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  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    1/28

    E X P R E S S E S !Mais que dizer - transmitir. Ed. 09

    Rafael de Andrade

    Jos Danilo Rangel

    Bruno Honorato

    Jean MarcosCsar Augusto

    Maria Teresa Castelo Branco

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    2/28EXPRESSES! Abril 2012 | 02

    EDITOR:Jos Danilo Rangel

    CO-EDITOR:

    Rafael de Andrade

    COLABORADORES:

    Bruno Honorato - Conto

    Jean Marcos - Crnica

    Csar Augusto - Poesia

    Maria Teresa Castelo Branco - Foto (EXTRA e Capa)

    Capa: Pr do Sol Sobre o MadeiraFoto: Maria Teresa Castelo Branco

    e x p e d i e n t e

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    3/28EXPRESSES! Abril 2012 | 03

    NDICE

    Prembulo..................................................................04Walter Sem Sorriso..................................................................06Hoje, ele aceito?...........................................10Traduzir-se...........................................................12Uma Crtica ao Madeirismo...........................................14Hidra............................................................17As Metamorfoses do Esprito..............................18Extra: Maria Teresa Castelo Branco...........................23Do leitor................................................................................................25Ao leitor...............................................................................26

    N m e r o

    A n t e r i o r

    WalterSemSorriso

    BrunoHonorato 06Hoje,eleaceito?

    JeanMarcos 10UmaCrticaaoMadeirismo

    RafaeldeAndrade 14

    http://expressoespvh.blogspot.com/http://http//pt.scribd.com/doc/80187940/EXPRESSOES-07
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    4/28EXPRESSES! Abril 2012 | 04

    PREMBULO................................

    Neste nmero, vou azer dierente, em vez de comear dizendo o queele tem, comeo dizendo o que ele no tem. Nem Retrato, nem 10 dicas,nem Por Dentro da Cena. Este ms oi oda. A capa, um crespculo, com que expresso quo oda oi.

    Agora o que este nmero tem: para comear Walter sem sorriso,conto experimental cujo principal caracterstica a montagem deuma perspectiva distorcida da realidade a partir de descries ricas econceitos inusitados. Em seguida, Jean Marcos nos apresenta, em suacrnica Hoje, ele aceito?, um momento cotidiano na vida de qualquerpessoa e questiona o quanto de cotidiano tem este mesmo evento. Mais rente, decodifco um tanto do Traduzir-se potico. E, umas olhas maispara diante, Raael de Andrade critica o movimento madeirista. Depois,Hidra, uma poesia do projeto derivado da parceria de Csar Augusto(texto) e Henderson Baena (oto). Por fm, a poesia As metamorosesdo esprito, uns sonetinhos que escrevi em 2008 ou 2009 (no lembro),baseado numa das ideias de Nietzsche e, ainda, no Extra, otos de autoriade Maria Teresa Castelo Branco.

    Espero que goste.

    Porto Velho - Abril de 2012

    Jos Danilo Rangel

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    5/28EXPRESSES! Abril 2012 | 05

    p a r c e i r o s :

    Tudo que vazio me atrai: terreno livre

    Plancie desertaque espera ser preenchida.

    De Luzes do Abismo,

    Ctia Cernov

    Para acessar s clicar sobre a imagem.

    http://expressoespvh.blogspot.com/http://www.facebook.com/pages/Revista-EXPRESS%C3%B5ES/219207738122421http://dosedeatmosfera.blogspot.com/http://douglasdiogenes.blogspot.com/
  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    6/28EXPRESSES! Abril 2012 | 06

    Conto

    Arrancaram o banco do ponto de nibus.O cho banhado de sol. Pessoas. Muitas pessoas.Nos carros do ano e a p tambm. Cabecinhas nacalada pareciam ter sido postas como bonequinhos.

    Parados. Esperavam a morte e o nibus. Umasegunda-feira que culminava o sentimento depreguia e m vontade. O bom e entediante trabalhode cada dia. To humanista quanto escravido.O nome trabalho vem do grego tripalium, nomedado a um instrumento medieval de tortura. Waltersabia disso. Lera muito quando mais jovem. Agorafazia palavras cruzadas e lia o Jornal do Povo. svezes, se arriscava em Hemingway, Paul Celan epoesia nacional. Fazer cruzadas no representava

    velha idade. Walter no era idoso. Estava no auge

    Bruno Honorato

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    7/28EXPRESSES! Abril 2012 | 07

    opaco de seus quarenta e um anos. Servidor pblico.Trabalhava no Ministrio Pblico do Estado hlongos e no divertidos quatorze anos. E hoje iriaatrasar-se. As ondas de UVA e UVI no s fritavamo asfalto, mas tambm chupavam um pouco de suacabea e de outros que esperavam no ponto de

    nibus. Em p. Sim. Aquelas cabeas que pareciambonequinhos de um deus criana.

    Era um homem magro. Cabeloscastanhos com um princpio de calvcie e pontinhosbrancos. Vestia um terno cinza-jornal-velho. culosto magros quanto ele. Sapatos de couro falsicado,negros como seus olhos. Uma pasta tambm decouro, mas original. Orgulhava-se de sua pasta novaonde colocava suas palavras cruzadas, um bloquinhode anotaes, uma caneta preta, comprimidos pra

    dor de cabea, a receita de um remdio para stressque o doutor Washington Lus receitou, mas nocomprara; e um livro de bolso com poemas escolhidosde Carlos Marighela. Ele apreciava. Fazia-o relaxar.Era um homem culto que no sentia necessidade deexpor isso a ningum. No era um pensador. Masodiava os intelectuais de esquerda que defendiama legalizao da maconha e usavam pingentes doChe. Um homem reservado. Silencioso. Observadore introvertido. Desejando a morte do motorista do

    nibus que no chegava.

