fábio fonseca - revista backstage · claudio zoli, luiz melo-dia e joão donato. ainda na década...

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58 www.backstage.com.br REPORTAGEM o teclado no Sambajazz O tecladista, compositor, arranjador e produtor Fábio Fon- seca é daqueles músicos que, quando tem um disco que nós gostamos dos arranjos, ou da produção, ou de alguma música, e resolvemos ver quem fez, acabamos encontrando o nome dele na ficha técnica. A extensa “folha corrida” de Fábio, seja como produtor, arranjador ou músico, inclui Lulu Santos, Ed Motta, Fernanda Abreu, Paralamas, Marina Lima, Leila Pi- nheiro, Toni Platão, Leo Jaime, Gabriel o Pensador, Claudio Zoli, Luiz Melodia, Dom Um Romão e Ithamara Koorax, entre mui- tos outros. Pelos nomes, dá para perceber que a experiência do músico é ampla, da música pop ao jazz brasileiro. Tudo isso começou com o compacto Não me Iluda, da banda Cinema a Dois, em 1985, que estourou nas rádios brasileiras. De- pois, Fábio Fonseca lançou o disco solo Fábio Fonseca, pela WEA, em 1988. Um dos maiores sucessos do pop brasileiro – a música Manoel, cantada por Ed Motta – é uma composi- ção de Fábio de 1989. O álbum Tradução Simul- tânea, de 1992, mostra o prestígio do tecladista no meio musical com os convidados Fernanda Abreu, Marina Lima, Claudio Zoli, Luiz Melo- dia e João Donato. Ainda na década de 90, lançou diversos trabalhos de sua autoria no exterior pelo selo londrino Far Out Recordings. Miguel Sá [email protected] Um pouco de música pop aqui, uma pitada de música brasileira ali, um jazz acolá, Hammond, Moogie, estúdio com sala grande e 22 anos de carreira musical: estes são os ingredientes do Opus Samba, o novo disco do tecladista Fábio Fonseca Fábio Fonseca o teclado no Sambajazz Opus Samba, produzido por Arnaldo DeSouteiro para o selo Jazz Station Records, é um trabalho inédito para Fábio. Este é o primeiro disco do músico fundamentado na música instrumen- tal. O repertório é baseado no Sambajazz, tocado por Fábio no órgão Hammond e teclados, Pedro Leão no baixo elétrico e Mac William na bateria. A gravação, feita quase toda ao vivo, apenas com poucos overdubs de teclados vintage em estúdio com pé direito alto, tem como resultado uma sonoridade que reproduz perfeitamente o entrosamento dos músicos. O disco ainda con- tou com a luxuosa participação da cantora Ithamara Koorax na faixa A Mulher de 15 Metros. O CD tem 12 faixas; dez são de autoria de Fábio Fonseca com parceiros como Mathilda Kovak, Arnaldo DeSouteiro e Pedro Leão. As outras são Cochise, com- posta por Ray Santos e gravada por Ed Lincoln nos anos 70, e Too High do Stevie Wonder, também dos anos 70. A revista Backstage conversou com Fábio so- bre música e a gravação do álbum Opus Samba. O músico contou deta- lhes do seu trabalho com teclados analógicos. Revista Backstage - Qual a sua intenção ao gravar este disco? Fábio Fonseca - Ele é, ao mesmo tempo, fruto de um amadurecimento musical e um resgate da minha formação dos anos

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REPORTAGEM

o teclado no Sambajazz

Otecladista, compositor, arranjador e produtor Fábio Fon-seca é daqueles músicos que, quando tem um disco quenós gostamos dos arranjos, ou da produção, ou de alguma

música, e resolvemos ver quem fez, acabamos encontrando onome dele na ficha técnica. A extensa “folha corrida” de Fábio,seja como produtor, arranjador ou músico, inclui Lulu Santos,Ed Motta, Fernanda Abreu, Paralamas, Marina Lima, Leila Pi-nheiro, Toni Platão, Leo Jaime, Gabriel o Pensador, Claudio Zoli,Luiz Melodia, Dom Um Romão e Ithamara Koorax, entre mui-tos outros. Pelos nomes, dá para perceber que a experiência domúsico é ampla, da música pop ao jazz brasileiro.

