência de episódios de

febre, desidratação ou stress, fazendo com que a sua presença em alguns casos não seja

de origem patológica.

Os cilindros granulares são constituídos por grânulos de várias dimensões e

podem ser parte constituinte do sedimento urinário em situações benignas ou em

consequência de intoxicação prolongada por chumbo, ou de casos de pielonefrite.

Os cilindros celulares incluem vários tipos de cilindros como são exemplos os

cilindros constituídos por eritrócitos (figura 16) e leucócitos (figura 17). A presença

deste tipo de cilindros está na maioria dos casos associada à presença de patologia. Os

Figura 14 – Cilindro hialino (I) (×400). Figura 15 – Cilindro hialino (II) (×400).

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cilindros de eritrócitos surgem em casos de endocardite de origem bacteriana, infarto

renal, doenças do colagénio e glomerulonefrite aguda, enquanto a presença de cilindros

de leucócitos surgem maioritariamente em consequência de casos de pielonefrite e

síndrome nefrótico.

Os cilindros de células epiteliais são exemplo de outro tipo de cilindros celulares

que em indivíduos saudáveis podem surgir na urina em quantidades baixas devido ao

processo natural de renovação celular dos sistemas renal e urinário. Porém a existência

de elevado número deste tipo de cilindros está associada a situações patológicas como

intoxicação por metais pesados, toxicidade renal, eclampsia, síndrome nefrótico e

amiloidose.

Na urina a quantificação de todas as estruturas anteriormente referidas é

reportada pelo número observado por campo, sendo o valor final resultado da média dos

cilindros observados no mínimo em dez campos.

Cristais

Os cristais são resultado da precipitação de compostos orgânicos, sais

inorgânicos e compostos iatrogénicos devido à ocorrência de alterações na temperatura,

pH e na concentração de solutos.

Existem vários tipos de cristais, patológicos e não patológicos, que dependendo

da sua constituição auxiliam na detecção de erros hereditários do metabolismo, e de

patologias hepáticas e renais. Na avaliação do sedimento urinário, estes elementos são

reportados como raros, alguns e muitos, com excepção dos cristais patológicos que

devem ser contabilizados e registado o número observado por campo.

Figura 16 – Cilindro eritrocitário com

presença de eritrócitos hipocrómicos livres

(×400).

Figura 17 – Cilindro leucocitário

desintegrado (×400).

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Nas urinas ácidas os cristais mais frequentemente observados sem significado

clínico incluem os cristais de ácido úrico (figura 18), oxalato de cálcio (figura 19), urato

amorfo (figura 20), urato ácido e urato de sódio.

Os cristais de uratos amorfos são característicos de amostras refrigeradas

conferindo uma coloração rosa ao sedimento urinário. Os cristais de ácido úrico, apesar

de serem considerados cristais não patológicos, quando presentes em elevadas

quantidades estão associados à existência de elevados níveis de purinas e ácidos

nucleicos, situações de gota, e em indivíduos com leucemia e em tratamento

quimioterápico. Os cristais de oxalato de cálcio são incolores, podem ser mono ou

dihidratados e tal como os cristais de ácido úrico também podem estar associados à

existência de situações patológicas, especialmente quando se encontram ligados a

filamentos de muco. Exemplos de patologias em que se observa um elevado número

deste tipo de cristais são a existência de cálculos renais e envenenamento por

etilenoglicol.

Os cristais de urato ácido e urato de sódio são observados com menor frequência

que os referidos anteriormente, sendo frequentemente encontrados juntamente com

cristais de urato amorfo.

Figura 18 – Cristais de ácido úrico (×400). Figura 19 – Cristais de oxalato de cálcio

desidratados (×400).

Figura 20 – Cristais amorfos de urato (×400).

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Nas urinas alcalinas, os cristais não patológicos mais frequentemente observados

são os cristais de triplo fosfato (figura 21), fosfato amorfo (figura 22), fosfato de cálcio

e carbonato de cálcio. Os cristais triplo fosfato apesar de apresentarem reduzido

significado clinico, estão associados a urinas fortemente alcalinas e à presença de

bactérias produtoras de amónia. Os cristais de fosfato de cálcio quando presentes em

elevadas concentrações podem indicar a presença de cálculos renais pois a produção de

cálculos de fosfato de cálcio é comum. Os cristais de carbonato de cálcio são de

pequena dimensão, incolores, e a sua presença não está associada à existência de

nenhum processo patológico.

Os cristais patológicos são encontrados maioritariamente nas urinas ácidas e

incluem os cristais de cistina, colesterol, tirosina, leucina e bilirrubina.

Os cristais de cistina (figura 23) são incolores e são característicos da cistinúria,

que consiste num desequilíbrio genético que provoca a incapacidade de reabsorção da

cistina por parte dos túbulos renais.

Figura 21 – Cristal triplo fosfato

(×400).

Figura 22 – Cristais de triplo fosfato e de fosfatos

amorfos (×400).

Figura 23 – Cristais de cistina (×400).

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Os cristais de colesterol (figura 24) estão associados ao síndrome nefrótico e a

situações patológicas que causam lipúria, no entanto raramente são observados em

amostras frescas devido à presença de baixas quantidades de lípidos na urina.

Por fim, os cristais de tirosina (figura 25), leucina e bilirrubina (figura 26) são

raramente observados, surgindo em patologias hepáticas graves.

Bactérias

Na avaliação do sedimento urinário a observação de bactérias é importante

essencialmente no diagnóstico de infecções do tracto urinário, sendo reportadas como

raras, algumas ou muitas.

Em amostras de urina normal colhidas para contentores estéreis, geralmente não

se observa a presença de bactérias.

A bacteriúria surge maioritariamente em consequência de contaminação fecal,

vaginal e uretral, infecções do tracto superior e inferior urinário, bacteriúria

assintomática e amostras não frescas e não refrigeradas.

As infecções do tracto urinário são caracterizadas pela presença de bactérias e

leucócitos na urina (figura 27). No entanto, a avaliação do sedimento urinário não

permite a identificação do microorganismo nem auxilia no seu tratamento. Para tal,

sempre que se suspeita de infecção do tracto urinário, procede-se à cultura da urina, à

Figura 26 – Cristais de colesterol (×400).

Figura 24 – Cristais de colesterol (×400). Figura 25 – Cristais de tirosina (×400).

Figura 26 – Cristais de bilirrubina (×400).

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realização de testes de identificação e se necessário à execução de antibiogramas. Existe

um número vasto de bactérias causadoras de infecção do tracto urinário, que incluem as

pertencentes ao género Escherichia coli Proteus sp., Staphylococcus sp. e Enterococcus

sp.

A bacteriúria assintomática é caracterizada pela presença de bactérias

acompanhada de ausência de sintomas, surge maioritariamente em jovens mulheres,

grávidas e diabéticos, e deve ser correctamente detectada pois se não tratada causa

complicações graves como são exemplos a pielonefrite e insuficiência renal

permanente.

Leveduras

A candida albicans é um exemplo de levedura possível de se encontrar em

amostras de urina, podendo aparecer na forma de levedura (figura 28) ou hifa septada

ramificada (figura 29), em casos de infecções severas. A população mais

frequentemente associada ao seu aparecimento são os diabéticos descompensados,

devido à elevada concentração de glucose na urina, os indivíduos imunocomprometidos,

nos quais é responsável por infecções disseminadas e graves, e nas mulheres com

candidíase vaginal, sendo nestes casos o agente etiológico.

Tal como as bactérias, infecção por leveduras apenas é considerada quando há

presença de microorganismos e leucócitos, sendo reportadas como raras, algumas ou

muitas.

Parasitas

O parasita maioritariamente encontrado em amostras de urina é a Trichomonas

vaginalis, responsável por uma doença sexualmente transmissível, causando na maior

parte dos casos inflamação vaginal sintomática na mulher, e inflamação uretral e

prostática assintomática nos homens. Estes parasitas apenas são encontrados na forma

de trofozoíto, possuindo uma forma de pera e contendo flagelo e membrana ondulante.

Exemplos de outros parasitas que podem ser encontrados na urina são o

Enterobius vermicularis, por contaminação fecal, e o Schistosoma heamatobium. O

Schistosoma heamatobium é o agente etiológico da Esquistosomose urinária ou vesical,

afecta maioritariamente nas regiões de África e Médio Oriente e é contraído através da

ingestão de água contaminadas com caracóis ou lesmas infectados.

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O Enterobius vermicularis (figura 30) é um parasita que infecta mais

frequentemente crianças em idade escolar e pré-escolar, é responsável por vaginite e

salpingite nas mulheres, e é transmitindo por inalação de aerossóis gerados pelos ovos,

pessoa a pessoa através da manipulação de roupa ou lençóis, ou por auto-infecção

devido à transferência de ovos infecciosos para a boca com as mãos após coçar a zona

perianal. A infecção por este parasita não afecta uma região endémica específica,

estando distribuída globalmente, inclusive em Portugal.

Na avaliação do sedimento urinário, estes elementos, à semelhança das bactérias

e leveduras, são reportados como raros, alguns e muitos.

Filamentos de muco

O muco é uma substância de natureza proteica produzido pelas células epiteliais

do tracto urinário inferior e pelas células tubulares renais, e consistem em estruturas

filiformes irregulares e incolores. A sua presença não possui significado clínico

relevante, porém é importante não confundir estes elementos com cilindros hialinos, que

em alguns casos surgem na sequência da presença de processos patológicos.

Na avaliação do sedimento urinário, os filamentos de muco são reportados como

raros, alguns ou muitos.

Figura 27 – Bactérias e leucócitos (×400). Figura 28 – Leveduras (×400).

Figura 29 – Leveduras com formas

micelares (×400).

Figura 30 – Ovo embrionado de

Enterobius vermicularis (×400).

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2.1.2. TÉCNICA MANUAL

Pesquisa de sangue oculto nas fezes

A pesquisa de sangue oculto nas fezes é um exame muito importante na detecção

precoce de muitas patologias gastro intestinais, sendo o cancro do colon é a mais

relevante, devido à sua alta taxa de diagnóstico e mortalidade.

No laboratório SOERAD, para a detecção de sangue oculto nas fezes, utiliza-se

um teste rápido que em 10 minutos permite determinar qualitativamente os níveis de

hemoglobina, com uma sensibilidade de 30 ng/mL. Este teste baseia-se num método

imunocromatográfico, no qual há migração da amostra de fezes por capilaridade numa

membrana, onde estão impregnados anticorpos anti-hemoglobina. Assim, na presença

de sangue nas fezes, ocorre ligação das moléculas de hemoglobina aos anticorpos

específicos anti-hemoglobina, originando o aparecimento de duas linhas vermelhas na

cassete, uma correspondente ao controlo e outra correspondente ao teste. Na ausência de

sangue oculto nas fezes, na cassete apenas aparecerá uma linha vermelha

correspondente à linha do controlo. Pode ocorrer ainda casos em que o teste é

considerado inválido, não havendo o aparecimento de nenhuma linha na cassete.

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2.2. HEMATOLOGIA

2.2.1. TÉCNICAS AUTOMATIZADAS

A Hematologia é a área analítica responsável pelo estudo dos elementos

figurados do sangue, os eritrócitos, os leucócitos e as plaquetas, que juntamente com a

observação e estudo dos órgãos hematopoiéticos, permite o diagnóstico e monitorização

de várias doenças hematológicas, como são exemplos a anemia, as hemoglobinopatias,

as leucemias e as patologias relacionadas com a disfunção das plaquetas.

Nesta área são também realizadas a determinação da velocidade de sedimentação

globular, e a análise da coagulação.

Nesta secção são utilizados os tubos que contêm anticoagulante, nomeadamente

os tubos de EDTA, que são utilizados para a realização do hemograma, e os tubos de

citrato de sódio, utilizados para a determinação da velocidade de sedimentação

eritrocitária e para o estudo da coagulação. Os tubos de citrato de sódio diferem na

proporção de anticoagulante/volume de sangue, na medida em que na determinação da

velocidade de sedimentação dos eritrócitos, a proporção de anticoagulante/volume de

sangue é 1:4, e no estudo da coagulação são adicionados 9 volumes de sangue para 1

volume de citrato de sódio.

2.2.1.1. Estudo dos elementos figurados do sangue

O estudo dos elementos figurados do sangue é realizado com recurso ao

aparelho automático Sysmex XT – 1800i (figura 31) e é parte constituinte do

hemograma, no qual se avalia todas as linhagens celulares do sangue, através da

contagem dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas, da determinação dos índices

eritrocitários, da concentração de hemoglobina, e do hematócrito.

O analisador automático hematológico realiza a contagem dos eritrócitos, dos

leucócitos e das plaquetas, a determinação da concentração da hemoglobina, do valor do

hematócrito, dos índices eritrocitários Volume Globular Médio (VGM), Hemoglobina

Globular Média (HGM) e Concentração de Hemoglobina Globular Média (CHGM)), e

dos coeficientes de dispersão eritrocitária e plaquetáriado, com base nas técnicas de SLS

– Hemoglobina, Focagem Hidrodinâmica, e Citometria de Fluxo e Impedância.

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2.2.1.2. Descrição dos métodos utilizados pelo aparelho automático Sysmex XT-

1800i

Método SLS – Hemoglobina

O método SLS – Hemoglobina permite a determinação da concentração de

hemoglobina e baseia-se na utilização de um composto surfactante, o lauril sulfato de

sódio (SLS), que provoca a lise da membrana dos glóbulos vermelhos, causando a

consequente libertação das moléculas de hemoglobina. Posteriormente as cadeias das

moléculas de hemoglobina sofrem alterações por acção dos grupos alquilo hidrofílicos

do SLS, induzindo a conversão da hemoglobina do estado ferroso para o estado férrico,

e a consequente formação de meta-hemoglobina. Por fim esta liga-se ao SLS, formando-

se um complexo corado que é detectado espectrofotometricamente e cuja absorção é

directamente proporcional à concentração de hemoglobina.

Método de Impedância e Focagem Hidrodinâmica

O método da impedância e focagem hidrodinâmica permite a contagem dos

eritrócitos e das plaquetas, e a determinação do hematócrito e dos índices Volume

Globular Médio (VGM) e Volume Plaquetário Médio (VPM).

Neste método, as células sanguíneas previamente diluídas são injectadas pela

aplicação de uma pequena pressão até a uma câmara, onde são sujeitas à acção de uma

Figura 31 – Aparelho automático utilizado Sysmex XT-1800i na

realização do hemograma.

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corrente eléctrica contínua, que causa o alinhamento das células. De seguida, as células

atravessam um pequeno orifício, no qual a sua passagem provoca um aumento da

resistência, devido à sua baixa capacidade condutora de corrente eléctrica, provocando

interrupção do circuito eléctrico e originando impulsos eléctricos. A amplitude dos

impulsos eléctricos são, posteriormente, directamente proporcionais ao volume da

célula, e o número de impulsos gerados durante um intervalo de tempo directamente

proporcional ao número de células que atravessaram o orifício.

Método de Citometria de Fluxo de Fluorescência

O método de citometria de fluxo de fluorescência está na base da execução da

fórmula leucocitária obtida pelo analisador automático Sysmex XT – 1800i.

A citometria de fluxo é uma técnica que permite a análise física e química de

partículas com base em informações ópticas, que incluem sinais de luz dispersa ou

sinais de fluorescência.

Neste método, a amostra de sangue é primeiramente aspirada, diluída a um

determinado factor e corada com um composto fluorescente, que aumenta o poder de

absorção de luz por parte dos leucócitos, através da sua ligação aos ácidos nucleicos dos

leucócitos. O corante fluorescente utilizado por este aparelho automático consiste num

derivado polimetilado, que absorve radiação ao comprimento de onda do laser,

consegue penetrar as membranas citoplasmáticas e nucleares, liga-se especificamente e

com elevada afinidade aos ácidos nucleicos, e na sua forma livre não emite

fluorescência, evitando a geração de sinais interferentes.

Posteriormente, o sangue é conduzido até a uma câmara de fluxo, onde sofre

incidência de radiação de baixa energia e de comprimento de onda 633 nm, proveniente

de um laser semi-condutor. A radiação, ao incidir na amostra biológica, sofre várias e

diferentes dispersões, que são captadas por foto-díodos e foto-multiplicadores,

responsáveis pela conversão dos sinais ópticos em sinais eléctricos, possibilitando,

assim, a obtenção de vários tipos de informações acerca das células (figura 32).

As dispersões da radiação incidente são de três tipos:

Dispersão de radiação lateral (side scattered light) – providencia informações

relativamente ao conteúdo intracelular, nomeadamente à forma, tamanho e

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densidade do núcleo e das granulações citoplasmáticas, sendo influenciada

principalmente pela ausência ou presença de granulações intracelulares.

Dispersão de radiação frontal (forward scattered light) – providencia

informações acerca do tamanho das células, sendo influenciada principalmente

pelo tamanho, forma e índice de refracção das células.

Emissão de fluorescência (side fluorescent light) – a medição da intensidade de

fluorescência providencia informações acerca do conteúdo de RNA e DNA das

células, contribuindo para a identificação e quantificação de granulócitos

imaturos (que incluem os metamielócitos, mielócitos, e promielócitos) e

linfócitos atípicos uma vez que estas células apresentam sinais de intensidade de

fluorescência maior que as células maduras, nomeadamente neutrófilos,

linfócitos e monócitos, devido ao seu maior conteúdo em RNA e DNA.

A detecção deste sinal ocorre separadamente da detecção do sinal de dispersão

radiação lateral pois a radiação de fluorescência possui um comprimento de

onda maior, não ocorrendo interferências na detecção destes dois sinais.

No final, a combinação de todas as informações provenientes de todos os sinais

de dispersão de radiação originam a formação de um gráfico de dispersão (figura 33),

no qual as células com propriedades físicas e químicas semelhantes são agrupadas.

A contagem dos basófilos é realizada separadamente da contagem dos restantes

leucócitos, com recurso à utilização de um reagente de lise ácido, que provoca a lise dos

eritrócitos, plaquetas e leucócitos, à excepção dos basófilos, e com base nas

Figura 32 – Representação do princípio do método de citometria de

fluxo de fluorescência.

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propriedades relativas ao tamanho celular e ao conteúdo intracelular, nomeadamente à

forma, tamanho e densidade do núcleo e das granulações citoplasmáticas.

2.2.1.3. Índices eritrocitários

Os índices eritrocitários são calculados automaticamente pelo analisador

automático Sysmex XT-188i com base nos valores do hematócrito, da concentração de

hemoglobina e da contagem dos eritrócitos.

O Volume Globular Médio (VGM) corresponde ao volume médio de um glóbulo

vermelho, resulta da razão entre o hematócrito e o número absoluto de eritrócitos, e é

expresso em fentolitros. Os valores normais deste índice situam-se dentro do intervalo

78-99 fL.

A determinação deste parâmetro permite a classificação dos eritrócitos em

micrócitos, caso o VGM seja inferior a 80 fL; normócitos, caso o VGM se situa no

intervalo de referência; e macrócitos, caso o VGM seja superior a 96 fL.

VGM (fL) = Ht (L/L)

GV (×1012/L)

A Hemoglobina Globular Média (HGM) corresponde ao peso médio da

hemoglobina presente no interior de um glóbulo vermelho, resulta da divisão da

concentração da hemoglobina pela contagem absoluta dos eritrócitos, e é expressa em

picogramas. Os valores normais deste índice situam-se no intervalo 27-32 pg.

HGM (pg) = Hb (g/dL)

GV (×1012/L)×10

Figura 33 – Gráfico de dispersão dos

leucócitos obtidos por citometria de fluxo.

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A Concentração de Hemoglobina Globular Média (CHGM) indica a

concentração média da hemoglobina por unidade de volume de eritrócitos, resulta da

razão entre a concentração de hemoglobina e o hematócrito e é expressa em g/dL. Os

valores normais de CHGM situam-se no intervalo 32-36 g/dL.

A sua determinação permite classificar os eritrócitos como hipocrómicos caso o

valor de CHGM seja inferior a 32 g/dL, e normocrómicos caso o valor de CHGM se

situa dentro do intervalo de referência. Nos casos em que o CHGM é superior a 36 g/dL

os eritrócitos não se denominam hipercrómicos, podendo resultar da presença de um

número elevado de eritrócitos esféricos e microcíticos, de um erro técnico na

determinação da concentração de hemoglobina ou do valor do hematócrito, ou de

hemólise da amostra que causa um aumento do valor da concentração de hemoglobina,

e em consequência um aumento do valor deste índice.

CHGM (g/dL) = Hb (g/dL)

Ht (L/L)

O coeficiente de dispersão eritrocitária reflecte a variação do tamanho dos

eritrócitos, é calculado a partir do histograma de distribuição de volume dos eritrócitos e

é expresso em percentagem. Os valores normais situam-se abaixo de 15%, sendo a

obtenção de um valor de RDW superior a 15% indicativo de anisocitose. Nestes casos é

aconselhável observar o esfregaço de sangue periférico pois a anisocitose pode ter como

origem a existência de uma condição patológica.

Actualmente os aparelhos automáticos utilizados na determinação dos vários

parâmetros hematológicos possuem uma elevada precisão e exactidão, permitindo obter

um elevado número de resultados fiáveis num curto espaço de tempo. Porém é

importante salientar a falibilidade dos contadores electrónicos devido à ocorrência de

situações pontuais como a passagem de duas células em simultâneo que são

contabilizadas como uma, a presença de bolhas de ar, a aglutinação das células, e a

recirculação de células já contadas, que resultam na obtenção de resultados anormais.

Exemplos de factores que contribuem para a ocorrência de erros na contagem das

células sanguíneos são a presença de imunoglobulinas da classe IgM (aglutininas frias)

que promovem a aglutinação dos eritrócitos, causando em consequência a obtenção de

valores falsamente diminuídos de eritrócitos e plaquetas; a fragilidade dos leucócitos,

causada por situações de leucemia, no decorrer da contagem leva à destruição de

algumas células causando a obtenção de valores falsamente diminuídos de leucócitos; a

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presença de níveis aumentados de crioglobulinas decorrente de mieloma, leucemia,

macroglobulinemia, etc. pode elevar a contagem dos leucócitos e diminuir a dos

eritrócitos e plaquetas; e a presença de eritroblastos, determinados parasitas e eritrócitos

resistentes à lise interfere na precisão da contagem dos linfócitos.

Contudo, caso não ocorram erros na realização das análises, a obtenção de

valores situados fora do intervalo de referência é indicativo da presença de alterações

das condições normais fisiológicas, sendo em muitos casos os primeiros sinais da

existência de um processo patológico.

Na tabela 9 estão representados os valores de referência de parâmetros

hematológicos constituintes do hemograma.

2.2.1.4. Alterações da linhagem eritrocitária

Anemia

A anemia é a condição patológica mais comum que afecta a série eritrocitária,

sendo caracterizada pela presença de concentrações de hemoglobina inferior aos valores

normais de referência. As causas que estão na origem do seu aparecimento são variadas,

e, com base no tamanho dos eritrócitos e na concentração de hemoglobina, pode ser

classificada em três tipos. Assim, tem-se anemia microcítica e hipocrómica, caso a

maioria dos eritrócitos possuírem reduzido tamanho e concentração de hemoglobina,

Parâmetro Valores de referência

Hemoglobina Homem: 13,5 – 18 g/dL

Mulher: 12,5 – 16 g/dL

Eritrócitos Homem: 4,70×10

12 – 6,0 ×10

12/L

Mulher: 4,20×1012

– 5,40 ×1012

/L

Hematócrito Homem: 42,0 – 52,0%

Mulher: 37,0- 47,0%

Leucócitos 4,0×109 – 11,0×10

9/L

Neutrófilos Adulto: 1,5×109– 6,6 ×10

9/L

Eosinófilos Adulto: 0,1×109 – 1,0×10

9/L

Basófilos Adulto: 0,01×109– 0,1×10

9/L

Linfócitos Adulto: 1,5×109– 3,5×10

9/L

Monócitos Adulto: < 0,1×109/L

Plaquetas 150×109 – 400×10

9/L

PDW 11,0 – 18,0%

VPM 9,4 – 12,4 fL

PCT 0,15 – 0,50%

Tabela 9 – Valores de referência de parâmetros constituintes do hemograma.

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normocítica e normocrómica, caso a maioria dos eritrócitos possuírem tamanho e

concentração de hemoglobina normais, e macrocítica caso ocorra aumento do tamanho

dos eritrócitos.

O estudo da anemia é muito importante pois sendo a hemoglobina a molécula

responsável pelo transporte de oxigénio a todas as células do organismo, uma

diminuição da sua produção causa menor oxigenação dos tecidos e órgãos, que em

casos extremos pode levar à morte do organismo. Também, em muitos casos é o

primeiro sinal de existência da presença de situações patológicas, como são exemplos as

neoplasias hematológicas, permitindo a sua detecção precoce e o aumento da eficiência

das medidas terapêuticas.

Anemias microcíticas

As anemias microcíticas são o tipo de anemia mais comum, atingindo um

elevado número de pessoas em todo o mundo. As principais causas que estão

subjacentes ao seu aparecimento são a ocorrência de alterações estruturais da membrana

dos eritrócitos, como é exemplo a eliptocitose hereditária, ou a deficiência nos níveis de

ferro.

• Anemia ferropénica

A deficiência de ferro é a principal causa de anemia, originando a anemia

ferropénica. A diminuição da concentração de ferro presente no organismo pode ter

várias origens, que incluem o aporte deficiente nutricional, a ocorrência de episódios

hemorrágicos graves ou crónicos e síndromes de mal-absorção.

Clinicamente este tipo de anemia é caracterizado por valores baixos dos índices

eritrocitários, aumento do RDW (anisocitose) e anisocromia, devido à presença de

reticulócitos, nomeadamente nos casos de anemia regenerativa, baixa concentração de

ferro, elevados níveis de transferrina, e baixos níveis de ferritina.

• Anemia da doença crónica

A anemia da doença crónica é outro exemplo de anemia microcítica, e que surge

em consequência de infecções, inflamações crónicas ou doenças oncológicas, onde

existe a produção em excesso de citocinas inflamatórias, nomeadamente IL-6, IL-1 e

TNF-α, que estimulam a produção de hepcidina, levando como consequência a uma

menor expressão do transportador celular do ferro, a ferroportina, ao nível dos

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enterócitos. A diminuição da expressão da ferroportina vai causar uma diminuição da

libertação de ferro das células para a circulação sanguínea, levando a uma diminuição

da produção de moléculas de hemoglobina, e a instauração da anemia. Assim, neste tipo

de anemia, ao contrário do que acontece nos casos de anemia ferropénica, as reservas de

ferro não estão diminuídas, existindo nestes casos um bloqueio na incorporação do ferro

no grupo heme da hemoglobina, que causa a diminuição da sua produção.

Em muitos casos a distinção entre anemia da doença crónica e anemia

ferropénica é muito difícil. No entanto é muito importante investigar a origem das

anemias microcíticas pois num caso de anemia de doença crónica, a terapêutica com

ferro ou compostos derivados do ferro geralmente realizada nos casos de anemia

ferropénica, causa acumulação de ferro no organismo, levando à ocorrência de

consequências graves, como é exemplo a acumulação deste metal em níveis tóxicos em

vários órgãos importantes como o coração e o fígado.

Clinicamente este tipo de anemia é caracterizado por valores de VGM

diminuído, HGM e CHGM normais (normocrómica), RDW normal, concentração de

ferro diminuída, nível de transferrina normal ou diminuído, e nível de ferritina normal

ou aumentado.

Anemias normocíticas

As anemias normocíticas são características de várias situações patológicas

incluindo insuficiência renal, anemias hemolíticas, anemia das doenças crónicas e

infiltrações na medula óssea.

A anemia devido à insuficiência renal surge maioritariamente por via de perdas

de sangue, por exemplo em consequência do aumento da permeabilidade dos

glomérulos, ou por deficiências na produção ou função da eritropoietina.

No caso de infiltrações na medula, a existência de anemia normocítica é devida à

diminuição de produção de eritrócitos em consequência da substituição de tecido

medular por células neoplásicas ou tecido fibroso.

Por fim, as anemias hemolíticas são caracterizadas pelo aumento da taxa de

destruição dos eritrócitos pelos macrófagos do sistema reticuloendotelial, causando

como consequência a diminuição da concentração de hemoglobina no plasma. A

hemólise pode ser do tipo intravascular ou extravascular. Nos casos de anemia

hemolítica intravascular os eritrócitos são destruídos quando ainda estão na circulação

sanguínea, enquanto na anemia hemolítica extravascular, os eritrócitos são destruídos no

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baço. A principal causa da anemia hemolítica extravascular é a ocorrência de alterações

estruturais da membrana dos eritrócitos observada em casos de esferocitose hereditária,

eliptocitose hereditária e estomatocitose hereditária.

Anemias macrocíticas

A macrocitose é caracterizada pela existência de eritrócitos com tamanho

superior ao considerado normal. As causas que estão na origem do seu aparecimento são

variadas, incluindo erros na síntese do ADN dos percursores eritrocitários, originando a

anemia megaloblástica, hiperestimulação da eritropoiese, e reticulocitose.

Clinicamente este tipo de anemia é caracterizado por pancitopenia, aumento dos

valores de VGM e RDW, valores normais de HGM e CHGM (normocromia),

poiquilocitose com presença de numerosos macrócitos ovais e dacriócitos, e algumas

células fragmentadas.

• Anemia megaloblástica

A anemia megaloblástica é causada por deficiências em vitamina B12, e em

folatos.

A deficiência em vitaminal B12 é responsável pelo aparecimento da anemia

perniciosa, sendo causada por vários factores, nomeadamente pelo deficiente aporte

nutricional, por exemplo nas dietas vegetarianas, ou pela existência de patologias ou

condições gastrointestinais que dificultam e diminuem a absorção da vitamina B12 como

são exemplos a doença de Crohn, as patologias que causam uma menor expressão do

factor intrínseco de Castle, gastrectomias e infecção por Helicobacter pylori.

A deficiência em folatos surge maioritariamente nas mulheres grávidas, devido

ao aumento das necessidades de folatos para a síntese de ADN do feto, em casos de

alcoolismo, e em casos de ingestão de certos fármacos como são exemplos os

anticonvulsionantes, antituberculoestáticos e os contraceptivos orais.

• Hiperestimulação da eritropoiese

A hiperestimulação da eritropoiese é um fenómeno observado em casos de

anemia aplásica. Este tipo de anemia é caracterizado pela destruição das células

estaminais hematopoiéticas, mediada por linfócitos T citotóxicos em resposta a

estímulos, que podem possuir várias origens, desde infecções bacterianas ou virais, a

exposição a determinadas drogas ou fármacos. Como consequência não ocorre

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formação das formas maduras das células produzidas na medula óssea, havendo

diminuição do número de leucócitos, eritrócitos e plaquetas (pancitopénia).

• Reticulocitose

A reticulocitose é caracterizada pela presença de um número elevado de

reticulócitos no sangue periférico e por possuírem um tamanho superior aos eritrócitos

causam um aumento do valor do VGM. Esta situação é observada por exemplos em

casos de anemias regenerativas, anemias hemolíticas e hemorragias, sendo um sinal de

estimulação da medula e resposta por parte desta à diminuição do número de eritrócitos.

Existem ainda situações menos comuns que causam a formação de macrócitos

como são exemplos os síndromes mielodisplásicos, processos de aglutinação dos

eritrócitos, e determinados fármacos, como os utilizados nos tratamentos de

quimioterapia.

Hemoglobinopatias

As hemoglobinopatias são um conjunto heterogéneo de doenças hereditárias

autossómicas recessivas que alteram a estrutura e função da hemoglobina, afectam

maioritariamente a população africana, e podem ser classificadas como

hemoglobinopatias do tipo quantitativo ou do tipo qualitativo.

As hemoglobinopatias do tipo qualitativo são causadas por mutações missense

que provocam alterações na estrutura das cadeias globínicas da hemoglobina, enquanto

as hemoglobinopatias do tipo quantitativo são causadas por mutações que provocam

diminuição ou ausência de síntese de cadeias globínicas.

Drepanocitose

A drepanocitose é a mais frequente das patologias hereditárias hematológicas do

tipo qualitativo, é causada pela substituição do aminoácido ácido glutâmico pelo

aminoácido valina no codão 6 do gene que codifica para a cadeia beta da hemoglobina,

e é caracterizada pela existência de anemia microcítica e hipocrómica, ausência de

eritrocitose, e eritrócitos em forma de foice resultante da polimerização das moléculas

de hemoglobina S em condições de baixa oxigenação. As suas manifestações clínicas

são variadas consoante o grau de mutação, sendo a forma mais agressiva e grave

característica dos indivíduos homozigóticos.

