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FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACIS Camilla Caiuby Müller Carioba A sombra na arteterapia A criação de personagens com máscaras de papel marchê e seu uso em arteterapia ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA E EXPRESSÕES CRIATIVAS São Paulo 2014

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FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

FACIS

Camilla Caiuby Müller Carioba

A sombra na arteterapia A criação de personagens com máscaras de papel marchê e seu uso em arteterapia

ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA E EXPRESSÕES CRIATIVAS

São Paulo

2014

Camilla Caiuby Müller Carioba

A sombra na arteterapia A criação de personagens com máscaras de papel marchê e seu uso em arteterapia

Monografia apresentada à FACIS como requisito para obtenção do título de especialista em Arteterapia e Expressões Criativas.

São Paulo 2014

Na fantasia A pessoa desapareceria Na Verdade O aspecto pessoal É só aparente. Não importa apenas se comporta. Presença é chuva para toda horta. Eu sou. Moacir Amaral

Resumo

O presente estudo apresenta a criação de máscaras de papel marche como um recurso arteterapêutico de grande valor para a manifestação da sombra em intervenções grupais. Relata o surgimento de personagens sombrios, como bruxa, lobo mal, “palhaços dos horrores” e espantalho, criados pelos participantes de um grupo, que em sua maioria eram diagnosticados com alguma psicopatologia, em uma Oficina de Criação de uma instituição localizada na cidade de São Paulo. A hipótese trabalhada é que a exploração da sombra causa mudanças tanto na pessoa que cria e usa a máscara, quanto no grupo ao qual pertence, uma vez que permite o esvaziamento de um padrão psíquico sombrio, ao abrir espaço para novas possibilidades de atuação no grupo, além de um conhecimento maior de si próprio. O método utilizado foi a pesquisa qualitativa empírica, que permite a abordagem aos fenômenos numa perspectiva subjetiva. A coleta de dados se deu durante a referida oficina com base num registro previamente realizado das atividades, tanto escrito como fotográfico, das produções e vivências. Para a fundamentação teórica, recorreu aos seguintes conceitos da Psicologia Analítica: sombra, persona, símbolo e inconsciente.

Palavras-chave: Arteterapia. Máscara. Persona - Sombra. Psicologia Analítica. C.G. Jung.

Sumário

Introdução ..................................................................................................................................................... 5

1. CRIAÇÃO DE PERSONAGENS COM MÁSCARAS E SEU USO TERAPÊUTICO .............. 7

2. ARTETERAPIA JUNGUIANA HISTORIA DA ARTETERAPIA.................................................... 9

2.1. Alguns conceitos da psicologia analítica .......................................................................... 12

2.1.1.Inconsciente pessoal ................................................................................................. 13

2.1.2.Inconsciente coletivo e arquétipo ............................................................................ 13

2.1.3.Sombra ....................................................................................................................... 14

2.1.4.Persona ...................................................................................................................... 14

2.1.5.Símbolo ...................................................................................................................... 15

3. A CASA DO TODOS ......................................................................................................................... 16

3.1. Apresentação das oficinas.................................................................................................. 17

4. CONSTRUINDO MÁSCARAS ........................................................................................................ 19

4.1. Primeiros passos ................................................................................................................. 19

4.1.1. Apresentação dos personagens ......................................................................... 22

4.1.2. Dialogando com os personagens ....................................................................... 23

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................... 31

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 32

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Introdução

Meu interesse por este tema surgiu durante um grupo de arte-educação que ofereço numa

instituição localizada em São Paulo, chamada Casa do Todos, desde fevereiro de 2013. Ao longo

deste tempo, numa determinada oficina, os participantes do grupo, a maioria diagnosticada com

alguma psicopatologia, criaram espontaneamente máscaras em papel marchê, que

representavam personagens sombrios, como bruxa, lobo mal, “palhaços dos horrores” e

espantalho. Durante a confecção das máscaras observei, ainda, que os clientes conversavam com

elas, procurando descobrir qual a voz que as máscaras teriam para se comunicar.

Em conversas que tive com outros terapeutas da Casa do Todos, percebi que em algumas

situações do cotidiano da instituição, alguns destes personagens já apareciam nas expressões dos

clientes da Casa antes da confecção da máscara. Agora, estes personagens ganhavam uma

existência concreta por meio das máscaras.

Em minha experiência percebi que muitas vezes os clientes apresentavam o desejo de

explorar mais os personagens que já traziam em si. Ocorreu que os participantes foram buscando

em diferentes situações vividas na Casa a possibilidade de dar forma para a aparição de seus

personagens. Alguns encontraram um espaço de atuação com plateia na oficina de bateria, já

outros preferiram lugares onde apenas o olhar do outro participava, expondo as máscaras em

paredes da Casa.

No decorrer do tempo alguns destes personagens se extinguiram, bem como as

manifestações que eles evocavam, e, assim, deram lugar a novos personagens com novas

manifestações que buscavam novos espaços.

Esta monografia visa contribuir com o campo da Arteterapia e Expressões Criativas, na

medida em que expande o olhar sobre o trabalho em grupo com a utilização da técnica de

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máscaras de papel marchê, como instrumento de expressão de fenômenos intrapsíquicos, já que

a bibliografia para o uso de máscaras como recurso terapêutico foi escassa.

A pergunta que norteou meu interesse pelo tema foi de que maneira a expressão dos

personagens contribui para o trabalho terapêutico em grupo? Apenas quem atua como

personagem se beneficia deste trabalho, ou quem assiste também?

Minha hipótese é que a exploração da sombra de cada um, através do personagem, causa

mudanças na pessoa que cria e usa a máscara, assim como no grupo ao qual pertence. Isso

porque o acompanhamento dos clientes durante seu encontro com a sombra permite um

esvaziamento de um padrão psíquico sombrio constelado, e abre espaço para novas

possibilidades de atuação no grupo, além de um conhecimento maior de si próprio.

A partir da arteterapia junguiana discuto a importância de um espaço protegido para

experimentação dos personagens sombrios, pois o encontro com a sombra possibilita

autoconhecimento e transformação. Para a fundamentação teórica, apresento neste trabalho os

seguintes conceitos da Psicologia Analítica, criados por seu fundador, Carl Gustav Jung: sombra,

persona, símbolo e inconsciente.

O método que norteou este trabalho foi o teórico empírico, que explica a interação entre as

subjetividades, ou seja, explora como se dá o diálogo entre o mundo interno do sujeito e o mundo

externo. A coleta de dados se deu em minha prática, durante a oficina que já coordenava como

arte-educadora. Ao final das oficinas, fazia o registro das atividades, tanto escrito como fotográfico,

das produções e vivências.