    Corpos semivivos amontoados numaesquina qualquer olhando periodicamente o horrio

    em seus celulares de ultima gerao. Servidores,vendedores, cozinheiros, mas todo mundo hoje temum celular de ultima gerao. O pobre, pensavaWalter, tambm tem direito de poder tirar fotos comos lhos na escada rolante, acessar a Face booke ter o privilgio de vericar o horrio do trabalhonuma tela de touchscreen. Mas Walter usava seubom e velho Arthur das Eras. Esse era o nome doseu relgio. Estranho? No. Walter j lera sobre umvelho que mantinha relaes sexuais diariamente

    com um corpo congelado de um menino que haviaassassinado. Ento, ele poderia dar um nome ao seuquerido relgio de bolso que levava consigo sempreque saa para trabalhar ou ler no parque da cidadesem ser taxado de excntrico.

    Treze e quarenta e trs da tarde e o bome velho caminho de carga humana conformistaainda no dera nenhum sinal de vida burra. Faltavamdezessete minutos. Iria se atrasar. E o Sol. Sentia-se numa fornalha de Lcifer. Os ps imploravam

    arrego. E mais: Calor humano. No suportava.Um considervel nmero de pessoas de todas ascores, tamanhos, crenas e desejos diferentesunidas em seis metros quadrados era um ambienteno muito aprecivel na concepo cinzenta deWalter. Acendeu um cigarro. A senhora que pareciasupervisora de algum colgio de ensino mdio, queprovavelmente no ensinava histria da arte, pensouWalter, protegia sua cabea do deus Hlios com umexemplar de Ponto da Moda, revista com artigos de

    temas que enchiam o estmago de Walter de vermes.Um rapaz com uma camisa de pr-vestibular, escritoRumo Medicina em suas costas, mascava chicletee conversava com uma moa bonita ao seu lado,igualmente estpida, sobre suas manobras de skateno centro de esportes da cidade e de como seuscolegas de classe eram grannos e show de bola.Walter era um observador. E os vermes pareciamquerer eclodir de seu intestino delgado como amassa de uma torta de macarro transbordando da

    forma.

    Treze e quarenta e trs

    da tarde e o bom e velhocaminho de carga humana

    conformista ainda no dera

    nenhum sinal de vida burra.

    Faltavam dezessete minutos.

    Iria se atrasar.

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    8/28EXPRESSES! Abril 2012 | 08

    Nosso heri de cinquenta e cinco quilos eduzentos e trinta gramas analisava cada centmetro

    de humanidade e de simplicidade que observava nodia a dia. Combinava momentos de contemplao dovazio, apreciao das formas incertas e misteriosasdas nuvens e ponderaes despretensiosas acercado comportamento dos civis com os quais eraobrigado a conviver em seu cotidiano monocromtico.Colegas de trabalho. Transeuntes. Personagensdas fbulas dos livros e das piadas polticas dosnoticirios. Um reator de informao inata. Irritava-se com tanta coisa. Impelia-se indiferena. Achava

    graa da ironia dos fatos e dos homens. Mas nosorria. Nunca. Era apenas um feixe de vida passandopela realidade feito o mais belo e invisvel espectrode luz. Caminhava sobre a linha tnue, opaca e semgraa que a existncia.

    L vinha ele da esquina suja da Rua Setede Setembro. Seu som imponente e desconexo,como o rugido de um Kraken que acabara de serlibertado, conotando o cansao e a ferrugem desuas engrenagens, feias como as do capital. O

    nibus. Febril e lento. Parecia doente e to cansadoe acalorado como aqueles que o esperavam. Areao de satisfao e a alegria v tomaram formade ondas sonoras, atravessaram os seis metrosquadrados de carne humana e emergiram do quasesilncio na forma das mais nobres declaraespessoais: porra, j tava na hora, olha a hora queo lha da puta passa, a, ufa, ele chegou, emnome de Jeov!; dentre outros poemas populares.Walter no pensou em mexer nem uma de suas

    cordas vocais ali equipadas com sua laringe. Sempalavra feia. Nenhuma molcula de endorna amais, nenhuma a menos. Talvez uma na sensaode alvio escondida no canto direito de seu pulmo.Talvez. Subiu a carruagem. Sem sorriso.

    Z Ramalho parecia to relevanteenquanto ele notava o balanar do gado nacarruagem. Amassavam-se em suor, banha e roupanova. Ruminavam comentrios vazios como capim,pensando em falar de reality shows, poltica regional

    e a situao precria de seus lhos na escola.

    Walter sentia-se numa lata de comida pra gato. Esabia que todos ali um dia seriam comidos. Por gatosmaiores. Limitava-se a lembrar dos relatrios quedeixara pr-prontos na sala de trabalho pela manh.Notas scais, placas patrimoniais, cadeiras e mesasde computador pra levar ao senhor Procurador de

    Justia e ao chefe de Departamento de Informtica.Eles no poderiam esperar mais. Suas bundasgritavam na expectativa de um assento mais seguroe confortvel. Com sabor de produto novo e dbitobancrio. Tudo em favor da boa produo, do bomfuncionamento do rgo e do bem da comunidade.