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Talassémias

As talassémias são um dos conjuntos de patologias mais importantes

pertencentes às hemoglobinopatias do tipo quantitativo, podendo ser de dois tipos, alfa-

talassémia e beta-talassémia.

A alfa-talassémia é caracterizada pela ausência ou diminuição na síntese das

cadeias alfa-globínica.

As cadeias alfa-globínicas são codificadas por quatro genes alfa, podendo a

mutação afectar um gene, ou todos os genes, originando diferentes fenótipos clínicos e

hematológicos. O défice de síntese de cadeias alfa, quando acentuado, provoca a

formação de homotetrâmeros de hemoglobina, HbH, resultante do excesso de síntese de

cadeias beta, que causa a baixa oxigenação dos tecidos devido à sua alta afinidade para

as moléculas de oxigénio, e o aumento da taxa de destruição dos eritrócitos devido à

deposição de corpos de inclusão.

Clinicamente, à excepção dos casos em que ocorre mutação em todos os genes

codificantes, nos quais há morte do feto, todos os fenótipos são caracterizados por

anemia microcítica e hipocrómica.

A beta-talassémia é caracterizada pela ausência ou diminuição da síntese das

cadeias beta globínica, originando diferentes fenótipos. Indivíduos heterozigóticos para

a mutação geralmente são assintomáticos, apresentando eritrocitose, anemia microcítica

e hipocrómica e níveis de hemoglobina A2 superior a 3,5%; enquanto os indivíduos

homozigóticos para a mutação apresentam o mesmo fenótipo hematológico que os

indivíduos heterozigóticos juntamente com esplenomegália e hepatomegália,

deformações ósseas e eritropoiese extramedular.

A principal complicação que surge em consequência desta patologia é a

destruição dos percursores eritrocitários devido à precipitação do excesso de cadeias

alfa que ocorre no seu interior.

2.2.1.5. Alterações da linhagem leucocitária

As patologias que afectam os leucócitos dividem-se essencialmente em

alterações benignas e alterações malignas.

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Alterações benignas dos leucócitos

As alterações benignas dos leucócitos devem-se essencialmente à ocorrência de

patologias de natureza não oncológica, ou estados fisiológicos que provocam um

aumento ou diminuição do número de leucócitos.

Assim, as principais alterações benignas dos leucócitos podem ser neutrofilia,

neutropenia, eosinofilia, basofilia, monocitose, monocitopénia, linfocitose e linfopenia.

A neutrofilia ocorre quando existe um aumento do número de neutrófilos

circulantes (superior a 7,5×109/l) e pode surgir em consequência de infecções

bacterianas, enfarto agudo do miocárdio, gravidez, tabagismo e tratamento com

corticosteróides.

Nos casos de neutrofília, os neutrófilos podem apresentar várias características

que por vezes são uteis na identificação das causas da neutrofília. Assim, casos de

infecções bacterianas e de reacções leucemóides estão associados à presença de um

desvio à esquerda, no qual a maior parte dos neutrófilos possuem núcleo

hiposegmentado; casos de anemia megaloblástica e infecções crónicas estão

frequentemente associados à presença de um desvio à direita, no qual os neutrófilos

possuem maioritariamente núcleo hipersegmentado.

Podem ainda ocorrer alterações morfológicas nos neutrófilos na consequência de

condições patológicas como são exemplos as granulações tóxicas, observadas por

exemplo em infecções bacterianas e queimaduras; os corpos de Döhle, presentes em

casos de escarlatina, queimaduras e uso de citotóxicos; a vacuolização tóxica verificada

em casos de infecções bacterianas resultante da fagocitose de bactérias com grande

actividade lisossómica; e os neutrófilos pseudo-Pelger-Huët, que surgem como reacção

aos fármacos utilizados nos tratamentos de quimioterapia.

A neutropenia observa-se quando existe uma diminuição do número de

neutrófilos circulantes (inferior a 1,5×109/l) surgindo em casos de lúpus eritematoso

disseminado, infecção pelo vírus HIV, e em consequência da ingestão de determinados

fármacos, como são exemplos alguns antibióticos (cloranfenicol, sulfasalazina e

imipenemo), anticonvulsantes (fentoína) e hipoglicémicos (tolbutamida).

A eosinofilia ocorre quando há aumento do número de eosinófilos circulantes,

podendo ser observada em casos de infecções por parasitas, reacções de

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hipersensibilidade e síndromes pulmonares como pneumonia eosinofílica, síndrome de

Loeffler e granulomatose alérgica.

A basofília ocorre quando há aumento do número de basófilos no sangue

periférico e está muito associada a alterações malignas dos leucócitos, sendo um

indicador de mau prognóstico em casos de leucemia mielóide crónica e leucemia

linfóide aguda, e um factor diferenciador entre os síndromes mieloproliferativos e as

condições reaccionais, na medida em que geralmente a basofília apenas é observada nos

primeiro casos.

A monocitose ocorre quando há aumento do número de monócitos em

circulação, e pode surgir em casos de tuberculose, brucelose, endocardite bacteriana,

malária e doenças inflamatórias crónicas como são exemplos a doença de Crohn, a

sarcoidose e artrite reumatóide.

A monocitopénia ocorre quando há diminuição do número de monócitos no

sangue periférico e pode ser observada em consequência de terapias com esteróides e

glucocorticóides.

A linfocitose ocorre quando há aumento do número de linfócitos no sangue

periférico e surge em consequência de infecções bacterianas, mononucleose infecciosa

(caracterizada pela presença de linfócitos T reactivos), enfarto agudo do miocárdio,

choque séptico e reacções de hipersensibilidade.

A linfopenia ocorre quando há diminuição do número de linfócitos circulantes, e

está associada a terapêuticas com corticosteróides, stress, e imunodeficiências, como é

exemplo a infecção pelo vírus HIV.

Alterações malignas dos leucócitos

As alterações malignas dos leucócitos consistem essencialmente nas neoplasias

hematológicas como são exemplos as leucemias, os síndromes mieloproliferativos e os

síndromes mielodisplásicos.

• Leucemias

As leucemias são um grupo heterogéneo de doenças malignas caracterizadas

pela infiltração de células neoplásicas do sistema hematopoiético na medula óssea,

sangue, timo e gânglios linfáticos. As células neoplásicas têm capacidade de replicação

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mas não de diferenciação até formas maduras e normais, havendo acumulação de

blastos nos tecidos.

Estas patologias originam-se quando ocorre uma alteração genética específica

numa célula progenitora hematopoética incapaz de alterar a capacidade replicativa

destas células e com capacidade de transformar as células em células malignas, havendo

como consequência o crescimento e expansão clonal de células alteradas.

As leucemias podem ser classificadas de acordo com a linhagem da célula

hematopoiética onde ocorrem as mutações, tendo-se leucemias mielocíticas (figura 34)

e linfocíticas (figura 35). Dentro das leucemias linfocíticas ainda é possível diferenciar

entre leucemia linfocítica de linhagem B (causada por mutação numa célula progenitora

hematopoiética da linhagem B) e leucemia linfocítica de linhagem T (causada por

mutação numa célula progenitora hematopoiética da linhagem T). Todos estes tipos de

leucemia podem ainda ser classificados de aguda (caso o número de blastos no sangue

periférico ou medula óssea for superior a 20%) ou crónica (caso o número de blastos no

sangue periférico ou medula óssea for inferior a 20%).

O diagnóstico laboratorial das leucemias inclui o hemograma, que pode revelar

anemia normocítica e normocrómica, trombocitopénia e leucocitose; o mielograma, no

qual se observa a morfologia de todas as linhagens hematopoiéticas e se realiza a

contagem celular em que a presença de mais de 20% de blastos faz diagnóstico de

leucemia aguda; a biópsia osteomedular, na qual se observa que a medula encontra-se

hipercelular com substituição dos espaços adiposos e medulares por células leucémicas;

técnicas de biologia molecular, que permitem o estudo das alterações genéticas das

células neoplásicas, são de grande utilidade para o diagnóstico, classificação, orientação

Figura 34 – Mieloblastos no

sangue periférico característicos

da leucemia mielóide.

Figura 35 – Leucemia aguda

linfocítica, com presença de

blastos de grande dimensão no

sangue periférico.

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terapêutica e prognóstico das leucemias; citogenética, que permite a detecção de

anomalias cromossómicas; citoquímica, na utilização das reacções mieloperoxidase e

negro de sudão, uteis para diferenciar entre leucemia linfocítica aguda e leucemia

mielóide aguda, na medida em que os linfoblastos são negativos em ambas as reacções;

e imunofenotipagem que permite diferenciar entre leucemia de linhagem B e leucemia

de linhagem T de acordo com a expressão de antigénios específicos por parte dos

blastos.

• Síndromes Mieloproliferativos

Os síndromes mieloproliferativos são causados por mutações nas células

percursoras hematopoiéticas, que provocam a proliferação e a produção de grandes

quantidades de eritrócitos, granulócitos e plaquetas.

Existem quatro principais síndromes mieloproliferativos, a leucemia mielóide

crónica (figuras 36 e 37), a policitémia vera, a trombocitémia essencial e a mielofibrose

primária.

Leucemia mielóide crónica

A leucemia mielóide crónica é caracterizada pela presença de anemia

normocrómica, trombocitose, e leucocitose, devido ao aumento do número de basófilos,

eosinófilos e neutrófilos, e ao aparecimento de um número elevado de mielócitos no

sangue periférico. A principal causa que está na origem do seu aparecimento é a

mutação genética t(9;22)(q34;q11) que consiste na translocação reciproca dos genes

ABL1, presente no braço longo do cromossoma 9, e BCR, presente no braço longo do

cromossoma 22, resultando na formação de um novo cromossoma anormal denominado

cromossoma de Filadélfia. O cromossoma anormal neoformado codifica para a proteína

de fusão bcr-abl, que possui uma actividade de tirosina cinase e que é responsável pelo

aumento de proliferação, resistência à apoptose e alteração das propriedades de adesão

características das células neoplásicas.

Esta patologia possui três estádios denominados, fase crónica, fase acelerada, e

crise blástica. A fase crónica é caracterizada pela presença de células diferenciadas e por

uma taxa de replicação celular baixa. A fase acelerada surge quando não se realizam

tratamentos ou estes não são eficazes durante a fase crónica, sendo diagnosticada

quando ocorre aumento das células imaturas e aumento da sua taxa de replicação. É

também nesta fase que podem ocorrer novas mutações como a formação de um segundo

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cromossoma Filadélfia. Por fim a fase de crise blástica, ou também denominada fase de

leucemia aguda, é a que possui maior taxa de mortalidade devido ao aparecimento de

infecções, hemorragias e falência orgânica, em consequência da predominância de

células muito imaturas na medula óssea e sangue periférico.

Policitémia vera

A policitémia vera é caracterizada pela presença de eritrocitose acompanhada de

elevada concentração de hemoglobina, leucocitose e trombocitose. A sua origem está na

grande maioria dos casos, associada à mutação JAK (Janus tyrosine cinase) 2 V617 na

qual à substituição de uma guanina por timina no exão 14 do gene JAK2, que causa a

substituição de um resíduo de aminoácido valina por um resíduo de aminoácido

fenilalanina na posição 617, de uma proteína pertencente à família das Janus cinases.

Em consequência da ocorrência desta mutação há alteração da cascata de sinalização

JAK/STAT que provoca uma activação constante da eritropoiese intrínseca.

O diagnóstico desta patologia é realizado através da combinação de vários

critérios estabelecidos pela organização mundial de saúde, que incluem o aumento da

massa eritrocitária superior a 25%; níveis de hematócrito superior ou igual a 60% nos

homens ou superior ou igual a 56% nas mulheres; ausência de causas de eritrocitose

secundária; detecção de esplenomegalia no exame físico; presença da mutação JAK2

V617F; trombocitose; neutrofília; e crescimento de BFU-E na ausência ou em

ambientes com níveis reduzidos de eritropoietina. O diagnóstico de policitémia vera é

executado quando se observa presença dos quatro primeiros sinais; ou na presença dos

Figura 36 – Basófilos e

eosinófilos imaturos no sangue

periférico em casos de leucemia

mielóide crónica.

Figura 37 – Leucemia mielóide

crónica com presença de

micromegacariócitos.

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três primeiros sinais juntamente com a mutação JAK2 V617F; ou na presença dos três

primeiros sinais juntamente com pelo menos dois dos três últimos sinais.

À semelhança da leucemia mielóide cronica, a policitémia vera também possui

várias etapas denominadas fase assintomática, fase eritrocítica, fase inactiva, fase de

metaplasia mielóide e fase de leucemia aguda. Na fase assintomática apenas se detecta

esplenomegalia e trombocitose ou eritrocitose isolada; na fase eritrocítica observa-se

eritrocitose, trombocitose, leucocitose, esplenomegália e hemorragia; a fase inactiva é

caracterizada pela manutenção dos níveis da massa eritrocitária; as fases de

mielodisplasia e leucemia aguda ocorrem em sequência da evolução da doença,

podendo evoluir também para casos de mielofibrose.

A existência de uma elevada massa de eritrócitos faz com que estes doentes

possuam um elevado risco de ocorrência de eventos trombóticos, como são exemplos o

AVC (acidente vascular cerebral), enfarto agudo do miocárdio e embolia pulmonar, que

além de poderem provocar sequelas físicas e emocionais graves, podem causar a morte.

Trombocitémia essencial

A trombocitémia essencial é um síndrome mieloproliferativo que afecta a

linhagem megacariocítica, sendo caracterizada pela presença de trombocitose

acompanhada de plaquetas gigantes e fragmentos de megacariócitos, basofília, anemia

microcítica e hipocrómica, devido à ocorrência de hemorragias, e em alguns casos

leucocitose.

A principal causa que está na origem desta patologia é a ocorrência da mutação

JAK2 V617F, estando presente em 50% dos casos. Contudo nos casos em que não se

detecta a mutação JAK2 V617F o diagnóstico desta patologia torna-se de difícil

execução.

O avanço da tecnologia e do conhecimento acerca da fisiopatologia deste

síndrome mieloproliferativo têm permitido a detecção de novas mutações, como são

exemplos as mutações MPL W515L/K/A presente em 5% dos doentes, a mutação CALR

presente em 70% dos doentes, e a mutação JAK2 do exão 12, que é específica desta

patologia, mas que apenas está presente em 3% dos doentes que não possuam a mutação

JAK2 V617F.

O diagnóstico desta patologia é realizado com base em critérios estabelecidos

pela organização mundial de saúde, que incluem a presença de um número elevada de

plaquetas (geralmente superior 450×109/L), a não evidência de trombocitose reactiva, a

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ausência de critérios de diagnóstico de policitémia vera, mielofibrose primária, leucemia

mielóide crónica ou de síndrome mielodisplásico, o aumento do número de

megacariócitos maduros e de grande tamanho, e a presença da mutação JAK2 V617F ou

outra associada ao aparecimento desta patologia.

Mielofibrose primária

A mielofibrose primária é um síndrome mieloproliferativo caracterizado pelo

aumento da proliferação da linhagem megacariocítica e granulocítica devido à

ocorrência de mutações nas células hematopoiéticas, como são exemplos a mutação

JAK2 V617, observada em cerca de 50% dos doentes, a mutação MPL observada em

11% dos doentes, a mutação ASXL1 observada em 40-50% dos doentes, e a mutação

CALR observada em 86% dos doentes que não possuem a mutação JAK2 V617.

Esta patologia é caracterizada também pela ocorrência da evolução de um

estadio pré-fibrótico para um estadio fibrótico. O estadio pré-fibrótico representa a

primeira fase da doença, sendo caracterizado pela existência de hipercelularidade

medular devido ao aumento da proliferação dos megacariócitos e dos neutrófilos. O

estadio fibrótico representa a fase evolutiva da doença e é representado pela existência

de leucoeritroblastose no sangue periférico, anemia, poiquilocitose com predominância

de dacriócitos, leucocitose ou leucopénia, trombocitose ou trombocitopenia, anisocitose

plaquetária, e hematopoiese extramedular que leva ao aparecimento de

hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, e efusão pleural.

O diagnóstico desta patologia, à semelhança dos exemplos de síndromes

mieloproliferativos referidos anteriormente, também se baseia em critérios

desenvolvidos pela organização mundial de saúde, que incluem aumento da proliferação

da linhagem megacriocítica e a existência de displasia medular acentuada com aumento

da reticulina; ausência de critérios de diagnóstico de leucemia mielóide crónica,

policitémia vera, síndrome mielodisplásico ou outra neoplasia mielóide; presença da

mutação JAK2 V617F ou outra associada ao aparecimento desta patologia;

leucoeritroblastose no sangue periférico; aumento da concentração sérica de lactato

desidrogenase; anemia; e hepatoesplenomegália detectada no exame físico. O

diagnóstico de mielofibrose primária é realizado quando os três primeiros critérios de

diagnóstico juntamente com dois dos quatro últimos critérios estão presentes.

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• Síndromes mielodisplásicos

Os síndromes mielodisplásicos são um conjunto heterogéneo de patologias

caracterizadas pela existência de hipercelularidade medular, pela alteração dos padrões

de maturação de uma ou mais linhagens celulares, e pela presença de citopénias no

sangue periférico devido à hematopoiese ineficaz ocorrente em consequência de

mutações genéticas, tratamentos quimio- e radioterápicos, ou mais raramente, exposição

a elementos ambientais.

Em 2008, a Organização Mundial de Saúde classificou os diferentes síndromes

mielodisplásicos com base na morfologia celular, etiologia e apresentação clínica, sendo

a anemia refractária, a anemia refractária com sideroblastos em anel, a anemia

refractária com excesso de blastos e a citopénia refractária com displasia multilinhagem,

alguns exemplos (tabela 10).

Síndrome

Mielodisplásico Fisiopatologia

Tempo médio

de vida dos

doentes

Alterações

genéticas

associadas

Anemia

refractária

Ocorre eritropoiese ineficaz, sendo

caracterizada pela presença de

anemia macrocítica acompanhada

de reticulocitopénia; ausência de

blastos no sangue periférico;

medula hipercelular com presença

de menos de 5% de blastos e

apresentando hiperplasia

eritrocitária e/ou deseritropoiese.

Varia entre 2 a

5 anos, sendo a

evolução para

leucemia

mielóide aguda

rara.

-

Anemia

refractária

com

sideroblastos

em anel

É caracterizada pela presença dos

mesmos sinais clínicos que o caso

de anemia refractária, acompanhado

da presença de mais de 15% de

sideroblastos em anel na medula

óssea. Os sideroblastos em anel

correspondem a células percursoras

eritrocitárias que possuem mais de

um terço do seu núcleo rodeado por

deposições de ferro, visualizados

através da aplicação da coloração de

Perls.

Varia entre 2 a

5 anos,

ocorrendo

evolução para

leucemia

mielóide aguda

em 1 a 2% dos

casos.

-

Anemia

refractária

com excesso de

blastos

É caracterizada pela ocorrência de

diseritropoiese, disgranulopoiese e

dismegacariopoiese, e é classificada

em dois tipos, denominados tipo I e

tipo II. O tipo I é caracterizado pela

presença de anemia, neutropenia e

No tipo I, a

esperança

média de vida

é de 18 meses,

ocorrendo

evolução para

+8, - 5,

del(5q), -

7, del(7q),

del(20q)

Tabela 10 – Descrição clínica de exemplos de síndromes mielodisplásicos.

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2.2.1.6. Alterações da linhagem megacariocítica

As plaquetas são células anucleadas sintetizadas por fragmentação

citoplasmática dos megacariócitos, e desempenham um papel fundamental no

organismo, contribuindo para a manutenção do equilíbrio entre os eventos hemorrágicos

e trombóticos.

Na presença de lesões vasculares, a homeostasia resulta da ocorrência de três

processos sequenciais denominados homeostase primária, secundária e terciária.

A homeostase primária é o primeiro mecanismo a actuar, levando à formação do

trombo plaquetário. Nesta fase, quando ocorre lesão vascular, a exposição do colagénio

endotelial vai promover a adesão das plaquetas ao endotélio, através da sua ligação às

glicoproteínas GP Ia/IIa presentes na superfície da membrana plaquetária, e a activação

trombocitopenia, ausência de

bastonetes de Auer, existência de

medula hipercelular com 5% a 9%

de blastos, e presença de menos de

5% de blastos no sangue periférico.

O tipo II possui sinais clínicos

semelhantes ao tipo I, no entanto é

característico a presença de mais de

5% de blastos no sangue periférico,

a existência de 10 a 19% de blastos

na medula óssea, e a presença de

bastonetes de Auer. Este tipo possui

um pior prognóstico que o tipo I,

tendo os doentes uma esperança

média de vida menor e um risco

mais elevado de evolução para

leucemia mielóide aguda.

leucemia

mielóide aguda

em 25% dos

casos. No tipo

II, a esperança

média de vida

é 10 meses,

ocorrendo

evolução para

leucemia

mielóide aguda

em 33% dos

casos.

Citopénia

refractária

com displasia

multilinhagem

É caracterizada por bicitopénia ou

pancitopenia; displasia nas células

percursoras de duas ou mais

linhagens celulares; presença de

menos de 1% de blastos no sangue

periférico; ausência de bastonetes

de Auer; e existência de menos de

5% de blastos na medula óssea.

Também pode ter presente

sideroblastos em anel, em que caso

exceda os 15% dos percursores

eritróides, a patologia é classificada

como Citopénia refractária com

displasia multilinhagem e

sideroblastos em anel.

A esperança

média de vida

dos doentes

com Citopénia

refractária com

displasia

multilinhagem

é de 33 meses,

ocorrendo

evolução para

leucemia

mielóide aguda

em 11% dos

casos.

+8, - 7,

del(7q), - 5

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101

das mesmas, através da ligação de substâncias libertadas pelo endotélio, como a

trombina, tromboxano A2 e epinefrina, aos seus receptores específicos. Em

consequência do processo de activação, as plaquetas sofrem uma alteração

conformacional, passando da forma discóide para a forma esférica, e, expõem as

glicoproteínas GP IIb/IIIa, que são receptores do fibrinogénio, e uma superfície lipídica,

importante para a activação dos factores de coagulação. Concomitantemente ocorre

também a expulsão dos seus grânulos, que promovem a agregação plaquetária, e a

consequente formação do trombo plaquetário, e a amplificação do processo de

activação.

Na fase de adesão das plaquetas ao endotélio ocorre também a ligação do factor

de von Willebrand, sintetizado pelas células endoteliais, às glicoproteínas GP Ib/IX, que

permite estabilizar a adesão das plaquetas ao endotélio, que na ausência deste factor, por

acção da força da corrente sanguínea, não aguentaria tempo suficiente para a ocorrência

da formação do trombo plaquetário.

Durante a estimulação do processo de activação das plaquetas ocorre ainda um

influxo transiente de cálcio, que promove a libertação do conteúdo dos grânulos,

contribuindo também desta forma para a amplificação do processo de activação

plaquetário e a formação do trombo plaquetário.

A presença de situações patológicas que causam a formação anormal ou

deficiente produção de plaquetas ou de outras substâncias ou moléculas intervenientes

da fase homeostase primária, levam a que todo este processo se realize de uma forma

não eficiente, trazendo consequências graves que ameaçam a sobrevivência do

organismo.

Alterações qualitativas das plaquetas

A alteração qualitativa das plaquetas mais frequente é a doença de von

Willebrand. Esta patologia, de caracter autossómico dominante ou menos

frequentemente recessivo é causada pela produção qualitativa ou quantitativa ineficiente

do factor von Willebrand, apresentando assim como principal sintoma a ocorrência de

eventos hemorrágicos.

Existem três tipos de doença de von Willebrand que apresentam diferentes

fenótipos e sintomatologia clínica, sendo denominados tipo 1, tipo 2 e tipo 3.

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102

A doença de von Willebrand tipo 1 é a patologia mais comum, representando

cerca de 70% dos casos, possui caracter autossómico dominante e é caracterizada pela

presença do factor von Willebrand funcional mas em quantidades baixas.

A doença de von Willebrand tipo 2 está subdividida em vários subtipos

denominados 2A, 2B, 2M, e 2N, apresentando assim formas clínicas muito

heterogéneas.

O subtipo 2A possui caracter autossómico dominante e é causada pela

ocorrência de mutações que levam à não produção do multímero de intermédio e alto

peso molecular, causando a perda de função deste factor.

O subtipo 2B tem caracter autossómico dominante, e é causado pela ocorrência

de mutações que conferem um aumento na capacidade de ligação às glicoproteínas GP

Ib, fazendo com que mesmo na ausência de lesão vascular haja a ligação deste factor às

plaquetas circulantes, levando como consequência à ocorrência de trombocitopenia. Um

dos testes muito utilizados no diagnóstico deste sub-tipo de doença de von Willebrand,

e que permite evidenciar o aumento da afinidade do factor às glicoproteínas GP Ib,

baseia-se no aumento da sensibilidade de agregação plaquetária induzida pela

ristocetina, quando esta entra em contacto com os soros dos doentes ricos em plaquetas.

O subtipo 2M possui caracter autossómico dominante, e é causada por mutações

que provocam a síntese do factor von Willebrand não funcional, mas ao contrário do

que acontece no subtipo 2A, nestes casos há síntese do multímero de alto peso

molecular.

O subtipo 2N é de caracter autossómico recessivo e é caracterizado pela síntese

de moléculas de factor von Willebrand anormais que resultam na sua incapacidade de

ligar ao factor VIII.

Por fim a doença de von Willebrand do tipo 3 possui caracter autossómico

recessivo e é caracterizado pela produção de quantidades muito baixas ou mesmo pela

total não produção de factor von Willebrand. Geralmente estes doentes apresentam um

risco hemorrágico mais elevado pois apresentam simultaneamente alterações nos

mecanismos de homeostase primária e secundária devido à disfunção plaquetária e à

deficiente circulação do factor VIII.

O diagnóstico de qualquer tipo e subtipo da doença de von Willebrand baseia-se

essencialmente na análise dos multímeros constituintes do factor von Willebrand,

importante especialmente no diagnóstico dos sub-tipos 2A e 2B, e na realização de

testes funcionais que permitem o estudo da interacção entre o factor de von Willebrand

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103

e as plaquetas, como é exemplo o teste com a ristocetina, entre o factor von Willebrand

e o colagénio, e entre o factor von Willebrand e o factor VIII. A contagem das

plaquetas, nesta patologia não é um teste muito útil na diferenciação dos vários tipos e

sub-tipos pois todos eles são caracterizados pela presença de quantidades normais de

plaquetas, à excepção da doença de von Willebrand sub-tipo 2B que apresenta

trombocitopenia.

Alterações quantitativas das plaquetas

As alterações quantitativas das plaquetas são classificadas em dois tipos,

geralmente denominadas trombocitose e trombocitopenia.

Trombocitose

A trombocitose surge quando ocorre aumento do número de plaquetas (superior

a 400×109/L) no sangue periférico, e é classificada em dois tipos denominados essencial

ou primária, e relativa ou secundária.

A trombocitose essencial ou primária é marcada pela presença de plaquetas em

número superior a 1000×109/L e surge principalmente em casos de síndromes

mieloproliferativos como são exemplos a trombocitémia essencial, a policitémia vera e

mielofibrose primária.

A trombocitose relativa ou secundária é caracterizada pela presença de número

de plaquetas até 800×109/L, surgindo maioritariamente em casos de doenças

inflamatórias crónicas, após hemorragias agudas, anemia hemolítica, anemia

ferropénica grave e após esplenectomia.

Trombocitopénia

A trombocitopenia ocorre quando existe uma diminuição do número de

plaquetas (inferior a 150×109) no sangue periférico, e pode ser devida a uma diminuição

na produção de plaquetas, ao aumento da sua destruição, ou à sua distribuição anormal

devido por exemplo ao aumento da sequestração esplénica, em situações de

esplenomegalia.

A diminuição da produção de plaquetas pode ter como causas a aplasia medular,

a existência de infiltrações medulares como são exemplos as neoplasias hematológicas,

ou a ocorrência de processos de trombopoiese ineficaz devido à deficiência em vitamina

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104

B12 e ácido fólico, ao consumo excesso de álcool, e à ingestão de determinados

fármacos.

O aumento da destruição de plaquetas pode ser devido à existência de auto-

anticorpos, por exemplo em casos de Púrpura Trombocitopénica Imune (PTI), em que

há destruição de plaquetas opsonizadas por parte do sistema imunitário; à ocorrência de

infecções virais, como HIV, sarampo e malária; em doenças linfoproliferativas, como

são exemplos as leucemias linfocíticas; e como consequência de casos de Púrpura

Trombocitopénica Trombótica (PTT), a qual é caracterizada pela formação de

microtrombos em vários órgãos, resultando no consumo de plaquetas, fragmentação dos

eritrócitos, e manifestações renais e cerebrais.

Na obtenção de situações de trombocitopenia, pelos aparelhos automáticos, é

importante a realização de nova contagem de plaquetas no esfregaço de sangue

periférico, ou em tubos de citrato de sódio (tubos de VS ou coagulação) para excluir

situações de falsa trombocitopénia que surgem devido à existência de agregações

plaquetárias causadas pelo anticoagulante, ou à presença de plaquetas gigantes, que nos

aparelhos automáticos, podem ser confundidas com leucócitos.

Quando se realiza a observação do esfregaço sanguíneo, é importante também

observar a granulação das plaquetas, e a sua distribuição, de maneira a detectar

possíveis situações de anisocitose plaquetária e satelitismo plaquetário.

2.2.1.7. ESTUDO DA COAGULAÇÃO

No laboratório SOERAD, o estudo da coagulação ou homeostase secundária

realiza-se com recurso ao aparelho automático Sysmex CA-500 (figura 38), no qual são

determinados o Tempo de Protrombina (PT), o Tempo de Tromboplastina Parcial

Activado (APTT) e a Razão Normalizada Internacional (INR), cujos valores de

referência estão representados na tabela 11.

Os parâmetros Tempo de Protrombina e Tromboplastina Parcial Activado são

determinados através do método de detecção foto-óptico, no qual o tempo de

coagulação é medido a partir da alteração da dispersão da luz devido ao aumento de

turvação da amostra resultante da conversão do fibrinogénio em fibrina que ocorre

quando o reagente é adicionado à amostra de plasma. A luz dispersa é absorvida por um

fotodíodo, que converte posteriormente a intensidade de luz em sinais eléctricos, que

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105

são monitorizados e utilizados por um microprocessador para o cálculo do tempo de

coagulação da amostra.

Este método sofre interferências de factores como a hemólise, icterícia e lipémia

pois a bilirrubina e a hemoglobina absorvem radiação a um comprimento de onda

próximo ao utilizado, e devido ao aumento da turvação conferido pelo aspecto lipémico.

Parâmetro Valores de referência

Tempo de Protrombina (PT) 10 – 3 segundos

Tempo de Tromboplastina Parcial Activado (APTT) 21 – 35 segundos

Razão Normalizada Internacional (INR)

< 1,2%

Doentes submetidos a uma

terapêutica com

anticoagulantes orais para a

profilaxia de trombose

venosa profunda: entre 2,0

e 3,0

Doentes submetidos a uma

terapêutica com

anticoagulantes orais para

prevenir a embolia

sistémica recorrente: entre

3,0 e 4,5

Tabela 11 – Valores de referência dos parâmetros Tempo de Protrombina, Tempo de

Tromboplastina Parcial Activado e Razão Normalizada Internacional, utilizando o aparelho

Sysmex CA-500.

Figura 38 – Aparelho automático Sysmex CA-500 responsável pelo

estudo da coagulação.

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106

Homeostase secundária

A homeostase secundária consiste no processo da coagulação e culmina na

formação de trombina, responsável pela conversão do fibrinogénio em fibrina.

O processo da coagulação envolve a acção de uma série de proteínas, que a

partir de uma sequência complexa de reacções químicas permite a formação do coágulo

de fibrina. Por forma a melhor compreender todo este processo, recorre-se ao estudo da

cascata de coagulação.

A cascata de coagulação (figura 39) é constituída por duas vias principais, a via

extrínseca e a via intrínseca, e pela via comum resultante da convergência das vias

principais.