Este estudo está dividido em quatro capítulos, além da introdução e da conclusão. O

primeiro capítulo trata da criação de personagens por meio da confecção de máscaras em papel

marchê, como instrumento de expressão de fenômenos intrapsíquicos. No segundo capítulo,

apresento a Arteterapia Junguiana, e também alguns conceitos da psicologia analítica que

sustentam este trabalho. No terceiro capítulo, apresento mais detalhadamente a Casa do Todos e

algumas oficinas oferecidas neste espaço. No quarto capitulo, apresento as atividades práticas e

uma leitura compreensiva dos conteúdos observados com base nos conceitos levantados, em

busca de aprofundamento das questões levantadas. Por fim, a conclusão vem para apontar os

resultados do trabalho a partir de sua hipótese objetivo e questionamento iniciais.

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Capítulo 1

Criação de personagens com máscaras

de papel marchê e seu uso terapêutico

Máscaras são utilizadas pela humanidade com diferentes propósitos desde o início dos

tempos; para fins religiosos, como atributos mágicos, entretenimento, cerimonias de cura, caça,

ritos funerários, entre outros. Na Grécia antiga elas eram usadas nos teatros, quando personagens

encenados com máscaras promoviam forte catarse coletiva. Ao assistirem as tragédias gregas, os

expectadores se reconheciam nos personagens, “espiavam” suas emoções, e assim, se aliviavam

psiquicamente.

No Sri Lanka, acredita-se que as doenças são causadas e curadas por demônios. Para se

curar, a pessoa assiste a uma cerimônia de dança onde artistas se utilizam das máscaras dos

demônios que causam as doenças, dançam e cantam e, assim, o demônio pode promover ou não

a cura. Estas máscaras são em sua maioria horripilantes e trazem características dos males que

representam. Abaixo, algumas máscaras dessa cultura:

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As máscaras nos conectam ao sagrado, são instrumentos de contato com um “outro

mundo”. Favorecem, também, o contato com o mundo interno, com os personagens que nos

habitam e nem sempre tem a chance de serem vistos e ouvidos. “O trabalho com as Máscaras ajuda

a reconhecer os personagens internos e configura-se como um convite para o contato com o sagrado em

nós por meio das máscaras que nos constituem.” (LOBO, 2012 p. 238).

Muitas vezes, acreditamos que as máscaras ocultam quem as utiliza, quando na realidade

acabam por mostrar escolhas que são muitas vezes inconscientes de quem as escolhe e as

atitudes que o personagem mascarado apresenta. De fato, a máscara revela aquilo que o

mascarado tenta ocultar quando não está com a máscara.

A máscara como recurso arteterapêutico pode ser entendida como instrumento

transformador e comunicador de aspectos intrapsíquicos. Ao utilizar a máscara é o personagem

que está no comando da situação, são as sensações do mascarado e não a pessoa em si que

interage com mundo, libertando, assim, o ator de suas próprias máscaras sociais para uma nova

forma de estar no mundo. “Portanto, as máscaras nos servem como caminho no sentido de

encontro com o Self, uma vez que nos brindam com seu lado interior, a “sombra”.” (FRISON, 2014,

p.2)

Desde o processo de criação da máscara, caracterizado por juntar pedaços de jornal sobre

uma bexiga com cola, esperar para que a cola coagule, todas as intenções de quem aguarda o

nascimento da máscara, até o momento em que o personagem se revela, são momentos ricos

para que o arteterapeuta acompanhe os clientes em seus encontros com o inconsciente e a

sombra. É como a descoberta de um achado arqueológico, um encontro com tesouros encobertos

que aos poucos se revelam aos olhos de seu criador. Por tudo isso, creio que a utilização da

máscara de papel marche como recurso arteterapêutico pode propiciar o encontro com a sombra

e auxiliar no caminho do encontro com o Self.

No próximo capítulo apresento a arteterapia junguiana e alguns conceitos da psicologia

analítica.

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Capítulo 2

Arteterapia Junguiana

A Arteterapia, como o nome sugere, une pelo menos duas áreas do conhecimento, a arte

e a psicologia. Liomar Quinto de Andrade (2000) realizou uma pesquisa minuciosa sobre o

histórico do uso da expressividade em psicoterapia, recorri ao seu livro para descrever este

percurso nos próximos parágrafos. As pesquisas de ANDRADE (2000) apontam que a união entre

arte e psiquiatria teve seu início no século XIX e se desenvolveu durante todo o século XX. O autor

explica como isso ocorreu: “(...) Em 1876, quando Max Simon, médico psiquiatra, publicou

pesquisas sobre manifestações artísticas de doentes mentais e fez uma classificação das

patologias segundo essas produções artísticas. (ANDRADE, 2000, p.49).

Abaixo, apresento os dados históricos indicados pelo autor no referido livro.

Lombroso, em 1888, fez análises psicopatológicas dos desenhos de doentes mentais para

classificar doenças. Morselli, em 1894, Julio Dantas, em 1900, e Fursac, em 1906, realizaram

estudos sobre produções e trabalhos artísticos de doentes psiquiátricos. Charcot, Ferri e Richet

também pesquisaram as expressões artísticas de doentes mentais.

Mohr, em 1906, levanta a possibilidade dos desenhos serem usados como testes, a fim de

explorar os diversos aspectos ocultos da personalidade. Rorschach, Murray-TAT, Szondi foram

inspirados pelas ideias de Mohr. Bem como Binet-Simon, Goodenough e Bender, que

conceberam testes de inteligência e motores.

Prinzhorn apresenta suas pesquisas onde compara desenhos de doentes metais e as

diversas escolas artísticas como os impressionistas, expressionistas, surrealistas, dadaístas, entre

outras. Estudou as manifestações patológicas e a psicopatologia das expressões artísticas

normais. Sua primeira pesquisa veio a público em 1910 e a segunda mais completa, em 1922.

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Freud, em 1906, elaborou estudos psicanalíticos sobre algumas obras de arte, postulando

que a imagem é uma comunicação simbólica do inconsciente, com função especialmente

catártica. A criação artística entendida como sublimação, uma função psíquica que permite ao

instinto sexual ou agressivo uma gratificação indireta, na representação de um objeto conciliador.

Mas para Freud a palavra ainda é o principal veículo de transmutação.

Para Jung, a criatividade é uma função psíquica e não apenas sublimação de instintos

sexuais e agressivos. Na década de 1920, Jung começa a fazer uso da arte em seu consultório,

solicitando a seus clientes que representem sonhos, situações conflitivas de modo não verbal.

Estas representações são consideradas por Jung como uma simbolização do inconsciente

individual, e muitas vezes, do inconsciente coletivo. Através da observação de símbolos e do

estudo de diversas culturas e mitologias que reúnem aspectos comuns, Jung cria o conceito de

arquétipo, fonte arcaica de alimentação do psiquismo do homem.

Em 1941, a Arteterapia foi sistematizada pela primeira vez por Margaret Naumburg,

inspirada pela observação de Freud de que as imagens vêm antes das palavras. A teoria e o

trabalho de Naumburg começa e se desenvolver a partir de suas concepções educacionais e

associações livres em trabalhos realizados espontaneamente por seus pacientes. O objetivo do

trabalho expressivo é estabelecer um diálogo entre consciente e inconsciente. Seu trabalho é

denominado arte terapia de orientação dinâmica.

