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1 FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS, ADMINISTRATIVAS E CONTÁBEIS DE FRANCA FACEF RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA E NEOLIBERALISMO, NO BRASIL CONTEMPORÂNEO. ELVISNEY APARECIDO ALVES FRANCA 2000

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1

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS,

ADMINISTRATIVAS E CONTÁBEIS DE FRANCA

FACEF

RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA E

NEOLIBERALISMO, NO BRASIL CONTEMPORÂNEO.

ELVISNEY APARECIDO ALVES

FRANCA 2000

2

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS,

ADMINISTRATIVAS E CONTÁBEIS DE FRANCA

FACEF

RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA E

NEOLIBERALISMO, NO BRASIL CONTEMPORÂNEO.

Elvisney Aparecido Alves

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, para obtenção do título de Mestre em Administração, área de concentração Gestão Empresarial, sob orientação do Prof. Dr. Jorge Luis Cammarano Gonzáles.

FRANCA 2000

3

Alves, Elvisney Aparecido A478r Responsabilidade social da empresa e a hegemonia do pensamento

econômico neoliberal: o caso brasileiro no final do século XX/Elvisney Aparecido Alves. – Franca: 2000.

147 p. Orientador: Jorge Luis Cammarano Gonzáles Dissertação de Mestrado – FACEF Programa de Mestrado em Gestão Empresarial 1. Adiministração de empresas – Princípios. 2. Empresa –

Responsabilidade social – Brasil. 3. Economia – Neoliberalismo. 4. Estado – Função. 5. Capital – Conflito social.

CDD 658.408

4

Banca Examinadora:

Presidente: __________________________________________ Prof. Dr. Jorge Luis Cammarano Gonzáles

Membro: _______________________________________

Prof. Dr. Paulo de Tarso Oliveira

Membro: _______________________________________

Prof. Dr. Newton Paulo Bueno (UFV)

5

À Sandra e à Luana com amor.

À minha mãe e avôs maternos que souberam me

educar sob a égide da moral da integridade.

Aos verdadeiros amigos.

A Deus muito obrigado pela consciência que sou.

6

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a todos as pessoas que direta ou indiretamente me

auxiliaram nesta caminhada, principalmente, os que debateram formal ou informalmente

comigo este tema tão desafiador.

Ao professor Hélio Braga Filho pela presteza em ter cedido gentilmente

vários livros de sua biblioteca, bem como, todos aqueles que me trouxeram livros, artigos e

materiais diversos sobre o assunto, em especial, o professor Augusto Aparecido Mazier.

Por último, não menos importante, ao contrário, agradeço ao professor Dr.

Jorge Luis Cammarano Gonzáles que me orientou neste projeto. Em todos os momentos

me atendeu com extrema eficiência e eficácia, nas leituras e nas respostas contributivas ao

desenvolvimento desta dissertação. Sempre me incentivou no caminho. Muitos dos que

vemos são apenas bons professores, no entanto, posso afirmar com segurança que sua

postura, capacidade, compreensão e qualidade humana o tornam o verdadeiro mestre que é.

7

“Um ser superior pensa no que é correto.

Um ser inferior só pensa no que é lucrativo.”

Confúcio

“Difícil não é fazer o que é certo,

É descobrir o que é certo fazer.”

Srour

“A integridade não é uma fórmula mágica de prevenção,

uma inoculação contra dilemas éticos. É o sentido da integridade

pessoal que nos permite navegar pelas águas traiçoeiras desses

dilemas, e, embora, não seja garantia de sucesso, não pode haver

êxito sem ela (...) A integridade é o oposto de usar as pessoas para

fins exclusivos, mas é também ser claro sobre quais são nossos

verdadeiros fins (...) O que cada um diz é bem menos

importante do que cada um faz.”

Solomon

8

ÍNDICE

INTRODUÇÃO............................................................................................................................................... 12 1 A IDEOLOGIA ECONÔMICA NEOLIBERAL E A FUNÇÃO SOCIAL DAS EMPRESAS................... 16

1.1 O ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL: ASCENSÃO E ESGOTAMENTO............................... 16 1.1.1 Keynes e o papel do Estado............................................................................................................ 17 1.1.2 O pós-guerra e os anos de ouro....................................................................................................... 20 1.1.3 Os duros anos das décadas de 70 e 80 ............................................................................................ 24 1.1.4 As contribuições da Dama de Ferro................................................................................................ 30

1.2 OS VALORES ECONÔMICOS DO NEOLIBERALISMO........................................................... 32 1.2.1 Os ideais econômicos do liberalismo clássico: Adam Smith.......................................................... 33 1.2.2 As contribuições de Hayek ............................................................................................................. 36 1.2.3 As contribuições de Friedman ........................................................................................................ 41

1.3 AS FUNÇÕES DO ESTADO NEOLIBERAL ..................................................................................... 44 1.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA ................................................................................................. 48

2 DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA....................................................... 56 2.1 UM SISTEMA ABERTO E GLOBALIZADO..................................................................................... 57 2.2 A EMPRESA SOCIALMENTE RESPONSÁVEL............................................................................... 63

2.2.1 A concepção ideológica da sociedade capitalista ........................................................................... 67 2.2.2 O fundamento econômico da empresa............................................................................................ 70 2.2.3 A gestão profissional da empresa ................................................................................................... 74 2.2.4 O ordenamento institucional da sociedade ..................................................................................... 76 2.2.5 Os valores sociais do homem: a moral e a ética ............................................................................. 79

3 RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA NO BRASIL................................................................ 83 3.1 O IMPACTO DO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO...................................................................... 83 3.2 DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA, NO CASO BRASILEIRO .... 86

3.2.1 A concepção ideológica da sociedade capitalista ........................................................................... 88 3.2.2 O fundamento econômico da empresa............................................................................................ 92 3.2.3 A gestão profissional da empresa no Brasil.................................................................................. 102 3.2.4 O ordenamento institucional da sociedade brasileira.................................................................... 107 3.2.5 Os valores sociais do homem brasileiro: a moral e a ética ........................................................... 112

4 LIMITES DA EFICÁCIA DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA .................................. 119 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 136 Referências Bibliográficas............................................................................................................................. 143

9

Resumo

A responsabilidade social das empresas é um tema que surgiu no final do

século passado, no entanto, somente na década de cinqüenta começa a ganhar destaque

mundial e chega ao país no final da década de setenta. Devido às condições conjunturais da

economia nacional pouca atenção social lhe foi reservada, ao longo dos anos oitenta. A

partir da década de noventa, simultaneamente, ao domínio da ideologia econômica

neoliberal no país, a responsabilidade social das empresas vai se tornando um tema de

relevante interesse, principalmente, nos últimos três anos desta década. Embora, a

tradicional ideologia econômica neoliberal se posicione contrária a qualquer tipo de

obrigação social por parte das empresas, sua ação social se manifesta crescentemente no

país. As causas deste fenômeno encontram explicação no movimento dialético das forças

que regem o modo de produção capitalista frente às necessidades sociais surgidas de dentro

do espectro de cinco dimensões. No país, este movimento vai sendo potencializado pelo

domínio, cada vez maior, das forças do livre mercado dado pela reestruturação produtiva,

nos moldes do processo da mundialização e globalização do capital. A importância da

colaboração social das empresas é louvável, mas sua contribuição para a solução final dos

males sociais, criados pelo próprio sistema capitalista, encontra nele mesmo suas

limitações. Um embate vigoroso se dá no âmbito da sociedade, na construção de uma

empresa realmente cidadã e atuante. Um dilema social se interpõe no seio da moral

capitalista, afetando a estrutura das funções da célula produtiva. Coordenar esta ação social

de forma eficaz, certamente, não é tarefa para o mercado e sua mão-invisível.

10

Abstract

The social responsibility of the enterprises is an issue that was first arisen at

the end of the last century. However it was only in the 50’s that it started to gain world-

wide note and reached our country at the end of the 70’s. Due to the circumstantial

conditions of the Brazilian economy little social attention was given along the 80’s.

Starting in the 90’s, simultaneously to the dominion of the neoliberal economic ideology in

Brazil, the social responsibility becomes an issue of relevant interest, mainly in the last

three years of the current decade. Although the traditional economic ideology does not bear

any kind of the enterprises’ social obligations, their social actions are being more and

mores displayed in the country. The reasons for this phenomenon can be explained through

the dialectic movement of the actors who command the capitalist production way opposed

to the social needs arisen from inside the five-dimension spectrum. In our country, this

movement is becoming stronger by the increasing supremacy of the free-market forces

occurred due to the productive reorganization, following the patterns of the capital

globalization. The importance of the social participation of the enterprises is laudable, but

their contribution for the final solution of the social problems, originated by the capitalist

system, is limited by the system itself. A vigorous struggle takes place in the very heart of

the society for the construction of real socially active enterprises. A social dilemma

interposes itself in the capitalist moral, affecting the structure of the functions of the

produce organizations. The effective coordination of this social action certainly is not a

task for the market and its invisible hand.

11

Resume

La responsabilidad social de las empresas es un tema que apreció en el final

del siglo pasado, todavía, solamente en la decada de cincuenta empieza a ganar destaque

mundial y llega as país en el final de la decada de setenta. Debido las condiciones del

conjunto de la economía nacional poca atención social les fue reservada, al largo de los

años ochenta. A partir de la decada de noventa, simultáneamente, al dominio de la

ideología económica neoliberal en el país, la responsabilidad social de las empresas

tornándose un tema de relevante interés, principalmente, en los últimos tres años de esta

decada. Todavía, la tradicional ideología económica neoliberal se pone al contrario a

cualquier tipo de obligación social por parte de las empresas, su acción social manifiesta

creciente en el país. Las causas de este fenómeno encuentran explicación en el movimiento

dialéctico de las fuerzas que rigen el modo de la producción capitalista frente a las

necesidades sociales surgidas de dentro de el espectro de cinco dimensiones. En el país,

este movimiento potencialización por el dominio, cada vez mayor de las fuerzas del libre

mercado dado por la reestructuración productiva, en los moldes del proceso de la

globalización del capital. La importancia de la colaboración social de las empresas es

admirable, pero la contribución para la solución final de los males sociales, creados por el

propio sistema capitalista, encuentra en él mismo sus limitaciones. Un embate vigoroso

ocurre en el ámbito de la sociedad, en la construcción de una empresa realmente ciudadana

y actuante. Un dilema social interpone en el medio de la moral capitalista atinando la

estructura de las funciones de la célula productiva. Coordinar esta acción social con

eficacia ciertamente, no es tarea para el mercado y su mano invisible.

12

INTRODUÇÃO O presente estudo tem por finalidade a análise da hegemonia econômica

neoliberal e seus impactos na gestão empresarial privada do capital sob a ótica da

responsabilidade social das empresas.

É possível observar que o processo de globalização das economias

mundiais, ancorado em inovações tecnológicas e na abertura dos mercados, está

produzindo uma verdadeira revolução nos aspectos mais diversos da vida social, cultural,

econômica e política dos indivíduos e de suas inúmeras coletividades chamadas de

Estados-Nação. Considero que a denominada responsabilidade social das empresas

representa mais um destes aspectos que ora se manifestam.

Centrando esta investigação a partir das atuais relações econômicas

hegemônicas, pode parecer contraditório falar das responsabilidades sociais do setor

privado capitalista. Entretanto, a análise do processo de participação socialmente

responsável deste setor merece ser avaliada e, neste caso, o caminho adotado é o da

pesquisa teórica.

A responsabilidade social das empresas no Brasil é um tema relativamente

pouco explorado pela grande parte das próprias empresas e, até mesmo, do ponto de vista

da produção acadêmica em nosso país, podemos considerar que somente recentemente

passou-se a dar algum destaque específico para esta temática. Porém, é flagrante que este

aspecto empresarial vem ganhando, com certa rapidez, cada vez mais importância em

nossa sociedade.

O fortalecimento da democracia e de suas instituições civis só está

favorecendo o aprofundamento do exercício responsável da cidadania, o qual acaba por

impulsionar novas exigências à mentalidade empresarial capitalista. Surge uma noção que

passa a fazer referência e, por que não dizer, qualificar e distinguir as organizações

produtivas enquanto empresas “comuns” ou “empresas-cidadãs”. Este conceito está sendo

paulatinamente absorvido pela mentalidade empresarial e pelos modelos de gestão destas

organizações.

Então, poderíamos nos perguntar: A responsabilidade social das empresas

privadas é expressão das necessidades da própria mentalidade capitalista dominante, do

neoliberalismo econômico? Que elementos possibilitariam a explicação deste processo e

suas relações?

13

De imediato, é preciso termos em mente que numa sociedade capitalista

qualquer, ainda que seja menos injusta, do ponto de vista econômico, necessariamente,

devemos considerar que os interesses econômicos dos próprios agentes sociais é que estão

em jogo. Por outro lado, de nada adiantaria progresso, eficácia e produtividade em

abundância nas organizações produtivas, se o mercado não estiver à altura das

necessidades de demanda do sistema capitalista, pior ainda, se tais empresas estiverem

cercadas por tensões sociais que coloquem em risco a sua própria existência.

A atual ideologia econômica dominante, fruto de um movimento histórico

que recentemente ganhou contornos hegemônicos a nível mundial, reconduz ao antigo

ideal do liberalismo econômico clássico do Estado mínimo, bem porque, o modelo de

acumulação de capital garantido pelas políticas de déficits do Estado se esgotou. O próprio

Estado sequer se mostra à altura para enfrentar os novos desafios e vê seu poder se

esvaindo, ao mesmo tempo, em que cresce o poder das grandes organizações

transnacionais.

Na medida em que o Estado se desmonta para favorecer as necessidades

econômicas e ideológicas do capital globalizado, numa nova etapa da organização social

humana, vai se criando um vácuo nas relações de serviços às classes sociais mais carentes

economicamente. Aos poucos está ficando perceptível que o Estado que ai está não poderá

arcar sozinho com a responsabilidade social pelo bem-estar do cidadão comum, desprovido

de instrumentos econômicos privados que lhe permitam uma sobrevivência digna ou, pelo

menos, razoável.

Um caminho alternativo que se desenha está indicando uma necessidade

crescente da conscientização e participação de toda a sociedade, inclusive, das empresas

privadas, diante das preocupações com o social. Estas novas responsabilidades sociais que

se agigantam na direção das empresas, questionando seus antigos valores, exigem uma

nova forma de gestão empresarial. Algumas empresas se apercebem disto e de suas

conseqüências, outras não. No futuro, as empresas que souberem lidar com o trato de suas

responsabilidades sociais terão maiores chances de sucesso.

Seria ingenuidade acreditarmos que o livre mercado por si só promoveria a

melhor distribuição da riqueza material e o bem-estar entre os homens, embora, do ponto

de vista econômico, é compreensível a noção de que a suposta “mão invisível” do mercado

seja um elemento harmônico dos egoísmos individualistas contrapostos. No entanto, esse

fato não implica que no campo da justiça social aconteça a mesma coisa.

14

Visando contribuir para a análise teórica deste processo histórico e suas

possíveis implicações, a presente dissertação focada nas relações contraditórias da

sociedade capitalista, fruto do seu modo de acumulação e apropriação da riqueza,

procurará fazer um embate teórico do interesse puramente econômico inerente à sociedade

capitalista frente às suas responsabilidades sociais.

Ao explorar tais relações conflituosas procurarei expor a análise em três

grandes blocos de idéias distintos e articulados, a saber:

1 – No primeiro bloco, contextualizar a ascensão e a hegemonia econômica

neoliberal como elemento histórico catalisador da mudança de valores econômicos

contrapostos a percepção da função social responsável pelas empresas, paralelamente, a

análise do esgotamento dos ideais do papel social desempenhado pelo Estado do bem-estar

social (Welfare State ou Estado previdenciário);

2 – No segundo bloco, desvendar para o caso brasileiro as causas da postura

das empresas quanto às suas responsabilidades sociais, diante da consciência material do

homem, no período atual de domínio da visão econômica neoliberal;

3 - No terceiro e último bloco, avaliar a partir da natureza do sistema

capitalista e do papel das empresas privadas dentro deste, os seus limites internos quanto à

eficácia da gestão da responsabilidade social pela iniciativa privada.

Ao elaborar esta análise procuro elementos capazes de apoiar a percepção

de que o interesse puramente econômico sempre se sobreporá às responsabilidades sociais,

limitando a atuação das empresas àquelas atividades estritamente necessárias à manutenção

e expansão de sua atividade empresarial, de tal forma que somente existe consciência das

responsabilidades sociais pela empresa dentro das dimensões do domínio de interesses

econômicos. Assim, trata-se de argumentar, no sentido de buscar comprovação, acerca do

domínio da visão econômica neoliberal contraposta a incorporação da responsabilidade

social nos modos de gestão empresarial, na perspectiva de efetivação de um novo

paradigma organizacional.

É possível avaliar em que sentido o sistema capitalista cria barreiras à

eficácia das ações empresariais, limitando a relevância da atuação destas organizações

produtivas do ponto de vista das suas responsabilidades sociais. Desta forma, propor-se a

problematização de que o espírito capitalista, isoladamente, não é elemento capaz de

promover a construção de uma sociedade mais equânime do ponto de vista das

necessidades econômicas dos indivíduos, ainda que, o neoliberalismo defenda um

15

equilíbrio automático do bem-estar social pela via do mercado e apesar desta ação

embrionária de responsabilidade social assumida pelas empresas.

Em suma, busca-se a elaboração de uma análise crítica sobre os objetivos

das políticas sociais implementadas pela gestão empresarial capitalista, como instrumentos

utilizados estrategicamente, para promoverem a intervenção nas relações de conflito social

que cada vez mais são potencializadas pelo próprio sistema. Desta forma, podemos passar

à elaboração específica dos objetivos propostos diante da estrutura pensada.

16

1 A IDEOLOGIA ECONÔMICA NEOLIBERAL E A FUNÇÃO

SOCIAL DAS EMPRESAS

O duro golpe da recessão econômica mundial que se iniciou com a quebra

da bolsa de NY, em 1929, período da Grande Depressão, possibilitou para os setores da

economia e da política mundial a compreensão de que o sistema econômico com ênfase

demasiada no liberalismo e na crença do automático equilíbrio do mercado pela ação da

sua “mão-invisível” não era de todo benigno.

Restou apenas a sensação de vulnerabilidade do sistema econômico diante

da grave crise provocada pela escalada da especulação financeira no mercado de ações

americano. Ao analisar a saída deste processo, afirma Galbraith1, referindo-se à Segunda

Guerra Mundial: “Foi a guerra, não o saber econômico, que acabou com a depressão.”

Era o fim do credo na chamada Lei de Say, nome dado em homenagem ao

economista francês Jean Baptista Say, que formulara um princípio econômico simples,

porém, incorreto, concluindo não existir escassez de demanda, bem como, foi o fim da era

cega no liberalismo econômico clássico e de seus ideais de equilíbrio automático do

mercado no pleno emprego.

Neste período de crise econômica, a sociedade aprendeu que era possível

existir equilíbrio dinâmico na economia com desemprego. As observações de Galbraith2

ressaltam que nos Estados Unidos da América, em 1932, o desemprego atingiu “quase 25

por cento da força de trabalho” e na Alemanha, nesta mesma época, no inverno de 1931-

32, o desemprego atingia “mais de 40 por cento da força de trabalho”. No mesmo período,

1932, na Inglaterra, estimava-se “o número de desempregados de 22% da força de

trabalho”3. Para o capitalismo em cheque existia a sombria opção do comunismo.

1.1 O ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL: ASCENSÃO E ESGOTAMENTO

A partir desse cenário é que começou a ser construída uma saída articulada

através da presença do Estado na economia. De início não poderíamos afirmar que havia

1 GALBRAITH, John Kenneth. Uma viagem pelo tempo econômico: um relato em primeira mão. São Paulo: Pioneira, 1994, p. 55.

2 Ibidem, p. 60-62.

3 REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História Econômica Geral. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1999, p. 215.

17

uma base teórica que o justificasse, contudo, simultaneamente, as ações inicialmente

tímidas do governo americano, foram reforçadas pela sabedoria e brilhantismo da teoria de

um economista inglês, chamado John Maynard Keynes.

A solução teórica keynesiana representou um novo fôlego ao processo de

acumulação de capital no sistema capitalista diante da crise econômica mundial e uma

alternativa diante da perda temporária na certeza de algumas convicções liberais,

fundamentalmente, na crença do mercado enquanto solução equilibrada para o nível de

emprego e para o bem-estar econômico-social das pessoas.

1.1.1 Keynes e o papel do Estado

O mercado livre e suas poderosas forças não se haviam mostrado à altura da

construção do bem-estar global dos seres humanos. A esperada harmonia ortodoxa

proporcionada pelo choque dos interesses egoístas dos comportamentos dos indivíduos,

agentes econômicos racionais contrapostos em concorrência livre e direta no mercado, foi

incapaz de evitar a crise. Ao contrário, seguiram-se sucessivos anos de quedas no nível da

atividade econômica, o que pode ser observado no caso americano, pelo relato de Rezende

Filho:

“De 1929 a 1933, o PNB caiu de 104,4 para 56 bilhões

de dólares, o que equivale a uma redução da ordem de

46%. A produção industrial caiu 50%, com a de

equipamentos ficando 75% menor. Enquanto o

investimento bruto passou de 16 para 1 bilhão de

dólares, registraram-se 110 mil falências. A renda per

capita caiu de 685 para 495 dólares e as rendas brutas

do setor agrícola de 11,9 para 5,3 bilhões de dólares. Os

preços dos produtos agrícolas caíram 55%, o custo de

vida 31% e os preços dos bens de produção 26%” 4.

Keynes foi o primeiro economista de peso a explicitar abertamente seu

apoio à política intencional de déficit fiscal americano, no ano de 1933, quando o então 4 REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História Econômica Geral, op. cit., p. 209.

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presidente Roosevelt imprimia sua política de programas econômicos mais conhecida

como New Deal. A sua intuição econômica e a concepção de que a Economia é uma

“ciência moral”, colocaram-no na direção do estudo aprofundado desta, questionando

antigos dogmas da ortodoxia clássica. O resultado foi uma teoria econômica que

revolucionou a base do pensamento econômico do século XX.

Mas antes de deter minha atenção aos aspectos gerais da teoria Keynesiana,

considero importante resgatar alguns elementos da denominada política do New Deal.

Segundo relato de Galbraith5, o projeto deliberado de criação de postos de trabalhos aos

desempregados, coordenado em dois programas, o “PWA, ou Public Works

Administration, e o WPA, ou Works Progress Administration”, formaram os pilares

essenciais daquela política, na medida em que se preocuparam em promover a construção

de obras públicas e a geração de empregos a estes associados, respectivamente. Ainda nas

observações daquele autor, a aprovação da Lei de Seguridade Social, Social Security Act,

em 1935, ainda que incipiente, foi outro evento de “importância vital” para aquela política.

Os desempregados passaram a ter o direito a uma compensação financeira devido à perda

do emprego e os idosos uma pensão.

O sistema capitalista reconheceu legalmente a sua incapacidade de proteção

a todos os trabalhadores ativos e àqueles em fase pós-produtiva. A grita dos conservadores

foi geral, porém, muitos destes críticos sequer perceberam ou concordaram que esta

medida só vinha proteger o próprio sistema capitalista ao garantir a estabilidade social. Nas

palavras de Galbraith:

“Como sempre, aqueles que são contemplados pela boa

fortuna no sistema econômico atribuem virtudes a si

mesmos e ao sistema como ele é. Todo e qualquer tipo

de mudança enfrenta, portanto, forte oposição. Nenhum

argumento que mencione o bem-estar pessoal ou

possíveis custos pessoais pode ser mencionado, pois

seria uma inadmissível grosseria. Ao invés, diz-se que a

integridade maior do sistema e seu funcionamento

5 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 68-70.

19

precisam ser protegidos e promovidos. Algumas coisas

simplesmente não mudam” 6.

Podemos enfatizar a observação de que apesar da situação social

reconhecidamente caótica registrada, ainda assim, alguns representantes dignos do

interesse econômico dominante se manifestaram conscientemente contrários a esta ação

social. Felizmente, para os desprotegidos e para o sistema capitalista a lei foi aprovada. O

custo da proteção social aos desprovidos economicamente, no primeiro momento de

profunda crise econômica mundial, ficou sob a responsabilidade do Estado.

Para compreender porque a teoria Keynesiana ganhou tanto destaque

mundial e passou a ser o ícone da teoria macroeconômica, basta olhar as próprias

necessidades econômicas do sistema capitalista e somar um pouco das vaidades políticas.

Em 1936, foi publicada a obra máxima de Keynes, intitulada Teoria Geral do Emprego, do

Juro e da Moeda, que na essência trazia a receita para a superação daquela crise mundial

pela via das mãos do Estado.

Sumariamente, sua teoria econômica apregoou que para enfrentar o

equilíbrio na economia com desemprego era fundamental reanimar a demanda agregada.

Como o setor privado encontrava-se submerso em expectativas negativas, se fazia

necessário que o próprio governo gastasse no seu lugar, ou seja, assumisse o ônus de uma

política econômica deliberada de geração do déficit público. Estava resolvido o dilema da

tolerância do excesso de gasto do Estado frente ao receituário ortodoxo de controle

monetário e abria-se uma porta para as ações de interesse dos políticos para a realização de

gastos públicos indiscriminados sem origem de receita.

Na medida em que sua teoria emanava de Cambridge, Inglaterra, para todo

o restante do mundo, foi nos Estados Unidos da América que inicialmente encontrou seu

maior aliado e, justamente por isso, ganhou reconhecimento e adeptos pelo planeta. Era a

justificativa teórica ideal para as ações do Estado, o novo integrante do sistema econômico

que garantiria o combate ao desemprego. O sucesso inquestionável desta política

econômica, pelos próximos trinta anos, contados da sua publicação, tendo nos anos 50 e 60

seu período de maior êxito nos países em geral, lhe garantiu opositores ferrenhos do lado

da ortodoxia econômica. Contudo, é preciso fazer justiça ao receituário keynesiano, uma

vez que, nos períodos de prosperidade econômica, o déficit deveria ser eliminado e a conta 6 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 71.

20

paga pela geração de superávits fiscais. Entretanto, a sua realização prática ficou inviável

considerando-se os interesses dos políticos, principalmente, nos países subdesenvolvidos

onde as políticas econômicas se estenderam mais e além do necessário. Nas palavras do

próprio Keynes7: “Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado

assumir”. Não era esta a prioridade das suas propostas, contudo, acabou sendo desta forma

utilizada pelos governos.

1.1.2 O pós-guerra e os anos de ouro

A Segunda Guerra Mundial ocorreu num momento em que os Estados

Unidos da América e a Grã-Bretanha dispunham de ociosidade de mão-de-obra e

capacidade ociosa instalada na sua economia.

Na análise de Galbraith8, seus efeitos sobre a atividade econômica

americana foram positivos, visto que o desemprego se reduziu de 17,2 por cento, em 1939,

para apenas 1,2 por cento, em 1944, enquanto o bem-estar econômico da população civil,

medido pelo seu nível do consumo, se elevou de US$ 220 para US$ 255 bilhões, em

valores constantes. Nesta fase, o governo americano vendendo títulos públicos financiou

seu déficit às custas da poupança privada. Ainda segundo o autor, num esforço ainda

maior, na Grã-Bretanha, a elevação de impostos, o racionamento e o controle de preços

significaram o sacrifício do consumo civil que foram prontamente aceitos, “até mesmo

bem-vindos, com notável disposição”.

Com o final da guerra, a forte intervenção do governo e seus vultosos gastos

e investimentos repeliram o fantasma da volta da depressão. Agora havia uma saída, e

passava pelas ações macroeconômicas do governo. Tão forte foi este sentimento do poder

governamental em cuidar da questão do emprego, que em 1946 nos Estados Unidos da

América, chegou a ser proposta uma Lei do Emprego, Employment Act, também chamada

de Full Employment Act, Lei do Pleno Emprego, vindo a ser reformada e moderada por

reação dos legisladores americanos mais conservadores, substituída pela criação de um

Conselho de Assessores Econômicos com ótica voltada para a análise das opções de

crescimento econômico.

7 KEYNES, John M.. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, Coleção Os Economistas,1985. p. 256. 8 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 86-88 e p. 93.

21

A economia americana despontou pela sua liderança mundial e o Plano

Marshall providenciou o capital monetário necessário aos países europeus visando uma

recuperação econômica planejada. O déficit fiscal dos governos europeus passou a ser

parte integrante desta nova lógica econômica vigente e pré-requisito para acesso ao crédito.

Não que houvesse somente uma pura compaixão pelas mazelas dos povos afetados pela

destruição da guerra, mas, havia também, o espectro do medo pela opção comunista

dominar toda a Europa.

Diante deste quadro de carência recém saído de uma guerra e das novas

responsabilidades econômicas assumidas pelo poder público, as questões sociais tornaram-

se temas de importância relevante para a determinação do exercício político. Numa clara

sensação de agradecimento, o governo americano retribuiu oferecendo ensino gratuito aos

“soldados liberados do serviço”9. Bem como, no inicio da década de 50, registra

Galbraith10: “O programa rural, o fortalecimento da Social Security e outros problemas

sociais dominavam o debate econômico. A questão não era o desempenho da economia

como um todo, mas como e a quem seria recompensado. Havia um consenso quase geral

de que os ricos deveriam pagar bem pela sua boa fortuna.”, paralelamente, continua ele, na

Grã-Bretanha, “foram tomadas providências enérgicas para fortalecer o estado do bem-

estar social e assegurar aos trabalhadores e cidadãos comuns um mínimo decente de bem-

estar”.

Podemos perceber que o foco nas questões sociais era prioridade no

imediato pós-guerra e as responsabilidades do Estado do Bem-estar Social estavam

claramente definidas na perspectiva política dos governantes. Conforme nos relata

Rezende Filho:

“O melhor exemplo disso é a Inglaterra, e elas foram

implantadas em todos os países capitalistas da Europa,

e em menor escala nos Estados Unidos. Além do

pagamento de aposentadorias substanciais e de seguros-

desemprego, o Estado passou a subsidiar os serviços de

saúde, educação e transportes para toda a população. As

palavras do escritor norte-americano John Gunter ao

visitar a Inglaterra, em 1952, são reveladoras: um

9 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 101.

10 Ibidem, p. 114-115.

22

britânico não tem que pagar mais do que somas

simbólicas pelo médico, dentista, ou pelos remédios; a

parcela do orçamento familiar que anteriormente era

gasta em serviços médicos, hoje pode ser dispensada

em outras coisas que vão desde bacon até um toca-

discos” 11.

Segundo Galbraith12, o cenário econômico institucional, a partir do final da

década de 40, até o fim dos anos 60, com o fortalecimento dos sindicatos e a existência de

significativo poder de mercado das grandes empresas passaram a representar cada vez mais

uma séria ameaça microeconômica ao retorno inflacionário. Paralelamente, a estes bons

anos, o bem-estar crescente e geral da sociedade americana, desenvolvida e industrializada,

não apresentava homogeneidade na sua distribuição de renda. Relata o autor, “Nos Estados

Unidos, havia um número considerável de pessoas que dele não compartilhavam – aquelas

isoladas nos vales e desfiladeiros do planalto dos Apalaches, no Sul rural e nos cortiços

urbanos densamente povoados”, e reforça, “Quando estavam espalhados pelo campo,

vivendo em casas primitivas, com pouca educação, uma subsistência esparsa e nenhum

direito civil, os pobres do sul haviam ficado praticamente “fora de vista e da mente”, como

acontece até hoje com os desprivilegiados rurais. Mas nas grandes áreas urbanas eles não

podiam mais ser ignorados com tanta facilidade.”

Mantendo a convicção no papel do Estado enquanto agente propulsor do

crescimento econômico, o governo Kennedy inicialmente exerceu sua opção política pelo

convencimento dos sindicatos em moderar suas reivindicações salariais e, no caso das

empresas, exerceu forte pressão controladora para inibir os aumentos de preços. A despeito

de uma política econômica claramente keynesiana, fixando-se metas de crescimento

econômico anual, com o governo se preocupando apenas em elevar os gastos públicos, não

havia uma preocupação consciente quanto a questões mais relevantes, tais como,

produtividade, tecnologia e educação do trabalhador.

No entanto, no ano de 1963, ocorreu uma guinada conservadora nas ações

da política econômica. Com o crescimento da economia e, portanto, das receitas fiscais, o

governo americano se viu na posição de ter que decidir pela continuidade da elevação dos

11 REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História Econômica Geral, op. cit., p. 240. 12 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit , p. 117 e p.133.

23

gastos públicos ou pela redução dos impostos para manter o estímulo ao crescimento. A

segunda opção saiu vitoriosa e a redução dos impostos foi implementada a partir de 1964,

ano seguinte ao do assassinato do presidente Kennedy. Este fato representou um grande

revés na política keynesiana de sustentação dos gastos públicos como força motriz da

economia.

Os bolsões de pobreza urbana verificada careciam de uma forma adequada

de tratamento que evitasse um mal estar social maior, porque, o movimento dos direitos

civis americanos estava florescendo. A luta pela igualdade por oportunidades de educação,

o fim da segregação e da discriminação jurídica, do direito de voto, entre outros, eram

valores que despontavam enquanto parte da renovação da consciência social. De fato, a

preocupação com os atritos sociais se justificava, como registra Galbraith13: “Caso não

encontrassem algum tipo de alívio, haveria a possibilidade de que fossem violentamente às

ruas, coisa que fizeram naqueles anos em várias cidades”. Numa ação sensível do governo

americano, já sob a presidência de Lyndon Johnson, foi instituído O Programa da Pobreza,

assim registrado por Galbraith:

“O Programa da Pobreza, como veio a ser chamado o

esforço, era uma miscelânea: a incerteza quanto ao que

deveria ou poderia ser feito parcialmente resolvida

fazendo-se um pouco de tudo. Ou, através dos

Programas de Ação Comunitária, deixando em parte a

escolha aos próprios pobres, convidando-os a se

organizar e a encaminhar propostas que aliviassem a

miséria e pusessem um fim às privações. As verbas

necessárias – para a educação, inclusive ensino básico

para as crianças e treinamento nas aptidões econômicas

necessárias, e para a aquisição de instalações

comunitárias – viriam do governo federal... O Programa

da Pobreza criou então o Job Corps (Corpo de

Empregos) para treinar e conferir qualificações

elementares e básicas para o trabalho. Houve ainda

outras iniciativas, inclusive a do Teachers Corps (Corpo 13 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p.135.

