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III ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Negócio da música em tempos de interatividade
30 de agosto a 1º de setembro de 2011 – Faculdade Boa Viagem–Recife-PE
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EXPLOSÃO COLORIDA1 A incorporação da estética da Arte Pop pela música tropicalista
Carlos André Carvalho2 Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE
Resumo: O presente trabalho tem como finalidade mostrar as influências da Arte Pop, sobretudo a norte-americana, nas letras das músicas e nas posturas dos artistas tropicalistas em relação aos meios de comunicação de massa. O trabalho está dividido em três partes: a primeira faz um resumo do que foi Tropicalismo no contexto da década de 1960 no Brasil. Na segunda parte explica-se, em linhas gerais, o que foi a Arte Pop e aponta suas influências nas artes plásticas no Brasil. Na terceira parte são expostas as convergências entre Arte Pop e Tropicalismo.
Palavras-chave: Tropicalismo 1, Arte Pop 2, Música Popular 3, Artes Plásticas 4, Influências
Tropicalismo: a saída para o impasse
Na segunda metade da década de 1960, a música brasileira entrava num impasse. A
força inovadora da Bossa Nova – a possibilidade de se fazer uma leitura sofisticada e
universal do samba – já não estava mais no auge. Os continuadores da Bossa Nova
descambavam para a chamada música de protesto. Os maiores nomes do movimento, como
Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra e Roberto Menescal, voltaram-se para o mercado
estrangeiro, principalmente o americano.
Na vertente oposta, a Jovem Guarda, versão local do rock britânico e norte-americano,
batizada aqui de iê-iê-iê, não primava pela originalidade. Nas rádios e na TV, Roberto Carlos
era obrigatório. No rastro dele seguiram Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Erasmo Carlos,
Vanderléa, Martinha e outros. A televisão se firmava como opção de lazer, criando os seus
primeiros ídolos e a turma do “e uma brasa, mora?” dominava cada vez mais o cenário
musical. Isso despertava a ira de outros artistas, como Elis Regina, que chegou a organizar
uma passeata contra as guitarras, com apoio de outros artistas.
1 Trabalho apresentado ao GT (Nº 1): Memória e história midiática da música, do III Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 30 de agosto a 1º de setembro de 2011, na Faculdade Boa Viagem, em Recife-PE. 2 Doutorando em Comunicação Social, professor de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Universidade Salgado de Oliveira, da Faculdade Pernambucana e da Faculdade Joaquim Nabuco , todas no Recife. Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/2026136411834964. E-mail: [email protected].
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O Tropicalismo, que nasce em outubro de 19673 – ainda sem ser batizado com este
nome – e chega ao fim em dezembro de 1968, implode a questão quando faz a ponte entre
esses dois movimentos – a Bossa Nova e a Jovem Guarda – aparentemente inconciliáveis. A
liberdade formal do Tropicalismo surge como um sopro de novidade. Estendia-se desde a
escolha dos ingredientes de sua geléia geral – de Vicente Celestino aos Beatles, passando,
claro, por João Gilberto.
O Brasil, então há três anos sob a Ditadura Militar, era governado pelo marechal
Arthur Costa e Silva, que havia assumido em março de 1967 e governou até agosto do ano
seguinte, quando foi afastado por motivos de saúde. Logo nos primeiros meses de governo,
época que coincide com o início do Tropicalismo, o marechal enfrenta uma onda de protestos
que se espalham por todo o País. O autoritarismo e a repressão recrudescem na mesma
proporção em que a oposição se radicaliza.
Crescem, então, as manifestações de rua nas principais cidades brasileiras, em geral
organizadas por estudantes. É nessa época que começa a ganhar corpo o Tropicalismo, um
projeto coletivo que, a partir do núcleo inicial do “grupo baiano” (Caetano, Gal, Gil, Capinan)
envolveria ainda o poeta Torquato Neto, o arranjador Rogério Duprat, a cantora carioca Nara
Leão e Grupo paulista Os Mutantes no plano musical. Caetano Veloso ficara impressionado
com as imagens do filme Terra em Transe, de Glauber Rocha. Um novo impacto foi O Rei da
Vela, a peça do escritor modernista Oswald de Andrade, dirigida por José Celso Martinez
Correa (CALADO, 1997, p. 24)
Depois, entrou em contato com o poeta Augusto de Campos e a poesia concreta, para,
através dos concretistas chegar aos explosivos manifestos de Oswald, o ideólogo do
movimento artístico-literário batizado de antropofagia e uma das principais figuras da
histórica Semana de Arte Moderna, de 1922.
A partir de sua prática poética e de seus manifestos, Oswald combatia a arte exótica,
colonizada, “de importação”; e pregava que só a “devoração crítica”, antropofágica, da cultura
estrangeira, permitiria a criação, entre nós, de uma arte original, “de exportação”. Tal postura
crítica diante da influência externa havia norteado os trabalhos de João Gilberto e da poesia
concreta. A essa linhagem antropofágica, recusando o nacionalismo ingênuo e o
conservadorismo estético, vai juntar-se o Tropicalismo.