Hanna Yaka Kwiatkowska inicia um trabalho com grupos e famílias em arte terapia em

1953.

Edith Kramer, em 1958, dava propriedade para o processo de fazer arte e não ao produto

final. A função do arteterapeuta transforma-se da interpretação do produto para a compreensão do

meio, da linguagem prática. Para Kramer, a formação e qualificação do arteterapeuta precisaria

também ser de professor de artes e artista, além de psicoterapeuta.

Françoise Dolto, em 1972, faz um trabalho integrado de psicanálise e pediatria com

crianças. Para ela, entra-se no cerne da afetividade pelo desenho. Seu trabalho é considerado

importante, além do crescimento afetivo, para o desenvolvimento e amadurecimento motor e do

raciocínio.

Em 1973, Janie Rhyne aplica aos trabalhos de artes princípios da Gestalt terapia. A

vivência de arte em Gestalt torna disponível a experiência criativa para que as pessoas possam

entrar em contato com seus conflitos, assim, ao expressa-los, há a possibilidade de reorganizar as

próprias percepções, visando um melhor equilíbrio da personalidade.

A filha de Carl Rogers, Natalie Rogers, em 1974, desenvolve um trabalho “centrado na

pessoa”, denominado “Conexão Criativa”. Procura facilitar a verbalização e a compreensão do

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próprio cliente, não praticando assim a interpretação como era compreendida pela prática

psicanalítica.

No Brasil, em 1923, Osório Cesar começa a desenvolver estudos sobre a arte dos

alienados no Hospital do Juquerí, São Paulo. Realizou mais de 50 exposições a fim de divulgar a

expressão artística de doentes mentais para afirmar a dignidade humana desses pacientes, bem

como a valorização da técnica de arteterapia. O critério para o trabalho com artes para psicóticos

era a espontaneidade. Para Osório, o fazer arte já proporcionava a “cura por si”, por ser um

instrumento de acesso ao mundo interior. Independente da condição de saúde mental, reconhecia

o fluxo criador no ser humano.

Em 1946, no Rio de Janeiro, Nise da Silveira cria a Seção de Terapêutica Ocupacional, no

Centro Psiquiátrico Dom Pedro II. Para Nise, o mais importante nas suas buscas do dinamismo da

psique foi o encontro com a Psicologia Analítica profunda de Jung. Ela utiliza as noções de

inconsciente coletivo e arquétipo, e por meio delas instrumentaliza suas atividades no atelier: “A

partir daí verifiquei pela experiência quanto Jung tinha razão. A mitologia não era estudo para

diletantismo de eruditos. Era um instrumento de trabalho de uso cotidiano indispensável na prática

psiquiátrica.” (SILVEIRA, 1981, p.98)

O resultado plástico das obras não é o ponto focal desta abordagem, Nise observava uma

série de pinturas a fim de captar o fio mítico que permitia acompanhar desdobramentos de

processos intrapsíquicos e suas relações significativas com os casos observados.

Maria Margarida M. J. de Carvalho, em 1957, desenvolve e publica uma pesquisa sobre o

teste da figura humana como medida de inteligência e personalidade, em deficientes mentais. Em

1964, faz um curso de extensão com Hana Y. Kwiatkowska e passa a se dedicar a estudos e

pesquisas sobre psicologia e arte. Começa, então, a trabalhar em seu consultório com Arteterapia.

Em 1981 implanta o primeiro curso de Arteterapia no Sedes Sapientae, em São Paulo.

Em 1969, Ada Jens introduz o trabalho com Terapia Artística na Clínica Tobias, em São

Paulo. A Terapia Artística é fundamentada na Antroposofia e se deu pelo trabalho colaborativo de

Ita Wegmann e Rudolf Steiner.

Em 1982, Angela Phillipini organiza um curso de 5 semanas em arteterapia com orientação

junguiana, no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano cria a Clínica Pomar, inicialmente um centro de

estudos em arteterapia de orientação junguiana. No ano seguinte começa a oferecer cursos de

formação.

Em 1990, Selma Ciornai, aluna de Janie Rhyne, inicia um curso de formação em

arteterapia em uma abordagem gestáltica.

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A abordagem junguiana da arteterapia tem em seu cerne o fato de que os indivíduos são

orientados por símbolos ao longo de sua jornada de vida. Os símbolos aparecem na imaginação,

fantasias, sintomas, desenhos, e, principalmente, nos sonhos. Estas imagens ajudam a manter o

equilíbrio da psique , o que evidencia uma conversa entre consciente e inconsciente.

Jung, em sua obra, descreve que ocorrem imagens recorrentes a toda a humanidade em

diferentes épocas e espaços, as imagens arquetípicas. Os arquétipos, na arteterapia, funcionam

como um apontamento na direção em que podemos explorar, aprofundar e amplificar uma

imagem trazida por um cliente. Isto porque, segundo Philippini (2013, p.18):

O símbolo tem uma função integradora e reveladora do eixo de si mesmo-ego (eixo ego-self) entre o que é desconhecido (inconsciente individual) e coletivo e a consciência. O símbolo aglutina e corporifica a energia psíquica, permitindo ao indivíduo entrar em contato com níveis mais profundos e desconhecidos do seu próprio ser e crescer com estas descobertas.

Muitas vezes as imagens trazem informações guardadas na sombra, e com estas

informações, uma série de tesouros que estavam escondidos podem ser resgatados e integrados

na consciência.

Os materiais, nesta abordagem, vão muito além de apenas dar suporte para que as

imagens da psique sejam plasmadas, pois eles são elementos vivos no setting terapêutico.

Diferentemente de uma proposição do uso de recursos expressivos com a intenção de permitir o acesso a conteúdos e representações projetivas, a materialidade passou a ser reconhecida, numa relação dialética, como um outro que pode inaugurar, no encontro com as mãos e toda a corporeidade, uma parceria em que se coloca ativa a partir de suas atribuições. (OLIVEIRA, 2006, p.8)

Muitas vezes o diálogo com o material acaba por organizar mais do que a própria produção,

ou ao contrário, o material pode desorganizar, a ponto de não existir uma produção.

Na arteterapia de abordagem Junguiana, os conceitos da Psicologia Analítica se fazem

presentes. A seguir, abordo alguns dos principais conceitos propostos por Carl Gustav Jung.

2.1 Alguns conceitos da Psicologia Analítica

A Psicologia Analítica tem como seu fundador Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço.