24

de Professores), originária, acredito, da minha proposta

anterior para resgatar as escolas carentes e seus

alunos” 14.

Quanto a elaboração de um projeto real de sucesso ao combate consciente da

pobreza, os americanos tiveram que se preocupar com a maior ameaça que havia nos anos

sessenta: o comunismo. Para tanto, os gastos sociais dividiram a atenção dos déficits

fiscais com os gastos bélicos, financiando as incursões militares americanas pelo resto do

mundo. Desnecessário justificar que o foco militar saiu vitorioso na obtenção dos maiores

benefícios fiscais15, apesar dos insucessos militares americanos, em Havana e no Vietnã.

Mesmo com o passar destes episódios sombrios, o problema da pobreza foi sendo relegado

a segundo plano e perdendo destaque no debate político.

O combate à pobreza não conseguira despertar a atenção da sociedade

americana como sendo resultado consciente de uma ação social natural, fruto de um direito

real do cidadão comum. Nas palavras de Galbraith16: “Os pagamentos de bem-estar social

para os pobres prosseguiram, mas como um gesto dúbio e condicional de caridade, não

como um direito social”.

1.1.3 Os duros anos das décadas de 70 e 80

Os anos 70 marcam o início na caminhada de uma reviravolta no

pensamento econômico americano devido à confluência de alguns fatores, dentre eles: a

pressão da espiral salários-lucro sobre os preços, provocada pela imperfeição acentuada do

mercado nas duas pontas; o poder emergente da Organização dos Países Exportadores de

Petróleo – OPEP e a crise do petróleo que elevou os preços desta fonte de energia mundial

em quase 3 vezes; a perda de credibilidade institucional no governo após o escândalo de

Watergate e da renúncia do presidente americano Nixon. E, finalmente, a questão mais

fundamental: a constatação da perda de competitividade da indústria americana frente à

expansão das empresas alemãs e japonesas, principalmente.

14 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit, p.137. 15 Durante 1952 até 1986, os gastos militares do governo americano situaram-se ao redor de 26,5 por cento do total de seus gastos. Ibidem, p. 153.

16 Ibidem, p. 140.

25

As tentativas de administração deste quadro econômico pelas vias da

política econômica keynesiana, políticas de gastos fiscais, acrescidas agora de uma porção

de política monetária, com elevação acentuada da taxa de juros para redesconto pelo Banco

Central, não se mostraram eficazes para propiciar melhora no desempenho da economia

americana. A política macroeconômica keynesiana não mais servia aos interesses do

capital líder mundial, que, acuado, encontrou saída no apelo ao retorno da autoridade do

mercado.

Nesta época, e durante a Era Reagan, eleito em 1980, houve uma ação

articulada de desregulamentação governamental enquanto política pública. Sob o pretexto

necessário de diminuir os desvios de imperfeição do mercado, sindicatos fortes e grandes

empresas oligopólicas, foi ressuscitado a crença no caráter benéfico do mercado livre e

competitivo. Os preceitos de Adam Smith para o sucesso econômico de uma Nação,

baseados na luta incansável contra o Estado intervencionista na economia, haviam sido

reanimados.

Mais que isso, o Governo Reagan e os anos 80 representaram uma barreira

quanto ao desenvolvimento de uma percepção consciente dos males do sistema capitalista

em relação aos pobres. Suas convicções e interesses políticos, respeitando os de seus

eleitores, seguiram no sentido contrário aos ideais do New Deal, de Roosevelt, e das

esperanças sociais da Grande Sociedade, de Lyndon Johnson. A manutenção dos vultuosos

déficits orçamentários do governo federal era justificada pelos necessários gastos militares

a fim de garantir a hegemonia mundial bélica americana, bem como, provocar o

esgotamento econômico da antiga União Soviética. Numa comparação, Galbraith nos

esclarece a posição socialmente conservadora de Reagan:

“do Darwinismo Social de William Graham Sumner,

uma das mais influentes vozes sociais do final do

século dezenove, que afirmava, antecipando-se a

Ronald Reagan, que o sistema econômico

recompensava acertadamente os ricos pela sua

contribuição ao bem-estar geral e sabiamente punia os

pobres por suas insuficiências” 17.

17 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 31.

26

Reagan soube representar habilmente os interesses de seus eleitores, os

mesmos que se beneficiaram nos anos anteriores da prosperidade econômica, fruto das

políticas fiscais de enfoque keynesiano. Agora ricos ou, no mínimo, vivendo muito

confortavelmente, tais eleitores dispunham de dinheiro e enorme força política. As ações

implementadas pelo governo representaram exatamente os interesses dessa nova classe

emergente, só precisariam ser justificadas adequadamente. No relato de Galbraith,

podemos vislumbrar a visão partidária de Reagan e seus métodos de persuasão:

“O governo, afirmou ele, não era a solução para o

problema social; ele era o problema social. Com

provocações meramente anedóticas mostravam a

inutilidade de se ajudar os pobres. Alguns que pareciam

sem-teto preferiam dormir ao relento, sobre as quentes

gradis de aquecimento dos prédios; essa era a forma de

expressarem sua independência. Ele citou com evidente

deleite o caso de uma mulher que foi vista comprando

alimentos para sua família com cupons subvencionados

pelo governo depois de ter investido seus próprios

recursos, evidentemente adequados, em uma garrafa de

vodca” 18.

Como se não bastasse houve contribuições teóricas de destaque,

reafirmando tais convicções, quer seja no campo das idéias sociais ou mesmo na mera

elaboração de teorias econômicas que serviram de justificativa para as ações políticas do

governo Reagan. Na sua total maioria, tais contribuições carregavam consigo uma visão

elitista. Dentre elas, podemos citar algumas das afirmações de George Gilder apud

Galbraith:

“o progresso material é inelutavelmente elitista: ele

torna os ricos mais ricos e aumenta o seu número,

exaltando os poucos homens extraordinários que podem

18 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 162-163.

27

produzir riqueza sobre as massas democráticas que a

consomem” 19.

Ou ainda, reforça aquele mesmo autor, “Para terem sucesso, os pobres

necessitam, acima de tudo, do incentivo da sua pobreza”. Cabe aqui também as declarações

do Dr. Charles A. Murray apud Galbraith20, advogando o desmantelamento de “toda a

estrutura federal de bem-estar social e de suporte à renda para pessoas em idade de

trabalhar”, ao qual o próprio Galbraith acrescenta seu comentário crítico a essa afirmação

de Murray:

“Reconhecendo que esta seria uma providência um

tanto severa, ele concluía dizendo que o seguro-

desemprego poderia ser mantido e que as organizações

particulares de caridade deveriam ser encorajadas. É

preciso haver alguma insinuação de solidariedade” 21.

Outra contribuição nesta época, no campo da teoria econômica, explicita

Galbraith (1994,p.161-162), foi a chamada Curva de Laffer, que ao considerar o impacto

dos impostos sobre o nível de atividade econômica, afirmava que além de certo ponto os

impostos passavam a ter efeito negativo sobre o nível de renda e sobre a própria receita

tributária do governo. Ou seja, tributar em demasia reduziria a atividade econômica e,

conseqüentemente, a arrecadação do governo, e contrariamente, reduzir a tributação

poderia incrementar a atividade econômica privada, elevando as receitas tributárias do

governo, o que permitiria a redução automática do déficit público.

Na sua visão discordante Galbraith22, referiu-se assim as afirmações de

Laffer, “Afirmava ainda, sem qualquer comprovação empírica, que os Estados Unidos

haviam ultrapassado este ponto; assim, impostos menores implicariam em mais receita”. O

Governo Reagan dispunha então de um arcabouço teórico econômico que justificou a

redução de impostos das classes econômicas privilegiadas, já no inicio dos anos 80. Esta

mesma classe iria garantir sua reeleição. Ainda segundo Galbraith:

19 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 162.

20 Ibidem, p. 162. 21 Ibidem, p. 162. 22 Ibidem, p. 162.

28

“Da experiência de tributação no passado e do temor de

mais tributação no futuro para beneficiar os pobres

veio, com notável consistência, o programa nacional de

Reagan. Os pobres, no máximo que fosse possível,

deveriam ser removidos da consciência popular.

Impostos cobrados em seu benefício deveriam ser

banidos. E os impostos já existentes deveriam ser

reduzidos. Não deveria haver hesitação em aliviar

camadas de renda mais alta. Poucos esforços na história

política americana tiveram tanto sucesso. Os impostos

foram reduzidos e, na década de 80, qualquer menção a

um aumento de impostos passou a ser considerado

político tanto por democratas como por

republicanos”23.

A geração de déficit fiscal do governo agora só se justificava pela

necessidade de gastos para fortalecer o poder militar americano, desconsiderando-se

qualquer efeito perverso deste tipo de gasto sobre a necessidade de elevação nos impostos.

Os objetivos de gerar bem-estar social não faziam mais parte do rol de argumentos

aceitáveis para a promoção dos gastos governamentais. Os gastos sociais passaram a ser

um peso para o crescimento econômico.

No entanto, alguns dispêndios sociais se mantiveram necessários, segundo

relata Galbraiht:

“Duas outras linhas de gastos civis permaneceram

sacrossantas: os desembolsos para salvar instituições

falidas, em especial as associações de poupança e

empréstimos, e para manter o sistema da Social

Security – a provisão ou garantia de pensões para

idosos. Ambas estavam a serviço de uma parte afluente

e também politicamente expressiva da comunidade 23 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 160.

29

nacional. Portanto, ambas estavam isentas de qualquer

esforço restritivo. Foi conferido a esses gastos um papel

honorífico que eliminava toda e qualquer preocupação

com seus efeitos sobre o déficit” 24.

As conseqüências desta política de governo tiveram grande impacto do

ponto de vista econômico, sob duas formas de percepção, primeiro: desmantelando a forte

influência das organizações sindicais dos trabalhadores americanos, segundo:

redistribuindo a renda no sentido da concentração injusta. No primeiro caso, o governo

Reagan25 agiu tanto direto quanto indiretamente no sentido de reduzir as pressões

inflacionárias decorrentes dos aumentos de salários reivindicados pelos sindicatos

organizados. Diretamente ao reprimir exemplarmente a greve dos controladores de tráfego

aéreo, logo no início de seu governo, e, indiretamente, ao endurecer demasiadamente a

política monetária via prática de altas taxas de juros, causando a redução do nível da

atividade econômica e o crescimento do exército industrial de reserva26.

No segundo caso, relativo às questões distributivas da renda e suas

conseqüências sociais, ao qual voltaremos a analisar detalhadamente mais à frente, convêm

citar inicialmente o resultado dos estudos de Paul Krugman apud Galbraith:

“Em épocas recentes, os estados Unidos têm

apresentado uma distribuição desigual e cada vez mais

desigual da renda. Paul Krugman, estimou que nos anos

80 “cerca de 70 por cento do aumento da renda média

familiar foi para o 1 por cento de famílias mais ricas.

Este 1 por cento de renda mais elevada recebia 12 por

cento de toda a renda bruta e detinha cerca de 39 por

cento de todos os ativos” 27.

Podemos constatar uma mudança radical, nos anos 80, na forma da política

americana de conceber as necessidades básicas materiais da população mais carente

24 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 161.

25 Ibidem, p. 163.

26 Conceito elaborado por Karl Marx que designa o conjunto de trabalhadores desempregados. 27 GALBRAITH, John K. Uma viagem pelo tempo econômico, op. cit., p. 175.

30

enquanto compromisso responsável elementar da sociedade pelas vias de participação do

Estado como agente social regulador. E, dado sua influência mundial, um novo exemplo se

construiu para o continente americano.

1.1.4 As contribuições da Dama de Ferro

A partir da primeira crise do petróleo, em 1973, a economia mundial

caminhou para uma grave recessão com inflação, chamada de estagflação. Os efeitos

microeconômicos negativos da espiral salários-lucro se fizeram sentir nos países

desenvolvidos e um Estado deficitário em nada poderia contribuir para o controle dos

preços. A visão monetarista da economia ganha rápido terreno nas preferências da política

econômica e a disciplina monetária vai se tornando uma meta dos receituários econômicos

no lugar das políticas fiscais keynesianas.

Em 1979 com a eleição de Margareth Thatcher, mais conhecida como Dama

de Ferro, primeira-ministra na Inglaterra, inicia-se um movimento político exemplar na

alavancagem do pensamento neoliberal enquanto força motriz hegemônica. Pioneira na

condução da nova filosofia político-econômica, Reagan somente seria eleito no ano

seguinte, Thatcher assume o comando de uma política econômica orientada para o controle

severo do meio circulante, eleva as taxas de juros, reduz os impostos, favorece as rendas

mais altas, libera o movimento dos fluxos financeiros, impõem uma legislação trabalhista

claramente anti-sindical, corta gastos sociais e reduz o tamanho do Estado produtor,

privatizando os setores de habitação, portuário, telecomunicações, indústria do aço,

petróleo, gás e saneamento de água.

Thatcher, assim como Reagan, logo demonstrou para a sociedade que não

aceitaria pressões do movimento sindical inglês. Numa dura ação contra a greve dos

mineiros, prolongando-se a paralisação por pouco mais de um ano, não poupou esforços

estatais quer seja para importar carvão da África do Sul, quer seja para desmoralizar

futuras ações sindicais, estando em perfeita sintonia com sua famosa expressão “não existe

sociedade, só indivíduo”28.

Interessante frisar que seu exemplo acabou sendo imitado até pelos

governos de esquerda da Europa continental, com diferentes graus de intensidade, os

28 HAVRANEK, Alice & BARSOTTI, Paulo. Notas sobre o Estado e a Política neoliberal. In: COGGIOLA, Osvaldo (org.). Capitalismo: Globalização e Crise. São Paulo: Humanitas,1998, p. 207.

31

socialistas na França, Espanha, Portugal, Itália e Grécia, apesar de algumas resistências nos

primeiros anos da década de 80. O insucesso da política econômica keynesiana não lhes

deixou outra escolha. As conseqüências na elevação das taxas do desemprego não

poderiam ser diferentes, para os países da Organização Européia para o Comércio e

Desenvolvimento (OCDE), relatados assim por Anderson29: “A taxa média de desemprego

nos países da OCDE, que havia ficado em torno de 4% nos anos 70, pelo menos duplicou

na década de 80”.

Da mesma forma, é conveniente atentar para as palavras do primeiro-

ministro da República Tcheca, Vaclav Klaus apud Anderson, um dos mais radicais

defensores do neoliberalismo nas reformas econômicas do leste europeu, ao criticar o

presidente do Banco Central americano (Federal Reserv Bank), Alan Greenspan, pois

retrata a influência das idéias inglesas no leste europeu:

“O sistema social da Europa ocidental está

demasiadamente amarrado por regras e pelo controle

social excessivo. O Estado de bem-estar, com todas as

suas transferências de pagamentos generosos

desligados de critérios, de esforços ou de méritos,

destrói a moralidade básica do trabalho e o sentido de

responsabilidade individual. Há excessiva proteção e

burocracia. Deve-se dizer que a revolução thatcheriana,

ou seja, anti-keynesiana ou liberal, parou – numa

avaliação positiva – no meio do caminho na Europa

ocidental e é preciso completá-la” 30.

Ao final da década de 80 a maioria absoluta dos paises da Europa havia

aderido à onda neoliberal, adotando políticas econômicas voltadas para o reforço dos

valores do livre mercado, apesar de alguns países serem governados pelos sociais-

democratas. A partir da metade da década de 90, a conversão havia se completado, nem na

Suécia, paraíso do Welfare State, as forças políticas puderam resistir à hegemonia

29 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 15. 30 Ibidem, p. 18.

32

econômica neoliberal. A queda do Muro de Berlim e o desfacelamento da antiga União

Soviética não deixaram nenhuma opção ideológica ao suposto poderio do mercado,

levando os países do leste europeu na mesma direção.

1.2 OS VALORES ECONÔMICOS DO NEOLIBERALISMO

Na medida em que o modelo do Estado do bem-estar social perdeu terreno

para a complexidade das necessidades econômicas mundiais, acentuadas a partir da metade

da década de 70, de um lado, pela dificuldade crescente do Estado keynesiano administrar

a manutenção contínua dos ciclos de expansão nacionais de acumulação de capital, pela via

das políticas monetárias e fiscais, e por outro lado, se justificar enquanto instrumento

interventor de política econômica na busca do equilíbrio da economia mais perto possível

do pleno emprego, o modelo keynesiano se esgotou. Mais que isto, com a queda do Muro

de Berlim e o desmantelamento da antiga União Soviética não restou sequer nenhuma

força ideológica opositora ao capitalismo que requeresse a manutenção do Welfare State.

Um grande vazio no plano da teoria econômica precisava ser preenchido, e

na falta de uma opção teórica melhor elaborada, os velhos ideais do liberalismo econômico

clássico serviram para o embasamento inicial daquilo que passou a ser conhecido como

neoliberalismo. É importante reconhecer que o renascimento dos ideais do livre mercado,

por si só, já estaria em sintonia com um Estado mínimo.

É prudente fazer um esclarecimento em nosso conceito quanto ao termo

neoliberalismo. Entendo aqui por neoliberalismo, os ideais econômicos que defendem um

Estado mínimo, não interventor nas relações de produção quanto à sua atuação diretamente

produtiva, ou seja, um Estado voltado a preocupar-se apenas com as questões mais básicas

dos serviços públicos: educação, saúde e segurança (física e patrimonial). Não significa

afirmar que esse Estado não estaria a serviço dos interesses do desenvolvimento do

mercado, podendo auxiliar diretamente na determinação de regras e normas institucionais

que supostamente defenderiam e auxiliariam na defesa do direito a liberdade econômica e,

portanto, a livre concorrência. Faço esta menção no sentido de diferencia-la

fundamentalmente da visão keynesiana, a qual possibilitou desembocar as políticas do

Estado interventor.

Justamente por se opor ferozmente ao “keynesianismo e o solidarismo”

surge logo após o final da II Guerra Mundial, a reação neoliberal encabeçada por Friedrich

33

Hayek, autor de O Caminho da Servidão, com a participação de diversos outros nomes de

grande importância intelectual da época ou que viriam a ser reconhecidos apenas

posteriormente, dentre eles, o economista Milton Friedman. A Sociedade de Mont Pèlerin,

como ficou conhecida esta “franco-maçonaria neoliberal”, encarnou a defesa da eliminação

de limites impostos a liberdade de mercado pela atuação maléfica do Estado interventor e

de bem-estar, numa alusão à destruição da liberdade dos indivíduos e da prosperidade

maior da sociedade31.

É a partir da percepção do mercado como única forma de equalização das

diferenças e liberdades individuais e mecanismo de equilíbrio social, que os teóricos

neoliberais se aproximam dos seus antecessores, os fundadores da economia política

clássica.

Neste sentido, é importante reconhecer os valores econômicos e filosóficos

daqueles economistas clássicos, os quais possibilitaram a construção dos alicerces desta

nova teoria econômico-social, apresentada numa nova roupagem, dentre os quais um

certamente se destaca pela convicção liberal, criatividade e liderança intelectual no seu

tempo: Adam Smith.

1.2.1 Os ideais econômicos do liberalismo clássico: Adam Smith

Na visão Smithiana, a organização da sociedade humana tem sua

essencialidade nas relações de troca em que o jogo de interesses dos participantes

envolvidos – produtores de excedentes - não reserva espaço para a boa vontade,

complacência ou caridade entre os homens. Sequer poderíamos advogar a existência da

amizade dos homens, enquanto elemento comum e elo de ligação nas suas ações

econômicas, o que viria a confirmar a famosa frase popular “amigos amigos, negócios à

parte”. Esta visão individualista da sobrevivência humana em sociedade é o centro da visão

economicista Smithiana e dela decorrerá suas conclusões acerca da prosperidade social, o

que pode ser observada nas suas palavras:

“Numa sociedade civilizada, o homem a todo momento

necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e

sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a 31 ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo, op. cit.. p. 9-10.

34

amizade de algumas pessoas. (...) O homem, entretanto,

tem necessidade quase constante da ajuda dos

semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente

da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de

obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a

auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso

para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa.

É isso o que faz toda pessoa que propõe um negócio a

outra”32.

Na verdade é o respeito apenas ao próprio interesse que garante a

cooperação mútua entre os homens, e é justamente este princípio que garantirá à sociedade

o seu bem estar. Desta forma, podemos perceber que é no individualismo humano que está

calcado o seu maior valor teórico, especificamente na área do interesse econômico, como

podemos observar na sua famosa passagem:

“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro

ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da

consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.

Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-

estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias

necessidades, mas das vantagens que advirão para

eles”33.

Desta forma, podemos perceber que a idéia ligada na palavra “auto-estima”,

citada em ambas passagens, está profundamente envolta pelo respeito ao interesse

econômico individual, muito diferente da conotação mais abrangente que hoje utilizamos

para ela e que ganha contornos além do mero vínculo econômico. Restaria esclarecer como

a ação individual do agente econômico resultará em maior bem estar social a todos. Neste

ponto Smith criou o famoso conceito do equilíbrio automático no mercado resultante das

ações egoístas individuais contrapostas, viabilizando um mecanismo invisível, quase

32 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultural, 1985, v. 1, p. 49-50.

33 Ibidem, p. 50.

35

sobrenatural, fruto da liberdade dos agentes econômicos que promovem o bem estar social

sem saber que o fazem. Nas suas afirmações:

“Geralmente, na realidade, ele não tenciona promover o

interesse público nem sabe até que ponto o está

promovendo. Ao preferir fomentar a atividade do país e

não de outros países, ele tem em vista apenas sua

própria segurança; e orientando sua atividade de tal

maneira que sua produção possa ser de maior valor,

visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em

muito casos, é levado como que por mão invisível a

promover um objetivo que não fazia parte de suas

intenções”34.

E vai além, acreditando não apenas que a suposta “mão-invisível” promove

o equilíbrio econômico e o bem-estar social, como também, coloca em questionamento a

viabilidade de se obter tal prosperidade por meio de uma ação individual produtiva

diretamente voltada para o interesse do bem coletivo, no campo da atividade econômica, o

que se pode vislumbrar nas suas palavras abaixo:

“Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que esse

objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao

perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas

vezes promove o interesse da sociedade muito mais

eficazmente do que quando tenciona realmente

promove-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado

grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer

o comércio visando ao bem público. Efetivamente, é

um artifício não muito comum entre os comerciantes, e

não são necessárias muitas palavras para dissuadi-los

disso”35.

34 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações, op. cit., p. 379. 35 Ibidem, p. 379-380.

36

Ou seja, a obtenção da felicidade e prosperidade social só é obtida de forma

inconsciente fruto das ações individuais que respeitem os interesses egoístas no campo da

atividade econômica. É justamente preocupando-se apenas consigo mesmo que os

indivíduos poderão colaborar eficazmente para o progresso de todos. Fica claro que tal

evento só é possível diante da existência de um mercado livre que possibilite a prática das

ações individuais, portanto, voltadas apenas ao exercício livre dos seus interesses

econômicos, independentes das amarras de um Estado interventor.

Implica, portanto, reconhecer que é através da busca pelo lucro pessoal que

se estará construindo o todo social, o bem-estar da sociedade, desde que o Estado não

interfira nas relações econômicas de mercado que devem ser o mais livre possível para

fazerem aflorar os benefícios a riqueza humana fruto dos esforços individuais. Assim

sendo, o mercado livre é uma conseqüência natural requerida a fim de possibilitar o avanço

da riqueza e do bem-estar das sociedades humanas e a própria sociedade somente passa a

existir depois de preenchido os pré-requisitos demandados pelos indivíduos para

satisfazerem suas necessidades e egoísmos individuais. A sociedade e o bem-estar só serão

construídos sob a égide da liberdade econômica dos indivíduos e o mercado livre é o local

adequado para viabilizar este fenômeno social.

1.2.2 As contribuições de Hayek

Podemos considerar o austríaco Hayek como sendo o grande mentor

intelectual dos valores neoliberais modernos. Tendo sido professor de economia, ciências

sociais e morais foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia, no ano de 1974, e sua

filosofia econômico-social pode ser analisada a partir de sua obra principal, O Caminho da

Servidão, em que faz uma defesa brilhante dos ideais de liberdade frente a ameaça do

avanço da planificação efetivada pelos Estados totalitários. Fervoroso defensor do

individualismo enquanto concepção de expressão máxima do respeito à liberdade do ser

humano, reconhece neste a única possibilidade de manifestação da “supremacia de suas

preferências e opiniões”, ainda que, “por mais limitada que esta possa ser” é preferível ao

autoritarismo advindo de uma força externa a própria vontade do individuo. Na sua visão

“tolerância” seria a palavra que melhor exprime o verdadeiro significado da liberdade36. 36 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990, p. 40-41.

37

Na esfera da liberdade humana, das liberdades individuais, a liberdade

econômica é a sua chave mestra e a doutrina liberal a sua essência lógica. Ao defender a

liberdade econômica e a livre-concorrência, as forças invisíveis do mercado estariam

coordenando da melhor forma possível os esforços humanos sem a necessidade de um

“controle social consciente” que certamente seria prejudicial à eficiência da estrutura

sócio-econômica. Não significa defender um liberalismo pronto e acabado na sua forma de

implantação positiva na sociedade, ao contrário, nas próprias palavras do autor:

“Os princípios básicos do liberalismo não contêm

nenhum elemento que o faça um credo estacionário,

nenhuma regra fixa e imutável. O princípio

fundamental segundo o qual devemos utilizar ao

máximo as forças espontâneas da sociedade e recorrer o

menos possível à coerção pode ter uma infinita

variedade de aplicações”37.

Desta forma, o controle econômico deveria ser abominado e a liberdade

econômica valorizada a todo custo, uma vez que é pela via do mecanismo da concorrência

econômica que se manifestam os verdadeiros e mais precisos desejos dos indivíduos.

Numa alusão a Immanuel Kant, “o homem é livre quando não tem de obedecer a ninguém,

exceto às leis”. Na medida em que a atividade econômica envolve uma das facetas mais

significativa do interesse da vida humana, garantir-lhe a liberdade econômica é a própria

garantia para a consecução de outros objetivos da sua existência individual.

Será preciso reconhecer que embora fundamental, os “interesses

econômicos” são manifestações concretas de outras finalidades diversas não-especificadas

que o desejo humano pretende obter para garantir as satisfações pessoais. Ou seja, interesse

econômico é a forma aparente da manifestação de inúmeros outros desejos que

pretendemos satisfazer. Nas palavras do próprio Hayek:

“Os objetivos últimos da atividade dos seres racionais

nunca são econômicos. Rigorosamente falando, não

existe “interesse econômico”, mas apenas fatores 37 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 43.

38

econômicos que condicionam nossos esforços pela

obtenção de outros fins”38.

Controlar a liberdade econômica das pessoas é, portanto, o mesmo que

controlar e limitar os seus desejos sem a sua permissão. Significaria retirar do indivíduo a

liberdade de escolha pessoal para poder desfrutar do resultado dos seus esforços, o que

somente poderia garantir um sistema ineficiente de incentivo à dedicação humana nas

atividades econômicas e do trabalho. Continua o autor:

“Se lutamos pelo dinheiro, é porque ele nos permite

escolher da forma mais ampla como melhor desfrutar

os resultados de nossos esforços... Seria muito mais

certo dizer que o dinheiro é um dos maiores

instrumentos de liberdade já inventados pelo

homem”39.

Como somente ao próprio indivíduo cabe a decisão para dispor de suas

rendas e posses econômica, é inaceitável qualquer tipo de restrição individual ao uso

daquela renda ou riqueza particular. Somente num regime de livre concorrência as pessoas

poderiam utilizar o seu direito à liberdade de escolha, o que é o mesmo que dizer que a

liberdade econômica é pré-requisito do exercício das demais liberdades humanas. Mais que

isso é o único meio razoável de ponderação das possíveis perdas incorridas pelos agentes

econômicos, nas palavras de seu autor:

“Quando compreendemos que o interesse econômico

não se distingue dos outros e que um ganho ou uma

perda de caráter econômico não passam de um ganho

ou de uma perda nas situações em que cabe a nós

decidir quais das nossas necessidades ou desejos serão

afetados ... Enquanto pudermos dispor, sem restrições,

dos nossos rendimentos e de todos os nossos bens, uma

38 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 99. 39 Ibidem, p. 99.

39

perda econômica só nos privará daquilo que

consideramos o menos importante dos desejos que

teríamos condições de satisfazer. Uma perda

“meramente” econômica é, pois, uma perda cujo efeito

podemos fazer recair sobre nossas necessidades menos

importantes”40.

Ou seja, possíveis perdas e dissabores econômicos seriam absorvidos pelos

indivíduos na medida em que estes optariam livremente pela não obtenção de bens ou

serviços considerados menos importantes às suas necessidades pessoais. Em outras

palavras, as perdas incorridas pelo indivíduo seriam absorvidas de forma “marginal”

afetando apenas os benefícios pessoais menos significativos.

Ora, um sistema econômico de concorrência competitiva é justamente

aquele que melhor se ajusta aos benefícios sociais advindos desta liberdade requerida:

“deve ser a liberdade de ação econômica que, junto com o direito de escolher, também

acarreta inevitavelmente os riscos e a responsabilidade inerentes a esse direito”41.

Embora reconheça que mesmo num regime de mercado concorrencial as

oportunidades beneficiarão mais aqueles que dispõem de melhor condição de riqueza

material, em prejuízo relativo daquelas pessoas menos privilegiadas economicamente, o

autor ainda assim considera de fundamental importância a existência da liberdade

econômica que irá propiciar uma vida social mais saudável para todos e a busca de

oportunidades possíveis de serem vivenciadas.

Na observação de Hayek:

“No regime de concorrência, as probabilidades de um

homem pobre conquistar grande fortuna são muito

menores que as daquele que herdou sua riqueza. Nele,

porém, tal coisa é possível, visto ser o sistema de

concorrência o único em que o enriquecimento depende

exclusivamente do indivíduo e não dos poderosos, e em

40 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 99-100.

41 Ibidem, p. 107.

40

que ninguém pode impedir que alguém tente alcançar

esse resultado”42.

Isto significa reconhecer que no sistema sócio-econômico de organização

capitalista a sua capacidade de viabilizar oportunidades só poderá ser aproveitada em

função do mérito dos esforços individuais e, no caso de perda, a partir da escolha das

próprias pessoas absorverem as menores perdas que tiverem que incorrer. Enfim,

reconhecer que o “sistema de propriedade privada é a mais importante garantia da

liberdade, não só para os proprietários mas também para os que não o são”43.

Neste sentido, não se justifica a existência de privilégios individuais

desgarrados da defesa do interesse social maior de liberdade geral e comum a todos os

indivíduos onde o respeito à liberdade de escolha individual permeie todo o espectro das

decisões pessoais possíveis. Por mais injusto que possa parecer o sofrimento de um homem

que tenha seus rendimentos diminuídos devido os imprevistos da atividade econômica,

ainda assim, na opinião do autor:

“a garantia de uma determinada renda não pode ser

concedida a todos (...) Se se protegessem de imerecidas

perdas aqueles cuja utilidade é reduzida por

circunstâncias que eles mesmos não poderiam controlar

ou prever, e se, por outro lado, se impedisse de auferir

vantagens imerecidas àqueles cuja utilidade aumentou

em função de circunstâncias também incontroláveis e

imprevisíveis, a remuneração deixaria em breve de ter

qualquer relação com a verdadeira utilidade”44.

Nestes termos, o livre jogo de interesses econômicos no mercado sempre

poderá ser considerado como o sistema mais justo e estimulante aos esforços individuais,

levando cada um a dar o melhor de si pelo maior período de tempo possível. Uma espécie

42 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 110.

43 Ibidem, p. 111.

44 Ibidem, p. 126.

41

de força invisível, o mercado concorrencial serviria como fonte inesgotável de “pressão

externa” a dedicação contínua de todos os seres humanos.

Eliminá-lo seria o mesmo que desmontar toda a estrutura no qual repousa o

bem-estar social, seria o mesmo que abdicar da liberdade da consciência individual que é

obtida de forma impessoal.

Uma vez que a sociedade moderna é de enorme complexidade, nos diversos

campos de estudo sociais, caberá ao “ajustamento” do próprio indivíduo buscar adaptação

necessária às mudanças ocorridas na sociedade e cuja “natureza ele não pode

compreender”. Este entendimento do autor objetiva esvaziar as justificativas de haver um

“objetivo único” possível a ser imposto a toda a sociedade, proposta social dos defensores

do coletivismo. Neste mesmo sentido, não há que se permitir a “primazia absoluta de um

objetivo sobre todos os demais deve ser aplicada mesmo ao objetivo que hoje todos

concordam ser prioritário: a supressão do desemprego”45, o que significa jogar por terra os

argumentos das propostas econômicas keynesianos de implementação via políticas fiscal e

monetária do governo.

Melhor seria então deixar o indivíduo adaptar-se às necessidades do

mercado pelas vias do livre ajustamento salarial, bem porque, na sua opinião, o progresso

econômico obtido se fez mediante grandes esforços para “ascender continuamente por

mais baixo que tenhamos de começar”. Mais que isso, “só conseguiremos vencer um

período difícil como homens livres e capazes de escolher seu modo de vida se cada um de

nós estiver pronto a obedecer às injunções desse ajustamento”46. Fica claro que na opinião

do autor não existe valor maior que a liberdade individual, não justificando a

implementação de falsos ideais coletivistas que somente tenderiam ao favorecimento da

criação de um Estado autoritário.

1.2.3 As contribuições de Friedman

Dentre os economistas norte-americanos que contribuíram de forma

decisiva para o avanço da ideologia neoliberal no continente americano, Milton Friedman

foi sem dúvida o de maior destaque. Economista liberal e monetarista assumido ganhou o

Prêmio Nobel de Economia em 1976, e no livro Capitalismo e Liberdade expôs a

45 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 188. 46 Ibidem, p. 190.

42

exuberância da sua filosofia econômica. Será sobre o estudo dos princípios contidos neste

livro que recairá nossas atenções, no sentido de fechar o círculo de raciocínio dos valores

econômicos neoliberais vigentes.

Na concepção de Friedman, a organização econômica nos moldes

competitivos é elemento fundamental na promoção de uma sociedade livre, e age no duplo

sentido, pois, enquanto liberdade econômica é parte da própria liberdade geral e também se

torna o instrumento necessário para viabilizar a liberdade política. Implica no

reconhecimento de que mercado livre e liberdade política estão intimamente interligados e,

neste caso, o primeiro é parte essencial de determinação do segundo47.

