faculdade de economia de coimbra

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Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra E U R O - 2 0 0 4 (CAMPEONATO EUROPEU DE FUTEBOL EM PORTUGAL ) Trabalho elaborado por: Fausto António Saraiva Santos Aluno nº 199702754, da F. E. U. C. na licenciatura em Sociologia Disciplina: Fontes de Informação Sociológica Docente: Drº. Paulo Peixoto Ano Lectivo de: 2003/2004

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Page 1: Faculdade de economia de coimbra

Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

E U R O - 2 0 0 4

(CAMPEONATO EUROPEU DE FUTEBOL EM PORTUGAL)

Trabalho elaborado por: Fausto António Saraiva Santos Aluno nº 199702754, da F. E. U. C. na licenciatura em Sociologia Disciplina: Fontes de Informação Sociológica Docente: Drº. Paulo Peixoto Ano Lectivo de: 2003/2004

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Escolhemos como imagem da capa deste nosso trabalho uma teia com o mundo

no centro que encontrámos no site «www.lycos.com.» E porquê ?

Porque o mundo do futebol encontra-se no centro de um conjunto de factores

(os pontos de apoio da teia), construídos a diferentes níveis, muitas vezes

invisíveis, aparentemente frágeis, mas de facto fortes, que o suportam e

definem

Coimbra, 28 de Janeiro de 2004

Page 3: Faculdade de economia de coimbra

Í N D I C E

Introdução ……………………………………………………………..... 1

Desenvolvimento ……………………………………………………. …3 Ficha de Leitura ………………………………………………… …...12 Página da Web ………………………………….……………………. 16 Conclusão ………………………………………………………………. 18 Referências Bibliográficas ……………………………….…...…20 Anexo 1 Texto de suporte da Ficha de Leitura

Anexo 2 Página da Web avaliada

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1

I N T R O D U Ç Ã O O tema que nos propomos desenvolver apresenta-nos, à partida, dificuldades

inerentes à contemporaneidade do assunto. Quando tentamos descobrir

ligações de interesse sociológico com o Euro-2004, elas são muito cinzentas,

como os artigos de jornais desportivos que transportam, em sim mesmos,

muita carga desportiva e duvidosas correlações com o social. Também

quando fazemos uma procura electrónica deparamos com o mesmo

problema: surge sempre muito desporto (resultados e análises desportivas) e

pouco relacionamento com as questões sociais, associado a muito ruído.

Quando tentamos filtrar o ruído com algumas pesquisas avançadas com

palavras-chaves, encontramos um silêncio perturbador quebrado unicamente

com um site.

Mas mesmo com as dificuldades acima descritas, encontrámos, tanto em

revistas semanais, como em jornais semanais electrónicos, e num diário

electrónico, alguns artigos interessantes, que julgamos darem um contributo

para uma visão alargada sobre a matéria versada.

Quanto à informação impressa, e com a ajuda do professor da cadeira Drº.

Paulo Peixoto, encontrámos um livro que aborda não o Euro-2004 mas sim o

Euro-1996 e o Euro-2000 e que se intitula “Portugal - A equipa de todos nós

- nacionalismo, futebol e média - a reprodução da nação nos jornais

desportivos”, de João Nuno Coelho, das Edições Afrontamento, de

Novembro de 2001, que nos vai servir para a Ficha de Leitura e como uma

pista para a elaboração do conteúdo do trabalho, assim como, a revista

francesa “Problèmes Économiques” nº 2763 que versa “L´argent du

football”.

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Nos dois motores de busca google.com e altavista.com, assim como no

metapesquisador Copernic, depois de fazermos uma pesquisa avançada com

os filtros “arguments” ou “about”, para tentarmos excluir a parte desportiva,

encontrámos um silêncio perturbador quebrado unicamente com um site:

“Razões de uma candidatura” da Federação Portuguesa de Futebol, tanto em

português como em inglês, o qual desenvolveremos na análise da página da

Web.

Começaremos por dizer que é com grande convicção, não só por o tema

futebol ser uma das nossas paixões, mas também por inquéritos que têm sido

feitos à população portuguesa, que pensamos que a grande maioria dos

portugueses, tanto na sociedade civil como na sociedade política, são a favor

do Euro-2004, mesmo que tenha alguns aspectos menos positivos ou custos

economicamente excessivos para o tamanho do país.