    Walter procurava no se encostarmuito no homem com a farda da distribuidora deacar do seu lado, com a camisa no to bemapresentavelmente convel e rgia quanto presava.

    Faltava pouco. Mais dez minutos fora os quarenta ecinco j esperados dentro da carruagem, e j estariano abatedouro.

    Saiu do nibus como uma crianaque irrompe mida e vermelha da vagina de suame. Nascer pra mais um dia e morrer no deitardo crepsculo. E a alegria dos apresentadoresde programas de palco no era to azul quantos janelas recm-polidas do pomposo prdio doMinistrio. Bero da justia. Ou da sujeira. E ali

    dentro apreciou o frio das centrais de ar e a tela do

    Walter procurava no se

    encostar muito no homemcom a farda da distribuidora

    de acar do seu lado,

    com a camisa no to bem

    apresentavelmente confivel e

    rgia quanto presava.

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    9/28EXPRESSES! Abril 2012 | 09

    computador onde registrou seu ponto j calculando

    seu prejuzo e escolhendo qual livro iria abrir mo decomprar esse ms. Capites de Areia . Um novembroingrato e maligno como o beb de Rosemary.

    Um pio discreto anunciou a porta doelevador se abrindo, feito a boca de uma baleiaazul esperando o erro das camadas de crio. E l seacomodaram em p, Walter, a moa simptica daXerox, o zelador, tambm no muito bem humorado,e seus esfreges, dentre outros seres aquticos dooceano moderno.

    A boca se fechou e irromperam no ar asnotas de Imagine. No mximo treze pessoas, aplaca indicava, ao lado de sua irm, que armavauma relao direta de lgica entre o ato de expressarjbilo escancarando um sorriso e de uma medida desegurana interna que registra em vdeo o momentoem que voc coa o ouvido, retira bactrias do nariz,fala sozinho ou surrupia aquele Sonho da Valsa queestava de bobeira na prateleira. Walter no entendiaesse tipo de coisa.

    E depois de alguns boa tarde, bomtrabalho, oi, como vai? e legal essa msica dosBeatles, Walter sobreviveu corajoso quele sucogstrico pblico e se direcionou sala vinte e trs;sem antes, claro, tomar um copinho de caf pretocomo aquele que o fez, e ter desejado no existir aplaca de proibido fumar.

    - Boa noite, senhor Walter. Estavaroando com alguma colegial pra chegar essa hora? Proferiu Gilvan, o secretrio da seo de material.

    Sim. Ele era o piadista da sala. Walter percebeu

    que era uma piada, mas no sorriu. A vida no tinhagraa.

    - No, senhor Armou com seguranae tom de voz calculado.

    - T te zuando, cabra. Todo mundo temdireito de fornicar, num ? Mas cuidado com osHomem. Disse o piadista, sorrindo.

    No. Denitivamente no tinha graa.Walter ignorou e caminhou at sua mesa. Tripalium.Ele sentiu o aoite. Comeou a organizar os papise a jogar fora os papeizinhos com reclamaesdos chefes de Departamento cujas bundas plidas

    ainda reclamavam da m simetria das cadeiras.Tripalium. Suas costas doam. O restante da salacom estagirios magrelos, outros servidores euma cadeira vazia do chefe continuaram a tardedebatendo de forma entusiasta a forma como oshomens atravessam a crise de meia idade, asnotcias sobre a pedolia nos bairros pobres e nasigrejas e, vez ou outra, se lembravam de ressaltara piada feita com Walter quando este chegou aorecinto. No havia graa. Nem na sala. Nem em

    qualquer outro lugar que Walter pudesse pensar.Continuou organizando a papelada que pousavamna sua mesa como a comida de um condenado, edigitando memorandos para departamentos quenem sabia que existia. Calado. Ainda sem sorrir. Epensando em qual nome ele daria sua pasta nova.

    .....................................................................

    No. Definitivamente no

    tinha graa. Walter ignoroue caminhou at sua mesa.

    Tripalium. Ele sentiu o aoite.

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    10/28EXPRESSES! Abril 2012 | 10

    Num domingo desses tarde fui convidado por velho amigomeu para sairmos. Para irmos praa dar um rol, como ele sempre dizcom aquela sua voz mscula e uns modos educados, sobretudo quandosolicita algo. Tinha acabado de sair de um relacionamento tumultuado, aoque lhe parecia, por motivos de traio.

    Eita palavrinha injusta esta a (traio). A traio carrega emsi vrios sentimentos dolorosos e totalmente indesejveis, a menos quesejamos daquela espcie estranha de ser humano que venera sentimentosde tortura. No mais, traio seja ela qual for, deixa marcas profundas. Comeste meu velho amigo no foi exceo.

    Ento, l fui eu cumprir meu dever de amigo, e emprestarmeu ombro para ele usar. E meus ouvidos tambm. Meia hora depois determos nos falado ao telefone, l estava ele acionando a buzina do seuUno comprado no ano passado com o dinheiro de um fnanciamento que

    fzera.

    Entro no carro Uno e partimos em direo praa. Meuvelho amigo parte a 40 Km/h, pra no primeiro semforo, que comosempre, nunca est aberto, nunca damos esta sorte. Mas aguardamos.Enquanto isso vejo DVDs gays no banco de trs do carro Uno. Ele sempreos assistiu pouco se importando com os comentrios maldosos daspessoas. Percebo-o muito calado, distante, alheio ao ambiente.