Neste sentido percebemos que o mercado livre é parte direta da liberdade

em si mesmo e na relação social entre todos os indivíduos irá possibilitar a “cooperação

voluntária” das suas atividades decididas pelo fórum mais íntimo de cada um deles, sem a

necessidade de nenhuma coerção. Mais uma vez fica denotado o teor central da liberdade

individual de ação das pessoas como ponto central da visão neoliberal.

Agora, no entanto, esta liberdade estendida ao campo econômico, o mercado

competitivo, torna-se a força motriz da liberdade política que os indivíduos poderão

desfrutar. Por liberdade política devemos entender o menor grau possível de coerção que

força os indivíduos a aceitarem uma regra legal única imposta e controlada pelo poder do

Estado. Quanto menos poder concentrado nas mãos do governo, maior o grau de liberdade

política da sociedade e, portanto, menores serão os abusos políticos.

Qualquer organização social será mais livre politicamente na medida em

que exista maior liberdade de mercado, pois é este o local onde as decisões são tomadas

livremente pelos indivíduos de forma voluntariamente cooperativa. Quanto mais as

decisões puderem ser tomadas no âmbito do mercado, menor os efeitos perversos de uma

ação política que exija conformidade de seus integrantes. Na representação deste poder

benéfico do mercado, o autor assim se expressa:

“O consumidor é protegido da coerção do vendedor

devido à presença de outros vendedores com quem

pode negociar. O vendedor é protegido da coerção do

consumidor devido à existência de outros consumidores

a quem pode vender (...) E o mercado faz isto, 47 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 17-20.

43

impessoalmente, e sem nenhuma autoridade

centralizada”48.

Ao aceitar esta concepção, não faz nenhum sentido defender o controle total

ou parcial do governo, autoridade política, sobre a liberdade das ações individuais no

campo da atividade econômica. Na verdade, caberá ao governo o papel para “a

determinação das ‘regras do jogo’ e um árbitro para interpretar e pôr em vigor as regras

estabelecidas”49. As regras serão obviamente aquelas que permitirem a preservação do

próprio livre mercado. E vai além, demonstrando que o mercado competitivo não

discrimina ninguém, é impessoal, característica que lhe confere qualidades acima das

decisões tomadas pelas vias da ação política, ao afirmar: “Ninguém que compra pão sabe

se o trigo usado foi cultivado por um comunista ou um republicano, por um

constitucionalista ou um fascista ou, ainda, por um negro ou por um branco”50.

Desta forma, a liberdade econômica expande as possibilidades da própria

liberdade no campo da política ao restringir sua necessidade de intervenção coerciva. O

livre jogo das forças do mercado cria uma eficiência econômica dissociada de qualquer

característica específica do indivíduo, ampliando o campo de oportunidades de ação das

pessoas independentemente de seu credo, cor, estado civil, entre outros. Significa dizer que

os homens serão reconhecidos pela sua contribuição efetiva à satisfação das necessidades

alheias, decidida livremente dadas as suas preferências de labor.

Ao viabilizar um mercado competitivo estar-se-ia privilegiando uma ação de

competição entre os homens, sem que haja rivalidade do ponto de vista pessoal, mas sim

no campo da impessoalidade. A existência deste livre mercado criará condições para que a

liberdade individual possa ser desfrutada no seu maior grau de satisfação possível. Nas

palavras do autor:

“Nenhum participante pode determinar os termos em

que os outros participantes terão acesso a empregos ou

mercadorias. Todos consideram os preços como dados

pelo mercado e nenhum indivíduo pode, por si só, ter

48 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade, op. cit., p. 23.

49 Ibidem, p. 23.

50 Ibidem, p. 28.

44

mais do que uma influência negligenciável sobre o

preço – embora todos os participantes juntos

determinem o preço por meio do efeito combinado de

suas ações separadas”51.

A defesa da liberdade econômica no mercado é a própria defesa da liberdade

maior de realização dos indivíduos, pois esta realização se concretiza no campo das

relações econômicas. Ela é a própria garantia de se evitar ações coercitivas quer seja pela

via política quer seja pela mesma via do domínio econômico, como por exemplo, a

existência do monopólio de atividades econômicas. No mercado competitivo a disputa

entre os participantes estará restrita às suas qualidades particulares e as oportunidades

serão oferecidas independentemente das posições ideológicas pessoais. Ao decidir ocupar

determinada posição produtiva, o indivíduo estará determinando seus direitos sobre a renda

que será fruto do produto do seu esforço oferecido à sociedade. É neste sentido que

Friedman diz “A grande contribuição do capitalismo não foi o acúmulo de propriedade, foi

ter dado oportunidade a homens e mulheres de estenderem e desenvolverem e

aperfeiçoarem suas capacidades”52.

Uma vez analisado os valores econômicos daqueles que auxiliaram na

construção dos ideais neoliberais, pode-se passar para a avaliação do impacto desta visão

sobre o papel do Estado e, por fim, para a análise da função social das empresas segundo

esta ideologia dominante.

1.3 AS FUNÇÕES DO ESTADO NEOLIBERAL

Embora haja grande diferença entre a percepção do mundo na época de

Smith e no período pós-guerra (os mundos de Hayek e Friedman) quanto à participação

real do Estado produtor na economia, ambas as posições reservam ao Estado um papel

passivo frente às tarefas de produção que pudessem ser de interesse do capital privado.

Não haveria justificativa para a intromissão do Estado nos afazeres produtivos possíveis de

serem realizados pelas empresas privadas. Em outras palavras, onde a iniciativa privada

puder se instalar, não compete intromissão do Estado.

51 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade, op. cit., p. 111. 52 Ibidem, p. 153.

45

No enfoque Smithiano, a existência da liberdade natural de cada indivíduo

permite-lhe ao buscar a realização dos próprios interesses corroborar a possibilidade de

geração do bem-estar social pelos motivos já expostos anteriormente.

Desta forma, restaria ao Estado deixar fluir as escolhas individuais e se

abster o máximo possível de intervenções sobre a ordem de interesses econômicos próprias

do fórum privado. Bem porque, não poderia o Estado tomar decisões no sentido de

escolher ou orientar as atividades particulares, como podemos observar nesta passagem de

Smith:

“O soberano fica totalmente desonerado de um dever

que, se tentar cumprir, sempre o deverá expor a

inúmeras decepções e para essa obrigação não haveria

jamais sabedoria ou conhecimento humano que

bastassem: a obrigação de superintender a atividade das

pessoas particulares e de orienta-las para as ocupações

mais condizentes com o interesse da sociedade”53.

Somente em casos especiais poderia o poder público participar de atividades

no campo da economia desde que a margem dos interesses econômicos do setor privado, o

qual podemos constatar na determinação dos deveres do soberano:

“o dever de criar e manter certas obras e instituições

públicas que jamais algum indivíduo ou pequeno

contingente de indivíduos poderão ter interesse em criar

e manter, já que o lucro jamais poderia compensar o

gasto de um indivíduo ou de um pequeno contingente

de indivíduos, embora muitas vezes ele possa até

compensar em maior grau o gasto de uma sociedade”54.

Ou seja, compete ao Estado garantir suporte institucional e material às

opções livres dos indivíduos, segundo seus interesses econômicos, no sentido de viabilizar

53 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações, op. cit., v. 2, p. 147. 54 Ibidem, p. 147.

46

a geração de riqueza na sociedade. Ademais, em Smith existe uma qualificação dos gastos

realizados pelo Estado como sendo de mero caráter improdutivo, o que implica

necessariamente na sua limitação enquanto força propulsora do crescimento da riqueza de

uma nação. Vejamos:

“As grandes nações nunca empobrecem devido ao

esbanjamento ou à imprudência de particulares, embora

empobreçam às vezes em conseqüência do

esbanjamento e da imprudência cometidos pela

administração pública. Toda ou quase toda a renda

pública é empregada, na maioria dos países, em manter

cidadãos improdutivos”55.

Fica claro, portanto, que para Smith a liberdade dos indivíduos e suas

decisões suportadas pelo livre jogo do mercado, sem a interferência maléfica do Estado,

produzem a melhor solução para a riqueza material da sociedade. Compete ao Estado se

ater ao favorecimento das livres decisões pessoais no campo da atividade econômica,

abstendo-se ao máximo de realizar gastos improdutivos e, portanto, desonerando os

cidadãos do excesso de gasto público desnecessário. Mais que isso, cabe ao Estado se

abster de participar ou de interferir em áreas onde o resultado econômico lucrativo para a

iniciativa privada possa ser verificado.

Em mesmo sentido podemos perceber as funções do Estado, segundo a ótica

de Hayek, como sendo um guardião dos interesses do livre jogo do mercado. Como não

tem sentido o controle da atividade econômica, pois seria o mesmo que controlar as

possibilidades de realização individual ao diminuir sua liberdade de escolha, o Estado não

intervencionista atua eficazmente quando protege a estrutura legal do mercado

concorrencial. Nas palavras do próprio Hayke:

“O Estado que controla pesos e medidas (ou impede de

qualquer outro modo o estelionato e a fraude) é

indubitavelmente ativo, ao passo que o Estado que

permite o uso da violência – por piquetes de grevistas, 55 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações, op. cit., v. 1, p. 293-294.

47

por exemplo – é inativo. Entretanto, é no primeiro caso

que o Estado observa os princípios liberais, enquanto o

segundo não o faz”56.

Implica dizer que o poder político não significa uma opção ao poder sempre

eficiente do livre-mercado, mas sim um complemento de garantia institucional na defesa

dos interesses econômicos das pessoas. Em outras palavras, o Estado deve servir de fonte

protetora dos benefícios sociais advindos da existência de liberdade econômica no

mercado, mesmo que para isso o Estado tenha que utilizar do seu poder de polícia.

Tais interesses econômicos livremente garantidos serão à verdadeira

essência de controle e reforço sobre o próprio poder político estabelecido, segundo a visão

de Friedman. Na medida em que o mercado permite menor grau de coerção que os canais

políticos, o Estado deveria privilegiar a defesa do livre jogo das forças concorrenciais e

atuar como legislador e árbitro na proteção das liberdades econômicas. Este autor

reconhece a importância do Estado no campo da economia, contudo, o faz no sentido de

alertar para as conseqüências indesejáveis desta atuação excessiva sobre os benefícios

econômicos que poderiam resultar do livre-mercado e expõe a intromissão do Estado sobre

os resultados econômicos positivos que, de outra forma, teriam frutificado no mercado:

“O primeiro requisito é, portanto, que o governo

resolva seus próprios problemas, isto é, que adote

medidas que garantam estabilidade razoável ao seu

fluxo de despesas. Se conseguisse isso, daria

importante contribuição à redução dos ajustamentos

necessários no resto da economia”57.

Ou ainda, em outra passagem onde declara que o progresso econômico dos

Estados Unidos não foi resultado das ações do governo, mas sim, frutos da atividade

econômica efetivada pelo mercado livre:

“A maior parte dos empreendimentos realizados pelo

governo nas últimas décadas não alcançou os objetivos

56 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 92. 57 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade, op. cit., p. 76.

48

previstos (...) As medidas governamentais prejudicaram

em vez de favorecer tal desenvolvimento. Fomos

capazes de suportar e superar tais medidas unicamente

devido à extraordinária fecundidade do mercado. A

mão invisível fez muito mais pelo progresso do que a

mão visível pelo retrocesso”58.

Diante de tais pressupostos e afirmações ideológicas torna-se natural que, no

momento atual, haja forte necessidade de defender a existência de um Estado mínimo, para

servir apenas de elemento regulador e propulsor das leis que atendam as demandas

legítimas da liberdade econômica dos indivíduos. Obviamente, isto só será possível na

medida em que o mercado livre esteja protegido das interferências externas, dentre elas a

própria ação econômica do Estado.

1.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A partir dos pressupostos ideológicos da corrente dominante atual, o

neoliberalismo, cabe então avaliar suas conseqüências sobre o fenômeno social objeto

deste estudo: a responsabilidade social das empresas. Num primeiro momento, no presente

tópico, iremos apenas analisar as implicações da aceitação de tais ideais econômicos sobre

a responsabilidade social das empresas, num ambiente onde impera a defesa do livre jogo

dos interesses das forças do mercado concorrencial. Ou seja, respeitado os ideais

econômicos neoliberais: que resultado seria possível esperar no campo da responsabilidade

social das empresas? Posteriormente, somente no próximo tópico, buscar-se-á avaliar as

dimensões das causas materiais que afetam este processo de responsabilidade social das

empresas.

Antes de qualquer coisa é preciso ter em mente que toda ação individual,

respeitadas as leis vigentes, é legítima e apenas tais ações tomadas num ambiente que

privilegie a liberdade econômica podem representar a única justificativa razoável para a

interação dos indivíduos em sociedade. Não resta dúvida que, no pensamento liberal, o ato

livre das escolhas do indivíduo é o ponto central em questão e o campo econômico a forma

como e onde tal liberdade poderá ser exercida. No raciocínio de Hayek: 58 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade, op. cit., p. 182.

49

“A liberdade econômica que constitui o requisito prévio

de qualquer outra liberdade (...) deve ser a liberdade de

ação econômica que, junto com o direito de escolher,

também acarreta inevitavelmente os riscos e a

responsabilidade inerentes a esse direito”59.

Implica reconhecer, portanto, na ótica neoliberal, que a liberdade de escolha

do indivíduo se faz representar pela primazia absoluta dos seus direitos no campo

econômico. Bem porque, as decisões econômicas representam aquilo que resultará de mais

valioso para prover a satisfação das necessidades individuais. É pela via dos interesses

econômicos que o indivíduo torna possível a sua realização e, na esfera da impessoalidade

do mercado, a dignidade do indivíduo é respeitada segundo suas habilidades e méritos.

Caberá ao próprio indivíduo promover a sua adaptação, seu ajustamento

segundo as demandas dos mecanismos invisíveis do mercado. Desrespeitar a lógica da

superioridade do mercado é por em risco o equilíbrio da própria organização social da vida

humana. Querer manipular o mercado segundo um suposto interesse coletivo maior, pode

significar o caminhar na direção da negação da liberdade das pessoas. Nas palavras de

Hayke:

“Foi a submissão às forças impessoais do mercado que

possibilitou o progresso de uma civilização que, sem

isso, não se teria desenvolvido. É, portanto,

submetendo-nos que ajudamos dia a dia a construir algo

cuja magnitude supera a nossa compreensão”60.

E reforça tais aspectos ao justificar que foram estas características positivas,

“cada vez mais raras”, que serviram de força motriz para viabilizar o progresso da Grã-

Bretanha, destacando a decisiva contribuição da “iniciativa individual” e sua

“responsabilidade”, quando diz:

59 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 107. 60 Ibidem, p. 186.

50

“As virtudes nas quais em geral se admitia que esse

povo superava os demais (...) eram a independência e a

fé em si mesmo, a iniciativa individual e a

responsabilidade pela solução de problemas a nível

local, a justificada confiança na atividade voluntária, a

não-interferência nos assuntos dos vizinhos e a

tolerância para com os excêntricos e os originais, o

respeito pelo costume e pela tradição e uma saudável

desconfiança do poder e da autoridade”61.

Fica claro, portanto, que a responsabilidade social só poderá ser aceita e

assumida em consonância com a liberdade de escolha econômica que deve ser exercida

pelo indivíduo. Ou seja, não é possível querer obrigar ninguém a ser responsável

socialmente, uma vez que este ato está reservado a esfera da conduta pessoal e as suas

conseqüências econômicas ao seu autor. Ao querer e ser socialmente responsável o

indivíduo deverá arcar sozinho com os resultados advindos deste seu ato, o que certamente

trará reflexos sobre os benefícios econômicos particulares daquele indivíduo como, por

exemplo, assumir o compromisso de uma doação mensal de suas horas de trabalho, lazer

ou, até mesmo, fração pecuniária dos seus rendimentos. Isso pode ser mais bem

compreendido na frase abaixo, de autoria de um genuíno liberal:

“a moral é por essência um fenômeno de conduta

pessoal, mas também que ela só pode existir na esfera

em que o indivíduo tem liberdade de decisão e é

solicitado a sacrificar voluntariamente as vantagens

pessoais à observância de uma regra moral. Fora da

esfera da responsabilidade pessoal não há bondade nem

maldade, nem possibilidade de mérito moral, nem

oportunidades de pôr à prova as próprias convicções

pelo sacrifício dos desejos individuais ao que se

considera justo. Só quando somos responsáveis pelos

61 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 194.

51

nossos interesses e livres para sacrifica-los é que nossa

decisão tem valor moral”62.

Uma vez assumida a decisão pelo ato socialmente responsável, as

conseqüências deste evento recairão sobre o indivíduo que a tomou, logo, possíveis perdas

econômicas incorridas deverão ser absorvidas dentro dos padrões das necessidades

particulares do seu autor. Considerando que do ponto de vista de Hayke, qualquer perda

econômica individual afetará as necessidades menos importantes, portanto, a margem ou

na periferia do conjunto de nossas preferências, podemos deduzir que a tomada de decisão

socialmente responsável pelo indivíduo será efetivada até o limite de aceitação das perdas

econômicas menos importantes para a sua vida. Certamente, não haverá nenhum liberal

que aceite impor sacrifícios a si mesmo em favor daquele que não se dispõe ao ajustamento

requerido pelas modificações imprevisíveis do mercado.

Isto não significa dizer que serviços sociais não devam ser oferecidos aos

menos afortunados ou aqueles que estejam passando por dificuldades eventuais na

sociedade, porém a realização destes préstimos está subordinada às necessidades maiores

das responsabilidades individuais frente o mercado. Ou seja, nada justifica a ausência de

respeito às liberdades individuais em sintonia fina com as demandas do campo econômico.

Nos argumentos utilizados por Hayke:

“A manutenção da concorrência tampouco é

incompatível com um amplo sistema de serviços sociais

– desde que a organização de tais serviços não torne

ineficaz a concorrência em vastos setores da vida

econômica”63.

A subordinação da responsabilidade social do indivíduo ao interesse

econômico maior cuja materialização se configura pelo respeito e manutenção das leis

invisíveis do mercado é a única forma eficaz possível de coordenação destes esforços

sociais. Então, compete à liberdade pessoal decidir até onde é possível assumir

62 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 191. 63 Ibidem, p. 59.

52

compromissos socialmente responsáveis e arcar com os sacrifícios impostos por estas

decisões.

De outra forma, não se pode admitir a existência de um sistema de prestação

de serviços sociais que estivesse totalmente desvinculado da percepção das

responsabilidades individuais dos agentes sociais. Se assim for, significa instituir um

sistema sem mérito que isenta seus cidadãos da responsabilidade de assumirem

socialmente suas conseqüências econômicas. Nas palavras de Hayek64: “Nem temos o

direito de ser altruístas à custa de terceiros, nem mérito algum em o sermos quando não

existe outra alternativa”, tampouco, poder-se-á admitir a imposição de um sistema social

global que incentive a irresponsabilidade dos indivíduos.

Neste caso, podemos fazer um paralelo com a prestação de serviço social

levado a cabo pelo Estado que estaria servindo para o desvirtuamento dos valores sociais

estabelecidos pela ordem econômica do livre mercado. Mais que isso, a atuação do Estado

abre brechas para as desculpas justificadas daqueles cidadãos que em nada estariam

contribuindo para com o desenvolvimento de uma consciência socialmente responsável.

Na passagem abaixo essa possibilidade fica bem clara:

“Há claros indícios de que nos tornamos, na realidade,

mais tolerantes para com determinados abusos e muito

mais indiferentes perante as desigualdades em casos

individuais, depois que voltamos nossa atenção para um

sistema inteiramente novo, em que o Estado resolverá

todas as questões. É bem possível mesmo, como se tem

sugerido, que a paixão pela ação coletiva seja um meio

pelo qual, coletivamente e sem remorso, passamos a

satisfazer o egoísmo que, como indivíduos, tínhamos

aprendido, em parte, a reprimir”65.

Desta forma, a atuação social do Estado deve ser limitada aos setores onde a

inviabilidade do sucesso econômico não permita acesso à iniciativa privada concorrencial e

sua intensidade certamente não pode representar incentivo ao recrudescimento dos antigos

64 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão, op. cit., p. 191. 65 Ibidem, p. 192.

53

hábitos econômicos estatais, superados pela evolução natural imposta pelas novas

necessidades do livre mercado.

Segundo a perspectiva de Friedman66, se “os meios apropriados são a

discussão livre e a cooperação voluntária (...) O ideal é a unanimidade, entre indivíduos

responsáveis, alcançada na base de discussão livre e completa”, o que reflete o espírito do

verdadeiro liberal. A participação do Estado no auxílio à pobreza deve estar condicionada a

aceitação desta premissa antes de tudo.

Nas palavras de Friedman67, compete ao governo atuar “suplemente a

caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano ou de

uma criança”. O que significa aceitar a participação do Estado na rede de proteção dos

serviços sociais aos desafortunados apenas em complemento à iniciativa livre dos agentes

econômicos privados. Iniciativas sociais estas que devem estar exclusivamente vinculadas

à vontade livre dos indivíduos, bem como, a partir da opinião da maioria destes definir a

forma e peso do custeio dos gastos governamentais de “quanto, a não ser em termos do

volume de taxa que nós – e, com isso quero dizer a maioria – estaremos dispostos a aceitar

para tais propósitos”68. Fica claro que as ações sociais do Estado devem ter o aval dos

indivíduos para determinar os limites dos custos econômicos aceitos pela sociedade para

tais intervenções.

Na essência, o pensamento liberal de Friedman defende a supremacia do

mercado e da liberdade de direito econômico dos indivíduos se manifestarem diante das

questões sociais relevantes, ao invés da benevolência e paternalismo do Estado. Isso pode

ser notado na passagem abaixo:

“O liberal acolherá, de bom grado, medidas que

promovam tanto a liberdade quanto a igualdade como,

por exemplo, os meios para eliminar o poder

monopolista e desenvolver as operações do mercado.

Considerará a caridade privada destinada a ajudar os

menos afortunados como um exemplo do uso

apropriado da liberdade. E pode aprovar a ação estatal

66 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade, op. cit., p. 29.

67 Ibidem, p. 39.

68 Ibidem, p. 174.

54

para mitigar a pobreza como um modo mais efetivo

pelo qual o grosso da população pode realizar um

objetivo comum. Dará sua aprovação, contudo, com

certo desgosto, pois estará substituindo a ação

voluntária pela ação compulsória”69.

Contudo, Friedman é categórico ao refutar qualquer caráter de obrigação de

responsabilidade social que possa ser requerida dos agentes econômicos participantes do

mercado competitivo. Para ele, numa economia competitiva não faz sentido cobrar dos

participantes nada que não esteja estabelecido pelo livre jogo das forças do mercado. Ou

seja, a maior contribuição social do capital privado é a sua própria sobrevivência no

ambiente econômico e, conseqüentemente, seu progresso no sentido de acumular e tornar

disponível maior volume de riqueza material. Nas suas palavras:

“Em tal economia, há uma e só uma responsabilidade

social do capital – usar seus recursos e dedicar-se a

atividades destinadas a aumentar seus lucros até onde

permaneça dentro da regras do jogo, o que significa

participar de uma competição livre e aberta, sem

enganos ou fraudes”70.

Imputar ao capital e às empresas obrigações de responsabilidades sociais

estão além da sua função existencial. É uma “doutrina fundamentalmente subversiva” na

medida em que é impossível para um indivíduo isolado determinar qual seria o interesse

social.

Quando isso ocorre, e os altos funcionários decidem em nome das empresas

qual deve ser a contribuição social, sua contribuição às obras de caridade, universidades e

entidades filantrópicas, mesmo considerando tal decisão por meio do uso de incentivos

fiscais, implicaria numa usurpação dos direitos de decisão dos acionistas, verdadeiros

donos da empresa. Mais que isso, o Estado que incentiva e permite tais formas de

69 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade, op. cit., p. 177. 70 Ibidem, p. 122.

55

contribuições sociais com dedução dos impostos está coagindo os agentes econômicos

contra sua própria natureza competitiva71.

Considerando os elementos acima, a ideologia neoliberal não pode ser

considerada totalmente incompatível com um sistema de proteção social nos molde que

respeite a supremacia dos direitos individuais, portanto, não se pode considerar que a

responsabilidade social assumida livremente pelas empresas seja um fenômeno incoerente

com o pensamento econômico dominante. Ao contrário, se pode argumentar que com a

diminuição de tamanho e poder do novo Estado mínimo, a prestação de serviços públicos

sociais é diminuída, por conseqüência, a função social das empresas se potencializa

enquanto fruto da carência de necessidades básicas não supridas e dos próprios valores

econômicos atuais que regem a vida do homem em sociedade (a supremacia da liberdade

econômica).

Mesmo quando Friedman apud Srour72 se manifestou no New York Times

Magazine, nos termos da celebre afirmação de que “Há uma e uma única responsabilidade

social nos negócios – usar seus recursos e investi-los em atividades destinadas a

incrementar os lucros”, ele se posiciona numa clara alusão em defesa da soberania dos

interesses dos acionistas, acima das decisões tomadas por administradores profissionais.

Contudo, no sentido do respeito à indelegável liberdade do indivíduo em tomar suas

decisões, então, o próprio Friedman está decidindo em nome dos acionistas o que seria

melhor para eles, portanto, infringe, ele mesmo, sua regra número um.

Posto tais premissas da concepção ideológica neoliberal que alicerçam os

valores no campo econômico, podemos passar a analisar o avanço concreto da percepção

empresarial diante do conceito de responsabilidade social das empresas e, então, avaliar as

condições materiais sob o qual tal fenômeno está se verificando no caso brasileiro e, até

mesmo, porque não dizer, se expandindo.

71 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade, op. cit., p. 124-125. 72 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: Posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 217.

56

2 DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA

A sociedade atual é um mundo complexo formado por inúmeros tipos de

organizações legitimas: famílias, escolas, clubes, partidos políticos, governos e empresas,

dentre outras. Cada vez que um grupo de pessoas com interesses comuns se reúnem está se

formando uma organização social. Cada organização terá características próprias em

função das necessidades que procura satisfazer e usará de um aparato técnico específico

que permita atingir tais objetivos.

A empresa enquanto organização técnico-social diretamente produtiva ou

prestadora de serviço exerce inúmeras funções relevantes para a sociedade. Ao realizar

suas tarefas sociais entram em contato com o ambiente externo no qual está inserida e

interage com ele. Neste sentido, é oportuno perceber as empresas como sendo parte de um

sistema social aberto, tal qual concebe a Teoria Geral dos Sistemas73. Segundo Katz e

Kahn apud Duarte e Dias:

“nosso modelo teórico para a compreensão de

organizações é o de um sistema de energia input-

output, no qual o resultado da energia da produção

reativa o sistema. As organizações sociais são

flagrantemente sistemas abertos, porque o input de

energia e a conversão do output em novo input de

energia consiste de transações entre a organização e seu

meio ambiente”74.

Ou seja, cada empresa é uma organização técnico-social dotada de

características específicas, com objetivos próprios e compreende dinâmicas entre as

variáveis de dentro do seu sistema organizacional, bem como, dinâmicas destas para com

as variáveis do ambiente externo e vice-versa. Em outras palavras, as empresas afetam e

são afetadas pelas variáveis do meio ambiente no qual estão inseridas, além de seus

73 A Teoria Geral de Sistemas surgiu a partir das idéias do biólogo alemão Ludwig von Bertalanffly, nos anos 50. 74 DUARTE, Gleuso D., DIAS, José Maria A. M. Responsabilidade social: a empresa hoje. Rio de Janeiro; São Paulo: LTC: Fundação Assistencial Brahma, 1986, p. 4.

57

processos internos, numa contínua troca de influências que estarão redefinindo os motivos

do seu comportamento.

Considerar a visão sistêmica significa reconhecer numa percepção holística

o sistema organizacional das empresas e suas relações com o ambiente externo. Na medida

que as empresas interagem com o ambiente externo significa que estão inseridas num

sistema aberto e os resultados obtidos pela organização serão recebidos pelos elementos do

meio externo que irão reagir, provocando ações e reações de ambas as partes e mudanças

de posições ao longo do tempo.

2.1 UM SISTEMA ABERTO E GLOBALIZADO

A partir da compreensão de que as empresas estão inseridas num sistema

aberto, portanto, interagindo com o meio ambiente e consigo mesma, torna-se importante

compreender as características e dinâmicas envolvidas neste sistema. Uma vez que cada

empresa pode ser encarada como parte de um sistema total, ou seja, um subsistema, é

fundamental perceber as variáveis que ditam as possibilidades de interação dela com o

meio ambiente.

Antes, porém, é preciso retratar uma característica básica de um sistema: o

globalismo ou totalidade. A visão globalista de um sistema transparece pela possibilidade

de reação em cadeia que, uma mudança provocada por uma das unidades do sistema, se faz

refletir nas demais unidades.

Ou seja, existe uma espécie de natureza orgânica no sistema onde

alterações verificadas produzem um ajuste contínuo no sistema total. Há uma relação de

causa-efeito entre as ações das unidades que fazem parte de um sistema aberto. Nas

palavras de Miller appud Chiavenato:

“O efeito total dessas mudanças ou alterações se

apresentará como um ajustamento de todo o sistema. O

sistema sempre reagirá globalmente a qualquer

estímulo produzido em qualquer parte ou unidade”75.

75 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. São Paulo: Makron Books, 1993, p. 753.

58

A natureza de um sistema aberto se caracteriza justamente pelas relações de

troca de influências das unidades com o ambiente externo. Em outras palavras, a empresa

enquanto unidade do sistema mantém intercâmbio constante com as outras unidades do

ambiente, num jogo contínuo de relações interdependentes. O modelo genérico abaixo

reflete os parâmetros de um sistema aberto76:

Organização

Entrada Saída Saída

Ambiente ______________ _____________ Ambiente

Retroação

Neste sentido, toda organização, toda empresa está submetida às mudanças

que ocorrerem no ambiente, de forma dinâmica. Ao operar em determinado subsistema, a

empresa estabelecerá relações com outras unidades de diversos subsistemas,

complementares à sua atividade produtiva ou não, e, no intuito de garantir a consecução de

seus objetivos, toda organização procurará alcançar um estado firme (homeostase) que lhe

proporcione estabilidade e equilíbrio.

Para alcançar tal estado de segurança será preciso preencher dois pré-

requisitos: unidirecionalidade e progresso. Unidirecionalidade significa constância de

direção e manutenção do foco nos objetivos finais pretendidos, ou seja, mesmo

considerando as mudanças ocorridas no ambiente haverá que se descobrir novos meios

para se chegar ao fim objetivado. E progresso no sentido relativo de se avançar, de se

chegar ao fim desejado dentro dos limites de distorção toleráveis, mas sempre redefinindo

novos graus de progresso como meta77.

Fica claro, portanto, que a sobrevivência de uma empresa num sistema

aberto será fruto da sua capacidade organizacional e gerencial de adaptação às mudanças

verificadas no meio ambiente, procurando se posicionar num espaço de mercado e social

de segurança. Significa perceber que alterações no padrão técnico-social do sistema total,

no qual está inserida a empresa, representam rupturas na forma anterior de equilíbrio dela

76 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração, op., cit., p. 757. (Adaptado: inclui a palavra “organização”) 77 Ibidem, p. 765.

Processamento

59

com o meio externo e requer inovações para garantir a adaptabilidade necessária a sua

sobrevivência.

Uma vez reconhecido que existe uma dinâmica própria no sistema, a

empresa terá que se ajustar constantemente às mudanças verificadas, sendo mais lógico

que ela mesma antecipe ações no sentido de construir estrutura e comportamento

organizacional que lhe garantam a sobrevivência. A conseqüência das ações inovadora de

determinadas unidades – empresas - do sistema terá reflexo sobre as demais que também

irão reagir, numa sucessão contínua de variações no equilíbrio organização-meio. É

importante considerar que a própria empresa é parte ativa das mudanças que são

provocadas no ambiente externo.

Nesta luta pela sobrevivência empresarial no mercado competitivo, outra

importante característica que deve ter uma organização é a da diferenciação. Cada

organização terá que se construir a partir da percepção de que é necessário dispor de

estrutura e comportamento organizacionais em sintonia com as novas exigências do

mercado. Segundo o modelo de Katz e Kahn apud Chiavenato, a diferenciação é assim

conceituada:

“A organização, como todo sistema aberto, tende à

diferenciação, isto é, á multiplicação e à elaboração de

funções, o que lhe traz também multiplicação de papéis

e diferenciação interna. Os padrões difusos e globais

são substituídos por funções mais especializadas,

hierarquizadas e altamente diferenciadas. A

diferenciação é uma tendência para a elaboração de

estrutura”78.

Visualizando o processo global de mudanças ao longo da história, ainda que

de forma genérica, é perfeitamente possível ponderar que as transformações ocorridas se

reflem na cultura, no comportamento e nos valores sociais. Diferenciar-se à frente das

outras organizações significa, então, demonstrar que determinada empresa dispõe de

melhores condições de adaptabilidade ao mercado. Mais que ficar à mercê das mudanças

78 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração, op. cit., p. 771.

60

do meio externo, a própria empresa é o agente de grande parte das transformações que

ocorrem na sociedade.

Enquanto força ativa na construção de tais variações no equilíbrio geral é

natural que a empresa atue no sentido de lhe garantir a defesa de seus interesses. Isto

determina uma atuação sobre as transformações sociais direcionando-as para a consecução

dos objetivos das organizações empresariais. Cabe aqui a percepção de Meigniez apud

Duarte e Dias, quanto à importância da intervenção empresarial na vida social:

“ela [empresa] participa do sistema de poder

econômico e, por conseqüência, interpreta as

orientações culturais de uma sociedade, em função dos

interesses da classe dominante. A empresa tem um

poder e procura impor, nela e fora dela, valores e

comportamentos sociais e culturais conforme seus

interesses particulares”79.

Sendo assim, diante da visão sistêmica e da perspectiva da nova ordem

mundial que vai se globalizando atualmente, cada vez com maior velocidade, devido às

inovações tecnológicas nos meios de comunicação, as mudanças provocadas no equilíbrio

do sistema total em quaisquer lugares do mundo, ganham contornos a nível local com certa

rapidez. As alterações provocadas por determinada empresa ou grupo de empresas,

localizadas num país qualquer, surtem efeitos em distantes locais do planeta, com

intervalos de tempo cada vez menores, ainda que, a realidade lá vívida seja concretamente

diferente se comparada à realidade local onde surtiu reflexo. Enfim, as mudanças

provocadas por uns interferem na vida de terceiros: sociedades, empresas, famílias, entre

outros, na direção de um sistema global, tendendo a compatibilização de valores, aspectos

culturais e comportamentos socialmente aceitáveis.