3 As apresentações das músicas Domingo no Parque, de Gilberto Gil, e Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, no 3º Festival de Música Popular Brasileira, da TV Excelsior, mas só batizado de Tropicalismo em fevereiro do ano seguinte, por Nelson Motta. Até então, era conhecido apenas como “som universal”.
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O fim do Tropicalismo se dá com a prisão e o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil
em Londres, em dezembro de 1969, depois da decretação do Ato Institucional nº 5, o AI-5,
em 13 de dezembro, por conta de uma série de incidentes que até hoje nunca ficaram
esclarecidos. Mais abrangente e autoritário do que todos os outros atos institucionais, o AI-5
na prática revogava os dispositivos constitucionais de 1967.
Como um acontecimento na música popular brasileira, os exercícios experimentais
tropicalistas marcaram definitivamente seu nome na história cultural do país como um dos
mais revolucionários movimentos artísticos desde a Semana de Arte Moderna. Céticos quanto
ao discurso da política cultural do governo e à produção de uma arte pedagógica, como
propunham os artistas engajados, os tropicalistas tinham consciência de que sua arte não
podia agir pelo povo.
A construção poética adotava a “colagem” de diferentes tipos de linguagens,
provocando um verdadeiro confronto de vozes e pontos-de-vista. Todas as linguagens
importantes dentro da composição tropicalista mantinham seus significados próprios e não se
sobrepunham uma à outra.
A poética do movimento, composta por uma combinação de informações e estilos
diversos, opta pelo apagamento das fronteiras, atuando num espaço intersemiótico da criação,
em que coexistem simultaneamente diferentes linguagens (poesia e música, canto e fala,
música e gesto, poesia e dança, corpo e voz, gesto e roupa). A estética se constrói com base na
pluralidade de vozes e discursos, mesmo que seja para subverter tais discursos, alimenta-se da
variedade de idéias, de informações, de pontos-de-vista e de suportes tecnológicos
(CARVALHO, 2008, p. 64).
O escritor José Ramos Tinhorão lembra que o grande erro de perspectiva do poder
militar, ao insugir-se contra a irreverência e o deboche do Tropicalismo, através da medida
política de expulsão de Caetano e Gil, foi não perceber que, afinal, a proposta dos baianos
correspondia exatamente, no plano cultural, ao da filosofia de atualização tecnológica
programada pelo movimento de 1964 no plano econômico.
De fato, ao anunciarem o propósito de casar o instrumental elétrico importado dos
países mais desenvolvidos com a matéria-prima musical kitsch ou subdesenvolvida,
que constituíam a realidade cultural a superar – afastando assim, desde logo, o
esquema nacional da “folclorização” – os tropicalistas nada mais faziam do que
repetir a política da queima de etapas propostas desde 64 pelo Ministro do
Planejamento, Roberto Campos, com seu plano de liquidação ou absorção das
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rudimentares estruturas de produção nacionais, através da importação de indústrias
e pacotes de tecnologia estrangeiros” (TINHORÃO, 1986, p. 249)
Quanto à identidade fundamental entre os dois projetos, ou seja, o modelo político-
econômico imposto pelos militares e o cultural propostos pelos tropicalistas, segundo
Tinhorão, o futuro viria comprová-la através de seus resultados: enquanto pela introdução das
guitarras elétricas na música popular mais requintada o Tropicalismo abriu caminho para a
dominação do rock internacional a partir da década de 1970 entre a juventude universitária, a
abertura ao capital e ao know-how estrangeiros conduziria o País à dominação econômica e
financeira pelas multinacionais.
O que Tinhorão não levou em conta foi que as guitarras elétricas não eram o motivo
principal do regime militar ter transformado Caetano e Gil em bodes expiatórios. Uma rede de
informações, deturpadas, formadas por nacionalistas xenófobos foi muito eficaz, agindo junto
ao regime. Uma série de boatos a respeito do comportamento de Caetano e Gil é que os levou
à prisão e depois ao exílio.
Arte Pop: a repetição como crítica
A Arte Pop, movimento artístico que nasceu na Inglaterra, em meados da década de
1950 em oposição ao expressionismo abstrato, estilo dominante até então, caracteriza-se por
uma linguagem abstrata que valoriza as imagens figurativas e reproduz objetos do cotidiano
em tamanho consideravelmente grande. “A fonte de inspiração para os artistas ligados a este
movimento era o dia-a-dia das grandes cidades, pois sua proposta era romper qualquer
barreira entre a arte e a vida comum” (PROENÇA, 2008, p. 349).