Em última análise, só me parecem dignos de ser narrados os acontecimentos da minha vida através dos quais o mundo eterno irrompeu no mundo efêmero. Por isso falo principalmente das experiências interiores. Entre

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eles figuram meus sonhos e fantasias, que constituíram a matéria original do meu trabalho cientifico. (JUNG, 2012, p.32)

Jung foi um dos maiores pesquisadores do mundo interno humano, o ponto de partida para

seus estudos foi seu próprio universo interior. Após seu rompimento com Freud, passa por um

período de grande introversão, quando mergulhou no inconsciente, passou a vida elaborando as

ricas vivências deste período. Em sua concepção, a psique apresenta níveis diferenciados, o que

o levou a postular os conceitos de inconsciente pessoal e inconsciente coletivo

2.1.1 – Inconsciente pessoal

O inconsciente é a totalidade dos fenômenos psíquicos que ficam fora do alcance da

consciência. Não pode ser mensurado e vai muito além do que simplesmente é desconhecido e

reprimido. Inclui tudo aquilo que pode ou irá se tornar consciente.

Quando muito reprimido se manifesta através de sintomas, que paralisam a ação do

indivíduo do ponto de vista consciente. A ação compensatória do inconsciente atua no sentido de

manter o equilíbrio psíquico.

O inconsciente pessoal diz respeito a todas as aquisições da existência de cada um, o

esquecido, reprimido, percebido, pensado e sentido. “Os conteúdos inconscientes são de natureza

pessoal quando podemos reconhecer em nosso passado seus efeitos, sua manifestação parcial,

ou ainda sua origem específica.” (JUNG, 2011a, p. 24. Grifos do autor)

Os conteúdos depositados no inconsciente pessoal podem ser acessados pela

consciência e assim reconhecidos e permanecerem na consciência, mas como foram reprimidos,

podem não ser conteúdos agradáveis ou fáceis de admitir, desta forma, torná-los conscientes

exige grande esforço do ego para suportar tensões.

2.1.2- Inconsciente coletivo e arquétipo

O inconsciente, para Jung, contém muito mais que apenas os conteúdos pessoais.

Existem, também, os conteúdos coletivos de toda a humanidade, conteúdos arcaicos que Jung

denominou arquétipos.

Quando um analista tem que lidar com um arquétipo, é bom que comece a pensar. Ao tratar do inconsciente pessoal não se tem o direito de pensar demais, nem de somar nada às experiências do paciente... Mas quando não se trata mais de sua pessoa, quando eu também sou ele, a estrutura básica de sua mente é

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fundamentalmente a mesma, aí eu posso começar a pensar e fazer associações em seu lugar. (JUNG, 2011b, p.106)

Os mitos, contos de fadas, lendas e o folclore são exemplos do conteúdo arquetípico que

nos rodeia, muitas vezes estes temas também aparecem nos sonhos, na imaginação e na

fantasia. A sombra também é um arquétipo, pertencendo assim aos conteúdos coletivos.

2.1.3- Sombra

A sombra, muitas vezes, é aquilo que não gostamos em nós e que moralmente nos

incomoda. São aspectos ocultos ou inconscientes que o ego reprime ou não reconhece. A sombra

perturba e influencia o ego e assim pode ser reconhecida. O reconhecimento da sombra implica

em acolhermos aspectos obscuros da personalidade, é um passo indispensável na busca do

autoconhecimento.

A assimilação da sombra é uma questão pessoal que exige muita diplomacia, habilidade

política e negociação. Em primeiro lugar, é preciso admitir sua existência, suas qualidades e

intenções. Contudo, segundo Jung, a sombra não é totalmente má, consiste também em instintos,

habilidades e qualidades morais que foram enterradas ou nunca conscientes. Nesse sentido,

Whitmont (2011, p.39) esclarece que “A sombra, quando percebida, é uma fonte de renovação; o

impulso novo e produtivo jamais nasce dos valores estabelecido do ego.”

A realização da sombra é inibida pela persona, instância com que mantem uma relação

oposional, a persona oculta as manifestações da sombra que o ego reprime, por julgá-las

inaceitáveis. A dissolução da persona e o contato com a sombra possibilitam a ampliação da

consciência e a vivência do processo de individuação.

2.1.4 Persona

Persona é o que apresentamos ao mundo como sendo o “eu”, que na realidade, é um

complexo funcional construído por razões de adaptação ou conveniência. A palavra persona tem

relação com as máscaras teatrais utilizadas por atores antigos que representavam um papel,

sendo que estas máscaras tinham orifícios no lugar da boca por onde os atores representavam,

pelo som, seus personagens. Jung explica que “Ao analisarmos a persona, dissolvemos a

máscara e descobrimos que, aparentando ser individual, ela é no fundo coletiva; em outras

palavras, a persona não passa de uma máscara da psique coletiva.” (JUNG, 2011a, p.47)

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Da mesma forma que os atores, pela persona, mostramo-nos ao mundo, ressoando aquilo

que está por trás da persona. Como a persona é necessária para a convivência social, quando é

recompensada, existe o risco de identificação. Identificado com aquilo que não se é, a vida interior

começa a se expressar por meio da compensação, e aquilo que realmente somos começa a criar

brechas e toma o controle em situações que a persona jamais admitiria.

2.1.5- Símbolo

Jung sempre teorizou o símbolo como a melhor expressão possível para algo

desconhecido: “Um símbolo não traz explicações; impulsiona para além de si mesmo na direção

de um sentido ainda distante, inapreensível, obscuramente pressentido e que nenhuma palavra

de língua falada poderia exprimir de maneira satisfatória” (Jung apud SILVEIRA, 2011, p71)

O símbolo possui um significado externo e um interno, onde o externo pode ser

representado pela linguagem atingindo a consciência, enquanto a outra é intuitiva e se revela no

inconsciente. Jung via os símbolos como fator de transformação da energia psíquica, sendo de

fundamental importância para sua integração no campo da consciência.

A arte nos remete a possibilidade de tornar concreto o que é subjetivo, e vice-versa, ao

utilizar o material, criamos perspectivas subjetivas a partir da materialização de imagens e

símbolos. É possível alcançar o numinoso através da arte porque os símbolos têm diversos

significados que contrastam entre si, então o que normalmente pareceria inalcançável, torna-se

acessível à compreensão egoica do indivíduo.

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Capítulo 3

A Casa do Todos

A Casa do Todos é um espaço de convivência terapêutica. O início da Casa se deu há

mais de vinte anos com a “terapia do brincar”, proposta por sua fundadora Mirella D’Angelo Viviani.

Ainda hoje, segundo ela, na Casa “brincar é coisa séria”. A Casa já passou por diferentes formatos

ao longo dos anos, desde uma pequena sala de atendimentos a até três casas em São Paulo e

uma em Avaré, no interior paulista. Hoje em dia a Casa do Todos funciona em uma sede no

Brooklin, zona sul de São Paulo.