Via intrínseca

Na via intrínseca, inicialmente os factores XII e XI são activados na presença de

calicreína, quininogénio de alto peso molecular e colagénio subendotelial, causando a

formação dos factores XII e XI activados. O factor XI activado, posteriormente,

converte o factor IX em factor IX activado. O factor IX activado, no final, na presença

de cálcio, factor VIII activado e fosfolípidos provoca a activação do factor X, resultando

na formação do factor X activado, que é parte constituinte do complexo protrombinase.

Figura 39 – Representação esquemática da cascata de coagulação.

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107

Via extrínseca

A via extrínseca é iniciada pela activação do factor VII, na presença de cálcio e

do factor tecidular, resultando na formação do factor VII activado. Posteriormente, o

factor VII juntamente com o factor tecidular e o cálcio, transformam o factor X em

factor X activado, que juntamente com o factor V activado, fosfolípidos e cálcio

formam o complexo protrombinase na via comum.

Via comum

A via comum inicia-se com a formação do complexo protrombinase, que é

responsável pela conversão da pró-trombina em trombina. A trombina irá,

posteriormente, degradar o fibrinogénio causando a libertação de monómeros solúveis

de fibrina denominados fibrinopeptido A e fibrinopeptido B, que acabam por

polimerizar e formar a fibrina insolúvel. Também por acção da trombina, há activação

do factor XIII que promove a formação de ligações covalentes cruzadas entre os

polímeros de fibrina, estabilizando-os.

Estudo da Homeostase secundária

Determinação do Tempo de Protrombina

O Tempo de Protrombina consiste no tempo que demora a formação do coágulo

sanguíneo de um plasma citrato tratado com cálcio e excesso de tromboplastina. Nesta

reacção, o factor tissular presente no reagente tromboplastina liga-se ao factor VII e

inicia a cascata de coagulação. A determinação deste parâmetro permite, assim, o

diagnóstico e monitorização de patologias genéticas ou adquiridas que envolvem as vias

extrínseca e comum, resultantes de deficiências nos factores V, VII, X, II (protrombina)

e fibrinogénio, bem como a monitorização da terapia com anticoagulantes orais,

nomeadamente varfine, e a detecção de deficiências em vitamina K, uma vez que os

factores protrombina, VII e X são vitamina K dependentes.

Os valores deste parâmetro encontram-se elevados em doenças hepáticas, como

são exemplos a cirrose e a hepatite; em situações de deficiência de vitamina K que

ocorrem em doenças biliares, síndromes de mal-absorção, terapia com varfine,

antibioterapia e malnutrição; em casos de Coagulação intravascular disseminada, devido

ao consumo de plaquetas e dos factores I, II, V e VIII; e mais raramente na presença de

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anticorpos específicos dos factores de coagulação, mais frequentemente dos factores V

ou VIII, que causam a sua destruição pelas células fagocitárias do sistema imunitário.

Determinação do valor da razão normalizada internacional

A razão normalizada internacional (INR) foi desenvolvida com o objectivo de

padronizar os valores de Tempo de Protrombina, através de fórmulas matemáticas,

devido à falta de padronização do reagente tromboplastina, que causa uma baixa

reprodutibilidade inter e intra-laboratórios dos resultados.

Assim, a razão normalizada internacional é calculada a partir da seguinte

expressão:

INR = ( PT

MNPT)ISI

Em que PT é o tempo de protrombina, o MNPT é a média de valores de tempo

de protrombina obtidos em amostras normais, pelo método de referência e utilizando o

reagente tromboplastina referenciado pela Organização Mundial de Saúde, e o ISI é o

Índice de Sensibilidade Internacional.

Este índice é o declive da recta resultante da representação gráfica do logaritmo

dos valores de protrombina de várias amostras obtidos pelo método de trabalho em

função do logaritmo dos valores de protrombina de várias amostras obtidos pelo método

de referência, e deve ser o mais próximo de 1, pois significa que o reagente

tromboplastina utilizado possui uma sensibilidade muito próxima da sensibilidade do

método de referência. Idealmente cada laboratório devia calcular o próprio valor de ISI.

Porém devido à falta de pessoal especializado e de recursos económicos, na maioria dos

laboratórios de análises clínicas, incluindo o laboratório SOERAD, o valor de ISI é

determinado pelo fabricante do reagente tromboplastina.

A determinação deste parâmetro é útil na monitorização da terapia com varfine,

de maneira a ajustar a dose de anticoagulante a administrar e avaliar o risco de

hemorragia, e na monitorização de casos de patologias hepáticas, transplantes hepáticos

e cirurgias hepáticas.

Determinação do tempo de tromboplastina parcial activado

O Tempo de Tromboplastina consiste no tempo que demora a formação do

coágulo sanguíneo de um plasma citrato tratado primariamente com o reagente APTT,

constituído por fosfolípidos e um composto que serve de superfície activa como a sílica

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109

ou o caulino. Desta reacção resulta a activação da via intrínseca, com a formação dos

factores XII activado, XI activado, e IX activado. Posteriormente é adicionado cálcio,

que juntamente com os factores X e V activados forma o complexo protrombinase, que

converte a protrombina em trombina. A reacção finda com a conversão do fibrinogénio

em fibrina por acção da trombina.

A determinação deste parâmetro permite, assim, o diagnóstico e monitorização

de patologias genéticas ou adquiridas que envolvem as vias intrínseca e comum, bem

como a monitorização da terapia com heparina, e a detecção do anticoagulante lúpico.

Os valores deste parâmetro encontram-se elevados em situações patológicas que

provocam a diminuição dos níveis da precalicreína, quininogénio de alto peso

molecular, e dos factores VIII, IX, XI, XII, fibrinogénio, protrombina, v e X; nos casos

de Hemofilia, devido à diminuição da actividade dos factores VIII ou IX; em casos de

Coagulação intravascular disseminada; e na presença do anticoagulante lúpico

observado em casos de lúpus eritematoso sistémico, e associado à ocorrência de abortos

e a tromboses vasculares.

Homeostase terciária

A homesotase terciária é a última etapa da coagulação e consiste na fibrinólise, a

qual é característica pela destruição do coágulo de fibrina de modo a manter a

permeabilidade e evitar a oclusão permanente dos vasos sanguíneos.

A destruição do coágulo de fibrina é catalisada por uma enzima denominada

plasmina, que deriva da conversão do plasminogénio por parte do activador do

plasminogénio tecidular (t-PA) e pela urocinase (u-PA). Da fibrinólise resulta a

formação de fragmentos, denominados D-dímeros, que são posteriormente eliminados

do organismo.

No laboratório SOERAD não é realizado o estudo da homeostase terciária,

porém é importante a sua referência neste relatório de estágio pois é uma etapa muito

importante na manutenção do equilíbrio da homeostase, juntamente com as fases de

homeostase primária e secundária.

2.2.1.8. DETERMINAÇÃO DA VELOCIDADE DE SEDIMENTAÇÃO GLOBULAR

A determinação da velocidade de sedimentação globular realiza-se no aparelho

automático Sediplus S2000 (figura 40), que mede as alturas da superfície da coluna

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110

líquida total e da superfície de sedimentação dos eritrócitos no início e ao fim de uma

hora. O valor da velocidade sedimentação corresponderá posteriormente, à diferença de

altura entre as duas superfícies.

A velocidade de sedimentação corresponde à velocidade de queda espontânea

dos eritrócitos em suspensão no plasma durante uma hora, e baseia-se na tendência que

os eritrócitos possuem, no estado de repouso, devido à sua forma bicôncava,

empilharem-se uns sob os outros, formando os rouleax. Todo este processo resulta da

diferença de gravidade específica existente entre os eritrócitos e o plasma, da atracção

electrostática gerada entre as cargas eléctricas negativas presentes na membrana dos

eritrócitos e as cargas eléctricas positivas de certas proteínas plasmáticas, e da contra-

corrente plasmática.

Este teste, apesar de ser pouco específico, pois não está associada a nenhuma

patologia específica, é bastante utilizado, na medida em que variações dos valores

normais podem ser indicativos de certas condições patológicas. Assim, valores

aumentados da velocidade de sedimentação são encontrados em casos de infecções

agudas e crónicas, como são exemplos a tuberculose, a sífilis e a artrite reumatóide;

neoplasias hematológicas; gamapatias monoclonais; e anemias normocíticas e

macrocíticas. Contrariamente, valores diminuídos de velocidade de sedimentação

podem surgir devido a poliglobulias, como é exemplo a policitémia vera; alterações na

forma do eritrócito, como é exemplo a drepanocitose; hipofibrinogenémia; e diminuição

de globulinas plasmáticas, como são exemplos as hipogamaglobulinémias.

Figura 40 – Aparelho automático Sediplus S2000 responsável pela

determinação da velocidade de sedimentação eritrocitária.

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111

Na tabela 12 estão representados os valores de referência da velocidade de

sedimentação.

No laboratório SOERAD, em casos de colheita difícil em que não é possível

efectuar a colheita de sangue para um tubo de citrato VS, ou para confirmar resultados

muito elevados obtidos no aparelho automático, executa-se a determinação deste

parâmetro através da aplicação do Método de Westergren em sistemas fechados

descartáveis. Neste método, adiciona-se aproximadamente 1 mL de sangue colhida em

tubo com EDTA para um tubo próprio que contém anticoagulante citrato trissódico, e

após perfuração da rolha do tubo com anticoagulante citrato trissódico, através de uma

diferença de pressões, enche-se com sangue o tubo graduado fechado até à marca de 0

mm. Ao fim de uma hora, mede-se a distância percorrida pela superfície de

sedimentação dos eritrócitos.

Parâmetro Valores de referência

Velocidade de

sedimentação

Mulher com menos de 50 anos: < 20 mm

Mulher com mais de 50 anos: <30 mm

Homem com menos de 50 anos: < 15 mm

Homem com mais de 50 anos: < 20 mm

Tabela 12 – Valores de referência da velocidade de sedimentação utilizando o

aparelho automático Sediplus S2000.

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112

2.2.2. TÉCNICAS MANUAIS

Esfregaços de sangue periférico e coloração de May-Grünwald-Giemsa

No laboratório SOERAD, os esfregaços de sangue periférico são realizados

maioritariamente em situações em que é necessário confirmar resultados obtidos pelos

aparelhos automáticos, uma vez que permite a observação da morfologia das células

sanguíneas, a realização da fórmula leucocitária, e a contagem das plaquetas.

Idealmente, um bom esfregaço sanguíneo deve ser liso, regular, homogéneo,

relativamente fino, apresentar bordos bem definidos e franja, a espessura deve diminuir

gradualmente da cabeça para a cauda, e deve ser executado com sangue fresco, de

preferência imediatamente após a colheita e sem adição de anticoagulante.

O procedimento da execução de esfregaços sanguíneos inclui os seguintes

passos: primeiro coloca-se uma gota de aproximadamente 3 mm de diâmetro numa

lâmina, de seguida através de um movimento à retaguarda de uma outra lâmina até à

frente da bolha de sangue, espalha-se a gota em toda a largura da lâmina.

Posteriormente num ângulo de 30 a 45º entre as duas lâminas realiza-se o esfregaço,

puxando rápida e suavemente a segunda lâmina para a frente.

Na observação ao microscópio do esfregaço sanguíneo, a zona óptima de

contagem é a central, estando os leucócitos distribuídos não uniformemente, na medida

em que os pequenos linfócitos encontram-se sobretudo no centro do esfregaço, os

granulócitos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos) situam-se essencialmente nos bordos,

e os leucócitos mais volumosos, como os monócitos, grandes linfócitos e células

percursoras (blastos) predominam nos bordos e franja do esfregaço.

Após a realização dos esfregaços sanguíneos, de modo a ser possível a sua

visualização ao microscópio, procede-se à coloração das lâminas usando a técnica de

coloração de May-Grünwald-Giemsa. Nesta técnica são utilizados três reagentes,

nomeadamente a Solução de May-Grünwald, o Tampão de fosfatos, e a solução de

Giemsa, tendo diferentes acções.

A solução de May-Grünwald consiste numa solução metanólica de eosinato de

azul de metileno e é responsável pela fixação do esfregaço; o tampão de fosfatos é

responsável pela dissociação do corante May-Grünwald em eosina e azul de metileno; e

a Solução de Giemsa é responsável pela coloração das células sanguíneas devido à

acção dos corantes individuais, eosina, azul de metileno e azur de metileno, formados

por dissociação da solução Giemsa pelo tampão de fosfatos.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

113

A eosina é um corante ácido e como tal é responsável pela coloração dos

componentes citoplasmáticos de natureza básica, como a hemoglobina e os grânulos

eosinofílicos; o azul de metileno é um corante básico, sendo deste modo, responsável

pela coloração dos núcleos celulares e dos componentes citoplasmáticos de natureza

ácida, como os grânulos dos basófilos; por fim, o azur de metileno cora as granulações

azurófilas de vermelho púrpura. Assim, num esfregaço de sangue periférico

correctamente corado os eritrócitos apresentarão coloração rosa ou côr salmão; os

núcleos coloração azul-escuro ou roxo; os grânulos citoplasmáticos dos neutrófilos,

coloração rosa; os grânulos citoplasmáticos dos basófilos coloração azul escura ou

preta; os grânulos citoplasmáticos dos eosinófilos coloração laranja; e a área intercelular

deverá ser incolor, límpida, e não conter precipitados de corante.

Contagem manual dos reticulócitos

Os reticulócitos são os percursores dos eritrócitos maduros, não possuem núcleo,

mas devido à sua imaturidade contém restos de RNA, sobretudo RNA ribossomal que

permitem a sua visualização através de uma coloração supravital.

No laboratório SOERAD, a contagem dos reticulócitos executa-se

exclusivamente por via do método manual, através da utilização do corante de natureza

básica, o azul de cresil brilhante.

Nesta técnica, para um tubo de hemólise adicionam-se quantidades iguais de

sangue colhido em EDTA e de corante, seguido de incubação na estufa por um período

aproximado de vinte minutos. Posteriormente realiza-se um esfregaço de sangue

periférico, deixa-se secar e observa-se ao microscópico, onde a contagem é feita com a

objectiva de imersão 100x, com o campo restrito através da aplicação de um disco de

papel com perfuração central colocado sob a ocular, e com a contagem de 1000 células

anucleadas (eritrócitos e reticulócitos). O resultado final pode ser expresso em

percentagem ou em valor absoluto, e é obtido através das fórmulas matemáticas

seguintes.

Nº de reticulócitos (%) = número de reticulócitos contados

1000×100

Nº de reticulócitos (/L) = número de reticulócitos contados × número de eritrócitos por litro

1000

A contagem dos reticulócitos é útil na diferenciação de uma anemia regenerativa

de uma anemia arregenerativa, na medida em que anemias regenerativas são

caracterizadas por aumento de reticulócitos no sangue periférico; na monitorização do

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tratamento de vários tipos de anemia como a anemia ferropénica, perniciosa e por

deficiência em ácido fólico, em que a diminuição de reticulócitos no sangue periférico

está associada à recuperação do estado anémico; e na detecção de actividade

eritropoiética medular aumentada após eventos que causam uma perda globular

significativa, como a hemólise, e hemorragias graves.

Determinação do grupo sanguíneo - Sistemas ABO e Rhesus

A determinação do grupo sanguíneo é um procedimento muito utilizado nos

testes de paternidade, no estudo antropológico de diferentes populações, e na área da

transfusão sanguínea, onde assume um papel determinante.

Actualmente existem 35 sistemas de grupos sanguíneos, entre os quais o grupo

ABO e Rhesus.

Os grupos sanguíneos consistem em proteínas, glicoproteínas, ou glicolípidos,

presentes na superfície das células sanguíneas (Sistema ABO) ou na membrana

citoplasmática, como parte integrante (Sistema Rhesus).

Sistema ABO

Os antigénios do grupo sanguíneo ABO estão distribuídos ubiquamente pelo

organismo, são codificados por um único gene, o gene ABO, presente no cromossoma

9, e são transmitidos hereditariamente, sendo transmitindo um alelo de cada progenitor,

dos três alelos constituintes do locus ABO, dando origem a quatro fenótipos, o fenótipo

A, fenótipo B, fenótipo AB, e fenótipo O (tabela 13).

O fenótipo A é caracterizado pela expressão de glicotransferase A, codificada

pelo alelo A, responsável pela síntese do antigénio A, composto por N-

acetilgalactosamina (açúcar imunodominante) e antigénio H, que consiste num

complexo açucarado composto por N-acetilglucosamina, fucose, e D-galactose. O

fenótipo B é caracterizado pela expressão de glicotransferase B, codificada pelo alelo B,

Alelos ABO herdados pela mãe

Alelos ABO

herdados pelo

pai

A B O

A A AB A

B AB B B

O A B O

Tabela 13 – Representação dos fenótipos ABO obtidos de acordo com os alelos herdados de

ambos os progenitores.

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responsável pela síntese do antigénio B composto por D-galactose (açúcar

imunodominante) e antigénio H. Por fim, o fenótipo O é caracterizado pela expressão de

uma enzima não funcional, e pela consequente não formação de antigénio A ou

antigénio B e pela não alteração do antigénio H.

No interior do nosso organismo, em resposta à ausência dos antigénios A e B, e

pela semelhança estrutural existente entre os açúcares constituintes dos antigénios A e

B, com os açúcares presentes na alimentação e na constituição dos microorganismos

comensais, existe a produção, por parte do sistema imunitário, de anticorpos,

denominados anticorpos anti-A e anti-B. Estes anticorpos são geralmente do tipo IgG e

IgM, e originam uma resposta imunitária, de intensidade menor que os anticorpos

produzidos em resposta à presença de antigénios estranhos ao organismo.

Assim, indivíduos com fenótipo A produzem anticorpos anti-B, indivíduos com

fenótipo B produzem anticorpos anti-A, e indivíduos com fenótipo O produzem

anticorpos anti-A e anti-B.

A produção destes anticorpos representa um dos motivos pelo qual a

determinação do grupo sanguíneo ABO é importante na área da transfusão na medida

em que, nos casos de incompatibilidade do sistema ABO, há destruição das células

sanguíneas do receptor, provocando em muitos dos casos, a morte do individuo.

No laboratório SOERAD, a determinação do grupo sanguíneo ABO é realizado

com recuso a um método baseado no princípio de aglutinação, no qual a ocorrência de

hemoaglutinação traduz um resultado positivo devido à ligação anticorpo-antigénio.

Deste modo, nos indivíduos com fenótipo A, devido à presença do antigénio A,

observa-se hemoaglutinação quando o sangue reage com o reagente A constituído por

anticorpos anti-A; nos indivíduos com fenótipo B, devido à presença do antigénio B,

observa-se hemoaglutinação quando o sangue reage com o reagente B constituído por

anticorpos anti-B; nos indivíduos com fenótipo AB, devido à presença dos antigénios A

e B, observa-se hemoaglutinação quando o sangue reage com os reagentes A e B

constituídos por anticorpos anti-A e anti-B; nos indivíduos com fenótipo O, devido à

ausência de antigénio, não se observa hemoaglutinação quando o sangue reage com os

reagentes A e B.

Sistema Rhesus

O sistema Rh é um dos sistemas sanguíneos conhecidos mais complexos do

organismo humano, devido ao elevado polimorfismo dos genes que codificam os

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antigénios Rh, que causam a formação de genes Rh híbridos e a consequente expressão

de numerosos antigénios, sendo conhecidos actualmente 61 antigénios.

Os antigénios Rh estão presentes exclusivamente nas células eritrocíticas, e são

codificados por dois genes presentes no cromossoma 1, denominados RHD e RHCE. O

gene RHD codifica para o antigénio D, que é o mais imunogénico e clinicamente

importante do sistema Rh.

Os principais fenótipos relacionados com o antigénio D existentes são o RhD

positivo e o RhD negativo.

Este antigénio está presente em quase toda a população mundial, fazendo com

que o fenótipo mais frequentemente encontrado seja RhD positivo, encontrando-se em

apenas cerca de 15% da população caucasiana e 8% da população negra, o fenótipo

RhD negativo. Este fenótipo na população caucasiana é devido à deleção do gene RHD,

enquanto na população negra, para além da deleção do gene RHD, também é devido à

existência de um pseudogene RHD que contém um codão stop prematuro, ou à

existência de um gene RHD híbrido que contém sequências nucleotídicas do gene RHD

e do gene RHCE, que causa a não produção do antigénio D e a síntese de um antigénio

C anormal.

Porém devido à presença de numerosos epitopos na constituição do antigénio D,

podem ainda ocorrer fenótipo de D fraco e fenótipo de D parcial, presentes numa

pequena percentagem da população. O fenótipo D fraco surge em consequência de

mutações missense no gene RHD que provoca uma redução dos níveis de expressão do

antigénio D. Nestes indivíduos não ocorre alteração dos epitopos do antigénio D e como

tal não existe produção de anticorpos anti-D, pelo que, em situações de transfusão

sanguínea, um receptor RhD fraco pode receber sangue de um dador RhD positivo.

No fenótipo RhD parcial, ocorre um processo de conversão génica, em que parte

do gene RHD é substituído por uma região equivalente do gene RHCE, levando à

formação de proteínas RhD anormais. Como tal, nestes indivíduos há produção de

anticorpos anti-D, fazendo com que, em situações de transfusão sanguínea, um receptor

RhD parcial apenas pode receber sangue de um dador RhD negativo, RhD fraco ou RhD

parcial.

A determinação da fenotipagem RhD também assume um papel fulcral nas

grávidas, nomeadamente no diagnóstico e prevenção da doença hemolítica do recém-

nascido. Esta patologia surge quando uma mulher RhD negativo, após sofrer

aloimunização anti-RhD prévia, por acção de transfusões sanguíneas ou subsequente a

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uma gravidez em que o feto fosse RhD positivo, fica grávida de um feto RhD positivo.

Em consequência há produção por parte da mulher grávida, de anticorpos imunes anti-D

que atravessam a placenta, opsonizam os eritrócitos fetais, causam a sua destruição por

parte do sistema imunitário, e a sua remoção pelo sistema reticulo-endotelial fetal,

levando, nas formas mais severas, à morte do recém-nascido.

Assim, a descoberta e o desenvolvimento de metodologias que permitem a

realização da fenotipagem ABO/RhD, permitiu o desenvolvimento de medidas

profilácticas, como a administração de imunoglobulina anti-RhD no início da gravidez,

e consequentemente possibilitou a prevenção da aloimunização materna e, a

consequente diminuição de mortes dos nados-vivos por doença hemolítica do recém-

nascido.

Laboratorialmente, a determinação do Rh é realizada em paralelo e de forma

semelhante à fenotipagem ABO, sendo que a obtenção de hemoaglutinação corresponde

a um resultado Rh positivo, e a ausência de hemoaglutinação corresponde a um

resultado Rh negativo. Neste último caso, procede-se à lavagem das células sanguíneas

com soro fisiológico e envia-se para o laboratório de Lisboa para confirmação do

resultado e para a pesquisa de D fraco.

Na figura 41 está representada um exemplo de um resultado do teste de

fenotipagem ABO/RhD.

Figura 41 – Teste ABO e Rhesus com resultado fenótipo A RhD

negativo.

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118

2.3. IMUNOLOGIA

2.3.1. TÉCNICAS AUTOMATIZADAS

No laboratório SOERAD, na área da imunologia executa-se a determinação

automática da concentração do CK-MB (isoenzima MB da creatina cinase) e da

troponina I, com recurso ao aparelho automático Mini Vidas (figura 42), e a realização

de várias técnicas manuais, nomeadamente o monoteste, VDRL-PPR, teste imunológico

da gravidez, e pesquisa de canabinóides na urina.

A determinação da concentração do CK-MB e troponina I é realizada através de

métodos imunoenzimáticos de fluorescência (ELFA – Enzyme linked fluorescent assay).

Nesta técnica, após a colheita da amostra de sangue ser realizada, esta é colocada num

poço que contém os anticorpos anti-troponina e anti-CK-MB, marcados com um

conjugado, a fosfatase alcalina, de modo a haver ligação do CK-MB ou troponina I aos

anticorpos e ao conjugado, e a formação de uma sandwich. De seguida é adicionado o

substrato 4-metil-umbeliferil-fosfato, que é hidrolisado pela enzima fosfatase alcalina,

formando-se o produto 4-Metil-Umbeliferona, cuja florescência é emitida, a um

comprimento de onda de 450 nm, e cujo valor de sinal é proporcional à concentração de

CK-MB e troponina I.

Figura 42 – Aparelho automático Mini-Vidas responsável pela determinação

da concentração do CK-MB e da troponina I.

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No aparelho automático Mini Vidas, para cada teste, são realizadas duas

medidas de fluorescência na cuvette de leitura, a primeira correspondente ao branco da

cuvette, ou seja antes do substrato ser adicionada à sandwich; e a segunda efectuada

após inoculação do substrato com a enzima. O valor final de fluorescência é o resultado

da diferença das duas medidas referidas anteriormente.

Terminado o teste, os resultados são calculados automaticamente pelo auto-

analisador, em relação a uma curva de calibração pré-definida no sistema informático,

correspondente às duas medidas de fluorescência.

Na tabela 14 estão respresentados os valores de referência dos parâmetros

determinados pelo aparelho automático, os valores de sensibilidade e linearidade dos

métodos utilizados na sua análise, e os tipos de amostras biológicas em que podem ser

determinados.

2.3.1.1. Significado clínico do CK-MB

O CK-MB é uma das isoenzimas da creatina cinase, juntamente com a CK-MM

e a CK-BB. Das três isoformas é a mais específica do tecido cardíaco, existindo em

grandes quantidades no interior das células do miocárdio. Por esta razão, é considerado

um dos marcadores de eleição para o diagnóstico de síndromes coronários agudos,

como é exemplo o enfarto agudo do miocárdio.

Em casos de necrose miocárdica, observa-se um aumento dos níveis de CK-MB

4 a 6 horas após o início da sintomatologia, atinge o pico por volta das 18 horas, e volta

aos seus valores de referência às 48 horas.

A determinação da sua concentração é muito útil no diagnóstico de enfarto

agudo do miocárdio 12h após início de sintomas, possuindo uma sensibilidade de

detecção entre 93% e 100%; e no diagnóstico de reinfarte devido à sua curta semi-vida.

Parâmetros Amostras Sensibilidade

do método

Linearidade

do método

Valores de

referência

CK-MB

Soro

Plasma EDTA ou

Heparina de lítio

0,8 ng/mL 300 mg/mL < 5,1 ng/mL

Troponina I

Soro

Plasma EDTA ou

Heparina de lítio

0,01 µg/L 30 µg/L < 0,01 µg/L

Tabela 14 – Descrição do tipo de amostra, sensibilidade, linearidade e valores de referência

dos parâmetros CK-MB e Troponina I calculados através do método ELFA.

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120

Demonstrou-se também que um aumento dos seus níveis após revascularização do

miocárdio está associado ao aumento da mortalidade por enfarto agudo do miocárdio.

Porém, a sua importância clínica para o diagnóstico de enfarto agudo do

miocárdio tem vindo a diminuir devido à pouca sensibilidade de diagnóstico nas

primeiras 6h de evolução, e à baixa especificidade, visto estar aumentado também em

casos de exercício físico intenso, doenças musculares crónicas, como a polimiosite e

dermatomiosite, rabdomiólise, e ingestão de álcool e determinadas drogas, como a

cocaína.

2.3.1.2. Significado clínico da troponina I

As troponinas são um conjunto de proteínas musculares que juntamente com a

tropomiosina regulam a interacção cálcio dependente entre os filamentos de actina e

miosina, sendo responsáveis pelo ciclo dinâmico de contracção e relaxamento muscular

durante o processo de contracção muscular.

A troponina I é parte constituinte do complexo troponínico, juntamente com a

troponina T e a troponina C, correspondendo à componente inibitória do complexo

troponínico.

Esta proteína é responsável pela inibição da contracção muscular quando a

concentração do cálcio plasmático está baixa, pois a ligação da actina ao domínio

inibitório faz com que a troponina I iniba o efeito activador da actina sobre a ATP-ase

da miosina, conduzindo ao relaxamento muscular.

Devido à sua elevada especificidade e sensibilidade, a determinação da sua

concentração é útil no diagnóstico de casos de enfarto agudo do miocárdio, por exemplo

em situações em que não se observa elevação do CK-MB e/ou que apresentam supra-

desnivelamento do segmento ST (EMCSST); como factor de prognóstico, uma vez que

demonstrou-se que indivíduos suspeitos de doenças coronárias agudas com elevados

níveis de troponinas cardíacas estão associados a um risco maior de morte e reinfarte

comparativamente aos que não apresentam níveis elevados de troponina; e como

marcador de exclusão de EAM em indivíduos que não possuem elevação do segmento

ST e/ou que apresentem baixo risco de doença coronária, se vier negativa nas 12 – 14h

seguintes ao início dos sintomas.

Em casos de necrose miocárdica, observa-se aumento dos seus níveis nas

primeiras 4h – 6h, atinge o pico por volta das 48h – 72h, permanecendo em

concentrações elevadas por um período de 5 – 10 dias.

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Porém é importante referir que a sua elevação não ocorre unicamente em casos

de EAM, verificando-se também em casos de miocardite, embolismo pulmonar e

insuficiência renal.

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2.3.2. TÉCNICAS MANUAIS

Monoteste

O Monoteste é utilizado no diagnóstico de Mononucleose Infecciosa, em

indivíduos com sintomatologia clínica sugestiva, através da detecção qualitativa de

anticorpos heterófilos IgM em amostras de sangue total, plasma ou soro.

Este teste baseia-se num método imunocromatográfico, no qual a amostra

biológica migra por capilaridade numa membrana impregnada com antigénios

heterófilos na zona de teste. Deste modo, na presença de anticorpos heterófilos, há

formação de complexos anticorpo-antigénio, cuja visualização é possível com o

aparecimento de duas linhas vermelhas nas zonas de teste e controlo da cassete. Nestas

situações o teste é então considerado positivo. Na ausência de anticorpos heterófilos, na

cassete apenas irá aparecer uma linha vermelha correspondente ao controlo, sendo o

teste considerado negativo. Nos casos negativos é importante ter em consideração

alguns aspectos como o estadio da doença, visto que numa fase muito inicial a produção

de anticorpos pode não ser suficiente para a sua detecção através deste teste, e a idade

do individuo, pois em crianças e jovens adultos a produção deste tipo de anticorpos é

em baixas quantidades, originando resultados com menor positividade. Como tal, em

casos de suspeita de mononucleose pelo vírus de Epstein-Barr heterófilos negativo, é

aconselhável para confirmação de diagnóstico a detecção de anticorpos específicos do

vírus Epstein- Barr, como são exemplos os anticorpos anti-VCA, anti-EA e anti-EBNA.

Durante a realização deste teste pode ainda ocorrer situações em que não surge a

linha do controlo, sendo o teste considerado inválido.

VDRL (Veneral Disease Research Laboratory) – RPR (Rapid Plasma Reagin)

O VDRL-RPR é um teste qualitativo não treponémico utilizado no diagnóstico

clínico da sífilis, através da detecção de anticorpos inespecíficos, denominados reaginas,

produzidos em consequência da infecção causada pelo Treponema pallidum.

Este teste baseia-se no método imunocromatográfico, no qual as amostras de

soro ou plasma migram por capilaridade numa membrana impregnada com antigénio

não treponémico VDRL. O antigénio VDRL utilizado neste teste contém

micropartículas de carbono, que permite evidenciar visualmente a diferença entre um

resultado positivo e um resultado negativo. Assim, na presença de anticorpos anti-

VDRL, formam-se flóculos pretos em todo o círculo de teste, visíveis

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macroscopicamente devido à presença de partículas de carbono, obtendo-se um

resultado positivo. Contrariamente, quando não estão presentes anticorpos anti-VDRL

obtém-se um resultado negativo, evidenciado pela não ocorrência de floculação e pelo

aparecimento, no centro do círculo de teste, uma concentração de carbono polido ou

uma suspensão ténue de cor cinzenta. Pode ainda ocorrer a obtenção de resultados

fracos positivos, cujo aspecto macroscópico consiste numa concentração de agregados

pretos finos contornados por uma área difusa composta por agregados pretos finos.

