exposiÇÃo cartazes de propaganda vietnamita · sugestão das mãos como elemento de trabalho...

2
SEMINÁRIO DE COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL EXPOSIÇÃO CARTAZES DE PROPAGANDA VIETNAMITA Vietname Os primeiros registos de uma soberania dinasticamente estruturada no território vietnamita, designada pelo perío- do Hòng Bàng, remontam aos anos 2879 a 258 a.C. O Viet- name fica sob domínio chinês entre 111 a.C. e o ano de 938 d.C., com algumas interrupções, e após a batalha do Rio Bach Dàng (próximo à Baia de Ha Long) mantém-se como país independente até à ocupação da Indochina pelos fran- ceses, em 1859. Neste longo período o poder foi ocupado por 14 dinastias, que consolidaram o território e o expandi- ram, nomeadamente pela apropriação de territórios aos vizinhos Laos e Cambodja. É no decurso da Dinastia Nguyen (1802-1945) que a perseguição feita a populações católicas suscita uma intervenção da França, levando à inclusão, em Outubro de 1887, destes países na Union Indochinoise - que compreendia a Cochinchina, o Annam, o Tonkin, o Laos e o Cambodja, e ainda o porto chinês de Qinzhouwan - colocando o Vietname numa nova ordem, que apenas se virá a extinguir com os acordos de Genebra, em 1954. A presença francesa toma sucessivamente posse da produ- ção de matérias primas dos territórios que ocupa e, em 1897, fazendo uso das disposições do Tratado de Protecto- rado com a França, os poderes do Vice Rei são transferidos para o Resident Superieur em Hanoi, que passa a governar em nome do Imperador, mantendo-se os mandarins que tutelam os distritos sob a autoridade efectiva dos residen- tes franceses, recorrendo a ajustamentos nas figuras da governação até à composição de um governo submetido aos interesses franceses. A submissão do governo dá lugar, em 1861, a uma luta de guerrilha. O tratado de 1862 fixa a tutela de várias partes do território pela França. Com a ocupação japonesa, em 1940, a fragilização do poder fran- cês dá lugar, após a IIª Guerra, à Primeira Guerra da Indo- china, iniciada em Dezembro de 1946 e prosseguindo, de forma sistemática, até à batalha de Dien Bien Phu, entre Março e Abril de 1954, pelas tropas Viet Minh comandadas por Vo Nguyen Giap e fortemente apoiadas pela China. Proclamada a independência por Ho Chi Minh, em 1945, e com a derrota francesa, os acordos de Genebra, em 1954, estabelecem a divisão entre o Vietname do Norte (de inspi- ração comunista) e o Vietname do Sul. A Guerra do Vietna- me confunde-se, afinal, com o conflito da Indochina, her- dado pelos americanos na sequência da saída da adminis- tração colonial francesa, envolvendo-se progressivamente no conflito pelo apoio ao regime anti-comunista de Bao- -Dai. Em 1959 apoia a resistência no Sul através do Laos e do Cambodja. Nos anos de 1964 e 65 a escalada militar americana intensifica-se, atingindo-se em 1968 mais de meio milhão de tropas americanas no terreno, já com uma significativa resistência da opinião pública europeia e ame- ricana. Após a morte de Ho Chi Minh, em 1969, os B52 americanos bombardeiam Hanoi e Haiphong, ininterruptamente, durante 12 dias, sem contudo conseguir a supremacia mili- tar no terreno. Em 1973 é assinado um acordo secreto de paz, em Paris, entre H. Kissinger e Le Duc Tho, que prece- de o fim do conflito, a 30 de Abril de 1975, e dá lugar ao início da reunião dos dois territórios vietnamitas. O incitamento à resistência armada é o ponto de partida para a exploração dos posicionamentos face ao conflito com as potências coloniais e retrata-se numa selecção de reproduções contemporâneas de cartazes dos anos de 60 e 70 da propaganda militar do Vietname do Norte, que não deixando de glorificar, pela evocação, a afirmação nacionalista e marxista-leninista que fundou o regime vietnamita, se transfiguram também em objectos de consumo turístico e de apelo ao exotismo gráfico, permitindo uma multiplicidade de explorações. A compreensão, numa perspectiva intercultural, do valor local da retórica utilizada, leva-nos a considerar a relação da militarização com o mundo rural, a participação feminina e a protecção das crianças, a valorização da literacia, a inclusão de símbolos internacionalistas e o recurso emblemático à diversidade étnica, que se combinam, pontualmente, com a presença de personagens situadas entre a história e o mito, símbolos nacionalistas retomados como figuras de culto.