O neoliberalismo e sua ideologia econômica dominante reflete justamente as

mudanças sistêmicas promovidas na estrutura capitalista, as quais foram requeridas para

dar resposta as limitações estruturais, no processo de acumulação de capital, que se

apresentaram a partir da década de 70, manifestadas pela via da estagflação, nos paises

desenvolvidos. Coube ao excesso de intervencionismo econômico do Estado – o Estado do 79 DUARTE, Gleuso D., DIAS, José Maria A. M. Responsabilidade social: a empresa hoje, op. cit., p. 19.

61

bem-estar social - e ao movimento sindical – o poder dos sindicatos – receberem a culpa

pelos desajustes estruturais na economia.

É importante percebermos que a revolução ocorrida nos meios de

computação e telemática, a chamada Terceira Revolução Industrial, iniciada a partir da

segunda metade da década de 50, tem papel fundamental na construção de um mundo

global e sistêmico. Apesar da distância física, o gerenciamento das grandes empresas, que

espalham cada vez mais seus tentáculos por vários países do mundo, se torna possível

dentro de uma lógica global. Surge a empresa transnacional, assim descrita por Silva:

“Trata-se de uma empresa que atuando em mercados de

mais de uma nação, busca uma competitividade global,

uma flexibilidade multinacional e um aprendizado

mundial, de modo a auferir o lucro esperado por seus

investidores passivos. Para isto, a empresa

transnacional usa a receptividade local como

ferramenta para obter flexibilidade nas operações

internacionais” 80.

Da atuação globalizada destas organizações resultará uma articulação

sistematizada que afeta a atividade econômica, a política e a cultural das diversas

sociedades humanas pelo globo terrestre. Novas formas de pensar serão impostas pelas

necessidades requeridas pela infra-estrutura, pelas forças produtivas estabelecidas e suas

relações dentro do modo de produção capitalista. A importância e influencia destas

empresas, grandes corporações, ultrapassam as fronteiras das nações e afetam seus valores

culturais. Uma nova dimensão nas relações econômicas e sociais se estabelece, nos moldes

da visão sistêmica, que recebe a seguinte descrição de Ianni:

“Sim, o neoliberalismo articula o mundo em moldes

sistêmicos. A despeito de complexo e contraditório, ou

caleidoscópio e caótico, esse mundo é simultaneamente

organizado, integrado, administrado e dinamizado em

80 SILVA, Jorge Vieira da Silva. A empresa Transnacional. In: Capitalismo: Teoria e dinâmica atual. São Paulo em perspectiva: Revista da Fundação Seade, São Paulo, v. 12, n. 2, abr.-jun., 1998, p. 47.

62

moldes basicamente sistêmicos. Sob certos aspectos, o

individualismo e a escolha racional podem ser vistos

como produtos e condições de toda uma visão sistêmica

bastante sofisticada; na qual as condições e as

possibilidades da atividade de indivíduos e

coletividades estão mais ou menos delimitadas. As

tecnologias eletrônicas e informáticas, agilizadas pelas

corporações transnacionais e as organizações

multilaterais, intensificam e generalizam a articulação

sistêmica do mundo, compreendendo indivíduos e

coletividades” 81.

Um complexo emaranhado de relações de interesses econômicos e sociais

imprime forma, global e local, às relações estabelecidas entre empresa-indivíduo-

sociedade. Uma nova organização da estrutura produtiva a nível mundial ganha contornos

de flexibilidade e integração, seja a nível propriamente na forma de produção quer seja ao

nível do deslocamento espacial da mesma. Ou seja, uma nova configuração de ligação

entre as empresas e as sociedades se estabelece e passa a ditar a influência sobre as

mesmas. Surge uma grande rede de empresas conectadas por interesses comuns.

Segundo a percepção de Bernardes sobre a empresa-rede:

“Define-se uma empresa-rede como um arranjo

institucional básico para lidar com os processos de

inovação sistêmicos. As redes caracterizam-se como

formas interpenetradas de mercado e organização,

possibilitando às corporações identificar oportunidades

emergentes para ligar a especialização flexível através

das fronteiras das empresas e para disparar os processos

de inovação contínua e em interação”82.

81 IANNI, Octavio. Globalização e neoliberalismo. In: Capitalismo: Teoria e dinâmica atual, op. cit.,, p. 31. 82 BERNARDES, Roberto C. A inovação no capitalismo contemporâneo. In: Capitalismo: Teoria e dinâmica atual, op. cit., p. 36.

63

Ou seja, a organização cada vez mais sistêmica do modo de produção

capitalista global impõe uma interação a nível mundial das forças produtivas, bem porque,

as ações isoladas de uma empresa ou grupo de empresas de um setor de atividade qualquer,

numa dada sociedade, se refletem sobre as demais. Isto exige de cada empresa,

especificamente, um esforço de agilidade e inovação no sentido de manter-se competitiva e

poder sobreviver no mercado. Exige da empresa uma capacidade de adaptação aos novos

valores que vão surgindo no ambiente concorrencial, bem como, requer dela uma atuação

diretamente ativa sobre a criação destes novos valores, técnicos e sociais, pois, desta

forma, o processo de competição e inovação pode ser administrado pela própria

organização.

2.2 A EMPRESA SOCIALMENTE RESPONSÁVEL

É inegável a contribuição das empresas na criação da riqueza humana, bem

como, a sua importância ao longo da vida das pessoas. Vivemos cercados por elas,

existimos profissionalmente vinculados a estas organizações e da atuação delas depende o

desempenho verificado no sistema econômico. São verdadeiras fontes do progresso

econômico.

Contudo, da sua atuação também surgem conseqüências indesejáveis tais

como: a poluição ambiental, prejuízos à saúde humana e animal, desvios na ordem de

conduta moral em benefício unicamente do lucro empresarial, abusos do poder econômico

e, por fim, distorções perversas no funcionamento da economia. Estes aspectos negativos

representam o custo social que se paga para obter as vantagens decorrentes da existência

das empresas no sistema capitalista. Ou seja, se há benefícios inquestionáveis também há

custos sociais atrelados à existência das empresas. Há externalidades negativas.

Considerando, portanto, uma organização social onde impera a legalidade

do sistema de propriedade privada, a liberdade dos agentes econômicos, das empresas e

das pessoas, para atuarem de forma concorrencial no mercado, sob a vigência da ideologia

neoliberal econômica, pode-se afirmar que as manifestações dos efeitos negativos, acima

citados, são frutos da somatória das decisões livres e racionais dos indivíduos.

A concepção do que é a responsabilidade social da empresa está diretamente

relacionada com a manifestação concreta e sistêmica de tais conseqüências indesejáveis e,

mais que isto, implica também relacionamento com a concepção ideológica que a

64

sociedade humana desenvolve de si mesma, num determinado período histórico, num

processo intertemporal dinâmico de construção do corpo social e do aparato produtivo que

se desenvolve no seio da sociedade. No presente item convém resgatar e explicitar a

gênese do conceito de responsabilidade social da empresa e seu desenvolvimento, antes de

analisar o caso específico do Brasil.

Na sua origem, a idéia da responsabilidade social da empresa remonta o

final do século XIX e início do presente século. Segundo relato de Maximiano83, Andrew

Carnegie, fundador da U.S. Steel, foi um dos pioneiros no assunto ao conceber que o

“princípio da responsabilidade social baseia-se na premissa de que as organizações são

instituições sociais”, quando, em 1899, publicou nos Estados Unidos da América o livro O

evangelho da riqueza, caracterizando dois princípios básicos relativos a responsabilidade

social da empresa: “caridade e stewardship”, ou seja, princípio da caridade e princípio do

zelo.

No entanto, ressalta Duarte e Dias84, que apesar de outras manifestações tais

como: Charles Eliot (1906), Arthur Hakley (1907) e John Clark (1916), foi somente com o

trabalho de Howard R. Bowen, intitulado Responsabilidades sociais do Homem de

Negócios, publicado em 1953, nos Estados Unidos da América, que se demarcou o início

de uma análise mais criteriosa, profunda e a partir desta obra se deu a divulgação e

popularização do conceito, no início dos anos 60, nos Estados Unidos da América e, a

partir do final da década de 60, na Europa.

É interessante notar que ambas abordagens têm forte cunho religioso. O

título da obra de Carnegie, por si só, não deixa dúvidas e o trabalho de Bowen foi

patrocinado pelo Conselho Federal das Igrejas de Cristo da América. O que significa que

uma primeira percepção do assunto estava fortemente ligada ao caráter religioso da

sociedade americana, portanto, à condição estabelecida da moral social da época.

Nos dizeres do próprio Bowen85, responsabilidade social dos homens de

negócios significa: “Ela se refere às obrigações dos homens de negócios de adotar

orientações, tomar decisões e seguir linhas de ação, que sejam compatíveis com os fins e

valores de nossa sociedade”. Ou seja, existe um certo caráter ambíguo na definição ao

83 MAXIMIANO, Antonio César Amaru. Teoria geral da administração: da escola científica à competitividade em economia globalizada. São Paulo: Atlas, 1997, p. 308.

84 DUARTE, Gleuso D., DIAS, José Maria A. M. Responsabilidade social: a empresa hoje, op. cit., p. 43-45.

85 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1957, p. 14-16.

65

relacionar “obrigação” com a necessidade de compatibilização dos valores morais da

sociedade americana. Isto, a contradição, fica mais claro quando o autor, um pouco mais

adiante, relaciona como sinônimos de responsabilidade social as idéias de “obrigações

sociais e moralidade comercial” e, complementa, dizendo: “Não se lhes devem impor

responsabilidades de que não seja lícito esperar que se desincumbam satisfatoriamente”, ou

ainda, recorre à expressão “aceitação voluntária”.

Ora, na medida em que aquele país defende uma ideologia calcada nos

valores econômicos do capitalismo, naquele momento histórico, nas décadas de 50 e 60,

paralelamente, passa a se difundir a percepção da responsabilidade social dos homens de

negócio enquanto um misto de obrigação e ação voluntária que possibilite o respeito aos

princípios da moralidade estabelecida na sociedade americana.

Modernamente, o conceito de responsabilidade social da empresa vai além

do argumento clássico que a considera como uma “obrigação”. Segundo Dias e Duarte86, a

empresa é entendida como um organismo social complexo e suas dimensões estão

integradas a uma dimensão maior: a sociedade. Há quatro dimensões na complexa

realidade vivida pela empresa que se devem considerar: a dimensão pessoal, pois a

empresa é composta por seres humanos; a dimensão social, pois o homem só existe em

sociedade; a dimensão política que reflete a convivência necessária do público e do

privado; e a dimensão econômica que é a sua natureza e função específica.

E, continua aqueles autores, esta percepção das dimensões vinculadas a

empresa torna possível perceber que ela tem outras responsabilidades que não apenas

aquelas primárias estabelecidas perante seus acionistas. Tais responsabilidades vão além da

mera prescrição obrigatória estabelecida em leis, ganhando contornos morais subordinados

a ética, bem como, devem se adequar aos ditames das demandas sociais envoltas por um

determinado cenário sócio-econômico da sua época.

Surge a noção de “parceiros” da empresa, stakeholders, um termo

abrangente que procura explicitar o grau de comprometimento e dependência recíproca da

empresa com os seus acionistas, empregados, fornecedores, clientes, concorrentes,

governo, grupos e movimentos e comunidade. Responsabilidade social da empresa é,

portanto, uma nova visão da empresa e do seu papel na sociedade.

A empresa passa a ser encarada como sendo um “cidadão”, um membro da

sociedade dos homens. Uma entidade social que se relaciona com todos os outros agentes 86 DUARTE, Gleuso D., DIAS, José Maria A. M. Responsabilidade social: a empresa hoje, op. cit., p. 52-56.

66

sócio-econômicos e, portanto, tem seus direitos e deveres que vão além das obrigações

legais estabelecidas no campo jurídico formal. Para Solomon:

“Se considerarmos as empresas como cidadãos e como

comunidades – não como entidades jurídicas, estáticas,

burocracias sem rosto e matrizes de compromissos

financeiros -, então as atividades e a ética dos negócios

se tornam muito mais abrangentes e humanas” 87.

Ou seja, a incorporação do conceito de responsabilidade social pelas

empresas torna possível surgir outras preocupações que vão além da fronteira de interesse

dos acionistas ou proprietários, bem porque, não há como separa-los dos interesses

econômicos e sociais dos demais participantes do processo, inclusive, das questões

ambientais.

Formal e modernamente conceituada pelo Conselho Empresarial para o

Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), no ano de 1998, na Holanda, a responsabilidade

social corporativa está assim entendida:

“o comprometimento permanente dos empresários com

comportamentos éticos e com o desenvolvimento

econômico. A saber: melhorar a qualidade de vida dos

empregados e de suas famílias, bem como da

comunidade local e da sociedade como um todo”88.

Para entender o fenômeno da manifestação da responsabilidade social da

empresa, portanto, se faz mister analisar as condições materiais que o requereram e, neste

sentido, tomando como referência central à obra clássica de Bowen, num primeiro

momento, e, complementando-a, quando necessário, conceber um arcabouço que permita

tal interpretação e a construção um grupo lógico de justificativas que possam ser aplicadas

em outras sociedades. Não podemos esquecer, no entanto, que os padrões socialmente

87 SOLOMON, Robert. A melhor maneira de fazer negócios: como a integridade pessoal leva ao sucesso corporativo. São Paulo: Negócio Editora, 2000, p. 83. 88 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial, op. cit., p. 198.

67

aceitos se alteram no tempo e os interesses da empresa serão diretamente influenciados por

eles.

2.2.1 A concepção ideológica da sociedade capitalista

Uma leitura cuidadosa da obra de Bowen reflete uma certa preocupação do

autor acerca dos desafios ideológicos enfrentados, na época, pela afirmação da sociedade

capitalista americana. Em outras palavras, é possível perceber que a vertente moral

protestante se faz presente em defesa clara dos interesses de construir uma sociedade nos

moldes capitalista. A questão da defesa de uma ideologia social capitalista estabelecida é o

primeiro elemento que chama atenção, na construção da percepção da responsabilidade

social da empresa.

Neste aspecto, o autor deixa transparecer de forma nítida um caráter de

obrigação que deve ser entendido não como uma obrigação imposta pelo poder de governo,

ao contrário, uma obrigação que nasce da situação vivida naquele momento histórico e

político pelo receio, justamente, de novas imposições do governo, ou pior, da mudança da

própria ideologia do Estado.

Justificando o porque da preocupação com a responsabilidade social pelos

homens de negócios, o autor explicita parte do caráter formal que é entendido pela

expressão do termo “obrigação”, dizendo: “porque eles têm sido forçados a se

preocuparem mais”89.

Devemos lembrar que a grave crise da década de 30 fez nascer um processo

de interferência do Estado na economia traduzida, inicialmente, pelo New Deal,

paralelamente, ao desconforto da defesa dos ideais do livre mercado, bem como, ao

término da Segunda Guerra Mundial, o sistema capitalista encontra um forte opositor

ideológico a nível mundial: o comunismo.

Numa alusão clara aos riscos desta conjuntura, o autor se posiciona

defendendo o sistema privado de livre iniciativa, dizendo “a emprêsa privada só pode ser

aceita, e assim continuar sendo, se ficar patenteado que ela pode servir melhor à Sociedade

do que outro sistema qualquer”90. Ou seja, sob o risco da opção comunista e de um forte

movimento civil, que se manifesta a partir da década de 50, a empresa deve dar sua

89 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 126. 90 Ibidem, p. 58.

68

contribuição material para a sustentação da ideologia do sistema social vigente. E justifica

as preocupações ideológicas, do ponto de vista da empresa:

“Os homens de emprêsa americanos começaram a

aperceber-se das fôrças que induziam ao socialismo em

vários cantos do mundo e a reconhecer que algum dia

poderiam ser ameaçados da mesma forma, a menos que

se alterasse o sentido das tendências do pensamento

social e que se pudesse modificar o funcionamento do

sistema de livre-emprêsa, de molde a atender mais

amplamente às aspirações do povo norte-americano.

Deveras, muitos homens de negócios interpretaram o

“New Deal” como a ponta de lança do socialismo”91.

Existem, portanto, duas preocupações básicas: evitar a destruição do sistema

sócio-político estabelecido e, simultaneamente, conter a intervenção do Estado na

economia. Esta última percepção fica exposta pela crítica do autor, quando diz: “montante

de regulamentação oficial, ou até mesmo de propriedade pública, tem figurado como

permanente ameaça”92. Ou seja, a responsabilidade social da empresa pode evitar o avanço

desnecessário de regulamentações sociais de controle do governo. Esta questão fica visível

também na frase: “A evocação voluntária destas responsabilidades pelos homens de

negócios é, ao menos, uma alternativa possível para se evitar um maior controle da

economia pelo Estado”93.

Convém, então, perceber que este esforço de responsabilização social da

empresa pelos destinos do sistema sócio-político do capitalismo americano, ganha

contornos tanto na sociedade americana quanto a nível mundial, se espalha. Significa dizer

que a contribuição dada pela empresa na estabilidade da sociedade capitalista americana

serve de bom exemplo para outros países pelo mundo afora.

Bowen denomina este aspecto relacionado às finalidades específicas dos

homens de negócios vinculados a um necessário esforço educacional pró-capitalismo.

91 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit, p. 93.

92 Ibidem, p. 126.

93 Ibidem, p. 40.

69

Vejamos seus argumentos, neste sentido: “desenvolver atitudes mais favoráveis com

relação às companhias e ao sistema de empresa, entre consumidores, autoridades públicas,

e o público em geral; e mesmo, persuadir povos estrangeiros das vantagens do

capitalismo”94.

Diante desta avaliação não resta dúvida de que a percepção socialmente

responsável das empresas existe vinculada aos interesses ideológicos do sistema social

capitalista, atualmente, vigente em quase todos os países.

Mais que isto, ela na verdade nasce na sua defesa e, portanto, o processo de

avanço na sua percepção pelas próprias empresas e pelo resto da sociedade mundial, se

potencializará na medida em que o aparato político e ideológico estabelecido o requerer

enquanto condição fundamental de proteção da ordem social.

Uma frase do autor não deixa dúvidas acerca desta avaliação:

“Estamos entrando em uma era em que os negócios

privados serão julgados exclusivamente em função de

sua contribuição concreta para o bem-estar coletivo. Os

mais destacados pensadores do mundo dos negócios

compreendem isto claramente. Para eles, por

conseguinte, a aceitação de obrigações para com os

trabalhadores, consumidores e o público em geral, é um

requisito para a sobrevivência do sistema de livre

empresa”95.

É neste sentido que a responsabilidade social da empresa não representa

uma ameaça ao sistema capitalista, ao contrário, significa sua solidificação e a

demonstração de sua capacidade de criar benefícios direcionados ao bem-estar da

sociedade em geral, garantindo sua aceitação ideológica e contribuindo para conter as

intervenções do Estado na economia. Enfim, a primeira dimensão de manifestação da

responsabilidade social da empresa representa um instrumental em favor da ideologia

capitalista, foi no passado e também é no presente.

94 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit, p. 72. 95 Ibidem, p. 67.

70

2.2.2 O fundamento econômico da empresa

As condições materiais da sociedade, fundamentalmente, as questões

vinculadas às idéias e ao interesse econômico dos homens são sem dúvida um fator de peso

na percepção da responsabilidade social da empresa. Não há como desconsiderar o

interesse econômico vinculado a esta opção socialmente responsável da empresa.

A obtenção do lucro, a principal variável econômica que condensa os

interesses econômicos numa sociedade capitalista, decorre de inúmeros fatores que

interagem na empresa. Não implica querer dizer que o lucro é o único objetivo de uma

empresa, porém, é uma das essências que no modo de produção capitalista mantém a

empresa viva e competitiva no mercado. Para obter lucro uma empresa deve demonstrar-se

acima de tudo eficiente e flexível, interna e externamente.

A elaboração da produção e sua realização em termos competitivos pela

empresa são os pontos centrais desta questão. Ou seja, existem fatores relativos as

condições de elaboração do produto pela empresa e existem fatores concernentes ao

interesse de venda do produto no mercado; os quais atraem a atenção e os esforços

coordenados de qualquer empresa que procura sobreviver. Desta forma, avaliar este item

implica em fazer considerações do ponto de vista das relações internas e externas que a

empresa mantém com outras forças sociais.

Do ponto de vista das relações internas à empresa, o aumento da eficiência e

da produtividade do trabalho, na elaboração de bens e serviços, é fator de fundamental

importância, principalmente, se pensarmos o interesse econômico da empresa numa

perspectiva de longo prazo. Isto significa reconhecer que a participação dos trabalhadores

ganha posição de destaque.

Incorporando os princípios da abordagem administrativa das relações

humanas, elaborada na década de 30 e desenvolvida intensamente até metade da década de

50, se reconhece que existe uma relação do “trabalho informal e a satisfação do

trabalhador”. Ou seja, não são apenas as condições físicas que afetam a produtividade, os

“fatores psicológicos e sociais” envolvidos no grupo informal de trabalho também teriam

grande influência sobre ela. Ademais, a elaboração de um outro trabalho, do ponto de vista

das relações humanas, foi fundamental para demonstrar a importância de se preocupar com

as necessidades dos trabalhadores: a Teoria de Maslow (teoria das necessidades humanas).

Esta teoria incorpora a percepção cumulativa das necessidades humanas que vão de níveis

71

inferiores, necessidades básicas de sobrevivência, até as necessidades superiores, de

conteúdo intelectual e psicológico do trabalhador96.

É neste sentido que Bowen97 descreve como fins específicos da

responsabilidade social dos homens de negócios: “conseguir melhores relações com os

trabalhadores e maior produção destes”. Em outras palavras, o próprio Bowen, esclarece a

essência desta questão quanto à sua importância para a empresa, tanto do ponto de vista

dos interesses econômicos quanto das relações humanas, as quais passam a constituir

preocupações e pensamentos dos homens de negócios, dizendo:

“Reconhecem que a própria eficiência depende das

atitudes dos trabalhadores tanto quanto dos processos

técnicos de produção. Destarte, as boas relações

humanas transformam-se não somente em uma

finalidade desejável para o interesse social geral, como

igualmente em uma condição para o funcionamento

eficiente da empresa, que atende aos interesses desta

sob o ponto de vista restrito de obtenção dos lucros.

Uma orientação sábia quanto a relações humanas é

considerada como uma boa política social e um bom

negócio”98.

Portanto, com o auxílio do estudo científico da administração, desejos e

necessidades dos trabalhadores se tornam objetos que inspiram cuidados por parte da

empresa e, conseqüentemente, passam a fazer parte do rol de itens que compõem a

responsabilidade social dos homens de negócios. Mais que isto, o trabalho em grupo passa

a ser valorizado pela empresa segundo o funcionamento nos moldes do “espírito de

equipe”. Na sua essência, afirma Bowen99: “(por ex., boas condições de trabalho e boas

relações humanas) são realmente um bom negócio, já que fomentam a eficiência e reduzem

custos”.

96 BATEMAN, Tomas S. e Snell, Scott A. Administração: construindo vantagem competitiva. São Paulo: Atlas, 1998, p. 53. 97 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 71. 98 Ibidem, p. 76. 99 Ibidem, p. 127.

72

Existe aqui o encontro de duas justificativas que motivam a empresa na

direção de sua responsabilidade social perante o trabalhador, uma de caráter de persuasão e

outra de caráter forçoso. Persuasão no sentido de que tais considerações acerca dos

trabalhadores e da produtividade vão de encontro aos interesses da empresa. Forçoso

devido à existência, naquela época, de um forte movimento operário organizado. Ou seja,

um fator de ordem imperativa que defende os interesses do trabalhador a começar pelos

seus rendimentos.

Convém explicitar uma constatação daquele autor sobre este caráter forçoso

da relação empresa-sindicato, na época em questão, que nos será útil mais adiante, pois

ainda não existe uma real participação dos trabalhadores na gestão da empresa, diz ele:

“Entretanto, a idéia de que os operários e outros devam participar nas decisões comerciais

em geral, por certo não foi ainda adotada por muitos homens de negócios americanos”100.

Da mesma forma, em período mais recente, podemos observar a essência

desta argumentação, em relação aos trabalhadores, quando Duarte e Dias reproduzem um

dos “Dez Pontos Reúnem Empresários Do Mundo Todo Em Torno Do Ideal De Uma

Empresa Solidária E Atuante”, dizendo: “Consideramos como importante objetivo da

empresa brasileira elevar constantemente os níveis de sua produtividade, sempre

acompanhada pelo crescimento paralelo da parte que por imperativo e justiça social, cabe

aos assalariados”101.

Do ponto de vista das relações externas, a empresa tem que considerar os

interesses de realização da produção. Ao se demonstrar socialmente responsável através de

suas ações junto ao público externo, a empresa ganha visibilidade e pode elevar sua

participação de vendas no mercado.

Para ser percebida pelo público alvo, demandantes efetivos e potenciais, na

opinião de Bowen102: “o homem de negócios pensa que o comércio deve empenhar-se

ativamente na criação de procura maior dos produtos por meio de publicidade e outros

processos de promoção de vendas”. Isto implica que a empresa deve ser bem conhecida

pelo público não apenas pelos seus produtos, mas, também, por outras ações, portanto,

podem ser ações responsáveis junto à comunidade.

100 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 55.

101 DUARTE, Gleuso D., DIAS, José Maria A. M. Responsabilidade social: a empresa hoje, op. cit., p. 71.

102 Ibidem, p. 61.

73

Interessante notar que quanto mais se expuser ao público via práticas de

campanhas publicitárias, mais a empresa estará sendo avaliada pelo mesmo público. Sua

exposição contínua no mercado atrairá para a empresa a atenção sobre a sua conduta,

portanto, sobre as suas ações no âmbito restrito da produção e no âmbito das ações sociais

junto ao público. Nas palavras do autor: “É claro que as companhias que funcionam assim,

à luz de intensa publicidade, são forçadas a pensar nas reações públicas às suas

deliberações, o que equivale a tomar em devida consideração como estas afetarão o

interesse público”103.

Passa a existir um processo de relação mútua entre empresa-comunidade,

quando a primeira procura expandir suas vendas por meio da exposição publicitária no

mercado. Surge uma interação do tipo ação-reação que deve ser considerada pela empresa.

Certamente, conseqüências importantes para o destino da empresa serão travadas neste

processo e podem determinar sua sobrevivência, no longo prazo.

A imagem da empresa e, portanto, os volumes de vendas de seus produtos

estarão sendo associados às campanhas publicitárias e às ações socialmente responsáveis

da organização, na comunidade onde atua ou naquela onde pretende vender seus produtos.

Bowen descreve esta interação da seguinte forma:

“A publicidade tem duas conseqüências preciosas. A

primeira é que quando os administradores sabem que

suas ações serão examinadas publicamente, é provável

que tomem mais cuidado em atender às suas

responsabilidades sociais do que se suas atividades se

realizarem debaixo de sigilo. A outra é que quando o

público pode saber o comportamento das companhias,

fica em situação de distinguir entre as que satisfizeram

fielmente as suas obrigações sociais e as que deixaram

de obedecer aos estalões aceitos, e, portanto, em

condições de exercer uma pressão moral para a adoção

de padrões mais elevados de funcionamento”104.

103 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 103. 104 Ibidem, p. 190.

74

Desta forma, atender as demandas de uma responsabilidade social implica

dizer que a empresa pode beneficiar-se desta atuação social do ponto de vista do volume de

vendas, da sua imagem e visibilidade no mercado e, portanto, do fortalecimento da sua

marca. A empresa ganha destaque diante aos olhos do público e dos concorrentes, e

receberá as reações que advirem desta sua ação dita socialmente responsável.

Neste sentido, a empresa percebe a possibilidade de compor sua estratégia

de marketing com projetos e ações sociais, os quais ultrapassam o mero exercício da

filantropia. O chamado “marketing social” torna-se uma realidade moderna baseada nas

ações sociais estrategicamente pensadas e articuladas pela empresa. Segundo Melo Neto e

Froes105, as principais modalidades do marketing social são marketing da filantropia;

marketing das campanhas sociais; marketing de patrocínio de projetos sociais; marketing

de relacionamento com base em ações sociais e marketing de promoção social do produto e

da marca.

Em resumo, quanto a uma análise das variáveis internas e externas ligadas à

responsabilidade social assumida pela empresa, pode-se relacionar abaixo seus principais

benefícios, respectivamente:

- motivação dos funcionários, aumento de produtividade, diminuição do

absenteísmo e rotatividade do pessoal, descoberta de novas

habilidades e lideranças, bem como, maior facilidade para recrutar

novos valores profissionais;

- aumento no volume de vendas, fortalecimento da imagem da empresa,

valorização das suas marcas no mercado e fidelização da clientela.

2.2.3 A gestão profissional da empresa

O crescimento da complexidade do exercício da administração da empresa

tornou obsoleta aquela percepção de que um só homem pode comandar sozinho, com

segurança e certeza, o futuro daquela organização. O “mandachuva” está em extinção. A

administração é uma arte complexa que exige formação técnica e sensibilidade pessoal. É

105 MELO NETO, Francisco Paulo de e FROES, César. Responsabilidade social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999, p. 152.

75

impossível, sozinho, conceber todas as suas implicações sem um trabalho profissional e

amparado por uma equipe.

A “educação comercial” como era chamada o estudo da administração,

surgiu em 1881, na Universidade de Pennsylvania, e a segunda escola de comércio, em

1898, na Universidade de Chicago. Aos poucos a mentalidade comercial de formação a

nível superior vai ganhando adeptos e sua importância é reconhecida no mundo das

empresas. A administração vai se tornando uma profissão, pois ainda não era reconhecida

como tal, na época dos escritos de Bowen. Porém, segundo aquele autor, já havia uma

percepção básica dos educadores da função destas escolas, diz ele: “é dar um treinamento

profissional que contribua com o conhecimento das funções sociais da empresa comercial e

com um código de ética em que o interesse social ocupe lugar de destaque”106. Para

administrar um negócio, passa a ser preciso ter algum conhecimento técnico e este

reconhecimento vai ganhando terreno com o tempo.

Um outro fenômeno, paralelamente, a formação superior do administrador

de empresa, torna ainda mais influente a penetração do conceito de responsabilidade social

nas empresas: a separação das funções de propriedade e de controle na grande empresa.

Desta forma, o exercício da gestão dos negócios da empresas passa a ser necessariamente

dividido com pessoas de origem diferente daquelas que possuidoras da propriedade do

capital.

Os proprietários passam a dividir a gestão dos negócios com pessoas

profissionalizadas especificamente para exercer esta função. Agora, os interesses na gestão

da empresa não serão tão homogêneos quanto eram antes, pois a personalidade e os

interesses particulares do administrador profissional também passa a fazer parte do

processo de gestão empresarial. O dono da empresa ou acionista é levado a perceber que

será preciso adotar outra postura.

Nas palavras de Bowen107: “um grande número de homens de negócios

declara que os diretores de uma empresa são curadores, não apenas pelos acionistas ou

proprietários, mas também pelos empregados, fornecedores, consumidores, pela

comunidade vizinha, e pelo público em geral”. A administração dos negócios inicia uma

mudança de mentalidade e novos pontos de vista passam a fazer parte de suas atenções.

106 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 97-99. 107 Ibidem, p. 62.

76

Ao conceber a empresa numa perspectiva de longo prazo, o administrador

profissional se preocupa com a prosperidade da organização no contexto de suas diversas

relações internas e externas. Um processo social na tomada de decisões ganha dimensões

dentro da empresa e o interesse único do acionista deixa de ter o monopólio e a palavra

final sobre as ações práticas e estratégicas da firma. Outros interesses se incorporam às

decisões empresariais: interesses sociais.

É neste sentido que Bowen se expressa, quando afirma:

“Quando os administradores e outros passaram a pensar

nela como um ente com interesses e vida próprios, isto

foi, de fato, um rompimento com a opinião tradicional

de que só importava o acionista. Tornou-se então

possível, como estágio seguinte da evolução, pensar

não apenas na prosperidade da empresa mas também no

impacto desta sôbre os vários grupos por ela afetados,

de que os acionistas são somente um”108.

É neste sentido que a responsabilidade social adentra a empresa, pelas

também mãos de seus administradores profissionais, numa clara manifestação da

complexidade dos diversos, às vezes, antagônicos, interesses particulares dos indivíduos

que ajudam estruturar e compor a própria empresa.

2.2.4 O ordenamento institucional da sociedade

Pensar na constituição de uma sociedade onde impera a liberdade de

expressão e manifestação participativa das pessoas e, noutra, onde existe um poder

totalitário e a negação dos movimentos democráticos, certamente, será de fundamental

diferença para a percepção da responsabilidade social pelas empresas. Quanto maior o grau

de liberdade de expressão das pessoas numa determinada sociedade, maior será o nível de

consciência social que a sociedade terá dela mesma.

108 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 109.

77

Para Duarte e Dias109, a “conscientização popular”, que para eles é sinônimo

de “conscientização holística”, surge e se desenvolve na medida em que três aspectos

fundamentais vão ganhando forma e percepção perante os membros da sociedade: as

desigualdades sociais, o poder da empresa e os direitos individuais. Tais pressões sociais

surgidas se posicionam ao redor e, mesmo, por dentro, da estrutura da empresa. A partir de

suas manifestações não há como a empresa ser imune as conseqüências da necessidade de

repensar seu comportamento e seus valores perante a sociedade.

Uma nova espécie de controle social vai tomando corpo no seio da

sociedade e envolve as organizações produtivas. Na perspectiva pessoal de Srour110,

paralelamente, “ao enfraquecimento do controle social exercido pelas agências ideológicas

tradicionais – família, a comunidade local, a escola, a igreja” surgem novas formas de

controles sociais na sociedade atual: “poder de mercado dos clientes”, “pela mídia quando

expressa a vigilância da sociedade civil” e “pelo aparelho jurídico-judiciário do Estado”.

Portanto, na medida que uma sociedade organiza estes modernos

mecanismos de controle social, obviamente, mais eficientes que os tradicionais,

principalmente, nos grandes centros urbanos, a construção da democracia e suas leis, de

um ambiente competitivo com agências governamentais de fiscalização, de consumidores

exigentes devido ao próprio avanço do conceito de cidadania, bem como, por toda a

vigilância da sociedade civil, impõem-se maiores preocupações sobre as ações

empresariais.