Aproveitaremos também a argumentação daqueles que são contra o Euro-

2004, não porque estão contra o acontecimento em si, mas porque estão

preocupados com os gastos que o evento assume, quando dizem eles que se

poderia gastar esse dinheiro noutros equipamentos sociais que o país tanto

necessita.

Julgamos que, com argumentos de prós e contra, teremos uma aproximação à

visão global do evento.

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3

D E S E N V O L V I M E N T O

Pode-se dizer que o Euro-2004 terá alguma semelhança com o evento Expo-

98 que tivemos ainda há poucos anos. Assim sendo, do nosso ponto de vista,

a sua realização será considerada igualmente como um desígnio nacional.

Simultaneamente, funcionará como um factor de coesão sócio-cultural e

como um factor importante de desenvolvimento sócio-económico que

passaremos a expor.

Tendo em atenção a frequência dos eventos, a uma cadência de seis anos

(Expo-98 a Euro-2004), os analistas de vários quadrantes profissionais, que

mais à frente citaremos, pensam que é viável e possível a sua realização, e

que servirá tanto para o desenvolvimento da economia, como para mais um

acrescento à nossa «identidade nacional» que ciclicamente anda muitas vezes

«na mó de baixo».

Se na organização dum grande evento sócio-cultural, como foi a Expo-98,

obtivemos um grande sucesso, mesmo que tenha havido algumas derrapagens

e uma ou outra coisa que tivesse funcionado menos bem, o que sobressai de

positivo é que passámos a imagem, para nós próprios e para o mundo, que

fomos e somos um povo que, apesar de vivermos num pequeno país «à beira

mar plantado», temos as mesmas capacidades dos que têm enormes recursos.

Isto é fundamental nos tempos sociais que correm, funcionando como um

incentivo para a população mais jovem que precisa de acreditar com força e

orgulho na sua condição de cidadão nacional (o problema do nacionalismo

versus a globalização) e, por outro lado, como um reconhecimento para a

população mais velha dos sonhos e de todo um trabalho que efectuou ao

longo dos anos e que tem neste evento, como teve na Expo-98, e noutros que

poderão surgir, a realização dos sonhos que acalentou.

Page 7: Faculdade de economia de coimbra

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Socialmente e historicamente, constatamos que “O facto de um país pequeno

ter protagonizado acontecimentos como as «descobertas» produziu orgulho

patriótico.” (Rosado & Faísca, 1999 in Coelho, 2001: 192), contribuindo

assim, positivamente para a construção da identidade que é a nossa, e que

podemos resumir como sendo a de um povo amante do seu patriotismo e da

sua liberdade, mas ao mesmo tempo cooperante com o mundo exterior, em

ideias e realizações.

Numa parte do artigo “O dinheiro do futebol”, de Patrick Mignon (2002),

director do laboratório de sociologia do desporto do Instituto Nacional dos

Desportos e Educação Física de França, transcrito na revista francesa

“problèmes économiques” nº 2763 de 29 de Maio de 2002, vemos como o

futebol tem importância na sociedade europeia:

“É um pouco a questão da passagem duma Europa económica para uma Europa política com o seu alargamento. O futebol tem desempenhado, nos diferentes Estados, um papel integrador, substituindo o espaço geográfico e político num espaço desportivo produtor à sua maneira de identidades, de solidariedade e mobilidade.” (Mignon, 2002: 6). (*)

Acrescenta ainda, que para o problema que se coloca à sociedade actual,

como seja a globalização, “O futebol reproduz, à sua maneira, as grandes

interrogações provocadas por o processo da mundialização”. (Mignon, 2002:

6).(∗)

Podemos então colocar as seguintes questões:

Porque não poderíamos organizar um grande evento desportivo como o Euro-

2004?

Será que o desporto merece uma consideração menor e que está desligado

duma cultura genuinamente nacional?

∗nossa tradução

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5

Para uma resposta às perguntas acabadas de referir aconselhamos a leitura de

alguns artigos que pesquisamos na Internet e em revistas e jornais mais ou

menos credíveis sobre a matéria. Para começar temos um pequeno artigo de

opinião “O futebol pode ser o grande salvador da democracia portuguesa”

de António Barreto (2002), que apesar do sarcasmo e pessimismo com que o

autor tenta descrever a sociedade portuguesa actual, e que em parte nós não

partilhamos, dá-nos uma imagem real do peso que tem o fenómeno futebol na

nossa, e noutras sociedades, que não se pode escamotear. Passamos a citar:

“Os desportos de massas atraem muito mais gente do que qualquer manifestação de carácter político. A organização dos desportos, especialmente do futebol, envolve mais afectos, mais interesse e mais sentimento de identificação do que a competição política.”