No entanto existem situações em que os resultados obtidos não são específicos,

podendo obter-se resultados falsos positivos, por exemplo em casos de mononucleose

infecciosa, lepra, lúpus eritematoso sistémico, malária, e pneumonia viral. Também os

resultados negativos são necessário ter em atenção, especialmente em casos de suspeita

de infecção de sífilis com um quadro clínico fortemente sugestivo, uma vez que o

resultado pode dever-se à presença de anticorpos numa quantidade abaixo do valor

limite de detecção. Nestas situações é aconselhável a realização de testes de

confirmação como são exemplos o TPHA (Treponema pallidum Hemagglutination),

que consiste num teste de hemaglutinação no qual ocorre aglutinação de eritrócitos

sensibilizados com antigénios específicos do Treponema pallidum na presença de

anticorpos específicos contra os antigénios; e os Trepanostika TP recombinant e FTA-

ABS que consistem em métodos de imunofluorescência indirecta e ELISA

respectivamente, nos quais a presença de anticorpos contra antigénios específicos de

Treponema pallidum, origina a formação de complexos antigénio-anticorpo que

mediante uma reacção de hidrólise de um substrato catalisada por uma enzima origina

um sinal cuja intensidade é directamente proporcional à quantidade de anticorpos

presente na amostra biológica.

O método VDRL-RPR permite também a realização de uma identificação semi-

quantitativa das reaginas presentes na amostra biológica, nos casos de resultados

positivos, através da técnica de diluição, na qual se executam sucessivas diluições da

amostra, sendo o título da amostra a última diluição onde, ainda, se visualiza a presença

de agregados.

Diagnóstico imunológico da gravidez (DIG)

O diagnóstico imunológico da gravidez é um teste realizado em tiras

impregnadas com anticorpos monoclonais anti-hcG, permitindo a detecção qualitativa

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da hormona gonadotrofina coriónica humana (hcG) em amostras de urina ou soro, com

uma sensibilidade de 10 IU/L.

A hcG consiste numa glicoproteína que é produzida pela placenta muito pouco

tempo depois do processo de fecundação ocorrer, podendo numa gravidez normal ser

detectada na urina ou no soro 7 a 10 dias após a concepção, e cuja concentração

aumenta muito rapidamente no início da gravidez. Como tal, a hcG tornou-se num

excelente marcador para o diagnóstico precoce da gravidez.

Este teste baseia-se no método de imunocromatografia, no qual após mergulhar a

tira na amostra de urina ou soro, caso o resultado for positivo, observa-se o

aparecimento de duas linhas coloridas correspondentes à linha do controlo e à linha de

teste, resultado da formação de complexos antigénio-anticorpo na zona de teste. Nos

resultados negativos apenas se observa o aparecimento da linha colorida correspondente

ao controlo, e nos testes inválidos não há aparecimento de nenhuma linha colorida.

Á semelhança do que ocorre nos testes serológicos anteriormente referidos, neste

teste pode também ocorrer resultados falsos negativos e falsos positivos. Assim,

resultados falsos negativos podem ser obtidos em amostras de urina muito diluídas, isto

é com densidade específica muito reduzida, devido à presença de quantidades de hcG

não significativas; ou em situações em que o valor da concentração de hcG se situe

abaixo do limiar de sensibilidade do teste. Resultados positivos são também

característicos de doenças trofoblásticas e de determinadas neoplasias não trofoblásticas

como são exemplos o cancro da mama e do pulmão. Também nos homens se pode

observar aumento da concentração de hcG em casos de cancro da próstata e dos

testículos.

Pesquisa de canabinóides na urina

A pesquisa de canabinóides na urina é um teste qualitativo que permite a

detecção de vários tipos de canabinóides e seus metabolitos na urina (tabela 15), com

base no método imunocromatográfico. Este método baseia-se no princípio de

competição de ligação a anticorpos entre as substâncias presentes na urina e os

respectivos conjugados presentes no teste. Assim, na ausência de canabinóides na urina,

na cassete de teste irá aparecer duas linhas, uma na zona de controlo e outra na linha de

teste, resultado da ligação dos anticorpos aos conjugados dos canabinóides, uma vez

que a ausência de canabinóides na urina não causa a saturação dos locais de ligação dos

anticorpos, possibilitando, deste modo, a ligação dos conjugados aos anticorpos.

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Contrariamente, a presença de canabinóides na urina causa o aparecimento apenas da

uma linha correspondente ao controlo na cassete de teste, pois os canabinóides ligam-se

aos anticorpos, saturando os seus locais de ligação, e causando como consequência o

não aparecimento de linha colorida na zona de teste.

No entanto, é importante referir que este teste apresenta algumas limitações que

incluem a não indicação, num resultado positivo, da concentração das substâncias, e da

via de administração; a não distinção de situações de abuso, de situações em que estas

substâncias sejam usadas como medidas terapêuticas; e a obtenção de resultados falsos

negativos na presença de canabinóides em concentrações abaixo do limite de detecção

Parâmetro Nível de cut-off (ng/mL)

Anfetamina (AMP 300) 300

Anfetamina (AMP 500) 500

Anfetamina (AMP) 1000

Barbituratos (BAR) 300

Benzodiazepinas (BZO 200) 200

Benzodiazepinas (BZO) 300

Buprenorfina (BUP) 10

Cocaína (COC 150) 150

Cocaína (COC) 300

Cotinina (COT) 100

Fentanil (FTY) 20

Quetamina (KET) 1000

Marijuana (THC 20) 20

Marijuana (THC) 50

Marijuana (THC 150) 150

Metadona (MTD) 300

Metabolito da metadona (EDDP 100) 100

Metabolito da metadona (EDDP 300) 300

Metanfetamina (MET 300) 300

Metanfetamina (MET 500) 500

Metanfetamina (MET) 1000

Metillenedioximetanfetamina (MDMA) 500

Morfina (MOP 300) 300

Opiáceos (OPI 2000) 2000

Oxicodona (OXY) 100

Fenciclidina (PCP) 25

Propoxifeno (PPX) 300

Tramadol (TRA) 100

Antidepressivos tricíclicos (TCA) 1000

Tabela 15 – Substâncias detectadas pelo Teste de pesquisa de canabinóides na urina, e

seus respectivos cut-off.

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126

do teste. Deste modo caso seja necessário confirmar algum resultado ou realizar a

quantificação dos canabinóides presentes na urina, é obrigatório o recurso a outros

métodos, sendo o mais recomendável a cromatografia gasosa acoplada a espectrometria

de massa.

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127

2.4. GASIMETRIA

A gasometria é a área responsável pelo estudo do pH e dos gases sanguíneos, em

amostras de sangue arterial.

A colheita de amostras de sangue arterial é um acto médico, pelo que o

laboratório é apenas responsável pela validação técnica e biopatológico dos resultados.

No laboratório SOERAD, na área da gasimetria realizam-se a determinação do

pH, da concentração do ião bicarbonato, da saturação de oxigénio (sO2), da pressão de

dióxido de carbono (pCO2), e do excesso de base (B.E.) em amostras de sangue arterial,

com recurso ao aparelho automático Rapidpoint 400 (figura 43).

pH

O pH é um parâmetro que reflecte a actividade dos iões hidrogénio, na formal do

logaritmo negativo da concentração destes iões.

Diariamente, no interior do nosso organismo são produzidos grandes

quantidades de iões hidrogénio, em consequência das reacções metabólicas. Contudo,

em condições fisiológicas normais, não se observam alterações significativas do valor

de pH, sendo este mantido num intervalo muito restrito. Tal facto é devido à acção dos

tampões, e de mecanismos pulmonares e renais, que são os responsáveis pela regulação

do equilíbrio ácido-base, e que desta forma providenciam um ambiente óptimo para o

metabolismo celular.

Figura 43 – Aparelho automático Rapidpoint 400 responsável pelo

estudo do pH e dos gases do sangue arterial.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

128

Os principais sistemas tampão presentes no organismo são o tampão

bicarbonato-ácido carbónico, o tampão fosfato (HPO42-

- H2PO4-

), e o tampão

constituído pelos grupos imidazólicos dos resíduos de histidina. Estes tampões têm a

capacidade de ligar os iões H+ ou OH

-, levando à formação de conjugados que depois,

através de outros processos, como são exemplos os processos respiratórios e renais, são

facilmente eliminados do organismo.

O sistema respiratório mantém o pH fisiológico através da retenção ou

eliminação de dióxido de carbono, alterando a taxa e volume de ventilação, enquanto o

sistema renal regula o tampão bicarbonato através da eliminação de iões H+ e da

reabsorção de iões bicarbonato do filtrado glomerular.

Porém na presença de situações que não permitem aos sistemas tampão e de

regulação manter constante o valor de pH no sangue, surgem perturbações no equilíbrio

ácido-base.

Estas situações podem ser divididas em acidoses, caso o valor de pH diminua

para níveis inferior a 7,37, e em alcaloses, caso o valor de pH aumente para níveis

superiores a 7,45.

As alcaloses e acidoses, dependente da causa que está na sua origem, podem ser

classificadas em respiratórias e metabólicas. Assim, se a causa for uma alteração

primária da pressão de dióxido de carbono no sangue, está-se perante uma perturbação

respiratória, enquanto uma alteração nas concentrações de iões bicarbonato e das bases

tampão apontam para uma perturbação metabólica.

A acidose metabólica é caracterizada pela presença de baixas concentrações de

ião bicarbonato, e surge em consequência de uma disfunção renal que não permite a

excreção pela urina de iões H+, a situações de cetoacidose devido a diabetes

descompensada, jejum, consumo excessivo de álcool, devido ao aumento da

concentração de ácidos não voláteis, e a casos de diarreia, fístula pancreática ou biliar

que causam a perda de secreções ricas em iões bicarbonato. Esta condição patológica é

compensada, em minutos, por via respiratória, em que a diminuição do valor do pH

estimula a respiração, ocorrendo aumento de excreção de dióxido de carbono

(hiperventilação).

A alcalose metabólica caracteriza-se pela presença de excesso de iões

bicarbonato ou pela perda de iões H+, que resultam no aumento do valor do pH, e que

surgem em casos de vómitos prolongados, devido à perda do suco gástrico, em

situações de hipocaliémia, associadas ao uso excessivo de laxante, e em consequência

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129

de terapia para acidose metabólica, por exemplo devido à administração de bicarbonato.

Esta condição patológica está sempre associada a hipocaliémia, e é compensada por via

respiratória, em que o aumento do valor do pH causa atenuação da respiração, fazendo

com que a pressão de dióxido de carbono aumente (hipoventilação). A compensação

também pode dever-se a mecanismos renais, desde que a origem da alcalose metabólica

não seja renal, através do aumento de excreção de iões bicarbonato.

A acidose respiratória é caracterizada pelo aumento da pressão de dióxido de

carbono causada pela reduzida eliminação de dióxido de carbono por parte dos pulmões

(hipoventilação). Esta situação surge em consequência de doenças pulmonares,

insuficiência cardíaca e obstrução das vias respiratórias, e apresenta um elevado risco de

morte devido à carência aguda de oxigénio subjacente à hipoventilação, ao

estabelecimento de níveis críticos reduzidos de pH devido à reduzida compensação

renal, e à difusão de dióxido de carbono pelas células devido à hipercapnia. Esta

condição fisiológica é compensada por via renal, através do aumento de reabsorção

renal de iões bicarbonato e aumento de excreção de iões H+. Ao contrário da

compensação por via respiratória, a compensação por via renal é mais lenta,

observando-se apenas aumento dos níveis dos iões bicarbonato ao fim de alguns dias.

Por fim, a alcalose respiratória caracteriza-se pela diminuição da pressão de dióxido de

carbono causado pela sua eliminação excessiva por parte dos pulmões (hiperventilação),

e surge em casos de fibrose pulmonar, em situações de permanência em altitudes

elevadas, e em momentos de maior agitação, nervos e medo, pois ocorre estimulação da

respiração. Esta situação patológica está sempre associada a uma hipocaliémia e é

compensada por via renal através do aumento de excreção de iões bicarbonato.

Podem ainda ocorrer perturbações mistas, nas quais as condições ácido-base

compensam-se umas às outras relativamente ao valor de pH. Como tal, na avaliação das

perturbações ácido-base torna-se fundamental a determinação de outros parâmetros,

nomeadamente a concentração do ião bicarbonato e a pressão parcial de dióxido de

carbono. Deste modo, a observação de valores diminuídos de pH e concentração de ião

bicarbonato juntamente com valores normais de pressão parcial de dióxido de carbono

são indicativos de acidose metabólica aguda; a existência de pH baixo, pressão parcial

de dióxido de carbono aumentada e concentração de ião bicarbonato normal são

indicativos de acidose respiratória aguda; o aumento dos níveis de pH e concentração de

ião bicarbonato juntamente com pressão parcial de dióxido de carbono normal são

indicativos de alcalose metabólica; e por fim o aumento do pH, a diminuição da pressão

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parcial de dióxido de carbono e a existência de níveis normais de concentração de ião

bicarbonato são indicativos de alcalose respiratória.

A determinação do pH permite, assim, detectar perturbações no equilíbrio ácido-

base, contribuindo consequentemente para o diagnóstico de patologias dos sistemas

respiratório, renal e gastrointestinal.

Princípio de medição:

A determinação do pH realiza-se com recurso a um eléctrodo de pH, o qual é

constituído por um fio de prata/cloreto de prata envolvido numa solução tampão, e uma

membrana permeável aos iões hidrogénio. O fio de prata/cloreto de prata consiste no

eléctrodo de referência e possui potencial constante e conhecido, e a solução tampão

consiste num electrólito com valor de pH conhecido. Assim, quando a amostra

biológica entra em contacto com a membrana permeável, a passagem dos iões H+ por

esta membrana provoca a formação de um potencial de membrana, que depois é

conduzido pelo condutor de prata/cloreto de prata para um voltímetro, onde é

comparado com o potencial do eléctrodo de referência. O potencial final medido é a

diferença entre o potencial do eléctrodo de referência e o potencial da amostra, e é

directamente proporcional à concentração de iões H+. Visto que o pH é igual ao

logaritmo negativo da concentração de iões H+, sabendo a concentração de iões H

+ e

aplicando a expressão logarítmica é possível obter o valor de pH da amostra.

Na tabela 16 estão representados os valores de referência do parâmetro pH para

o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Parâmetro Valores de referência respeitantes a

sangue total arterial

pH

Adultos: 7,37 – 7,45

Recém-nascidos (1 dia): 7,20 – 7,41

Crianças (10-90 dias): 7,34 – 7,45

Crianças (4-12 meses): 7,38 – 7,45

Tabela 16 – Valores de referência do pH para o aparelho automático Rapidpoint e para

amostras de sangue arterial.

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Pressão parcial de dióxido de carbono

O dióxido de carbono é um dos produtos resultantes do metabolismo celular,

sendo transportado para os rins e pulmões, via corrente sanguínea, na forma de

bicarbonato, dióxido de carbono dissolvido, e ácido carbónico.

Nos pulmões, o oxigénio difunde dos alvéolos para a corrente sanguínea, onde

se liga às moléculas de hemoglobina. Concomitantemente iões H+ são libertados do

sangue venoso, reagem com iões bicarbonato, levando á formação de ácido carbónico.

O ácido carbónico, posteriormente dissocia-se em água e dióxido de carbono, sendo

depois o dióxido de carbono difundido pelos alvéolos e eliminado do organismo através

dos processos de ventilação.

Nos rins, o dióxido de carbono assume um papel importante na reabsorção dos

iões bicarbonato, na medida em que ao nível dos túbulos renais o sódio presente no

filtrado glomerular troca com os iões H+, os quais reagem depois com iões bicarbonato

do filtrado, levando à formação de ácido carbónico. O ácido carbónico é posteriormente

convertido pela anidrase carbónica em água e dióxido de carbono. O dióxido de carbono

formado difunde facilmente para os túbulos renais, reage com água, forma novamente

ácido carbónico, que depois se dissocia em iões H+ e iões bicarbonato. No final, os iões

bicarbonato são reabsorvidos para o sangue juntamente com os iões sódio.

A determinação da pressão parcial de dióxido de carbono é assim útil na

detecção de alterações do sistema respiratório, permite monitorizar o estado

compensatório de casos de acidose e alcalose metabólicas, e juntamente com a

determinação do valor de pH, contribui para a diferenciação de perturbações ácido-base.

Princípio de medição

O método que está na base da determinação da pressão parcial de dióxido de

carbono é a utilização de uma célula electroquímica, a qual é constituída por um

eléctrodo de medição, que consiste num eléctrodo de pH, por um eléctrodo de

referência, e por uma membrana permeável ao dióxido de carbono. O eléctrodo de

medição está envolvido numa solução tampão, enquanto o eléctrodo de referência está

envolvido por uma solução de cloreto e bicarbonato.

A pressão parcial do dióxido de carbono será directamente proporcional à

alteração de pH da solução de cloreto e bicarbonato detectada pelo eléctrodo de

medição, em consequência da passagem de dióxido de carbono pela membrana

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permeável para a solução de cloreto e bicarbonato, na qual altera a actividade dos iões

hidrogénio.

Na tabela 17 estão representados os valores de referência da pressão parcial de

dióxido de carbono para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de

sangue arterial.

Concentração de iões bicarbonato

O ião bicarbonato é parte constituinte do principal sistema tampão do

organismo, o tampão bicarbonato-ácido carbónico, que juntamente com o sistema

respiratório constituem a primeira linha de defesa do organismo em casos de

desequilíbrio ácido-base com origem não respiratória. Deste modo, em situações de

acidose, o ião bicarbonato (HCO-3) reage com os iões H

+, levando à formação de ácido

carbónico, que depois se dissocia em CO2 e H2O. O CO2 é eliminado a uma taxa maior,

por acção dos pulmões, ocorrendo aumento da respiração (hiperventilação), e os iões H+

são eliminados na forma de água; contrariamente em casos de alcalose, os iões OH-

reagem com o ácido carbónico, formando-se água e iões bicarbonato. Os iões

bicarbonato são depois eliminados a uma taxa mais elevada ao nível dos túbulos renais,

permitindo a diminuição dos níveis de pH.

A determinação da concentração do ião bicarbonato é então útil na detecção de

perturbações do equilíbrio ácido-base, nomeadamente de casos de acidose ou alcalose

de origem metabólica, e na monitorização de situações de acidose e alcalose

respiratória, na medida em que o aumento ou a diminuição, respectivamente, da

concentração de iões bicarbonato permite acompanhar o estado compensatório destes

desequilíbrios acido-base de origem respiratória.

Parâmetro Valores de referência respeitantes a

sangue total arterial

pCO2

Adultos: 35 – 46 mmHg

Recém-nascidos (1 dia): 29,4 – 60,6

mmHg

Crianças (10-90 dias): 26,5 – 42,5 mmHg

Crianças (4-12 meses): 27,0 – 39,8 mmHg

Tabela 17 – Valores de referência da pressão parcial do dióxido de carbono para o aparelho

automático Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

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Princípio de medição

O valor de concentração dos iões bicarbonato é determinado automaticamente

pelo auto-analisador, através do recurso a algoritmos matemáticos. No aparelho

automático Rapidpoint 400/405 o princípio de cálculo é a equação de Henderson-

Hasselbalch, resolvida segundo o logaritmo da concentração de bicarbonato, e a partir

do cálculo dos valores de pH e pressão de dióxido de carbono.

A concentração do ião bicarbonato resulta então da aplicação da seguinte

expressão:

[HCO-3] = 10

(pH - 6,11) × pCO2 × 0,0307

Na tabela 18 estão representados os valores de referência da concentração dos

iões bicarbonato para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue

arterial.

Excesso de base

O parâmetro excesso de base designa a quantidade de ácido (valor de B.E.

positivo) ou de base (valor de B.E. positivo) necessária para repor o pH na parte

metabólica.

A sua determinação é útil na detecção de desequilíbrios ácido base de origem

não respiratória, estando os seus valores fora do intervalo de referência em casos de

perturbações metabólicas, como são exemplos a diabetes mellitus, ou situações de

acidose ou alcalose metabólica; perturbações renais; perturbações intestinais que

envolvam a perda de suco gástrico (que leva à perda de iões H+) ou secreções duodenais

(perda de iões HCO-3), perturbações hepáticas; e em consequência de administração de

iatrogénicos, como são exemplos as infusões com lactato ou malato.

Parâmetro Valores de referência respeitantes a

sangue total arterial

Ião bicarbonato (HCO23-)

Adultos: 21 – 26 mmol/L

Recém-nascidos (1 dia): 18,6 – 22,6

mmol/L

Crianças (10-90 dias): 18,5 – 24,5

mmol/L

Crianças (4-12 meses): 19,8 – 24,2

mmol/L

Tabela 18 – Valores de referência da concentração de iões bicarbonato para o aparelho

automático Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

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Na tabela 19 estão representados os valores de referência do parâmetro excesso

de base para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Oxigénio

O oxigénio é um gás que desempenha um papel crucial na sobrevivência dos

organismos vivos, intervindo na cadeia respiratória mitocondrial que culmina na

produção de energia sob a forma de ATP.

A principal fonte de oxigénio do ser humano é o ar atmosférico, que é

constituído por aproximadamente 78% de azoto, 21% de oxigénio, e pequenas

percentagens de dióxido de carbono e outros gases, principalmente gases inertes.

O caminho percorrido pelo oxigénio desde os pulmões até às mitocôndrias

celulares é longo e depende dos sistemas respiratórios, cardíaco, e circulatório, e da

capacidade de transporte da hemoglobina. Assim, após a inspiração do ar atmosférico,

este é transportado para locais de pressão mais baixa, nomeadamente os alvéolos

pulmonares. Durante este percurso, ocorre diminuição da pressão parcial do oxigénio,

que diminui dos iniciais 160 mmHg no ar circundante para 100 mmHg nos alvéolos, em

consequência da diluição do ar inspirado pelo ar retido da última expiração, e da sua

saturação com vapor de água. De seguida, ao nível dos alvéolos ocorrem as trocas

gasosas pulmonares, durantes as quais há aumento de perfusão dos pulmões e a

passagem do oxigénio dos alvéolos para o sangue capilar, devido à diferença de pressão

parcial do oxigénio existente entre a ramificação capilar venosa (40 mmHg) e os

alvéolos (100 mmHg). Nos capilares, o oxigénio é transportado até todas as células do

organismo, nas quais irão ocorrer novas trocas gasosas, em que há passagem do

oxigénio do sangue para as células, e passagem do dióxido de carbono das células para

os capilares sanguíneos.

A molécula responsável pelo transporte do oxigénio no sangue é a hemoglobina,

tendo capacidade de ligar reversivelmente quatro moléculas de oxigénio.

A capacidade da hemoglobina de fixar as moléculas de oxigénio depende do pH,

da pressão do dióxido de carbono, da pressão do oxigénio, da concentração de 2,3-

Parâmetro Valores de referência respeitantes a

sangue total arterial

Excesso de base (B.E.) -2 a +3 mmol/L

Tabela 19 – Valores de referência do parâmetro excesso de base para o aparelho automático

Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

135

difosfoglicerato e da temperatura. Desta forma, ao nível dos tecidos, devido aos

processos metabólicos oxidativos, estão presentes quantidades de iões H+, pressão de

dióxido de carbono, concentração de 2,3-difosfoglicerato e temperatura mais elevados

que nos capilares sanguíneos, fazendo com que a afinidade da hemoglobina para as

moléculas de oxigénio diminua, permitindo, assim, a libertação de oxigénio para as

células. Ao nível dos pulmões, o pH, a concentração de 2,3-difosfoglicerato, a pressão

de dióxido de carbono, e a temperatura são mais baixas relativamente aos capilares

sanguíneos, e como tal há aumento da afinidade da hemoglobina para as moléculas de

oxigénio, permitindo a passagem do oxigénio dos alvéolos para o sistema circulatório.

Todo este processo de oxigenação da hemoglobina referido anteriormente pode ser

identificado através da curva de dissociação do oxigénio. Esta curva descreve a relação

quantitativa entre o oxigénio que é libertado fisicamente (mensurável como pressão

parcial do oxigénio) e a absorção de oxigénio por parte da hemoglobina (mensurável

como saturação de oxigénio), demonstrando que a relação entre estas duas grandezas

não é linear, mas sim sigmóide. Esta conformação é explicada por uma adaptação

crescente da molécula de hemoglobina, que facilita a sua oxigenação, e é muito

importante para a eficácia do transporte do oxigénio no sangue pois significa que

mesmo na presença de pressões parcial de oxigénio alveolares baixas, é atingido um

nível de saturação de oxigénio razoável, e que a ocorrência de alterações na pressão

parcial do oxigénio causa uma imediata alteração da saturação de oxigénio, provocando

uma grande dessaturação do oxigénio do sangue, e consequentemente, um melhor

fornecimento aos vários tecidos.

Como tal, devido à sua enorme importância, é fundamental o estudo da

oxigenação do organismo na detecção de situações patológicas.

A avaliação do estado de oxigenação do organismo é realizada através da

determinação da pressão parcial do oxigénio, indicador da absorção de oxigénio nos

pulmões; da saturação do oxigénio, indicador do transporte de oxigénio; da

concentração de oxigénio, indicador do fornecimento de oxigénio; e dos derivados da

hemoglobina, indicadores da afinidade entre a hemoglobina e o oxigénio nos tecidos.

Pressão parcial de oxigénio

A pressão parcial do oxigénio descreve o oxigénio libertado no sangue, é

indicativo da capacidade dos pulmões de enriquecer o sangue com oxigénio, e a sua

determinação permite avaliar o funcionamento dos pulmões.

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A presença de valores aumentados deste parâmetro é indicativa de risco de

toxicose por oxigénio, que pode causar danos graves nos pulmões devido ao aumento da

quantidade de radicais livres de oxigénio.

Princípio de medição

A determinação da pressão parcial de oxigénio é feita com recurso a células

electroquímicas constituídas por um amperímetro, por um cátodo de platina, um ânodo

de prata, uma solução de electrólitos, por uma membrana permeável ao oxigénio, e por

uma tensão de referência colocada entre o ânodo e o cátodo. Assim, a pressão parcial de

oxigénio será directamente proporcional à corrente gerada pelo fluxo de electrões, entre

o ânodo e o cátodo, formados em consequência da redução do oxigénio no cátodo.

Na tabela 20 estão representados os valores de referência da pressão parcial do

oxigénio para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Saturação do oxigénio

A saturação do oxigénio indica a relação entre a hemoglobina oxigenada e a

hemoglobina não oxigenada e permite avaliar a capacidade dos pulmões de oxigenar o

sangue. A sua determinação é realizada através da aplicação da seguinte fórmula

matemática.

sO2 = Concentração da oxihemoglobina

Concentração da oxihemoglobina+concentração da desoxihemoglobina × 100

Na tabela 21 estão representados os valores de referência da saturação do

oxigénio para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Parâmetro Valores de referência respeitantes a

sangue total arterial

pO2 Adultos: 70 – 100 mmHg

Crianças (10-90 dias): 70 – 85 mmHg

Parâmetro Valores de referência respeitantes a

sangue total arterial

sO2 Adultos: > 96%

Tabela 20 – Valores de referência da pressão parcial do oxigénio para o aparelho automático

Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

Tabela 21 – Valores de referência da saturação do oxigénio para o aparelho automático

Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

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137

Derivados da hemoglobina

A hemoglobina é o principal parâmetro avaliador da capacidade de transporte de

oxigénio do organismo.

O valor da concentração de hemoglobina determinada nos hemogramas é a soma

do valor da concentração de todas as fracções de hemoglobina, que incluem a

oxihemoglobina (fracção de hemoglobina ligada ao oxigénio), a desoxi-hemoglobina

(fracção de hemoglobina oxigenável mas que não se encontra ligada ao oxigénio), a

meta-hemoglobina (fracção de hemoglobina em que o ião ferro está no estado de

oxidação +3), a carboxi-hemoglobina (fracção da hemoglobina ligada ao monóxido de

carbono), e a sulfa-hemoglobina (fracção de hemoglobina ligada a átomos de enxofre).

Em condições fisiológicas normais, o valor em percentagem, de todas as

fracções de hemoglobina, excepto a oxi-hemoglobina, é muito baixo, fazendo com que

o aumento dos níveis das fracções de hemoglobina não oxigenáveis seja indicativo da

presença de algumas situações patológicas, pois a hemoglobina diminui a sua

capacidade em transportar o oxigénio, podendo causar hipoxia e cianose. Assim, a

presença de valores aumentados de meta-hemoglobina surgem em casos de meta-

hemoglobinémias congénitas, após o contacto com substâncias tóxicas, como são

exemplos os nitratos, os nitritos e os corantes de anilina, e em consequência da

administração de certos fármacos como a prilocaína, resorcina, fenacetina e

nitroglicerina; o aumento dos níveis da fracção carboxi-hemoglobina é observado em

indivíduos fumadores, em vítimas de queimaduras, ou em trabalhadores industriais ou

agrícolas que estejam expostos a monóxido de carbono; por fim níveis elevados da

fracção sulfa-hemoglobina são detectados em consequência de medidas terapêuticas

com sulfonamidas e antidiabéticos orais.

Em todas as situações referidas anteriormente, a determinação da concentração

das fracções de hemoglobina é de extrema importância no diagnóstico pois, em alguns

casos, a concentração da hemoglobina total pode estar dentro do intervalo dos valores

de referência, no entanto a capacidade de transporte de oxigénio está diminuída devido à

presença de valores aumentados de fracções não oxigenáveis de hemoglobina.

Princípio de medição

A determinação da concentração das várias fracções de hemoglobina realiza-se

com base em métodos espectrofotométricos, em que o comprimento de onda de

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absorção utilizado é característico de cada fracção, e a concentração resulta da aplicação

da Lei de Lambert-Beer.

Na tabela 22 estão representados os valores de referência das diferentes fracções

da hemoglobina para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue

arterial.

Parâmetro Valores de referência respeitantes a

sangue total arterial

FO2Hb > 96%

FCOHb < 2,0%

FMetHb < 1,5%

FHHb 0,0 – 5,0%

Tabela 22 – Valores de referência das diferentes fracções da hemoglobina para o aparelho

automático Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

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139

3. CONTROLO DE QUALIDADE

Os sistemas de controlo de qualidade desempenham um papel muito importante

na avaliação da qualidade dos resultados obtidos através da detecção de erros analíticos

e da implementação de acções correctivas. Neste âmbito existem dois programas, o

controlo de qualidade interno e a avaliação externa da qualidade.

3.1. CONTROLO DE QUALIDADE INTERNO

O controlo de qualidade interno consiste num conjunto de procedimentos

realizados diariamente no laboratório e com recurso a soluções controlo e programas

estatísticos, com o objectivo de avaliar a precisão e exactidão dos métodos analíticos,

contribuindo para a fiabilidade dos resultados obtidos.

As soluções controlo são amostras de concentração conhecida, possuem matriz

igual às amostras biológicas, são analisadas nas mesmas condições que as amostras

biológicas e geralmente são fornecidas por uma empresa externa no estado líquido ou

mais frequentemente liofilizadas, sendo neste último caso necessário realizar a sua

reconstrução. Durante a reconstrução dos controlos devem-se respeitar todos os passos

do procedimento descrito pela empresa produtora, pois uma reconstrução do controlo

mal executada pode levar à obtenção de valores fora do intervalo de controlo e à

consequente realização de calibrações e outros procedimentos de manutenção

desnecessários.

A monitorização dos métodos analíticos inclui a análise das amostras controlo e

a comparação dos resultados obtidos com os valores expectáveis, que correspondem a

um intervalo de valores aceitáveis constituído por um limite inferior e superior

denominados limites de controlo, calculados em função do valor médio e do desvio

padrão do controlo. Deste modo, caso o valor das amostras controlo se situar dentro do

intervalo de referência, significa que os resultados obtidos pelo método analítico

analisado são muito próximos da realidade, garantido a fiabilidade dos resultados das

amostras biológicas; caso o valor das amostras controlo ultrapassar os valores limite do

intervalo de referência, significa que está a ocorrer erros, não havendo garantia da

qualidade e fiabilidade dos resultados obtidos pelo método analítico.

Os principais erros que ocorrem no trabalho de rotina de um laboratório podem

ser do tipo aleatório ou do tipo sistemático. Os erros aleatórios correspondem a erros

cuja direcção e magnitude não são previstos, sendo detectados quando os valores de

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medição de uma mesma amostra estão dispersos em redor de um valor médio. São como

tal responsáveis por alterações na precisão do método analítico, podendo ser

identificados através da análise das cartas do controlo interno. Os erros sistemáticos são

caracterizados pela ocorrência de um desvio da média dos valores obtidos ao valor

convencionalmente verdadeiro, afectam a exactidão do método analítico e são

detectados preferencialmente pelos processos de controlo externo da qualidade.