    Fico pedido quando denoto tristeza em meu velho amigo.Gosto de v-lo demonstrando seu sorriso branco. Ele comea a falar datraio. Eu ouo j que no tem outro jeito. Penso que quando se est napior, inclusive nestas situaes, o melhor chorar mesmo, se jogar na

    cama em um quarto escuro ouvindo Adele. Tinha dito isso a ele antes. Masno custa reforar.

    Hoje, ele aceito?Jean Marcos

    Crnica

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    11/28EXPRESSES! Abril 2012 | 11

    Dez minutos depois, l estvamos ns, na praa. Atnitoscom a cena de covardia: um grupo de homofbicos espancando um rapaz.Coisas deste feitio no deveriam acontecer em pases como o nosso. Alisperceba tantas, quantas diferenas culturais escancaram-se em nosso

    Brasil. Mas digo que respeito as pessoas de bem de nosso pas.Eu at gosto de ver eloqncia (apenas isto) dos pastores

    evanglicos quando pregam contra a aprovao da lei da homofobia,apesar de detestar o autoritarismo egocntrico de alguns (a maioria). Mascada vez que vejo uma cena dessas pela TV me revolto.

    Mas agora era diferente. No se tratava apenas de umacena de TV. Estava ali, h alguns metros de mim. Eu e meu velho amigo,perplexos com o que vamos, chamamos a polcia que s chegou quandoos monstros j tinha fugido. Odeio discurso moralista. Mas as falas domeu velho amigo merecem ser lembradas, embora ele tenha exagerado

    um pouco quando comeou a falar, nas escadarias da praa, comeou adefender o rapaz que j estava sendo levado pela ambulncia.

    Meu velho amigo dizia que as crianas deveriam estudarmatrias capazes de os tornar mais humanas. E os homofbicos deveriamsentir a sensao de perda para aprender a incorporar a tolerncia s suasvidas.

    O gay aceito hoje. A sociedade est mais aberta diversidade, mais humana. O importante mesmo amar, dizem alguns,outros alegam que no tem anda a ver com a vida alheia: cada um faz oque quer. assim que so os discursos que ouo. Sempre assim! E este

    mesmo discurso foi aclamado por um programa de TV de uma dessasemissoras televisivas naquela tarde de domingo ensolarada.

    O gay aceito hoje. Desde que ocupe uma classe socialelevada, use roupa de marca, tenha carro importado. O gay aceitohoje. Desde que more em bairros nobres, seja culto e conhea vrioslugares/pases. O gay aceito hoje desde que atenda uma lista enormede requisitos, a sim, ele entra para o grupo dos gays aceitos. Alm deaproximar-se o mximo possvel do comportamento hetero. Neste sentido,parece mais um rico vivendo em uma classe social, onde ser gay apenasum detalhe, do que um ser humano vivendo em uma sociedade, onde ser

    gay uma condio para a felicidade. Mas o gay, ah o gay... dizem quehoje ele aceito.

    ................................................................................

    Mas agora era

    diferente. No se

    tratava apenas de

    uma cena de TV.

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    12/28EXPRESSES! Abril 2012 | 12

    D3C0D1F1C4NDO

    Estamos sempre traduzindo, todos ns, o

    tempo todo. Ao entrarmos em contato com qualquercoisa que nos uja, ou mesmo o que nos corrente ver,apreciamos de maneira que seja inteligvel para nsmesmos, tambm para os outros. Estamos traduzindoquando ao experimentar um sentimento, atribumos aele um nome, se raiva, tristeza, alegria, e o passamosa reconhecer e a comunic-lo a partir do rtulo. Dessaorma, traduzir seria exatamente como nos diz Gullar,transormar uma parte na outra parte, o que vertigemno que linguagem.

    Falar sobre uma pequena amostra das

    contribuies de Wundt, o undador da psicologia

    moderna, aqui se enseja, pois nos d conceitosinteressantes sobre como isso acontece. Para ele, nossaexperincia ocorre em dois nveis inseparveis, masdistintos, primeiro a experincia imediata, compostadiretamente pelos dados sensoriais, e outra parte, aexperincia mediata, a vivncia experimentada a partirde um hbito interpretador. Experimentamos o mundoassim, ao vermos uma ma, nossos sentidos captam umasrie de dados da realidade, nossa mente os consideraem conjunto e o hbito mental nos az chamar de ma

    o conjunto de inormaes sensoriais que provm do

    O TRADUZIR-SEPOR JOS DANILO RANGEL

    Uma parte de mim

    s vertigem:

    outra parte,

    linguagem.

    Traduzir-se,

    Uma parte na outra parte que uma questo

    de vida ou morte

    ser arte?

    Traduzir-se, Ferreira Gullar

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    13/28EXPRESSES! Abril 2012 | 13

    elemento em questo.Com o poeta acontece a mesma coisa. Ele

    um tradutor, tradutor de si, do outro, do mundo, comotodos, ele transorma o que sente, o que experimenta, o

    que v, o que deseja, enm, o contedo de sua vivncia,em linguagem. Em linguagem escrita, o que j distingueum tanto o ato potico do traduzir-se cotidiano, mas huma dierena maior: o produto da traduo potica ,por sua vez, algo a ser traduzido. Aqui, nossas tendnciasprticas e utilitaristas levantam a seguinte questo: sea atividade do poeta traduzir, por que ento produziruma traduo a ser traduzida em vez de uma traduo eponto?