O que interessava eram as imagens, o ambiente que a tecnologia industrial criou nos
grandes centros urbanos. Os recursos expressivos desta corrente estética eram semelhantes
aos dos meios de comunicação de massa. “(...) seus temas são os símbolos e os produtos
industriais dirigidos às massas urbanas: lâmpadas elétricas, pastas de dente, automóveis,
sinais de trânsito, eletrodomésticos, enlatados e até mesmo a imagem de grandes estrelas do
cinema norte-americano, que também é consumida em massa nos filmes, nas tevês e nas
revistas” (PROENÇA, 2008, p. 349).
Para Carol Strickland (2004, p. 174), a Arte Pop elevou a ícones os mais crassos
objetos de consumo, como hambúrgueres, louça sanitária, cortadores de grama, estojos de
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batom, pilhas de espaguete e celebridades como Elvis Presley. “Os artistas pop também
faziam arte impessoal, reproduzindo garrafas de Coca-Cola ou caixas de sabão em pó num
estilo anônimo, lustroso como um impresso” (STRICKLAND, 2004, p. 174).
A lustrosa familiaridade das obras eram assimiladas pelas cores brilhantes, os
desenhos dinâmicos – muitos deles em tamanho ampliado – e a qualidade mecânica. No início
da década de 1960, a Arte Pop virou um fenômeno de marketing tanto quanto um movimento
artístico.
Os artistas defendiam uma arte popular (pop) que se comunique diretamente com o
público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cerca a cultura de massa e
a vida cotidiana. A defesa do popular traduz uma atitude artística contrária ao hermetismo da
arte moderna. Nesse sentido, a Arte Pop se coloca na cena artística que tem lugar em fins da
década de 1950 como um dos movimentos que recusam a separação arte/vida e consegue ao
incorporar as histórias em quadrinhos, a publicidade, as imagens televisivas e o cinema.
A primeira obra considerada verdadeiramente Arte Pop4 foi a colagem de Richard
Hamilton intitulada “O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?”,
de 1956. O quadro carrega temas e técnicas dominantes da nova expressão artística. Nele, o
artista retrata um cenário onde eletrodomésticos, histórias em quadrinhos e embalagens de
produtos dividem a cena com um casal em uma sala de estar. A composição da cena
doméstica é feita com o auxílio de anúncios tirados de revistas de grande circulação.
Os pedaços de anúncios que compõem a cena são descolados de seus contextos e
transpostos para a obra de arte, mas guardam a memória de seu locus original. Ao aproximar
arte e design comercial, Richard Hamilton borra, de propósito, as fronteiras entre arte erudita
e popular, ou entre arte elevada e cultura de massa.
Hamilton, em 1957, definiu os princípios da nova sensibilidade que vinha despontando
no cenário artístico. Ao lado dele, outros artistas e críticos que faziam parte do Independent
Group lançam as bases da nova forma de expressão artística, que se aproveita das mudanças
tecnológicas e da ampla gama de possibilidades colocada pela visualidade moderna, que está
no mundo (ruas e casas) e não só em museus e galerias. Hamilton enumerou as características
da arte que ele apreciava da seguinte forma: “popular (feita para o grande público); efêmera
(extinção em curto prazo); descartável (facilmente esquecível); barata; produzida em massa;
4 O termo pop art para denominar a nova corrente estética que nascia na década de 1950 foi cunhado pelo crítico britânico Lawrence Alloway (1926/1990). Pop art é uma abreviação do termo inglês “popular art” (arte popular). Não significa arte feita pelo povo, mas produzida para o consumo de massa.
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jovem (dirigida para a juventude); espirituosa; sexy; ‘macetada’; glamourosa; big business”
(FARTHING, 2010, 485).
Ao contrário do que sucede na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos os artistas trabalham
isoladamente até 1963, quando duas exposições em Nova York reúnem obras que se
beneficiam do material publicitário e da mídia. É nesse momento que os nomes de Andy
Warhol, Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, James Rosenquist e Tom Wesselmann surgem
como os principais representantes da Arte Pop nos Estados Unidos. Sem programas ou
manifestos, seus trabalhos se afinam pelas temáticas abordadas, pelo desenho simplificado e
pelas cores saturadas. A nova atenção concedida aos objetos comuns e à vida cotidiana
encontra seus precursores na antiarte dos dadaístas e surrealistas.
É importante salientar que por trás do colorido da Arte Pop esconde-se uma crítica
mordaz à sociedade de consumo. Isso fica bem claro não só nas obras, mas nos gestos e
comentários de Andy Warhol, um dos mais importantes artistas norte-americanos, que
começou como um bem-sucedido ilustrador de propaganda de sapatos.