Upload: others

Post on 21-Nov-2019

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

S E M I N Á R I O D E C O M U N I C A Ç Ã O I N T E R C U L T U R A L

EXPOSIÇÃOCARTAZES DE PROPAGANDA VIETNAMITA

VietnameOs primeiros registos de uma soberania dinasticamente estruturada no território vietnamita, designada pelo perío-do Hòng Bàng, remontam aos anos 2879 a 258 a.C. O Viet-name fica sob domínio chinês entre 111 a.C. e o ano de 938 d.C., com algumas interrupções, e após a batalha do Rio Bach Dàng (próximo à Baia de Ha Long) mantém-se como país independente até à ocupação da Indochina pelos fran-ceses, em 1859. Neste longo período o poder foi ocupado por 14 dinastias, que consolidaram o território e o expandi-ram, nomeadamente pela apropriação de territórios aos vizinhos Laos e Cambodja. É no decurso da Dinastia Nguyen (1802-1945) que a perseguição feita a populações católicas suscita uma intervenção da França, levando à inclusão, em Outubro de 1887, destes países na Union Indochinoise - que compreendia a Cochinchina, o Annam, o Tonkin, o Laos e o Cambodja, e ainda o porto chinês de Qinzhouwan - colocando o Vietname numa nova ordem, que apenas se virá a extinguir com os acordos de Genebra, em 1954.A presença francesa toma sucessivamente posse da produ-ção de matérias primas dos territórios que ocupa e, em 1897, fazendo uso das disposições do Tratado de Protecto-rado com a França, os poderes do Vice Rei são transferidos para o Resident Superieur em Hanoi, que passa a governar em nome do Imperador, mantendo-se os mandarins que tutelam os distritos sob a autoridade efectiva dos residen-tes franceses, recorrendo a ajustamentos nas figuras da governação até à composição de um governo submetido aos interesses franceses. A submissão do governo dá lugar,

em 1861, a uma luta de guerrilha. O tratado de 1862 fixa a tutela de várias partes do território pela França. Com a ocupação japonesa, em 1940, a fragilização do poder fran-cês dá lugar, após a IIª Guerra, à Primeira Guerra da Indo-china, iniciada em Dezembro de 1946 e prosseguindo, de forma sistemática, até à batalha de Dien Bien Phu, entre Março e Abril de 1954, pelas tropas Viet Minh comandadas por Vo Nguyen Giap e fortemente apoiadas pela China.Proclamada a independência por Ho Chi Minh, em 1945, e com a derrota francesa, os acordos de Genebra, em 1954, estabelecem a divisão entre o Vietname do Norte (de inspi-ração comunista) e o Vietname do Sul. A Guerra do Vietna-me confunde-se, afinal, com o conflito da Indochina, her-dado pelos americanos na sequência da saída da adminis-tração colonial francesa, envolvendo-se progressivamente no conflito pelo apoio ao regime anti-comunista de Bao--Dai. Em 1959 apoia a resistência no Sul através do Laos e do Cambodja. Nos anos de 1964 e 65 a escalada militar americana intensifica-se, atingindo-se em 1968 mais de meio milhão de tropas americanas no terreno, já com uma significativa resistência da opinião pública europeia e ame-ricana.Após a morte de Ho Chi Minh, em 1969, os B52 americanos bombardeiam Hanoi e Haiphong, ininterruptamente, durante 12 dias, sem contudo conseguir a supremacia mili-tar no terreno. Em 1973 é assinado um acordo secreto de paz, em Paris, entre H. Kissinger e Le Duc Tho, que prece-de o fim do conflito, a 30 de Abril de 1975, e dá lugar ao início da reunião dos dois territórios vietnamitas.