Os trabalhos oferecidos pela Casa do Todos estão fundamentados essencialmente numa metodologia continuamente permeada pela escuta atenta, gentil, cuidadosa e amorosa para com a pessoa que chega e manifesta o seu pedido da forma como vem. (VIVIANI, 2013, p. 9. Grifo da autora)

O trabalho terapêutico realizado na Casa busca uma conscientização dos clientes sobre

seus atos e escolhas, para se responsabilizarem por suas condutas como forma de minimizar a

dependência e outros efeitos da deficiência. Muitas vezes os próprios clientes, cientes de sua

rotina, acabam por preparar o espaço das oficinas antes que o terapeuta responsável se

apresente, são participantes ativos e responsáveis por suas atividades, e, também, as do grupo.

Os serviços da casa são diversos e voltados para a comunidade. O público da Casa é bem

heterogêneo, formado por crianças, adolescentes, adultos e idosos, pessoas com deficiências

física, mental, visual, auditiva, pessoas com doenças mentais, enfim, um público bem amplo.

Os serviços da Casa são oferecidos a todos que a procuram, independente da

possibilidade de contribuição financeira que as pessoas possam oferecer. Dos vários serviços

oferecidos irei me concentrar nas oficinas que são foco deste trabalho.

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3.1- Apresentação das oficinas

As oficinas são oferecidas por colaboradores na Casa do Todos. São diversas oficinas em

diferentes áreas, listarei algumas abaixo.

Roda Terapêutica Tatatum: consiste em uma atividade de grupo, um espaço de

compartilhamento de sentimentos que são expressos de forma verbal ou não verbal. Nesta roda

são utilizados cartões com imagens e frases que estimulam a expressão do que emerge naquele

momento de roda, conhecido como o baralho Ta-Ta-Tum, que foi criado pelos clientes da Casa.

Oficina de Mandalas: esta atividade é desenvolvida numa sequência de 10 sessões para

pequenos grupos. Promove a experimentação de diversos materiais. Cada um busca, na

experiência meditativa, encontrar em si e na mandala que criou o centro que organiza e espelha

seu estado emocional.

Oficina de movimento: trata-se de uma atividade grupal onde as pessoas são convidadas

a vivenciar o movimento corporal: dança, arte marcial, improvisações, brincadeiras e ginástica

como formas de expressão.

Oficina de construção: busca estimular o ato da vontade e da persistência para construir

inquietudes, fantasias e sonhos que cada um traz. O contato com a madeira e outros materiais

oferece uma ponte entre o imaginário e a concretude do fazer.

Oficina de idiomas: no momento são oferecidas as línguas inglesa e italiana.

Oficina de estudos e conhecimento: surgiu do desejo de um grupo estudar assuntos de

maneira formal e científica. Assim, pesquisam, leem, registram e experimentam assuntos

decididos pelo grupo a cada começo de semestre.

Oficina de discussão Clamo-Assembleia: um espaço de reunião para reclamar, sugerir,

perguntar, agradecer e compartilhar. Os participantes escrevem em um papel aquilo que desejam

compartilhar, o papel é colocado em quadro, imantado, divido em quatro áreas: eu pergunto, eu

sugiro, eu reclamo, eu agradeço, eu compartilho. Depois que o assunto é discutido, se for resolvido,

o papel é queimado dentro de uma panela de ferro.

Oficina de bateria: momento de contato com a música e o ritmo de cada pessoa. Os

participantes escolhem a música ou o estilo de sua preferência, e, assim, as improvisações

musicais têm início. Esta oficina conta com dois colaboradores, um acompanha e marca o ritmo

com a guitarra, e outro acompanha mais diretamente, com um instrumento de percussão, o

baterista da vez.

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As oficinas são abertas e frequentadas por grupos que se identifiquem com suas propostas

temáticas, sendo o público, portanto, bastante diversificado.

Dentre tais oficinas, destaco a de Criação, que acontece nas quartas-feiras, das 10:00 às

11:00h, e que serviu como ponto de partida para análise no capítulo 4 deste trabalho, a oficina

contava com cinco participantes, com idades entre 19 a 45 anos, dentre estes haviam alguns

pacientes esquizofrênicos. Nesta oficina alternávamos um projeto de criação individual e outro,

grupal. Os projetos individuais eram propostos pelos próprios clientes de acordo com seus desejos,

curiosidades ou mesmo necessidades. Os projetos em grupo eram eleitos pelo grupo em votação.

O objetivo desta oficina é oferecer um espaço onde os participantes pudessem

experimentar outras possibilidades de expressão por meio de materiais diversos, bem como o

exercício de expressar, experimentar e representar sentimentos, ideias, aflições e descobertas, em

grupo. Outro objetivo desta oficina era que as atividades tivessem começo, meio e fim, de maneira

que cada um pudesse fazer um planejamento de sua atividade na medida do possível, e ver um

resultado efetivado de sua experiência. Esta oficina contava com duas colaboradoras, eu e outra

terapeuta.

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Capítulo 4

Construindo máscaras

Durante uma oficina de criação estávamos iniciando um trabalho em grupo e, assim que

os temas foram levantados, cada participante deu uma sugestão e a votação começou. A atividade

escolhida foi proposta pela participante Dora1 que sugeriu a criação de máscaras de papel marchê.

De todo o grupo, Dora era a única que conhecia essa técnica, pois tinha sido seu último projeto

individual, quando fez a escultura de um gato. No total foram realizados cinco encontros para a

realização deste processo.

4.1 Primeiros passos:

Foi dada uma consigna geral para que cada um do grupo iniciasse seu projeto

confeccionando um desenho de como gostaria que fosse sua máscara. Ao fim deste encontro

cada um tinha escolhido seu personagem e traçado o esboço do projeto com caneta de ponta

porosa, e lápis de cor, em uma folha de papel sulfite. Percebi, então, ao recolher as folhas, que a

maioria dos personagens eram sombrios, dentre eles havia uma bruxa, dois “palhaços do circo de

horrores”, um lobo e um espantalho.

1 Os nomes utilizados são fictícios para preservar o sigilo dos clientes. As imagens e informações referidas aos clientes serviram apenas para ilustrar a reflexão teórica sobre o uso de máscaras em arteterapia, não constituem estudo de caso.

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Na semana seguinte cada participante recebeu de volta sua folha com o projeto.

Começamos a execução das máscaras, cada participante escolheu uma bexiga para ser a base

da máscara, e, então, rasgamos pedaços de jornal até formar quadrados de aproximadamente 4

centímetros. Começamos a aplicar as camadas de jornal e cola diluída, com duas partes de água,

sobre a bexiga. No total, foram aplicadas quatro camadas. Durante este processo alguns

participantes tiveram alguma dificuldade em colar os pedaços de jornal sobrepostos. Dora, com

muita naturalidade mostrou aos colegas como fazer, utilizando sua bexiga como modelo. Alguns

se utilizaram de pincel para passar a cola, outros faziam isso com a mão, depois de algum tempo

a maioria deixou o pincel e fez com as mãos diretamente.

No fim deste encontro todos tinham conseguido montar todas as camadas de papel. As

bexigas foram penduradas no varal para secar, então, teve início a conversa sobre a atividade,

mediada por mim.