“Depois que você vê o pop”, disse Warhol, “não pode mais ver os Estados Unidos da mesma
maneira”. Warhol não só forçou o público a reexaminar as cercanias de seu cotidiano, mas
marcou a perda de identidade na sociedade industrial. (...) Embora os trabalhos de Andy
Warhol sejam imediatamente identificáveis, ele se opunha ao conceito de arte como objeto
feito à mão expressando a personalidade do artista. Ao fazer arte a partir do cotidiano, em suas
múltiplas imagens repetidas infinitamente como nos anúncios de saturação, ele trouxe a arte
para as massas. Se a arte reflete a alma da sociedade, o legado de Warhol é nos levar a ver a
vida americana como repetitiva e despersonalizada. “Andy mostrou o horror do nosso tempo
tão resolutamente quanto Goya em sua época”, disse o pintor contemporâneo Julian Schnabel
(STRICKLAND, 2004, p. 175)
No final da década de 1960 a Arte Pop começou a esmorecer, embora vários artistas
continuassem a produzir bons trabalhos nesse estilo ou em estilo parecido nas décadas
seguintes. De acordo com Stephen Farthing (2010, p. 487), algumas obras ficaram tão ligadas
à época em que foram criadas que seu maior valor nos dias de hoje é como objeto de
nostalgia. Mas, ainda segundo ele, a Arte Pop, além de um dos primeiros movimentos
artísticos pós-modernos, também foi a primeira tentativa séria de se enfrentar o problema de
qual é o lugar do artista e do seu produto (a obra de arte, assinada pelo autor) no moderno
mundo do consumo e da comunicação de massa.
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No Brasil, a Arte Pop na área plástica chega com a IX Bienal de São Paulo, em 1967.
O evento permitiu, entre outras coisas, uma apreciação direta de trabalhos inovadores da
vanguarda internacional. Considerada por muitos uma das mais marcantes da história das
bienais internacionais de São Paulo, o evento teve como ponto alto o pavilhão dos Estados
Unidos (COUTO, 2004, p. 217), que reuniu obras de 21 artistas contemporâneos ligados,
direta ou indiretamente, à Arte Pop. Os destaques eram os trabalhos de Rauschenberg,
Lichtenstein, Oldenburg, Segal, Warhol, Rosenquist, Indiana e Tom Wesselmann.
Ainda segundo Maria de Fátima Couto, para diversos críticos brasileiros, o
aspecto verdadeiramente revolucionário dessa edição da bienal foi o caráter interativo da
grande maioria dos trabalhos expostos. “O contato com a obra, agora, não se resumia mais a
uma simples contemplação passiva; o espectador era solicitado a manuseá-la, tocá-la e, por
vezes, a participar de sua formulação. A receptividade do público a tal proposta pôde ser
avaliada pelo número de trabalhos avariados ao final do evento” (COUTO, 2004, p. 217).
Para o crítico Mário Pedrosa, o convite à participação do expectador neste evento
levava ao rompimento com a noção de “distância psíquica”, noção essa que marcava a época
moderna. Um ano antes, ou seja, em 1966, Mário Pedrosa emprega, de forma pioneira, o
termo pós-moderno para conceituar a nova era que começava a partir da aceitação
generalizada da Arte Pop e da consolidação da cultura de massas.
Com todos os seus defeitos, a Bienal deste ano em São Paulo é uma data. Marca a
transição para algo de novo, em dois sentidos: de um lado, no comportamento do
público; do outro, na atitude dos artistas em relação ao próprio trabalho criativo. O
público que, em número crescente, a vem freqüentando não só é hoje
incomparavelmente mais vasto como não se restringe mais ao pequeno grupo dos
entendidos e privilegiados nos arcanos da Arte. Agora, é o grande público, a massa,
o povo que começa a perambular, a olhar e a mexer pelas exaustivas extensões do
outrora pavilhão das máquinas das comemorações do IV Centenário de São Paulo
(PEDROSA, 1986, p. 187).
Ao discutir a Arte Pop é impossível dissociá-la da propaganda e da produção de
massa. E Pedrosa foi o primeiro crítico brasileiro a atentar para isso. Ele censurava de forma
enfática o poder avassalador do mercado e da indústria da propaganda e sua tentativa de
transformar o artista em um trabalhador produtivo. O artista, que antes era um produtor
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individual independente – “um fazedor de objetos, um produtor de coisas não expressamente
solicitadas” – passou a trabalhar, depois da Arte Pop, de acordo com as injuções do mercado.
A obra de arte, em sua essência “o único objeto que não pode existir senão como
produto de si mesmo”, transformava-se em mercadoria, em “um objeto de consumo
transitório como o automóvel, a unha e a cabeleira postiças” (PEDROSA, 1986, p. 187). A
crítica de Pedrosa era principalmente ao otimismo ou o conformismo complacente dos artistas
pop norte-americanos, que, inspirados pela função da propaganda, “que estimula acima de
tudo o positivo das motivações para o consumo”, repeliam o comentário e a narrativa. Na
opinião do crítico, o pior era o fato de esses artistas não serem ingênuos idealizadores de seus
temas ou assuntos. Ou da realidade.