    H dois motivos que creio serem os

    principais e com eles que respondo a isso. Primeiro,traduzir passar algo de uma linguagem a outra linguagem.Assim, quando tomo um texto em ingls e o passo parao portugus estou traduzindo. Acontece que emboraas lnguas se estabeleam sob as mesmas leis gerais, ascircunstncias em que elas se desenvolvem azem-nascheias de peculiaridades, da, que ao transpormos o queest dito numa lngua para a outra sempre encontramoscomo diculdade o ato de haver expresses de umalngua que no tm seno equivalentes impereitos

    na outra. Essa mesma diculdade encontra o poeta,pois o ato potico exatamente a transposio de umalinguagem para outra linguagem.

    Se no devemos a Freud a descoberta doinconsciente, devemos a ele o entendimento de haverum cdigo para o inconsciente, portanto um meiode decodic-lo, ou seja, uma linguagem. Analisar ossonhos s se justica se aceitarmos haver neles, ouem seus impulsos geradores, uma lgica. Aceitemoso inconsciente e sua linguagem, o poeta ento seria o

    tradutor de seu inconsciente, nas palavras de Gullar, opoeta traduz uma parte na outra parte, o que vertigem,no que linguagem, no traduziria ele o que linguagemdo inconsciente para a linguagem consciente?

    Se entendemos assim ca muito cil aceitarcomo motivo de o poeta produzir uma traduo queprecisa ser traduzida o ato de haver poucos equivalentespara a linguagem obscura do inconsciente na linguagemcorrente. Ele assim o az por que procura expor o que enigma mesmo para ele, o que ele sabe sem saber, o quesente como vertigem, como multido e como ningum.

    E agora o que estou dizendo tambm traduo a sertraduzida.

    O segundo motivo mais bvio: a atividadepotica consiste em converter, nas palavras de Gullar,

    o que h na parte vertigem em algo que se encontrena parte linguagem e, acrscimo meu, alcanar a partevertigem do leitor a partir de sua parte linguagem, tareacom grandes e srias diculdades. Dizendo de outraorma, quando o poeta transorma o contedo de suasubjetividade em mensagem, ele no pretende apenascomunicar, pretende sugerir, pois que sugerir alcanara parte vertigem do leitor.

    No vejo melhor exemplo do que alo doque a poesia sinestsica de Cruz e Souza:

    Sons perdidos, nostlgicos, secretos,

    Finas, diludas, vaporosas brumas,

    Longo desolamento dos inquietos,

    Navios a vagar a or de espumas.

    Oh! Languidez, languidez infnita,

    Nebulosa de sons e de queixumes,

    Vibrado corao de nsia esquisita

    E de gritos elinos de cimes!

    Que encantos acres nos vadios rotos,

    Quando em toscos violes, por lentas horas

    Vibram, com a graa virgem dos garotos,

    Um concerto de lgrimas sonoras.

    Esse um ragmento de Violes queChoram e nos mostra a tentativa do poeta de, atravsda linguagem, alcanar em ns o que vertigem, o undosem undo, o que se espanta. Sintetizando o que oi dito,

    a atividade do poeta uma atividade peculiar porquequando ele escreve, converte, como pode, o que lhe vertigem no que linguagem para que no leitor o que lhe linguagem alcance o que lhe vertigem.

    .....................................................................

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    14/28EXPRESSES! Abril 2012 | 14

    Literatura em Rede

    Alguns pontos de introduo.

    Ponto zero: Raael de Andrade, orientandoem pesquisa do Centro de Hermenutica do Presente(UNIR), linha de pesquisa: Hermenutica do Presente,orientador Alberto Lins Caldas, trabalho monogrcoO Maniesto Madeirista: Uma leitura sociolgica daliteratura em Rondnia, este ltimo sob orientaodo proessor Estevo R. Fernandes, coordenador docentro de pesquisa. Estes dados importam para algunsindivduos que, como j oram criticados, avaliamttulos e no obras. Eis meus ttulos para os que adoram

    comparar diplomas e certicados.Em primeiro lugar no deveria haver dentro

    de um corpo dito morto (e quando alo corpo alodentro de toda teoria esttica) o orgulho e a vontade deadorao existente no corpo dos deuses, mortos h tantotempo, mas que como ideias pungentes de pereioe algo a ser encontrado, denido, louvado, existemenquanto ideias carcomidas de livros e beatos velhos.Mas no velho corpo dito morto, cheio de vida e amor,temos um orgulho de quem contraditrio ao ponto deser belo para alguns (aqueles j acostumados a adorar acontradio dos capitalistas, neoliberais), mas que no

    Uma Crtica ao Madeirismode um Hermeneuta do Presente

    texto: Rafael de Andradefoto: Maria Teresa Castelo Branco

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    15/28EXPRESSES! Abril 2012 | 15

    passa de mais uma contradio moda, to comum nosdias atuais.

    Segundo, este velho corpo que tantoreclamou da alta de crtica na Rondnia e seus

    admiradores reclamam de toda crtica direcionada a ele.Seu status de deus do pequeno panteo (daquilo que eleatacou, mas atacou com um p atrs, com pouco vigor) oimpede de aceitar qualquer crtica, vinda como inerior,como confito de egos, como vontades pessoais.