Terapeuta: “Como foi para vocês a atividade de hoje?”

João: “Para mim foi muito difícil o começo, achei que não ia conseguir colar os papéis, eles

não ficavam exatamente onde eu queria. Depois que a Dora mostrou percebi que não tinha

que ficar tudo para o mesmo lado, era só cobrir a bexiga sem deixar ela aparecer. Foi bem

difícil mas ficou legal.”

Dora: “Eu fiquei feliz que eu sabia ajudar.”

Paulo: “Essa parte para mim foi fácil demais. Eu gostei de colar o jornal com a mão, foi

bem gostoso sentir o grude da cola quando começava a secar na mão, e depois arrancar

a pelinha.”

Como as bexigas permaneceriam no varal até o encontro da semana seguinte, e a fim de

relativizar alguma ansiedade e surpresas, expliquei que algumas bexigas poderiam esvaziar e

ficarem pequenas dentro do jornal, mas isso não iria estragar o trabalho.

Projeto da bruxa de Dora

Projeto de Paulo

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No terceiro encontro, já na semana seguinte, realmente algumas bexigas haviam

murchado e enrugado um pouco a máscara. Tiramos todas as máscaras do varal, cada um

recebeu de volta sua folha com projeto para prosseguir na execução da máscara. Após, cortamos

o excesso de papel para dar formato às máscaras e a maioria escolheu começar pela pintura.

João, porém, começou fazendo o buraco dos olhos, depois experimentou a máscara e disse: “Tem

que furar a boca também, se não ele não fala e nem mostra a língua.” (sic.) Cortou uma boca bem

grande e desproporcional ao restante e começou a pintar.

Paulo percebeu que a máscara de João já tinha olhos e boca, com canetinha riscou a boca,

os olhos e as sobrancelhas, depois recortou essas partes na sua máscara, também. Ambos

estavam fazendo “palhaços dos horrores”, conforme designaram os personagens. Paulo e João

confeccionaram cabelos para os personagens pintando folhas de sulfite com giz de cera,

recortaram os fios e colaram como cabelos em suas máscaras.

A tinta utilizada foi de base P.V.A. que é solúvel em água e tem uma secagem rápida.

Foram oferecidas as cores básicas: vermelho, amarelo e azul, além de branco e preto. Os clientes

misturavam as tintas para chegar nas cores que correspondiam ao projeto. Em seu projeto, Dora

havia pintado o rosto da bruxa de verde, olhou na mesa e não encontrou uma tinta verde.

Dora: “O verde tem que misturar amarelo e o quê mesmo?”

Paulo: “Acho que é vermelho.”

Beto2 (fez a máscara do espantalho): “Aí vai dar laranja, verde é amarelo mais azul.”

2 Depois desta oficina Beto se desligou da Oficina de Criação, passando a frequentar outra oficina da Casa no mesmo horário, pois era sua escolha inicial e apareceu uma vaga.

Máscara de Paulo Máscara de João

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Dora, então, começa a fazer a mistura de azul com amarelo, depois de muito misturar

chegou no tom que queria e começou a pintar sua máscara. No fim deste encontro todas as

máscaras foram novamente penduradas no varal.

4.1.3. Apresentação dos personagens

O quarto encontro foi para finalizarmos as máscaras e apresentar as personagens.

Terminaram de pintar, colocamos elásticos para que não escorregassem do rosto. Colaram

cabelos, mesmo com linhas e lãs à disposição, os clientes preferiram recortar em papel os cabelos.

Cesar fez o lobo mal, quis colar cabelos nele, também. Perguntei quem gostaria de começar a

apresentação dos personagens.

Dora: “Essa é a bruxa, igual do mágico de Oz.”

Terapeuta: “Ela tem um nome?”

Dora: “Cremilda.”

Terapeuta: “Como é a voz dela?”

Dora vestiu a máscara.

Dora: “É assim sua cretina.” Fazendo uma voz bem aguda e tremida.

Paulo: “Que Cremilda mal criada, nem conhece a Cami e chama de cretina.”

(Dora retira a máscara.)

Dora: “Bruxa é malcriada mesmo, fala palavrão e ofende todas as pessoas, até quem

gosta dela.”

Perguntei à Dora se ela ou a bruxa tinham ainda algo a dizer, mas Dora passou a vez para

João.

João levanta sua máscara para que todos possam ver.

João: “Esse daqui é o Postergah. Ele é um palhaço do circo dos horrores. O que ele faz é

assustar muito as pessoas. Quando ele consegue assustar alguém, ele ri assim: HÁ HÁ

HÁ.” (Com uma voz bem grave e alta).

Paulo: “Acho que fiquei com medo.”

João: “Ele adora deixar com medo. Ainda não sei mais nada.”

Nosso tempo estava acabando, João percebeu a chegada da professora da próxima

oficina e quis passar a vez para Paulo.

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Paulo: “Esse também é um palhaço dos horrores, o nome dele é Coringa. Ele trabalha no

circo dos horrores onde tudo é ao contrário. O palhaço faz chorar, e o trapezista cai no chão

de propósito.”

Dora: “Como ele fala?”

(Paulo veste a máscara.)

Paulo: “Ele fala desse jeito, bichinho.” (Com uma voz extremante aguda e estridente).

Dora: “Ele conhece o palhaço do João?”

Paulo: “Sou muito amigo do Postergah, às vezes trabalhamos juntos para assustar mais.”

Paulo retirou a máscara e fez sinal com as mãos que já havia encerrado seu relato.

Como as máscaras estavam todas prontas, optamos por guardá-las na estante e não mais

no varal. Dora pediu que a máscara dela ficasse no varal, assim quando ela passasse por ali

poderia vê-la. Apenas Dora quis desta forma, assim a bruxa ficou no varal.

Ao fim deste encontro ficou combinado que o próximo seria dedicado aos personagens,

cada um pensaria no seu personagem e como seria a existência dele.

Como os dois próximos encontros são essencialmente sobre a criação dos personagens,

apresento no próximo item.

4.2 - Dialogando com os personagens

No quinto encontro cada cliente apresentaria seu personagem, mas o encontro desta vez

ocorreu em outro espaço. Fomos para a Sala de Dança, um espaço amplo, sem mesas e com

Bruxa de Dora

Lobo de Cesar

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fantasias diversas disponíveis para a complementação dos personagens. As apresentações

começaram e a ordem em que cada um iria se apresentar foi definida pelos clientes, e cada um

disse em que momento se apresentaria. Os clientes puderam olhar a arara de fantasias e cada

um pegou o que necessitaria para compor sua personagem. Dora quis ser a primeira, não pegou

nenhum adereço além de sua máscara. Sentamos em meia lua, deixando um espaço no centro

para a apresentação.

Dora

Dora: “Eu sou Cremilda, uma bruxa. Como a Bruxa Má do Oeste do Mágico de Oz. O que

eu mais gosto de fazer é xingar os outros e tomar água. Tenho um macaco. O lugar que

eu mais gosto é a cidade de esmeralda.”