“Eles pertencem de corpo e alma ao meio de onde tiram seus assuntos, e têm pleno
conhecimento do que fazem, porque todos foram ou são formados em arte comercial, ou na
arte da publicidade. Não são artistas, porque são técnicos da produção de massa. São
especialistas que trabalham (ou trabalharam) para a atividade decisiva da civilização
americana: o consumo de massa” (PEDROSA, 1986, p. 177). Para o crítico, o clima
predominantemente pop é marcado por uma “vulgaridade viril do comércio e da propaganda.
No Brasil, sugestões da Arte Pop foram trabalhadas na década de 1960 por Antonio
Dias, Rubens Gerchman, Claudio Tozzi. No entanto a incipiente proliferação no Brasil dos
meios de comunicação de massa, na década de 1960, leva, paradoxalmente, esses artistas a
aproximar técnicas da arte pop (silkscreen e alto-contraste) a temas engajados politicamente.
Arte Pop e Tropicalismo O Tropicalismo foi, antes de tudo, um movimento intersemiótico. As músicas do
repertório tropicalista dificilmente valem por si, dão quase sempre a impressão de serem
versões de tantas coisas já vistas em outras formas de arte, além da música. Foi a “síntese-
relâmpago que se deu pela simples exposição”, como bem definiu o sociólogo Celso
Favaretto. “A problemática do Tropicalismo é de linguagem acima de tudo. O Tropicalismo é
carnavalesco e se define, como estilo, pelo entrecruzamento de várias linguagens”
(FAVARETTO, 2000, 128). O Tropicalismo levou às últimas conseqüências a invenção,
explorando em múltiplas dimensões o diálogo entre várias manifestações da arte: cinema,
teatro, música, poesia e também as artes plásticas, inclusive a Arte Pop.
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Como mostrado acima, quando surge o Tropicalismo a Arte Pop já havia sido
assimilada por artistas plásticos brasileiros, inclusive alguns que foram precursores do
Tropicalismo, como Hélio Oiticica e Rubens Gerchman. A finalidade deste trabalho, portanto,
não é apontar o grupo tropicalista – da área musical – como precursores da estética da Arte
Pop na música – mesmo porque não seria difícil provar que outros compositores
anteriormente podem ter feito isso –, mas mostrar que Caetano, Gil, Torquato Neto, Tom Zé e
Capinan, o fizeram conscientemente, sabendo que o que estavam fazendo e não de forma
intuitiva.
As manifestações pop nas artes plásticas chamaram a atenção do grupo de
compositores tropicalista antes mesmo do movimento ganhar nome. No Brasil daquele
momento, música pop passava a significar a que incorporava os conceitos teoricamente
elaborados pelos artistas pop. Em 20 de outubro de 1967, pouco tempo depois de ver sua
música “Domingo no Parque” classificada no 3º Festival de Música Popular Brasileira, da TV
Record, Gilberto Gil, numa entrevista ao Jornal da Tarde, dá uma verdadeira aula do que
seria música pop. E o conceito de Gil não foge das pretensões dos artistas pop.
– Pop – vem de popular que, em inglês, tem a mesma grafia e significado que em
português – explica Gil. Veio para a música como para as artes plásticas, a Pop Art.
É a arte do consumo. É a utilização, na criação artística, dos dados fornecidos pelos
fatores de formação de um mercado de consumo. É a arte que procura concentrar na
sua criação os elementos importantes na psicologia das massas, principalmente nos
grandes centros urbanos onde o crescimento cada vez maior da classe média
padroniza e simplifica os costumes, os valores culturais. A arte pop é a arte de
seleção do que é mais direto, incisivo e importante para ser visto ou ouvido pelas
pessoas.
Música pop é a música que consegue se comunicar – dizer o que tem a dizer – de
maneira tão simples como um cartaz de rua, um outdoor, um sinal de trânsito, uma
história em quadrinhos. É como se o autor estivesse procurando vender um produto
ou fazendo uma reportagem com texto e fotos. A canção é apresentada de maneira
tão objetiva que, em poucos versos e usando recursos musicais e montagens de
sons, consegue dizer muito mais do que aparenta (RISÉRIO, 1982, p. 17)5
5 Publicado originalmente na edição do Jornal da Tarde de 20 de outubro de 1967..
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Caetano Veloso, por sua vez, admitiu sem maiores problemas, a realidade da
dominação cultural estrangeira em marcha6, e partiu para a busca de um estilo de música
equivalente, dirigida aos jovens de nível universitário de sua geração. Em 1968, em plena
efervescência tropicalista, ele admitia: “Eu comecei a sentir a necessidade de fazer esse tipo
de música há um ano e meio mais ou menos. Sabe de uma coisa? A estrutura da música
brasileira estava ficando muito clássica. Foi por esse motivo justamente que era preciso vir a
renovação” (TINHORÃO, 1997, p. 258).