No laboratório SOERAD, antes do início do dia de trabalho, em todos os

aparelhos automáticos procede-se à análise das amostras controlo, e à sua interpretação

através de representações gráficas.

Na área da Química Clínica, existem três amostras de controlo correspondentes

ao controlo universal, que permite o controlo de vários parâmetros e que existe em dois

níveis, o normal e o patológico alto; o controlo específico do parâmetro

microalbuminúria, existente em dois níveis, o normal e o patológico alto; e o controlo

específico dos parâmetros Proteína C Reactiva e Imunoglobulinas, existente em três

níveis, patológico baixo, normal e patológico alto.

A análise das amostras controlo universal permite o controlo dos parâmetros

fosfatase alcalina, ALT, AST, amilase, bilirrubina directa, bilirrubina total, cálcio,

colesterol, creatinina, gama-glutamil transferase, glucose, ferro, lactato desidrogenase,

magnésio, fósforo, sódio, potássio, cloro, triglicéridos, ácido úrico, ureia, CK total, e

colesterol HDL, é realizada todos os dias, no inicio do dia de trabalho, utilizando-se os

diferentes níveis de controlo em semanas alternadas.

O controlo específico do parâmetro microalbuminúria também é analisado todos

os dias, utilizando-se ambos os níveis de controlo em semanas alternadas.

Existem ainda parâmetros, nomeadamente o cálcio, fósforo e imunoglobulinas,

cujo controlo é analisado apenas nos dias de segunda e quinta-feira, ou apenas em

situações de atendimento permanente como no caso da amilase, da lactato

desidrogenase e do magnésio.

O aparelho automático Aution Max 4280 responsável pela análise da urina do

tipo II, também possui amostras de controlo interno, denominados AUTO CHECK I e

AUTO CHECK II. Estas amostras controlo têm diferente composição e consistem em

amostras liofilizadas de urina humana contendo substâncias químicas e bioquímicas, e

constituintes de origem humana, e têm como principal objectivo verificar a precisão e

rigor do aparelho automático e das tiras de teste.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

141

Na área da Hematologia, a análise dos controlos realiza-se nos aparelhos

Sysmex XT-1800i e Sysmex CA-500.

O controlo da qualidade interno do aparelho Sysmex XT-1800i é realizado com

recurso a amostras controlo existentes em três níveis, o patológico baixo, o normal, e o

patológico alto, em que o controlo de nível normal é analisado aos dias de segunda-feira

e quinta-feira, o controlo de nível patológico baixo é analisado aos dias de terça-feira e

sexta-feira, e o controlo de nível patológico alto é analisado à quarta-feira e ao sábado.

No aparelho Sysmex CA-500 o controlo da qualidade interno consiste numa

pool de soros de utentes com valores de PT e APTT dentro dos valores de referência.

Na área da Imunologia e no caso das técnicas manuais, o controlo da qualidade

interno é realizado com recurso a amostras controlo presentes em cada cassete de teste,

e apenas quando existem análises para serem executadas.

Na área da gasimetria, as amostras controlo apenas são analisadas à sexta-feira,

pois as determinações dos gases do sangue arterial só se realizam no último dia da

semana de trabalho.

Depois da análise dos controlos pelos aparelhos automáticos, a avaliação e

comparação dos valores obtidos com os limites de controlo são realizadas através da

utilização do sistema multiregras desenvolvido por Westgard, e de cartas de controlo,

nas quais estão representados gráficos de Levey-Jennings.

Os gráficos de Levey-Jennings representam a dispersão dos valores do controlo

em torno do seu valor alvo em função do seu desvio padrão, são representativos de cada

teste e de cada nível de controlo, e permitem de uma forma rápida avaliar se o valor

obtido se encontra dentro dos valores limites do controlo. Este gráfico é assim

construído por uma linha central correspondente ao valor médio do analito, e por várias

linhas respeitantes aos valores limite do controlo estabelecidos, expressos na forma do

valor médio mais ou menos o desvio padrão.

As regras de Westgard permitem interpretar os dados das amostras controlo

presentes nos gráficos de Levey-Jennings, e através da combinação de vários critérios

de decisão, julgar se os valores obtidos por um determinado método são confiáveis.

Existem seis regras de Westgard, divididas em regras de aviso e de rejeição.

Na tabela 23 estão representadas as regras de Westgard e o seu respectivo

significado.

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142

No laboratório SOERAD, em geral, os limites aceitáveis de erro, em relação à

média, é de dois desvios padrão. Assim, caso os valores do controlo estiverem dentro do

intervalo definido, o controlo é validado. Pelo contrário, se os valores do controlo

encontrarem-se fora do intervalo permitido, o controlo não é validado, procedendo-se à

calibração do método.

A calibração de um método consiste num conjunto de operações que permite

estabelecer, sob determinadas condições e com a maior exactidão possível, a

correspondência entre os vários valores indicados por um instrumento de medida e o

valor de um material de referência, denominado calibrador.

No laboratório SOERAD, geralmente o processo de calibração, à excepção do

módulo ISE que é realizado todos os dias, apenas é realizado quando o valor das

amostras controlo não se encontra dentro dos limites de controlo, quando ocorre

mudança de lote dos reagentes, ou de acordo com um intervalo de tempo predefinido

pelo fornecedor.

No entanto existem situações em que os valores das amostras controlo estão fora

do intervalo de referência e cuja realização da calibração não é eficaz. Estes casos,

Regra de

Westgard Significado da regra de Westgard

1:2s

É uma regra de aviso, indica a ocorrência de um erro aleatório e é

quebrada quando o valor da amostra controlo ultrapassa o intervalo

delimitado pela média mais ou menos dois desvios padrão.

1:3s

É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro aleatório grave

ou o início de um erro sistemático grave, e é quebrada quando o valor

da amostra controlo ultrapassa o intervalo delimitado pela média mais

ou menos três desvios padrão.

2:2s

É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro sistemático e é

quebrada quando os valores de duas amostras de controlo ultrapassam

o intervalo delimitado pela média mais ou menos dois desvios padrão,

do mesmo lado da média.

R:4s

É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro aleatório

grave, e é quebrada quando a diferença entre dois valores de duas

amostras controlo consecutivas é superior a quatro vezes o valor do

desvio padrão.

4:1s

É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro sistemático, e

é quebrada quando os valores de quatro amostras controlo ultrapassam

o intervalo delimitado pela média mais ou menos um desvio padrão.

10:χ

É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro sistemático, e

é quebrada quando os valores de dez amostras controlo consecutivas se

situam no mesmo lado da média.

Tabela 23 – Descrição das Regras de Westgard.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

143

muitas vezes têm como principais causas anomalias no aparelho automático, como são

exemplos a contaminação de cuvettes, o entupimento de tubos, pipetas tortas, e soluções

de lavagem mal preparadas e/ou contaminadas. Nestes casos é necessário contactar a

assistência técnica do aparelho automático, procedendo-se posteriormente à análise dos

controlos e à realização da calibração.

3.2. AVALIAÇÃO EXTERNA DA QUALIDADE

A avaliação externa da qualidade é feita por uma entidade exterior ao

laboratório, a qual envia amostras a vários e diferentes laboratórios, permitindo, deste

modo, a avaliação do desempenho de um laboratório em comparação com outros

laboratórios.

Existem vários programas de avaliação externa disponíveis. No laboratório

SOERAD é utilizado o programa RIQAS.

Nos programas de avaliação externa, após o envio e a recepção das amostras a

analisar, no laboratório é feita a reconstituição das amostras como indicado no

procedimento proveniente da entidade avaliadora. De seguida, procede-se à análise das

amostras, realizada nas mesmas condições que as amostras dos utentes.

No laboratório SOERAD, a avaliação externa da qualidade é realizada nas áreas

da Química Analítica, Hematologia, e Hematologia – Coagulação. Na área da Química

analítica, a avaliação externa da qualidade é realizada mensalmente, e nos seguintes

parâmetros: fosfatase alcalina, ALT, amilase, AST, bilirrubina directa, bilirrubina total,

cálcio, cloro, colesterol, creatina cinase, creatinina, gama glutamil-transferase, glucose,

colesterol-HDL, ferro, lactato desidrogenase, magnésio, fósforo, potássio, sódio,

triglicéridos, ureia e ácido úrico.

Na área da Hematologia, a avaliação externa da qualidade é também realizada

mensalmente, nos seguintes parâmetros: hemoglobina, hematócrito, número de

eritrócitos, volume globular médio (VGM), hemoglobina globular média (HGM),

concentração de hemoglobina globular média (CHGM), número de paquetas, número de

leucócitos, volume médio plaquetário, e o coeficiente de dispersão eritrocitário.

Na área de Hematologia – Coagulação, a análise das amostras controlo externo

também é executada mensalmente, e aos parâmetros Tempo de Protrombina (TP) e

Tempo de tromboplastina parcial activado (APTT).

Após a análise das amostras, são enviados os resultados à entidade respectiva.

Posteriormente, a entidade externa, após realizar o tratamento dos dados provenientes

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

144

de todos os laboratórios participantes, transmite um relatório onde consta a apreciação

dos resultados obtidos pelo nosso laboratório. Dependendo dos resultados, caso se

verifique uma discrepância significativa dos nossos resultados em relação à média dos

resultados obtidos pelos outros laboratórios, é necessário a implementação de acções

correctivas e/ou preventivas de modo a melhorar o desempenho do nosso laboratório.

Este sistema de avaliação, através da avaliação da exactidão dos resultados

obtidos, representa, então, um modo de garantir a qualidade dos resultados obtidos pelo

nosso laboratório, promovendo a confiança nos resultados obtidos, tanto nos utentes,

como no pessoal clínico, e até nos profissionais que trabalham no laboratório.

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145

4. FASE PÓS-ANALÍTICA

A fase pós-analítica corresponde à ultima etapa das análises clínicas e inclui os

processos de validação dos resultados, emissão dos boletins de resultados, e a entrega

dos resultados ao doente e/ou médico.

A validação dos resultados permite assegurar que os valores obtidos para todos

os parâmetros requisitados pelo médico foram determinados em condições técnicas

adequadas, e que se encontram em conformidade com a história clínica do utente. Este

processo inclui a validação técnica, executada pelas técnicas de análises clínicas, e a

validação biopatológica realizada pela directora técnica do laboratório de análises

clínicas.

A emissão dos boletins de resultados é realizada após a execução da validação

dos resultados, e é da responsabilidade da directora técnica do laboratório.

Por fim, a entrega dos resultados pode ser feita por várias vias, nomeadamente

via presencial, mediante a apresentação do talão de levantamento, via fax, via endereço

electrónico ou via telefone.

O levantamento por via fax, endereço electrónico, e telefone requer o

preenchimento de um formulário por parte do utente, no qual indica o número do fax, o

número de telefone, ou o endereço electrónico, respectivamente, e dá consentimento que

os resultados sejam enviados por uma via alternativa da presencial. Porém existem

situações em que os resultados são emitidos pela directora técnica do laboratório

directamente para o médico prescritor porque podem perturbar emocionalmente o

utente. São exemplos, casos positivos de HIV, valores alterados do hemograma

sugestivo de neoplasia hematológica, e casos de infecção recente e activa por

citomegalovírus ou rubéola em utentes grávidas.

À semelhança das fases pré-analítica e analítica, a fase pós-analítica é também

fonte de erros que afectam o processo de análises clínicas, estando os principais

associados à presença nos boletins de resultados do nome, idade, e género do utente,

errados; erros na transcrição de análises; erros nos valores de referência; falta de

análises prescritas; presença de análises não prescritas; resultados incompatíveis com a

história clínica do utente; e prazo de entrega dos resultados não cumprido.

De modo a avaliar e a diminuir os erros da fase pós-analítica, à semelhança do

que ocorre na fase pré-analítica, foram criados indicadores de qualidade (tabela 24), que

têm como principal objectivo diminuir a ocorrência das principais causas das não

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conformidades pós-analíticas, contribuindo para o prestígio do pessoal técnico e do

próprio laboratório clínico.

Indicadores da qualidade

Número de análises presentes no boletim mas não requisitadas

Número de análises solicitadas e não enviadas

Número de boletins de resultados com dados errados do utente

Número de boletins de resultados corrigidos enviados

Número de boletins de resultados enviados que excederam o prazo de entrega

Intervalo de tempo de resposta de resultados urgentes

Nível de satisfação do utente e do pessoal médico com o serviço do laboratório

clínico prestado

Tabela 24 – Exemplos de indicadores de qualidade da fase pós-analítica.

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147

5. CONCLUSÃO

O estágio curricular realizado no âmbito do mestrado em Análises Clínicas foi

uma experiência muito enriquecedora, tanto a nível profissional como pessoal. Conheci

pessoas fantásticas, boas profissionais, boas colegas, e que me ensinaram imenso, tendo

a disponibilidade de responder a todas as minhas dúvidas.

O contacto com os utentes possibilitou o desenvolvimento das aptidões

comunicativas, no sentido de ter que adaptar o discurso para os diferentes tipos de

utentes, e o conhecimento das suas histórias clínicas, juntamente com a realização de

técnicas laboratoriais a diferentes amostras biológicas, permitiu aplicar o conhecimento

adquirido durante a fase curricular, e assim proceder à validação técnica de resultados.

Durante o presente estágio curricular tive também oportunidade de desenvolver

capacidades de organização de tarefas a realizar no laboratório, e de trabalho autónomo.

Em conclusão, a realização do estágio curricular complementou a minha

formação teórica e prática, e cimentou a minha certeza em relação ao meu futuro

profissional, que agora sei, passará por tornar-me uma técnica qualificada na área das

Análises clínicas.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

151

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

MONOGRAFIA

GALACTOSÉMIA CLÁSSICA: DA RESTRIÇÃO DIETÉTICA

ÀS NOVAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS

MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS

ORIENTAÇÃO: PROFESSORA DOUTORA ISABEL MARIA ANTOLIN RIVERA

HELENA ISABEL COELHO LIMA

2016

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

152

RESUMO

A galactosémia clássica é um erro hereditário do metabolismo da galactose

resultante da ocorrência de mutações no gene GALT. Esta patologia, de transmissão

autossómica recessiva, caracteriza-se pela acumulação em níveis tóxicos de galactose e

seus metabolitos em consequência da diminuta ou ausente actividade da enzima GALT.

Os primeiros sinais e sintomas característicos da galactosémia clássica surgem

uma a duas semanas após o início da ingestão de leite, e incluem vómitos, diarreia, e

perda de peso, os quais podem evoluir para quadros de cataratas e septicémia, muitas

vezes fatal.

Devido ao desenvolvimento dos programas de rastreio neonatal, hoje em dia é

possível fazer o diagnóstico da galactosémia clássica e iniciar o tratamento de uma

forma precoce. Actualmente, o tratamento baseia-se na restrição dietética em alimentos

que contêm galactose. A terapia alimentar mostra-se eficaz na melhoria do quadro

clínico das crianças galactosémicas, verificando-se, em uma ou duas semanas, o

desaparecimento completo das disfunções renal e hepática. Contudo, continua a

verificar-se o desenvolvimento de complicações a longo prazo, cujo fenótipo é variado e

dependente das mutações presentes, e que incluem deficiências no desenvolvimento

neurológico e psiconeurológico, complicações ósseas, e disfunção ovárica precoce nas

mulheres.

Com o objectivo de melhorar a qualidade de vida dos doentes com galactosémia

clássica, nos últimos anos têm sido estudadas novas alternativas terapêuticas, como são

exemplos os chaperones químicos/farmacológicos, os oligonucleótidos antisense, os

inibidores da enzima GALK e as moléculas que mimetizam a acção da enzima

superóxido dismutase.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

153

ABSTRACT

Classic galactosemia is an inherited error of galactose metabolism, resulting

from mutation in the GALT gene. This pathology, presenting an autosomal recessive

pattern of inheritance, is characterized by the accumulation of galactose and its

metabolites in the body fluids at toxic levels, resulting from the impaired or absent

GALT enzyme activity.

The initial characteristic signs and symptoms of classic galactosemia occur after

one to two weeks of galactose ingestion due to milk feeding, and include vomits,

diarrhea, and weight loss. If untreated, the patients can also develop cataracts and

septicemia, which may be fatal.

Due to the development of newborn screening programs, nowadays it is possible

to diagnose classic galactosemia and initiate treatment very early. Currently, the

treatment is based on a galactose-restricted diet, which improves the clinical condition

of galactosemic children in one or two weeks, causing the complete disappearance of

liver and kidney dysfunctions. However, despite the dietary therapy, the patients still

develop long-term complications, whose phenotype is varied and mutation dependent,

and include neurological and psychoneurological disturbances, bone complications, and,

in women, early ovarian insufficiency.

In the past few years, in order to improve the quality of life of patients with

classic galactosemia, new therapies are being studied, which include

chemical/pharmacological chaperones, antisense oligonucleotides, galactokinase

inhibitors, and manganese-based compounds that mimic superoxide dismutase.

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ÍNDICE

1. Introdução……………………………………………………………………………… 155

1.3. Metabolismo da galactose………………………………………………………... 156

1.4.Tipos de galactosémia…..………………………………………………………… 157

2. Galactosémia clássica…………………………………………………………………... 159

2.1. Caracterização do gene GALT……………………………………………………. 159

2.2. Caracterização estrutural da enzima GALT……………………………………… 159

2.3. Principais mutações associadas ao aparecimento da galactosémia clássica……... 162

2.4. Efeitos de mutações na estrutura e função das variantes GALT…………………. 166

2.5. Fisiopatologia e apresentação clínica…………………………………………….. 169

2.5.1. Complicações neurológicas e psiconeurológicas……………………………. 170

2.5.2. Complicações ósseas………………………………………………………… 172

2.5.3. Disfunção gonadal…………………………………………………................ 174

2.6. Diagnóstico………………………………………………………………………. 175

2.6.1. Diagnóstico bioquímico e enzimático……………………………………….. 176

2.6.2. Diagnóstico molecular……………................................................................. 179

2.6.3. Diagnóstico pré-natal………………………………………………………... 180

2.7. Rastreio neonatal…………………………………………………………………. 180

2.8. Terapia – restrição dietética………………………………………….................... 182

2.9. A galactosémia clássica em Portugal………………….......................................... 185

3. Novas alternativas terapêuticas ………………………………………………………... 188

3.1. Mutações de splicing – oligonucleótidos antisense……………………………… 188

3.2. Mutações missense – chaperones químicos/farmacológicos (Arginina)…………. 192

3.3. Inibidores da enzima GALK……………………………………………………... 194

3.4. Moléculas que mimetizam a acção da enzima superóxido dismutase (SOD)……. 196

4. Conclusão……………………………………………………………………................. 199

5. Bibliografia…………………………………………………………………………….. 202

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

155

1. INTRODUÇÃO

A galactose é um monossacárido presente nas bactérias, plantas e animais,

maioritariamente na conformação D, estando envolvida em inúmeras funções vitais do

organismo, como fonte de energia, especialmente no período neonatal e infância, e

como parte constituinte de elementos estruturais (Coelho et al. 2015).

As principais vias de aporte de galactose são a dieta alimentar e a sua produção

endógena (Coelho et al. 2015). Na última via a UDP-glucose é inicialmente epimerizada

em UDP-galactose pela enzima UDP-galactose-4’-epimerase (GALE) (EC 5.1.3.2). De

seguida, a UDP-galactose é hidrolisada pela UTP-glucose/galactose pirofosforilase

(UGP; EC 2.7.7.10), e como resultado formam-se UTP e galactose-1-fosfato. No final,

através da acção da inositol monofosfatase (IMPase), a galactose-1-fosfato é convertida

em galactose (Fridovich-Keil e Walter 2008).

Em condições fisiológicas normais, esta via assume um papel muito importante

em situações de carência de galactose, por exemplo em casos de jejum prolongado, e na

produção de moléculas derivadas da galactose, como é exemplo a UDP-galactose

(Fridovich-Keil e Walter 2008).

Porém em casos de desequilíbrio metabólico da galactose, Berry e colaboradores

demonstraram que a via endógena de síntese de galactose possui também um papel

preponderante, contribuindo significativamente para o aparecimento de complicações

secundárias em doentes sujeitos a restrição alimentar de galactose, pois representa uma

fonte de aporte de galactose, e conduzindo consequentemente à permanência de

elevadas concentrações de galactose e seus metabolitos no organismo (Berry et al.

2004).

Através da dieta alimentar, a principal via de aporte de galactose consiste na

hidrólise da lactose, pela lactase dissacaridase, nos seus monossacáridos constituintes, a

galactose e a glucose, ao nível das membranas de borda em escova dos enterócitos,

seguida da sua absorção ao nível das vilosidades intestinais. Como resultado verifica-se

a passagem da galactose para a circulação sanguínea, a partir da qual é transportada para

o fígado, onde a maior percentagem fica armazenada sob a forma de galactose-1-

fosfato, e a restante é transportada para os órgãos e tecidos, como o cérebro e a glândula

mamária (Coelho et al. 2015).

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156

1.1.METABOLISMO DA GALACTOSE

Ao nível das células, inicialmente a β-galactose é convertida em α-galactose,

reacção mediada pela galactose mutarotase (EC 5.1.3.3), entrando então na via de

Leloir, a principal via de metabolismo da galactose. A primeira reacção desta via

consiste na fosforilação da α-galactose pela galactocinase (GALK, EC 2.7.1.6), levando

à formação de galactose-1-fosfato. Posteriormente, a galactose-1-fosfato-

uridililtranferase (GALT, EC 2.7.7.10) catalisa a transferência de um grupo uridina

monofosfato, proveniente da UDP-glucose, para a galactose-1-fosfato, resultando na

formação de glucose-1-fosfato e UDP-galactose. No final, por acção da UDP-galactose-

4’-epimerase (GALE, EC 5.1.3.2), a UDP-galactose é convertida em UDP-glucose

(figura 1) (Holden at al. 2003).

A via de Leloir desempenha, então, papéis cruciais para a sobrevivência do

organismo humano, através da produção de UDP-glucose e UDP-galactose, pois são

importantes compostos dadores de hexoses nas reacções de glicosilação, que estão

envolvidas em vários processos celulares como o crescimento, diferenciação,

morfogénese e migração; e através da produção de glucose-1-fosfato, uma vez que é um

Figura 1 – Metabolismo da galactose: (1) antes de entrar na via de Leloir, a β-galactose é convertida em α-

galactose pela galactose mutarotase; (2) a α-galactose é fosforilada a galactose-1-fosfato pela galactocinase;

(3) a galactose-1-fosfato uridiltransferase transfere um grupo UMP para a galactose-1-fosfato para formar

glucose-1-fosfato e UDP-galactose; (4) a UDP-galactose 4’-epimerase converte a UDP-galactose em UDP-

glucose. Em alternativa à via de Leloir existem três outras vias metabólicas da galactose: (5) a via de

conversão da galactose em galactitol catalisada pela aldose reductase, (6) a conversão da galactose em

galactonato catalisada pela galactose desidrogenase, e (7) a conversão da galactose-1-fosfato em UDP-

galactose pela UDP-glucose/galactose pirofosforilase (Coelho et al. 2015).

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157

composto intermediário da via da glicólise, via metabólica principal de produção de

energia (Coelho et al. 2015).

Alternativamente existem ainda outras vias responsáveis pela metabolização da

galactose, que também estão representadas na figura 1, como são exemplos a via de

redução da galactose catalisada pela aldose reductase (EC 1.1.1.21), que leva à

formação de galactitol; a via de oxidação da galactose, catalisada pela galactose

desidrogenase (EC 1.1.1.48), que leva à formação de galactonato; e a via catalisada pela

pirofosforilase, na qual a galactose é convertida a UDP-glucose através da acção

sequencial das enzimas galactocinase e UDP-glucose/galactose pirofosforilase (UGP,

EC 2.7.7.10) (Coelho et al. 2015).

Devido à sua enorme importância, a ocorrência de alterações em qualquer uma

das enzimas constituintes da via de Leloir irá provocar desequilíbrios no metabolismo

da galactose, levando à sua acumulação nos fluídos biológicos e originando assim os

vários tipos de galactosémia.

1.2.TIPOS DE GALACTOSÉMIA

A galactosémia consiste num grupo de doenças genéticas causadas por mutações

nos genes que codificam para as enzimas da via de Leloir, sendo caracterizadas pela

incapacidade do organismo em metabolizar a galactose, tendo maior impacto nos

recém-nascidos e crianças uma vez que a galactose, juntamente com a glucose, é a

principal componente do leite (Coelho et al. 2015).

Actualmente são conhecidos três tipos de galactosémia, denominados

galactosémia tipo I ou clássica, galactosémia tipo II, e galactosémia tipo III.

A galactosémia tipo I ou clássica é a patologia mais comum e sobre a qual existe

maior conhecimento, e será o objecto de estudo da presente monografia.

A galactosémia tipo II é causada por mutações no gene GALK, que codifica a

enzima galactocinase, e caracteriza-se por níveis plasmáticos elevados de galactose. O

principal sintoma corresponde ao aparecimento de cataratas em idade precoce, mas os

fenótipos clínicos apresentam gravidade intermédia. Porém, a sintomatologia

característica desta patologia é em muitos casos, atenuada pela realização de uma dieta

restrita em galactose, de modo a evitar a acumulação desta hexose e de produtos do seu

metabolismo, nomeadamente galactitol, no organismo (Timson 2015).

A galactosémia tipo III foi a última patologia a ser descoberta, e é causada por

mutações no gene GALE, que codifica a enzima UDP-galactose 4-epimerase, e pode

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158

originar dois fenótipos distintos, um correspondendo a uma forma grave e generalizada,

e outro a uma forma benigna e periférica. O fenótipo grave é caracterizado pela

presença de valores de actividade muitos baixos, ou mesmo nulos, da enzima UDP-

galactose 4-epimerase, causando aparecimento de cataratas numa idade muito precoce,

seguida de perturbações em vários órgãos como o cérebro, fígado e sistema renal.

Contrariamente, o fenótipo correspondente à forma periférica mais suave caracteriza-se

pela presença de níveis de actividade da enzima UDP-galactose 4-epimerase

ligeiramente inferiores aos de referência, fazendo com que os doentes, em alguns casos,

não manifestem qualquer sintomatologia, possuindo apenas níveis alterados no sangue

de galactose e galactose-1-fosfato (Timson 2006).

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159

2. GALACTOSÉMIA CLÁSSICA

A galactosémia clássica é um erro hereditário do metabolismo da galactose,

potencialmente letal, resultante de uma diminuição ou ausência de actividade da enzima

GALT (galactose-1-fosfato uridililtransferase) provocada por mutações no gene GALT,

e apresenta um padrão de transmissão autossómico recessivo. O fenótipo apresentado

pelos doentes é variado e dependente da(s) mutação(ões) presentes (Camelo et. al 2009;

Timson 2015).

2.1.CARACTERIZAÇÃO DO GENE GALT

A enzima GALT é codificada pelo gene GALT (figura 2), o qual se encontra

localizado no braço pequeno do cromossoma 9, na região 9p13, e é constituído por 11

exões e 10 intrões, distribuídos em 3900 pb de DNA genómico. Alguns dos exões

constituintes estão altamente conservados a nível de todas espécies, nomeadamente os

exões 6 (que codifica o local activo da enzima GALT), 9 e 10, ao contrário dos exões

1,2, 5 e 7 que possuem níveis de conservação muitos baixos (Viggiano et al. 2015;

Leslie et al. 1992).

A região codificante desta enzima corresponde a 1,2 kb, a qual é traduzida num

polipéptido formado por 379 resíduos de aminoácidos. A enzima activa é um

homodímero com a massa molecular de 86,6 kDa (Reichardt e Woo 1991; Viggiano et

al. 2015).

2.2.CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL DA ENZIMA GALT

No organismo humano, a galactose-1-fosfato uridililtransferase existe sob duas

formas em equilíbrio, correspondentes à apo-hGALT (forma da enzima não ligada ao

Figura 2 – Representação do gene GALT humano. Os exões estão numerados em numeração romana, os

intrões estão representados como caixas brancas, e as zonas não codificantes estão a sombreado (Leslie et al.

1992).

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grupo UMP), e à UMP-hGALT (forma da enzima ligada ao grupo UMP), de massas

moleculares iguais a 86 900 Da e 87 510 Da, respectivamente (McCorvie et al. 2016)

Esta enzima pertence à superfamília da tríade de histidina, sendo responsável

pela transferência de um grupo UMP proveniente da UDP-glucose para a α-D-

galactose-1-fosfato, através do mecanismo de substituição enzimática. Neste mecanismo

o grupo UMP liga-se covalentemente ao resíduo histidina 186 presente no centro activo

da enzima, e como consequência resulta a libertação de moléculas de glucose-1-fosfato.

De seguida, a galactose-1-fosfato liga-se ao grupo UMP, provocando a libertação deste

grupo do centro activo da enzima, e a consequente regeneração da enzima, que poderá

iniciar novo ciclo catalítico, e a formação da UDP-galactose (McCorvie e Timson

2011).

O centro activo da enzima GALT possui um tripéptido H-P-H, altamente

conservado, constituído por um resíduo prolina 185 ligado a dois resíduos de histidina,

um dos quais a histidina 186, que como já foi referido possui um papel catalítico

importante (Quimby et al. 1996).

À semelhança do resíduo de histidina 186, também o resíduo de prolina 185

possui um papel muito importante na actividade enzimática, especialmente na

manutenção da estrutura da enzima. Este facto foi demostrado por Quimby e

colaboradores, que através de estudos de mutagénese dirigida, observaram que a

substituição deste resíduo de aminoácido por resíduos de outros aminoácidos

(nomeadamente alanina, glicina, serina, glutamina e ácido glutâmico) causa diminuição

dos níveis de actividade da enzima GALT, diminuição dos níveis de actividade

específica (<10% de actividade comparativamente ao valor apresentado pelo wild-type),

e diminuição do valor das constantes cinéticas, nomeadamente do Km e Km aparente

(Quimby et al. 1996).

Até recentemente a estrutura tridimensional da enzima GALT ainda não estava

completamente elucidada. A partir de estudos de cinética enzimática, estudos de

inibição enzimática, utilização de radioisótopos, estudos de mutagénese dirigida, e

estudos cristalográficos, apenas tinha sido possível determinar a estrutura da enzima da

Escherichia coli, e assim extrapolar para a enzima humana. Assim, descobriu-se que

estruturalmente, a enzima GALT é um homodímero, em que cada subunidade possui

um local activo, e dois centros metálicos constituídos por um ião ferro coordenado por

três resíduos de histidina e por um resíduo de ácido glutâmico na região hidrofóbica, e

por um ião zinco coordenado por dois resíduos de cistina e dois resíduos de histidina.

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161

Estes dois centros metálicos possuem funções importantes e distintas: o ião ferro

é essencial para a estabilização da estrutura dimérica, enquanto o ião zinco possui um

papel vital para a actividade da enzima, orientando os resíduos para o local activo da

enzima (McCorvie e Timson 2011).

No presente ano de 2016, McCorvie e colegas conseguiram determinar a

estrutura cristalográfica da enzima GALT humana, a qual apresenta diferenças

estruturais significativas do modelo homólogo bacteriano ao nível da ligação metálica e

da interacção entre os dímeros.

À semelhança da enzima da Escherichia coli, estes investigadores demonstraram

que a enzima GALT humana é um homodímero de massa molecular 87 205 Da, e

possui dois sítios activos, em que cada um é formado por ambas as subunidades

diméricas e nos quais a histidina 186 possui um papel catalítico importante através da

ligação ao grupo UMP. Uma das grandes diferenças estruturais desta enzima foi

observada ao nível da interface entre as duas subunidades, a qual é constituída por

apenas uma ponte salina na bactéria, enquanto no Homem existem duas pontes salinas

inter-diméricas estabelecidas pelos resíduos Asp113 – Arg228 e His114 – Glu220. Na

enzima humana, as duas pontes salinas parecem substituir o centro metálico de ferro,

que está presente na bactéria e ausente na forma humana, pois conferem estabilidade à

estrutura dimérica através da geração de uma cadeia rica em folhas β que une as duas

subunidades. A outra grande diferença detectada foi a presença de um único centro

metálico constituído por um ião zinco em cada monómero. Este facto deve-se à

presença dos resíduos Asn72 e Ser135 na forma humana em substituição dos resíduos

Cys52 e His115 da forma bacteriana, que estabelecem ligações por ponte de hidrogénio

com os resíduos Asn182 e Cys75, respectivamente, substituindo as interacções do ião

zinco. Segundo estes autores, na forma humana, o ião zinco parece ter um papel

importante na estabilização da proteína, uma vez que a deficiência de zinco aparenta

exacerbar os efeitos negativos de muitas enzimas mutantes.