“A contribuição do futebol (eventualmente de outros desportos menores) para a paz entre os povos e os Estados é definitivamente superior à da política e à das Nações Unidas. O futebol realiza, com vantagem sobre a educação e a saúde, a articulação dos sectores público e privado. A contribuição financeira dos sócios e dos espectadores de futebol, assim como as receitas da publicidade e das televisões, é superior aos benefícios que os clubes recebem do erário público, o que revela uma invulgar saúde financeira. A participação do futebol no comércio externo e no turismo, através das vendas de jogadores, da exportação de desafios pela televisão e da organização de campeonatos de toda a espécie, é hoje muito significativa, superior a vários sectores tradicionais.”

“O futebol tem feito mais contra o racismo e pela integração de minorias, de imigrantes e de estrangeiros, do que qualquer programa de educação multicultural.”

E pode-se acrescentar, com algum pesar, que verifica-se que o elo mais

importante existente entre a comunidade nacional e as comunidades de

emigrantes espalhados por esse mundo fora são unicamente os média

especializados em desporto, com assuntos relacionados com o futebol

nacional à cabeça, seja protagonizado pelas várias equipas nacionais, como

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6

pelas selecções nacionais, que conseguem manter a ligação destas

comunidades com as suas raízes culturais. Temos o caso por o exemplo do

jornal desportivo «A BOLA», que é o jornal mais vendido e lido nas nossas

comunidades de emigrantes.

No aspecto económico, apesar de sermos a favor duma contenção de

despesas, temos uma opinião optimista da organização do Euro-2004, porque

o desenvolvimento que advém do investimento tanto privado, que é a maioria

(2/3), e do público (1/3), terá um retorno enorme. Será a marca

«PORTUGAL» a ser vendida com uma grande força no exterior, como

Alexandre Relvas (2002) nos explica no seu artigo publicado no jornal

Expresso:

“O número de telespectadores dos 32 jogos ultrapassará seguramente os 1000 milhões.”

“Num país em que as exportações representam mais de 30% do PIB, que recebe mais de 12 milhões de turistas que geram receitas cambiais superiores a 7500 milhões de euros e em que o investimento directo estrangeiro é decisivo para o desenvolvimento económico, é inaceitável que não se tenha uma imagem no exterior que reforce o conhecimento e a notoriedade do nosso país de forma que aquela, em lugar de ser um factor limitativo para a afirmação das empresas, contribua para potenciar a sua actividade. É pelo menos necessário dar a conhecer o que é hoje Portugal.”

“Neste quadro geral, a organização do Euro-2004 constitui uma oportunidade única que não se pode perder. A possibilidade de realizar acções de imagem dirigidas aos mais de 1000 milhões de telespectadores, só por si, vale centenas de milhões de euros.”

Acrescentamos ainda que a nível económico interno será um acontecimento

relevante principalmente para a indústria da construção civil e hoteleira, uma

vez que a candidatura à organização do Euro-2004 quebrou e atenuou um

clima de recessão nestes sectores, que se vinha a acentuar, com a chamada

«crise económica».

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O Euro-2004 dará uma mãozinha providencial à construção civil, sendo as

maiores empresas as beneficiárias. Não deixa porém de ser assinalável o

volume de mão de obra recrutado que se repercutirá no emprego e terá

reflexos na economia nacional.

Sabe-se que as empresas de construção civil e de hotelaria foram e serão as

mais beneficiadas. É o que podemos verificar num artigo de Jonatham Finer,

com base em acontecimentos idênticos, que foram realizados noutros países

em anos anteriores, onde se refere: “Mesmo que se suponha que haverá

alguns turistas a mais, somente um pequeno número de empresas locais,

como os hotéis, tirarão os grandes benefícios” (Finer, 2002: 15). (∗)

Ainda no mesmo artigo, e com base na experiência que a organização dos

jogos Olímpicos de Inverno em Salt Lake City, retiram-se umas análises

extremamente interessantes a nível económico (diferenciação entre o

comércio e a indústria) e social (comportamental), que citamos:

