expernestosilva
DESCRIPTION
O plano era de complexidade crescente, começava com a unidade satélite, depois com o Hospital Rural, o Hospital 27 ANAIS • Ano I • Volume 1 28 ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA Antiga empresa costrutora responsável pela construção de várias obras em Brasília. 1TRANSCRIPT
27
ANAIS • Ano I • Volume 1
Ernesto Silva
Quando estava no Rio de Janeiro, no Hospital São Zaca-
rias de Pediatria, notei que cada instituto tinha um hos-
pital, um ambulatório. O usuário que estivesse do lado do Hos-
pital do IAPTEC, por exemplo, se fosse comerciário, não poderia
usá-lo. Teria que ir ao Hospital dos Comerciários, no Leblon. A
ideia de que o usuário não pudesse usar o hospital ao lado da sua
casa sempre me atormentou. Se tudo é do governo, por que não
se fazia uma coisa só? E isso me veio à mente aqui em Brasília.
Quando estava na Novacap, cada diretor tinha uma função
de acordo com suas habilidades. Sayão cuidava da questão de
obras, um representante da oposição era encarregado da con-
tabilidade. Fiquei com saúde, educação, assistência social e mais
três departamentos: pessoal, imobiliário e material. No campo
de departamento imobiliário, vendíamos terrenos e, quando um
instituto solicitava espaço para fazer um hospital, não o dáva-
mos, porque não havia lugar para ele. Dentro do plano Bandeira
de Mello, tínhamos que colocar cada hospital distrital de acordo
com determinado grupo por população. Em cada Asa havia um
hospital distrital e, depois, o Hospital de Base.
O plano era de complexidade crescente, começava com
a unidade satélite, depois com o Hospital Rural, o Hospital
28
ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA
Distrital e o Hospital de Base. Esse Hospital Satélite nunca foi
feito, porque, com a oferta de dinheiro do Ministério da As-
sistência Social, vieram os centros de saúde, que foram cons-
truídos em todas as cidades-satélites, assim como os hospi-
tais distritais.
O Hospital de Base foi o primeiro hospital distrital. Foi
construído com muita difi culdade, porque Bandeira de Mello
fez um estudo do hospital distrital mostrando o que e como
devia ser feito, em todas as unidades. Com esse programa, Os-
car Niemeyer fez uma planta do hospital com 12 pavimentos
e com todas aquelas características indicadas pelo plano. Esse
projeto foi para o conselho da Novacap e foi aprovada a cons-
trução. Israel Pinheiro queria dar uma projeção a Pederneiras1,
que começou a fazer o hospital. Acontece que todas as obras
eram fi xadas mais ou menos no Eixo Monumental, como a Pra-
ça dos Três Poderes e os ministérios. O hospital era construído
perto da W3. Um dia, Israel Pinheiro estava passando por ali, viu
aquele esqueleto na quarta laje subindo e quis ir lá. Chegou ao
gabinete e disse: “Seu Ernesto, como você me enganou fazen-
do um hospital daquele tamanho?”. Mas o conselho aprovou.
Houve até um pouco de desinteresse pelo hospital. Tanto que,
quando faltava um mês para a inauguração de Brasília, retira-
ram 150 operários para acabar o Cine Brasília.
Mesmo assim, o hospital não foi inaugurado em 21 de
abril, e sim em 12 de setembro de 1960. Além disso, tivemos
que fazer uma concorrência internacional de todo o material.
1 Antiga empresa costrutora responsável pela construção de várias obras em Brasília.
29
ANAIS • Ano I • Volume 1
Consegui falar com Juscelino e explicar que havia resistência da
Novacap. Ele disse: “Pode fazer concorrência internacional que
vou até conseguir o empréstimo estrangeiro”. Então, foi feita
essa concorrência no total de 2,6 milhões de dólares, vencida
pela General Eletric. Todos que foram ao hospital viram que era
um primor: tudo com muita qualidade. Lembro-me de que foi
feita a relação de todo o material que precisávamos e consegui-
mos fazer todo o hospital distrital.
Tínhamos uma comissão que foi nomeada pelo presidente
da República: éramos eu, Bandeira de Mello, Amador, Rodrigo
Otávio. Em uma reunião, resolvemos que os médicos deviam
trabalhar em tempo integral, o que realmente aconteceu, mas,
depois que Jânio veio aqui, houve a necessidade de termos
alguns médicos em tempo parcial, como os do Senado e da
Câmara, que trabalhavam somente quatro horas. Alguns mé-
dicos queriam também quatro horas; estava nesse conselho
de médicos e fui contra. Meu voto foi publicado no Correio
Braziliense e, no dia seguinte, Jânio Quadros deu um bilhe-
tinho para o Paulo de Tarso dizendo que não admitia quatro
horas de serviço.
Também instituímos o pró-labore para os médicos. O mé-
dico, quando é funcionário público, geralmente diz que é fun-
cionário público, e não um clínico. Então, o usuário tinha o di-
reito de escolher o médico de sua preferência. Os médicos que
trabalhavam mais, ganhavam mais – era o pró-labore. Depois,
veio o pró-labore global, da pediatria e do clínico. Aquilo foi se
esmaecendo e acabou.
30
ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA
O hospital funcionava sempre com muita efi ciência e era
respeitado pela sociedade. Era, talvez, um dos três hospitais
que poderiam ser considerados ótimos no Brasil; estávamos no
nível do Hospital de Clínicas de São Paulo. Logo depois da mu-
dança da capital, fi zemos convênios com o IPASE, com todos
os institutos, inclusive com o Exército, Marinha e Aeronáutica,
antes de haver hospital militar. Todos os institutos eram usa-
dos pela Prefeitura do Distrito Federal. Então nasceu o SUS, em
1960, só confi rmado em 1988.
Na época em que fui diretor de Saúde, trabalhamos todos
os centros de saúde e o sistema médico fi cou muito bem estru-
turado. Havia quadras do Exército ou da Aeronáutica que não
permitiam a entrada do agente de saúde para cadastramento
sanitário da população, que era uma forma de recenseamento
do setor de saúde, a fi m de que a Secretaria de Saúde conhe-
cesse a comunidade e pudesse cumprir a sua missão de be-
nefi ciar toda a sociedade. Encontramos uma porta de entrada
muito boa. A própria Marinha, que era mais resistente, colabo-
rou, e o êxito foi a compreensão da sociedade, principalmente
daquelas pessoas que tinham médico particular.
Fui ao então ministro da Saúde Maurício Medeiros pedir
a indicação de alguém que pudesse fazer e organizar um sis-
tema de saúde, um técnico hospitalar. Ele indicou Bandeira de
Mello, que ganhava uma percentagem qualquer da Novacap
para fazer esse serviço. Levou um ano para fazer, contou com
todo o nosso apoio. Depois, veio Mário Pinotti, que concor-
dou. O Ministério da Saúde também deixou um médico de
31
ANAIS • Ano I • Volume 1
endemias rurais aqui. Meses depois, mandou um médico (Flo-
rentino) da tuberculose, que veio com seu aparelho de raio-x
portátil, percorria todos os acampamentos, fez cadastro e,
quando havia casos mais graves, dávamos uma passagem para
a pessoa voltar. Fizemos um hospital pequeno para internar os
casos mais leves; tivemos as pioneiras sociais, que ajudaram
muito com a irmã Olga e a irmã Terezinha, e fi zemos um hos-
pitalzinho em Taguatinga.
Ernesto Silva: Médico pediatra e ex-diretor da Novacap.