Tudo isso começou com o compacto Não me Iluda, da bandaCinema a Dois, em 1985, que estourou nas rádios brasileiras. De-pois, Fábio Fonseca lançou o disco solo Fábio Fonseca, pela WEA,em 1988. Um dos maiores sucessos do pop brasileiro – a músicaManoel, cantada por EdMotta – é uma composi-ção de Fábio de 1989. Oálbum Tradução Simul-

tânea, de 1992, mostra oprestígio do tecladistano meio musical com osconvidados FernandaAbreu, Marina Lima,Claudio Zoli, Luiz Melo-dia e João Donato. Aindana década de 90, lançoudiversos trabalhos desua autoria no exteriorpelo selo londrino Far

Out Recordings.

Miguel Sá

[email protected]

Um pouco de música pop aqui, uma pitada de música brasileira ali, umjazz acolá, Hammond, Moogie, estúdio com sala grande e 22 anos decarreira musical: estes são os ingredientes do Opus Samba, o novo discodo tecladista Fábio Fonseca

Fábio Fonsecao teclado no Sambajazz

Opus Samba, produzido por Arnaldo DeSouteiro para o seloJazz Station Records, é um trabalho inédito para Fábio. Este é oprimeiro disco do músico fundamentado na música instrumen-tal. O repertório é baseado no Sambajazz, tocado por Fábio noórgão Hammond e teclados, Pedro Leão no baixo elétrico e MacWilliam na bateria. A gravação, feita quase toda ao vivo, apenascom poucos overdubs de teclados vintage em estúdio com pédireito alto, tem como resultado uma sonoridade que reproduzperfeitamente o entrosamento dos músicos. O disco ainda con-tou com a luxuosa participação da cantora Ithamara Koorax nafaixa A Mulher de 15 Metros. O CD tem 12 faixas; dez são deautoria de Fábio Fonseca com parceiros como Mathilda Kovak,Arnaldo DeSouteiro e Pedro Leão. As outras são Cochise, com-posta por Ray Santos e gravada por Ed Lincoln nos anos 70, e Too

High do Stevie Wonder, também dos anos 70.

A revista Backstage

conversou com Fábio so-bre música e a gravaçãodo álbum Opus Samba.O músico contou deta-lhes do seu trabalho comteclados analógicos.

Revista Backstage -

Qual a sua intenção ao

gravar este disco?

Fábio Fonseca - Eleé, ao mesmo tempo, frutode um amadurecimentomusical e um resgate daminha formação dos anos

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REPORTAGEM

70, quando ficava horas improvisandocom o trio que eu tinha na época, com oSérgio Naidin na bateria e o Fabrício nobaixo. Nesse período, eu ouvia jazz, rockprogressivo e músicos brasileiros comoEumir Deodato, Hermeto Paschoal eEgberto Gismonti. Durante a década de70, usei pianos elétricos Rhodes e Wurlitzer,sintetizador Mini-Moog e um órgão Ya-maha que pertenceu à minha mãe. Con-tinuo usando basicamente os mesmosinstrumentos, exceto pelo órgão Yamahaque foi substituído pelo Hammond B-3,que é muito superior. O Mini-Moog queuso agora é o mesmo da época, tem 31anos de idade.

Revista Backstage - Como foi cons-

truída a proposta do álbum?

Fábio Fonseca – Em 1992 eu tive achance de trabalhar com o João Donato

que fez arranjo de uma música minha,“A Mulher de 15 Metros”, para o meuCD “Tradução Simultânea” (Polygram).Na época viajei para Londres, onde co-nheci o famoso DJ Gilles Peterson, queme apresentou ao Joe Davis, do selo FarOut. Este contato com o Joe me levou aalgumas gravações decisivas em 1997,ano de inauguração do meu estúdio Jar-dim Magnético, entre elas, a do CD“Woodland Warior”, do Azymuth, e al-gumas faixas minhas para o CD “FriendsFrom Rio Vol. 2”. Isso amadureceu mais

um pouco em 1998, quando trabalheicom o produtor Arnaldo DeSouteiro emdois discos: no arranjo e gravação de “UnHomme et Une Femme” para “Serenadein Blue”, da Ithamara Koorax, lançadomundialmente pela Milestone/Fantasy, elogo depois o “Rhythm Traveller”, doDom Um Romão, lançado pela JSR, am-bos gravados no meu estúdio JardimMagnético. A gravação com o Dom Umfoi a largada oficial para o conceito doOpus Samba. Isso, pelo fato de ter sidotambém produzido pelo Arnaldo e por

A gravação do Opus Samba, feita quase toda ao vivo,apenas com poucos overdubs de teclados vintage emestúdio com pé direito alto, tem como resultado uma

sonoridade que reproduz perfeitamente oentrosamento dos músicos

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REPORTAGEM

ter sido gravado ao vivo no estúdio, àmoda antiga. Desde então comecei aenviar alguns CDRs para o Arnaldo eeste processo culminou com a gravaçãodo álbum para o selo JSR.