“Os estudos sobre Salt Lake City fazem pensar que muitos residentes saíram da cidade para escapar aos jogos Olímpicos desse Inverno, deixando certas empresas locais em dificuldade. E os adeptos que pagaram caríssimo os bilhetes o os hotéis serão menos gastadores que um turista médio. Segundo Porter, durante as grandes manifestações desportivas, as vendas de produtos caros como carros e aparelhos electrónicos passam por vezes uma estagnação, porque os adeptos compram T-shirts e não os Toyotas. Mesmo as atracções turísticas tradicionais são muitas vezes recusadas pelos adeptos que vêm sobretudo para ver o futebol. «Certas lojas trabalharão tão pouco que elas fariam melhor fechar durante um mês» diz Porter”. (Finer, 2002: 15). (∗)

Temos que ter também em conta que haverá investimentos, não só nos

estádios, mas também nas infra-estruturas adjacentes, assim como no

equipamento social das localidades abrangidas e não só. Várias localidades

periféricas aos estádios que se vão construir, como por exemplo a Figueira da

Foz e Mealhada na zona centro, Albufeira e Tavira na zona sul, Famalicão e ∗nossa tradução

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8

Vila do Conde na zona Norte, para não enumerar outras, serão beneficiadas

ou com infra-estruturas (estradas, melhorias nos centros de saúde e hospitais

etc…) ou com a rentabilização e aumento dos seus complexos turísticos, que

nessa altura ainda estariam num período de época baixa.

Do Jornal a Bola de 11 e 27 de Fevereiro de 2000 seleccionámos as seguintes

notícias sobre o 2004 para ilustrarmos o que referimos:

“União Europeia dá 49 milhões «A União Europeia vai contribuir com 49 milhões de contos, durante os próximos sete anos, para o desporto português. O dinheiro, cuja atribuição será controlada pelo Instituto Nacional do Desporto, destina-se maioritariamente à construção e melhoramento de infra-estruturas. Uma parte significativa será investida nos estádios do Euro-2004, mas também nos campos que servirão de apoio às selecções. É a primeira vez que a União Europeia destina uma verba para o desporto português. O dinheiro será repartido por regiões, de acordo com o seguinte plano: Norte, 17,3 milhões de contos; Centro, 12; Lisboa, 7,5; Alentejo, 3,5; Algarve, 8,1.»”

“Um milhão para a Saúde «...Famalicão prepara-se também no campo da saúde, para corresponder às exigências do Campeonato da Europa»; «…O Orçamento do Estado contemplou o município com um milhão de contos para serem gastos no Hospital S. João de Deus.»; «proporcionarão a muito breve prazo uma resposta efectiva às necessidades da população e uma melhoria da qualidade nos serviços»”

É preciso que se diga também que os projectos dos estádios não foram só

pensados apenas para o Euro-2004. Eles servirão, antes e depois da sua

realização, para outras finalidades (desportivas, comerciais, de lazer e de

trabalho) como o foi e está a ser a Expo-98.

Como dissemos na nossa introdução deste trabalho, também há alguns artigos

de opinião que achamos necessário referir para ter uma noção «grande

angular» dos acontecimentos sociais que nos rodeiam. Para ficarmos a saber

sobre o que se pensa em contrário, sobre o Euro-2004, referimos também

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algumas opiniões que não deixam de levantar alguns problemas relevantes

para a construção duma análise sobre o evento.

Assim, começaremos por a opinião de Carlos Cáceres Monteiro (2002), que

nos diz:

“Os novos estádios de futebol, no essencial, deviam custar 78 milhões. Feitas as contas às derrapagens, aos extras, os municípios envolvidos no Euro já vão nos 121 milhões de contos (603.3 milhões de euros).”

“Se para o Europeu são suficientes seis estádios, porque é que estão a ser construídos dez?”

“Um País com graves problemas de acessibilidades, que tem escolas pré-fabricadas e mal equipadas, falta de hospitais, não tem dinheiro para pagar subsídios de risco aos polícias, etc, desbarata dinheiro e energias a construir estádios? Com derrapagens de custos?!”.

Na mesma revista, Pedro Norton (2002) escreveu o seguinte:

“O Euro 2004 vai deixar dez faraónicos estádios de futebol (quatro deles a meia dúzia de metros do estádio mais próximo), destinados a ser usados, de quinze em quinze dias, por clubes que não têm dinheiro para mandar cantar um cego, e que há muito vivem à pala do Estado”.