Sob as luzes da divulgação de uma mídia, relativamente, mais independente,

livre e eficaz devido a heterogeneidade e eficiência técnica, na divulgação dos fatos pelo

mundo afora, a empresa se vê envolta por uma nova lógica de pressão social que recai

sobre as conseqüências das decisões que venha a tomar. Se suas decisões causarem grande

volume de externalidades negativas, a sociedade como um todo perceberá e irá reagir

prejudicando os interesses da própria empresa.

Entre as empresas concorrentes, aqueles que conseguirem se destacar pelo

respeito ao ordenamento institucional, ganharam o respeito do consumidor e da sociedade

civil. Na verdade, estas empresas estarão construindo uma base sólida e segura para

poderem operar seus negócios, dentro dos limites aceitáveis pela sociedade. Suas relações

109 DUARTE, Gleuso D., DIAS, José Maria A. M. Responsabilidade social: a empresa hoje, op. cit., p. 123. 110 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial, op. cit., p. 19-20.

78

públicas serão fortificadas perante a comunidade e a empresa será vista como uma

empresa-cidadã.

Tanto a percepção de uma empresa com responsabilidades cidadã quanto o

poder que os controles sociais exercem sobre a mesma, já se faziam presentes na

formulação original de Bowen. Resguardado as diferenças da realidade temporal vivida

dada a complexidade maior de nosso tempo, a essência é praticamente a mesma, pois o que

se alterou foram às formas concretas da manifestação deste poder social sobre as empresas

e a reação delas sobre tais elementos.

Bowen111 reconhece que tanto as “atitudes do público” quanto a “definição

democrática” daquilo que se espera do homem de negócio, no “lugar e circunstância” da

sua época, são fatores que influenciam a responsabilidade social das empresas. E chega a

explicitá-las, dizendo: “O ponto importante, que um número cada vez maior de homens de

negócios está percebendo, é que o clima da opinião pública e das fôrças políticas em cujo

âmbito funcionam as emprêsas de hoje, difere dràsticamente do de há cinqüenta ou mesmo

vinte e cinco anos, atrás”112. O que não dizer, então, na atualidade, transcorrido quase

metade de um século a partir daquelas observações iniciais.

Cabe ressaltar uma importante característica, o poder de ação da empresa

frente a estes desafios e a própria adoção da responsabilidade social pelas mesmas. A

empresa não é uma organização passiva, ela reage às pressões do meio ambiente. O que

implica perceber que ela também tentará influenciar na construção do aparato de

ordenamento institucional. Na condição de “cidadão”, a empresa tentará exercer seus

direitos políticos e influenciar a sociedade.

Nas palavras de Bowen113: “O próprio fato dêle [homem de negócios] estar

tão interessado na opinião pública e de querer tanto modificá-la, é uma indicação nítida do

poder dessa opinião pública em sua conduta”, ou seja, é opção natural a empresa exercer

papel ativo na construção de um ordenamento institucional que favoreça sua sobrevivência

e seus interesses econômicos. E ela o faz através da aceitação estrategicamente pensada de

uma posição socialmente mais responsável que, dentro da dimensão democrática instituída,

significa reconhecer os interesses de outros grupos sociais e interagir com eles até o limite

da defesa dos interesses próprios.

111 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 166-167.

112 Ibidem, p. 66.

113 Ibidem, p. 140.

79

2.2.5 Os valores sociais do homem: a moral e a ética

Tanto a sociedade como também a empresa esta envolta por um conjunto de

valores e crenças, socialmente estabelecidos, que regem as atitudes e o comportamento dos

indivíduos dentro destas estruturas sociais. Portanto, os valores dos homens definem o

comportamento padrão socialmente aceitável que se manifesta na sua cultura. A tradição

de regras e rituais que se manifestam na cultura, podem refletir a expressão destes valores

fundamentais ou apenas a superficialidade de crenças enraizadas na mente dos indivíduos.

Nos interessa aqui ressaltar a importância dos valores fundamentais

estabelecidos numa sociedade e que afetam a percepção da empresa em assumir a

responsabilidade social na sua cultura. É preciso compreender também que, com o passar

do tempo, tais valores fundamentais que regem a vida dos homens mudam na sociedade.

Evoluem. Ademais, a empresa estando contida na sociedade, certamente, receberá a

influencia da manifestação de novos valores sociais em sua cultura organizacional. Na

expressão de Solomon114: “Em última análise, são os valores, e não pessoas ou produtos,

que definem uma empresa e sua cultura”.

Ora, compreender os valores como parte fundamental de uma sociedade,

portanto, também da empresa, implica perceber que através deles é que se terá a regência

das ações concretas socialmente aceitas. Ou seja, por meio da ação real dos homens e das

empresas é que se manifestam os verdadeiros valores sociais que eles acreditam.

Então, pensar na responsabilidade social assumida pela empresa, enquanto

manifestação dos valores dos homens, necessariamente, implica ação de fato e não apenas

discurso. Nas palavras de Solomon115: “Eles estão necessariamente incorporados pelos

executivos, gerentes e funcionários. Os valores, como a cultura em geral, devem ser

vividos. O que cada um diz é bem menos importante do que o que cada um faz”.

Não se tem aqui a pretensão de fazer uma análise profunda de todos os

valores dos homens, porém, chamou a atenção uma questão intertemporal que envolve a

discussão e preponderância dos valores da moral e da ética nas relações dos homens na

sociedade.

114 SOLOMON, Robert. A melhor maneira de fazer negócios, op. cit., p. 86.

115 Ibidem, p. 87.

80

Convém, então, explicitar o conceito de moral e de ética. Conforme Aranha

e Martins116: “a moral é o conjunto das regras de conduta admitidas em determinada época

ou por um grupo de homens” e complementa, dizendo, “moral vem do latim mos, moris,

que significa ‘maneira de se comportar regulada pelo uso’, daí ‘costume’, e de moralis,

morale”. Já ética, para aqueles mesmos autores: “A ética ou filosofia moral é a parte da

filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam

a vida moral” e complementa: “Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de

costume”.

Enquanto a moral se reflete no comportamento e nos costumes praticados

pelo homem, num dado período de tempo, a ética é uma atitude filosófica, reflexiva, em

relação a estas práticas moralmente estabelecidas, numa sociedade ou grupo de pessoas.

Srour propicia importante contribuição, ao dizer:

“A ética opera no plano da reflexão ou das indagações,

estuda os costumes das coletividades e as morais que

podem conferir-lhes consistência... A ética visa à

sabedoria ou ao conhecimento temperado pelo juízo. A

moral, em contrapartida, corresponde a um feixe de

normas que as práticas cotidianas deveriam observar e

que, como discurso, ilumina o entendimento dos usos e

costumes”117.

Quer-se com isto demonstrar que há controles sociais informais que

norteiam o comportamento dos homens em sociedade ou agrupados em organizações, na

medida em que a conduta e atitude dos indivíduos (ou grupo de indivíduos) recebem

influência da moral e da reflexão ética socialmente aceitas.

Numa análise dos argumentos iniciais de Bowen, justificando a

responsabilidade social aceita pelos homens de negócios, é possível perceber uma forte

influência da moral religiosa estabelecida na sociedade americana. Os seus argumentos

estão carregados de adjetivos neste sentido, como, por exemplo, ao explicitar o dever e a

116 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993, p. 274. 117 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial, op. cit., p. 29.

81

responsabilidade dos proprietários: “não exclusivamente visando seus fins egoístas, mas de

maneira a que sirvam às necessidades de tôda a sociedade (...) o dono é um depositário,

responsável perante Deus e a sociedade”118. Ou ainda, quando advoga o dever cristão do

homem de negócios e diz:

“O homem de negócios deve estar imbuído de respeito

pela dignidade e pelo valor essencial de todos os

homens, e de um espírito de compaixão revelado em

suas relações com os operários, fregueses,

fornecedores, competidores e outros com quem tenha

transações comerciais”119.

Esta concepção religiosa, portanto, moral, permeia toda a filosofia da

argumentação inicial de responsabilidade social. Do ponto de vista do trabalho, diz aquele

autor: “A natureza e as condições do emprêgo devem ser tais que o trabalhador perceba

uma finalidade em sua tarefa e tenha noção de estar sendo útil ao próximo no desempenho

de seus encargos diários”120. E do ponto de vista da necessidade econômica externa da

empresa, diz ele: “Só devem ser fabricados produtos condignos para satisfazer as

necessidades respeitáveis do público, e os processos de venda e de propaganda não devem

prejudicar os padrões morais e culturais dêste”121.

E podemos ir além, pois, paralelamente, existe uma incipiente participação

da reflexão e contribuição da ética para a consecução das atividades da empresa. Isto fica

claro quando Bowen reclama por uma maior participação da reflexão ética na indução dos

negócios: “As associações dos diversos ramos de negócios bem poderiam meditar mais a

respeito da criação de códigos de ética comercial e torná-los mais objetivos e concretos”122.

Na medida em que caminha a história do homem, um maior grau de

liberdade de expressão deste homem e de consciência da própria sociedade humana, se

associa a um nível ampliado de responsabilidades, seja a nível pessoal seja empresarial. O

homem herda e constrói sua cultura, seus valores. Vai tomando consciência de si mesmo,

118 BOWEN, Howard R. Responsabilidades sociais do homem de negócios, op. cit., p. 46. 119 Ibidem, p. 53. 120 Ibidem, p. 54. 121 Ibidem, p. 54. 122 Ibidem, p. 192.

82

refletindo. E isto se processa pelo uso, cada vez maior, da ética superando antigos preceitos

da moral tradicional.

A crescente interação dos interesses antagônicos dos diferentes grupos

sociais faz a ética dos negócios considerar “um envolvimento multifacetados com outras

pessoas no mundo”123. Logo, os atos livres e conscientes das empresas exigem,

conseqüentemente, maior grau de responsabilidade, além da simples tradição moral. Ou

seja, a empresa se torna responsável na medida em que responde por seus atos perante os

outros. Faz um exercício de reflexão. Enfim, a empresa passa a considerar com maior peso

o estudo ético de suas ações e as conseqüências advindas destes atos, principalmente,

aquelas conseqüências que afetam as questões sociais e ambientais perante a sociedade.

Cabe reconhecer, então, que as cinco dimensões apresentadas para avaliar as

diferentes perspectivas da empresa se tornar um agente socialmente responsável, não se

acham isoladas uma das outras. Na verdade, interagem entre si forçando um diálogo

necessário para a convivência social dos diferentes homens e suas ideologias, interesses

econômicos, anseios e valores pessoais, num processo contínuo de ação-reação.

123 SOLOMON, Robert. A melhor maneira de fazer negócios, op. cit., p 107.

83

3 RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA NO BRASIL

3.1 O IMPACTO DO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO

Antes de iniciar a avaliação da percepção material da responsabilidade

social, pelas empresas brasileiras, num primeiro momento, é importante situar o país no

contexto de sua inserção na aceitação da ideologia global dominante: o neoliberalismo

econômico.

Enquanto o movimento neoliberal se estruturava política e ideologicamente

nos Estados Unidos da América, na Grã-Bretanha e na Europa continental, a partir do final

da década de 70, forçado pela crise econômica do modelo fordista-keynesiano, no caso

brasileiro, vivemos os benefícios do chamado milagre econômico, na mesma década de 70,

porém, seguido de uma crise brutal nos anos 80, a “década perdida”.

Inicialmente o Brasil foi beneficiado pela extrema liquidez internacional, na

década de 70, elemento favorável ao processo de endividamento brasileiro. Uma forte

acumulação de capital financeiro e geração de crédito, fruto do efeito multiplicador

bancário, se manifestou na Europa e deu origem ao chamado “euromercado de dólares”.

Este fenômeno de concentração monetária teve origem no “desequilíbrio financeiro e

comercial dos EUA, sua ajuda externa à Europa e ao Japão e os fluxos de seus

investimentos no exterior”124 e, junto com os petrodólares, financiou o endividamento dos

paises da América latina.

O país se aproveita deste crédito facilitado para avançar seu “plano nacional

de desenvolvimento autônomo” (II PNB) e solidificar sua inserção tardia na II Revolução

Industrial, viabilizando “aumento extraordinário da capacidade de produção das indústrias

pesadas, de insumos e de bens de capital”. Contudo, a política americana de promover uma

“diplomacia do dólar forte”, no período compreendido entre 1979/82, faz a dívida externa

do Brasil sofref forte elevação, multiplicando-se por três, e leva os paises do terceiro

mundo a crise de inadimplência dos anos 1980/82125. O ajuste da economia americana pela

via das altas taxas de juros, também fez ruir o sonho brasileiro do crescimento econômico

fácil e sustentado. No período entre 1982 a 1991, fluiu da América Latina cerca de US$

124 CANO, Wilson. América Latina: do desenvolvimento ao neoliberalismo. In: FIORI, José L. Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, p. 293.

125 TAVARES, Maria da Conceição. Império, Território e dinheiro. In: FIORI, José L. Estados e moedas no desenvolvimento das nações, op. cit., p. 470-477.

84

195 bi em pagamentos de serviço da dívida externa para o sistema bancário

internacional126.

Durante toda a década de 80, o Brasil se vê forçado a implantar inúmeros

planos econômicos, no sentido de combater os desajustes estruturais, todos mal sucedidos,

e a buscar a geração de vultosos superávits comerciais para dar dos pagamentos da conta

dos juros e amortização da dívida externa. Paralelamente, ao movimento de estatização da

dívida externa, surge, conseqüentemente, sua irmã gêmea, a dívida pública interna, e o país

encontra os limites estruturais que o impede de continuar a crescer de forma equilibrada.

A adoção do modelo de substituição de importações por tempo prolongado

favoreceu o aparecimento de uma estrutura de mercado imperfeito, um mercado cativo às

empresas com baixo nível de concorrência interna e externa que, durante a crise

inflacionária deste período, apenas repassavam os aumentos de custos ao mercado sem

maiores preocupações com as questões de produtividade e eficiência. Restou ao Estado

brasileiro a tentativa de utilizar as empresas estatais como fonte de refinanciamento

externo, simultaneamente, instrumento de controle da inflação pela adoção de tarifas

públicas defasadas. Nem seria preciso enfatizar o uso político destas empresas e,

principalmente, do próprio aparato burocrático-administrativo do governo para gerar

empregos.

No quadro internacional, ao longo dos anos 80, os paises desenvolvidos

reestruturam suas economias. Seus Estados fazem parte do dever de casa e suas empresas

transnacionais passam a necessitar essencialmente de novos mercados para exploração. A

nova ideologia neoliberal servirá justamente para confrontar-se com os limites

institucionais existentes nos países subdesenvolvidos, Estados nacionais soberanos de

caráter interventor, desajustados estruturalmente, com o intuito de provocar mudanças

institucionais, produtivas e financeiras para que favoreçam a nova ordem econômica

global.

A política econômica neoliberal justificada para os países em dificuldade

financeira, se faz constituir a partir das recomendações do Consenso de Washington

(1989). Em síntese, as recomendações dos técnicos do FMI, Banco Mundial e Banco

Interamericano do Desenvolvimento advogavam disciplina fiscal, reforma tributária,

liberdade de movimentação para o capital financeiro, liberdade comercial, privatização e

126 HAVRANEK, Alice & BARSOTTI, Paulo. Notas sobre o Estado e a Política neoliberal. In: COGGIOLA, Osvaldo (org.). Capitalismo: Globalização e Crise, op. cit., p. 213.

85

desregulamentação dos mercados, proteção à propriedade intelectual, estabilização da

economia e incentivo à retomada dos investimentos estrangeiros. Enfim, era a defesa

justificada da abertura das economias subdesenvolvidas ao comércio internacional e a

entrada dos capitais externos, bem como, a redução do tamanho do Estado e sua

estruturação financeira.

Diante da desestruturação financeira do Estado brasileiro, e após diversas

tentativas frustradas de combate inflacionário, a eleição democrática do governo Collor,

em 1990, representou esta desesperança e o início da opção neoliberal no país,

ironicamente, simbolizados na caça aos marajás enquanto representação da ineficiência do

Estado. De início a abertura da economia brasileira a concorrência externa, o incentivo à

entrada de capitais estrangeiros e o desenvolvimento de uma política de privatizações,

visando diminuir o tamanho e a intervenção do Estado na economia, representava o

processo de desregulamentação estatal.

Com defasagem de uma década o país se vê inserido na lógica econômica

dominante, o que é prontamente reforçado pelo conjunto de medidas sugeridas pelo

chamado Consenso de Washington para adequação estrutural das economias

subdesenvolvidas, principalmente, as latino-americanas. O neoliberalismo brasileiro se

associa aos supostos ideais de modernidade e progresso econômico frente às mazelas

provocadas pelo gigantismo do Estado e promove a abertura acelerada da economia

brasileira à competição comercial externa, bem como, idealiza um projeto de privatizações

das empresas estatais, que tem continuidade no governo Itamar e toma forma mais

acentuada no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Quanto às posições colaborativas de FHC acerca do domínio neoliberal e

sua implementação, podemos sintetiza-las a partir da visão crítica de Alcoforado127 que

encontra no conceito da “teoria da dependência”, de autoria do próprio FHC e Enzo

Faletto, as bases lógicas de um pensamento sociológico que não percebe no neoliberalismo

econômico uma ameaça ao desenvolvimento do país. Ao contrário, descreve a

industrialização possível das economias dos países subdesenvolvidos justamente pela ótica

do “desenvolvimento dependente associado” ao capital internacional.

Acrescenta ainda aquele autor que na visão de FHC a “burguesia de

Estado”, a burocracia econômica, não dispunha mais de condições para gerenciar o

progresso do Estado-Nação devido a maior complexidade desenvolvida pelo sistema 127 ALCOFORADO, Fernando. Globalização. São Paulo: Nobel, 1997, p. 114-116.

86

capitalista, ou seja, devido à incapacidade de controlar sua própria economia interna. Em

sendo assim, o Estado não dispõe de capacidade para moldar o progresso da Nação, pior,

ele mesmo é um obstáculo aquele progresso, o que, portanto, requer sua reformulação.

Aceitar esta posição é reconhecer que o papel do Estado deva ser alterado. É

aceitar o modelo de inserção das economias nacionais subdesenvolvidas no cenário

internacional sob a égide passiva das suas políticas econômicas, no bojo de uma crescente

interdependência global. É aceitar o capital internacional como única fonte de geração da

riqueza e do progresso do país. Isso significa reconduzir o Estado às suas funções básicas

de prestação de serviços de educação, saúde e segurança, ou seja, ao Estado mínimo.

Neste sentido a proposta de FHC seria reorientar a atuação do Estado

ineficiente para a realização de “parcerias criativas”. Ao invés de produzir, considerar a

colaboração do empresariado; ao invés de atender sozinho às demandas sociais, considerar

o papel das organizações não governamentais; e ao invés de definir a forma das relações de

trabalho, aperfeiçoa-las pela participação dos sindicatos.

Devemos reconhecer, portanto, que os novos ideais político vigentes no

Brasil estão em perfeita sintonia com a visão neoliberal econômica e com as orientações

estruturais emanadas pelo Consenso de Washington, tendo contrapartida exata nas ações

do poder executivo que estão sendo implementadas pelo governo FHC.

Desta forma, podemos passar a avaliar as causas materiais concretas da

manifestação da responsabilidade social das empresas, no caso brasileiro. Para tanto,

tomaremos como base de raciocínio lógico, o quadro formado pelas cinco dimensões

desenvolvidas no item anterior.

3.2 DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA, NO CASO

BRASILEIRO

Embora a manifestação de responsabilidade social da empresa seja um

fenômeno recente no mundo, sua evolução não deixa dúvidas em concluir que esta é uma

filosofia que vai penetrando nos modelos de gestão empresarial, independentemente do

tamanho da empresa. Cada vez mais empresas procuram explorar este conceito no sentido

de se manterem firmes e atuantes no mercado.

87

Segundo Duarte e Dias128, somente no final dos anos 70, as idéias de

responsabilidade social da empresa começaram a chegar aos países “periféricos”;

simultaneamente, a crise econômica dos anos 80, na América Latina, também válida para o

caso brasileiro. Esta conjuntura econômica desfavorável, prejudicou uma construção mais

efetiva da percepção da responsabilidade social pelas empresas do país.

Coincidentemente, para o caso brasileiro, é justamente nos anos 90, em

plena vigência de subordinação nacional aos ideais econômicos neoliberais e a tentativa de

inserção mais pronunciada do país no processo de “globalização”, que as empresas e a

sociedade passam a perceber a responsabilidade social da empresa como um tema que vem

ganhando rápido destaque nacional. Segundo Carcanholo129: “A globalização pode ser

definida, então, como uma fase específica da economia em que as atividades das firmas, os

fluxos comerciais e financeiros adquirem caráter planetário. Tudo isso reflete-se em novas

características do sistema econômico.” Ou então, segundo Hirst e Thompson130: “A

globalização, em seu sentido radical, deveria ser considerada como o desenvolvimento de

uma nova estrutura econômica, e não simplesmente uma mudança conjuntural”.

Ainda que se considere mais novo o movimento de responsabilidade social

da empresa, no Brasil, cabe destacar o exemplar papel de fomentador institucional da idéia

que vem sendo exercido pelo Instituto Ethos. Com pouco mais de dois anos, operante

desde julho de 1998, com sede em São Paulo, este instituto é parceiro do seu co-irmão,

mais velho, o Business for Social Responsability (BSR), nos EUA, com idade de pouco

mais de oito anos.

Para se ter a real dimensão do poder de influencia que é e está sendo

exercido, por estes institutos, convém destacar que o BSR “tem 1600 associados que

respondem por um faturamento da ordem de 1,5 trilhão de dólares” e o Instituto Ethos

“reúne 214 empresas associadas. Um levantamento prévio do perfil de 78% destas

empresas revela um resultado parcial significativo: o faturamento somado é de R$ 119

bilhões, o que, para efeito de comparação, equivale a 14% do PIB. E essas empresas

128 DUARTE, Gleuso D., DIAS, José Maria A. M. Responsabilidade social: a empresa hoje, op. cit., p. 46-47.

129 CARCANHOLO, Marcelo D. Globalização e neoliberalismo: os mitos de uma (pretensa) nova sociedade. In: MALAGUTI, Manoel L. et al. A quem pertence o amanhã?: ensaios sobre o neoliberalismo. São Paulo:Loyola, 1997, p. 199.

130 HIRST, Paul e TOMPSON, Grahame. Globalização em questão. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 21-22.

88

empregam 470 mil pessoas”131. Anteriormente, o Instituto Ethos contava com 70

associados que reuniam um faturamento anual em torno de US$ 15 bilhões132.

A evolução da mudança de comportamento empresarial, no caso brasileiro,

é perceptível. Conforme declarou Oded Grajew133, empresário e atual presidente do

Instituo Ethos, no Simpósio Nacional de Empresas e Responsabilidade Social, realizado na

cidade de Ribeirão Preto, em novembro de 1999: “Há dez anos, quando se procurava uma

organização para pedir a ela que investisse em ações sociais, costumávamos ouvir: Tudo

bem, vou fazer um sacrifício, vou fazer uma doação”. Segundo levantamento do Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Brasil, em 1998, 67% das empresas

pesquisadas na região sudeste já direcionavam recursos monetários praticando algum tipo

de ação social134.

Conforme cita Melo Neto e Froes135, estudo do Banco Mundial, de março de

1999, denominado “Parceria, pobreza e cidadania” caracteriza um aumento da participação

das empresas, em todo o mundo, em projetos sociais. E salientam a pesquisa de “Kanitz &

Associados” que estimou em R$ 1,728 bilhões os investimentos em projetos sociais, das

400 maiores entidades filantrópicas do Brasil. Ou seja, os dados demonstram existir uma

sensível atuação social conjunta envolvendo empresas, governo, ONG’s e sociedade civil.

Enfim, fica claro, que com o desenvolvimento da consciência empresarial, a

chamada empresa-cidadã brasileira tem possibilitado um avanço considerável na sua

atuação, direta ou indiretamente, seja em projetos de cunho social ou ambiental. Torna-se

então fundamental avaliar, sob a perspectiva das dimensões que, anteriormente foram

encontradas, as causas materiais que requereram o pronunciamento deste fenômeno da

responsabilidade social das empresas, para o caso brasileiro.

3.2.1 A concepção ideológica da sociedade capitalista

De imediato, fazendo um paralelo com as questões levantadas nos

primórdios da responsabilidade social da empresa, no caso americano, na década de 50,

131 OLIVEIRA NETO, Waldemar de. Responsabilidade social no Brasil e no mundo.Revista Mercado Global, São Paulo, n. 107, junho, 2000, p. 53-54. 132 SOLOMON, Robert. A melhor maneira de fazer negócios, op. cit., p. 271. 133 GRAJEW, Oded. O que é responsabilidade social. Revista Mercado Global, op. cit., p. 47.

134 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial, op. cit., p. 263. 135 MELO NETO, Francisco Paulo de e FROES, César. Responsabilidade social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor, op. cit., p. 22 e p. 9.

89

pode-se afirmar seguramente que, no caso brasileiro, pós anos 90, não se trata de uma

defesa do sistema capitalista frente a algum sistema social opositor. Bem porque, a queda

do muro de Berlim (1989) e a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(1991) caracterizaram o colapso do sistema comunista na Europa. Não existe mais nenhum

sistema social à altura de combater o capitalismo, no mundo, pois mesmo a China se vê

invadida aos poucos pelo sistema privado de empresas e Cuba quase nada representa a

nível internacional. Não há, por enquanto, risco institucional ao capital privado mundial.

A ideologia capitalista em questão está agora relacionada à defesa dos

interesses da liberdade econômica, da supremacia do livre jogo das forças do mercado, da

forma mais abrangente possível, portanto, livre das garras do Estado intervencionista. A

influência do Estado sobre os setores econômicos possíveis de serem exploradas pelo setor

privado, logo, pelas suas empresas, deve ser retirada, deixada livre para o capital privado.

Ademais, o próprio Estado brasileiro está com suas finanças públicas comprometida pelo

alto custo financeiro da dívida interna e as empresas estatais perderam a capacidade de

investimentos.

A obrigação que se entende agora enquanto expressão da ideologia

capitalista dominante é a da diminuição do tamanho do Estado, diminuição do Welfare

State e suas benesses aos indivíduos socialmente pouco comprometidos com a eficiência

do sistema econômico. Ou seja, o momento atual reflete uma necessidade ideológica de

desmonte do aparato produtivo econômico e social subordinado às ordens do Estado

keynesiano.

O processo acelerado de globalização econômica, principalmente, a partir

dos anos 70, nos países desenvolvidos, e a nova ideologia neoliberal, chega defasado no

Brasil em pouco mais de uma década. A abertura econômica implementada pelo governo

Collor, no início dos anos 90, marca o começo da adesão ideológica que o país faz pela

opção neoliberal. Portanto, também marca o início do desmonte do aparato social erguido

sob a regência do Estado forte em benefício da lógica de mercado, das relações de troca.

Antes dos anos 90, na década de 80, o empresariado brasileiro via

essencialmente na função do Estado uma clara obrigação de suporte social às necessidades

da população carente, inclusive, para aqueles que fossem seus funcionários. O que implica

em posicionar a responsabilidade social da empresa, num plano secundário de importância

dado à urgência da necessidade de sobrevivência da empresa, em meio à aguda crise

econômica da época.

90

Vejamos a opinião dos empresários brasileiros naquela época, na década de

80, relacionando responsabilidade social da empresa e o papel do Estado. Com a finalidade

de poder analisar este viés nacional, um importante trabalho de pesquisa realizado por

Tomei, num grupo composto de 45 pequenas e médias empresas e 20 grandes empresas,

viabiliza constatações neste sentido. Na opinião dos pequenos e médios empresários, numa

clara visão a nível micro, pode-se tomar como referência uma frase emblemática: “Eu acho

que a principal responsabilidade social do empresário é gerar empregos, dar condições para

que o trabalhador viva bem”136. Já para os grandes empresários, numa visão mais macro do

processo:

“Uma sociedade decadente resultaria a longo prazo

num ambiente empresarial menos viável. Portanto, uma

empresa deve assumir uma posição de ativo e bom

cidadão não apenas no que diz respeito à forma de

conduzir os negócios, mas também desempenhando

alguma liderança na direção em que a sociedade está se

mobilizando. Isto assegurará que pelo menos os seus

interesses sejam considerados”137.

Ou seja, se para a pequena empresa conceder emprego já é sua função

social, para a grande empresa “alguma liderança” pode ser feita na área da

responsabilidade social, contudo, sem nenhuma conjectura concreta do que poderia vir a

ser feito. É nesta direção que as empresas, na década de 80, estão mais preocupadas

consigo mesmas do que exercerem um papel realmente ativo na área de interesse social,

portanto, exógena à natureza primária da empresa.

A própria autora conclui, dizendo: “Muitos empresários de ambos os grupos

afirmaram que este tipo de preocupação com responsabilidade social é irrelevante para o

momento atual, independentemente da viabilidade ou não da prática de responsabilidade

136 TOMEI, Patrícia A. Responsabilidade social de empresas: análise qualitativa da opinião do empresariado nacional. Revista de Administração de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, v. 24, n. 4, out-dez, 1984, p. 195.

137 Ibidem, p. 195.

91

social; a situação do país exige outras prioridades”138. Enfim, numa conjuntura de crise,

primeiramente, importa a sobrevivência da própria empresa.

Em contraposição, a função social do Estado e sua obrigação enquanto ator

político principal está bem definida, na cabeça dos empresários. Notamos isso a partir das

seguintes declarações: “A função do Estado é muito precípua para mim, dentro da

sociedade. E uma das funções do Estado é internalizar aquilo que os economistas chamam

de externalidades”, ou ainda, “O atendimento às necessidades básicas da população

brasileira nas áreas de assistência médica, alimentação, educação, habitação e emprego não

é fundamentalmente um problema econômico ou financeiro, mas uma questão de vontade

política”139.

Num mesmo sentido, ainda que requerendo um acanhado afastamento do

Estado das atividades de produção, a tarefa social maior permanece sob a responsabilidade

do Estado, como também é possível notar nestas falas dos empresários: “A ênfase no papel

do Estado como produtor de bens e serviços deve ser substituída por profunda atuação no

campo social, com o objetivo de proporcionar a todos menor desigualdade no acesso á

oportunidade.”, ou ainda, “Uma empresa deve estar voltada para os problemas sociais,

embora a liderança da questão deva ser função do Governo”140. O que implica subordinar o

atendimento das necessidades sociais da população, essencialmente, sob a tutela do Estado.

O domínio ideológico neoliberal, contraditoriamente, rompe com a

passividade do empresariado na medida em que a reorganização do poder público, nos

moldes do Estado mínimo, deixa suas conseqüências perversas. Passa a existir um espaço

livre para a exploração econômica (de troca) das tarefas que antes eram básicas da

atividade de Estado: previdência, assistência médica, educação, entre outras, bem como, o

próprio Estado se manifesta insuficiente para dar conta das demandas sociais urgentes que

se manifestam na sociedade: desemprego, criminalidade, enfim, tensão social. Na

avaliação de Mattoso141, o neoliberalismo no Brasil fez destruir mais de 3 milhões de

empregos nos anos 90, elevando as taxas médias anuais de desemprego total de 8,7% em

1989 para 19,5% em 1999.

138 TOMEI, Patrícia A. Responsabilidade social de empresas: análise qualitativa da opinião do empresariado nacional, op. cit., p . 199.

139 Ibidem, p. 199 e 200. 140 Ibidem, p. 200 e 199. 141 MATTOSO, Jorge. O Brasil desempregado: como foram destruídos mais de 3 milhões de empregos nos anos 90. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999, 13.

92

A diminuição da participação do papel do Estado na sociedade requer que

este espaço seja ocupado por outro ator social: a empresa-cidadã. As palavras de Antonio

Jacinto Matias, vice-presidente do banco Itaú, deixam transparecer esta importância: “Se

investir em educação e saúde é decisivo para o país, também é condição essencial para que

uma empresa moderna evolua na construção da imagem de “empresa-cidadã” e tenha êxito

em suas metas empresariais”142. Ou seja, uma nova realidade se estabeleceu no mundo

social e dos negócios no Brasil.

3.2.2 O fundamento econômico da empresa

O processo de abertura da economia brasileira, ao longo dos anos 1990,

impôs uma urgente necessidade de reorganizar o modelo de gestão empresarial no país,

pois as empresas viviam num sistema protecionista do mercado nacional (economia quase

fechada) que não exigiam maiores cuidados vinculados ao padrão de competição acirrada.

O processo de incentivo a substituição de importações chegara ao fim.

Com a alteração do padrão de competitividade do mercado brasileiro, agora

mais aberto à concorrência de um maior número de empresas de porte internacional, uma

reestruturação produtiva se faz presente seja ao nível dos métodos de produção seja ao

nível da nova mentalidade exigida da empresa. Novos padrões “tecnológicos e

organizacionais” precisavam ser rapidamente incorporados à empresa, no processo de

modernização forçada a que ela está sendo submetida, sob pena de ser eliminada do

mercado.

Inovações do tipo programas de “Qualidade Total” e “Reengenharia”

viraram moda no meio empresarial como forma de aumentar a qualidade dos produtos da

organização, paralelamente, objetivando a redução nos custos. Níveis hierárquicos são

eliminados na área administrativa e técnicas de lean production (sem gorduras de pessoal)

são introduzidas nas fábricas. Automação e terceirização passam a fazer parte do novo

cenário produtivo.

Em pleno desenvolvimento da Terceira Revolução Industrial, o país adentra

mais uma vez tardiamente ao novo paradigma, agora denominado padrão de “acumulação

flexível”, em substituição ao modelo fordista de produção e acumulação de capital. Isto

não implica dizer que o modelo do fordismo tenha sido de todo eliminado, ao contrário, 142 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial, op. cit., p. 270.

93

ambos modelos, o velho e o novo, convivem na mesma dimensão social. O termo padrão

de acumulação flexível é utilizado por Harvey143 para designar a necessidade pós-moderna

de “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e

padrões de consumo”.

A modernização da economia brasileira, enquanto tentativa de integração do

país ao cenário capitalista neoliberal, sofre grande influência do poder do maior agente

mundial: a empresa transnacional. Numa relação clara de dependência sistêmica, Dowbor

descreve:

“O grupo de grandes empresas transnacionais que

efetivamente domina o processo de transformação

econômica exerce assim um poder extremamente vasto.