    Esta crtica, e isto nem o orgulho de deuspode negar, advm da mesma escola e base: das leiturasdos clssicos, das conversas com antigos madeiristas, noconfito terico e contextual com os agentes da produoliterria local e talvez possa ser considerada gabaritada

    a avaliar a obra divina. Este gabarito pode ser no

    aceito, mas de ato no importa: a palavra oi dita.Com uma dierena prtica e talvez esta

    dierena aa todo sentido e determine as divergncias deproduo e direcionamento. Ao passo que para os antigosmadeiristas e tudo que advm desta orma de pensar, aart or art uma orma de libertao (libertinagem)da obra, uma vida em ao, em devir e esta libertaono gera nenhuma repercusso na realidade ccionalcircundante, arte pela arte, no mximo para gerarhorror ou encanto a alguns indivduos.

    No posso negar alguns avanosimportantes na concepo de arte: (1) a diuso de umaarte pela arte que se aproxime do conceito de Bourdieu

    e do pensamento de Wilde louvvel a arte por si sebasta. (2) uma orma prounda de auto conhecimentoe de produo individual, a chama dentro do rio (3)a busca pela autonomia dos produtores dentro desta

    relao de hipertextualidade e contradies internas (4)o rompimento com o instaurado em relao ao que eraproduzido (5) um novo conceito de arte novo para c que gerou uma nova gerao de produtores.

    Mas preciso se repensar esta questo, notorn-la um movimento cristalizado ou delegado aopassado. Compreendo que art is such useless e queestabelecer uma relao entre pblico, obra e mercado setorna algo perigoso na relao de liberdade do autor (egera as baboseiras recitadas em mercados que as pessoas

    chamam de arte), mas a questo deve ser revisada.Parte-se do ponto que nascemos uma bola de

    carne e que, a partir de nossas relaes sociais, aceitamoso mundo que oi construdo por outros e nos dadocomo um presente de grego vital para a continuaoda histria. Sim, para alguma perspectiva hermenutica,o mundo uma co construda a partir dos discursosindividuais em comunicao com os sociais. Acreditoque o madeirista que teve acesso a diamada lista deormao bsica ou leitura de inncia teve acesso ao

    contedo terico para saber, mais do que quem escreve,que as coisas podem ser assim.

    No h verdade absoluta porque todaverdade absoluta uma construo, uma co. Nestaperspectiva, ao outro apontamento sobre o que arte.Este meu apontamento no meu, ele oi usado pelospoetas vermelhos e deve ser, tenho conhecimento apenasde noticias espordicas, utilizada mundo aora.

    Arte um instrumento no de divulgaovulgar do pensamento do pequeno homem, que a

    usa como muleta (sagrada) contra as contradies domundo moderno. E este o seu uso prtico: enquantonova cor para as velhas correntes, neste sentido, ela no libertina, mas sim escravista: ela leva ouscao dohomem rente s prises. Arte muito mais do que isso.

    No consigo compreender esta libertinagemque se d num momento, num homem, num segundo:neste sentido, a libertinagem matria de , escolhendoseus seres iluminados, seus proetas e deuses. Alibertinagem pode ser conceituada, de orma simples edireta, enquanto produo, (ao), (ser) do libertino:daquele que oi liberto dos discursos que undamentamnossa cosmologia, nosso ethos, nossa cultura, chamem

    Compreendo que

    art is such useless e que

    estabelecer uma relao entre

    pblico, obra e mercado se torna

    algo perigoso na relao de

    liberdade do autor...

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

    16/28EXPRESSES! Abril 2012 | 16

    do que quiser.No sentido que apresento - ou alta de

    sentido, alta de porque, existncia voltada para autoiluminao a libertinagem serve como status, como

    denio do ego e por mais que negue os libertinos,como dierenciao poltica do que liberto e do que escravo.

    Enm, compreendo que arte ummovimento contra o instaurado. Sendo o primeiro pontopara este movimento a busca pela autonomia da mesma(e a o madeirismo se torna louvvel) enquanto produolivre dos discursos. Mas o vigor do madeirismo se encerrapor a. Ele gerou umas pontes de negao de si (ou dearmao) que futuam enquanto artistas reconhecidos

    por sua produo, envolvimento com a literatura e mais,o coletivo madeirista que uma representao polticade suas vontades, ugindo das mesmas em certo ponto(pois no haveria vontade poltica no madeirismoinicialmente).

    Estes agentes madeiristas geraram um grupode seguidores, geralmente apaixonados pela pessoa eno pela obra, e esses seguidores ormaram grupos queproduzem, que copiam, mas que no pensam em nadaalm da boa e velha produo: que no nal, mascara

    prises, d sentido a uma vida que, sendo alienada, notem sentido algum.

    O que pude extrair do madeirismo oi aviolncia contra o instaurado. Se a vida, esta ora quegera tudo (pois no h nada alm dela), usurpada pordiscursos, por classes, por padres, por indstrias, poragentes violentos, a arte no tem a uno de ser umaorma de respirar entre torturas, mas sim uma armacontra o mundo que, como me disse Caldas, deve seraada constantemente.

    No como conhecimento, como academia,como expresso do ser, mas uma arma. Pois enquantoconhecimento ela no se apresenta enquanto arte em si,mas como uma histria da arte que so as produesescolhidas pelos poderes instaurados para represent-lo: e acredite, toda arte violenta tirada deste contexto eos assuntos inodoros so colocados em pauta.