Podemos constatar, nas referências acima descritas da revista VISÃO, que a

crítica em relação à intenção da realização do campeonato Europeu de 2004

no nosso país abrange diferentes áreas, nomeadamente nos aspectos

económico, social e político.

Na área económica, todos os indicadores demonstram que somos, no

contexto europeu, uma economia fraca.

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Na área social, somos uma sociedade que ainda busca um ponto de equilíbrio,

a relação existente entre a norma social e a sua prática é assustadoramente

antagónica.

Na área política, embora custe a admiti-lo, somos um estado que poderemos

designar por «garnisé», isto é, óptimas intenções, péssimas acções. Ou

melhor, cantamos, pomos alguns ovos, mas não temos envergadura física

para saciar ninguém.

Para uma demonstração da posição “contra” mais completa, transcrevemos o

editorial 1 do Diário de Notícias de 1 de Fevereiro de 2002, assinado pelo

jornalista António Ribeiro Ferreira, com o título “Saga Lusa”:

“O Euro 2004, o tal que foi apresentado aos portugueses como um desígnio nacional, já é um enorme espectáculo, ainda sem artistas da bola nos relvados e multidões nas bancadas. O rigor anunciado e reafirmado nas contas das obras dos dez novos estádios é uma miragem igual a tantas outras em que Portugal é useiro e vezeiro. Só mesmo os incautos poderiam acreditar que os números avançados pelo governo iriam ter alguma semelhança com a realidade. Um pouco por todo o lado, do Minho ao Algarve, as palavras de ordem são derrapagem, fardo e pesada herança. Em Lisboa, para dar mais sal a uma farsa que ainda agora começou, há a tragédia de um clube, o Benfica, que se mete num investimento de milhões com base em compromissos verbais de milhões e prédios para rendimento, na certeza bem lusitana de que ninguém, da câmara ao governo, terá algum dia coragem política para negar o pagamento de uma obra que já começou e não pode parar, em nome de muitos votos e do tal desígnio nacional. E como vivemos numa ampla democracia, é natural que os donos dos outros nove estádios acompanhem com interesse o desenrolar da tragédia lisboeta para, de imediato, exigirem exactamente o mesmo aos generosos gestores do dinheiro de todos nós. De desgraça em desgraça, vão seguir-se comissões de inquérito parlamentares, denúncias ao Ministério Público, investigações da judiciária, detenções de alguns larápios de areia e muitas lágrimas de orgulho nacional quando o Euro der o primeiro pontapé nas Antas. A seguir ao Euro, com muitos milhões em muitos bolsos, virá o elogio da obra feita, a maravilha de Portugal ter estádios como os seus parceiros mais desenvolvidos da Europa, a crítica aos críticos

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que ousaram falar no desperdício, as prosas laudatórias sobre os benefícios para o futebol, o desporto em geral e, claro, para a juventude, uma das eternas destinatárias dos desmandos caríssimos praticados pelos adultos. Foi assim com Centro Cultural de Belém, com a Expo’98, será assim com o já famigerado Euro 2004. É a saga lusa no seu melhor, escrita a cor-de-rosa ou laranja. Todas diferentes, todas iguais.”

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F I C H A D E L E I T U R A

João Nuno Coelho ao escrever o livro “Portugal - A equipa de todos nós –

nacionalismo, futebol e média – a reprodução da nação nos jornais

desportivos”, das edições Afrontamento, de Novembro de 2001, o qual

ganhou o prémio CES – Jovens Cientistas Sociais de Língua Oficial

Portuguesa, tenta dar-nos mais uma ideia, e bem, de “como se forma e

reproduz a identidade nacional?” (Coelho, 2001: 17).

Diz-nos que, na sua investigação sociológica, teve que ter em conta duas

dimensões de carácter pessoal ao ser “português e adepto de futebol”

(Coelho, 2001: 17). Mas para este autor a Sociologia é:

“…antes e acima de tudo, uma forma de pensar, de interrogar o mundo. A Sociologia, muito mais que uma disciplina, um ramo de saber, ou um conjunto de conhecimentos, métodos e resultados, é um ponto de partida para se olhar aquilo que se passa à nossa frente, à nossa volta e principalmente aquilo que se passa connosco”. (Coelho, 2001: 17).