Revista Backstage -De que forma

aconteceu o processo de composição e

seleção deste álbum?

Fábio Fonseca - Esse sim foi um pro-cesso demorado. Foram alguns anosaté o Arnaldo ficar satisfeito com asmúsicas que eu enviava para ele. Acerta altura ele teve a idéia genial deregravarmos três músicas do Tradução

Simultânea, feitas originalmente comarranjos pop. Eu nunca teria tido essavisão, é aí que entra o produtor. No fi-nal, resultou num “mix” de inéditascom regravações, incluindo “Cochise”do Ray Santos, gravada nos anos 60pelo Ed Lincoln e “Too High”, tema doStevie Wonder safra 73.

Revista Backstage - Como foi feita a

escolha do local de gravação? O que ti-

nha em mente?

Fábio Fonseca - Dois fatores eramprioritários para essa gravação: o somda bateria ser “grande”, no sentido deambiência, ou seja, uma sala com pédireito alto; e a interação do trio du-rante a gravação; o som vazar do ca-nal de um instrumento para outro.Não é interessante que, num discodesse tipo, o som de cada instrumentofique muito separado e limpinho, soa

artificial. Se gravássemos numa salapequena, como um som “morto”, nun-ca teríamos obtido o resultado de “am-biente” que conseguimos com a rever-beração natural da sala. Acho muitodifícil - para não dizer impossível - re-produzir essa reverberação com equi-pamentos eletrônicos.

Revista Backstage - Por que a gravação

ao vivo? Vocês ensaiaram para gravar?

Fábio Fonseca - Decidimos gravar aovivo para o som ficar quente, como nasgravações de jazz e bossa dos anos 60 e 70.Acredite se quiser: não houve ensaio al-

gum! Basicamente foi o Arnaldo quemfez a escolha do repertório, eu fiz os arran-jos em casa, com o Hammond e uma bate-ria eletrônica bem antiga (Roland CR-5000) com ritmos pré-programados, graveium CDR comigo tocando Hammond eessa bateria, o Pedrinho e o Mac deramuma estudada em casa, o resto foi na hora.

Revista Backstage - Que equipamen-

tos utilizou na gravação? Para quê?

Fábio Fonseca - Utilizamos umamesa Otari Status 18R de 48 canais.Essa é uma mesa híbrida ou seja, ana-lógica mas controlada por computador,permitindo que, na hora da mixagem,se faça uma automação através deVCA (Voltage Controlled Amplifier).Sou pessoalmente adepto (ainda) doanalógico sem, de forma alguma, des-merecer as facilidades e vantagens dosequipamentos digitais. Daí a intençãode equilibrar os dois. O gravador digitalque usamos foi o Tascam MX-2424,uma grande paixão minha, devido aosom dos conversores e à sensação de seestar usando um gravador de fita - mascom as facilidades de edição que umgravador digital proporciona. O discofoi primordialmente gravado pelo Mar-co Aurélio Oliveira, que conheci nosanos noventa. Nos tornamos amigos eele foi uma peça chave na gravação doCD ao preservar um som bem natural.O Marcio Werderits, que fez a re-insta-lação do estúdio para essa gravação,também participou no “setup” inicialpara a gravação, além de ter mixadocomigo o disco. Uma observação:quando digo re-instalação, é porque ainstalação original do Jardim Magné-tico foi feita pelos meus amigos daGround Control.

Revista Backstage - Costuma tocar

piano também ou os instrumentos ele-

trônicos se adaptam mais à sua propos-

ta de trabalho?

Fábio Fonseca - O piano acústico fi-cou no meu passado. Estudei aproxima-damente seis anos de piano clássico naminha adolescência, algo fundamentalna minha formação. Porém, me conside-ro um tecladista. Os músicos que maisme influenciaram, como George Duke,Deodato e Joe Zawinul, dentre muitos

“Acredite se quiser: nãohouve ensaio algum! OArnaldo fez a escolha do

repertório, eu fiz osarranjos em casa, e o

Pedrinho e o Mac deramuma estudada em casa, o

resto foi na hora”

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REPORTAGEM

outros, todos usavam pianos elétricos esintetizadores. Na verdade gosto muitodos instrumentos eletromecânicos comoo Hammond, o Rhodes e o Clavinet, ouseja, o som desses instrumentos não é ge-rado por componentes eletrônicos (tran-sistores, chips, etc.), e sim por barras deferro, cordas ou geradores mecânicos, oque os torna mais “vivos” e orgânicos.