Este poder, articulado com o peso econômico, político,

midiático e militar do Primeiro Mundo, transforma a

maior parte dos atores sociais do planeta, e em

particular os do Terceiro Mundo, em meros

espectadores que tentam, sempre com atraso, se

adaptarem de forma relativamente menos prejudicial às

vertiginosas transformações do capitalismo

dominante”144.

Esta nova ofensiva de vertente neoliberal do capital, a nível mundial, ao

criar uma complexidade de inovações no âmbito da produção, intra-empresa, seja a nível

local, regional ou mundial, também obriga a empresa a conviver com elementos de ordem

político-institucionais, outras empresas e instituições sociais, que resultam numa percepção

da empresa como “sujeito-cidadã” do mundo145.

A “mundialização do capital” capitaneada pelos benefícios da evolução

tecnológica (microeletrônica e programação em computadores) permite uma automação

143 HARVEY, David. Condição pós-moderna. 9 ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 140. 144 DOWBOR, Ladislau. A reprodução social: propostas para uma gestão descentralizada. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 88. 145 ALVES, Giivanni. Nova ofensiva do capital, crise do sindicalismo e as perspectivas do trabalho – o Brasil nos anos noventa. In: TEIXEIRA, Francisco J.S. et al. Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas determinações do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1998, p. 150.

94

flexível das estratégias de produção mundial da empresa, com aprofundamento no processo

de divisão do trabalho, operacionalizando uma complexa “rede de empresas

especializadas” dentro da mesma companhia ou de empresa prestadora de serviços

(terceirizada), elos de ligação, simultaneamente, “a maior precisão de fabricação”146.

Cabe esclarecer que o significado do termo mundialização, utilizado por

Chesnais147, caracteriza: “dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas

distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação

ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às

políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de

conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980,

sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan”. Neste trabalho, o foco se dá,

essencialmente, no segundo aspecto, que se funde com o termo “globalização”, enquanto

causa ideológica-estrutural do movimento de acumulação de capital, no período recente.

Com isto, percebe-se que o fator de competitividade da empresa brasileira

passa a incorporar elementos estruturais do sistema de concorrência a nível mundial, os

quais se acham operantes em outras organizações produtivas e vai ganhando contornos a

nível nacional. Esta mudança na forma de organizar a empresa exige uma reação local em

sintonia com o sistema total. Nas palavras de Chesnais148: “A competitividade de cada

companhia, tomada isoladamente, possui uma dimensão sistêmica ou estrutural: é uma

expressão dos atributos do contexto produtivo, social e institucional do país”.

A percepção da responsabilidade social da empresa, segundo seus interesses

econômicos, do ponto de vista das relações internas, recebe o impacto mais profundo da

modificação no padrão de organização da produção mundial, a partir da abertura da

economia brasileira. A substituição paulatina do modelo fordista de organização da

produção pelo modelo flexível, bem como, a maior nível de competição no país, acarreta a

exigência de um novo tipo de funcionário e estabelece numa nova etapa do relacionamento

deste com a própria empresa.

A eficiência produtiva do modelo fordista está baseada na racionalização

profunda do trabalho, mecanização, produção em massa de bens padronizados e salários

146 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p. 108.

147 Ibidem, p. 34.

148 Ibidem, p. 121.

95

crescentes. No processo de trabalho, um tipo específico de funcionário é requerido,

segundo Kaplinsky apud Ferreira:

“O ‘fator humano’ neste processo de trabalho

hierarquizado e autoritário tem as seguintes

características: os trabalhadores encarregados das

tarefas parcelares de produção são vistos como

mercadorias não dotadas de capacidade de pensar;

como soldados de infantaria, o trabalho deles consiste

muito mais em obedecer ordens e imposições da

máquina do que no exercício de alguma iniciativa ou

criatividade”149.

Implica reconhecer que o funcionário exerce um papel secundário na

composição do nível de competitividade da empresa, pois a técnica e os instrumentos da

administração científica bastariam para resolver satisfatoriamente os desafios de mercado.

Ou seja, a grande maioria dos funcionários serve apenas como “mão-de-obra”.

Com o deslocamento do foco, na estrutura globalizada de mercado, da

demanda para a oferta, no período pós anos 70, o sistema de linha de produção do fordismo

encontra dificuldades em atender as rápidas variações nas mudanças de modelos

(qualitativas) do produto, bem como, as variações nas pequenas quantidades de diversas

produções diferenciadas, numa relação temporal de curto prazo. A qualidade e a rapidez na

elaboração dos produtos ganham destaques como fatores da capacidade competitiva da

empresa exigindo a organização dos trabalhadores não mais em “postos individuais” mas

em “pequenos grupos”, numa “rede de mini-linhas”, organizadas em “cadências flexíveis”

utilizando-se de uma nova base tecnológica (micro-processadores)150.

Surge um novo desafio dentro das empresas, a de coordenar a integração do

trabalhador com outros elementos do processo de produção, diante da nova revolução

industrial, caracterizada pela incorporação de tecnologia (automação e robótica). Ou seja,

Integrar de forma eficiente a “inteligência artificial” das máquinas a “inteligência do

149 FERREIRA, Cândido Guerra. O fordismo, sua crise e o caso brasileiro. Cadernos do Cesit, IE, Unicamp, Campinas, n. 13, ano ?, p. 4.

150 Ibidem, p. 9-14.

96

homem”. Agilidade, eficiência e flexibilização da produção, sinônimos de kanban e just in

time, os novos parâmetros da competitividade empresarial, somadas aos fatores

tecnológicos, determinam uma relação de maior dependência da empresa para com a

capacidade do trabalhador em responder a essa nova filosofia151.

A qualidade e nível do conhecimento requerido da mão-de-obra a fazem

ganhar novo status: a de capital intelectual. Às vezes, até promovida e avaliada dentro das

empresas como sendo o “capital humano”. Na visão de Harvey152: “O próprio saber se

torna uma mercadoria-chave, a ser produzida e vendida a quem pagar mais, sob condições

que são elas mesmas cada vez mais organizadas em bases competitivas”. As múltiplas

tarefas, o aprendizado no trabalho e a ênfase na co-responsabilidade do trabalhador passam

a ser valores internos fundamentais do novo “colaborador” da empresa. Relacionando a

idéia registrada por Dedecca153, referente a alocação do trabalho diante de “ocupação,

funções e tarefas não previamente conhecidas e crescentemente determinadas no nível das

empresas” que, desde os anos 80, já faziam parte dos mercados e das relações de trabalho,

nos países avançados, pode-se, também, concebe-la para o caso brasileiro pós anos 90.

Desta forma, a qualificação dos recursos humanos de uma empresa é fator

de importância vital no processo de inovação numa empresa. E a participação criadora e

inventiva do trabalhador só pode se manifestar e prosperar em ambiente democrático e de

liberdade de expressão. A “alta qualificação da mão-de-obra” é elemento que está na base

da eficiência dinâmica da vantagem competitiva empresarial, bem como, a infra-estrutura

científica e tecnológica, social e urbana local está correlacionada à logística de decisão dos

novos investimentos das empresas transnacionais, diante da liberalização dos mercados

nacionais154.

Ainda que a flexibilidade no processo de produção em escala mundial esteja

resultando no avanço dos níveis de desemprego e precarização das condições (trabalho

assalariado sem carteira ou por conta própria) e das relações (desregulamentação, contratos

temporários e cooperativas irregulares) do trabalho, os trabalhadores diretamente

contratados estarão em melhores condições de atenção e cuidados dedicados a eles pelas

151 KON, Anita. Tecnologia e trabalho no cenário da globalização. In: DOWBOR, L., IANNI, O. e RESENDE, P. E. (orgs.). Desafios da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 67. 152 HAVEY, David. Condição pós-moderna, op. cit., p. 151. 153 DEDECCA, Cláudio S. Racionalização econômica e trabalho no capitalismo avançado. Campinas: IE, Unicamp, Coleção Teses, 1999, p. 238. 154 BERNARDES, Roberto C. A inovação no capitalismo contemporâneo. In: Capitalismo: teoria e dinâmica atual, op. cit., p. 35.

97

empresas. Parte desta percepção se reflete na seguinte observação de Harvey155: “Surge

então um estrato altamente privilegiado e, até certo ponto, poderoso da força de trabalho, à

medida que o capitalismo depende cada vez mais da mobilização de forças de trabalho

intelectual como veículo para mais acumulação”.

Quer-se aqui frisar a maior importância relativa que os trabalhadores

diretamente contratados pelas empresas passam a ter, diante da nova ordem de organização

da produção. Estes trabalhadores sobreviventes merecem maiores cuidados e atenção por

parte da empresa, bem como, sua família e, até mesmo, aqueles que indiretamente estão

contratados pela mesma, pois desta relação se define a capacidade competitiva empresarial.

Educação e treinamento passam a fazer parte das preocupações e das

atividades empresariais, independentemente, da atuação do Estado, diga-se aqui,

contribuição limitada pela defasagem de resposta do aparato burocrático público, frente às

novas e urgentes demandas do sistema global de formação do conhecimento humano.

Na descrição de Alves:

“Por exemplo, na medida em que cortavam pessoal da

produção e da cadeia hierárquica, as empresas

procuravam investir mais em educação e treinamento

para os empregados e operários, implantando novos

modos de gerenciamento da força de trabalho e de

produção, voltados, principalmente, para envolver o

operário. Surge o denominado gerenciamento

participativo”156.

A responsabilidade social das empresas, no âmbito das relações internas,

com os funcionários e seus familiares, e, porque não dizer, também nas relações externas,

com seus fornecedores ou prestadores de serviços (às vezes, antigos contratados), é

resultado do impacto deste fenômeno de flexibilização das relações de trabalho dado pelo

novo paradigma da produção capitalista a nível mundial que, posteriormente, na década de

90, intensifica-se no Brasil.

155 HAVEY, David. Condição pós-moderna, op. cit., p. 175. 156 ALVES, Giovanni. Nova ofensiva do capital, crise do sindicalismo e as perspectivas do trabalho – o Brasil nos anos noventa, op. cit., p. 139.

98

Utilizando-se da idéia de Dupas157 de que esta “flexibilização introduzida na

economia brasileira pela abertura econômica acelerada”, nos anos 90, provocou alterações

sensíveis de “natureza psicossocial”, a responsabilidade social das empresas voltada,

principalmente, para o cliente interno é uma resposta no sentido de amenizar a

dramaticidade deste fenômeno, na mesma razão, da construção de condições

economicamente vantajosas para aquela organização.

O fator humano dentro das empresas ganha novo destaque na medida que

carrega consigo o conhecimento, ainda que, as novas formas tecnológicas de programação

queiram dele se apropriar, em benefício do capital. A empresa passa a dedicar maiores

cuidados para com o bem-estar de seus funcionários e familiares, procurando viabilizar

ótimas condições para o desempenho profissional do seu colaborador. Eis aqui a

necessidade de responsabilidade social da empresa, diante da perspectiva do interesse

econômico, voltado para o ambiente interno da organização.

Quanto à responsabilidade social da empresa, segundo o interesse

econômico, voltado para o ambiente externo, ela também pode desempenhar importante

papel na diferenciação da capacidade competitiva daquela organização perante seus

concorrentes. As empresas transnacionais ou nacionais buscam maior interação com a

sociedade local onde operam suas atividades econômicas, visando obter aprovação e

receptividade para os seus produtos.

Segundo Giddens apud Melo Neto e Froes158: “nessa era da globalização a

participação em atividades coletivas está se tornando um fator decisivo na constituição de

identidades pessoais”. Ou seja, construir identidades junto aos consumidores da

comunidade onde atua a empresa é aspecto de relevância fundamental no processo

concorrencial. Desta forma, as empresas podem atuar em atividades educacionais, de

saúde, assistencial e ecológica buscando vincular sua imagem de empresa-cidadã junto à

sociedade.

Esta atuação socialmente responsável da empresa, certamente, se torna uma

vantagem competitiva. Com a imagem empresarial fortalecida junto à sociedade, a

empresa-cidadã obtém maiores retornos de vendas, fidelização da clientela e, portanto,

preservação das suas operações, numa perspectiva de longo prazo. Para Melo Neto e

157 DUPAS, Gilberto. Economia Global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 127. 158 MELO NETO, Francisco Paulo de e FROES, César. Responsabilidade social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor, op. cit., p. 17.

99

Froes159: “A elevada consciência social de uma empresa, o exercício pleno da sua

cidadania empresarial e o volume dos seus investimentos sociais constituem o que

denominamos de tripé da autopreservação empresarial”, ou seja, ação social e

ecologicamente correta é a garantia de um fator adicional na construção da capacidade

competitiva da empresa.

A abertura da economia brasileira, a elevação da concorrência entre

empresas locais, nacionais ou transnacionais, já estabelecidas, e as empresas

transnacionais, que vislumbram sua participação no mercado nacional, trazem consigo o

estabelecimento de novas “estratégias de diferenciação da oferta e de fidelização da

clientela”. Segundo Chesnais160, um passa a existir movimento de aproximação natural das

“companhias, em relação aos consumidores que escolheram como alvo”. Esta aproximação

trará como conseqüências novas formas de promoção das vendas e o acirramento da

competição entre as empresas, no Brasil.

Ao comentar a enorme capacidade da empresa transnacional em definir um

planejamento empresarial vinculado a planos estratégicos, táticos e operacionais,

integrados numa mesma direção, Silva expressa o debate em questão, da seguinte forma:

“Considerando-se o lucro como o objetivo financeiro

principal de qualquer empresa, outros objetivos vêm ao

encontro deste como forma de continuá-lo, de perpetuá-

lo. As empresas costumam definir um objetivo social e,

por vezes até, um objetivo ecológico, de compromisso

com o meio ambiente (isto é, de não agressão,

preservação e proteção do meio ambiente). Deste

modo, os objetivos financeiros, sociais ou mesmo

ecológicos de empresas vêm direcionar seus planos de

ação”161.

Não se pretende com isso dizer que antes não havia nenhuma manifestação

de ações sociais e ecológicas, por parte das empresas no país, apenas deve-se registrar o

159 MELO NETO, Francisco Paulo de e FROES, César. Responsabilidade social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor, op. cit., p. 96.

160 CHESNAIS, François. A mundialização do capital, op. cit., p. 124.

161 SILVA, Jorge Vieira. A empresa transnacional, op. cit., p. 49.

100

fato de que a abertura da economia brasileira impõe uma nova dinâmica, mais intensa, dos

interesses da empresa para com estes temas. Portanto, a imagem que a comunidade local

faz da empresa pode ser um grande diferencial de mercado.

A inserção mais pronunciada do Brasil num mercado global e aberto expõe

o país a todo tipo de influências externas, tendendo a potencializar mais rapidamente uma

nova marca da sociedade pós-moderna: a “compressão do espaço-tempo”. Segundo

Harvey162: “chamarei de ‘compressão do espaço-tempo’ (...) no mundo capitalista – os

horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitam, enquanto a

comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitam cada vez mais a

difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado”. Desta

forma, as empresas podem se aproveitar mais eficazmente desta nova condição pós-

moderna para tirar vantagem competitiva, a nível global e local, ao mesmo tempo, que

outras empresas as pressionam sistemicamente com inovações e comportamento recém

implementados.

As transformações ocorridas em qualquer sociedade são rapidamente

absorvidas por outras comunidades e, independentemente, da sua situação local concreta,

pressionam as organizações no sentido da adaptação sistêmica. Profundas mudanças se

processam no mundo capitalista e um verdadeiro “bombardeio de estímulos” traz

profundas conseqüências na “psicologia humana”. O mundo se torna volátil demais e esta

tensão abarca o desempenho empresarial. Neste sentido, atuar ativamente sobre esta

volatilidade, no mundo empresarial, implica em “manipulação do gosto e da opinião”

pública mediante a construção de “novos sistemas de signos e imagens”, divulgados

através da publicidade e da mídia, junto aos produtos vendidos pela empresa. O jogo de

imagens se torna fundamental no processo de concorrência, ao associar a empresa:

“respeitabilidade, qualidade, prestígio, confiabilidade e inovação” além do reconhecimento

da marca163.

Explicitamente, Harvey resume desta forma:

“A competição no mercado da construção de imagens

passa a ser um aspecto vital da concorrência entre as

empresas. O sucesso é tão claramente lucrativo que o

162 HARVEY, David. Condição pós-moderna, op. cit., p. 140. 163 Ibidem, p. 259-260.

101

investimento na construção da imagem (patrocínio das

artes, exposições, produções televisivas e novos

prédios, bem como marketing direto) se torna tão

importante quanto o investimento em novas fábricas e

maquinário. A imagem serve para estabelecer uma

identidade no mercado, o que se aplica também aos

mercados de trabalho”164.

Ao apropriar-se da responsabilidade social enquanto forma simbólica,

divulgada por meio da publicidade, para fazer reconhecer a contribuição social que a

empresa dá a comunidade, ação consciente ou não, valor social está sendo agregado aos

produtos comercializados pela mesma. Na verdade, responsabilidade social transforma-se

em mais um instrumento de marketing da empresa.

Segundo pesquisa realizada junto às empresas brasileiras, para justificar

suas ações de responsabilidade social junto à comunidade, pode-se perceber a força desta

lógica: “Para 90% das empresas, porque melhora a imagem institucional da empresa; 74%

acham que há ampliação nas suas relações com a comunidade; 19% acreditam que melhora

a lucratividade; e 34% percebem que há melhora na motivação interna, o que provoca

aumento de produtividade.”165

Não é de se estranhar que no último Natal, no Brasil, tivesse havido um

forte vinculo, por parte de algumas empresas, como por exemplo, Bauducco, Telefônica e

Shopping Eldorado, relacionando a publicidade de seus produtos com suas ações sociais.

Esta foi uma clara tentativa de dar “visibilidade” às suas marcas e aos seus produtos, ao

prometerem aos consumidores, publicamente, reverter parte do dinheiro obtido com as

vendas de Natal para auxiliarem “instituições filantrópicas” 166.

Ao comentar a campanha de vendas da Bauducco, a gerente Renata Borges,

citada no texto, diz que a idéia não é nova na empresa, é antiga, situando as primeiras

tentativas há cerca de três anos atrás. Ou seja, demonstra a incipiente percepção temporal

que as empresas nacionais vêm tendo deste processo. E, a mesma gerente, declara em alto

164 HARVEY, David. Condição pós-moderna, op. cit, p. 260.

165 REVISTA MERCADO GLOBO: No mercado globalizado, empresas socialmente responsáveis pensam no ser humano., op. cit., p. 34. 166 SANTOS, Rui da Silva. Publicidade adota ação social como mote de Natal. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 dez.1999, Caderno 4 Dinheiro, p. 2.

102

e bom som: “A Bauducco visa o lucro e isso não é segredo para ninguém. A filantropia só

é feita quando há lucro”167, justificando a expectativa de que a campanha alavancasse em

8% as vendas dos produtos daquela empresa. Este fato isolado também demonstra que, de

forma ainda assistencialista, confunde-se “filantropia” como sinônimo de compromisso

responsável com a ação social.

Finalmente, se pode citar pesquisa nacional recente, de parceria do Instituto

Ethos e do Jornal Valor Econômico168, realizada em maio deste ano, focando o impacto das

práticas empresariais socialmente responsáveis sobre a decisão de compra dos brasileiros,

revelando que, “no último ano, 31% dos consumidores brasileiros, efetivamente,

prestigiaram e/ou puniram empresas com base em suas avaliações sobre a prática, ou não,

da responsabilidade social”. E que 50% das pessoas consideradas líderes de opinião e 40%

das pessoas com maior nível de escolaridade também tiveram o mesmo comportamento.

Outra pesquisa, do Ibope, em maio de 1998, constatou que “68% de um universo de 2000

pessoas responderam que preferem pagar mais por produtos ecologicamente corretos”169.

Embora se possa argumentar que o processo deste movimento de

responsabilidade social das empresas é recente no país, ainda assim, parcela substancial

dos consumidores começa a demonstrar interesse pelo tema e, certamente, o mesmo

processo de análise por parte de outros consumidores, na hora da compra, deverá evoluir

num futuro não muito distante.

3.2.3 A gestão profissional da empresa no Brasil

Falar do avanço da gestão profissional das empresas, no caso brasileiro,

torna-se um desafio, pois o estado desta arte em nosso país sempre evoluiu a reboque das

tendências internacionais. Ou seja, o desenvolvimento das teorias administrativas aplicadas

aqui sempre refletiu os modelos elaborados nos países desenvolvidos, portanto, definindo

uma condição de subordinação e reprodução. É fácil compreender que devido ao estágio

avançado do desenvolvimento econômico, naqueles países ricos, justamente, seus padrões

de gestão empresarial que ditam o ritmo do processo de internacionalização dos interesses

167 SANTOS, Rui da Silva. Publicidade adota ação social como mote de Natal, op. cit., p. 2.

168 ROSEMBLUM, Célia. Imagem social da empresa influencia na hora da compra. Valor Econômico, São Paulo, 13 jun 2000, Caderno E Empresa & Comunidade, p. E1.

169 BARROS, Paulo A. S. de. Criando significados com responsabilidade social. Revista Marketing Industrial: administração do relacionamento entre empresas, São Paulo, n.14, ano 6, maio 2000, p. 12.

103

do capital e, que, por enquanto, lá as teorias administrativas caminham mais rápido para

atender as necessidades de vanguarda capitalista. Nós apenas acompanhamos,

defasadamente, é claro.

Segundo Covre170, nossas primeiras escolas de administração datam de

1952, a Escola Brasileira de Administração pública; em 1954, a Escola Brasileira de

Administração de Empresas de São Paulo; e a mais destacada, a Fundação Getúlio Vargas,

criada em 1944, teve início em 1955 seu primeiro curso de graduação. A profissão do

administrador é regulamentada pela Lei n. 4.760, no ano de 1965, e, na medida em que o

número de grandes empresas, principalmente, estrangeiras, se fazia presente no país, pós

anos 60, ocorre um “surto de ensino superior após 1970” do qual a demanda por

administradores de empresas se torna uma realidade nacional171.

Como se pode notar, a demanda por formação de administradores

profissionais é muito recente no país e reflete a função das próprias mudanças ocorridas no

processo de desenvolvimento econômico e formações sociais verificadas no Brasil. É a

partir da própria evolução das condições materiais de produção da riqueza que o país

requer a contribuição profissional do administrador de empresas.

Interessante notar que Covre172, no prefácio da terceira edição do citado

livro, no último ano da década de 80, registra importantes observações quanto à essência

da formação do administrador profissional: “a do atendimento ao capital”. A principal

delas é a tendência para a formação de um profissional que a autora denominou de

“vanguarda”, pois “provinham de ambiente com uma visão de mundo dominante” e cientes

da “expectativa de que cumprissem o seu papel histórico”. Pode-se aduzir que estava

nascendo um profissional “tipo moderno” com preocupações em servir ao capital, mas

também “preocupado em servir ao trabalho”, nas palavras da autora, graças ao “momento

histórico de certa abertura que passávamos”. Ou seja, um certo cheiro de democracia no ar

estava colaborando para a formação mais global do principal profissional da gestão

empresarial.

Não muito antes, no final dos anos 70, Drucker já registrava, com

entusiasmo o caráter multidimensional do estudo da administração, também, por ele,

considerada “muito jovem”, tanto quanto o surgimento das “organizações modernas”, e

170 COVRE, Maria de Lourdes Manzini. A formação e a ideologia do administrador de empresa. São Paulo: Cortez, 1991, p. 65. 171 Ibidem, p. 71-84. 172 Ibidem, p. 7-10.

104

advertia para a necessidade de uma percepção do ambiente social a sua volta. Relata o

autor:

“Finalmente, no tocante à administração das

repercussões sociais e das responsabilidades sociais da

empresa os administradores precisarão aprender a

meditar sistemática e cuidadosamente nas difíceis e

arriscadas ‘trocas’ entre necessidades conflitantes e

direitos conflitantes”173.

Ou seja, com razoável avanço nos países desenvolvidos, o tema da

responsabilidade social da empresa já se achava mais envolto ao debate acadêmico e ao

mundo empresarial. Conceito que, na forma descrita pelo autor, reflete uma discussão

sobre o que “a empresa deve ou pode fazer para enfrentar e resolver os problemas

sociais”174.

Para entender a chegada do tema da responsabilidade social da empresa,

ligada à necessidade de um gestor profissional, com maior vigor, nos anos 90, no Brasil,

basta atentar para a complexidade das mudanças organizacionais e sociais que acabaram

por requerer um novo olhar sobre a sociedade, por parte da própria empresa.

Nosso caso particular não apresenta um mercado de capitais tão pujante que

fomentasse uma intensa divisão entre posse-gestão do capital nacional, bem porque, não é

esta nossa cultura capitalista. Logo, este não é um fator decisivo na percepção da

responsabilidade social da empresa de capital nacional. Contudo, a mera presença de

empresas estrangeiras, participação intensificada a partir da abertura da economia, bem

como, os novos desafios empresariais que se apresentam complexos, naturalmente,

requerem um maior número de gestores profissionais (capacitados) dentro das empresas e

participando das decisões.

Na medida em que a ideologia neoliberal privilegia as decisões da sociedade

pela via das ações de eficiência do mercado, automaticamente, a atuação das empresas,

neste ambiente, se fará sentir nesta direção, a qual necessariamente deverá ser coordenada

por um profissional capacitado para tanto e que receba uma carga de conhecimentos já

173 DRUCKER, Peter F. Introdução à administração. São Paulo: Pioneira, 1984, p. 686. 174 Ibidem, p. 324.

105

desenvolvidos em centros de estudos administrativos mais avançados. Portanto, como já se

reconhecia à responsabilidade social da empresa enquanto instrumento administrativo de

intervenção sobre o meio interno e externo a empresa, passamos a reconhecê-la também

em nossas ações de gestão empresarial pelas mãos dos administradores formados pelas

melhores academias. O que não significa generalizar, é claro.

Na medida que integramos a economia do país ao mundo globalizado, mais

rapidamente, a partir dos anos 90, as decisões das empresas serão afetadas por este

processo. Os profissionais da área empresarial, por sua vez, também serão afetados pelas

teorias administrativas modernas e passarão a usa-las enquanto instrumentos de gestão, na

tentativa de proteger a organização empresarial das ações dos concorrentes.

Num cenário econômico globalizado que vai internacionalizando a

economias dos diferentes países, a presença das empresas transnacionais e suas estruturas

de influência local, por meio de um sistema de redes de empresas, que vai conectando e

condicionando o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, altera em muito o

comportamento da gestão profissional das empresas no país. Novas técnicas de gestão

empresarial, paulatinamente, passam a fazer parte das ações estratégicas de grande parte

das empresas. A responsabilidade social das empresas é uma expressão destas inovações

das técnicas gerenciais.

Lúcia Bruno nos dá um exemplo dos primórdios desta forma de intervenção,

baseada no avanço das noções das teorias de administração, quando analisa a intervenção

da empresa nas questões sociais, dizendo:

“É interessante assinalar que, já nos anos trinta, Elton

Mayo (1880-1948), o principal teórico da Escola de

Relações Humanas, preocupado com o radicalismo dos

conflitos sociais, suscitados pela sociedade industrial,

propunha que as empresas atuassem no sentido de

promover a integração, o controle, a coesão e a

cooperação social, uma vez que o estado e a sociedade

em geral mostravam-se incapazes de fazê-lo”175.

175 BRUNO, Lúcia. Poder e Administração no capitalismo contemporâneo. In: OLIVEIRA, Dalila A. Gestão democrática da educação: desafios contemporâneos, Petrópolis: Vozes, 1997. p. 25.

106

Significa dizer que na medida que o Estado não demonstra capacidade para

resolver problemas sociais, a empresa pode ser requerida para ajudar a fazê-lo. Na atual

vigência do ideal de um Estado mínimo, como é a tendência do caso brasileiro, que possui

baixa eficácia na resolução de problemas sociais, a empresa encontra este espaço para atuar

nas questões sociais.

A moderna gestão da empresa sofreu grandes transformações nos anos que

precederam a abertura da economia brasileira. As novas exigências tanto internas quanto

externas de eficiência às empresas fazem surgir um novo conceito: o management.

Segundo Chanlat176: “Contudo, o termo management não designa unicamente práticas e

processos. Ele compreende também pessoas que detêm postos na hierarquia das empresas:

os diretores, os gestores, os executivos e os gerentes”.

Desta forma, os “atores” da gestão empresarial ganham destaques enquanto

partes fundamentais e integrantes do processo. Mas não apenas isso, a gestão estratégica

das empresas passa a considerar a interação com a “prática social”, ou seja, as relações

pessoais interagindo com os fatores sócio-culturais do ambiente onde opera a empresa.

Toda esta nova perspectiva vai além das questões do estudo da cultura organizacional. Na

verdade, busca-se agora desenvolver a capacidade cognitiva da própria empresa, pois na

nova era global tudo se transforma rapidamente. A capacidade de aprender rápido torná-se

um fator decisivo, num mundo fragmentado, flexível e altamente competitivo.

Resgatando os ideais do movimento de relações humanas ressurge a questão

da solidariedade como forma de manter a coesão social. Justificando o interesse por este

novo ingrediente (a solidariedade) na gestão empresarial, diz Chanlat177: “Nos últimos

anos, essa questão passou a ocupar importância capital em razão do aumento das taxas de

desemprego, da precariedade crescente e da expansão da exclusão social que conhecem

vários países de economia central e emergente”.

Enfim, as novas práticas empresariais procuram se manifestar sobre este

tema e registram através de símbolos socialmente visíveis sua contribuição social à

resolução dos problemas da comunidade. As dimensões humanas e sociais se integram

numa visão comum da prática da gestão empresarial.

176 CHANLAT, Jean-François. Ciências Sociais e management: reconciliando o econômico e o social. São Paulo: Atlas, 1999, p. 31. 177 Ibidem, p. 47.

107

3.2.4 O ordenamento institucional da sociedade brasileira

O desenvolvimento do conceito e da própria percepção da responsabilidade

social, numa visão chamada “progressista”, que ao considerar a obtenção de lucro legitimo

o vincula à necessidade da empresa assumir uma postura social, trás consigo um novo

ingrediente a discussão: o poder social.

Keith Davis ao traçar um quadro de certezas, no final da década de 70,

destaca esta questão enquanto um dos pontos de consenso moderno ligado ao tema de

responsabilidade social, o qual é registrado por Guimarães da seguinte forma:

“A responsabilidade social emerge do poder social.

Como as decisões empresariais têm conseqüências

sociais, estando relacionadas ao sistema social global,

elas não podem ser tomadas com base unicamente em

fatores econômicos. A tomada de decisão deve

obrigatoriamente se guiar por ações que também

projetam os interesses da sociedade”178.

A proteção dos interesses sociais refletidas pelas ações socialmente

responsáveis da empresa não pode ser considerada uma ação meramente voluntária. É na

verdade conseqüência de um processo de interação empresa-sociedade que exige da

primeira uma atitude mais responsável. Uma nova postura empresarial vai sendo moldada

pelo movimento das forças sociais e o exemplo nasce em sociedades mais esclarecidas e

avançadas, nos anos 60 e 70, e vai se alastrando pelo resto do mundo. Na visão de

Guimarães:

“Com o aguçamento da consciência de cidadania da

sociedade civil nos países desenvolvidos e com a força

adquirida pelos movimentos das minorias e

principalmente pelo movimento ecológico, passou a ser

cobrada dos proprietários de empresas uma maior

178 GUIMARÃES, Heloísa Werneck Mendes. Responsabilidade social da empresa: uma visão histórica de sua problemática. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 24, n. 4, out-dez 1984, p. 216.

108

amplitude de responsabilidade sobre diversos aspectos

de sua atitude”179.

Considerando um mundo global, onde uma nova estrutura de poder social se

estabelece, os Estados Nacionais e sindicatos perdem importância relativa perante a

sociedade. Os novos agentes da dinâmica do processo capitalistas são as empresas

transnacionais que reagem e utilizam novas técnicas para se imporem. Na observação de

Lúcia Bruno:

“a atuação das grandes empresas que, conscientes do

poder político que detêm e exercem, buscam legitimar-

se através do mecenato cultural e artístico, além de

diferentes formas de intervenção nas áreas sociais, seja

através de Organizações Não-Governamentais (ONGs),

seja através dos sistemas de parceria com o Estado

Central”180.

Uma nova realidade no jogo das forças sociais se estabelece entre empresa-

sociedade e também tem suas ramificações explicitadas na criação de um aparato jurídico-

legal ou em mudanças nos padrões de comportamentos sociais que agora afetam a cultura e

a ação empresarial. Todo este processo se manifestará com maior ou menor intensidade em

função da possibilidade de liberdade de expressão dos interesses dos diversos participantes

que co-existem na sociedade.

Antes da década de 90, este movimento de participação das forças sociais na

sociedade brasileira é pouco significativo. A crise dos anos 80 coincide com o a chegada e

o desenvolvimento teórico nacional do tema responsabilidade social da empresa,

retardando-o. Tomei, nos proporciona importante relato das condições da época:

“Os raros empresários que alegaram ter sofrido

pressões externas para assumir responsabilidades

179 GUIMARÃES, Heloísa Werneck Mendes. Responsabilidade social da empresa: uma visão histórica de sua problemática, op. cit., p. 215. 180 BRUNO, Lúcia. Poder e Administração no capitalismo contemporâneo, op. cit., p. 28.

109

sociais pertencem ao grupo I [grandes empresas] e se

referiam a responsabilidades particulares, como

programas de emprego e condições de trabalho,

qualidade de produto e, em menor número de casos, ao

controle da poluição. A origem destas pressões se

concentra nas agências administrativas governamentais,

embora haja casos em que elas foram fruto de iniciativa

de grupos privados”181.

Ou seja, pensar em assumir responsabilidades sociais não fazia parte da

realidade do modelo de gestão das empresas no país, a não ser que houvesse uma certa

imposição do poder estatal. Ademais, é somente neste período, na última metade da década

de 80, que se inicia o processo de redemocratização da nação brasileira.

Após o aprendizado inicial de elaboração da nova Carta Magna, a

Constituição Federal de 1988, seguido da primeira eleição direta no país, em 1989, depois

de mais de 30 anos, o que permitiu aos cidadãos escolherem o presidente, tais eventos

marcam uma nova fase no país. O Brasil inicia uma caminhada tardia na recuperação da

cidadania esquecida. O poder autoritário do Estado começa a ser diminuído na prática

social. Portanto, é nos anos 90 que a liberdade de expressão e um maior nível de

consciência social vai sendo construído no país, a partir da manifestação das forças sociais

que passam a modelar um novo ordenamento institucional.