Para o nosso trabalho, esta ficha de leitura serviu para a constatação de como

os média desportivos têm um peso significativo, que por vezes é positivo,

mas outras vezes não, na formação da opinião pública e, nomeadamente,

através do «desporto rei» que é o futebol.

Ao analisarmos os capítulos 5 e 6 da parte III do livro – a selecção nacional

em “A BOLA” (1945-1965) e a produção discursiva da unidade:

caracterização; estilos; mitos e valores nacionais, verifica-se, no capítulo 5,

que o autor explica como existe uma contradição nos média desportivos,

nomeadamente no jornal «A BOLA». Como refere, os redactores do jornal

propagam uma «neutralidade» ao poder político e «pureza» do fenómeno

desportivo, mas por vezes os seus artigos são altamente partidarizados, como

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no caso do «Totonegócio», em que os mesmos redactores do jornal não

deixaram de transmitir uma posição política contra o poder político da altura,

o qual propunha à Assembleia da República um acordo económico e social

com os clubes de futebol para resolução dos problemas que se vêm

arrastando ao longo dos anos e que provocam um passivo enorme para os

clubes. Passaram vários governos, de várias correntes políticas, durante os

últimos anos, que não quiseram fazer ou não souberam fazer um protocolo

económico e fiscal com os clubes de futebol, como contrapartida sobre os

custos que os clubes têm na captação e formação das camadas jovens e para

os quais o Estado não dá alternativa nenhuma.

No jornal «A BOLA» chegou-se ao ponto de criar-se uma ligação entre o

«Totonegócio» e os maus resultados da selecção nacional no campeonato

europeu de 1996 em Inglaterra, devido ao aproveitamento do futebol pelo

poder político da altura. Sabemos que o futebol é considerado como um

fenómeno social, logo advém-lhe os mesmos problemas que aos outros

fenómenos sociais deste mundo. Ele é composto pelo factor humano que

transporta em si “variadas dimensões – espectáculo, jogo, entretenimento,

cultura, etc.” e como é “bastante complexo, dados os investimentos

simbólicos que estimula e suscita” (Coelho, 2001: 171) não se compreende o

porquê da admiração da ligação entre o político e desporto e, nomeadamente,

“como se recusam, nos media, de forma unânime e contundente, as relações

de interacção e interdependência entre os interesses e domínios políticos e

económicos, por um lado, e os desportivos, por outro.” (Coelho, 2001: 171)

Ainda no capítulo 5, o autor analisa também o conceito transmitido pelos

media desportivos no que respeita ao fenómeno social que é o nacionalismo.

Na sua opinião há uma tendência geral para os jornalistas da «A BOLA»

continuamente apelarem à nação e à identidade nacional, através dos seus

artigos de opinião, seja a propósito de que tema for, ao referirem

continuadamente as frases «família portuguesa» ou «família lusitana». Como

afirma o autor, pode-se dizer que:

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“A linguagem fala por nós mais do que nós a falamos. É realmente pela aquisição da linguagem que nos tornamos seres humanos e sociais: as palavras que dizemos situam-nos sempre, seja em termos de classe, de nacionalidade, de sexo. Como prática significante e de representação, a linguagem transforma o sujeito em ser social, por isso a identidade é construída na linguagem e através da linguagem” (Coelho, 2001: 177).

Poderemos interpretar este chamamento ao nacionalismo, por parte dos

jornalistas desportivos nesta «altura do campeonato», como um sentir das

vontades da população, contra à integração cada vez maior na Europa

(económica, social e cultural).

Em jornais como «A BOLA» verifica-se que “O patriotismo como valor

fundamental, resistente às tendências da integração europeia, conotada com o

domínio do «poder» e da «psicose» do dinheiro, que afirma a suprema

importância das nacionalidades e das pátrias, é aqui claramente celebrado”

(Coelho, 2001: 179).

Acrescentamos ao texto de João Nuno Coelho uma citação que encontrámos,

sobre o «fenómeno» crescente dos nacionalismos na Europa, em que se

verifica que quanto mais a globalização se desenvolve, a todos os níveis

(económico, desportivo e cultural), assiste-se a uma reacção social contrária,

com uma “eclosão de movimentos nacionalistas a que não servem as pautas

eurocêntricas dos séculos XIX-XX e que cultiva a diferença e o

particularismo, em prol do entendimento multicultural.” (Dicionário de

Sociologia, 2002: 260).