Este estudo demonstrou ainda que a ligação do grupo UMP à enzima causa

alterações na sua conformação tridimensional, tornando-a numa estrutura mais

compacta, com menor flexibilidade, especialmente na zona envolvida na ligação deste

grupo, e com maior resistência à degradação.

Todas as descobertas feitas por estes investigadores acerca da estrutura

tridimensional da enzima GALT humana são muito importantes pois permitirão

entender melhor, ao nível da proteína, as consequências moleculares causadas pela

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ocorrência das mutações, e assim contribuir para o desenvolvimento de compostos

farmacológicos eficazes no tratamento da galactosémia clássica (McCorvie et al. 2016).

2.3.PRINCIPAIS MUTAÇÕES ASSOCIADAS AO APARECIMENTO DE GALACTOSÉMIA

CLÁSSICA

Ao longo dos últimos anos, graças à descoberta e desenvolvimento de técnicas

de biologia molecular mais sofisticadas e sensíveis, foi possível não só a caracterização

do gene GALT, como a detecção de alterações génicas causadoras de doenças.

Actualmente são conhecidas inúmeras mutações no gene GALT associadas ao

aparecimento de galactosémia clássica, sendo o maior número do tipo missense (62%).

Os restantes tipos de mutação apresentam proporções semelhantes, e incluem mutações

nonsense (6,5%), splicing (4,3%) e deleções (7,4%) (Calderon et al. 2007).

Na literatura, as mutações maioritariamente associadas à galactosémia clássica

são a p.Q188R (resulta da transição A→G no nucleótido c.563 do exão 6 (CAG →

CGG), que leva à substituição do resíduo glutamina 188 pelo resíduo arginina na

proteína GALT), p.K285N (resulta da transição G→T no nucleótido c.855 do exão 9

(AAG → AAT) que leva à substituição do resíduo lisina 285 pelo resíduo asparagina na

proteína GALT), e p.S135L (resulta da transição C→T no nucleótido c.404 do exão 5

(TCpG → TTG) que leva à substituição do resíduo serina 135 pelo resíduo isoleucina

na proteína GALT) (Calderon et al. 2007; Dobrowolski et al. 2003; Tyfield et al. 1999;

Jama et al. 2007), cuja distribuição e prevalência varia de acordo com os vários grupos

étnicos. Deste modo, a mutação p.Q188R é detectada em maior frequência na população

caucasiana oriunda da Europa Ocidental (aproximadamente 65%) (Tyfield et al. 1999),

enquanto a mutação p.S135L está presente maioritariamente na população com

ascendência africana, na qual apresenta uma frequência de aproximadamente 50% (Lai

et al. 1996).

As mutações p.Q188R e p.K285N estão associadas ao aparecimento do fenótipo

mais grave de galactosémia, resultado da síntese de enzimas GALT mutantes com

actividade enzimática nula (Fridovich-Keil e Robertson 1993). Riehman e

colaboradores observaram que, comparativamente a estirpes wild-type, após adição de

galactose ao meio de cultura, a taxa de crescimento de leveduras contendo ambos os

alelos mutantes foi interrompida, não se verificando crescimento, e que os níveis de

galactose-1-fosfato eram significativamente mais elevados, resultado da sua acumulação

devido ao não funcionamento da enzima GALT (Riehman et al. 2001). A razão pela

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

163

qual a substituição do resíduo glutamina 188 pelo resíduo arginina causa a produção de

enzimas GALT não funcionais ainda não está claramente esclarecida, porém têm

surgido novos conhecimentos que, aos poucos, podem vir a responder a esta questão.

Elsevier e colegas, no seu estudo que tinha como principal objectivo descobrir se in vivo

ocorre dimerização entre subunidades wild-type e subunidades mutantes

(nomeadamente subunidades mutantes p.Q188R e p.R333W), observaram que há

formação de heterodímeros, e que o heterodímero formado por uma subunidade GALT

mutante p.Q188R e uma subunidade GALT wild-type possui cerca de 12-16% de

actividade comparativamente ao homodímero wild-type, enquanto o heterodímero

formado por uma subunidade GALT mutante p.R333W e uma subunidade GALT wild-

type possui cerca de 50% de actividade comparativamente ao homodímero wild-type.

Estes dados levaram os autores a sugerir que a subunidade mutante p.Q188R exerce um

efeito dominante negativo na dimerização de ambas as subunidades. Segundo os

autores, este efeito é concordante com a localização do resíduo de arginina 188, pois por

homologia à estrutura da enzima GALT da Escherichia coli, sabe-se que este resíduo é

um ponto importante na estabilização da estrutura secundária da enzima, pois está

envolvido na formação de uma das nove ligações constituintes das estruturas em folhas

beta, presentes no core das subunidades (Elsevier e Fridovich-Keil 1996). Também

Field e colaboradores demonstraram que este resíduo se encontra localizado próximo de

um tripéptido altamente conservado, constituído pelos resíduos Histidina-Prolina-

Histidina, localizado no centro activo da enzima, e detentor de um papel essencial para a

actividade catalítica da enzima (Field et al. 1989).

Contrariamente, a mutação p.S135L está associada a fenótipos de gravidade

intermédia, sendo responsável pela síntese de enzimas GALT com valores de actividade

diminuídos em alguns tecidos (Riehman et al. 2001). Está relatado que ao nível dos

eritrócitos e linfoblastos de galactosémicos homozigóticos para esta mutação não é

detectada qualquer actividade de enzima GALT, porém ao nível dos leucócitos é

detectada enzima GALT com valores de actividade catalítica de 5%. A razão pela qual a

ocorrência desta mutação apenas causa redução da actividade da enzima GALT em

certos tecidos não está claramente esclarecida, porém foi proposta uma teoria. De modo

a tornar a enzima funcional, tem que ocorrer ligação de um grupo hidroxilo ao resíduo

de aminoácido Serina 135. Esta ligação sendo dependente da existência de iões zinco,

não vai ocorrer ubiquamente com a mesma eficácia, pois os níveis de zinco diferem de

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164

tecido para tecido, fazendo com que a estabilidade e a função catalítica da enzima

GALT sejam diferentes nos vários tecidos do organismo (Elsas e Lai 1998).

Variantes Duarte e Los Angeles

Outro exemplo de mutação do tipo missense é a que origina a proteína p.N314D,

também denominada variante Duarte, cujo nome deriva do facto de a primeira descrição

ter sido feita na cidade de Duarte, em 1965, localizada no estado americano da

Califórnia (Elsas et al. 2002).

A variante Duarte resulta da transição A→G no nucleótido c.940 do exão 10

(AAC → GAC) que leva à substituição do resíduo aspartato pelo resíduo asparagina na

posição 314 da proteína GALT (Elsas et al. 2001; Elsas et al. 1994). Bioquimicamente,

o alelo Duarte é definido como uma isoforma com perfil electroforético distinto do alelo

wild-type e com actividade enzimática alterada (Elsas et al. 1994).

Esta mutação possui uma elevada prevalência na população não galactosémia

(aproximadamente 5,9%), sendo reconhecida como um polimorfismo e presente em

duas formas enzimáticas variantes, denominadas Duarte-1 (também conhecida por

Variante Los Angeles) e Duarte-2 (também conhecida por Variante Duarte D2) (Elsas et

al. 1994; Reichardt e Woo 1991).

As duas formas variantes Duarte são caracterizadas pela presença de valores de

actividade da enzima GALT alterados, sendo a variante Duarte-1 associada à existência

de enzima GALT com valores de actividade superiores aos detectados em indivíduos

normais, e a variante Duarte-2 associada a valores de actividade de enzima GALT

parcialmente diminuídos, cerca de 50% da actividade da enzima normal. Assim, os

indivíduos heterozigóticos compostos para os alelos normal e Duarte-2 apresentam 75%

de actividade da enzima GALT, e os indivíduos homozigóticos para o alelo Duarte-2

revelam 50% de actividade. Carney e colegas observaram que a existência do alelo

Duarte D2 causa diminuição da produção de mRNA GALT, e que nos indivíduos

heterozigóticos compostos para a galactosémia clássica e para a variante Duarte D2, o

valor da actividade da enzima GALT é 21% do valor de actividade da enzima GALT

dos indivíduos não galactosémicos (Carney et al. 2009).

Os alelos de ambos os tipos de variante Duarte, além da mutação p.N314D,

possuem outras alterações que são específicas de cada variante e que podem justificar os

valores de actividade da enzima GALT detectados. Na variante Duarte-1, a mutação

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165

p.N314D está em linkage disequilibrium com o polimorfismo neutro p.L218L, que

resulta da substituição da base citosina na posição 1721 pela base timina (c.652 C→T),

enquanto na variante Duarte D2, o polimorfismo comumente detectado consiste na

deleção dos quatro nucleótidos GTCA na região 5´ do promotor do gene GALT

(c.−119del4) (Langley et al. 1997; Kozak et al. 1999).

Os mecanismos pelos quais estes polimorfismos alteram a actividade da enzima

GALT ainda não estão claramente esclarecidos, no entanto algumas teorias têm sido

propostas. No caso da variante Duarte-1, Langley e colaboradores propõem que o

aumento da actividade da enzima GALT não é devido ao aumento da síntese de

moléculas de mRNA, ou do aumento da sua estabilidade, mas sim ao aumento da

eficiência do processo de tradução, o qual designaram por desvio de codões no codão

218. Em condições fisiológicas normais, cada molécula de mRNA GALT contém 38

resíduos de leucina, e apenas um é codificado pelo codão TTA. No entanto, na presença

da mutação p.L218L existe maior número de codões TTA nas moléculas de mRNA.

Visto este codão ser raro no mRNA GALT, é provável que no meio celular haja tRNA’s

específicos para este codão em abundância. Como tal, a ocorrência desta mutação vai

causar aumento da eficiência da síntese proteica, pois a célula passa a utilizar

preferencialmente um codão cujo tRNA correspondente é relativamente mais

abundantes que os tRNA´s correspondentes as outros codões que codificam o mesmo

resíduo de aminoácido, neste caso a leucina (Langley et al. 1997)

No caso da variante Duarte-2, postula-se que um dos mecanismos responsáveis

pela redução parcial da actividade da enzima GALT será a diminuição da síntese de

moléculas de mRNA. De acordo com Kozak e colaboradores, o polimorfismo

(−119del4) envolve resíduos localizados numa região de ligação de factores de

transcrição, fazendo com que a sua deleção impeça o reconhecimento destes factores,

causando, em consequência, diminuição da síntese de moléculas de mRNA GALT, daí

resultando uma diminuição de proteína produzida e da actividade enzimática global

(Kozak et al. 1999).

A presença do alelo variante Duarte em heterozigotia com uma variante clássica

origina a denominada galactosémia Duarte que é responsável pelo aparecimento de

fenótipo de gravidade intermédia, não causando complicações graves a longo prazo.

Ficicioglu e colegas estudaram e compararam a evolução clínica e bioquímica de vinte e

oito crianças, com idades compreendidas entre um e seis anos, com galactosémia

Duarte, que seguem uma dieta restrita em galactose, com crianças da mesma faixa

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

166

etária, com o mesmo genótipo, mas que não fazem qualquer restrição alimentar. Estes

investigadores observaram que nenhuma das crianças, até à idade em que este estudo foi

realizado, apresentava deficiente função hepática, presença de cataratas, e deficiente

desenvolvimento cognitivo, social e da linguagem. Observaram ainda que as crianças

com galactosémia Duarte respondem mais eficientemente à dieta restrita em galactose

que os doentes com galactosémia clássica, pois detectaram níveis normais de galactose-

1-fosfato e galactitol urinário, ao contrário do que acontece nos indivíduos com

galactosémia clássica, que apesar da realização da dieta restrita em galactose, possuem

sempre níveis de galactose-1-fosfato e galactitol urinário elevados. Os resultados

levaram estes autores a concluírem que a galactosémia Duarte possui um bom

prognóstico, não provocando o aparecimento de sinais e sintomas característicos da

galactosémia clássica. Porém ressalvam a importância da realização de mais estudos,

nomeadamente a doentes com galactosémia Duarte adultos, de modo a aferir e estudar

quais as possíveis complicações a longo prazo que possam surgir em consequência

desta patologia, bem como o impacto dessas complicações na vida destes doentes

(Ficicioglu et al. 2008).

2.4.EFEITOS DE MUTAÇÕES NA ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS VARIANTES GALT

Nos últimos anos, muitos são os investigadores que dedicam parte da sua

carreira ao estudo das mutações envolvidas no aparecimento da galactosémia, e como a

sua ocorrência afecta a estrutura tridimensional e a actividade da enzima GALT. Devido

à elevada heterogeneidade alélica do gene GALT e ao facto de a maioria dos doentes

serem heterozigóticos compostos de duas mutações diferentes, as alterações estruturais

que se observam nas enzimas mutantes são complexas, originando fenótipos clínicos

muito diversos, variando de assintomático até grave. Reichardt e colegas relataram o

caso de um individuo heterozigótico composto para as mutações p.Q188R e p.R333W

que não apresentava níveis detectáveis de actividade da enzima GALT, e desenvolveu

complicações neurológicas graves, que incluíram atraso de desenvolvimento mental,

tremor e ataxia (Reichardt et al. 1991). Contrariamente, Cocanougher e colaboradores

descreveram o caso de um jovem de 19 anos, heterozigótico composto para as mutações

p.H132Q e p.S222N, que apesar de não possuir níveis detectáveis de actividade da

enzima GALT nos eritrócitos, não apresentou qualquer sintomatologia clínica. Os

autores referem que o fenótipo apresentado por este doente é atípico, e apesar de não o

compreenderem, os médicos puseram a hipótese de que a combinação da ocorrência

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destes dois tipos de mutação causa a produção de uma enzima GALT com

especificidade de tecido. A presença destas mutações inibe a produção da enzima

GALT ao nível dos eritrócitos mas não ao nível de outras células, fazendo com que o

doente apresente ausência de sintomas e complicações a longo-termo característicos da

galactosémia (Cocanougher et al. 2015).

A grande maioria das mutações causadoras de galactosémia ocorre em locais do

gene GALT que codificam para estruturas fora do sítio activo da enzima, causando

diminuição da actividade enzimática, e alteração na estabilidade e flexibilidade

estruturais, através da alteração global da rede das ligações por ponte de hidrogénio e

hidrofóbicas (Facchiano e Marabotti 2009; Acierno et al. 2009).

Bosch e colaboradores, durante o estudo do espectro mutacional de

galactosémicos holandeses, detectaram a presença de cinco mutações causadoras de

galactosémia clássica, nomeadamente p.R51Q, p.S135W, p.K229N, p.Q252H e

p.X380C, que provocam a formação de enzima não funcional, com consequente

ausência de actividade enzimática, e o aparecimento de fenótipos graves, impedindo o

correcto e normal desenvolvimento físico e cognitivo dos doentes (Bosch et al. 2005).

Garcia e colegas, no decurso do estudo das mutações presentes nos doentes com

galactosémia clássica brasileiros, demonstraram que a ocorrência da mutação

IVS3+1G>A não permite o reconhecimento da região 5’-GU do dador de splice do

intrão 3 por parte das subunidades constituintes do spliceossoma, responsáveis pelo

processo de splicing, havendo em consequência a excisão do exão 3 da molécula de

mRNA, e a síntese de uma proteína truncada. Também a existência da mutação p.M1T,

que afecta o codão iniciador, impede a leitura e o reconhecimento do próximo codão

iniciador AUG, levando em consequência à produção de proteínas não estáveis e não

funcionais (Garcia et al. 2016).

McCorvie e colegas, no ano 2013, estudaram os efeitos estruturais e funcionais

resultantes da ocorrência das mutações p.D28Y, p.L74P, p.F171S, p.F194L e p.R333G

na enzima GALT. Através da realização de técnicas de biologia molecular e químicas,

estes investigadores observaram uma série de alterações: a) as variantes p.D28Y and

p.R333G apresentam alterações na carga global e nos valores de pI dos resíduos de

aminoácidos constituintes, modificando em consequência a estrutura primária da

enzima; b) as leveduras que continham plasmídeos com os genes GALT mutantes

apresentaram níveis de actividade enzimática significativamente mais baixos que as

leveduras contendo plasmídeos com o gene GALT wild-type; c) a expressão de enzimas

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GALT mutantes altera a taxa de sobrevivência das leveduras na presença de galactose,

pois as leveduras que contém os genes mutantes e que expressam todas as enzimas da

via de Leloir excepto a enzima GALT, quando colocadas em meio sem galactose

possuem um crescimento normal, idêntico às leveduras que contêm genes GALT widlt-

type, porém quando são semeadas em meio com galactose, apresentam crescimento

significativamente mais reduzido que as leveduras contendo o gene GALT wild-type; d)

as mutações p.L74P, p.F171S e p.F194L originam variantes com susceptibilidade

aumentada à degradação proteolítica, fazendo com que estas sejam degradadas mais

rapidamente do organismo; e) a superfície da enzima torna-se mais hidrofóbica, e

portanto menos estável em meio aquoso (McCorvie et al. 2013).

Também Coelho e colegas, em 2014, no seu estudo relativo ao impacto que a

ocorrência das mutações p.Q188R, p.S135L, p.K285N, p.N314D, p.R148Q, p.G175D,

p.P185S, p.R231C, e p.R231H possui na estrutura e funcionalidade da enzima GALT,

obtiveram dados concordantes com os resultados observados pelos investigadores

anteriores. Nesse trabalho, estes autores observaram que, à excepção da mutação

p.N314D, todas as restantes mutações causam misfolding da enzima GALT, e a síntese

de enzimas mutantes que possuem valores de actividade catalítica significativamente

inferiores ou mesmo nulos, relativamente à enzima wild-type. Estes autores publicaram

ainda dados que explicam o papel patogénico da mutação mais prevalente na população

caucasiana, p.Q188R. A representação tridimensional da variante p.Q188R, construída a

partir do template wild-type da Escherichia coli sugere que a ligação entre esta enzima

mutante e o substrato UDP-galactose se estabeleça via três ligações por ponte de

hidrogénio, em vez de duas ligações por ponte de hidrogénio, que é o que ocorre na

variante wild-type, causando como consequência, a saturação da enzima, não permitindo

o estabelecimento de mais ligações enzima-substrato posteriores (Coelho et al. 2014);

curiosamente, esta observação veio a ser corroborada pela estrutura cristalográfica da

GALT humana (McCorvie et al. 2016). Os autores detectaram ainda, que a substituição

do resíduo glutamina pelo resíduo arginina altera a superfície electrostática do

microambiente em redor da posição 188. A substituição de um aminoácido neutro por

um carregado positivamente, vai fazer com que a enzima mutante possua globalmente

carga mais positiva, o que vai alterar a afinidade de ligação da enzima a substratos

carregados negativamente, como são exemplos as hexoses fosforiladas (Coelho et al.

2014).

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Singh e colaboradores estudaram também os efeitos na estrutura da enzima

GALT de sete novas mutações não descritas na literatura e descobertas durante o seu

trabalho na população indiana. Concordantemente com os autores referidos

anteriormente, estes investigadores observaram: a) na variante p.Y89H, a substituição

do resíduo tirosina pela histidina altera as ligações por ponte de hidrogénio e a

estabilidade da enzima em solução aquosa; b) as mutações que originam as variantes

p.Q103R e p.R333L afectam a estrutura secundária da enzima, e a interacção entre as

várias subunidades constituintes da enzima, visto os resíduos arginina 333 e glutamina

103 estarem envolvidos na ligação entre as duas subunidades do homodímero; c) na

variante p.S181F, a substituição do resíduo serina pela fenilalanina causa também

destabilização da ligação entre as subunidades constituintes da enzima, e afecta a

ligação do substrato e a capacidade de catálise, diminuindo assim o nível de actividade

da enzima mutante; d) a variante p.K285R causa alterações da rede de ligações por

ponte de hidrogénio; e) a variante p.S307X, resultante de mutação nonsense, vai

originar a síntese de enzimas truncadas (Singh et al. 2012).

2.5.FISIOPATOLOGIA E APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Os primeiros sinais e sintomas da galactosémia clássica aparecem geralmente

nas primeiras semanas de vida, após ingestão de galactose, maioritariamente derivada

da lactose presente no leite. Os principais sinais e sintomas incluem vómitos, diarreia,

perda de peso, défice de crescimento, letargia, hipotonia, hepato-esplenomegália e

icterícia, que indicam insuficiência hepática, cataratas, e sépsis causada por Escherichia

coli, que é a principal causa de morte dos indivíduos com galactosémia clássica não

tratados (Mahmood et al. 2012).

Os recém-nascidos suspeitos de galactosémia clássica, mesmo antes de o

diagnóstico ser confirmado, são submetidos a uma dieta alimentar restrita em galactose

com o objectivo de eliminar os sinais e sintomas causados pela toxicidade da galactose

e de evitar o aparecimento de complicações a longo prazo graves. Está demonstrado que

a adopção desta medida terapêutica, num espaço de uma a duas semanas, é eficaz no

desaparecimento da hepatomegalia, da disfunção hepática e da doença tubular renal, e

na normalização dos níveis eritrocitários de galactose-1-fosfato, num espaço de dois a

três meses. Contudo não evita o aparecimento e desenvolvimento de complicações a

longo prazo, cujas manifestações causam a diminuição, de uma forma significativa, da

qualidade de vida dos doentes com galactosémia clássica (Thompson e Netting 2010).

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As principais complicações a longo prazo incluem deficiente desenvolvimento

motor e cognitivo, dispraxia verbal, e nas mulheres falência ovárica prematura, como é

exemplo o hipogonadismo hipergonadotrófico (Bosch 2006).

Actualmente ainda não se conhecem os mecanismos bioquímicos e moleculares

que estão na base da fisiopatologia da galactosémia clássica, porém de acordo com

vários estudos realizados, o que parece estar na origem do aparecimento de todas estas

complicações a longo prazo são a acumulação de elevadas quantidades de galactose-1-

fosfato, galactitol, ou outros compostos resultantes do metabolismo da galactose, e a

ocorrência deficiente dos processos de glicosilação (Fridovich-Keil et al. 2010).

Para além da acumulação de metabolitos da galactose e da deficiência em UDP-

galactose, é importante referir a importância da síntese endógena de galactose como um

factor contribuinte para o aparecimento das complicações a longo prazo, na medida em

que contribui para a persistente elevação dos níveis dos metabolitos da galactose, apesar

da realização da dieta restrita em galactose. Neste momento sabe-se que a produção

endógena de galactose não é um processo constante ao longo da vida, diminuindo com o

avançar da idade, e que é responsável pelo aumento significativo dos níveis fisiológicos

de galactose. Segundo Bosch e colaboradores, para um homem adulto de 70 Kg,

enquanto a ingestão de galactose diária, durante a realização de uma dieta restrita em

galactose, é menor que 50 mg, a síntese endógena de galactose diária atinge níveis

superiores a 900 mg. Assim, tendo em conta estes resultados, conclui-se que a síntese

endógena possui um papel vital na fisiopatologia da galactosémia clássica, estimulando

vias alternativas do metabolismo da galactose responsáveis pela produção de

metabolitos tóxicos, como são exemplos a galactose-1-fosfato e o galactitol (Bosch

2006).

2.5.1. Complicações neurológicas e psiconeurológicas

Os distúrbios neurológicos são as complicações a longo prazo mais comuns da

galactosémia clássica, afectando aproximadamente 50% dos doentes tratados (Potter et

al. 2013).

Em termos neurológicos, os doentes com galactosémia clássica apresentam

geralmente valores diminuídos de quociente de inteligência (QI), atraso no

desenvolvimento motor, da fala e linguagem, especialmente em termos de articulação e

vocabulário, dispraxia verbal e ataxia (Waisbren et al. 2012; Webb et al. 2003).

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171

Segundo Potter e colegas, os distúrbios da fala possuem uma etiologia

neurológica comum aos distúrbios motores, nomeadamente força e coordenação, uma

vez que verificaram uma elevada co-ocorrência de distúrbios da fala e motores nos

doentes com galactosémia clássica, uma diminuição da força das mãos e da língua nos

doentes com galactosémia clássica que apresentavam distúrbios da fala, e reduzidos

níveis de equilíbrio e destreza manual nos doentes galactosémicos que apresentavam

maior número de erros na fala. De acordo com estes autores, esta associação deve-se à

ocorrência de danos difusos no cerebelo uma vez que várias áreas desta estrutura estão

envolvidas no controlo dos movimentos motores, no aperfeiçoamento da fala, e no

controlo do equilíbrio (Potter et al. 2013).

Também, na literatura, existe referência de um caso datado de 1971, no qual se

observou anomalias no cérebro de um doente galactosémico não tratado, tendo-se

detectado degeneração neuro-cortical, atrofia e esclerose da massa branca, assim como

degeneração do cerebelo (Bosch 2006).

À semelhança dos investigadores anteriores, também Timmers e colaboradores,

com recurso a técnicas imagiológicas e à ferramenta neurite orientation dispersion and

density imaging (NODDI), observaram inúmeras anomalias no cérebro de doentes com

galactosémia clássica. Observaram que os doentes, relativamente aos indivíduos

controlo, apresentaram valores de densidade de neuritos mais baixos, especialmente nas

zonas anteriores do cérebro, e valores mais elevados de dispersão de orientação de

neuritos, essencialmente no lado esquerdo do cérebro. Segundo estes autores, a

diminuição dos valores de densidade de neuritos e o aumento dos valores de dispersão

de orientação dos neuritos observados são resultado da deficiente mielinização, que

causa a síntese de menor número de neuritos e a síntese de axónios com menor grau de

organização. Estes investigadores relacionaram ainda as anomalias detectadas na

microestrutura da massa branca com o aparecimento de algumas complicações a longo

prazo. Assim, concluíram que a existência de valores aumentados de dispersão de

orientação dos neuritos nas zonas do lado esquerdo do cérebro está associada às

complicações neuromotoras. As anormalidades detectadas nas zonas UF (Fascículo

Unciforme) e SLF (Fascículo Longitudinal Superior) estão associadas à dificuldade de

linguagem, uma vez que estas são áreas envolvidas no processamento da linguagem,

enquanto as alterações na zona IC (cápsula interna) estão associadas ao fraco

desenvolvimento motor. Esta zona contém fibras motoras, como são exemplos as

corticoespinhais, que fazem parte do tracto corticoespinhal, que é o principal

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componente voluntária da motricidade, e cuja constituição inclui inúmeros axónios que

viajam entre o córtex cerebral e a medula espinhal. Concluíram ainda que as alterações

dos valores de dispersão de orientação nas zonas anteriores do cérebro e na zona da

corona radiata parecem estar associadas ao desenvolvimento deficiente das funções de

memória visual e atenção (Timmers et al. 2014).

De facto, na literatura são reportados casos de dificuldade de memória em

doentes com galactosémia clássica, que juntamente com as dificuldades na escrita, na

leitura e na área da matemática, contribuem para o insucesso académico destes doentes,

fazendo com que na maioria dos casos apresentem pobres qualificações profissionais e

um índice de empregabilidade muito baixo (Waisbren et al. 2012).

Além da vida académica e profissional, os distúrbios cognitivos e a dificuldade

na fala afectam também a vida social destes doentes. Hoffmann e colegas reportaram

que dois terços dos doentes galactosémicos adultos estudados eram solteiros e que a

grande maioria ainda vivia na casa dos pais, devido em grande parte à incapacidade de

conviverem e de estabelecerem uma relação íntima com outras pessoas (Hoffmann et al.

2012).

Hoje em dia, pouco é ainda conhecido acerca da neurofisiopatologia da

galactosémia clássica, porém acredita-se que o principal factor é a deficiente ocorrência

dos processos de glicosilação. Este mecanismo parece estar muito associado às

complicações neurológicas, pois a glicosilação possui um papel muito importante na

mielinização visto os glicoesfingolípidos constituídos por galactose ou N-

acetilgalactosamina serem das principais moléculas constituintes da mielina (Fridovich-

Keil e Walter 2008).

2.5.2. Complicações ósseas

A diminuição da densidade mineral óssea é outra complicação a longo prazo que

ocorre nos indivíduos com galactosémia clássica, principalmente nas mulheres, em

consequência da falência ovárica precoce (Bosch 2006).

A maior incidência de complicações ósseas ocorre na fase adulta, no entanto têm

surgido casos clínicos que relatam a presença de índices de massa óssea inferiores aos

limites de referência em crianças, aumentando a predisposição à ocorrência de

osteoporose e fracturas ósseas em idade adulta (Erven et al. 2014). Rubio-Gozalbo e

colaboradores, ao estudarem onze doentes com galactosémia clássica, com idades entre

2 e 18 anos e sujeitas a dieta alimentar restrita em galactose, observaram que apesar

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destas crianças possuírem níveis séricos de cálcio, fósforo, paratormona, vitamina D,

fosfatase alcalina óssea, e osteocalcina dentro dos valores de referência, os valores da

densidade mineral óssea e do NTX (telopéptido N-terminal do colagénio tipo 1) são

significativamente menores que os das crianças controlo. Os autores não descobriram a

razão pela qual os níveis de NTX são inferiores nos indivíduos com galactosémia

clássica, contudo sugeriram que a ocorrência deficiente dos processos de glicosilação

das moléculas de colagénio pode levar à sua síntese incorrecta, e à consequente

ocorrência deficiente dos processos de formação, mineralização e reabsorção ósseas. É

importante lembrar que o NTX é um marcador da reabsorção óssea, resultando da

quebra do terminal amina do colagénio tipo 1 durante os processos de reabsorção óssea,

que o colagénio é o principal composto constituinte da matriz óssea, e que um dos seus

principais componentes são os resíduos de galactose uridina difosfato, que na ausência

da enzima GALT não são formados, e consequentemente não são incorporados nas

moléculas de colagénio (Rubio-Gozalbo et al. 2002).

De facto a fisiopatologia das complicações ósseas ainda não está totalmente

esclarecida, porém vários factores são apontados como responsáveis pela alteração da

homeostase óssea observada nos indivíduos com galactosémia clássica. Um dos factores

foi referido anteriormente, e prende-se com a deficiente glicosilação das moléculas de

colagénio e de outras glicoproteínas envolvidas no metabolismo ósseo, que leva à

síntese incorrecta de proteínas. Outro factor é a dieta alimentar restrita em galactose,

que aumenta o risco de desenvolvimento de deficiências nutricionais, principalmente

deficiências em cálcio, já que o consumo de lactose é praticamente nulo. Assim, é

importante que os indivíduos com galactosémia clássica façam periodicamente o

doseamento de parâmetros que permitam avaliar a saúde óssea, como são exemplos a

vitamina D (25-Hidroxivitamina D), o fósforo, a vitamina K, a fosfatase alcalina óssea,

NTX (telopéptido do terminal amina), CTX (telopéptido do terminal carboxilo), e a

osteocalcina carboxi e descarboxilada (Erven et al. 2014).

Nas mulheres, a insuficiência ovárica precoce é também responsável pela

diminuição dos valores de densidade mineral óssea, devido à diminuição dos níveis de

estradiol e estrogénio. Em condições fisiológicas normais, estas hormonas sexuais são

um potente inibidor da reabsorção óssea através da sua ligação a receptores presentes na

superfície dos osteoblastos e osteoclastos, que induz a apoptose dos osteoclastos e inibe

a libertação de factores estimuladores da actividade dos mesmos. Em muitos casos de

hipogonadismo hipergonadotrófico, as mulheres são sujeitas a terapia de reposição

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hormonal, de forma a aumentar os níveis de estrogénio, e assim atenuar os efeitos

ósseos e melhorar a sua qualidade de vida (Erven et al. 2014).

2.5.3. Disfunção gonadal

A disfunção prematura dos ovários é a complicação a longo prazo mais

frequente nas mulheres, atingindo mais de 80% das mulheres galactosémicas

(Fridovich-Keil et al. 2010).