Do ponto de vista empresarial, é marcante o reflexo da evolução social

recente do país que se pode fazer pela leitura do “Documento dos Líderes” empresariais,

uma manifestação pública das idéias daquela classe social, pois reflete justamente as

preocupações possíveis de serem manifestadas de acordo com as preocupações prioritárias

do seu tempo.

Três documentos foram produzidos pelo Fórum de Líderes Empresariais:

em 1978, 1983 e 1997. Em 1978, o Documento dos Oito, centrava sua atenção na

necessidade de “retorno do País ao estado de direito”, pois existia no país uma procura pela

abertura democrática dos direitos políticos dos homens. Em 1983, o Documento dos Doze,

se debatia sobre o modelo econômico do país centrando sua atenções na “revisão dos

181 TOMEI, Patrícia A. Responsabilidade social de empresas: análise qualitativa da opinião do empresariado nacional, op. cit., p. 196.

110

limites, das funções e do tamanho do Estado”, ou seja, na participação excessiva do Estado

na economia. Finalmente, embora, tardiamente, elaborado em 1997, o Documento dos

Líderes182, intitulado “Cidadania e Riqueza Nacional: o resgate do social na prosperidade

econômica”, demonstra a sua preocupação com as questões sociais.

Num dos trechos, daquele documento datado de 1997, aprovado pelo fórum

em fevereiro de 1998, fica explícito a nova preocupação social:

“A exclusão sócio-econômica não conviverá por muito

mais tempo com as inclusões já conquistadas nas

dimensões civil e política. Ou buscamos soluções

estratégicas, inteligentes e razoáveis para a inclusão

sócio-econômica ou ela virá pelas vias do reformismo

ideológico, dogmático, autoritário e assistencialista”183.

Uma nova mentalidade empresarial, ainda que forçada pelas contingências

da estrutura social, começa a se manifestar no caso brasileiro e servirá de base para o

avanço da percepção da responsabilidade social das empresas, numa fase mais atuante e

participativa destas organizações produtivas.

Embora as questões relativas à cidadania sejam recentes em nosso país,

simultânea e paralelamente, caminhou o avanço da pobreza e da exclusão social, sendo,

justamente, estes elementos que propiciaram uma maior participação da sociedade civil

ligada às questões sociais. Na Grande São Paulo, segundo Singer184, a participação

percentual dos desempregados na população economicamente ativa evoluiu de 7,3% , em

outubro/89, para 13,8%, em outubro/95. E no Brasil, segundo Pochmann185, a taxa de

desemprego total cresceu de 6,7%, em 1989, para 14,2% em 1996. Um avanço

significativo do chamado Terceiro Setor está se verificando no país e, na busca por

recursos financeiros, estreita seus laços com as empresas. Entidades filantrópicas,

entidades de direitos civis, ONGs, organizações e movimentos sociais, fundações e

182 DOCUMENTO DOS LÍDERES. Cidadania riqueza nacional. Gazeta Mercantil, São Paulo, 18 fev 1998, Caderno Relatório, p.1 183 DOCUMENTO DOS LÍDERES. Cidadania riqueza nacional, op. cit., p. 1. 184 SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 1999, p. 115.

185 POCHMANN, Márcio. O trabalho sob fogo cruzado: exclusão, desemprego e precarização no final do século. São Paulo: Contexto, 1999, p. 105.

111

instituições sociais das empresas proliferaram com rapidez no país. O número de pessoas

ocupadas neste setor evoluiu 44, 38%, aumento de 775.384 pessoas, em 1991, para

1.119.533, em 1995186.

Um destaque particular merece ser citado, a contribuição de Betinho,

Herbert de Souza, que em 1996, presidindo o Instituto Brasileiro de Análises Sociais

(IBASE), deu início à campanha contra a fome e a pobreza, incitando os empresários e

sociedade civil a participar conscientemente deste programa. Além do Instituto Ethos,

outras associações de iniciativa empresarial merecem ser citadas: o Grupo de Institutos,

Fundações e Empresas (GIFE), criado em 1996, e o Instituto de Cidadania Empresarial,

criado em 1997187.

Em conseqüência deste movimento das forças da sociedade civil, o

comportamento socialmente responsável da empresa passou a ser parte integrante das

preocupações da sociedade. Ademais, a colaboração decisiva da mídia, principalmente,

televisiva, jornalística e virtual, mais livre e democrática, passou a criticar e informar todos

os segmentos da população brasileira, em tempo real, das carências sociais vividas por

grande parte de quase-cidadãos nacionais. Não havia como a empresa se recusar ao convite

da participação, direta ou indireta, do debate sobre o tema da responsabilidade social e dar

sua contribuição material. A sociedade mudou.

Por fim, convém citar que a construção de um aparato jurídico-legal, mais

eficiente, colaborou para o exercício da responsabilidade social por parte das empresas.

Dentre eles, além da própria Constituição federal e da criação das Agências Nacionais,

podemos registrar: o Código de Defesa do Consumidor, Lei no. 8.078 de setembro de

1990; a nova legislação de defesa da concorrência por meio da Lei no. 8.884, de 1994, que

somente agora veio a fortalecer as decisões do Conselho Administrativo de Defesa

Econômica – CADE, fundado em 1962188; e o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei

no. 8.089, de 1990, juntamente, com o Conselho Nacional de Defesa da Criança e do

Adolescente (Condanda), criado pela Lei no. 8.242, de 1991189.

186 MELO NETO, Francisco Paulo de e FROES, César. Responsabilidade social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor, op. cit., p. 27.

187 BNDES. Empresas, responsabilidade corporativa e investimento social, www.bndes.gov.br, p. 11-12.

188 OLIVEIRA, Gesner. Defesa da livre concorrência no Brasil: tendências recentes e desafios à frente. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 39, n. 3, jul-set 1999, p. 18.

189 VEIGA, João Paulo Cândia. A questão do Trabalho Infantil. São Paulo: Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, ABET, 1998, p. 123-136.

112

Neste sentido, as forças sociais ordenadas institucionalmente, segundo um

aparato legal formal ou informal, vão construindo uma teia de obrigações e convenções

sociais que cercam as empresas e exigem delas um comportamento socialmente

responsável perante os outros participantes da sociedade, ainda que, muitos estejam

excluídos economicamente.

3.2.5 Os valores sociais do homem brasileiro: a moral e a ética

No caso brasileiro, a abertura da economia, nos anos 90, beneficiada pela

revolução tecnológica e pela pressão da mídia, mais atuante e eficiente, na divulgação dos

fatos em tempo real, certamente, colaborou para o desenvolvimento de uma nova ordem

institucional, formalmente estabelecida por leis ou ações socialmente praticadas pela

sociedade. Aos poucos a influência da ética, ainda que incipiente, vai aparecendo nas

modificações das práticas morais e culturais do povo brasileiro. Esta transformação

também afeta a cultura organizacional das empresas e suas ações concretas no mercado.

Aos poucos a invasão do mundo e das idéias econômicas neoliberais impõe algumas

reformulações na cultura brasileira e, conseqüentemente, no estilo de gestão empresarial,

ditadas na direção da eficiência.

Do ponto de vista da formação moral do Brasil, o velho dilema histórico

entre as práticas da “moral da integridade” e da “moral do oportunismo” serão reavaliadas

segundo a nova percepção social que se constrói a partir da reflexão ética. Comparando as

duas morais, Srour descreve a moral da integridade como sendo um “sistema de normas

morais que corresponde ao imaginário oficial brasileiro e configura o comportamento

considerado decente e virtuoso. Essa moral é ensinada nas escolas e nas igrejas, serve de

pauta aos tribunais e à mídia mais responsável”, ao passo que, a moral do oportunismo

“repousa no mais estreito interesse pessoal, num egoísmo mesquinho que, na ânsia de obter

vantagens e saciar caprichos, despe-se de quaisquer escrúpulos”190.

Então, a conduta do brasileiro oscila entre as duas morais. Uma qualificada

segundo os que são chamados de “otários”, por tentarem seguir o caminho da moral da

integridade, e a outra por aqueles que são chamados de “espertos” por adotarem a moral do

190 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais, op. cit., p. 150-152.

113

oportunismo como prática social. A primeira considerada inocente e ingênua, a segunda

considerada imoral.191

Nas palavras de Srour, descrevendo as oscilações morais características da

formação do povo brasileiro:

“Agentes híbridos. Ambíguos quanto às suas culpas e

inseguros quanto às suas razões. Moldados por uma

moralidade casuística – tão louvada quanto são a

mistura das comidas, a miscigenação das raças, o

sincretismo das religiões, ou o jogo das inversões nos

carnavais, em que se confundem hierarquias, gêneros

ou papéis”192.

Já no plano abstrato da distinção entre os tipos de ética, que passam a

influenciar e a condicionar a moral vivida pelo brasileiro, há que se considerar a distinção

entre a “ética da convicção” e a “ética da responsabilidade”. Pois, a preponderância de uma

delas é que irá ditar as mudanças na cultura da sociedade.

A ética da convicção, como descrita por Srour:

“é uma ética das certezas e dos imperativos categóricos,

das ordenações incondicionais e das mentes perfiladas.

Repousa no conforto das respostas acabadas e das

verdades absolutas (...) Lembra de algum modo o

misticismo religioso, na medida em que as orientações

pressupostas são recebidas como sagradas. É uma ética

saturada pela universalidade de sua profissão de fé”193.

É fácil perceber que esta ética é uma “ética da fé”, dos “mandamentos”,

portanto, rígida demais para os padrões de exigências de flexibilidades da nova ordem

191 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais, op. cit., p. 155.

192 Ibidem, p. 158.

193 Ibidem, p. 72.

114

global. É ela que embasa a moral da integridade e, portanto, desaba aos poucos com a

construção do novo mundo. É a ética da consciência que se transforma apenas num sonho.

A ética da responsabilidade, descrita por Srour:

“é uma ética das dúvidas ou das interrogações, uma

ética que se subordina ao exame das circunstâncias e

dos fatores condicionantes. Enfrenta a vertigem das

controvérsias e o desafio das soluções incertas.

Desemboca em prognósticos. É uma ética situacional,

aberta, cética e condicional, em busca do ‘horizonte

possível’ de cada época, moldada pelas análises de

risco e precariamente estribada em certezas provisórias,

sujeita à dinâmica dos costumes e do conhecimento. É

uma ética saturada pela historicidade de seu projeto”194.

Percebe-se que é uma ética totalmente adaptável a nova ordem mundial,

representada pela lógica máxima de que “somos responsáveis por aquilo que fazemos” e o

que conta são os resultados positivos para o maior número de pessoas possível, portanto,

está embasada pela visão utilitarista. É a “ética da razão”, dos “pés no chão”, do

pragmatismo.

Ora, na medida em que a ética da responsabilidade ganha terreno no campo

das práticas sociais, conseqüentemente, clama por ações socialmente responsáveis das

pessoas e das organizações. É a sua preponderância que justifica a assunção de

responsabilidade social por parte das empresas, no mundo globalizado. Por parte daqueles

que tem o “pé no chão”: empresários, administradores, políticos, entre outros. Através dela

se viabilizam decisões complexas pela via da reflexão e do conhecimento.

O racionalismo do programa neoliberal, imposto ao Brasil, pelas orientações

do Consenso de Washington, ao privilegiar a eficiência nas ações pessoais e empresariais,

impõe ao país não apenas a necessidade de uma nova ética, mas, principalmente, a adoção

de novos padrões de comportamento e costumes de ordem moral. A ética da

responsabilidade ao ser pressionada pela ética do mercado (da eficiência) condiciona a

194 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais, op. cit., p. 72.

115

nova moral exigindo atos concretos na mesma direção, porém, daquilo que nos é possível

fazer.

Ao reconhecer os interesses, às vezes, antagônicos, outras vezes,

coincidentes, dos stakeholders, mas, sobretudo, integrados numa nova visão social, a

empresa assume uma nova postura na conduta dos seus atos morais. Uma conduta

moralmente responsável para atender o maior número de interessados possíveis,

considerando as suas possibilidades. Surge uma outra moral, a da parceria.

Embasada sob a égide do conceito de eficiência que exige “profissionalismo

e idoneidade”, a moral da parceria visa construir um sentido de cooperação entre os

agentes sociais participantes da nova sociedade global. Uma espécie de “ganha ganha”,

pois sem parceiros não haveria vencedores.

Na descrição de Srour195, a moral da parceria envolve “um discurso

refletido, com adoção de padrões de conduta centrados em interesses de médio e longo

prazo” que “implica numa crítica à miopia imediatista” e visa “ao benefício mútuo, num

processo de cooperação que, em geral, institucionaliza-se através de relações contratuais

que tendem a ser duradouras”, por isso, a necessidade da “idoneidade nas transações”.

Isto não significa dizer que a corrupção e as distorções no comportamento

moral tenham sido, totalmente, eliminadas do meio empresarial, no caso brasileiro. Ao

contrário, permanecem vivas sob uma nova roupagem: a “moral da parcialidade”. Nas

palavras de Srour:

“A moral da parcialidade corresponde a um

compromisso ambíguo entre a lealdade nas relações

particulares e a conveniência nas relações com os

‘outros’. Espelho da moral do oportunismo, ela

funciona em benefício daqueles que detêm um ‘capital

de relações sociais’ e, ipso facto, opera em detrimento

dos que ficam além do círculo de giz”196.

195 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais, op. cit, p. 179-180 196 Ibidem, p. 165.

116

Decorrente da nova construção social criada para servir ao novo padrão

global de acumulação de capital, as relações no seio da sociedade brasileira, aos poucos,

vão se alterando ao longo dos anos 90. Novas perspectivas passam a fazer parte da gestão

empresarial brasileira. Embora não haja, de forma alguma, consenso a respeito do

comportamento de responsabilidade social das empresas brasileiras, muito já se construiu e

está sendo construído neste país, principalmente, de forma acelerada, nos últimos anos. As

novas idéias estão em ebulição ética. Declarações de empresários, neste sentido, passam a

ser cada vez mais comuns, como por exemplo, em outubro de 1998, a de Guilherme Peirão

Leal, sócio da Natura:

“Você é empresário? Isso é com você. Ah, você é

funcionário? Também é com você. Estou falando de

responsabilidade social, ética, filantropia. Esse

comportamento se caracteriza por uma coerência ética

nas suas ações e relações com os diversos públicos com

os quais interage, buscando minimizar os efeitos

negativos de suas atividades e aproveitar as

oportunidades existentes para contribuir para o

desenvolvimento contínuo das pessoas, das

comunidades e de suas relações entre si e com o

ambiente. (...) Responsabilidade social é – ou deveria

ser – um assunto estratégico de negócios”197.

Recente pesquisa sobre a percepção da ética na atividade empresarial, no

Brasil, divulgada pela Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial (FIDES)198, faz

uma comparação da evolução deste comportamento empresarial compreendida entre os

anos de 1993 e 1999. Algumas importantes conclusões daquele documento merecem nossa

atenção, dentre elas:

- a maior preocupação ética das empresas está relacionada ao

cumprimento das legislações;

197 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais, op. cit, p. 264. 198 DOCUMENTO FIDES no. 2. Ética na atividade empresarial: pesquisa 1999. São Paulo: Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial, 2000.

117

- dentre os onze primeiros itens (são 41 ao todo) considerados mais

importantes pelo empresariado, sete se referem a questões da

legislação: Código de Defesa do Consumidor, Legislação comercial

(fornecedores), legislação previdenciária, legislação trabalhista,

legislação societária, legislação comercial (clientes) e legislação

tributária, na ordem;

- a posição do interesse pelos consumidores melhorou da décima-

segunda posição de importância, em 1993, para a terceira posição;

- os dois primeiros itens de maior preocupação em 1999 se referem aos

critérios de demissão e admissão, nesta ordem, definidos sem

discriminação;

- dentre os itens menos importantes, em 1999, está em ante-penúltima

posição a manutenção de assistência social;

- programas de controle da poluição ambiental ficou na trigésima-quarta

posição e o zelo pelos padrões de publicidade e propaganda ficou em

vigésimo-oitava, em 1999;

- a postura contra a corrupção permaneceu na vigésima posição;

- as preocupações, classificadas em grandes grupos por natureza de

importância ética, foram: legislação, mercado, atos desonestos,

recursos humanos e comunidade, na grande maioria das empresas,

independente do seu tamanho, nesta ordem, em 1999, porém, em

1993, atos desonestos estavam em último lugar;

- comparando o grau de importância dos stakeholders, ou seja, os

diferentes públicos, em 1999, a classificação das ações éticas focou

sendo: fornecedores, clientes/consumidores, acionistas/investidores,

comunidade local e público interno, nesta ordem, porém, em 1993,

acionistas/investidores ocupavam a última posição;

Como se pode notar ainda há muito que desenvolver na mentalidade ética

empresarial em nosso país, no tocante ao tema da responsabilidade social das empresas.

Percebe-se uma grande preocupação centrada naqueles itens incorporados pela legislação

e, também, com destaque, para os elementos relacionados à sobrevivência da empresa no

mercado (fornecedores e clientes).

118

Comunidade e público interno amargam as duas últimas posições, em

termos da preocupação ética com os diferentes públicos. A evolução, de fato, socialmente

importante registrada, entre 1993 e 1999, marca uma evolução na questão da

discriminação, o que reflete respeito à heterogeneidade da formação do povo brasileiro.

Pode-se registrar certa melhora na atenção para com os atos desonestos, porém não foi uma

evolução significativa.

Enfim, tudo isso reflete não apenas o perfil ético do comportamento

empresarial no país, mas, fundamentalmente, o resultado da formação histórica do povo

brasileiro que está em evolução. Na medida em que o país é influenciado pela necessidade

de novas posturas éticas, moldadas em termos da regência do fenômeno da mundialização,

entendida aqui na concepção original deste termo, tanto a mentalidade empresarial quanto

à dos demais membros da sociedade brasileira absorvem outros valores sociais, portanto,

vai se transformando a realidade da sociedade brasileira.

Considerada a elaboração das dimensões que requerem da empresa uma

postura socialmente responsável e, especificamente, após sua avaliação no caso brasileiro,

convém elaborar uma análise dos possíveis fatores limitantes da eficácia deste

comportamento empresarial, enquanto elemento capaz de contribuir decisivamente para a

geração do bem-estar social, dado o domínio da ideologia econômica neoliberal no sistema

capitalista.

119

4 LIMITES DA EFICÁCIA DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA

EMPRESA

Não existe aqui a pretensão de elaborar uma avaliação detalhada da

contribuição da empresa ao bem-estar da sociedade. Neste último tópico, se pretende

apenas fazer uma reflexão introdutória, no sentido de perceber as limitações e contradições

básicas deste fenômeno, ainda que, em termos genéricos, na sua possibilidade de

contribuição à criação do bem-estar da sociedade.

Enquanto a ideologia econômica neoliberal domina o mundo,

paralelamente, a expansão da pobreza e concentração da riqueza, novas tensões sociais vão

sendo criadas e precisam de respostas. Ainda que sejam parciais algumas respostas

precisam dar conta das necessidades básicas mais prementes da grande maioria dos

desafortunados seres humanos que não encontram guarida social. A absorção da

responsabilidade social pela gestão da empresa é apenas parte da resposta desta complexa

equação social.

Contudo, esta parte da resposta encontra limites. O primeiro deles é a

própria ideologia da sociedade capitalista. Uma ideologia que valoriza o indivíduo em

particular, sua satisfação e realização pessoal promovidas pelas vias do livre mercado, ou

seja, por meio das relações de trocas. De imediato é preciso compreender que tais

empresas, ainda que, socialmente responsáveis, estão inseridas numa sociedade cuja

ideologia é capitalista. No bojo desta sociedade resulta a normalidade nas relações de

troca, entre todos os seus participantes, ou melhor, todos aqueles que possuem algo para

ser trocado, que se materializa objetivando a realização de um ganho monetário privado, de

uma vantagem particular.

Como dizem os economistas: “não existe almoço de graça”, naturalmente,

pois tudo tem um valor, tudo tem um preço a ser pago. Ou seja, se alguém ganhou é porque

outro pagou a conta. Alguns serão chamados de vencedores e outros não. No final, quem

vai poder ou ter que pagar a conta? Essa é a questão dialética envolvendo o processo pós-

moderno de construção social do mundo capitalista e o fortalecimento da percepção da

responsabilidade social da empresa.

É da própria natureza do sistema de sociedade capitalista promover

desníveis de ordem sócio-econômica junto a seus membros da comunidade. Adam Smith

apud Heilbroner reconheceu esta questão, ao dizer: “Onde quer que haja grande

120

propriedade, há grande desigualdade. Para cada homem muito rico, deve haver pelo menos

quinhentos pobres, e a propriedade do rico pressupõe a indigência do povo”199.

Na medida em que a sociedade pós-moderna promove a “compressão do

espaço-tempo”, a ideologia capitalista ganha uma nova dinâmica, acelera-se muito na

velocidade temporal e se desloca espacialmente ganhando contornos mundiais. As idéias

de competição e individualidade, sob a égide da eficiência, promovem a construção de uma

sociedade global cada vez mais fragmentada, desigual e insegura.

As relações sociais passam a depender fundamentalmente das práticas e

processos da produção da vida material, sob a liderança da ideologia do capital. Um jogo

de imagens passa a dominar as sociedades, portanto, domina também os homens em suas

relações sociais criando a necessidade de elaboração de um grande espetáculo, agora a

nível mundial, que possa justificar a nova realidade e, ao mesmo tempo, entreter a platéia

na espera ansiosa por uma solução melhor.

Ainda que o espetáculo do neoliberalismo coloque suas bases de raciocínio

lógico sobre a liberdade econômica dos indivíduos, elemento vital na construção de uma

sociedade livre, avançada e desenvolvida, a prática mundana está demonstrando o lado

sombrio desta visão. Integrando a visão neoliberal ao mundo pós-moderno, Bauman nos

proporciona interessante compreensão do caráter ambivalente desta situação, dizendo:

“A condição pós-moderna dividiu a sociedade em

metades, a dos felizes seduzidos e a dos infelizes

oprimidos, com a mentalidade pós-moderna celebrada

pela primeira metade e aumentando a miséria da

segunda. A primeira metade pode abandonar-se à

descuidada celebração apenas porque se convenceu,

satisfeita, de que a miséria da segunda é uma opção

legítima dessa metade ou, pelo menos, uma parte

legítima da estimulante diversidade do mundo. Para a

primeira metade, a miséria é a ‘forma de vida’ que a

segunda metade escolheu – quando nada por levar um

199 HEILBRONER, Robert. A natureza e a lógica do capitalismo. São Paulo: Ática, 1988, p. 33.

121

estilo de existência despreocupada e negligenciar o

dever da escolha”200.

Então, apesar da ideologia neoliberal tentar justificar o óbvio, persiste e se

aprofunda, o dilema da riqueza e da pobreza na sociedade capitalista surgindo daí uma

necessidade, aparentemente, contraditória, porém, muito coerente, de combate-la. Será

preciso rever alguns parâmetros da produção na sociedade para atender, pelo menos em

parte, as carências materiais no plano real, visando amenizar os horrores sociais que

poderiam advir de uma crise na ordem estabelecida.

Na interpretação de Harvey:

“A única questão, portanto, é como exprimir, conter,

absorver ou administrar essa tendência de maneiras que

não ameacem a ordem social capitalista. Deparamos

aqui com o lado heróico da vida e da política burguesa,

em que devem ser feitas escolhas reais para que a

ordem social não se transforme em caos”201.

As empresas são partes integrantes e fundamentais desta dialética da vida

material e social dos homens. Através delas se processa a maior parte da criação da

riqueza, sua apropriação e se estabelecem às formas das relações sociais entre os membros

da sociedade capitalista. Podemos tomar como parâmetro desta relevante importância das

empresas, do ponto de vista do poder econômico, o relato de Clairmont:

“As desigualdades econômicas, sobre as quais se

fundamenta o poder das duzentas maiores

transnacionais, no entanto, encontram-se, igualmente

no interior do ‘clube dos bilionários’: apenas dês

transnacionais geram um lucro anual de 348 bilhões de

200 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de janeiro: Jorge Zaar Ed., 1999, p. 274. 201 Harvey, David. Condição pós-moderna, op. cit., p. 170.

122

dólares, ou seja, aproximadamente o mesmo montante

das 190 restantes (386 bilhões de dólares)”202.

Então, as empresas estão posicionadas no centro de atenções das

contradições da reprodução da vida material dos homens. Mais que isso, elas mesmas são

agentes do processo e, interagindo com o meio social, recebem os reflexos negativos do

mundo em construção. Portanto, são forçadas a reagirem na direção contrária dos efeitos

negativos que elas mesmas ajudaram a promover. Harvey203 nos dá um pequeno exemplo

desta ação, ao comentar a dramaticidade que os “choques futuros” estão promovendo, ao

dizer: “As empresas subcontratam ou recorrem a práticas flexíveis de admissão para

compensar os custos potenciais de desemprego provocado por futuras mudanças no

mercado”.

As empresas vão se adaptando às novas exigências do padrão de

acumulação de capital, numa arquitetura pós-moderna, ao mesmo tempo, que procuram

preservar sua posição e a própria forma da ideologia vigente na sociedade, a capitalista.

Num esforço dialético, as empresas socialmente responsáveis tentam ordenar o ritmo e a

intensidade da apropriação da riqueza, compatível com o bem-estar social e a proteção da

natureza. De um lado, a vontade incontida e insaciável em acumular capital, de outro lado,

a necessidade de responder às demandas sociais e ambientais mais urgentes, para preservar

o sistema e a própria vida do homem na terra. A frase de Jeremy Seatbrook, reproduzida

por Bauman204, reflete a essência deste dilema: “A pobreza não pode ser ‘curada’, pois não

é um sintoma da doença do capitalismo. Bem ao contrário: é evidência da sua saúde e

robustez, do seu ímpeto para uma acumulação”.

Outra questão limitadora do desempenho eficaz da empresa, no campo da

responsabilidade social, é a da necessidade de defender seus interesses econômicos, num

mercado global que vai se estruturando nos moldes da concorrência imperfeita. Ou seja, a

empresa precisa preservar os resultados econômicos, ao mesmo tempo, em que luta para

sobreviver numa estrutura de mercado desigual. Existem aqui três elementos interligados

que merecem ser pensados: primeiro, sem resultado econômico positivo a empresa não

sobrevive; segundo, a obtenção de lucro só se viabiliza por meio de um agente econômico

202 CLAIRMONT, Fréderic F. Sob as asas do capitalismo planetário. In A quem pertence o amanhã? Ensaios sobre o neoliberalismo. São Paulo: Loyola, 1997, p. 42. 203 Harvey, David. Condição pós-moderna, op. cit., p. 263. 204 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 87.

123

chamado consumidor; e, terceiro, a estrutura de mercado no mundo real não é

perfeitamente competitivo.

A nova ordem no mundo dos negócios impõe uma ditadura da lógica da

eficiência com especialização. Cada organização produtiva ou prestadora de serviços

precisa se demonstrar altamente especializada naquilo que faz, com extrema competência e

eficiência, tal sorte que não comprometa o seu desempenho econômico. Suas ações e

atenções devem estar concentradas naquilo que ela pode fazer de melhor e, com isso,

garantir uma posição relativamente estável no mercado.

Caso contrário, se houver dispersão, a empresa corre sério risco de não

conseguir acompanhar as modificações verificadas na economia. Bem porque, a principal

característica dos novos tempos, segundo Edward Luttwak, economista e historiador

americano, apud Martin e Schumann205, é “a aceleração do processo de destruição criativa

é a novidade do capitalismo na atual economia de livre mercado”. Ou seja, no melhor das

representações do espírito schumpeteriano, o processo de inovações e reestruturação

econômica se espalha com a velocidade das novas tecnologias, gerando inúmeros períodos

de transição e acomodação impostas sobre as forças produtivas.

Drucker206 expõe este primeiro elemento limitador da responsabilidade

social da empresa, chamando a atenção daquela organização para a necessidade de

viabilizar antes de tudo o cumprimento da sua função primaz. Embora, reconheça na

empresa uma forma de instituição social, portanto, de concentração de poder social, ainda

assim, é preciso considerar os aspectos da ação social empresarial do ponto de vista da

política. Neste paralelo, lembra o autor: “Elas não têm legitimidade, nem competência, em

política”.

Mais que isto, explicita aquele autor: “Mas elas [as empresas] querem coisas

[do governo] que as beneficiem, que as capacitem (ao menos na sua opinião) a realizar

melhor seu próprio trabalho, que se encaixem em seu sistema de valor, ou encham seus

bolsos”207. Ou seja, embora, existam responsabilidades sociais que a empresa deve

observar, o desempenho econômico é mola mestra nesta engrenagem.

Ao se dedicarem a tarefas não relacionadas com a sua função principal, fora

da sua “competência especializada”, portanto, fora das suas “funções especializadas”, a

205 MARTIN, Hans-Peter e SCHUMANN, Harald. A armadilha da globalização: o assalto à democracia e ao bem-estar social. São Paulo: Globo, 1999, p. 253. 206 DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira, 1994, ed. 3a., p. 71. 207 Ibidem, p. 71.

124

empresa pode prejudicar a si mesma e também a sociedade. Para ser socialmente

responsável, a empresa necessita do “desempenho econômico” eficaz, sem o qual não

poderá ser nem empregadora nem cidadã. Pior, será socialmente irresponsável se “aceitar

responsabilidades que podem comprometer seriamente sua capacidade para desempenhar

sua tarefa e missão principais.” É preciso que suas ações sociais estejam compreendidas

dentro da sua competência e daí poderem transformar estas ações em oportunidades208.

O segundo elemento desta lógica envolve reconhecer que o vigor do sistema

capitalista depende da criação de demanda efetiva. Na medida em que ocorre a revolução

dita tecnológica e a reestruturação organizacional, a empresa necessita utilizar-se cada vez

menos de mão-de-obra para a realização de suas tarefas. Isto quer dizer que a base técnica-

organizacional de reordenamento contínuo das forças produtivas, constantemente, expele

pessoas para fora do sistema. Mas, a atual organização social transformou-se

essencialmente numa sociedade com suas atenções voltadas para o consumo e não mais

numa sociedade de preocupações típicas da era industrial, ou seja, com ênfase nas tarefas

dos produtores.

A sociabilidade do indivíduo se dá pela sua capacidade de demonstrar-se

enquanto um consumidor voraz e exigente. O que interessa fundamentalmente à

sobrevivência da lógica do mercado, conseqüentemente, das empresas, é que os produtos

sejam realizados. É que os indivíduos se sintam irremediavelmente compelidos à prática do

consumo irrestrito.

No entanto, o consumo dos produtos só se dá pelas mãos dos homens. Isto

nos coloca diante de uma complicação, pois, com o passar do tempo e utilizando-se de

métodos tecnológicos mais eficientes, um grande contingente de indivíduos estará sendo

alijado de participarem do mercado consumidor. Como bem observou Kurz apud

Bandeira209: “robôs produzem muito mas não compram nada”. Portanto, ao mesmo tempo,

as empresas tornam-se mais eficientes, elevam os índices de produtividade, reduzem os

custos e tentam integrar ao mercado consumidor os indivíduos que a ordem natural do

sistema capitalista está excluindo.

Este dilema reflete a necessidade do sistema capitalista inserir no vetor da

demanda os excluídos da economia e do convívio social, aquelas pessoas que querem ter

208 DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista, op. cit., p. 70-71. 209 BANDEIRA, Vinícius. Globalização ou crise mundial do capitalismo? In: COGLIOLLA, Osvaldo (org.). Capitalismo: “globalização” e crise. São Paulo: Humanitas Publicações, 1998, p. 197.

125

acesso à renda para poderem consumir. As empresas gostariam que elas tivessem renda

para poderem consumir, porém, a lógica da eficiência requerida pelo sistema capitalista

não permite, pois a renda se concentra nas mãos da minoria. Ser “economicamente

correto” não é tarefa fácil dentro do sistema capitalista, talvez, impossível.

O terceiro e último elemento, a estrutura imperfeita dos mercados, delimita

o impacto positivo que o mercado concorrencial traria sobre a necessidade das empresas

assumirem suas responsabilidades sociais. No mundo neoliberal é justamente através do

efeito da concorrência que os agentes econômicos são obrigados a conviverem numa

situação de criação do bem-estar social. Da mesma forma, é o alto grau de concorrência

que motiva as empresas a se diferenciarem dos seus concorrentes. O que significa adotar

uma postura inovadora, socialmente responsável, para viabilizar sua perenidade no

mercado.

No entanto, o sistema capitalista não vive sob o domínio de um mercado de

concorrência perfeita, ao contrário, domina as estruturas de mercado de concorrência

imperfeita (oligopólios e monopólios). Isto implica em reconhecer que algumas empresas

dispõem de maior poder econômico, portanto, de maiores condições de influenciarem o

mercado que outras. No uso desta prerrogativa, podem e influenciam não apenas o

mercado, mas também o poder político e todo o ordenamento institucional da sociedade, na

direção de seus interesses econômicos.

O mito do livre mercado não existe. A globalização é apenas uma nova

etapa da necessidade do processo de acumulação de capital, agora com vistas ao mercado

mundial. Prova disto é a formação de blocos econômicos e suas intermináveis brigas

comerciais dentro e entre eles, que, quando não resolvidas amigavelmente, são

solucionadas na arena da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na perspectiva de

Carcanholo, “não resta a menor dúvida de que a competição entre os diferentes blocos não

será feita no sistema de livre concorrência”210.

Enfim, para representar o ponto de vista das limitações a responsabilidade

social da empresa, dadas pelos seus interesses econômicos, pode-se citar o exemplo da

empresa alemã Bertelsmann, fundada em 1935, que tem os seguintes objetivos delineados

no seu contrato social, de forma clara e, por que não dizer, conflitantes:

210 CARCANHOLO, Marcelo Dias. Globalização e neoliberalismo: os mitos de uma (pretensa) nova sociedade, op. cit., p. 210-211.

126

“1 – A empresa precisa fazer a máxima contribuição

possível à sociedade. Todos os interesses de grupos

ficam subordinados a este objetivo. 2 – (...) É de

responsabilidade da administração garantir a estrutura

interna necessária para tal, assim como harmonizar

interesses conflitantes. 3 – A empresa precisa obter

lucro a fim de garantir sua sobrevivência e a dos

empregos que proporciona”211.