    O que o artista pensa sobre arte torna-seuma ideologia de sua classe. Por ideologia podemoscompreender a orma de ver o mundo de certo grupo.Apesar de toda negativa do Madeirismo em suasexpresses, no se pode negar que h uma orma de ver omundo dentro do movimento que deseja ser hegemonia,

    pois no h violncia inecunda, o movimento desejamudar a perspectiva de arte, transormando o que no madeirismo (ou o que seja aparente) em no arte.

    Esta ideologia , como toda ideologia,

    perigosa se levada ao extremo. Sem o contato e a aberturapara negociaes, a ideologia se torna perigosa, aindamais quando se deseja ser hegemnica. Neste momento,o madeirismo se torna igual aos outros movimentos.

    O Movimento Madeirista tem o que mostrar,o que infuenciou e deve ser submetido a uma crtica maisconsistente, mas de uma orma tambm consistente.No com oensas (acadmicas, pessoais ou artsticas),mas a partir de uma anlise crtica e comparativa. Noque este ensaio preencha este requisito, ele apenas um

    apontamento e tambm um rompimento. Rompimentodeste artista que oi sim infuenciado pelo madeirismo,mas comea a ver que deve existir ao lado da violnciamadeirista, um dilogo com aquilo que se pretendecomunicar.

    .....................................................................

    Estes agentes madeiristas

    geraram um grupo de seguidores,

    geralmente apaixonados pela

    pessoa e no pela obra, e esses

    seguidores formaram grupos que

    produzem, que copiam, mas que

    no pensam em nada alm da boa

    e velha produo

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    17/28EXPRESSES! Abril 2012 | 17

    vises poticas

    HidraFere de leve a frase E esquece Nada

    Convm que se repita

    S em linguagem amorosa agrada

    A mesma coisa cem mil vezes dita.

    Mario Quintana.

    Nem fere, nem arranha a lira... e no esqueo...Algo redunda, repete, recita...Em um, dois, cem mil leitosA mesma coisa negada, resgata e dita.Nas sarjetas, nos poos e nos becos,Serpenteia a palavra amorosa como hidraDuzentas vezes morta, ainda grita.E multiplica.

    Quando cortamos-lhes a cabea.

    Texto: Csar AugustoFoto: Henderson Baena

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    p o e s i a

    As Metamorfoses

    do EspritoJos Danilo Rangel

    1

    A glria do camelo o transporteDas cargas mais pesadas e tamanhas,Ele carregaria at montanhasSe lhe pusessem umas sobre o porte.

    Ele quer mostrar o quanto forte,

    E como so fortes as suas entranhas,No recusa cargas, nem as estranhas,Nem direes, vai para o sul ou norte.

    Mais, muito mais!, pede o rme camelo,D-me um peso maior, posso sust-lo,E ainda a outros sobre a corcova.

    E atravessa desertos e desertos,Sem temer que em seus passos sempre certos,

    Um dia se carregue prpria cova.

    2

    Mais, muito mais! pede o camelo bravo,E exibe, sob o peso exagerado,Contentamentos de animal domado,O riso absurdo de um contente escravo.

    Mais, muito mais, isso um oitavo

    Do que posso, diz o camelo ousado,No h mais que se deva ser levado?Pois eu levarei, sem qualquer agravo.

    Obedecendo, em pessoal desdm,Acima de tudo, e antes, e alm,S para isso ele tem denodos.

    Suportar para ele um orgulho,Todo gnero de lixo e de entulho,

    Desde que se mostre diante todos.

    Trs transformaes do esprito eu vos menciono: como o esprito se muda em

    camelo, e o camelo em leo, e o leo, fnalmente em criana.

    Nietzsche, Assim Falou Zaratustra.

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

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    3

    Mesmo quando lhe tremulando as patas,Os ossos j doendo de tanto esforo,Ele apruma a montanha sobre o dorsoE ri, rangendo as denties cordatas.

    Sente as dores das mostras insensatas,

    Mas ele no pede o menor reforo,Prossegue, como em jubiloso corso,Tambm mantendo fora as feies gratas.

    Surge a cada passo uma nova dor,E a cada uma, nas lguas do labor,Ele retorce a fua num sorriso.

    Declara a sua dcil estupidez:Suporta tudo isso outra vez,

    E sempre outras, porque te preciso.

    4

    Vive assim, e porque a tudo obedeceComo obedecendo prpria vaidade,Jamais pretende alguma liberdade,Nem trabalhos de moderada espcie.

    Contudo, um dia, ele acha que mereceTer atendida uma sua vontade,Quer algo, e novo este querer lhe invadeE semeia nele uma nova messe.

    coisa nma, o que quer, mas quer,E o impele, a esse objeto qualquer,A motivao de um seu interesse.

    Ento, a palma do excessivo pesoSente que lhe esmaga, sente-se preso,Como de nada a fora lhe valesse.

    5

    Servir tanto numa exaustiva lida,Correndo a mando por quaisquer lugares,E enm, pelos empenhos exemplares,Nem ter a vontade uma vez ouvida.

    Isso revolta, e sendo repetida

    A negao de anseios to vulgares,O camelo se ergue do meio de seus pares,Porque pretende uma diversa vida.

    As patas tomam formas diferentes,Viram garras, e os achatados dentesAlongam-se em terrvel dentio.

    Sentindo dio pela norma espria,O pacato esprito, nessa fria,

    Converte-se no mais feroz leo.

    6

    O esprito revolto se destacaContra tudo, em peleja compulsiva,Nem sequer pretende outra alternativa,Se arremessa e nca, como uma estaca.