A falência ovárica prematura consiste na ausência de menarca ou na interrupção

precoce (em idades inferiores a 40 anos) do processo de foliculogénese, devido à

resposta ineficiente das gónadas, ou ao défice de síntese de gonadotrofinas,

nomeadamente FSH (Follicle-Stimulating Hormone ou Hormona Estimulante dos

Folículos) e LH (Luteinizing Hormone ou Hormona Luteinizante), que

consequentemente provoca a não produção de hormonas sexuais esteróides,

nomeadamente o estradiol, e de gâmetas (óvulos). Em consequência ocorre atraso na

maturação sexual da mulher, evidenciado pela ausência de desenvolvimento de

característica sexuais secundárias, e pelo aparecimento de hirsutismo moderado,

levando em muitas situações ao aparecimento de casos de infertilidade (Fridovich-Keil

et al. 2010; Dwyer et al. 2016).

Contrariamente ao que é observado nas mulheres com galactosémia clássica, nos

homens existem evidências de que o seu sistema reprodutor não é tão sensível a níveis

tóxicos de galactose-1-fosfato como o sistema reprodutor feminino, fazendo com que o

desenvolvimento e maturação sexual não sejam significativamente afectados

(Fridovich-Keil et al. 2010; Rubio-Gozalbo et al. 2009). A razão deste facto ainda não

está claramente esclarecida, no entanto sugere-se que é pelo facto de os ovários

possuírem níveis de actividade de todas as enzimas envolvidas na via de Leloir

superiores aos detectados nos testículos, fazendo com que o bom funcionamento dos

ovários, relativamente aos testículos, seja mais fortemente dependente da expressão da

enzima GALT (Forges et al. 2006).

À semelhança das complicações neurológicas, psiconeurológicas e ósseas, os

mecanismos fisiopatológicos subjacentes ao aparecimento da disfunção gonadal ainda

não estão totalmente esclarecidos, porém parecem incluir a acumulação de metabolitos

da galactose tóxicos, nomeadamente o galactitol e a galactose-1-fosfato, e a deficiente

produção de UDP-galactose.

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A presença de excesso de galactitol é responsável pela apoptose aumentada dos

oócitos e das células do estroma ovariano devido à alteração da permeabilidade da

membrana celular por indução de stress osmótico e inchamento celular, e à diminuição

dos níveis de glutationa, que devido à maior permeabilidade celular, saem mais

facilmente para o espaço extracelular, permitindo a acumulação de espécies reactivas de

oxigénio, como é exemplo o peróxido de hidrogénio. (Leslie 2003; Forges et al. 2006).

A acumulação de galactose-1-fosfato causa alterações na produção de energia

através da inibição de várias enzimas constituintes da via metabólica da glucose, como

são exemplos a fosfoglucomutase, glicose-6-fosfato desidrogenase, glicogénio

fosforilase e UGP2, interferindo, deste modo, no processo de crescimento celular, e

aumentando o stress celular (Leslie 2003; Forges et al. 2006).

Por fim, a deficiência em UDP-galactose interfere na interacção entre as

gonadotrofinas e os seus receptores, pois os processos de glicosilação fazem parte das

modificações pós-traducionais, importantes para a síntese de receptores totalmente

funcionais (Forges et al. 2006).

2.6.DIAGNÓSTICO

Na prática clínica, o diagnóstico da galactosémia não é simples, uma vez que

não sendo a galactosémia uma condição patológica singular e existindo ainda poucos

conhecimentos bioquímicos, clínicos e fenotípicos das outras formas variantes de

galactosémia, os resultados obtidos pelos vários testes podem ser confusos, não

permitindo a realização de um diagnóstico diferencial. Adicionalmente, a elevada

heterogeneidade alélica do gene GALT confere heterogeneidade fenotípica e origina a

formação de enzimas GALT com diferentes valores de actividade, podendo existir por

exemplo indivíduos com galactosémia Duarte com valores de actividade da enzima

GALT quase indetectáveis (Pyhtila et al. 2014; Liu et al. 2015).

Contudo, na grande maioria dos casos, as investigações laboratoriais iniciais

revelam muitas vezes insuficiência hepática, através da obtenção de valores aumentados

de bilirrubina conjugada e não conjugada, e de níveis aumentados das transaminases e

de aminoácidos no plasma, particularmente fenilalanina, tirosina e metionina; doença

tubular renal apresentando acidose metabólica, galactosúria, glicosúria, albuminúria e

aminoacidúria. Pode também ocorrer disfunções hematológicas, nomeadamente anemia

hemolítica e eventos hemorrágicos em consequência da deficiente produção de factores

de coagulação por parte do sistema hepático (Walter et al. 1999).

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176

Actualmente existem várias técnicas que permitem a realização do diagnóstico

da galactosémia clássica baseadas em métodos bioquímicos, enzimáticos e moleculares,

que incluem a pesquisa de compostos redutores na urina, a determinação da

concentração da galactose e seus metabolitos, a determinação da actividade da enzima

GALT, e a pesquisa de potenciais mutações no gene GALT causadoras de galactosémia

clássica, respectivamente (Elsas 2007).

2.6.1. Diagnóstico bioquímico e enzimático

Pesquisa de substâncias redutoras na urina

A pesquisa de substâncias redutoras na urina, nomeadamente de galactose,

constitui um dos primeiros passos no rastreio neonatal da galactosémia clássica. Porém

este método apresenta pouca sensibilidade e especificidade visto ser possível detectar-se

pequenas quantidades de galactose na urina em casos de doenças hepáticas, e haver

presença de quantidades de galactose indetectáveis em indivíduos com galactosémia

clássica em situações de administração intravenosa de fluídos. Como tal, este método

não pode ser utilizado para confirmação ou refutação de diagnóstico de galactosémia

clássica (Fridovich-Keil e Walter 2008).

Determinação da concentração da galactose e seus metabolitos

Um dos métodos mais específicos empregues no diagnóstico da galactosémia

clássica consiste na pesquisa e quantificação da galactose e seus metabolitos,

nomeadamente a galactose-1-fosfato, no sangue e urina.

O doseamento da concentração de galactose-1-fosfato é muito utilizado na rotina

para monitorização do tratamento dietético da galactosémia clássica. Antes do início da

dieta restrita em galactose, os níveis de galactose-1-fosfato estão significativamente

elevados no sangue, sofrendo uma redução gradual após semanas ou meses do início da

dieta. No entanto, apesar da realização contínua deste tratamento, os níveis de

galactose-1-fosfato no sangue mantém-se ligeiramente acima do valor limite superior de

referência. Geralmente o valor limite superior de referência da concentração de

galactose-1-fosfato é aproximadamente 5 mg/dL, e o valor de concentração de

galactose-1-fosfato nos indivíduos tratados com galactosémia clássica varia entre 2 e 5

mg/dL (Elsas 2007; Fridovich-Keil e Walter 2008).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

177

Ao longo dos anos têm surgido vários métodos que permitem a realização do

doseamento de galactose-1-fosfato, nomeadamente métodos cromatográficos,

enzimáticos, fluorimétricos e, mais recentemente, a espectrometria de massa. Chen e

colaboradores desenvolveram um método de diluição isotópica de quantificação de

galactose-1-fosfato eritrocitária por Cromatografia Gasosa acoplada a Espectrometria de

Massa (GCMS), após trimetilsilação da galactose-1-fosfato. Durante este estudo, das

amostras de sangue proveniente de indivíduos com galactosémia clássica, de indivíduos

controlo e de indivíduos suspeitos de galactosémia clássica, foram inicialmente obtidos

hemolisados, aos quais foram adicionados galactose-1-fosfato marcado com isótopos de

carbono 13 (que servirá como padrão interno na técnica de cromatografia gasosa), e

BSTFA + TMCS (N,O-bis (trimetilsilil)trifluoroacetamida + Trimetilclorosilano),

responsável pelo processo de trimetilsilação das hexoses fosforiladas (entre elas a

galactose-1-fosfato). De seguida, as amostras foram injectadas no cromatógrafo, no qual

foi possível separar completamente a galactose-1-fosfato das restantes hexoses

fosforiladas trimetilsilazadas, nomeadamente a galactose-6-fosfato, a glucose-1-fosfato,

a glucose-6-fosfato e a manose-1-fosfato. Posteriormente, com recurso à espectrometria

de massa e usando o método de diluição isotópica, obteve-se um pico de razão

massa/carga correspondente à galactose-1-fosfato, tendo sido possível,

consequentemente, a sua quantificação. Estes investigadores, e paralelamente a este

método, realizaram também a quantificação da galactose-1-fosfato pelo método

enzimático da galactose desidrogenase, não tendo sido obtido valores significativamente

diferentes por ambas as técnicas. Os autores demonstraram ainda que este método é

linear até uma concentração tóxica de galactose, e possui elevada precisão e

sensibilidade, levando-os a concluir que este método pode ser aplicado na prática clínica

para o doseamento da concentração da galactose-1-fosfato (Chen et al. 2002).

O doseamento do galactitol urinário é exemplo de outro teste que é utilizado no

diagnóstico de galactosémia clássica. Muitos são os estudos que demonstram que nos

indivíduos com galactosémia clássica os níveis deste metabolito, mesmo realizando uma

dieta alimentar restrita em galactose, mantêm-se em níveis significativamente elevados

quando comparados aos de indivíduos saudáveis. Um dos métodos mais utilizados para

o doseamento do galactitol na urina é também a Cromatografia Gasosa acoplada a

Espectrometria de Massa com diluição isotópica (Elsas 2007; Fridovich-Keil e Walter

2008).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

178

Determinação da actividade da enzima GALT

O método mais recomendável para o diagnóstico da galactosémia clássica

baseia-se na determinação da actividade da enzima GALT nos eritrócitos. A técnica

mais comumente utilizada denomina-se teste de Beutler. Neste teste, ao hemolisado

obtido a partir da amostra de sangue total é adicionado a UDP-glucose, galactose-1-

fosfato, e NADP. Por acção da enzima GALT, vai haver formação de glucose-1-fosfato,

que por via endógena, é convertida em glucose-6-fosfato. A glucose-6-fosfato, por

acção da glucose-6-fosfato desidrogenase e na presença de NADP, é oxidada a 6-

fosfogluconato, havendo concomitantemente redução do NADP a NADPH. Esta última

reacção é acompanhada por técnicas de espectrofotometria de fluorescência, fazendo

com que a presença de fluorescência após 1h de incubação do hemolisado com a

mistura reaccional representa um resultado negativo (a enzima GALT possui nível de

actividade considerado normal), enquanto a ausência de fluorescência após 1h de

incubação do sangue com a mistura reaccional representa um resultado positivo

(Fridovich-Keil e Walter 2008).

Este teste, apesar de se apresentar como um método pouco dispendioso, de fácil

execução e de não depender da dieta alimentar, apresenta algumas desvantagens como a

obtenção de um elevado número de resultados falso-positivos, a obtenção de resultados

falso-negativos e a baixa especificidade e sensibilidade do método utilizado,

especialmente na quantificação de valores de actividade da enzima GALT inferiores a

5% do valor de referência (Pyhtila et al. 2014; Li et al. 2010).

Em consequência das desvantagens apresentadas pelo teste de Beutler houve

necessidade de estudar novos métodos mais sensíveis e que reduzam o número de

resultados falso positivos. Como alternativa surge a espectrometria de massa em

tandem, cujo acoplamento a técnicas de cromatografia líquida de alta eficiência (LC-

MS) aumenta a sua sensibilidade e especificidade. Li e colegas, utilizando amostras de

sangue de doentes com galactosémia clássica e de doentes com outras variantes de

galactosémia, investigaram se a LC-MS pode ser aplicada no diagnóstico neonatal de

galactosémia clássica. Para tal utilizaram amostras de hemolisados os quais foram

adicionados a uma mistura reaccional constituída por solução tampão, UDP-glucose e

galactose-1-fosfato marcada com isótopo de carbono 13. A actividade da enzima GALT

foi determinada com base na quantidade formada de UDP-galactose marcada com

isótopo de carbono 13. Estes investigadores concluíram que o uso acoplado destas duas

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técnicas permite: a) a detecção de níveis mais baixos de actividade da enzima GALT

(permitiu a detecção de valores de actividade de 0,2% dos valores controlo); b) não

requer preparação muito laboriosa das amostras; c) não necessita de tantos reagentes

como o teste de Beutler, diminuindo assim os custos de análise; d) permite obter

resultados mais conclusivos, pois contrariamente a este método, no teste de Beutler a

redução de actividade da enzima GALT pode dever-se a uma deficiência de uma das

enzimas constituintes da reacção acoplada (por exemplo uma deficiência na Glucose-6-

fosfato desidrogenase); e) possui maior especificidade devido ao alto poder de resolução

das técnicas de LC-MS, que permitem separar completamente e quantificar,

respectivamente, os isómeros galactose-1-fosfato e glucose-1-fosfato; e f) permite

quantificar a concentração de galactose-1-fosfato endógena, podendo actuar também

como técnica de monitorização desta doença, visto o doseamento deste metabolito ser

utilizado na rotina para monitorizar o estado bioquímico dos doentes com galactosémia

clássica (Li et al. 2010).

2.6.2. Diagnóstico molecular

O diagnóstico molecular da galactosémia clássica consiste na detecção de

mutações no gene GALT através de técnicas de sequenciação. O diagnóstico molecular

realiza-se geralmente quando os resultados dos testes bioquímicos confirmam o

diagnóstico de galactosémia clássica ou galactosémia variante Duarte. Nestas situações,

o diagnóstico de galactosémia Duarte tipo 2 é confirmado pela presença das mutações

p.N314D e c.-116-119-del-GTCA em linkage disequilibrium, enquanto em casos de

galactosémia Duarte tipo 1 se verifica a presença da mutação missense p.N314D e da

mutação silenciosa p.L218L, mas ausência da deleção na região reguladora. Nos casos

de galactosémia clássica, o diagnóstico molecular tem como principal objectivo

descobrir as mutações que estão na origem do aparecimento da patologia. Geralmente

inicia-se com a detecção das mutações mais comumente associadas à galactosémia

clássica, nomeadamente p.Q188R, p.S135L, p.K285N, p.L195P, p.Y209C, p.F171S,

Δ5kb (envolve a deleção de 3163 nucleótidos na região do promotor, a deleção da

região 5’ e a deleção de 2295pb da região 3’), e IVS2-2A>G. Caso não forem

detectadas nenhuma das mutações anteriormente referidas é possível fazer-se a análise

sequencial do gene GALT com o objectivo de procurar novas mutações causadoras de

galactosémia clássica (Elsas 2007).

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2.6.3. Diagnóstico pré-natal

O diagnóstico pré-natal da galactosémia clássica também é possível realizar-se,

sendo recomendável essencialmente em casos em que há histórico familiar de

galactosémia clássica (Elsas 2007).

O diagnóstico pré-natal da galactosémia pode ser realizado através da

determinação da actividade da enzima GALT nos amniócitos ou nas células das

vilosidades coriónicas, ou através do doseamento do galactitol no fluido amniótico

(Fridovich-Keil e Walter 2008). Um dos métodos laboratoriais utilizados no

doseamento do galactitol no fluido amniótico é a GC-MS com diluição isotópica, a qual

provou ser uma técnica rápida, sensível e precisa no diagnóstico pré-natal da

galactosémia clássica (Jakobs et al. 1984).

Em casos em que a história mutacional familiar seja conhecida, é também

possível realizar-se testes moleculares, a partir do DNA fetal, que pode ser obtido das

vilosidades coriónicas, dos amniócitos, ou do sangue fetal (caso a cultura dos

amniócitos não seja bem sucedida), com o objectivo de investigar a presença das

mesmas mutações no DNA fetal (Fridovich-Keil e Walter 2008).

2.7.RASTREIO NEONATAL

O aparecimento na década de 60 do século XX dos programas de rastreio

neonatal de inúmeras doenças metabólicas hereditárias, nomeadamente a galactosémia

clássica, permitiu o diagnóstico e a implementação de medidas terapêuticas antes do

aparecimento dos primeiros sinais e sintomas. A detecção e o tratamento precoces

levaram a que, nos últimos anos, ocorresse diminuição do índice de mortalidade e

diminuição da gravidade das complicações a longo prazo, conduzindo

consequentemente a um melhoramento na qualidade de vida destes doentes. Está

descrito que por cada mês de atraso no diagnóstico e tratamento de doenças metabólicas

hereditárias, há redução significativa do quociente de inteligência, aparecimento de

casos graves de atraso no desenvolvimento mental, doenças hepáticas, doenças renais,

deficiências visuais, doenças cardíacas, e agravamento do estado económico e

financeiro do país (Hatam et al. 2013).

O método de rastreio neonatal da galactosémia clássica actualmente mais

aconselhável deve ser feito a partir de uma amostra de sangue, a qual deve ser colhida a

partir do calcanhar do recém-nascido. A amostra biológica é depois depositada num

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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papel de filtro, seguindo-se a determinação da actividade da enzima GALT nos

eritrócitos, a qual é realizada mais comumente através do teste de Beutler, cuja

descrição está referida anteriormente (Elsas 2007).

Existem alguns testes de rastreio neonatal que juntamente com o doseamento da

actividade da enzima GALT realizam também a quantificação da galactose total

(galactose + galactose-1-fosfato), em que a presença de níveis elevados de galactose

total é detectada em crianças galactosémicas. Porém, este teste é fortemente afectado

pela dieta do recém-nascido, podendo dar resultados falsos positivos, na medida em que

se pode obter um valor de concentração de galactose total elevado, caso haja consumo

de leite antes da realização do teste (Pyhtila et al. 2014).

Adicionalmente, tal como foi referido anteriormente, o teste de Beutler apresenta

desvantagens como são exemplos a obtenção de resultados falso-positivos e falso-

negativos. A obtenção de resultados falso-positivos nos métodos de rastreio neonatal da

galactosémia clássica é elevada. Em muitos casos deve-se à exposição das amostras

biológicas a condições de humidade ou temperaturas elevadas, que causam a

degradação da amostra biológica e a consequente diminuição da actividade da enzima

GALT, fazendo com que determinadas situações (galactosémia (tipo II ou tipo III),

portadores de polimorfismos no gene GALT, ou indivíduos homozigóticos para a

variante Duarte) sejam confundidas com galactosémia clássica (Pyhtila et al. 2014).

Resultados falso-negativos podem ser obtidos em casos de transfusão sanguínea.

Nestas situações, este teste de rastreio neonatal não pode ser executado pelo menos nos

quatro meses seguintes ao acto médico, anulando, deste modo, a sua função como meio

de diagnóstico precoce para a detecção de galactosémia clássica (Fridovich-Keil e

Walter 2008).

Actualmente, na maioria dos países do mundo, ao contrário da fenilcetonúria, a

galactosémia não faz parte da lista de doenças hereditárias metabólicas rastreadas pelos

programas de diagnóstico precoce. Na literatura são referidas três razões que justificam

esta realidade: o facto de a galactosémia clássica ser uma doença que pode ser

diagnosticada clinicamente, a elevada taxa de resultados falsos-positivos apresentada

pelos métodos utilizados no rastreio neonatal, e o aparecimento de complicações a

longo prazo mesmo que as medidas terapêuticas sejam implementadas numa idade

precoce (Ohlsson et al. 2011). Contudo, é recomendado que todas as amostras que

possuem níveis elevados de fenilalanina sejam rastreadas para a galactosémia, pois

existem evidências de que o diagnóstico precoce, apesar de não evitar o aparecimento

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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de complicações a longo prazo, diminui o tempo de exposição da galactose e seus

metabolitos às células e tecidos do organismo, reduzindo o impacto negativo no

organismo humano desta patologia (Shakespeare et al. 2010; Padilla 2008).

2.8.TERAPIA - RESTRIÇÃO DIETÉTICA

O tratamento clássico da galactosémia clássica é a restrição alimentar de

produtos que contêm galactose. Esta medida terapêutica deve ser iniciada nas primeiras

semanas de vida do recém-nascido, imediatamente após suspeita de galactosémia

clássica, de forma a atenuar a gravidade das complicações a longo prazo (Bosch 2006).

Nos recém-nascidos com suspeitas de galactosémia clássica são prescritas fórmulas

pobres em galactose, como são exemplos a fórmula de soja, feita a partir de hidratos de

carbono à base de milho e proteína de soja; a fórmula livre de lactose; e a fórmula

baseada em hidrolisados de caseína e dextrina de maltose como fonte de hidratos de

carbono, que contém pequenas quantidades de galactose (O’Connor 2009).

Porém, com o aumento da idade, a ingestão de galactose é inevitável, através do

consumo de alimento sólidos, como a fruta, os vegetais, o pão, o queijo, os iogurtes, e

os legumes (Bosch 2011). No meio científico e clínico existe uma enorme controvérsia

em relação à quantidade máxima de galactose exógena que um individuo com

galactosémia clássica pode ingerir diariamente. Enquanto alguns centros europeus

especializados em doenças metabólicas recomendam que os indivíduos com

galactosémia clássica devem realizar, durante toda a sua vida, uma dieta restrita em

galactose, não devendo ingerir nenhum alimento contendo galactose (por exemplo

frutas e vegetais); outros centros localizados na Alemanha, Reino Unido e Estados

Unidos da América defendem uma abordagem menos radical, recomendado apenas a

realização de uma dieta restrita em lactose (Bosch 2006).

Muitos estudos têm sido realizados com o objectivo de investigar qual a

tolerância de galactose dos indivíduos com galactosémia clássica, e assim determinar

qual a forma de restrição alimentar mais correcta a aplicar nestes casos. Bosch e

colaboradores tiveram como objectivo determinar a tolerância de ingestão de galactose

exógena, em três doentes galactosémicos adolescentes, homozigóticos para a mutação

p.Q188R, e que realizam uma dieta restrita em galactose. Para tal, durante seis meses

estes autores sujeitaram os adolescentes estudados à toma de suplementos que contém

galactose. Os investigadores observaram que o aumento da quantidade de galactose

ingerida por dia (o consumo diário de galactose passou de 17-22 mg para 640-1027

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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mg), nestes três doentes adolescentes, não causou alterações físicas, oftalmológicas, e

bioquímicas, levando-os a sugerir que a restrição total de galactose na dieta, incluindo

fruta e vegetais, não é necessária, sendo a dieta restrita em lactose suficientemente

eficaz no tratamento da galactosémia clássica. Contudo, estes autores alertam para o

facto de, caso a dieta restrita em galactose seja abolida, ser necessária a realização de

estudos de monitorização, que incluam exames físicos, bioquímicos e psicológicos, de

modo a avaliar a evolução clínica dos doentes (Bosch et al. 2004).

Estes resultados estão de acordo com a ausência de casos de cataratas e doenças

hepáticas reportados na literatura do Reino Unido, onde o consumo de frutos e vegetais

é uma realidade, e apenas a restrição em alimentos que contém maior quantidade de

lactose é aplicável (Bosch 2011).

Adicionalmente, o aparente aumento da tolerância à galactose com o aumento da

idade, devido possivelmente à diminuição na produção endógena de galactose, apoia a

tese de que a restrição alimentar de frutas e vegetais não acrescenta valor terapêutico à

dieta restrita em lactose, já que na literatura é reportado um caso de dois adultos

galactosémicos homozigóticos para a mutação p.Q188R, que suspenderam o tratamento

dietético aos 3 anos de idade, apresentando uma ingestão diária de galactose entre 2690

e 9000 mg de galactose. Estes doentes não apresentam sinais de cataratas e doença

hepática, nem anomalias neurológicas e psicológicas, e possuem níveis de galactose-1-

fosfato eritrocitária e de galactitol urinário dentro dos valores considerados normais

(Bosch 2011).

Contudo, na literatura é aconselhável não generalizar a abolição da dieta restrita

em galactose, pelo menos até se compreender totalmente a fisiopatologia do

aparecimento das complicações a longo prazo. Para tal, é necessário a realização de

mais estudos com fim de investigar novos biomarcadores da toxicidade da galactose, e

de entender os efeitos bioquímicos e clínicos da galactose exógena tanto nas crianças

como nos indivíduos adultos com galactosémia clássica (Bosch 2011).

Outra grande questão que também se coloca em relação ao tratamento dietético

relaciona-se com os indivíduos com galactosémia Duarte que apresentam níveis de

actividade da enzima GALT de 14-25%, e diz respeito à necessidade de realização, por

parte destes doentes, de uma alimentação restrita em galactose durante toda a vida.

Existe uma enorme controvérsia entre os vários centros metabólicos e os centros de

rastreio neonatal espalhados pelo mundo acerca desta questão, na medida em que parte

dos centros recomendam a não realização de uma dieta pobre em galactose enquanto

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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outra parte aconselha a realização de uma dieta alimentar restrita em galactose pelo

menos durante o primeiro ano de vida (Fernhoff 2010).

Actualmente, a escolha relativamente à aplicação do tratamento dietético durante

o primeiro ano de vida a um doente com galactosémia Duarte recai, geralmente, sobre

os profissionais de saúde e os pais. Assim, caso se opte por não sujeitar o recém-nascido

com galactosémia Duarte a uma dieta restrita em galactose, é aconselhável realizar o

doseamento da galactose-1-fosfato eritrocitária aos 12 meses de idade de forma a

observar se os níveis deste índice bioquímico se estão aproximar dos valores de

referência (<1,0 mg/dL). Caso se opte por sujeitar o recém-nascido com galactosémia

Duarte a uma dieta restrita em galactose, é recomendável primeiramente obter uma

linha de base do nível de galactose-1-fosfato eritrocitária na altura do diagnóstico e após

a introdução dos alimentos sólidos (por volta dos seis meses de idade da criança); e

seguidamente, aos 12 meses de idade, introduzir na dieta alimentar, de uma forma

gradual, alimentos que contenham galactose e medir o nível de galactose-1-fosfato

eritrocitária um mês depois. Nesta fase, caso a concentração de galactose-1-fosfato se

encontre dentro do intervalo dos valores de referência, a dieta restrita em galactose não

é retomada; pelo contrário, se o valor da concentração de galactose-1-fosfato obtida for

superior aos valores de referência, a dieta restrita em galactose deve ser retomada e o

doente deve ser monitorizado para que as possíveis complicações a longo prazo sejam

detectadas precocemente (Fridovich-Keil et al. 2014).

O aparecimento de casos clínicos que relatam situações de indivíduos com

galactosémia Duarte que realizam uma dieta não restrita em galactose e que não

apresentam complicações a longo prazo característicos da galactosémia clássica torna

urgente o encontro da resposta à questão “Será que os doentes com galactosémia Duarte

devem seguir uma dieta restrita em galactose?” De facto Ficicioglu e colegas no seu

estudo que englobou trinta crianças com galactosémia Duarte, com idades entre 1 e 6

anos, observou que estas crianças, realizando uma dieta alimentar não restrita em

galactose, apresentam, relativamente a indivíduos controlo, níveis normais de galactose-

1-fosfato eritrocitária e galactitol urinário, e níveis superiores de galactose plasmática e

de outros metabolitos da galactose, nomedamente galactonato urinário, galactonato

eritrocitário, galactitol eritrocitário, e galactitol plasmático. Contudo, apesar do aumento

verificado dos índices bioquímicos, estas crianças não exibiram sinais e sintomas de

falência hepática, problemas oftalmológicos e anomalias neurológicas. No entanto, estes

resultados levantam outra questão. Será que a exposição das células a elevados níveis de

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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outros metabolitos da galactose, que não a galactose-1-fosfato e o galactitol, levará ao

aparecimento de complicações a longo prazo, numa fase mais tardia da vida destas

crianças? (Ficicioglu et al. 2010)

Para responder às duas questões anteriores, Fernhoff propõe a realização de um

estudo epidemiológico, cujo principal objectivo será determinar se os doentes com

galactosémia Duarte, que nunca realizaram uma dieta alimentar restrita em galactose

possuem uma incidência elevada de ocorrência de complicações a longo prazo

característicos da galactosémia clássica. Para tal teria que se englobar um número

significativamente elevado de doentes adultos (entre 20 e 40 anos) com galactosémia

Duarte, que nunca foram sujeitos a uma dieta alimentar restrita em galactose, e

compará-los com indivíduos controlo saudáveis, através da realização de exames

bioquímicos e clínicos que permitam monitorizar os níveis dos metabolitos da galactose

no sangue, plasma e urina, e permita também estudar a evolução dos estados de

crescimento, nutricional, desenvolvimento e oftalmológico destes doentes. Obviamente

que a realização deste estudo requererá um enorme investimento financeiro, no entanto

acredita-se que as conclusões obtidas por esta investigação poderá ter um impacto

positivo na economia de vários países, pois, actualmente, uma boa parte do dinheiro do

estado é empregue no aconselhamento genético e nutricional, e nos processos de

monitorização bioquímico destes doentes (Fernhoff 2010).

2.9.A GALACTOSÉMIA CLÁSSICA EM PORTUGAL

Em Portugal, o rastreio neonatal de doenças raras é da responsabilidade do

Programa Nacional de Diagnóstico Precoce, realizado no Instituto de Genética Médica.

Este programa foi implementado há 37 anos, iniciando-se com o rastreio da

fenilcetonúria, passando posteriormente em 1981 a incluir o rastreio do hipotiroidismo

congénito (HC) (Vilarinho et al. 2006).

Devido ao desenvolvimento tecnológico, nomeadamente ao aparecimento da

espectrometria de massa em tandem, hoje em dia já é possível realizar o rastreio a vinte

e quatro Doenças Hereditárias do Metabolismo (Aminoacidopatias, Acidúrias Orgânicas

e Doenças hereditárias da β-oxidação mitocondrial dos ácidos gordos) e ao

Hipotiroidismo Congénito, estando a decorrer também um estudo-piloto para a Fibrose

Quística (Osório e Vilarinho 2010).

Em Portugal, o rastreio neonatal de doenças raras é voluntário, abrange cerca de

99% da população, e é realizado através da colheita de sangue, por picada no calcanhar

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do pé, para uma ficha com papel de filtro adequado. A colheita do sangue é actualmente

efectuada nos Hospitais, Maternidades ou Centros de Saúde, entre o terceiro e sexto dias

de vida, devendo, após a colheita, ser enviada para o Laboratório Nacional de Rastreios,

onde é feita a determinação de metabolitos que possibilitam a detecção de condições

patológicas (Vilarinho et al. 2006).

A galactosémia clássica, apesar de ser uma doença hereditária do metabolismo,

não está incluída na lista de doenças rastreadas pelo Programa Nacional de Diagnóstico

Precoce. No entanto, todas as amostras que apresentem níveis aumentados dos

aminoácidos fenilalanina e/ou tirosina são rastreadas para a galactosémia clássica

através da determinação semi-quantitativa da actividade da enzima GALT pelo teste de

Beutler, seguido da quantificação dos níveis de galactose total. Segundo o relatório de

2014 do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce, nesse ano foram estudados 83.100

recém-nascidos, tendo sido identificados dois novos casos de galactosémia clássica,

com um tempo médio de início de tratamento de 11 dias após o nascimento (Vilarinho

et al. 2015).

No nosso país, a mutação prevalente no gene GALT responsável pelo

aparecimento da galactosémia clássica é a p.Q188R. Coelho e colegas, num estudo

realizado em 42 doentes portugueses com galactosémia clássica, identificaram a

presença de 14 mutações diferentes, em que a maioria é do tipo missense e o genótipo

prevalente é a homozigotia para a mutação p.Q188R. Surpreendentemente, a segunda

mutação detectada em maior frequência (8.0%) foi uma variação intrónica c.820+13a>g

(IVS8+13a>g), tendo sido identificada num doente homozigótico e em cinco doentes

em heterozigotia composta com outras mutações. Seguidamente, com frequência igual a

4%, as terceiras mutações maioritariamente detectadas foram as p.S135L e p.G175D. A

mutação p.S135L foi encontrada em heterozigotia com as mutações p.Q188R e p.F171C

em indivíduos com ascendência africana, enquanto a mutação p.G175D apenas foi

detectada em Portugal. Juntamente com esta última mutação também as mutações

p.P185S, p.R259W e p.F171C foram identificadas exclusivamente na população

galactosémica portuguesa (Coelho et al. 2013). Contudo, curiosamente, em Portugal não

foram detectadas as mutações p.K285N e p.L195P, cuja prevalência é elevada no

continente Europeu, nomeadamente em Espanha (Gort et al. 2009). Estes últimos

autores demonstraram que, no país irmão, a mutação p.L195P é a segunda mutação

mais prevalente, com uma taxa de 15,7%, seguida da mutação p.K285N que possui uma

taxa de prevalência de 9,8%. Estes resultados levaram os autores a sugerir que, apesar

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da proximidade geográfica de Portugal e Espanha, a vinda de diferentes tipos de

população para a Península Ibérica, através das migrações, levou ao aparecimento de

diferentes genótipos. Estes investigadores referem que Portugal terá sofrido maior

influência de populações Nórdicas, pois Portugal apresenta uma semelhança de

genótipos com as Ilhas Britânicas, enquanto Espanha terá sido mais fortemente

influenciada por populações migratórias mediterrânicas vindas do Norte de África,

Grécia, Fenícia, e Arábia (Gort et al. 2006).