Revista Backstage - Desde quando

toca o Hammond?

Fábio Fonseca - Meu primeiro conta-to (de perto) com um Hammond foinum ensaio dos Paralamas na EMI, noinício dos anos 90. O João Fera estavausando o recém-lançado XB-2, uma ver-são digital feita pela Suzuki japonesa,que há muitos anos fabrica Hammonds.Logo depois, comprei um XB-2. Mas em1994 tive a chance, por meio da indica-ção do meu professor de orgão Renê Ter-ra, de comprar o B-3 que havia sido doEd Lincoln, e estou com este instrumen-to desde então. Para mim é o nº. 1 dosmeus teclados, seguido pelo Rhodes,Clavinet, Mini-Moog e ARP Odyssey.

Revista Backstage - As simulações são

satisfatórias? Em que elas ainda pecam?

Fábio Fonseca -Fica muito difícil - anão ser para certas bandas pop nacionaisque têm uma estrutura maior - levar umHammond para shows. Claro que seriamaravilhoso tocar sempre ao vivo comum B-3, mas o peso é enorme. Sou total-mente favorável aos “clones” nos shows.

Não sou fã dos Hammonds fabricadospela Suzuki, mas já testei alguns modelosda Roland e Korg e gostei. Ao vivo, uso oNord Electro que me agrada bastante,

embora falte aquela “sujeirinha” queajuda no som e na “pegada”. É claro quea Leslie é parte fundamental no som doHammond. Portanto, a não ser que vá selevar uma caixa Leslie de verdade, é im-portante que se teste também a simula-ção de Leslie contida nesses “clones”.

Revista Backstage - Quais são as dife-

renças entre o Wurlitzer e o Fender Rhodes

que fizeram você optar por um ou outro

em momentos diferentes da gravação?

Fábio Fonseca - Já tive fase de um efase de outro. No meu CD anterior (Tudo

– 2002) usei exclusivamente Wurlitzer. Jáno Opus Samba, nas faixas que têm pianoelétrico, a estrela é o Fender Rhodes. OWurlitzer foi usado apenas em uma faixa,Dormideira, para dobrar o órgão Hammond

www.myspace.com/fabiofonsecatrio

Para saber mais

e dar um colorido diferente. Em termos desom, o Rhodes tem um som mais “doce”, eo Wurlitzer é um pouco mais “sujinho”.Ambos têm aplicações diferentes. Nãosou muito fã da ação das teclas do Wur-litzer, prefiro a do Rhodes.

Revista Backstage-Que microfones

foram usados? Com que intenção?

Fábio Fonseca - O “set” de microfonesé relativamente padrão: AKG D-122 nobumbo, Senheiser 421 nos tons, ShureSM57 na caixa, AKG 414 TLII para ambi-ente e um par de Crowns PZM de “overs”.

Revista Backstage - De que forma

foram controlados os vazamentos entre

os instrumentos, já que a gravação foi

ao vivo? Você gosta de utilizá-los, ou

prefere isolar os instrumentos com bi-

ombos ou em casinhas?

Fábio Fonseca - Talvez eu possa defi-nir como um semivazamento. A bateriaficou no andar térreo, com o set do Macincorporando alguns instrumentos de per-cussão. No andar superior, na técnica, eucom os teclados, Pedro com o baixo,Arnaldo e Marco. Sendo que a porta datécnica era uma porta grande de correr,com frestas por onde o som escapava; ouseja, o som da Leslie vazou na bateria e oda bateria vazou nos microfones da Leslie.

Revista Backstage – Quais são os

planos agora, com o disco lançado?

Fábio Fonseca - Estou muito felizcom o resultado do disco em todos os as-pectos – execução musical, qualidadede som, capa, masterização, as boas ven-das que já começam a acontecer nos Es-tados Unidos e no Japão, enfim, tudomesmo. Agora é trabalhar na divulgaçãoe cair na estrada!

“Estou muito feliz como resultado do disco

em todos os aspectos,inclusive com as boas

vendas que jácomeçam a acontecernos Estados Unidos e

no Japão”