Os aspectos da “máxima contribuição possível”, “harmonizar interesses

conflitantes” e “precisa obter lucro” conferem complexidade dialética à dimensão dos

interesses econômicos e sua interação com a responsabilidade social da empresa. Um

esforço desgastante passa a ser exigido das empresas. É neste sentido que o aparecimento

do chamado Terceiro Setor, realizando parcerias com as empresas, viabiliza melhores

condições de eficiência na gestão dos recursos monetários destinados para atender as

demandas sociais.

Diante deste cenário, os gestores das empresas precisam adotar a postura do

“fazer bem as coisas certas”, com a máxima urgência que a situação organizacional e

social exigem. Contudo, para fazerem as coisas certas se deve obedecer à lógica da

“eficácia eficiente”. Os gestores da organização não estão livres para fazerem o que

quiserem na ajuda das questões sociais, apenas podem fazer o que for possível.

Certamente, eles o farão na perspectiva de “descoberta de novas oportunidades que possam

ser transformadas em motores (geradores) de lucro”212.

Esta situação remete às funções da gestão organizacional, segundo Cunha e

Cunha213, para as seguintes tarefas: “(1) catalisar a construção de uma visão orientadora; e

criar uma cultura de (2) mudança e de (3) obtenção de resultados”. Num paralelo que se

pode fazer com o cenário dialético da responsabilidade social da empresa, acima descrito,

significa requerer da gestão organizacional uma participação ativa na construção dos novos

211 HANDY, Charles. Além do Capitalismo. São Paulo: Makron Books, 1999, p. 150.

212 CUNHA, Miguel Pina e; CUNHA, João Vieira da. Tese, síntese, antítese: contributos para uma teoria dialética das organizações. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, set-dez 1999, p. 13.

213 Ibidem, p. 13.

127

significados da organização, implementação de uma cultura “pró-mudanças” diante dos

novos desafios e tirar proveito rentável deste processo.

Em síntese, o novo padrão de “eficácia eficiente” na gestão dos recursos da

organização, implica garantir a sua sobrevivência a partir da gestão dos “negócios actuais

de forma a gerarem negócios futuros”, em outras palavras, explorar novas oportunidades

no mercado gerando “vacas leiteiras estrelas”214.

Quer-se com isto demonstrar que uma lógica de mudança nos padrões de

comportamento econômico da sociedade capitalista, a partir da sua célula produtora

principal, a empresa, não pode atender na plenitude ao imenso conjunto das carências das

demandas sociais. Não faz parte da função principal da empresa resolver os problemas

sociais, apenas contribuir para amenizar parte deles. A responsabilidade social, assumida

pela empresa, é esta parcela de contribuição assumida perante alguns poucos. Porém, não é

a solução final.

Ademais, a sobrevivência da própria empresa está condicionada no bojo das

reorganizações cíclicas da estrutura da economia capitalista. Além do processo

schumpeteriano da “destruição criadora”, uma tendência natural à ocorrência de ciclos

econômicos é parte integrante da lógica do processo de acumulação de capital.

Na percepção de Kalecki215, um mecanismo natural do ciclo econômico,

com movimentos de depressão e recuperação, se estabelece na sociedade capitalista a partir

do processo de acumulação e inversão de capital. Na medida em que o investimento se

realiza, propicia a possibilidade de crescimento econômico, pelo lado da demanda, porém,

simultaneamente, o excesso de capacidade produtiva criada vai enfraquecendo o

desempenho ao longo do caminho daquele crescimento.

Este movimento cíclico natural da economia capitalista está diretamente

relacionado ao excesso do equipamento de capital que é criado em conseqüência das

decisões de investir das próprias empresas. Nas palavras de Kalecki, explicando o

processo:

“A ampliação do equipamento de capital, isto é, o

aumento da riqueza nacional, contém a semente de uma

214 CUNHA, Miguel Pina e; CUNHA, João Vieira da. Tese, síntese, antítese: contributos para uma teoria dialética das organizações, op. cit., p. 14. 215 KALECKI, Michal. Crescimento e ciclo das economias capitalistas. São Paulo: Hucitec, 3 ed., 1990, p. 26.

128

depressão no curso da qual a riqueza adicional se

comprova ser apenas adicional. Porque uma parte

considerável do capital permanece ociosa e somente

torna-se útil na próxima recuperação”216.

Em outras palavras, a criação excessiva de capital que fica ocioso nas

empresas causa a recessão e, com o tempo, sua carência gera a necessidade de recuperação

econômica. O que implica reconhecer que as próprias empresas se acham à mercê das

conseqüências negativas durante o processo. Principalmente, durante a fase de recessão

econômica que condicionará severos limites à sua capacidade em contribuir com recursos

monetários às necessidades de responsabilidade social requeridas pelo sistema.

Sob a lógica econômica do neoliberalismo, o Estado eficiente não é aquele

que procura atender diretamente as necessidades materiais básicas dos indivíduos, nem

interferirá na reversão do ciclo. O Estado deve ser mínimo, no sentido de influenciar pouco

a economia, porém, positivamente, ao cidadão para ser mais responsável consigo mesmo e

para com os outros. Paralelamente, isto exige um maior grau de responsabilidade social de

cada um perante os seus próprios problemas.

No entanto, na medida que diminui a ação social e interferência econômica

do governo, o indivíduo, deixado a sós com seus problemas, não pode justificar que o

Estado é o causador dos males da sociedade. Conforme retratou Bauman217: a sua “inépcia

ou negligência individual” é a verdadeira causa da injustiça social.

Nesta sociedade pós-moderna, a valorização e liberalização das atividades

econômicas, levadas ao extremo, significam a própria privatização das preocupações

sociais. Então, a dependência social entre as pessoas se dá sob uma nova forma, a da

independência do indivíduo consumidor. Perde, portanto, ênfase o caráter público nas

questões sociais. Descrevendo esta situação ideológica e ambígua da dependência, Bauman

registra:

“uma dependência que é sustentada, reproduzida e

reforçada essencialmente por métodos de mercado, que

é abraçada de boa vontade e não se sente absolutamente

216 KALECKI, Michal. Crescimento e ciclo das economias capitalistas, op. cit., p. 26-27. 217 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência, op. cit., p. 276.

129

como dependência – pode se mesmo dizer: que se sente

como liberdade e um triunfo da autonomia

individual”218.

Porém, dado o caos social que vai se formando, embora a política

econômica neoliberal não queira incentivar o despertar do cidadão que existe dentro do

consumidor, dialeticamente, um movimento de construção da cidadania é arquitetado na

prática para dar conta das contradições sociais do sistema. Mas deve-se destacar, este

movimento de cidadania é regido não mais sob a coordenação do poder público, mas no

âmbito das ações privadas.

Embora a democracia seja cada vez mais colonizada pelo poder da

economia, o que se reflete visualmente na comercialização dos espaços públicos, o maior

número de cidadãos pobres e excluídos em relação aos demais, representa uma constante

ameaça à manutenção do sistema capitalista. A cidadania prometida pela via das ações

sociais privadas de solidariedade, na verdade, revela uma grande tolerância com a própria

existência da pobreza.

Empresas e sociedade civil são chamadas a doar sua contribuição para

favorecer a manutenção do próprio processo que causa a exclusão. Embora, louvável, o

comportamento da empresa-cidadã ao implementar ações sociais, decididas no âmbito da

sua autonomia, portanto, no exercício de sua liberdade, não confere a todos na sociedade

os benefícios desta ação. Na verdade, a liberdade existente é unidirecional, do mais rico

para o mais pobre cidadão, além de restrita àqueles que interessam serem beneficiados.

Tomando como referência à percepção de cidadania, em Handy219, “que nasce do

comprometimento mútuo”, se pode questionar até que ponto existe de fato este

comprometimento.

Nesta reinvenção da cidadania, num mundo democrático e neoliberal, cabe

ressaltar a observação de Drucker220: “Como termo legal, ‘cidadania’ indica mais uma

identificação do que uma ação. Como termo político, ‘cidadania’ significa compromisso

ativo. Significa responsabilidade. Significa fazer diferença na sua comunidade, na sua

sociedade, no seu país”. O que num mundo global capitalista implica reavaliar

218 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência, op. cit., p. 276-277.

219 HANDY, Charles. Além do capitalismo, op. cit., p. 155.

220 DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista, op. cit., p. 130.

130

negativamente as reais possibilidades de sucesso da eficácia total da responsabilidade

social da empresa, enquanto forma de contribuição a resolução final do problema da

exclusão social.

Ao retirar do Estado a possibilidade de coordenação das tentativas de

combate à eliminação da exclusão social, ainda que, momentaneamente, a lógica neoliberal

se embasa na defesa de uma moral individualista voltada para o sucesso pessoal, não

social. Sob a alegação de influenciar negativamente a eficiência e produtividade do sistema

capitalista, acusa o Estado do bem-estar social de desvirtuar os “recursos morais” e os

“valores comuns” que poderiam fazer nascer a solidariedade na sociedade civil, vivida

conscientemente pela comunidade, pois distribui benefícios sem nenhum “mérito

demonstrável”221.

Uma nova racionalidade de natureza neoliberal na economia toma conta das

ações de solidariedade. A exemplo da análise do paradoxo da produção dos bens coletivos,

não existe nenhuma irracionalidade em se agir na direção do interesse coletivo dada um

predomínio da lógica do cálculo individual. Ao contrário, ela está justificada porque

“alguém [o próprio sistema] força os indivíduos a cooperar” não em troca de um “benefício

individual”, mas para evitar uma punição que “resultaria da não-cooperação”. Ou seja, uma

realidade neoliberal dialética e complexa vai tomando conta da coordenação dos

movimentos sociais e empresariais em benefício do suposto interesse da coletividade222.

No plano microeconômico mais próximo da empresa, a responsabilidade

social enquanto manifestação de um caráter contraditório de “associação” do capital, com

outros agentes econômicos, é fruto da lógica do convívio forçoso com os stakeholders. Na

interpretação crítica de Srour:

“As duas lógicas, a do lucro e a da responsabilidade

social, convivem às turras. A primeira, endógena e

imanente ao capitalismo; a segunda, exógena e fruto da

ação política militante. A primeira, imantada pela

satisfação dos interesses dos proprietários ou detentores

do capital (quotistas, acionistas); a segunda, imbuída

221 OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e da política. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 274-275. 222 Ibidem, p. 293.

131

pela satisfação dos interesses dos demais stakeholders

das empresas”223.

Ampliar esta dimensão para o cenário macroeconômico, certamente, pode

gerar razoáveis benefícios sociais à comunidade onde interage a empresa. Contudo, não

podemos generalizar e afirmar que o desafio da geração do bem-estar social total estaria

resolvido. Na verdade reflete aquilo que Solomon224 chamou de a construção de um

“futuro global mais amplo e inevitavelmente partilhado”. Uma mentalidade de partilha que

vai sendo paulatinamente desenvolvida a força.

Nesta interação das forças sociais, no atual estágio do desenvolvimento da

sociedade capitalista, a influência dos valores econômicos neoliberais, ao regerem o

comportamento social dos indivíduos, molda uma necessidade pela ética da

responsabilidade que procura encontrar uma saída para preservar a própria característica do

sistema.

A idéia de responsabilidade segundo Levinas apud Sennett225, envolve a

noção básica de que “Como alguém conta comigo, eu sou responsável por minha ação

perante outro”. Esta condição de responsabilidade só pode existir se “para nos sentirmos

necessários, esse Outro tem de estar em necessidade”. Ou seja, avaliando a pergunta

deixada pelo autor: “Quem precisa de mim?”, torna-se compreensível que o caminho ético

assumido pela sociedade capitalista é fruto da própria condição de exploração do homem

pelo homem.

Não significa assumir a existência de uma ética pronta e acabada, ao

contrário, ela está em permanente desenvolvimento sendo constantemente desafiada pela

lógica do capital. A indiferença do mundo neoliberal se confunde com a necessidade

relativa de se preocupar com os outros. Na percepção da construção ética, por Srour226:

“No mundo capitalista, dado o dínamo endógeno de acumulação do capital, as duas

223 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais, op. cit., p. 187-188.

224 SOLOMON, Robert. A melhor maneira de fazer negócios: como a integridade pessoal leva ao sucesso corporativo, op. cit., p. 174.

225 SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 174.

226 SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais, op. cit., p.198.

132

dimensões – política e simbólica – necessitam imbricar-se para lograr o respeito aos

interesses dos outros, ou seja, para desempenhar uma função ética”.

Por sua vez, nas palavras de Sennett227, podemos perceber o reverso da

condição de exploração do homem pelo próprio homem, numa perspectiva individualista

da corrosão do comportamento ético: “Há história, mas não narrativa partilhada de

dificuldade, e portanto tampouco destino partilhado. Nessas condições, o caráter se corrói;

a pergunta ‘Quem precisa de mim?’ não tem resposta imediata”.

Ou seja, o desafio de sobreviver egoisticamente numa sociedade capitalista,

trilhando o caminho construído pela ética, se realiza em paralelo da existência de outros

indivíduos que estão sendo explorados e corrompidos. Nesta situação, a ética da

responsabilidade também não oferece uma solução completa para as contradições do

sistema capitalista. Ela apenas acomoda parte das necessidades humanas na medida do

possível.

Diante de toda argumentação acima, falar em assumir responsabilidade

social envolve, segundo Magalhães228, questões além do âmbito “das ‘empresas’, ‘do

governo’. É uma questão essencialmente das pessoas, dos indivíduos, de grupos, de

comunidades. É portanto uma questão política. E como tal, é uma questão de cultura, de

valores sociais.” E continua aquela autora, “Exercer a responsabilidade social é uma

questão de sermos conscientes, usar e abrir espaço para a ação política. É superar o

preconceito do ser político e ser cidadão”. Enfim, é uma questão de cunho ideológico,

econômico e social.

Então, envolve navegar pelo nível de consciência do indivíduo, das

empresas e da própria sociedade capitalista. Mas qual nível de consciência? A consciência

do reconhecimento possível da realidade que nos cerca, portanto, falamos aqui de muitas

consciências que existem, em diferentes estágios de desenvolvimento no mundo, nas

regiões e nos locais.

Na interpretação de Sennett229, considerado as idéias do filósofo Gadamer,

temos a seguinte frase: “o eu que somos não se possui a si mesmo; pode-se dizer que [o eu]

227 SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, op. cit., p. 175-176. 228 MAGALHÃES, Iliana Maria Michel Magalhães. Responsabilidade social das empresas e ação política dos indivíduos e da sociedade. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 24, n. 4, out-dez 1994, p. 224-225. 229 SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo.,op. cit., p. 175.

133

‘acontece’, sujeito aos acidentes do tempo e aos fragmentos da história. Assim, ‘a

consciência do indivíduo’, declara Gadamer, ‘é apenas um piscar do circuito fechado de

vida histórica”.

Ser socialmente responsável, então, é o resultado do avanço da consciência

possível verificada ao longo da história do avanço do capitalismo que, num mundo

globalizado e sistêmico, vai se refletindo nas demais unidade (indivíduos, organizações e

sociedades) do sistema total, ainda que de forma difusa. É perceber que o sofrimento dos

outros exige uma ação concreta para atenua-lo, embora, contraditoriamente, não sejamos

formalmente responsabilizados por isto. Mas, o sistema em que vivemos, certamente, o é.

Para finalizar, convém citar os argumentos de Dowbor, a respeito desta

consciência assumida pelas pelos empresários no sistema capitalista:

“Pode parecer ingênuo esperar consciência de quem

com ela não lucra. No entanto, os dramas sociais e

ambientais estão se avolumando com tanta rapidez, que

um número crescente de empresários, e particularmente

os que não buscam ou não têm condições de fazer

negócios às custas de política de bastidores, passaram a

entender que resgatar as condições de governabilidade,

de uma sociedade mais justa e ambientalmente

sustentável, é vital para todos”230.

Ou ainda, citar a preocupação de Hobsbawm diante dos riscos que

atualmente presenciamos:

“Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e

transformado pelo titânico processo econômico e

tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que

dominou os dois ou três últimos séculos (...) As forças

geradas pela economia tecnocientífica são agora

suficientemente grandes para destruir o meio ambiente,

ou seja, as fundações materiais da vida humana. as

próprias estruturas das sociedades humanas, incluindo 230 DOWBOR, Ladislau. A reprodução social: propostas para uma gestão descentralizada, op. cit., p. 437.

134

mesmo algumas das fundações sociais da economia

capitalista, estão na iminência de ser destruídas pela

erosão do que herdamos do passado humano. Nosso

mundo corre o risco de explosão e implosão. Tem que

mudar”231.

Isto não quer dizer, necessariamente, que a sociedade capitalista esteja

alterando a sua natureza. Pode-se reconhecer no sistema capitalista de organização social

uma clara tendência autofágica, porém, com instrumentos que procuram regenerar sua

condição, até o limite maior da defesa dos interesses da propriedade privada e da suposta

liberdade do indivíduo.

Neste aspecto, também cabe aqui uma frase de Ianni:

“Note-se que ‘desvios’ destinados a provocar mudança

social, ou mesmo evolução sistêmicca, podem ser

‘intencionalmente produzidos’. Na realidade, são

principalmente as ‘elites’ dominantes (envolvendo

indivíduos, grupos, classes, organizações

governamentais, organizações bi e multilaterais,

corporações nacionais e transnacionais) alguns dos

principais ‘atores’ que concretamente agem de modo a

produzir, orientar e dinamizar ‘desvios’ destinados a

provocar mudança ou evolução”232.

Enfim, entender a responsabilidade social da empresa pode requerer uma

percepção filosófica da questão, embora, numa sociedade em que a filosofia não faz parte

da essência da estratégia de sobrevivência material do homem. Da mesma forma, a

mudança deste conceito também pode passar pela percepção da “reatividade social das

empresas”, num claro abandono da discussão do objetivo final para se transformar apenas

numa resposta às questões manifestadas concretamente. Ou ainda, uma combinação das

231 HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 562. 232 IANNI, Octavio. Terias da globalização, op. cit., p. 72.

135

idéias filosóficas e de reatividade, resultando no chamado “desempenho social das

empresas”, numa alusão óbvia da necessidade de um novo “contrato social” firmado entre

empresa e sociedade233.

Mas, certamente, em todos os casos acima citados permanece a mesma

situação: a necessidade de viabilizar um mínimo de convívio social aceitável dentro da

estrutura da sociedade capitalista. Uma situação que pode muito bem ser resumida pelo

movimento dialético deste modo de produção da vida material dos homens frente a

manutenção da ordem social, contido na expressão cunhada por Marx234: “Não é a

consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que

determina sua consciência”. Responsabilidade social das empresas é parte da ação

estratégica e operacional concreta deste organismo social.

233 STONER, James A. e FREEMAN, R. Edward. Administração. Rio de Janeiro: LTC, 1999, p. 74-75. 234 MARX, Karl. Para a crítica da economia política; Salário, preço e lucro; O rendimento e suas fontes: a economia vulgar. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986, p. 25.

136

CONCLUSÃO

Avaliar a projeção da responsabilidade social sobre as empresas

correlacionadas ao mundo capitalista, do qual ela faz parte, certamente, é uma tarefa

desafiadora. Poder-se-ia conceber esta questão do ponto de vista filosófico ou ideológico e,

em ambos os casos, a realidade concreta da vida do homem se manifesta segundo inúmeros

detalhes particulares e específicos que caracterizam cada uma das muitas sociedades.

O presente estudo tomou como ponto de partida a existência atual de uma

ideologia capitalista dominante na maioria das sociedades humanas, cuja hegemonia, no

trato das questões econômicas, se traduz pela visão neoliberal. Isso também é uma

realidade no caso brasileiro. A preocupação principal foi distinguir de que maneira esta

ideologia está relacionada com o avanço dos movimentos reais de responsabilidade social

das empresas privadas no Brasil.

De imediato se percebe que o individualismo econômico defendido pelo

neoliberalismo poderia ser um entrave ao avanço deste processo de aceitação das

responsabilidades sociais por parte daquelas organizações. A visão econômica neoliberal

não defende nenhum tipo de “obrigação” de responsabilidade social das empresas. A

“auto-estima” pelos interesses individuais é a única obrigação existente no campo das

relações de mercado, a qual se encarregaria de criar um clima geral de bem-estar social.

Mas o entrave ideológico é uma visão parcial da questão.

Se a ideologia neoliberal não reconhece obrigação econômica, por outro

lado, também não implica coibir e, porque não dizer, proibir qualquer atitude individual

que pretenda reconhecer e participar de ações socialmente responsáveis. O maior valor

neoliberal é a liberdade das ações do indivíduo, portanto, somente ele é o senhor dos seus

interesses econômicos. Óbvio, que sua participação em ações sociais, por envolver o uso

de recursos monetários particulares, implica em defender acima de tudo o interesse

econômico próprio.

Neste sentido, a utilização livre da renda pelo indivíduo, destinada ao

benefício que não ele mesmo, é possível, mas somente se ocorrer à margem dos principais

interesses econômicos pessoais. Ou seja, possíveis perdas econômicas poderão ser

livremente assumidas desde que na base inferior do valor monetário dos bens não

consumidos e que lhe interessariam. A liberdade do jogo de interesses econômicos rege a

137

tomada de decisões dos indivíduos, portanto, também das empresas. A responsabilidade

social da empresa assumida “livremente” é compatível com a ideologia neoliberal.

O Estado interventor fere a liberdade do indivíduo, da empresa, da

comunidade ao tomar decisões que interpretam os interesses econômicos que eles mesmos

deveriam escolher. A busca pela adaptação às necessidades do mercado seria a única forma

de manifestação clara das vontades daqueles indivíduos, o que vai envolver características

pessoais distintas. Por isso o poder econômico do Estado deve ser minimizado, para

favorecer as escolhas econômicas tomadas livremente no âmbito do espaço individual.

Sobreviver, portanto, exige uma conformação aos interesses dos outros

indivíduos na busca do próprio interesse. Equivale a subordinação à lei da oferta e da

demanda onde as partes terão que achar o ponto de equilíbrio dos interesses particulares

conflitantes. Embora opostos tais interesses econômicos individuais serão confrontados no

mundo concreto e daí resultará uma solução do equilíbrio possível.

Este mecanismo automático de equilíbrio se processa ao longo dos períodos

temporais, não é um resultado imediato. É um processo social histórico e dinâmico, que

mutuamente se faz necessário a todos os indivíduos. A competição no espaço do mercado

garante esta conformação do equilíbrio possível. Ao Estado cabe apenas garantir as

condições ideais de manifestação das forças do mercado, na busca da realização dos

interesses econômicos individuais.

A empresa, assim como, um indivíduo livremente responsável pelos seus

próprios interesses econômicos, poderá assumir responsabilidades sociais desde que decida

faze-lo. Não existe portanto caráter compulsório. Na verdade, privilegiando as decisões

individuais, só faz sentido falar em responsabilidade social da empresa desde que seja

voluntariamente assumida. Neste caso, está preservada o valor moral e a nova forma da

ideologia capitalista.

Na medida em que o Estado diminui seu poder intervencionista sobre o

mercado, brechas cada vez maiores de assistência social a sociedade ficariam,

conseqüentemente, a cargo da responsabilidade voluntariamente assumida pelo setor

privado. Ao Estado cabe o papel social de ser “suplemente à caridade privada”. A ação

voluntária tenta substituir qualquer ação social compulsoriamente imposta pelo poder do

Estado.

Ora, na medida em que a empresa assume livremente responsabilidades

sociais o faz, certamente, sem prejuízo dos seus interesses econômicos fundamentais. Fará

138

uso de recursos monetários a margem de suas necessidades vitais, portanto, se incorrer em

perdas estas serão suportáveis. A reestruturação do Estado do bem-estar social na direção

do Estado mínimo, defendida pela visão econômica do neoliberalismo, é elemento

logicamente integrado a diminuição da ação social pública substituída pela ação social

privada. Em sendo assim, cabe aos indivíduos e também as empresas assumirem

espontaneamente novas responsabilidades sociais.

No entanto, a vida material do homem em sociedade não é necessariamente

sempre fruto de um plano ideológico meticulosamente arquitetado, de forma consciente,

nos mínimos detalhes. Pode ser que as complexas condições materiais verificadas na

sociedade estejam sendo construídas de forma inconsciente, paralelamente, ao

desenvolvimento da ideologia, ou até mesmo, precedendo-o.

Ao analisar as variáveis que na prática influenciam a responsabilidade social

assumida pelas empresas, percebe-se um intrincado quebra-cabeça que relaciona diferentes

dimensões criadas no âmbito das distintas formas de relações dos indivíduos na sociedade.

Mais que isto, estas relações estão interligadas de forma sistêmica, conectadas em tempo

real, num ambiente de abrangência mundial que privilegia as ações efetivadas em parceria

com terceiros.

Percebe-se a existência de cinco dimensões influenciando a

responsabilidade social da empresa: a concepção ideológica da sociedade capitalista, os

fundamentos dos interesses econômicos da empresa, a profissionalização da gestão

empresarial, as características do ordenamento institucional da sociedade e os valores

morais e éticos do comportamento social.

No caso brasileiro, a adoção do modelo econômico do neoliberalismo, logo

no início dos anos 90, promoveu uma ruptura na acomodação das forças internas nestas

cinco dimensões. O país se viu rapidamente integrado numa série de necessidades

globalizantes, voltadas para a construção de uma nova ordem econômica, social e legal.

A concepção ideológica da sociedade capitalista brasileira inicia a pressão

sobre a diminuição do poder de interferência estatal no ambiente de mercado e advoga a

liberalização das relações econômicas com o resto do mundo. O Estado vai perdendo a

primazia pela ação de interesses sociais, paralelamente, ao aparecimento da percepção do

empresariado local das carências que crescentemente vão cercando o ambiente da empresa.

A empresa vai tomando ciência do espaço das demandas sociais que aparecem na

sociedade.

139

Dado os interesses econômicos internos e externos da empresa, a mudança

positiva no nível da concorrência nacional impõe a reconstrução das estratégias de geração

de capacidade competitiva dentro da empresa e junto à comunidade. A necessidade de

prover facilidade de adaptação aos novos tempos transforma o funcionário de mão-de-obra

para capital humano, de empregado para colaborador interno, pois a capacidade de

inovação intelectual está no homem. O colaborador remanescente precisa de apoio, bem

como, sua família no intuito de criar um ambiente físico e psicológico minimamente

salutar ao desempenho profissional eficiente.

Do lado externo, a responsabilidade social da empresa agrega valor aos

resultados econômicos na medida em que ela pode criar um diferencial de capacidade

competitiva, aos olhos e desejos de consumo da sociedade em geral. A participação e

integração das empresas nos problemas sociais da comunidade local onde ela atua, cria

uma identidade e todo um simbolismo de respeito e admiração para com aquela

organização socialmente responsável. Considerando a realidade das carências nacionais,

potencializadas pela reestruturação produtiva neoliberal, vislumbra-se uma vantagem

competitiva que pode ser rapidamente explorada.

A capacidade da gestão empresarial em se adaptar e inovar na condução dos

negócios da empresa, buscando um porto seguro, mais e mais depende dos métodos

contemporâneos de gestão profissional implementados na organização. A participação dos

administradores profissionais ganha destaque e, com eles, novos modelos científicos

passam a fazer parte da estratégia das empresas acompanhando as ações já verificadas nos

países desenvolvidos. Naqueles países a abordagem da responsabilidade social das

empresas se encontra em estágio mais avançado que aqui, logo, exigindo sua reprodução.

O management absorve no país a solidariedade enquanto elemento de gestão empresarial.

A empresa-cidadã surgida, por sua vez, também tem que enfrentar o desafio

do poder social constituído legalmente. Existe um outro lado da responsabilidade social da

empresa, seu caráter compulsório. A legislação desenvolvida no país vai procurando

reformular as vias de facilitação do avanço no processo de acumulação de capital, bem

como, garantir a defesa da sociedade contra os abusos do poder econômico. Este

movimento legalista e civil se intensifica junto com o processo de abertura da economia

brasileira e redemocratização da nação.

O empresariado local demonstra-se preocupado com estas questões e passa

a interagir ativamente na elaboração do novo contrato social. O respeito às pressões

140

puramente de ordem da sociedade civil ainda são incipientes, exceto, quando há

envolvimento maciço da mídia, mas no tocante à legislação há uma preocupação latente

em garantir a sobrevivência fiscal da empresa.

Ao mesmo tempo, um novo clima de valores sociais vai se desenvolvendo

no país e a empresa percebe a necessidade de incorporá-los à sua forma de gestão. A

percepção de valores sociais avaliados segundo preceitos de vertente ética vai,

paulatinamente, penetrando no mundo empresarial. A corrupção começa a ser vista como

um mal econômico e vai sendo combatida. Não se quer com isso dizer que o

comportamento ético tomou conta do país, pois ainda estamos muito longe disto. Apenas

percebe-se uma ebulição de reflexões éticas que passam a considerar os efeitos negativos

das pressões dos diversos grupos sociais com quem a empresa mantém relações. A

responsabilidade devagar vai ganhando terreno.

O país, portanto, está envolvido por uma nova e complexa teia de relações

sociais que interligam empresa-indivíduo-sociedade, numa subordinação à ordem

globalizante do capital mundial. Certamente, as características aqui verificadas de

percepção da responsabilidade social diferem, sutilmente, das formas materiais

manifestadas em outros locais do planeta.

Contudo, uma questão importante permanece no centro da implementação

das responsabilidades sociais das empresas: é possível, por esta via, construir uma saída

eficaz a colaboração do bem-estar da sociedade geral? De imediato, pode-se reconhecer

que há de fato uma colaboração material importante no combate à miséria e à pobreza

humana por parte da empresa. Mas, a solução para este tipo de problema da nossa

sociedade requer uma mudança na estrutura social.

A sociedade nos moldes capitalista gera um movimento histórico de

concentração da renda, de produção de excluídos. Este processo social é fruto do domínio

das bases de ordenação das relações econômicas sobre as demais formas do

relacionamento humano. É inevitável reconhecer as mazelas materiais de um mundo

dividido entre ricos e pobres.

As empresas são instrumentos fundamentais da viabilização deste processo

perverso de exploração do homem pelo próprio homem. Sua lógica natural é a da

acumulação, portanto, é inapropriado esperar dela a resolução de todos os problemas

sociais. A organização do mundo concreto é elaborada por força de suas atividades

econômicas, logo, as carências sociais são reflexos das ações das próprias empresas, no seu

141

conjunto, ainda que, individualmente, algumas se demonstrem mais preocupadas com as

questões humanas de terceiros.

Paralelamente, de forma dialética, constata-se a construção de uma pressão

interna ao sistema capitalista para que as empresas assumam responsabilidades sociais,

aquém das suas finalidades criadoras. Contraditoriamente, uma crescente necessidade de

proteção social aos excluídos clama pela ação social empresarial. Está criado o impasse,

um dilema moral para a sociedade capitalista.

Se responsabilidade envolve ação consciente, a responsabilidade social é

relativa à capacidade que determinada sociedade manifesta conscientemente na ajuda aos

seres humanos menos favorecidos economicamente. Os muitos outros que precisam dos

outros poucos, conscientemente, cedo ou tarde, este últimos manifestarão sua solidariedade

na arena social, pois estão interligados pelas vias do reconhecimento da realidade comum

deste mundo que os cerca.

A consciência da responsabilidade social da empresa só existe quando as

necessidades dos excluídos batem às portas dos favorecidos, num plano de reconhecimento

possível de uma realidade capitalista que precisa ser reconstruída. Deixa de ser meramente

uma questão de ideologia e passa ser um fato concreto da realidade social.

Uma ação social articulada vai tomando forma na busca da solução viável.

A responsabilidade social da empresa surge como um desvio necessário à proteção do

tecido de uma sociedade que busca uma nova forma em sua evolução, ainda que, com a

pretensão de proteger os benefícios individuais já conquistados.

A nova realidade do dinamismo do capital a nível mundial empurra a

empresa, na busca pela sobrevivência, para novos caminhos além da função unicamente

produtiva. De outro lado, questões sociais avançam na sua direção, para dentro do sistema

de domínio de exploração, numa provável luta perdida. A viabilidade de uma maior

harmonia entre a posse do capital e os seres humanos entra numa nova etapa de guerra, na

busca de uma pretensa paz.

Responsabilidade social das empresas é uma preocupação forçada com os

outros, contraditando a ideologia neoliberal, porém, totalmente coerente com o movimento

dialético das forças produtivas da sociedade capitalista. É o confronto entre o indivíduo e a

sociedade, o capital e a pobreza, a vida feliz e a morte severina. É a necessidade do capital

reconstruir aquilo que ele mesmo está destruindo, diante da necessidade de uma nova

142

realidade e seus padrões socialmente aceitos. Estabelece-se uma luta no interior da pseudo-

consciência humanitária capitalista, da consciência do historicamente possível.

A responsabilidade social das empresas é de fato uma necessidade da

moderna gestão empresarial. Ainda que, a mentalidade capitalista dominante e atrasada, na

sua visão neoliberal, não defenda explicitamente este tipo de comportamento, ele está

sendo implementado pelas vias da necessidade humana.

No caso brasileiro, justamente, na confluência precoce da ideologia

neoliberal ao capitalismo tardio, nasce uma combinação histórica que trás as marcas

recentes da necessária ação social empresarial. Sensível mudança no comportamento

empresarial brasileiro, comparando a mentalidade e o discurso nos anos 80 com a dos anos

90, vem expor este processo em desenvolvimento.

Afirmar que a responsabilidade social das empresas é fruto apenas da

dimensão dos interesses econômicos, embora, não se questione sua preponderância, é um

risco, pois outras forças sociais da vida dos homens podem vir a manifestar-se nas formas

constituídas ou de forma nunca vista. A prova é que o domínio das forças impessoais do

próprio mercado, portanto, inconscientes, está gerando uma reação conscientemente

forçada das empresas na condução de questões sociais. Embora, as empresas procurem

tirar proveito econômico desta situação, pois vivemos num mundo de troca, quem poderá

afirmar cegamente que tipo de novas forças sociais surgirão de dentro deste novo contexto

para explicar totalmente sua existência.

A criação de novos elementos na ordem institucional e a mudança de

valores sociais podem alterar a rota das intenções sociais do capital, obrigando-o a

remodelar ainda mais sua forma, no entanto, não sem a contra-pressão natural do poder

econômico. As empresas e suas responsabilidades sociais, por enquanto, estão se

posicionando no centro deste embate social. Só não sabemos até quando isso é possível ser

mantido e que conseqüências poderão ocorrer na estrutura social e organizacional das

empresas e da própria sociedade.

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