Paulo: “Por que você é verde?”

Dora coçou a cabeça, pensou um pouco e respondeu:

Dora: “Eu como caca de nariz e assim fico verde”, disse colocando o dedo no nariz da

máscara.

Todos deram muita risada, pois este é um gesto que Dora faz muitas vezes e é sempre

repreendida pela atitude, inclusive por outros clientes.

Algumas considerações terapêuticas.

Dora tem uma doença nos rins, e, assim, a quantidade de água que pode ingerir é restrita.

Chamou-me a atenção ela relacionar sua bruxa à Bruxa Má do Oeste do Mágico de Oz, filme que

Dora assiste com frequência, pois a bruxa do filme morre quando é atingida por um balde de água.

Da mesma forma, se Dora beber muita água pode colocar sua vida em risco.

Até este momento não me parecia claro que Dora soubesse da importância de beber

pouca água, quando relaciona sua bruxa Cremilda, que gosta de beber agua, à bruxa do Mágico

de Oz que morre pela água. Cremilda espelha o padrão compulsivo de Dora. Esta cliente insistia

em pedir água no dia-a-dia da Casa, como se recusasse a lidar com a limitação imposta pelo seu

problema renal. Ficou claro que Dora sabe de sua condição e do risco que corre, revelada pela

fala de sua personagem sombria, Cremilda. Esse é um bom exemplo de como às vezes a sombra

atua de forma positiva, e não exclusivamente negativa, como alertou Jung. Se pensarmos que

Cremilda personifica a sombra de Dora, ela parece oferecer à cliente uma dica, qual seja, se você

continuar tomando muita água, pode morrer, como a bruxa do mágico de Oz.

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Cremilda

Ninguém mais fez perguntas para Dora, e, assim, ela encerrou a apresentação e retirou a

máscara. Perguntei à Dora o que ela faria, então, com sua máscara. Qual seria o destino de

Cremilda? Dora escolheu deixar Cremilda em exposição, em um dos corredores da Casa. Ficou

combinado que ao final da oficina procuraríamos um bom lugar para deixar Cremilda exposta.

Perguntei por que ela havia tomado esta decisão e ela respondeu que assim poderia brincar com

a máscara quando pudesse, e outras pessoas poderiam ver a bruxa sempre que passassem.

Depois destas oficinas, Dora construiu como projeto individual mais duas máscaras O Homem de

Lata e o Espantalho, também colocando em exposição junto de sua bruxa, Cremilda.

Cesar

O segundo a apresentar seu personagem foi Cesar. Cesar pegou um tecido escuro e

amarrou nos ombros como uma capa. Colocou sua máscara por cima dos óculos e foi se

apresentar.

Cesar: “Bom dia para vocês, Eu sou o Lobo Mau. O que eu mais gosto é comer, só não

como gente. Gosto de cantar, também.”

(Cesar pegou um chocalho e fez de microfone.)

Cesar: “As metades da laranja, dois amantes, dois irmãos.”

Um trecho de uma música de Fabio Junior, cantor popular brasileiro. Foi aplaudido pelos

colegas e fez uma reverência.

Paulo: “Você só canta Fabio Junior?”

Cesar: “Não, também canto Roupa Nova, mas é outro show.”

João: “Por que você é mau?”

Espantalho e Homem de Lata

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Cesar: “Porque eu gosto de comer, se eu não como, fico mau.” Falou e fez como se

estivesse rosnando.

João: “O que você faz quando é mau?”.

Cesar: “Eu roubo comida sem ninguém ver. Isso é mau.”

Dora: “Você come porquinho?”

Cesar: “Só três.” Todos deram muita risada. “Agora vou acabar a apresentação.” Juntou

as mãos na altura do peito, um punho cerrado e a outra mão aberta envolveu o punho, em

gesto de luta marcial, abaixou e levantou já tirando a máscara, e deixando os óculos

caírem. “Era eu, o Cesar! Vocês gostaram do meu Lobo?”

Algumas considerações terapêuticas.

Cesar tem que seguir uma dieta bastante rígida, tem Síndrome de Down, e, devido à

hipotonia, tem que manter o peso em equilíbrio para não sobrecarregar seus músculos, tem

também uma disfunção no labirinto, o que compromete ainda mais seu equilíbrio. Muitas vezes

Cesar tenta enganar os terapeutas na hora das refeições tentando conseguir mais comida ou

doces. Já houve episódios em que realmente pegou comida sem permissão, escondido, mas

depois acabava se delatando, mesmo quando não era descoberto.

Normalmente, Cesar não conversa muito, mas quando assume um personagem fica mais

desinibido, faz piadas, interage mais e com muito bom humor. Estas atitudes mais descontraídas

ficam normalmente adormecidas, mas quando assume um personagem, muitas qualidades saem

da sombra e se somam a personalidade de Cesar. Vemos que o fato do lobo confessar que gosta

de roubar comida revela o impulso inconsciente compulsivo desse cliente, mostrando que o

personagem conhece suas intenções sombrias, e pode dar voz a elas, ocasionalmente, como

aconteceu durante sua apresentação nesse espaço protegido.

Paulo

A apresentação seguinte foi de Paulo. Não pegou nenhum adereço além de sua fantasia

e o chocalho que Cesar havia utilizado.

Paulo: “Posso começar?”

Todos responderam que sim. Paulo começou a dançar pela sala com os braços soltos ao

lado do corpo, trazendo o tronco para frente e para trás, como um Boneco de Olinda, personagem

do carnaval pernambucano. Fez o chocalho de microfone e começou a falar.

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Coringa

Paulo: “Meu nome é Coringa. Trabalho no circo dos horrores com meu amigo Postergah.

O que eu mais gosto de fazer no serviço é cantar.”

Paulo larga o chocalho e pega um pandeiro. Começa a tocar bem ritmado e canta no

mesmo ritmo do pandeiro.

Paulo: “O meu nome é Coringa

Com vocês eu vou brinca

Vim aqui para cantar

Uma música de assustar

HÁ há há há há

No circo dos horrores é tudo ao contrario

Trapezista cai no chão

E doce é azedo

Meu amigo é Postergah

E com ele vou brinca

Há há há há há.”

(Paulo terminou a música e agradeceu seu público.)

Dora: “Essa música foi bonita.”

João: “É verdade, pareceu música de amor não de susto.”

Paulo: “Mas na dança você assustou.”

João: “Um pouco.”

Cesar: “Por que o doce no seu circo é azedo?”

Paulo: “Para deixar todo mundo com cara amarrada. Você acha que vai comer uma coisa

boa mas é azeda que nem limão.”

As perguntas se encerraram e Paulo acabou sua apresentação.

Algumas considerações terapêuticas.

Paulo realmente leva muito jeito para música e toca instrumentos de percussão muito bem.