(...) Quem veio a realizar o gesto que deu sentido nítido a essas tendências – quem
veio a fazer a série de retratos de Marilyn (e de Elvis) – foi Andy Warhol, por isso
credito a ele um tipo de percepção que desenvolvi (e desenvolvi muito pouco, pois,
quando mais tarde tudo veio à tona, alguns amigos meus já tinham ido muitíssimo
mais longe) antes de aprender sequer o seu nome. É como se Marilyn tivesse
existido apenas para ser personagem do mundo de Warhol e cmo se pudéssemos
dizer, parafraseando Oscar Wilde sobre Balzac, que o século XX, tal como o
conhecemos, é uma criação de Andy Warhol. Claro que, a partir de um ponto,
mesmo sem conhecer-lhes os nomes, eram já influências indiretas dos artistas pop
americanos que atingiam através do que via e lia – e mesmo ouvia em conversas –
de artistas e escritores brasileiros mais informados ou melhor formados do que eu.
(VELOSO, 1997, p. 33).
O compositor acrescenta, ainda, que se, por um lado, não tinha contato direto com a
Arte Pop americana, por outro, ele não contava com a fórmula antropofágica de Oswald de
Andrade. O que ele chama de “aventuras da sensibilidade” se deram num grande vazio. Para
Veloso, Gilberto Gil tinha uma identificação natural com o material vulgar da publicidade,
uma identificação que Veloso não participava. “(...) bastando dizer que ele fazia jingles desde
63 em Salvador, e eu, até hoje, não apareci em um anúncio sequer, nem mesmo permiti que
qualquer canção minha fosse usada para fins publicitários (...) (VELOSO, 1997, p. 256).
Assumida conscientemente a posição de ídolos da sociedade de massa, Gil e Caetano
não se detêm na cômoda posição do binômio produção/consumo, como faziam os artistas da
Arte Pop norte-americana. Vão mais além. Ambos violam os códigos estabelecidos, como a
Bossa Nova – cuja linguagem inovadora acabara por se “institucionalizar” – que é
rapidamente assimilada, criticada e “deglutida”, no sentido oswaldiano, por eles.
6 “Porque não sou nacionalista, e não advogo nenhum nacionalismo...”, disse Caetano numa entrevista à revista Bondinho, em 1972.
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O Tropicalismo começou discutindo a questão da criação artística num sistema
industrial, assim como o fez a Arte Pop. Não temia o desafio dos meios eletrônicos de
comunicação, nem desprezava a “cultura de massa”, tradicionalmente tratada pelos elitistas
como algo inferior e repetitivo, incapaz de gerar novas formas culturais e estéticas. O
movimento, no entanto, foi buscar a outra metade da verdade, sem a qual a primeira se torna
inútil: ao tempo em que exige a padronização, o mercado exige também que os produtos
lançados tenham algo de inconfundível. Exige a novidade.
Como em todo o mundo em desenvolvimento, os ícones da indústria cultural dos
Estados Unidos – e isso inclui também as estrelas de Hollywood e os heróis das histórias em
quadrinhos – são comuns no Brasil desde a Segunda Guerra Mundial. “Várias músicas
tropicalistas lembram essas figuras de forma similar à Arte Pop norte-americana, como as
reproduções em linha de montagem dos retratos de Marilyn Monroe elaboradas por Warhol, e
as dramáticas pinturas no estilo dos quadrinhos de Roy Lichtenstein (DUNN, 2009, p. 127).
O mesmo autor, citando Canclini (1990, p. 314), lembra que na qualidade de “gênero
impuro”, que combina culturas icônicas e literárias e exerce um apelo que transcende as
fronteiras entre as classes, os quadrinhos exemplificam o tipo de práticas culturais híbridas
surgidas com a modernização e a urbanização.
Mas onde estão os ecos da Arte Pop – sobretudo a norte-americana – nas letras das
canções tropicalistas? Em “Alegria, Alegria”, de Caetano, por exemplo, elas aparecem nas
colagens não só no tipo de linguagem fragmentada utilizada – a letra é toda concebida como
se fosse uma colagem –, mas pelas palavras novas, nunca antes usadas lado em uma música
no Brasil que dão um sentido de novidade e flagram a realidade do Brasil de então (bombas,
Brigitte Bardot, caras de presidentes, beijos de amor, dentes , Coca-Cola, pernas, bandeiras).
O ouvinte internaliza essas imagens como se estivesse diante de uma obra da Arte Pop.
Já crítica à sociedade de consumo feita pelos artistas pop norte-americanos através da
reprodução colorida em série de produtos (sopas enlatadas, refrigentes, Coca-Cola, sabão em
pó etc.), no Tropicalismo se dá através de letras como a de “Super-bacana”, também de
Caetano, em que são inseridos nomes de produtos como o antigripal Superhist, personagens
de histórias em quadrinhos (Legião dos super-heróis, Tio Patinhas), tudo isso para o eu-lírico
se afirmar como super-bacana.