    Ele ri, quando louco a tudo ataca,Porque essa ansiedade combativa,Principiando a liberdade altiva,J lhe corta amarras com qus de faca.

    Tal ferocidade, sempre aulada,Tem os vezos de uma lmina aada,Passeia livre e livre dilacera,

    Somente um leo pode mov-la bem,Pois os efeitos que dos cortes vmExige as disposies de uma fera.

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

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    7

    prprio do leo, de sua natureza,O gosto pelas sangrias do confronto,Atento ele vive, ele vive prontoA dar golpes e mostras de rudeza.

    Porque o tange uma irada ama acesa,

    Ele vagueia, furioso e tonto,Buscando em toda parte, ponto a ponto,Quem lhe conteste e prove da destreza.

    No h o que respeite, ou quem respeite,O seu recreio, e seu maior deleite,So os momentos de agresso e caa.

    Ele quer lacerar, saguinolento,Quanto j lhe impedira o prprio intentoCom arreios irreais e ameaa.

    8

    O leo um movimento aleatrio,Destrutivo, que persegue e assedia,Um fogo que no campo se incendiaE se expande por largo territrio.

    Ele confronta o monstro anulatrioQue solto rasteja entre a massa fria,Ele descr de tudo quanto cria,E viola, num zombar peremptrio.

    No mpeto dos graves nervosismos,Se precipita queda dos abismos,Desferindo ainda lanhos, e a esmo.

    E nalmente, quando fria faltaContra o que ou quem lutar, ele se exalta,

    Ento, raivoso enfrenta a si mesmo.

    9

    Ele sobe solido de altos montesE ao silncio desce de ignotas grunhas,Porque batalha no quer testemunhasMais que as oscilaes dos horizontes.

    A, sozinho, entre terras e fontes,

    Aproxima ao peito as compridas unhas,E as insere e desloca, como cunhas,Fendendo, depois parte para as frontes.

    Agonizando, um terminal vermelhoEstertora no clico aparelho,Um sanguinrio crepsculo ocorre...

    Nessas horas de agonia to selvagem,Se debatendo contra a prpria imagem,O leo se vence e se vencendo, morre.

    10

    Um tal seguir que todo se demoveDas carceragens, um gracejo, um chisteQue violento reverbera e insiste,Embora quem o oua s o reprove.

    Eis toda a liberdade que promoveEsta fria que avana e que resiste,Que mantendo o agudo nimo em risteAt contra si mesma as garras move.

    A fria se liberta e, se liberta,Tambm espana, clere e desperta,Quanto o esprito tiver ao colo.

    Pois ela cava um sulco, to-somente,E nele deposita uma semente

    E a cobre com umedecido solo.

  • 8/2/2019 EXPRESSOES_09

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    11

    Depois do sepultamento espontneo,Um tempo o esprito combalido,Na escurido e sem qualquer sentido,Entre os vermes dormita, subterrneo.

    Ele experimenta esse sono estranho

    Que aquieta sem golpe desferido,Esse cansao que, bastante assduo,Vence a vontade sem mover gadanho.

    A abulia lhe chega, dentre o lodo,J no lhe socorre o menor denodo,Nem lhe inspira algum gesto audcia alguma.

    De dar tanto esforo ao embate enorme,Ele est exausto, e por isso dorme,

    Em sonolncia de desfeita espuma.

    12

    Exatamente um m para um comeo,Um recuo apenas antes do maior salto,A provisria mudez de um arautoPrestes a berrar o discurso avesso,

    quanto representa o sono espessoEm que o esprito, cansado e falto,Toma flego para novo assalto,E foras para prximo arremesso.

    Assim sucede, mal se recupera,Pouco aps a sonfera quimera,J algum vigor bravo ele denota.

    Na noite escura e sob a escura terra,Enquanto vibra um frmito de guerra,Resplende a aurora, a semente brota.

    13

    Novamente o esprito se anima. a metamorfose derradeiraQue o levanta altura verdadeira,Num audaz movimento para cima.

    Muda-lhe o semblante, muda-lhe o clima,

    De mar bravio suave cordilheira,Transforma horas de ataque em brincadeiraE a averso alheia em prpria estima.

    Num tremular de vida, dia-a-dia,Algo oresce, onde nada havia,Se insinua um jardim em pleno ermo,

    E quando enm nda a total mudana,Mudado o esprito em gentil criana,

    Acha um princpio no completo termo.

    14

    A virtude da criana se deve maneira imprudentssima como,Diante do mais tenro ou torvo assomo,Ela responde ingenuamente leve.

    uma folha em branquejante neve,Onde se espera um quadro calicromo,E igualmente a mo que sobre o tomoDesenha signos e ao pincel se atreve.

    Seu riso e seu lamento tm pureza,De arrojos cheios de delicadeza,Tudo em sua ndole jovial e brando.

    Ela quer danar, e em sua dana um mundo,No seu inquietar-se mais fecundo,Quer criar, mas criar rindo e brincando.

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    27/28EXPRESSES! Abril 2012 | 27

    DO LEITOR................................

    RESERVADO

    [email protected]

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    28/28

    AO LEITOR................................

    Eu j disse uma vez - quando voc deseja alguma coisa, oUniverso no est nem a.

    Jos Danilo Rangel

    [email protected]

    EXPRESSES! - mais que dizer, transmitir.

    http://www.facebook.com/profile.php?id=100003393337268