A música realmente foi de improviso, outra qualidade sua. A sombra de Paulo se mostra no

momento em que ele diz que o doce é azedo, muitas vezes ele usa essa artimanha no convívio

com outros clientes. Paulo elogia alguém e em seguida ao elogio diz algo a respeito da pessoa

que a desqualifica pelos mesmos termos, evidenciando uma agressividade sombria que se coloca

em suas relações cotidianas.

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João

A última apresentação foi de João. Para completar o personagem João pegou um

macacão branco de palhaço nas fantasias, me pediu ajuda para fechar o traje, que ficou um pouco

apertado, mas ele insistiu em fechar até o último botão.

João foi até o centro, fez algumas respirações profundas e juntou as mãos, palma com

palma, na altura do peito, seu corpo estava rígido nesta posição. Quando acabou a série de

respirações, seu corpo assumiu outra posição, ficou olhando para cada participante do grupo, indo

em direção a cada um sem nada dizer. Então deu uma gargalhada horripilante e disse com voz

bem grave e forte.

João: “Meu nome é Postergah! HÁ há há!”

Alguns participantes movimentaram o corpo em direção contrária a de João, mas ninguém

saiu, nem falou nada.

João: “Trabalho no Circo do Horrores, toco na banda, sou o baterista e tenho um número

da música terror.”

Dora: “Eu assustei de verdade, a sua voz parece outra.”

João: “Eu vim para assustar.”

(Neste momento, João começa a colocar a língua para fora pelo orifício que fez para a

boca em sua máscara.)

Paulo: “Parece aquele cara da banda Kiss. O Rafa ia gostar.” (Se referindo a outro cliente

da casa que é fã da banda de Rock.)

Cesar: “O que você come?”

João: “Como tudo, tudo o que aparecer na minha frente, até os bichos do circo.”

Paulo: “Do que você mais gosta?”

João: “De me apresentar na bateria com a música do terror.”(Paulo retira a

máscara abre o macacão.)

Paulo: “Cami eu gostaria que meu personagem se apresentasse na bateria, podemos

montar?”

Respondi que a bateria só era montada pelo professor de bateria, e naquele dia não

haveria tempo suficiente para montar a bateria e ele se apresentar. Combinei que falaria com o

professor de bateria, e que se fosse possível, faríamos a apresentação de Postergah na aula de

bateria na próxima semana.

Conversei com os professores de bateria e expliquei o pedido do João, eles prontamente

concordaram, assim o último encontro da Oficina de Criação aconteceu na Oficina de Bateria.

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Ficou combinado que os minutos finais seriam a apresentação de João. João pediu ajuda para

fechar o macacão até o último botão, depois colocou peruca verde-limão. Estávamos em outro

ambiente, em frente a um espelho de corpo inteiro, enquanto ele se olhava no espelho com a

máscara na mão perguntei.

Terapeuta: “Quem é este ser?” (e apontei para o espelho). João se olhou e disse

João: “Esse sou eu, João.” (Colocou a máscara, se olhou no espelho, colocou a língua

para fora.)

Terapeuta: “Quem é este ser?” João responde sem tirar a máscara

João: “Este também sou eu João, eu também tenho o Postergah em mim.”

Fomos para a Oficina de Bateria, e João fez sua apresentação. Alguns clientes que não

conheciam as máscaras ficaram bastante assustados ao ver João todo paramentado, ele retirou

a máscara para que os amigos pudessem reconhecê-lo, e iniciou sua apresentação. João batia

com força na bateria, em alguns momentos colocava a língua para fora de forma bastante

agressiva, em outros, dava gargalhadas horripilantes. Os professores que o acompanhavam, um

nos teclados e outro no baixo, foram improvisando de acordo com o ritmo de João, e ao final, os

professores foram diminuindo o ritmo da música e João terminou apenas batendo no bumbo no

ritmo de um coração.

Algumas considerações terapêuticas.

João e seu personagem participaram por cerca de um mês da Oficina de Bateria, uma

música bastante tétrica foi sendo composta, muitos clientes gostavam de assistir a parte da aula

em que João tocava como Postergah, outros se retiravam da sala.

Durante este tempo João construiu duas outras máscaras, a primeira era um palhaço azul,

chamado por ele de “Tom Azul”, este personagem era muito calmo, morava em um circo azul no

céu e gostava de ajudar os outros. A outra máscara foi nomeada “Tom Cinza”, como uma

existência mais possível entre o Postergah e o “Tom Azul”. “Tom Cinza” morava na Casa do

Todos.

João tem o sonho de ser presbítero, um chefe religioso, o oposto exato de seu personagem

Postergah. Ela pode dar existência a sua sombra durante as oficinas de bateria, depois buscou

uma forma de explorar outros personagens mais próximos de sua existência, mas sempre teve

claro que aquela sombra era ele também, bem como os outros palhaços são ele, também.

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O nome que João escolheu para seu personagem é muito significativo, pois normalmente

João postergava o início de muitas atividades, indo ao banheiro, escovando os dentes ou mesmo

dizendo que precisava passar antes na sala de brincar, na época apenas as atividades

relacionadas com o Postergah não eram postergadas. Outra aproximação ao nome é poltergeist,

que significa espírito brincalhão em alemão. A máscara de João tem grandes semelhanças com a

máscara Butha Sanniya, que representa a insanidades por espíritos. Ambas possuem olhos bem

grandes e uma enorme boca, João ainda colocava sua língua para fora de forma bem agressiva

durante as apresentações.

Nesses encontros creio que João foi além da catarse, ele parecia estar pesquisando seu

personagem, como um cientista fazendo experimentações, e se transformava a cada aula de

bateria, se transformou tanto que pode vestir novas máscaras e novas formas de conviver.

Postergah

Postergah

Mácaras Boas caras Más caras São todas caras Todas as caras Nenhuma cara Estão na cara Não são o cara

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Conclusão

A hipótese inicial de que mudanças poderiam ser percebidas nas pessoas que criam

máscaras, e também, nas que assistem à apresentação dos personagens foi confirmada neste

trabalho. O encontro com os personagens sombrios, corporificados com auxílio das máscaras e

outros elementos expressivos, possibilitou aos participantes um conhecimento maior de si, bem

como a descoberta de novas habilidades.

Este estudo atingiu, também, o objetivo de ampliar a pesquisa com o tema das máscaras

como recuso arteterapêutico, tendo como embasamento teórico a psicologia analítica de Carl

Gustav Jung. O conceito “sombra”, em especial, contribuiu para a melhor compreensão da

aparição dos personagens como uma espécie de “duplo” que se mantém oculto em relação à

personalidade egoica.

De acordo com o que foi exposto, concluímos que a confecção de máscaras de papel

marche e a construção de personagens constitui um recurso arteterapêutico eficiente, na medida

em que amplia o conhecimento de si e as possibilidades de estar os próprios conteúdos sombrios

na convivência com o outro no contexto social.

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Referências

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