Em “Domingo no Parque”, de Gil, o compositor narra um crime como numa
reportagem policial, um crime que houve num parque, conseguindo dar o ambiente e a reação
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dos personagens diante dos problemas em pouco espaço de letra e música. Gil resume, logo
depois da apresentação da música no festival, fez questão de comentar a letra:
Joga palavras, música, som, idéia, numa montagem, dentro dos moldes da arte de
comunicação moderna: o layout, a arrumação, a arte final. Assim, enquanto ele
simplesmente narra o fato, o ouvinte pode tirar as conclusões e interpretar as reações
dos personagens. João, apesar de ser o operário bronco, é o bom. É capaz de deixar a
capoeira e ir namorar, comprar sorvete, andar de roda gigante. José, sempre sorridente
na feira, condição subserviente imposta pela profissão, no fundo é um fraco, incapaz
de lutar pelo que quer, pela mulher amada. Por isso ele mata ao se encontrar ante um
fato que o faz ter consciência de que é, realmente um homem incapaz de agir
(RISÉRIO, 1982, p. 18).
Assim como Gil, a violência urbana é mostrada pela Arte Pop americana através de
quadros como “Tumulto racial vermelho” (1963), concebida a partir de um fotografia
“surrupiada” de um jornal”, e “Carro verde em chamas”, do mesmo ano, ambas de Warhol.
Na canção “Tropicália”, Caetano Veloso constrói um monumento fictício em que
alguns elementos usados remetem também à Arte Pop, começando pelos materiais usados (“O
monumento é de papel crepom e prata”).
A própria palavra que batiza a música foi tirada do nome de uma instalação do artista
plástico neoconcreto Hélio Oiticica, que foi influenciado pela Arte Pop. Com a música
“Tropicália”, Caetano Veloso constrói uma imagem “grotescamente monumentalizada” do
Brasil, alternando “festa e degradação” (FAVARETTO, 2000, p. 56). A visão pop que o
compositor arquiteta é composta por uma intricada rede de associações que se contrastam.
Mas equiparar elementos supostamente antagônicos fazia parte da proposta estética do
Tropicalismo, que com isso combatia a simplificação da esquerda mais radical, que
classificava tudo em termos de “certo” e “errado”. O Tropicalismo concebia a realidade
brasileira como algo complexo e contraditório.
De acordo com Christopher Dunn (2009, p. 114), a menção a Carmen Miranda na
música “Tropicália”, segundo Caetano Veloso, “era como Andy Warhol colocando a lata de
sopa na pintura”. Vale lembrar, ainda, que quando o compositor diz “no pulso esquerdo bang
bang”, remete o ouvinte ao quadro Elvis I e II (1964), de Warhol, que mostra o cantor Elvis
Presley, vestido de caubói empunhando um revólver.
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O compositor Tom Zé, no seu disco tropicalista de 1968, incluiu uma música que já no
título traz uma referência à Arte Pop, “Catecismo, creme dental e eu”. Até então, não era
comum a inclusão de produtos de consumo em letras de música, inclusive no título. “(...) Pois
um anjo do cinema/ já revelou que o futuro / da família brasileira / será um hábito puro/ Ah!”.
Utilizando a paródia, o compositor, nos versos finais, faz uma referência clara aos comerciais
do creme dental Kolynos, remetendo o ouvinte ao mundo da publicidade. É uma crítica ao
consumo nos mesmos moldes que faziam os artistas da Arte Pop, só que utilizando-se um
veículo diferente para isso, a música midiática.
Nas paródias tropicalistas, sempre aparecem duas orientações significativas, duas
vozes, que nunca seguem a mesma orientação, mas se opõem e rivalizam uma com a outra.
Os compositores apropriam-se de vários discursos, mas em seguida os hostiliza. Noutras
palavras, “toma a palavra indefesa e sem reciprocidade do outro e a reveste da significação
que ele, o autor, deseja, obrigando-a a servir aos seus novos fins” (BAKHTIN, 2005, p. 168).
Para Bakhtin, a marca fundamental da paródia é o seu caráter polifônico, que a faz
absorver um texto para depois repeli-lo recriando-o num modelo próprio. Ela não se reduz a
uma mera repetição do texto primitivo, mas soa como um eco deformado e as palavras do
outro se revestem de algo novo, tornam-se bivocais.
Mas as convergências entre a Arte Pop norte-americana e o Tropicalismo não ficam
apenas nas letras das canções. O comportamento dos compositores que integravam o
movimento – sobretudo Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé – nas aparições que faziam
nos meios de comunicação de massa da época eram também pop. Plenamente conscientes de
que fazem parte de um novo contexto cultural em que a comunicação de massa é peça
indissociável, e como parte integrante desse universo, o grupo tropicalista queria se adequar
às condições, sem deixar, entretanto, de serem críticos à nova realidade da indústria cultural.