O incitamento à resistência armada é o ponto de partida para a exploração dos posicionamentos face ao conflito com as potências coloniais e retrata-se numa selecção de reproduções contemporâneas de cartazes dos anos de 60 e 70 da propaganda militar do Vietname do Norte, que não deixando de glorificar, pela evocação, a afirmação nacionalista e marxista-leninista que fundou o regime vietnamita, se transfiguram também em objectos de consumo turístico e de apelo ao exotismo gráfico, permitindo uma multiplicidade de explorações. A compreensão, numa perspectiva intercultural, do valor local da retórica utilizada, leva-nos a considerar a relação da militarização com o mundo rural, a participação feminina e a protecção das crianças, a valorização da literacia, a inclusão de símbolos internacionalistas e o recurso emblemático à diversidade étnica, que se combinam, pontualmente, com a presença de personagens situadas entre a história e o mito, símbolos nacionalistas retomados como figuras de culto.

I L U S T R A Ç Õ E S01 – "Os Reis Hung tiveram o mérito de fundar o nosso País. Devemo-nos esforçar para o defender.” A figura de Ho Chi Minh, dominante e fantas-mática, destaca-se numa parafernália de personagens, equipamentos e silhuetas que representam o esforço de produção agrícola e de construção e o armamento, com a inclusão de destroços dos B52 da Força Aérea Americana. Por detrás da figura de Ho Chi Minh, a réplica da parte supe-rior do mausoléu de Hung Vuong, na província de Phú Tho, representa a primeira dinastia de unificação do Vietname, com o Rei Dúóng Vúóng, identificado como descendente dos fundadores míticos (Lac Long Quân e Âu Có) de Van Lang, o Vietname inicial, que agruparia parte do actual território norte e se estenderia por uma parcela do sul da China. O Gio Tô Hùng Vúóng, tornado feriado oficial desde 2007, é uma comemoração primordialista que celebra a dinastia Hung e tem lugar no 10º dia do 3º mês (lunar) do ano.02 - “Estamos prontos”, fórmula de enunciação da disponibilidade ime-diata para a acção e o combate. Representa-se uma silhueta feminina, com o rosto sombreado, a preto e branco, sobre a estrela do internaciona-lismo.03 - “O Vietname no meu coração”. O cartaz destaca, sobre um fundo vermelho, o rosto de Ho Chi Minh, compondo-o com o mapa do território e, neste, localizando Hanoi; o mapa forma, com o rosto, a idéia de uma ligação entre a nação e o líder, entre o seu perfil e o contorno do País.04 e 05 - "A terra é ouro. Sempre que que os soldados vêm, melhoramos a produção." A representação de um militar, “armado” com uma enxada, contrapõe-se a um jogo constante de permutas entre as armas e a alfaia agrícola, numa linguagem claramente enunciada para a população rural. Veja-se a imagem 5, em que, em reforço, se representa uma mulher armada – figurada como mãe – num troço de terra trabalhada, com a silhueta da aldeia ao fundo: “Guarda a terra, guarda a aldeia”.06 - “Para o futuro dos nossos filhos.” O apelo à educação sob a protecção do exército, vincada com a desproporção na representação das figuras dos militares.07 - “Graças ao Partido e ao Tio Ho, a etnia Dao torna-se alfabetizada". Numa mesma fórmula, o Partido, a figura tutelar de Ho Chi Minh – com a carga de proximidade e senioridade atribuída à designação de Tio (Chú) - propõem a alfabetização, nomeadamente a feminina. Com uma popula-ção actual de quase meio milhão de pessoas, a maior parte dos quais com fortes ligações à ruralidade, os Dao são uma das 54 etnias reconhecidas no Vietname, encontrando-se também na China, no Laos e na Tailândia. A disputa, no período da Guerra, pelo alinhamento destas comunidades com os Viet Minh ou com os Americanos desencadeou, no Vietname como no Laos, fortes migrações no pós-guerra, nomeadamente para os EUA.08 - “Na senda das irmãs Trúng, varra-se o inimigo”. No ano 40 d.C., a execução de um senhor feudal desencadeia a união das diferentes chefa-turas locais sob o comando da viúva e da cunhada (as irmãs Trúng), que afastam o governador chinês e se assumem como rainhas de um Vietna-me independente. Três anos mais tarde os chineses contra-atacam e derrotam os vietnamitas; as irmãs Trúng terão preferido o afogamento no Hat Giang à rendição, episódio cuja celebração evoca a união para a resis-tência e a primeira afirmação da nacionalidade. A figura compõe a refe-