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3. NOVAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS

Devido ao insucesso da terapia baseada na realização de uma dieta alimentar

restrita em galactose no aparecimento de complicações a longo prazo, que diminuem

significativamente a qualidade de vida dos doentes, nos últimos anos têm surgido

estudos que apresentam novas alternativas terapêuticas promissoras.

Algumas das novas abordagens terapêuticas emergentes, que actuam ao nível do

RNA mensageiro e da proteína, são desenvolvidas de acordo com o tipo de mutação que

está na origem do aparecimento da doença, consistindo, respectivamente, na utilização

de oligonucleótidos antisense capazes de corrigir processos de splicing aberrantes, e de

moduladores da proteostase que são capazes de auxiliar os processos de folding

alterados ou de inibir a formação de agregados proteicos, ambos potenciados pela

ocorrência de mutações missense (Coelho et al. 2015). Também ao nível da proteína, a

aplicação de inibidores da enzima GALK em fibroblastos provenientes de doentes com

galactosémia clássica tem mostrado resultados muito interessantes na inibição da

acumulação do principal metabolito responsável pelo aparecimento de complicações a

longo prazo, a galactose-1-fosfato (Tang et al. 2012). Por fim, a administração oral, em

modelos animais, de moléculas que mimetizam a acção da enzima superóxido dismutase

tem-se revelado eficaz na diminuição do stress oxidativo celular, surgindo, assim,

também como potencial estratégia terapêutica para a galactosémia clássica, visto haver

cada vez mais evidências acerca do papel do stress oxidativo na fisiopatologia deste

erro hereditário do metabolismo (Jumbo-Lucioni et al. 2014).

3.1.MUTAÇÕES DE SPLICING – OLIGONUCLEÓTIDOS ANTISENSE

Com a descoberta de que a ocorrência de erros nos processos de splicing

constitui um dos principais mecanismos patogénicos no aparecimento dos erros

hereditários do metabolismo (incluindo a galactosémia clássica), nos últimos anos têm

surgido várias estratégias terapêuticas que visam corrigir ou evitar anomalias durante

este processo pós-transcricional (Faustino e Cooper 2003).

As mutações que afectam o splicing podem ocorrer tanto nos intrões como nos

exões, e dão origem à síntese de proteínas aberrantes com perda parcial ou total da sua

actividade, devido à criação de novos locais de splicing, ou à ocorrência de erros no

reconhecimento de nucleótidos dos exões, que em alguns casos leva à alteração do

código de leitura da sequência da molécula de mRNA (Beaulieu et al. 2012).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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As várias estratégias terapêuticas incluem sobre-expressão de proteínas que

alteram o splicing do exão alvo, uso de oligonucleótidos que bloqueiam os locais de

splice aberrantes e obrigam o uso de locais de splice canónicos, uso de pequenas

moléculas que afectam a fosforilação dos factores de splicing ou que estabilizam

estruturas secundárias putativas, e a aplicação de processos de trans-splicing com o

objectivo de substituir exões mutados por exões wild-type. (Faustino e Cooper 2003).

Actualmente, ao nível das mutações de splicing, a técnica terapêutica mais

comumente aplicada baseia-se na utilização de oligonucleótidos anti-sense. Os

oligonucleótidos anti-sense consistem em pequenas cadeias simples de DNA

sintetizadas quimicamente, com capacidade de hibridar, por complementariedade de

bases, com uma sequência especifica de mRNA e/ou pré-mRNA, causando a inibição da

expressão da molécula de mRNA ou a correcção de processos de splicing aberrantes

(Dias e Stein 2002).

O modo como a ligação dos oligonucleótidos anti-sense diminui os níveis de

transcrição da sequência de mRNA alvo depende das propriedades químicas dos

oligonucleótidos anti-sense e do local de hibridação, envolvendo mecanismos subtis e

complexos (Chan et al. 2006). No tratamento da galactosémia clássica, visto esta

patologia ser causada apenas por mutações que causam perda de função, os

oligonucléotidos antisense utilizados actuam inibindo a assemblagem da maquinaria

enzimática responsável pelos processos de splicing nos novos locais criados pela

mutação, forçando a sua ligação aos sítios canónicos (Dias e Stein 2002).

Um dos grandes desafios da aplicação terapêutica dos oligonucleótidos diz

respeito à rápida degradação in vivo dos oligonucleótidos não modificados por parte das

nucleases endógenas, e à dificuldade de penetração na membrana plasmática devido à

sua carga global. Assim, de modo a aumentar a resistência à degradação pelas

nucleases, a aumentar o tempo de semi-vida, e a aumentar a afinidade à sequência de

mRNA alvo, os oligonucleótidos têm sofrido modificações químicas, levando ao

aparecimento de três gerações de análogos de DNA (Kurreck 2003).

A primeira geração de oligonucleótidos modificados (figura 3) designa-se

fosforotioato (PS-ASO) e resulta da substituição de um dos átomos de oxigénio não

ligante constituinte do grupo fosfato do nucleótido por um átomo de enxofre. Esta

alteração leva a que estes oligonucleótidos não sejam tão facilmente degradados pelas

nucleases, porém demonstrou-se que apresenta menor afinidade para o mRNA alvo e

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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maior toxicidade celular devido ao estabelecimento de interacções não específicas com

proteínas intracelulares e de superfície (Kurreck 2003; Chan et al. 2006).

De forma a superar as desvantagens apresentadas pelos oligonucleótidos de

primeira geração, surgiram os oligonucleótidos de segunda geração (figura 3), cuja

alteração consiste na substituição do átomo de hidrogénio ligado ao carbono 2’ da

ribose por um grupo O-alquilo. Estes oligonucleótidos possuem uma maior afinidade de

ligação à sequência complementar de RNA e menor toxicidade celular. Contudo, devido

à incapacidade de induzir a clivagem do mRNA alvo através da acção da RNase H, a

eficácia/potência terapêutica antisense apresentada por esta geração de oligonucleótidos

é menor que a primeira geração. Em consequência foi desenvolvida a tecnologia

gapmer, na qual ao carbono 2’ da ribose é adicionado uma gap central, que consiste

numa pequena cadeia de DNA ou monómeros de DNA fosforotioatizados, cujos

nucleótidos das extremidades 5’ e 3’ estão modificados através da introdução de grupos

O-metil. Assim, nestes oligonucleótidos quiméricos a presença da gap central permite

que a RNase catalise a degradação do mRNA, enquanto a existência dos grupos alquilo

nas extremidades protege os oligonucleótidos da degradação por parte das nucleases

(Kurreck 2003; Dias e Stein 2002).

Por fim, os oligonucleótidos de terceira geração (figura 3) surgiram com o

objectivo de aumentar a afinidade de ligação ao mRNA alvo, a resistência à degradação

proteolítica por parte das nucleases, a bioestabilidade e a farmacocinética dos

oligonucleótidos, sendo sintetizados através de alterações químicas do anel furanose do

nucleótido (Chan et al. 2006).

O campo de aplicação da terapia antisense com recurso a oligonucleótidos é

muito vasto, tendo-se já comprovado in vivo a sua eficácia terapêutica no tratamento de

vários tipos de doenças como o cancro (nomeadamente na inibição de expressão de

genes que codificam para oncoproteínas e moléculas de sinalização), a asma (através da

diminuição dos níveis de mRNA que codificam para substâncias alergénicas que

estimulam as células produtoras de muco), e a Distrofia Muscular de Duchenne (através

da remoção específica do exão afectado, e da consequente alteração da mutação out-of-

frame para uma mutação in-frame, que permite a síntese da proteína distrofina com

actividade parcial e a diminuição da severidade da doença) (Kunze et al. 2010).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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Também, através dos resultados obtidos por Coelho e colegas, a terapia

antisense parece representar o futuro terapêutico em determinados casos de

galactosémia clássica.

Estes autores tiveram como um dos principais objectivos observar se a aplicação

de oligonucleótidos antisense é capaz de corrigir o efeito da mutação c.820+13A>G

(IVS8+13A>G). Esta alteração intrónica representa a segunda mutação mais frequente

na população portuguesa, tendo sido classificada como causadora de galactosémia

clássica por estes investigadores no presente estudo. Através de análises ex vivo, os

autores descobriram que a ocorrência desta mutação causa a activação de um local

dador de splice latente (c.820+14_820+15), provocando a inclusão dos primeiros 13

nucleótidos do intrão 8 no mRNA maduro e a consequente ocorrência de processos de

splicing aberrantes do transcrito GALT.

Visto que o local dador de splice latente se situa próximo do local dador de

splice canónico, os autores construíram dois oligonucleótidos LNA (oligonucleótidos de

terceira geração) complementares ao local de splice latente e com capacidade de

bloquear estereoquimicamente o acesso do complexo spliceossoma a este local, com o

objectivo de determinar se a aplicação de terapia antisense é eficaz na restauração do

processo de splicing correcto. Para tal, transfectaram duas linhas celulares diferentes

Figura 3: Modificações químicas dos oligonucleótidos antisense (Chan

et al. 2006).

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(HeLa e COS-7) com minigenes wild-type e mutantes com oligonucleótidos LNA

presentes em quatro valores de concentração diferentes (0,25µM; 0,5µM; 0,75µM;

1µM). Os resultados obtidos revelaram que o uso de concentrações elevadas de

oligonucleótidos LNA (superior a 0,5µM) inibiu a ocorrência do processo de splicing

alternativo e permitiu a ocorrência do mecanismo de splicing original. Este artigo

representa, assim, a primeira descrição do uso de oligonucleótidos antisense como

agentes terapêuticos da galactosémia clássica, permitindo restabelecer o perfil do

splicing constitutivo e consequentemente inibir a produção de proteínas GALT

aberrantes (Coelho et al. 2015). Contudo, é importante referir que a terapia antisense é

altamente específica para o tipo de mutação, fazendo com que caso seja aprovada como

forma terapêutica nos indivíduos com galactosémia clássica, apenas será aplicável a

determinados doentes. Adicionalmente, ainda têm que ser realizados estudos para

optimizar o design dos oligonucleótidos, com o objectivo de aumentar a sua actividade

biológica, aumentar a eficácia de ligação à sequência alvo, e determinar a eficiência à

qual este tratamento corrige os defeitos de splicing, para que o uso de oligonucleótidos

antisense seja considerado uma estratégia terapêutica eficaz no tratamento de doenças

hereditárias do metabolismo, como a galactosémia clássica (Dias e Stein 2002; Beaulieu

et al. 2012; Chan et al. 2006).

3.2.MUTAÇÕES MISSENSE – CHAPERONES QUÍMICOS/FARMACOLÓGICOS

(ARGININA)

A galactosémia clássica é causada maioritariamente pela ocorrência de mutações

missense no gene GALT. Através da realização de estudos estruturais e funcionais

demonstrou-se que a ocorrência deste tipo de mutação é responsável pela síntese de

proteínas GALT misfolded, cujos perfis cinéticos, de susceptibilidade à degradação

proteolítica, de estabilidade conformacional, de ligação ao substrato, e de agregação,

estão alterados (McCorvie et al. 2013; Coelho et al. 2014).

A descoberta de que as mutações missense potenciam os processos de agregação

proteica em solução foi muito importante não só na evolução do conhecimento da

fisiopatologia da galactosémia clássica, pois provou-se que contribui para o

desequilíbrio da homeostase celular (aumentando, por exemplo o stress do retículo

endoplasmático associado à acumulação de proteínas unfolded no lúmen do retículo

endoplasmático) mas também no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas

(De–Souza et al. 2014).

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Visto que um dos mecanismos patogénicos envolvidos na galactosémia clássica

se baseia no aumento de propensão de agregação das proteínas misfolded, um exemplo

de uma nova abordagem terapêutica que tem surgido na literatura nos últimos anos é a

utilização de chaperones químicos/farmacológicos (McCorvie et al. 2013).

Chaperones químicos/farmacológicos são pequenas moléculas químicas ou

biológicas, com capacidade de estimular a proteostase celular, permitindo deste modo

restaurar o folding parcial, o correcto transporte das proteínas desde o local de síntese

até ao local de actuação, e assim a correcta função das proteínas variantes (Mu et al.

2008).

Um exemplo de chaperone químico que nos últimos anos está a ser alvo de

estudos com o objectivo de determinar o seu potencial terapêutico em várias doenças

hereditárias do metabolismo é a arginina. O primeiro caso descrito foi o de um doente

com défice no complexo da piruvato desidrogenase cujo fenótipo bioquímico e clínico

melhorava drasticamente após a toma da arginina (Silva et al. 2009). Posteriormente, no

ano de 2013, Berendse e colaboradores demonstraram que a suplementação com

arginina em fibroblastos provenientes de indivíduos com doença da biogénese do

peroxissoma com mutações nos genes PEX1, PEX6 e PEX12 é capaz de restaurar a

biogénese peroxissomal e melhorar a função metabólica dos peroxissomas, aumentando

a eficiência da β-oxidação do D3-C22:0 em D3-C16:0, suscitaram curiosidade no meio

cientifico acerca do potencial terapêutico da arginina no tratamento de doenças

metabólicas hereditárias (Berendse et al. 2013).

Deste modo, no ano de 2014, Coelho e colaboradores realizaram um estudo que

tinha como principais objectivos estudar os efeitos das principais mutações patogénicas

na função da enzima GALT e determinar se a administração de arginina tem capacidade

de restaurar a função de variantes mutantes da enzima GALT. Para tal, estes

investigadores desenvolveram um modelo procariótico sensível à galactose, o qual foi

depois transformado com vectores contendo sequências mutantes GALT, nomeadamente

p.S135L, p.G175D, p.P185S, p.Q188R, p.R231C, pR231H, p.K285N, e p.N314D. Após

tratamento das culturas transformadas com arginina, e na presença de galactose, os

autores observaram que houve replicação das colónias variantes p.Q188R, p.K285N, e

p.G175D, levando à conclusão de que a introdução da arginina inibiu a perda da função

da enzima GALT causada pela ocorrência das mutações e diminui a toxicidade da

galactose nas culturas mutantes, permitindo o seu crescimento em meios suplementados

com galactose. Contudo, as restantes variantes estudadas mostraram-se pouco sensíveis

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ao efeito estabilizador da arginina já que as curvas de crescimento celular com e sem

adição de arginina não são significativamente diferentes.

No entanto, este estudo representa um passo muito importante na investigação

de novas estratégias terapêuticas para a galactosémia clássica pois demonstrou o enorme

potencial terapêutico da arginina, especialmente para a variante p.Q188R, que é a

mutação missense mais comumente associada à galactosémia clássica, representando

mais de 60% dos alelos mutantes GALT, e cujos efeitos clínicos e bioquímicos são

muito graves, causando baixa qualidade de vida a estes doentes. Adicionalmente, ao

contrário dos oligonucleótidos antisense dirigidos a mutações de splicing, a utilização

da arginina mostra-se aplicável a inúmeros doentes com galactosémia clássica com

mutações diferentes uma vez que não possui especificidade para uma única mutação.

Assim, tendo como base os resultados obtidos pelos investigadores anteriores, é

necessário a realização de mais estudos de modo a entender o mecanismo de acção da

arginina, e perceber a razão pela qual o efeito terapêutico apenas se observa em

determinadas mutações, o que conduzirá ao estudo de estratégias alternativas de forma a

aumentar o espectro de acção terapêutico deste aminoácido (Coelho et al. 2015).

3.3.INIBIDORES DA ENZIMA GALK

A utilização de inibidores da enzima GALK é outro exemplo de estratégia

terapêutica que tem sido alvo de estudos para o tratamento da galactosémia clássica.

A fisiopatologia desta doença, apesar de todos os estudos que têm sido

realizados nas últimas décadas, ainda não é um processo totalmente conhecido. Porém,

devido ao aumento do conhecimento acerca da caracterização molecular e bioquímica

da galactosémia clássica, sabe-se que a acumulação do metabolito galactose-1-fosfato é

responsável pelo aparecimento de complicações a longo prazo, apesar da realização de

uma dieta restrita em galactose. A ausência de acumulação deste metabolito e do

aparecimento de complicações a longo prazo característicos da galactosémia clássica em

indivíduos com galactosémia tipo II, a observação de crescimento em meios com

galactose de estirpes leveduriformes que não expressam as enzimas GALT e GALK e o

não crescimento em meios com galactose de estirpes leveduriformes que não expressam

apenas a enzima GALT, e a constatação, a partir de modelos procarióticos, de que a

deficiência na enzima GALT e não a deficiência na enzima GALK induz a ocorrência

de uma resposta celular ao stress ambiental, representam achados científicos que

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indicam fortemente que a galactose-1-fosfato é o principal responsável pela toxicidade

da galactose em células deficientes na enzima GALT (Wierenga et al. 2008).

Deste modo, visto que ao nível das células a galactose-1-fosfato é o resultado da

conversão da α-D-galactose por parte da enzima galactocinase, o meio cientifico pensa

que a inibição farmacológica desta enzima poderá evitar o aparecimento de

complicações a longo prazo, através da inibição da acumulação do metabolito galactose-

1-fosfato (Odejinmi et al. 2011).

Vários estudos que visam investigar o potencial, a toxicidade, o índice de

selectividade e as interacções moleculares de compostos inibidores da enzima GALK

têm revelado resultados promissores. Tang e colaboradores demonstraram que a adição

de um composto inibidor da enzima GALK a fibroblastos primários de doentes com

galactosémia clássica causou diminuição dos níveis de galactose-1-fosfato, e que a

diminuição da acumulação deste metabolito provocou a expressão de níveis mais

reduzidos de uma proteína de resposta ao stress (Tang et al. 2012). Também estes

autores, num outro estudo em 2010, observaram que o tratamento de linhas celulares de

fibroblastos primários que não expressam a enzima GALT, com inibidores da enzima

GALK inibe a acumulação de níveis tóxicos de galactose-1-fosfato. Através de estudos

computacionais e cinéticos, estes autores demonstraram ainda um possível mecanismo

de acção. Segundo estes investigadores os inibidores estabelecem ligações por ponte de

hidrogénio com os átomos de hidrogénio dos grupos hidroxilo de resíduos localizados

próximo do local de ligação do ATP, nomeadamente o resíduo Serina 140, actuando

como inibidores competitivos do ATP. A ligação destes compostos à enzima GALK

impede, assim, a ligação das moléculas de ATP ao complexo enzimático, inibindo a

transferência do grupo fosfato para as moléculas de galactose, e a consequente formação

de galactose-1-fosfato. Contudo, a exposição prolongada aos inibidores da enzima

GALK mostrou-se tóxica para as células (Tang et al. 2010).

Assim, de forma a optimizar e tornar os inibidores da enzima GALK uma futura

estratégia terapêutica da galactosémia clássica é necessária a realização de estudos que

visem investigar in vivo a potência e eficácia destes compostos, o seu modo de inibição,

os perfis de selectividade e toxicidade, e o seu modo de interacção com a enzima GALK

ao nível estrutural (Tang et al. 2010).

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3.4.UTILIZAÇÃO DE MOLÉCULAS QUE MIMETIZAM A ACÇÃO DA ENZIMA

SUPERÓXIDO DISMUTASE (SOD)

Outro exemplo de uma possível estratégia terapêutica que pode ser aplicada no

tratamento da galactosémia clássica é a utilização de pequenas moléculas,

nomeadamente MnTnBuOE-2-PyP5 +

e MnTE-2-PyP5 +

, que actuam mimetizando a

acção da enzima superóxido dismutase, diminuindo o stress oxidativo celular através da

eliminação de espécies reactivas de oxigénio e azoto (Batinic-Haberle et al. 2012).

Apesar dos inúmeros estudos que são realizados e do enorme desenvolvimento

tecnológico que permitiu tornar métodos bioquímicos e moleculares mais sensíveis e

precisos, actualmente ainda existe uma grande lacuna acerca do conhecimento dos

processos constituintes da fisiopatologia da galactosémia clássica. Hoje em dia sabe-se

que a acumulação de compostos resultantes do metabolismo da galactose assume um

papel preponderante no aparecimento de complicações a longo prazo (Fridovich-Keil e

Walter 2008). Contudo, na última década, através da utilização de modelos

geneticamente modificados de Drosophila melanogaster novos factos têm sido

descobertos acerca da fisiopatologia da galactosémia clássica. Lucioni et al, estudando o

impacto de oxidantes e anti-oxidantes alimentares na sobrevivência e desenvolvimento

de Drosophila melanogaster que não expressa a enzima GALT, medindo a acumulação

de biomarcardores de stress oxidativo, e quantificando os níveis de expressão de genes

envolvidos na resposta ao stress oxidativo (GSTD6 e GSTE7), concluíram que um dos

mecanismos de toxicidade da galactose na ausência de síntese da enzima GALT é a

indução do estado de stress oxidativo. Estes investigadores observaram que na presença

de galactose e de compostos oxidantes, a taxa de sobrevivência de espécies larvares e

adultas mutantes de Drosophila melanogaster é significativamente menor à taxa de

sobrevivência de espécies larvares e adultas wild-type; na presença de galactose e

compostos oxidantes os níveis dos biomarcadores de stress oxidativo GSSG e CySS

aumentaram significativamente em ambos os genótipos; e na presença de galactose as

espécies mutantes apresentaram níveis de expressão dos genes GSTD6 e

GSTE7significativamente mais elevados que as espécies wild-type (Jumbo-Lucioni et al.

2013).

Tendo em conta as descobertas feitas no seu estudo anterior, Lucioni et al, no

ano 2014, propuseram e provaram que a síntese de compostos capazes de restabelecer a

homeostase redox celular poderá representar outra alternativa terapêutica para os

indivíduos com galactosémia clássica. Estes investigadores demonstraram que na

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presença de galactose, a adição de MnTnBuOE-2-PyP5 +

e MnTE-2-PyP5 +

aumentou

em 30% a 50% a taxa de sobrevivência de estados larvares de Drosophila melanogaster

mutantes, e restaurou um defeito de movimento das espécies Drosophila melanogaster

adultas mutantes, que nestes organismos representa um exemplo de complicação a

longo prazo (Jumbo-Lucioni et al. 2014).

Estes compostos capazes de mimetizar a acção da enzima superóxido dismutase

são quimicamente classificados por metaloporfirinas, cuja constituição base é composta

por grupos porfíricos e por metais como o ferro e o manganês. Esta constituição

química confere a estes compostos propriedades únicas como moduladores do stress

oxidativo pois a presença de ligandos porfíricos confere estabilidade e assegura a

integridade do metal; a presença dos iões metálicos é responsável pelas propriedades

redox, através da sua capacidade de aceitação e doação de electrões; e a possibilidade de

realização de inúmeras alterações estruturais que permite sintetizar compostos mais

eficientes, com maior biodisponibilidade, e com menor toxicidade (Batinic-Haberle et

al. 2011).

As moléculas MnTnBuOE-2-PyP5 +

e MnTE-2-PyP5+

são metaloporfirinas

catiónicas constituídas por um centro metálico deficiente em electrões, responsável pela

afinidade e ligação às espécies reactivas de oxigénio e azoto, como são exemplos O2 ·−,

ONOO−, ONOOCO2

−, CO3 ·−, ClO

−, que são espécies carregadas negativamente.

Adicionalmente o seu carácter catiónico permite a sua acumulação no interior das

mitocôndrias, o que faz aumentar a sua eficiência catalítica de dismutação das espécies

reactivas de oxigénio e azoto, visto que este organito é um dos principais locais de

formação de compostos oxidantes (Batinic-Haberle et al. 2011).

O mecanismo de acção das metaloporfirinas ainda não está totalmente

esclarecido. Existem evidências que a eliminação de espécies reactivas de oxigénio e

azoto inibe a activação e expressão de factores de transcrição sensíveis a alterações no

estado redox celular, causando a diminuição da expressão de moléculas constituintes de

vias metabólicas envolvidas nos processos inflamatórios (Batinic-Haberle et al. 2012).

Por exemplo em estudos realizados em casos de cancro, demonstrou-se que o

tratamento de células malignas com metaloporfirinas exerce um efeito negativo na

expressão dos factores de transcrição HIF-1α e AP-1. No caso do factor de transcrição

HIF-1α, que é um factor pró-angiogénico (favorece o crescimento das células tumorais),

a diminuição dos níveis de espécies reactivas de oxigénio inibe a sua activação e

consequentemente a expressão de um dos principais factores angiogénicos, o VEGF,

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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contribuindo deste modo para a supressão do crescimento de tumores malignos.

Também no caso do factor de transcrição AP-1, o tratamento com metaloporfirinas

afecta a proliferação de células malignas pois inibe a activação deste factor, que é

responsável pela regulação de expressão de genes envolvidos nos processos de

sobrevivência, proliferação e morte celulares (Batinic-Haberle et al. 2012).

Actualmente ainda há muito por descobrir acerca do potencial das

metaloporfirinas no tratamento de patologias, e portanto é necessário o desenvolvimento

de pesquisas que visam descobrir o seu mecanismo de acção; no caso da galactosémia

clássica, a realização de ensaios clínicos em indivíduos doentes para concluir acerca da

sua eficácia terapêutica, uma vez que o potencial terapêutico apresentado nesta

monografia se refere a um modelo animal; e o desenvolvimento de estudos que visam

optimizar estes compostos, no sentido da formação de compostos que apresentem

menor toxicidade, maior lipofilia e maior eficiência redox capaz de modular o estado

oxidativo tanto de células saudáveis como de células alteradas (Batinic-Haberle et al.

2012; Jumbo-Lucioni et al. 2014; Batinic-Haberle et al. 2011).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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4. CONCLUSÃO

Desde que, em 1908, von Reuss documentou o primeiro caso de

hipergalactosémia associado a um estado patológico num recém-nascido, a galactosémia

tem sido alvo de estudos que visam compreender as causas do seu aparecimento e a

fisiopatologia que está na base do aparecimento das complicações a longo prazo, e a

procura de alternativas terapêuticas que contribuam para o melhoramento da qualidade

de vida destes doentes.

Nos Estados Unidos da América, o início do ano de 1960 representou um marco

revolucionário no diagnóstico complementar, através da introdução de programas de

rastreio neonatal. Hoje em dia, através da colheita de sangue do recém-nascido nos

primeiros dias após o parto, e a posterior pesquisa de metabolitos que se encontram

alterados em situações patológicas, é possível realizar a detecção precoce de muitas

patologias e a administração atempada do tratamento adequado. No caso da

galactosémia clássica, embora a sensibilidade dos clínicos seja um factor determinante

para o diagnóstico precoce dos casos mais graves, a implementação dos programas de

rastreio neonatal foi muito importante porque veio contribuir para a diminuição da

mortalidade e morbilidade agudas da maioria dos casos desta doença. Assim sendo,

todos os recém-nascidos cujo resultado dos testes de rastreio neonatal for positivo,

iniciam de imediato a dieta restrita em galactose com o objectivo de evitar o

aparecimento de complicações a longo prazo. No entanto, estas complicações, que

incluem deficiências neurológicas, ósseas, e no caso das mulheres, disfunção ovárica

precoce, parecem ser independentes de um diagnóstico precoce e de uma adesão do

doente à terapia uma vez que se manifestam, geralmente, em todos os doentes, por

vezes de forma grave, especialmente em indivíduos homozigóticos.

Deste modo, nos últimos anos com vista a encontrar um tratamento definitivo

para a galactosémia clássica, têm surgido algumas alternativas terapêuticas à restrição

dietética, que apesar de se mostrarem eficazes, possuem ainda alguns obstáculos que

necessitam de ser ultrapassados.

A primeira nova abordagem terapêutica para a galactosémia clássica apresentada

na presente monografia refere-se à utilização de oligonucleótidos antisense, que ao

hibridarem por complementaridade de bases a uma sequência específica de RNA

conseguem inibir a expressão de molécula de mRNA ou corrigir processos de splicing

aberrantes. Nos últimos anos, a tecnologia antisense tem ganho muita atenção como

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agente terapêutico ou como ferramenta de estudo dos genes, tendo sido já aprovado pela

Food and Drug Administration a comercialização do primeiro oligonucleótido

antisense, o Vitravene, para o tratamento da retinite por citomegalovírus. Contudo, para

que o uso de oligonucleótidos antisense seja considerado uma estratégia terapêutica

eficaz no tratamento de doenças hereditárias do metabolismo, como a galactosémia

clássica, é necessário realizar estudos que visam optimizar o seu design de modo a

aumentar a sua eficiência terapêutica e especificidade, e diminuir os seus efeitos

tóxicos. Uma possível estratégia que está a ser investigada para diminuir a sua

toxicidade, e que parece promissora, é a construção e utilização de nanopartículas, que

contêm no seu interior o fármaco, e que permitem o transporte mais eficiente e

direccionado dos oligonucleótidos até às células alvo, e o aumento do seu tempo de

exposição.

Outro exemplo de alternativa terapêutica para a galactosémia clássica que foi

aqui descrito foi o uso de chaperones químicos/farmacológicos, como é exemplo a

arginina, capazes de prevenir a formação de agregados proteicos. Os agregados

proteicos resultam de erros de função dos complexos moleculares responsáveis pelo

controlo de qualidade do processo de folding das proteínas, estando na base do

aparecimento de inúmeras patologias neurodegenerativas como são exemplos a doença

de Alzheimer, a doença de Parkinson, a diabetes tipo II e a encefalopatia espongiforme

bovina. Também na galactosémia clássica existem evidências de que a agregação de

proteínas misfolfded, resultantes essencialmente de mutações missense, está envolvida

na sua fisiopatologia. Como tal, pensa-se que uma das estratégias terapêuticas passará

pela utilização de chaperones químicos/farmacológicos que, ao contrário da terapia

antisense, apresenta a vantagem de não ser específica para uma determinada mutação

podendo ser eficaz terapeuticamente num maior número de casos.

A administração de inibidores da enzima GALK também tem sido estudada

como uma nova alternativa terapêutica para a galactosémia clássica. A sua acção visa

inibir a formação de galactose-1-fosfato catalisada pela enzima galactocinase, um dos

principais compostos resultantes do metabolismo da galactose associado ao

aparecimento das complicações a longo prazo. Até agora, os resultados dos estudos que

investigam o potencial terapêutico dos inibidores da enzima GALK parecem

promissores, demonstrando que a inibição farmacológica da enzima galactocinase

juntamente com a realização da restrição dietética é eficaz na redução da acumulação de

níveis tóxicos de galactose-1-fosfato em células provenientes de doentes com

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galactosémia clássica. No entanto, é importante a construção de modelos animais com

deficiência na enzima GALT de modo a averiguar in vivo a eficácia terapêutica e

toxicidade destes compostos para que possam representar o futuro terapêutico para os

doentes galactosémicos.

Por fim, a utilização de moléculas que mimetizam a acção da enzima superóxido

dismutase (SOD) constitui outro exemplo de uma possível alternativa terapêutica para a

galactosémia clássica. Estes compostos, denominados metaloporfirinas, têm como acção

restabelecer a homeostase redox celular através da inibição de expressão de moléculas

constituintes de vias de sinalização activadas em resposta a uma alteração do estado

redox da célula, e cujo produto final é a estimulação de respostas fisiológicas que

causam o aparecimento de condições patológicas.

Em conclusão, a galactosémia clássica apesar de resultar de mutações num único

gene continua a representar um enorme desafio tanto para a comunidade médica como

para a comunidade científica, em parte devido à elevada heterogeneidade alélica e à

enorme complexidade fisiopatológica. Acredita-se que a descoberta e o entendimento

dos mecanismos moleculares que estão na base da sua fisiopatologia levará ao

desenvolvimento de terapias mais eficazes, capazes de dar aos doentes galactosémicos

uma melhor qualidade de vida. Por esta razão é importante investir na realização de

projectos de investigação que visam responder a todas as questões que permanecem sem

resposta acerca do universo da galactosémia clássica, pois tal como Marie Skłodowska-

Curie disse Nothing in life is to be feared, it is only to be understood. (“Nada na vida é

para ser temido, é só para ser entendido”).

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