No capítulo 6 do mesmo livro, o Euro-2000 é usado para ilustrar que “Não é

novidade de grande monta, de uma forma geral, o tipo de reacções dos media

aos comportamentos desportivos das representações nacionais de futebol

subordina-se a uma «tirania dos resultados» ” (Coelho, 2001: 170). Isto é

patente na influência que um resultado desportivo tem, como a reviravolta do

resultado com a selecção inglesa, em que ganhámos, mais a influência dos

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média desportivos, que fez despoletar um interesse fora do usual por parte da

população residente neste «cantinho à beira mar plantado» acrescentado pela

“alguma emotividade patriótica «extra»: a presença massiva e empenhada dos

emigrantes portugueses no apoio à equipa nacional, vivendo, estes, um

período especialmente positivo na celebração da sua identidade «nacional»”

(Coelho, 2001, 183).

Viu-se assim, que o interesse enorme que teve o Euro-2000 na população

portuguesa foi:

“Talvez a crescente mediatização do fenómeno futebol tenha contribuído para essa realidade, ou talvez tenha sido a expectativa de ver a «geração de ouro» desfrutar de mais uma (das últimas) oportunidades de afirmar a sua qualidade competitiva, para juntar à sua evidente competência futebolística, mas a verdade é que o «Europeu» tomou completamente conta do país, atingindo também, intensamente, pessoas que habitualmente não prestam atenção aos desenvolvimentos do futebol, aqueles que até dizem não gostar deste jogo” (Coelho, 2001, 182).

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P Á G I N A D A W E B No site da página da Internet, da responsabilidade da Federação Portuguesa

de Futebol (2002) sobre o EURO-2004, “Razões de uma Candidatura”,

constata-se que a página está muito bem estudada e arquitectada. É composta

por uma parte introdutória que explica o porquê da organização, e a seguir

com um desenvolvimento esclarecedor sobre os inúmeros factores que levam

à organização de tal evento, como por exemplo, as características naturais

positivas que o país possui.

Na parte introdutória explica-se como se desenvolveu a candidatura de tal

evento. Esta resultou da conjugação de vários vectores: a forte vontade da

estrutura que super entende o futebol em Portugal (Federação Portuguesa de

Futebol); o Estado, através do empenhamento do governo; a sociedade civil,

demonstrando através de sondagens feitas, uma significativa percentagem de

adeptos que apoiam tal realização; e o apoio inequívoco de todas as forças

politicas, em declarações públicas, a elogiar tal realização, o que é raro no

nosso país.

Aparece, a seguir, o desenvolvimento, e nele se realça a construção de dez

novos estádios modernos, com todas as normas de segurança e comodidades

para os utentes, com as suas estruturas complementares adjacentes, ao nível

do que melhor existe no mundo. Relata-nos a história do futebol em Portugal

e a sua tradição internacional, assim como a paixão que o povo português tem

pelo futebol. É um sentimento que corre transversalmente todas as idades e

classes sociais, o qual reforça a aposta feita no seu investimento e que será

aproveitado pelas novas gerações. Estes investimentos serão aplicados a

todos os níveis: como estruturas desportivas, estradas, portos, aeroportos e

caminhos-de-ferro.

Page 20: Faculdade de economia de coimbra

17

De seguida descreve Portugal como um país europeu moderno em que a

economia está em progresso, a qual irá possibilitar uma atracção de

investidores estrangeiros, aliada a uma calma social que se associa a uma

baixa criminalidade e à inexistência de violência nos recintos desportivos,

que, conjuntamente com as óptimas infra-estruturas de turismo e de lazer,

comparáveis às dos países mais desenvolvidos, e não esquecendo a

tradicional hospitalidade do povo português, reconhecida em todo o mundo,

resumem um conjunto de razões que justificam que a fase final do

Campeonato Europeu de Futebol de 2004 seja realizada em Portugal.

A página não se esquece de fornecer informação adicional, ao transcrever as

mensagens de apoio do Presidente da República e do Primeiro-Ministro de

Portugal, com a finalidade de demonstrar que tanto o país político como o

civil está unido em torno da realização do «Euro-2004».