Atentos à transformação, eles sabem que os novos valores são fornecidos pelos
veículos de massa, como os jornais, o rádio, a televisão, a música reproduzida e reproduzível,
vale dizer, pelas novas formas de comunicação visual e auditiva, realidade esta a que ninguém
pode fugir (ECO, 1987: 11). E usam esses veículos para se promoverem – assim como o fez
Andy Warhol –, mas sem perder a visão crítica em relação à mídia.
Enquanto, muitos compositores esnobavam programas de TV, como a “Discoteca do
Chacrinha”, os tropicalistas faziam questão de aparecer por lá, sem falar no programa “Divino
Maravilhoso”, um espaço criado para eles chocava os telespectadores, tanto pelo visual
agressivo quanto pelos cenários, pintados com cores berrantes, e pela irreverência das
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atrações apresentadas em estilo de happenings. O público conservador enviava cartas
agressivas à direção da TV Tupi, pedindo a suspensão dos tropicalistas pelas ofensas à moral
e aos bons costumes. (CALADO, 1997: 234-235).
Ao ocupar o espaço da TV por meio de programas anárquicos, o Tropicalismo, já
abertamente hostilizado pelos militantes de esquerda em razão da adoção do rock e das
guitarras em suas composições musicais, da crítica à xenofobia musical, bem como da
inserção de elementos da cultura pop e de massa, e, ainda, do uso de palavras americanas nas
letras, além do rebolado no palco, ganha também a irritação da direita que, consciente da
força da linguagem do espetáculo, avalia a entrada dos tropicalistas na televisão como uma
conquista mais ameaçadora à ordem instituída que os discursos engajados da esquerda, uma
vez que, em seus programas, estavam desorganizando valores cristalizados no espaço da
televisão e atingindo o povo; massa de espectadores estrategicamente observada e manipulada
pelos militares.
A crítica aos meios de comunicação de massa não se resumia apenas às apresentações
dos tropicalistas na TV. As letras de músicas também servia para criticar os mass media. E
sempre que faziam isso preferiam usar uma linguagem irônica. Um bom exemplo é a letra de
“Parque Industrial”, de Tom Zé, uma das doze músicas do disco-manifesto Tropicália – ou
Panis et Circencis: (...) As revistas moralistas/ Traz uma lista de pecados das vedetes/ E tem
jornal popular/ Que nunca se espreme/ Porque pode derramar/ É um banco de sangue/
Encadernado/ Já vem pronto e tabelado/ É somente folhear e usar/ Porque é made, made,
made/ Made in Brazil (...).
Embora os compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, os líderes do movimento,
tenham inúmeras vezes declarado à imprensa que o Tropicalismo está historicamente
sepultado, não há dúvida de que ele se enraizou de modo definitivo em nossa cultura. Não foi
apenas uma moda a mais. Não se tornou uma simples peça de museu. Sua grande contribuição
foi ter alargado o horizonte da música popular brasileira, e de maneira mais discreta, em
outros setores das artes.
No que tange à música, além de revelar criticamente a interpretação cultural da
contemporaneidade, como resultado da tecnologia dos meios de comunicação de massa,
incentivou a pesquisa, o rigor instrumental e afastou o decantado improviso em relação às
letras das canções.
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Referências
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005.
CALADO, Carlos. Tropicália – A história de uma revolução musical. São Paulo: Editora
34, 1997.
CAMPOS, Augusto de. BALANÇO DA BOSSA - e outras bossas. 3 ed. São Paulo:
Perspectiva, 1978.
CARVALHO, Carlos André. Tropicalismo – Geléia Geral das Vanguardas Poéticas
Contemporâneas Brasileiras. 1 ed. Coleção Teses. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008.
COUTO, Maria de Fátima. Por uma vanguarda nacional. São Paulo: Editora Unicamp,
2004.
DUNN, Christopher. Brutalidade Jardim – A Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira. 1 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2009. ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1987.
FAVARETTO, Celso. Tropicália – Alegoria alegria. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial,
2000.
FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte – Os movimentos e as obras mais importantes de todos os tempos. 1 ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. Coletânea de artigos organizada por Aracy Amaral. São Paulo: Perspectiva, 1986. PROENÇA, Graça. História da Arte. 17 ed. São Paulo: Eidtora Ática, 2008. RISÉRIO, Antonio (org.). Gilberto Gil – Expresso 2222. São Paulo: Corrupio, 1982. STRICKLAND, Carol. Arte Comentada – Da Pré-História ao Pós-Moderno. 15ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. Petrópolis:
Vozes, 1986.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular – Da Modinha ao Tropicalismo. 5 ed. São Paulo: Art Editora, 1986.
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.