[htt

p://

ww

w.ta

lkin

gpro

ud.u

s/M

ilita

ry/B

anLa

boy/

BanL

aboy

/Ban

Labo

yHis

tory

.htm

l]

[htt

p://

ww

w2.

need

ham

.k12

.ma.

us/n

hs/c

ur/w

wII

/08/

p4-0

8/p4

-sd/

Toby

-Dec

ker1

.htm

l]

[htt

p://

ww

w.v

ietn

ambe

stto

urs.

com

/Vie

tnam

-Map

/]

rência às irmãs, montadas em elefantes e em atitude beligerante, símbolo de oposição ao domínio chinês, e coreografa minorias, mulheres, homens e crianças, intelectuais, trabalhadores rurais e operários integrando os militares e, nestes, os vários ramos: pilotos, soldados e marinheiros. Um discurso, pela enumeração da diversidade, invocativo da convergência da diversidade popular na unidade nacional ao redor das duas figuras mitifi-cadas.09 - "Parabéns pela reunificação do Vietname." Cartaz comemorativo do Dia da Libertação, ou Reunificação (Thô'ng Nhâ't); refere-se mais objec-tivamente à tomada de Saigão (hoje, Ho Chi Minh) pelas tropas Viet Minh, em 30 de Abril de 1975. Feriado oficial, é comemorado pelos oposi-tores ao regime, fora do Vietname, como o "Abril Negro."10 e 11 - “A vitória de Dien Bien [Phu], após 9 anos de guerra de resistên-cia, é uma coroa de louros e uma página de ouro da [nossa] História.” A data [7.5.1954] assinala a derrota francesa que precipita os acordos de Genebra e, com eles, a delimitação do país em dois blocos, Norte e Sul, partes doravante em conflito. O cartaz 11, com a bandeira arvorada como símbolo de vitória, agrupa três militares - um dos quais uma mulher – legendando três entidades e uma data: “Vietnam – Ho Chi Minh – Dien Bien Phu 7.5.1954”; a nação, o líder e a batalha, como sinónimos de unidade e vitória.12 – “O Partido para as pessoas - nós seguimos a Partido". Uma figuração de apoteose festiva, com a carga de género, função e etnicidade em primeiro plano. A etnicidade recorre frequentemente à folclorização pelo vestuário ou pelos usos que mais facilmente identificam os personagens: estão presentes figuras das etnias Hmong e Dao.13 - “Tantos aviões derrubados - tantos pilotos inimigos capturados." A sugestão das mãos como elemento de trabalho associa a condução dos prisioneiros, no recorte das figuras, à figuração dos aviões americanos em queda.14 - "Uma boa safra e uma temporada de vitórias." Datado de 1967, o cartaz retoma a continuidade entre o trabalho rural e o conflito armado, recorrendo ironicamente à noção de “boa colheita”, tanto na produção agrícola como nos aviões americanos abatidos, cujos destroços se fazem também deslocar nos carros de lavoura.15 - “As guerrilheiras do Sul são verdadeiramente corajosas.” A exaltação da guerrilha mantida no Vietname do Sul, renovando-se o apelo à partici-pação feminina.16 - "Mantendo uma Lua pacífica para as crianças". Graficamente a imagem apela a uma lua cheia, um cenário de brincadeira e, mais uma vez, o soldado vigilante e protector. As pombas e a bandeira incluem a referência internacionalista. A "Torre da Tartaruga" (Thap Rua), no centro do lago Hò Hoàn Kiém, retoma o mito da espada entregue por uma tartaruga dourada (Kim Qui) para combater os invasores chineses que volta, mais tarde, a ser devolvida às águas pelo Imperador.

F I C H A T É C N I C A : Apresentação: José Pacheco Pereira.Cartazes: Rui Simões; Textos: Rui Simões, Carlos Nuno, Paulo Moura; Concepção Gráfica: João Abreu; Montagem: Fátima Costa e Mário Mascarenhas.