Page 21: Faculdade de economia de coimbra

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C O N C L U S Ã O De tudo o que escrevemos poderemos tirar uma ilação: o futebol e tudo que

rodeia, como por exemplo a organização do Euro-2004, movimenta imenso

dinheiro, associado a muitos lobys sectoriais, os quais estão interessados no

fenómeno desportivo, que é o futebol, não pelo desporto em si, mas

unicamente com o objectivo de conseguirem mais lucros para as suas

empresas, esquecendo-se da parte principal, que é a desportiva, e que será a

mais importante para a sociedade, devido ao contributo que dá à formação

saudável dos indivíduos. Como se costuma dizer “mente sã em corpo são” é

fundamental para a formação e comportamento equilibrado do indivíduo em

sociedade.

A realização do Euro-2004 em Portugal será benéfica para o país porque será

um estímulo muito positivo para as camadas jovens, que sentirão como que

um chamamento para a prática do desporto, neste caso o futebol, o que

contribuirá fortemente para a sua formação física e cívica, deixando

porventura, outros comportamentos de risco.

Pelo lado económico, teremos, como país, todo o interesse, porque será a

imagem de Portugal a ser transmitida através das grandes empresas

internacionais, para todo o mundo. As cadeias de televisão a pagar bem aos

organizadores, assim como, algumas instituições financeiras, portuguesas e

estrangeiras, a investirem bastante na publicidade, porque sabem que os

lucros irão aumentar consideravelmente com o fenómeno social, que é o

futebol. Serão também os ganhos do sector hoteleiro, que verão as suas taxas

de ocupação aumentarem e os lucros das empresas de construção civil a

crescerem, por consequência será o desemprego, senão a diminuir pelo

menos a estabilizar.

O Euro-2004 poderá ser uma ocasião rara de publicidade para potenciais

investidores estrangeiros virem a investir futuramente no nosso país.

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E para aqueles que criticam o acontecimento, poríamos a seguinte questão:

Será que os montantes gastos no Euro-2004 seriam gastos em obras de cariz

social se o Euro-2004 não se realizasse?

Verificamos, também, que ultimamente as criticas sobre a construção dos

estádios diminuíram e quando eles foram inaugurados, por vezes com alguma

pompa e circunstância, a população aficionada e não só aderiu em massa.

Este fenómeno reforça o que dissemos de início deste trabalho: Portugal

precisa apesar de com algum sacrifício construir acontecimentos que o

promovam, tanto a nível externo, como interno para a consolidação da sua

identidade da “era moderna”, depois do trauma que foi, ter perdido a sua

identidade “imperial” com a perda das ex-colónias.

Observamos nos média que a organização do Euro-2004 aparece sempre

como “um desígnio nacional”, e isso traduz-se da seguinte maneira: “temos

paixão”, “temos um sonho” e “temos ambição”.

Vamos para a frente com esse objectivo nacional desportivo e cultural que é

o Euro-2004, porque na nossa modesta opinião, eventos como este, serão as

“descobertas” dos tempos modernos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS Barreto, António (2002), “O futebol pode ser o grande salvador da democracia portuguesa”. Página consultada em 20/04/2002, disponível em «http://www.portugaldiario.iol.pt». Coelho, João Nuno (2001), Portugal a Equipa de Todos Nós - Nacionalismo, Futebol e Média. Porto: Edições Afrontamento. Dicionário de Sociologia (2002), “Nacionalismo”. Porto: Porto Editora, p.260. Federação Portuguesa de Futebol (2002), “Razões duma Candidatura”. Página consultada em 23/11/2003, disponível em «www.fpf.pt/euro2004/razões.html» Ferreira, António Ribeiro (2002), “Saga Lusa”. Diário de Notícias de 1 de Fevereiro, editorial 1, pp.2. Finer, Jonathan (2002), «Incertitude sur les retombées économiques». Problèmes économiques, 2763, 15. Mignon, Patrick (2002), «La rationalisation économique: vertu ou danger.» Problèmes économiques, 2763, 6. Monteiro, Carlos Cáceres (2002), “Comentário «os estádios»”. VISÃO nº 466 de 7 de Fevereiro, pp.40. Norton, Pedro (2002), VISÃO, 28 de Fevereiro, pp. 38. Relvas, Alexandre (2002), “Artigo de opinião”. Página consultada em 31/03/2002, disponível em «www.expressoneline.pt»

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Anexo - 1

Texto de suporte da Ficha de Leitura

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Anexo - 2

Página da Web avaliada